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São Paulo e São Carlos, 25 de agosto de 2014

Ilmo's Srs. e Sras. servidores da CEF e Ministério das Cidades,


responsáveis pelo Programa Minha Casa Minha Vida Rural,

Vimos por meio desta requerer com veemência a liberação antecipada de 50% do valor de
assessoria técnica para que as famílias moradoras em assentamentos de reforma agrária possam
fazer os projetos de suas casas, no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida Rural, assim
como já podem fazer as famílias que moram na cidade (Minha Casa Minha Vida Entidades –
Compra antecipada).

Sabemos bem que na ultima reunião do GT de habitação rural, em Brasília, essa possibilidade
foi negada aos movimentos sociais, pois se diz não haver "garantias" ou "controle" de que essas
famílias que pegariam essa quantia iriam de fato construir suas casas, sendo "um risco" para o
programa publico.

Sabendo disso, compreendendo e considerando a argumentação do governo e suas razões - de


garantia de bom uso do recurso publico - é que ainda assim vimos lhes requerer essa liberação
antecipada de 50% da verba para os projetos e ações sociais, pois:

1. Se compreendida a relevância estruturante dessa liberação para o programa, há sim meios de


se normatizar o compromisso de cada família e entidades (solidariamente) em utilizar e se
responsabilizar sobre o bom uso desse recurso para esse fim específico. Caso não seja edificada
a moradia, em um prazo estipulado (três anos, por exemplo) que a família e a Entidade Organi-
zadora sejam acionadas para o ressarcimento dos cofres públicos, nos termos das leis do sistema
financeiro, como inadimplência ou qualquer outra medida legal que as condicione. Ou seja, se
acessarem o recurso, e não edificarem, que isso se torne de fato um problema para a família e
entidade organizadora, e não para o governo. Com essa medida, acordada com clareza, certa-
mente, famílias e entidades vão pensar bem ao utilizar esse recurso, além de que é interesse
delas construir as casas, sendo remota a possibilidade do recurso não ser utilizado e as
casas não serem construídas.

2. Há mais um fator que pesa no sentido do controle desse recurso, que deve ser considerado.
As famílias assentadas já possuem cadastro nos órgãos públicos da reforma agrária, já
passaram por "triagens sociais" e se inserem no foco das políticas publicas, sendo prioritárias
enquanto ação governamental de melhoria social. Nesse sentido, diferentemente das famílias
"soltas" em lotes próprios, há risco menor de "descontrole" dos contratos, seja com terrenos
impróprios, ou o "desaparecimento" do novo mutuário (sempre uma insegurança nos programas
urbanos de moradia). Ou seja, as famílias não vão fugir ao compromisso, pois o compromisso
com a reforma agrária e inserção em sistemas públicos contratuais já ocorreu. Trata-se de uma
demanda habitacional "controlada", além de que, para garantir isso, as famílias que assinariam o
termo de compromisso para acesso antecipado dos 50% do valor para assessoria técnica (projeto
e trabalho social), seriam apenas aquelas que já tiveram seu nome inserido no processo de
protocolo junto à CEF até o dia 31 de julho, e já foram aprovadas na consulta de CADIM
e CADMUT, ou seja, são as famílias já consideradas "aptas". (naturalmente, assim será
apenas se essas exigências se mantiverem - CADIM E CADMUT - diante das próximas mudan-
ças de normativas).

3. Temos claro que se não for liberado esse recurso antecipadamente o programa de mora-
dia rural não vai avançar, e teremos infelizmente mais uma política publica onde o Estado,
por não compreender a realidade social, e não conseguir escutar as necessidades do povo, não
vai cumprir com sua função social, contra os desejos populares e do governo. Há de se compre-
ender que as famílias assentadas, em via de regra, não têm recursos para pagamento antecipado
de pessoas para elaborarem seus projetos e a CEF (naturalmente) só assina os contratos com os
projetos completos (plantas e cortes, orçamentos, cronogramas físico financeiros, memoriais
descritivos detalhados...).

4. Se este recurso não for liberado, as famílias (uma minoria) que conseguirem apresentar seus
projetos serão aquelas que optaram por empresas de construção, empreiteiras, que tem capital de
giro para aguardar a remuneração dos projetos até a aprovação da CEF. A questão é que a cons-
trução de moradias rurais por empreiteiras não é algo desejado pelos movimentos sociais,
e o próprio programa incentiva a autogestão dos projetos e obras pelas famílias. Isso, pois o BDI
- Benefícios Diretos e Indiretos - pagos às empresas, é a incorporação (custos e lucro) de ao
menos 30% do valor do financiamento e esse valor poderia ser apropriado pelas famílias,
para a construção de casas maiores e mais bem acabadas. Além disso, as famílias assentadas
tem como costume o trabalho coletivo associado para a produção agrícola, sendo uma facilidade
e um desejo da grande maioria delas de gerir seus próprios recursos, e se houver economias com
a compra de materiais (por exemplo), que essa economia seja utilizada para seu próprio be-
neficio, pois o recurso é das famílias e não de terceiros, em uma operação que muitas vezes trata
a construção das moradias como um mero "negócio", um processo mercantil, e não a construção
de casas via uma política publica de distribuição de renda, inclusive em seu processo de produ-
ção (construção).

5. Caso esse recurso antecipado não for liberado corre-se o risco de haver a disseminação de
"casas padrão" por todo o país, onde, por exemplo, uma moradia no Pernambuco será igual a
uma moradia no Mato Grosso, e ainda no Paraná, dado que se estabelecerá um "passa - passa"
de projetos padrões já pré-aprovados pela CEF. O que seria (e já é) temerário, dado que cada
sitio, cada território do país, e ainda mais, de cada lote em um mesmo assentamento, difere
em condições de clima, insolação, ventilação, temperatura, acessos, solo, inclinação do
terreno, e ainda, cada família difere em composição, com pais e filhos, casais sem filhos,
solteiros, idosos, agregados... Sendo um direito que cada família possa ter uma casa que se
ajuste a sua realidade territorial e sua composição social. Ainda, o mesmo se aplica a varia-
bilidade de materiais construtivos e culturas construtivas país afora.
6. O argumento acima já é valido para a construção de casas novas, dada a elaboração de proje-
tos que se ajustem ao território e a composição familiar e se torna ainda mais necessário para
a realização das reformas. É claro que cada reforma é uma, naturalmente, o que exige respon-
sabilidade técnica sobre cada intervenção (estrutural inclusive com riscos à vida dessas famí-
lias), pois cada casa foi executada de um modo, e as necessidades de reforma e término das
casas seguem os desejos de cada família, já moradoras no imóvel (se há necessidade de mais
quartos, de varanda, de mais banheiros, de ampliação de cozinha, de sala...) segundo a riqueza e
criatividade construtiva de cada família. Ou seja, sem esse valor liberado antecipadamente, ne-
nhuma reforma vai acontecer nesse país !!!!

7. A necessidade estrutural de liberação antecipada de recursos públicos para projetos, dada a


limitação orçamentária das famílias de baixa renda, com a conseguinte dificuldade de remune-
ração de técnicos para a elaboração de projetos em processos participativos de projeto arquite-
tônico para contratação de obras pelo programa Minha Casa Minha Vida Entidades (urba-
no) já foi resolvida pelo próprio Ministério, CEF e movimentos sociais de luta por moradia
ao terem criado a conhecida linha "compra antecipada", onde com um croqui e estudo de
viabilidade as entidades organizadoras acessam recursos para a compra dos terrenos e a remune-
ração da elaboração dos projetos e peças técnicas necessárias para a contratação na CEF. Ou
seja, governo e movimentos se deram conta (desataram o nó da lenda do ovo ou da galinha
- pois sem projeto nada se faz) que sem essa antecipação de recursos era simplesmente
impossível o programa avançar. Todos já realizaram essa reflexão (que parece obvia) dado
que essas famílias não são empreiteiras e não possuem capital de giro, assim se criaram métodos
e caminhos de garantias e controle específicos para essa situação, necessária, compreendendo
que o objetivo maior de fazer cumprir o direito a moradia não pode "morrer" por falta de elabo-
ração de normativas e modos criativos de pactuação de responsabilidades entre poder publico e
sociedade organizada em movimentos democráticos e justos.

8. A CEF e o Ministério têm conhecimento do sucesso de obras de assessorias técnicas e univer-


sidades públicas junto a famílias de assentamentos de reforma agrária que muito bem demons-
tram a viabilidade da autogestão de obras e elaboração de projetos participativos (o próprio Ha-
bis recebeu premio da CEF de melhores praticas em obra realizada no assentamento "Fazenda
Pirituba", bem como outras obras pelo pais afora por outros coletivos e assentados ligados ao
MST); ou seja, temos já uma cultura de construção rural criada nos últimos dez anos, que
nos permite provar sua efetividade, com ótima qualidade técnica, estética e arquitetônica.
Não fugir desse caminho, com sua ampliação de escala, para sua massificação é um dever
do governo e dos movimentos sociais junto de técnicos e universidade.

Por fim, o atual desenho do Programa Minha Casa Minha Vida Rural, segundo esta atual forma
de implementação está inviabilizando ações que caminhem pela trilha da participação po-
pular. Já há hoje noticia de uma infinidade de projetos padrão de casas iguais e pequenas, com
pseudo participação popular, salvo raras exceções, e as assessorias técnicas, universidades e
entidades organizadoras estruturada com técnicos assentados e estudantes secundaristas da re-
forma agrária estão fora desse processo, o projeto participativo qualificado com formação e
educação popular está ausente!! No meio urbano, diante da "compra antecipada" do PMCMV
há alguns frutos de poder popular. Pede-se aqui clareza sobre o fato de que a simples não
antecipação de parte dessa verba (que pode ocorrer de forma controlada) impede que o
programa se qualifique, e deslanche inclusive quantitativamente. Ou seja, essa verba (pe-
quena, inclusive) é central, dado que a etapa de planejamento qualificado com a participação das
famílias é a garantia da boa aplicação dos recursos com controle das próprias famílias be-
neficiárias. Sendo, portanto, na verdade, a liberação desse recurso antecipado o maior fator para
o bom uso dinheiro publico, objetivo comum de Governo, movimentos sociais, e toda socieda-
de, exato impulso inicial do governo, ao impedir que esse próprio recurso não seja hoje liberado
de forma antecipada.

Desse modo, despedimo-nos, no aguardo de vossa compreensão e encaminhamento do justo e


necessário pleito:

LIBERAÇÃO ANTECIPADA

DE VERBAS PARA ASSESSORIA TÉCNICA

NO PROGRAMA DE HABITAÇÃO RURAL!

MST SP
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - Estado de São Paulo

Habis – IAU USP


Grupo de pesquisa em habitação e sustentabilidade
Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP - São Carlos

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