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Considerações iniciais
1
A escritora nasceu em Dorse na Inglaterra em 1916, mas mudou-se
ainda criança para o Canadá constituindo sua carreira de literata mais
especificamente na região da Colúmbia Britânica. Portanto, faremos
referência a Page como escritora canadense no decorrer do texto.
de Stanford, Califórnia, Mary Louise Pratt (1999) 2 em
sua obra, Os olhos do império, disserta sobre esse
panorama dos relatos de viagem e cita um importante
trecho afirmado por La Condamine (1701-1774) em
1748: “[...]seus matemáticos, dispersos por toda a terra,
trabalhavam em zonas tórridas e frígidas, para o avanço
das ciências e o benefício comum de todas as nações”.
Portanto, essa assertiva traz à tona uma das principais
características, que em nosso parecer é um dos mais
relevantes em relação aos efeitos da colonização, sendo a
justificativa de progresso ou de missão civilizadora.
À vista disso, nossa análise será concentrada no
período em que a escritora esteve em Manaus, contudo
pontuamos também algumas questões do diário como um
todo, para amparar e contextualizar nossas considerações.
Iniciamos com o relato da poeta quando foi informada
que teria que mudar-se da Austrália para o Brasil:
2
PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e
transculturação. Editora da Universidade do Sagrado Coração.
Tradução de Jézio Hernani Bomfim Gutierre, Bauru SP: EDUSC,
1999.
disse, “Nós vamos para o Brasil.”
(Loucura. Tem muito café lá.) “Brasil?”
Eu disse, não acreditando. [...] “Ai não”,
eu disse. Eu me pergunto por que parece
tão impossível? Envie uma carta para
Jules, recusando, eu me ofereci,”. Eu irei
rascunhar. (Tradução nossa)3
3
A. was opening mail. An electric fan whirred.[...] A. said, “We’re
posted to Brazil.” (Nuts. There’s an awful lot of coffee in.) “Brazil?”
I said, unbelieving.[...] “Ho no, “I said. I wonder why it seemed so
impossible?” Send a letter to Jules, “I offered, “refusing. I’ll draft it.
(PAGE, 1987, p. 01)
4
I find it hard to remember why Brazil fell on my heart with so
heavy a thud. Perhaps it was the memory of the Latin- American
diplomatic wives in Ottawa who had looked like a cross between
women and precious stones; Perhaps an unformulated wish for a
European post after Australia; Perhaps...who knows? (PAGE, 1987,
p. 02)
entusiasmo com a notícia do marido sobre mudar-se para
o Brasil. Interpretamos essa postura como alguém que até
mesmo sem conhecer o país já carregava consigo alguns
pré-julgamentos sobre o local que teria que morar. Isso,
ademais, apresenta o pensamento de outras pessoas de
seu convívio social, ao mencionar as memórias das
esposas de outros diplomatas.
Nestas considerações iniciais, propomos essa
investigação, a fim de realizar a análise deste diário,
levando em consideração também, possíveis traços que
possam indicar momentos em que a narradora-viajante,
termo abordado por Flora Sussekind (2006) em seu
ensaio “O Brasil não é longe daqui”, nos convida a
refletir também acerca do colonialismo e seus efeitos.
Os estudos pós-coloniais
6
Back last night from a trip to the Amazon- arms full of monkeys,
alligator skins, pottery, fruit, cupuaçu jelly- hot,drenched in black
coffee, and tired. Wakened this morning with the kapok tree covered
with “cucumbers” and full of birds- the saí de sete côres (seven-
coloured skirt) the saí-azul (blue skirt), canaries, wrens, tiny birds
with red breasts, and- singing like all the rest but, alas, not a song of
joy[...]
conhecida pelos geógrafos como o
inferno verde. População: duas por
milha quadrada.7 (PAGE, 1987, p. 218)
8
De Felipe Guaman Poma de Ayala, escrita em 1613, em Cusco. O
texto era uma mistura de Quechua e Espanhol endereçado ao Rei
Felipe III da Espanha; ao todo, eram 800 página escritas e 400
desenhos com explicações.
e subordinação – como colonialismo,
escravidão, ou suas consequências como
são vividas pelo mundo hoje. 9
(Tradução nossa)
9
[...] social spaces where disparate cultures meet, clash, and grapple
with each other, often in highly asymmetrical relations of domination
and subordination – like colonialism, slavery, or their aftermaths as
they are lived across the globe today. (PRATT, 1992, p.4)
argumenta que essas relações são tratadas pela interação
e envolvimento entre indivíduos dentro de relações
assimétricas de poder (1992, p.6-7). Em seu artigo Pós-
colonialidade: projeto incompleto ou irrelevante?
(1999), ela conclui que:
10
“I think I could like most people - really like them - if I felt I never
had to see them again. (1987, p.70).
Segundo Almeida, portanto, essas colisões
culturais acabam por interferir nas relações tanto da
margem como do centro. Vale ressaltar, então, que o
julgamento, ou as impressões de P. K. Page sobre
Manaus, apesar de trazerem a realidade da cultura da
aristocrata, não denotam a exatidão precisa com as
características do lugar e de seu povo. Tratando, por sua
vez, das impressões da narradora-viajante relacionados
aos acontecimentos e interpretações dos momentos
versados e posteriormente transcritos no diário em 1959.
Esta ideia é baseada nos dizeres de Homi Bhabha (1998)
a respeito do questionamento sobre os mundos díspares
no sentido de corroborar o confronto das visões
assimétricas empreendida pelo ocidente.
O crítico indiano impulsiona ponderações acerca
da cultura e o lugar de fala e fazemos referência ao lugar
de fala de Page, pertencente a uma classe social
privilegiada e, que trazia consigo marcas da cultura
europeia. Em outros trechos de Brazilian Journal
podemos ler:
Às seis para pegar o avião para Manaus,
capital do Amazonas, onde chegamos às
8h30, horário de Manaus. [...] A cidade
(população 160.000) fica na margem
norte do Rio Negro, a alguns
quilômetros acima, onde se junta ao
Solimões para formar a Amazônia.
Outrora a capital mundial da borracha,
ainda está lutando para se recuperar do
colapso do boom da virada do século.
(Preço da borracha de Londres, 1910 -
três dólares e seis centavos; 1932 - cinco
centavos hoje - trinta e quatro
centavos.11 (Tradução nossa)
Considerações finais
14
Relativo a ou habitante de Lilliput, ilha do romance As Viagens de
Gulliver, de Jonathan Swift, cujos habitantes mediam menos de seis
polegadas "liliputianos", in Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa, 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/liliputianos
[consultado em 10-09-2019].
15
Today. I feel more at home with the larger forms of the northern
trip” (PAGE, 1987, p. 228).
O texto de Page sobre o Brasil revela que a
escritora apresentou aclimatação à atmosfera brasileira,
mas não deixou de exprimir suas opiniões baseadas em
sua leitura de mundo através de extensas explicações dos
detalhes, o que se assemelha ao olhar de naturalista
exemplificado por Flora Sussekind (1990). Este olhar
estrangeiro que classificava os elementos, por vezes,
apresenta desarmonia com aquilo que se interpreta e as
particularidades do local visitado.
Através dos escritos de Fanon (1968) e Memmi
(1977) foi possível analisar alguns trechos do diário de
P.K. Page pela perspectiva pós-colonial a fim de
reconhecer traços colonizadores e momentos do “fardo
do colonialismo”. Percebeu-se, então, que há um
posicionamento eurocêntrico de P. K. Page devido à
visão da sua própria história sobrepondo-se à história do
outro. De acordo com Memmi e seus estudos sobre o
retrato do colonizado e do colonizador, entendeu-se que a
visão estereotipada de Page se liga à imagem construída e
perpetuada do colonizador sobre o outro. O desapreço
pela individualidade ao generalizar sobre o retrato dos
brasileiros contempla percepções assimétricas da
identidade de um povo.
O conflito entre sujeitos diferentes carregando
histórias e culturas diversas em relações assimétricas de
poder associa-se à situação de P. K. Page na cidade de
Manaus. Esse conflito acontece dentro da “zona de
contato”: termo elaborado pela intelectual Mary Louise
Pratt. O posicionamento da escritora em relação aos
brasileiros demonstra esse confronto entre o preconceito
e imaginário de Page, refletido em palavras de
superioridade e desdém, com a realidade dos manauaras.
No entanto, é necessário apontar a distância entre o texto
de P. K. Page e a visão da Amazônia em dias atuais, pois
parece que questões apresentadas pela poeta no período
em que escrevia seu diário, ainda suscitam permanecem
as mesmos no país.
Portanto, o foco desta pesquisa, além de comparar
os acontecimentos da época com a realidade atual,
viabiliza estudos de relatos sobre a Amazônia a fim de
configurar uma descolonização do conhecimento. Visto
que, este feito “inclui a tarefa de chegar a compreender
os caminhos pelos quais o Ocidente constrói seu
conhecimento do mundo, alinhado às suas ambições
econômicas e políticas, e subjuga e absorve os
conhecimentos e as capacidades de produção de
conhecimentos de outros” (PRATT, 1999, p.15).
REFERÊNCIAS