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2010
Copyright © UNIASSELVI 2010
Elaboração:
Prof. Célio Antonio Sardagna
869
S244l Sardagna, Célio Antonio.
Literatura Portuguesa/ Célio Antonio Sardagna
Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial, Grupo
UNIASSELVI, 2010.x ; 266 p.: il
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-350-1
Impresso por:
Apresentação
Como proposta de reflexão, leitura e estudo, apresentamos o caderno
da disciplina de Literatura Portuguesa, objetivando o conhecimento das
principais manifestações literárias portuguesas, tanto da lírica quanto da
prosa, bem como os textos mais representativos, que vão do período medieval
à contemporaneidade.
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO
PERÍODO MEDIEVAL................................................................................................. 1
VII
TÓPICO 2 – UMA ÉPOCA DE DUALISMOS: O BARROCO PORTUGUÊS.............................. 129
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 129
2 ASPECTOS GERAIS DA ESTÉTICA BARROCA........................................................................... 130
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 140
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 142
VIII
UNIDADE 1
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, o/a acadêmico/a estará apto/a a:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles, você
poderá dispor de atividades que o/a auxiliarão na fixação do conteúdo.
1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1
“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.”
(PESSOA, Fernando. Autopsicografia, 1932.)
1 INTRODUÇÃO
A função da Literatura e suas diferentes concepções foi, desde os tempos
primordiais, objeto de muitas discussões. É sabido, porém, que, nas diferentes
épocas em que ela se manifesta, lhe são atribuídas funções e naturezas diversas,
em consonância com a sua realidade cultural e social.
É, pois, caro/a acadêmico/a, com esta visão que, nas próximas seções deste
tópico, passaremos a refletir acerca da literatura e da estética literária, para focar,
ao final, a manifestação literária portuguesa medieval.
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Por meio das palavras, o ser humano realizou registros de toda ordem:
documentou, efetuou acordos, criou todo tipo de mensagem, catalogou dados
etc. Muitos textos antigos chegaram às posteridades via palavra escrita. Obras
das civilizações passadas perduram até hoje graças à escrita.
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TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA
Não é a toa que se diz que a obra do escritor origina-se da sua imaginação,
ainda que tenha como base elementos da realidade. A partir de sua aguçada
percepção, o autor capta a realidade através de seus sentimentos. Ele consegue
explorar as muitas possibilidades linguísticas e manipulá-las nos mais diversos
níveis, entre os quais o fonético e o semântico.
Vê-se, assim, que a literatura tanto pode ser percebida sob a ótica do
verídico como pode ser concebida como ficção. As personagens, por sua vez,
tanto poderiam ter existido como poderiam ter sido criadas pelo autor. Enfim,
em literatura tudo é possível. Considere-se, entretanto, que, mesmo na ótica da
ficção, há o fundamento real, no qual o autor se apoiou para criar a ficção. Por isso,
há quem veja a literatura como uma imitação do real, entre os quais Aristóteles.
Ele concebeu a arte literária como mimese, ou seja, imitação. Ela seria, assim, a
arte que imita pela palavra.
E
IMPORTANT
Até aqui, foi possível compreender que a literatura está enraizada na arte
da palavra, e que esta suscita uma multiplicidade de interpretações, considerando-
se, inclusive a etimologia. Literatura origina-se do termo latino littera, que remete
à “arte da escrita”.
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
Caro/a acadêmico/a, sugere-se que você assista aos seguintes filmes e observe
que imbricações eles têm com a Literatura. Observe os aspectos literários ressaltados em
cada um:
“Sociedade dos poetas mortos” e “O carteiro e o poeta”.
No que se refere à questão estética, seja via palavra, seja via imagem, é
importante considerar as palavras de Mikhail Bakhtin (2006, p. 84), no texto “O
todo espacial da personagem e do seu mundo. Teoria do horizonte e do ambiente”.
Para um bom entendimento do que o autor revela neste texto, a seguir, você,
caro/a acadêmico/a, encontra alguns tópicos resumidos. Leia-os nas palavras do
próprio autor e faça as devidas ligações com os aspectos tratados anteriormente
acerca da literatura.
6
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA
• Outra questão é saber como se realiza essa forma espacial: deve ela
reproduzir-se numa representação puramente visual, nítida e completa, ou
só se realiza o seu equivalente volitivo-emocional, o tom sensorial que lhe
corresponde, o colorido emocional, sendo que a representação visual pode
ser descontínua, fugidia ou até estar ausente, substituída pela palavra? (O
tom volitivo-emocional, embora vinculado à palavra e como que fixado à
sua imagem sonora tonalizante, evidentemente não diz respeito à palavra,
mas ao objeto que esta exprime, mesmo que este não se realize na consciência
como imagem visual; só pelo objeto assimila-se o tom emocional, mesmo
que este se desenvolva junto com o som da palavra.) Um estudo detalhado
da questão assim colocada está fora do alcance deste ensaio; seu lugar é na
estética da criação verbalizada. No nosso caso, bastam algumas indicações
sumaríssimas sobre essa questão. A forma espacial interna nunca se realiza
com toda sua perfeição visual e plenitude (aliás, o mesmo se dá com a forma
temporal com toda a sua perfeição sonora e sua plenitude) nem no campo
das artes plásticas; a plenitude visual e a perfeição só são próprias da forma
material externa da obra, cujas qualidades são como que transferidas para
a forma interna (até as artes plásticas, a imagem visual da forma interna é
consideravelmente subjetiva). A forma visual interna é vivenciada de modo
volitivo-emocional, como se fosse perfeita e acabada, mas essa perfeição e
esse acabamento nunca podem ser uma concepção efetivamente realizada.
É claro que o grau de realização da forma interna da representação visual
é diferente em modalidades diversas de criação verbalizada e em diversas
obras particulares.
• Visto que o artista lida com a existência e o mundo do homem, lida também
com a sua concretude espacial, com suas fronteiras exteriores como elemento
indispensável dessa existência, e, ao transferir essa existência do homem para
o plano estético, deve transferir para esse plano também a imagem externa
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
dela nos limites determinados pela espécie do material (cores, sons etc.).
O poeta cria a imagem, a forma espacial da personagem e de seu mundo
com material verbal: por via estética assimila e justifica de dentro o vazio
de sentido e de fora a riqueza factual cognitiva dessa imagem, dando-lhe
significação artística.
FONTE: Extraído e adaptado de: BAKHTIN, Mikhail. O todo espacial da personagem e do seu
mundo. Teoria do horizonte e do ambiente. In: ______. Estética da criação verbal. Tradução de
Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 84-90.
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TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
10
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA
Este fato possibilitou ao povo português a opção de não mais falar árabe,
como também não mais se voltou a falar o latim. A nova língua passou a ser
a mistura de falares da gente humilde, enquanto para a literatura adotou-se o
galaico-português.
NOTA
11
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
12
TÓPICO 1 | A FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA
LEITURA COMPLEMENTAR
A LITERATURA PORTUGUESA
Massaud Moisés
Vem daí que seja uma literatura rica de poetas: aquela ambivalência
constitui o suporte do “fingimento poético”, na expressão feliz, e hoje tornada
lugar-comum, de Fernando Pessoa. A poesia é o melhor que oferece a Literatura
Portuguesa, dividida entre o apelo metafísico, que significa a vivência e a expressão
de problemas fundamentais e perenes (a relação conflitiva com o divino, o ser e o
não-ser, a condição humana, os valores eróticos etc.) e a atração amorosa da terra
(representada por temas populares, folclóricos), ou um sentimento superficial,
feito da confissão de estados da alma provocados pelos embates afetivos
primários, tendo por fulcro o eterno “eu-te-gosto-você-me-gosta”, de que fala
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
[...] A data que se tem utilizado para marcar o início da atividade literária
em Portugal é a de 1189 (ou 1198), quando o trovador Paio Soares de Taveirós
compõe uma cantiga (celebrizada como “cantiga da garvaia”, vocábulo este
que designava um luxuoso vestido de Corte), endereçada a Maria Pais Ribeiro,
também chamada A Ribeirinha, favorita de D. Sancho I.
Por isso, toda uma anterior produção poética – cujo volume e cujos
limites jamais poderão ser fixados – desapareceu por completo. Em vista de tal
circunstância, compreende-se que se tome a cantiga de Paio Soares de Taveirós
como o marco inicial da Literatura Portuguesa, pois trata-se do primeiro documento
literário que se conhece em vernáculo, o que de forma alguma significa negar a
existência duma intensa atividade poética antes de 1198.
FONTE: Adaptado de: MOISÉS, Massaud. Introdução. A Literatura Portuguesa. São Paulo:
Cultrix, 2008. p. 17-22.
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RESUMO DO TÓPICO 1
• A obra do escritor origina-se da sua imaginação, ainda que tenha como base
elementos da realidade. A partir de sua aguçada percepção, o autor capta
a realidade através de seus sentimentos. Ele consegue explorar as muitas
possibilidades linguísticas e manipulá-las nos mais diversos níveis, entre os
quais o fonético e o semântico.
• O escritor é capaz de criar uma outra realidade, a dita realidade artística, a qual
precisa ser concebida e analisada de modo diferente, não como se estivéssemos
diante de seres dotados de vida, de carne e de osso.
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• A literatura tanto pode ser percebida sob a ótica do verídico como pode ser
concebida como ficção. Por sua vez, as personagens tanto poderiam ter existido
como poderiam ter sido criadas pelo autor. Enfim, em literatura tudo é possível.
• A literatura é vista também como uma imitação do real, como Aristóteles. Ele
concebeu a arte literária como mimese, ou seja, imitação. Ela seria, assim, a
arte que imita pela palavra. Ela está enraizada na arte da palavra e suscita uma
multiplicidade de interpretações, considerando-se, inclusive, a etimologia.
Literatura origina-se do termo latino littera, que remete à “arte da escrita”.
• A literatura lida com a estética por excelência. O autor (de literatura) tem o
cuidado de selecionar e combinar as palavras, colocando em evidência o
lado palpável, material dos signos. Ao selecionar e combinar de um modo
todo particular e especial os termos, o autor procura obter alguns elementos
fundamentais no que diz respeito à linguagem, entre os quais o ritmo, a
sonoridade, o belo, o inusitado das imagens.
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AUTOATIVIDADE
Caro/a acadêmico/a, para que você possa melhor fixar o conteúdo deste
tópico, apresentamos, a seguir, uma atividade. Procure resolvê-la com base no
que você estudou.
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UNIDADE 1
TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
Como um país realmente autônomo, Portugal surge na primeira metade
do século XII. É nesse período que aparecem as primeiras manifestações da
Literatura Portuguesa, através da poesia. Na verdade, são manifestações orais,
quem sabe até sem provas concretas sobre a sua origem. No entanto, toma-se
o ano de 1189 (ou 1198) como a data provável do aparecimento do primeiro
documento literário. Trata-se da já citada cantiga de amor escrita por Paio Soares
de Taveirós, em galego-português, conhecida como Cantiga da Ribeirinha (ou da
Guarvaia). É dirigida a Maria Pais Ribeiro (a Ribeirinha). De acordo com o que
observa Fujyama (1970, p. 11), “poder-se-ia até crer na existência de uma tradição
lírica, oral, até de longa data, haja vista perceber-se na cantiga uma composição já
bastante avançada e complexa”.
2 AS CANTIGAS
O primeiro período da literatura portuguesa, marcado pelo florescimento
das chamadas cantigas, recebe o nome de Trovadorismo, por serem estas cantigas
poemas criados com o objetivo de que fossem cantados, acompanhados por
instrumentos musicais, entre os quais a flauta, a viola, o alaúde além de outros
utilizados na época. Os autores de tais cantigas eram conhecidos por trovadores,
enquanto aos que as apresentavam de maneira cantada chamavam-se jograis.
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
O Dicionário Houaiss trata como jogral o artista medieval que cantava e recitava
poesia. A partir do século X, os jograis começaram, juntamente com os menestréis, a divulgar
a poesia trovadoresca, cantando-a acompanhados de música.
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Ai flores
(D. Dinis)
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TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
No final de cada uma das quatro estrofes, repete-se a expressão “Ai Deus,
e u é?”, a qual poderia ser considerada refrão, como ocorre também nas músicas
atuais.
NOTA
NOTA
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
1) Cantiga da Ribeirinha
(Paio Soares de Taveirós)
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TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
NOTA
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
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TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
NOTA
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Cantiga de escárnio
(João Garcia de Guilhade)
Ao efetuar uma sátira com uma cantiga, neste caso com a de maldizer, isto
se dava de modo direto, ocorrendo citação explícita dos nomes das pessoas em
questão. Estas cantigas valiam-se, entre muitos, de temas como o amor interesseiro
ou ilícito, o adultério, temas da política. Os assuntos tratados nestas cantigas, na
época, despertavam grandes comentários por parte do público e possivelmente
também entre os trovadores.
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TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
Bem me cuidei
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
Essas duas formas de cantiga satírica, não raro escritas pelos próprios
trovadores que compunham a poesia lírico-amorosa, expressavam, como é fácil
de depreender, o modo de sentir e de viver peculiares de ambientes dissolutos, e
acabaram por ser canções de vida boêmia e marginal, que encontrava nos meios
frascários e tabernários o seu lugar ideal. A linguagem em que eram vazadas
admitia, por isso, expressões licenciosas ou de baixo calão: poesia “maldita”,
descambando para a pornografia ou o mau gosto, possui escasso valor estético,
mas em contrapartida documenta os meios populares do tempo, na sua linguagem
e nos seus costumes, com uma flagrância de reportagem viva.
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TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
3 AS NOVELAS DE CAVALARIA
O desenvolvimento da vida cortesã e do amor cortesão na Europa,
principalmente na França e na Inglaterra, a partir do século XII, impulsionou a
difusão das novelas de cavalaria. Estas têm sua origem nas canções de gesta, a
saber, poemas que tratam de aventuras de guerreiros. Transformados em prosa,
foram traduzidos para diferentes línguas e rapidamente ganharam popularidade
em toda a Europa, chegando também a Portugal.
A tradição europeia da cavalaria estava em franca decadência e obteve
nestas narrativas a sua compensação, já que estas novelas tratavam justamente
de aventuras de cavaleiros andantes. Neste ponto, a respeito destas narrativas,
poder-se-ia afirmar que se trata de uma “[...] novela a serviço do movimento
renovador do espírito da cavalaria andante, nela o herói também está a serviço,
não do senhor feudal, mas de sua salvação sobrenatural: uma brisa de teologismo
varre a narrativa de ponta a ponta” (MOISÉS, 2008, p. 37). Ou seja, estas narrativas
trazem em si traços de misticismo, de um desejo claro do herói pela busca de
perfeição, pelo alcance de um ideal utópico de vida.
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
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TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
ROMANCE DE TROIA
33
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Esta obra relata a queda de Troia desde a sua origem, a partir dos erros
do rei Laomedon, ao ser incorreto para com Hércules e Jasão, até a destruição
final da cidade. Inclui as quatro histórias de amor: Jasão e Medeia, Páris e Helena,
Troilos e Briseida (que inspirou vários escritores, como Boccaccio e Shakespeare)
e Aquiles e Polixena. A história de amor de Aquiles por Polixena conta a paixão
irracional do grego pela troiana, que aquele conheceu na altura do resgate do
corpo do troiano Heitor. Aquiles, que tinha vingado a morte do amigo Pátroclo,
com a morte de Heitor, recusava-se a devolver o corpo do troiano à família.
Numa comitiva troiana para resgatar o corpo de Heitor, encontrava-se Polixena,
uma das filhas de Príamo, por quem Aquiles se apaixonou. Querendo casar
com a jovem, Aquiles prometeu enganar os gregos e aliar-se aos troianos com a
finalidade de obter o consentimento de Príamo. Numa emboscada, Aquiles foi
morto por Páris, irmão de Polixena, e os troianos recuperaram o corpo de Heitor.
Exigiram, então, que os gregos resgatassem o corpo de Aquiles. Esta é uma das
versões da morte de Aquiles que surgiu, tardiamente, em relação à Ilíada. Outras
acrescentaram que, antes da partida dos gregos, Polixena foi sacrificada sobre o
túmulo de Aquiles, em memória do herói.
FONTE: Adaptado de: Romance de Troia. In: Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003.
Disponível em: <www.infopedia.pt/$romance-de-troia>. Acesso em: 20 out. 2010.
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TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
José de Arimateia, mais tarde, foi preso e libertado. Após muitas idas e
vindas em viagens, instalou-se na Inglaterra e escondeu o cálice (Santo Graal)
na floresta de Corberic. Os cavaleiros que estão à procura do Santo Graal são ao
todo 150, mas somente o cavaleiro Galaaz consegue encontrá-lo, pois era virgem e
puro de coração (ele nunca “conhecera” intimamente uma mulher). Assim, pode-
se perceber que, na Demanda do Santo Graal, o amor é pecaminoso, enquanto na
lírica o amor é caminho para a felicidade. Tem-se, assim, uma inversão de valores.
A procura pelo cálice sagrado, aos poucos, tornou-se o centro da imaginação
cavaleiresca.
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Neste comentário, Moisés esclarece que, embora seja uma novela medieval,
no seu texto encontram-se muitas marcas humanistas, o que faz a crítica acreditar
num período de transição dos conceitos medievais para um período renascentista.
Muitos críticos também afirmam que Amadis de Gaula foi a novela de cavalaria
de maior expressão e importância escrita na Península Ibérica, embora nunca se
tenha encontrado o verdadeiro autor e o texto original em português.
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TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
Amadis gritou-lhe:
– Arcalaus! Vem cá, e verás se estou morto como disseste!
Mas ele não quis ouvir e lançou fora o escudo. Amadis alcançou-o e
deu-lhe de longe uma espadeirada na cinta, que lhe cortou a loriga e a carne e
foi tocar na ilharga do cavalo. O animal amedrontado começou a correr de tal
forma, que em pouco tempo se alongou a perder de vista.
Amadis, ainda que muito o desamasse e desejasse matar, não foi mais
adiante para não perder a sua senhora, e voltou para onde ela estava. Desceu
do cavalo, foi-se por de joelhos diante dela, beijou-lhe as mãos e disse:
– Agora, faça Deus de mim o que quiser, que nunca, senhora, cuidei
tornar a ver-vos!
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Oriana estava tão sobressaltada que não lhe podia falar; e abraçou-se
com ele, com medo que tinha dos cavaleiros mortos, que jaziam a seus pés. A
donzela de Dinamarca foi tomar o cavalo de Amadis; vendo por terra a espada
de Arcalaus, pegou nela e trouxe-lhe dizendo:
– Vede, senhor, que formosa espada!
Amadis atentou nela e viu que era aquela com que o tinham deitado ao
mar, e que Arcalaus lhe furtara, ao encantá-lo.
Estando assim, como ouvis, sentado junto de sua senhora, que não
tinha ânimo para se levantar, chegou Gandalim, que andara toda a noite, e com
que sentiram grande prazer. Também ele o sentiu, vendo o bom fim daquelas
coisas.
FONTE: BARROS, João de. Amadis de Gaula. Tradução de Rodrigues Lapa. Lisboa: Gráfica
Lisbonense, 1941. p. 36-37.
E aqui valeria a pena trazer à baila o crítico Massaud Moisés (2008, p. 37),
o qual, referindo-se às novelas de cavalaria, não hesita em classificá-las como
de “[...] alto vigor narrativo e de elevada intenção” no que concerne a mostrar a
imagem mística da idade medieval. Continua ainda o citado crítico classificando
estas narrativas como sendo “[...] o maior monumento literário que a época
nos legou no campo da ficção: exprime um utópico ideal de vida numa forma
artisticamente elaborada, a ponto de alcançar um raro grau de perfeição estética
na prosa do tempo”.
38
TÓPICO 2 | O PERÍODO MEDIEVAL: A POESIA E A PROSA TROVADORESCA
NOTA
39
RESUMO DO TÓPICO 2
40
• As cantigas de maldizer satirizam de modo mais agressivo, de modo direto,
“mais descobertamente”. Mais do que isto, o cunho destas cantigas é até
difamatório, ocorrendo, inclusive, uma intenção difamatória, com o uso de
palavrões e xingamentos.
• O romance romântico tenta reaver nas suas narrativas o modelo cortesão, via
mulher idealizada, amor platônico, sofrimento, final feliz.
41
AUTOATIVIDADE
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UNIDADE 1
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Em Portugal, os séculos XIII, XIV e XV constituem um período de
renovação cultural, graças à introdução de uma nova estética literária – o
Humanismo. Este período é muito propício ao desenvolvimento da prosa, haja
vista o trabalho dos cronistas, notadamente Fernão Lopes, nomeado para o cargo
de cronista-mor da Torre do Tombo, em 1434. Ele é considerado o precursor da
crônica histórica lusitana. No que concerne ainda ao período humanista, tem-se
como uma manifestação de grande valor o teatro popular, tendo como expoente
Gil Vicente. Já a poesia, após haver conhecido um período de decadência nos
anos de 1400, começa a desenvolver-se novamente, no ambiente dos palácios,
influenciada por Dante Alighieri e Petrarca.
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
2 A PROSA: HISTORIOGRAFIA
Considerando-se, para início de conversa, a história de Portugal, sabe-se
que, no ano de 1418, Fernão Lopes, um dos secretários da corte real, foi designado
guarda-mor da Torre do Tombo. Este era um cargo importante e merecedor de
grande confiança, haja vista a função que lhe estava reservada – chefe dos arquivos
do Estado. E é justamente com este guarda-mor que se dá o início das crônicas
históricas de Portugal, sendo este também o nome mais expressivo da prosa da
época. Em suma, esse autor é também o criador da historiografia nacional na sua
forma cronística, isto é, a biografia de uma grande personagem ou o relato de um
grande sucesso.
NOTA
44
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
45
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
festas urbanas, a decadência da aristocracia, entre outros aspectos que podem ser
observados nas suas narrativas.
RETRATO DE D. PEDRO
Fernão Lopes
Este Rei D. Pedro era muito gago, e foi sempre grande caçador e
monteiro, em sendo infante e depois que foi rei, trazendo grande casa de
caçadores e moços de monte, e de aves, e cães, de todas as maneiras que para
tais jogos eram pertencentes.
Ele era muito viandeiro, sem ser comedor mais que outro homem;
que suas salas eram de praça em todos os lugares por onde andava, fartas de
vianda, em grande abastança.
Este Rei acrescentou muito nas quantias dos fidalgos, depois da morte
de el-Rei seu padre; cá, não embargando que el-Rei D. Afonso fosse comprido
de ardimento e muitas bondades, tachavam-no, porém, de ser escasso, e em
dar mui ledo; e tanto, que muitas vezes dizia que lhe afrouxassem a cinta, que
então usavam não mui apertada, para que se lhe alargasse o corpo, para mais
espaçosamente poder dar, dizendo que o dia que o rei não dava, não devia ser
havido por rei.
46
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
Era ainda de bom desembargo aos que lhe requeriam bem e mercê; e tal
ordenança tinha nisto, que nenhum era detido em sua casa por cousa que lhe
requeresse.
Amava muito fazer justiça com direito. E, assim como quem faz
correição, andava pelo Reino; e, visitada uma parte, não lhe esquecia de ir ver
a outra; em guisa que poucas vezes acabava um mês em cada lugar de estada.
E se a escritura afirma que, por o Rei não fazer justiça, vêm as tempestades
e tribulações sobre o povo; não se pode assim dizer deste; pois não achamos,
enquanto reinou, que a nenhum perdoasse morte de alguma pessoa, nem que
a merecesse por outra guisa, nem lha mandasse em tal pena por que pudesse
escapar a vida.
A toda gente era galardoador dos serviços que lhe fizessem, e não
somente dos que faziam a ele, mas dos que haviam feito a seu padre; e
nunca tolheu a nenhuma cousa que lhe seu padre desse, mas mantinha-a e
acrescentava nela.
Este Rei não quis casar depois da morte de D. Inês, em sendo infante,
nem depois que reinou, lhe prouve receber mulher; mas houve amigas com
que dormiu, e de nenhuma houve filhos, salvo de uma dona, natural da Galiza,
que chamaram Dona Teresa, que pariu dele um filho que houve nome D. João,
que foi mestre de Avis em Portugal, e depois rei, como adiante ouvireis. O qual
nasceu em Lisboa, onze dias do mês de abril, às três horas depois do meio-dia,
no primeiro ano do seu reinado. E mandou-o el-Rei criar, enquanto foi pequeno,
a Lourenço Martins da Praça, um dos honrados cidadãos dessa cidade, que
morava junto com a igreja catedral, onde chamam a Praça dos Canos; e depois
o deu, que o criasse, a D. Nuno Freire de Andrade, Mestre da Cavalaria da
Ordem de Cristo.
FONTE: SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa – Era Medieval. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1991. p. 98-100.
47
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
3 A PROSA DIDÁTICA
Há que se pensar, no entanto, que não foi somente a crônica histórica que
abrilhantou literariamente o segundo período medieval lusitano. Importantes
contribuições trouxeram também a prosa didática, a qual se constitui
principalmente de textos doutrinários compostos ou traduzidos pela nobreza.
48
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
49
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
FONTE: SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa – Era Medieval. Rio de Janeiro:
Editora Bertrand Brasil, 1991. p. 75-76.
50
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
NOTA
51
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Acima de tudo, é nova a forma deste tipo de poesia: geralmente são versos
de sete sílabas (as redondilhas maiores) e de cinco sílabas (redondilhas menores).
Em geral, as poesias desenvolvem um tema colocado no início (mote), ou então se
trava um debate entre dois poetas, em verso, sobre algum tema amoroso.
52
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
3) Cantiga: com mote de quatro ou mais versos, seguido de uma volta ou várias.
As voltas têm oito a dez versos.
NOTA
Para que você possa melhor compreender as explicações acerca dos tipos de
poesias compostas na segunda fase lírica da era medieval portuguesa, caro/a acadêmico/a,
veja o significado de “mote”, “glosa” e “volta”, segundo o Dicionário Houaiss:
Mote: estrofe, anteposta ao início de um poema, utilizada pelos poetas como motivo da obra,
que desenvolve a ideia sugerida pela estrofe.
Glosa: tipo de composição poética que desenvolve um mote, em geral em tantas estrofes
quantos são os versos deste e acabando cada estrofe com um deles.
Volta: cada um dos versos que repetem outros da estrofe inicial ou do mote; glosa poética.
53
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
55
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Acerca da vida de Gil Vicente, pouco se sabe. Há quem diga que ele
poderia ter nascido por volta de 1465, em Guimarães ou talvez em Beira. Sabe-se,
porém, que ele se casou duas vezes e que esses casamentos tiveram como frutos
cinco filhos, dos quais os mais conhecidos são Paula Vicente, que teve fama de
ser uma mulher muito culta, e Luís Vicente, o qual se empenhou em organizar a
primeira compilação das obras de seu pai.
56
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
NOTA
Caro/a acadêmico/a, é possível que antes de Gil Vicente tenha havido algum
tipo de encenação muito simples em Portugal, a exemplo de outras partes da Europa, mas
não se têm provas documentais concretas disto. Sabe-se, entretanto, da possível existência
de breves representações, de caráter cavaleiresco, religioso, satírico ou burlesco (que provoca
riso, zombaria), as quais foram denominadas momos, arremedilhos e entremezes (o momo
seria o ator mímico ou a cena que ele representa; o arremedilho consistiria numa breve farsa
ou sátira de costumes e o entremez, qualquer representação que servisse de intermezzo, ou
seja, entreato). O documento mais antigo de que se tem conhecimento referente ao assunto
remonta a 1193 e revela o pagamento que o rei D. Sancho I teria efetuado a dois jograis
(Bonamis e Acompaniado) por seus arremedilhos. Afora isso, no Cancioneiro Geral, além de
várias referências a momos e entremezes, encontram-se registros de peças dialogadas muito
parecidas com teatros.
Com o tempo, este tipo de teatro acabou por abandonar o palco das
igrejas, o pátio dos templos religiosos (numa fase posterior) para chegar às feiras,
mercados, aldeias, povoados e inclusive às cortes reais. Grande acolhida este
teatro teve também nos reinos ibéricos de Castela, Leão, Navarra e Aragão. Por
influência castelhana, acabou penetrando também em Portugal, via Gil Vicente,
seguindo o exemplo de Juan de Encina (1468-1529).
57
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
NOTA
58
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
Durante a sua vida, Gil Vicente foi autor de mais de uma quarentena de
peças, as quais, para fins de estudo, podem ser divididas em diferentes fases, a
saber:
I) A primeira fase compreende o período que vai de 1502 a 1508, tempo este que
recebeu grande influência de Juan de Encina, principalmente nos primeiros
tempos. Nesta fase, predominam os assuntos religiosos, tendendo para a lírica.
Destacam-se neste período o Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro,
Auto Pastoril Castelhano, Auto de São Martinho, Auto dos Reis Magos.
II) Já a segunda fase transcorre entre os anos de 1508 a 1516, e neste período já
passou a fase da influência castelhana. A preocupação de Vicente está dirigida
aos problemas sociais suscitados pela expansão portuguesa e o relaxamento
dos costumes. Gil Vicente, nesta época, trabalha mais com a crítica social.
Destacam-se peças como Quem tem farelos?, Auto das Fadas, Auto da Índia,
O Velho da Horta, Exortação da Guerra.
III) Por fim, a terceira fase, que se passa entre os anos de 1516 e 1536, é concebida
pelos estudiosos como a época da maturidade do artista Gil Vicente. A sua
produção dramática concebe um tom religioso e define grandes qualidades
artísticas. Aparecem, neste período, obras carregadas com atitudes
moralizantes explícitas, com grande representatividade dentro do teatro de
costumes, a exemplo da Trilogia das Barcas (Auto da Barca do Inferno, Auto
da Barca do Purgatório e Auto da Barca da Glória), Auto das Almas, Farsa de
Inês Pereira, Auto da Feira, Floresta de Enganos, O Juiz da Beira.
A Farsa de Inês Pereira pode ser vista como uma das mais complexas
peças teatrais de Gil Vicente. Esta é uma comédia de costumes e uma marca do
auge do trabalho do autor. A sua apresentação de estreia ocorreu no Convento de
Tomar, para o rei D. João II, em 1523.
NOTA
Esta farsa caracteriza-se pela ilustração do dito popular “mais quero asno
que me leve que cavalo que me derrube”. Através desta peça, o autor põe em
ato personagens que encarnavam os elementos dessa comparação. O provérbio
faz referência a três personagens da farsa: Asno (Pero Marques), Me (Inês, a
protagonista que deseja se casar) e Cavalo, a figura do escudeiro.
59
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
Entre esta comparação existe uma simetria que apresenta certa perfeição,
haja vista a necessidade que o autor sentiu de demonstrar que Pero Marques
e Lianor (comadre casamenteira) eram superiores ao Escudeiro e aos judeus
casamenteiros. Por sua vez, Inês não encontrou nenhuma felicidade no amor,
mas, ao contrário, na vingança, graças à sua desilusão.
60
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
MÃE: Tenta lutar pela felicidade da filha, que está iludida quanto à sua escolha,
da qual se arrepende. É extremamente compreensiva quanto às opções da filha e
aceita a comemoração das bodas.
61
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
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TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
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UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
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TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
FONTE: VICENTE, Gil. Os Autos das Barcas. Porto: Publicações Europa-América, 1973. p. 28-56.
65
UNIDADE 1 | LITERATURA PORTUGUESA: ORIGENS E ESCOLAS LITERÁRIAS DO PERÍODO MEDIEVAL
LEITURA COMPLEMENTAR
GIL VICENTE
Fidelino de Figueiredo
Durante os trinta e quatro anos da sua carreira dramática, Gil Vicente anima
os serões dos Paços da Ribeira, de Lisboa e dos lugares onde pousava a corte nas
suas constantes viagens pelo país, anima-os com a representação dos seus autos
e as surpresas das suas aquisições artísticas, porque o gênero novo, que em 1502
tomara de Juan de Encina, vai ampliando o seu alcance, a sua composição e o seu
interesse emotivo. Através das três fases da sua evolução, o poeta vai definindo
um gênero novo, o auto, antagônico da comédia clássica.
E em que se opunha o auto vicentino ao teatro clássico, tal como os
antigos ensinavam? Essencialmente nestas coisas: enquanto o teatro clássico ia
caminhando para a concentração dos seus efeitos emotivos pela prática rigorosa da
disciplina das unidades de ação, de tempo e de lugar, de limitação do número de
personagens, de eliminação de todos os elementos antidramáticos e de unificação
ou homogeneidade do seu tom, o auto de Gil Vicente caminhava para a ampliação
dos seus temas, para o aumento da população do palco, para uma duração cada
vez maior da ação, não da representação, e para a mais audaciosa justaposição dos
lugares. Os antigos haviam fixado um quadro de motivos cênicos para certo grau
de cômico; Gil Vicente desce até o burlesco mais plebeu e abre o seu proscênio a
todas as classes sociais, dos papas, imperadores e reis aos fidalgos arruinados e
aos borrachos das vilelas, uma vez que sejam tipos reais do seu tempo e do seu
meio. Junta fugas de lirismo ao drama das almas e ao conflito dos interesses, à
hipocrisia e à velhacaria humana; não hesita em adotar convenções e simbologias,
e não se detém no exercício das maiores liberdades. Regressa à origem, a uma
fase que talvez o teatro grego tivesse percorrido com autores desaparecidos, mas
que só vemos recapitulada no moderno teatro russo. É um teatro libérrimo, que
recomeça a sua vida e a sua experiência, alheio à vida já vivida pelos antigos,
parte outra vez ab ovo (desde o princípio), com a consciência orgulhosa de quem
servia um povo exaltado a uma febre heroica e criadora.
66
TÓPICO 3 | A PROSA, A POESIA E O TEATRO: A ESTÉTICA DO HUMANISMO PORTUGUÊS
FONTE: FIGUEIREDO, Fidelino de. História literária de Portugal. Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1980. p. 121-123.
que é por um tempo em que as relações sociais passam por muitas mudanças,
principalmente o nascimento da burguesia mercantilista, a qual contribui para
o desenvolvimento do comércio, a laicização da cultura, o desenvolvimento do
pensamento mais racional e a preocupação com os valores humanos. Tudo isto
possibilita que aflorem as ideias antropocentristas, que marcam profundamente
o Humanismo.
E uma sociedade mais crítica, mais pensante, mais racional, torna-se mais
criativa, mais inventiva e progride. Com as atenções voltadas ao homem, vieram
os inventos, a ampliação geográfica de muitos territórios, entre eles Portugal,
disseminaram-se muitas e novas teorias, as quais contribuíram para renovar as
ideias. Renovou-se também a literatura, caracterizando assim o surgimento de
um novo tempo – o período clássico. E o estudo deste período será nosso próximo
assunto. Até lá!
68
RESUMO DO TÓPICO 3
• Fernão Lopes procura passar uma ideia até moderna da história, pois para
ele a história de uma nação não era alicerçada puramente nas façanhas dos
monarcas e cavaleiros, mas, ao contrário, também nos movimentos populares
e nas forças econômicas.
69
• No que se refere à prosa didática e religiosa, mesmo que muitos críticos não a
tomem muito em consideração enquanto literatura, há que se registrar o valor
de tais escritos enquanto traduções de obras que são consideradas verdadeiros
patrimônios da época medieval, outras, enquanto inéditas, pela sua grande
importância didática para a história da formação da literatura lusitana, para o
enriquecimento da língua e aquisição de sua expressividade literária.
• A forma deste tipo de poesia é nova: geralmente são versos de sete sílabas (as
redondilhas maiores) e de cinco sílabas (redondilhas menores).
• O teatro criado por Gil Vicente recebeu o nome de teatro popular por causa das
suas características consideradas fundamentais – popular nos temas, popular
na linguagem utilizada e popular nos atores. Gil Vicente, poder-se-ia dizer,
explora o que é conhecido pelo povo para compor suas peças.
70
• Gil Vicente foi autor de mais de uma quarentena de peças, as quais podem ser
divididas em diferentes fases: a primeira fase compreende o período em que
recebeu grande influência de Juan de Encina. Já na segunda fase a preocupação
de Vicente está dirigida aos problemas sociais. Por fim, na terceira fase, a sua
produção dramática concebe um tom religioso e define grandes qualidades
artísticas.
71
AUTOATIVIDADE
c) Comente o tema desta poesia. Em que este tema se assemelha a certo tipo de
cantiga do Trovadorismo?
d) Procure contar as sílabas poéticas da poesia. Qual foi o tipo de verso utilizado
pelo poeta?
72
2 Releia o texto do Auto da Barca do Inferno (no final do quinto item deste
tópico) e, em seguida, responda às questões ora apresentadas:
73
74
UNIDADE 2
A PRODUÇÃO LITERÁRIA
PORTUGUESA CLÁSSICA,
BARROCA E ÁRCADE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, o/a acadêmico/a estará apto/a a:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles, o/a
acadêmico/a poderá dispor de atividades que o/a auxiliarão na fixação do
conteúdo.
75
76
UNIDADE 2
TÓPICO 1
1 INTRODUÇÃO
Em meados do século XIV, verifica-se no cenário europeu o fim do
monopólio clerical nas questões culturais. Ao mesmo tempo, muitos filhos da
burguesia passam a frequentar os ambientes universitários, o que lhes permite
o contato com a produção cultural desvinculada das ideias medievais. E dentro
dessa mesma realidade vivida pela Europa, com a decadência do feudalismo e a
ascensão da burguesia, verifica-se a necessidade de uma nova cultura, talvez mais
liberal, mais centralizada no ser humano (antropocêntrica), que se identificasse
com a economia mercantilista.
77
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
78
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
79
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
NOTA
NOTA
80
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
81
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
NOTA
82
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
NOTA
Acredita-se que você já tenha ouvido falar na epopeia (ou poesia épica).
Caso não esteja lembrado/a, eis uma explicação. Um poema épico, ou epopeia, é
uma forma de poesia que trata de uma série de realizações heroicas sob a forma
de narrativa (poesia narrativa). Os fatos relatados (é comum dizer-se cantados)
podem ser de um indivíduo, de vários e mesmo de toda uma nação. Ainda, os
fatos narrados podem ter base real, lendária ou mitológica. A título de lembrança,
há como modelos de epopeias (ou poemas épicos) as de autoria do grego Homero
– A Ilíada e A Odisseia. Homero viveu por volta do século VIII a.C., na região da
atual Turquia, e na época conhecida por Jônia. Estas duas obras constituem os
mais antigos documentos da literatura helênica que chegaram aos nossos dias.
83
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
DICAS
84
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
FIGURA 13 – D. SEBASTIÃO
DICAS
85
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
obra. É composta por dez cantos organizados, contendo em média cento e dez
oitavas, perfazendo um total de oito mil oitocentos e dezesseis (8.816) versos,
todos decassílabos e paroxítonos. Como já vimos, caro/a acadêmico/a, versos
decassílabos são os que se compõem de dez sílabas poéticas e as oitavas são
composições com estrofes de oito versos. Veja-se um exemplo:
86
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
87
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
88
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
89
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
FONTE: CAMÕES, Luis Vaz de. Os Lusíadas. Lisboa: Instituto Camões/Ministério dos Negócios
Estrangeiros, 2000. p. 1.
90
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
4) NARRAÇÃO (compreende 1.072 estrofes, que vão do Canto I ao Canto X): trata-
se de uma longa narrativa em que o poeta desenvolve o tema apresentando
vários episódios ocorridos durante a viagem. Compreende três principais
acontecimentos: a Viagem de Vasco da Gama às Índias, a narrativa da história
de Portugal e, concomitantemente, o poeta lusitano narra os conflitos entre os
deuses do Olimpo (nome de um monte grego que, segundo a mitologia, seria a
morada dos deuses).
91
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
NOTA
In media res: é uma expressão de origem latina, usada por Horácio, que
significa literalmente “no meio dos acontecimentos”. Esta é uma característica mais utilizada
nas epopeias. Na Odisseia e na Ilíada, a narração não ocorre a partir do início temporal da
ação, mas a partir de um ponto médio do seu desenvolvimento. Luís de Camões, em Os
Lusíadas, faz o mesmo, a exemplo dos clássicos: a narração da viagem de Vasco da Gama
começa na estrofe 19, do primeiro canto, com “Já no largo Oceano […]” (I, 19). Com isto, a
ação tornava-se mais dinâmica e mais atraente para o público, no entender da época.
92
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
FONTE: CAMÕES, Luis Vaz de. Os Lusíadas. Lisboa: Instituto Camões/Ministério dos Negócios
Estrangeiros, 2000. p. 6.
93
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
94
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
96
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
97
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
98
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
concorda de que “[...] o poeta dá livre curso à antiga superstição de que o mar
seria um espaço proibido, no qual o homem não deve aventurar-se, sob pena
de sofrer punições terríveis.” (MOISÉS, 1998, p. 70). Talvez seja por causa disso
que Camões insiste em repetir que os portugueses enfrentam “os mares nunca
de outrem navegados”.
99
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
100
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
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UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
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TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
104
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
- O AMOR: este parece ser o tema mais rico tratado pelo poeta. Há momentos
em que ele o trata como uma ideia (neoplatonismo), mas há também ocasiões
em que Camões lhe dá a tônica da carnalidade. Muitas vezes, nas poesias,
esse amor é visto de maneira idealizada, o que leva o poeta a ter que valer-
se de muitos adjetivos para poder descrever a pessoa amada. Por isso, em
muitos momentos, ela é tratada como um ser superior, em outros ela passa
105
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
106
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
Aquela cativa
que me tem cativo,
porque nela vivo,
já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
em suaves molhos,
que pera meus olhos
fosse mais fermosa.
Rosto singular,
olhos sossegados,
pretos e cansados,
mas não de matar.
FONTE: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Introdução à lírica de Camões. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação, 1991. p. 152.
107
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
FONTE: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Introdução à lírica de Camões. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação, 1991. p. 115.
FONTE: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Introdução à lírica de Camões. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação, 1991. p. 126.
108
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
Em quanto as oficinas
dos Ciclopas Vulcano está queimando,
vão colhendo boninas
as Ninfas, e cantando;
a terra com o ligeiro pé tocando.
Dece do duro monte
Diana, já cansada da espessura,
buscando a clara fonte,
onde por sorte dura
perdeo Actéon a natural figura.
FONTE: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Introdução à lírica de Camões. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação, 1991. p. 120.
e) Oitavas: as oitavas são tipos de poesias que se estruturam em estrofes com oito
versos cada uma.
109
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
FONTE: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Introdução à lírica de Camões. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação, 1991. p. 134.
FONTE: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Introdução à lírica de Camões. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação, 1991. p. 139.
110
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
NOTA
Caro/a acadêmico/a, para você fixar, são medida nova os versos decassílabos,
expressos em sonetos, odes, elegias, canções, éclogas, sextilhas e oitavas. A medida velha
compreende as poesias em que se adotam redondilhas maiores e menores.
111
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
FONTE: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Introdução à lírica de Camões. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação, 1991. p. 114.
112
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
FONTE: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Introdução à lírica de Camões. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/Ministério da Educação, 1991. p. 112.
113
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
114
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
FONTE: BRAGA, Teófilo. História da Literatura Portuguesa – Renascença. Lisboa: INCM, 2005.
p. 79. v. II.
Por causa do tipo de vida que levava, um tanto doentio, isolado, pela sua
situação pessoal, Bernardim Ribeiro encontrou nos quadros pastoris o meio de
objetivar a intensidade dos sentimentos afetivos, alcançando pela verdade da
emoção a mais surpreendente expressão do seu amor. O autor, depois de 1516,
deu início a esta nova forma lírica, carregada de realismo pastoril, seguindo uma
tradição nacional.
115
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
NOTA
Na Égloga II, Bernardim Ribeiro descreve a época em que veio para Lisboa
e o momento do seu encontro com Joana Zagalo, sua prima:
116
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
E se um cuidado levou,
Outro maior foi achar.
FONTE: BRAGA, Teófilo. História da Literatura Portuguesa – Renascença. Lisboa: INCM, 2005.
p. 81. v. II.
“Sabe-se, pelas pesquisas acerca de sua vida, que era uma pessoa de
temperamento muito delicado, de uma sensibilidade quase feminina e sempre
cercado por um halo de permanente melancolia” (SPINA, 1991, p. 204), o que fez
de Bernardim Ribeiro um dos poetas mais emotivos da literatura portuguesa.
117
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
FONTE: BRAGA, Teófilo. História da Literatura Portuguesa – Renascença. Lisboa: INCM, 2005.
p. 166. v. II.
“Teófilo Braga lembra que Cristóvão Falcão era um poeta vibrante, e que
sabia valer-se dos versos de outros poetas para compor os seus desabafos líricos”.
(2005, p, 168).
118
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
NOTA
Caro/a acadêmico/a, sabemos que haveria ainda outros poetas líricos dessa
época, mas, em virtude do espaço de que dispomos, não nos é possível efetuar um estudo
profundo. Deste período (Classicismo), sabe-se que o brilho maior está reservado a Camões,
do qual tratamos em profundidade. E para complementar os estudos deste tópico, oferecemos
uma leitura que pode ajudar você a complementar seus estudos.
119
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
LEITURA COMPLEMENTAR
A morte para Homero também não é o fim. Ele participa da crença comum
a várias sociedades primitivas, de que cada homem vivo abriga em si um “duplo”,
isto é, um outro eu. A existência desse outro duplo seria comprovada pelos
sonhos, quando o outro eu parece sair e realizar outras travessias envolvendo
inclusive outros “duplos”. A morte, pois, nada representaria para o homem – a
psyché ou o “duplo” desprender-se-ia pela boca ou ferida do agonizante, descendo
às sombras subterrâneas do Érebo. Deslocada definitivamente do corpo que se
decompõe, a psyché passa a integrar o cortejo de seres que povoam o reino de
Hades. O “duplo” permanece como imagem ou ídolo, mas não tem consciência
própria. Não passa de uma sombra no reino das sombras.
120
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
que se dedicariam à guerra, e por isso sucumbiriam nas mãos dos outros. A
quarta, a raça dos heróis que combateriam em Tebas e em Troia. Para eles, Zeus
reservara uma morada na ilha dos Bem-Aventurados, onde viveriam felizes,
distantes dos mortais. Finalmente, a quinta raça, a de ferro, a do próprio Hesíodo,
que viverá um tempo de fadigas, misérias e angústias. A essa raça aguardam dias
tenebrosos. “O pai não mais se assemelhará ao filho, nem o filho ao pai; o hóspede
não será mais caro ao seu hospedeiro, nem o amigo a seu amigo, nem o irmão ao
seu irmão”.
Falamos do mito das idades. Para os heróis, que são a quarta raça, estaria
reservada como prêmio a ilha dos Bem-Aventurados. Nela, segundo desígnio
de Zeus, viveriam felizes, distantes dos mortais. Compreendamos os heróis de
Tebas e Troia elevados à categoria de deuses. Portanto, imortais. Identificados
pela mais nobre das virtudes: a areté. Os aristei, isto é, os possuidores da areté,
são uma minoria que se eleva acima da multidão de homens comuns; se são
dotados de virtudes legadas pelos seus antepassados, precisam dar testemunho
das suas qualidades em combates e lutas. Séculos mais tarde, Platão e Aristóteles
proporiam a substituição da aristocracia guerreira e de sangue pela aristocracia
do espírito. Os tempos eram outros.
121
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
122
TÓPICO 1 | O PERÍODO LITERÁRIO CLÁSSICO: CAMÕES ÉPICO E CAMÕES LÍRICO
E por que não acrescentar a tudo isto a experiência do poeta, cuja viagem
de partida para a Índia foi bastante tormentosa, e cujas peregrinações pela costa
asiática constituíram episódios suficientemente dolorosos? Não caberia, pois,
uma parada, no tempo do retorno, entes de dobrar “A Meta Austrina da Esperança
Boa”, para descansar o coração tão sofrido e reparar tanto dano havido?
123
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
FONTE: D’ALGE, Carlos. A utopia do paraíso em Camões. Convergência Lusíada, Rio de Janeiro,
n. 8, ano V, [s.d.], p.119-143.
124
RESUMO DO TÓPICO 1
125
• No Classicismo português, além da consciência do homem como um ser
universal, criou-se um forte sentimento de nacionalismo.
• Camões notabilizou-se também por uma vasta obra lírica. Poder-se-ia arriscar
a dizer que ele é considerado um dos maiores poetas líricos da literatura
universal.
126
AUTOATIVIDADE
a) Comente o seu entendimento dos versos: “Não deita dos olhos água” e
“não quer’ que a dor se abrande”.
b) Ao ter notícias do seu amor, a personagem da poesia começa a chorar.
A partir deste fato, e no seu entendimento, comente qual aspecto do
comportamento é destacado por Camões na poesia.
c) Se você fosse traçar um paralelo entre esta poesia e as cantigas de amigo,
estudadas na Unidade 1, que semelhanças você detalharia?
127
2 Leia estas estrofes da épica de Camões, referentes ao Episódio do Velho do
Restelo (Canto IV, estrofes 94 e 97). Em seguida, responda às questões:
128
UNIDADE 2 TÓPICO 2
UMA ÉPOCA DE DUALISMOS: O BARROCO PORTUGUÊS
1 INTRODUÇÃO
Caro/a acadêmico/a, iniciamos mais um tópico dos nossos estudos acerca
da Literatura Portuguesa. E o assunto que ora iniciamos é a escola barroca, que,
ao que parece, teve sua gênese durante o século XVI, atrelada ao movimento
espiritual desencadeado pela Contrarreforma. Junto com isso, havia a vontade
de reaproximar o homem e Deus, os aspectos celestiais e os terrenos, o religioso
e o profano, ao mesmo tempo tentando conciliar duas heranças – a medieval e a
renascentista.
Talvez seja por isso que é costume dizer-se que o período denominado
Barroco está marcado, no seu eixo espiritual e ideológico, por dualismos, por
ideias que contrastam entre si, o que coloca o homem entre dois polos: homem
e Deus, pecado e perdão, religiosidade e paganismo, material e espiritual,
antropocentrismo e teocentrismo.
129
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
130
TÓPICO 2 | UMA ÉPOCA DE DUALISMOS: O BARROCO PORTUGUÊS
131
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
é certa (carpe diem). No fundo, a estética do Barroco colocou o ser humano diante
de uma encruzilhada em que deveria “[...] conciliar o claro e o escuro, a matéria e
o espírito, a luz e a sombra, visando a anular, pela unificação, a dualidade do ser
humano, dividido entre os apelos do corpo e os da alma.” (MOISÉS, 2008, p. 111).
O dilema está, portanto, centrado na oposição entre vida eterna e vida terrena,
espírito e carne. Dentro do Barroco, parece impossível haver conciliação entre
estas antíteses. Ou se vive sensualmente a vida ou se foge dos gozos humanos e
se alcança a eternidade.
No que concerne à literatura deste período, esta expressa esse novo clima
intelectual e espiritual: à tendência mais racional, opõe-se a atração pelo místico e
irracional; excita-se a percepção dos contrastes entre os apelos do corpo e os desejos
pela espiritualidade. Além disso, manifesta-se um uso excessivo de figuras de
linguagem, o que constitui uma das principais características do movimento literário
barroco. Entre estas figuras, destaquem-se as metáforas (comparações de ordem
subjetiva, em que um termo adquire o sentido de outro), antíteses (oposição entre
diferentes ideias), paradoxos (contrariedade entre ideias, o que leva a um absurdo),
oxímoros (conflito de ideias que leva a um disparate, formado pela oposição
substantivo-adjetivo, advérbio-adjetivo), hipérboles (uso de expressões exageradas)
e hipérbatos (inversão da ordem natural dos termos na composição das orações).
132
TÓPICO 2 | UMA ÉPOCA DE DUALISMOS: O BARROCO PORTUGUÊS
133
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
Quando o Sol nasce e a sombra principia, A vós correndo vou, braços sagrados,
A doce abelha, a borboleta airosa nessa cruz sacrossanta descobertos,que, para
Procura luz ardente e fresca rosa, receber-me, estais abertos,
Que faz a terra céu e a noite dia. e por não castigar-me, estais cravados.
Mas quando à flor se entrega, à luz se fia, A vós, divinos olhos, eclipsados
Uma fica infeliz, outra ditosa de tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois vive a abelha e morre a mariposa pois, para perdoar-me, estais despertos,
Na favorável rosa e chama ímpia. e, por não condenar-me, estais fechados.
Fílis, abelha sou, sou borboleta, A vós, pregados pés, por não deixar-me,
Que com afecto igual, com igual sorte, a vós, sangue vertido, para ungir-me,
Busco em vós melhor luz, flor mais selecta. a vós, cabeça baixa, pra chamar-me.
Mas quando a flor é branda, a chama é forte, A vós, lado patente, quero unir-me,
Néctar acho na flor, na luz cometa; a vós, cravos preciosos, quero atar-me,
A boca me dá vida, os olhos morte. para ficar unido, atado e firme.
134
TÓPICO 2 | UMA ÉPOCA DE DUALISMOS: O BARROCO PORTUGUÊS
135
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
- Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contra as de Holanda (1640).
Por causa da ação dos invasores holandeses, que cercaram a cidade de Salvador,
o Padre Vieira, ainda aos 32 anos de idade, declara que talvez este seja o seu mais
ousado e impressionante sermão, diante de uma plateia amedrontada, na Igreja de
Nossa Senhora da Ajuda. Padre Vieira, no sermão, não se dirige ao povo, mas, sim,
ao próprio Deus, rogando-lhe proteção para o seu povo: “Acordai, Senhor, por que
dormis?”, diz ele, com as palavras do Salmo 43.
- Sermão de Santo Antônio aos Peixes (1654). Este sermão foi proferido no
Maranhão, durante a luta dos jesuítas contra a escravização dos índios pelos
colonizadores. Vieira dá mostra de sua veia satírica, comparando os vícios dos
colonos ao comportamento das diversas espécies de peixes.
- Sermão da Sexagésima (1655): este sermão é visto como um dos mais famosos.
Foi proferido pelo Padre Vieira, em 1655, na Capela Real. Nas suas palavras,
o autor faz referência à arte de pregar, demonstrando suas dez partes. Padre
Vieira vale-se da metáfora de que pregar é o mesmo que semear. Ele traça um
paralelo entre a parábola bíblica do semeador que semeou nas pedras, nos
espinhos (em que o trigo frutificou e morreu), na estrada (ali não frutificou) e
na terra (que frutificou). Vieira critica muitos dos pregadores contemporâneos
seus, achando que estes o faziam mal, por tratarem de vários assuntos
concomitantemente. Consequentemente, a pregação tornava-se vaga, ineficaz,
agradando aos homens sem agradar a Deus. O sermão em questão foi chamado
de Sermão da Sexagésima, pois esta era, no calendário da Igreja, o segundo
domingo antes do primeiro da quaresma, ou seja, aproximadamente sessenta
dias antes da Páscoa.
136
TÓPICO 2 | UMA ÉPOCA DE DUALISMOS: O BARROCO PORTUGUÊS
Sermão da Sexagésima
Padre Antônio Vieira
Sabeis, cristãos, por que não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos
pregadores. Sabeis, pregadores, por que não faz fruto a palavra de Deus? —
Por culpa nossa. [...]
137
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
FONTE: PÉCORA, Alcir. Sermão da Sexagésima. In: Sermões: Padre Antônio Vieira. São Paulo:
Hedra, 2003. p. 163-175.
NOTA
138
TÓPICO 2 | UMA ÉPOCA DE DUALISMOS: O BARROCO PORTUGUÊS
139
RESUMO DO TÓPICO 2
141
AUTOATIVIDADE
Caro/a acadêmico/a, para que você possa melhor fixar o conteúdo deste
tópico, apresentamos, a seguir, uma atividade. Procure resolvê-la com base no
que você estudou.
142
A INGRATIDÃO
FONTE: GOMES, Eugênio. Vieira - trechos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1971. p. 85.
a) Neste sermão, Vieira fala dos efeitos da ausência sobre o amor. Cite-os.
143
144
UNIDADE 2 TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Gradativamente, a ação do movimento da Contrarreforma foi perdendo
terreno e, por outro lado, o movimento expansionista continuou seu trabalho,
deixando para o mundo os seus resultados, entre os quais, a expansão comercial.
Ao mesmo tempo em que as relações comerciais se intensificavam, desenvolviam-
se os instrumentos tecnológicos, o que garantiu o aparecimento de meios de
produção mais eficientes, mais rápidos. Diante disto, aumentou o consumo,
criou-se a necessidade de maior comércio, de maior integração econômica entre
as nações, desenvolveu-se, como consequência, o capitalismo comercial e, além
de tudo, promovia-se a integração cultural da Europa como um todo e o Mundo,
além do Novo Mundo, incluindo o Brasil.
145
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
Este tempo novo, que manifesta novas ideias dentro do espírito iluminista,
denomina-se Arcadismo (ou Setecentismo ou ainda Neoclassicismo), e dá uma
nova tônica às artes principalmente na segunda metade do século XVIII. Este
novo matiz vem principalmente dos ideais da nova burguesia e é caracterizado
pela procura da pureza e da simplicidade das formas clássicas. O Arcadismo
português, caro/a acadêmico/a, constitui o assunto deste terceiro tópico, e a sua
estética será estudada a seguir.
146
TÓPICO 3 | AS LUZES DA RAZÃO: O ARCADISMO
147
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
148
TÓPICO 3 | AS LUZES DA RAZÃO: O ARCADISMO
149
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
FIGURA 28 – O BUCOLISMO
150
TÓPICO 3 | AS LUZES DA RAZÃO: O ARCADISMO
CARPE DIEM: uma das grandes marcas da estética árcade é ocarpe diem,
ou seja, aproveitar o dia, tido também como o princípio do viver intensamente os
momentos presentes. Este tema também, visto sob a ótica da fugacidade da vida
(por isso aproveitar o momento), é muito comum na literatura ocidental. E há
que se ressaltar que o próprio Barroco se valeu dele, porém o ângulo de visão do
Barroco era o negativo, próximo à ideia do fim, da morte. Por sua vez, os árcades
o utilizam na perspectiva de um convite amoroso, como uma insinuação erótica.
O poeta, na certeza de que a vida é algo passageiro (efemeridade da vida) chama
a amada para que juntos aproveitem o momento atual. Isto é o carpe diem, ou o
desejo de aproveitar o momento, a vida enquanto é possível, já que esta é apenas
uma passagem.
151
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
152
TÓPICO 3 | AS LUZES DA RAZÃO: O ARCADISMO
du Bocage, era filha de um francês. Ainda em relação à mãe, esta era segunda
sobrinha da importante poetisa francesa Marie Anne Le Page du Bocage.
Pelo que se sabe, o período de sua infância não foi muito infeliz. Seu pai foi
preso por causa de dívidas com o Estado, quando o menino Bocage ainda contava
seis anos. Permaneceu recluso pelo período de seis anos. Quando o menino tinha
dez anos, ocorreu o falecimento da mãe.
A década que se segue, para ele, é muito promissora, por causa da sua
grande produção literária, ao mesmo tempo em que se caracteriza como um
período de entregas à vida boêmia e de aventuras. Ainda no ano de 1790, recebeu
o convite para compor a Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia, à qual
aderiu e, como de costume, deveria adotar um pseudônimo, escolhendo, para
isso, Elmano Sadino.
153
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
Os anos que vão de 1799 a 1801 são para Bocage de muito trabalho,
principalmente com Frei José Mariano da Conceição Veloso, um frade brasileiro,
com uma boa posição política e bem visto pelo intendente Pina Manique. Ele lhe
proporcionou muitas oportunidades de trabalho, na área da tradução. A começar
pelo ano de 1801 até sua morte, causada por um aneurisma, morou numa casa
por ele mesmo arrendada, no Bairro Alto, no atual número 25, na travessa André
Valente, em Lisboa.
Durante a sua trajetória, Bocage levou uma vida até certo ponto confusa,
conturbada, dedicando-se, em muitos momentos, à boêmia. Frequenta também os
bares portugueses, convive com prostitutas, marinheiros, vagabundos. Em certos
momentos, tem oportunidade de estar com pessoas de bom nível cultural, social
e literário. Do mesmo modo que Camões, foi soldado e, por um certo período,
viveu e viajou para algumas terras portuguesas ultramarinas, as ditas colônias
portuguesas no Oriente ou no Ocidente. Entre a vida de Bocage e a de Camões,
há muitas semelhanças, por isso ele dedica um dos seus sonetos a traçar este
paralelo entre ele e o poeta épico português:
154
TÓPICO 3 | AS LUZES DA RAZÃO: O ARCADISMO
155
UNIDADE 2 | A PRODUÇÃO LITERÁRIA PORTUGUESA CLÁSSICA, BARROCA E ÁRCADE
156
TÓPICO 3 | AS LUZES DA RAZÃO: O ARCADISMO
Há que se frisar que o bom leitor da obra bacagiana, nos dias atuais,
jamais poderia, ou deveria, ignorar o quanto é difícil e o quanto é complexa a
compreensão da produção literária desse que é o maior e melhor poeta árcade
português. Assim, a obra de Bocage, no seu conjunto, não é totalmente árcade
tampouco romântica; é, sim, uma literatura de passagem de um tempo a outro,
ou melhor, que apresenta, ao mesmo tempo, aspectos de duas escolas literárias
portuguesas: o Arcadismo e o Romantismo. Esse aspecto de Bocage bem o revela
Massaud Moisés (2008, p, 161): “[...] é todo ele o anúncio da visão romântica do
mundo [...] é assim que deve ser considerado. Para ser integralmente romântico,
faltou-lhe caminhar um passo a mais e libertar-se por inteiro da formação
neoclássica”. E a escola romântica portuguesa, caro/a acadêmico/a, constitui o
assunto da nossa próxima unidade.
157
RESUMO DO TÓPICO 3
• Os ideais de uma vida mais modesta e natural vêm calhar com os anseios de um
público novo, consumidor em formação, que é composto pela burguesia, a qual
historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida de luxo da nobreza nas cortes.
• A obra poética de Bocage revela certa evolução, a qual poderia ser traduzida
em três momentos principais. Primeiramente, ele revela certa polêmica, ainda
em vida; segue-se uma fase de idealização romântica ao longo do século XIX e,
por fim, a reinterpretação estética e ideológica dos nossos dias.
• Bocage, ao que parece, não é totalmente árcade tampouco romântico; ele faz uma
literatura de passagem de um tempo a outro, ou melhor, que apresenta, ao mesmo
tempo, aspectos de duas escolas literárias portuguesas: o Arcadismo e o Romantismo.
158
AUTOATIVIDADE
159
Linda cena, espetáculo diverso
embora alegre o mundo me apresente,
que em luto, isto que choro amargamente,
me sepulta o vastíssimo universo.
FONTE: AMORA, Antônio Soares. Presença da Literatura Portuguesa – era clássica. São
Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. p. 287.
160
UNIDADE 3
DO ROMANTISMO À
CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E
A PRODUÇÃO LITERÁRIA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, o/a acadêmico/a estará apto/a a:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. Ao final de cada um deles, o/a
acadêmico/a poderá dispor de atividades que o/a auxiliarão na fixação do
conteúdo.
161
162
UNIDADE 3
TÓPICO 1
O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO
1 INTRODUÇÃO
É historicamente sabido que o século XVIII é marcado por um grande
crescimento da classe burguesa, e isto é visto com maior rigor no território francês.
Na França, a burguesia sentia-se pouco valorizada, principalmente por parte dos
membros da realeza, monarquia absolutista. Atrelada ao descontentamento da
burguesia, estava também uma grande massa empobrecida que muito sofria, haja
vista a desigualdade social reinante na França nesse momento. A revolta popular
era iminente, em vista do descontentamento geral: os camponeses explorados
por causa da injusta cobrança de impostos, a burguesia rica e crescente exigia
igualdade de condições, as massas empobrecidas desejavam mudanças e muitos
dos que eram favorecidos pelo regime governamental temiam perdas de suas
posses.
163
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
164
TÓPICO 1 | O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO
suicídio. O livro foi muito bem aceito entre a juventude europeia, a ponto de
muitos jovens, em toda a Europa, suicidarem-se, o que chegou a ser um surto.
Portugal conseguiu controlar este surto graças à imprensa, que parou de publicar
os fatos.
165
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Mas não poderíamos deixar de dar voz a alguém que tentou defini-
lo, ainda que de maneira simples, a exemplo de que o Romantismo
foi, sobretudo, um movimento de liberdade espiritual, primeiro,
que remonta às origens, filosófica, literária e artística, e depois, de
cunho social e político. Em arte e literatura, seu objetivo foi fazer algo
diferente dos movimentos do passado e daquele em voga no momento
presente, e até contra ambos. Excedeu o seu propósito, e em todos os
ramos de atividade mental, até nas ciências, foi uma reação contra o
espírito clássico, que, embora desnaturado, ainda dominava em todos.
(VERÍSSIMO, 1976, p. 77).
166
TÓPICO 1 | O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO
167
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
168
TÓPICO 1 | O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO
169
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
No ano de 1826, retornou à sua pátria natal, mas deixa novamente a terra
em 1828. Nesse mesmo ano, sofre com o falecimento da filha recém-nascida.
Estando na Inglaterra, publica Adozinda e Catão, em 1828.
170
TÓPICO 1 | O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO
Acerca da obra Folhas Caídas, lançada em 1853, da qual faz parte o poema
Este Inferno de Amar, compõe-se de quarenta e seis poemas, divididos em duas
partes. De um modo geral, envolvem a paixão amorosa, ou, como expressa o
poema Inferno de Amar, aparecem os efeitos contraditórios do amor, que oscilam
entre a alegria de amar e os tormentos sentimentais.
O poeta, assim, não mais canta nos seus versos as damas idealizadas dos
clássicos, mas prefere confessar as próprias vivências amorosas, o que é uma
característica fundamental do Romantismo. Por isso, quem sabe, essa poesia (e a
romântica em geral) é um fazer poético da personalidade.
172
TÓPICO 1 | O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO
173
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Porém, tudo muda de figura a partir do instante que ele descobre que
os muçulmanos, liderados por Tarrique, invadem a Península Ibérica. Ele toma
para si a responsabilidade de liderar o combate contra os invasores. Num
momento inicial, avisa seu amigo Teodomiro, mas posteriormente, já durante o
combate, o Presbítero de Carteia, assume a identidade do misterioso Cavaleiro
Negro. Incansavelmente, ele luta para defender as terras espanholas, o que atrai
a admiração dos companheiros godos e lhes dá forças para combater os povos
invasores.
174
TÓPICO 1 | O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO
• LEIS SOCIAIS: por causa das diferenças de posição social, Eurico e Hermengarda
foram impedidos de se unir em casamento. Eis aí, então, a dicotomia humana
entre razão e emoção, a vontade do coração e as regras da vida em sociedade.
NOTA
175
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
176
TÓPICO 1 | O ESPÍRITO CRIADOR E LIVRE: PERÍODO ROMÂNTICO
LEITURA COMPLEMENTAR
O ROMANTISMO EM PORTUGAL
Massaud Moisés
Daí que o romântico mergulhe cada vez mais na própria alma, a examinar-
lhe masoquistamente os desvãos, com o intento vaidoso de revelá-la e confessá-la.
E, embora confesse tempestades íntimas ou fraquezas sentimentais, experimenta
um prazer agridoce em fazê-lo, certo da superior dignidade do sofrimento. À
confissão de intimidades sentimentais corresponde a descoberta de sensações
ligadas à fragilidade e ao mistério dos destinos humanos, submetidos aos azares
e à perpétua mudança de tudo.
FONTE: Adaptado de: MOISÉS, Massaud. Romantismo. In: ______. A Literatura Portuguesa. São
Paulo: Cultrix, 2008. p. 169-170.
178
RESUMO DO TÓPICO 1
179
• O artista homem buscava idealizar a mulher, constituí-la deusa, colocá-la num
plano divino, e com isso retornava ao passado medieval, ao Trovadorismo,
às madames que eram desejadas pelos trovadores, ainda que inatingíveis por
causa das condições sociais de um e de outro.
180
AUTOATIVIDADE
181
182
UNIDADE 3
TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
Com o advento da segunda metade do século XIX, o contexto sociocultural
da Europa começa a dar mostra de mudanças muito significativas, principalmente
no que concerne à burguesia e à indústria mecânica, as quais começam a firmar-
se. Os ideais de liberalismo e democracia recebem proporções gradativamente
maiores. Do mesmo modo, as ciências naturais começam a desenvolver-se e, na
mesma medida, os métodos experimentais e de observação da realidade começam
a ser vistos como possíveis para explicar racionalmente o mundo físico.
183
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Origem das Espécies, por meio da qual retomou a teoria da evolução dos animais
e plantas, ou melhor, dos seres vivos. A teoria de Darwin obteve grande oposição
da Igreja, mas, por outro lado, foi extraordinariamente aceita pelo público, haja
vista a curiosidade geral em torno deste novo tema.
Por outro lado, nas últimas décadas do século XIX, começava a surgir
na Europa uma nova corrente literária, a qual se opunha ao Realismo. Esta
geração dizia-se frustrada nas suas tentativas de modificar a realidade. Bem o
revela Alfredo Bosi (1984, p. 296) que “[...] do âmago da inteligência europeia
surge uma oposição vigorosa ao triunfo da coisa e do fato sobre o sujeito – aquele
sujeito a quem o otimismo do século prometera o paraíso, mas não dera senão o
purgatório de contrastes e frustrações”.
Assim, caro/a acadêmico/a, neste tópico temos por propósito tratar destes
dois estilos de época bastante marcantes, ao mesmo tempo que esteticamente
opostos, dentro do panorama literário português. Trata-se do Realismo e do
Simbolismo.
184
TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
Grande exemplo que não poderia deixar de ser mostrado, até por se
tratar de um marco do realismo, é o romance Madame Bovary, publicado em
1857, por Gustave Flaubert, que faz uma sátira discreta à hipocrisia da educação
sentimental da burguesia. É a partir deste exemplo literário que a literatura passa
a ser um instrumento de denúncia e crítica social.
185
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Coimbra vivia então numa grande atividade, ou antes, num grande tumulto
mental. Pelos caminhos de ferro, que tinham aberto a Península, rompiam cada
dia, descendo da França e da Alemanha (através da França), torrentes de coisas
novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários.
Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fosse novo. (NICOLA, 1994,
p. v).
Percebe-se no comentário a questão inerente ao programa estético realista,
no qual transparece a preocupação em observar o ser humano de modo imparcial,
ou seja, como o fariam as ciências físicas. É desse modo que se desejava a criação
de uma literatura verdadeira, mais apropriada aos novos tempos. Desta maneira,
o novo escritor poderia intervir na cena contemporânea, de posse de uma atitude
mais crítica e de modo combativo.
186
TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
O início da questão teria sido uma referência não muito elogiosa do poeta
Antônio Feliciano de Castilho, defensor da ala ultrarromântica, à nova estética
literária portuguesa, representada pela publicação do livro Odes Modernas, no
ano de 1865, do escritor Antero de Quental. Castilho valeu-se do posfácio ao
Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas (seu favorecido) para criticar o novo
modelo de poesia lançado por Quental.
187
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
abrir uma tribuna em que tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam
esse movimento do século, preocupando-nos, contudo, com a transformação
social, moral e política;
188
TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
189
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
REALISMO NATURALISMO
A investigação da sociedade e dos caracteres A investigação da sociedade e dos caracteres
individuais é feita de "dentro para fora", isto é, individuais ocorre "de fora para dentro"; as
por meio de uma análise psicológica capaz de personagens tendem a se simplificar, pois
abranger toda a sua complexidade, utilizando são vistas como joguetes, títeres dos fatores
entre outros recursos a ironia, que sugere e biológicos e sociais que determinam suas
aponta, em vez de afirmar. ações, pensamentos e sentimentos.
Ênfase nas relações entre os homens Ênfase na descrição das coletividades, dos
e a sociedade burguesa, atacando suas tipos humanos que encarnam os vícios,
instituições e seus fundamentos ideológicos: as taras, as patologias e anormalidades
o casamento, o clero, a escravidão do reveladoras do parentesco entre o homem
homem ao trabalho como meio de "vencer e o animal; o homem descendo à condição
na vida"; as contradições entre ricos e pobres, animalesca em sua situação de mero
vistas da ótica dos "vencidos" (os marginais, produto das circunstâncias externas, como a
os operários, as prostitutas) e não dos hereditariedade e o meio ambiente.
"vencedores".
O tratamento imparcial e objetivo dos temas O tratamento dos temas a partir de uma
garante ao leitor um espaço de interpretação, visão determinista conduz e direciona
de elaboração de suas próprias conclusões a as conclusões do leitor e empobrece
respeito das obras. literalmente os textos.
190
TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
Em 1865, publica uma de suas primeiras obras, Odes Modernas, fato que
191
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
lhe confere renome e prediz o seu caminho futuro. Esta publicação de Quental
contribui para desencadear a já citada por nós Questão Coimbrã. Depois de uma
estada breve em Paris e Nova Iorque, retorna a Lisboa a passa a fazer parte do
grupo Cenáculo, em 1868, do qual se torna um dos líderes. A partir de 1871,
compõe o grupo que lidera as Conferências do Cassino, das quais participa
ativamente.
Sua obra traz a marca de uma temática muito rica e variada, porém
interessa-nos destacar o que consideramos o desdobramento poético da polêmica
Questão Coimbrã. Ao que parece, ele escreveu o soneto A Um Poeta com o objetivo
de atingir os poetas do romantismo, colocando como epígrafe a frase bíblica em
latim, tirada do evangelho surge et ambula!, a qual significa “levanta-te e anda!”.
192
TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Seu pai era o Dr. José Maria Teixeira de Queirós, juiz do Supremo
Tribunal de Justiça, e sua mãe D. Carolina de Eça. Estudou em alguns colégios da
cidade do Porto e cursou ensino superior (Direito) na Universidade de Coimbra,
completando a sua graduação em 1866. Em 1867, estabeleceu-se como advogado,
cuja profissão exerceu durante algum tempo, mas logo a abandou por achar que
não alcançaria um futuro promissor. Era amigo pessoal de Antero de Quental,
com o qual viveu fraternalmente. Estabeleceu com ele e outros companheiros
uma verdadeira agremiação literária, em cuja assembleia entraram Ramalho
Ortigão, Oliveira Martins, Salomão Saraga e Lobo de Moura. Este grupo, em
1871, estabeleceu as famosas Conferências Democráticas no Cassino Lisbonense.
194
TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
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TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
Os poetas do novo estilo têm por intuito não somente cantar e evocar as
emoções, mas também trazê-las para dentro do texto de um modo prático, de
modo que o leitor possa vivenciá-las, senti-las plenamente. Por esse motivo, os
simbolistas se valem das sinestesias, da forte ligação com as cores, das sensações,
das imagens além de outras características, como as que apresentaremos a seguir:
197
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
198
TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
E este novo estilo consolidou-se nas terras lusitanas com o poeta Eugênio
de Castro e a publicação do poema Oaristos. Esta poesia abriu os novos tempos
no cenário da literatura de Portugal. Para uma análise inicial, utilizaremos o
poema intitulado Um Sonho:
199
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
201
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
202
TÓPICO 2 | A REVOLUÇÃO DA MENTALIDADE E O CULTO AO ETÉREO: AS ESCOLAS REALISTA E SIMBOLISTA
De uma maneira mais resumida, pode-se dizer que o tema que acompanha
a poesia de início a fim é o tédio e a desilusão, o pessimismo existencial, temas
esses muito próprios da poética simbolista. E isto o poeta bem soube fazê-lo, pelas
vias da sugestão, sem mostrar claramente o objeto, pois se o fizesse acabaria com
o encanto do poema. Por isso, “[...] sugerir, eis o sonho. É a perfeita utilização
deste mistério que constitui o símbolo.” (MALLARMÉ apud GOMES, 1994, p.
27).
203
RESUMO DO TÓPICO 2
204
• O Simbolismo em Portugal caracterizou-se por um movimento literário que
teve como ponto de partida os ideais decadentistas originários da França.
Por isso, é comum dizermos que esse movimento manifesta o espírito da
decadência do final do século XIX. O termo simbolismo foi criado por Jean de
Maréas (1856-1910), através da publicação de um artigo, que também serviu de
manifesto, e foi publicado no jornal francês Le Figaro.
205
AUTOATIVIDADE
Caro/a acadêmico/a, para que você possa melhor fixar o conteúdo deste
tópico, apresentamos, a seguir, uma atividade. Procure resolvê-la com base no
que você estudou.
Viola chinesa
Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda
Sem que amadornado eu atenda
A lengalenga fastidiosa.
Sem que o meu coração se prenda,
Enquanto nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a parlenda.
Mas que cicatriz melindrosa
Há nele que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?
206
UNIDADE 3
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Quando se fala em modernismo, a referência que se faz é às características
estéticas de determinada época ou geração. A partir de tal ideia, ao fazermos
menção à modernidade, nossa referência se volta à questão histórica e, dentro desta,
aos processos e transformações, muitas vezes profundas, que se desenvolvem em
determinado período. E aqui, caro/a acadêmico/a, é importante que se tenha em
conta que a maior parte dos países do continente europeu levou um longo tempo
para se modernizar.
207
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
208
TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
Por volta do ano de 1915, alguns membros deste mesmo grupo, juntamente
com outros, fundam a revista Orpheu, a qual, entre os principais escritores,
contava com a colaboração de Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, que
também colaborou na revista A Águia, Luís de Montalvor, Almada Negreiros
e inclusive um brasileiro, Ronald de Carvalho. Estes ilustres literatos desejavam
revolucionar e atualizar a cultura portuguesa dentro do cenário europeu. E esta
revista é mais um dos marcos do início do Modernismo em Portugal.
209
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
NOTA
210
TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
FONTE: MACHADO, Álvaro Manuel. Dicionário de literatura portuguesa. Lisboa: Presença, 1996.
p. 415.
211
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Mas o Modernismo português não acaba junto com a geração que termina.
Os membros da geração Orpheu que ficaram continuam amadurecendo as ideias
modernistas e a divulgá-las. Assim, no ano de 1927, um grupo de estudantes de
Coimbra, entre os quais José Régio, João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca
(mais tarde tomam parte também Miguel Torga e Casais Monteiro) reúnem-se
com o objetivo de criar uma nova revista, a Presença. Esta se constituiu o veículo
de expressão mais importante do grupo, além de ser o meio de divulgação das
ideias dos intelectuais portugueses no tempo compreendido entre os anos de
1927 e 1940. Diferentemente das duas revistas anteriores, esta teve uma tiragem
bastante duradoura, pois, durante o seu período de vigência, efetuaram-se
cinquenta e quatro números.
212
TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
Eis como tudo isto se reduz a pouco: literatura viva é aquela em que
o artista insuflou a sua própria vida, e que por isso mesmo passa a
viver de vida própria. Sendo esse artista um homem superior pela
sensibilidade, pela inteligência e pela imaginação, a literatura viva que
ele produz será superior: inacessível, portanto, às condições do tempo
e do espaço.
Está aberto, deste modo, o espaço para novos grupos com tendências
modernas, ou mais modernas, o que não tardou a se formar, mesmo diante
das grandes conturbações sociais e políticas que advinham da Segunda Guerra
213
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Mundial. Este grupo propunha uma maior aproximação dos escritores aos
problemas sociais e políticos da época. Os adeptos dessa corrente literária
defendiam a existência de um tipo de literatura que atuasse como crítica, como
denúncia social, de cunho combativo, com missão reformadora e que se colocasse
a serviço da sociedade.
214
TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
NOTA
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
NOTA
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Dispersão
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
(O domingo de Paris
lembra-me o desaparecido
que sentia comovido
os domingos de Paris:
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
JOSÉ RÉGIO, pseudônimo de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila
do Conde, aos 17 de novembro de 1901. Licenciou-se em Letras na Universidade
de Coimbra e tornou-se professor do ensino secundário em Portalegre, onde
permaneceu mais de trinta anos, desempenhando, ao mesmo tempo, a criação
literária. Em Coimbra, foi um dos fundadores da revista Presença, com Adolfo
Casais Monteiro, João Gaspar Simões, entre outros. Aos 18 anos, foi para Coimbra
e cursou Filologia Românica (1925), com a tese As Correntes e As Individualidades
na Moderna Poesia Portuguesa.
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
CÂNTICO NEGRO
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
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NOTA
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Lídia
Opiário
TABACARIA
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
O livro do desassossego
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
A Selva
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
No ano de 1903, Florbela lança seu primeiro poema, aos sete anos de idade
– A vida e a morte – demonstrando precocemente sua tendência a temas mais
escusos e melancólicos. Já em 1908 falece a mãe de Florbela, Antônia Conceição,
e nesse mesmo ano Florbela ingressa no Liceu e permanece até 1912. Ela foi uma
das primeiras mulheres a ingressar no curso secundário. Este fato não era bem
visto pela sociedade, como também pelos professores do Liceu.
Aos 19 anos, no ano de 1913, casa-se com Alberto Moutinho, seu colega de
estudos, e passa a viver em Redondo até 1915, quando então escolhem a cidade de
Évora para viver, movidos também por dificuldades financeiras. Decide retornar
a Redondo no ano de 1916, quando então Florbela reúne uma seleção de poemas
de sua produção (88 poemas e três contos) e lança o projeto Trocando Olhares.
No ano de 1919, lança seu primeiro livro – Livro das Mágoas – o qual
é bastante aceito e esgota-se rapidamente. Logo em seguida, lança o Livro de
Sóror Saudade, publicado em 1923. Após o segundo aborto, separa-se também
do segundo casamento, com Antônio Guimarães. No ano de 1925, Florbela casa-
se com Mário Lage, no civil e no religioso, e passa a viver com ele em Esmoriz
primeiramente, e depois em Porto. Em 1927, compõe com D. Nuno os poemas
que fazem parte da obra Charneca em Flor.
Nesse mesmo ano, morre o irmão de Florbela – Apeles – motivo pelo qual
ela lança As Máscaras de Destino. Este fato também agrava a doença de Florbela,
o que fará com que nunca mais seja a mesma. Já em 2 de dezembro de 1930,
233
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Florbela encerra seu Diário do Último Ano com a seguinte frase “… e não haver
gestos novos nem palavras novas.” Seu falecimento ocorre às duas horas do dia 8
de dezembro, dia do seu aniversário, levada ao suicídio na cidade de Matosinhos,
por ingestão de dois frascos de Veronal.
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
eu sou a que na vida não tem norte,
sou a irmã do Sonho, e desta sorte
sou a crucificada… a dolorida…
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
e que o destino amargo, triste e forte,
impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…
Sou aquela que passa e ninguém vê…
sou a que chamam triste sem o ser…
sou a que chora sem saber por que…
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
alguém que veio ao mundo pra me ver
e que nunca na vida me encontrou!
(TUFANO, 1981, p. 218)
Este soneto não é o primeiro que ela lança para o Livro de Mágoas, mas
constitui parte da obra, embora seja uma boa obra autobiográfica. Por meio deste
poema, ela apresenta a dor, a incompreensão sofrida e que talvez não percebesse.
Ela se apresenta como desnorteada, sem rumo para a sua vida, com o desejo
de se evadir e ligada com o irreal. Os adjetivos escolhidos para caracterizar-se
psicologicamente são crucificada e dolorida. Ela se declara crucificada por causa
da incompreensão, talvez pelos maridos (ou não só por eles) e dolorida por causa
da tristeza que trazia dentro de si. Num futuro próximo, será a negridão débil
e desfeita que lhe dará destino último, mais forte, triste e amargo, a sua morte
trágica.
O primeiro terceto mostra a falta de atenção, a discriminação, o estereótipo
por causa de muitos pensarem que ela estava sempre triste, o que a leva muitas
vezes a chorar. Quanto ao amor, este é definido como uma vida cheia de amores,
mas que talvez nenhum deles tivesse sido o certo.
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
fato foi descoberto quando a matrícula de José Saramago da Silva na escola foi
rejeitada porque não tinha o mesmo nome do pai. O pai de Saramago teve, então,
de mudar de nome, acrescentando Saramago para que seu filho pudesse estudar.
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
Maria olha o seu primogênito, que por ali anda engatinhando como
fazem todos os crios humanos, na sua idade, olha-o e procura nele uma
marca distintiva, um sinal, uma estrela na testa, um sexto dedo na mão,
e não vê mais do que uma criança igual às outras, baba-se, suja-se e
chora como elas, a única diferença é ser seu filho. (SARAMAGO, 2002).
O Jesus criado por Saramago na sua obra apresenta uma infância normal,
é um menino semelhante a todos os outros, pois vive com os pais, brinca com os
seus irmãos, é instruído dentro da religião judaica, trabalha e aprende o ofício do
pai. Este relato contraria alguns relatos fantasiosos dos evangelhos apócrifos, aos
quais, certamente, Saramago teve acesso e tomou conhecimento. Trata-se de um
menino com uma boa memória e sabe argumentar com lógica.
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
A relação entre os dois não fica somente no plano físico, pois é permeada
de afetos, de carícias e, enfim, de amor. Tanto é que depois disso Maria Madalena
deixa de ser prostituta e passa a assumir um compromisso de amor e fidelidade
com Jesus, e este com ela. Saramago não se esquece de apresentar o seu Jesus
como alguém que experimenta tensões e conflitos no relacionamento, de forma
especial com sua família e, sobretudo, com sua mãe.
[...] Jesus, de joelhos, gritou, e todo o seu corpo lhe ardia como se
estivesse a suar sangue, Pai, meu pai, por que me abandonastes, que
isto era o que o pobre rapaz sentia abandono, desespero, a solidão
infinda de um outro deserto, nem pai, nem mãe, nem irmãos, um
caminho morto de principiado. (SARAMAGO, 2002).
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Contigo
com a firme vitória da tua alegria
e da tua consciência.
O iô kalunga ua um bangele!
O iô kalunga ua um bangele-lé-lelé...
Lembras-te?
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
À tua força
que transforma os destinos dos homens
a ti Mussunda amigo
a ti devo a vida.
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
UNI
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TÓPICO 3 | LIBERDADE DE CONCEPÇÃO E EXPRESSÃO E A ATUALIDADE: A ERA MODERNA E A PROD. LITE. CONTEMP.
LEITURA COMPLEMENTAR
VOZES DA ÁFRICA
Antônio Edson
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
FONTE: Adaptado de: EDSON, Antônio. Vozes d’ África. Revista Família Cristã, São Paulo, n.
895, p. 6-8, jun. 2010.
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RESUMO DO TÓPICO 3
• A revista A Águia era uma revista mensal de literatura, arte, ciência, filosofia
e crítica social, logo tornada órgão da Renascença Portuguesa, rótulo
que os conformados passaram a usar como expressão do seu programa
de fundamentação e revigoramento, em moldes modernos, da literatura
portuguesa.
• No caso específico dos países africanos, muitas pessoas que participaram dos
movimentos de independência foram os primeiros a assentar registros sobre
os acontecimentos ou se valeram destes temas libertários, episódios dolorosos,
reflexões sobre a identidade da nação independente a ser construída como
temas literários.
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AUTOATIVIDADE
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UNIDADE 3
TÓPICO 4
1 INTRODUÇÃO
No que se refere ao trabalho com o texto literário na sala de aula, muitas
vezes, alunos e professores sentem-se insatisfeitos por considerarem pouco
criativa e desinteressante a disciplina de literatura. Sabe-se também que é grande
o esmero do professor à procura de alternativas para melhorar a qualidade de
ensino nesse campo. Contudo, parece incômodo deixar de lado antigas práticas
para adequar-se a certas necessidades que são exigidas pelo momento moderno.
Esse “adequar-se” pressupõe muita reflexão, para a qual o próprio professor às
vezes não se sente “competente”, ou não encontra tempo, talvez nem razão.
250
TÓPICO 4 | A LITERATURA PORTUGUESA E O ENSINO: ALGUMAS IDEIAS
Mas, sem margem de dúvida, o verbo mais importante para uma aula
de literatura é ler. É em torno deste que se constrói toda a prática pedagógica, e
o que se procura construir é o despertar o aluno ao prazer da prática da leitura.
Convenhamos que trabalhar com a linguagem da literatura, particularmente,
não é coisa muito fácil. Primeiramente, é importante que se tenha presente que
“[...] ler é manusear um instrumento físico chamado texto: o romance, o conto, o
poema, a crônica, que estão impressos em livros”. (CITELLI, 1981, p. 77). E esse
fator, a grande maioria das vezes, esbarra com a precariedade, quando não com
a inexistência, de bibliotecas nas nossas escolas públicas. Some-se isto às poucas
condições de as escolas poderem adquirir instrumentos de leitura, ou porque não
há verbas para comprá-los, ou porque o nível da renda da maioria dos alunos
não permite tal investimento. Como fator segundo poder-se-ia citar a baixa carga
horária para o ensino de literatura, ao pouco incentivo financeiro para que o
professor possa absorver novas leituras, ao pouco tempo para pesquisar novos
textos de interesse mais próximo dos alunos.
Perde com isso esse aluno, que deveria, supostamente, sentir necessidade
da leitura de textos literários: poesias, crônicas, romances, novelas etc., textos aos
quais, a partir do conhecimento de outros textos, o educando poderia atribuir
significação, relacionando-os, ainda, a outros textos significativos, entregando-
se a esta leitura, ou poderia também rebelar-se contra ela, propondo outra não
prevista, conforme explica Lajolo (1982). Reside aqui a ideia de que a escritura
de um texto é um ato que ultrapassa a própria obra literária; ela encarrega outros
de efetuarem o fechamento das suas palavras. Portanto, o texto literário é uma
251
UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
proposição da qual a resposta só é conhecida pelo leitor que, aliás, é quem pode
atribuir-lhe todo o significado. Comungando, a este ponto, da ideia de Barthes
(1971, p. 23), a obra literária é inauguradora de uma ambiguidade, pois ela se
oferece, paradoxalmente, “[...] como um silêncio a ser decifrado”. A obra nunca
é de todo significante e também nunca é de todo clara; ela é, por assim dizer,
sentido suspenso. Vista sob essa ótica, a obra literária interroga o leitor e a si
mesma, sem, contudo, dar respostas. Esse conceito mantém estreita relação com
o que já foi visto acerca da intertextualidade.
Outra estratégia que poderia ser aqui sugerida seria, talvez, iniciar-se
o trabalho pelas cantigas do século XII – Trovadorismo e, a partir delas criar
novos textos, musicais, por exemplo, de modo que estes estejam mais próximos à
realidade do aluno, paródias com textos musicais atuais de sucesso. Além disso,
o trabalho pode concentrar-se na análise e discussão de influências de um texto
sobre outros textos, o que chamamos intertextualidade. Aconselha-se concentrar
o trabalho num mínimo de textos exemplares. Ao falarmos em análise, esta
poderia processar-se nas personagens e suas ações, tempos, espaços, questões
sociais, históricas, políticas e culturais tratadas nas entrelinhas, influências de
outras culturas, os discursos que subjazem às palavras dos autores, entre outros
argumentos, que poderiam ser ao mesmo tempo tratados de forma interdisciplinar.
Bordini (1985, p. 36) demonstra ainda que “[...] no Ensino Médio não se esperará
que o aluno empreenda análises sofisticadas do fenômeno literário [...] Bastará
252
TÓPICO 4 | A LITERATURA PORTUGUESA E O ENSINO: ALGUMAS IDEIAS
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UNIDADE 3 | DO ROMANTISMO À CONTEMPORANEIDADE: A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO LITERÁRIA
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TÓPICO 4 | A LITERATURA PORTUGUESA E O ENSINO: ALGUMAS IDEIAS
NOTA
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RESUMO DO TÓPICO 4
• Grande parte dos alunos do Ensino Fundamental e Médio não gosta de ler,
havendo entre estes os que até repudiam a leitura.
• Para atingir o objetivo de criar o prazer no ato de ler e a solução das dificuldades
para trabalhar com o texto dentro da sala de aula, muitos professores,
principalmente de Português e Literatura, têm se debatido ao longo dos anos
letivos.
• O trabalho com o texto literário visa a uma reação do leitor (o aluno) deflagrada
a partir de uma interpretação que outro leitor (o autor do livro didático) acredita
ser a mais pertinente, útil, adequada, agradável.
256
AUTOATIVIDADE
257
258
REFERÊNCIAS
ABDALA JÚNIOR, Benjamin; PASCHOALIN, Maria Aparecida. História social
da literatura portuguesa. São Paulo: Ática, 1985.
259
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Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Cultrix, 1993.
______. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989.
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LEFFA, Vilson José. Aspectos da leitura. Porto Alegre: Sagra DC Luzzatto, 1996.
LIMA, Alceu Amoroso. A estética literária e o crítico. Rio de Janeiro: Agir, 1954.
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Educação/Instituto de Língua Portuguesa, 1989.
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Paulo: Scipione, 1994.
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PÉCORA, Alcir. Sermões: Padre Antônio Vieira. São Paulo: Hedra, 2003.
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QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Scipione, 1994.
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VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional, 1976.
264
ANOTAÇÕES
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