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Darciel Pasinato
Passo Fundo
2014
2
AGRADECIMENTOS
RESUMO
O Manifesto dos Educadores de 1959 foi importante e inovador, porque colocou em debate
questões fundamentais da sociedade brasileira, especialmente da educação, entendida como
direito de todos. Além disso, defendeu uma concepção de escola pública, obrigatória, gratuita
e laica. Deste modo, o problema investigado busca responder, como os signatários do
Manifesto compreendem o conceito de público e como a partir dele fazem uma crítica à
educação vigente e aos defensores da escola privada na solução dos históricos problemas
educacionais do Brasil. Nessas proposições, confrontaram-se com os defensores da escola
privada, especialmente no que diz respeito ao tema do financiamento público. O objetivo
geral da investigação é analisar os problemas educacionais do Brasil, no contexto das décadas
de 1930 e 1960, bem como as soluções propostas no Manifesto de 1959. A pesquisa é de
natureza bibliográfico-documental. A parte bibliográfica inclui livros, capítulos e artigos em
periódicos que tratam de questões sociais, econômicas, políticas e educacionais do contexto
delimitado. A parte documental inclui os dois manifestos e um acervo de artigos publicados
nas Revistas Vozes e Anhembi, que expressam as duas principais correntes que se
confrontam: liberais e católicos. O trabalho analisa as consequências e impactos da Revolução
de 1930 no processo de consolidação do Estado como instituição formuladora de políticas
sociais e educacionais, especialmente em relação à educação escolar. Aborda também, as
discussões e posicionamentos de liberais e católicos veiculados nas duas revistas referidas e
os aspectos básicos da campanha em defesa da escola pública, bem como as inovações do
Manifesto de 1959 em relação ao Manifesto de 1932. Em síntese, trata-se, de analisar, os
embates entre os que defendiam a escola pública e os defensores da escola privada, veiculados
por duas importantes revistas. Os estudos permitem afirmar que a compreensão de público
presente no Manifesto de 1959, não restringe a ideia de público somente ao financiamento; os
signatários defenderam que as verbas do Governo Federal deveriam ser apenas destinadas
para a escola pública; e que as escolas privadas deveriam ser fiscalizadas pelo Estado e por
fim, através do Manifesto de 1959, apontaram soluções para melhorar a educação brasileira
do período, cobrando do Estado que este deveria assumir seu papel na oferta da educação de
qualidade e, também, na garantia da permanência dos alunos na escola pública.
ABSTRACT
The Educators Manifesto of 1959 was an important and innovative because it put into debate
key issues in Brazilian society, especially education, understood as the right of all. Moreover,
defended is conception of public school, compulsory, free and secular. Thus, the research
problem seeks to answer, as the signatories of the Manifesto understand the concept of
audience and how to do it from a critique of existing education and advocates of private
school education in solving historical problems of Brazil. In these propositions, clashed with
supporters of private schools, especially with regard to the issue of public funding. The
overall goal of the research is to analyze educational problems in Brazil, in the context of the
1930s and 1960s, as well as the solutions proposed in the Manifesto of 1959. Research is
likely bibliographic and documentary. The bibliographic part includes books, chapters and
journal articles that deal with social, economic, political and educational issues surrounding
context. The documentary section includes both manifest and a collection of articles published
in magazines and Voices Anhembi, which express the two main currents faced: Liberals and
Catholics. The paper analyzes the consequences and impacts of the 1930 Revolution in the
consolidation process of the state institution as formulator of social and educational policies,
especially in relation to education. Also addresses, discussions and placements of Liberals and
Catholics served in the two magazines mentioned and basic aspects of the campaign in
defense of public schools, as well as innovations in the Manifesto of 1959 in relation to the
Manifesto of 1932. In summary, it comes up, to examine the clashes between those who
supported the public school and private school advocates, served by two major magazines.
The studies allow us to state that the understanding of this Manifesto in 1959 , the public does
not restrict only to the idea of public funding; signatories argued that the money from the
Federal Government should be designed only to public school; and that private schools should
be audited by the state and finally, through the Manifesto 1959, showed solutions for
improving Brazilian education period, charging that the state should assume their role in the
provision of quality education and also in ensuring the permanence of students in public
school.
KEYWORDS: State. Education policy. Manifest 1959. Public education. Private education.
5
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 8
Revisão de literatura ....................................................................................................................17
A estrutura da dissertação ..........................................................................................................21
1 ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS DE 1930-1961 .............................................23
1.1 O papel do Estado na formulação de políticas educacionais pós-1930..........................23
1.2 Manifesto de 1932: a posição dos liberais ..........................................................................31
1.3 A educação no Estado Novo (1937-1945) ...........................................................................37
1.4 Estado e educação nos governos democráticos (1945-1964)............................................44
1.5 A Constituição de 1946: embates políticos relativos à educação ....................................54
1.6 Lei de Diretrizes e Bases da Educação: projetos em disputas ........................................59
2 PÚBLICO VERSUS PRIVADO: CONFRONTO ENTRE CATÓLICOS E LIBERAIS
NAS REVISTAS VOZES E ANHEMBI.....................................................................................68
2.1 Contextualização do debate: retomada do problema .......................................................68
2.2 Educação: função do Estado ou da família? ......................................................................76
2.3 Críticas feitas por católicos aos liberais .............................................................................86
2.4 Críticas dos liberais aos católicos ........................................................................................90
3 O MANIFESTO DE 1959: CONCEPÇÃO DE PÚBLICO ................................................94
3.1 A origem do Manifesto de 1959 ...........................................................................................94
3.2 Estrutura do Manifesto de 1959 ..........................................................................................97
3.3 Personagens em destaque: trajetória de alguns signatários ..........................................103
3.3.1 Anísio Teixeira ....................................................................................................................104
3.3.2 Fernando de Azevedo .........................................................................................................108
3.3.3 Paschoal Lemme .................................................................................................................111
3.3.4 Florestan Fernandes ............................................................................................................113
3.4 Inovações do Manifesto de 1959 em relação ao Manifesto de 1932 .............................117
3.5 A concepção de público no Manifesto de 1959 ................................................................123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................130
REFERÊNCIAS .........................................................................................................................137
8
INTRODUÇÃO
por ser um “grupo natural” anterior ao Estado. O Frei Evaristo Arns serviu de escudo para os
empresários do ensino que, por não terem justificativas e bandeiras para solapar a Campanha
da Defesa da Escola Pública, serviram-se dos argumentos da Igreja Católica.
O conflito público-privado é uma manifestação concreta, o sintoma maior de um
problema que não se revela tão explicitamente, no que diz respeito às relações entre Estado e
sociedade no Brasil. Este problema se localiza no âmbito da delimitação das esferas pública e
privada da sociedade. Um levantamento dos diversos sinônimos de público mostra sua
abrangência a tudo aquilo que pertence ao social. Segundo Pinheiro (2001, p. 256), os
significados mais frequentes desse vocábulo são os seguintes: “o que se passa fora do âmbito
da família; o que é relativo ou destinado ao povo; pertencente ao Estado; que é do uso de
todos; aberto a qualquer pessoa, conhecido de todos; o povo em geral; o conjunto de pessoas
que executam alguma coisa em comum; o público de algum evento em particular ou o público
em geral”.
Agregado ao significado de público como o que se passa fora da vida na família e cujo
centro é a cidade, surgiu com a constituição da sociedade moderna outra conotação de
público, relacionado ao poder público, que é o Estado. Com esse conteúdo, o público é uma
categoria histórica própria desta sociedade e quer dizer poder público. A esfera pública nesse
sentido corresponde à esfera de competência do poder público. Em consequência da
representação pública do Estado, lhe são atribuídas funções específicas na sociedade. Como
poder público, o Estado tem a tarefa de promover o bem comum a todos os cidadãos. Nesse
sentido, o público tornou-se sinônimo de estatal.
Com isso, no Brasil, após a década de 1930, concomitante ao processo de intervenção
do Estado na esfera econômica, como principal agente do desenvolvimento, ocorreu uma
tendência de privatização da esfera pública. Porém, “o processo entre essas esferas
caracterizou-se por um duplo prejuízo da esfera pública, pois tanto a intervenção do Estado na
área econômica quanto do setor privado na esfera pública favoreceram interesses privados e
não públicos” (PINHEIRO, 2001, p. 258). Na área educacional, o conflito público-privado é
antigo e remonta aos primórdios do século XIX e se acentua na década de 1950. Este
confronto se manifestou através de uma disputa entre a escola pública e a escola privada no
campo educacional. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1933, esse conflito monopolizou
as discussões no âmbito do ensino. Cada grupo tinha compreensão própria do problema em
função de interesses e propostas concretas.
Para parte da sociedade, era preciso insistir na consolidação desses novos tempos e
administrar o atendimento das suas necessidades objetivas. A educação escolar não podia
12
ficar à margem desse futuro. Mais do que isso: tratava-se de efetuar forte defesa da educação
escolar, da instituição pública (estatal), porque esta era a vítima e não a responsável pelo
abandono. “E o realismo da análise não se detinha nesse ponto, porque as causas reais
apontadas na sequência são: o rápido crescimento demográfico, o processo de industrialização
e urbanização, mudanças econômicas e sociais” (SANFELICE, 2007, p. 546). Ao se
reconhecer a expansão da oferta quantitativa da escola, afirma-se que ela veio acompanhada
do rebaixamento de nível ou qualidade do ensino de todos os graus, pela deficiência de
recursos aplicados.
Os dois pontos mais significativos do documento de 1959 são, de um lado, a denúncia
dos interesses “ideológicos e econômicos” que moviam os grupos empenhados na luta contra
a escola pública, e os recursos do erário público para manterem instituições privadas, que não
eram fiscalizadas pelo Estado. De outro, está à concepção de educação pública, pela qual
lutam os manifestantes: é a educação fundada em princípios e sob a inspiração de ideias
democráticas. A ideia da educação pública – conquista das sociedades modernas -, “a de uma
educação liberal e democrática e a de educação para o trabalho e o desenvolvimento
econômico, são três teses fundamentais defendidas por educadores progressistas do mundo
inteiro” (MANIFESTO, 1959, p. 80).
Diante disso, o trabalho busca responder a uma questão central: como os signatários
do Manifesto compreendem o conceito de público e como a partir dele fazem uma crítica
à educação vigente e aos defensores da escola privada na solução dos históricos
problemas educacionais do Brasil?
O passo mais importante, de acordo com Moreira (2004, p. 26), “em direção a uma
boa revisão de literatura é uma pesquisa bibliográfica o mais compreensiva possível”.
Também, é necessário eliminar, na medida do possível, as barreiras linguísticas, geográficas e
de níveis de compreensão. A produção científica não tem o mesmo ritmo e resultados em
todas as áreas, por isso é preciso identificar, adverte Moreira (2004, p. 26), “quando a
escassez de literatura é predominante na área, pois, nesse caso, todas as referências
encontradas são relevantes”. Este não foi o caso do tema da presente pesquisa, que conta com
uma produção científica variada e consistente.
Em relação à pesquisa documental, Lüdke e André (1986, p. 38), colocam que esta
“busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de
interesse”. Os documentos constituem também, uma fonte de onde podem ser retiradas
evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Os documentos não
são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surge num determinado contexto e
fornecem informações sobre esse mesmo contexto.
Selecionados os documentos, o pesquisador deverá fazer à análise dos dados. Depois
de organizar os dados, num processo de inúmeras leituras e releituras, “o pesquisador pode
voltar a examiná-lo para tentar detectar temas e temáticas mais frequentes” (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986, p. 42). Os dados que não puderem ser agregados na pesquisa devem ser
classificados em um grupo à parte para serem posteriormente examinados.
Outro autor que trata sobre a pesquisa documental é Sá-Silva (2009), para quem, o uso
de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado. A riqueza de informações que
deles podemos extrair e resgatar “justifica o seu uso em várias áreas das Ciências Humanas e
Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de
contextualização histórica e sociocultural” (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 2).
A pesquisa documental é muito próxima da pesquisa bibliográfica. O elemento
diferenciador está na natureza das fontes: “a pesquisa bibliográfica remete para as
contribuições de diferentes autores sobre o tema, atentando para as fontes secundárias,
enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento
analítico, ou seja, as fontes primárias” (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 6). Essa é a principal
diferença entre a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica. No entanto, deve-se chamar
a atenção para o fato de que: “na pesquisa documental, o trabalho do pesquisador (a) requer
uma análise mais cuidadosa, visto que os documentos não passaram antes por nenhum
tratamento científico” (SÁ-SILVA; et al, 2009, p. 6).
14
João Camilo de Oliveira Torres Revista Vozes - A Educação como Direito. Set.
1958.
Revista Vozes Revista Vozes - O Piche de Anhembi não Secou.
Set. 1958 a.
- Em Defesa da Liberdade de
Ensino. Jun. 1958c.
- Em Defesa da Educação
Democrática. Set. 1959.
Almeida Júnior Revista Anhembi - Ainda as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Jan. 1960.
Revista Anhembi Revista Anhembi - Ensino de religião nas escolas
oficiais. Mar. 1957 a.
Revisão de literatura
particular”. Essa questão será discutida ao longo do trabalho, pois é fundamental para
entender a concepção de público presente no Manifesto de 1959.
As relações entre o ensino público e o ensino privado são sempre apresentadas como
conflituosas, visto que isso “perpassa todo o século XX, mas que foi assumindo fisionomias
diversas no decorrer da história” (BUFFA, 2005, p. 52). Só para citar como exemplo, na
primeira metade do século XX, o ensino particular concentra-se no nível secundário,
sobretudo católico, onde a Igreja liderava a defesa do ensino particular e advogava que estas
escolas deveriam receber recursos públicos. Esta é uma questão importante, que discutiremos
no decorrer da dissertação.
Seguindo com a revisão de literatura, apresentaremos um breve levantamento de obras
que serão fundamentais para discutir o público no Manifesto de 1959, além de todo o debate
que ocorreu na década de 1930 e principalmente nas décadas de 1950 e 1960, entre os
defensores do ensino público e os defensores do ensino privado. Localizamos um acervo de
livros, de artigos e dissertações.
A dissertação de Paula Maria de Assis (2008), A Concepção de Educação na Revista
Vozes durante os debates da LDB (1956 a 1961): o Período de Frei Aurélio Stulzer tem como
objetivo analisar como a Revista Vozes concebe a educação no decorrer da gestão editorial de
Frei Alberto Stulzer, que corresponde ao momento de discussão e implantação da Lei de
Diretrizes e Bases de 1961.
A dissertação de Cristiane Silva Mélo (2009), Estado e educação pela imprensa: o
debate de Florestan Fernandes ante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1959-1961), discute as ideias educacionais de Florestan Fernandes na imprensa, na época de
tramitação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024/1961),
com ênfase em seu pensamento sobre a relação entre Estado e educação na sociedade
brasileira.
Em sua dissertação intitulada O Público e o Privado na Educação Brasileira: do
Debate Intelectual ao Texto Legal, Rosane Lima da Silva Pinto (2008) aponta o papel
atribuído ao Estado no debate que precedeu a promulgação da Lei n. 4.024 de 1961, sobre o
público e o privado na educação básica.
O livro organizado por Roque Spencer Maciel de Barros (1960) intitulado Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, reúne artigos de importantes intelectuais (Florestan Fernandes,
Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, dentre outros), que se posicionaram na defesa da
escola pública nas décadas de 1950 e 1960.
20
A estrutura da dissertação
1
O programa da Aliança Liberal refletia as aspirações das classes dominantes regionais não associadas ao núcleo
cafeeiro e tinha por objetivo sensibilizar a classe média. Defendia a necessidade de se incentivar a produção
nacional em geral e não apenas o café e combatia os esquemas de valorização do produto. Propunha algumas
24
medidas de proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria a setores ainda não
beneficiados por ela, a regulação do trabalho do menor e das mulheres e aplicação da lei de férias (FAUSTO,
2004, p. 319-320).
2
Góes Monteiro liderou o exército do Rio Grande do Sul, além de ser amigo de Getúlio Vargas. Juarez Távora
liderou o exército da Paraíba e de Pernambuco. Antes do confronto decisivo, a revolução recebeu o apoio dos
generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e Leite de Castro, pelo Exército, e o almirante Isaías Noronha, pela
Marinha (FAUSTO, 2004, p. 321).
3
Na visão da Igreja Católica, o avanço comunista dar-se-ia por etapas, sendo a primeira delas a destruição dos
sentimentos religiosos e da família, ação que se exercia sobre a pessoa, a família e a sociedade, tendo como
objetivo enfraquecer as suas resistências morais. Também, o anticomunismo católico pode ser visto como um
dos componentes do conjunto maior designado como imaginário anticomunista, sendo possível captar nele
especificidades que o distinguem de outros, relacionadas com o modo como a Igreja Católica, ao longo do
tempo, interpretou a questão. Isso pode ser analisado com base na posição da Igreja em relação ao mundo
moderno, aos processos de laicização dos Estados e de secularização das sociedades ocidentais (RODEGHERO,
1998, p. 44).
25
Em julho de 1932, teve início em São Paulo a revolução contra o governo federal. “O
plano dos revolucionários era realizar um ataque fulminante contra a capital da República
colocando o governo federal diante da necessidade de negociar ou capitular” (FAUSTO,
2004, p. 346). Porém, o plano falhou, porque o movimento ficou militarmente confinado ao
território de São Paulo. A Revolução de 1932 uniu diferentes setores sociais paulistas, da
cafeicultura à classe média, passando pelos industriais. Apesar de a revolução ter sido
derrotada pelo governo federal, esta teve “um lado voltado para o passado e outro para o
futuro” (FAUSTO, 2004, p. 346). A bandeira da constitucionalização abrigou tanto os que
esperavam retroceder às formas oligárquicas de poder, como os que pretendiam estabelecer
uma democracia liberal no país. O movimento trouxe consequências importantes. Embora
vitorioso, Vargas percebeu que não poderia ignorar a elite paulista. Os derrotados por sua vez,
compreenderam que teriam de estabelecer algum tipo de compromisso com o poder central.
Logo após a Revolução de 1932, Plínio Salgado e outros intelectuais fundaram, em
São Paulo, a Ação Integralista Brasileira (AIB). O integralismo se definiu como uma doutrina
nacionalista cujo conteúdo era mais cultural do que econômico. Combatia o capitalismo e
pretendia estabelecer o controle do Estado sobre a economia. A sua ideia central se
encontrava na tomada de consciência do valor espiritual da nação, assentado em princípios
como: “Deus, Pátria e Família”, que acabou se tornando o lema do movimento. O
integralismo foi eficaz na utilização de rituais e símbolos: o culto da personalidade do chefe
nacional; as cerimônias de adesão; os desfiles dos “camisas-verdes”, ostentando braçadeiras
com a letra grega sigma (∑).
O recrutamento dos dirigentes nacionais da AIB se fez, principalmente, entre
profissionais urbanos de classe média, e, em menor grau, entre os militares. O movimento
integralista conseguiu atrair um número considerável de aderentes. Segundo Fausto (2004, p.
356), “calcula-se esse número entre 100 mil e 200 mil pessoas no período de auge (fins de
1937), o que não é pouco, considerando-se o baixo grau de mobilização existente no país”.
Percebe-se com isso, como eram fortes no Brasil, da década de 1930, os movimentos de
“direita”, ou, numa linguagem mais apropriada desse período, mais conservadores. Estes
movimentos tinham muitas semelhanças, através de suas ideologias, com o Fascismo italiano
e com o Nazismo alemão.
Ao longo de 1933, o governo provisório decidiu constitucionalizar o país, realizando
eleições para a Assembleia Nacional Constituinte em maio deste ano. A campanha eleitoral
revelou uma participação popular significativa e uma organização partidária. O resultado das
26
urnas mostrou a força das elites regionais 4. Após meses de debates, a Constituinte promulgou
a Constituição Federal em 14 de julho de 1934. Semelhante à Constituição de 1891, ao
estabelecer uma República federativa, mas apresentava vários aspectos novos, como reflexo
das mudanças ocorridas no país. Três títulos inexistentes nas Constituições anteriores
tratavam da ordem econômica e social; da família, educação e cultura; e da segurança
nacional. Em 15 de julho de 1934, pelo voto indireto da Assembleia Nacional Constituinte,
Getúlio Vargas foi eleito presidente da República, devendo exercer o mandato até 1938.
Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1934, os comunistas e os
tenentes de esquerda, aliados a grupos menores, preparavam o lançamento da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), que veio a público no Rio de Janeiro, em 30 de março de 1935.
O programa básico da ANL tinha conteúdo nacionalista, sendo curioso observar que nenhum
de seus cinco pilares tratava dos problemas dos operários. Eram eles a suspensão definitiva do
pagamento da dívida externa; a nacionalização das empresas estrangeiras; a reforma agrária; a
garantia das liberdades populares; e a construção de um governo popular.
Em poucos meses, a ANL conquistou bastante projeção. Cálculos conservadores
“indicam que em julho de 1935 ela contava com 70 mil a 100 mil pessoas” (FAUSTO, 2004,
p. 360). Em 11 de julho de 1935, membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
começaram os preparativos para uma insurreição que resultaria num golpe em novembro de
1935, porém, este golpe fracassou e o movimento foi duramente reprimido. Com isso, Getúlio
Vargas se preparava para dar um golpe, que deu origem ao Estado Novo (1937-1945), onde o
presidente governou com todos os poderes, como um ditador.
Diante do que observamos, durante o período de 1930-1937, Getúlio Vargas governou
com o apoio de forças conservadoras, com o apoio de forças radicais e sem esquecer-se do
apoio da Igreja Católica. Não é à toa que, diante disso, Vargas conseguiu a simpatia de setores
que temiam que os “comunistas” tomassem o poder, e isso fez com que o presidente fechasse
o Congresso Nacional e, consequentemente, passasse a concentrar todos os poderes em suas
mãos, dando início ao Estado Novo, período autoritário, onde muitos opositores foram
perseguidos. Esse assunto será objeto de discussão nos próximos tópicos desse capítulo. A
partir de agora, discutiremos o papel do Estado e suas políticas educacionais, dando destaque
à atuação de Francisco Campos a frente do Ministério da Educação, não se esquecendo da
Educação na Constituição de 1934.
4
No Rio Grande do Sul, os eleitos eram em sua maioria partidários de Flores da Cunha; em Minas, venceram os
seguidores do velho governador Olegário Maciel; em São Paulo, a vitória da Frente Única foi esmagadora
(FAUSTO, 2004, p. 351).
27
5
Em 1920, no Estado de São Paulo aconteceu a Reforma de Sampaio Dória no ensino primário. Entre 1927 e
1929 em Minas Gerais, realizou-se uma reforma do ensino primário e normal liderada por Francisco Campos e
Mário Casasanta. Outras duas reformas que merecem destaque ocorreram na Bahia, em 1926, com Anísio
Teixeira e no Distrito Federal, entre 1927 e 1930 com Fernando de Azevedo. O Rio de Janeiro já havia
experimentado um reforma antes de Azevedo, com Carneiro Leão (1922-1926). (GOMES, 2002, p. 412).
6
O fundador dessa Associação foi Heitor Lyra filho, que ocupou lugar de destaque no cenário da década de 1920
e 1930. Congregou intelectuais de grande visibilidade, que fizeram da educação um tema estratégico para
aqueles que buscavam influenciar os debates que giravam ao redor das “obrigações do Estado” para com a
educação pública. Entre os nomes que lutaram para que a ABE tivesse repercussão nacional vale citar Fernando
Laboriau, Fernando Magalhães, Roquette Pinto, entre outros, além dos chamados “educadores pioneiros” como
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho (FREITAS, 2009, p. 41).
28
Observamos, por meio dos decretos, que o ensino primário não era prioridade do
Ministro Francisco Campos. Era justamente este nível de ensino que serviria para diminuir o
analfabetismo elevado7 e levar milhões de crianças e jovens para a escola. Por outro lado, o
ensino secundário e superior eram suas prioridades. Isso se deve à mentalidade do período,
que indicava que o Brasil precisava formar uma elite para governar o país e isso somente
aconteceria nos níveis secundário e superior. Outra questão, que nos chamou a atenção, foi o
decreto que “instituiu o ensino religioso como matéria facultativa nas escolas públicas”. Esse
7
Segundo dados da década de 1920 numa população de 15 anos de idade e mais, num total de 17.564.000 de
habitantes, 11.490.000 eram analfabetos, chegando a um índice de 65% da população (MÉLO, 2009, p. 113).
29
decreto permitiu que a Igreja Católica 8 mantivesse sua presença nas escolas públicas e
principalmente a sua influência. Esse será um terreno fértil para debates nas décadas seguintes
(1950 e 1960) entre os defensores do ensino religioso e os defensores da laicidade do ensino.
As ideias de políticas educacionais de Francisco Campos, nesse período, guardam uma
coerência em relação às suas formulações sobre a reforma mineira. Uma vez mais, na fala de
Marcondes (2000, p. 221), “encontra-se a crença em que a reforma da sociedade se faz
mediante a reforma da escola, o espírito de formação do cidadão e da produção e
modernização das elites”. Em resumo, embora bem relativizado, ele não havia abandonado
aspectos do ideário da Escola Nova que de forma bem consistente defendera em Minas
Gerais9. Por outro lado, de forma mais acentuada, reencontramos sua convicção de que
somente ao Estado caberia a responsabilidade, o controle e a promoção da educação.
Como falamos antes, a Igreja Católica teve forte influência na educação desse período.
Esta instituição não se preocupava em abrir escolas para o povo. Sua estratégia estava voltada
para os filhos das classes dominantes. Sobre a questão do ensino religioso nas escolas oficiais
(escolas públicas) não chegava a sensibilizar e mobilizar as classes dominantes, porque estas
podiam sempre enviar seus filhos e filhas para escolas religiosas e ali obter uma educação de
vínculo católico.
Continuando, o que estava em jogo em 1930 era muito mais que uma questão de
princípios. As transformações econômicas, através das atividades industriais e com a
urbanização, determinam uma pressão para a implantação de políticas educacionais, em que
todos teriam os mesmos direitos. O maior problema se situa no fato de que a educação era
reservada a uma pequena camada das classes dominantes, agora a pressão dos segmentos
médios (classe média de hoje), também reclamavam por uma educação secundária e mesmo
as classes populares (maioria da população brasileira desse período) pediam educação
primária para seus filhos. Em relação a estas questões levantadas, a Igreja, “sentia que seu
futuro podia estar comprometido se de algum modo não tornasse ativa sua presença junto às
8
Será a promessa de apoio da Igreja em nível nacional que fornecerá a Francisco Campos o argumento político
capaz de convencer Getúlio Vargas a assinar o decreto de introdução do ensino religioso nas escolas públicas
(HORTA, 1994, p. 104).
9
Em setembro de 1926, Francisco Campos foi nomeado Secretário de Negócios do Interior do governo Antônio
Carlos. Secretaria que, entre outros assuntos, tinha a seu encargo os negócios da educação do Estado. Homem de
inteira confiança do Presidente de Minas Gerais, colaborou intensamente no planejamento e na implementação
de seu programa de governo, notadamente com as reformas do ensino primário e normal. A educação teria papel
fundamental nesse governo que propôs o desafio de modernização institucional. Expressavam-se em Minas as
propostas “modernizantes” correntes entre os educadores brasileiros, sobretudo, na afirmação da necessidade de
adaptar o sistema escolar às exigências da nova sociedade em formação (MORAES, 2000, p. 193-194).
30
classes populares em constituição nas cidades e cuja formação se dava através do aparelho
escolar” (HORTA, 1994, p. 99).
Por outro lado, a Igreja estava enraizada no ensino secundário, o qual ela praticamente
controlava através de sua rede de colégios e tinha forte presença entre intelectuais. Porém, não
tinha praticamente nenhuma presença no ensino primário. Assim, ao lutar pela introdução do
ensino religioso nas escolas públicas, a Igreja estava lutando para garantir a sua influência
sobre as classes populares urbanas.
A Igreja estava consciente de que o decreto de 1931, permitindo o ensino religioso nas
escolas públicas, ainda não era suficiente. Tinha a ambição de lutar para que fosse
regulamentada a sua aplicação em nível de cada estado da federação e para que o princípio do
ensino religioso escolar fosse incorporado à nova Constituição (1934). Contudo, a
regulamentação do ensino religioso no âmbito da União seria bem mais difícil, pois sofreria
forte oposição de “educadores liberais”, que atuavam por meio da Associação Brasileira de
Educação.
Em 1932, a rede privada “respondia por 18,4% das matrículas do ensino fundamental
de um total de 2.071.437 matrículas” (BOMENY, 2001, p.18). Era justamente na rede privada
que a Igreja Católica exercia a sua maior influência, com as escolas confessionais de
prestígio, mantendo e consolidando a tradição através do ensino religioso.
Na última parte desse tópico, discutiremos a Educação na Constituição Federal de
1934. A Constituição de 1934 foi a primeira a dedicar um espaço significativo à educação,
com 17 artigos. Em linhas gerais, mantém a estrutura anterior do sistema educacional,
cabendo à União “traçar as diretrizes da educação nacional, fixar o plano nacional de
educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados,
organizar e manter os sistemas educativos dos Territórios e manter o ensino secundário e
superior no Distrito Federal” (VIEIRA, 2007, p. 296-297). Ao lado de ideias liberais, o texto
também expressa tendências conservadoras, favorecendo o ensino religioso “de frequência
facultativa nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais” (art. 153).
Tais influências estão presentes no apoio ao ensino privado através da isenção de tributos a
quaisquer, “estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional,
oficialmente considerados idôneos” (art. 154).
Um ponto que merece destaque é o financiamento da educação. Pela primeira vez são
definidas vinculações de receitas para a educação, cabendo à União e aos municípios aplicar
“nunca menos de dez por cento e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por
cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento do sistema
31
educativo” (art. 156). Por fim, outros destaques da Constituição Federal de 1934 são: as
normas do Plano Nacional de Educação prevendo “liberdade de ensino em todos os graus e
ramos, observadas as prescrições da legislação federal e da estadual e reconhecimento dos
estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegura a seus professores a
estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna” (art. 150).
10
Em 28 de julho de 1871, um grupo de professores públicos primários da Corte reúne-se e lança um Manifesto
que alcançou grande repercussão na sociedade imperial. O Manifesto encontrava-se marcado pela atmosfera
social de sua época. O Manifesto declarava a situação de abalo, corrupção e descrença da sociedade imperial,
apontando a educação como possibilidade de mudar o estado das coisas. Nesse Manifesto os professores centram
as críticas na forma como eram tratados pelos poderes do Estado, pela apatia dos cidadãos e aproveitam para
colocarem duas questões que estiveram no centro dos debates naquele momento: a questão salarial e a crítica à
construção dos modernos edifícios escolares, os “palácios”, como foram conhecidos na época (LEMOS, 2013, p.
161-162).
32
um fato político e com ele unir seguidores dos diferentes setores da sociedade civil que
tinham em comum a aversão ao pensamento católico, pois só desta maneira poderiam
transformar o documento em elemento de união das aspirações gerais da nação” (CAMARA,
2003, p. 34). A campanha contrária ao decreto (ensino religioso nas escolas públicas) do
Ministro da Educação e Saúde Pública Francisco Campos, demonstrava, a partir de março de
1931, as bases ideológicas do ensino laico pelos signatários do Manifesto.
Sendo assim, podemos destacar que a produção do Manifesto buscou capitalizar as
discussões presentes na sociedade acerca da laicidade e da liberdade como princípios
fundamentais da República brasileira, constituindo-se como parte das estratégias dos
renovadores para tornar suas propostas vitoriosas e com isso intensificar e fortalecer as
críticas formuladas aos intelectuais e educadores católicos.
Os educadores liberais reconheciam na imprensa um importante aliado para a
proliferação de um discurso que tinha como objetivo implementar a ideia de novidade de suas
propostas, bem como promover o convencimento do leitor da urgência de sua implementação.
Camara (2003, p. 35), descreve que os educadores traçaram um quadro desolador da situação
da educação do Brasil “a fim de justificar as propostas expressas no Manifesto e conseguir a
adesão da opinião pública para que, assim, pudessem pressionar o governo federal quanto à
necessidade de incorporar as propostas na Constituição de 1934”. Com isso, podemos dizer
que o Manifesto foi concebido como expressão da geração de educadores que buscou, além de
denunciar a situação da educação do país, anunciar possibilidades e propor iniciativas no
sentido de oportunizar a construção de uma proposta que representasse a sistematização de
um plano de reconstrução do Brasil através da educação.
A produção e, consequentemente, a apresentação do Manifesto teve como momento
inaugural as discussões realizadas na IV Conferência de Educação da Associação Brasileira
de Educação, no Rio de Janeiro em 1931. Nessa reunião, estava o Presidente Getúlio Vargas,
acompanhado do Ministro da Educação Francisco Campos. Vargas solicitou aos educadores a
apresentação de uma filosofia de educação para o Brasil. Nesse momento, os signatários se
manifestam, anunciando que as propostas relativas à educação pretendiam atingir o povo, que,
por meio da educação, seria colocado no “mundo dos alfabetizados e produtivos” (CAMARA,
2003, p. 37). Na verdade, o povo que os signatários buscaram como aliado na disputa contra
os intelectuais e educadores católicos era o leitor esclarecido, capaz de unir-se ao movimento
dos descontentes com os rumos que o país pós-revolução ia assumindo. A grande maioria da
população, além de desconhecer o Manifesto, foi simplesmente deixada de lado nessa
discussão.
33
[...] pelo contrário assentava o seu trabalho no apoio e colaboração real dos pais e
professores, fugindo de direções divergentes. Se o Estado tomava a seu cargo tal
responsabilidade era porque desejava desenvolver ao máximo a personalidade
humana e conformá-la com os fins ditados pela política educacional, que por sua vez
se voltava para as necessidades do país. Assim, o Estado procurava efetivar, através
de um plano geral de educação em todos os graus, a abertura da escola e a todos os
cidadãos, para deles obter o máximo de desenvolvimento de acordo com suas
aptidões vitais (1984, p. 90).
Nesse sentido, a escola deveria ser aberta a todos os cidadãos, comum e única. Uma
sociedade que busca a democracia social deveria buscar os meios de expressá-la. Para isso a
base da educação deveria ser comum. “O Estado, a fim de atingir todos os elementos da
sociedade dentro das novas condições, não poderia permitir dentro do seu sistema escolar o
acesso a uma minoria por graça de um privilégio econômico” (CURY, 1984, p. 93). A
educação inicial, igual para todos, só sofrerá restrições, segundo o grupo reformador, naquelas
sociedades ou grupos onde as reformas pedagógicas estarão dissociadas das reformas nas
relações sociais.
Por outro lado, o princípio da laicidade que deveria nortear a escola respeita a
heterogeneidade da sociedade composta e a integridade da sociedade em formação. “A
laicidade garantiria a liberdade de consciência e permitiria assinalar, no estudo das
civilizações, o que em todos os credos existia de bom, justo e aproveitável. E garantiria a
autonomia científica da escola” (CURY, 1984, p. 95). O sentido democrático das
oportunidades, a escola como centro de vivência comunitária que expressaria a própria vida,
não poderia colocar o homem e a mulher em regime de separação entre si. “Por isso, o
princípio de coeducação acentuaria que ambos estão em pé de igualdade entre si e frente às
oportunidades sociais” (CURY, 1984, p. 95). Além disso, tornaria mais econômica à
organização da escola.
Sob a inspiração de novos ideais de educação no Brasil, os educadores que assinam o
Manifesto reagem contra o “empirismo dominante” que propôs transferir do terreno
administrativo para os planos político-sociais a solução dos problemas educacionais. No lugar
de reformas parciais que se sucederam, o Manifesto (1932, p. 38) propõe uma política
educacional, que preparará, por etapas, “a grande reforma, em que palpitará, com ritmo
acelerado dos organismos novos, o músculo central da estrutura política e social da nação”.
Em relação ao direito de cada indivíduo à educação integral, decorre para o Estado o
dever de considerar a educação como uma função social e pública, que ele é chamado a
realizar com a cooperação de todas as instituições sociais. “A educação que é uma das
funções de que a família se vem despojando em proveito da sociedade política, rompeu os
quadros do comunismo familiar e dos grupos específicos (instituições privadas), para se
incorporar definitivamente entre as funções essenciais e primordiais do Estado”
(MANIFESTO, 1932, p. 43). O Estado deve apoiar uma educação escolar que busca a
colaboração de pais e professores, entre os quais tem o dever de restabelecer a confiança e
estreitar as relações, associando e colocando a serviço da obra comum essas duas forças
sociais – a família e a escola – que operavam de todo indiferentes e às vezes opostas.
35
[...] seleção dos alunos com base nas aptidões naturais; supressão das escolas que
reforçam as diferenças econômicas; elevação da formação de professores ao nível da
universidade; equiparação da remuneração e das condições de trabalho dos
professores dos diferentes graus; correlação e continuidade do ensino em todos os
graus; luta contra a quebra da coerência interna e unidade vital da função educativa
(MANIFESTO, 1932, p. 48).
problema social, o que representa um avanço para a época. Ao proclamar a educação como
um problema dessa ordem, o documento não só estava traçando diretrizes novas para o estudo
da educação no Brasil, mas também estava representando uma tomada de consciência por
parte dos educadores, até então inexistente, pelo menos coletivamente.
Na realidade, de todos os deveres que o Estado tem, o que exige maior capacidade, é
aquele com o qual não é possível “transigir sem a perda irreparável de algumas gerações”
(MANIFESTO, 1932, p. 55). Dessa forma, o primeiro dever do Estado é a educação, que,
dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e
realizá-los, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional. Como documento de
política educacional, mais do que a defesa da Escola Nova, está em causa no Manifesto à
defesa da escola pública. Nesse sentido, o texto emerge como uma proposta de construção de
um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública, abarcando desde a escola
infantil até a formação de nível superior.
Por fim, o Manifesto apresentava de maneira clara a questão do financiamento da
educação pública, quando, a educação fosse efetivamente pública; a laicidade para que a
escola estatal pudesse ser legitimamente republicana; a obrigatoriedade para que a
escolarização patrocinada pelo orçamento público pudesse ser um projeto de construção da
identidade social de crianças e jovens e, por fim, baseada na coeducação (educação de ambos
os sexos) para que expressasse sua abertura aos novos métodos e à modernização do trabalho
docente.
Na parte final do tópico, apresentaremos um quadro com os nomes completos dos
signatários do Manifesto de 1932, se houve participação no Manifesto de 1959 (tema que será
abordado no último capítulo) e sua atuação profissional. O Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova contou com a participação de vinte e seis signatários, tendo como redator
Fernando de Azevedo. Pode-se dizer que o traço comum entre a maioria dos signatários do
Manifesto era o fato de exercerem função ligada ao magistério. Os demais signatários eram
advogados, médicos, jornalistas, escritores, dentre outros. A intenção foi destacar os
signatários que continuaram com o propósito do primeiro Manifesto e assinaram
consequentemente o Manifesto de 1959. Assim, o quadro a seguir apresenta em ordem
alfabética, os signatários do Manifesto de 1932.
37
nova fase política e a entrada em vigor de uma nova constituição, elaborada por Francisco
Campo. O Estado Novo foi implantando no estilo autoritário, sem grandes mobilizações, até
porque Getúlio Vargas tinha apoio das forças armadas e de boa parte da população. O
Congresso estava dissolvido. O Presidente da República recebia poderes para confirmar ou
não o mandato dos governadores eleitos, nomeando interventores nos casos de não
confirmação. Na realidade, o presidente ficaria durante todo o Estado Novo com o poder de
governar através de decretos-leis, pois não se realizaram nem o plebiscito nem as eleições
para a Câmara dos Deputados. Os governadores dos estados se transformaram em
interventores, e em alguns casos foram substituídos.
Podemos sintetizar o Estado Novo sob o aspecto socioeconômico, “dizendo que
representou uma aliança da burocracia civil e militar e da burguesia industrial, cujo objetivo
comum imediato era o de promover a industrialização do país sem grandes abalos sociais”
(FAUSTO, 2004, p. 367). A burocracia civil defendia o programa de industrialização por
considerar que era o caminho para a verdadeira independência do país; os militares porque
acreditavam que a instalação de uma indústria de base fortaleceria a economia; os industriais
porque acabaram se convencendo de que o incentivo à industrialização dependia de uma
intervenção do Estado.
Um aspecto que não podemos esquecer é a questão da censura durante o Estado Novo.
A censura existiu desde os primeiros anos, sendo exercida sem limites com a prorrogação do
Estado Novo e a interdição dos partidos políticos. A repressão e a propaganda agiram
duramente. O patriotismo era recomendado, seja nas escolas ou nas associações esportivas.
Em relação ao ensino, Pécaut (1990, p. 67) esclarece que “representava um dos campos onde
foi mais sistemático o esforço do regime para criar a mentalidade do homem novo”.
Demonstrava isso, a evolução de Francisco Campos, doutrinário rígido do autoritarismo
enquanto Ministro da Educação e depois Ministro da Justiça.
O regime de Vargas, mesmo durante o Estado Novo, “visava um autoritarismo
desmobilizador, e mostrava-se mais vacilante que resoluto em suas iniciativas para formar
organizações de massa” (PÉCAUT, 1990, p. 69). A razão dessa prudência residia na
dificuldade em atingir um povo ainda considerado “alheio à civilização”. Todavia, se
relaciona com a preocupação de conciliar tendências diversas entre os simpatizantes do
regime, dos quais nem todos estavam dispostos para apoiar um regime totalitário. Até porque,
não acreditavam ser isso possível. Também, vinculava-se à intenção de cooptar os
intelectuais, mesmo os que resistiam ao autoritarismo. Nessa mesma linha de pensamento, o
39
projeto do regime 11 pretendia ser mais cultural do que mobilizador, e a definição do cultural
confundia-se com a dos intelectuais.
É interessante observar que o crescente interesse do governo de Getúlio Vargas em
promover a industrialização do Brasil, a partir de 1937, refletiu-se no campo educacional.
Gustavo Capanema a frente do Ministério da Educação promulgou um decreto-lei em janeiro
de 1942, instituindo a Lei Orgânica do Ensino Industrial, com o objetivo de preparar mão-de-
obra fabril de qualidade. Daí a necessidade de redimensionar o ensino técnico-profissional,
tarefa que cabia ao Ministério da Educação. No âmbito das questões relativas ao trabalho do
operariado industrial, constituído em boa parte pela força de trabalho de jovens, a criação do
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI12) em 1942, teve importância especial.
Sua concretização resultou de uma aspiração conjunta do Estado e do empresariado industrial,
“determinada pela ampliação crescente do parque industrial e pela carência de operários mais
qualificados, já que para atividades menos complexas o operariado era formado nas próprias
fábricas, embora em condições ainda muito limitadas” (SOUSA, 2000, p. 240). Além disso, o
número de escolas profissionais era insuficiente para atender à demanda das indústrias.
Gustavo Capanema ficou a frente do Ministério da Educação de 1934 até 1945. Foi o
Ministro da Educação que mais tempo permaneceu no cargo. Em janeiro de 1936, Capanema
distribuiu um extenso e minucioso questionário buscando a colaboração de professores,
estudantes, escritores, jornalistas, dentre outros, para a elaboração de um Plano Nacional de
Educação. A Igreja Católica imediatamente se mobiliza e inicia uma série de conferências
com o objetivo de apresentar um documento único com o ponto de vista católico. Também,
intelectuais de destaque (Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, dentre
outros), recebem o questionário, mandam suas respostas ao ministro e participam de
conferências públicas cujos resultados são reproduzidos pela imprensa da época.
O questionário editado pela Imprensa Nacional sob a forma de um livreto intitulava-se
Questionário para um inquérito. De acordo com Schwartzman et al. (1984, p. 177) as 213
perguntas faziam um levantamento sobre todos os aspectos possíveis do ensino: “princípios,
finalidade, sentido, organização, administração, burocracia, conteúdo, didática, metodologia,
disciplina, engenharia”. Na verdade, eram inúmeros pontos necessários para considerar a
definição, montagem e funcionamento de um sistema educacional.
11
Trata-se de construir o “sentido da nacionalidade”, de retomar as “raízes do Brasil”, de forjar uma “unidade
cultural”. É sempre evidente, para os responsáveis pelo assunto, no regime, que “cultura” e “política” são dois
termos inseparáveis e que cabe a eles fundi-los no quadro do nacionalismo (PÉCAUT, 1990, p. 69).
12
O Decreto-lei n. 4.048, de 22/02/1942, criou o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial encarregando a
Confederação Nacional da Indústria de organizá-lo e dirigi-lo (SOUSA, 2000, p. 240).
40
13
Um código de educação nacional destinado a servir de base ao funcionamento de instituições educativas
escolares e extraescolares, públicas e privadas em todo o país (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 182).
14
Ela deveria ter uma parte teórica, que trataria dos fins, da vontade, dos atos do homem, das leis naturais e
civis, das regras supremas e próximas da moralidade, das paixões e das virtudes; e uma parte prática, que
incluiria desde o estudo da vida de grandes homens de virtudes heroicas até o trabalho de assistência social, que
ensinasse os alunos a prática efetiva do bem (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 183). Essas colocações eram
típicas do regime autoritário que estava em vigência, como por exemplo, o culto à personificação do líder, no
caso Getúlio Vargas.
41
O capítulo referente à educação física previa que nas universidades fossem criadas seções
especiais que dessem orientação científica às atividades esportivas.
As últimas partes do plano tratavam do ensino livre, do regime escolar, do regime
financeiro e das disposições gerais e transitórias. O ensino era definido como “livre em todos
os seus graus e ramos, observadas as prescrições legais”. A União ficava com a
responsabilidade de fiscalizá-los, e as instituições de ensino superior ficavam obrigadas a
comunicar sua criação ao governo. A parte sobre o regime financeiro previa que “10% dos
recursos da União e dos municípios, e 20% dos recursos dos estados e do Distrito Federal,
deveriam ser aplicados em educação” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1937). Com isso, o
plano pretendia resolver não só as questões de ensino, mas também as de ordem social,
econômica, política e moral do Brasil.
Sobre a Educação na Constituição Federal de 1937, levantaremos algumas questões
pertinentes. Primeiramente de orientação oposta à Constituição 1934, a Constituição de 1937
era inspirada nas constituições dos regimes fascistas europeus. Amplia-se a competência da
União para “fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as
diretrizes que deve obedecer à formação física, intelectual e moral da infância e da juventude”
(Art. 15 IX). A liberdade de ensino é objeto do primeiro artigo dedicado à educação na Carta
de 1937, que determina: “A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e à de
associações ou pessoas coletivas públicas e particulares” (Art. 128). O dever do Estado em
relação à educação é colocado em segundo plano, sendo atribuída uma função que
compensaria na oferta escolar destinada à “infância e à juventude, a que faltarem os recursos
necessários à educação em instituições particulares” (Art. 128). Nesse contexto, o “ensino
pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas” é compreendido como
“primeiro dever do Estado” em matéria de educação (Art. 129).
Observa-se que é clara a concepção da educação pública como aquela destinada aos
que não podiam estudar em escolas privadas. Concordamos com Vieira (2007, p. 298),
quando a autora coloca que “o velho preconceito contra o ensino público presente desde as
origens de nossa história permanece arraigado no pensamento do legislador estado-novista”.
Por outro lado, à ideia de gratuidade da Constituição de 1934 em relação à Carta de 1937
contrapõe uma concepção um tanto empobrecida. Embora estabeleça que “o ensino primário é
obrigatório e gratuito” (Art. 130), acrescenta no mesmo artigo o caráter parcial dessa
gratuidade que “não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais
necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigido aos que não alegarem, ou
42
notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal
para a caixa escolar”. A educação gratuita era vista como a educação dos pobres.
Por fim, um tema que foi palco de muitos debates é a questão do ensino religioso, em
relação, ao qual, a Constituição de 1937 assinala uma tendência um tanto conservadora no
dispositivo que permite que este ensino se apresente como “matéria do curso ordinário das
escolas primárias, normais e secundárias”, muito embora não deva se “constituir objeto de
obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos”
(Art. 133). Destacamos que o texto claramente deixa margem e espaço à Igreja, considerando
a hegemonia da religião católica nesse período sobre as demais, bem como a presença das
escolas confessionais no território brasileiro.
Em relação ao ensino primário, Gustavo Capanema incorporou elementos modernos,
como a preocupação com a sua universalização mediante uma rede permanente de
escolarização e apoio financeiro regular para implementá-la, com critérios públicos objetivos
de distribuição de verbas e elementos tradicionais, como a ambiguidade na definição de quem
educa, o que resultou numa equalização de direitos entre o ensino privado e o ensino público e
na relutância em aplicar as verbas destinadas ao ensino primário. No período de 1938-1941,
no qual a nacionalização 15 da educação nas áreas coloniais teve grande impulso, o
financiamento da União para esse nível de ensino foi muito pequeno, mediante o esforço de
muitos líderes renovadores (por exemplo, Lourenço Filho) inseridos no governo.
Entre 1932 e 1945 o ensino primário teve um crescimento significativo. Nas palavras
de Schwartzman (1983, p. 361), “em 1932, havia em todo o país 27.662 escolas primárias
com 2.071.437 alunos; em 1945, o número dessas escolas era de 44.794 com 3.548.409 de
alunos”. Observamos que durante esses anos o número de escolas teve um crescimento
significativo, porém, o número de alunos não cresceu na mesma proporção. Continuando esta
comparação, em 1932, o número de aprovações foi de 978.000 alunos; em 1945, esse número
excedeu a 1.600.000. “Em 1932, 121.000 alunos chegavam à conclusão do curso; esse
número já era 284.000 em 1945” (SCHWARTZMAN, 1983, p. 362).
Diante desses dados, podemos concluir que mesmo aumentando o número de
aprovações no intervalo entre 1932 e 1945, o índice era muito baixo, não chegava nem a 50%,
15
Havia intenção de alterar a política que deixava o ensino elementar a cargo de estados e municípios, uma vez
que o analfabetismo persistia, com a desnacionalização operada pela escola estrangeira na criança brasileira, e o
ensino primário ministrado nem sempre apresentava as qualidades que deveria cultivar. As razões que levaram o
Estado a adotar tal procedimento foram imediatas e decorrentes da desnacionalização do ensino primário nas
áreas de colonização estrangeira, sobretudo alemã. Eram os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná. Entre 1938 e 1939 o ministério da Educação elaborou legislação específica para essas áreas, obrigando o
estabelecimento de escolas primárias em número suficiente, regidas por brasileiros natos (NUNES, 2001, p. 118-
119).
43
e outro dado alarmante do período era em relação ao número de alunos que concluíam o
ensino primário. O percentual de conclusão do curso era baixo, pois se acredita que a
dificuldade de aprendizagem era grande, até porque boa parte dos professores tinham uma
formação inadequada. Outra conclusão a que podemos chegar, era que os pais não incentivam
seus filhos para chegar ao término do ensino primário e muitos desses alunos também tinham
que trabalhar para ajudar no sustento da família, até porque as famílias eram mais numerosas
do que hoje em dia.
De todas as áreas do plano educacional, a educação secundária seria aquela em que
Gustavo Capanema deixaria sua marca mais profunda. Durante o período de 1942-1946,
Capanema elabora as leis orgânicas do ensino16, também conhecidas como “Reforma
Capanema”, implantando-as através de decretos-leis.
A prioridade dada à reforma do ensino secundário, da década de 1940, seria uma
ocasião propícia para a reafirmação dos princípios mais gerais da concepção educacional do
ministério Capanema. O sistema educacional deveria corresponder à divisão econômico-
social do trabalho, ou seja, deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades
de acordo com os diversos papeis atribuídos às diversas classes e categorias sociais. Nas
palavras de Schwartzman et al. (1984, p. 189), “a educação deveria estar, antes de tudo, a
serviço da nação, ‘realidade moral, política e econômica’ a ser constituída”. A Lei Orgânica
do Ensino Secundário de 1942 manteria esse entendimento restrito do que era o ensino
secundário, e proibia o uso das denominações “ginásio” e “colégio” aos demais
estabelecimentos de nível médio.
Outra inovação da Lei Orgânica foi à obrigatoriedade da frequência à escola
secundária, que seria o processo através do qual se assegurava que as novas gerações sentar-
se-iam nos bancos escolares e neles permaneceriam o período suficiente para o aprendizado
de uma cultura comum, que transmitisse a consciência de que pertenciam a uma nação
comum e de que eram responsáveis pela “manutenção e difusão de seus valores ao resto da
população” (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 194). Apesar da influência católica, parecia
16
Por essa via foram promulgadas em 1942 as leis orgânicas do ensino secundário (Decreto-Lei n. 4.244 de
09/04/42) e do ensino industrial (Decreto-Lei n. 4.073 de 30/01/42) tendo sido criado nesse mesmo ano através
do Decreto-Lei n. 4.048 de 22/01/42 o SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, colocado sob o
controle da Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade representativa do empresariado industrial. Em
1943 foi à vez da lei orgânica do ensino comercial (Decreto-Lei n. 6.141 de 28/12/43). E em 1946, portanto já
após a queda do Estado Novo, foram decretadas as leis orgânicas do ensino agrícola (Decreto-Lei n. 9.613 de
20/08/46), do ensino primário (Decreto-Lei n. 8.529 de 02/01/46) e do ensino normal (Decreto-Lei n. 8.530 de
02/0146), tendo sido ainda criado o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Decretos-Leis n.
8.621 e 8.622 de 10/01/46) que, a exemplo do SENAI, foi também colocado sob o controle do empresariado
correspondente (SAVIANI, 2004, p. 10).
44
No presente tópico focalizaremos o período que se estende do fim do Estado Novo, até
o golpe militar de 1964. Nesse período temos eleições diretas com a participação da
população. Pela ordem cronológica, sucedem-se no poder os seguintes presidentes: Eurico
Gaspar Dutra, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. Também,
é o período do chamado populismo, tema que será abordado nesse tópico, fazendo uma
relação com a educação no período delimitado. Além da questão histórica, procuraremos
mostrar as políticas educacionais adotadas no período em prol da educação pública.
Com o afastamento de Getúlio Vargas, ocorre a realização de eleições gerais e a
elaboração de um novo regime democrático. Porém, antes mesmo da deposição de Vargas, o
sistema partidário nacional17 se definiu. As eleições de 1945 despertaram um grande interesse
na população. Os brasileiros formaram longas filas para votar. Nas últimas eleições diretas à
presidência da República, em março de 1930, “tinham votado 1,9 milhões de eleitores,
17
O primeiro partido a ser constituído foi a União Democrática Nacional (UDN). Originária da frente
oposicionista, a UDN optou por manter a estrutura de uma união de forças que tinham um adversário político
comum: a herança varguista. Por outro lado, o Partido Social Democrático (PSD) encontrou a sua base
fundadora na estrutura administrativa do Estado Novo. Organizado sob a chancela do próprio Getúlio, o partido
foi composto pela reunião de interventores estaduais, controladores das máquinas político-administrativas
regionais, o que possibilitou sua rápida estruturação em todo o território nacional. Por fim, o projeto de
mobilização e controle das massas trabalhadoras orientou a montagem do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Seguindo o itinerário que se aplicara na construção da imagem do presidente como patrono dos trabalhadores, o
partido pôde se constituir valendo-se da estrutura sindical montada e gerida a partir do ministério (FERREIRA;
SARMENTO, 2002, p. 473).
45
18
Ela derivou do peso das concepções conservadoras, do crescimento desse partido e da modificação das
relações internacionais entre as grandes potências (EUA e URSS). Em janeiro de 1948, completaram-se as
medidas que levaram o PCB à clandestinidade. Uma lei aprovada pelo Congresso Nacional determinou a
cassação dos mandatos dos deputados, senadores e vereadores eleitos pela legenda do partido (FAUSTO, 2004,
p. 403).
46
eleições democráticas. Vargas tomou posse em 31 de janeiro de 1951, iniciando seu governo
tentando desempenhar, nas condições de um regime democrático, um papel que já havia
desempenhado: o de árbitro diante das diferentes forças políticas. Tentou atrair inclusive a
UDN, que era o maior partido de oposição a sua candidatura.
No início da década de 1950, o governo promoveu várias medidas para incentivar o
desenvolvimento econômico, com ênfase na industrialização. Investiu no transporte e energia,
através de um crédito externo no valor de 500 milhões de dólares. Em 1952, foi fundado o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com orientação direta para o
propósito de acelerar o processo de diversificação industrial. Na mesma medida que tratava de
dinamizar a economia, o governo de Getúlio Vargas se via diante de um problema com fortes
repercussões sociais – avanço da inflação. Para ilustrar esta questão, em 1947, a inflação que
desde o final da Segunda Guerra (1945) vinha caindo, simplesmente começou a aumentar.
“Passou de 2,7% em 1947 a uma média anual de 13,8% entre 1948 e 1953, apresentando só
neste último ano uma variação de 20,8%” (FAUSTO, 2004, p. 409).
Entre junho e julho de 1953, Vargas modificou seu corpo ministerial. Para o
Ministério do Trabalho nomeou um jovem político e estancieiro gaúcho – João Goulart, mais
conhecido como Jango. A partir desse momento cresceu a oposição a Vargas, através da UDN
e setores mais conservadores da sociedade. O movimento pela renúncia de Getúlio Vargas
crescia cada vez mais. Quando o cerco se apertou ainda mais, Vargas na manhã de 24 de
agosto de 1954 suicidou-se em seus aposentos no Palácio do Catete, com um tiro no coração.
O suicídio de Getúlio Vargas mostrava um desespero pessoal, mas também havia um ato
político. Justamente por isso, a UDN não conseguiu tomar o poder e muito menos os
militares. Também, o presidente deixou uma carta-testamento, onde se apresentava como
vítima e ao mesmo tempo acusador de inimigos impopulares. O vice-presidente Café Filho
acaba assumindo a presidência.
Em fevereiro de 1955, o primeiro partido a apresentar candidato foi o PSD lançando a
candidatura de Juscelino Kubitschek, governador de Minas Gerais. Em maio, Ademar de
Barros, ex-governador de São Paulo decidiu concorrer à presidência da República pelo PSP.
Um mês depois, a UDN lançou mais uma vez um candidato militar, o general Juarez Távora e
resolveu concorrer pelos antigos integralistas Plínio Salgado. Depois de uma campanha cheia
de acusações, em 03 de outubro de 1955, as urnas deram a vitória a Juscelino Kubitschek por
uma estreita margem. “Ele obteve 36% dos votos, enquanto Juarez alcançou 30%, Ademar
26% e Plínio Salgado com 8% dos votos” (FAUSTO, 2004, p. 420). Como era possível votar
em nomes de chapas diferentes para a presidência e vice-presidência, João Goulart se elegeu
47
com uma votação superior à de Juscelino. Após a vitória de Juscelino e Jango, desencadeou-
se uma campanha contra a posse. Porém, ocorreu o chamado “golpe preventivo”, ou seja, uma
intervenção militar para garantir a posse do presidente eleito e não para impedi-la.
A política econômica de Juscelino Kubitschek foi definida no Programa de Metas 19,
com uma definição nacional-desenvolvimentista20 de política econômica, consolidada por
meio de uma diversificada produção teórica do Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB21). Os resultados do Programa de Metas surpreenderam, principalmente no setor
industrial. “Em 1955 e 1961, o valor da produção industrial, descontada a inflação, cresceu
em 80%, com altas porcentagens nas indústrias do aço (100%), mecânicas (125%), de
eletricidade e comunicações (380%) e de material de transporte (600%)” (BARROS, 1999, p.
56). Porém, Juscelino Kubitschek enfrentou problemas nas áreas ligadas ao comércio exterior
e às finanças do governo. Isso, de fato aconteceu, devido aos gastos para sustentar o programa
de industrialização e a construção de Brasília. Para exemplificar esta afirmação, “o déficit
passou de menos de 1% do PIB em 1954 e 1955 para 2% em 1956 e 4% em 1957 e a inflação
até 1959 foi de 39,5%” (FAUSTO, 2004, p. 432).
No curso de 1959, surgiram as candidaturas para a sucessão de JK. Jânio Quadros pelo
pequeno PTN, com o apoio da UDN, Ademar de Barros pelo PSP. O PSD e o PTB uniram-se
para a candidatura do Marechal Henrique Teixeira Lott. Devido ao seu carisma, Jânio venceu
as eleições de outubro de 1960, “com 48% dos votos, enquanto Lott obteve 32% e Ademar
20%” (BARROS, 1999, p. 55). Apesar disso, João Goulart elegeu-se vice-presidente, mesmo
com a derrota de Lott.
Jânio Quadros ocupou-se de assuntos sem muita importância em relação ao cargo que
ocupava, como proibição do lança-perfume, do biquíni e das brigas de galos. No terreno
financeiro, Jânio anunciou um plano para enfrentar os problemas herdados do governo de
Juscelino Kubitschek. De acordo com Fausto (2004, p. 440), “o déficit do balanço de
pagamento chegou a 410 milhões, a dívida externa era de 3,8 bilhões e o déficit orçamentário
previsto para 1961 ia além de 100 bilhões de cruzeiros, cerca de um terço da receita prevista
19
Ele abrangia 31 objetivos, distribuídos em seis grandes grupos: energia, transporte, alimentação, indústrias de
base, educação e a construção de Brasília, chamada de meta-síntese (BARROS, 1999, p. 44).
20
A expressão nacional-desenvolvimentista, em vez de nacionalismo, sintetiza uma política econômica que
tratava de combinar o Estado, a empresa privada nacional e o capital estrangeiro para promover o
desenvolvimento, com ênfase na industrialização. Sob esse aspecto, o governo JK prenunciou os rumos da
política econômica realizada (BARROS, 1999, p. 51).
21
Criado em 1955, no âmbito do Ministério da Educação, e encontrando o seu auge no governo JK, o ISEB
pretendia, “dentro e a partir de um quadro econômico-político e social bem determinado” do período em questão,
“contribuir para a formulação de uma ideologia estrutural e adequada à mobilização da sociedade brasileira para
os esforços necessários à realização do projeto de desenvolvimento nacional” (BARBOSA, 2006, p. 195).
48
no exercício”. Com isso, podemos concluir que o Brasil estava num situação bem complicada
e em 26 de agosto de 1961, Jânio coloca fim ao seu governo, renunciando ao cargo de
presidente da República.
A Constituição de 1946 não deixava dúvidas quanto à sucessão de Jânio; deveria
assumir o vice-presidente João Goulart. Porém, um grupo de militares vetou a volta de Jango
da China, na tentativa de impedir que assumisse a presidência da República. Devido a este
gesto, por parte dos militares, no Rio Grande do Sul teve início a campanha da legalidade 22.
Diante desse movimento, o Congresso adotou uma solução de compromisso. O sistema de
governo passou de presidencialista para parlamentaria e João Goulart teve seus poderes
diminuídos. Somente em janeiro de 1963, retornaria o sistema presidencialista, através de um
referendo.
João Goulart deu início às reformas de base. No plano político, sustentava-se a
necessidade de estender o direito ao voto a dois setores: os analfabetos e os inferiores das
Forças Armadas. Ao lado disso, as reformas de base incluíam medidas nacionalistas, como a
nacionalização de empresas concessionárias de serviço público, dos frigoríficos e da indústria
farmacêutica e a extensão do monopólio da Petrobras. Porém, com a perda de legitimidade de
Jango, a aproximação entre inferiores das Forças Armadas e trabalhadores organizados
acabou por levar o alto comando das Forças Armadas a engrossar a conspiração, em um
deslocamento semelhante ao que ocorreu nos meios civis. Com isso, João Goulart, em março
de 1964, é deposto da presidência da República. A partir daí, inicia o regime militar que
levará o Brasil a uma ditadura até 1985.
Agora abordaremos o populismo e sua relação com a educação nesse período. No
período delimitado nesse trabalho (1930-1961), o populismo ganha expressão como forma de
gestar a política e também os conflitos sociais. O populismo foi uma das manifestações
políticas dos grupos emergentes no espaço urbano, num contexto de substituição da oligarquia
nas funções de domínio político do país, tradicionalmente agrário, em transição para a
urbanização e o desenvolvimento capitalista nacional. Segundo Weffort (1980, p. 61), “o
populismo foi, sobretudo, a expressão mais completa da emergência das classes populares no
bojo do desenvolvimento urbano e industrial e da necessidade, sentida por alguns dos novos
grupos dominantes, de incorporação das massas ao jogo político”.
22
A figura principal do movimento foi o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de
Jango. Esta campanha defendia o retorno de João Goulart ao Brasil e consequentemente a sua posse na
presidência da República. Sob a liderança de Leonel Brizola em Porto Alegre, ocorreram grandes manifestações
em apoio a João Goulart (BARROS, 1999, p. 59).
49
Dos anos 1940 até 1960, o Brasil se destacou em dois segmentos. Na economia,
traduzida pelo processo de industrialização em curso, reconhecido como exitoso no país; e na
política, mais complexa e ambígua em termos de diagnósticos, materializada pela experiência
de democracia exemplificada pelos anos que Juscelino Kubitschek era presidente do Brasil.
“Pode-se dizer que o populismo é o produto de um longo processo de transformação da
sociedade brasileira, instaurado a partir da Revolução de 1930, e que se manifesta de uma
dupla forma: como estilo de governo e como política de massas” (GOMES, 2001, p. 32).
A ascensão das classes populares nas décadas de 1950 e 1960 exige do Estado uma
nova forma de gestar os conflitos de interesse. Fica claro que os movimentos populares
resultaram de novas exigências estruturais, representadas no nacional populismo e assumidas
pelos novos grupos e frações de classe que passaram a compor o poder após 1930. No
entanto, juntamente com as novas categorias sociais, surgem intelectuais, que propõem uma
educação voltada para a consolidação da sociedade urbano-industrial.
Nesse sentido, o sistema escolar deveria, a partir de então, não só difundir a nova
ideologia e combater as tradicionais concepções, como também gerar comportamentos de
disciplina adequados ao trabalho parcelado e integrado na fábrica e preparar gestores dos
negócios das empresas privadas e públicas. A seguir, Sá descreve a função do sistema escolar
e da ciência no contexto de relações de produção
[...] isto é, assegurar um padrão de comportamento que ajuste aos vários níveis
hierárquicos da indústria, do operário ao gerente. No Brasil, esse comportamento
muitas vezes deve ser produzido, devido a sua inexistência inicial; veja-se, por
exemplo, o camponês recém-migrado: este tem uma forma de trabalho que não se
adapta ao padrão disciplinar da indústria. A ciência produz o conhecimento, ou
simplesmente ajusta o já existente nos países centrais, que informa a reprodução das
relações de produção (1982, p. 70-71).
com a finalidade de fortalecimento de suas bases sociais ou mesmo de criação dessas bases,
cuja concepção trazia no bojo os elementos que a superariam” (SÁ, 1982, p. 71).
Ao final do período populista (década de 1960), estava-se longe ainda da ampliação
do ensino primário, apresentando profundas diferenças entre classes sociais, cidade e campo,
centro das cidades e suas respectivas periferias. Diante das impossibilidades do sistema
escolar em atender a essa massa de desprivilegiados, o populismo permitia e estimulava
forças sociais que, interessadas na superação das contradições, se propõem a educar e a
elaborar uma nova cultura a partir de motivos nacionais e independentes do sistema escolar.
Em relação à educação, nas décadas de 1950 e 1960 diversos projetos existiram e
disputaram espaço político. De maneira geral, todos continuavam acreditando no poder de
transformação social da educação e postulando que a missão da escola pública era modernizar
o Brasil e integrar os setores mais pobres da população. O fim do Estado Novo havia marcado
o reinício das atividades da ABE, que em 1946 já organizou uma nova Conferência Nacional
de Educação23.
Nesse período, chama atenção à luta de educadores vinculados à tradição dos
pioneiros “contra a centralização, a burocratização e a uniformização que haviam tomado
conta do campo da educação” (GOMES, 2002, p. 426). Ao lado disso, eles defenderam a
escola pública para toda a população do país, contra as investidas da iniciativa privada que,
criticando a escola pública por sua ineficiência, pleiteava apoio financeiro do Estado. Na
década de 1950, houve uma série de iniciativas educacionais bem-sucedidas, porém, se
evidenciou uma grande distância entre o que os discursos políticos afirmavam sobre a
importância da educação e o que os governos federais ou estaduais faziam por ela. Sobre isso,
podemos dar o exemplo do Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek, que quase não
contemplou os investimentos sociais em saúde e educação. Em geral, “houve aplicação nessa
área de poucos recursos, e com pouco planejamento, e embora tenha havido um real
crescimento da rede de escolas públicas, ele esteve bem aquém da demanda que deveria
atender” (GOMES, 2002, p. 426).
Observa-se que, em 1957, o Brasil possuía um total de “79.850 estabelecimentos
educacionais em sua dependência. O ensino público primário contava com 77.131 instituições
de ensino. Era 119 a quantidade de unidades escolares de ensino elementar, 2.109 de ensino
secundário e 419 de ensino superior” (MÉLO, 2009, p. 107). Essa realidade equivalia a 85%
23
Nela, as prioridades apontadas foram o ensino primário e normal, o ensino no meio rural e as campanhas de
alfabetização – nenhuma novidade maior, se considerarmos as preocupações que desde os anos 1920 vinham
povoando os diagnósticos sobre educação (GOMES, 2002, p. 425).
51
discussões de intelectuais sobre esse grave problema foram fundamentais para o debate e a
busca de alternativas para reverter o quadro de analfabetismo que persistia no Brasil.
Em 1960, teremos a Campanha em Defesa da Escola Pública em São Paulo.
Justamente, porque o Deputado Carlos Lacerda (UDN) apresentou um substitutivo ao projeto
da LDB, cuja justificativa se concentrava na discussão acerca do princípio da liberdade de
ensino. Essa reação se deu em torno de um movimento que reunia educadores defensores da
escola pública, alguns deles vinham dos tempos da Escola Nova (década de 1930). Do outro
lado, o substitutivo tinha na Igreja Católica o seu maior defensor.
Percebe-se que o debate foi muito importante, não só por envolver questões no campo
da educação, mas também pelo clima político que o Brasil vivia e pela consciência que se
tinha do papel da escola pública numa sociedade democrática. A Lei de Diretrizes e Bases 24
só foi votada após o fim da crise gerada pela renúncia do presidente Jânio Quadros. No final
de 1961, o Congresso Nacional compôs um texto que procurou conciliar as tendências em
disputa, e a lei foi sancionada pelo presidente João Goulart. A LDB introduziu uma orientação
descentralizadora no ensino brasileiro, criando o Conselho Federal de Educação. Diante disso,
a escola pública não perdeu sua posição política central, mas abriram-se canais para que o
Estado pudesse subsidiar com recursos públicos a iniciativa privada.
Nesse episódio, envolveram-se políticos e educadores vinculados à Igreja Católica,
interessada em questões educacionais pelo fato de ser proprietária de uma grande rede de
escolas e por ter sempre lutado contra o princípio do ensino laico nas escolas públicas. Os
colégios católicos, para meninos e meninas, eram caros, embora pudessem oferecer bolsas de
estudo e terem setores voltados para os mais necessitados, como era o caso do ensino
profissional. Todavia, a Igreja Católica, no Brasil e no mundo, estava mudando, de uma forma
lenta e gradual. Em 1952, organizou-se a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A
criação da CNBB foi um marco na história da Igreja no Brasil.
No que se refere à educação, Jânio Quadros acreditava que havia uma diferença entre
as necessidades do ensino no Brasil e o sistema educacional existente; anunciava a pretensão
de combater o analfabetismo, concebido como um dos sintomas “de subdesenvolvimento da
maioria da população brasileira e de privilegiar os ramos técnico e científico, para que o país
também pudesse ser produtor, e não apenas importador de tecnologia” (BARBOSA, 2006, p.
24
A LDB de 1961demorou muito para ser aprovada. A lei que levou treze anos (1948-1961) para ser aprovada já
nascia velha, pois não dava mais conta das muitas transformações pelas quais passara o país. O Brasil dos anos
1960 era urbano e em acelerado processo de industrialização. Os anos 1950, principalmente do governo JK, com
a transferência do centro político do país para o planalto central e a instalação da indústria automobilística no
ABC paulista, colocavam novas exigências para o setor educacional, que a nova lei da educação não levava em
conta (PALMA FILHO, 2005, p.85).
53
203). Entretanto, o “talento” continuava sendo o critério defendido para que os indivíduos
ascendessem aos vários níveis de escolaridade, de acordo com as suas capacidades e aptidões.
De fato, o analfabetismo permanecia como um problema nacional que deveria ser combatido.
Em 21 de março de 1961, através do decreto n. 50.370 foi criado o Movimento de Educação
de Base (MEB), resultado de um acordo firmado entre o Governo Federal e a Igreja Católica.
O MEB, pelo decreto federal, “comprometia-se a executar um plano de alfabetização
que previa a formação de 15 mil escolas radiofônicas entre 1961 e 1965” (GOMES, 2002, p.
431). Na verdade, o grande objetivo do MEB, como de outros movimentos voltados para a
cultura popular – os Centros de Cultura Popular (CPCs) da União Nacional dos Estudantes
(UNE), criados em 1962, era usar a educação de base como meio de despertar a consciência
política dos setores populares, levando-os a uma participação ativa na vida do país. Uma das
razões do sucesso do MEB foi ter adotado o método de alfabetização, criado para adultos pelo
educador católico Paulo Freire 25, chamado de método Paulo Freire26.
Paulo Freire, certamente é um dos maiores nomes da educação no Brasil. Construiu
uma pedagogia que alfabetizava e educava adultos, reconhecendo-os diferentes das crianças.
Em seu método, o ensino começava com uma investigação sobre o universo, em especial de
trabalho, do aluno. Era daí que surgiam os temas, os problemas e as palavras que seriam
objeto de aprendizagem. Ao professor cabia uma seleção e ordenação dessas palavras, mas era
dos alunos que surgiam à pauta de trabalho na sala de aula. Os destinos do MEB e de Paulo
Freire foram deixados de lado com o golpe militar de 1964.
Em 1963, João Goulart propôs a realização de uma campanha para erradicar o
analfabetismo, a elevação dos investimentos para a escola pública, a ampliação da rede física,
o aperfeiçoamento do magistério, o aumento de matrículas e a abertura de “escolas ao
ingresso dos jovens”. Barbosa (2006, p. 205) relata que “o próprio Plano Trienal, no campo
dos objetivos gerais, destacava o seu interesse na pesquisa científica e tecnológica, enquanto a
educação primária era considerada a condição básica para o desenvolvimento econômico e
social”. Com isso, o Governo Federal deveria prestar auxílio aos governos locais que tivessem
25
O momento de inversão da tradição elitista da educação brasileira ficou fortemente identificado com a
pedagogia de Paulo Freire, ou como ele gostava de definir, a “pedagogia problematizadora”, cuja origem está
definitivamente associada à alfabetização de adultos. Os escritos de Paulo Freire dos anos 1950 e 1960 serviram
de base à pedagogia da libertação, que consiste na crença de que o homem tem a vocação de ser sujeito, não
tendo que ser condenado a objeto da história. Todo ato educativo é um ato político: esta é a síntese de todo um
esforço de conscientização pela educação que o método Paulo Freire dissemina não só no Brasil, como em
outros países da América Latina (BOMENY, 2001, p. 58-59).
26
O método Paulo Freire, como se tornou nacional e internacionalmente conhecido, havia sido inicialmente
usado por outro motivo que atuara em Recife durante a prefeitura de Miguel Arraes: o Movimento de Cultura
Popular (MCP). (GOMES, 2002, p. 431).
54
27
OLIVEIRA, Romualdo Portela de. A Educação na Assembleia Constituinte de 1946.
56
O ensino público será leigo. Nas escolas primárias será permitido o ensino religioso
de frequência facultativa, embora dentro do horário escolar. O que venho reivindicar
– e peço a atenção (...) para isso – é que se diga, no texto, a respeito do ensino
religioso, simplesmente isto: o ensino público, ou o ensino oficial será leigo. Esse
(...) o princípio republicano, que católicos e não católicos, temos de reconhecer,
porque o Estado é separado da Igreja. A Constituição declara que o ensino oficial
será leigo. Pergunto eu: haverá quem segue esse princípio republicano? Não há, não
pode haver, nesta Assembleia quem possa levantar-se para afirmar que o ensino é
oficial não é leigo. Dizia-se (...) e com razão, que se ficasse no texto da Constituição
apenas consagrado que o ensino oficial seria leigo, estaria proibido o ensino
religioso nas escolas. Essa interpretação, realmente, é correta. Era assim na vigência
da Constituição de 1891 (2001, p. 170-171).
Observamos com isso, que o sentido dessa emenda é duvidoso. Só teria sentido repetir
a Constituição de 189128, se o ensino de religião não fizesse parte do currículo da escola
oficial. Esta foi à interpretação que se tornou comum da Carta de 1891. Todavia, se em
seguida se faculta o ensino de religião, o objetivo é que a religião não seja o princípio
organizador do currículo escolar, nos termos defendidos. O seu efeito prático não tem sentido.
A interpretação que se deu à Constituição de 1891 estaria prejudicada, se, em seguida, a
emenda facultasse o ensino da religião. Se o seu objetivo era evitar que se obrigasse ao
professor público dar aula de ensino religioso, “o caminho mais tranquilo seria o de apresentar
uma emenda nesses termos, mais fácil de ser aprovada do que a apresentada, carregada de um
inequívoco sentido histórico contrário ao ensino religioso” 29 (OLIVEIRA, 2001, p. 172).
O debate entre os que defendiam a escola pública e os que defendiam a escola privada
extrapolou o tempo que durou a Constituinte, tendo discussões posteriores sobre a Lei de
Diretrizes e Bases, até sua promulgação em 1961, como pode ser conferido no anteprojeto da
LDB apresentado por Clemente Mariano, Ministro da Educação em 1948, que em linhas
gerais defendia o ensino público e, posteriormente, do substitutivo de Carlos Lacerda que
defendia o ensino privado. Ainda hoje, este é um tema que aparece com frequência no debate
das questões referentes à educação.
Tanto a questão da responsabilidade pelo ensino à iniciativa privada (Art. 167), quanto
à questão da responsabilidade dividida entre a família e os poderes públicos na educação das
crianças (Art. 166), levantam a polêmica nos debates constitucionais do tema do ensino laico
28
Caracterizada pela separação entre Estado e Igreja, a Constituição de 1891 traz como grande inovação a
laicidade do ensino, ao dispor que seria “leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” (VIEIRA,
2007, p. 296).
29
O artigo 133 da Constituição de 1937 é um exemplo: O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria
do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de
obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos (OLIVEIRA, 2001,
p. 172).
57
versus ensino privado. Historicamente falando, Oliveira e Penin (1986, p. 275) nos colocam
que “defender o ensino particular tem significado defender o ensino religioso já que, pelo
menos até o momento da Constituinte de 1946, a escola particular foi quase sinônimo de
escola religiosa”. Essa afirmação vem mudando, e na atualidade, o debate da escola particular
não passa apenas pelo debate da escola confessional. Entretanto, a questão do ensino religioso
versus ensino laico pode ser discutida a partir de outro ângulo: o da presença da disciplina de
ensino religioso no currículo das escolas públicas.
O que destacamos é que, desde o início do século XX, a escola pública vinha
crescendo. Os defensores do ensino religioso na formação das crianças, conscientes de que o
aumento do número de escolas públicas os afastaria de uma influência naquela formação,
lutaram para manter o ensino de religião no currículo da escola pública. Essa luta era
vitoriosa, só para citar como exemplo, primeiro com a reforma de Francisco Campos em 1931
e, depois, no texto da Constituição de 1934, quando o ensino religioso passou a ser incluído
no currículo escolar.
Sendo obrigação do Estado tornar efetivo o direito de todos os brasileiros à educação
posterior à primária, facultativa ou não obrigatória, parece lógico que nenhuma despesa
pública, dentro do mínimo estabelecido, se poderá fazer com a educação posterior à primária,
antes que se tenha dado cumprimento ao dever constitucional de oferecer a todos tal
educação. Essa compreensão do disposto na Constituição estabelece o dever solidário da
União, dos Estados e dos Municípios no cumprimento dessa obrigação constitucional
prioritária, ou seja, a de oferecer educação primária a todos os brasileiros.
O estabelecimento desse mínimo obrigatório liga-se ao dever público com a educação,
segundo Teixeira, que é o do ensino primário, proclamado direito e dever de todos os
brasileiros e acrescenta:
Outra questão que ocupou muito espaço nos debates Constituintes foi a da
responsabilidade de cada ente federativo para com a educação. Alguns entendiam que a
função educativa devia estar a cargo do município; outros defendiam que a competência da
União, admitindo-se que esta definia o que cabia a cada um dos outros níveis da
administração pública e havia aqueles que julgavam que a responsabilidade pelo ensino
primário e secundário era estadual, já fazendo parte da tradição jurídica brasileira, que era a
posição que prevalecia, permitindo-se à União “ação supletiva nos estritos limites das
deficiências locais” (OLIVEIRA, 2001, p. 184). A polêmica era se o município teria ou não
um sistema educacional próprio e autônomo em relação ao dos demais níveis da
administração.
Outro ponto que merece destaque na Carta Constitucional de 1946 é a vinculação de
recursos para a educação, estabelecendo que “a União deva aplicar nunca menos de 10% e
Estados, Municípios e Distrito Federal, nunca menos de 20% das receitas resultantes de
impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino” (Art. 169). Ainda em relação à
questão financeira, é de observar que a União deve colaborar com o desenvolvimento dos
sistemas de ensino, prestando “auxílio pecuniário, que no caso do ensino primário, provirá
respectivo Fundo Nacional” (Art. 171, parágrafo único).
Na organização da educação mantém-se a orientação de que os Estados e o Distrito
Federal organizem seus “sistemas de ensino” (Art. 171), cabendo à União organizar o
“sistema federal de ensino e o dos Territórios, tendo esse um caráter supletivo, estendendo-se
a todo o País nos estritos limites das deficiências locais” (Art. 170). Com isso, percebemos
que prevalece a organização escolar que remonta à origem das primeiras determinações legais
sobre a administração da educação, características que permanecerão ao longo da construção
de um sistema de ensino no Brasil.
Resumidamente, em relação ao que foi aprovado, vimos que o artigo 166 incorpora a
responsabilidade do Estado para com a Educação, apesar de não atribuir esta responsabilidade
ao Estado. O artigo 167 definiu a responsabilidade do Estado pelo Ensino, mantendo-se aberta
a possibilidade da iniciativa privada organizar suas escolas. O artigo 168 tratou dos princípios
que deviam nortear a legislação do ensino, como ensino primário obrigatório, oficial e
gratuito, ensino religioso facultativo para os alunos.
Por fim, o artigo 169 tratou da vinculação dos recursos do sistema tributário para a
manutenção e desenvolvimento do ensino (no mínimo 10% da União e 20% dos estados,
Distrito Federal e municípios). Porém, chamamos a atenção que não se especificou se a
aplicação desses recursos seria feita somente no sistema oficial de ensino ou se poderia ser
59
utilizado como subsídio às escolas privadas, o que seria feito depois no processo de discussão
e aprovação da LDB. Outro problema foi à definição do que se entendia por despesas
educacionais, que Oliveira e Penin (1986, p. 282) explicam que “certas interpretações
permitiam computar-se como despesa educacional os gastos com alimentação dos alunos e as
despesas educacionais das Forças Armadas”.
O debate da Constituinte a respeito da educação não fez referência, por exemplo, aos
problemas como o analfabetismo de mais de 50% da população. O principal do debate sobre
educação foi dedicado à questão do ensino público e do ensino privado, muitas vezes
retomando com outra visão o tema da relação entre o Estado e Igreja Católica, particularmente
o que se refere ao ensino de religião nas escolas públicas. Outro tema que resultou em
diversos debates foi sobre a “liberdade de ensino”.
Esse tema tomava como ponto de partida o direito da família escolher o tipo de
educação que julgasse mais adequado a seus filhos, e, portanto, o Estado deveria garantir as
condições para que isso se efetivasse. Tal argumento encobria que mesmo o Estado
garantindo a manutenção da escola privada via subsídio, a gratuidade para o aluno não era
uma consequência direta. Ainda que levemos em conta as eventuais ofertas de bolsas de
estudo como contrapartida desse subsídio, seu número seria inferior ao total de vagas
oferecidas pelas escolas particulares. Dessa forma, esse não era um argumento a favor de
liberdade de escolha da família, mas sim do subsídio à escola particular.
Do que afirmamos nos parágrafos anteriores, percebemos que o debate educacional se
pautou menos por uma reflexão sobre os problemas educacionais da época e mais por
alinhamentos ideológicos amplos, como por exemplo, o entendimento acerca das relações
entre a Igreja Católica e o Estado. Podemos, com isso, concluir que o debate da Constituição
de 1946 no que diz respeito à educação, apesar de retomar vários pontos importantes já
consagrados na Constituição de 1934 e modificados na Constituição de 1937, levou para a
discussão da Lei de Diretrizes e Bases as principais definições de uma política educacional
para o Brasil.
decorrente das modificações aprovadas pela Comissão de Educação e Cultura. Naquela altura,
o primeiro projeto já havia perdido muito da sua organicidade e coerência inicial.
As primeiras divergências surgiram de uma crítica dos escolanovistas à
descentralização do ensino. Porém, o auge do acirramento dos ânimos ocorreu quando o
deputado Carlos Lacerda, representante dos interesses privatistas, deslocou a discussão para o
aspecto da “liberdade de ensino”. Em 1959, Lacerda apresentou um substitutivo defendendo a
iniciativa privada, por considerar competência do Estado o suprimento de recursos técnicos e
financeiros e a igualdade de condições das escolas oficiais e particulares. Esse substitutivo
baseava-se nas teses do III Congresso Nacional dos Estabelecimentos Particulares de Ensino,
ocorrido em 1948. O substitutivo Lacerda, em termos gerais, defendia:
30
Era dotado de grande talento e espírito empreendedor. Ocupou o cargo de Procurador na Inspetoria Salesiana
de São João Bosco. Também, foi Secretário Geral da Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil. Faleceu em
28 de setembro de 2004 (FREITAS, 1997, p. 74).
31
Nasceu em Salvador no ano de 1909, médico por formação, iniciou sua trajetória pedagógica em 1931 quando
foi nomeado Inspetor Federal do Ensino em Salvador, cargo no qual desenvolveu estudos na área da educação e
que lhe conferiu amplo conhecimento no assunto. Sua aproximação com Anísio Teixeira se deu na Secretaria de
Educação do Estado da Bahia onde estabeleceram estreitos laços de amizade e afinidade intelectual. Quando
ocorreu a posse de Anísio como Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) em 1952, Jayme
Abreu foi transferido para o Rio de Janeiro integrando a equipe de Anísio Teixeira onde consolidou sua
participação no projeto educacional do INEP e mais especificamente do CBPE – Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (BERETA et al. 2013, p. 2).
63
escola particular já dava mostras de que a guerra ideológica se acirraria. Entre 1950 e 1960, a
rede pública de ensino cresceu substancialmente, tornando-se um patrimônio que os setores
sociais mais democráticos não mediram esforços para defender. Por outro lado, os
empresários do ensino, os donos das escolas particulares, na falta de uma bandeira para
lutarem pelo ensino privatizado, utilizavam-se da Igreja Católica, que lhes forneceu os velhos
argumentos da “liberdade de ensino” e do “direito da família na educação dos filhos”.
O episódio, que aprofundou o conflito entre os defensores do ensino público e os
partidários da escola privada, ocorreu em novembro de 1956. O padre deputado Fonseca e
Silva, em discurso no Congresso Nacional, atacou Anísio Teixeira e Almeida Júnior,
acusando-os de desejarem destruir as escolas confessionais. A partir daí, o debate extrapolou
os espaços do Congresso e ampliou-se para a sociedade civil. Várias entidades se envolveram
no conflito, como a Igreja, os pioneiros, os órgãos de imprensa, tomando posições diferentes.
Assim, a Campanha de Defesa da Escola Pública, desencadeada em 1959, colocou o jornal O
Estado de S. Paulo ao lado de educadores progressistas e até mesmo dos socialistas. Diante
do substitutivo Lacerda, cuja aprovação era uma ameaça à escola pública, educadores de
várias tendências desencadearam a Campanha de Defesa da Escola Pública em 1960.
Em 29 de março de 1958, os bispos do Rio Grande do Sul, sob a liderança de Dom
Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, dirigiram à Presidência da República um
memorial tecendo críticas a Anísio Teixeira e ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
(INEP), com o intuito de obter o seu afastamento da direção do órgão. Em resposta ao
Memorial dos Bispos, como ficou conhecido, 529 intelectuais, educadores, cientistas e
professores reconhecidos em todo o país lançaram um abaixo-assinado protestando contra o
memorial e tomando a defesa de Anísio Teixeira, que foi mantido no cargo por Juscelino
Kubitschek.
Nessa situação, Dom Scherer apresentava-se como porta-voz das escolas confessionais
do Rio Grande do Sul, assim como um dos mais ferrenhos contestadores das ideias de Anísio
Teixeira em nível nacional. Nas palavras de Esquinsani,
O sentido dado à palavra Igreja no contexto do debate pode parecer inadequado haja
vista que setores da própria Igreja Católica manifestarem-se em defesa de Anísio Teixeira,
juntamente com outros setores da intelectualidade e da política nacional. Contudo, Scherer
utilizava a palavra Igreja como uma instituição consensual em relação ao “caso Anísio
Teixeira”, dando a entender que possuía autorização para fazê-lo, pelo menos em nome da
“cúpula” da instituição.
O Memorial dos Bispos Gaúchos, além de ser a primeira declaração oficial da Igreja
naquele momento, movimentou todo o país e chegou mesmo a abalar a situação de Anísio
Teixeira no INEP. As acusações mais pesadas contra Anísio Teixeira vieram do Memorial dos
Bispos Gaúchos, “que encarnava um caráter de denúncia, alertando o mandatário sobre o
perigo que o Estado brasileiro corria por ter em seus quadros funcionários como Anísio
Teixeira” (ESQUINSANI, 2002, p. 97). Inicialmente, Scherer referia-se ao fato de Anísio
estar hostilizando a iniciativa particular no campo da educação, o que feriria a Carta
Constituinte de 1946, que previa ser a educação livre à iniciativa particular. Tal hostilização,
na visão dos católicos, pretendia a escola única, visto que acabando com a escola privada na
educação e abrindo-se espaço para o monopólio da educação pelo Estado, chegar-se-ia à
revolução social através da escola, o que colidia com a “tradição brasileira”.
O mais impressionante era que os privatistas chegaram a dizer que “Anísio queria
roubar da família o direito de escolher a educação que melhor convinha aos seus filhos ao
pregar o monopólio estatal da educação e a escola única” (ESQUINSANI, 2002, p. 97-98).
Também, alegavam que Teixeira queria fazer a revolução social através da escola, dentro de
suas supostas concepções socialistas.
Diante de todo esse contexto, a Campanha em Defesa da Escola Pública foi organizada
na I Convenção Estadual em Defesa da Escola Pública em maio de 1960, no estado de São
Paulo. Depois de realizada a convenção, do ponto de vista da filosofia da educação, pode-se
dizer que três grupos dirigiram a Campanha de Defesa da Escola Pública. O primeiro grupo
girou em torno de Anísio Teixeira e inspirava-se no ideário liberal e na filosofia pragmatista
de John Dewey32. O segundo grupo, de Roque Spencer Maciel de Barros e João Villa Lobos,
dentre outros, pautava-se pelas diretrizes de um ideário de cunho mais conservador. Por isso,
Saviani coloca que
32
Filósofo e pedagogo norte-americano. É reconhecido como um dos fundados da escola de filosofia
pragmatista. Também, foi representante do movimento da educação progressiva norte-americana durante a
primeira metade do século XIX.
65
[...] para este segundo grupo, a educação firmava-se como um direito do homem,
em termos absolutos, independentemente das possibilidades históricas da sociedade.
Para o primeiro grupo uma definição de ser humano e um conjunto teórico a respeito
de direitos do homem importava bem menos; o que importava era a prática
pedagógica e as possibilidades de promover uma educação pública de acordo com as
aspirações históricas de modernização do país e de avanço e consolidação da
democracia (2011, p. 289).
Para o terceiro grupo (socialistas), tratava-se apenas de instituir uma escola capaz de
“socializar a cultura para as classes trabalhadoras”. O próprio Florestan Fernandes, principal
líder desse grupo, em 1960, colocou a público que a luta não era por princípios socialistas,
mas apenas por conquistas já alcançadas nos países capitalistas mais avançados. A Campanha
em Defesa da Escola Pública polarizou o debate entre vários grupos que se expressavam
através de jornais, livros e periódicos.
Voltando sobre a questão da Lei de Diretrizes e Bases, analisaremos alguns pontos
importantes, fazendo uma comparação entre o projeto inicial (1948), o substitutivo de Carlos
Lacerda (1959) e o projeto final (1961). Assim, o título que trata “Do direito à educação”
estabelecia no projeto original a responsabilidade do poder público de instituir escolas de
todos os graus, garantindo a gratuidade imediata do ensino primário e estendendo-a aos graus
ulteriores e mesmo às escolas privadas. “Já o substitutivo Lacerda define que a educação é
direito da família, não passando a escola de prolongamento da própria instituição familiar. Ao
Estado cabe oferecer recursos para que a família possa desobrigar-se do encargo da educação”
(SAVIANI, 2004, p. 19). O texto da Lei nº 4.024/61 conciliou os dois projetos, garantindo à
família o direito de escolha sobre o tipo de educação que devia dar a seus filhos e
estabelecendo que o ensino fosse obrigação do poder público e livre à iniciativa privada.
No título “Da administração da educação”, no projeto original estabelecia que a
educação fosse matéria de competência do Estado, ao qual caberia garantir, nos termos da lei,
o direito à educação. O título equivalente foi denominado, no substitutivo Lacerda, de
“Competência do Estado em relação ao ensino” e estabelecia que competia ao Estado “dar,
quando solicitada, assistência técnica e material às escolas”, cabendo-lhe “fundar e manter
escolas oficiais” apenas em “caráter supletivo nos estritos limites das deficiências locais”. O
texto da Lei nº 4.024/61 manteve o título “Da administração do ensino”, mas se limitou a
afirmar que “o Ministério da Educação e Cultura exercerá as atribuições do Poder Público
Federal em matéria de educação”, cabendo-lhe “velar pela observância das leis do ensino e
pelo cumprimento das decisões do Conselho Federal de Educação” (SAVIANI, 2004, p. 20).
66
mas vitória33”. A vitória só não foi completa em razão das concessões feitas à iniciativa
privada, deixando, com isso, de referendar um ponto importante defendido pelos Pioneiros da
Educação Nova: a reconstrução educacional pela via da construção de um sólido sistema
público de ensino.
33
Depois de aprovada a LDB em 1961, Anísio Teixeira coloca que esta lei foi considerada uma “meia vitória,
mas vitória”. Vamos ver o que na visão de Teixeira significa esta questão: é na escola que se trava a última
batalha contra as resistências de um país à mudança. Com efeito, a vitória maior da Lei de Diretrizes e Bases está
no novo conceito, no novo status dessa lei. Trata-se de uma lei complementar à Constituição e não de uma
simples lei federal, que regulasse as funções do governo federal em educação. Leis federais de ensino haverá,
além desta, mas, para regular o sistema federal de ensino, os estabelecimentos federais de educação. A Lei de
Diretrizes e Bases é uma lei federal, sui-generis, à maneira do Código Civil, do Código Comercial, entre outros,
destinada a regular a ação dos Estados, dos Municípios, da União e da atividade particular no campo do ensino.
Quem vai proceder aos atos complementares para execução da Lei de Diretrizes e Bases são os Estados e não o
poder federal. Este poderá fazer a sua lei federal reguladora de seu sistema federal de ensino, mas os Estados é
que terão agora de fazer suas leis estaduais de diretrizes e bases, fundadas nas Diretrizes e Bases Nacionais, e
não federais, para a criação dos sistemas estaduais de educação. Se persistirem os hábitos da imposição do
governo federal e os hábitos de dependência dos Estados, tudo poderá perder-se, vencendo a máquina
administrativa, que ainda aí está todo o extraordinário que representaram os treze anos de luta por essa lei de
meia-vitória, mas, de qualquer modo, de vitória contra a centralização e o totalitarismo do Estado Novo
(TEIXEIRA, 1962, p. 222-223).
68
Nesse tópico, discutiremos como surgiram as duas Revistas que serão a fonte de
pesquisa de todo o capítulo dois da dissertação. Em termos gerais, a Revista Vozes defendia a
escola privada, enquanto a Revista Anhembi era defensora da escola pública. Para fins de
clareza metodológica, apresentaremos um quadro explicativo com os personagens, suas
respectivas biografias e o número de artigos que cada um escreveu, ora em favor da escola
pública, ora em favor da escola privada.
Em 1907, Frei Inácio Hinte34 decidiu criar uma revista católica, dando início a Revista
Vozes, cujo objetivo era disseminar os ideais católicos no Brasil. Nos primeiros anos da
Revista, publicaram-se artigos de temas religiosos, poesia e questões que eram analisadas por
intelectuais católicos. Até os anos 1940, a Vozes de Petrópolis foi a “única revista da elite
intelectual católica”. Essa expressão se deve ao fato de que havia muitas divergências e
ataques mútuos entre a Revista Vozes e a Revista A Ordem, apesar das duas serem ligadas ao
pensamento católico.
Em 1942, a Editora Vozes se reestruturou, assumiu novos estatutos, criou a Revista
Eclesiástica Brasileira. Foi nesse momento que a Vozes de Petrópolis mudou o nome para
Vozes – Revista Católica de Cultura. A partir de janeiro de 1969, alterando o nome pela
quarta vez, a Revista denominou-se Revista de Cultura Vozes. A partir de janeiro de 1993, ela
34
Além de fundador da revista, foi o primeiro editor. Fazia dela sua tribuna, e por isso, era reverenciado
(TANNÚS, 2008, p. 146).
69
passou a se chamar Cultura Vozes, mudando sua estrutura física, tamanho e formato, que
vinha conservando desde sua fundação. Por fim, em 2003, a Revista deixa de ser editada.
A Revista Vozes, nesse período (década de 1950), era publicada mensalmente, e
organizada em três seções: Artigos, Ideias e Fatos e Bibliografia. Em Artigos, eram
publicados textos, sobre temas da “atualidade” (política nacional e internacional, economia,
educação, entre outros). Já a seção Ideias e Fatos tinha como objetivo analisar e comentar a
conjuntura e nela eram publicados manifestos e polêmicas. Finalmente, a seção Bibliografia
comportava resenhas de textos e livros publicados nesse período.
Entre 1956 e 1961, teremos o embate entre os defensores da escola pública e os
defensores do ensino privado, no período que Frei Aurélio Stulzer 35 estava à frente da Revista
Vozes. Esse foi um dos momentos em que a Revista esteve mais aberta às discussões sobre a
educação. Especialmente, no período de 1958 até 1961, a Revista passou a publicar artigos
sobre o debate da Lei de Diretrizes e Bases.
Observamos que a seção Ideias e Fatos era usada “para responder às críticas que eram
publicadas em outras fontes, como por exemplo, a Revista Anhembi” (ASSIS, 2008, p. 47).
Além da Revista Anhembi, outros meios de comunicação entraram no debate, como o jornal O
Estado de S. Paulo36, a Revista A Ordem37 e a Revista Brasiliense38. Mesmo reconhecendo a
35
Inaugurou uma nova administração, em que predominava a “Gestão Participativa”, criando com isso um
conselho editorial. A partir desse momento, tudo o que era publicado na revista tinha que passar pelo conselho
(TANNÚS, 2008, p. 146).
36
O jornal tradicionalmente esteve envolvido nas discussões relativas à escola pública brasileira desde sua
fundação em 1875. O jornal entendia o seu envolvimento como uma atualização da luta já travada pelas
melhores inteligências, que, apaixonadas lutadoras em prol da libertação do país e ousadas propugnadoras do
nosso progresso moral, foram sempre defensoras esclarecidas da escola pública. Ao cobrir eventos da campanha
ou comentá-las em seus editoriais, o periódico deixa sempre claro que não se trata de um tema qualquer. Na
realidade o jornal entendia a educação como um instrumento na construção de uma democracia liberal no país
(CARVALHO, 2006, p. 2).
37
A Ordem não era uma revista destinada à formação de educadores profissionais; sua produção situava-se no
vasto campo das concepções filosóficas e doutrinárias, em que a educação tinha espaço. A revista, fundada em
1922, foi inicialmente dirigida por Jackson de Figueiredo, sua produção era seriada e mensal. A Ordem tornou-se
um ponto de referência, contribuindo para a formação intelectual de religiosos e leigos. Durante a década de
1930 e, principalmente a década de 1950 e início da década de 1960, a Revista A Ordem publicou diversos
artigos em defesa da escola privada no Brasil (CARVALHO, 2006, p. 3).
38
A Revista Brasiliense foi criada em 1955 e tendo Caio Prado Junior à sua frente, tinha como propósito
declarado de ser um espaço no qual se congregassem escritores e estudiosos de assuntos brasileiros interessados
em examinar e debater os problemas econômicos, sociais e políticos do país, como afirmava em seu manifesto de
fundação. Seguindo esse propósito, a revista abriu espaço em suas edições para o debate sobre a questão da
escola pública. A Revista Brasiliense pretendia ser uma referência importante no debate das principais questões
nacionais. A partir dessa concepção, esse periódico abriu suas páginas ao tema da educação e especificamente à
discussão sobre a tramitação da LDB pelo Congresso Nacional. Mais do que o tratamento específico dado ao
polêmico texto legal (LDB de 1961), destaca-se em suas participações o objetivo de fazer uma análise da
educação a partir da condição de pesquisadores, de sociólogos, indicando com isso uma das inovações que o
Centro Regional de Pesquisa Educacional Paulista (CRPE), ao qual esses autores também estavam ligados
(CARVALHO, 2006, p. 6).
70
importância desses três últimos veículos no debate desse capítulo, optamos por focalizar a
análise apenas nas Revistas Vozes e Anhembi.
Os colaboradores da Revista Vozes eram representantes de várias atividades
profissionais. Eram clérigos, leigos, deputados, professores, advogados, jornalistas, dentre
outros. Esses colaboradores escreviam sobre vários assuntos, não se detendo apenas em um
único tema. Em relação a isso, temos que destacar três figuras chaves, no debate sobre a LDB
promovido na Revista, dedicando artigos sobre a educação: Evaristo Arns, Abelardo Ramos e
João Camilo Torres. Personagens cujos posicionamentos serão analisados através de alguns
de seus artigos ao longo do presente capítulo.
A Revista Anhembi, por sua vez, foi criada por Paulo Duarte39 em 1950. Nascida como
uma extensão do grupo que se articulava em torno do jornal O Estado de S. Paulo, ela abriu
espaço para o debate da escola pública brasileira, atuando como um veículo de divulgação de
um dos grupos que se formaram a partir das polêmicas surgidas durante a tramitação da LDB.
Paulo Duarte era presidente da Comissão Estadual de Defesa da Escola Pública, além de ser o
criador da Revista, da qual foi diretor até 1962.
A publicação da Revista era mensal e o formato adotado consistia em um editorial
assinado pela revista, ou pelos colaboradores escolhidos, seguido de textos inéditos. De
acordo com Machado (2009, p. 1936), as seções tinham como rubricas “Jornal de 30 dias’,
‘Livros de 30 dias’, ‘Teatro de 30 dias’, ‘Arte de 30 dias’, ‘Música de 30 dias’, ‘Cinema de 30
dias’ e, por fim, ‘Esporte de 30 dias’”, nas quais eram resenhados, comentados e divulgados
os acontecimentos relativos àquelas áreas e, que haviam ocorridos nos últimos trinta dias,
como diziam os títulos.
O posicionamento político de Duarte, assim como seu entendimento do papel da
escola pública no Brasil, era próximo do jornal O Estado de S. Paulo. Embora Paulo Duarte
se considerasse adepto de um “socialismo democrático”, acreditava que uma elite esclarecida
deveria desempenhar um papel de liderança na condução do projeto nacional republicano,
“projeto nacional no qual a ideia de São Paulo como ‘locomotiva da nação’ ganhava
importante relevo, postura que foi retomada quando dos debates educacionais”
(CARVALHO, 2006, p. 4). A preocupação de Paulo Duarte com a questão educacional,
manifestada na Revista Anhembi, guardava fina sintonia com o seu diagnóstico da situação
cultural do que ele denominava de “massa”. Entendendo-a como “analfabeta”, “despreparada”
39
Paulo Alfeu Junqueira Duarte foi um arqueólogo, jornalista e professor universitário. Foi professor de pré-
história na Universidade de São Paulo. Além disso, foi fundador da Revista Anhembi publicada em São Paulo
entre 1950 e 1962. Esta Revista no período de sua existência, foi responsável pela publicação de diversos artigos
em defesa da escola pública (CARVALHO, 2006, p. 4).
71
373-379.
- Os Espíritas contra a
Lei de Diretrizes e Bases.
Vozes. Revista Católica
de Cultura. Petrópolis:
RJ, v. 54, n. 9, set. 1960.
p. 697-702.
Abelardo Ramos Revista Vozes - “Anhembi”, o Piche e o Foi um incansável
Nada. Vozes. Revista defensor da escola
Católica de Cultura. privada nas décadas de
Petrópolis: RJ, v. 52, n. 7, 1950 e 1960. Era um
jul. 1958. p. 523-530. importante articulista da
Revista Vozes. Numa das
- Educação gratuita e o suas falas afirma o
Estado. Vozes. Revista seguinte: “Dinheiro
Católica de Cultura. público, só para a escola
Petrópolis: RJ, v. 53, n. 7, pública. A frase só é
jul. 1959. p. 481-498. verdadeira, se traduzida:
dinheiro do povo, só para
- Pobre do pobre, com a escola do povo. No dia
Dr. Anísio. Vozes. em que o Estado possua o
Revista Católica de seu próprio dinheiro, está
Cultura. Petrópolis: RJ, certo que faça com ele o
v. 54, n. 6, jun. 1960 a. p. que entender. Por
447-455. enquanto, não pode
apossar-se do que
- Andam Faunos nas pertence aos outros. Se a
Escolas. Vozes. Revista escola particular for
Católica de Cultura. aberta ao povo, é tão
Petrópolis: RJ, v. 54, n. pública quanto à escola
12, dez. 1960b. p. 694- oficial” (GOMES, 2005,
697. p. 15).
- O Que Defendemos.
Vozes. Revista Católica
de Cultura. Petrópolis:
RJ, v. 55, n. 1, jan. 1961.
p. 3-8.
- Declaração de
Princípios. Petrópolis:
RJ, v. 52, n. 9, set. 1958b.
p. 679-680.
- Em Defesa da
Liberdade de Ensino.
Petrópolis: RJ, v. 52, jun.
1958c. p. 448-451.
- Em Defesa da Educação
Democrática. Petrópolis:
RJ,
v. 53, n. 9, set. 1959. p.
693-695.
Almeida Júnior Revista Anhembi - Ainda as Diretrizes e Importante educador, que
Bases da Educação se posicionou a favor da
Nacional. Revista escola pública na década
Anhembi. São Paulo, v. de 1930. Foi um dos
XXXVII, n. 110, jan. vinte e seis signatários do
1960. p. 232-252. Manifesto dos
Educadores de 1932. Na
década de 1950 e 1960,
voltou a lutar pela escola
pública (BEDIN, 2011, p.
65).
Revista Anhembiº Revista Anhembi - Ensino de religião nas ----
escolas oficiais. São
Paulo, v. XXVI, n. 76,
76
- Solidariedades a Anísio
Teixeira. São Paulo, v.
XXI, n. 93, ag. 1958a, p.
535-543.
- Falam 83 bispos e 3
cardeais. São Paulo, v.
XXXII, n. 94, set. 1958b.
p. 66-78.
- Diretrizes e bases da
educação. São Paulo, v.
XLI, n. 123, fev. 1961. p.
576-579.
Fontes: ASSIS, 2008, p. 50-51; BEDIN, 2011, p. 65; COUTINHO, 2006, p. 7; GOMES,
2005, p. 15; PASQUINI, 2010, p. 10. *Não foi possível encontrar as biografias de todos os
colaboradores, porque as Revistas não fornecem esse tipo de informação. ºArtigos sem
autores.
Observamos com o quadro, que o recorte temporal definido para pesquisar as Revistas
Vozes e Anhembi foram os anos de 1957 até 1961, período em que a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação estava em tramitação no Congresso Nacional. Foram analisados ao todo trinta e
um artigos na dissertação, sendo vinte e seis da Revista Vozes e cinco da Revista Anhembi.
Também, destacamos que a maioria dos artigos tratam da discussão da LDB. Porém, muitos
chamam a atenção pela discussão da questão da liberdade de ensino, os ataques ao educador
Anísio Teixeira e as críticas empreendidas entre os dois periódicos em relação à educação
pública e o destino das verbas.
Nessa parte da dissertação, procuraremos discutir um assunto que foi palco de grandes
debates, em relação à educação, ser função do Estado ou da família? Para avançar neste
assunto, utilizaremos artigos das Revistas Vozes e Anhembi, pelos quais muitos personagens,
que eram intelectuais, clérigos, dentre outros, colocaram seu ponto de vista. Consideramos
importante, antes de iniciar a discussão fazer um levantamento dos artigos que utilizaremos
mais diretamente nesse debate.
77
Dando início ao debate, a Revista Vozes (1958b, p. 679), coloca em seu artigo
Declaração de Princípios, que “os legisladores do final da década de 1950, não podem nem
mesmo definir a educação, pois esta, assim como o cultivo da terra, não é assunto de lei, mas
sim da experiência e da ciência”. Seguindo no mesmo raciocínio a Revista Vozes (1958b, p.
679) coloca que “a lei estabelecerá os períodos de educação elementar, complementar, média
ou secundária e superior e definirá os grandes tipos de educação, além de facultar a sua
organização no âmbito oficial e na esfera particular”. Essa tese reforça que na verdade, quem
defendia o monopólio da educação era a Igreja Católica, até porque, era a proprietária de
muitas escolas (desde o período colonial com os padres jesuítas), principalmente do nível
secundário e sua influência também se estendia à escola pública com a cadeira de ensino
religioso.
Na mesma direção, Evaristo Arns, ferrenho defensor do ensino privado das décadas de
1950 e 1960, ressalta que Anísio Teixeira defendia a “educação obrigatória, gratuita e
universal”, e esta só poderia ser ministrada pelo Estado. Daí ele levanta a seguinte questão:
“desde quando recebemos alguma coisa gratuita do Estado (no sentido de verba pública para a
escola particular)? É pagamento indireto, distribuído por toda a comunidade, de forma que as
classes menos favorecidas são beneficiadas” (ARNS, 1958b, p. 460). A partir desse momento,
observaremos que iniciará uma campanha ferrenha contra Anísio Teixeira por meio da
Revista Vozes.
Seguindo a mesma linha, Evaristo Arns (1958b) destaca que duas ameaças pesavam
sobre a liberdade de ensino no Brasil. A primeira vinha do próprio Ministério da Educação e
Cultura, embora não trouxesse o rótulo oficial. Anísio Teixeira, como diretor do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), controlava as Escolas Normais e as Escolas
Primárias e, como secretário da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), distribuía favores para o ensino superior. Era, além de tudo, o mentor de
boa parte das publicações oficiais sobre a educação no Brasil. Anísio, nas palavras de Arns,
“tem demonstrado uma tenacidade invulgar em sua campanha sistemática contra os Colégios
e Escolas Particulares” (1958b, p. 461). Ainda, de acordo com Arns, Anísio Teixeira queria
“arrancar o ensino primário dos poderes federais para entregá-lo às comunidades municipais e
insistia que a formação dos professores acontecesse em escolas públicas” (1958b, p. 461).
A segunda ameaça é assim enunciada: para todos os brasileiros falta uma escola
pública de qualidade, a fim de que as crianças tenham direitos iguais, e também porque, as
“escolas particulares, por falta de recursos, são incapazes de proporcionar uma educação igual
para todos” (ARNS, 1958b, p. 461). Para esse articulista, o ensino seria gratuito e todas as
79
crianças se confiariam ao “Pai Estado” como sendo suas protegidas oficiais. “Todos sabem
que as escolas públicas gastam muito mais com alunos do que os estabelecimentos
particulares” (ARNS, 1958b, p. 461). Evaristo Arns, conclui seu raciocínio dizendo: “não
seria melhor que o governo distribuísse as verbas do ensino sobre os institutos particulares e
vigiasse o bom emprego delas?”. Com isso, de acordo com o autor, chegaria ao resultado
almejado da alfabetização de todos os brasileiros e o Estado continuaria ajudando a iniciativa
privada.
A campanha contra Anísio Teixeira se espalhou pelo país. A questão central, como
colocaram os Bispos do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, era que “cabe à família o
direito à educação. Colocar o Estado antes ou contra a educação da família é defender um
totalitarismo pedagógico” (REVISTA VOZES, 1958c, p 449). No artigo Em Defesa da
Liberdade de Ensino a Revista Vozes (1958c, p. 450) defendia que “Anísio propugna uma
inflação fascista do Estado, e não apenas a defesa dos direitos que o Estado tem em fundar
escolas”. Em meio a todas estas acusações empreendidas pela Igreja Católica contra Anísio
Teixeira, a instituição católica chegou a enviar uma carta ao presidente da República
Juscelino Kubitschek exigindo a demissão de Anísio Teixeira do INEP. Em contrapartida,
como veremos adiante, intelectuais de todo o país se reuniram e fizeram um manifesto a favor
do educador Anísio Teixeira e este permaneceu no cargo.
Podemos observar que o nome de Anísio Teixeira foi o alvo constante de ataques dos
colaboradores da Revista Vozes. Depois da proposta da Lei de Diretrizes e Bases, Anísio é o
mais citado. Atuando como o presidente do INEP, ele representava toda a equipe técnica
responsável pelas propostas da LDB. Além disso, era atacado com frequência, por suas
declarações públicas feitas em jornais e revistas, porque defendia a escola pública.
Continuando, a Igreja Católica exigiu do Governo de Juscelino Kubitschek a
explicitação das diretrizes da política educacional do Brasil. Qual seu conceito, qual sua
finalidade, qual o valor do educando, qual o direito da família, qual a contribuição concreta do
Estado e qual a missão do professor? Como são perguntas, precisam-se esclarecimentos.
Enfim, a Revista Vozes defendia as seguintes proposições:
80
A tese dos católicos defendida pela Revista Vozes, através dos seus colaboradores, era
do direito natural da família ser anterior ao Estado e que cabia a ela a “procriação” de filhos e
sua educação. “É tese de direito positivo o reconhecimento da autoridade da família nas
questões de educação” (REVISTA VOZES 1958c, p. 452). Concluindo o raciocínio, a
Revista (1958c, p. 452) coloca que a “experiência de todos os tempos tem provado à
sociedade que a liberdade de ensino tem sido ambiente favorável à plena expansão da
personalidade humana e a coação estatal tem produzido nesse particular abuso irreparável”.
Diante do que foi exposto, destacamos a questão da liberdade de ensino, que tanto a
Igreja Católica e seus apoiadores defendiam. Na verdade, a Igreja temia que suas escolas
fossem fiscalizadas pelo Estado, e que diante de eventuais irregularidades poderiam ser
fechadas. Outra questão importante de se analisar é em relação às verbas para educação.
Imaginemos o Brasil da década de 1950, ainda com um analfabetismo elevado, como já foi
anteriormente assinalado, precisando urgentemente investir na educação pública para
impulsionar o desenvolvimento e melhorar a vida da população mais pobre, ainda precisar
repartir as verbas com a iniciativa privada, sendo que, esta cobrava mensalidades de seus
alunos para estes poderem estudar.
O Irmão José Otão (1958, p. 683), educador e defensor da escola privada, em seu
artigo Liberdade do Ensino publicado na Revista Vozes, defende que: “os eternos inimigos da
ordem, do progresso e da paz querem afogar as últimas esperanças do povo: exterminar as
Escolas Particulares Católicas e Leigas e perseguir bispos e padres”. Para ele, tratava-se de
um plano elaborado por inimigos da Igreja e da democracia. E conclui que contra tudo isso, os
Bispos do Brasil estavam atentos e desejavam o “bem estar espiritual e social dos brasileiros”.
81
facilitar essa coexistência não apenas pacífica, mas harmoniosa e interdependente” (ATAÍDE,
1960, p. 778).
No final da década de 1950, Evaristo Arns (1958a), em mais um artigo publicado em
defesa da escola privada, intitulado Anísio Teixeira versus Igreja, ressalta que “isso de reduzir
os institutos particulares a afluentes do Estado, permitindo ao governo construir os seus
diques de exames, é pura barganha” (1958a, p. 488). Depois, continua o autor que, bons
alunos não temem exames objetivos. “Esses bons alunos, por temerem exames diante de
bancas estranhas, iriam naturalmente matricular-se nos institutos oficiais, onde os próprios
professores seriam seus examinadores” (ARNS, 1958a, p. 489). As instituições privadas que
não quiserem ser acusadas de comerciantes ou “tubarões” terão que dar ensino à base de puro
idealismo e pobreza, conclui Evaristo Arns.
Outra tese que Evaristo Arns defendia nesse mesmo artigo era “que reservar o ensino
livre unicamente para os filhos dos que podem pagar do próprio bolso o colégio particular é o
mesmo que proclamar que só os pais ricos têm o direito de educar seus filhos segundo as suas
preferências” (1958a, p. 490). Arns acrescenta que “esquecem que o ensino oficial é mais
caro. Esquecem que o ensino oficial geralmente não prepara líderes para uma sociedade
democrática. Isso para não falar dos ‘deficientes’ que o Estado nunca encontra recursos
suficientes” (1958a, p. 490).
Por fim, trazemos um artigo publicado na Revista Vozes pelo Governador Carlos
Lacerda em 1961, em defesa da escola particular, que contribuiu nesse debate, intitulado
Discurso do Governador Carlos Lacerda na Abertura do IV Congresso da União
Internacional pela Liberdade de Ensino (17/07/1961). Nesse artigo, Lacerda coloca que a
concepção de educação pública defendida pelos educadores progressistas “conduz à educação
totalitária, que toma as crianças à entrada da escola e as conduz à revelia e até contra a família
para servir ao Estado” (1961, p. 605). Lacerda continua, afirmando que proibir o ensino
privado não é o único meio de suprimir a liberdade de ensino. “Pode-se dificultá-lo e sufocá-
lo negando recursos para que os filhos dos pobres e dos remediados possam utilizar-se da
variedade e qualidade que o ensino livre lhes oferece” (LACERDA, 1961, p. 605).
Por outro lado, a Revista Anhembi tinha um posicionamento diferente da Revista Vozes
em relação à educação ser função do Estado ou da família. Iniciamos, com o debate da
proposição aprovada pelo IV Congresso dos Antigos Alunos da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1956, que se manifesta contrária tanto
ao ensino religioso nas escolas públicas como à subvenção por parte do Estado às escolas
84
religiosas não gratuitas, e cria um novo capítulo na história de um problema cujas origens são
mais remotas.
A Revista Anhembi (1957) publica artigo sobre o Ensino de religião nas escolas
oficiais, no qual chamava a atenção sobre a deficiência das escolas públicas, tanto do ensino
primário, quanto do ensino secundário no Brasil. Além disso, estava preocupada com a
impossibilidade de poder estender a todos os jovens e crianças os benefícios da instrução
gratuita, patrocinada pelo poder público. Em relação a esse assunto, a Revista Anhembi
argumenta que, um Estado que não pode cumprir com uma de suas obrigações básicas não
deve, “dar-se ao luxo de contribuir com polpudas subvenções para a manutenção de escolas
religiosas que cobram pelos seus cursos e ao alcance, portanto, apenas dos que desfrutam de
situação econômica privilegiada” (1957, p. 101).
Segundo a Revista Anhembi, o Manifesto dos Bispos e Cardeais em Goiânia, estava
preocupado com o financiamento das escolas privadas, mas não propôs alternativa ao grave
problema do analfabetismo no Brasil:
[...] a falta de rumos para resolver-se o problema da educação num país onde o
coeficiente de analfabetismo é alarmante, com um déficit em quantidade e qualidade
de escolas primárias, uma rede precária de escolas industriais e artesanais, com
escolas superiores nem sempre cheias dos mais capazes e dos mais indicados para as
funções de liderança que as universidades deveriam assegurar (1958a, p. 67).
Por isso, de acordo com a Revista Anhembi, no artigo Falam 83 bispos e 3 cardeais
publicado em setembro de 1958, deve-se divergir da declaração de Goiânia quando afirma
que “educar é obra da família”. “Educar também é obra da família, isto sim, cuja função não é
85
apenas ‘procriar’. Porque educar é função também da família, é função precípua do Estado”
(1958a, p. 70). E se educar for obra exclusiva da família, como afirmam os bispos de Goiânia,
“as famílias de outras religiões têm o direito de educar os seus filhos fora da seita católica”
(1958a, p. 71). Continua Anhembi, que “à Igreja Católica não cabe nenhum papel primordial e
insubstituível na obra educativa; a Igreja Católica terá um papel auxiliar, porque o Estado não
é religioso, é leigo, como não é materialista, é neutro” (1958a, p. 71).
No final da década de 1950, a situação do analfabetismo no Brasil ainda era
preocupante. O que se necessitava, pois, não era tirar a escola da jurisdição do Estado, ao
contrário, era preciso moralizar os governos. Realmente, o empenho de Anísio Teixeira em
relação à expansão, aperfeiçoamento e eficiência da escola pública não implicava em
nenhuma restrição à escola particular. Destinava-se exclusivamente a baixar até chegar à zero
a porcentagem do analfabetismo no Brasil.
Por fim, o Brasil das décadas de 1950 e 1960 era um país que estava passando por
mudanças na política, economia e educação. O sistema de ensino não estava em condições
para atender às mínimas exigências de escolarização. Além disso, as oportunidades
educacionais de ascensão social eram oferecidas como se fossem benefícios e não como
direitos conquistados pelo homem livre. Era uma situação lamentável, porque os poderes
públicos ainda diante de todas as campanhas realizadas, não enxergavam a importância da
educação pública, gratuita e universal.
Nesse tópico, discutiremos as críticas feitas por católicos aos liberais nas páginas da
Revista Vozes. Antes, de iniciar a discussão indicaremos os artigos tomados como referência
na análise.
Na mesma fala, Monlevade (1960, p. 697) descreveu que “há muitos professores das
escolas oficiais honestos a quem se deve respeito, outros deveriam modificar a vida ou perder
os cargos”. A escola pública, segundo o autor, deixaria de ser uma fonte de renda para esse
tipo de professor e se tornaria um ofício em benefício da educação da juventude.
Na conclusão do seu artigo, Monlevade (1960, p. 698) defendia que “neutra seria a
escola que não informasse ou não ensinasse nenhuma doutrina, ou transmitisse todas da
mesma maneira”. Na mesma fala, o autor acrescenta que os pais não cristãos que desejarem
escola neutra têm direito à escola segundo sua convicção. “A criança que chega à escola é um
complexo de tendências variadas de instintos bons e maus, de inteligência que nasce e de
ignorância, de vontade que desperta e de paixões que se opõem” (MONLEVADE, 1960, p.
698). Conclui dizendo que colocar a questão escolar em sua verdadeira perspectiva é meio
caminho andado para dar-lhe solução justa e aceitável para todos.
Outro defensor do ensino privado desse período analisado, Abelardo Ramos, em seu
artigo Educação gratuita e o Estado, destaca que a educação atuava como fator de integração
dos seus membros e constituía o princípio dinâmico do aperfeiçoamento destes. Portanto, a
liberdade de ensino era, na visão do autor, a possibilidade de se exprimirem os tipos de
educação que deveriam atender à diversidade dos grupos humanos. Ramos (1959, p. 490)
conclui que “a escola tem de ser instituição com características assemelhadas à família e não à
repartição pública”.
A Constituição Federal de 1946 garantia que a educação deveria ser para todos.
Segundo Ramos, era nisso que estava o interesse público, que “não é atribuição do Estado ter
um papel de educador único. Prova disso é que a educação de cada aluno custa mais na escola
pública do que na escola particular” (1959, p. 493). Por fim, ao concluir a sua fala, Ramos
(1959, p. 493) coloca que se o aluno recebesse do Estado à complementação, “garantido a
livre escolha, as escolas seriam de melhor qualidade e os pais poderiam recusar a educação de
péssima qualidade, como atualmente o Estado oferece” (lembrando que esse debate era do
final da década de 1950).
Com isso, Ramos (1959, p. 495) defende que “é visível que a melhor educação só se
poderá obter em estabelecimentos particulares”. Seguindo o mesmo raciocínio, Ramos (1959,
p. 495) ressalta que “o caminho do Estado socialista prepara-se, preparando-se homens em
disponibilidade, embora hábeis na ciência ou na técnica. Alcançando o Estado socialista, as
crianças já são educadas, mas dentro de uma docilidade à filosofia do regime”. O que Ramos
observa diante disso, é que a melhor educação, que atinge gratuitamente ao maior número de
88
40
Dentre os docentes da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,
destacou-se a figura do Professor Roque Spencer Maciel de Barros. Em palestras, reuniões públicas e artigos na
imprensa, ele foi incansável na defesa da escola pública, laica e obrigatória. O que o situou de um modo muito
especial nessa campanha foi o fato de ter escolhido como tema principal de combate o princípio da liberdade de
ensino, que o Deputado Carlos Lacerda alegava ser o princípio filosófico de seu substitutivo. Naquele momento,
os que tomavam posição contrária a esse projeto eram pronta e levianamente acusados de adeptos de valores
antidemocráticos e de pretenderem o monopólio estatal da educação (AZANHA, 1999, p. 3).
89
Roque Spencer tem alergia de falar nos pais dos alunos, não quer ouvir o direito deles
e não conhece o respeito pela orientação do lar. Aliás, o próprio Sr. Roque
imediatamente sente que está sendo ingênuo demais e volta sem demora à decantada
liberdade de cátedra, não percebe que assim elimina não só a liberdade do aluno, mas
também e ao mesmo tempo a liberdade do direito, e do inspetor, pois quem ocupa a
cátedra é o professor e mais ninguém (1961, p. 377).
Diante das colocações, Rademakers vai mais longe, defende que Roque Spencer
queria acabar com a escola religiosa. Queria também, atribuir a todos os professores o direito
de anular a liberdade dos alunos. “Numa escola particular ideológica, a situação é diferente.
Os professores são escolhidos em obediência à orientação da escola em consonância com a
convicção básica dos alunos, isto é, dos pais. Valoriza o aluno e afirma a liberdade dos pais”
(RADEMAKERS, 1961, p. 378). Por fim, conclui Rademakers a sua fala, afirmando que a
liberdade de cátedra numa escola pública, consistiria em esconder sua própria ideologia e
religião.
Outro educador que será alvo de muitas críticas é Anísio Teixeira. Sobre essa questão,
em 1960, Alberto Ramos publica mais um artigo na Revista Vozes intitulado Pobre do pobre,
com Dr. Anísio, no qual defendia que era “pura demagogia” dizer que a Igreja Católica era
adversária da escola para o pobre. É nesse momento que entra a figura de Anísio Teixeira no
debate. “Foram os antecessores ideológicos do Dr. Anísio, seus padrinhos de todas as horas,
os que se rebelaram contra a educação do indivíduo de baixa extração” (RAMOS, 1960a, p.
454). Por isso, acrescenta o autor, é que “o plano anisiano, oferece habilidosa disposição de
obstáculos aos que desejam ascender” (RAMOS, 1960a, p. 455).
Continuando as críticas a Anísio Teixeira, Abelardo Ramos escreve outro artigo em
agosto de 1961, intitulado Dr. Anísio vem à Chuva, onde afirma que amadores e diletantes
pretendiam atrelar a escola pública a um sistema laicista e afastá-la da inspiração
espiritualista. Sobre essa questão, acrescenta que “de fato são amadores e diletantes em
educação os manipansos de esquerda, que só visam garantir, pela educação, a sobrevivência
de regimes” (RAMOS, 1961b, p. 619). Ramos defendia que em tal sistema não havia
educação, apenas existia uma preocupação jurídica de princípios que queriam a absorção dos
homens pelo Estado, aí levanta as seguintes questões:
[...] é possível, assim caminhar para a democracia? Quem arriscará a própria vida,
pela coletividade, na qual, segundo o ensino, não medram sentimentos altos, mas se
juntam libidos e volúpias incestuosas, toda uma corja, a lutar pela epiderme e o
paladar, a manter o espantalho moral, tão só para que nele venham corvos fazer a
sesta? (RAMOS, 1961b, p. 619).
90
Por fim, Ramos (1961b, p. 620) observa que “oculta à razão, porque uma escola cuja
existência decorre de limitações econômicas deve incorporar restrições de caráter ideológico”
e encerra o artigo dizendo que “o Estado pode ficar com a escola, mas que respeite aqueles
que pensam ao contrário e tenham ideias opostas. O que de fato importa é que se assegure a
liberdade de cátedra, princípio constitucional brasileiro” (1961b, p. 620).
Nesse último tópico do capítulo dois, discutiremos as críticas dos liberais aos
católicos, através do artigo Solidariedades a Anísio Teixeira publicado em 1958, na Revista
Anhembi, artigo que, por sinal, não possui autoria. Também, utilizaremos nesse debate o livro
de Ester Buffa (1979), Ideologias em conflito: escola pública e escola privada. Finalizando o
capítulo, analisaremos questões pertinentes a esse debate, entre os educadores que defendiam
a escola pública através de suas publicações na Revista Anhembi e os intelectuais com forte
vínculo com a Igreja Católica que defendiam a escola privada através da Revista Vozes.
As manifestações de apoio e solidariedade a Anísio Teixeira, diante dos ataques que
sofria nos meios de comunicação veiculados com a Igreja e os proprietários das escolas
particulares, ocorriam com frequência. Por exemplo, professores da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de São José do Rio Preto, em manifesto dirigido a Anísio Teixeira, levaram
sua solidariedade, nos seguintes termos:
[...] a atitude do clero católico indica em última análise uma reação contra a nova
orientação do sistema educacional brasileiro, pois só agora o Brasil começa a entrar
nas etapas decisivas da luta para vencer seu subdesenvolvimento, mediante a
industrialização de sua economia, a urbanização de suas populações, a secularização
do serviço público em sua cultura e a democratização de sua vida política, fatores de
progresso nacional que permitem e exigem a educação popular (BUFFA, 1979, p.
33).
Para isso, precisava-se preparar mão-de-obra qualificada, e isso aconteceria na escola. Nesse
contexto, educadores liberais se colocaram ao lado da escola pública, ao passo que
intelectuais conservadores se posicionaram a favor de escola privada.
Voltando à questão das solidariedades a Anísio Teixeira, a Faculdade de Filosofia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Congregação da Faculdade de Filosofia da
Universidade do Rio de Janeiro também se manifestam solidárias a Anísio Teixeira. Porém,
tomaremos como ponto de discussão a Universidade de São Paulo, por meio de mensagem em
apoio a Anísio Teixeira, enviada pela Faculdade de Filosofia, nestes termos:
Por fim, “a escola leiga ou pública não é materialista porque, sendo ela a escola de
todos, é a única que não se torna instrumento de uma doutrina, igreja, partido ou ideologia”
(REVISTA ANHEMBI, 1958b, p. 539). A neutralidade e a objetividade da escola leiga ou
pública, não impedem que qualquer de seus alunos abrace quaisquer valores definidos na
formação de si mesmo. Por todos esses motivos, “reivindicamos a extensão da escola pública,
universal, gratuita, por ser a única acessível à maioria do povo, por ser a única capaz de
assegurar a liberdade de consciência e por ser a mais indicada para atender às necessidades do
progresso material e espiritual de todos os brasileiros” (REVISTA ANHEMBI, 1958b, p.
539).
Observamos que, ao tratar do embate ideológico sobre a educação brasileira, na
década de 1950 e início da década de 1960, período que estava sendo discutida a primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei n. 4.024/61, e mesmo as discussões
realizadas logo após a sua promulgação, é possível constatar que os diferentes grupos de
intelectuais tinham visões diferentes da educação e atribuíam a ela diversos objetivos, em
função de interesses de classe. Nesse período que estudamos, a educação surgia como uma
instituição capaz de dar uma formação para o homem e através desta, ajudaria a superar as
dificuldades econômicas enfrentadas pela maioria da população.
Apesar das divergências dos grupos, como foi assinalado ao longo desse capítulo,
pode-se afirmar que esses grupos possuíam uma característica em comum: constituíam-se em
propostas que viam a educação como um instrumento que poderia atuar de uma maneira
significativa sobre os homens e a esfera social, provocando mudanças ou evitando-as, além de
contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade brasileira. Em outras palavras, boa parte dos
educadores envolvidos nessa discussão não percebiam que o problema educacional era uma
manifestação no nível da escola, de vários problemas, que se localizavam no campo social,
político e econômico.
Nesses termos, por maiores diferenças que esses grupos envolvidos no debate
demonstravam, as propostas sugeridas eram superficiais, porque na realidade não
questionavam ou melhor, desconsideravam as relações materiais estabelecidas na sociedade.
No grupo de intelectuais que defendia a escola pública, predominava a ideia de que a escola
seria um fator para reduzir as diferenças existentes entre os indivíduos, até porque não existia
entre eles, um posicionamento de análise que levasse em conta as determinações das relações
de produção. Por outro lado, para os intelectuais representantes da Igreja Católica, a escola
privada seria o resgate das tradições católicas do passado, o que significaria a superação da
93
crise moral. Já para os educadores liberais, a escola seria a chave da emancipação nacional,
como era defendida nos anos 1930.
Dessa maneira, os grupos em conflito nas décadas de 1950 e 1960, elaboraram seus
discursos de acordo com seus interesses de classe, procurando associar as ideias defendidas
com os “interesses” da população brasileira. Portanto, a escola que se configurou ao longo
desse debate e dos movimentos relacionados não surgiu de um momento para outro, todavia,
se constituiu em projetos de classe determinados pelas forças políticas envolvidas na
discussão.
94
O objetivo de Paschoal Lemme era buscar a ação unificada dos educadores brasileiros
e para isso já havia proposto a criação de outra associação que os congregasse e os
impelissem à defesa unificada das questões educacionais, pois acreditava que a ABE não o
vinha fazendo. As justificativas de Lemme para tais posicionamentos ficam explícitas em
carta de 29 de maio de 1955, novamente endereçada a Fernando de Azevedo. Lemme escrevia
que há algum tempo vinha se “preocupando seriamente com a questão da unidade dos
educadores brasileiros, rompida em 1931, na Confederação de Niterói: situação essa depois
agravada, por motivos bem conhecidos” (CARVALHO, 2008, p. 2). Em busca dessa
“unidade” chega a propor, como atesta a mesma carta, a criação de uma Academia Brasileira
de Pedagogia, proposta essa que chega a ser detalhada na referida carta.
Em resposta, datada de 4 de junho de 1955, Fernando de Azevedo, após saudar com
satisfação a carta que quebrava “um longo silêncio”, afirmava que ficara muito contente em
saber que Paschoal Lemme preocupava-se “com o problema da união dos educadores
brasileiros” e, descartando a ideia de fundação de uma Academia Brasileira de Pedagogia –
receando que “esse academicismo e pedagogismo” pudessem “concorrer para se meterem a
uma das coisas mais sérias e mais graves da vida, que é a formação do homem, e uma das
campanhas mais belas e fecundas como essa que resultou a obra de renovação educacional no
Brasil” (CARVALHO, 2008, p. 4).
A ideia de lançamento de um documento de educadores que buscasse influir nas
questões educacionais foi tema recorrente na troca de correspondências entre alguns
signatários. O impacto que, na visão dos pioneiros, o Manifesto de 1932 tivera na história
educacional do país, inclusive tendo sido considerado quando da elaboração dos textos de
duas constituições levava esses educadores a manterem a ideia de um novo documento.
Porém, essa referência ao valor histórico do Manifesto de 1932 e o entendimento segundo o
qual esse era um documento que mantinha sua atualidade, nem sempre era compartilhada no
mesmo tom por todos. Assim, quando no início de 1959 as articulações em torno da
elaboração da LDB que tramitava na Câmara Federal caminhavam para momentos decisivos,
a elaboração de um novo documento volta à tona.
Para Paschoal Lemme, somente o “prestígio” de Fernando de Azevedo seria “capaz de
emprestar o sucesso” à iniciativa de um novo documento de educadores. Por isso, era a esse
educador paulista, redator do Manifesto de 1932, que fazia a sugestão de uma nova tomada de
posição conjunta, segundo Carvalho (2008, p. 5), “posição que deveria estar alicerçada na
tradição que o documento inaugurava, por isso o líder dos pioneiros da educação nova era a
figura ideal para redigir o novo posicionamento”.
96
liberdade de ensino, um ensino livre da fiscalização do poder público, mas remunerado pelos
cofres públicos.
6. Violentas reações a essa política educacional em outros países: A posição privatista
já se fez presente em outros países, como na Itália, no final da década de 1940, e na França,
em 1959, concomitante ao que estava ocorrendo no Brasil. Todavia, nesses países, a
população, liderada pelos intelectuais mais expressivos, reagiu contra essa postulação.
7. As duas experiências brasileiras de liberdade de ensino: O texto reporta-se à
experiência do ensino livre da Reforma Leôncio de Carvalho, de 1879, e da Reforma
Rivadávia, de 1911, mostrando que em ambas os resultados foram desastrosos, obrigando o
Estado a revertê-las.
8. Em face da Constituição, já não há direito de escolha: Mostra que, diante da
Constituição, não há como fazer prosperar o projeto dos privatistas. Com efeito, a
Constituição é clara ao afirmar que a educação é dever do Estado, devendo ser ministrada
obrigatoriamente pelos poderes públicos, sendo livre à iniciativa privada. Assim, o projeto
privatista, ao inverter esses termos, resulta inconstitucional.
9. A educação – monopólio do Estado? Refuta a acusação de que os defensores da
escola pública estariam querendo instaurar o monopólio estatal do ensino. “Mostra-se que não
é contra a iniciativa privada. Ao contrário, defende-se a mais ampla liberdade de iniciativa no
campo educacional” (MANIFESTO, 1959, p. 87).
10. Pela educação liberal e democrática: Esclarece que a educação pública é uma
conquista da democracia liberal do século XIX, que se consolidou como resposta às
exigências do desenvolvimento da civilização baseada na ciência. “O Manifesto (1959, p. 90)
posiciona-se em defesa de uma escola pública inspirada nos ideais democráticos, que ministre
uma educação liberal e democrática voltada para o trabalho e o desenvolvimento econômico,
portanto, para o progresso das ciências e da técnica como base da sociedade industrial”.
Defende também, uma escola pública de caráter universal, obrigatória e gratuita em todos os
graus e integral, isto é, que propicie o maior desenvolvimento das capacidades físicas, morais,
intelectuais e artísticas de todas as crianças, adolescentes e jovens.
11. Educação para o trabalho e o desenvolvimento econômico: Explicita-se a
necessidade de que a educação esteja sintonizada com o seu tempo e com as características da
sociedade em que se insere, contribuindo para o seu desenvolvimento. “Para isso, deve tornar
a mocidade consciente de que o trabalho é a fonte de todas as conquistas materiais e culturais
da sociedade, incutindo o respeito pelo trabalho e pelo trabalhador e ensinando a utilizar as
99
Olhando o quadro, percebemos que depois de vinte e sete anos do primeiro Manifesto,
novamente intelectuais brasileiros vêm a público. Porém, dessa vez o número de signatários
era mais expressivo, são mais de cento e sessenta participantes, dentre os quais, treze
signatários do Manifesto de 1932. Grande parte desses signatários, assim como no Manifesto
de 1932, eram professores, dentre os quais havia sociólogos, antropólogos, médico, cientistas,
físicos, estudiosos de renome internacional, que tinham um objetivo em comum: a defesa da
escola pública, gratuita, obrigatória e laica.
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Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité na Bahia, em 12 de julho de 1900. Durante toda a sua vida foi um
educador comprometido com a defesa da escola pública. Isso ficou claro, na década de 1930 e principalmente
nas décadas de 1950 e 1960. Faleceu em 14 de março de 1971.
105
que vem conduzindo o país “a uma idealização das condições do ensino privado, tido na visão
conservadora como mais eficiente do que o público” (TEIXEIRA, 1956a, p. 7).
Continua Anísio (1956a, p. 7), em seu artigo, que “o mal é grande, mas poderia ser
muito pior, se estivesse a cargo do Governo Federal toda a educação nacional. Nos Estados a
situação é mais grave, por isso que há grandes serviços educacionais com milhares de escolas
públicas”. Por fim, o autor conclui que “tais escolas, quando estaduais, encontram-se sob o
controle de um governo unificado como o federal, isto é, transformado todo ele em uma só
repartição, com serviços à parte e centrais de pessoal e material, o que torna impossível a
administração individual de cada escola” (TEIXEIRA, 1956a, p. 8).
Pouco importava o número das escolas. Teixeira (1956a, p. 9) ressaltava que na
década de 1950 todas as escolas “deveram ter o máximo de autonomia, sendo a sua unidade
não imposta, embora resultado de ideias, conhecimentos e práticas comuns”. Nessa unidade
haverá todas as diversificações, segundo as circunstâncias de tempo, lugar e pessoa. As
escolas, segundo Teixeira (1956a, p. 10) “só voltarão a ser vivas e humanas quando se
libertarem de todas as centralizações impostas e quando seu professorado e pessoal a ela
pertencerem, em quadros próprios da escola”, participando de todas as suas decisões e
assumindo todas as responsabilidades. Teixeira ainda destaca que a educação e a escola são
vítimas:
[...] por motivos de expediente, pois o órgão local seria mais eficiente do que o
órgão estadual, distante na gerência da escola; por motivos sociais, pois assim
melhor se caracteriza a natureza local da instituição e o seu enraizamento na cultura
local; e ainda por motivos econômicos, pois isto permitiria a adaptação da escola aos
níveis econômicos locais (TEIXEIRA, 1956b, p. 15).
companhia de outros para o trabalho ou o recreio” (TEIXEIRA, 1958, p. 22). O autor conclui
sua observação ressaltando que “as escolas devem e precisam ser de tempo integral para os
alunos e servidas por professores de tempo integral” (1958, p 22).
No mesmo artigo, Teixeira descreve que na fase de desenvolvimento que vem
entrando o Brasil (década de 1950), “a educação deixa de ser o tema sentimental de vagos
idealistas para se fazer uma das necessidades do seu povo. O dever do governo é o dever de
oferecer ao brasileiro uma escola capaz de lhe dar a formação fundamental ao seu trabalho
comum” (1958, p. 23). Com isso, a escola primária que irá dar ao brasileiro esse mínimo
fundamental de educação não é uma escola preparatória para estudos posteriores. “A sua
finalidade é, como diz o seu próprio nome, ministrar uma educação de base, capaz de habilitar
o homem ao trabalho nas suas formas mais comuns” (TEIXEIRA, 1958, p. 23). Ela é que
forma o trabalhador nacional em sua grande massa.
Observamos que Anísio Teixeira privilegiava o uso das verbas públicas para escolas
públicas e buscava ampliar a influência da escola primária sobre o aluno, aumentando em um
ano a escolaridade gratuita nesse nível de ensino. Essas propostas acabaram “irritando os
líderes católicos que viam na sua atuação uma verdadeira ‘desagregação nacional’ através de
uma velada e sutil restrição aos interesses da Igreja e de suas ‘legítimas aspirações
confessionais’, como esbravejava o deputado Fonseca e Silva em diversas acusações”
(NUNES, 2000, p. 116).
A atuação de Anísio Teixeira instaurou uma polêmica nacional que incorporou ao
debate vários segmentos da sociedade e poderes públicos em prol ou contra os interesses da
escola pública.
Toda a irritação de Fonseca e Silva contra Anísio Teixeira estava sendo utilizada pelos
proprietários de escolas particulares, que se manifestaram contra atitudes e atos concretos de
constrangimento à iniciativa privada quando esta “dilapidava os cofres públicos”. Anísio
Teixeira expressava o propósito claro e deliberado de, “a partir do seu raio de atuação, não
privilegiar qualquer iniciativa desse tipo no âmbito educacional, muito menos o benefício
discriminado de uma religião particular” (NUNES, 2000, p. 117).
Por fim, ao longo do trabalho, mostramos as dificuldades que Anísio Teixeira sofreu,
como administrador do ensino, pelo confronto que travou com a Igreja Católica. Em parte,
isso se devia a sua prática como pensador liberal. Também, isso acontecia, porque Anísio
Teixeira era um estrategista que usou a força do inimigo (Igreja) para provocar medidas
concretas na direção da expansão e da qualidade de uma formação pública para todos os
brasileiros. Polemizar contra a Igreja era acionar não só a opinião pública, mas os órgãos
108
educação que, baseando-se no respeito aos direitos e à dignidade da pessoa humana, “prepare
o indivíduo para as liberdades essenciais, em um regime democrático e popular que lhe dê o
culto à liberdade e a compreensão de suas responsabilidades” (1946, p. 154). Segundo
Azevedo, democracia, para existir, deve começar pelo povo, com isso, a educação deve
proporcionar igualdade de oportunidade para todos e,
[...] a nossa educação deve ser mais científica do que literária, e visar tanto à cultura
de uma elite, na extrema variedade de seus quadros científicos, técnicos, e artísticos,
como ao melhoramento das massas trabalhadoras, urbanas e rurais. Sem a cultura
científica e técnica em todas as especialidades, não poderemos reencontrar o sentido
de nosso destino e a oportunidade única, que nos abriram as duas guerras mundiais,
para a reconstrução educacional (1946, p. 158).
Para isso acontecer de fato, era preciso que a educação propagasse, por todos os
meios, “o valor das ciências de observação e uma concepção otimista de trabalho, atividade
superior do homem, seja qual for à forma pela qual se apresente, intelectual ou de base
manual e mecânica, e aceite como reivindicação legítima a conquista da alegria no trabalho, e
no trabalho em comum, que é a primeira experiência de um acordo pelo objeto” (AZEVEDO,
1946, p. 161).
Em relação à educação primária, Fernando de Azevedo, defendia que “não foi dado o
impulso que é necessário, ainda nos Estados com mais recursos, nem foram fixadas as
diretrizes de uma política nacional de educação. À escola primária cabe um papel importante
na luta não somente contra as ideologias totalitárias, mas contra os males e tendências que se
deve corrigir” (AZEVEDO et al., 2010, p. 24). Diante disso, Azevedo et al. (2010, p. 25)
afirma que “a organização da educação primária deve ser bastante flexível para permitir às
escolas se adaptarem, na sua estrutura e nos seus meios de trabalho, às particularidades de
regiões muito diferentes”.
Também Fernando de Azevedo defendia que, nos Manifestos de 1932 e 1959, a
educação surgia como um processo social, e na base do desenvolvimento de seus princípios
tinha como plano, “uma consciência profunda das transformações que o poder crescente da
indústria oferecia, portanto, o ponto de vista sociológico”, que considerava um fato de
estrutura social as transformações consequentes no sentido e na organização das instituições
pedagógicas.
110
É desse ponto de vista sociológico que aí se estuda a posição atual do problema dos
fins da educação; é ele que nos fez encarar a educação como “uma adaptação ao
meio social”, um processo pelo qual o indivíduo “se penetra da civilização
ambiente”; é ele ainda que nos levou a compreender e a definir a posição da escola
no conjunto das influências cuja ação se exerce sobre o indivíduo, envolvendo-o do
berço ao túmulo. Mas, essa consciência largamente compreensiva da multiplicidade
dos fatores sociais que intervém no desenvolvimento da crença, “socializando-a
progressivamente”, por isso mesmo que dá uma noção nítida do papel da escola na
sociedade, cria a consciência da necessidade de se alargar continuamente o campo
da escola (das influências diretas ou mediatas), para contrabalançar as que se
exercem fora de toda a intervenção consciente dos órgãos especiais de educação
(AZEVEDO et al., 2010, p. 26-27).
Para iniciar a discussão desse tópico, utilizaremos o texto de Zaia Brandão (2002)
intitulado Paschoal Lemme, Marxista e Pioneiro da Educação Nova 43. O que é importante
assinalar é que as gerações de educadores que se formaram a partir de meados da década de
1950 desconheciam o educador Paschoal Lemme 44. Era o período em que se ouvia falar muito
de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e outros educadores com quem Paschoal Lemme já
43
Capítulo 4 do livro organizado por Marcos Cezar Freitas. Memória intelectual da educação brasileira. 2.ed.
Bragança Paulista: EDUSF, 2002. p. 41-53.
44
Paschoal Lemme nasceu no Rio de Janeiro em 1904. Foi um importante educador brasileiro, responsável por
inovar a visão sociológica da educação e o papel da escola dentro da sociedade. Faleceu no Rio de Janeiro em
1904.
112
Também, Paschoal Lemme (2004, p. 105) defende que a “instrução pública é uma
conquista da história, que deve ser sempre e cada vez mais ampliada e não restringida ou
ameaçada por manobras sectárias medievais”. Concordamos com Lemme (2004, p. 105),
quando o educador coloca que a instrução pública gratuita é “dever do Estado democrático e
direito do cidadão que paga impostos e que precisa ser formado para a cidadania e para a vida
profissional, em seu próprio benefício e da comunidade”. Em matéria de ensino, o que mede o
grau de extensão da democracia existente num determinado Estado é o esforço que esse
45
Esse Manifesto, concebido e redigido por Paschoal Lemme com a colaboração de Valério Konder (médico
sanitarista e militante do Partido Comunista) era pouco conhecido pelos educadores. A educação passa a ser
percebida como fenômeno da superestrutura que, como tal, em linguagem marxista, não teria a autonomia que o
Manifesto dos Pioneiros a ela conferia. Embora reconhecesse a necessidade e importância do trabalho de
renovação e modernização do ensino proposta e implementada pelas inúmeras reformas de ensino das décadas de
1920 e 1930, Paschoal Lemme passou a ver mais, a questão da educação como uma questão política; a
organização da sociedade civil enquanto força política era, para ele, condição indispensável para a transformação
da sociedade e para a viabilização do projeto pioneiro de uma educação aberta a todos (BRANDÃO, 2002, p.
45).
113
Entre o final de janeiro e início de fevereiro de 1960, Florestan escreveu mais uma
série de artigos no mesmo jornal, intitulados “Em defesa da escola pública”. Neles
discutia uma série de questões relacionadas com o papel do Estado Democrático em
face da educação particular, aos deveres do Estado em matéria de ensino e quanto à
gestão dos recursos públicos. Nas três principais colocações feitas, procurava
esclarecer aquelas questões, bem como combater os argumentos dos seus
adversários, que, segundo ele, seriam de má fé (2002, p. 94-95).
46
Florestan Fernandes nasceu em São Paulo em 22 de junho de 1920. Sempre defendeu a escola pública e a
educação em geral, destacando-se no debate do projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
promulgada em 1961. Faleceu em 10 de agosto de 1995.
114
Diante disso, Oliveira (2010, p. 44) coloca que “o objetivo de Florestan Fernandes era
conscientizar a população brasileira sobre os problemas educacionais, por meio do exercício
legítimo da pressão política em artigos de jornais, assim como em conferências em sindicatos
e igrejas”. E acrescenta que a mensagem, em resumo, era uma só: “a relevância da
democratização do ensino como mecanismo de abolição das barreiras que restringem o uso da
educação para a manutenção dos privilégios sociais” (OLIVEIRA, 2010, p. 46). Florestan
Fernandes fez isso atravessando diversas dimensões da realidade, “sintetizando aspectos
micro e macrossociológicos, permitindo um entendimento do campo educacional como uma
síntese entre a sociedade, o sistema escolar e o plano pedagógico” (OLIVEIRA, 2010, p. 47).
Outro trabalho que trata sobre a trajetória de Florestan Fernandes na defesa da escola
pública é a dissertação de mestrado de Cristiane Silva Mélo (2009), intitulada Estado e
Educação pela imprensa: o debate de Florestan Fernandes ante a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (1959-1961), onde a autora coloca que “o Estado era o órgão
importante no incentivo ao desenvolvimento científico brasileiro. Esta foi à bandeira
116
levantada por muitos educadores nas discussões dos problemas educacionais brasileiros em
meio às discussões sobre a LDB” (MÉLO, 2009, p. 60). Também, achamos importante, diante
do que já foi discutido, assinalar que, na sociedade, as discussões sobre os deveres do Estado
para com a oferta do ensino nacional vinham sendo destacadas desde a apresentação do
projeto de lei elaborado pela comissão de especialistas e pela iniciativa do Ministro Clemente
Mariani, em 1948.
No final da década de 1950, o movimento de Defesa pela Escola Pública teve como
centro de irradiação a Universidade de São Paulo e obteve a participação de estudantes, em
especial alunos dos cursos de Pedagogia e Ciências Sociais, que se organizaram de modo a
estudar, debater e propagar o movimento. A campanha teve por princípio a defesa do ensino
público, em contraposição ao projeto substitutivo (Carlos Lacerda) em discussão no
Congresso Nacional que defendia a escola privada.
Florestan Fernandes destacava ser necessária a efetivação do Estado-educador,
enquanto instituição mantenedora de um ensino público e gratuito para toda a população. “Era
preciso que a ação mínima do Estado, na resolução de problemas referentes ao ensino
nacional, se convertesse em ativa participação no desenvolvimento e na organização da
instrução pública” (MÉLO, 2009, p. 70). Desse modo, Fernandes apontou “o Estado como
responsável pelo ensino público e pela oferta de uma educação de qualidade à população”
(MÉLO, 2009, p. 71). Ressaltamos que a ação do Estado para com a oferta da educação
geralmente é entendida como um modo de garantir aos indivíduos acesso ao conhecimento
científico, elaborado social e culturalmente.
Outra questão importante no debate da presente dissertação, diz respeito à destinação
das verbas para o ensino público. Sobre isso, Florestan Fernandes lutou bastante, ao
considerar que o Estado deveria assumir sob sua responsabilidade a destinação das verbas
para a escola pública e garantir uma educação de qualidade para toda a população brasileira.
Empenhou-se na defesa de um ensino de caráter público e democrático, causa hasteada nas
diversas atividades de que participou durante a época em que tramitava no Congresso o
Projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A Campanha em Defesa do
Ensino Público contou com a participação de muitos intelectuais e educadores das mais
diversas áreas do conhecimento na defesa de uma educação de caráter público para a
sociedade. Fernandes aliou-se aos educadores em prol da causa do ensino público, em
contraposição aos princípios de liberdade de ensino proposto pelo substitutivo Lacerda.
117
A educação pública era, na concepção dos signatários, o meio mais propício à oferta
de educação para todos. Esta era a condição para a oferta de uma educação
democrática a ser disponibilizada não apenas à elite, mas também às classes
populares. A instrução pública poderia alcançar todos os indivíduos,
independentemente da “raça”, “religião” ou “situação econômica”. A ação do Estado
em subvencionar os estabelecimentos particulares, defendida pelos signatários da
campanha, era importante para a efetivação de uma educação de qualidade pelo viés
do ensino privado. De acordo com Fernandes, eles não eram contrários à expansão
das escolas particulares, mas a favor da qualidade da educação, em todos os níveis e
modalidades, a ser ofertada à população brasileira (MÉLO, 2009, p. 81-82).
Com isso, o Estado visava uma educação pública universal, obrigatória e gratuita em
todos os graus e integral para assegurar o maior desenvolvimento das capacidades físicas,
intelectuais e artísticas de cada criança, adolescente ou jovem. “Uma educação fundada na
liberdade, no respeito da pessoa, com uma disciplina consciente que fortaleça o amor à pátria,
o sentimento democrático, a responsabilidade profissional e cívica, a amizade e a união entre
os povos” (SANFELICE, 2007, p. 548). Também se deseja a formação de homens
desenvolvidos, do seu tempo, que sejam capazes e empreendedores.
O Manifesto de 1959 é progressista ao denunciar o Brasil tradicional, rural, religioso e
de baixos índices de escolaridade. Uma denúncia coerente, que juntava os sujeitos históricos
que se posicionavam em favor da modernização pela via do desenvolvimento urbano-
industrial capitalista e o processo civilizatório que ele implica, desde os anos de 1930. “É
também progressista ao reapresentar os ideais e valores de certo núcleo do liberalismo
clássico, exatamente nos aspectos em que este havia se tornado revolucionário face à antiga
sociedade feudal” (SANFELICE, 2007, p. 549).
O projeto educacional reivindicado pelo Manifesto de 1932, reconfirmado e atualizado
pelo Manifesto de 1959, traduz o embate do velho com o novo sem que se saísse da lógica
capitalista de ampliação das relações capitalistas locais. Se o nacional desenvolvimentismo e
as práticas políticas populistas marcaram fortemente aquela conjuntura, de alguma forma
também condicionaram o alcance da visão histórica de muitos sujeitos contemporâneos a eles.
No que diz respeito à educação, os argumentos do Manifesto de 1959 em defesa da escola
pública continuam importando para cá os ideais das sociedades capitalistas mais avançadas e
a lógica burguesa, que atribui ao Estado republicano laico o papel de educar o cidadão
trabalhador para a sociedade industrial.
O pensamento social que permeava aquele grupo tão heterogêneo, na versão mais
restrita de 1932 ou na versão mais ampliada de 1959, era um pensamento portador de uma
unanimidade: “a escola pública (a res pública) tinha no Estado seu lugar de administração”
(FREITAS, 2005, p. 176). Isso quer dizer que o Estado, de certa forma, na visão de Freitas,
121
era constantemente representado como “apogeu das superações históricas que a sociedade
brasileira havia realizado e, ao mesmo tempo, como porta de entrada num universo capaz de
recriar a sociedade brasileira pelo avesso, o que quer dizer, no sentido da predominância do
interesse público sobre o privado” (2005, p. 177).
O Manifesto de 1932 fazia coro com uma argumentação convencida do caráter
inconcluso da República e, ainda que com contradições, sinalizava que a disseminação da
escola pública deveria ser considerada o dado ausente, a lacuna a ser preenchida. Já o
Manifesto de 1959 destacava a proclamação mais veemente das obrigações governamentais
relacionadas à escola, conservava o mesmo “lamento diante das mesmas lacunas ainda não
preenchidas” (FREITAS, 2005, p. 178). Os dois Manifestos, “revelavam a vulnerabilidade
com o qual o tema escola pública estava posicionado nas rubricas orçamentárias, nos
parágrafos jurídicos normativos, nos púlpitos e palanques e nos ‘chamamentos à nação’”
(FREITAS, 2005, p. 178).
Diferentemente de 1932, o Manifesto de 1959 não se preocupou com questões
pedagógico-didáticas. Admitindo válidas as diretrizes escolanovistas, de 1932, esse
documento tratou de questões gerais de política educacional. O Manifesto de 1959 não foi
favorável ao monopólio de ensino pelo Estado, como quiseram fazer crer à opinião pública e
os defensores do ensino privado. Pelo contrário, foi favorável à existência das duas redes,
pública e particular; mas propôs que as verbas públicas servissem somente à rede pública e
que as escolas particulares se submetessem à fiscalização do Estado.
O Manifesto de 1932 defendia que a educação estava vinculada à filosofia de cada
época, “a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e
sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada
para uma concepção vencida” (1932, p. 40). O documento acrescenta que a educação nova
assume sua verdadeira função social, preparando-se para formar “a hierarquia democrática”
pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos os grupos sociais, a quem se abrem as
mesmas oportunidades de educação. A educação nova se propõe a servir não aos interesses de
classes, mas aos interesses do indivíduo, que se funda sobre o princípio da vinculação da
escola com o meio social.
Nos termos do Manifesto de 1932, a consciência de princípios fundamentais como a
laicidade, gratuidade e obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, penetrou
profundamente os espíritos, como condições essenciais à organização de um regime escolar
lançado em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação do ensino,
com todas suas consequências. Acrescenta o documento que subordinada a educação pública
122
a interesses transitórios, será impossível ao Estado realizar a imensa tarefa que se propõe da
formação integral das novas gerações. Segundo o Manifesto:
Esses investimentos na educação pública não podem reduzir-se às verbas que, nos
orçamentos, são consignadas a esse serviço público e, por isso, sujeitas às crises dos erários
do Estado ou às oscilações do interesse dos governos pela educação.
Cada escola deveria reunir em torno de si, segundo o documento de 1932, as famílias
dos alunos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação;
constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relações constantes com as escolas;
utilizando, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e
despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os
pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições interessadas na obra da
educação.
Por outro lado, o Manifesto de 1959 coloca que são muito diversas as circunstâncias
que refletem este novo documento. O Manifesto descreve que não seria negado nenhum dos
princípios de 1932, tanto que este poderia ser pensado e escrito nos dias atuais (contexto do
final da década de 1950). Na verdade, o Manifesto de 1959 era favorável à educação
democrática, à escola democrática e progressista que tinha “como postulados a liberdade de
pensamento e a igualdade de oportunidades para todos” (1959, p. 71).
Um aspecto que chama atenção no Manifesto de 1959 é a denuncia de que “ultrapassa
de 50% da população geral o número de analfabetos no país e que, de uma população em
idade escolar (isto é de 7 a 14 anos) de 12 milhões de crianças, não frequentam a escola
menos da metade” (1959, p. 72). Continua o documento que devido à expansão quantitativa
da escola, houve um rebaixamento de nível ou qualidade do ensino. Também, o Manifesto
(1959, p. 73) aponta que “seria o excesso de centralização; o desinteresse, ou conforme alguns
casos, a intervenção da política; a falta de espírito público, o diletantismo e improvisação
123
conjugaram-se, nesse complexo de fatores, para criarem a situação a que chegou a educação”.
Não foi o sistema de ensino público que falhou, na visão do Manifesto, mas os que deviam
prover a expansão, aumentar o número de escolas na medida das necessidades e segundo
planos racionais, prover as suas instalações e preparar cada vez mais os professores,
aparelhando estes com recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas diversas
atividades.
É possível constatar que o texto do Manifesto de 1932 além de político, também
trabalhava os conceitos pedagógicos, tendo como caminho a filosofia e a ciência. Por outro
lado, o Manifesto de 1959 restabeleceu o assunto pendente do Manifesto de 1932, refletiu sua
indignação com o embargo das Diretrizes e Bases de 1948 e partiu em defesa dos princípios
há muito defendidos. A finalização dada ao Manifesto de 1932 reforça a proposta inicial de
reconstrução da educação. Por outro lado, Fernando de Azevedo fez um retrospecto de todo o
contexto, retomou a questão da filosofia e da ciência e abordou as dificuldades que seriam
enfrentadas para redigir o Manifesto de 1959.
Por fim, no Manifesto de 1959, a industrialização foi apontada como responsável pela
transformação da economia, processando também mudanças no ensino. Essa situação
colaborou com a necessidade de uma escola subsidiada pelo Estado, “universal, obrigatória e
gratuita, possibilitando assim, um governo amplo com a participação de todos e não só das
elites” (BEDIN, 2011, p. 87). No entanto, a oposição conservadora representada por Carlos
Lacerda, tentaria impedir essa reforma. Segundo o Manifesto de 1959, seria um retrocesso,
um “retorno à Idade Média”. Novamente a questão das escolas particulares subsidiadas pelo
governo foi contestada e acusada de mercantil pelos signatários de 1959.
Também, ressaltamos que o referido documento foi publicado em vários jornais49, no dia 1º
de julho de 1959.
O Manifesto de 1959 foi destacado pelos signatários como o marco de uma nova etapa
do movimento de reconstrução educacional. As defesas se voltaram para a educação integral,
universal, laica, obrigatória e gratuita, necessária à formação para o trabalho e para a
cidadania e de um ensino público. Observamos o que diz o Manifesto em relação ao ensino
público e sua função:
49
O Manifesto foi publicado, pela primeira vez, no jornal O Estado de São Paulo e, simultaneamente no jornal
Diário do Congresso Nacional. Posteriormente, foi reproduzido pelo jornal Diário do Congresso Nacional e
pelo Jornal do Comércio, ambos do Rio de Janeiro, bem como pelo Boletim do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais de São Paulo e pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (MÉLO, 2009, p. 90).
125
[...] é praticamente uma larga ofensiva para obter maiores recursos do Estado, do
qual se reclama, não aumentar cada vez mais os meios de que necessita o ensino
público, mas dessangrá-lo para sustentar, com o esgotamento das escolas que
mantem, as de iniciativa privada. O grave documento a que acima nos referimos,
“apresenta, de fato, como suas linhas mestras (nas palavras, insuspeitas e
autorizadas, d” “O Estado de S. Paulo) estes três princípios fundamentais: 1) o
ensino será ministrado sobretudo pelas entidades privadas e, supletivamente, pelo
poder público; 2) o ensino particular não será fiscalizado pelo Estado; 3) o Estado
subvencionará as escolas privadas, a fim de que estas possam igualar os
vencimentos dos seus professores aos dos professores oficiais. É, como se vê
(conclui o grande diário), a instituição no Brasil, do reinado do ensino livre: livre da
fiscalização do Estado, mas remunerado pelos cofres públicos” (1959, p. 79).
[...] não foi, portanto, o sistema de ensino público que falhou, mas os que deviam
prever-lhe a expansão, aumentar-lhe o número de escolas na medida das
necessidades e segundo planos racionais, prover às suas instalações, preparar-lhe
cada vez mais solidamente o professorado e aparelhá-lo dos recursos indispensáveis
ao desenvolvimento de suas múltiplas atividades. As aperturas financeiras em que
sempre se debateu o conjunto educacional, na variedade de suas instituições, não
podiam deixar de poderosamente contribuir para embaraçar, retardar senão tolher os
seus progressos (1959, p. 83).
Muito deveria ser feito para melhorar a educação do país, que tinha que “estar atenta
às necessidades sociais do momento, acompanhar as mudanças que ocorriam na sociedade,
como os avanços tecnológicos, que exigiam novos paradigmas” (MANIFESTO, 1959, p. 84).
Para isso acontecer, era preciso que o Estado assumisse o papel de mantenedor do ensino de
efetivação de reformas significativas. Além disso, o Estado deveria garantir a permanência
dos alunos nas escolas, que era outro grave problema que o sistema de ensino público
brasileiro enfrentava.
Diante do que já foi colocado, percebemos que, segundo o Manifesto, algumas
modificações já haviam acontecido, como, por exemplo, a expansão quantitativa do número
de escolas primárias no Brasil. O Manifesto (1959, p. 85), coloca que os signatários
destacaram a necessidade de mudanças mais intensas em outros níveis de ensino, como, por
exemplo, “no ensino secundário, que preparava os estudantes para adentrarem as instituições
superiores e ofertava alguns cursos técnicos necessários para a qualificação profissional”. Os
signatários apontavam que o ensino secundário possuía problemas na sua organização e
condições de acesso no país; além disso, “contava com poucos investimentos do governo para
sua ampliação e desenvolvimento” (MANIFESTO, 1959, p. 85). Como o Estado não atribuía
muito interesse às reformas no ensino secundário, modificações em seu âmbito não eram
prioritárias.
A liberdade de ensino foi destacada pelo substitutivo Lacerda, com base na expressão
de livre iniciativa dos estabelecimentos privados em promover a educação para todos. Essa
ideia foi rebatida pelos signatários no Manifesto que, “afirmaram ser necessária à ação do
127
Estado na definição da organização do ensino nacional, não sendo esta uma atitude que
monopolizaria o ensino, mas, que, antes de tudo, iria assegurar a oferta de um ensino de
qualidade” (MANIFESTO, 1959, p. 86). O Estado oportunizava condições para a livre
iniciativa de oferta e expansão da rede privada, e não impedia o desenvolvimento da educação
particular no país. Em relação a esse assunto, os educadores tinham a seguinte opinião:
[...] a educação pública por que nos batemos, ontem como hoje, é a educação
fundada em princípios e sob a inspiração de ideais democráticos. A ideia da
educação pública, - conquista irreversível das sociedades modernas; a de uma
educação liberal e democrática, e a educação para o trabalho e o desenvolvimento
econômico e, portanto, para o progresso das ciências ser da técnica que residem à
base da civilização industrial, são três teses fundamentais defendidas por educadores
do mundo inteiro (1959, p. 89).
Com isso, era preciso que a educação seguisse a direção da evolução de mudanças que
ocorriam na sociedade brasileira. O mundo (lembrando que se trata das décadas de 1950 e
128
A educação pública tem de ser, pois, reestruturada para contribuir também, como lhe
compete para o progresso científico e técnico, para o trabalho produtivo e
desenvolvimento econômico. A reivindicação universal da melhoria das condições
de vida, com todas as suas implicações econômicas, sociais e políticas, não pode
permanecer insensível ou mais ou menos indiferente à educação de todos os graus
(MANIFESTO, 1959, p. 91).
Os signatários também destacaram que, “ao invés de proporem uma legislação e ações
que assegurassem a superação dos problemas existentes no ensino brasileiro e,
consequentemente, a qualidade da educação nacional, evidenciavam-se debates que nada
contribuíam para a definição de um sistema de ensino eficaz” (MANIFESTO, 1959, p. 91).
Observamos, ao longo desse tópico, que para os signatários do Manifesto de 1959, a
liberdade de ensino no substitutivo de Carlos Lacerda colocava em risco as condições
democráticas de acesso à educação no Brasil. A oferta do ensino público da parte do Estado
conduzia a maiores oportunidades de educação para o povo brasileiro. Era preciso que o
Estado “se atentasse à importância do desenvolvimento da instrução pública no país e à
necessária efetivação da democracia no âmbito educacional para o ingresso da população em
instituições educativas” (MANIFESTO, 1959, p. 92). Ao contrário do Brasil, outros países
valorizavam a conquista da democracia e da expansão de acesso ao ensino público no país. O
substitutivo ainda, “prejudicava a concretização da educação democrática no país, já que o
129
direcionamento de verbas do Estado para a manutenção de escolas privadas não era garantia
da efetivação do princípio de educação para todos” (MANIFESTO, 1959, p. 92).
A educação para todos os brasileiros iria se concretizar através do ensino público, que
deveria ser responsabilidade do Estado. Este deveria zelar pelo ensino gratuito para que todos
os indivíduos pudessem ter acesso à educação. Assim, o ensino gratuito e laico, seria a
condição para o estabelecimento de um ensino democrático. A organização do sistema
nacional, também deveria encaminhar-se para assegurar esse princípio.
Por fim, encerramos o capítulo defendendo que o ensino público deveria ser
assegurado pelo Estado por ser o único meio que permitiria maiores condições democráticas
de acesso à educação para o povo brasileiro. Por ter sido concebido como gratuito e de
iniciativa estatal, o ensino público havia sido criado para atender a todos os cidadãos
brasileiros. A democratização na sociedade passaria pela democratização dos meios de acesso
ao ensino, necessário à formação do indivíduo para a vida em sociedade.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estado abriu espaços para a iniciativa particular atuar no âmbito da educação. Os limites da
atuação do Estado em garantir educação para todos foi um dos pontos fortemente criticados
pelos dois Manifestos, especialmente o de 1932.
Outra questão que tratamos na dissertação e merece aqui uma reflexão final são as
Constituições Federais de 1934, 1937 e 1946. O estudo das Constituições é um tema relevante
para refletirmos sobre a política educacional brasileira. As Cartas são documentos escritos
para serem divulgados e incorporados à vida pública. São resultados de embates políticos
sobre temas centrais da sociedade brasileira e refletem interesses e projetos distintos, razão
pela qual o consenso final é sempre precário.
É importante assinalar que a presença ou ausência da educação nas Constituições
brasileiras evidencia seu grau de importância ao longo da história. Nas duas primeiras
Constituições Federais (1824 e 1891), as referências são restritas, ilustrando a relevância para
a sociedade do período, caracterizada pelo regime monárquico e pela escravidão. Com o
aumento da demanda por acesso à escola, a presença de artigos relacionados com o tema
educação cresce bastante nas Constituições posteriores (1934, 1937 e 1946).
As Constituições perpassam a produção das políticas públicas no âmbito do Estado.
Assim, se em 1934 ideias liberais aparecem na Constituição, em 1937 o movimento é no
sentido inverso. Por outro lado, em 1946, as ideias reformistas voltam a permear o conjunto
das Constituições.
Enfim, as Constituições Federais expressam esses desejos de reforma, apontando
caminhos. Ao mesmo tempo, reforçam privilégios de grupos que fazem valer seus interesses
junto ao Legislativo, como foi, por exemplo, o caso do ensino religioso (debate das décadas
de 1930 e 1940) e do ensino particular (debate das décadas de 1950 e 1960). Com isso, a
reflexão sobre esses discursos permite apreciar o contraditório movimento da educação,
enquanto um valor que passa a juntar-se aos anseios da população sem, contudo, oferecer a
cidadania plena.
Em relação aos Manifestos de 1932 e 1959, destacamos seu caráter de produto de um
movimento organizado por educadores, cujo compromisso centrava-se na elaboração de uma
leitura científica, política e social da educação. Por exemplo, a denúncia feita pelo redator dos
dois Manifestos, Fernando de Azevedo, de o Brasil não ter criado um aparelho de cultura e da
inexistência de uma visão orgânica e sistêmica da problemática educacional exigia a busca de
um novo caminho: perceber a educação dentro de uma sociedade em movimento na qual, por
exemplo, processos como os de urbanização e de industrialização estavam ligados à procura
de uma identidade político-educacional.
132
de fato, como a verdadeira escola que iria tornar o Brasil mais democrático, mais igualitário e,
principalmente, daria oportunidade para toda a população poder estudar, garantindo uma
educação pública de qualidade para todos. Na verdade, a escola defendida pelos dois grupos
em conflito, destinava-se a adequar os indivíduos a determinados papeis no interior de uma
sociedade desigual. Afinal, em uma sociedade marcada pelas relações capitalistas, a educação
não deixa de ser uma mercadoria.
É preciso deixar claro que as opiniões expressas nas páginas, tanto da Revista Vozes,
quanto da Revista Anhembi, não fogem do que os editores também pensavam. Todos os
artigos, antes de serem publicados, passavam pelas mãos dos redatores. Quando estes artigos
eram publicados, não tratavam apenas da opinião do autor, mas do editor e de todo o grupo
que naquele momento era por eles representado.
Outra questão que devemos comentar em relação às Revistas é sobre o público alvo
que estas atingiam. A Revista Vozes servia para disseminar as ideias católicas, entre
integrantes do clero católico e, sobretudo, intelectuais que defendiam o posicionamento da
Igreja Católica. Por outro, lado a Revista Anhembi tinha como público alvo a elite paulista e
intelectuais que se posicionavam contra os ideais defendidos pela Igreja.
Nesse ambiente de discussão é que se deu o debate da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação de 1961. Os assuntos principais tratados nos artigos das Revistas dizem respeito ao
embate entre os defensores das escolas públicas e os defensores das escolas privadas. Todas
estas discussões eram possíveis graças ao ambiente em que o Brasil vivia nesse período. Após
o fim do Estado Novo (1945), o Brasil entrou em um momento democrático (1945-1964).
O período entre o final da década de 1950 e o início da década de 1960 insere-se na
época em que a primeira legislação específica para a organização do ensino brasileiro estava
sendo elaborada, discutida e depois sancionada. Naquele momento, até 1961, a Constituição
Federal de 1946 era a única lei básica para o regimento e a manutenção do ensino. No campo
das políticas educacionais, queria-se uma legislação que, considerando a Constituição,
assegurasse os princípios que iriam nortear a organização de um sistema único de ensino no
Brasil, ao determinar ações para a organização da estrutura curricular, de um Plano Nacional
de Educação e conteúdos escolares das instituições educativas.
Para os signatários do Manifesto de 1959, o Estado podia estimular a iniciativa de
entidades particulares, mas deveria, por princípio, assegurar o cumprimento do dever de
manter o sistema de ensino nacional e disponibilizar recursos para que os problemas que
emperravam o desenvolvimento do ensino público fossem sanados. Os intelectuais do
Manifesto defenderam um ensino público, baseado em preceitos democráticos. Levantaram a
134
privada. Estes que defendiam tais ideais alegavam que as escolas privadas estariam em
condições melhores de atender as camadas mais pobres da população brasileira.
Em relação à LDB de 1961, no texto final, as questões do provimento à educação
(verbas) e da fiscalização das escolas (traduzidas na composição de Conselhos de Educação),
da forma como foram concluídas, deram bastante espaço à iniciativa privada. Concluímos que
essa lei favoreceu a representação das escolas particulares e deixou lacunas no sentido da
fiscalização desses estabelecimentos.
Na visão dos signatários, o Estado Democrático estava em formação na sociedade. Era
o agente principal na tarefa de garantir a democracia nos diversos setores da sociedade
brasileira. O Estado Democrático, no âmbito da educação, tinha a grande missão de assegurar
o ensino público e estabelecer e reconhecer seus limites quanto à manutenção do ensino de
iniciativa privada. Os signatários destacaram a necessidade de defesa da constituição de um
Estado Democrático na sociedade brasileira, e, segundo eles, a população não podia se
posicionar de modo indiferente às ameaças ao desenvolvimento desse agente político. Sendo
assim, seus benefícios para com a instrução nacional deveriam ser levados em consideração e
almejados.
O Estado brasileiro converter-se-ia em Estado Educador, na medida em que visasse e
assegurasse a expansão e manutenção do ensino na sociedade. Isso significa, por parte do
Estado, maior participação nas decisões e efetivação de reformas no campo educacional, de
maneira que mobilizasse esforços em prol da organização do ensino e de seu sistema nacional.
Era preciso a ampliação do número de escolas no país para a oferta de educação democrática
à população. O Estado Educador tinha por responsabilidade zelar pelas condições
democráticas no âmbito da educação.
Buscou-se, na dissertação, discutir um dos temas que perpassa a história da educação
brasileira e ainda se faz muito presente nas políticas educacionais. A importância de colocar
em pauta essa discussão se justifica por dois motivos: primeiro, a dificuldade de o Estado
brasileiro assumir a defesa de interesses efetivamente públicos, e segundo, a dificuldade de
pensar o conceito de público não apenas do ponto de vista de financiamento, mas de
compromissos da educação com a sociedade brasileira.
No Manifesto de 1959 há uma posição clara na defesa da escola pública e no papel do
Estado em relação à educação. No entanto, em nenhum momento discute-se o papel do Estado
numa sociedade de classe e as opções de políticas públicas que decorrem desses
compromissos de classe. Esse é um limite do Manifesto, mas compreensível de acordo com as
diferenças de ideias entre os seus signatários. Por exemplo, as posturas de Anísio Teixeira,
136
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