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IFMA CAMPUS MARACANÃ- SÃO LUÍS 20/08/2022

NOME:HELOISA LOPES LIMA

ANÁLISE DO LIVRO DE MACHADO


DE ASSIS
(A IGREJA DO DIABO
O conto “A Igreja do Diabo” foi publicado em 1884 no livro Histórias sem data. O nome é
bastante justo pois, logo ao ler este conto pela primeira vez, o leitor se fascina com a
abordagem do tema de maneira tão atemporal.

A narrativa de “A Igreja do Diabo” conta do dia em que o diabo, sempre cúpido de poder e
cansado da desorganização histórica em que vivia, resolve fundar sua própria igreja, com
suas próprias regras. E regras muito atraentes para as pessoas: transgredir todas as leis,
em especial, as leis divinas. O inimigo de Deus visava conquistar a hegemonia entre as
religiões do mundo inteiro, prometendo infinitos lucros aos afiliados. Praticar o bem seria
então condenável e fazer o que todos sempre tiveram que reprimir seria sublime.
Resumindo: a eterna relação de Deus/religião, homem/razão.

A crítica e a irreverência se apresentam a todo momento ao longo da narrativa. Machado


põe como a realização de nossos íntimos desejos a alegria do Diabo, em atitudes como
praticar os sete pecados capitais, trapacear, cometer adultério ou mentir. Para a
oficialização da decisão do diabo, mostra uma conversa entre o próprio e Deus, que o
recebe pacificamente. Neste momento o demônio, com bastante ironia compara a religião a
um comércio, dizendo a Deus: “Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa
vazia, por causa do preço, que é alto.”, ou seja, dizendo que paga-se caro para viver de
acordo com as leis da Igreja. E também, é claro, fazendo uma alusão à questão da Igreja
com o dinheiro de seus fiéis em troca da suposta salvação.

Ao longo da leitura vemos muitos exemplos de intertextualidades, o que veremos melhor


adiante, mas a bíblia é a principal referência.. Porém, diferentemente do que possa parecer,
a religião não é o tema central, pois, também vale citar o contexto histórico em que o conto
foi publicado, em 1884. Na época, a decadência do Império era evidente, devido à
propagação dos ideais positivistas que conclamavam a criação da República e, um dos
alvos das críticas dos positivistas era a Igreja Católica, um dos pilares do regime
monárquico.

Na realidade o tema central é a humanidade e suas contradições. Após serem


apresentados a uma religião em que seriam contemplados por praticarem suas vontades
sem terem que pensar em consequências, as pessoas começam aos poucos a praticar
boas ações, ajudarem uns aos outros discretamente, como que parecessem não resistir a
fazer o que, a partir de então, se apresentava como o proibido. Este súbito comportamento
deixa satanás atônito, sem saber o que levava aquele povo a cometer tais condenáveis
atitudes. Sente-se traído e procura Deus que dá o fechamento da estória, dando-lhe
apenas, de maneira muito serena, a seguinte declaração: “É a eterna contradição humana.”

Um detalhe muito importante de se perceber na leitura é o fato de que Deus é apresentado


com sabedoria, paciência e conivência com o livre-arbítrio: em nenhum momento se opunha
às atitudes do diabo ou das pessoas, a exata imagem que nós fazemos de D’Ele. No
entanto, o texto que faz uma crítica à humanidade, apresenta o diabo com características
essencialmente humanas. Ele sente inveja e aspira ao poder e à dominação a todo
momento, sentimentos extremamente humanos. A aplicação dessa personalidade ao diabo
reforça o retrato que o autor faz de nossa natureza que é dividida entre o bem e o mal, o
que podemos observar, por exemplo, no comportamento de crianças pequenas. Ao fazerem
coisas que julgamos erradas, pode-se ver em seus rostos que sabem que estão fazendo
algo que não devem e estão desfrutando da sensação de fazer algo proibido. A obra
machadiana sempre evoca a reflexão da questão de nascermos com o bem e o mal e a
questão de sermos corrompidos pelo meio em que vivemos, a nature X nurture. Vê-se
também em todas as obras de Machado, sua maneira negativa de enxergar a alma
humana, como corruptível e, não importando como ou com o quê, nunca se sente satisfeita.

O diabo, retratado de maneira extremamente alegórica, propõe uma doutrina muito


semelhante à de Deus,a única diferença é que acaba por ser sua mais profunda negação. O
diabo se propõe a negar o que reflete, mostrar o contrário, o que nos remete à citação de
Santo Agostinho: “A igreja do Diabo imita a igreja de Deus”.

Os diálogos que o conto faz são fundamentais para sua composição e para a compreensão
do mesmo. A começar pelo título que por si só já é uma paródia entre o divino (Deus) e o
profano (Diabo), o primeiro uso de carnavalização. É parodiado também o confronto
Escritura X Escritura, pelo fato de o diabo copiar os rituais da Igreja divina, e também a
pedra fundamental, que o Diabo cita quando anuncia a criação da sua Igreja: “Vou lançar a
minha pedra fundamental”.

A intertextualidade observada é muito interessante, começando no capítulo II, quando Deus


recebe a visita do satanás nos recantos celestes, Deus recolhe um homem chamado
Fausto, fazendo aí uma intertextualidade com uma das obras mais famosas do romancista
alemão Johannes Von Goethe, “Fausto” e sua concepção de homem para o germânico, que
são as mesmas de Machado de Assis: “Falas assim porque só tens uma aflição, não
procuras jamais desvendar as outras! No meu corpo há duas almas em competição, anseia
cada qual da outra se apartar. Uma rude me arrasta aos prazeres da terra, e se apega a
este mundo, anseios redobrados; outra ascende nos ares; nos espaços erra, aspira à vida
eterna e a seus antepassados. Oh, se existem espíritos no alto firmamento, que entre a
terra e o céu se agitam com freqüência que desçam dessa névoa áurea, num momento, e
me levem a essa nova e brilhante existência!”. A personagem vendeu sua alma ao diabo em
troca do saber supremo, mais um exemplo da facilidade que o diabo tem em seduzir o
homem.

No capítulo III, Machado cita o prosador renascentista francês François Rabelais e sua obra
“Gargântua e Pantagruel”, uma ilustração para enumerar as qualidades do Diabo: “O
mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos
do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das
suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal”. A citação cumpre o objetivo do texto:
mostrar a tendência dos homens, que ao terem acesso às regras essenciais da religião
cristã, passam a respeitar estas e a não burlá-las mais. Assim acontece no conto, quando o
Diabo começa a perder a sua força, visto que seus adeptos estavam praticando as ações
cristãs e não mais praticando as ações recomendadas pelo mesmo.

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