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Darciel Pasinato

POLÍTICA E EDUCAÇÃO DE 1930-1961:


A CONCEPÇÃO DE PÚBLICO NO
MANIFESTO DOS EDUCADORES DE 1959

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade de Passo
Fundo - RS, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação, sob a orientação
da prof. Dra. Flávia Eloísa Caimi e co-orientação
do prof. Dr. Telmo Marcon.

Passo Fundo
2014
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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha orientadora, Professora Dra. Flávia Eloísa Caimi, pela


disponibilidade em me orientar. Suas contribuições e exemplo de profissional, sem dúvida
serão influências para minhas atividades de pesquisador e professor. Agradeço pela presença
constante no acompanhamento dessa pesquisa. Agradeço ao meu co-orientador, Professor Dr.
Telmo Marcon, pela contribuição no trabalho, através de suas orientações e indicações para
aprofundar o mesmo.
Agradeço também aos Professores Dra. Maria Helena Camara Bastos, Dra. Rosimar
Serena Siqueira Esquinsani e Dr. Altair Alberto Fávero, por terem aceitado fazer parte da
banca de qualificação e defesa do trabalho e, principalmente, pelas contribuições que
enriqueceram o processo de pesquisa.
Aos meus pais, Darci e Maria Alice Pasinato, que sempre me apoiaram a prosseguir
nos estudos agradeço pelo carinho empenhado em garantir a educação de seus filhos. Acredito
que com eles, tenho o exemplo de que educar para o mundo é possível, mesmo em contextos
desfavoráveis. Ao meu irmão Mariel pelo apoio e amizade.
Por fim, agradeço a CAPES pelo financiamento que garantiu as condições de
possibilidade dessa pesquisa.
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RESUMO

O Manifesto dos Educadores de 1959 foi importante e inovador, porque colocou em debate
questões fundamentais da sociedade brasileira, especialmente da educação, entendida como
direito de todos. Além disso, defendeu uma concepção de escola pública, obrigatória, gratuita
e laica. Deste modo, o problema investigado busca responder, como os signatários do
Manifesto compreendem o conceito de público e como a partir dele fazem uma crítica à
educação vigente e aos defensores da escola privada na solução dos históricos problemas
educacionais do Brasil. Nessas proposições, confrontaram-se com os defensores da escola
privada, especialmente no que diz respeito ao tema do financiamento público. O objetivo
geral da investigação é analisar os problemas educacionais do Brasil, no contexto das décadas
de 1930 e 1960, bem como as soluções propostas no Manifesto de 1959. A pesquisa é de
natureza bibliográfico-documental. A parte bibliográfica inclui livros, capítulos e artigos em
periódicos que tratam de questões sociais, econômicas, políticas e educacionais do contexto
delimitado. A parte documental inclui os dois manifestos e um acervo de artigos publicados
nas Revistas Vozes e Anhembi, que expressam as duas principais correntes que se
confrontam: liberais e católicos. O trabalho analisa as consequências e impactos da Revolução
de 1930 no processo de consolidação do Estado como instituição formuladora de políticas
sociais e educacionais, especialmente em relação à educação escolar. Aborda também, as
discussões e posicionamentos de liberais e católicos veiculados nas duas revistas referidas e
os aspectos básicos da campanha em defesa da escola pública, bem como as inovações do
Manifesto de 1959 em relação ao Manifesto de 1932. Em síntese, trata-se, de analisar, os
embates entre os que defendiam a escola pública e os defensores da escola privada, veiculados
por duas importantes revistas. Os estudos permitem afirmar que a compreensão de público
presente no Manifesto de 1959, não restringe a ideia de público somente ao financiamento; os
signatários defenderam que as verbas do Governo Federal deveriam ser apenas destinadas
para a escola pública; e que as escolas privadas deveriam ser fiscalizadas pelo Estado e por
fim, através do Manifesto de 1959, apontaram soluções para melhorar a educação brasileira
do período, cobrando do Estado que este deveria assumir seu papel na oferta da educação de
qualidade e, também, na garantia da permanência dos alunos na escola pública.

PALAVRAS-CHAVE: Estado. Políticas educacionais. Manifesto de 1959. Educação


pública. Ensino privado.
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ABSTRACT

The Educators Manifesto of 1959 was an important and innovative because it put into debate
key issues in Brazilian society, especially education, understood as the right of all. Moreover,
defended is conception of public school, compulsory, free and secular. Thus, the research
problem seeks to answer, as the signatories of the Manifesto understand the concept of
audience and how to do it from a critique of existing education and advocates of private
school education in solving historical problems of Brazil. In these propositions, clashed with
supporters of private schools, especially with regard to the issue of public funding. The
overall goal of the research is to analyze educational problems in Brazil, in the context of the
1930s and 1960s, as well as the solutions proposed in the Manifesto of 1959. Research is
likely bibliographic and documentary. The bibliographic part includes books, chapters and
journal articles that deal with social, economic, political and educational issues surrounding
context. The documentary section includes both manifest and a collection of articles published
in magazines and Voices Anhembi, which express the two main currents faced: Liberals and
Catholics. The paper analyzes the consequences and impacts of the 1930 Revolution in the
consolidation process of the state institution as formulator of social and educational policies,
especially in relation to education. Also addresses, discussions and placements of Liberals and
Catholics served in the two magazines mentioned and basic aspects of the campaign in
defense of public schools, as well as innovations in the Manifesto of 1959 in relation to the
Manifesto of 1932. In summary, it comes up, to examine the clashes between those who
supported the public school and private school advocates, served by two major magazines.
The studies allow us to state that the understanding of this Manifesto in 1959 , the public does
not restrict only to the idea of public funding; signatories argued that the money from the
Federal Government should be designed only to public school; and that private schools should
be audited by the state and finally, through the Manifesto 1959, showed solutions for
improving Brazilian education period, charging that the state should assume their role in the
provision of quality education and also in ensuring the permanence of students in public
school.

KEYWORDS: State. Education policy. Manifest 1959. Public education. Private education.
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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Principais colaboradores da Revista Vozes e da Revista Anhembi- corpus


documental. ......................................................................................................................... 16
QUADRO 2 - Relação dos signatários do Manifesto de 1932. ............................................. 37
QUADRO 3 - Principais colaboradores da Revista Vozes e da Revista Anhembi - breve
biografia coletiva. ................................................................................................................ 72
QUADRO 4 - Relação dos signatários do Manifesto de 1959. .............................................. 99
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LISTA DE SIGLAS (POR ORDEM DE APARIÇÃO NO TEXTO)

LDB – Lei de Diretrizes e Bases


CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
AIB – Ação Integralista Brasileira
ANL – Aliança Nacional Libertadora
ABE – Associação Brasileira de Educação
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
CNE – Conselho Nacional de Educação
UDN – União Democrática Nacional
PSD – Partido Social Democrático
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PIB – Produto Interno Bruto
JK – Juscelino Kubitschek
MEB – Movimento de Educação de Base
CPCs – Centros de Cultura Popular
UNE – União Nacional dos Estudantes
INEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
CFE – Conselho Federal de Educação
CEE – Conselho Estadual de Educação
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 8
Revisão de literatura ....................................................................................................................17
A estrutura da dissertação ..........................................................................................................21
1 ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS DE 1930-1961 .............................................23
1.1 O papel do Estado na formulação de políticas educacionais pós-1930..........................23
1.2 Manifesto de 1932: a posição dos liberais ..........................................................................31
1.3 A educação no Estado Novo (1937-1945) ...........................................................................37
1.4 Estado e educação nos governos democráticos (1945-1964)............................................44
1.5 A Constituição de 1946: embates políticos relativos à educação ....................................54
1.6 Lei de Diretrizes e Bases da Educação: projetos em disputas ........................................59
2 PÚBLICO VERSUS PRIVADO: CONFRONTO ENTRE CATÓLICOS E LIBERAIS
NAS REVISTAS VOZES E ANHEMBI.....................................................................................68
2.1 Contextualização do debate: retomada do problema .......................................................68
2.2 Educação: função do Estado ou da família? ......................................................................76
2.3 Críticas feitas por católicos aos liberais .............................................................................86
2.4 Críticas dos liberais aos católicos ........................................................................................90
3 O MANIFESTO DE 1959: CONCEPÇÃO DE PÚBLICO ................................................94
3.1 A origem do Manifesto de 1959 ...........................................................................................94
3.2 Estrutura do Manifesto de 1959 ..........................................................................................97
3.3 Personagens em destaque: trajetória de alguns signatários ..........................................103
3.3.1 Anísio Teixeira ....................................................................................................................104
3.3.2 Fernando de Azevedo .........................................................................................................108
3.3.3 Paschoal Lemme .................................................................................................................111
3.3.4 Florestan Fernandes ............................................................................................................113
3.4 Inovações do Manifesto de 1959 em relação ao Manifesto de 1932 .............................117
3.5 A concepção de público no Manifesto de 1959 ................................................................123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................130
REFERÊNCIAS .........................................................................................................................137
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INTRODUÇÃO

É no contexto da década de 1930 e, principalmente, na década de 1950 que ocorrem


importantes avanços na perspectiva de organização política de um Estado articulador de
políticas sociais, econômicas e educacionais para o Brasil. No campo educacional acirram-se
os enfrentamentos entre duas tradições que se mantêm até os dias atuais: uma defendendo a
educação pública sob a égide do Estado, e outra defendendo uma educação sob a
responsabilidade da família.
Tanto o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova – A reconstrução educacional no
Brasil ao povo e ao governo de 1932, que influenciou a Constituição de 1934, quanto o
Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados – Manifesto ao povo e ao governo de
1959, que contribuiu para a criação da Lei n° 4.024/61 - primeira LDB (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação) – produziram marcas na educação brasileira, porque defenderam a
democratização do acesso ao ensino a todas as camadas sociais. Foram movimentos que
contribuíram para configuração da educação no país, pois apesar de revelarem suas
respectivas diferenças, o ponto em comum era que ambos defendiam a escola pública,
gratuita, obrigatória e laica. Nesse contexto, a dissertação tem como foco a investigação do
posicionamento firmado no Manifesto de 1959, assinado por diversas personalidades
intelectuais, em relação à concepção de público, avaliado à luz das transformações
políticas, econômicas, sociais e culturais do Brasil entre os anos 1930 e 1961.
O desafio dessa proposta não está em trazer, simplesmente o posicionamento do
documento intitulado “Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados”, mas analisar
as concepções de público que ele veicula. Esse movimento foi importante e inovador, porque
diante dos vários problemas sociais que o país enfrentava a educação ganha um espaço de
destaque, pois defendia que todos tinham direito a uma educação de qualidade. Um grande
debate em educação foi implementado, diversos intelectuais e educadores, integrantes do
movimento, levaram para inúmeras regiões do território brasileiro, propostas para melhorar a
educação do país e, principalmente, a defesa da escola pública. Essas divulgações deram-se
por meio de encontros, discussões e palestras, cujo objetivo central era criar um Plano
Nacional de Educação para reformular o ensino e enfrentar o analfabetismo que assolava
cerca de 65% da população brasileira de 15 anos ou mais, na década de 1920, segundo Mélo
(2009).
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O estudo da relação entre a construção do Estado Republicano no Brasil e a


configuração do sistema nacional de educação tem fornecido importantes pistas para o
entendimento das condições atuais de organização e funcionamento da educação pública
brasileira. Nas palavras de Xavier (2003, p. 9), “a história da mobilização de educadores na
luta pela implantação de uma sociedade democrática, particularmente no que tange aos
processos institucionalizados de transmissão de cultura – a educação escolar -, é tema que
merece permanente reflexão”. Com isso, consideramos que o papel da educação como
instrumento de democratização da sociedade, assim como as ações dos educadores em prol da
universalização do ensino, configuram questões centrais, e, ainda hoje, justificam a
investigação em torno de objetos da história da educação.
Os Manifestos constituem documentos importantes para a compreensão das
particularidades que marcaram o processo de organização do sistema público de ensino no
Brasil. Além destes, os debates legislativos, assim como as notícias veiculadas na imprensa,
ao longo da tramitação e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 4.024/
1961), “representam outro conjunto de fontes que nos permite perceber os interesses e
concepções, as tensões e expectativas que permearam o processo de institucionalização da
educação pública no Brasil” (XAVIER, 2003, p. 9).
A relevância social e política atribuída ao tema da educação pública, associada à
participação de expoentes da vida política e intelectual brasileira têm transformado esses
documentos em peças emblemáticas. Os Manifestos de 1932 e 1959 foram apreendidos como
emblemas da luta em prol da democratização do ensino, entendida como condição essencial
para que o Brasil pudesse alcançar o desenvolvimento econômico e o progresso social,
principalmente nas décadas de 1950 e 1960.
Nos textos dos dois Manifestos, a demarcação dos campos em luta – “o campo dos que
abraçam a defesa da escola pública e democrática em oposição àqueles que não agregam o
mesmo valor ao caráter público e à ação estatal no âmbito da educação escolar” (XAVIER,
2003, p. 10) – constituem o ponto primordial de suas abordagens e justificam o propósito de
seus lançamentos. Com isso, esclarecer a opinião pública acerca dos seus direitos e dos
problemas da educação nacional e clamar pela responsabilidade do Estado perante a
universalização da educação pública, leiga e gratuita aponta o sentido da democratização
proposta nos dois Manifestos.
Percebe-se, diante do exposto, que a relação entre educação e democracia é o princípio
fundamental desses dois documentos. A evidente imbricação entre educação pública e ação
estatal justifica a sintonia dos educadores com acontecimentos políticos que emergem em
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contextos de restauração das condições de democratização das relações políticas, econômicas


e culturais. Não por acaso, estes reafirmam o direito de todos ao ensino público; a
responsabilidade do Estado com a garantia do acesso à educação escolar, as formas
democráticas de organização do sistema de ensino, de funcionamento da escola, dentre outros.
O objetivo geral da investigação é analisar os problemas educacionais no Brasil, no
contexto das décadas de 1930 e 1960, bem como as soluções propostas no Manifesto de 1959.
Como objetivos específicos, busca-se analisar o contexto sociopolítico educacional pós-1930;
aprofundar a compreensão dos embates em torno do conceito de público, tendo como foco os
defensores da escola privada e os defensores da escola pública, sob os pontos de vista
veiculados na Revista Vozes e na Revista Anhembi e, finalmente, analisar a concepção de
público presente no Manifesto dos Educadores de 1959.
Antes de chegar ao problema da pesquisa, vamos problematizar sobre o contexto que
levou à publicação do Manifesto de 1959. No campo educacional, os primeiros anos da
redemocratização, sobretudo após 1945, são agitados. Em 1956, já havia desencadeado na
sociedade o debate entre os defensores da escola pública gratuita e os defensores dos
estabelecimentos de ensino privado. No intervalo entre a promulgação da Constituição de
1946 e a elaboração do projeto da LDB de 1961, é também lançado o segundo Manifesto de
Educadores ao povo e ao governo, denominado: “Mais Uma Vez Convocados”. O texto,
divulgado em 1959, é assinado por 161 personalidades de destaque no cenário cultural
brasileiro, 13 dos quais subscreveram também o Manifesto de 1932.
O episódio que acirrou o conflito entre os defensores do ensino público e os
partidários da escola privada ocorreu em 1956, quando o padre deputado Fonseca e Silva, em
discurso no Congresso Nacional, atacou Anísio Teixeira e Almeida Júnior, acusando-os de
desejarem “destruir as escolas confessionais”. Várias entidades, como a Igreja Católica, os
órgãos de imprensa, associações profissionais, se envolveram no conflito, tomando posições
definidas. A Campanha de Defesa da Escola Pública, desencadeada em 1959, colocou o
Jornal O Estado de S. Paulo, e a Revista Anhembi ao lado de educadores democratas e até
mesmo dos socialistas. Isso ocorreu, porque, diante do substitutivo de Carlos Lacerda ao
projeto da Lei de Diretrizes e Bases que tramitava no Congresso Nacional, vários setores
entenderam que a aprovação de uma peça privatista seria uma ameaça à escola pública.
Por outro lado, os interesses privatistas foram expressos e defendidos na Revista
Vozes, porta-voz da Igreja Católica. Em diversos artigos, o então Frei Evaristo Arns
(personagem importante nesse debate, que será tratado ao longo da dissertação), sob a ideia da
defesa do “ensino livre”, insistiu que a educação não era função do Estado e, sim, da família,
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por ser um “grupo natural” anterior ao Estado. O Frei Evaristo Arns serviu de escudo para os
empresários do ensino que, por não terem justificativas e bandeiras para solapar a Campanha
da Defesa da Escola Pública, serviram-se dos argumentos da Igreja Católica.
O conflito público-privado é uma manifestação concreta, o sintoma maior de um
problema que não se revela tão explicitamente, no que diz respeito às relações entre Estado e
sociedade no Brasil. Este problema se localiza no âmbito da delimitação das esferas pública e
privada da sociedade. Um levantamento dos diversos sinônimos de público mostra sua
abrangência a tudo aquilo que pertence ao social. Segundo Pinheiro (2001, p. 256), os
significados mais frequentes desse vocábulo são os seguintes: “o que se passa fora do âmbito
da família; o que é relativo ou destinado ao povo; pertencente ao Estado; que é do uso de
todos; aberto a qualquer pessoa, conhecido de todos; o povo em geral; o conjunto de pessoas
que executam alguma coisa em comum; o público de algum evento em particular ou o público
em geral”.
Agregado ao significado de público como o que se passa fora da vida na família e cujo
centro é a cidade, surgiu com a constituição da sociedade moderna outra conotação de
público, relacionado ao poder público, que é o Estado. Com esse conteúdo, o público é uma
categoria histórica própria desta sociedade e quer dizer poder público. A esfera pública nesse
sentido corresponde à esfera de competência do poder público. Em consequência da
representação pública do Estado, lhe são atribuídas funções específicas na sociedade. Como
poder público, o Estado tem a tarefa de promover o bem comum a todos os cidadãos. Nesse
sentido, o público tornou-se sinônimo de estatal.
Com isso, no Brasil, após a década de 1930, concomitante ao processo de intervenção
do Estado na esfera econômica, como principal agente do desenvolvimento, ocorreu uma
tendência de privatização da esfera pública. Porém, “o processo entre essas esferas
caracterizou-se por um duplo prejuízo da esfera pública, pois tanto a intervenção do Estado na
área econômica quanto do setor privado na esfera pública favoreceram interesses privados e
não públicos” (PINHEIRO, 2001, p. 258). Na área educacional, o conflito público-privado é
antigo e remonta aos primórdios do século XIX e se acentua na década de 1950. Este
confronto se manifestou através de uma disputa entre a escola pública e a escola privada no
campo educacional. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1933, esse conflito monopolizou
as discussões no âmbito do ensino. Cada grupo tinha compreensão própria do problema em
função de interesses e propostas concretas.
Para parte da sociedade, era preciso insistir na consolidação desses novos tempos e
administrar o atendimento das suas necessidades objetivas. A educação escolar não podia
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ficar à margem desse futuro. Mais do que isso: tratava-se de efetuar forte defesa da educação
escolar, da instituição pública (estatal), porque esta era a vítima e não a responsável pelo
abandono. “E o realismo da análise não se detinha nesse ponto, porque as causas reais
apontadas na sequência são: o rápido crescimento demográfico, o processo de industrialização
e urbanização, mudanças econômicas e sociais” (SANFELICE, 2007, p. 546). Ao se
reconhecer a expansão da oferta quantitativa da escola, afirma-se que ela veio acompanhada
do rebaixamento de nível ou qualidade do ensino de todos os graus, pela deficiência de
recursos aplicados.
Os dois pontos mais significativos do documento de 1959 são, de um lado, a denúncia
dos interesses “ideológicos e econômicos” que moviam os grupos empenhados na luta contra
a escola pública, e os recursos do erário público para manterem instituições privadas, que não
eram fiscalizadas pelo Estado. De outro, está à concepção de educação pública, pela qual
lutam os manifestantes: é a educação fundada em princípios e sob a inspiração de ideias
democráticas. A ideia da educação pública – conquista das sociedades modernas -, “a de uma
educação liberal e democrática e a de educação para o trabalho e o desenvolvimento
econômico, são três teses fundamentais defendidas por educadores progressistas do mundo
inteiro” (MANIFESTO, 1959, p. 80).
Diante disso, o trabalho busca responder a uma questão central: como os signatários
do Manifesto compreendem o conceito de público e como a partir dele fazem uma crítica
à educação vigente e aos defensores da escola privada na solução dos históricos
problemas educacionais do Brasil?

Delineamento metodológico: a pesquisa bibliográfica-documental

Para orientação metodológica da pesquisa, buscamos como autores de referência


Moreira (2004), Lüdke e André (1986) e Sá-Silva et al. (2009).
Entendemos a pesquisa bibliográfica como uma fase da revisão de literatura, assim
como é etapa inicial para diversos tipos de pesquisa, cujo ciclo começa com a determinação e
delimitação do tema e segue com o levantamento bibliográfico. A partir dessa é que se
organiza a revisão que requer postura crítica e cotejo das diversas opiniões expressadas.
Para Moreira (2004, p. 25), a pesquisa bibliográfica representa “a coleta e
armazenagem de dados de entrada para a revisão, processando-se mediante levantamento das
publicações existentes sobre o assunto ou problema em estudo, seleção, leitura e fichamento
das informações relevantes”.
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O passo mais importante, de acordo com Moreira (2004, p. 26), “em direção a uma
boa revisão de literatura é uma pesquisa bibliográfica o mais compreensiva possível”.
Também, é necessário eliminar, na medida do possível, as barreiras linguísticas, geográficas e
de níveis de compreensão. A produção científica não tem o mesmo ritmo e resultados em
todas as áreas, por isso é preciso identificar, adverte Moreira (2004, p. 26), “quando a
escassez de literatura é predominante na área, pois, nesse caso, todas as referências
encontradas são relevantes”. Este não foi o caso do tema da presente pesquisa, que conta com
uma produção científica variada e consistente.
Em relação à pesquisa documental, Lüdke e André (1986, p. 38), colocam que esta
“busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de
interesse”. Os documentos constituem também, uma fonte de onde podem ser retiradas
evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Os documentos não
são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surge num determinado contexto e
fornecem informações sobre esse mesmo contexto.
Selecionados os documentos, o pesquisador deverá fazer à análise dos dados. Depois
de organizar os dados, num processo de inúmeras leituras e releituras, “o pesquisador pode
voltar a examiná-lo para tentar detectar temas e temáticas mais frequentes” (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986, p. 42). Os dados que não puderem ser agregados na pesquisa devem ser
classificados em um grupo à parte para serem posteriormente examinados.
Outro autor que trata sobre a pesquisa documental é Sá-Silva (2009), para quem, o uso
de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado. A riqueza de informações que
deles podemos extrair e resgatar “justifica o seu uso em várias áreas das Ciências Humanas e
Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de
contextualização histórica e sociocultural” (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 2).
A pesquisa documental é muito próxima da pesquisa bibliográfica. O elemento
diferenciador está na natureza das fontes: “a pesquisa bibliográfica remete para as
contribuições de diferentes autores sobre o tema, atentando para as fontes secundárias,
enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento
analítico, ou seja, as fontes primárias” (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 6). Essa é a principal
diferença entre a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica. No entanto, deve-se chamar
a atenção para o fato de que: “na pesquisa documental, o trabalho do pesquisador (a) requer
uma análise mais cuidadosa, visto que os documentos não passaram antes por nenhum
tratamento científico” (SÁ-SILVA; et al, 2009, p. 6).
14

É importante em todas as etapas de uma análise documental que se avalie o contexto


histórico no qual foi produzido o documento, o universo sócio-político do autor e daqueles a
quem foi destinado, seja qual tenha sido a época em que o texto foi escrito. Nas palavras de
Sá-Silva et al. (2009, p. 9), pela análise do contexto, “o pesquisador se coloca em excelentes
condições até para compreender as particularidades da forma de organização, e, sobretudo,
para evitar interpretar o conteúdo do documento em função de valores modernos”.
Na pesquisa documental, outra questão que destacamos é sobre a interpretação de um
texto, que deve ter uma boa identidade da pessoa que se expressa, de seus interesses e dos
motivos que a levaram a escrever. De acordo com Sá-Silva et al. (2009, p. 9), elucidar a
identidade do autor possibilita, “avaliar melhor a credibilidade do texto, a interpretação que é
dada de alguns fatos, a tomada de posição que transparece de uma descrição, as deformações
que puderem sobrevir na estagnação de um acontecimento”. É preciso poder ler nas
entrelinhas, para compreender melhor o que os outros viviam, senão as interpretações correm
o risco de serem falseadas. Por essa razão, elaboramos uma breve biografia coletiva dos
autores dos artigos analisados.
Por fim, a etapa de análise dos documentos propõe-se a produzir conhecimentos e criar
novas formas de compreender os fenômenos. É condição necessária que os fatos devem ser
mencionados, pois constituem os objetivos da pesquisa. O investigador deve interpretá-los,
sintetizar as informações, determinar tendências e, na medida do possível, fazer inferências.
Para o acercamento do tema, busca-se o aporte metodológico da pesquisa
bibliográfica-documental, tomando como fontes o Manifesto de 1932 e o Manifesto de 1959,
além dos trinta e um artigos da Revista Anhembi e da Revista Vozes, expressando
respectivamente a posição dos liberais e dos católicos. No campo da pesquisa bibliográfica,
faz-se interlocução com um acervo de livros, dissertações e artigos em periódicos.
Em relação às duas Revistas, encontramos cinco exemplares da Revista Anhembi no
Arquivo Histórico Regional de Passo Fundo. Em contrapartida, localizamos vinte e seis
exemplares da Revista Vozes na Biblioteca do Instituto Superior de Filosofia Pe. Berthier,
também na cidade de Passo Fundo.
O processo metodológico no tratamento das Revistas iniciou com a leitura dos títulos,
dos primeiros parágrafos, rastreando alguns indícios do tema, uma vez que as Revistas não
contam com seções que abordam somente a educação. Com o passar do tempo e,
consequentemente, a familiaridade com este acervo, a busca ficou mais fácil, porém o
trabalho de folhear cada uma delas foi o mesmo. Para facilitar a delimitação do corpus,
montamos um banco de dados com data de publicação, autor e resumo do artigo publicado,
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com o objetivo de mapear os artigos, identificando os autores e sua participação na sociedade.


As datas desses artigos serviram como base para relacionar os acontecimentos históricos e
educacionais no Brasil.
Como já assinalado, utilizamos trinta e um artigos das Revistas Vozes e Anhembi para
localizar o embate entre os defensores da escola pública e da escola privada. A seguir,
mostraremos como surgiram estes periódicos e, através de um quadro, apresentaremos os
autores e a quantidade de Revistas que fizeram parte dessa discussão na presente dissertação.
Em 1907, Frei Inácio Hinte (biografia será detalhada no capítulo dois) decidiu criar
uma revista católica, dando início à produção da Revista Vozes, cuja periodicidade era mensal,
e organizada em três seções: Artigos, Ideias e Fatos e Bibliografia. Em Artigos, eram
publicados textos sobre temas da “atualidade” (política nacional e internacional, economia,
educação, dentre outros). Já a seção Ideias e Fatos tinha como objetivo analisar e comentar a
conjuntura e nela eram publicados manifestos e polêmicas. Finalmente, a seção Bibliografia
comportava resenhas de textos e livros publicados nesse período. A Revista Vozes foi
publicada até 2003, quando deixa de ser editada.
A Revista Anhembi, por sua vez, foi criada por Paulo Duarte (biografia será detalhada
no capítulo dois) em 1950. Nascida como uma extensão do grupo que se articulava em torno
do jornal O Estado de S. Paulo, ela abriu espaço para o debate em torno da questão da escola
pública brasileira. Sua publicação era mensal e o formato adotado consistia em um editorial
assinado pela revista, ou pelos colaboradores escolhidos, seguido de textos inéditos. A Revista
Anhembi foi publicada até 1962.
O embate travado entre a Revista Vozes e a Revista Anhembi, entre 1958 e 1960,
demarcou a diferença entre os intelectuais católicos e os intelectuais laicos. A publicidade e a
repercussão do conflito podem ser analisadas a partir dos mecanismos utilizados pelos
colaboradores destas revistas para construir os traços distintivos “entre ‘nós’ e os ‘outros’,
dado que, tanto Vozes quanto Anhembi, desde seu surgimento apresentou diferentes
estratégias de legitimação e diferentes planos normativos de ação” (MACHADO, 2009, p.
1933). Os dois periódicos emergiram e se fortaleceram em cenários diversificados pela
configuração econômica, política e social e se confrontaram, quando passaram disputar o
controle do campo intelectual.
Na sequência, apresentamos um quadro explicativo com os nomes dos personagens
envolvidos no debate entre a defesa da escola pública e a defesa da escola privada e o título
dos artigos selecionados como fontes de pesquisa para esse trabalho.
16

Quadro 1- Principais colaboradores da Revista Vozes e da Revista Anhembi- corpus


documental.

Colaboradores Revista Artigos


Evaristo Arns Revista Vozes - Educação não é Privilégio. Set.
1957.

- Anísio Teixeira versus Igreja. Jul.


1958 a.

- O Brasil na Defesa da Liberdade


de Ensino. Jun. 1958b.

- A Questão Escolar. Jan. 1959 a.

- Diretrizes e Bases da Educação


Nacional. Abr. 1959b.
Tristão de Ataíde Revista Vozes - Subvenção à Escola Particular.
Out. 1960.
Jaime de Barros Câmara Revista Vozes - Carta do Cardeal Câmara ao
Deputado Carlos Lacerda sobre
Educação. Fev. 1959.
Carlos Lacerda Revista Vozes - Discurso do Governador Carlos
Lacerda na Abertura do VI
Congresso da União Internacional
pela Liberdade de Ensino
(17/07/1961). Ago. 1961.
João Antônio Cabral de Monlevade Revista Vozes - Inimigos da Liberdade de
Ensino. Set. 1960.
José Otão Revista Vozes - Liberdade do Ensino. Set. 1958.
Humberto Rademakers Revista Vozes - A Liberdade de Cátedra do Sr.
Roque Spencer Maciel de Barros.
Maio 1961.

- Os Espiritas contra a Lei de


Diretrizes e Bases. Set. 1960.
Abelardo Ramos Revista Vozes - “Anhembi”, o Piche e o Nada. Jul.
1958.

- Educação gratuita e o Estado. Jul.


1959.

- Pobre do pobre, com Dr. Anísio.


Jun. 1960 a.

- Andam Faunos nas Escolas. Dez.


1960b.
- Contra Escola, pelos “Trusts”.
Nov. 1960c.

- O Que Defendemos. Jan. 1961.

- Dr. Anísio vem à Chuva. Ag.


1961.
Ademar Spindeldreier Revista Vozes - Educar para a Responsabilidade.
Dez. 1961.
Aurélio Stulzer Revista Vozes - Liberdade de ensino. Jul. 1960.
17

João Camilo de Oliveira Torres Revista Vozes - A Educação como Direito. Set.
1958.
Revista Vozes Revista Vozes - O Piche de Anhembi não Secou.
Set. 1958 a.

- Declaração de Princípios. Set.


1958b.

- Em Defesa da Liberdade de
Ensino. Jun. 1958c.

- Em Defesa da Educação
Democrática. Set. 1959.
Almeida Júnior Revista Anhembi - Ainda as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Jan. 1960.
Revista Anhembi Revista Anhembi - Ensino de religião nas escolas
oficiais. Mar. 1957 a.

- Solidariedades a Anísio Teixeira.


Ag. 1958 a.

- Falam 83 bispos e 3 cardeais. Set.


1958b.

- Diretrizes e bases da educação.


Fev. 1961.

Observamos no quadro, que o recorte temporal delimitado para pesquisar as Revistas


Vozes e Anhembi foram os anos de 1957 a 1961, período em que a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação estava em tramitação no Congresso Nacional desde 1946. Foram analisados ao
todo trinta e um artigos na dissertação, sendo vinte e seis da Revista Vozes e cinco da Revista
Anhembi. Também, alguns artigos utilizados não possuíam autoria, por isso, foram colocados
os nomes das Revistas.
Um aspecto importante a destacar, em relação às duas Revistas, é que elas são veículos
de divulgação do ideário de grupos que tinham objetivos específicos. Por exemplo, tanto a
Revista Vozes quanto a Revista Anhembi selecionavam os colaboradores que escreviam
nestas, e isso valia também, para o público alvo destas Revistas, que tinha forte vínculo de um
lado, com a Igreja Católica, e de outro, com as elites paulistas.

Revisão de literatura

A dissertação se situa no campo da História da Educação e das Políticas Educacionais.


Para tratar disso, destacamos os textos de dois importantes pesquisadores nessa área. O
primeiro é de Carlos Roberto Jamil Cury (2005) O Público e o Privado na História da
18

Educação Brasileira; o segundo é de Ester Buffa (2005) O Público e o Privado como


categoria de análise da educação.
Cury traz contribuições sobre as Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946, e
também sobre a Lei de Diretrizes e Bases de 1961, analisando a liberdade de ensino, tema que
será discutido ao longo da dissertação, principalmente no capítulo dois, no embate entre a
Revista Vozes e a Revista Anhembi.
Na Constituição de 1934, entendeu-se que “traçar as diretrizes da educação nacional”
seria uma competência privada da União. Assim, o art. 150, ao atribuir à União a fixação do
Plano Nacional de Educação, determinava que este abrangesse “todos os graus e ramos do
ensino”, coordenando e fiscalizando sua execução.
Já a Constituição de 1937, em seu art. 125 assinala que, no dever de educar, o Estado
se torna subsidiário. Segundo Cury (2005, p. 19), “ao Estado cumpriria ser complemento das
lacunas deixadas pela educação particular”. Nesse período, a liberdade de ensino, “como
expressão da iniciativa de abrir escolas, se sobrepõe, no período, a determinação de uma
profunda limitação na liberdade de expressão e de crítica” (CURY, 2005, p. 19). Isso se
justifica, pois o Brasil, durante o período de 1937-1945 (Estado Novo), viveu uma ditadura,
liderada por Getúlio Vargas.
Em relação à liberdade de ensino, a Constituição de 1946 repõe a autonomia de
exercício profissional, dentro de critérios da lei, de acordo com o art. 141 e art. 161. O art.
167 abre os diferentes ramos de ensino à liberdade da “iniciativa particular, respeitadas as leis
que o regulem” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1946).
Por fim, as Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, continham um título
especial para a liberdade de ensino, sendo que o reconhecimento e a inspeção do sistema
particular de ensino superior, pelo art. 14 continuam sendo competência da União e, pelo art.
9, a decisão do reconhecimento de universidades e estabelecimentos isolados de ensino
superior é competência do Conselho Federal de Educação (CFE), com a devida homologação
ministerial.
Ester Buffa (2005), em seu texto O Público e o Privado como categoria de análise da
educação, mostra que, nos debates ocorridos nos anos de 1930 e, depois, em 1950-1960,
parece que não havia dificuldade para entender os conceitos de público e privado. Público era
o ensino mantido com recursos do governo e privado era o ensino mantido por particulares
(Igreja ou proprietários leigos). Nas palavras de Buffa (2005, p. 51) “o conflito que se
estabeleceu nos anos de 1930 se referia à laicidade do ensino público e nos anos 1950,
basicamente ao destino das verbas públicas e nunca propriamente à existência da escola
19

particular”. Essa questão será discutida ao longo do trabalho, pois é fundamental para
entender a concepção de público presente no Manifesto de 1959.
As relações entre o ensino público e o ensino privado são sempre apresentadas como
conflituosas, visto que isso “perpassa todo o século XX, mas que foi assumindo fisionomias
diversas no decorrer da história” (BUFFA, 2005, p. 52). Só para citar como exemplo, na
primeira metade do século XX, o ensino particular concentra-se no nível secundário,
sobretudo católico, onde a Igreja liderava a defesa do ensino particular e advogava que estas
escolas deveriam receber recursos públicos. Esta é uma questão importante, que discutiremos
no decorrer da dissertação.
Seguindo com a revisão de literatura, apresentaremos um breve levantamento de obras
que serão fundamentais para discutir o público no Manifesto de 1959, além de todo o debate
que ocorreu na década de 1930 e principalmente nas décadas de 1950 e 1960, entre os
defensores do ensino público e os defensores do ensino privado. Localizamos um acervo de
livros, de artigos e dissertações.
A dissertação de Paula Maria de Assis (2008), A Concepção de Educação na Revista
Vozes durante os debates da LDB (1956 a 1961): o Período de Frei Aurélio Stulzer tem como
objetivo analisar como a Revista Vozes concebe a educação no decorrer da gestão editorial de
Frei Alberto Stulzer, que corresponde ao momento de discussão e implantação da Lei de
Diretrizes e Bases de 1961.
A dissertação de Cristiane Silva Mélo (2009), Estado e educação pela imprensa: o
debate de Florestan Fernandes ante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1959-1961), discute as ideias educacionais de Florestan Fernandes na imprensa, na época de
tramitação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024/1961),
com ênfase em seu pensamento sobre a relação entre Estado e educação na sociedade
brasileira.
Em sua dissertação intitulada O Público e o Privado na Educação Brasileira: do
Debate Intelectual ao Texto Legal, Rosane Lima da Silva Pinto (2008) aponta o papel
atribuído ao Estado no debate que precedeu a promulgação da Lei n. 4.024 de 1961, sobre o
público e o privado na educação básica.
O livro organizado por Roque Spencer Maciel de Barros (1960) intitulado Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, reúne artigos de importantes intelectuais (Florestan Fernandes,
Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, dentre outros), que se posicionaram na defesa da
escola pública nas décadas de 1950 e 1960.
20

Outra referência importante é o livro de Ester Buffa (1979) Ideologias em conflito:


escola pública e escola privada. No livro a autora mostra o conflito escola pública versus
escola particular, desencadeado no bojo das discussões da longa tramitação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961.
A obra de Carlos Roberto Jamil Cury (1982), Ideologia e educação brasileira:
católicos e liberais, procura ordenar uma série de debates que se travaram em torno do tema
educacional entre 1930-1934, no Brasil, quando se instauram mudanças significativas no
âmbito político, econômico, social e educacional.
O livro de Dermeval Saviani (1999) Política e educação no Brasil: o papel do
Congresso Nacional na legislação do ensino, trata do significado político da ação do
Congresso Nacional na Legislação do Ensino, o que foi explicitado tomando-se como objeto
principal de análise as Leis 4.024/61 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional), 5.540/68
(Reforma Universitária) e 5.692/71 (Diretrizes e Bases do Ensino de 1º e 2º Graus).
O artigo de Marco Antônio de Oliveira (2005), Vozes em defesa da ordem: o debate
entre o público e o privado na educação (1945-1968), procura refletir sobre o conceito de
escola pública e privada nas representações construídas ao longo do debate sobre o papel do
Estado na educação durante as décadas de 1950 e 1960.
Outro artigo que merece destaque é o de João do Prado Ferraz de Carvalho (2006),
Periódicos e educação: a participação de jornais e revistas no debate sobre a escola pública
brasileira nos anos 50/60, cujo objetivo é analisar a participação de alguns importantes
periódicos de São Paulo nos debates sobre o tema da escola pública no Brasil de meados dos
anos 1950 ao início dos anos 1960. Mais especificamente, o envolvimento destes periódicos
na campanha em defesa da escola pública no período.
O artigo de Valeria Floriano Machado (2009), Sobre a configuração intelectual no
Brasil dos Anos 1950: o embate entre as Revistas “Vozes” e “Anhembi”, buscou identificar a
importância destas Revistas no contexto em estudo, observando os autores que participaram
do embate e suas publicações, para analisar as posições ocupadas por estes grupos no campo
intelectual.
Tratando especificamente sobre o Manifesto de 1959, localizamos as seguintes
produções.
A obra de Fernando de Azevedo et al. (2010), Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova (1932) e dos Educadores (1959), apresenta o Manifesto de 1932 e o Manifesto de 1959
na íntegra. É através do documento de 1959, que chegaremos ao objetivo da dissertação que é
21

a concepção de público presente nesse Manifesto, redigido por Fernando de Azevedo e


assinado por 161 signatários.
O livro organizado por Ana Maria Magaldi e José G. Gondra (2003), intitulado A
reorganização do campo educacional no Brasil: Manifestações, Manifestos e Manifestantes,
retrata os Manifestos de 1932 e 1959, falando de suas identidades, intenções e trajetórias.
A dissertação de Brigitte Bedin (2011), Os Pioneiros da Escola Nova, Manifestos de
1932 e 1959: semelhanças, divergências e contribuições, têm como proposta apresentar,
analisar e comparar o Manifesto Pioneiro da Educação Nova de 1932 e o Manifesto ao Povo e
ao Governo: Mais Uma Vez Convocados de 1959. Em seguida, destacar as semelhanças,
divergências e contribuições dos mesmos para a educação.
Outra referência importante é o artigo de José Luís Sanfelice (2007) denominado, O
Manifesto dos Educadores (1959) à luz da história. Esse texto tem como objetivo apresentar
uma leitura histórica do documento intitulado Manifesto dos Educadores de 1959, sob a ótica
de um contexto tomado como síntese de tensões e com um potencial qualitativo de superação
do então denominado modelo nacional-desenvolvimentista, com base na industrialização,
referente ao período de 1930 a 1964.
Por fim, o artigo de João do Prado Ferraz de Carvalho (2008) intitulado A origem do
Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados, de 1959, na correspondência de
alguns de seus signatários, busca estudar a correspondência de alguns dos mais importantes
signatários do Manifesto de 1959 e flagrar a movimentação política que deu origem a esse
documento.

A estrutura da dissertação

A dissertação está estruturada em três capítulos, além da introdução e das


considerações finais. No primeiro, denominado Estado e Políticas Educacionais de 1930 a
1961, analisam-se os impactos da Revolução de 1930 no processo de consolidação do Estado
enquanto formulador de políticas e gestor da educação. O Manifesto de 1932 foi um marco na
defesa da educação pública. Nesse período delimitado, os educadores progressistas
reforçaram sua oposição aos católicos conservadores, que defendiam a escola particular de
orientação religiosa. É a partir desse momento que se acirra a disputa entre educadores
liberais, que defendiam a escola pública, contra os educadores ligados à escola privada. Todo
este debate será decisivo para o surgimento do Manifesto dos Educadores de 1959, para a
22

Campanha em Defesa da Escola Pública de 1960 e, principalmente, para a promulgação da


Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a nossa primeira LDB, em 1961.
No segundo capítulo, Público versus privado: confronto entre católicos e liberais,
discutem-se os posicionamentos e as divergências entre católicos e liberais veiculados na
Revista Vozes e na Revista Anhembi, sendo que a primeira defendia a escola privada,
enquanto a segunda era defensora da escola pública. A Revista Vozes fez uma campanha em
nível nacional contra Anísio Teixeira, porque alegava que este intelectual era contra a escola
privada. Defendia a liberdade de ensino e o destino das verbas públicas, que deveriam
também ser repassadas para os estabelecimentos privados. Já a Revista Anhembi defendia a
escola pública, e também que as verbas do governo federal deveriam ser apenas para
educação pública.
Por fim, o terceiro e último capítulo, O Manifesto de 1959: concepção de público tem
como objetivo aprofundar o documento para o qual convergiram os aspectos básicos da
campanha em defesa da escola pública. Redigido na forma de Manifesto, foi estruturado em
vários tópicos. Daremos destaque ao tópico que trata sobre a “escola pública em acusação”,
onde rebate críticas à escola pública e mostra que os privatistas buscavam atingir três
objetivos: o ensino ser ministrado por instituições privadas; o ensino privado não ser
fiscalizado pelo Estado e que o Estado subvencionasse as escolas privadas. Destacaremos o
papel de alguns signatários (Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Paschoal Lemme e
Florestan Fernandes) que foram importantes no debate sobre a defesa da escola pública. O
foco desse capítulo é a questão da concepção de público no Manifesto dos Educadores de
1959.
Em síntese, abordamos, no decorrer desse trabalho, os embates entre os que defendiam
a escola pública e a escola privada, através de duas importantes Revistas. Diante disso, o
resultado dessa pesquisa, será ver através dos signatários do Manifesto de 1959, o
posicionamento destes em relação ao conceito de público, no sentido não apenas do
financiamento, mas da qualidade de educação que as escolas públicas deveriam oferecer
exigindo do Estado não só a qualidade, como a garantia das condições de permanência dos
alunos nas escolas.
23

1 ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS DE 1930-1961

A proposta desse capítulo é traçar o panorama histórico do período de 1930-1961,


dando atenção especial à função do Estado em matéria de educação e as políticas
educacionais adotadas. Para isso, o capítulo se dividirá em seis tópicos: no primeiro,
discutiremos O papel do Estado na formulação de políticas educacionais pós-1930; no
segundo, estudaremos O Manifesto de 1932 – a posição dos liberais; no terceiro,
enfatizaremos A educação no Estado Novo (1937-1945). Já no quarto tópico, buscaremos
compreender o Estado e educação nos governos democráticos (1945-1964); no quinto,
estudaremos a Constituição de 1946 – embates políticos relativos à educação e, por fim,
discutiremos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – projetos em disputa.

1.1 O papel do Estado na formulação de políticas educacionais pós-1930

Nesse tópico procuraremos discutir na primeira parte os principais acontecimentos


históricos que marcaram o período: a Revolução de 1930, o início do Governo de Getúlio
Vargas, a Revolução de 1932, o Integralismo e a tentativa de golpe comunista. Já na segunda
parte é que trataremos especificamente da educação: as políticas educacionais adotadas nesse
período, a atuação do Ministro da Educação Francisco Campos, a influência da Igreja Católica
na educação e a educação na Constituição Federal de 1934.
Seria difícil prever, no início de 1929, que após a presidência de Washington Luís
surgiria uma divisão entre as elites dos grandes Estados brasileiros (São Paulo, Minas Gerais,
Rio Grande do Sul, entre outros). Pior ainda, que essa divisão levaria ao fim da Primeira
República (1889-1930). Como se isso não bastasse, Washington Luís fechou questão em
torno da candidatura, para sua sucessão, do governador de São Paulo Júlio Prestes. Com este
gesto, mineiros e gaúchos firmaram um acordo para compor uma chapa de oposição. Em
1929, após vários encontros, as oposições acabaram lançando a candidatura de Getúlio Vargas
à presidência e de João Pessoa à vice-presidência. Nesse contexto, formaram a Aliança
Liberal1 que seria a sua plataforma de campanha.

1
O programa da Aliança Liberal refletia as aspirações das classes dominantes regionais não associadas ao núcleo
cafeeiro e tinha por objetivo sensibilizar a classe média. Defendia a necessidade de se incentivar a produção
nacional em geral e não apenas o café e combatia os esquemas de valorização do produto. Propunha algumas
24

Em plena campanha eleitoral, em outubro de 1929, estourou a crise mundial que


acabou colocando a cafeicultura numa situação complicada. Mesmo assim, o candidato da
situação Júlio Prestes venceu a eleição de 1º de março de 1930. Em 1930 um acontecimento
iria mudar o curso dos fatos. João Pessoa é assassinado e sua morte foi explorada
politicamente. Fausto (2004, p. 324) destaca que “seu enterro na capital da República, para
onde o corpo foi trasladado, reuniu uma grande massa. Os oposicionistas recebiam de
presente uma grande arma”. A partir daí, tornou-se mais fácil desenvolver a articulação
revolucionária. A Revolução teve início em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul em 3 de
outubro de 1930. Rapidamente se espalhou e conseguiu adesão de grupos do exército e da
marinha2. Washington Luís foi deposto no Rio de Janeiro em 1930. A posse de Getúlio
Vargas na presidência, aconteceu em 3 de novembro de 1930, marcando o fim da chamada
República Velha (1889-1930).
Uma importante base de apoio do governo provisório foi a Igreja Católica. A
colaboração entre a Igreja e o Estado Republicano não era nova, datando dos anos 1920. O
marco simbólico da colaboração foi à inauguração da estátua do Cristo Redentor no
Corcovado, em 12 de outubro de 1931. Ao Estado, a Igreja interessava como aliada na coesão
do pacto e na luta anticomunista 3. Vargas e todos os seus ministros concentraram-se na
plataforma da estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. A Igreja levou a massa da
população católica a apoiar o novo governo. “Este, em troca, tomou medidas importantes em
seu favor, destacando-se um decreto, de abril de 1931, que permitiu o ensino da religião nas
escolas públicas” (FAUSTO, 2004, p. 323). Devido a este decreto, durante toda a década de
1930 e 1940, tivemos uma polarização entre os que defendiam o ensino religioso nas escolas
públicas e outros que se posicionaram contrariamente. Esse tema será muito debatido ao
longo desse capítulo.

medidas de proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria a setores ainda não
beneficiados por ela, a regulação do trabalho do menor e das mulheres e aplicação da lei de férias (FAUSTO,
2004, p. 319-320).
2
Góes Monteiro liderou o exército do Rio Grande do Sul, além de ser amigo de Getúlio Vargas. Juarez Távora
liderou o exército da Paraíba e de Pernambuco. Antes do confronto decisivo, a revolução recebeu o apoio dos
generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e Leite de Castro, pelo Exército, e o almirante Isaías Noronha, pela
Marinha (FAUSTO, 2004, p. 321).
3
Na visão da Igreja Católica, o avanço comunista dar-se-ia por etapas, sendo a primeira delas a destruição dos
sentimentos religiosos e da família, ação que se exercia sobre a pessoa, a família e a sociedade, tendo como
objetivo enfraquecer as suas resistências morais. Também, o anticomunismo católico pode ser visto como um
dos componentes do conjunto maior designado como imaginário anticomunista, sendo possível captar nele
especificidades que o distinguem de outros, relacionadas com o modo como a Igreja Católica, ao longo do
tempo, interpretou a questão. Isso pode ser analisado com base na posição da Igreja em relação ao mundo
moderno, aos processos de laicização dos Estados e de secularização das sociedades ocidentais (RODEGHERO,
1998, p. 44).
25

Em julho de 1932, teve início em São Paulo a revolução contra o governo federal. “O
plano dos revolucionários era realizar um ataque fulminante contra a capital da República
colocando o governo federal diante da necessidade de negociar ou capitular” (FAUSTO,
2004, p. 346). Porém, o plano falhou, porque o movimento ficou militarmente confinado ao
território de São Paulo. A Revolução de 1932 uniu diferentes setores sociais paulistas, da
cafeicultura à classe média, passando pelos industriais. Apesar de a revolução ter sido
derrotada pelo governo federal, esta teve “um lado voltado para o passado e outro para o
futuro” (FAUSTO, 2004, p. 346). A bandeira da constitucionalização abrigou tanto os que
esperavam retroceder às formas oligárquicas de poder, como os que pretendiam estabelecer
uma democracia liberal no país. O movimento trouxe consequências importantes. Embora
vitorioso, Vargas percebeu que não poderia ignorar a elite paulista. Os derrotados por sua vez,
compreenderam que teriam de estabelecer algum tipo de compromisso com o poder central.
Logo após a Revolução de 1932, Plínio Salgado e outros intelectuais fundaram, em
São Paulo, a Ação Integralista Brasileira (AIB). O integralismo se definiu como uma doutrina
nacionalista cujo conteúdo era mais cultural do que econômico. Combatia o capitalismo e
pretendia estabelecer o controle do Estado sobre a economia. A sua ideia central se
encontrava na tomada de consciência do valor espiritual da nação, assentado em princípios
como: “Deus, Pátria e Família”, que acabou se tornando o lema do movimento. O
integralismo foi eficaz na utilização de rituais e símbolos: o culto da personalidade do chefe
nacional; as cerimônias de adesão; os desfiles dos “camisas-verdes”, ostentando braçadeiras
com a letra grega sigma (∑).
O recrutamento dos dirigentes nacionais da AIB se fez, principalmente, entre
profissionais urbanos de classe média, e, em menor grau, entre os militares. O movimento
integralista conseguiu atrair um número considerável de aderentes. Segundo Fausto (2004, p.
356), “calcula-se esse número entre 100 mil e 200 mil pessoas no período de auge (fins de
1937), o que não é pouco, considerando-se o baixo grau de mobilização existente no país”.
Percebe-se com isso, como eram fortes no Brasil, da década de 1930, os movimentos de
“direita”, ou, numa linguagem mais apropriada desse período, mais conservadores. Estes
movimentos tinham muitas semelhanças, através de suas ideologias, com o Fascismo italiano
e com o Nazismo alemão.
Ao longo de 1933, o governo provisório decidiu constitucionalizar o país, realizando
eleições para a Assembleia Nacional Constituinte em maio deste ano. A campanha eleitoral
revelou uma participação popular significativa e uma organização partidária. O resultado das
26

urnas mostrou a força das elites regionais 4. Após meses de debates, a Constituinte promulgou
a Constituição Federal em 14 de julho de 1934. Semelhante à Constituição de 1891, ao
estabelecer uma República federativa, mas apresentava vários aspectos novos, como reflexo
das mudanças ocorridas no país. Três títulos inexistentes nas Constituições anteriores
tratavam da ordem econômica e social; da família, educação e cultura; e da segurança
nacional. Em 15 de julho de 1934, pelo voto indireto da Assembleia Nacional Constituinte,
Getúlio Vargas foi eleito presidente da República, devendo exercer o mandato até 1938.
Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1934, os comunistas e os
tenentes de esquerda, aliados a grupos menores, preparavam o lançamento da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), que veio a público no Rio de Janeiro, em 30 de março de 1935.
O programa básico da ANL tinha conteúdo nacionalista, sendo curioso observar que nenhum
de seus cinco pilares tratava dos problemas dos operários. Eram eles a suspensão definitiva do
pagamento da dívida externa; a nacionalização das empresas estrangeiras; a reforma agrária; a
garantia das liberdades populares; e a construção de um governo popular.
Em poucos meses, a ANL conquistou bastante projeção. Cálculos conservadores
“indicam que em julho de 1935 ela contava com 70 mil a 100 mil pessoas” (FAUSTO, 2004,
p. 360). Em 11 de julho de 1935, membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
começaram os preparativos para uma insurreição que resultaria num golpe em novembro de
1935, porém, este golpe fracassou e o movimento foi duramente reprimido. Com isso, Getúlio
Vargas se preparava para dar um golpe, que deu origem ao Estado Novo (1937-1945), onde o
presidente governou com todos os poderes, como um ditador.
Diante do que observamos, durante o período de 1930-1937, Getúlio Vargas governou
com o apoio de forças conservadoras, com o apoio de forças radicais e sem esquecer-se do
apoio da Igreja Católica. Não é à toa que, diante disso, Vargas conseguiu a simpatia de setores
que temiam que os “comunistas” tomassem o poder, e isso fez com que o presidente fechasse
o Congresso Nacional e, consequentemente, passasse a concentrar todos os poderes em suas
mãos, dando início ao Estado Novo, período autoritário, onde muitos opositores foram
perseguidos. Esse assunto será objeto de discussão nos próximos tópicos desse capítulo. A
partir de agora, discutiremos o papel do Estado e suas políticas educacionais, dando destaque
à atuação de Francisco Campos a frente do Ministério da Educação, não se esquecendo da
Educação na Constituição de 1934.

4
No Rio Grande do Sul, os eleitos eram em sua maioria partidários de Flores da Cunha; em Minas, venceram os
seguidores do velho governador Olegário Maciel; em São Paulo, a vitória da Frente Única foi esmagadora
(FAUSTO, 2004, p. 351).
27

Antes de analisar o contexto educacional da década de 1930, precisamos voltar um


pouco no tempo, mais precisamente à década de 1920, quando se multiplicaram as reformas
educacionais5. Outro fato importante foi à criação da Associação Brasileira de Educação6
(ABE) no Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1924.
Precisamos chamar a atenção, ainda, sobre o cenário estatístico da educação da década
de 1920: “para uma população de 29.887.098, havia 3.571.877 alunos matriculados no ensino
primário” (FREITAS, 2009, p. 52). Mesmo tendo um movimento de expansão do ensino
primário nesse período, a grande maioria das crianças estava fora da escola. O maior
problema no Brasil era que os direitos fundamentais relacionados ao acesso à educação
primária não estavam consolidados pela constituição vigente (1891) e não havia o que
pudesse garantir a expansão, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino público.
A partir da década de 1930, as ações administrativas do Governo Federal, no campo da
educação, estabeleceram, sob o impacto de muitos enfrentamentos, um ritmo racionalizador
para a educação pública, que consolidou, na década de 1940, a ação estatal como fonte
normativa da escolarização em todos os níveis. Mesmo preservando um espaço privilegiado
para a iniciativa privada em termos de educação, a estrutura da educação consolidou-se,
principalmente no Governo Vargas, como objeto próprio das deliberações ministeriais e
secretarias, deliberações que se não eram de todo públicas, seguramente eram estatais.
Ao longo de todo o século XX, como veremos ao longo desse trabalho, as
prerrogativas do Estado sobre a educação tenham sido colocadas em dúvida, em outros
momentos, como assinala Freitas

[...] a abrangência das ações governamentais tenha sido considerada conflitante em


relação ao direito das famílias sobre a educação das crianças, a sociedade brasileira
construiu, após 1930, uma trama de ações e legitimações que, no transcorrer das
décadas seguintes, resultou na multiplicação da escola pública na forma exclusiva da
escola estatal (2009, p. 61).

5
Em 1920, no Estado de São Paulo aconteceu a Reforma de Sampaio Dória no ensino primário. Entre 1927 e
1929 em Minas Gerais, realizou-se uma reforma do ensino primário e normal liderada por Francisco Campos e
Mário Casasanta. Outras duas reformas que merecem destaque ocorreram na Bahia, em 1926, com Anísio
Teixeira e no Distrito Federal, entre 1927 e 1930 com Fernando de Azevedo. O Rio de Janeiro já havia
experimentado um reforma antes de Azevedo, com Carneiro Leão (1922-1926). (GOMES, 2002, p. 412).
6
O fundador dessa Associação foi Heitor Lyra filho, que ocupou lugar de destaque no cenário da década de 1920
e 1930. Congregou intelectuais de grande visibilidade, que fizeram da educação um tema estratégico para
aqueles que buscavam influenciar os debates que giravam ao redor das “obrigações do Estado” para com a
educação pública. Entre os nomes que lutaram para que a ABE tivesse repercussão nacional vale citar Fernando
Laboriau, Fernando Magalhães, Roquette Pinto, entre outros, além dos chamados “educadores pioneiros” como
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho (FREITAS, 2009, p. 41).
28

Com isso, as ações do Estado no campo educacional ganharam um novo poder de


articulação, quando Getúlio Vargas estava no governo provisório, dando início a um
equilíbrio de forças sociais no seu governo. Os tempos da Era Vagas foram propícios em
estabelecer atos normativos para a educação pública. Nesse sentido, a União produziu, a partir
de 1931, um lugar privilegiado para articular a inserção do componente nacional sobre o
componente regional dos debates educacionais: era a criação do Ministério da Educação e
Saúde Pública tendo como primeiro ministro Francisco Campos.
Francisco Campos estava pronto para exercer tutela sobre todos os domínios do ensino
e sua ação, como ministro, logo se fez presente por meio de uma série de decretos que
efetivaram as chamadas Reformas Francisco Campos na educação brasileira. Vejamos os
decretos:

1. Decreto n. 19.850, de 11 de abril de 1931, que criou o Conselho Nacional de


Educação;
2. Decreto n. 19.851, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do
ensino superior no Brasil e adotou o regime universitário;
3. Decreto n. 19.852, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização da
Universidade do Rio de Janeiro;
4. Decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do
ensino secundário;
5. Decreto n. 19.941, de 30 de abril de 1931, que instituiu o ensino religioso como
matéria facultativa nas escolas públicas do país;
6. Decreto n. 20.158, de 30 de junho de 1931, que organizou o ensino comercial e
regulamentou a profissão de contador;
7. Decreto n. 21.241, de 14 de abril de 1932, que consolidou as disposições sobre a
organização do ensino secundário (MORAES, 2000, p. 221).

Observamos, por meio dos decretos, que o ensino primário não era prioridade do
Ministro Francisco Campos. Era justamente este nível de ensino que serviria para diminuir o
analfabetismo elevado7 e levar milhões de crianças e jovens para a escola. Por outro lado, o
ensino secundário e superior eram suas prioridades. Isso se deve à mentalidade do período,
que indicava que o Brasil precisava formar uma elite para governar o país e isso somente
aconteceria nos níveis secundário e superior. Outra questão, que nos chamou a atenção, foi o
decreto que “instituiu o ensino religioso como matéria facultativa nas escolas públicas”. Esse

7
Segundo dados da década de 1920 numa população de 15 anos de idade e mais, num total de 17.564.000 de
habitantes, 11.490.000 eram analfabetos, chegando a um índice de 65% da população (MÉLO, 2009, p. 113).
29

decreto permitiu que a Igreja Católica 8 mantivesse sua presença nas escolas públicas e
principalmente a sua influência. Esse será um terreno fértil para debates nas décadas seguintes
(1950 e 1960) entre os defensores do ensino religioso e os defensores da laicidade do ensino.
As ideias de políticas educacionais de Francisco Campos, nesse período, guardam uma
coerência em relação às suas formulações sobre a reforma mineira. Uma vez mais, na fala de
Marcondes (2000, p. 221), “encontra-se a crença em que a reforma da sociedade se faz
mediante a reforma da escola, o espírito de formação do cidadão e da produção e
modernização das elites”. Em resumo, embora bem relativizado, ele não havia abandonado
aspectos do ideário da Escola Nova que de forma bem consistente defendera em Minas
Gerais9. Por outro lado, de forma mais acentuada, reencontramos sua convicção de que
somente ao Estado caberia a responsabilidade, o controle e a promoção da educação.
Como falamos antes, a Igreja Católica teve forte influência na educação desse período.
Esta instituição não se preocupava em abrir escolas para o povo. Sua estratégia estava voltada
para os filhos das classes dominantes. Sobre a questão do ensino religioso nas escolas oficiais
(escolas públicas) não chegava a sensibilizar e mobilizar as classes dominantes, porque estas
podiam sempre enviar seus filhos e filhas para escolas religiosas e ali obter uma educação de
vínculo católico.
Continuando, o que estava em jogo em 1930 era muito mais que uma questão de
princípios. As transformações econômicas, através das atividades industriais e com a
urbanização, determinam uma pressão para a implantação de políticas educacionais, em que
todos teriam os mesmos direitos. O maior problema se situa no fato de que a educação era
reservada a uma pequena camada das classes dominantes, agora a pressão dos segmentos
médios (classe média de hoje), também reclamavam por uma educação secundária e mesmo
as classes populares (maioria da população brasileira desse período) pediam educação
primária para seus filhos. Em relação a estas questões levantadas, a Igreja, “sentia que seu
futuro podia estar comprometido se de algum modo não tornasse ativa sua presença junto às

8
Será a promessa de apoio da Igreja em nível nacional que fornecerá a Francisco Campos o argumento político
capaz de convencer Getúlio Vargas a assinar o decreto de introdução do ensino religioso nas escolas públicas
(HORTA, 1994, p. 104).
9
Em setembro de 1926, Francisco Campos foi nomeado Secretário de Negócios do Interior do governo Antônio
Carlos. Secretaria que, entre outros assuntos, tinha a seu encargo os negócios da educação do Estado. Homem de
inteira confiança do Presidente de Minas Gerais, colaborou intensamente no planejamento e na implementação
de seu programa de governo, notadamente com as reformas do ensino primário e normal. A educação teria papel
fundamental nesse governo que propôs o desafio de modernização institucional. Expressavam-se em Minas as
propostas “modernizantes” correntes entre os educadores brasileiros, sobretudo, na afirmação da necessidade de
adaptar o sistema escolar às exigências da nova sociedade em formação (MORAES, 2000, p. 193-194).
30

classes populares em constituição nas cidades e cuja formação se dava através do aparelho
escolar” (HORTA, 1994, p. 99).
Por outro lado, a Igreja estava enraizada no ensino secundário, o qual ela praticamente
controlava através de sua rede de colégios e tinha forte presença entre intelectuais. Porém, não
tinha praticamente nenhuma presença no ensino primário. Assim, ao lutar pela introdução do
ensino religioso nas escolas públicas, a Igreja estava lutando para garantir a sua influência
sobre as classes populares urbanas.
A Igreja estava consciente de que o decreto de 1931, permitindo o ensino religioso nas
escolas públicas, ainda não era suficiente. Tinha a ambição de lutar para que fosse
regulamentada a sua aplicação em nível de cada estado da federação e para que o princípio do
ensino religioso escolar fosse incorporado à nova Constituição (1934). Contudo, a
regulamentação do ensino religioso no âmbito da União seria bem mais difícil, pois sofreria
forte oposição de “educadores liberais”, que atuavam por meio da Associação Brasileira de
Educação.
Em 1932, a rede privada “respondia por 18,4% das matrículas do ensino fundamental
de um total de 2.071.437 matrículas” (BOMENY, 2001, p.18). Era justamente na rede privada
que a Igreja Católica exercia a sua maior influência, com as escolas confessionais de
prestígio, mantendo e consolidando a tradição através do ensino religioso.
Na última parte desse tópico, discutiremos a Educação na Constituição Federal de
1934. A Constituição de 1934 foi a primeira a dedicar um espaço significativo à educação,
com 17 artigos. Em linhas gerais, mantém a estrutura anterior do sistema educacional,
cabendo à União “traçar as diretrizes da educação nacional, fixar o plano nacional de
educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados,
organizar e manter os sistemas educativos dos Territórios e manter o ensino secundário e
superior no Distrito Federal” (VIEIRA, 2007, p. 296-297). Ao lado de ideias liberais, o texto
também expressa tendências conservadoras, favorecendo o ensino religioso “de frequência
facultativa nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais” (art. 153).
Tais influências estão presentes no apoio ao ensino privado através da isenção de tributos a
quaisquer, “estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional,
oficialmente considerados idôneos” (art. 154).
Um ponto que merece destaque é o financiamento da educação. Pela primeira vez são
definidas vinculações de receitas para a educação, cabendo à União e aos municípios aplicar
“nunca menos de dez por cento e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por
cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento do sistema
31

educativo” (art. 156). Por fim, outros destaques da Constituição Federal de 1934 são: as
normas do Plano Nacional de Educação prevendo “liberdade de ensino em todos os graus e
ramos, observadas as prescrições da legislação federal e da estadual e reconhecimento dos
estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegura a seus professores a
estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna” (art. 150).

1.2 Manifesto de 1932: a posição dos liberais

Nessa parte do trabalho, discutiremos como surgiu o Manifesto de 1932, o conteúdo


específico, através do posicionamento dos educadores liberais, e por fim, apresentaremos uma
tabela dos signatários do Manifesto, com seu nome completo, se houve participação no
Manifesto de 1959 (tema que será abordado no último capítulo) e sua profissão. Antes de
iniciar a discussão sobre o surgimento do Manifesto dos Educadores de 1932, não podemos
esquecer que no século XIX, quando o Brasil estava sob o regime monárquico, surgiu um
primeiro Manifesto, que passou para a história como O Manifesto dos Professores Públicos
da Corte, publicado em 187110.
O Manifesto de 1932 foi apresentado, em primeira mão, nos jornais de maior
circulação do Rio de Janeiro (Diário de Notícias e O Jornal) e de São Paulo (O Estado de S.
Paulo e a Folha da Manhã). De acordo com Camara (2003, p. 33), o Manifesto “constitui-se
num texto político, de pretensões doutrinárias, onde os signatários vislumbraram produzir
efeitos imediatos, sintetizando planos e diretrizes para a formulação educacional identificada
com o discurso científico e racional”. Em 1932, nos principais jornais brasileiros (já
mencionados) no período de março a abril foram publicadas diversas matérias envolvendo os
debates travados entre os católicos e os grupos renovadores.
Em 1932, após a sua publicação, o Manifesto expressava um movimento organizado
pelo grupo de educadores na preparação do cenário para a apresentação do documento ao
Presidente da República Getúlio Vargas, na IV Conferência de Educação. “Era preciso criar

10
Em 28 de julho de 1871, um grupo de professores públicos primários da Corte reúne-se e lança um Manifesto
que alcançou grande repercussão na sociedade imperial. O Manifesto encontrava-se marcado pela atmosfera
social de sua época. O Manifesto declarava a situação de abalo, corrupção e descrença da sociedade imperial,
apontando a educação como possibilidade de mudar o estado das coisas. Nesse Manifesto os professores centram
as críticas na forma como eram tratados pelos poderes do Estado, pela apatia dos cidadãos e aproveitam para
colocarem duas questões que estiveram no centro dos debates naquele momento: a questão salarial e a crítica à
construção dos modernos edifícios escolares, os “palácios”, como foram conhecidos na época (LEMOS, 2013, p.
161-162).
32

um fato político e com ele unir seguidores dos diferentes setores da sociedade civil que
tinham em comum a aversão ao pensamento católico, pois só desta maneira poderiam
transformar o documento em elemento de união das aspirações gerais da nação” (CAMARA,
2003, p. 34). A campanha contrária ao decreto (ensino religioso nas escolas públicas) do
Ministro da Educação e Saúde Pública Francisco Campos, demonstrava, a partir de março de
1931, as bases ideológicas do ensino laico pelos signatários do Manifesto.
Sendo assim, podemos destacar que a produção do Manifesto buscou capitalizar as
discussões presentes na sociedade acerca da laicidade e da liberdade como princípios
fundamentais da República brasileira, constituindo-se como parte das estratégias dos
renovadores para tornar suas propostas vitoriosas e com isso intensificar e fortalecer as
críticas formuladas aos intelectuais e educadores católicos.
Os educadores liberais reconheciam na imprensa um importante aliado para a
proliferação de um discurso que tinha como objetivo implementar a ideia de novidade de suas
propostas, bem como promover o convencimento do leitor da urgência de sua implementação.
Camara (2003, p. 35), descreve que os educadores traçaram um quadro desolador da situação
da educação do Brasil “a fim de justificar as propostas expressas no Manifesto e conseguir a
adesão da opinião pública para que, assim, pudessem pressionar o governo federal quanto à
necessidade de incorporar as propostas na Constituição de 1934”. Com isso, podemos dizer
que o Manifesto foi concebido como expressão da geração de educadores que buscou, além de
denunciar a situação da educação do país, anunciar possibilidades e propor iniciativas no
sentido de oportunizar a construção de uma proposta que representasse a sistematização de
um plano de reconstrução do Brasil através da educação.
A produção e, consequentemente, a apresentação do Manifesto teve como momento
inaugural as discussões realizadas na IV Conferência de Educação da Associação Brasileira
de Educação, no Rio de Janeiro em 1931. Nessa reunião, estava o Presidente Getúlio Vargas,
acompanhado do Ministro da Educação Francisco Campos. Vargas solicitou aos educadores a
apresentação de uma filosofia de educação para o Brasil. Nesse momento, os signatários se
manifestam, anunciando que as propostas relativas à educação pretendiam atingir o povo, que,
por meio da educação, seria colocado no “mundo dos alfabetizados e produtivos” (CAMARA,
2003, p. 37). Na verdade, o povo que os signatários buscaram como aliado na disputa contra
os intelectuais e educadores católicos era o leitor esclarecido, capaz de unir-se ao movimento
dos descontentes com os rumos que o país pós-revolução ia assumindo. A grande maioria da
população, além de desconhecer o Manifesto, foi simplesmente deixada de lado nessa
discussão.
33

O Manifesto dos Educadores de 1932 aparece num momento de grande efervescência


na sociedade brasileira, no qual já se percebiam os efeitos do processo “de urbanização no
país que redefiniu os núcleos intelectuais e políticos, multiplicados e diversificados na década
de trinta do século XX e cuja preocupação era explicar o presente, exorcizar o passado e
imaginar o futuro” (NUNES, 2003, p. 45).
A seguir analisaremos o posicionamento dos liberais no Manifesto de 1932, através do
documento e também, não podemos esquecer a significativa contribuição dos estudos de Cury
(1984) nesse debate e, consequentemente, nesse trabalho.
Para o grupo renovador, a educação era a organização dos meios científicos de ação, a
fim de dirigir o desenvolvimento natural e integral das peculiares aptidões do ser humano em
cada uma das etapas de seu crescimento, de acordo com certa visão de mundo condicionada
às necessidades da vida social. Para os reformadores, a Escola era Nova não só pela sua
função social, pelos seus processos científicos, pelo método experimental e pela disciplina
consentida e responsável. Era Nova, porque em seus fins reconhecia “ao educando o direito
de adquirir a plenitude de suas aptidões, por uma exercitação adequada aos seus interesses e
necessidades” (CURY, 1984, p. 86).
O Estado deveria assumir como seu dever, com a cooperação de todas as instituições
sociais, a defesa do direito de todo o cidadão à educação integral. Nas palavras de Cury, o
Estado não deveria prescindir da família,

[...] pelo contrário assentava o seu trabalho no apoio e colaboração real dos pais e
professores, fugindo de direções divergentes. Se o Estado tomava a seu cargo tal
responsabilidade era porque desejava desenvolver ao máximo a personalidade
humana e conformá-la com os fins ditados pela política educacional, que por sua vez
se voltava para as necessidades do país. Assim, o Estado procurava efetivar, através
de um plano geral de educação em todos os graus, a abertura da escola e a todos os
cidadãos, para deles obter o máximo de desenvolvimento de acordo com suas
aptidões vitais (1984, p. 90).

O Estado, como nova autoridade educacional, apoiado por outras instituições, de


acordo com Cury (1984, p. 91), “via na escola pública a grande oportunidade de abrir a todos,
sem distinção ou discriminação, as portas do saber pragmático, pelo qual se importava uma
democracia da competência”. Só o Estado tinha condições de preparar as novas gerações para
a vida social. Só a escola pública tinha meios de ser o instrumento de socialização adaptadora
e um aparelho de transformação em vista de uma sociedade industrial e democrática.
34

Nesse sentido, a escola deveria ser aberta a todos os cidadãos, comum e única. Uma
sociedade que busca a democracia social deveria buscar os meios de expressá-la. Para isso a
base da educação deveria ser comum. “O Estado, a fim de atingir todos os elementos da
sociedade dentro das novas condições, não poderia permitir dentro do seu sistema escolar o
acesso a uma minoria por graça de um privilégio econômico” (CURY, 1984, p. 93). A
educação inicial, igual para todos, só sofrerá restrições, segundo o grupo reformador, naquelas
sociedades ou grupos onde as reformas pedagógicas estarão dissociadas das reformas nas
relações sociais.
Por outro lado, o princípio da laicidade que deveria nortear a escola respeita a
heterogeneidade da sociedade composta e a integridade da sociedade em formação. “A
laicidade garantiria a liberdade de consciência e permitiria assinalar, no estudo das
civilizações, o que em todos os credos existia de bom, justo e aproveitável. E garantiria a
autonomia científica da escola” (CURY, 1984, p. 95). O sentido democrático das
oportunidades, a escola como centro de vivência comunitária que expressaria a própria vida,
não poderia colocar o homem e a mulher em regime de separação entre si. “Por isso, o
princípio de coeducação acentuaria que ambos estão em pé de igualdade entre si e frente às
oportunidades sociais” (CURY, 1984, p. 95). Além disso, tornaria mais econômica à
organização da escola.
Sob a inspiração de novos ideais de educação no Brasil, os educadores que assinam o
Manifesto reagem contra o “empirismo dominante” que propôs transferir do terreno
administrativo para os planos político-sociais a solução dos problemas educacionais. No lugar
de reformas parciais que se sucederam, o Manifesto (1932, p. 38) propõe uma política
educacional, que preparará, por etapas, “a grande reforma, em que palpitará, com ritmo
acelerado dos organismos novos, o músculo central da estrutura política e social da nação”.
Em relação ao direito de cada indivíduo à educação integral, decorre para o Estado o
dever de considerar a educação como uma função social e pública, que ele é chamado a
realizar com a cooperação de todas as instituições sociais. “A educação que é uma das
funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os
quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições privadas), para se
incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Estado”
(MANIFESTO, 1932, p. 43). O Estado deve apoiar uma educação escolar que busca a
colaboração de pais e professores, entre os quais tem o dever de restabelecer a confiança e
estreitar as relações, associando e colocando a serviço da obra comum essas duas forças
sociais – a família e a escola – que operavam de todo indiferentes e às vezes opostas.
35

O Manifesto de 1932 também acrescenta que se a educação se propõe a desenvolver


ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser considerada “uma só” a função
educacional, cujos diferentes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu
crescimento. No plano de reconstrução educacional, procura-se corrigir o erro capital que
apresenta o atual sistema (década de 1930), caracterizado pela falta de continuidade e
articulação do ensino, em seus diversos graus.
Ao tratar da função educacional, o Manifesto destaca os princípios da unidade,
autonomia e descentralização. A unidade da função educacional decorre do fato de que a
educação tem por função desenvolver ao máximo a capacidade vital humana. Desse princípio
decorrem consequências em larga escala:

[...] seleção dos alunos com base nas aptidões naturais; supressão das escolas que
reforçam as diferenças econômicas; elevação da formação de professores ao nível da
universidade; equiparação da remuneração e das condições de trabalho dos
professores dos diferentes graus; correlação e continuidade do ensino em todos os
graus; luta contra a quebra da coerência interna e unidade vital da função educativa
(MANIFESTO, 1932, p. 48).

Estão aí os elementos definidores de um novo programa de política educacional que,


segundo o Manifesto, modificará a estrutura e a organização do ensino e dos sistemas
escolares. Em linhas gerais, o plano de reconstrução educacional proposto pelos pioneiros
reitera a necessidade de romper com a estrutura tradicional marcada pela separação entre o
ensino primário e profissional, de um lado, e o ensino secundário e superior, de outro, dois
sistemas que concorrem para a estratificação social. O que se propõe é um sistema orgânico
com uma escola primária, organizada sobre a base das escolas maternais e jardins de infância,
articulada com a educação secundária, abrindo o acesso às escolas superiores de
especialização profissional ou de altos estudos. Esboçado o plano geral, delineia-se a estrutura
do sistema educacional com a hierarquia de suas instituições: “escola infantil ou pré-primária
(4 a 6 anos); escola primária (7 a 12 anos); escola secundária (12 a 18 anos); e escola superior
ou universitária, correspondendo, esses quatro graus, aos quatro grandes períodos do
desenvolvimento natural do ser humano” (MANIFESTO, 1932, p. 53-54).
Ao proclamar a educação como um direito individual que deve ser assegurado a todos,
sem distinção de classes e situação econômica, ao afirmar ser dever do Estado assegurá-la,
através de escola pública, gratuita, obrigatória e leiga, o Manifesto trata a educação como um
36

problema social, o que representa um avanço para a época. Ao proclamar a educação como
um problema dessa ordem, o documento não só estava traçando diretrizes novas para o estudo
da educação no Brasil, mas também estava representando uma tomada de consciência por
parte dos educadores, até então inexistente, pelo menos coletivamente.
Na realidade, de todos os deveres que o Estado tem, o que exige maior capacidade, é
aquele com o qual não é possível “transigir sem a perda irreparável de algumas gerações”
(MANIFESTO, 1932, p. 55). Dessa forma, o primeiro dever do Estado é a educação, que,
dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e
realizá-los, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional. Como documento de
política educacional, mais do que a defesa da Escola Nova, está em causa no Manifesto à
defesa da escola pública. Nesse sentido, o texto emerge como uma proposta de construção de
um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública, abarcando desde a escola
infantil até a formação de nível superior.
Por fim, o Manifesto apresentava de maneira clara a questão do financiamento da
educação pública, quando, a educação fosse efetivamente pública; a laicidade para que a
escola estatal pudesse ser legitimamente republicana; a obrigatoriedade para que a
escolarização patrocinada pelo orçamento público pudesse ser um projeto de construção da
identidade social de crianças e jovens e, por fim, baseada na coeducação (educação de ambos
os sexos) para que expressasse sua abertura aos novos métodos e à modernização do trabalho
docente.
Na parte final do tópico, apresentaremos um quadro com os nomes completos dos
signatários do Manifesto de 1932, se houve participação no Manifesto de 1959 (tema que será
abordado no último capítulo) e sua atuação profissional. O Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova contou com a participação de vinte e seis signatários, tendo como redator
Fernando de Azevedo. Pode-se dizer que o traço comum entre a maioria dos signatários do
Manifesto era o fato de exercerem função ligada ao magistério. Os demais signatários eram
advogados, médicos, jornalistas, escritores, dentre outros. A intenção foi destacar os
signatários que continuaram com o propósito do primeiro Manifesto e assinaram
consequentemente o Manifesto de 1959. Assim, o quadro a seguir apresenta em ordem
alfabética, os signatários do Manifesto de 1932.
37

Quadro 2- Relação dos signatários do Manifesto de 1932.


Nome Manifesto de 1959 Profissão
A. de Sampaio Dória Não participou Professor
A. Ferreira de Almeida Jr. Não participou Professor
Afrânio Peixoto Falecido Professor
Anísio Spínola Teixeira Participou Professor
Armanda Álvaro Alberto Participou Professora
Attílio Vivacqua Não participou Professor
Carlos Delgado de Carvalho Participou Professor
Carlos Roldão Lopes de Falecido Jornalista/professor
Barros
Cecília Meirelles Participou Professora/escritora/jornalista
Edgar Sussekind de Falecido Professor
Mendonça
Fernando de Azevedo Participou Professor
Francisco Venâncio Filho Falecido Professor
Hermes Lima Participou Professor
J. G. Frota Pessoa Falecido Advogado/jornalista
José Paranhos Fontenelle Não participou Médico
Júlio de Mesquita Filho Participou Jornalista
M. Bergstrom Lourenço Não participou Professor
Filho
Mário Casasanta Participou Professor
Nóbrega da Cunha Participou Jornalista
Noemy M. da Silveira Não participou Professora/psicóloga
Paschoal Lemme Participou Professor
Paulo Maranhão Participou Professor/jornalista/deputado
Raul Briquet Falecido Médico/professor
Raul Rodrigues Gomes Participou Diretor de escola/inspetor
escolar
Roquette Pinto Falecido Diretor do Museu
Nacional/professor
Sezefredo Garcia de Rezende Não participou Professor/diretor de imprensa
Fonte: BEDIN, 2011, p. 57.

1.3 A educação no Estado Novo (1937-1945)

No presente tópico, discutiremos inicialmente como se constituiu o Estado Novo, sob


a liderança de Getúlio Vargas. Analisaremos, em seguida, as políticas educacionais do
período, sob a orientação do Ministro da Educação Gustavo Capanema, não esquecendo a
Educação na Constituição Federal de 1937.
Na manhã do dia 10 de novembro de 1937, tropas da Polícia Militar cercaram o
Congresso Nacional e impediram a entrada dos deputados. À noite, Vargas anunciou uma
38

nova fase política e a entrada em vigor de uma nova constituição, elaborada por Francisco
Campo. O Estado Novo foi implantando no estilo autoritário, sem grandes mobilizações, até
porque Getúlio Vargas tinha apoio das forças armadas e de boa parte da população. O
Congresso estava dissolvido. O Presidente da República recebia poderes para confirmar ou
não o mandato dos governadores eleitos, nomeando interventores nos casos de não
confirmação. Na realidade, o presidente ficaria durante todo o Estado Novo com o poder de
governar através de decretos-leis, pois não se realizaram nem o plebiscito nem as eleições
para a Câmara dos Deputados. Os governadores dos estados se transformaram em
interventores, e em alguns casos foram substituídos.
Podemos sintetizar o Estado Novo sob o aspecto socioeconômico, “dizendo que
representou uma aliança da burocracia civil e militar e da burguesia industrial, cujo objetivo
comum imediato era o de promover a industrialização do país sem grandes abalos sociais”
(FAUSTO, 2004, p. 367). A burocracia civil defendia o programa de industrialização por
considerar que era o caminho para a verdadeira independência do país; os militares porque
acreditavam que a instalação de uma indústria de base fortaleceria a economia; os industriais
porque acabaram se convencendo de que o incentivo à industrialização dependia de uma
intervenção do Estado.
Um aspecto que não podemos esquecer é a questão da censura durante o Estado Novo.
A censura existiu desde os primeiros anos, sendo exercida sem limites com a prorrogação do
Estado Novo e a interdição dos partidos políticos. A repressão e a propaganda agiram
duramente. O patriotismo era recomendado, seja nas escolas ou nas associações esportivas.
Em relação ao ensino, Pécaut (1990, p. 67) esclarece que “representava um dos campos onde
foi mais sistemático o esforço do regime para criar a mentalidade do homem novo”.
Demonstrava isso, a evolução de Francisco Campos, doutrinário rígido do autoritarismo
enquanto Ministro da Educação e depois Ministro da Justiça.
O regime de Vargas, mesmo durante o Estado Novo, “visava um autoritarismo
desmobilizador, e mostrava-se mais vacilante que resoluto em suas iniciativas para formar
organizações de massa” (PÉCAUT, 1990, p. 69). A razão dessa prudência residia na
dificuldade em atingir um povo ainda considerado “alheio à civilização”. Todavia, se
relaciona com a preocupação de conciliar tendências diversas entre os simpatizantes do
regime, dos quais nem todos estavam dispostos para apoiar um regime totalitário. Até porque,
não acreditavam ser isso possível. Também, vinculava-se à intenção de cooptar os
intelectuais, mesmo os que resistiam ao autoritarismo. Nessa mesma linha de pensamento, o
39

projeto do regime 11 pretendia ser mais cultural do que mobilizador, e a definição do cultural
confundia-se com a dos intelectuais.
É interessante observar que o crescente interesse do governo de Getúlio Vargas em
promover a industrialização do Brasil, a partir de 1937, refletiu-se no campo educacional.
Gustavo Capanema a frente do Ministério da Educação promulgou um decreto-lei em janeiro
de 1942, instituindo a Lei Orgânica do Ensino Industrial, com o objetivo de preparar mão-de-
obra fabril de qualidade. Daí a necessidade de redimensionar o ensino técnico-profissional,
tarefa que cabia ao Ministério da Educação. No âmbito das questões relativas ao trabalho do
operariado industrial, constituído em boa parte pela força de trabalho de jovens, a criação do
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI12) em 1942, teve importância especial.
Sua concretização resultou de uma aspiração conjunta do Estado e do empresariado industrial,
“determinada pela ampliação crescente do parque industrial e pela carência de operários mais
qualificados, já que para atividades menos complexas o operariado era formado nas próprias
fábricas, embora em condições ainda muito limitadas” (SOUSA, 2000, p. 240). Além disso, o
número de escolas profissionais era insuficiente para atender à demanda das indústrias.
Gustavo Capanema ficou a frente do Ministério da Educação de 1934 até 1945. Foi o
Ministro da Educação que mais tempo permaneceu no cargo. Em janeiro de 1936, Capanema
distribuiu um extenso e minucioso questionário buscando a colaboração de professores,
estudantes, escritores, jornalistas, dentre outros, para a elaboração de um Plano Nacional de
Educação. A Igreja Católica imediatamente se mobiliza e inicia uma série de conferências
com o objetivo de apresentar um documento único com o ponto de vista católico. Também,
intelectuais de destaque (Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, dentre
outros), recebem o questionário, mandam suas respostas ao ministro e participam de
conferências públicas cujos resultados são reproduzidos pela imprensa da época.
O questionário editado pela Imprensa Nacional sob a forma de um livreto intitulava-se
Questionário para um inquérito. De acordo com Schwartzman et al. (1984, p. 177) as 213
perguntas faziam um levantamento sobre todos os aspectos possíveis do ensino: “princípios,
finalidade, sentido, organização, administração, burocracia, conteúdo, didática, metodologia,
disciplina, engenharia”. Na verdade, eram inúmeros pontos necessários para considerar a
definição, montagem e funcionamento de um sistema educacional.

11
Trata-se de construir o “sentido da nacionalidade”, de retomar as “raízes do Brasil”, de forjar uma “unidade
cultural”. É sempre evidente, para os responsáveis pelo assunto, no regime, que “cultura” e “política” são dois
termos inseparáveis e que cabe a eles fundi-los no quadro do nacionalismo (PÉCAUT, 1990, p. 69).
12
O Decreto-lei n. 4.048, de 22/02/1942, criou o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial encarregando a
Confederação Nacional da Indústria de organizá-lo e dirigi-lo (SOUSA, 2000, p. 240).
40

Já a publicação com o ponto de vista da Igreja Católica estabelece os princípios que


deveriam orientar a educação, e se opõe a qualquer intenção de fazer da educação um
instrumento a ser usado apenas pelo Estado, em seu nome e em nome da nação. Schwartzman
et al. (1984, p. 179) destaca que, na visão da Igreja, “a educação existia para o homem, e não
o homem para a educação; ela teria por fim levar o homem à plenitude de sua humanidade; as
autoridades educacionais seriam, na ordem natural, a família e o Estado, e na ordem
sobrenatural, a Igreja”. A tese defendida pela Igreja de que a família viria antes do Estado,
seria um terreno fértil para discussões na imprensa (Revista Vozes e Revista Anhembi), entre o
final da década de 1950 e início da década de 1960, sobre o caráter público da educação e a
questão das verbas para este setor.
Em maio de 1937, o Conselho Nacional de Educação (CNE) encaminha a Gustavo
Capanema o texto final do plano, que é enviado pelo presidente ao Congresso para aprovação.
A primeira parte do plano, das normas gerais, definia o que era o plano 13, estabelecia os
princípios gerais da educação nacional, regulamentava a liberdade de cátedra, o ensino da
religião, da educação moral e cívica, a educação física. À educação nacional era atribuído o
objetivo de “formar o homem completo, útil à vida social, pelo preparo e aperfeiçoamento de
suas faculdades morais e intelectuais e atividades físicas, sendo tarefa da família e dos
poderes públicos” (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 182). Na verdade, formar este homem
“útil”, seria a preparação de uma elite que deveria conduzir a nação, deixando a grande
maioria da população excluída.
Por outro lado, a liberdade de cátedra era garantida, como previa a Constituição
Federal de 1937, mas ficava restrita a assuntos específicos da matéria do professor, sendo
vedada a propaganda política. Cabia às autoridades escolares zelar para que isso fosse assim.
O ensino da religião era assegurado, de acordo com as confissões de cada aluno, em todos os
estabelecimentos de ensino oficiais (escolas públicas), ainda que com frequência facultativa.
Ficava, assim, garantida a participação da Igreja no ensino religioso das escolas públicas. A
educação moral e cívica14 deveria ser ministrada obrigatoriamente em todos os ramos do
ensino, sendo que no curso secundário seria uma atribuição do professor de História do Brasil.

13
Um código de educação nacional destinado a servir de base ao funcionamento de instituições educativas
escolares e extraescolares, públicas e privadas em todo o país (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 182).
14
Ela deveria ter uma parte teórica, que trataria dos fins, da vontade, dos atos do homem, das leis naturais e
civis, das regras supremas e próximas da moralidade, das paixões e das virtudes; e uma parte prática, que
incluiria desde o estudo da vida de grandes homens de virtudes heroicas até o trabalho de assistência social, que
ensinasse os alunos a prática efetiva do bem (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 183). Essas colocações eram
típicas do regime autoritário que estava em vigência, como por exemplo, o culto à personificação do líder, no
caso Getúlio Vargas.
41

O capítulo referente à educação física previa que nas universidades fossem criadas seções
especiais que dessem orientação científica às atividades esportivas.
As últimas partes do plano tratavam do ensino livre, do regime escolar, do regime
financeiro e das disposições gerais e transitórias. O ensino era definido como “livre em todos
os seus graus e ramos, observadas as prescrições legais”. A União ficava com a
responsabilidade de fiscalizá-los, e as instituições de ensino superior ficavam obrigadas a
comunicar sua criação ao governo. A parte sobre o regime financeiro previa que “10% dos
recursos da União e dos municípios, e 20% dos recursos dos estados e do Distrito Federal,
deveriam ser aplicados em educação” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1937). Com isso, o
plano pretendia resolver não só as questões de ensino, mas também as de ordem social,
econômica, política e moral do Brasil.
Sobre a Educação na Constituição Federal de 1937, levantaremos algumas questões
pertinentes. Primeiramente de orientação oposta à Constituição 1934, a Constituição de 1937
era inspirada nas constituições dos regimes fascistas europeus. Amplia-se a competência da
União para “fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as
diretrizes que deve obedecer à formação física, intelectual e moral da infância e da juventude”
(Art. 15 IX). A liberdade de ensino é objeto do primeiro artigo dedicado à educação na Carta
de 1937, que determina: “A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e à de
associações ou pessoas coletivas públicas e particulares” (Art. 128). O dever do Estado em
relação à educação é colocado em segundo plano, sendo atribuída uma função que
compensaria na oferta escolar destinada à “infância e à juventude, a que faltarem os recursos
necessários à educação em instituições particulares” (Art. 128). Nesse contexto, o “ensino
pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas” é compreendido como
“primeiro dever do Estado” em matéria de educação (Art. 129).
Observa-se que é clara a concepção da educação pública como aquela destinada aos
que não podiam estudar em escolas privadas. Concordamos com Vieira (2007, p. 298),
quando a autora coloca que “o velho preconceito contra o ensino público presente desde as
origens de nossa história permanece arraigado no pensamento do legislador estado-novista”.
Por outro lado, à ideia de gratuidade da Constituição de 1934 em relação à Carta de 1937
contrapõe uma concepção um tanto empobrecida. Embora estabeleça que “o ensino primário é
obrigatório e gratuito” (Art. 130), acrescenta no mesmo artigo o caráter parcial dessa
gratuidade que “não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais
necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigido aos que não alegarem, ou
42

notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal
para a caixa escolar”. A educação gratuita era vista como a educação dos pobres.
Por fim, um tema que foi palco de muitos debates é a questão do ensino religioso, em
relação, ao qual, a Constituição de 1937 assinala uma tendência um tanto conservadora no
dispositivo que permite que este ensino se apresente como “matéria do curso ordinário das
escolas primárias, normais e secundárias”, muito embora não deva se “constituir objeto de
obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos”
(Art. 133). Destacamos que o texto claramente deixa margem e espaço à Igreja, considerando
a hegemonia da religião católica nesse período sobre as demais, bem como a presença das
escolas confessionais no território brasileiro.
Em relação ao ensino primário, Gustavo Capanema incorporou elementos modernos,
como a preocupação com a sua universalização mediante uma rede permanente de
escolarização e apoio financeiro regular para implementá-la, com critérios públicos objetivos
de distribuição de verbas e elementos tradicionais, como a ambiguidade na definição de quem
educa, o que resultou numa equalização de direitos entre o ensino privado e o ensino público e
na relutância em aplicar as verbas destinadas ao ensino primário. No período de 1938-1941,
no qual a nacionalização 15 da educação nas áreas coloniais teve grande impulso, o
financiamento da União para esse nível de ensino foi muito pequeno, mediante o esforço de
muitos líderes renovadores (por exemplo, Lourenço Filho) inseridos no governo.
Entre 1932 e 1945 o ensino primário teve um crescimento significativo. Nas palavras
de Schwartzman (1983, p. 361), “em 1932, havia em todo o país 27.662 escolas primárias
com 2.071.437 alunos; em 1945, o número dessas escolas era de 44.794 com 3.548.409 de
alunos”. Observamos que durante esses anos o número de escolas teve um crescimento
significativo, porém, o número de alunos não cresceu na mesma proporção. Continuando esta
comparação, em 1932, o número de aprovações foi de 978.000 alunos; em 1945, esse número
excedeu a 1.600.000. “Em 1932, 121.000 alunos chegavam à conclusão do curso; esse
número já era 284.000 em 1945” (SCHWARTZMAN, 1983, p. 362).
Diante desses dados, podemos concluir que mesmo aumentando o número de
aprovações no intervalo entre 1932 e 1945, o índice era muito baixo, não chegava nem a 50%,
15
Havia intenção de alterar a política que deixava o ensino elementar a cargo de estados e municípios, uma vez
que o analfabetismo persistia, com a desnacionalização operada pela escola estrangeira na criança brasileira, e o
ensino primário ministrado nem sempre apresentava as qualidades que deveria cultivar. As razões que levaram o
Estado a adotar tal procedimento foram imediatas e decorrentes da desnacionalização do ensino primário nas
áreas de colonização estrangeira, sobretudo alemã. Eram os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná. Entre 1938 e 1939 o ministério da Educação elaborou legislação específica para essas áreas, obrigando o
estabelecimento de escolas primárias em número suficiente, regidas por brasileiros natos (NUNES, 2001, p. 118-
119).
43

e outro dado alarmante do período era em relação ao número de alunos que concluíam o
ensino primário. O percentual de conclusão do curso era baixo, pois se acredita que a
dificuldade de aprendizagem era grande, até porque boa parte dos professores tinham uma
formação inadequada. Outra conclusão a que podemos chegar, era que os pais não incentivam
seus filhos para chegar ao término do ensino primário e muitos desses alunos também tinham
que trabalhar para ajudar no sustento da família, até porque as famílias eram mais numerosas
do que hoje em dia.
De todas as áreas do plano educacional, a educação secundária seria aquela em que
Gustavo Capanema deixaria sua marca mais profunda. Durante o período de 1942-1946,
Capanema elabora as leis orgânicas do ensino16, também conhecidas como “Reforma
Capanema”, implantando-as através de decretos-leis.
A prioridade dada à reforma do ensino secundário, da década de 1940, seria uma
ocasião propícia para a reafirmação dos princípios mais gerais da concepção educacional do
ministério Capanema. O sistema educacional deveria corresponder à divisão econômico-
social do trabalho, ou seja, deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades
de acordo com os diversos papeis atribuídos às diversas classes e categorias sociais. Nas
palavras de Schwartzman et al. (1984, p. 189), “a educação deveria estar, antes de tudo, a
serviço da nação, ‘realidade moral, política e econômica’ a ser constituída”. A Lei Orgânica
do Ensino Secundário de 1942 manteria esse entendimento restrito do que era o ensino
secundário, e proibia o uso das denominações “ginásio” e “colégio” aos demais
estabelecimentos de nível médio.
Outra inovação da Lei Orgânica foi à obrigatoriedade da frequência à escola
secundária, que seria o processo através do qual se assegurava que as novas gerações sentar-
se-iam nos bancos escolares e neles permaneceriam o período suficiente para o aprendizado
de uma cultura comum, que transmitisse a consciência de que pertenciam a uma nação
comum e de que eram responsáveis pela “manutenção e difusão de seus valores ao resto da
população” (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 194). Apesar da influência católica, parecia

16
Por essa via foram promulgadas em 1942 as leis orgânicas do ensino secundário (Decreto-Lei n. 4.244 de
09/04/42) e do ensino industrial (Decreto-Lei n. 4.073 de 30/01/42) tendo sido criado nesse mesmo ano através
do Decreto-Lei n. 4.048 de 22/01/42 o SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, colocado sob o
controle da Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade representativa do empresariado industrial. Em
1943 foi à vez da lei orgânica do ensino comercial (Decreto-Lei n. 6.141 de 28/12/43). E em 1946, portanto já
após a queda do Estado Novo, foram decretadas as leis orgânicas do ensino agrícola (Decreto-Lei n. 9.613 de
20/08/46), do ensino primário (Decreto-Lei n. 8.529 de 02/01/46) e do ensino normal (Decreto-Lei n. 8.530 de
02/0146), tendo sido ainda criado o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Decretos-Leis n.
8.621 e 8.622 de 10/01/46) que, a exemplo do SENAI, foi também colocado sob o controle do empresariado
correspondente (SAVIANI, 2004, p. 10).
44

predominar uma preocupação em reduzir a influência da família, da Igreja, ou quaisquer


instituições ligadas à socialização das crianças e jovens, benefício de uma influência
continuada da escola, veiculadora dos valores nacionais.
Por fim, o que se pretendia não era acabar com o ensino livre, mas eliminar o estudo
livre. Não seria mais permitido estudar o que quisesse como quisesse e onde quisesse, para em
uma determinada época submeter-se aos exames oficiais (preparatórios) e através destes,
ingressar no ensino superior. O que Capanema defendia, com o que concordamos, era criar o
hábito da passagem pela escola. Esse era o principal objetivo da obrigatoriedade do ensino
secundário. Certamente, existiriam outras escolas, também obrigatórias, para os que não
estivessem destinados “à elite dirigente do país, mas precisassem, igualmente, ser educados
como bons cidadãos” (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 195).

1.4 Estado e educação nos governos democráticos (1945-1964)

No presente tópico focalizaremos o período que se estende do fim do Estado Novo, até
o golpe militar de 1964. Nesse período temos eleições diretas com a participação da
população. Pela ordem cronológica, sucedem-se no poder os seguintes presidentes: Eurico
Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. Também,
é o período do chamado populismo, tema que será abordado nesse tópico, fazendo uma
relação com a educação no período delimitado. Além da questão histórica, procuraremos
mostrar as políticas educacionais adotadas no período em prol da educação pública.
Com o afastamento de Getúlio Vargas, ocorre a realização de eleições gerais e a
elaboração de um novo regime democrático. Porém, antes mesmo da deposição de Vargas, o
sistema partidário nacional17 se definiu. As eleições de 1945 despertaram um grande interesse
na população. Os brasileiros formaram longas filas para votar. Nas últimas eleições diretas à
presidência da República, em março de 1930, “tinham votado 1,9 milhões de eleitores,

17
O primeiro partido a ser constituído foi a União Democrática Nacional (UDN). Originária da frente
oposicionista, a UDN optou por manter a estrutura de uma união de forças que tinham um adversário político
comum: a herança varguista. Por outro lado, o Partido Social Democrático (PSD) encontrou a sua base
fundadora na estrutura administrativa do Estado Novo. Organizado sob a chancela do próprio Getúlio, o partido
foi composto pela reunião de interventores estaduais, controladores das máquinas político-administrativas
regionais, o que possibilitou sua rápida estruturação em todo o território nacional. Por fim, o projeto de
mobilização e controle das massas trabalhadoras orientou a montagem do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Seguindo o itinerário que se aplicara na construção da imagem do presidente como patrono dos trabalhadores, o
partido pôde se constituir valendo-se da estrutura sindical montada e gerida a partir do ministério (FERREIRA;
SARMENTO, 2002, p. 473).
45

representando 5,7% da população total; em dezembro de 1945 votaram 6,2 milhões,


representando 13,4%” (FAUSTO, 2004, p. 398). Diante dos dados, observa-se que entre 1930
e 1945 triplicou o número de eleitores. Em uma época que não existia pesquisas eleitorais, a
oposição encabeçada pela UDN com seu candidato (Eduardo Gomes) foi surpreendida com a
vitória de Eurico Gaspar Dutra. Com exclusão dos votos nulos e brancos, “Dutra venceu com
55% dos votos contra 35% atribuídos a Eduardo Gomes, e Iedo Fiúza, ex-prefeito de
Petrópolis, candidato pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) recebeu 10%” (FAUSTO,
2004, p. 398).
No fim de janeiro de 1946, Eurico Gaspar Dutra tomou posse e começaram os
trabalhos para uma nova Constituição. Depois de muitos debates, em 18 de setembro era
promulgada a nova Constituição Federal. A Constituição de 1946, sem dúvida, se afastava da
Constituição de 1937, optando por uma posição mais liberal. Em suma, o Brasil foi definido
como uma República federativa, estabelecendo-se as atribuições da União, estados e
municípios. Falava-se nos círculos “conservadores” que o governo Dutra respeitava a
legalidade, porém quando se tratava dos comunistas e dos trabalhadores organizados, o
legalismo era muitas vezes esquecido. Começou no governo Dutra a repressão 18 ao Partido
Comunista Brasileiro e consequentemente o fechamento deste.
Do ponto de vista da política econômica, o governo de Eurico Gaspar Dutra se iniciou
seguindo um modelo liberal. A intervenção estatal foi condenada, passando-se a acreditar que
o desenvolvimento do país e o fim da inflação gerada nos últimos anos da guerra mundial
dependiam da liberdade dos mercados em geral e, principalmente, da livre importação de
bens. Em seus últimos anos, o governo Dutra alcançou resultados expressivos no plano de
crescimento econômico. Por exemplo, tendo o ano de 1947 como base, “o PIB cresceu em
média 8% ao ano até 1950” (FAUSTO, 2004, p. 404).
As manobras para a sucessão presidencial começaram antes de Eurico Gaspar Dutra
completar a metade de seu mandato. Pelo PTB é lançado Getúlio Vargas, pela UDN
novamente Eduardo Gomes e pelo PSD Cristiano Machado. Vargas acabou se elegendo em
03 de outubro de 1950. De acordo com Fausto (2004, p. 405), “Vargas alcançou 48,7% do
total de votos, enquanto Eduardo Gomes não passou de 29,7% e Cristiano Machado de
21,5%”. Dessa vez, o retorno de Getúlio Vargas à presidência da República ocorreu através de

18
Ela derivou do peso das concepções conservadoras, do crescimento desse partido e da modificação das
relações internacionais entre as grandes potências (EUA e URSS). Em janeiro de 1948, completaram-se as
medidas que levaram o PCB à clandestinidade. Uma lei aprovada pelo Congresso Nacional determinou a
cassação dos mandatos dos deputados, senadores e vereadores eleitos pela legenda do partido (FAUSTO, 2004,
p. 403).
46

eleições democráticas. Vargas tomou posse em 31 de janeiro de 1951, iniciando seu governo
tentando desempenhar, nas condições de um regime democrático, um papel que já havia
desempenhado: o de árbitro diante das diferentes forças políticas. Tentou atrair inclusive a
UDN, que era o maior partido de oposição a sua candidatura.
No início da década de 1950, o governo promoveu várias medidas para incentivar o
desenvolvimento econômico, com ênfase na industrialização. Investiu no transporte e energia,
através de um crédito externo no valor de 500 milhões de dólares. Em 1952, foi fundado o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com orientação direta para o
propósito de acelerar o processo de diversificação industrial. Na mesma medida que tratava de
dinamizar a economia, o governo de Getúlio Vargas se via diante de um problema com fortes
repercussões sociais – avanço da inflação. Para ilustrar esta questão, em 1947, a inflação que
desde o final da Segunda Guerra (1945) vinha caindo, simplesmente começou a aumentar.
“Passou de 2,7% em 1947 a uma média anual de 13,8% entre 1948 e 1953, apresentando só
neste último ano uma variação de 20,8%” (FAUSTO, 2004, p. 409).
Entre junho e julho de 1953, Vargas modificou seu corpo ministerial. Para o
Ministério do Trabalho nomeou um jovem político e estancieiro gaúcho – João Goulart, mais
conhecido como Jango. A partir desse momento cresceu a oposição a Vargas, através da UDN
e setores mais conservadores da sociedade. O movimento pela renúncia de Getúlio Vargas
crescia cada vez mais. Quando o cerco se apertou ainda mais, Vargas na manhã de 24 de
agosto de 1954 suicidou-se em seus aposentos no Palácio do Catete, com um tiro no coração.
O suicídio de Getúlio Vargas mostrava um desespero pessoal, mas também havia um ato
político. Justamente por isso, a UDN não conseguiu tomar o poder e muito menos os
militares. Também, o presidente deixou uma carta-testamento, onde se apresentava como
vítima e ao mesmo tempo acusador de inimigos impopulares. O vice-presidente Café Filho
acaba assumindo a presidência.
Em fevereiro de 1955, o primeiro partido a apresentar candidato foi o PSD lançando a
candidatura de Juscelino Kubitschek, governador de Minas Gerais. Em maio, Ademar de
Barros, ex-governador de São Paulo decidiu concorrer à presidência da República pelo PSP.
Um mês depois, a UDN lançou mais uma vez um candidato militar, o general Juarez Távora e
resolveu concorrer pelos antigos integralistas Plínio Salgado. Depois de uma campanha cheia
de acusações, em 03 de outubro de 1955, as urnas deram a vitória a Juscelino Kubitschek por
uma estreita margem. “Ele obteve 36% dos votos, enquanto Juarez alcançou 30%, Ademar
26% e Plínio Salgado com 8% dos votos” (FAUSTO, 2004, p. 420). Como era possível votar
em nomes de chapas diferentes para a presidência e vice-presidência, João Goulart se elegeu
47

com uma votação superior à de Juscelino. Após a vitória de Juscelino e Jango, desencadeou-
se uma campanha contra a posse. Porém, ocorreu o chamado “golpe preventivo”, ou seja, uma
intervenção militar para garantir a posse do presidente eleito e não para impedi-la.
A política econômica de Juscelino Kubitschek foi definida no Programa de Metas 19,
com uma definição nacional-desenvolvimentista20 de política econômica, consolidada por
meio de uma diversificada produção teórica do Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB21). Os resultados do Programa de Metas surpreenderam, principalmente no setor
industrial. “Em 1955 e 1961, o valor da produção industrial, descontada a inflação, cresceu
em 80%, com altas porcentagens nas indústrias do aço (100%), mecânicas (125%), de
eletricidade e comunicações (380%) e de material de transporte (600%)” (BARROS, 1999, p.
56). Porém, Juscelino Kubitschek enfrentou problemas nas áreas ligadas ao comércio exterior
e às finanças do governo. Isso, de fato aconteceu, devido aos gastos para sustentar o programa
de industrialização e a construção de Brasília. Para exemplificar esta afirmação, “o déficit
passou de menos de 1% do PIB em 1954 e 1955 para 2% em 1956 e 4% em 1957 e a inflação
até 1959 foi de 39,5%” (FAUSTO, 2004, p. 432).
No curso de 1959, surgiram as candidaturas para a sucessão de JK. Jânio Quadros pelo
pequeno PTN, com o apoio da UDN, Ademar de Barros pelo PSP. O PSD e o PTB uniram-se
para a candidatura do Marechal Henrique Teixeira Lott. Devido ao seu carisma, Jânio venceu
as eleições de outubro de 1960, “com 48% dos votos, enquanto Lott obteve 32% e Ademar
20%” (BARROS, 1999, p. 55). Apesar disso, João Goulart elegeu-se vice-presidente, mesmo
com a derrota de Lott.
Jânio Quadros ocupou-se de assuntos sem muita importância em relação ao cargo que
ocupava, como proibição do lança-perfume, do biquíni e das brigas de galos. No terreno
financeiro, Jânio anunciou um plano para enfrentar os problemas herdados do governo de
Juscelino Kubitschek. De acordo com Fausto (2004, p. 440), “o déficit do balanço de
pagamento chegou a 410 milhões, a dívida externa era de 3,8 bilhões e o déficit orçamentário
previsto para 1961 ia além de 100 bilhões de cruzeiros, cerca de um terço da receita prevista

19
Ele abrangia 31 objetivos, distribuídos em seis grandes grupos: energia, transporte, alimentação, indústrias de
base, educação e a construção de Brasília, chamada de meta-síntese (BARROS, 1999, p. 44).
20
A expressão nacional-desenvolvimentista, em vez de nacionalismo, sintetiza uma política econômica que
tratava de combinar o Estado, a empresa privada nacional e o capital estrangeiro para promover o
desenvolvimento, com ênfase na industrialização. Sob esse aspecto, o governo JK prenunciou os rumos da
política econômica realizada (BARROS, 1999, p. 51).
21
Criado em 1955, no âmbito do Ministério da Educação, e encontrando o seu auge no governo JK, o ISEB
pretendia, “dentro e a partir de um quadro econômico-político e social bem determinado” do período em questão,
“contribuir para a formulação de uma ideologia estrutural e adequada à mobilização da sociedade brasileira para
os esforços necessários à realização do projeto de desenvolvimento nacional” (BARBOSA, 2006, p. 195).
48

no exercício”. Com isso, podemos concluir que o Brasil estava num situação bem complicada
e em 26 de agosto de 1961, Jânio coloca fim ao seu governo, renunciando ao cargo de
presidente da República.
A Constituição de 1946 não deixava dúvidas quanto à sucessão de Jânio; deveria
assumir o vice-presidente João Goulart. Porém, um grupo de militares vetou a volta de Jango
da China, na tentativa de impedir que assumisse a presidência da República. Devido a este
gesto, por parte dos militares, no Rio Grande do Sul teve início a campanha da legalidade 22.
Diante desse movimento, o Congresso adotou uma solução de compromisso. O sistema de
governo passou de presidencialista para parlamentaria e João Goulart teve seus poderes
diminuídos. Somente em janeiro de 1963, retornaria o sistema presidencialista, através de um
referendo.
João Goulart deu início às reformas de base. No plano político, sustentava-se a
necessidade de estender o direito ao voto a dois setores: os analfabetos e os inferiores das
Forças Armadas. Ao lado disso, as reformas de base incluíam medidas nacionalistas, como a
nacionalização de empresas concessionárias de serviço público, dos frigoríficos e da indústria
farmacêutica e a extensão do monopólio da Petrobras. Porém, com a perda de legitimidade de
Jango, a aproximação entre inferiores das Forças Armadas e trabalhadores organizados
acabou por levar o alto comando das Forças Armadas a engrossar a conspiração, em um
deslocamento semelhante ao que ocorreu nos meios civis. Com isso, João Goulart, em março
de 1964, é deposto da presidência da República. A partir daí, inicia o regime militar que
levará o Brasil a uma ditadura até 1985.
Agora abordaremos o populismo e sua relação com a educação nesse período. No
período delimitado nesse trabalho (1930-1961), o populismo ganha expressão como forma de
gestar a política e também os conflitos sociais. O populismo foi uma das manifestações
políticas dos grupos emergentes no espaço urbano, num contexto de substituição da oligarquia
nas funções de domínio político do país, tradicionalmente agrário, em transição para a
urbanização e o desenvolvimento capitalista nacional. Segundo Weffort (1980, p. 61), “o
populismo foi, sobretudo, a expressão mais completa da emergência das classes populares no
bojo do desenvolvimento urbano e industrial e da necessidade, sentida por alguns dos novos
grupos dominantes, de incorporação das massas ao jogo político”.

22
A figura principal do movimento foi o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de
Jango. Esta campanha defendia o retorno de João Goulart ao Brasil e consequentemente a sua posse na
presidência da República. Sob a liderança de Leonel Brizola em Porto Alegre, ocorreram grandes manifestações
em apoio a João Goulart (BARROS, 1999, p. 59).
49

Dos anos 1940 até 1960, o Brasil se destacou em dois segmentos. Na economia,
traduzida pelo processo de industrialização em curso, reconhecido como exitoso no país; e na
política, mais complexa e ambígua em termos de diagnósticos, materializada pela experiência
de democracia exemplificada pelos anos que Juscelino Kubitschek era presidente do Brasil.
“Pode-se dizer que o populismo é o produto de um longo processo de transformação da
sociedade brasileira, instaurado a partir da Revolução de 1930, e que se manifesta de uma
dupla forma: como estilo de governo e como política de massas” (GOMES, 2001, p. 32).
A ascensão das classes populares nas décadas de 1950 e 1960 exige do Estado uma
nova forma de gestar os conflitos de interesse. Fica claro que os movimentos populares
resultaram de novas exigências estruturais, representadas no nacional populismo e assumidas
pelos novos grupos e frações de classe que passaram a compor o poder após 1930. No
entanto, juntamente com as novas categorias sociais, surgem intelectuais, que propõem uma
educação voltada para a consolidação da sociedade urbano-industrial.
Nesse sentido, o sistema escolar deveria, a partir de então, não só difundir a nova
ideologia e combater as tradicionais concepções, como também gerar comportamentos de
disciplina adequados ao trabalho parcelado e integrado na fábrica e preparar gestores dos
negócios das empresas privadas e públicas. A seguir, Sá descreve a função do sistema escolar
e da ciência no contexto de relações de produção

[...] isto é, assegurar um padrão de comportamento que ajuste aos vários níveis
hierárquicos da indústria, do operário ao gerente. No Brasil, esse comportamento
muitas vezes deve ser produzido, devido a sua inexistência inicial; veja-se, por
exemplo, o camponês recém-migrado: este tem uma forma de trabalho que não se
adapta ao padrão disciplinar da indústria. A ciência produz o conhecimento, ou
simplesmente ajusta o já existente nos países centrais, que informa a reprodução das
relações de produção (1982, p. 70-71).

Pelo exposto, pode-se explicar o esforço de alfabetização e ampliação do ensino


fundamental, cuja temática era a luta contra a velha concepção do ensino e a difusão da nova,
ao mesmo tempo em que arrancava as massas da tutela das oligarquias regionais,
consolidando as novas bases do poder. Explica-se, também, a tendência ao maior crescimento
do ensino secundário e superior a partir da década de 1950, visando à formação dos quadros
intermediários da nova modalidade de empresa, que pelo menos na etapa inicial absorverá
grande quantidade de pessoal. Por outro lado, “o populismo lança-se à mobilização popular
50

com a finalidade de fortalecimento de suas bases sociais ou mesmo de criação dessas bases,
cuja concepção trazia no bojo os elementos que a superariam” (SÁ, 1982, p. 71).
Ao final do período populista (década de 1960), estava-se longe ainda da ampliação
do ensino primário, apresentando profundas diferenças entre classes sociais, cidade e campo,
centro das cidades e suas respectivas periferias. Diante das impossibilidades do sistema
escolar em atender a essa massa de desprivilegiados, o populismo permitia e estimulava
forças sociais que, interessadas na superação das contradições, se propõem a educar e a
elaborar uma nova cultura a partir de motivos nacionais e independentes do sistema escolar.
Em relação à educação, nas décadas de 1950 e 1960 diversos projetos existiram e
disputaram espaço político. De maneira geral, todos continuavam acreditando no poder de
transformação social da educação e postulando que a missão da escola pública era modernizar
o Brasil e integrar os setores mais pobres da população. O fim do Estado Novo havia marcado
o reinício das atividades da ABE, que em 1946 já organizou uma nova Conferência Nacional
de Educação23.
Nesse período, chama atenção à luta de educadores vinculados à tradição dos
pioneiros “contra a centralização, a burocratização e a uniformização que haviam tomado
conta do campo da educação” (GOMES, 2002, p. 426). Ao lado disso, eles defenderam a
escola pública para toda a população do país, contra as investidas da iniciativa privada que,
criticando a escola pública por sua ineficiência, pleiteava apoio financeiro do Estado. Na
década de 1950, houve uma série de iniciativas educacionais bem-sucedidas, porém, se
evidenciou uma grande distância entre o que os discursos políticos afirmavam sobre a
importância da educação e o que os governos federais ou estaduais faziam por ela. Sobre isso,
podemos dar o exemplo do Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek, que quase não
contemplou os investimentos sociais em saúde e educação. Em geral, “houve aplicação nessa
área de poucos recursos, e com pouco planejamento, e embora tenha havido um real
crescimento da rede de escolas públicas, ele esteve bem aquém da demanda que deveria
atender” (GOMES, 2002, p. 426).
Observa-se que, em 1957, o Brasil possuía um total de “79.850 estabelecimentos
educacionais em sua dependência. O ensino público primário contava com 77.131 instituições
de ensino. Era 119 a quantidade de unidades escolares de ensino elementar, 2.109 de ensino
secundário e 419 de ensino superior” (MÉLO, 2009, p. 107). Essa realidade equivalia a 85%

23
Nela, as prioridades apontadas foram o ensino primário e normal, o ensino no meio rural e as campanhas de
alfabetização – nenhuma novidade maior, se considerarmos as preocupações que desde os anos 1920 vinham
povoando os diagnósticos sobre educação (GOMES, 2002, p. 425).
51

do total de estabelecimentos de ensino do Brasil, sendo que predominava o número de


instituições de ensino primário, porque havia muitos estabelecimentos de ensino secundário e
superior que a iniciativa privada havia fundado.
Em relação ao número de crianças e jovens escolarizados, referente à população em
idade escolar, sabemos, que entre as décadas de 1940 e 1950, houve um aumento significativo
nas regiões brasileiras. Observamos que esse aumento percentual de alunos matriculados
ocorreu nas diversas localidades, com o predomínio na Região centro-sul. Mélo (2009, p. 109)
apresenta os seguintes dados: “essa Região atingiu, em 1950, 74% de crianças em idade
escolar matriculadas nas escolas primárias, a região norte atingiu cerca de 58%, enquanto, nas
regiões nordeste, a quantidade de alunos matriculados não atingiu 50%”. O que precisamos
entender, é que nesse período a Região sul, além dos atuais estados que a compõem, também
São Paulo e Rio de Janeiro faziam parte desta. Não é à toa que nesta região estavam as
melhores escolas públicas e os maiores índices de alfabetizados, enquanto as outras regiões
apresentavam mais dificuldades, que iam desde a falta de estabelecimentos públicos até
quanto à precariedade dos que já existiam.
Na década de 1950, segundo dados citados por parlamentares e educadores, “apenas
12% dos alunos de ensino primário estavam em escolas particulares, enquanto 60% estavam
no ensino secundário e 58% no ensino superior as frequentavam” (GOMES, 2002, p. 429).
Essa distribuição se devia ao fato de o Estado estar muito menos presente no ensino primário,
menos lucrativo do que nos demais níveis. Essa presença do Estado, resultante de políticas
dos tempos do início da República, não iria ser alterada, sendo necessário ainda aumentar o
número de escolas públicas nos níveis secundário e superior. Em fins de 1950, Gomes (2002,
p. 429), alerta que “50% da população do país ainda eram analfabetos e, para uma população
em idade escolar (7 a 14 anos) de cerca de 12 milhões de crianças, apenas menos da metade
(5.728.000) frequentava as escolas primárias, sendo que a maioria estava na primeira série,
tentando aprender a ler e escrever”. Diante disso, o panorama do ensino público não era de
encorajar, reconheciam os educadores que assinavam o novo manifesto (Manifesto dos
Educadores de 1959 que será abordado no último capítulo da dissertação), mas tornar a escola
pública vilã da história era algo lamentável.
A diminuição da taxa de analfabetismo, no decorrer do século XX, aconteceu,
sobretudo, com o surgimento dos programas governamentais de alfabetização e erradicação
do analfabetismo de jovens e adultos no Brasil, a partir da década de 1960. É importante
destacar, que as taxas de analfabetismo de jovens e adultos no país, nas décadas de 1950 e
1960 eram elevadas, “respectivamente entre 50,6% e 39,7%” (MÉLO, 2009, p. 113). As
52

discussões de intelectuais sobre esse grave problema foram fundamentais para o debate e a
busca de alternativas para reverter o quadro de analfabetismo que persistia no Brasil.
Em 1960, teremos a Campanha em Defesa da Escola Pública em São Paulo.
Justamente, porque o Deputado Carlos Lacerda (UDN) apresentou um substitutivo ao projeto
da LDB, cuja justificativa se concentrava na discussão acerca do princípio da liberdade de
ensino. Essa reação se deu em torno de um movimento que reunia educadores defensores da
escola pública, alguns deles vinham dos tempos da Escola Nova (década de 1930). Do outro
lado, o substitutivo tinha na Igreja Católica o seu maior defensor.
Percebe-se que o debate foi muito importante, não só por envolver questões no campo
da educação, mas também pelo clima político que o Brasil vivia e pela consciência que se
tinha do papel da escola pública numa sociedade democrática. A Lei de Diretrizes e Bases 24
só foi votada após o fim da crise gerada pela renúncia do presidente Jânio Quadros. No final
de 1961, o Congresso Nacional compôs um texto que procurou conciliar as tendências em
disputa, e a lei foi sancionada pelo presidente João Goulart. A LDB introduziu uma orientação
descentralizadora no ensino brasileiro, criando o Conselho Federal de Educação. Diante disso,
a escola pública não perdeu sua posição política central, mas abriram-se canais para que o
Estado pudesse subsidiar com recursos públicos a iniciativa privada.
Nesse episódio, envolveram-se políticos e educadores vinculados à Igreja Católica,
interessada em questões educacionais pelo fato de ser proprietária de uma grande rede de
escolas e por ter sempre lutado contra o princípio do ensino laico nas escolas públicas. Os
colégios católicos, para meninos e meninas, eram caros, embora pudessem oferecer bolsas de
estudo e terem setores voltados para os mais necessitados, como era o caso do ensino
profissional. Todavia, a Igreja Católica, no Brasil e no mundo, estava mudando, de uma forma
lenta e gradual. Em 1952, organizou-se a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A
criação da CNBB foi um marco na história da Igreja no Brasil.
No que se refere à educação, Jânio Quadros acreditava que havia uma diferença entre
as necessidades do ensino no Brasil e o sistema educacional existente; anunciava a pretensão
de combater o analfabetismo, concebido como um dos sintomas “de subdesenvolvimento da
maioria da população brasileira e de privilegiar os ramos técnico e científico, para que o país
também pudesse ser produtor, e não apenas importador de tecnologia” (BARBOSA, 2006, p.
24
A LDB de 1961demorou muito para ser aprovada. A lei que levou treze anos (1948-1961) para ser aprovada já
nascia velha, pois não dava mais conta das muitas transformações pelas quais passara o país. O Brasil dos anos
1960 era urbano e em acelerado processo de industrialização. Os anos 1950, principalmente do governo JK, com
a transferência do centro político do país para o planalto central e a instalação da indústria automobilística no
ABC paulista, colocavam novas exigências para o setor educacional, que a nova lei da educação não levava em
conta (PALMA FILHO, 2005, p.85).
53

203). Entretanto, o “talento” continuava sendo o critério defendido para que os indivíduos
ascendessem aos vários níveis de escolaridade, de acordo com as suas capacidades e aptidões.
De fato, o analfabetismo permanecia como um problema nacional que deveria ser combatido.
Em 21 de março de 1961, através do decreto n. 50.370 foi criado o Movimento de Educação
de Base (MEB), resultado de um acordo firmado entre o Governo Federal e a Igreja Católica.
O MEB, pelo decreto federal, “comprometia-se a executar um plano de alfabetização
que previa a formação de 15 mil escolas radiofônicas entre 1961 e 1965” (GOMES, 2002, p.
431). Na verdade, o grande objetivo do MEB, como de outros movimentos voltados para a
cultura popular – os Centros de Cultura Popular (CPCs) da União Nacional dos Estudantes
(UNE), criados em 1962, era usar a educação de base como meio de despertar a consciência
política dos setores populares, levando-os a uma participação ativa na vida do país. Uma das
razões do sucesso do MEB foi ter adotado o método de alfabetização, criado para adultos pelo
educador católico Paulo Freire 25, chamado de método Paulo Freire26.
Paulo Freire, certamente é um dos maiores nomes da educação no Brasil. Construiu
uma pedagogia que alfabetizava e educava adultos, reconhecendo-os diferentes das crianças.
Em seu método, o ensino começava com uma investigação sobre o universo, em especial de
trabalho, do aluno. Era daí que surgiam os temas, os problemas e as palavras que seriam
objeto de aprendizagem. Ao professor cabia uma seleção e ordenação dessas palavras, mas era
dos alunos que surgiam à pauta de trabalho na sala de aula. Os destinos do MEB e de Paulo
Freire foram deixados de lado com o golpe militar de 1964.
Em 1963, João Goulart propôs a realização de uma campanha para erradicar o
analfabetismo, a elevação dos investimentos para a escola pública, a ampliação da rede física,
o aperfeiçoamento do magistério, o aumento de matrículas e a abertura de “escolas ao
ingresso dos jovens”. Barbosa (2006, p. 205) relata que “o próprio Plano Trienal, no campo
dos objetivos gerais, destacava o seu interesse na pesquisa científica e tecnológica, enquanto a
educação primária era considerada a condição básica para o desenvolvimento econômico e
social”. Com isso, o Governo Federal deveria prestar auxílio aos governos locais que tivessem

25
O momento de inversão da tradição elitista da educação brasileira ficou fortemente identificado com a
pedagogia de Paulo Freire, ou como ele gostava de definir, a “pedagogia problematizadora”, cuja origem está
definitivamente associada à alfabetização de adultos. Os escritos de Paulo Freire dos anos 1950 e 1960 serviram
de base à pedagogia da libertação, que consiste na crença de que o homem tem a vocação de ser sujeito, não
tendo que ser condenado a objeto da história. Todo ato educativo é um ato político: esta é a síntese de todo um
esforço de conscientização pela educação que o método Paulo Freire dissemina não só no Brasil, como em
outros países da América Latina (BOMENY, 2001, p. 58-59).
26
O método Paulo Freire, como se tornou nacional e internacionalmente conhecido, havia sido inicialmente
usado por outro motivo que atuara em Recife durante a prefeitura de Miguel Arraes: o Movimento de Cultura
Popular (MCP). (GOMES, 2002, p. 431).
54

insuficiência de recursos para promover o ensino público. João Goulart incorporou os


discursos que relacionava os problemas educacionais às reformas de base.
Diante do que foi colocado até o momento, concluímos que além da permanência do
quadro de evasão escolar, em função das condições precárias que a grande maioria da
população brasileira se encontrava, as intervenções realizadas por parte do Governo Federal
aumentando os recursos para a educação pública foram pontuais. Essa constatação fica mais
evidente se considerarmos a abrangência dos problemas relativos à educação, se confundindo
com o discurso político que dizia ter como objetivo principal melhorar as políticas sociais
pela via de um projeto de desenvolvimento econômico para o Brasil.

1.5 A Constituição de 1946: embates políticos relativos à educação

Nesse tópico, discutiremos os embates políticos presentes no processo de elaboração


da Constituição Federal de 1946 em relação à educação. A Constituição de 1946, de acordo
com Oliveira (2001, p. 164), “é limitada em relação a uma série de questões fundamentais
para construir uma sociedade democrática, mas é preciso reconhecer que foi sob sua vigência
que vivemos quase vinte anos de democracia”. O Brasil vinha de um período conturbado
(1930-1945), onde tivemos ganhos na área educacional (criação do Ministério da Educação) e
perdas com a instalação do Estado Novo (1937-1945), quando Getúlio Vargas governou o
país como um ditador.
Os artigos referentes à educação na Constituição de 1946 estão inseridos no Capítulo
II, título VI: “da educação e da cultura, constituído de sete artigos referentes à educação –
artigos 166, 167, 168, 169, 170, 171 e 172 e três à cultura de modo geral, incluindo as
ciências, as letras e as artes – artigos 173, 174 e 175” (OLIVEIRA; PENIN, 1986, p. 271).
A Constituição de 1946 faz ressurgir o tema da educação como direito de todos (Art.
166). Não há, porém, um vínculo direto entre esse direito e o dever do Estado em um mesmo
artigo. A Constituição afirmava que “o ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos
Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as que o regulam” (Art. 167).
Outro aspecto que destacamos é a determinação de que “o ensino primário oficial é gratuito
para todos: o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou
insuficiência de recursos” (Art. 168, II).
55

É a primeira vez que a expressão ensino oficial aparece em um texto constitucional.


De acordo com Vieira (2007, p. 300), o registro tem sentido, “por colocar um elemento
adicional de diferenciação entre ensino ‘ministrado pelos Poderes Públicos’ e aquele ‘livre à
iniciativa particular’”. Existe outro aspecto, que precisamos destacar com referência ao termo
ensino oficial, que nesse período era o ensino financiado pelo Estado, ou seja, a escola
pública. Parece colocar-se aqui a possibilidade do ensino oficial não gratuito, pois a
Constituição de 1946 estabelece que a instrução subsequente à primária somente seja gratuita
para aqueles que “provarem falta ou insuficiência de recursos”.
Em relação à educação, o ponto mais polêmico foi o do ensino religioso, de matrícula
facultativa nos estabelecimentos oficiais, que extrapola o âmbito educacional e se insere na
relação entre o Estado e a Igreja Católica. O texto aprovado é assim redigido: “o ensino
religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, de matrícula facultativa e será
ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada, por ele, se for capaz,
ou pelo representante legal ou responsável” (Art. 168, V).
A oposição a este ensino utilizava dois tipos de argumentos. Primeiro, que a República
separou o Estado da Igreja e o ensino religioso na escola pública seria um retrocesso em
relação ao lema republicano da “Igreja Livre num Estado Livre”. Nas palavras de Oliveira
(2001, p. 166) “o ensino de religião seria tarefa dos templos e da família, não da escola”. Já o
segundo argumento era que a postura contrária ao ensino de religião partia da certeza de sua
aprovação. Concordamos com Oliveira (2001, p. 167), quando o autor defende que “tal ensino
deveria ser ministrado fora do horário normal de aula, sem ônus para os cofres públicos”.
Quando já estava claro que o ensino de religião de matrícula facultativa seria
aprovado, surge a tentativa de impedir a sua implantação. Oliveira descreve um trecho
importante sobre o assunto no seu texto27, quando diz que nessa linha se insere a emenda
proposta pelo senador Hermes Lima (UDN – DF), formulada nos seguintes termos:

27
OLIVEIRA, Romualdo Portela de. A Educação na Assembleia Constituinte de 1946.
56

O ensino público será leigo. Nas escolas primárias será permitido o ensino religioso
de frequência facultativa, embora dentro do horário escolar. O que venho reivindicar
– e peço a atenção (...) para isso – é que se diga, no texto, a respeito do ensino
religioso, simplesmente isto: o ensino público, ou o ensino oficial será leigo. Esse
(...) o princípio republicano, que católicos e não católicos, temos de reconhecer,
porque o Estado é separado da Igreja. A Constituição declara que o ensino oficial
será leigo. Pergunto eu: haverá quem segue esse princípio republicano? Não há, não
pode haver, nesta Assembleia quem possa levantar-se para afirmar que o ensino é
oficial não é leigo. Dizia-se (...) e com razão, que se ficasse no texto da Constituição
apenas consagrado que o ensino oficial seria leigo, estaria proibido o ensino
religioso nas escolas. Essa interpretação, realmente, é correta. Era assim na vigência
da Constituição de 1891 (2001, p. 170-171).

Observamos com isso, que o sentido dessa emenda é duvidoso. Só teria sentido repetir
a Constituição de 189128, se o ensino de religião não fizesse parte do currículo da escola
oficial. Esta foi à interpretação que se tornou comum da Carta de 1891. Todavia, se em
seguida se faculta o ensino de religião, o objetivo é que a religião não seja o princípio
organizador do currículo escolar, nos termos defendidos. O seu efeito prático não tem sentido.
A interpretação que se deu à Constituição de 1891 estaria prejudicada, se, em seguida, a
emenda facultasse o ensino da religião. Se o seu objetivo era evitar que se obrigasse ao
professor público dar aula de ensino religioso, “o caminho mais tranquilo seria o de apresentar
uma emenda nesses termos, mais fácil de ser aprovada do que a apresentada, carregada de um
inequívoco sentido histórico contrário ao ensino religioso” 29 (OLIVEIRA, 2001, p. 172).
O debate entre os que defendiam a escola pública e os que defendiam a escola privada
extrapolou o tempo que durou a Constituinte, tendo discussões posteriores sobre a Lei de
Diretrizes e Bases, até sua promulgação em 1961, como pode ser conferido no anteprojeto da
LDB apresentado por Clemente Mariano, Ministro da Educação em 1948, que em linhas
gerais defendia o ensino público e, posteriormente, do substitutivo de Carlos Lacerda que
defendia o ensino privado. Ainda hoje, este é um tema que aparece com frequência no debate
das questões referentes à educação.
Tanto a questão da responsabilidade pelo ensino à iniciativa privada (Art. 167), quanto
à questão da responsabilidade dividida entre a família e os poderes públicos na educação das
crianças (Art. 166), levantam a polêmica nos debates constitucionais do tema do ensino laico

28
Caracterizada pela separação entre Estado e Igreja, a Constituição de 1891 traz como grande inovação a
laicidade do ensino, ao dispor que seria “leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” (VIEIRA,
2007, p. 296).
29
O artigo 133 da Constituição de 1937 é um exemplo: O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria
do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de
obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos (OLIVEIRA, 2001,
p. 172).
57

versus ensino privado. Historicamente falando, Oliveira e Penin (1986, p. 275) nos colocam
que “defender o ensino particular tem significado defender o ensino religioso já que, pelo
menos até o momento da Constituinte de 1946, a escola particular foi quase sinônimo de
escola religiosa”. Essa afirmação vem mudando, e na atualidade, o debate da escola particular
não passa apenas pelo debate da escola confessional. Entretanto, a questão do ensino religioso
versus ensino laico pode ser discutida a partir de outro ângulo: o da presença da disciplina de
ensino religioso no currículo das escolas públicas.
O que destacamos é que, desde o início do século XX, a escola pública vinha
crescendo. Os defensores do ensino religioso na formação das crianças, conscientes de que o
aumento do número de escolas públicas os afastaria de uma influência naquela formação,
lutaram para manter o ensino de religião no currículo da escola pública. Essa luta era
vitoriosa, só para citar como exemplo, primeiro com a reforma de Francisco Campos em 1931
e, depois, no texto da Constituição de 1934, quando o ensino religioso passou a ser incluído
no currículo escolar.
Sendo obrigação do Estado tornar efetivo o direito de todos os brasileiros à educação
posterior à primária, facultativa ou não obrigatória, parece lógico que nenhuma despesa
pública, dentro do mínimo estabelecido, se poderá fazer com a educação posterior à primária,
antes que se tenha dado cumprimento ao dever constitucional de oferecer a todos tal
educação. Essa compreensão do disposto na Constituição estabelece o dever solidário da
União, dos Estados e dos Municípios no cumprimento dessa obrigação constitucional
prioritária, ou seja, a de oferecer educação primária a todos os brasileiros.
O estabelecimento desse mínimo obrigatório liga-se ao dever público com a educação,
segundo Teixeira, que é o do ensino primário, proclamado direito e dever de todos os
brasileiros e acrescenta:

Não se poderia, pois, discutir a legitimidade da intervenção da lei federal para


determinar as condições do cumprimento conveniente e adequado de tal dever, a ser
solidariamente cumprido pelas três ordens administrativas do Estado brasileiro. O
estabelecimento de condições apropriadas ao desenvolvimento de um sistema de
educação primária para todos os brasileiros, a ser mantido pelas três ordens
administrativas da Federação, importa em problema de ordem prática, a ser
resolvido à luz da natureza do processo educativo elementar ou primário e do
melhor modo de promovê-lo satisfatoriamente (1996, p. 67).
58

Outra questão que ocupou muito espaço nos debates Constituintes foi a da
responsabilidade de cada ente federativo para com a educação. Alguns entendiam que a
função educativa devia estar a cargo do município; outros defendiam que a competência da
União, admitindo-se que esta definia o que cabia a cada um dos outros níveis da
administração pública e havia aqueles que julgavam que a responsabilidade pelo ensino
primário e secundário era estadual, já fazendo parte da tradição jurídica brasileira, que era a
posição que prevalecia, permitindo-se à União “ação supletiva nos estritos limites das
deficiências locais” (OLIVEIRA, 2001, p. 184). A polêmica era se o município teria ou não
um sistema educacional próprio e autônomo em relação ao dos demais níveis da
administração.
Outro ponto que merece destaque na Carta Constitucional de 1946 é a vinculação de
recursos para a educação, estabelecendo que “a União deva aplicar nunca menos de 10% e
Estados, Municípios e Distrito Federal, nunca menos de 20% das receitas resultantes de
impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino” (Art. 169). Ainda em relação à
questão financeira, é de observar que a União deve colaborar com o desenvolvimento dos
sistemas de ensino, prestando “auxílio pecuniário, que no caso do ensino primário, provirá
respectivo Fundo Nacional” (Art. 171, parágrafo único).
Na organização da educação mantém-se a orientação de que os Estados e o Distrito
Federal organizem seus “sistemas de ensino” (Art. 171), cabendo à União organizar o
“sistema federal de ensino e o dos Territórios, tendo esse um caráter supletivo, estendendo-se
a todo o País nos estritos limites das deficiências locais” (Art. 170). Com isso, percebemos
que prevalece a organização escolar que remonta à origem das primeiras determinações legais
sobre a administração da educação, características que permanecerão ao longo da construção
de um sistema de ensino no Brasil.
Resumidamente, em relação ao que foi aprovado, vimos que o artigo 166 incorpora a
responsabilidade do Estado para com a Educação, apesar de não atribuir esta responsabilidade
ao Estado. O artigo 167 definiu a responsabilidade do Estado pelo Ensino, mantendo-se aberta
a possibilidade da iniciativa privada organizar suas escolas. O artigo 168 tratou dos princípios
que deviam nortear a legislação do ensino, como ensino primário obrigatório, oficial e
gratuito, ensino religioso facultativo para os alunos.
Por fim, o artigo 169 tratou da vinculação dos recursos do sistema tributário para a
manutenção e desenvolvimento do ensino (no mínimo 10% da União e 20% dos estados,
Distrito Federal e municípios). Porém, chamamos a atenção que não se especificou se a
aplicação desses recursos seria feita somente no sistema oficial de ensino ou se poderia ser
59

utilizado como subsídio às escolas privadas, o que seria feito depois no processo de discussão
e aprovação da LDB. Outro problema foi à definição do que se entendia por despesas
educacionais, que Oliveira e Penin (1986, p. 282) explicam que “certas interpretações
permitiam computar-se como despesa educacional os gastos com alimentação dos alunos e as
despesas educacionais das Forças Armadas”.
O debate da Constituinte a respeito da educação não fez referência, por exemplo, aos
problemas como o analfabetismo de mais de 50% da população. O principal do debate sobre
educação foi dedicado à questão do ensino público e do ensino privado, muitas vezes
retomando com outra visão o tema da relação entre o Estado e Igreja Católica, particularmente
o que se refere ao ensino de religião nas escolas públicas. Outro tema que resultou em
diversos debates foi sobre a “liberdade de ensino”.
Esse tema tomava como ponto de partida o direito da família escolher o tipo de
educação que julgasse mais adequado a seus filhos, e, portanto, o Estado deveria garantir as
condições para que isso se efetivasse. Tal argumento encobria que mesmo o Estado
garantindo a manutenção da escola privada via subsídio, a gratuidade para o aluno não era
uma consequência direta. Ainda que levemos em conta as eventuais ofertas de bolsas de
estudo como contrapartida desse subsídio, seu número seria inferior ao total de vagas
oferecidas pelas escolas particulares. Dessa forma, esse não era um argumento a favor de
liberdade de escolha da família, mas sim do subsídio à escola particular.
Do que afirmamos nos parágrafos anteriores, percebemos que o debate educacional se
pautou menos por uma reflexão sobre os problemas educacionais da época e mais por
alinhamentos ideológicos amplos, como por exemplo, o entendimento acerca das relações
entre a Igreja Católica e o Estado. Podemos, com isso, concluir que o debate da Constituição
de 1946 no que diz respeito à educação, apesar de retomar vários pontos importantes já
consagrados na Constituição de 1934 e modificados na Constituição de 1937, levou para a
discussão da Lei de Diretrizes e Bases as principais definições de uma política educacional
para o Brasil.

1.6 Lei de Diretrizes e Bases da Educação: projetos em disputas

No tópico referente à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, procuraremos


problematizar o ambiente da formação da comissão que deu início à discussão do anteprojeto
60

da LDB, também, destacaremos alguns acontecimentos pertinentes que ocorreram ao longo da


tramitação (1948-1961) e por fim, analisaremos os projetos em disputas diante desse debate.
O projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação decorreu da exigência do art. 5,
XV, da Constituição Federal de 18 de setembro de 1946. Para dar cumprimento a esse
dispositivo constitucional, que concedeu à União competência para fixar as “diretrizes e bases
da educação nacional”, o Ministro da Educação, Clemente Mariani (UDN), constituiu uma
comissão composta por educadores de variadas tendências. A referida comissão foi instalada
em 29 de abril de 1947. Dos trabalhos da comissão resultou um anteprojeto de lei que,
alterado em alguns aspectos pelo ministro, deu origem ao projeto de Lei de Diretrizes e Bases
da Educação. O referido projeto foi encaminhado pelo presidente da República à Câmara
Federal, em 29 de outubro de 1948. Em 8 de dezembro foi remetido ao Senado para ser
submetido à apreciação da Comissão Mista de Leis Complementares, onde foi indicado
relator o deputado Gustavo Capanema (PSD). Em longo parecer emitido, em 14 de julho de
1949, Capanema sugeriu seu arquivamento, pois o documento deveria, na sua fala, ser
reescrito.
Em 17 de julho de 1951, a Câmara solicita o desarquivamento do projeto, e o Senado
responde que o processo havia sido extraviado, com isso determina a reconstituição do
processo. Desarquivado o projeto, o processo tramita na Comissão de Educação e Cultura por
cerca de cinco anos e meio. Por isso, apenas na reunião de 14 de novembro de 1956 é
apresentado o relatório da subcomissão encarregado de estudar o projeto das Diretrizes e
Bases. Finalmente, na sessão do dia 29 de maio de 1957, inicia-se, no plenário da Câmara, a
discussão do projeto.
Com isso, observamos que, desde a sua entrada no Congresso, o projeto original das
Diretrizes e Bases da Educação esbarrou nas forças representadas pelas diferentes posições
partidárias que tinham lugar no Congresso Nacional. Oriundo de uma comissão cujo relator,
Almeida Júnior, era filiado à UDN e encaminhado ao Congresso por um ministro, também da
UDN, enfrentou as críticas do bloco majoritário no Parlamento. Assim é que o líder do PSD,
com o apoio de sua bancada, que era majoritária, “fulmina o projeto taxando-o de infeliz,
inconstitucional e incorrigível, enquanto os deputados da UDN se empenham na defesa do
mesmo, acusando Capanema de boicote à proposta” (SAVIANI, 1999, p. 36).
O projeto de discussão que havia iniciado no plenário da Câmara no final de maio de
1957, já não era o mesmo que deu entrada na Câmara em 29 de outubro de 1948. Na verdade,
o projeto original chegava ao Plenário cheio de emendas. De fato, consistia, numa versão
61

decorrente das modificações aprovadas pela Comissão de Educação e Cultura. Naquela altura,
o primeiro projeto já havia perdido muito da sua organicidade e coerência inicial.
As primeiras divergências surgiram de uma crítica dos escolanovistas à
descentralização do ensino. Porém, o auge do acirramento dos ânimos ocorreu quando o
deputado Carlos Lacerda, representante dos interesses privatistas, deslocou a discussão para o
aspecto da “liberdade de ensino”. Em 1959, Lacerda apresentou um substitutivo defendendo a
iniciativa privada, por considerar competência do Estado o suprimento de recursos técnicos e
financeiros e a igualdade de condições das escolas oficiais e particulares. Esse substitutivo
baseava-se nas teses do III Congresso Nacional dos Estabelecimentos Particulares de Ensino,
ocorrido em 1948. O substitutivo Lacerda, em termos gerais, defendia:

Art. 3 – A educação da prole é direito inalienável e imprescritível da família.


Art. 4 – A escola é fundamentalmente prolongamento e delegação da família.
Art. 5 – Para que a família, por si ou por seus mandatários, possa desobrigar-se do
encargo de educar a prole, compete ao Estado, oferecer-lhe os suprimentos de
recursos técnicos e financeiros indispensáveis, seja estimulando a iniciativa
particular, seja proporcionando ensino oficial gratuito ou de contribuição reduzida.
(SAVIANI, 1999, p. 54-55).

Partia-se, portanto, do direito da família e da liberdade do ensino para se opor a um


pretenso monopólio deste pelo Estado. Enfim, estimava-se reivindicar igualdade de condições
para o ensino privado e público, tanto no que se referia à direção geral do ensino e aos estudos
realizados, quanto à distribuição de verbas para a educação. O financiamento da educação era
o aspecto central do problema: a iniciativa privada estava reivindicando para si a prioridade
de ação e de proteção por parte do Estado. Para tanto, ela se opunha que este exercesse a sua
função democrática, que era a de fornecer educação ao povo, educação que, sendo pública,
seria gratuita, e como tal, entraria em condições favoráveis na competição com as escolas
privadas.
As forças conservadoras, as mesmas que temiam a democratização da vida nacional,
lutavam pelo ensino privado. O ensino público, sendo obrigatório e gratuito, era também
democrático e possibilitava, de um lado, às camadas populares, uma via de acesso à
participação na vida econômica; de outro lado, acenava com a possibilidade de participação
política mais consciente em círculos mais amplos, o que poderia minar pela base, o
sustentáculo político das velhas elites. Por isso temiam a democratização do ensino.
62

Logo após a apresentação do substitutivo Lacerda, várias publicações surgem em


revistas e jornais, algumas diretamente relacionadas à defesa do ensino privado e outras em
defesa do ensino público, seja para elogiá-lo ou para combatê-lo. Ainda, algumas sem se
referirem ao substitutivo, continuavam a expor razões na defesa da escola pública ou privada.
Como era de se esperar, o substitutivo Lacerda teve muitos defensores, entre eles, os
representantes da Igreja Católica. O padre Irineu Leopoldino de Souza 30 compara o
substitutivo da Comissão de Educação e Cultura com o de Carlos Lacerda, optando por esse
que era, em sua opinião, “o melhor trabalho já apresentado ao Congresso Nacional”, enquanto
o da Comissão, “além de inspirar-se numa falsa visão da natureza humana, não passa em
última instância de mais uma das tantas portarias minuciosas, partindo do pressuposto de que
é preciso prever tudo, fixar tudo” (BUFFA, 1979, p. 39). Ao comparar os dois substitutivos,
defende a excelência do substitutivo Lacerda, considerando que possuía uma “sobriedade
inimitável”, e se ressente de sua rejeição pela Comissão de Educação e Cultura.
Por outro lado, uma análise dos motivos dos ataques que vinha sofrendo a escola
pública brasileira é feita por Jayme Abreu31. Ao enumerar os episódios ilustrativos da
Campanha contra a escola pública, afirma que essa batalha foi “desencadeada por interesses
de grupos, os mais conservadores do país, com o objetivo de defender seus privilégios contra
a virtualidade de ascensão das massas populares à vida nacional” (BUFFA, 1979, p. 40).
Na verdade, o que os católicos criticavam era o tema republicano da laicidade do
ensino e, desse modo, representavam as forças conservadoras, por defenderem uma posição
elitista: sob a temática da “liberdade de ensino”, de fato retardavam a democratização da
educação. Em oposição a essa tendência reacionária, posicionaram-se os “Pioneiros da
Educação Nova” que, apoiados por intelectuais, mobilizaram-se novamente, e assinaram um
segundo Manifesto passando para a história da educação brasileira, como “Manifesto dos
Educadores Mais uma Vez Convocados”.
Dois anos antes de ser apresentado o substitutivo de Carlos Lacerda no Congresso
Nacional, ou seja, em 1956, o debate entre defensores da escola pública e defensores da

30
Era dotado de grande talento e espírito empreendedor. Ocupou o cargo de Procurador na Inspetoria Salesiana
de São João Bosco. Também, foi Secretário Geral da Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil. Faleceu em
28 de setembro de 2004 (FREITAS, 1997, p. 74).
31
Nasceu em Salvador no ano de 1909, médico por formação, iniciou sua trajetória pedagógica em 1931 quando
foi nomeado Inspetor Federal do Ensino em Salvador, cargo no qual desenvolveu estudos na área da educação e
que lhe conferiu amplo conhecimento no assunto. Sua aproximação com Anísio Teixeira se deu na Secretaria de
Educação do Estado da Bahia onde estabeleceram estreitos laços de amizade e afinidade intelectual. Quando
ocorreu a posse de Anísio como Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) em 1952, Jayme
Abreu foi transferido para o Rio de Janeiro integrando a equipe de Anísio Teixeira onde consolidou sua
participação no projeto educacional do INEP e mais especificamente do CBPE – Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (BERETA et al. 2013, p. 2).
63

escola particular já dava mostras de que a guerra ideológica se acirraria. Entre 1950 e 1960, a
rede pública de ensino cresceu substancialmente, tornando-se um patrimônio que os setores
sociais mais democráticos não mediram esforços para defender. Por outro lado, os
empresários do ensino, os donos das escolas particulares, na falta de uma bandeira para
lutarem pelo ensino privatizado, utilizavam-se da Igreja Católica, que lhes forneceu os velhos
argumentos da “liberdade de ensino” e do “direito da família na educação dos filhos”.
O episódio, que aprofundou o conflito entre os defensores do ensino público e os
partidários da escola privada, ocorreu em novembro de 1956. O padre deputado Fonseca e
Silva, em discurso no Congresso Nacional, atacou Anísio Teixeira e Almeida Júnior,
acusando-os de desejarem destruir as escolas confessionais. A partir daí, o debate extrapolou
os espaços do Congresso e ampliou-se para a sociedade civil. Várias entidades se envolveram
no conflito, como a Igreja, os pioneiros, os órgãos de imprensa, tomando posições diferentes.
Assim, a Campanha de Defesa da Escola Pública, desencadeada em 1959, colocou o jornal O
Estado de S. Paulo ao lado de educadores progressistas e até mesmo dos socialistas. Diante
do substitutivo Lacerda, cuja aprovação era uma ameaça à escola pública, educadores de
várias tendências desencadearam a Campanha de Defesa da Escola Pública em 1960.
Em 29 de março de 1958, os bispos do Rio Grande do Sul, sob a liderança de Dom
Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, dirigiram à Presidência da República um
memorial tecendo críticas a Anísio Teixeira e ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
(INEP), com o intuito de obter o seu afastamento da direção do órgão. Em resposta ao
Memorial dos Bispos, como ficou conhecido, 529 intelectuais, educadores, cientistas e
professores reconhecidos em todo o país lançaram um abaixo-assinado protestando contra o
memorial e tomando a defesa de Anísio Teixeira, que foi mantido no cargo por Juscelino
Kubitschek.
Nessa situação, Dom Scherer apresentava-se como porta-voz das escolas confessionais
do Rio Grande do Sul, assim como um dos mais ferrenhos contestadores das ideias de Anísio
Teixeira em nível nacional. Nas palavras de Esquinsani,

Scherer expressava-se abertamente, defendendo as posições da Igreja como guardião


da liberdade de ensino e da escola livre (ou escola privada), lançando contra Anísio
Teixeira uma série de acusações, que iam desde o fato de, supostamente, o educador
baiano estar “ameaçando o direito da família de escolher a educação dos filhos” até
abraçar livremente posições marxistas (comunistas), contrárias à fé e à Igreja
Católica (2002, p. 46).
64

O sentido dado à palavra Igreja no contexto do debate pode parecer inadequado haja
vista que setores da própria Igreja Católica manifestarem-se em defesa de Anísio Teixeira,
juntamente com outros setores da intelectualidade e da política nacional. Contudo, Scherer
utilizava a palavra Igreja como uma instituição consensual em relação ao “caso Anísio
Teixeira”, dando a entender que possuía autorização para fazê-lo, pelo menos em nome da
“cúpula” da instituição.
O Memorial dos Bispos Gaúchos, além de ser a primeira declaração oficial da Igreja
naquele momento, movimentou todo o país e chegou mesmo a abalar a situação de Anísio
Teixeira no INEP. As acusações mais pesadas contra Anísio Teixeira vieram do Memorial dos
Bispos Gaúchos, “que encarnava um caráter de denúncia, alertando o mandatário sobre o
perigo que o Estado brasileiro corria por ter em seus quadros funcionários como Anísio
Teixeira” (ESQUINSANI, 2002, p. 97). Inicialmente, Scherer referia-se ao fato de Anísio
estar hostilizando a iniciativa particular no campo da educação, o que feriria a Carta
Constituinte de 1946, que previa ser a educação livre à iniciativa particular. Tal hostilização,
na visão dos católicos, pretendia a escola única, visto que acabando com a escola privada na
educação e abrindo-se espaço para o monopólio da educação pelo Estado, chegar-se-ia à
revolução social através da escola, o que colidia com a “tradição brasileira”.
O mais impressionante era que os privatistas chegaram a dizer que “Anísio queria
roubar da família o direito de escolher a educação que melhor convinha aos seus filhos ao
pregar o monopólio estatal da educação e a escola única” (ESQUINSANI, 2002, p. 97-98).
Também, alegavam que Teixeira queria fazer a revolução social através da escola, dentro de
suas supostas concepções socialistas.
Diante de todo esse contexto, a Campanha em Defesa da Escola Pública foi organizada
na I Convenção Estadual em Defesa da Escola Pública em maio de 1960, no estado de São
Paulo. Depois de realizada a convenção, do ponto de vista da filosofia da educação, pode-se
dizer que três grupos dirigiram a Campanha de Defesa da Escola Pública. O primeiro grupo
girou em torno de Anísio Teixeira e inspirava-se no ideário liberal e na filosofia pragmatista
de John Dewey32. O segundo grupo, de Roque Spencer Maciel de Barros e João Villa Lobos,
dentre outros, pautava-se pelas diretrizes de um ideário de cunho mais conservador. Por isso,
Saviani coloca que

32
Filósofo e pedagogo norte-americano. É reconhecido como um dos fundados da escola de filosofia
pragmatista. Também, foi representante do movimento da educação progressiva norte-americana durante a
primeira metade do século XIX.
65

[...] para este segundo grupo, a educação firmava-se como um direito do homem,
em termos absolutos, independentemente das possibilidades históricas da sociedade.
Para o primeiro grupo uma definição de ser humano e um conjunto teórico a respeito
de direitos do homem importava bem menos; o que importava era a prática
pedagógica e as possibilidades de promover uma educação pública de acordo com as
aspirações históricas de modernização do país e de avanço e consolidação da
democracia (2011, p. 289).

Para o terceiro grupo (socialistas), tratava-se apenas de instituir uma escola capaz de
“socializar a cultura para as classes trabalhadoras”. O próprio Florestan Fernandes, principal
líder desse grupo, em 1960, colocou a público que a luta não era por princípios socialistas,
mas apenas por conquistas já alcançadas nos países capitalistas mais avançados. A Campanha
em Defesa da Escola Pública polarizou o debate entre vários grupos que se expressavam
através de jornais, livros e periódicos.
Voltando sobre a questão da Lei de Diretrizes e Bases, analisaremos alguns pontos
importantes, fazendo uma comparação entre o projeto inicial (1948), o substitutivo de Carlos
Lacerda (1959) e o projeto final (1961). Assim, o título que trata “Do direito à educação”
estabelecia no projeto original a responsabilidade do poder público de instituir escolas de
todos os graus, garantindo a gratuidade imediata do ensino primário e estendendo-a aos graus
ulteriores e mesmo às escolas privadas. “Já o substitutivo Lacerda define que a educação é
direito da família, não passando a escola de prolongamento da própria instituição familiar. Ao
Estado cabe oferecer recursos para que a família possa desobrigar-se do encargo da educação”
(SAVIANI, 2004, p. 19). O texto da Lei nº 4.024/61 conciliou os dois projetos, garantindo à
família o direito de escolha sobre o tipo de educação que devia dar a seus filhos e
estabelecendo que o ensino fosse obrigação do poder público e livre à iniciativa privada.
No título “Da administração da educação”, no projeto original estabelecia que a
educação fosse matéria de competência do Estado, ao qual caberia garantir, nos termos da lei,
o direito à educação. O título equivalente foi denominado, no substitutivo Lacerda, de
“Competência do Estado em relação ao ensino” e estabelecia que competia ao Estado “dar,
quando solicitada, assistência técnica e material às escolas”, cabendo-lhe “fundar e manter
escolas oficiais” apenas em “caráter supletivo nos estritos limites das deficiências locais”. O
texto da Lei nº 4.024/61 manteve o título “Da administração do ensino”, mas se limitou a
afirmar que “o Ministério da Educação e Cultura exercerá as atribuições do Poder Público
Federal em matéria de educação”, cabendo-lhe “velar pela observância das leis do ensino e
pelo cumprimento das decisões do Conselho Federal de Educação” (SAVIANI, 2004, p. 20).
66

Os demais artigos desse título cuidam de regular a constituição e atribuições do CFE


prevendo, o último artigo, a criação dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE).
Finalmente, o título “Dos recursos para a educação” regula no projeto original a
aplicação de recursos para o desenvolvimento do sistema público de ensino, enquanto que o
substitutivo Lacerda estabelecia que além dos recursos destinados ao ensino oficial, “o Fundo
Nacional do Ensino Primário, o do Ensino Médio e do Ensino Superior proporcionarão
recursos, previamente fixados, para a cooperação financeira da União com o ensino de
iniciativa privada em seus diferentes graus” (SAVIANI, 2004, p. 21). Em seguida, instituiu a
cooperação financeira tanto da União como dos Estados e Municípios que passariam a
financiar, com recursos públicos, a iniciativa privada em matéria de ensino. O texto da Lei nº
4.024/61 estabelecia que os recursos públicos deveriam ser “aplicados na manutenção e
desenvolvimento do sistema público de ensino”. Em seguida, regula a concessão de bolsas
bem como a cooperação financeira da União com Estados, Municípios e iniciativa privada sob
a forma de prédios escolares e respectivas instalações e equipamento.
Cumpre registrar que outra tendência também se esboçou na fase final da tramitação
do projeto. Essa considerava insuficientes todas as propostas até então formuladas, porque
não dava atenção à vinculação da educação ao desenvolvimento brasileiro. A base ideológica
dessa posição era o nacionalismo desenvolvimentista, que vinha se difundindo e, a partir de
1959, já prenunciava a hegemonia, embora efêmera, de que iria desfrutar junto ao aparelho
governamental nos anos iniciais da década de 1960.
Promulgada em 20 de dezembro de 1961, a Lei nº 4.024, a primeira LDB do Brasil,
entrou em vigor em 1962, conforme estipulado em seu último artigo: “Esta lei entrará em
vigor no ano seguinte ao de sua publicação, revogadas as disposições em contrário” (Art.
120). Na vigência da lei, a primeira providência tomada foi à instalação do Conselho Federal
de Educação (CFE), o que ocorreu em 1962. A composição do órgão contou com Anísio
Teixeira. Também foi Teixeira quem cuidou, ainda em 1962, da elaboração do Plano
Nacional de Educação, previsto no 2º parágrafo do artigo 92 da LDB. O Plano por ele
proposto foi aprovado pelo CFE em 12 de setembro de 1962.
Por fim, na avaliação de Anísio Teixeira, embora a LDB tenha deixado muito a desejar
em relação às necessidades do Brasil na conjuntura de sua aprovação, considerou uma vitória
a orientação liberal, de caráter descentralizador, que prevaleceu no texto da lei. A aspiração de
educadores, que desde a década de 1920 vinham defendendo a autonomia dos estados e a
descentralização do ensino, prevaleceu na LDB. Eis aí o sentido fundamental de sua
afirmação pela qual a aprovação das diretrizes e bases da educação significou “meia vitória,
67

mas vitória33”. A vitória só não foi completa em razão das concessões feitas à iniciativa
privada, deixando, com isso, de referendar um ponto importante defendido pelos Pioneiros da
Educação Nova: a reconstrução educacional pela via da construção de um sólido sistema
público de ensino.

33
Depois de aprovada a LDB em 1961, Anísio Teixeira coloca que esta lei foi considerada uma “meia vitória,
mas vitória”. Vamos ver o que na visão de Teixeira significa esta questão: é na escola que se trava a última
batalha contra as resistências de um país à mudança. Com efeito, a vitória maior da Lei de Diretrizes e Bases está
no novo conceito, no novo status dessa lei. Trata-se de uma lei complementar à Constituição e não de uma
simples lei federal, que regulasse as funções do governo federal em educação. Leis federais de ensino haverá,
além desta, mas, para regular o sistema federal de ensino, os estabelecimentos federais de educação. A Lei de
Diretrizes e Bases é uma lei federal, sui-generis, à maneira do Código Civil, do Código Comercial, entre outros,
destinada a regular a ação dos Estados, dos Municípios, da União e da atividade particular no campo do ensino.
Quem vai proceder aos atos complementares para execução da Lei de Diretrizes e Bases são os Estados e não o
poder federal. Este poderá fazer a sua lei federal reguladora de seu sistema federal de ensino, mas os Estados é
que terão agora de fazer suas leis estaduais de diretrizes e bases, fundadas nas Diretrizes e Bases Nacionais, e
não federais, para a criação dos sistemas estaduais de educação. Se persistirem os hábitos da imposição do
governo federal e os hábitos de dependência dos Estados, tudo poderá perder-se, vencendo a máquina
administrativa, que ainda aí está todo o extraordinário que representaram os treze anos de luta por essa lei de
meia-vitória, mas, de qualquer modo, de vitória contra a centralização e o totalitarismo do Estado Novo
(TEIXEIRA, 1962, p. 222-223).
68

2 PÚBLICO VERSUS PRIVADO: CONFRONTO ENTRE CATÓLICOS E LIBERAIS


NAS REVISTAS VOZES E ANHEMBI

A proposta desse capítulo é trabalhar a concepção de público e privado, através da


Revista Vozes e da Revista Anhembi. Para isso, o capítulo se dividirá em quatro tópicos: no
primeiro, daremos uma ênfase à Contextualização do debate – retomada do problema; no
segundo, buscaremos estudar a Educação – função do Estado ou da família; no terceiro,
iniciaremos o debate sobre as Críticas feitas por católicos aos liberais, e no quarto,
levantaremos as Críticas dos liberais aos católicos em meio ao debate da escola pública
versus escola privada.

2.1 Contextualização do debate: retomada do problema

Nesse tópico, discutiremos como surgiram as duas Revistas que serão a fonte de
pesquisa de todo o capítulo dois da dissertação. Em termos gerais, a Revista Vozes defendia a
escola privada, enquanto a Revista Anhembi era defensora da escola pública. Para fins de
clareza metodológica, apresentaremos um quadro explicativo com os personagens, suas
respectivas biografias e o número de artigos que cada um escreveu, ora em favor da escola
pública, ora em favor da escola privada.
Em 1907, Frei Inácio Hinte34 decidiu criar uma revista católica, dando início a Revista
Vozes, cujo objetivo era disseminar os ideais católicos no Brasil. Nos primeiros anos da
Revista, publicaram-se artigos de temas religiosos, poesia e questões que eram analisadas por
intelectuais católicos. Até os anos 1940, a Vozes de Petrópolis foi a “única revista da elite
intelectual católica”. Essa expressão se deve ao fato de que havia muitas divergências e
ataques mútuos entre a Revista Vozes e a Revista A Ordem, apesar das duas serem ligadas ao
pensamento católico.
Em 1942, a Editora Vozes se reestruturou, assumiu novos estatutos, criou a Revista
Eclesiástica Brasileira. Foi nesse momento que a Vozes de Petrópolis mudou o nome para
Vozes – Revista Católica de Cultura. A partir de janeiro de 1969, alterando o nome pela
quarta vez, a Revista denominou-se Revista de Cultura Vozes. A partir de janeiro de 1993, ela

34
Além de fundador da revista, foi o primeiro editor. Fazia dela sua tribuna, e por isso, era reverenciado
(TANNÚS, 2008, p. 146).
69

passou a se chamar Cultura Vozes, mudando sua estrutura física, tamanho e formato, que
vinha conservando desde sua fundação. Por fim, em 2003, a Revista deixa de ser editada.
A Revista Vozes, nesse período (década de 1950), era publicada mensalmente, e
organizada em três seções: Artigos, Ideias e Fatos e Bibliografia. Em Artigos, eram
publicados textos, sobre temas da “atualidade” (política nacional e internacional, economia,
educação, entre outros). Já a seção Ideias e Fatos tinha como objetivo analisar e comentar a
conjuntura e nela eram publicados manifestos e polêmicas. Finalmente, a seção Bibliografia
comportava resenhas de textos e livros publicados nesse período.
Entre 1956 e 1961, teremos o embate entre os defensores da escola pública e os
defensores do ensino privado, no período que Frei Aurélio Stulzer 35 estava à frente da Revista
Vozes. Esse foi um dos momentos em que a Revista esteve mais aberta às discussões sobre a
educação. Especialmente, no período de 1958 até 1961, a Revista passou a publicar artigos
sobre o debate da Lei de Diretrizes e Bases.
Observamos que a seção Ideias e Fatos era usada “para responder às críticas que eram
publicadas em outras fontes, como por exemplo, a Revista Anhembi” (ASSIS, 2008, p. 47).
Além da Revista Anhembi, outros meios de comunicação entraram no debate, como o jornal O
Estado de S. Paulo36, a Revista A Ordem37 e a Revista Brasiliense38. Mesmo reconhecendo a

35
Inaugurou uma nova administração, em que predominava a “Gestão Participativa”, criando com isso um
conselho editorial. A partir desse momento, tudo o que era publicado na revista tinha que passar pelo conselho
(TANNÚS, 2008, p. 146).
36
O jornal tradicionalmente esteve envolvido nas discussões relativas à escola pública brasileira desde sua
fundação em 1875. O jornal entendia o seu envolvimento como uma atualização da luta já travada pelas
melhores inteligências, que, apaixonadas lutadoras em prol da libertação do país e ousadas propugnadoras do
nosso progresso moral, foram sempre defensoras esclarecidas da escola pública. Ao cobrir eventos da campanha
ou comentá-las em seus editoriais, o periódico deixa sempre claro que não se trata de um tema qualquer. Na
realidade o jornal entendia a educação como um instrumento na construção de uma democracia liberal no país
(CARVALHO, 2006, p. 2).
37
A Ordem não era uma revista destinada à formação de educadores profissionais; sua produção situava-se no
vasto campo das concepções filosóficas e doutrinárias, em que a educação tinha espaço. A revista, fundada em
1922, foi inicialmente dirigida por Jackson de Figueiredo, sua produção era seriada e mensal. A Ordem tornou-se
um ponto de referência, contribuindo para a formação intelectual de religiosos e leigos. Durante a década de
1930 e, principalmente a década de 1950 e início da década de 1960, a Revista A Ordem publicou diversos
artigos em defesa da escola privada no Brasil (CARVALHO, 2006, p. 3).
38
A Revista Brasiliense foi criada em 1955 e tendo Caio Prado Junior à sua frente, tinha como propósito
declarado de ser um espaço no qual se congregassem escritores e estudiosos de assuntos brasileiros interessados
em examinar e debater os problemas econômicos, sociais e políticos do país, como afirmava em seu manifesto de
fundação. Seguindo esse propósito, a revista abriu espaço em suas edições para o debate sobre a questão da
escola pública. A Revista Brasiliense pretendia ser uma referência importante no debate das principais questões
nacionais. A partir dessa concepção, esse periódico abriu suas páginas ao tema da educação e especificamente à
discussão sobre a tramitação da LDB pelo Congresso Nacional. Mais do que o tratamento específico dado ao
polêmico texto legal (LDB de 1961), destaca-se em suas participações o objetivo de fazer uma análise da
educação a partir da condição de pesquisadores, de sociólogos, indicando com isso uma das inovações que o
Centro Regional de Pesquisa Educacional Paulista (CRPE), ao qual esses autores também estavam ligados
(CARVALHO, 2006, p. 6).
70

importância desses três últimos veículos no debate desse capítulo, optamos por focalizar a
análise apenas nas Revistas Vozes e Anhembi.
Os colaboradores da Revista Vozes eram representantes de várias atividades
profissionais. Eram clérigos, leigos, deputados, professores, advogados, jornalistas, dentre
outros. Esses colaboradores escreviam sobre vários assuntos, não se detendo apenas em um
único tema. Em relação a isso, temos que destacar três figuras chaves, no debate sobre a LDB
promovido na Revista, dedicando artigos sobre a educação: Evaristo Arns, Abelardo Ramos e
João Camilo Torres. Personagens cujos posicionamentos serão analisados através de alguns
de seus artigos ao longo do presente capítulo.
A Revista Anhembi, por sua vez, foi criada por Paulo Duarte39 em 1950. Nascida como
uma extensão do grupo que se articulava em torno do jornal O Estado de S. Paulo, ela abriu
espaço para o debate da escola pública brasileira, atuando como um veículo de divulgação de
um dos grupos que se formaram a partir das polêmicas surgidas durante a tramitação da LDB.
Paulo Duarte era presidente da Comissão Estadual de Defesa da Escola Pública, além de ser o
criador da Revista, da qual foi diretor até 1962.
A publicação da Revista era mensal e o formato adotado consistia em um editorial
assinado pela revista, ou pelos colaboradores escolhidos, seguido de textos inéditos. De
acordo com Machado (2009, p. 1936), as seções tinham como rubricas “Jornal de 30 dias’,
‘Livros de 30 dias’, ‘Teatro de 30 dias’, ‘Arte de 30 dias’, ‘Música de 30 dias’, ‘Cinema de 30
dias’ e, por fim, ‘Esporte de 30 dias’”, nas quais eram resenhados, comentados e divulgados
os acontecimentos relativos àquelas áreas e, que haviam ocorridos nos últimos trinta dias,
como diziam os títulos.
O posicionamento político de Duarte, assim como seu entendimento do papel da
escola pública no Brasil, era próximo do jornal O Estado de S. Paulo. Embora Paulo Duarte
se considerasse adepto de um “socialismo democrático”, acreditava que uma elite esclarecida
deveria desempenhar um papel de liderança na condução do projeto nacional republicano,
“projeto nacional no qual a ideia de São Paulo como ‘locomotiva da nação’ ganhava
importante relevo, postura que foi retomada quando dos debates educacionais”
(CARVALHO, 2006, p. 4). A preocupação de Paulo Duarte com a questão educacional,
manifestada na Revista Anhembi, guardava fina sintonia com o seu diagnóstico da situação
cultural do que ele denominava de “massa”. Entendendo-a como “analfabeta”, “despreparada”

39
Paulo Alfeu Junqueira Duarte foi um arqueólogo, jornalista e professor universitário. Foi professor de pré-
história na Universidade de São Paulo. Além disso, foi fundador da Revista Anhembi publicada em São Paulo
entre 1950 e 1962. Esta Revista no período de sua existência, foi responsável pela publicação de diversos artigos
em defesa da escola pública (CARVALHO, 2006, p. 4).
71

e “desorientada”, a massa ficava “à mercê de manipulações eleitorais do qual a eleição de


políticos populistas era um exemplo” (CARVALHO, 2006, p. 4).
A Revista Anhembi desenvolvia uma forte crítica aos apoiadores do projeto
(Substitutivo Lacerda) na Câmara dos Deputados, tratados como “reacionários” ou
“energúmenos”, nas palavras de Paulo Duarte. De acordo com Duarte, para enfrentá-los, era
preciso “educar as massas por meio de uma campanha de esclarecimento visando abrir-lhe “os
olhos” em vez de deixá-la à mercê da ação desatinada dos ‘fanáticos’, dos ‘cegos’”
(CARVALHO, 2006, p. 5). Essas ideias moviam a Revista Anhembi em sua participação na
Campanha em Defesa da Escola Pública.
Outra questão que levava a Revista Anhembi a posicionar-se favoravelmente à escola
pública era sua forte oposição ao posicionamento dos representantes da Igreja Católica
brasileira. Defensores do projeto apoiado no Congresso Nacional e manifestando suas
posições através da Revista Vozes, pensadores católicos eram acusados de reacionários quanto
ao seu posicionamento educacional. Assim, o papel da Revista Anhembi em favor da escola
pública e seu envolvimento com a campanha desencadeada em sua defesa, dava-se a partir da
concepção de que cabia ao Estado salvar as “massas” do obscurantismo. Era para salvar o país
desse quadro depauperado e “esclarecer” as massas, que Paulo Duarte colocou sua Revista a
serviço da causa da escola pública durante a campanha.
As acusações entre as Revistas Vozes e Anhembi são encontradas em artigos assinados
ou nos editoriais das Revistas. Só para exemplificar, citamos as colunas “Ideias e Fatos”, da
Revista Vozes e “Jornal 30 dias”, da Revista Anhembi. “Estas colunas se caracterizavam por
divulgar notícias relevantes para a sociedade brasileira e são importantes, porque indicam as
tomadas de posições frente ao debate nacional acerca da educação pública” (MACHADO,
2009, p. 1936). Continuando, as discussões se manifestavam nas acusações da Revista
Anhembi ao pensamento católico, e nas provocações, veiculados pelo opositor (Revista
Vozes), à orientação comunista de Paulo Duarte.
Na sequência, apresentaremos um quadro explicativo com os nomes dos personagens
envolvidos no debate entre a defesa da escola pública e a defesa da escola privada, o nome
dos artigos que selecionamos como fontes de pesquisa e uma breve biografia dos respectivos
colaboradores, tanto da Revista Vozes, quanto da Revista Anhembi.
72

Quadro 3- Principais colaboradores da Revista Vozes e da Revista Anhembi - breve


biografia coletiva.
Colaboradores Revista Artigos Dados biográficos
Evaristo Arns Revista Vozes - Educação não é É um frade franciscano,
Privilégio. Vozes. Revista sacerdote católico
Católica de Cultura. brasileiro. Foi o quinto
Petrópolis: RJ, v. 51, n. 9, Arcebispo de São Paulo.
set. 1957. p. 694-697. Atualmente é arcebispo
emérito de São Paulo.
- Anísio Teixeira versus Também, foi professor da
Igreja. Vozes. Revista Universidade Católica de
Católica de Cultura. Petrópolis. Depois disso,
Petrópolis: RJ, v. 52, n. 7, foi para a França para
jul. 1958 a. p. 481-493. cursar letras na
Universidade de
- O Brasil na Defesa da Sorbonne, onde fez
Liberdade de Ensino. doutorado em 1952.
Vozes. Revista Católica Retornando ao Brasil, foi
de Cultura. Petrópolis: professor nas Faculdades
RJ, v. 52, n. 6, jun. de Filosofia, Ciências e
1958b. p. 460-463. Letras de Agudos e
Bauru. Por intermédio da
- A Questão Escolar. Revista Vozes, foi um dos
Vozes. Revista Católica intelectuais católicos que
de Cultura. Petrópolis: mais publicou artigos
RJ, v. 53, n. 1, jan. 1959 entre o final da década de
a. p. 51-55. 1950 e início da década
de 1960 em defesa da
- Diretrizes e Bases da escola privada (ASSIS,
Educação Nacional. 2008, p. 50).
Vozes. Revista Católica
de Cultura. Petrópolis:
RJ, v. 53, n. 4, abr.
1959b. p. 286-290.
Tristão de Ataíde Revista Vozes - Subvenção à Escola Seu verdadeiro nome era
Particular. Vozes. Revista Alceu Amoroso Lima.
Católica de Cultura. Mais tarde, adotou o
Petrópolis: RJ, v. 54, n. pseudônimo de Tristão de
10, out. 1960. p. 777-778. Ataíde. Além disso, foi
um crítico literário,
professor, pensador,
escritor e líder católico
brasileiro. Tornou-se um
líder da renovação
católica no Brasil. Em
1941, participou da
fundação da Pontifícia
Universidade Católica do
Rio de Janeiro, onde foi
professor de literatura
brasileira até a sua
aposentadoria em 1963.
Também, foi reitor da
Universidade do Distrito
Federal, atual
Universidade do Estado
do Rio de Janeiro e
membro do Conselho
Nacional de Educação
73

(ASSIS, 2008, p. 51).


Jaime de Barros Câmara Revista Vozes - Carta do Cardeal Foi um cardeal brasileiro
Câmara ao Deputado que na década de 1950 e
Carlos Lacerda sobre 1960 defendeu a escola
Educação. Vozes. Revista privada. Por meio, do
Católica de Cultura. cardeal D. Jaime Câmara
Petrópolis: RJ, v. 53, n. 2, demonstra claramente o
fev. 1959. p. 122-125. quanto interessava à
Igreja Católica a
aprovação da LDB de
1961, nos moldes do
substitutivo de Carlos
Lacerda. O discurso de
Jaime Câmara revela o
esforço da Igreja em
manter o domínio e a
unidade política, ambos
explicitados na definição
do homem público ideal,
ou seja, aquele que
intercede a favor dos
direitos da Igreja
(PASQUINI, 2010, p.
10).
Carlos Lacerda Revista Vozes - Discurso do Governador Deputado Federal pela
Carlos Lacerda na União Democrática
Abertura do VI Nacional (UDN). Carlos
Congresso da União Lacerda colocou como
Internacional pela tema central das
Liberdade de Ensino discussões parlamentares
(17/07/1961). Vozes. a luta contra o monopólio
Revista Católica de estatal da educação no
Cultura. Petrópolis: RJ, final da década de 1950,
v. 55, n. 8, ag. 1961. p. no período de elaboração
603-607. da LDB de 1961. O
deputado acusava o
Estado de monopolizar a
educação (COUTINHO,
2006, p. 7).
João Antônio Cabral de Revista Vozes - Inimigos da Liberdade Consultor Legislativo
Monlevade de Ensino. Vozes. Revista aposentado do Senado
Católica de Cultura. Federal. Doutor em
Petrópolis: RJ, v. 54, n. 9, Educação pela
set. 1960. p. 693-697. Universidade Estadual de
Campinas
(MONLEVADE, 2013, p.
5).
José Otão Revista Vozes - Liberdade do Ensino. Foi educador e Reitor da
Vozes. Revista Católica Pontifícia Universidade
de Cultura. Petrópolis: Católica do Rio Grande
RJ, v. 52, n. 9, set. 1958. do Sul. Na década de
p. 681-683. 1950, defendia a escola
privada (ASSIS, 2008, p.
51).
Humberto Rademakers* Revista Vozes - A Liberdade de Cátedra ----
do Sr. Roque Spencer
Maciel de Barros. Vozes.
Revista Católica de
Cultura. Petrópolis: RJ,
v. 55, n. 5, maio 1961. p.
74

373-379.

- Os Espíritas contra a
Lei de Diretrizes e Bases.
Vozes. Revista Católica
de Cultura. Petrópolis:
RJ, v. 54, n. 9, set. 1960.
p. 697-702.
Abelardo Ramos Revista Vozes - “Anhembi”, o Piche e o Foi um incansável
Nada. Vozes. Revista defensor da escola
Católica de Cultura. privada nas décadas de
Petrópolis: RJ, v. 52, n. 7, 1950 e 1960. Era um
jul. 1958. p. 523-530. importante articulista da
Revista Vozes. Numa das
- Educação gratuita e o suas falas afirma o
Estado. Vozes. Revista seguinte: “Dinheiro
Católica de Cultura. público, só para a escola
Petrópolis: RJ, v. 53, n. 7, pública. A frase só é
jul. 1959. p. 481-498. verdadeira, se traduzida:
dinheiro do povo, só para
- Pobre do pobre, com a escola do povo. No dia
Dr. Anísio. Vozes. em que o Estado possua o
Revista Católica de seu próprio dinheiro, está
Cultura. Petrópolis: RJ, certo que faça com ele o
v. 54, n. 6, jun. 1960 a. p. que entender. Por
447-455. enquanto, não pode
apossar-se do que
- Andam Faunos nas pertence aos outros. Se a
Escolas. Vozes. Revista escola particular for
Católica de Cultura. aberta ao povo, é tão
Petrópolis: RJ, v. 54, n. pública quanto à escola
12, dez. 1960b. p. 694- oficial” (GOMES, 2005,
697. p. 15).

- Contra Escola, pelos


“Trusts”. Vozes. Revista
Católica de Cultura.
Petrópolis: RJ, v. 54, n.
11, nov. 1960c. p. 843-
847.

- O Que Defendemos.
Vozes. Revista Católica
de Cultura. Petrópolis:
RJ, v. 55, n. 1, jan. 1961.
p. 3-8.

- Dr. Anísio vem à


Chuva. Vozes. Revista
Católica de Cultura.
Petrópolis: RJ, v. 55, n. 8,
ag. 1961. p. 616-620.
Ademar Spindeldreier* Revista Vozes - Educar para a ----
Responsabilidade. Vozes.
Revista Católica de
Cultura. Petrópolis: RJ,
v. 55, n. 12, dez. 1961. p.
943.
Aurélio Stulzer Revista Vozes - Liberdade de ensino. Frei Aurélio Stulzer foi
Vozes. Revista Católica indicado para assumir a
75

de Cultura. Petrópolis: direção da Editora Vozes


RJ, v. 54, n. 7, jul. 1960. no início de 1956. Sua
p. 553-554. experiência com jornais
católicos em Lajes, Santa
Catarina, deu a ele a
experiência no segmento
editorial. Juntamente com
a Editora, recebeu o
comando da Revista
Vozes. A Revista foi
aberta, então, para o
debate da nova LDB.
Vários foram os
colaboradores que faziam
a defesa das escolas
particulares e da
liberdade de ensino
(ASSIS, 2008, p. 47).
João Camilo de Oliveira Revista Vozes - A Educação como Foi professor, escritor,
Torres Direito. Vozes. Revista historiador e jornalista
Católica de Cultura. em Minas Gerais. Na
Petrópolis: RJ, v. 52, n. 9, década de 1950 foi um
set. 1958. p. 641-645. dos que defendeu a
escola particular através
da Revista Vozes (ASSIS,
2008, p. 50).
Revista Vozesº Revista Vozes - O Piche de Anhembi ----
não Secou. Petrópolis:
RJ, v. 52, n. 9, set. 1958
a. p. 677-679.

- Declaração de
Princípios. Petrópolis:
RJ, v. 52, n. 9, set. 1958b.
p. 679-680.

- Em Defesa da
Liberdade de Ensino.
Petrópolis: RJ, v. 52, jun.
1958c. p. 448-451.

- Em Defesa da Educação
Democrática. Petrópolis:
RJ,
v. 53, n. 9, set. 1959. p.
693-695.
Almeida Júnior Revista Anhembi - Ainda as Diretrizes e Importante educador, que
Bases da Educação se posicionou a favor da
Nacional. Revista escola pública na década
Anhembi. São Paulo, v. de 1930. Foi um dos
XXXVII, n. 110, jan. vinte e seis signatários do
1960. p. 232-252. Manifesto dos
Educadores de 1932. Na
década de 1950 e 1960,
voltou a lutar pela escola
pública (BEDIN, 2011, p.
65).
Revista Anhembiº Revista Anhembi - Ensino de religião nas ----
escolas oficiais. São
Paulo, v. XXVI, n. 76,
76

mar. 1957 a. p. 99-102.

- Solidariedades a Anísio
Teixeira. São Paulo, v.
XXI, n. 93, ag. 1958a, p.
535-543.

- Falam 83 bispos e 3
cardeais. São Paulo, v.
XXXII, n. 94, set. 1958b.
p. 66-78.

- Diretrizes e bases da
educação. São Paulo, v.
XLI, n. 123, fev. 1961. p.
576-579.
Fontes: ASSIS, 2008, p. 50-51; BEDIN, 2011, p. 65; COUTINHO, 2006, p. 7; GOMES,
2005, p. 15; PASQUINI, 2010, p. 10. *Não foi possível encontrar as biografias de todos os
colaboradores, porque as Revistas não fornecem esse tipo de informação. ºArtigos sem
autores.

Observamos com o quadro, que o recorte temporal definido para pesquisar as Revistas
Vozes e Anhembi foram os anos de 1957 até 1961, período em que a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação estava em tramitação no Congresso Nacional. Foram analisados ao todo trinta e
um artigos na dissertação, sendo vinte e seis da Revista Vozes e cinco da Revista Anhembi.
Também, destacamos que a maioria dos artigos tratam da discussão da LDB. Porém, muitos
chamam a atenção pela discussão da questão da liberdade de ensino, os ataques ao educador
Anísio Teixeira e as críticas empreendidas entre os dois periódicos em relação à educação
pública e o destino das verbas.

2.2 Educação: função do Estado ou da família?

Nessa parte da dissertação, procuraremos discutir um assunto que foi palco de grandes
debates, em relação à educação, ser função do Estado ou da família? Para avançar neste
assunto, utilizaremos artigos das Revistas Vozes e Anhembi, pelos quais muitos personagens,
que eram intelectuais, clérigos, dentre outros, colocaram seu ponto de vista. Consideramos
importante, antes de iniciar a discussão fazer um levantamento dos artigos que utilizaremos
mais diretamente nesse debate.
77

Da Revista Vozes são os seguintes:


● Vozes (1958b). Declaração de princípios;
● Vozes (1958c). Em Defesa da Liberdade de Ensino;
● Carlos Lacerda (1961). Discurso do Governador Carlos Lacerda na Abertura do VI
Congresso da União Internacional pela Liberdade de Ensino (17/07/1961);
● Evaristo Arns (1958a). Anísio Teixeira versus Igreja;
● Evaristo Arns (1958b). O Brasil na Defesa da Liberdade de Ensino;
● José Otão (1958). Liberdade do Ensino;
● João Camilo de Oliveira Torres (1958). A Educação como Direito;
● Tristão de Ataíde (1960). Subvenção à Escola Particular.

Já na Revista Anhembi são os seguintes:


● Revista Anhembi (1957a). Ensino de religião nas escolas oficiais;
● Revista Anhembi (1958a). Falam 83 bispos e 3 cardeais;
● Revista Anhembi (1961). Diretrizes e bases da educação.

É dentro do contexto geral, na esfera política, no posicionamento da Igreja Católica, na


participação de diversos intelectuais, no bojo de um ambiente democrático, que ocorrem as
discussões sobre a educação brasileira. Evidentemente, a Revista Vozes seguirá sua
orientação, e será um dos principais palcos nessa luta de representações. É por isso que
defenderá o direito da família determinar o tipo de educação que melhor satisfaz às
expectativas dos pais. Aí entra outra questão, o apoio financeiro do Estado para a escola
privada. Sobre isso, Paula Maria de Assis (2008, p. 62) coloca “se a escola católica recebe o
apoio e o incentivo total do Estado, em contrapartida, compete à escola que recebe tal apoio, a
formação de jovens cidadãos comprometidos com suas funções cívicas, formar no amor à
pátria, à família e principalmente à fé”.
A visão de educação, atribuindo a participação parcial, mas necessária, do Estado, a
Igreja tendo o papel fundamental e a família, mais que o direito, o dever de educar na fé, no
Brasil, tornou-se um terreno de muitos debates durante as décadas de 1950 e 1960 entre os
defensores da escola privada. O que não podemos esquecer é que, apesar da separação entre
Estado e Igreja desde a proclamação da República (1889), a Igreja não abandonou sua
participação na educação oferecida pelo Estado. Lembremos como exemplo, que a disciplina
de ensino religioso continuou sendo oferecida, apesar de não ser obrigatória.
78

Dando início ao debate, a Revista Vozes (1958b, p. 679), coloca em seu artigo
Declaração de Princípios, que “os legisladores do final da década de 1950, não podem nem
mesmo definir a educação, pois esta, assim como o cultivo da terra, não é assunto de lei, mas
sim da experiência e da ciência”. Seguindo no mesmo raciocínio a Revista Vozes (1958b, p.
679) coloca que “a lei estabelecerá os períodos de educação elementar, complementar, média
ou secundária e superior e definirá os grandes tipos de educação, além de facultar a sua
organização no âmbito oficial e na esfera particular”. Essa tese reforça que na verdade, quem
defendia o monopólio da educação era a Igreja Católica, até porque, era a proprietária de
muitas escolas (desde o período colonial com os padres jesuítas), principalmente do nível
secundário e sua influência também se estendia à escola pública com a cadeira de ensino
religioso.
Na mesma direção, Evaristo Arns, ferrenho defensor do ensino privado das décadas de
1950 e 1960, ressalta que Anísio Teixeira defendia a “educação obrigatória, gratuita e
universal”, e esta só poderia ser ministrada pelo Estado. Daí ele levanta a seguinte questão:
“desde quando recebemos alguma coisa gratuita do Estado (no sentido de verba pública para a
escola particular)? É pagamento indireto, distribuído por toda a comunidade, de forma que as
classes menos favorecidas são beneficiadas” (ARNS, 1958b, p. 460). A partir desse momento,
observaremos que iniciará uma campanha ferrenha contra Anísio Teixeira por meio da
Revista Vozes.
Seguindo a mesma linha, Evaristo Arns (1958b) destaca que duas ameaças pesavam
sobre a liberdade de ensino no Brasil. A primeira vinha do próprio Ministério da Educação e
Cultura, embora não trouxesse o rótulo oficial. Anísio Teixeira, como diretor do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), controlava as Escolas Normais e as Escolas
Primárias e, como secretário da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), distribuía favores para o ensino superior. Era, além de tudo, o mentor de
boa parte das publicações oficiais sobre a educação no Brasil. Anísio, nas palavras de Arns,
“tem demonstrado uma tenacidade invulgar em sua campanha sistemática contra os Colégios
e Escolas Particulares” (1958b, p. 461). Ainda, de acordo com Arns, Anísio Teixeira queria
“arrancar o ensino primário dos poderes federais para entregá-lo às comunidades municipais e
insistia que a formação dos professores acontecesse em escolas públicas” (1958b, p. 461).
A segunda ameaça é assim enunciada: para todos os brasileiros falta uma escola
pública de qualidade, a fim de que as crianças tenham direitos iguais, e também porque, as
“escolas particulares, por falta de recursos, são incapazes de proporcionar uma educação igual
para todos” (ARNS, 1958b, p. 461). Para esse articulista, o ensino seria gratuito e todas as
79

crianças se confiariam ao “Pai Estado” como sendo suas protegidas oficiais. “Todos sabem
que as escolas públicas gastam muito mais com alunos do que os estabelecimentos
particulares” (ARNS, 1958b, p. 461). Evaristo Arns, conclui seu raciocínio dizendo: “não
seria melhor que o governo distribuísse as verbas do ensino sobre os institutos particulares e
vigiasse o bom emprego delas?”. Com isso, de acordo com o autor, chegaria ao resultado
almejado da alfabetização de todos os brasileiros e o Estado continuaria ajudando a iniciativa
privada.
A campanha contra Anísio Teixeira se espalhou pelo país. A questão central, como
colocaram os Bispos do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, era que “cabe à família o
direito à educação. Colocar o Estado antes ou contra a educação da família é defender um
totalitarismo pedagógico” (REVISTA VOZES, 1958c, p 449). No artigo Em Defesa da
Liberdade de Ensino a Revista Vozes (1958c, p. 450) defendia que “Anísio propugna uma
inflação fascista do Estado, e não apenas a defesa dos direitos que o Estado tem em fundar
escolas”. Em meio a todas estas acusações empreendidas pela Igreja Católica contra Anísio
Teixeira, a instituição católica chegou a enviar uma carta ao presidente da República
Juscelino Kubitschek exigindo a demissão de Anísio Teixeira do INEP. Em contrapartida,
como veremos adiante, intelectuais de todo o país se reuniram e fizeram um manifesto a favor
do educador Anísio Teixeira e este permaneceu no cargo.
Podemos observar que o nome de Anísio Teixeira foi o alvo constante de ataques dos
colaboradores da Revista Vozes. Depois da proposta da Lei de Diretrizes e Bases, Anísio é o
mais citado. Atuando como o presidente do INEP, ele representava toda a equipe técnica
responsável pelas propostas da LDB. Além disso, era atacado com frequência, por suas
declarações públicas feitas em jornais e revistas, porque defendia a escola pública.
Continuando, a Igreja Católica exigiu do Governo de Juscelino Kubitschek a
explicitação das diretrizes da política educacional do Brasil. Qual seu conceito, qual sua
finalidade, qual o valor do educando, qual o direito da família, qual a contribuição concreta do
Estado e qual a missão do professor? Como são perguntas, precisam-se esclarecimentos.
Enfim, a Revista Vozes defendia as seguintes proposições:
80

1. Seja eliminada a injusta preferência do sistema oficial de ensino.


2. Coloque-se nas mãos das Universidades, das Escolas Superiores, da própria
Comunidade (como os municípios) a autoridade de reconhecer outros sistemas de
educação.
3. Cabe às Corporações Profissionais julgar e decidir sobre a seriedade e garantir os
sistemas de ensino.
4. Os Colégios têm a liberdade de organizar os cursos, examinar os alunos, conceder
os diplomas.
5. Os Colégios mantidos pelo Governo devem ser centros de serviço para o povo e
nunca cátedras de doutrinas ideológicas ou políticas governistas.
6. Os Fundos Públicos pertencem aos contribuintes e devem ser distribuídos
equitativamente aos institutos que da educação se incumbem, seja em distribuição
direta, ou através dos próprios pais de família.
7. A Escola Gratuita não deve ser privilégio exclusivo do Estado (1958c, p. 451).

A tese dos católicos defendida pela Revista Vozes, através dos seus colaboradores, era
do direito natural da família ser anterior ao Estado e que cabia a ela a “procriação” de filhos e
sua educação. “É tese de direito positivo o reconhecimento da autoridade da família nas
questões de educação” (REVISTA VOZES 1958c, p. 452). Concluindo o raciocínio, a
Revista (1958c, p. 452) coloca que a “experiência de todos os tempos tem provado à
sociedade que a liberdade de ensino tem sido ambiente favorável à plena expansão da
personalidade humana e a coação estatal tem produzido nesse particular abuso irreparável”.
Diante do que foi exposto, destacamos a questão da liberdade de ensino, que tanto a
Igreja Católica e seus apoiadores defendiam. Na verdade, a Igreja temia que suas escolas
fossem fiscalizadas pelo Estado, e que diante de eventuais irregularidades poderiam ser
fechadas. Outra questão importante de se analisar é em relação às verbas para educação.
Imaginemos o Brasil da década de 1950, ainda com um analfabetismo elevado, como já foi
anteriormente assinalado, precisando urgentemente investir na educação pública para
impulsionar o desenvolvimento e melhorar a vida da população mais pobre, ainda precisar
repartir as verbas com a iniciativa privada, sendo que, esta cobrava mensalidades de seus
alunos para estes poderem estudar.
O Irmão José Otão (1958, p. 683), educador e defensor da escola privada, em seu
artigo Liberdade do Ensino publicado na Revista Vozes, defende que: “os eternos inimigos da
ordem, do progresso e da paz querem afogar as últimas esperanças do povo: exterminar as
Escolas Particulares Católicas e Leigas e perseguir bispos e padres”. Para ele, tratava-se de
um plano elaborado por inimigos da Igreja e da democracia. E conclui que contra tudo isso, os
Bispos do Brasil estavam atentos e desejavam o “bem estar espiritual e social dos brasileiros”.
81

Em tal cenário, Cardeais, Arcebispos e Bispos do Brasil, reunidos em Goiânia em


1958, elaboraram um documento oficial, sobre a posição da Igreja Católica em relação aos
debates sobre a Lei de Diretrizes e Bases. Vejamos um trecho desse documento em Assis:

A Educação é o desenvolvimento pleno de todas as virtualidades pessoais e sociais,


naturais e sobrenaturais do homem, integrando-o dentro do ciclo histórico e social
que é chamado a viver. A Escola é, em toda a verdade, a extensão da família. É por
ela que a família completa a obra de amor que lhe cabe realizar. A escola primária
deve ser obrigatória. A sua obrigatoriedade dimana, não de imposição legal, mas de
força, mesma do dever que todo o pai tem de assegurar ao filho os meios necessários
para o mínimo desenvolvimento humano. À proporção que o Estado amplia a sua
rede de arrecadação de impostos, a gratuidade do ensino primário e secundário se
impõe, diretamente para as suas escolas e indiretamente para as particulares. A
educação não pode ser objeto de mercancia. Só com a liberdade do ensino é que se
pode fazer distinção entre os colégios que educam e os que apenas vendem
certificados. Mas educar, isto é, formar o homem. E dentro desta linha, veio à
religião para a escola pública. Mas infelizmente veio apenas como matéria do
ensino, mais ou menos inócua porque desligada da vivência que só a educação
integral poderia garantir. (...), a escola só educa se completar pelo esclarecimento e
pela formação de hábitos. E religião viva dentro do esclarecimento e pela formação
de hábitos e sem mutilações, além de matéria de ensino, a Religião precisa ser vivida
(2008, p. 72-73).

Nessa reunião, reconheceram também o subdesenvolvimento cultural e a falta de rumo


do programa de educação no Brasil, a deficiência e a falta de qualidade do ensino e a
necessidade de não fazer da educação um privilégio. Na verdade, essa declaração vem resumir
todo o debate que circulava no Congresso Nacional e o que grande parte dos colaboradores da
Revista vinha demonstrando ao longo de seus artigos. Concluímos, com isso que os artigos
que discutiam sobre as escolas públicas e privadas, vão abrindo espaço para declararem o que
cada colaborador entendia por educação. O mais interessante é que todos os artigos
publicados na Revista passavam pelas mãos dos editores, e isso acabava refletindo na
concepção de educação destes que autorizavam sua publicação.
Continuando sobre o tema liberdade de ensino, no artigo intitulado Declaração de
Princípios publicado em setembro de 1958, a Revista Vozes sai mais uma vez em defesa da
escola privada através da Federação das Associações de Antigos Alunos Maristas da
Província do Brasil Norte, a Federação das Associações de Antigos Alunos Maristas da
Província do Brasil Central e a Federação Gaúcha das Associações de Antigos Alunos. Todas
estas associações resolvem tornar pública a seguinte declaração:
82

1) Reconhecer, com pesar, que em certos setores administradores da educação, no


Brasil, firma-se insidiosa tendência de abalar a liberdade do ensino particular,
explicitamente declarada no artigo 167 da Constituição, no propósito de transferir ao
Estado, se não o exercício, pelo menos o controle absoluto do ensino, em todos os
graus, anulando indiscriminadamente a iniciativa privada.
2) Reconhecer a legitimidade da intervenção do Estado nos setores onde a iniciativa
privada for insuficiente para satisfazer às necessidades do conjunto, entendo, porém,
que a legislação escolar deve ser, preferencialmente, uma “legislação de
responsabilidade” e não uma “legislação de controle”.
3) Ter como impatrióticas, por lesivas ao interesse nacional, quaisquer medidas que
dificultem ou impossibilitem à iniciativa privada a liberdade de criar escolas em
todos os graus, com o direito de conferir títulos oficialmente válidos, recrutando
livremente corpo docente idôneo e estabelecendo o seu regime de trabalho.
4) Denunciar a tendência a estabelecer-se no Brasil uma opressão econômica ao
ensino particular, seja reduzindo o auxílio financeiro do Estado às escolas
particulares, seja impondo onerosas e quase inexequíveis exigências à abertura de
novas escolas.
E, para que a liberdade de ensino no Brasil seja uma liberdade de fato e não apenas
“de iure”, as Federações signatárias apelam para as autoridades do Ensino e
entidades privadas nele interessadas no sentido de que estejam atentas contra
movimentos impatrióticos que visam subordinar inteiramente a escola ao poder
público, ferindo fundamente a consciência democrática e cristã do povo brasileiro
(VOZES, 1958b, p. 680).

Nessa mesma linha de pensamento, o professor João Camilo de Oliveira Torres, em


seu artigo A Educação como Direito, defendia que “a Educação, numa sociedade democrática,
apresenta-se como direito e como postulado à liberdade” (TORRES, 1958, p. 643). A
educação surgiria como um direito, pelo fato de não admitir à sociedade democrática
distinções legais entre cidadãos, aos quais se oferecem as mesmas possibilidades abertas a
todos. Essa universalidade do direito à instrução, constituía um resultado da elevação da
dignidade humana por efeito do cristianismo. Na mesma direção, Torres (1958, p. 643)
ressalta que “quando se fala em direito popular e universal à educação, nenhum exemplo é
melhor do que o dos claustros (mosteiros e conventos), dotados de todos os elementos
essenciais, mas de alto teor cultural, e cujas portas estão abertas a todos sem distinção de
classes”.
Outro defensor da escola privada que fez parte desse debate foi Tristão de Ataíde
(Alceu Amoroso Lima). Importante defensor do ideário católico, em seu artigo Subvenção à
Escola Particular, publicado em 1960 na Revista Vozes, Ataíde argumentava que as verbas
públicas para a escola particular não representavam um favor ou privilégio, mas sim um ato
de justiça. E advertia “O Estado não tem o direito de se desinteressar da educação nacional,
nem deve monopolizar essa educação” (ATAÍDE, 1960, p. 777). Alegava que sem essas
verbas, não seria possível organizar o ensino livre. Por fim, “a função do Estado é promover e
83

facilitar essa coexistência não apenas pacífica, mas harmoniosa e interdependente” (ATAÍDE,
1960, p. 778).
No final da década de 1950, Evaristo Arns (1958a), em mais um artigo publicado em
defesa da escola privada, intitulado Anísio Teixeira versus Igreja, ressalta que “isso de reduzir
os institutos particulares a afluentes do Estado, permitindo ao governo construir os seus
diques de exames, é pura barganha” (1958a, p. 488). Depois, continua o autor que, bons
alunos não temem exames objetivos. “Esses bons alunos, por temerem exames diante de
bancas estranhas, iriam naturalmente matricular-se nos institutos oficiais, onde os próprios
professores seriam seus examinadores” (ARNS, 1958a, p. 489). As instituições privadas que
não quiserem ser acusadas de comerciantes ou “tubarões” terão que dar ensino à base de puro
idealismo e pobreza, conclui Evaristo Arns.
Outra tese que Evaristo Arns defendia nesse mesmo artigo era “que reservar o ensino
livre unicamente para os filhos dos que podem pagar do próprio bolso o colégio particular é o
mesmo que proclamar que só os pais ricos têm o direito de educar seus filhos segundo as suas
preferências” (1958a, p. 490). Arns acrescenta que “esquecem que o ensino oficial é mais
caro. Esquecem que o ensino oficial geralmente não prepara líderes para uma sociedade
democrática. Isso para não falar dos ‘deficientes’ que o Estado nunca encontra recursos
suficientes” (1958a, p. 490).
Por fim, trazemos um artigo publicado na Revista Vozes pelo Governador Carlos
Lacerda em 1961, em defesa da escola particular, que contribuiu nesse debate, intitulado
Discurso do Governador Carlos Lacerda na Abertura do IV Congresso da União
Internacional pela Liberdade de Ensino (17/07/1961). Nesse artigo, Lacerda coloca que a
concepção de educação pública defendida pelos educadores progressistas “conduz à educação
totalitária, que toma as crianças à entrada da escola e as conduz à revelia e até contra a família
para servir ao Estado” (1961, p. 605). Lacerda continua, afirmando que proibir o ensino
privado não é o único meio de suprimir a liberdade de ensino. “Pode-se dificultá-lo e sufocá-
lo negando recursos para que os filhos dos pobres e dos remediados possam utilizar-se da
variedade e qualidade que o ensino livre lhes oferece” (LACERDA, 1961, p. 605).
Por outro lado, a Revista Anhembi tinha um posicionamento diferente da Revista Vozes
em relação à educação ser função do Estado ou da família. Iniciamos, com o debate da
proposição aprovada pelo IV Congresso dos Antigos Alunos da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1956, que se manifesta contrária tanto
ao ensino religioso nas escolas públicas como à subvenção por parte do Estado às escolas
84

religiosas não gratuitas, e cria um novo capítulo na história de um problema cujas origens são
mais remotas.
A Revista Anhembi (1957) publica artigo sobre o Ensino de religião nas escolas
oficiais, no qual chamava a atenção sobre a deficiência das escolas públicas, tanto do ensino
primário, quanto do ensino secundário no Brasil. Além disso, estava preocupada com a
impossibilidade de poder estender a todos os jovens e crianças os benefícios da instrução
gratuita, patrocinada pelo poder público. Em relação a esse assunto, a Revista Anhembi
argumenta que, um Estado que não pode cumprir com uma de suas obrigações básicas não
deve, “dar-se ao luxo de contribuir com polpudas subvenções para a manutenção de escolas
religiosas que cobram pelos seus cursos e ao alcance, portanto, apenas dos que desfrutam de
situação econômica privilegiada” (1957, p. 101).
Segundo a Revista Anhembi, o Manifesto dos Bispos e Cardeais em Goiânia, estava
preocupado com o financiamento das escolas privadas, mas não propôs alternativa ao grave
problema do analfabetismo no Brasil:

[...] a falta de rumos para resolver-se o problema da educação num país onde o
coeficiente de analfabetismo é alarmante, com um déficit em quantidade e qualidade
de escolas primárias, uma rede precária de escolas industriais e artesanais, com
escolas superiores nem sempre cheias dos mais capazes e dos mais indicados para as
funções de liderança que as universidades deveriam assegurar (1958a, p. 67).

A Revista Anhembi reconheceu que a declaração de Goiânia tinha razão no diagnóstico


que fez sobre a educação, em relação aos números do analfabetismo, o déficit em qualidade e
quantidade dos estabelecimentos de ensino e a má qualidade de professores universitários.
No entanto, afirma que:

[...] queremos lembrar o que os bispos de Goiânia não lembraram: a


responsabilidade do clero católico na permanência dessas chagas no organismo
nacional. Por isso mesmo, combatemos e combateremos sempre esse evidente
designo de confessionalismo, de tomar a si o privilégio da direção e da orientação
das escolas, deixando ao Estado apenas a posição de pagante de despesas (1958a, p.
69).

Por isso, de acordo com a Revista Anhembi, no artigo Falam 83 bispos e 3 cardeais
publicado em setembro de 1958, deve-se divergir da declaração de Goiânia quando afirma
que “educar é obra da família”. “Educar também é obra da família, isto sim, cuja função não é
85

apenas ‘procriar’. Porque educar é função também da família, é função precípua do Estado”
(1958a, p. 70). E se educar for obra exclusiva da família, como afirmam os bispos de Goiânia,
“as famílias de outras religiões têm o direito de educar os seus filhos fora da seita católica”
(1958a, p. 71). Continua Anhembi, que “à Igreja Católica não cabe nenhum papel primordial e
insubstituível na obra educativa; a Igreja Católica terá um papel auxiliar, porque o Estado não
é religioso, é leigo, como não é materialista, é neutro” (1958a, p. 71).
No final da década de 1950, a situação do analfabetismo no Brasil ainda era
preocupante. O que se necessitava, pois, não era tirar a escola da jurisdição do Estado, ao
contrário, era preciso moralizar os governos. Realmente, o empenho de Anísio Teixeira em
relação à expansão, aperfeiçoamento e eficiência da escola pública não implicava em
nenhuma restrição à escola particular. Destinava-se exclusivamente a baixar até chegar à zero
a porcentagem do analfabetismo no Brasil.

Todo o esforço do ilustre educador sempre esteve voltado para a disseminação da


escola primária gratuita e obrigatória, obrigatoriedade que não deve emanar somente
da força e dever dos pais em assegurar ao filho os meios necessários para o mínimo
de desenvolvimento humano, mas deve emanar também da imposição legal, porque
os pais no Brasil são também mal educados pelas mesmas razões da péssima
organização de ensino e educacional que vigorava no Brasil desde um passado
longínquo (REVISTA ANHEMBI, 1958a, p. 71).

Sendo a educação fundamental para compreender e formar o homem, a Revista


Anhembi, publica o artigo Diretrizes e Bases da Educação em 1961. Na visão da Revista, não
podia descuidar-se de prepará-lo para atuar na sociedade em que vive. A educação era uma
“técnica social suscetível de ser controlada e manipulada pelos grupos que detêm o poder”
(REVISTA ANHEMBI, 1961, p. 576). A formação de uma consciência educacional
preocupada e voltada para os problemas reais da atividade educativa era particularmente, no
Brasil, uma das questões cruciais com que se defronta a ordem democrática. Nesse aspecto,

[...] cabe à educação, de modo geral, a função importantíssima de promover o


alargamento do horizonte intelectual do homem comum, oferecendo-lhe
possibilidades de aplicação útil da sua capacidade de criação. Quando planejada e
orientada para alvos democráticos, a educação engendra condições essenciais para a
humanização do homem, na medida em que, valorizando-o socialmente, ela lhe
proporciona a consciência da sua liberdade, a atualização da sua responsabilidade
política (REVISTA ANHEMBI, 1961, p. 577).
86

Por fim, o Brasil das décadas de 1950 e 1960 era um país que estava passando por
mudanças na política, economia e educação. O sistema de ensino não estava em condições
para atender às mínimas exigências de escolarização. Além disso, as oportunidades
educacionais de ascensão social eram oferecidas como se fossem benefícios e não como
direitos conquistados pelo homem livre. Era uma situação lamentável, porque os poderes
públicos ainda diante de todas as campanhas realizadas, não enxergavam a importância da
educação pública, gratuita e universal.

2.3 Críticas feitas por católicos aos liberais

Nesse tópico, discutiremos as críticas feitas por católicos aos liberais nas páginas da
Revista Vozes. Antes, de iniciar a discussão indicaremos os artigos tomados como referência
na análise.

● João Antônio Cabral de Monlevade (1960). Inimigos da Liberdade de Ensino;


● Abelardo Ramos (1959). Educação gratuita e o Estado;
● Abelardo Ramos (1960a). Pobre do pobre, com Dr. Anísio;
● Abelardo Ramos (1961a). O que defendemos;
● Abelardo Ramos (1961b). Dr. Anísio vem à Chuva;
● Humberto Rademakers (1961). A Liberdade de Cátedra do Sr. Roque Spencer
Maciel de Barros.

No início da década de 1960, João Antônio Cabral de Monlevade, importante defensor


do ensino privado brasileiro, publica um artigo na Revista Vozes, intitulado Inimigos da
Liberdade de Ensino, onde criticava a legislação do ensino no Brasil, mais especificamente, a
Constituição de 1946. Monlevade alegava na sua fala que o documento era:

[...] uma fonte de renda para muitos. Beneficia exageradamente catedráticos da


escola pública de nível superior. Um catedrático parece incrível, tem dois, três, até
quatro assistentes. E alguns, não só não dão aulas, mas nem sequer são orientadores
no campo das pesquisas. Têm salários fixos, ganhos sem o cumprimento do dever,
sem orientar as pesquisas e sem ministrar aulas (1960, p. 696).
87

Na mesma fala, Monlevade (1960, p. 697) descreveu que “há muitos professores das
escolas oficiais honestos a quem se deve respeito, outros deveriam modificar a vida ou perder
os cargos”. A escola pública, segundo o autor, deixaria de ser uma fonte de renda para esse
tipo de professor e se tornaria um ofício em benefício da educação da juventude.
Na conclusão do seu artigo, Monlevade (1960, p. 698) defendia que “neutra seria a
escola que não informasse ou não ensinasse nenhuma doutrina, ou transmitisse todas da
mesma maneira”. Na mesma fala, o autor acrescenta que os pais não cristãos que desejarem
escola neutra têm direito à escola segundo sua convicção. “A criança que chega à escola é um
complexo de tendências variadas de instintos bons e maus, de inteligência que nasce e de
ignorância, de vontade que desperta e de paixões que se opõem” (MONLEVADE, 1960, p.
698). Conclui dizendo que colocar a questão escolar em sua verdadeira perspectiva é meio
caminho andado para dar-lhe solução justa e aceitável para todos.
Outro defensor do ensino privado desse período analisado, Abelardo Ramos, em seu
artigo Educação gratuita e o Estado, destaca que a educação atuava como fator de integração
dos seus membros e constituía o princípio dinâmico do aperfeiçoamento destes. Portanto, a
liberdade de ensino era, na visão do autor, a possibilidade de se exprimirem os tipos de
educação que deveriam atender à diversidade dos grupos humanos. Ramos (1959, p. 490)
conclui que “a escola tem de ser instituição com características assemelhadas à família e não à
repartição pública”.
A Constituição Federal de 1946 garantia que a educação deveria ser para todos.
Segundo Ramos, era nisso que estava o interesse público, que “não é atribuição do Estado ter
um papel de educador único. Prova disso é que a educação de cada aluno custa mais na escola
pública do que na escola particular” (1959, p. 493). Por fim, ao concluir a sua fala, Ramos
(1959, p. 493) coloca que se o aluno recebesse do Estado à complementação, “garantido a
livre escolha, as escolas seriam de melhor qualidade e os pais poderiam recusar a educação de
péssima qualidade, como atualmente o Estado oferece” (lembrando que esse debate era do
final da década de 1950).
Com isso, Ramos (1959, p. 495) defende que “é visível que a melhor educação só se
poderá obter em estabelecimentos particulares”. Seguindo o mesmo raciocínio, Ramos (1959,
p. 495) ressalta que “o caminho do Estado socialista prepara-se, preparando-se homens em
disponibilidade, embora hábeis na ciência ou na técnica. Alcançando o Estado socialista, as
crianças já são educadas, mas dentro de uma docilidade à filosofia do regime”. O que Ramos
observa diante disso, é que a melhor educação, que atinge gratuitamente ao maior número de
88

brasileiros, dentro do preceito constitucional e respeitando a liberdade e dignidade de cada


indivíduo, só pode ser a educação através dos estabelecimentos privados.
Em outro artigo intitulado O que defendemos, Abelardo Ramos (1961a, p. 5) discute
que “o laicismo de Estado significa, na verdade, a separação obrigatória entre o Poder
Político, concretizado no Estado, e os credos religiosos”. Porém, não significa a separação
obrigatória entre a Nação e a Religião. Ramos (1961a, p. 6) ressalta que “somente nos
regimes totalitários a vontade da Nação é substituída pela da facção governamental”. O
laicismo da Escola significaria, na fala do autor, a separação “entre a Nação e a Fé, a
separação entre o Homem e seu Criador”.
Segundo Ramos, a separação obrigatória entre o Estado e a religião poderia acontecer,
porém a separação entre a Nação e Deus seria impossível. Em relação ao laicismo do Estado,
o autor coloca que “se revogado estiver o laicismo do Estado, se o Estado se intromete, por
característica de função, no âmbito reservado à consciência, os próprios materialistas nos
ordenam disputar o Estado religioso, em que se houvera transformado o Estado leigo”
(RAMOS, 1961a, p. 8).
Em relação à liberdade de cátedra, o padre Humberto Rademakers escreve um artigo,
em maio de 1961, intitulado A Liberdade de Cátedra do Sr. Roque Spencer Maciel de
Barros40. Inicialmente, Rademakers fala da Constituição de 1946 no que diz respeito ao Art.
168, que garantia a liberdade de cátedra. Continua afirmando que “todo o professor está preso
à disciplina determinada que seja a sua cátedra. Incursões em outras matérias, divagações
sobre outros assuntos, são a ele, vedadas” (RADEMAKERS, 1961, p. 375).
É a partir desse momento que inicia as críticas ao educador Roque Spencer Maciel de
Barros. Rademakers (1961, p. 376), em seu artigo, destaca que “a liberdade de cátedra é a
liberdade de procurar a verdade com meios legítimos, e de ensinar a verdade conforme manda
a consciência, isto é, respeitando as limitações”. Dentro dessa fala, Rademakers descreve
Roque Spencer da seguinte maneira:

40
Dentre os docentes da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,
destacou-se a figura do Professor Roque Spencer Maciel de Barros. Em palestras, reuniões públicas e artigos na
imprensa, ele foi incansável na defesa da escola pública, laica e obrigatória. O que o situou de um modo muito
especial nessa campanha foi o fato de ter escolhido como tema principal de combate o princípio da liberdade de
ensino, que o Deputado Carlos Lacerda alegava ser o princípio filosófico de seu substitutivo. Naquele momento,
os que tomavam posição contrária a esse projeto eram pronta e levianamente acusados de adeptos de valores
antidemocráticos e de pretenderem o monopólio estatal da educação (AZANHA, 1999, p. 3).
89

Roque Spencer tem alergia de falar nos pais dos alunos, não quer ouvir o direito deles
e não conhece o respeito pela orientação do lar. Aliás, o próprio Sr. Roque
imediatamente sente que está sendo ingênuo demais e volta sem demora à decantada
liberdade de cátedra, não percebe que assim elimina não só a liberdade do aluno, mas
também e ao mesmo tempo a liberdade do direito, e do inspetor, pois quem ocupa a
cátedra é o professor e mais ninguém (1961, p. 377).

Diante das colocações, Rademakers vai mais longe, defende que Roque Spencer
queria acabar com a escola religiosa. Queria também, atribuir a todos os professores o direito
de anular a liberdade dos alunos. “Numa escola particular ideológica, a situação é diferente.
Os professores são escolhidos em obediência à orientação da escola em consonância com a
convicção básica dos alunos, isto é, dos pais. Valoriza o aluno e afirma a liberdade dos pais”
(RADEMAKERS, 1961, p. 378). Por fim, conclui Rademakers a sua fala, afirmando que a
liberdade de cátedra numa escola pública, consistiria em esconder sua própria ideologia e
religião.
Outro educador que será alvo de muitas críticas é Anísio Teixeira. Sobre essa questão,
em 1960, Alberto Ramos publica mais um artigo na Revista Vozes intitulado Pobre do pobre,
com Dr. Anísio, no qual defendia que era “pura demagogia” dizer que a Igreja Católica era
adversária da escola para o pobre. É nesse momento que entra a figura de Anísio Teixeira no
debate. “Foram os antecessores ideológicos do Dr. Anísio, seus padrinhos de todas as horas,
os que se rebelaram contra a educação do indivíduo de baixa extração” (RAMOS, 1960a, p.
454). Por isso, acrescenta o autor, é que “o plano anisiano, oferece habilidosa disposição de
obstáculos aos que desejam ascender” (RAMOS, 1960a, p. 455).
Continuando as críticas a Anísio Teixeira, Abelardo Ramos escreve outro artigo em
agosto de 1961, intitulado Dr. Anísio vem à Chuva, onde afirma que amadores e diletantes
pretendiam atrelar a escola pública a um sistema laicista e afastá-la da inspiração
espiritualista. Sobre essa questão, acrescenta que “de fato são amadores e diletantes em
educação os manipansos de esquerda, que só visam garantir, pela educação, a sobrevivência
de regimes” (RAMOS, 1961b, p. 619). Ramos defendia que em tal sistema não havia
educação, apenas existia uma preocupação jurídica de princípios que queriam a absorção dos
homens pelo Estado, aí levanta as seguintes questões:

[...] é possível, assim caminhar para a democracia? Quem arriscará a própria vida,
pela coletividade, na qual, segundo o ensino, não medram sentimentos altos, mas se
juntam libidos e volúpias incestuosas, toda uma corja, a lutar pela epiderme e o
paladar, a manter o espantalho moral, tão só para que nele venham corvos fazer a
sesta? (RAMOS, 1961b, p. 619).
90

Por fim, Ramos (1961b, p. 620) observa que “oculta à razão, porque uma escola cuja
existência decorre de limitações econômicas deve incorporar restrições de caráter ideológico”
e encerra o artigo dizendo que “o Estado pode ficar com a escola, mas que respeite aqueles
que pensam ao contrário e tenham ideias opostas. O que de fato importa é que se assegure a
liberdade de cátedra, princípio constitucional brasileiro” (1961b, p. 620).

2.4 Críticas dos liberais aos católicos

Nesse último tópico do capítulo dois, discutiremos as críticas dos liberais aos
católicos, através do artigo Solidariedades a Anísio Teixeira publicado em 1958, na Revista
Anhembi, artigo que, por sinal, não possui autoria. Também, utilizaremos nesse debate o livro
de Ester Buffa (1979), Ideologias em conflito: escola pública e escola privada. Finalizando o
capítulo, analisaremos questões pertinentes a esse debate, entre os educadores que defendiam
a escola pública através de suas publicações na Revista Anhembi e os intelectuais com forte
vínculo com a Igreja Católica que defendiam a escola privada através da Revista Vozes.
As manifestações de apoio e solidariedade a Anísio Teixeira, diante dos ataques que
sofria nos meios de comunicação veiculados com a Igreja e os proprietários das escolas
particulares, ocorriam com frequência. Por exemplo, professores da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de São José do Rio Preto, em manifesto dirigido a Anísio Teixeira, levaram
sua solidariedade, nos seguintes termos:

[...] a atitude do clero católico indica em última análise uma reação contra a nova
orientação do sistema educacional brasileiro, pois só agora o Brasil começa a entrar
nas etapas decisivas da luta para vencer seu subdesenvolvimento, mediante a
industrialização de sua economia, a urbanização de suas populações, a secularização
do serviço público em sua cultura e a democratização de sua vida política, fatores de
progresso nacional que permitem e exigem a educação popular (BUFFA, 1979, p.
33).

A análise do trecho nos reporta ao Brasil da década de 1950, período do nacional-


desenvolvimentismo, já discutido no primeiro capítulo, onde é acelerado o processo de
industrialização, financiado pelo capital internacional, inicia-se um forte processo de
urbanização, em que as pessoas começam a deixar o meio rural para trabalhar nas indústrias.
91

Para isso, precisava-se preparar mão-de-obra qualificada, e isso aconteceria na escola. Nesse
contexto, educadores liberais se colocaram ao lado da escola pública, ao passo que
intelectuais conservadores se posicionaram a favor de escola privada.
Voltando à questão das solidariedades a Anísio Teixeira, a Faculdade de Filosofia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Congregação da Faculdade de Filosofia da
Universidade do Rio de Janeiro também se manifestam solidárias a Anísio Teixeira. Porém,
tomaremos como ponto de discussão a Universidade de São Paulo, por meio de mensagem em
apoio a Anísio Teixeira, enviada pela Faculdade de Filosofia, nestes termos:

Os professores da Faculdade de Filosofia sentem-se no dever de apresentar, ao


eminente educador brasileiro, sua solidariedade de professores e democratas no
momento em que o Episcopado Católico da Província de Porto Alegre contra ele
representa ao Presidente da República, solicitando seu afastamento das altas funções
que desempenha na administração federal do ensino. Todas as pessoas que
conhecem a realidade do ensino no Brasil e as atividades de Anísio Teixeira podem
atestar que nenhuma dessas acusações é verdadeira. É de todo sabido que a escola
particular, confessional ou não, vem recebendo do Governo crescentes e substanciais
verbas, em detrimento do ensino público, constitucionalmente obrigatório e gratuito
em seus setores de base. Devemos ressaltar que a fiscalização do ensino privado
pelos poderes públicos não logrou ainda fazer cumprir, pelas leis do país. Não pode
ser por ninguém contestado que Anísio Teixeira é contra o monopólio da educação
pelo Estado, é contra a escola única e é contra o sistema atual de administração
escolar centralizado (REVISTA ANHEMBI, 1958b, p. 536-537).

Esses mesmos setores da administração pública, segundo a Revista Anhembi


juntamente com todos os educadores e professores conscientes, não podem deixar de ver que,
no momento em que lançam as bases definitivas da industrialização do país, a estrutura do
ensino secundário continua voltada, em seus aspectos para ideais pedagógicos típicos de
“nação colonial e retardatária”. Continuando a nota de apoio,

[...] reafirmamos nossa solidariedade a Anísio Teixeira nos generosos,


constitucionais e patrióticos esforços em que empenham para equipar o país de um
sistema de ensino público, universal, gratuito, eficiente, que será o mais poderoso
instrumento social capaz de tornar realidade e experiência humanas as possibilidades
democráticas construídas e permitidas pela industrialização (REVISTA ANHEMBI,
1958b, p. 539).
92

Por fim, “a escola leiga ou pública não é materialista porque, sendo ela a escola de
todos, é a única que não se torna instrumento de uma doutrina, igreja, partido ou ideologia”
(REVISTA ANHEMBI, 1958b, p. 539). A neutralidade e a objetividade da escola leiga ou
pública, não impedem que qualquer de seus alunos abrace quaisquer valores definidos na
formação de si mesmo. Por todos esses motivos, “reivindicamos a extensão da escola pública,
universal, gratuita, por ser a única acessível à maioria do povo, por ser a única capaz de
assegurar a liberdade de consciência e por ser a mais indicada para atender às necessidades do
progresso material e espiritual de todos os brasileiros” (REVISTA ANHEMBI, 1958b, p.
539).
Observamos que, ao tratar do embate ideológico sobre a educação brasileira, na
década de 1950 e início da década de 1960, período que estava sendo discutida a primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei n. 4.024/61, e mesmo as discussões
realizadas logo após a sua promulgação, é possível constatar que os diferentes grupos de
intelectuais tinham visões diferentes da educação e atribuíam a ela diversos objetivos, em
função de interesses de classe. Nesse período que estudamos, a educação surgia como uma
instituição capaz de dar uma formação para o homem e através desta, ajudaria a superar as
dificuldades econômicas enfrentadas pela maioria da população.
Apesar das divergências dos grupos, como foi assinalado ao longo desse capítulo,
pode-se afirmar que esses grupos possuíam uma característica em comum: constituíam-se em
propostas que viam a educação como um instrumento que poderia atuar de uma maneira
significativa sobre os homens e a esfera social, provocando mudanças ou evitando-as, além de
contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade brasileira. Em outras palavras, boa parte dos
educadores envolvidos nessa discussão não percebiam que o problema educacional era uma
manifestação no nível da escola, de vários problemas, que se localizavam no campo social,
político e econômico.
Nesses termos, por maiores diferenças que esses grupos envolvidos no debate
demonstravam, as propostas sugeridas eram superficiais, porque na realidade não
questionavam ou melhor, desconsideravam as relações materiais estabelecidas na sociedade.
No grupo de intelectuais que defendia a escola pública, predominava a ideia de que a escola
seria um fator para reduzir as diferenças existentes entre os indivíduos, até porque não existia
entre eles, um posicionamento de análise que levasse em conta as determinações das relações
de produção. Por outro lado, para os intelectuais representantes da Igreja Católica, a escola
privada seria o resgate das tradições católicas do passado, o que significaria a superação da
93

crise moral. Já para os educadores liberais, a escola seria a chave da emancipação nacional,
como era defendida nos anos 1930.
Dessa maneira, os grupos em conflito nas décadas de 1950 e 1960, elaboraram seus
discursos de acordo com seus interesses de classe, procurando associar as ideias defendidas
com os “interesses” da população brasileira. Portanto, a escola que se configurou ao longo
desse debate e dos movimentos relacionados não surgiu de um momento para outro, todavia,
se constituiu em projetos de classe determinados pelas forças políticas envolvidas na
discussão.
94

3 O MANIFESTO DE 1959: CONCEPÇÃO DE PÚBLICO

A proposta desse capítulo é estudar o Manifesto de 1959 dando ênfase especial à


concepção de público presente no documento. Para isso, o capítulo se dividirá em cinco
tópicos. No primeiro, mostraremos A origem do Manifesto de 1959; no segundo, estudaremos
a Estrutura do Manifesto de 1959. Já no terceiro, enfatizaremos os principais Personagens em
destaque – trajetória de alguns signatários (Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Paschoal
Lemme e Florestan Fernandes); no quarto, buscamos mostrar as Inovações do Manifesto de
1959 em relação ao Manifesto de 1932; por fim, no quinto, enfatizaremos A concepção de
público no Manifesto de 1959.

3.1 A origem do Manifesto de 1959

A referência principal desse tópico é o artigo de João do Prado Ferraz de Carvalho


(2008), A origem do Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados, de 1959, na
correspondência de alguns de seus signatários.
Nas cartas trocadas entre Fernando de Azevedo, Paschoal Lemme, Anísio Teixeira,
dentre outros, podemos perceber que o lançamento de um Manifesto de educadores foi, por
várias vezes, “ensaiado durante a década de 1950 e que a preocupação de torná-lo um
documento-memória acompanhou todas as etapas de sua elaboração até sua divulgação
pública em 30 de junho de 1959” (CARVALHO, 2008, p. 1). Tendo sempre como referência
a repercussão do texto de 1932, a elaboração de um novo documento de educadores era tema
constante nas correspondências trocadas entre dois signatários importantes do primeiro
Manifesto, Fernando de Azevedo e Paschoal Lemme.
Em carta de 20 de setembro de 1952, Paschoal Lemme escreve a Fernando de
Azevedo comunicando que teve notícias sobre a “oportunidade do lançamento de um novo
manifesto”. Concordando com tal posição, “Lemme defendia que essa necessidade estava
atrelada à desarticulação dos educadores brasileiros naquele início da década de 1950,
motivos de suas críticas inclusive à Associação Brasileira de Educação” (CARVALHO, 2008,
p. 1).
95

O objetivo de Paschoal Lemme era buscar a ação unificada dos educadores brasileiros
e para isso já havia proposto a criação de outra associação que os congregasse e os
impelissem à defesa unificada das questões educacionais, pois acreditava que a ABE não o
vinha fazendo. As justificativas de Lemme para tais posicionamentos ficam explícitas em
carta de 29 de maio de 1955, novamente endereçada a Fernando de Azevedo. Lemme escrevia
que há algum tempo vinha se “preocupando seriamente com a questão da unidade dos
educadores brasileiros, rompida em 1931, na Confederação de Niterói: situação essa depois
agravada, por motivos bem conhecidos” (CARVALHO, 2008, p. 2). Em busca dessa
“unidade” chega a propor, como atesta a mesma carta, a criação de uma Academia Brasileira
de Pedagogia, proposta essa que chega a ser detalhada na referida carta.
Em resposta, datada de 4 de junho de 1955, Fernando de Azevedo, após saudar com
satisfação a carta que quebrava “um longo silêncio”, afirmava que ficara muito contente em
saber que Paschoal Lemme preocupava-se “com o problema da união dos educadores
brasileiros” e, descartando a ideia de fundação de uma Academia Brasileira de Pedagogia –
receando que “esse academicismo e pedagogismo” pudessem “concorrer para se meterem a
uma das coisas mais sérias e mais graves da vida, que é a formação do homem, e uma das
campanhas mais belas e fecundas como essa que resultou a obra de renovação educacional no
Brasil” (CARVALHO, 2008, p. 4).
A ideia de lançamento de um documento de educadores que buscasse influir nas
questões educacionais foi tema recorrente na troca de correspondências entre alguns
signatários. O impacto que, na visão dos pioneiros, o Manifesto de 1932 tivera na história
educacional do país, inclusive tendo sido considerado quando da elaboração dos textos de
duas constituições levava esses educadores a manterem a ideia de um novo documento.
Porém, essa referência ao valor histórico do Manifesto de 1932 e o entendimento segundo o
qual esse era um documento que mantinha sua atualidade, nem sempre era compartilhada no
mesmo tom por todos. Assim, quando no início de 1959 as articulações em torno da
elaboração da LDB que tramitava na Câmara Federal caminhavam para momentos decisivos,
a elaboração de um novo documento volta à tona.
Para Paschoal Lemme, somente o “prestígio” de Fernando de Azevedo seria “capaz de
emprestar o sucesso” à iniciativa de um novo documento de educadores. Por isso, era a esse
educador paulista, redator do Manifesto de 1932, que fazia a sugestão de uma nova tomada de
posição conjunta, segundo Carvalho (2008, p. 5), “posição que deveria estar alicerçada na
tradição que o documento inaugurava, por isso o líder dos pioneiros da educação nova era a
figura ideal para redigir o novo posicionamento”.
96

A possibilidade de lançar o novo Manifesto numa Conferência da ABE (década de


1950), no caso a décima terceira, era visto por Paschoal Lemme como uma oportunidade de
ampliar o leque de adesões e garantir um caráter mais equilibrado politicamente ao
documento, aumentando suas possibilidades de intervenção concreta na realidade
educacional. O Manifesto de 1959 seguia duas linhas básicas: a defesa da escola pública
como um instrumento democrático e, segundo, a discussão da relação entre a educação e o
desenvolvimento econômico. Pode-se dizer que a influência de Paschoal Lemme sobre o texto
de 1959 foi decisiva, inclusive para a definição das teses centrais que o documento
apresentaria.
As articulações de Paschoal Lemme “objetivavam uma atuação unificada dos
educadores brasileiros na defesa da escola pública, porém, em nenhum momento esse objetivo
era entendido como sendo por si só suficiente para fazer com que a causa da escola pública
servisse ao avanço da sociedade brasileira” (CARVALHO, 2008, p. 12). Defendendo o
envolvimento dos educadores brasileiros com o “movimento nacionalista e progressista” que,
na sua visão, estava em crescimento no Brasil desse período. A participação decisiva de
Paschoal Lemme não diminui em nada a já conhecida importância de Fernando de Azevedo
na elaboração do novo documento de educadores.
O Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados de 1959, não teve a mesma
trajetória histórica do consagrado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. Para
refletirmos sobre esta questão, é fundamental frisar que boa parte da repercussão histórica do
primeiro Manifesto deve ser atribuída à atuação dos seus principais signatários, no momento
posterior do seu lançamento, o que equivale dizer que a construção da memória do documento
de 1932 foi trabalhada pelos seus próprios signatários. “Em vários momentos posteriores à
sua produção, esse Manifesto funcionou como um instrumento nas diversas batalhas pela
educação que seus signatários se envolveram na busca da reconstrução educacional do País”
(CARVALHO, 2008, p. 13). Os autodenominados “pioneiros da educação nova” não
cansaram de utilizar tal fato para marcar as bases de onde falavam e de lembrar a todos os
objetivos da sua obra, enfim, de cultuar a memória de “pioneiros”.
Por fim, o Manifesto de 1959 que foi produzido no calor das disputas que se travavam
em torno da produção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, não obteve o mesmo
resultado do documento de 1932, em virtude do envolvimento posterior de vários de seus
signatários com a radicalização do processo político que sucedeu ao período de sua
divulgação, levando-os a posicionamentos diversos. Com isso, a ideia de uma frente de
97

intelectuais de diferentes matrizes ideológicas, que presidiu a proposta de tal documento,


perdeu força.

3.2 Estrutura do Manifesto de 1959

Antes de analisar a concepção de público no Manifesto julga-se importante reconstruir


os tópicos gerais que o constituem. Também, mostraremos ao final desse tópico uma tabela
com o nome e a profissão de todos os signatários do Manifesto de 1959. O documento para o
qual confluíram os aspectos básicos da campanha em defesa da escola pública, redigido na
forma de Manifesto, foi estruturado com os seguintes tópicos:
1. Manifesto ao povo e ao governo: O texto inicia mostrando a necessidade, mais uma
vez, da manifestação dos educadores junto ao povo e ao governo, instando que o conteúdo do
Manifesto de 1932, que era um plano para o futuro, agora, diante das transformações
ocorridas no Brasil, se torna matéria inadiável como programa de realizações práticas.
2. Um pouco de luz sobre a educação no país e suas causas: Faz um breve diagnóstico
da educação no Brasil mostrando que suas carências não podem conduzir a uma opinião
negativa sobre a educação pública, culpando a vítima pelo abandono a que foi relegada pelos
governos. E aponta as causas dos problemas enfrentados pela escola pública: “o rápido
crescimento demográfico; o processo de industrialização e urbanização em ritmo acelerado; as
mudanças econômicas e socioculturais” (MANIFESTO, 1959, p. 73).
3. Deveres para com as novas gerações: Chama atenção para a responsabilidade dos
dirigentes para com a formação das novas gerações que se constitui não como um favor, mas
como um direito, cujo atendimento deve ser exigido e do qual depende o futuro do país.
4. O Manifesto de 1932 e o Projeto de Diretrizes e Bases: Esse tópico evidencia que os
dispositivos relativos à educação fixados na Constituição de 1934 e reiterados na Constituição
de 1946, que desembocaram no projeto das diretrizes e bases da educação nacional, derivam
do programa formulado no “Manifesto de 1932”.
5. A escola pública em acusação: Rebate as críticas à escola pública, mostrando que os
privatistas buscam atingir três objetivos comuns: “que o ensino seja ministrado pelas
entidades privadas e apenas supletivamente pelo Estado; que o ensino particular não seja
fiscalizado pelo Estado; que o Estado subvencione as escolas privadas” (MANIFESTO, 1959,
p. 79). É isso o que os defensores da escola privada estavam defendendo sob a bandeira da
98

liberdade de ensino, um ensino livre da fiscalização do poder público, mas remunerado pelos
cofres públicos.
6. Violentas reações a essa política educacional em outros países: A posição privatista
já se fez presente em outros países, como na Itália, no final da década de 1940, e na França,
em 1959, concomitante ao que estava ocorrendo no Brasil. Todavia, nesses países, a
população, liderada pelos intelectuais mais expressivos, reagiu contra essa postulação.
7. As duas experiências brasileiras de liberdade de ensino: O texto reporta-se à
experiência do ensino livre da Reforma Leôncio de Carvalho, de 1879, e da Reforma
Rivadávia, de 1911, mostrando que em ambas os resultados foram desastrosos, obrigando o
Estado a revertê-las.
8. Em face da Constituição, já não há direito de escolha: Mostra que, diante da
Constituição, não há como fazer prosperar o projeto dos privatistas. Com efeito, a
Constituição é clara ao afirmar que a educação é dever do Estado, devendo ser ministrada
obrigatoriamente pelos poderes públicos, sendo livre à iniciativa privada. Assim, o projeto
privatista, ao inverter esses termos, resulta inconstitucional.
9. A educação – monopólio do Estado? Refuta a acusação de que os defensores da
escola pública estariam querendo instaurar o monopólio estatal do ensino. “Mostra-se que não
é contra a iniciativa privada. Ao contrário, defende-se a mais ampla liberdade de iniciativa no
campo educacional” (MANIFESTO, 1959, p. 87).
10. Pela educação liberal e democrática: Esclarece que a educação pública é uma
conquista da democracia liberal do século XIX, que se consolidou como resposta às
exigências do desenvolvimento da civilização baseada na ciência. “O Manifesto (1959, p. 90)
posiciona-se em defesa de uma escola pública inspirada nos ideais democráticos, que ministre
uma educação liberal e democrática voltada para o trabalho e o desenvolvimento econômico,
portanto, para o progresso das ciências e da técnica como base da sociedade industrial”.
Defende também, uma escola pública de caráter universal, obrigatória e gratuita em todos os
graus e integral, isto é, que propicie o maior desenvolvimento das capacidades físicas, morais,
intelectuais e artísticas de todas as crianças, adolescentes e jovens.
11. Educação para o trabalho e o desenvolvimento econômico: Explicita-se a
necessidade de que a educação esteja sintonizada com o seu tempo e com as características da
sociedade em que se insere, contribuindo para o seu desenvolvimento. “Para isso, deve tornar
a mocidade consciente de que o trabalho é a fonte de todas as conquistas materiais e culturais
da sociedade, incutindo o respeito pelo trabalho e pelo trabalhador e ensinando a utilizar as
99

realizações da ciência e da técnica para o bem-estar da população” (MANIFESTO, 1959, p.


91).
12. Para a transformação do homem e de seu universo: Aqui aponta para o fato de que,
em princípio, ao homem que ingressou na era tecnológica nada há de impossível no que se
refere à transformação das condições favoráveis ou adversas de seu ambiente. Para isso, faz-
se necessária a preparação científica e técnica das novas gerações, de modo que possam lançar
mão de todos os recursos propiciados pela civilização atual.
13. A história não avança por ordem: Enfim, o Manifesto registra as profundas
transformações que tornaram a economia industrial preponderante e determinaram mudanças
nos sistemas de ensino, ampliando-os consideravelmente e obrigando-o a acolher toda a
população em idade escolar, o que os tornou uma obra de tal magnitude suscetível de ser
efetivada somente pelo Estado. Observa-se que, contra essa obra, se levantam forças
reacionárias que buscam reconquistar a direção ideológica da sociedade, numa espécie de
retorno à Idade Média. Segundo o Manifesto (1959, p. 95), “essas forças propõem-se a
inverter o sentido daquela obra, utilizando os recursos do erário público para manter escolas
privadas que, sem serem fiscalizadas, ainda teriam o direito de cobrar pelo ensino,
mercantilizando as escolas”. Esses são desvios no processo histórico da educação.
Já que a história não avança por ordem, trata-se de saber por quais desordens,
criadoras ou arruinadoras, deve-se estabelecer a ordem. Após esperar o reconhecimento do
desprendimento, desinteresse pessoal e devotamento à causa do ensino por parte dos
defensores da escola pública, o Manifesto de 1959, encerra-se reafirmando o direito e o dever
dos seus signatários de lutar por uma política que atenda às aspirações educativas das massas
populares; e de se opor a todas as medidas radicais que, sob as aparências enganadoras de
liberdade, tendem a conduzir ao caminho da anarquia senão das pressões ideológicas, abertas
ou dissimuladas.
Agora observamos o quadro com todos os signatários do Manifesto de 1959,
indicando o nome e a profissão.

Quadro 4 - Relação dos signatários do Manifesto de 1959.


Nome Profissão
A. Carneiro Leão Professor
Abraham Hirsz Zimermann Professor /físico
A. Menezes de Oliveira ----
Abgar de Castro Araújo Renault Professor/escritor/político
Adalberto Correia Sena Professor/jornalista
Afonso Saldanha Professor
100

Afonso Varzea Professor


Afrânio Coutinho Professor/médico/jornalista
Alberto Pizarro Jacobina Escritor
Albino Peixoto Professor
Aldo Muylaert Professor
Alfredina de Souto Sales Sommer ----
Alice Pimenta ----
Álvaro Kikerry Professor
Álvaro Palmeiro ----
Alvércio Moreira Alves ----
Amilcar Viana Martins Professor/médico/pesquisador
*Anísio Spínola Teixeira Professor
Anne Danon Professora/imunologista
Antonio Candido de Melo e Souza Professor/crítico literário
*Antônio Ferreira de Almeida Júnior Professor
*Armanda Álvaro Alberto Professora
Armando de Campos Professor/responsável pela proposta do
cinema educativo
Arthur Moses Médico/pesquisador
Augusto de Lima Filho Jornalista/historiador
Augusto Rodrigues Professor/artista plástico
Azis Simão Professor/sociólogo
Baltazar Xavier Professor
Bayart Damaria Bolteaux Professor/economista
Branca Fialho Professora
Carlos Corrêa Mascaro Professor
Carlos Delgado de Carvalho Professor
Carlos Lyra ----
*Cecília Meirelles Professora/escritora/jornalista
Celita Barcelos Rosa Professora
Celso Kelly Professor/escritor/jornalista
César Lattes Professor/físico
César Veiga ----
Dalila Quitete Professora
Darcy Ribeiro Professor/sociólogo/antropólogo
David Perez Professor/jornalista
Diógenes Rodrigues de Oliveira ----
Douglas Monteiro ----
Dulce Kanitz Professora
Egon Schaden Professor/antropólogo
Ester Botelho Orêstes ----
Eurípedes Simões de Paula Professor/advogado/historiador
Euryalo Cannabrava Professor/filósofo
*Fernando de Azevedo Professor
Fernando Henrique Cardoso Professor/sociólogo/político
Florestan Fernandes Professor/sociólogo/pesquisador/político
Francisco Montojos Engenheiro/educador
Fritz De Lauro Professor/médico/apoiava o cinema
educativo
101

Gabriel Fialho Professor/físico


Gastão Gouvêa ----
Geraldo Bastos Silva Professor/historiador
Gui de Holanda Professor/historiador
Haiti Moussatché Professor/médico/pesquisador
Helena Moreira Guimarães ----
*Hermes Lima Professor
Honório Peçanha Professor
Hugo Regis dos Reis Professor/engenheiro/pesquisador
Inezil Pena Marinho Professor/educação física
Ismael França Campos ----
Irene de Melo Carvalho Professora
José Leite Lopes Professor/químico/físico/pesquisador
Jacques Danon Professor/físico/pesquisador
Jaime Bittencourt ----
Jayme Abreu ----
João Cruz Costa Professor/filósofo/historiador
Joaquim de Faria Góes Filho Professor
Joaquim Pimenta Professor/advogado
Joaquim Ribeiro Professor/físico
Joaquina Teixeira Daltro Professora
Joel Martin Professor
Jorge Barata ----
Jorge Figueira Machado Professor
Jorge Leal Ferreira Professor/físico
José Alberto de Melo ----
José Augusto B. de Medeiros Advogado/político/professor
José de Almeida Barreto ----
José de Faria Góes Sobrinho Professor
José Lacerda Araújo Feio Professor/médico/historiador
*Júlio de Mesquita Filho Jornalista
Juracy Silveira Professora
Luis Fernando Gouvêa Laboriau Professor/botânico
Laerte Ramos de Carvalho Professor/historiador/escritor
Letelba Rodrigues de Brito ----
Lídio Teixeira ----
Linneu Camargo Schultzer Professor
Ismael França Campos ----
Lúcia Marques Pinheiro ----
Luis de Castro Faria Professor/antropólogo
Luís Eucídio Melo Filho ----
Luis Palmeira ----
Iva Weisberg Professora/psicóloga
Manoel de Carvalho ----
Maria Geni Ferreira da Silva ----
Maria Isaura Pereira de Queiroz Professora/socióloga
Maria José Garcia Wereb Professora
Maria Laura Monsinho ----
102

Maria Isolina Pinheiro ----


Maria Thetis Professora/historiadora
Maria Yedda Linhares Professora/historiadora
Mariana Alvim Professora/psicóloga
Mário Barata Professora/historiador
*Mario Casasanta Professor
Mário de Brito ----
Mário Travassos ----
Mecenas Dourado ----
Mendonça Pinto ----
Miguel Reale Professor/jurista/filósofo
Milton da Silva Rodrigues ----
Milton Lourenço de Oliveira ----
Modesto de Abreu ----
Moises Brejon Professor
Nelson Martins ----
Nelson Werneck Sodré Militar/historiador/escritor/professor
Neusa Worllo ----
Niel Aquino Casses Professor/filósofo
*Nobrega da Cunha Jornalista
Oswaldo Frota Pessoa Professor/geneticista
Ophelia Boisson Professora/pesquisadora
Oracy Nogueira Professor/sociólogo/antropólogo
Otacílio Cunha Professor da Escola Naval/almirante/presidiu
o CNPq de 1961 a 1962
Otavio Dias Carneiro Embaixador/economista/ministro
Oto Calos Bandeira Duarte F. ----
*Paschoal Lemme Educador
Paulo Campos Advogado/deputado
Paulo Duarte Advogado/jornalista/pesquisador na área da
pré-história
Paulo Leal Ferreira Professor/físico
*Paulo Maranhão Professor/jornalista/deputado
Paulo Roberto de Paula e Silva ----
Pedro Gouvêa Filho Cineasta da educação/Diretor do Instituto
Nacional do Cinema Educativo
Perseu Abramo Sociólogo/professor/jornalista
Raul Bittencourt Professor/médico/economista
*Raul Gomes Diretor de escola/inspetor escolar
Raul Sellis ----
Renato Jardim Moreira Professor/sociólogo
Roberto Cardoso Oliveira Professor/antropólogo
Roberto Danemann ----
Rubens Falcão Professor/jornalista
Rui Galvão de Andrada Coelho Professor/sociólogo
Ruth Correia Leite Cardoso Professor/antropóloga
Samuel Wereb ----
Sérgio Buarque de Holanda Professor/advogado/historiador
Silvestre Ragusa Professor/físico
103

Silvia Bastos Tigre Professora/escritora


Silvia Maurer Professora/pesquisadora na área da
psicologia
Tarcisio Tupinambá Professor/historiador
Tasso Moura Professor
Teófilo Moisés Professor
Terezinha de Azeredo Fortes Professora
Thales Mello de Carvalho Professor/matemático
Valdemar Marques Pires Professor
Víctor Staviarski Professor
Viriato da Costa Gomes ----
Wilson Cantoni Professor
Wilson Martins Professor/crítico literário/escritor
Zenaide Cardoso Schultz Professora
Zilda Faria Machado ----
Fonte: BEDIN, 2011, p. 60-64. *Signatário fez parte do Manifesto de 1932. ---- Informação
não disponível.

Olhando o quadro, percebemos que depois de vinte e sete anos do primeiro Manifesto,
novamente intelectuais brasileiros vêm a público. Porém, dessa vez o número de signatários
era mais expressivo, são mais de cento e sessenta participantes, dentre os quais, treze
signatários do Manifesto de 1932. Grande parte desses signatários, assim como no Manifesto
de 1932, eram professores, dentre os quais havia sociólogos, antropólogos, médico, cientistas,
físicos, estudiosos de renome internacional, que tinham um objetivo em comum: a defesa da
escola pública, gratuita, obrigatória e laica.

3.3 Personagens em destaque: trajetória de alguns signatários

Nessa parte da dissertação, discutiremos a trajetória de alguns personagens que


estavam envolvidos no debate das décadas de 1950 e 1960 em relação à defesa da escola
pública. Como foram mais de cento e sessenta intelectuais que assinaram o Manifesto dos
Educadores de 1959, é impossível trabalhar com a trajetória de todos, então escolhemos
quatro signatários que se destacaram nesse debate: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,
Paschoal Lemme e Florestan Fernandes. Apesar de apresentarem algumas divergências, o
que unia esse grupo era a defesa da escola pública, obrigatória, gratuita e laica. A seguir,
destacaremos a trajetória desses signatários.
104

3.3.1 Anísio Teixeira

Inicialmente, Anísio Teixeira41, em sua obra Educação é um direito, defendia que a


essência da teoria democrática “é a supressão de qualquer imposição de classe, fundada no
postulado ou na crença de que os conflitos e problemas humanos sejam econômicos, políticos
ou sociais, são solucionáveis pela educação, isto é, pela cooperação voluntária, mobilizada
pela opinião pública esclarecida” (1996, p. 58). Fica claro que essa opinião pública terá de ser
formada à luz dos conhecimentos existentes, e assim, a pesquisa científica nos campos das
ciências naturais e das chamadas ciências sociais deverá se fazer a mais ampla, a mais livre
em termos que os tornem acessíveis a todos. A experiência democrática só acontecerá quando,
além da educação, se tiverem organizado o sistema de pesquisas e o sistema de difusão dos
conhecimentos. Teixeira destaca que o direito à educação faz-se um direito de todos,

[...] porque a educação já não é um processo de especialização de alguns para certas


funções na sociedade, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição
à sociedade integrada e nacional, que se está constituindo com a modificação do tipo
de trabalho e do tipo de relações humanas. Dizer-se que a educação é um direito é o
reconhecimento formal e expresso de que a educação é um interesse público a ser
promovido pela lei (1996, p. 60).

Com isso, trata-se da instituição do direito individual à escola para todos os


brasileiros, que ficam na obrigação de frequentá-la no nível primário. A educação primária,
passa a constituir o dever do Estado. Já não se cuida do poder de estimular e promover a
educação, mas da imposição de oferecer facilidades educativas, no nível primário, a todos os
brasileiros.
Em relação a programas, métodos de ensino, condições de matrículas, dentre outros,
Anísio Teixeira descreveu, no artigo intitulado A escola pública, universal e gratuita,
publicado em 1956, que “tudo está regulado por lei, e o estabelecimento federal em nada
difere dos estabelecimentos de ensino particular no que diz respeito ao controle das atividades
educativas” (1956a, p. 6). Por outro lado, difere destes nas dificuldades de se administrar o

41
Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité na Bahia, em 12 de julho de 1900. Durante toda a sua vida foi um
educador comprometido com a defesa da escola pública. Isso ficou claro, na década de 1930 e principalmente
nas décadas de 1950 e 1960. Faleceu em 14 de março de 1971.
105

que vem conduzindo o país “a uma idealização das condições do ensino privado, tido na visão
conservadora como mais eficiente do que o público” (TEIXEIRA, 1956a, p. 7).
Continua Anísio (1956a, p. 7), em seu artigo, que “o mal é grande, mas poderia ser
muito pior, se estivesse a cargo do Governo Federal toda a educação nacional. Nos Estados a
situação é mais grave, por isso que há grandes serviços educacionais com milhares de escolas
públicas”. Por fim, o autor conclui que “tais escolas, quando estaduais, encontram-se sob o
controle de um governo unificado como o federal, isto é, transformado todo ele em uma só
repartição, com serviços à parte e centrais de pessoal e material, o que torna impossível a
administração individual de cada escola” (TEIXEIRA, 1956a, p. 8).
Pouco importava o número das escolas. Teixeira (1956a, p. 9) ressaltava que na
década de 1950 todas as escolas “deveram ter o máximo de autonomia, sendo a sua unidade
não imposta, embora resultado de ideias, conhecimentos e práticas comuns”. Nessa unidade
haverá todas as diversificações, segundo as circunstâncias de tempo, lugar e pessoa. As
escolas, segundo Teixeira (1956a, p. 10) “só voltarão a ser vivas e humanas quando se
libertarem de todas as centralizações impostas e quando seu professorado e pessoal a ela
pertencerem, em quadros próprios da escola”, participando de todas as suas decisões e
assumindo todas as responsabilidades. Teixeira ainda destaca que a educação e a escola são
vítimas:

1) da organização monolítica do Estado, que não reconheceu que os serviços de


educação precisavam de organização própria e autônoma;
2) da consequente centralização, nos serviços comuns do Estado, do seu pessoal e,
em parte pelos menos, do seu material;
3) da concepção errônea de que o processo educativo podia ser objeto de estrito
controle legal;
4) de sua consequente organização em serviço de controle e fiscalização legalísticos,
centralizando e mecanizado como qualquer outro serviço fiscal do Estado;
5) de uma concepção de “ciência da administração”, como algo de autônomo e geral,
que se pode aplicar a todos os campos, constituindo-se, por isso, o administrador em
um especialista em tudo, capaz de organizar seja lá o que lhe der na telha organizar,
resultando daí um tipo de organização divorciado do verdadeiro conhecimento do
conteúdo da administração com a hipertrofia inevitável de meios e processos
puramente formais, e na realidade, formalístico, que desatendem e desprezam os fins
(1956a, p. 14).

Diante disso, as escolas deveriam se constituir em órgãos autônomos, sujeitas ao


controle e fiscalização de órgãos centrais, também governadas por normas estabelecidas por
conselhos técnicos. Somente assim poderia o Estado manter escolas com a mesma capacidade
106

de eficiência com que mantêm as entidades privadas, isto é, em obediência à natureza da


atividade educacional.
Em outro artigo que Anísio Teixeira escreveu, intitulado Administração pública
brasileira e a educação, defende que dentro do espírito de escola como instituição
profissional, “a escola, quando pública, faz-se uma instituição pública especial, gozando de
autonomia diversa da de qualquer pura e simples repartição oficial, pois a dirigem e servem
profissionais específicos, que são mais profissionais do que funcionários públicos” (1956b, p.
13). O Estado é que confiaria a órgãos locais, previstos na lei orgânica dos municípios ou
numa lei orgânica de educação, a administração,

[...] por motivos de expediente, pois o órgão local seria mais eficiente do que o
órgão estadual, distante na gerência da escola; por motivos sociais, pois assim
melhor se caracteriza a natureza local da instituição e o seu enraizamento na cultura
local; e ainda por motivos econômicos, pois isto permitiria a adaptação da escola aos
níveis econômicos locais (TEIXEIRA, 1956b, p. 15).

Com isso, o autor entende que o princípio da autonomia, consagrado à universidade


tem de se estender a todas as escolas como o princípio fundamental de organizações de
ensino. As limitações dessa autonomia devem ser apenas aquelas impostas pela necessidade
de eficiência, o que se verifica nos casos em que ao professorado falte experiência ou
raciocínio suficiente para a autonomia.
Nessa mesma linha, Esquinsani, em sua obra Educação e ideologia: o caso Anísio
Teixeira, descreve que, para Anísio Teixeira, “a escola pública representava um exercício de
democracia, na medida em que permitia que um número maior de pessoas tivesse acesso à
educação, essa fornecida pelo Estado e dotada de princípios como laicismo, que ia de
encontro aos propósitos da Igreja” (2002, p. 123). Nesse sentido, a escolha do país pela escola
privada representava ratificar a educação tomada de uma orientação católica, o que garantia à
Igreja Católica duplo espaço: o espaço de formação doutrinária e o espaço para continuar
atuando na educação.
Em outro artigo de Anísio Teixeira, denominado Educação – problema da formação
nacional, argumenta que “a educação comum, para todos, já não pode ficar circunscrita à
alfabetização ou à transmissão mecânica das três técnicas básicas da vida civilizada – ler,
escrever e contar” (1958, p. 22). Muito pelo contrário, precisa formar, “quando possível, nos
seus alunos, hábitos de competência executiva como os de sociabilidade, ou seja, interesse na
107

companhia de outros para o trabalho ou o recreio” (TEIXEIRA, 1958, p. 22). O autor conclui
sua observação ressaltando que “as escolas devem e precisam ser de tempo integral para os
alunos e servidas por professores de tempo integral” (1958, p 22).
No mesmo artigo, Teixeira descreve que na fase de desenvolvimento que vem
entrando o Brasil (década de 1950), “a educação deixa de ser o tema sentimental de vagos
idealistas para se fazer uma das necessidades do seu povo. O dever do governo é o dever de
oferecer ao brasileiro uma escola capaz de lhe dar a formação fundamental ao seu trabalho
comum” (1958, p. 23). Com isso, a escola primária que irá dar ao brasileiro esse mínimo
fundamental de educação não é uma escola preparatória para estudos posteriores. “A sua
finalidade é, como diz o seu próprio nome, ministrar uma educação de base, capaz de habilitar
o homem ao trabalho nas suas formas mais comuns” (TEIXEIRA, 1958, p. 23). Ela é que
forma o trabalhador nacional em sua grande massa.
Observamos que Anísio Teixeira privilegiava o uso das verbas públicas para escolas
públicas e buscava ampliar a influência da escola primária sobre o aluno, aumentando em um
ano a escolaridade gratuita nesse nível de ensino. Essas propostas acabaram “irritando os
líderes católicos que viam na sua atuação uma verdadeira ‘desagregação nacional’ através de
uma velada e sutil restrição aos interesses da Igreja e de suas ‘legítimas aspirações
confessionais’, como esbravejava o deputado Fonseca e Silva em diversas acusações”
(NUNES, 2000, p. 116).
A atuação de Anísio Teixeira instaurou uma polêmica nacional que incorporou ao
debate vários segmentos da sociedade e poderes públicos em prol ou contra os interesses da
escola pública.
Toda a irritação de Fonseca e Silva contra Anísio Teixeira estava sendo utilizada pelos
proprietários de escolas particulares, que se manifestaram contra atitudes e atos concretos de
constrangimento à iniciativa privada quando esta “dilapidava os cofres públicos”. Anísio
Teixeira expressava o propósito claro e deliberado de, “a partir do seu raio de atuação, não
privilegiar qualquer iniciativa desse tipo no âmbito educacional, muito menos o benefício
discriminado de uma religião particular” (NUNES, 2000, p. 117).
Por fim, ao longo do trabalho, mostramos as dificuldades que Anísio Teixeira sofreu,
como administrador do ensino, pelo confronto que travou com a Igreja Católica. Em parte,
isso se devia a sua prática como pensador liberal. Também, isso acontecia, porque Anísio
Teixeira era um estrategista que usou a força do inimigo (Igreja) para provocar medidas
concretas na direção da expansão e da qualidade de uma formação pública para todos os
brasileiros. Polemizar contra a Igreja era acionar não só a opinião pública, mas os órgãos
108

legislativos, do executivo e setores combativos da intelectualidade, focalizando-a como


prioridade. Na verdade, era forçar a ajuda do seu inimigo mais poderoso a favor de sua
própria causa. Com acertos e erros não podemos ignorar toda a luta de Anísio Teixeira em
defesa da escola pública. Essa luta expressa em sua obra é atual pelas questões que levantou.
Dentre essas questões está a do ensino público de qualidade para educar o povo brasileiro.

3.3.2 Fernando de Azevedo

No seu livro A contestação necessária: retratos intelectuais de inconformistas e


revolucionários, Florestan Fernandes (1995) dedica um capítulo sobre Fernando de
Azevedo42, destacando que ele foi, dentro da sua geração, uma figura acima do seu tempo.
“As propostas de reforma educacional que endossou receberam um violento ataque
reacionário e conservador, raro na cena brasileira” (FERNANDES, 1995, p. 180).
Outro trabalho que vale a pena citar é a dissertação de Rosane Lima da Silva (2008),
denominada O Público e o Privado na Educação brasileira: do debate intelectual ao texto
legal. A autora relata que para o “grupo intelectual ao qual se filiara o pensamento de
Fernando de Azevedo desde os anos vinte do século passado, tinham fortemente presente em
seu discurso a ideia de que seriam porta-vozes do serviço à educação, bem como detentores
da missão de renová-la no país” (PINTO, 2008, p. 57). Esta missão existia com ligação
estreita a princípios e valores, como justiça, verdade de liberdade.
Por outro lado, em seu livro Velha e nova política – aspectos e figuras da educação
nacional, Fernando de Azevedo ressalta que, aproximando professores de todos os graus e
elevando ao mais alto nível os debates sobre educação, “devem concorrer entre acordos e
divergências para fomentar o prestígio do professor como recurso para melhorar a qualidade
do ensino no país e no mundo” (1943, p. 126). Nesse contexto, era preciso desenvolver todos
os esforços para que desempenhem (professores), na sociedade (a partir da década de 1930),
um papel de primeiro plano para as atividades culturais, destinadas a promover e a estimular o
progresso das ciências que residem à base da educação.
Em outra obra, escrita também por Fernando de Azevedo, denominada Seguindo meu
caminho – conferências sobre educação nacional, o autor aponta que se precisava de uma
42
Fernando de Azevedo nasceu em São Gonçalo de Sapucaí no Estado de Minas Gerais. Durante toda a sua vida
dedicou-se a educação. Exerceu os cargos de diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal de 1926 a
1930, e de São Paulo em 1933. Faleceu em São Paulo em 1974.
109

educação que, baseando-se no respeito aos direitos e à dignidade da pessoa humana, “prepare
o indivíduo para as liberdades essenciais, em um regime democrático e popular que lhe dê o
culto à liberdade e a compreensão de suas responsabilidades” (1946, p. 154). Segundo
Azevedo, democracia, para existir, deve começar pelo povo, com isso, a educação deve
proporcionar igualdade de oportunidade para todos e,

[...] a nossa educação deve ser mais científica do que literária, e visar tanto à cultura
de uma elite, na extrema variedade de seus quadros científicos, técnicos, e artísticos,
como ao melhoramento das massas trabalhadoras, urbanas e rurais. Sem a cultura
científica e técnica em todas as especialidades, não poderemos reencontrar o sentido
de nosso destino e a oportunidade única, que nos abriram as duas guerras mundiais,
para a reconstrução educacional (1946, p. 158).

Para isso acontecer de fato, era preciso que a educação propagasse, por todos os
meios, “o valor das ciências de observação e uma concepção otimista de trabalho, atividade
superior do homem, seja qual for à forma pela qual se apresente, intelectual ou de base
manual e mecânica, e aceite como reivindicação legítima a conquista da alegria no trabalho, e
no trabalho em comum, que é a primeira experiência de um acordo pelo objeto” (AZEVEDO,
1946, p. 161).
Em relação à educação primária, Fernando de Azevedo, defendia que “não foi dado o
impulso que é necessário, ainda nos Estados com mais recursos, nem foram fixadas as
diretrizes de uma política nacional de educação. À escola primária cabe um papel importante
na luta não somente contra as ideologias totalitárias, mas contra os males e tendências que se
deve corrigir” (AZEVEDO et al., 2010, p. 24). Diante disso, Azevedo et al. (2010, p. 25)
afirma que “a organização da educação primária deve ser bastante flexível para permitir às
escolas se adaptarem, na sua estrutura e nos seus meios de trabalho, às particularidades de
regiões muito diferentes”.
Também Fernando de Azevedo defendia que, nos Manifestos de 1932 e 1959, a
educação surgia como um processo social, e na base do desenvolvimento de seus princípios
tinha como plano, “uma consciência profunda das transformações que o poder crescente da
indústria oferecia, portanto, o ponto de vista sociológico”, que considerava um fato de
estrutura social as transformações consequentes no sentido e na organização das instituições
pedagógicas.
110

É desse ponto de vista sociológico que aí se estuda a posição atual do problema dos
fins da educação; é ele que nos fez encarar a educação como “uma adaptação ao
meio social”, um processo pelo qual o indivíduo “se penetra da civilização
ambiente”; é ele ainda que nos levou a compreender e a definir a posição da escola
no conjunto das influências cuja ação se exerce sobre o indivíduo, envolvendo-o do
berço ao túmulo. Mas, essa consciência largamente compreensiva da multiplicidade
dos fatores sociais que intervém no desenvolvimento da crença, “socializando-a
progressivamente”, por isso mesmo que dá uma noção nítida do papel da escola na
sociedade, cria a consciência da necessidade de se alargar continuamente o campo
da escola (das influências diretas ou mediatas), para contrabalançar as que se
exercem fora de toda a intervenção consciente dos órgãos especiais de educação
(AZEVEDO et al., 2010, p. 26-27).

Fernando de Azevedo percebia que os conhecimentos relativos à educação tornavam-


se cada vez mais especializados e sofisticados, certamente por causa dos avanços científicos
nessa área, sendo dominados apenas por grupos profissionais dedicados a tais funções. “Se a
família não podia educar pelo fato de a educação ter-se tornando assunto do Estado,
acrescentava-se agora que os pais viam-se impedidos por não serem tão capazes quanto os
professores, imbuídos que eram dos saberes científicos” (CUNHA, 2000, p. 457) . Essa
manifestação de Fernando de Azevedo é representativa de um discurso comum na época
(entre as décadas de 1930 e 1960), cuja característica era expressar duas noções muito
peculiares. Nas palavras de Cunha:

Primeiramente, não fazia distinção entre os vários tipos de família. O


desenvolvimento histórico havia consumado certa ordenação social que atingia todas
as famílias, fossem elas de camadas sociais altas ou baixas. Nenhum pai ou mãe,
rico ou pobre, ficava imune à superioridade das agências especializadas em educar.
Podia-se obviamente discutir se tais agências deviam ou não pertencer ao Estado,
mas essa é outra questão. Em segundo lugar, esse discurso geralmente continha um
chamamento para que as famílias se aproximassem da escola, vissem à instituição de
ensino para instruir-se sobre a educação de seus filhos. Pais e mães eram retirados
do patamar de educadores exclusivos de seus filhos, passando a atuar como
coadjuvantes. E que não ousassem intrometer-se demais, pois podiam atrapalhar os
trabalhos tão diligentemente elaborados pelos professores (2000, p. 458).

Apresentamos, assim, o mecanismo normalizador que consistia em admitir os pais


como corresponsáveis pela educação de suas crianças e, ao mesmo tempo, mostramos que os
educadores profissionais é que detinham a última palavra; acreditava-se que eles, e só eles,
111

possuíam os conhecimentos científicos sobre a melhor maneira de conduzir crianças e jovens


na direção correta, na direção daquilo que a sociedade requisitava.
Outro livro que utilizaremos nessa parte do trabalho, denomina-se Trajetórias de
liberais e radicais pela educação pública: Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Fernando de
Azevedo e Florestan Fernandes, coordenado por Marilia Araujo Lima Pimentel et al. Em
relação a Fernando de Azevedo, os autores colocam que, nas suas propostas “aparecia à
defesa liberal da escola pública (estatal) como instrumento básico de formação do cidadão e
de individualidades criadoras” (PIMENTEL et al, 2000, p. 20).
Percebemos que em Fernando de Azevedo, a defesa da educação estava associada à
defesa dos princípios da reforma educacional implementada no Distrito Federal na década de
1930, “tendo em vista promover a negação da tradição cultural brasileira, oriunda do período
colonial e imperial escravocrata, e da afirmação de novos referenciais de organização social
da cidade e do espaço da escola” (PIMENTEL et al., 2000, p. 65).
Por fim, os embates políticos e ideológicos na trajetória de Fernando de Azevedo pela
defesa da educação no Brasil encontram ressonância num trabalho de mobilização das classes
sociais em torno de uma questão tida como eixo que poderia transformar a vida nacional: a
escolarização da população para o ingresso do Brasil na modernidade. Com isso, a defesa da
educação pública teve em Fernando de Azevedo um defensor, que não se subordinou a
interesses particulares, que viu nas reformas de ensino um ponto de partida para novas
experiências de disseminar a cultura entre o povo brasileiro, através da escola.

3.3.3 Paschoal Lemme

Para iniciar a discussão desse tópico, utilizaremos o texto de Zaia Brandão (2002)
intitulado Paschoal Lemme, Marxista e Pioneiro da Educação Nova 43. O que é importante
assinalar é que as gerações de educadores que se formaram a partir de meados da década de
1950 desconheciam o educador Paschoal Lemme 44. Era o período em que se ouvia falar muito
de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e outros educadores com quem Paschoal Lemme já

43
Capítulo 4 do livro organizado por Marcos Cezar Freitas. Memória intelectual da educação brasileira. 2.ed.
Bragança Paulista: EDUSF, 2002. p. 41-53.
44
Paschoal Lemme nasceu no Rio de Janeiro em 1904. Foi um importante educador brasileiro, responsável por
inovar a visão sociológica da educação e o papel da escola dentro da sociedade. Faleceu no Rio de Janeiro em
1904.
112

havia colaborado nas reformas de ensino no Distrito Federal, e posteriormente, no trabalho


como Inspetor de Ensino do Estado do Rio de Janeiro.
Em 1934, trabalhando como Inspetor de Ensino, Lemme lança o Manifesto dos
Inspetores do Estado do Rio de Janeiro45, onde explica publicamente as diferenças entre as
concepções da esquerda e dos liberais no campo da educação. O trabalho como Inspetor de
Ensino no Rio de Janeiro tem o selo da orientação que marcaria a trajetória de Paschoal
Lemme como servidor público. De acordo com Brandão (2002, p. 49), “ao invés da prática
rotineira de vigilância do cumprimento das normas e regulamentos escolares, ele está sempre
procurando ampliar as condições de melhoria do serviço público”.
Em sua obra Memórias de um educador (v. 5), Paschoal Lemme (2004) descreve o
que na realidade está acontecendo, é que o Estado brasileiro não cumpre seu dever de oferecer
à maioria do povo brasileiro ensino gratuito e cada vez de melhor qualidade, isso tudo no
contexto da década de 1950. E, ao lado dessa falta grave, “é extremamente tolerante com os
estabelecimentos de ensino particular, que têm a mais completa liberdade, inclusive a de
ministrar ensino de baixa qualidade” (LEMME, 2004, p. 103).

Os colégios particulares no Brasil têm assim, a mais completa liberdade de orientar


o ensino como entendem e de organizar as provas de promoção e conclusões de
curso, aprovando e promovendo sua freguesia a seu bel-prazer e até se servindo do
número de aprovações como propaganda comercial (LEMME, 2004, p.104).

Também, Paschoal Lemme (2004, p. 105) defende que a “instrução pública é uma
conquista da história, que deve ser sempre e cada vez mais ampliada e não restringida ou
ameaçada por manobras sectárias medievais”. Concordamos com Lemme (2004, p. 105),
quando o educador coloca que a instrução pública gratuita é “dever do Estado democrático e
direito do cidadão que paga impostos e que precisa ser formado para a cidadania e para a vida
profissional, em seu próprio benefício e da comunidade”. Em matéria de ensino, o que mede o
grau de extensão da democracia existente num determinado Estado é o esforço que esse

45
Esse Manifesto, concebido e redigido por Paschoal Lemme com a colaboração de Valério Konder (médico
sanitarista e militante do Partido Comunista) era pouco conhecido pelos educadores. A educação passa a ser
percebida como fenômeno da superestrutura que, como tal, em linguagem marxista, não teria a autonomia que o
Manifesto dos Pioneiros a ela conferia. Embora reconhecesse a necessidade e importância do trabalho de
renovação e modernização do ensino proposta e implementada pelas inúmeras reformas de ensino das décadas de
1920 e 1930, Paschoal Lemme passou a ver mais, a questão da educação como uma questão política; a
organização da sociedade civil enquanto força política era, para ele, condição indispensável para a transformação
da sociedade e para a viabilização do projeto pioneiro de uma educação aberta a todos (BRANDÃO, 2002, p.
45).
113

Estado está fazendo, no sentido de assegurar ao maior número possível de cidadãos,


oportunidades iguais de acesso ao ensino, à educação e à cultura. “E isso só pode ser feito
através de uma organização aperfeiçoada de instrução pública gratuita e até obrigatória,
dentro de certos limites” (LEMME, 2004, p. 106).
Por fim, Paschoal Lemme, durante quase toda a sua vida, só encontrou a possibilidade
de divulgar os seus trabalhos junto às pequenas editoras ligadas ao Partido Comunista; o
projeto de divulgar a população em geral os seus direitos de educação e escolaridade fez com
que se tornasse um “publicista”, como gostava de se autodefinir, referindo-se ao caráter
militante de sua obra. Também, assinalamos que Paschoal Lemme escreveu centenas de
artigos no decorrer de sua vida e, mesmo depois dos 90 anos, tinha planos de estender suas
Memórias organizando o conjunto de artigos que publicou nos jornais, seminários, dentre
outros.

3.3.4 Florestan Fernandes

Em sua dissertação de mestrado, intitulada Saber e compromisso: Florestan


Fernandes e a escola pública, Robinson dos Santos (2002) aponta que para Florestan
Fernandes46 parece perdurar na sociedade brasileira (década de 1960): o descaso de modo
geral com a educação, sobretudo com os professores.
Em 21 de novembro de 1959, Florestan Fernandes lançou um apelo aos educadores
liberais num artigo no jornal O Estado de S. Paulo, para que se posicionassem na Defesa da
Escola Pública, já que os políticos haviam cedido em face das pressões e permitido que se
conduzisse a discussão de acordo com os seus interesses. Analisando a contribuição de
Fernandes, acrescenta Santos:

Entre o final de janeiro e início de fevereiro de 1960, Florestan escreveu mais uma
série de artigos no mesmo jornal, intitulados “Em defesa da escola pública”. Neles
discutia uma série de questões relacionadas com o papel do Estado Democrático em
face da educação particular, aos deveres do Estado em matéria de ensino e quanto à
gestão dos recursos públicos. Nas três principais colocações feitas, procurava
esclarecer aquelas questões, bem como combater os argumentos dos seus
adversários, que, segundo ele, seriam de má fé (2002, p. 94-95).

46
Florestan Fernandes nasceu em São Paulo em 22 de junho de 1920. Sempre defendeu a escola pública e a
educação em geral, destacando-se no debate do projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
promulgada em 1961. Faleceu em 10 de agosto de 1995.
114

Em relação à citação do parágrafo anterior, “o primeiro argumento analisado era de


que seus oponentes defendiam que o Estado, para agir democraticamente, deveria beneficiar
com equidade a escola pública e a escola privada” (SANTOS, 2002, p. 96). Sobre este
argumento, Fernandes destaca que o Estado democrático tolerava e amparava a existência de
sistemas educacionais particulares. Outro argumento dos defensores do ensino privado era
que a família era a responsável pela educação e que o Estado não poderia querer monopolizar
esse direito. A terceira questão que Florestan Fernandes analisava era a destinação dos
recursos públicos para a manutenção da escola privada. “Ele deixava claro que não era contra
a existência dos estabelecimentos confessionais e particulares de ensino, desde que se
mantivessem com seus próprios recursos” (SANTOS, 2002, p. 97).
Um importante artigo escrito por Florestan Fernandes (1960a), intitulado Em defesa da
Escola Pública47, chama a atenção para o índice elevado do analfabetismo e a precariedade da
rede pública de ensino na década de 1960. Neste, Fernandes (1960a, p. 109) descreve que “há
milhões de analfabetos no Brasil. Não temos uma boa escola primária; não dispomos de uma
boa rede de ensino secundário, professores bem formados para todas as escolas, entre outros”.
Continuando, Fernandes ainda denuncia que o ensino particular de forma alguma
havia sido ameaçado no Brasil. Muito pelo contrário, foi reconhecido e protegido pelas leis,
“colhendo contínuos benefícios, legais e até ilegais, dos poderes públicos – da isenção
tributária a favores diretos, na doação de terrenos, de equipamentos e de recursos ou em
subvenções de várias espécies, que beneficiam principalmente muitas escolas católicas”
(FERNANDES, 1960a, p. 111). Mesmo assim, chamamos a atenção que o Estado que
tolerava e de certa maneira amparava tanto a escola pública quanto a escola privada, era
acusado de pretender destruir a segunda para beneficiar a primeira.
Outra questão importante nesse debate é o poder que a Igreja Católica exercia na
política e na educação. A ela, acabou aliando-se outro grupo os proprietários das escolas
privadas. Esse grupo não tinha poder, porém, se apoiou no poder religioso. Seu objetivo era
explorar o ensino com fins lucrativos.
Florestan Fernandes chama a atenção para a democratização do ensino 48, em outro
artigo publicado em 1960, onde alerta que a democratização do ensino foi um dos pesados
encargos herdados pela República no Brasil. Continua, que de fato a instrução “fora um
47
Artigo retirado do livro organizado por Roque Spencer Maciel de Barros (1960). Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. p. 104-118.
48
Artigo retirado do livro organizado por Roque Spencer Maciel de Barros (1960). Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. p. 154-165.
115

privilégio aristocrático na antiga ordem social escravocrata e senhorial; assim se manteve ao


longo de mais de meio século de experiências republicanas” (FERNANDES, 1960b, p. 155).
O que na verdade faltou foram recursos financeiros, humanos e culturais para fazer mudanças
profundas no sistema educacional existente (décadas de 1950 e 1960).
Em outro livro que utilizamos nessa parte da dissertação, denominado Florestan
Fernandes de Marcos Marques de Oliveira (2010), o autor destaca que Fernandes colocava,
em linhas gerais, que os defensores da escola pública indicavam as seguintes medidas para o
ajustamento da educação aos requisitos econômicos, políticos, sociais e culturais da ordem
social democrática:

a) a extensão do ensino primário a todos os indivíduos em idade escolar,


assegurando a todas as regiões do país, independentemente de sua estrutura
demográfica e de suas riquezas, meios para incentivar esse desiderato; b) a
diferenciação interna do sistema educacional brasileiro, de modo a dar maior
amplitude às funções educacionais dos diferentes tipos de escolas, ajustando-as
convenientemente às necessidades educacionais das diversas comunidades
humanas brasileiras – incluindo uma proposta de “revolução educacional” que
levasse à mudança de mentalidade e hábitos pedagógicos, redefinindo o uso
social da educação por meio de novas concepções educacionais; c) e, por fim, a
abolição da seleção educacional com fundamento em privilégios (de riqueza, de
posição social, de poder, de raça ou de religião). (OLIVEIRA, 2010, p. 43).

Diante disso, Oliveira (2010, p. 44) coloca que “o objetivo de Florestan Fernandes era
conscientizar a população brasileira sobre os problemas educacionais, por meio do exercício
legítimo da pressão política em artigos de jornais, assim como em conferências em sindicatos
e igrejas”. E acrescenta que a mensagem, em resumo, era uma só: “a relevância da
democratização do ensino como mecanismo de abolição das barreiras que restringem o uso da
educação para a manutenção dos privilégios sociais” (OLIVEIRA, 2010, p. 46). Florestan
Fernandes fez isso atravessando diversas dimensões da realidade, “sintetizando aspectos
micro e macrossociológicos, permitindo um entendimento do campo educacional como uma
síntese entre a sociedade, o sistema escolar e o plano pedagógico” (OLIVEIRA, 2010, p. 47).
Outro trabalho que trata sobre a trajetória de Florestan Fernandes na defesa da escola
pública é a dissertação de mestrado de Cristiane Silva Mélo (2009), intitulada Estado e
Educação pela imprensa: o debate de Florestan Fernandes ante a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (1959-1961), onde a autora coloca que “o Estado era o órgão
importante no incentivo ao desenvolvimento científico brasileiro. Esta foi à bandeira
116

levantada por muitos educadores nas discussões dos problemas educacionais brasileiros em
meio às discussões sobre a LDB” (MÉLO, 2009, p. 60). Também, achamos importante, diante
do que já foi discutido, assinalar que, na sociedade, as discussões sobre os deveres do Estado
para com a oferta do ensino nacional vinham sendo destacadas desde a apresentação do
projeto de lei elaborado pela comissão de especialistas e pela iniciativa do Ministro Clemente
Mariani, em 1948.
No final da década de 1950, o movimento de Defesa pela Escola Pública teve como
centro de irradiação a Universidade de São Paulo e obteve a participação de estudantes, em
especial alunos dos cursos de Pedagogia e Ciências Sociais, que se organizaram de modo a
estudar, debater e propagar o movimento. A campanha teve por princípio a defesa do ensino
público, em contraposição ao projeto substitutivo (Carlos Lacerda) em discussão no
Congresso Nacional que defendia a escola privada.
Florestan Fernandes destacava ser necessária a efetivação do Estado-educador,
enquanto instituição mantenedora de um ensino público e gratuito para toda a população. “Era
preciso que a ação mínima do Estado, na resolução de problemas referentes ao ensino
nacional, se convertesse em ativa participação no desenvolvimento e na organização da
instrução pública” (MÉLO, 2009, p. 70). Desse modo, Fernandes apontou “o Estado como
responsável pelo ensino público e pela oferta de uma educação de qualidade à população”
(MÉLO, 2009, p. 71). Ressaltamos que a ação do Estado para com a oferta da educação
geralmente é entendida como um modo de garantir aos indivíduos acesso ao conhecimento
científico, elaborado social e culturalmente.
Outra questão importante no debate da presente dissertação, diz respeito à destinação
das verbas para o ensino público. Sobre isso, Florestan Fernandes lutou bastante, ao
considerar que o Estado deveria assumir sob sua responsabilidade a destinação das verbas
para a escola pública e garantir uma educação de qualidade para toda a população brasileira.
Empenhou-se na defesa de um ensino de caráter público e democrático, causa hasteada nas
diversas atividades de que participou durante a época em que tramitava no Congresso o
Projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A Campanha em Defesa do
Ensino Público contou com a participação de muitos intelectuais e educadores das mais
diversas áreas do conhecimento na defesa de uma educação de caráter público para a
sociedade. Fernandes aliou-se aos educadores em prol da causa do ensino público, em
contraposição aos princípios de liberdade de ensino proposto pelo substitutivo Lacerda.
117

A educação pública era, na concepção dos signatários, o meio mais propício à oferta
de educação para todos. Esta era a condição para a oferta de uma educação
democrática a ser disponibilizada não apenas à elite, mas também às classes
populares. A instrução pública poderia alcançar todos os indivíduos,
independentemente da “raça”, “religião” ou “situação econômica”. A ação do Estado
em subvencionar os estabelecimentos particulares, defendida pelos signatários da
campanha, era importante para a efetivação de uma educação de qualidade pelo viés
do ensino privado. De acordo com Fernandes, eles não eram contrários à expansão
das escolas particulares, mas a favor da qualidade da educação, em todos os níveis e
modalidades, a ser ofertada à população brasileira (MÉLO, 2009, p. 81-82).

Esse era o objetivo da Campanha, zelar pela manutenção de um Estado democrático


cujas ações no âmbito da educação se efetivassem com vistas ao bem comum da população
em geral e não dos interesses particulares de ministros, governantes e representantes de
grupos sociais na proposta de reformas, pois estas, provenientes de interesses pessoais, não
provocavam mudanças no ensino nem obtinham a solução para os inúmeros problemas que se
verificavam em sua organização. “Era dever do Estado democrático, manter as escolas
fundadas por sua iniciativa para que prevalecessem condições de acesso à educação para toda
a população” (MÉLO, 2009, p. 82). A ação do Estado não deveria se restringir ao auxílio de
estabelecimentos de ensino privados, impedindo o desenvolvimento do ensino de caráter
público.
Por fim, em relação ao Manifesto de 1959, Mélo (2009, p. 90) destaca em seu trabalho
que “Florestan Fernandes assinou o Manifesto de 1959 porque considerava necessário que
houvesse mudanças na organização e nas condições de acesso aos níveis de ensino”. Florestan
Fernandes conferiu importância à ação de intelectuais na defesa de reformas que pudessem
beneficiar o desenvolvimento da educação nacional, pois concebia como dever de todos zelar
por um ensino de qualidade, cuja função se voltasse para a formação integral do indivíduo
para a sociedade. Também, se posicionou contra o texto da legislação educacional proposto
por Carlos Lacerda, e defendeu a necessidade de o Estado direcionar verbas para a ampliação
e equiparação de escolas nas regiões brasileiras.

3.4 Inovações do Manifesto de 1959 em relação ao Manifesto de 1932

Estudiosos da educação têm se dedicado a analisar o movimento que se caracterizou


por uma insistente defesa da escola pública desde os anos 1930. Da Revolução de 1930 ao
118

golpe de 1964, a sociedade brasileira vivenciou profundas transformações que foram


constituindo uma sociedade mais moderna, dentro da lógica de desenvolvimento capitalista. A
urbanização e a industrialização demonstram bem isso.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 contou com a participação de
vinte e seis signatários, dentre os quais figuraram nomes expressivos da intelectualidade
brasileira. O Manifesto foi encabeçado por educadores como Anísio Teixeira e Fernando de
Azevedo, tidos como especialistas e técnicos em educação. Pode-se dizer que o traço comum
entre a maioria dos signatários do Manifesto era o fato de exercerem função ligada ao
magistério.
O caminho percorrido desde 1932, além de longo, influenciou profundamente a
educação brasileira. “Caminho que incluía os Governos de Getúlio Vargas, as perseguições, o
Governo de Juscelino, e a questão política que envolvia a educação” (BEDIN, 2011, p. 64). O
Manifesto de 1959 traz consigo a marca deixada pelo Manifesto de 1932, bem como, toda
mobilização em torno do reinício das lutas ideológicas em 1946, por ocasião da elaboração do
projeto das Diretrizes e Bases da Educação. O fato de logo no início citarem a adesão dos
jovens nessa empreitada, foi à estratégia encontrada por Fernando de Azevedo (quem redigiu
os dois Manifestos) quanto à atualidade das questões apresentadas e reivindicadas no
documento de 1959.
As introduções dos referidos Manifestos nos dão condições de análise quanto às
propostas inseridas neles. No primeiro parágrafo do Manifesto de 1932, é dada a máxima
importância aos problemas da educação. Na concepção dos Pioneiros, essa importância vai
além dos problemas econômicos. Defendiam que era impossível desenvolver as forças
econômicas sem o desenvolvimento da cultura – que implicava no “desenvolvimento das
aptidões à invenção e à iniciativa” – fundamentais para o enriquecimento de uma sociedade.
“No decorrer dos 43 anos de República, não houve um entrelaçamento entre economia e
educação, as duas não caminharam na mesma direção” (MANIFESTO, 1932, p. 33). As
reformas parciais não trouxeram soluções no âmbito da educação, em contrapartida, ocorreu o
abandono e a desolação.
Por sua vez, o texto do Manifesto de 1959 inicia com a ênfase dada à gravidade dos
problemas no âmbito da educação, passados vinte e sete anos, que obrigava os pioneiros a dar
início a uma nova etapa do movimento de reconstrução educacional, agora, também com a
participação da nova geração. Segundo Bedin (2011, p. 71), “o plano de ação tornara-se um
programa de realizações práticas, cuja implantação foi esperada inutilmente por mais de um
quarto de século”.
119

O Manifesto de 1932, abordou questões pedagógicas consideradas fundamentais pelos


pioneiros, como, os princípios da Escola Nova. Defendeu a filosofia e a ciência no âmbito da
educação, considerando-os fundamentais nas reformas educacionais. O Manifesto de 1959,
por sua vez, adotou uma postura mais pragmática, emergenciou as realizações práticas da
reconstrução do ensino, mesmo porque a tramitação da Lei de Diretrizes e Bases estava
estagnada há onze anos.
Na voz dos Pioneiros havia surgido o Manifesto de 1932, defendendo a renovação
educacional. Muitos daqueles pioneiros continuaram em cena por várias décadas, levando
adiante a concepção que representavam no que diz respeito às questões educacionais da
sociedade em transformação naquele contexto. Por outro lado, o Manifesto de 1959 “expressa
um ponto de vista da história com o qual os seus signatários se envolviam, contemplando
desde um mirante muito próprio, mas não necessariamente comum entre eles” (SANFELICE,
2007, p. 544).
Desde a introdução do novo documento, nota-se certa preocupação em apontar
continuidades e descontinuidades entre ele e o Manifesto de 1932. Revisitava-se o Manifesto
de 1932, agora com olhares tanto do passado como dos novos tempos. Nas palavras de
Sanfelice (2007, p. 545), “o texto em pauta reivindicava o princípio de liberdade e o dever
como justificativas para apresentar e submeter ao julgamento público os pontos de vista sobre
problemas graves e complexos como os da educação”. O Manifesto de 1959 posiciona-se
como uma nova etapa no movimento de reconstrução educacional, considerando ainda o
Manifesto de 1932, mas com a solidariedade dos educadores da nova geração.
Sanfelice (2007) argumenta que o Manifesto de 1959 é enfático e coerente quando
afirmava não pregar o monopólio do Estado na educação, mas a liberdade disciplinada. A
prova disso era o crescimento contínuo de escolas particulares, já identificadas como
ambiciosas quanto aos lucros e atuando como balcões de comércio, sob a indulgência dos
poderes públicos. Na ocasião, avaliava-se que o que havia de melhor em educação
encontrava-se onde o Estado mais atuava: o ensino primário. De acordo com Sanfelice, a
seguir, depara-se com o eixo central de princípios defendidos pelo Manifesto de 1959:
120

[...] a educação pública é a grande conquista da democracia liberal do século XIX e


isso não está sob questão; o Estado moderno chamou a si a iniciativa de criar e
manter escolas, em especial a escola primária, destinada a formar o cidadão das
comunidades nacionais; a história do ensino nos tempos modernos é a da sua
inversão em serviço público; a escola pública (estatal) é a única que está em
condições de se subtrair à imposição de qualquer pensamento sectário, político ou
religioso. Defende-se uma educação liberal e democrática para o trabalho e o
desenvolvimento econômico, para o progresso das ciências e da técnica que residem
na base da civilização industrial (2007, p. 548).

Com isso, o Estado visava uma educação pública universal, obrigatória e gratuita em
todos os graus e integral para assegurar o maior desenvolvimento das capacidades físicas,
intelectuais e artísticas de cada criança, adolescente ou jovem. “Uma educação fundada na
liberdade, no respeito da pessoa, com uma disciplina consciente que fortaleça o amor à pátria,
o sentimento democrático, a responsabilidade profissional e cívica, a amizade e a união entre
os povos” (SANFELICE, 2007, p. 548). Também se deseja a formação de homens
desenvolvidos, do seu tempo, que sejam capazes e empreendedores.
O Manifesto de 1959 é progressista ao denunciar o Brasil tradicional, rural, religioso e
de baixos índices de escolaridade. Uma denúncia coerente, que juntava os sujeitos históricos
que se posicionavam em favor da modernização pela via do desenvolvimento urbano-
industrial capitalista e o processo civilizatório que ele implica, desde os anos de 1930. “É
também progressista ao reapresentar os ideais e valores de certo núcleo do liberalismo
clássico, exatamente nos aspectos em que este havia se tornado revolucionário face à antiga
sociedade feudal” (SANFELICE, 2007, p. 549).
O projeto educacional reivindicado pelo Manifesto de 1932, reconfirmado e atualizado
pelo Manifesto de 1959, traduz o embate do velho com o novo sem que se saísse da lógica
capitalista de ampliação das relações capitalistas locais. Se o nacional desenvolvimentismo e
as práticas políticas populistas marcaram fortemente aquela conjuntura, de alguma forma
também condicionaram o alcance da visão histórica de muitos sujeitos contemporâneos a eles.
No que diz respeito à educação, os argumentos do Manifesto de 1959 em defesa da escola
pública continuam importando para cá os ideais das sociedades capitalistas mais avançadas e
a lógica burguesa, que atribui ao Estado republicano laico o papel de educar o cidadão
trabalhador para a sociedade industrial.
O pensamento social que permeava aquele grupo tão heterogêneo, na versão mais
restrita de 1932 ou na versão mais ampliada de 1959, era um pensamento portador de uma
unanimidade: “a escola pública (a res pública) tinha no Estado seu lugar de administração”
(FREITAS, 2005, p. 176). Isso quer dizer que o Estado, de certa forma, na visão de Freitas,
121

era constantemente representado como “apogeu das superações históricas que a sociedade
brasileira havia realizado e, ao mesmo tempo, como porta de entrada num universo capaz de
recriar a sociedade brasileira pelo avesso, o que quer dizer, no sentido da predominância do
interesse público sobre o privado” (2005, p. 177).
O Manifesto de 1932 fazia coro com uma argumentação convencida do caráter
inconcluso da República e, ainda que com contradições, sinalizava que a disseminação da
escola pública deveria ser considerada o dado ausente, a lacuna a ser preenchida. Já o
Manifesto de 1959 destacava a proclamação mais veemente das obrigações governamentais
relacionadas à escola, conservava o mesmo “lamento diante das mesmas lacunas ainda não
preenchidas” (FREITAS, 2005, p. 178). Os dois Manifestos, “revelavam a vulnerabilidade
com o qual o tema escola pública estava posicionado nas rubricas orçamentárias, nos
parágrafos jurídicos normativos, nos púlpitos e palanques e nos ‘chamamentos à nação’”
(FREITAS, 2005, p. 178).
Diferentemente de 1932, o Manifesto de 1959 não se preocupou com questões
pedagógico-didáticas. Admitindo válidas as diretrizes escolanovistas, de 1932, esse
documento tratou de questões gerais de política educacional. O Manifesto de 1959 não foi
favorável ao monopólio de ensino pelo Estado, como quiseram fazer crer à opinião pública e
os defensores do ensino privado. Pelo contrário, foi favorável à existência das duas redes,
pública e particular; mas propôs que as verbas públicas servissem somente à rede pública e
que as escolas particulares se submetessem à fiscalização do Estado.
O Manifesto de 1932 defendia que a educação estava vinculada à filosofia de cada
época, “a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e
sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada
para uma concepção vencida” (1932, p. 40). O documento acrescenta que a educação nova
assume sua verdadeira função social, preparando-se para formar “a hierarquia democrática”
pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos os grupos sociais, a quem se abrem as
mesmas oportunidades de educação. A educação nova se propõe a servir não aos interesses de
classes, mas aos interesses do indivíduo, que se funda sobre o princípio da vinculação da
escola com o meio social.
Nos termos do Manifesto de 1932, a consciência de princípios fundamentais como a
laicidade, gratuidade e obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, penetrou
profundamente os espíritos, como condições essenciais à organização de um regime escolar
lançado em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação do ensino,
com todas suas consequências. Acrescenta o documento que subordinada a educação pública
122

a interesses transitórios, será impossível ao Estado realizar a imensa tarefa que se propõe da
formação integral das novas gerações. Segundo o Manifesto:

Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a insuficiência das soluções


dadas às questões de caráter educativo não provam senão o desastre irreparável que
resulta, para a educação pública, de influências e intervenções estranhas que
conseguiram sujeitá-la a seus ideais secundários e interesses subalternos. Daí
decorre a necessidade de uma ampla autonomia técnica, administrativa e econômica,
com que os técnicos e educadores, que têm a responsabilidade e devem ter, por isso,
a direção e administração da função educacional, tenham assegurados os meios
materiais para poderem realizá-la (1932, p. 47).

Esses investimentos na educação pública não podem reduzir-se às verbas que, nos
orçamentos, são consignadas a esse serviço público e, por isso, sujeitas às crises dos erários
do Estado ou às oscilações do interesse dos governos pela educação.
Cada escola deveria reunir em torno de si, segundo o documento de 1932, as famílias
dos alunos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação;
constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relações constantes com as escolas;
utilizando, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e
despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os
pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições interessadas na obra da
educação.
Por outro lado, o Manifesto de 1959 coloca que são muito diversas as circunstâncias
que refletem este novo documento. O Manifesto descreve que não seria negado nenhum dos
princípios de 1932, tanto que este poderia ser pensado e escrito nos dias atuais (contexto do
final da década de 1950). Na verdade, o Manifesto de 1959 era favorável à educação
democrática, à escola democrática e progressista que tinha “como postulados a liberdade de
pensamento e a igualdade de oportunidades para todos” (1959, p. 71).
Um aspecto que chama atenção no Manifesto de 1959 é a denuncia de que “ultrapassa
de 50% da população geral o número de analfabetos no país e que, de uma população em
idade escolar (isto é de 7 a 14 anos) de 12 milhões de crianças, não frequentam a escola
menos da metade” (1959, p. 72). Continua o documento que devido à expansão quantitativa
da escola, houve um rebaixamento de nível ou qualidade do ensino. Também, o Manifesto
(1959, p. 73) aponta que “seria o excesso de centralização; o desinteresse, ou conforme alguns
casos, a intervenção da política; a falta de espírito público, o diletantismo e improvisação
123

conjugaram-se, nesse complexo de fatores, para criarem a situação a que chegou a educação”.
Não foi o sistema de ensino público que falhou, na visão do Manifesto, mas os que deviam
prover a expansão, aumentar o número de escolas na medida das necessidades e segundo
planos racionais, prover as suas instalações e preparar cada vez mais os professores,
aparelhando estes com recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas diversas
atividades.
É possível constatar que o texto do Manifesto de 1932 além de político, também
trabalhava os conceitos pedagógicos, tendo como caminho a filosofia e a ciência. Por outro
lado, o Manifesto de 1959 restabeleceu o assunto pendente do Manifesto de 1932, refletiu sua
indignação com o embargo das Diretrizes e Bases de 1948 e partiu em defesa dos princípios
há muito defendidos. A finalização dada ao Manifesto de 1932 reforça a proposta inicial de
reconstrução da educação. Por outro lado, Fernando de Azevedo fez um retrospecto de todo o
contexto, retomou a questão da filosofia e da ciência e abordou as dificuldades que seriam
enfrentadas para redigir o Manifesto de 1959.
Por fim, no Manifesto de 1959, a industrialização foi apontada como responsável pela
transformação da economia, processando também mudanças no ensino. Essa situação
colaborou com a necessidade de uma escola subsidiada pelo Estado, “universal, obrigatória e
gratuita, possibilitando assim, um governo amplo com a participação de todos e não só das
elites” (BEDIN, 2011, p. 87). No entanto, a oposição conservadora representada por Carlos
Lacerda, tentaria impedir essa reforma. Segundo o Manifesto de 1959, seria um retrocesso,
um “retorno à Idade Média”. Novamente a questão das escolas particulares subsidiadas pelo
governo foi contestada e acusada de mercantil pelos signatários de 1959.

3.5 A concepção de público no Manifesto de 1959

Esse será o último tópico da dissertação, e nele analisaremos o Manifesto de 1959,


enfatizando a concepção de público presente no documento, principalmente no que diz
respeito às responsabilidades do Estado com a educação pública. A referência dessa discussão
será o Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados, redigido por Fernando de
Azevedo e assinado por cento e sessenta e um profissionais de destaque no cenário brasileiro.
124

Também, ressaltamos que o referido documento foi publicado em vários jornais49, no dia 1º
de julho de 1959.
O Manifesto de 1959 foi destacado pelos signatários como o marco de uma nova etapa
do movimento de reconstrução educacional. As defesas se voltaram para a educação integral,
universal, laica, obrigatória e gratuita, necessária à formação para o trabalho e para a
cidadania e de um ensino público. Observamos o que diz o Manifesto em relação ao ensino
público e sua função:

A escola concorre para desenvolver a consciência nacional: ela é um dos mais


poderosos fatores de assimilação como também de desenvolvimento das instituições
democráticas. Entendemos, por isso, que a educação deve ser universal, isto é, tem
de ser organizada e ampliada de maneira que seja possível ministrá-la a todos sem
distinções de qualquer ordem; obrigatória e gratuita em todos os graus; integral, no
sentido de que, destinando-se a contribuir para a formação da personalidade da
criança, do adolescente e do jovem, deve assegurar a todos o maior desenvolvimento
de suas capacidades físicas, morais, intelectuais e artísticas. Fundada no espírito de
liberdade e no respeito da pessoa humana, procurará por todas as formas criar na
escola as condições de uma disciplina consciente, despertar e fortalecer o amor à
pátria, o sentimento democrático, a consciência de responsabilidade profissional e
cívica, a amizade e, a união entre os povos (1959, p. 70).

Outra questão que os signatários do Manifesto criticaram foi a “má organização do


ensino, a má preparação dos professores, a baixa qualidade do ensino público, o descaso do
governo com assuntos relacionados à educação, o excesso da centralização do ensino e a falta
de investimentos do governo no ensino público” (MANIFESTO, 1959, p. 71).
Os signatários tinham como objetivo expor seus pontos de vista sobre os problemas da
educação, que por sinal eram graves e complexos no âmbito nacional. Essa atitude se pautou
no “amor ao princípio da liberdade” (MANIFESTO, 1959, p. 74). Dessa forma, não eram
contrários aos fundamentos da liberdade de ensino, mas consideravam que esta não deveria se
concretizar beneficiando o ensino particular em detrimento do ensino público ou pior, pela
manutenção do ensino privado através do financiamento público. Assim, segundo o Manifesto
(1959, p. 75), os signatários foram contrários aos princípios de liberdade de ensino do
substitutivo de Carlos Lacerda e “evocaram a liberdade de pensamento e de igualdade de
condições de acesso à educação, isto é, uma liberdade baseada nos deveres do Estado de

49
O Manifesto foi publicado, pela primeira vez, no jornal O Estado de São Paulo e, simultaneamente no jornal
Diário do Congresso Nacional. Posteriormente, foi reproduzido pelo jornal Diário do Congresso Nacional e
pelo Jornal do Comércio, ambos do Rio de Janeiro, bem como pelo Boletim do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais de São Paulo e pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (MÉLO, 2009, p. 90).
125

assegurar o ensino público de qualidade para a ampliação de oportunidades à educação e


cultura”.
Segundo os signatários, o substitutivo Lacerda consistia num documento que favorecia
o ensino privado no país. “A liberdade presente no documento previa a liberdade das
instituições privadas sem a devida fiscalização, mas com a real subvenção da nação”
(MANIFESTO, 1959, p. 77). Consideravam que era preciso tomar uma posição contra o
“falso ideário” de liberdade que, ao invés de contribuir para a melhora da educação nacional,
iria prejudicá-la, colaborando com os interesses privados que não viam a educação como um
fator importante para investir na melhoria da formação educativa e cultural da população.
Caso fosse aprovada essa legislação, com base no substitutivo de Carlos Lacerda, isso
favoreceria o desenvolvimento da iniciativa privada e, em contrapartida, desqualificaria e
diminuiria em quantidade as instituições públicas de ensino. O ensino nacional ficaria
concentrado nas mãos da iniciativa privada, e as instituições públicas iriam ter pouca atenção
do poder público e o ensino privado, por outro lado, seria alvo de pouca fiscalização e de
efetivo auxílio financeiro. Em relação a isso, o Manifesto é claro, quando afirma:

[...] é praticamente uma larga ofensiva para obter maiores recursos do Estado, do
qual se reclama, não aumentar cada vez mais os meios de que necessita o ensino
público, mas dessangrá-lo para sustentar, com o esgotamento das escolas que
mantem, as de iniciativa privada. O grave documento a que acima nos referimos,
“apresenta, de fato, como suas linhas mestras (nas palavras, insuspeitas e
autorizadas, d” “O Estado de S. Paulo) estes três princípios fundamentais: 1) o
ensino será ministrado sobretudo pelas entidades privadas e, supletivamente, pelo
poder público; 2) o ensino particular não será fiscalizado pelo Estado; 3) o Estado
subvencionará as escolas privadas, a fim de que estas possam igualar os
vencimentos dos seus professores aos dos professores oficiais. É, como se vê
(conclui o grande diário), a instituição no Brasil, do reinado do ensino livre: livre da
fiscalização do Estado, mas remunerado pelos cofres públicos” (1959, p. 79).

Através disso, o Manifesto, apresentava “uma tomada de consciência da realidade” e


dos problemas que existiam no ensino público daquele momento para mudanças em favor de
seu desenvolvimento. Desse modo, propôs “uma retomada, franca e decidida, de posição em
favor, como antes, da educação democrática, da escola democrática e progressista que tem
como postulados a liberdade de pensamento e a igualdade de oportunidades para todos”
(MANIFESTO, 1959, p. 81).
Outra questão levantada pelos signatários apontava como deficientes os recursos
aplicados à educação e o que prevalecia “era o excesso de centralização de investimentos por
126

parte do Estado em determinadas regiões” (MANIFESTO, 1959, p. 82). A isso se somava o


desinteresse em modificar essa situação, que predominava na educação pública brasileira. O
ensino público sofria pela falta de ação do Estado em assegurar sua expansão e qualidade no
decorrer dos anos. Sobre isso, o Manifesto relata que,

[...] não foi, portanto, o sistema de ensino público que falhou, mas os que deviam
prever-lhe a expansão, aumentar-lhe o número de escolas na medida das
necessidades e segundo planos racionais, prover às suas instalações, preparar-lhe
cada vez mais solidamente o professorado e aparelhá-lo dos recursos indispensáveis
ao desenvolvimento de suas múltiplas atividades. As aperturas financeiras em que
sempre se debateu o conjunto educacional, na variedade de suas instituições, não
podiam deixar de poderosamente contribuir para embaraçar, retardar senão tolher os
seus progressos (1959, p. 83).

Muito deveria ser feito para melhorar a educação do país, que tinha que “estar atenta
às necessidades sociais do momento, acompanhar as mudanças que ocorriam na sociedade,
como os avanços tecnológicos, que exigiam novos paradigmas” (MANIFESTO, 1959, p. 84).
Para isso acontecer, era preciso que o Estado assumisse o papel de mantenedor do ensino de
efetivação de reformas significativas. Além disso, o Estado deveria garantir a permanência
dos alunos nas escolas, que era outro grave problema que o sistema de ensino público
brasileiro enfrentava.
Diante do que já foi colocado, percebemos que, segundo o Manifesto, algumas
modificações já haviam acontecido, como, por exemplo, a expansão quantitativa do número
de escolas primárias no Brasil. O Manifesto (1959, p. 85), coloca que os signatários
destacaram a necessidade de mudanças mais intensas em outros níveis de ensino, como, por
exemplo, “no ensino secundário, que preparava os estudantes para adentrarem as instituições
superiores e ofertava alguns cursos técnicos necessários para a qualificação profissional”. Os
signatários apontavam que o ensino secundário possuía problemas na sua organização e
condições de acesso no país; além disso, “contava com poucos investimentos do governo para
sua ampliação e desenvolvimento” (MANIFESTO, 1959, p. 85). Como o Estado não atribuía
muito interesse às reformas no ensino secundário, modificações em seu âmbito não eram
prioritárias.
A liberdade de ensino foi destacada pelo substitutivo Lacerda, com base na expressão
de livre iniciativa dos estabelecimentos privados em promover a educação para todos. Essa
ideia foi rebatida pelos signatários no Manifesto que, “afirmaram ser necessária à ação do
127

Estado na definição da organização do ensino nacional, não sendo esta uma atitude que
monopolizaria o ensino, mas, que, antes de tudo, iria assegurar a oferta de um ensino de
qualidade” (MANIFESTO, 1959, p. 86). O Estado oportunizava condições para a livre
iniciativa de oferta e expansão da rede privada, e não impedia o desenvolvimento da educação
particular no país. Em relação a esse assunto, os educadores tinham a seguinte opinião:

Pela liberdade disciplinada, é que somos. Monopólio, só existiria quando a educação


funcionasse como instrumento político e ideológico do Estado, como um
instrumento de dominação. Que não existe entre nós, está aí por prova à legislação
de ensino que abre à iniciativa privada amplas possibilidades de exploração de
quaisquer domínios da atividade educacional e um número crescente de escolas
particulares de todos os graus e tipos que por aí se fundaram e funcionam, não sob o
olho inquisidor e implacável do Estado, mas como uma indulgência excessiva dos
poderes públicos em face de deficiências de toda ordem e de ambições de lucro, a
que, salvo são poucas e honrosas exceções, devem tantas instituições privadas de
ensino secundário a pecha de “balcões do comércio” como as batizou Fernando de
Magalhães a mais de vinte e cinco anos, numa crítica severa de nossos sistemas
educacionais (MANIFESTO, 1959, p. 87).

Para os signatários do Manifesto, o Estado até poderia estimular a iniciativa privada,


porém por princípio, deveria assegurar o cumprimento do dever de manter os sistemas de
ensino nacionais e disponibilizar recursos para que os problemas que dificultavam o
desenvolvimento do ensino público fossem solucionados. Também, estes defenderam “um
ensino essencialmente público, baseado nos preceitos da ordem democrática” (MANIFESTO,
1959, p. 88). Levantaram a bandeira da educação liberal e democrática, observando a
importância da educação para o avanço científico e tecnológico e para o desenvolvimento e
progresso do Brasil. Sobre isso, o Manifesto afirma:

[...] a educação pública por que nos batemos, ontem como hoje, é a educação
fundada em princípios e sob a inspiração de ideais democráticos. A ideia da
educação pública, - conquista irreversível das sociedades modernas; a de uma
educação liberal e democrática, e a educação para o trabalho e o desenvolvimento
econômico e, portanto, para o progresso das ciências ser da técnica que residem à
base da civilização industrial, são três teses fundamentais defendidas por educadores
do mundo inteiro (1959, p. 89).

Com isso, era preciso que a educação seguisse a direção da evolução de mudanças que
ocorriam na sociedade brasileira. O mundo (lembrando que se trata das décadas de 1950 e
128

1960) exigia práticas educativas diferentes e conformidade com as novas necessidades


pessoais e sociais dos indivíduos e do mercado globalizado. Nesse período, percebemos que
havia “a expansão da revolução científica e tecnológica, do nacionalismo, das reivindicações
econômicas dos indivíduos por melhores condições de vida, bem como a formação e o avanço
pelos países de métodos pedagógicos diferenciados do modelo proposto pelo ensino
tradicional” (MANIFESTO, 1959, p. 90). Continuando a discussão, isso direcionava para a
definição de uma nova filosofia educacional por parte de educadores e da função que a escola
deveria exercer, visto que “essa instituição deveria oportunizar ao indivíduo o conhecimento
da civilização e a preparação dos jovens para o mercado de trabalho em contínua
transformação” (MANIFESTO, 1959, p. 90).
Desse modo, destacamos que caberia à educação pública, desse período, a formação
do indivíduo para a vida em sociedade, a preparação para o convívio social e para o mundo do
trabalho. E, justamente, era a escola pública que possuía tais condições para colaborar com o
progresso científico e tecnológico do Brasil. Sobre essa questão, vejamos o que consta no
Manifesto:

A educação pública tem de ser, pois, reestruturada para contribuir também, como lhe
compete para o progresso científico e técnico, para o trabalho produtivo e
desenvolvimento econômico. A reivindicação universal da melhoria das condições
de vida, com todas as suas implicações econômicas, sociais e políticas, não pode
permanecer insensível ou mais ou menos indiferente à educação de todos os graus
(MANIFESTO, 1959, p. 91).

Os signatários também destacaram que, “ao invés de proporem uma legislação e ações
que assegurassem a superação dos problemas existentes no ensino brasileiro e,
consequentemente, a qualidade da educação nacional, evidenciavam-se debates que nada
contribuíam para a definição de um sistema de ensino eficaz” (MANIFESTO, 1959, p. 91).
Observamos, ao longo desse tópico, que para os signatários do Manifesto de 1959, a
liberdade de ensino no substitutivo de Carlos Lacerda colocava em risco as condições
democráticas de acesso à educação no Brasil. A oferta do ensino público da parte do Estado
conduzia a maiores oportunidades de educação para o povo brasileiro. Era preciso que o
Estado “se atentasse à importância do desenvolvimento da instrução pública no país e à
necessária efetivação da democracia no âmbito educacional para o ingresso da população em
instituições educativas” (MANIFESTO, 1959, p. 92). Ao contrário do Brasil, outros países
valorizavam a conquista da democracia e da expansão de acesso ao ensino público no país. O
substitutivo ainda, “prejudicava a concretização da educação democrática no país, já que o
129

direcionamento de verbas do Estado para a manutenção de escolas privadas não era garantia
da efetivação do princípio de educação para todos” (MANIFESTO, 1959, p. 92).
A educação para todos os brasileiros iria se concretizar através do ensino público, que
deveria ser responsabilidade do Estado. Este deveria zelar pelo ensino gratuito para que todos
os indivíduos pudessem ter acesso à educação. Assim, o ensino gratuito e laico, seria a
condição para o estabelecimento de um ensino democrático. A organização do sistema
nacional, também deveria encaminhar-se para assegurar esse princípio.
Por fim, encerramos o capítulo defendendo que o ensino público deveria ser
assegurado pelo Estado por ser o único meio que permitiria maiores condições democráticas
de acesso à educação para o povo brasileiro. Por ter sido concebido como gratuito e de
iniciativa estatal, o ensino público havia sido criado para atender a todos os cidadãos
brasileiros. A democratização na sociedade passaria pela democratização dos meios de acesso
ao ensino, necessário à formação do indivíduo para a vida em sociedade.
130

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício de observar as relações que se estabeleceram entre educação e democracia


em momentos particulares da vida política brasileira nos permitiu apontar alguns significados
atribuídos à educação pública. Nas décadas de 1920 e 1930, a atribuição de um papel no
sentido de salvar a educação, considerava que a modernização do Brasil – agrário, atrasado
economicamente – requeria a reconstrução educacional, fazendo-se da escola o centro
irradiador de uma mentalidade mais racional. A educação teria o papel de promover a
formação do indivíduo autônomo, e ao mesmo tempo, promover formas modernas de
sociabilidade.
A ênfase na universalização do ensino pela generalização da escola única (igual para
todos) orientou a luta pela reconstrução educacional no período, (sendo uma das ideias
defendidas pelo Manifesto de 1932). Por meio desta, acreditava-se que o país teria a formação
do cidadão participativo, ciente dos seus direitos individuais e de seus deveres para com a
sociedade.
Nas décadas de 1950 e 1960, a centralidade da educação pública como fator de
mudança cultural, no sentido da democratização das relações sociais, nos permite destacar
dois importantes eixos de ação: a prioridade do investimento de recursos públicos na melhoria
da escola pública e a descentralização do sistema como forma de garantir a aproximação entre
escola e realidade social, (duas ideias defendidas no Manifesto de 1959).
Os debates ocorridos entre os anos de 1930 e 1960, no âmbito das políticas
educacionais, evidenciam diferentes projetos em disputa, especialmente entre os defensores
da escola pública, laica, gratuita e obrigatória e os defensores da escola privada. Nos anos
1930, o foco dos conflitos concentrava-se na laicidade do ensino público, ao passo que na
década de 1950, o foco das divergências era o destino das verbas públicas para as escolas
públicas e não propriamente à existência da escola particular.
Destacamos como um dos problemas do Brasil em relação à educação, que somente na
década de 1930 o Estado passa a formular políticas sociais e educacionais, merecendo
destaque o papel da escola pública. Nesse contexto, intensificam-se processos de
industrialização e urbanização que ganham, na década de 1950, novos componentes como no
projeto desenvolvimentista. Tudo isso vai exercer maior pressão sobre a escola, de início, a
elementar e, depois, a secundária, e, finalmente, a superior. O aumento do número de escolas
públicas em todos os níveis não foi suficiente para atender a todos. A atuação insuficiente do
131

Estado abriu espaços para a iniciativa particular atuar no âmbito da educação. Os limites da
atuação do Estado em garantir educação para todos foi um dos pontos fortemente criticados
pelos dois Manifestos, especialmente o de 1932.
Outra questão que tratamos na dissertação e merece aqui uma reflexão final são as
Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946. O estudo das Constituições é um tema relevante
para refletirmos sobre a política educacional brasileira. As Cartas são documentos escritos
para serem divulgados e incorporados à vida pública. São resultados de embates políticos
sobre temas centrais da sociedade brasileira e refletem interesses e projetos distintos, razão
pela qual o consenso final é sempre precário.
É importante assinalar que a presença ou ausência da educação nas Constituições
brasileiras evidencia seu grau de importância ao longo da história. Nas duas primeiras
Constituições Federais (1824 e 1891), as referências são restritas, ilustrando a relevância para
a sociedade do período, caracterizada pelo regime monárquico e pela escravidão. Com o
aumento da demanda por acesso à escola, a presença de artigos relacionados com o tema
educação cresce bastante nas Constituições posteriores (1934, 1937 e 1946).
As Constituições perpassam a produção das políticas públicas no âmbito do Estado.
Assim, se em 1934 ideias liberais aparecem na Constituição, em 1937 o movimento é no
sentido inverso. Por outro lado, em 1946, as ideias reformistas voltam a permear o conjunto
das Constituições.
Enfim, as Constituições Federais expressam esses desejos de reforma, apontando
caminhos. Ao mesmo tempo, reforçam privilégios de grupos que fazem valer seus interesses
junto ao Legislativo, como foi, por exemplo, o caso do ensino religioso (debate das décadas
de 1930 e 1940) e do ensino particular (debate das décadas de 1950 e 1960). Com isso, a
reflexão sobre esses discursos permite apreciar o contraditório movimento da educação,
enquanto um valor que passa a juntar-se aos anseios da população sem, contudo, oferecer a
cidadania plena.
Em relação aos Manifestos de 1932 e 1959, destacamos seu caráter de produto de um
movimento organizado por educadores, cujo compromisso centrava-se na elaboração de uma
leitura científica, política e social da educação. Por exemplo, a denúncia feita pelo redator dos
dois Manifestos, Fernando de Azevedo, de o Brasil não ter criado um aparelho de cultura e da
inexistência de uma visão orgânica e sistêmica da problemática educacional exigia a busca de
um novo caminho: perceber a educação dentro de uma sociedade em movimento na qual, por
exemplo, processos como os de urbanização e de industrialização estavam ligados à procura
de uma identidade político-educacional.
132

Motivados pelas teorias desenvolvimentistas e pela pressão dos interesses privatistas e


confessionais que lutavam para garantir seus espaços na Lei de Diretrizes e Bases de 1961, os
signatários do Manifesto de 1959 elaboraram um balanço das perdas e ganhos no campo
educacional, com base no Manifesto de 1932.
Menos doutrinário e mais realista, o Manifesto de 1959, apresentava-se em uma linha
de continuidade com relação ao documento de 1932, uma vez que mantinha a defesa do
ensino público e os princípios do ideário liberal. Embora tenha uma aproximação entre os
Manifestos, o de 1932 tinha uma convocação, cujo tom era dado pelo futuro como espaço
para a produção de novas práticas pedagógicas. No documento de 1959, houve um
abrandamento dessa percepção, não por força de seu conteúdo, mas em consequência da
constatação de que os grandes problemas educacionais ainda continuavam sem solução, e
pior, caminhando para um maior agravamento.
Na verdade, as propostas contidas nos Manifestos ultrapassaram o campo específico
do pedagógico-educacional. Proclamava-se a urgência da construção de um ideário
nacionalista que desse conta da inserção do Brasil no contexto da modernidade. Com isso, a
nova concepção de educação procurava uma definição pedagógica associando método à
constituição de novos procedimentos educativos, didáticos e programáticos que levassem em
conta a necessidade de associação da ciência ao progresso. Valorizava ainda a técnica e a
ciência para a construção de um conhecimento objetivo da realidade brasileira e de seus
contrastes: atraso cultural versus modernidade e urbano versus rural.
Existe, nos Manifestos de 1932 e 1959, uma construção coletiva acerca da ação e do
papel do Estado na elaboração e no controle de um sistema nacional de educação, da relação
público versus privado e do compromisso que a nação deveria assumir perante o ensino
público. Enfim, os documentos explicitam um compromisso que tem como bases: a dinâmica
social em que a urbanização e industrialização se destacaram como fenômenos a ser levados
em conta para a montagem de um projeto educacional; e a compreensão da integração da
educação aos eixos político, social, cultural e científico.
Entre o final da década de 1950 e início da década de 1960, duas Revistas (entre
várias) que escolhemos para discutir esta questão, entraram em cena. De um lado, a Revista
Vozes se tornou a voz da Igreja Católica e dos defensores do ensino privado. Esta defendia a
educação privada, que seria a alternativa para superar problemas históricos do Brasil na visão,
é claro, dos empresários do ensino privado, como o analfabetismo e, principalmente, o acesso
e o direito de escolha a melhor escola, nesse caso, a escola privada. Por outro lado, a Revista
Anhembi, se tornou a voz de intelectuais que entram em cena para defender a escola pública
133

de fato, como a verdadeira escola que iria tornar o Brasil mais democrático, mais igualitário e,
principalmente, daria oportunidade para toda a população poder estudar, garantindo uma
educação pública de qualidade para todos. Na verdade, a escola defendida pelos dois grupos
em conflito, destinava-se a adequar os indivíduos a determinados papeis no interior de uma
sociedade desigual. Afinal, em uma sociedade marcada pelas relações capitalistas, a educação
não deixa de ser uma mercadoria.
É preciso deixar claro que as opiniões expressas nas páginas, tanto da Revista Vozes,
quanto da Revista Anhembi, não fogem do que os editores também pensavam. Todos os
artigos, antes de serem publicados, passavam pelas mãos dos redatores. Quando estes artigos
eram publicados, não tratavam apenas da opinião do autor, mas do editor e de todo o grupo
que naquele momento era por eles representado.
Outra questão que devemos comentar em relação às Revistas é sobre o público alvo
que estas atingiam. A Revista Vozes servia para disseminar as ideias católicas, entre
integrantes do clero católico e, sobretudo, intelectuais que defendiam o posicionamento da
Igreja Católica. Por outro, lado a Revista Anhembi tinha como público alvo a elite paulista e
intelectuais que se posicionavam contra os ideais defendidos pela Igreja.
Nesse ambiente de discussão é que se deu o debate da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação de 1961. Os assuntos principais tratados nos artigos das Revistas dizem respeito ao
embate entre os defensores das escolas públicas e os defensores das escolas privadas. Todas
estas discussões eram possíveis graças ao ambiente em que o Brasil vivia nesse período. Após
o fim do Estado Novo (1945), o Brasil entrou em um momento democrático (1945-1964).
O período entre o final da década de 1950 e o início da década de 1960 insere-se na
época em que a primeira legislação específica para a organização do ensino brasileiro estava
sendo elaborada, discutida e depois sancionada. Naquele momento, até 1961, a Constituição
Federal de 1946 era a única lei básica para o regimento e a manutenção do ensino. No campo
das políticas educacionais, queria-se uma legislação que, considerando a Constituição,
assegurasse os princípios que iriam nortear a organização de um sistema único de ensino no
Brasil, ao determinar ações para a organização da estrutura curricular, de um Plano Nacional
de Educação e conteúdos escolares das instituições educativas.
Para os signatários do Manifesto de 1959, o Estado podia estimular a iniciativa de
entidades particulares, mas deveria, por princípio, assegurar o cumprimento do dever de
manter o sistema de ensino nacional e disponibilizar recursos para que os problemas que
emperravam o desenvolvimento do ensino público fossem sanados. Os intelectuais do
Manifesto defenderam um ensino público, baseado em preceitos democráticos. Levantaram a
134

bandeira da educação liberal e democrática, evidenciando a importância da educação para o


avanço científico e tecnológico e, consequentemente, para o desenvolvimento e progresso do
país. A escola passa a ter uma função importante de preparação da força de trabalho.
A liberdade de ensino colocava em risco as condições democráticas de acesso à
educação no país. A oferta do ensino público por parte do Estado conduzia a maiores
oportunidades de educação ao povo. Era preciso que o Estado se atentasse à importância do
desenvolvimento da instrução pública no país e à necessária efetivação da democracia no
âmbito educacional para o ingresso da população em instituições educativas.
Os signatários do Manifesto de 1959 insistem na tese de que os defensores do ensino
privado não queriam nenhum tipo de disciplinamento por parte do Estado, mas, em
contrapartida, são muito receptivos aos recursos do Estado para suas instituições. Essa postura
dificulta o avanço de políticas públicas que visem dar conta dos complexos problemas
estruturais da sociedade brasileira. Esta é a crítica central dos signatários, quando os
defensores do ensino privado queriam também as verbas do Estado para as suas escolas, em
contrapartida eram contrários a qualquer tipo de fiscalização do Estado em seus
estabelecimentos de ensino.
Os defensores da escola pública não eram contra o ensino privado, apenas lutavam
para que o Estado fiscalizasse estes estabelecimentos e as verbas ficassem apenas para a
escola pública, como foi defendido no Manifesto de 1959. O ensino público deveria ser
assegurado pelo Estado por ser o único meio que permitia maiores condições democráticas de
acesso à educação para a população brasileira. Por ter sido concebida como gratuita e de
iniciativa estatal, a educação pública, havia sido criada para atender a todos os cidadãos
brasileiros. A democratização na sociedade passava pela democratização dos meios de acesso
ao ensino, necessário à formação do indivíduo para a vida em sociedade.
Para os signatários de 1959, a Campanha em Defesa da Escola Pública era um
movimento importante, porque representava a ação de intelectuais dispostos a lutar por uma
educação pública de qualidade. Estes acabavam se incomodando com os problemas existentes
na nossa educação, e agindo a favor de modificações que pudessem contribuir para a elevação
da democracia no campo educacional, para o desenvolvimento de oportunidades iguais de
acesso aos conhecimentos escolares.
As discussões sobre as responsabilidades do Estado em relação à educação
aumentaram após a apresentação do substitutivo de Carlos Lacerda (que beneficia a escola
privada, como já foi discutido ao longo da dissertação) à LDB, que direcionou as discussões
sobre a ação do Estado em subvencionar e subsidiar as instituições educativas da iniciativa
135

privada. Estes que defendiam tais ideais alegavam que as escolas privadas estariam em
condições melhores de atender as camadas mais pobres da população brasileira.
Em relação à LDB de 1961, no texto final, as questões do provimento à educação
(verbas) e da fiscalização das escolas (traduzidas na composição de Conselhos de Educação),
da forma como foram concluídas, deram bastante espaço à iniciativa privada. Concluímos que
essa lei favoreceu a representação das escolas particulares e deixou lacunas no sentido da
fiscalização desses estabelecimentos.
Na visão dos signatários, o Estado Democrático estava em formação na sociedade. Era
o agente principal na tarefa de garantir a democracia nos diversos setores da sociedade
brasileira. O Estado Democrático, no âmbito da educação, tinha a grande missão de assegurar
o ensino público e estabelecer e reconhecer seus limites quanto à manutenção do ensino de
iniciativa privada. Os signatários destacaram a necessidade de defesa da constituição de um
Estado Democrático na sociedade brasileira, e, segundo eles, a população não podia se
posicionar de modo indiferente às ameaças ao desenvolvimento desse agente político. Sendo
assim, seus benefícios para com a instrução nacional deveriam ser levados em consideração e
almejados.
O Estado brasileiro converter-se-ia em Estado Educador, na medida em que visasse e
assegurasse a expansão e manutenção do ensino na sociedade. Isso significa, por parte do
Estado, maior participação nas decisões e efetivação de reformas no campo educacional, de
maneira que mobilizasse esforços em prol da organização do ensino e de seu sistema nacional.
Era preciso a ampliação do número de escolas no país para a oferta de educação democrática
à população. O Estado Educador tinha por responsabilidade zelar pelas condições
democráticas no âmbito da educação.
Buscou-se, na dissertação, discutir um dos temas que perpassa a história da educação
brasileira e ainda se faz muito presente nas políticas educacionais. A importância de colocar
em pauta essa discussão se justifica por dois motivos: primeiro, a dificuldade de o Estado
brasileiro assumir a defesa de interesses efetivamente públicos, e segundo, a dificuldade de
pensar o conceito de público não apenas do ponto de vista de financiamento, mas de
compromissos da educação com a sociedade brasileira.
No Manifesto de 1959 há uma posição clara na defesa da escola pública e no papel do
Estado em relação à educação. No entanto, em nenhum momento discute-se o papel do Estado
numa sociedade de classe e as opções de políticas públicas que decorrem desses
compromissos de classe. Esse é um limite do Manifesto, mas compreensível de acordo com as
diferenças de ideias entre os seus signatários. Por exemplo, as posturas de Anísio Teixeira,
136

Fernando de Azevedo, Paschoal Lemme e Florestan Fernandes não foram às mesmas em


vários aspectos, mas todos tinham em comum a luta pela escola pública, gratuita, obrigatória e
laica.
Em síntese, ao longo da dissertação, procuramos mostrar como os signatários
buscaram, através do Manifesto de 1959, soluções para melhorar a educação brasileira do
período, cobrando do Estado que este deveria assumir seu papel na oferta da educação de
qualidade, também na garantia da permanência dos alunos na escola pública.
Estudar o Manifesto dos Educadores de 1959 foi um desafio. Como assinalamos, ao
longo do trabalho, este documento foi fundamental na Campanha em Defesa da Escola
Pública, não só porque defendia a escola pública, gratuita, obrigatória e laica, mas também
por ter sido assinado por diversos intelectuais de destaque no cenário brasileiro. Em relação
ao tema sobre o qual nos debruçamos, restaram algumas lacunas que poderão ser retomadas
em outros estudos, futuramente. Lendo o Manifesto de 1959, é inegável que nos reportamos
ao Brasil da atualidade, pois muitos problemas indicados no documento, como a precária
qualidade da educação, a falta de infraestrutura das escolas, a formação deficitária dos
professores, dentre outros, ainda persistem na educação pública brasileira em pleno século
XXI.
Além das indagações sobre a educação na contemporaneidade, o trabalho suscitou
questionamentos, muitos dos quais relacionados ao efervescente cenário educacional da época
de publicação do Manifesto. Perguntamo-nos, por exemplo, qual teria sido a repercussão do
lançamento do Manifesto dos Educadores de 1959, no Rio Grande do Sul e em outras regiões
fora do eixo Rio – São Paulo? As ideias defendidas pelos signatários tiveram algum impacto
fora dos centros urbanos, ou melhor, chegaram à zona rural do território brasileiro? Logo após
a publicação do Manifesto, houve reações por parte dos professores da educação pública?
Estes profissionais que estavam conduzindo os processos educativos nas escolas chegaram a
tomar conhecimento da publicação do documento e das ideias que os intelectuais defendiam?
Também ficamos instigados a investigar a repercussão desse Manifesto na imprensa de
pequenas e médias cidades brasileiras, mesmo sabendo que nestas o índice de analfabetismo
era maior do que nos grandes centros urbanos. Enfim, a pesquisa cumpriu o seu papel ao
responder a algumas questões, mas, o que é mais importante, levantou outras perguntas e
provocou novas inquietações, para fomentar estudos futuros.
137

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P282p Pasinato, Darciel


Política e educação de 1930-1961 : a concepção de
público no manifesto dos educadores de 1959 / Darciel
Pasinato. – 2014.
144 f., il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade


de Passo Fundo, 2014.
Orientação: Prof.ª Drª. Flávia Eloísa Caimi.
Co-orientação: Prof. Dr. Telmo Marcon.

1. Educação e Estado. 2. Escolas públicas. 3. Escolas


particulares. 4. Educação – História. I. Caimi, Flávia Eloísa,
orientadora. II. Marcon, Telmo, coorientador. III. Título.

CDU: 37.014

Bibliotecária responsável Schirlei T. da Silva Vaz - CRB 10/1364

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