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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO - UEMA

CAMPUS BARRA DO CORDA - UEMA


CURSO: LETRAS LICENCIATURA LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS DE
LÍNGUA PORTUGUESA
DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA DO ROMANTISMO AO REALISMO
DOCENTE: RAIMUNDO JOSÉ
6° PERÍODO

FRANCISCO DAS CHAGAS PEREIRA DE MELO

ANÁLISE CRÍTICA DO CONTO: A IGREJA DO DIABO DE MACHADO DE ASSIS

Barra do Corda
2022
FRANCISCO DAS CHAGAS PEREIRA DE MELO

ANÁLISE CRÍTICA DO CONTO: A IGREJA DO DIABO DE MACHADO DE ASSIS

Trabalho apresentado a disciplina de


Literatura Brasileira do Romantismo ao
Realismo, no curso de Licenciatura em
Letras da Universidade Estadual do
Maranhã – UEMA.
Orientador: Prof. Me. Raimundo José

Barra do Corda
2022
ANÁLISE CRÍTICA: A IGREJA DO DIABO

O referido conto de Machado de Assis possui um narrador onisciente,


foi escrito em 3ª pessoa e conta a história de quando o diabo teve a ideia de fundar
sua própria igreja para que todos vivessem de acordo com seus ensinamentos.
A história está dividida em quatro capítulos, o primeiro é intitulado, “De uma
ideia mirífica”, onde revela-se a insatisfação do diabo ao ver que, embora tenha
obtido grandes lucros com seu trabalho na terra, via-se desanimado diante da
desorganização em que vivia há muito tempo, e por isso, “sentia-se humilhado com
o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem
cânones, sem ritual, sem nada”, e tentaria mudar isso.
Com isso, começa a questionar-se por que não teria sua igreja, para que com
ela pudesse destruir todas as outras, porque segundo ele, enquanto as outras
igrejas dividem-se, a dele seria universal pois, “Há muitos modos de afirmar; há só
um de negar tudo”. Fazia descrições de como seria instituída sua igreja, como no
seguinte fragmento, “ Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas
prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico”. E agindo desta
forma, seguiria sem encontrar alguém que discordasse de seus preceitos. Depois de
tomar sua decisão, resolveu comunicá-la a Deus, e assim, foi ao seu encontro para
o desafiar.
Em seguida, dá-se início ao segundo capítulo “Entre Deus e o Diabo”, onde
explica-se como se deu o diálogo entre os dois personagens principais. Ao chegar
no céu, a inusitada presença do diabo causou certo incômodo nos anjos celestes
descritos como serafins, mas o diabo foi diretamente ao encontro de Deus, que
estava acolhendo um ancião chamado Fausto naquele momento. Um ponto a ser
observado nesta narrativa, é que o diabo era descrito com “olhos, acesos de ódio,
ásperos de vingança” e com personalidade rebelde de ira e inveja.
Todavia, o diabo ao ver este homem retratado como bom e honesto sendo
recebido no céu, começou a fazer provocações e a dizer que provavelmente seria
um dos últimos a ser recebido com glória, pois “[...] Não tarda muito que o céu fique
semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto”, julgando não haver
mais ninguém disposto a praticar tais bondades. Já ele, o diabo, edificaria uma
hospedaria barata a todos, e continuou a dar explicações sobre sua igreja, sempre
com o mesmo tom desafiador, e ar de escárnio.
Com efeito, Deus o questiona sobre sua esta recente ideia no seguinte
fragmento, “[...] basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da
tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja”, e o diabo sempre
astuto em suas respostas, começa a esclarecer seus métodos de conquistar fiéis e
expandir sua igreja usando a seguinte metáfora:

“Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é


que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a
rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu
proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para minha igreja;
atrás delas virão as de seda pura… (ASSIS, 1884)

A metáfora usada pelo diabo, é construída a respeito da vestimenta de época,


sendo que as virtudes do céu são comparadas aos tecidos caros usados pela
realeza, como o veludo de seda pura, mas com franja de algodão, um tecido mais
barato e frágil, seria comparado à fragilidade humana, que seria essa a parte que
interessa ao diabo, pois se aproveitaria dessa fraqueza para seduzir as pessoas
para sua igreja. 
E diante das suas explicações, o Senhor responde que todos os pontos fracos
que ele diz que irá usar contra as pessoas, já está sendo dito e redito pelos
moralistas do mundo, o que pode ser interpretado como uma crítica dentro da
narrativa, uma vez que as pessoas se dizem cheias de moral e ética, quando na
verdade apropriam-se disso para satisfazer seu ego e sentirem -se superiores. Sem
hesitar, Deus permite que o diabo experimente puxar as pessoas por essas franjas e
seguir com sua ideia de convocar os homens para sua igreja.
Por conseguinte, o terceiro capítulo, intitula-se “A boa nova aos homens”,
onde conta-se como foi a chegada do diabo na terra, e mostra quais métodos foram
usados por ele para persuadir a todos, “Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as
delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos”. Dizia-se inocente em
relação às histórias contadas a seu respeito, e “[...] Confessava que era o Diabo;
mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele.", tentava
mostrar-se diferente do que as pessoas pensavam que ele fosse, audacioso,
dizia-se gênio da natureza e o verdadeiro pai dos homens. 
Mas, sendo na verdade o pai da mentira, tratou logo de resinificar os pecados
capitais e reverter os valores cristãos, pregando que as virtudes aceitas deviam ser
substituídas por aquelas que segundo ele, seriam as naturais e legítimas para os
homens, como a soberba, a luxúria, a preguiça, avareza, gula, ira e inveja; Chamava
a fraude de braço esquerdo do homem e força de braço direito. Anunciava a
venalidade e dizia que ela estava acima de todos os direitos, que seria os de vender
os valores, o voto, a fé etc. que tudo na terra seria negociável.
A história também utiliza-se da intertextualidade narrativa, quando aborda os
exemplos dos escritos como a obra Ilíada de Homero, para retratar um exemplo a
respeito do furor e da ira humana. “[...] O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de
eloquência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as
perversas e detestar as sãs”. Seguindo com suas conquistas, causando entusiasmo
e espalhando sua doutrina pelo mundo todo.
Para que seu plano fosse mais bem sucedido, presumiu que deveria acabar
com a solidariedade humana e com o amor ao próximo, e afirmava que “[...] não se
devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo”. O
único amor aceito em sua doutrina, seria o amor adúltero, criando-se posteriormente
um apólogo sobre este tipo de amor ao seu livro da sabedoria.
No quarto e último capítulo, “Franjas e Franjas”, constata-se o triunfo do
diabo, onde conta-se que, “A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia
uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma
raça que não a amasse”. Porém, alguns anos depois, uma descoberta assustou o
diabo, ele percebe que nem todos estavam seguindo à risca o que fora pregado em
sua igreja, observou que pessoas estavam praticando antigas virtudes às
escondidas.
Os glutões nem sempre comiam vorazmente o ano todo, alguns estavam
guardando os preceitos e datas católicas, avaros e fraudulentos davam esmolas,
alguns casos pareciam até incompreensíveis para ele, como na situação de
droguistas que começaram a socorrer suas vítimas, e no caso de um ladrão de
camelos que passou a frequentar mesquitas. E um caso lhe foi mais surpreendente,
pois, um de seus melhores apóstolos, um falsificador de documentos, o que seria a
fraude em pessoa, estava confessando-se com um cônego numa capela solitária.
   Reconhecendo estas situações análogas ao seu passado, voltou pro céu
em busca de possíveis respostas para este curioso fenômeno, e Deus o recebeu
sem interrupções e com complacência, ouviu aquelas palavras de revolta e angústia
satânica, e responde o diabo usando a mesma metáfora que foi usada anteriormente
sobre os tecidos, como se o fizesse provar de seu próprio veneno, e afirma que ele
apenas deparou-se com a inconstância humana e suas contradições.
Logo, este conto traz uma incrível reviravolta no desfecho, o qual pode ser
comparado ao de uma fábula, pois deixa uma mensagem para ser interpretada pelo
leitor. Nesse caso, podemos refletir sobre a inversão de papéis entre Deus e o diabo,
que caso fosse o contrário, e o mal no mundo fosse o correto a se praticar, ainda
assim, haveria a rebeldia inerente à essência humana, e logo alguém praticaria o
bem, para tentar satisfazer-se. Contudo, mediante o que foi lido, pode-se chegar à
conclusão de que, mesmo sendo Deus o bom pastor, que ama e prega o amor,
como o bem comum a todos, tem-se a impressão de que o ser humano nunca estará
satisfeito.

REFERÊNCIA

ASSIS, Machado de. Volume de contos. Rio de Janeiro: Garnier, 1884.

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