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MENTALIDADE DE DESENVOLVIMENTO

MUDANÇA: IMPERATIVO DO UNIVERSO


A ENTROPIA
A arte da Contrarreforma: estamos diante de uma arte eclesiástica, que deseja
propagar a fé católica. As obras de arte deveriam falar aos fiéis com a maior
eficiência possível mas, em momento algum, descer até eles. Daí o caráter solene da
arte barroca – arte que deve convencer, conquistar, impor admiração seja pela
admiração ou pelo temor.
Conflito entre corpo e alma: instaura-se na arte um conflito fundamental que mesmo
o Barroco não consegue equacionar de todo: o conflito entre os prazeres corpóreos e
as exigências da alma. O dilema se centra na oposição da vida eterna / vida terrena.
A temática da passagem do tempo: dilacerado entre a alegria da existência e a
preparação para a morte, o homem barroco assume uma consciência integral da
fugacidade da vida humana. O tempo, veloz e avassalador, destrói a tudo e a todos
em sua passagem.
Forma tumultuosa: se a harmonia formal dos clássicos correspondia a uma harmonia
interior, durante o período barroco a forma é conturbada, traduzindo a oposição
entre os princípios renascentistas e a ética cristã, entre a modernidade e tradição
medieval.
O período Barroco é o primeiro período da literatura no
Brasil. O grande centro urbano e cultural da colônia é
Salvador (1555), que é a capital brasileira na época.
Lá vive a nata da sociedade – comerciantes, funcionários da
Coroa portuguesa e representantes clericais. É um lugar onde
convivem várias raças: europeus vindos atrás de lucros fáceis
e oportunidades, indígenas semicivilizados que não aceitam a
escravidão e negros africanos, aprisionados para trabalharem
como escravos nas primeiras fazendas e plantações.
Nesse primeiro momento, a literatura não conseguiu grande
expressão, já que a pobreza intelectual do meio – sedimentada
no analfabetismo e na relação ódio / temor que o livro
despertava nas elites – impedia uma literatura mais rica.
Imitavam-se os modelos europeus: Camões, Gôngora e Quevedo.
Outro foi o destino das artes plásticas do Barroco brasileiro.
Passada a fase do período baiano, atingiu-se a província de
Minas Gerais – que viverá a grandeza de um estilo já condenado
no resto do mundo. Aleijadinho elabora uma arte
profundamente nacional e popular, que causa espanto até os
nossos dias por sua enorme força dramática.
As principais características do Barroco,
também chamado de seiscentismo, são o
dualismo, a riqueza de detalhes e o
exagero.
A linguagem desse movimento tentou unir
os valores medievais aos da cultura grega e
latina, os quais foram evidenciados com o
Renascimento.
De modo geral, o barroco na literatura é
marcado por características que evidenciam
o jogo de palavras e de ideias. Além disso,
é marcante o uso das figuras de linguagem
como a metáfora, inversões, hipérbole,
paradoxo e antítese.
Cultismo: é a parte concreta da poesia. Trata-se da
escolha das palavras com as quais o poeta trabalhará
o seu texto literário e a maneira como ele colocará
essas palavras dentro da obra.

Conceptismo: é a parte abstrata da poesia. É a


concepção (ideia, interpretação) que o leitor faz a
partir do jogo das palavras dentro do texto e a
consequente mensagem passada pelo escritor.
Metáfora: é uma espécie de atribuição de identidade de
um ser a outro por haver entre eles alguma característica
que os una de alguma maneira.
Este homem é um computador. (guardador de informações)

Antítese: é o uso de palavras que têm sentidos opostos.


Quando a antítese é no campo das ideias, nós a
chamaremos de paradoxo.
Eu não sei o que encaro: o céu ou o inferno? (céu – inferno)
Hipérbole: é o exagero na expressão. Talvez, esta seja a
figura de linguagem que melhor represente o período
Barroco e seus poetas.
Bilhões de lágrimas foram choradas por mim. (bilhões?)

Hipérbato: é a inversão violenta da ordem das palavras


dentro da oração, estabelecendo uma forma
contraditória, exacerbada, incompreensível.
De flores um ramalhete os alunos à professora deram.
Gradação: é o emprego de uma seqüência lógica de
palavras que se encontrem em sentido crescente ou
decrescente.
Caiu o primeiro pingo, que se transformou em chuvisco e em garoa. A
chuva caiu forte, em tempestade, em toró, em vendaval... Foi um
verdadeiro dilúvio.
Pe. Antônio Vieira
Português, o padre Antônio Vieira
escreveu muitos sermões que ficaram
marcados na literatura por suas
mensagens conceptistas. Viveu sua vida
entre a metrópole (Portugal) e a colônia
(Brasil). Por isso, até hoje, é estudado
pelas duas literaturas como um dos
maiores representantes barrocos.
Obras: “Sermão da sexagésima”,
“Sermão das boas armas de Portugal
contra as de Holanda”, “Sermão aos
peixes” (sua obra compreende mais de
duzentos sermões, sempre longos e bem
elaborados, de fundo catequético).
“Sermão da sexagésima” (trecho)

Fazer pouco fruto a palavra de Deus no mundo, pode


proceder de um dos três princípios: ou da parte do pregador, ou da
parte do ouvinte ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por
meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o
pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com
o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça,
alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três
coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver
por falta dos olhos; se tem espelho e olhos e é de noite, não se pode ver
por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister
olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem
dentro de si e ver-se a si mesmo?
Para esta vista são necessários os olhos, é necessária a luz e é
necessário o espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a
doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre
com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das
almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus,
do pregador e do ouvinte, por qual deles havemos de entender que
falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de
Deus? (...)
Supostas estas duas demonstrações; suposto que o fruto e o
efeito da palavra de Deus, não fica, nem por parte de Deus, nem por
parte dos ouvintes, segue-se por conseqüência clara, que fica por parte
do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, por que não faz fruto a
palavra de Deus? – Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, por
que não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa nossa.
“Sermão aos peixes” (trecho)

A primeira coisa que me desedifica, peixes, de vós, é que


comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o
faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os
grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário era menos mal. Se
os peixes pequenos comeram os peixes grandes, bastara um peixe
grande para muitos pequenos; mas como os peixes grandes comem os
pequenos, não bastam cem peixes pequenos, nem mil para um só peixe
grande. (...)
Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como
os peixes que se comem uns aos outros. Tão alheia é, não só da razão,
mas da mesma natureza que, sendo todos criados no mesmo elemento,
todos cidadãos da mesma Pátria e todos, finalmente, irmãos, vivais de
vos comer.
“Sermão do bom ladrão” (trecho)

Suponho que os ladrões de que falo não são aqueles


miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este
gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu
pecado, como diz Salomão: “o ladrão que furta para comer não vai
nem leva ao inferno. Os que, não só vão mas levam, de que trato, são
os ladrões de maior calibre e da mais alta esfera, os quais debaixo do
mesmo nome e do mesmo predicamento, distingue muito bem São
Basílio Magno. “Não são ladrões” – diz o santo – “os que cortam
bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhe colher a roupa; os
ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são
aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o
governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, já
com manha, já com força, roubam e despojam os povos”.
Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e
reinos; os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem
perigo; os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.
Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens,
viu que uma tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar
uns ladrões e começou a gritar: “lá vão os ladrões grandes enforcar os
pequenos”. Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as
outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas.
Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter
furtado um carneiro e, no mesmo dia, ser levado em triunfo um cônsul
ou um ditador por ter roubado uma província! De um chamado
Seronato disse, com discreta contraposição, Sidônio Apolinar:
“Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos e
em os fazer”. Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os
ladrões do mundo, para somente ele poder roubar a tudo e a todos.
Gregório de Matos Guerra
Soteropolitano, é considerado nosso
primeiro grande escritor. Com sua
linguagem pouco ortodoxa para a
época, ganhou a alcunha de “Boca do
Inferno” por não respeitar nem os
poderosos da Bahia nem o clero. Sua
produção literária é vastíssima e
contraditória: tinha poesias líricas
(tratavam do amor e da natureza do
mundo), poesias religiosas (tratavam
de Deus, de Cristo e dos santos, mas
não da Igreja) e as poesias satíricas
(que lhe valeram a alcunha pela
ridicularização da sociedade).
Ao braço do mesmo Menino Jesus quando apareceu
O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.
A Nosso Senhor Jesus Cristo com atos de arrependido
e suspiros de amor
Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,
É verdade, meu Deus, que hei delinqüido,
Delinqüido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.
Maldade, que encaminha à vaidade,
Vaidade, que todo me há vencido;
Vencido quero ver-me, e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade.
Arrependido estou de coração,
De coração vos busco, dai-me os braços,
Abraços, que me rendem vossa luz.
Luz, que claro me mostra a salvação,
A salvação perdendo em tais abraços,
Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.
A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,


Da vossa alta clemência me despido;
Porque, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vós irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Buscando a Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,


Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos
E, por não castigar-me, estais cravados.
A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois para perdoar-me, estais despertos
E, por não condenar-me, estais fechados.
A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, para chamar-me.
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
Rompe o poeta com a primeira impaciência
querendo declarar-se e temendo perder por ousado.
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo que me tenta e não me guarda.
Pintura admirável de uma beleza

Vês esse Sol de luzes coroado?


Em pérolas a Aurora convertida?
Vês a Lua de estrelas guarnecida?
Vês o céu de planetas adorado?
O Céu deixemos: vês naquele prado
A Rosa com razão desvanecida?
A Açucena por alva presumida?
O Cravo por galã lisonjeado?
Deixa o prado; vem cá, minha adorada,
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucesso aljôfar desatada?
Parece aos olhos ser de prata fina?
Vês tudo isto bem? Pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Caterina.
A uma senhora formosa e discreta chamada Maria dos Povos

Discreta e formosíssima Maria,


Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos e boca, o sol e o dia:
Enquanto com gentil descortesia,
O ar, que fresco Adônis te adora,
Te espalha a rica trança brilhadora,
Quando vem passear-te pela fria:
Goza, goza da flor da mocidade
Que o tempo trata a toda ligeireza
E imprime em toda a flor sua pisada.
Oh! Não aguardas que a madura idade,
Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.
Sobre a inconstância da beleza e do tempo
Nasce o Sol e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
Aos afetos e lágrimas derramadas
na ausência da dama a quem queria bem
Ardor em firme coração nascido!
Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!
Tu, que em um peito abrasas escondido,
Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando em fogo em cristais aprisionado,
Quando em cristal em chamas derretido.
Se és fogo como passas brandamente?
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! Que andou Amor em ti prudente!
Pois para temperar a tirania,
Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.
Desenganos da vida humana metaforicamente

É a vaidade, Fábio, nesta vida,


Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpura mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida.
É planta, que de abril favorecida,
Por mares de soberba desatada,
Florida galeota empavesada,
Sulca ufana, navega destemida.
É nau, enfim, que em breve ligeireza,
Com presunção de Fênix generosa,
Galhardias apresta, alentos preza:
Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa
De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?
Descreve o que era realmente naquele tempo a cidade da
Bahia de mais enredada por menos confusa
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar a cabana e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um freqüentado olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para a levar à Praça e ao Terreiro.
Muitos Mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia.
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia.
A uma prostituta que vendia seus serviços ao poeta

Descarto-me da tronga, que me chupa;


Corro por um conchego todo o mapa;
O ar da feia me arrebata a capa
E o gadanho dá limpa até a garupa.
Busco uma freira que me desentupa
As vias, que o desuso, às vezes, tapa.
Topo-a e topando-a todo bolo rapa?
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa?
Que hei de fazer se sou de boa cepa?
E na hora de ver repleta a tripa
Darei por quem mo vase toda Europa?
Amigo, quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa
Ou faz de sua mão uma cachopa.
A outra freira que, satirizando a delgada fisionomia
do poeta, lhe chamou pica-flor

Se Pica-flor me chamais,
Pica-flor aceito ser,
mas resta agora saber,
se no nome, que me dais,
meteis a flor, que guardais
no passarinho melhor!
Se me dais este favor,
sendo só de mim o Pica,
e o mais vosso, claro fica,
que fico então Pica-flor.
Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em
todos os membros, e inteira definição do que em todos os tempos é a
Bahia.
Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.
Quais são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou ao Demo os insensatos,
Dou ao Demo o povo asnal,
Que estima por cabedal,
Pretos, mestiços, mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos?... Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas?... Guardas.
Quem as tem nos aposentos?... Sargentos.
Os círios lá vem aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.
E que justiça a resguarda?... Bastarda.
É grátis distribuída?... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?... Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
O que El-Rei nos dá de graça.
Que anda a Justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.
Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha
Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.
E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.
O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Sumiu.
Logo já convalesceu?... Morreu.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece:
Cai na cama e o mal cresce,
Baixou, sumiu e morreu.
Câmara não acode?... Não pode.
Pois não tem todo o poder?... Não quer.
É que o governo a convence?... Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre
Não pode, não quer, não vence.

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