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Por uma política de formação


do magistério nacional:
o Inep/MEC dos anos 1950/1960
Por uma política de formação
do magistério nacional:
o Inep/MEC dos anos 1950/1960
Ana Waleska Mendonça
Libânia Nacif Xavier
(Organizadoras)

Brasília-DF
Inep
2008
© Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
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Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960 /
Ana Waleska Mendonça, Libânia Nacif Xavier, organizadoras. – Brasília : Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008.
260 p. (Coleção Inep 70 anos, v. 1)

ISBN 978-85-86260-85-8

1. História da educação. 2. Política educacional. 3. Teixeira, Anísio. 4. Centro Brasileiro


de Pesquisas Educacionais (CBPE). I. Mendonça, Ana Waleska. II. Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

CDU: 354.32 “1950/1960"


Sumário

Apresentação ................................................................................................ 7
Ana Waleska Mendonça e Libânia Nacif Xavier

Prefácio ....................................................................................................... 13
Alzira Abreu

1 O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960) ................ 19


Ana Waleska Mendonça
Libânia Nacif Xavier

2 Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio:


entre relatórios, decretos e manuscritos, a gestão de Anísio
Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964) ................................................. 39
Aristeo Leite Filho
Pablo S. Machado Bispo dos Santos
Fernando Gouvêa

3 “Prezado ministro, querido amigo. Do seu de sempre, Anísio":


fragmentos de correspondências de Anísio Teixeira
(1953-1964) ......................................................................................... 61
Sonia de Castro Lopes
Bernadete de L. S. Strang
Solange Maria Rocha
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

4 “Reconstrução” da escola e formação do “magistério nacional":


as políticas do Inep/CBPE durante a gestão
de Anísio Teixeira (1952-1964) ......................................................... 75
Ana Waleska Mendonça

5 Qualificação de professores em três campanhas do Ministério


da Educação no decênio 1950-1960 .............................................. 127
Libânia Nacif Xavier

6 Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:


uma trajetória bem-sucedida? .......................................................... 145
Diana Couto Pinto

7 A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,


novas condições, novos métodos ..................................................... 179
Vera Lucia Alves Breglia
Cecília Neves Lima

8 A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída:
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960 ............... 213
Miriam Waidenfeld Chaves
Roberta Macedo

9 Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília ........................ 241


Eva Waisros Pereira
Lúcia Maria da Franca Rocha

6
Apresentação
Ana Waleska Mendonça*
Libânia Nacif Xavier**

* Professora do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); coordenadora
da pesquisa O Inep no contexto das políticas do MEC, nos anos 1950/1960.
** Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do Programa de
Estudos e Documentação Educação e Sociedade (Proedes/UFRJ); vice-coordenadora da pesquisa O Inep no contexto das
políticas do MEC, nos anos 1950/1960.
Biblioteca do Centro Regional de Pesquisas Educacionais (CRPE-RS)
Apresentação

O conjunto de textos incluídos neste livro constitui, à exceção dos


dois últimos, um produto coletivo da pesquisa O Inep no contexto das
políticas do MEC, nos anos 1950/1960, que se propôs a estudar a atuação
desse órgão durante a gestão do educador Anísio Teixeira (1952-1964),
com ênfase nas estratégias de intervenção nos sistemas de ensino.
A pesquisa prolongou-se ao longo de cerca de quatro anos, rece-
bendo apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pes-
quisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), e envolvendo um grupo relati-
vamente numeroso de professores e alunos de pós-graduação e graduação
de diferentes instituições universitárias do Rio de Janeiro (a saber, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, Universidade Federal
do Rio de Janeiro - UFRJ, Universidade Federal Fluminense – UFF e Insti-
tuto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro – Iserj).
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep)/Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) já havia
sido objeto das nossas pesquisas, desde os anos 1990, e particularmente a
experiência do CBPE foi o tema central da tese de doutoramento de Libânia

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Xavier, publicada sob a forma de livro em 1999. Nessa nossa primeira


aproximação ao estudo dessa(s) instituição(ões), o foco principal foi a
questão da pesquisa e, especificamente, o que chamamos de uma tradição
de pesquisa, que se constituiu no interior desse Centro, no entrecruzamento
dos campos da educação e das ciências sociais, e cuja memória sofreu um
processo de apagamento tanto num campo, quanto no outro (cf. Men-
donça, Brandão, 1997; Xavier, 1999).
Em um segundo momento, a nossa aproximação a essa instituição
fez-se a partir de outra abordagem. Assumindo como ponto de partida da
pesquisa o caráter híbrido do Inep, desde a sua gênese, buscamos estudá-
lo na sua dimensão mais executiva, enquanto um órgão que teve uma
interferência direta no funcionamento dos sistemas de ensino em âmbito
nacional, e tentando perceber o lugar que ocupava no contexto das polí-
ticas do MEC, ao longo do período em estudo. A pesquisa não só confir-
mou a nossa hipótese inicial da absoluta centralidade que o órgão assu-
miu no encaminhamento das políticas educativas do período (lugar esse
reconhecido, de forma incisiva, pelos seus principais críticos e opositores),
como permitiu-nos evidenciar a configuração, a partir do Inep, de uma
política de qualificação do magistério nacional, por meio da qual se bus-
cava reconstruir a escola comum do homem brasileiro (a escola pública
primária redefinida e ampliada, articulada à escola média democratizada).
Tal política era, a um só tempo, nacional, porque empenhava, por inter-
médio do Inep, o próprio MEC, a quem se atribuía a “assessoria técnica" e
o necessário respaldo financeiro, e regional, pois buscava adaptar-se às
características e necessidades de cada região, por meio da rede constituída
pelos centros regionais de pesquisa e de treinamento de professores.
Os autores dos vários artigos integraram a equipe que embarcou
nessa aventura de resgatar a memória de um período tão próximo da
nossa história da educação e, ao mesmo tempo, ainda tão pouco trabalha-
do pela nossa historiografia, ao menos do ponto de vista com o qual nos
acercamos dele. Há outros colaboradores que não assinam esses textos,
mas que também é preciso lembrar, como os bolsistas de iniciação cientí-
fica, Carlos Sanches, Sandra Mara Canto, Amália Dias, Thaysa Caseli. Sem
o precioso trabalho desta última, que não só colaborou ativamente na
pesquisa documental, com o Centro de Pesquisa e Documentação de His-
tória Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vergas (FGV),

10
Apresentação

mas organizou toda a vasta documentação levantada, teria sido impossí-


vel a produção desses textos. É preciso lembrar, ainda, de Maria Teresa
Cavalcanti de Oliveira, que participou da pesquisa nos seus primeiros anos
e cuja tese de doutoramento foi também produto dessa participação
(Oliveira, 2006).
Por fim, incluímos dois textos na coletânea que abordam temas
que se enquadram perfeitamente na temática trabalhada na pesquisa e
cujos resultados reforçam, de forma quase surpreendente, a interpretação
que construímos coletivamente a partir do grupo de pesquisa.

Referências bibliográficas

MENDONÇA, Ana Waleska; BRANDÃO, Zaia (Org.). Porque não lemos Anísio
Teixeira? Uma tradição esquecida. Rio de Janeiro: Ravil, 1997.

OLIVEIRA, Maria Teresa Cavalcanti de. A “Educação Ideológica" no Projeto de


Desenvolvimento Nacional do Iseb (1955-1964). Rio de Janeiro, 2006. Tese
(Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

XAVIER, Libânea Nacif. O Brasil como laboratório: educação e ciências sociais no


Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Bragança Paulista: Ifan, CDAPH,
Edusf, 1999.

11
Prefácio
Alzira Alves de Abreu*

* Pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio
Vargas (FGV).
Centro Regional de Pesquisas Educacionais (CRPE-RS)
Prefácio

Os estudiosos do sistema educacional brasileiro dos anos 1950/60


têm obrigatoriamente que passar por duas entidades: uma individual, Anísio
Teixeira, e outra institucional, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógi-
cos (Inep). É o que encontramos nesta obra, resultado de um trabalho de
pesquisa coletivo, feito por uma nova geração de estudiosos da educação,
sob a coordenação de Ana Waleska Mendonça e Libânia Nacif Xavier.
A pesquisa traz uma reflexão plural, ancorada em importantes
interrrogações e questões sobre a formulação de políticas de educação no
Brasil. A riqueza dos textos aqui apresentados está também baseada nas
variadas fontes de pesquisa utilizadas, como arquivos privados, imagens
construídas pela imprensa, relatórios e bibliografia especializada. A obra
torna-se, assim, uma referência para todos os estudos sobre a política
educacional no País.
A criação e a atuação do Inep estão diretamente ligadas à liderança
de Anísio Teixeira e à participação de um grupo de educadores e pesquisa-
dores altamente qualificados, que tentaram levar adiante um projeto de
modernização da sociedade por meio da extensão da educação para to-
dos, como forma de ultrapassar os privilégios de classe que dificultavam o
acesso à escola para as classes menos favorecidas.

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

O Inep procurou ampliar o conhecimento dos diversos ramos e ní-


veis do ensino e, ao mesmo tempo, estudar as condições socioeconômicas
e culturais do País, com o objetivo de oferecer uma melhor formação ao
professor e possibilitar a introdução de uma maneira inovadora de educar.
Foi assim criado, em seu interior o Centro Brasileiro de Pesquisas Educaci-
onais (CBPE), com a finalidade de institucionalizar a pesquisa em Ciências
Sociais, vista como um instrumento para conhecer o Brasil e como um
meio de formular uma política educacional e políticas de transformação
social. O CBPE deveria fornecer as informações necessárias para o planeja-
mento de todos os níveis de ensino e orientar a escola para as novas
exigências do desenvolvimento econômico e social.
Este estudo sobre o Inep permite recolocar em discussão o papel do
intelectual em uma sociedade em acelerado processo de mudança, quan-
do ocorre a passagem de um mundo dominado pelo setor agrário para o
industrial. Um tipo de intelectual torna-se então presente – o que tem a
responsabilidade de lançar novas idéias e de formular propostas para as
novas questões que surgem na sociedade. A educação do povo, o fortale-
cimento da escola pública, a formação do professor, entre outros, apare-
cem como as principais preocupações de uma parcela desses intelectuais.
No Brasil, os anos do pós-guerra, pós-1945, propiciaram um gran-
de debate em torno da orientação política que deveria ser dada ao desen-
volvimento. Os intelectuais que defenderam a intensificação da industria-
lização e uma maior intervenção do Estado no processo de desenvolvi-
mento se engajaram também na luta pela ampliação e qualificação do
ensino no País. O projeto "desenvolvimentista" teve um alto grau de
envolvimento político dos intelectuais, que viam na ampliação e renova-
ção do ensino público um requisito fundamental para a continuação e o
aprofundamento da industrialização brasileira.
A reforma da educação como forma de inclusão social, de renova-
ção e de modernização das elites é um tema debatido no Brasil desde os
anos 1920. Em vários países essa foi uma estratégia de intervenção políti-
ca. Foi assim na Rússia e na Polônia do final do século XIX, com a emer-
gência da intelligentsia, formada por uma parte da sociedade educada que
queria introduzir mudanças na sociedade, e estender a escola primária
para o campo, para o mundo rural. A intelligentsia se atribuía a missão de
expandir a alfabetização, de dar escola para o povo, uma escola livre em

16
Prefácio

uma sociedade livre. Na Espanha, no início do século XX, com um rápido


processo de desenvolvimento industrial e de urbanização, os intelectuais,
os chamados “reformadores" e “renovadores", organizaram-se politica-
mente em torno dos grupos republicanos e orientaram as suas ações para
o ensino público, para o aumento do número de escolas e do número de
professores, uma reforma da Escola Normal e da Faculdade de Filosofia e
Letras. Com o objetivo de propagar a cultura, promoveram missões peda-
gógicas – que se organizavam em torno de bibliotecas circulantes –, con-
ferências, sessões de cinema, apresentação de corais, orquestras, museus
circulantes com cópias de obras do Museu do Prado. Na China, nas pri-
meiras décadas do século XX, os intelectuais desempenharam o papel de
introdutores da renovação do ensino público e de defensores de uma acei-
tação total das idéias do Ocidente. Recusaram a tradição, o ensino clássico
baseado na herança de Confúcio, e adaptaram os métodos do ensino es-
trangeiro, principalmente norte-americano. John Dewey teve forte influ-
ência sobre as idéias dos intelectuais chineses, e passou os anos de 1921-
1922 fazendo conferências na China. A ação política dos intelectuais per-
mitiu o início da alfabetização em massa, com a abertura de grande nú-
mero de escolas primárias, profissionais, normais, e de cursos noturnos
para adultos.
Poderíamos acrescentar inúmeros outros exemplos de países que,
em determinados períodos históricos, tiveram movimentos de luta pela
ampliação e melhoria do sistema educacional liderados por intelectuais. O
diagnóstico, as idéias sobre o que deveria ser feito e como fazer na área
educacional, deu origem a formulações teóricas e à aproximação dos inte-
lectuais com diferentes correntes de pensamento. As posições muitas ve-
zes se radicalizaram, provocando conflitos ideológicos.
Muitas dessas questões são tratadas neste livro de forma bastante
criativa e permitem ampliar o conhecimento de um período histórico da
educação brasileira ainda pouco estudado.

17
1
O Inep no contexto das políticas
do MEC (1950/1960)*
Ana Waleska Mendonça**
Libânia Nacif Xavier***

* Este texto foi originariamente publicado na Revista Contemporânea de Educação (publicação on-line do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFRJ), n. 1, abr. 2006.
** Professora do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
*** Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do Programa de
Estudos e Documentação Educação e Sociedade (Proedes/UFRJ).
Sala de Ciências da Escola Normal Secundária Joaquim Nabuco
O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

Este capítulo remete-se a uma pesquisa que vem se debruçando so-


bre a atuação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep),1 ao
longo dos anos 1950/1960, especificamente durante a gestão de Anísio
Teixeira (1952-1964), enfatizando as estratégias de intervenção do referido
órgão nos sistemas de ensino.
Assume-se como ponto de partida que, desde as suas origens, o
Inep caracterizou-se por um estatuto institucional ambíguo, constituin-
do-se em um órgão de pesquisa que tinha simultaneamente atribuições
executivas. Nossa hipótese é que, durante a gestão de Anísio Teixeira, este
soube explorar produtivamente essa ambigüidade, transformando o Inep
em uma espécie de miniministério, no interior do próprio Ministério da
Educação e Cultura (MEC), de onde se originavam as principais estratégias
de modernização do ensino primário e médio.
A peculiar posição que ocupava o Inep, e conseqüentemente seu
diretor, no contexto das políticas desenvolvidas pelo MEC, era reconhecida

1
O Inep denomina-se atualmente Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, tendo recebido
essa última denominação em homenagem ao educador, por ocasião das comemorações do seu centenário de nascimento.

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

pela imprensa jornalística, que noticiava as ações do Inep no âmbito do


ensino primário e secundário. Igualmente, pode-se perceber a importância
assumida pelo Inep nos próprios documentos oficiais do MEC, como o Rela-
tório Qüinqüenal de 1956-1960, que demonstra claramente a interferência
desse Instituto no encaminhamento das políticas do ministério, em geral,
como veremos adiante.
Este capítulo está dividido em quatro partes. A primeira traça um
rápido histórico do Inep, procurando apontar para o que estamos cha-
mando de caráter ambíguo, ou híbrido do órgão, que nos parece ter se
acentuado durante a gestão de Anísio Teixeira. A segunda parte centra o
foco nas notícias veiculadas nos jornais de grande circulação no Distrito
Federal, à época, buscando situar a atuação do Inep e do MEC no contex-
to educacional retratado nesses jornais. A terceira parte analisa a filosofia
que informava a atuação do órgão, chamando a atenção para a peculiar
relação que se estabeleceu no interior do Inep entre o pragmatismo
deweyano e o ideário desenvolvimentista, verdadeiro idioma geral da épo-
ca, usando-se aqui a feliz expressão cunhada por Darton (1992). Por fim,
na quarta parte, procura-se explicitar as principais estratégias de interven-
ção do Inep nos sistemas de ensino, foco principal do nosso estudo.
Trata-se de uma pesquisa que busca o entendimento das institui-
ções educacionais do ponto de vista político-administrativo, assim como
do ideário que orientou as principais linhas de atuação da instituição em
estudo. Situada no âmbito da história cultural, a pesquisa apóia-se nas
seguintes categorias analíticas: campo (Bourdieu, 2001), projeto (Velho,
1994), estratégia (Certeau, 1994) e rede (Elias, 1994). Tem como fontes
básicas à documentação existente sobre o Inep no Arquivo Anísio Teixeira
do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil (CPDOC)/Fundação Getúlio Vargas (FGV), as publicações do Inep/
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), aí incluídas a Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, a revista Educação e Ciências Sociais e
o Boletim do CBPE, bem como o acervo remanescente da Biblioteca do
CBPE, que se encontra no campus da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), a documentação existente no Programa de Estudos e Do-
cumentação Educação e Sociedade (Proedes) da UFRJ, especialmente nos
Arquivos de Anísio Teixeira, Roberto Moreira e Jayme Abreu e a literatura
sociológica dos anos 1959/1960, com ênfase na produção do Instituto

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O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). Trabalha-se, portanto, com uma


multiplicidade de fontes, que se procura cruzar, e que incluem documen-
tos oficiais e privados, correspondência (oficial e particular) e impressos de
diversas naturezas.

O Inep: uma instituição híbrida

O Inep foi criado em janeiro de 1937, por iniciativa de Gustavo


Capanema, à época ministro de Educação e Saúde (MES),2 sob a denomina-
ção inicial de Instituto Nacional de Pedagogia. Apenas em 1938, no entanto,
ele começa a ter existência real, sob a liderança do educador Lourenço Filho3
e já com a denominação de Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos4.
Múltiplos objetivos foram atribuídos ao Inep por intermédio do
Decreto-Lei nº 580, de 30 de julho de 1938: organizar a documentação
relativa à história e ao estudo atual das doutrinas e técnicas pedagógicas,
bem como das diferentes espécies de instituições educativas; manter o
intercâmbio em matéria de pedagogia com as instituições educacionais do
país e do estrangeiro; promover inquéritos e pesquisas sobre todos os
problemas atinentes às instituições educacionais do país e do estrangeiro;
promover investigação no terreno da psicologia aplicada à educação, bem
como relativamente aos problemas de orientação e seleção profissional;
prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares
de educação, ministrando-lhes, mediante consulta ou independentemen-
te desta, esclarecimentos e soluções sobre os problemas pedagógicos; di-
vulgar, pelos diferentes processos de difusão, os conhecimentos relativos à
teoria e à prática pedagógica.

2
Em 1955, o Ministério da Educação e Saúde foi subdividido em dois ministérios que passaram a denominar-se, respecti-
vamente, Ministério da Educação e Cultura e Ministério da Saúde.
3
Tanto Lourenço Filho quanto Anísio Teixeira foram educadores vinculados ao Movimento da Escola Nova no Brasil, que
tiveram uma longa vida pública, tendo ocupado cargos na administração pública da educação, tanto no âmbito nacional,
quanto no âmbito de alguns Estados brasileiros.
4
A Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, que reorganizava o Ministério da Educação e Saúde previa a criação do Instituto
Nacional de Pedagogia. No entanto, a instalação do referido órgão não aconteceu de imediato, por conta de problemas
internos do próprio Ministério, além das dificuldades causadas pelo golpe que implantou, no Brasil, o Estado Novo. A esse
respeito, cumpre destacar que a própria permanência de Gustavo Capanema à frente do Ministério se viu ameaçada. O
Instituto, já com a nova denominação e as atribuições ampliadas, só entrou em funcionamento de fato no ano seguinte, por
força de legislação complementar.

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Importa destacar a esse respeito, que o Inep nasce com atribuições de


natureza diferentes, voltadas, por um lado, para o desenvolvimento de estu-
dos e pesquisas no campo da educação – visando, entre outras coisas, subsi-
diar as políticas desenvolvidas pelo Ministério – e, por outro, atribuições de
caráter executivo, como prestar assistência técnica aos sistemas estaduais
municipais e particulares, além do objetivo de divulgação, por diferentes mei-
os de difusão, do conhecimento pedagógico. Desde as suas origens, portanto,
o Inep tem um estatuto institucional ambíguo, constituindo-se em um órgão
de pesquisa, que tem, simultaneamente, atribuições executivas.
Segundo Mariani (1982), os dois principais obstáculos que se colo-
cam, desde o início, para a atuação deste órgão se constituem, por um
lado, na falta de pessoal especializado, e, por outro, na rigidez das normas
da burocracia estatal. Quanto ao primeiro aspecto, é bom lembrar que, em
1939, quando se cria o curso de Pedagogia no âmbito da Faculdade Naci-
onal de Filosofia da Universidade do Brasil, um dos objetivos que se atri-
bui a esse curso é a formação dos chamados técnicos de educação, que
deveriam desempenhar as tarefas especializadas no âmbito dos órgãos da
burocracia estatal e particularmente do Ministério da Educação. Mas o
encaminhamento dessa questão se mostra complicado e o MES realiza,
ainda em 1939, um primeiro e único concurso de títulos e provas para
constituir o núcleo da carreira de técnicos da educação recém-criada5,
predominando, a partir daí, os critérios de apadrinhamento político no
preenchimento dos cargos técnicos, de acordo com a tradição
patrimonialista que marca até hoje a nossa administração pública. A esse
problema se alia a questão da própria rigidez das normas da burocracia
estatal, lembrando que essa burocracia está sendo montada nesse mo-
mento: o MES foi criado em 1930 e passava por uma reorganização admi-
nistrativa, em grande parte informada pelo espírito do chamado Estado
Novo.6 Trata-se, então, de uma burocracia fortemente centralizada e ex-
tremamente rígida. De qualquer forma, importa assinalar que, na fala das
pessoas que integraram os quadros técnicos do Inep, essas duas questões

5
A esse respeito, Lourenço Filho (1964) lembra que nove dos candidatos aprovados no concurso foram lotados no Inep,
quatro dos quais como chefes das seções técnicas, utilizando-se como critério o aproveitamento dos primeiros classificados,
entre eles, Murilo Braga de Carvalho que seria depois diretor do órgão.
6
Regime de inspiração fascista que vigorou no Brasil, em decorrência de um golpe de Estado, entre 1937 e 1945.

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O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

aparecem sistematicamente como os principais obstáculos para que o ór-


gão desempenhasse adequadamente as suas funções: a falta de pessoal
especializado e a rigidez da burocracia estatal.
Apesar dessas dificuldades, Lourenço Filho, que permaneceu à frente
do órgão até 1945, consegue desenvolver uma série de iniciativas. Ele, de
fato, implanta o órgão, organiza uma biblioteca pedagógica, um serviço
de documentação sobre a legislação educacional brasileira, cria, em 1941,
a Revista Brasileira de Educação, que é editada até hoje e que vai divulgar,
inclusive, não só os estudos e pesquisas desenvolvidos pelo Inep, mas
também o pensamento pedagógico internacional, e realiza uma série de
inquéritos e estudos sobre a organização do ensino primário e normal nos
Estados. Organiza também uma documentação de caráter histórico, de-
senvolve uma série de levantamentos bibliográficos, além de promover
diversas publicações de caráter técnico.
Segundo Mariani (1982), grande parte do quadro técnico do Inep
acaba, no entanto, por se dedicar à implantação de um Fundo Nacional
do Ensino Primário, cuja organização se propunha por iniciativa do pró-
prio Ministério e que deveria definir, na verdade, a origem dos recursos
que seriam investidos pelo governo federal no ensino primário e os crité-
rios para a sua aplicação, na direção do caráter híbrido que marca o órgão
desde a sua fundação, como se assinalou acima.
Dessa perspectiva, outra questão que se colocava para o órgão, era
a da sua relação com o Departamento Administrativo do Serviço Público
(Dasp), com quem o órgão deveria cooperar, não só por meio de estudos,
mas também “por meio de providências executivas nos trabalhos de sele-
ção, aperfeiçoamento, especialização e readaptação do funcionalismo da
União" (apud Lourenço Filho, 1964, p. 12). Foi por essa razão que, não só
o Inep mantinha um Serviço de Biometria Médica, como também este era
um serviço superdimensionado, chegando a abranger, segundo relatório
de atividades do ano de 1944, 73,86% dos funcionários lotados no órgão.7
Dantas (2001), particularmente, refere-se à resistência de Lourenço Filho
em assumir as atribuições vinculadas ao Dasp.

7
Relatório de atividades referente ao ano de 1944 entregue ao ministro da Educação e Cultura. Arquivo Lourenço Filho, Rio
de Janeiro, FGV, CPDOC. LN S. 087. 1945. p.8.

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Em 1945, com a chamada redemocratização do País, Lourenço Filho


vai ser substituído por Murilo Braga de Carvalho que permanece à frente do
Inep até 1952, quando falece em um desastre de avião. A esse respeito,
cumpre assinalar uma das características do órgão ao longo do período a
que nos referimos (1938-1964), que é a surpreendente estabilidade dos seus
diretores, fator que se constituiu, sem dúvida, em garantia da continuidade
do trabalho desenvolvido pelo órgão durante longos períodos de tempo. Da
sua fundação até 1964, o Inep teve apenas três diretores: Lourenço Filho
(1938-1945), Murilo Braga de Carvalho (1945-1952) e Anísio Teixeira (1952-
1964), que sobreviveram, no caso dos dois últimos, a constantes mudanças
de ministro, bem como a graves crises institucionais do País.
Ainda de acordo com Mariani (1982), durante a gestão de Murilo Braga
de Carvalho, o Inep perde quase que totalmente o seu caráter de um instituto
de pesquisas, entre outras razões, pela absorção das tarefas da Diretoria do
Ensino Primário e Normal, extinta a essa época. É interessante notar que, se,
por um lado, o Inep nasce no contexto do Estado Novo e, apesar das caracte-
rísticas que marcam esse período, consegue certo espaço de autonomia, o que
acontece contraditoriamente a partir de 1945 é que ele se submete às exigên-
cias da burocracia estatal e se descaracteriza enquanto um órgão de pesquisa.
Importa destacar que, a nosso ver, o caráter híbrido do Inep não tem
necessariamente um significado negativo; há, sem dúvida, o aspecto de certa
indefinição do órgão, mas é nossa hipótese de trabalho que, durante a gestão
de Anísio Teixeira, ele vai explorar, de maneira produtiva, essa ambigüidade,
transformando o Inep em uma espécie de miniministério no interior do pró-
prio Ministério. Esta seria, justamente, uma das razões pelas quais Anísio
Teixeira vai conseguir fazer com que o órgão tenha o papel e o significado
central que acabou assumindo no âmbito do MEC, durante a sua gestão.
Anísio Teixeira assume o Inep, em 1952, após ter sido chamado, no
ano anterior, pelo então Ministro da Educação Ernesto Simões Filho, para
organizar a Campanha de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes) – atual
Coordenação – responsável pela institucionalização da pós-graduação no País,
e que terá, em um primeiro momento, o próprio Inep como seu órgão execu-
tivo. Chamado, portanto, para substituir Murilo Braga de Carvalho, Anísio
Teixeira passa a acumular essas duas funções, sendo, simultaneamente, o
secretário-geral da Capes e o diretor do Inep, situação que persiste até 1964.
Desde o início, Anísio Teixeira assume o Inep com uma intenção
bastante clara de dinamizar o órgão. Essa intenção aparece explicitada

26
O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

não só no discurso que ele pronuncia quando toma posse no cargo de


diretor, mas, particularmente, em uma entrevista que concede a um jor-
nal, na época, na qual afirma:

as funções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos deverão ganhar


amplitude maior, buscando tornar-se tanto quanto possível, o centro de
inspiração do magistério nacional, para a formação daquela consciência
educacional comum que mais do que qualquer outra força deverá dirigir e
orientar a escola brasileira. Os estudos do Inep deverão ajudar a eclosão
desse movimento da consciência nacional, indispensável à reconstrução
escolar (apud Mariani, 1982, p. 174).

Essa frase resume bem o que Anísio Teixeira estava se propondo


com a tentativa de dinamização do Inep, ou seja, fazer do Instituto um
centro de inspiração do magistério nacional, buscando formar a “consci-
ência educacional comum" que para ele seria absolutamente indispensá-
vel para o processo de reconstrução da escola.8 Esta é a meta que vai
informar as principais estratégias que o órgão vai assumir, durante a sua
gestão. Percebe-se, por meio da consulta aos jornais de grande circulação
do Distrito Federal, à época, que, a despeito da multiplicidade de iniciati-
vas no âmbito educacional noticiadas nos jornais, o Inep ocupava lugar de
destaque no âmbito das políticas do MEC, como procuraremos demons-
trar a seguir.9

O contexto educacional conformado


nos jornais e a imagem do Inep
Manchete: Autoridades e educadores devem colaborar para formar-se
entre nós uma consciência nacional: Aspectos controvertidos da proje-
tada reforma do ensino primário no Brasil.

8
Importa destacar a preferência de Anísio Teixeira pelo termo reconstrução da escola, ao invés de reforma, quando o
primeiro termo poderia parecer até anacrônico nesta época. Na nossa perspectiva, essa preferência tem a ver com a idéia
que o educador expressava de que o que era necessário, no momento, para renovar a escola brasileira, não era mais uma
reforma (o termo reforma indicando sempre alguma coisa de caráter episódico), mas desencadear no seu interior, um
processo que permitisse a ela continuamente se repensar e se transformar. Seria desencadear esse processo de mudança e de
transformação contínuo no interior da própria escola. E para ele esse processo só poderia acontecer se houvesse de fato um
enorme investimento na formação do professor. Para Anísio Teixeira, o professor é a pedra de toque desse processo de
reconstrução da escola.
9
O levantamento das notícias de jornal, realizado na Biblioteca Nacional, foi feito pela bolsista de iniciação científica,
Amália Dias (IFCS-UFRJ) e contou com o auxílio da Faperj.

27
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

... Entende o ministro da educação, coadjuvado pelo prof. Anísio Teixeira


que há necessidade da reforma e extensão do curso primário. Esclarecem
que a escola primária, ampliando seu próprio currículo, com caráter mais
prático e mais adequado à inteligência comum do brasileiro, poderá aten-
der as necessidades que aceleração do processo industrial e da conseqüen-
te urbanização estão a exigir, já que os dois anos de prolongamento seriam
dedicados em grande parte, à formação artesanal.... (Diário de Notícias, 28
jun. 1956, 1ª seção, p. 1).

Como podemos observar com a leitura da notícia acima, a conjun-


tura democrática que marcou a década de 1950 colocou em relevo as
variadas perspectivas de desenvolvimento nacional, permitindo-se obser-
var, por intermédio da imprensa, a explicitação de diferentes perspectivas
e projetos de reconstrução nacional.
No que tange à política educacional, encontramos nos jornais de
grande circulação no Distrito Federal, no período 1955-1965, uma
multiplicidade de ações emanadas do Ministério da Educação com o obje-
tivo de enfrentar as demandas da sociedade por ampliação do acesso à
educação escolar. Ao mesmo tempo, observamos o empenho das demais
instâncias de governo, em nível estadual e municipal, em dar uma respos-
ta às pressões em prol da ampliação e da melhoria da qualidade do ensino.
Tanto a primeira ordem de iniciativas – a expansão do acesso à educa-
ção escolar – quanto à segunda ordem de demandas – expandir a escolarização
garantindo a qualidade do ensino – apontavam para a necessidade de moder-
nização do sistema de ensino e de profissionalização de seus quadros de
funcionários. Nesse aspecto, a institucionalização do concurso público para
ingresso na carreira do magistério ao lado do investimento na formação inicial
e na qualificação dos professores em serviço desponta, ao mesmo tempo,
como solução e como problema a ser enfrentado.
A ampliação da rede escolar figura como o imperativo número um
da série de notícias que encontramos nos jornais, no primeiro semestre de
1955. Os jornais anunciavam a liberação de recursos do MEC para, em
convênio com os Estados, Territórios e o Distrito Federal, investir na cons-
trução de novas escolas, bem como na ampliação e reformas das escolas já
existentes. Notícia veiculada no Correio da Manhã de 29 de março de
1955 (caderno 2, p. 2) informava que, do total do orçamento do “Plano
Nacional de Ampliação e Melhoria do Ensino Primário", 70% dos recursos
estavam destinados à construção e reforma de escolas, distribuindo-se
25% para a alfabetização de adultos e os 5% restantes para a concessão

28
O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

de bolsas de estudo, formação e aperfeiçoamento de técnicos e especia-


listas de ensino primário e normal. De acordo com notícia anterior, uma
portaria determinava a composição de uma Comissão destinada a estu-
dar a aplicação de recursos provenientes daquele fundo de acordo “com
as necessidades da população e a renda per capita de cada unidade da
federação" (Correio da Manhã, 6 jan. 1955, p. 7).
Em 2 de abril de 1955, saía o detalhamento dos investimentos do
MEC no "Plano de Reforma do MEC", o que nos permite avaliar o peso
atribuído pelos técnicos do Ministério a determinadas ações no âmbito
educacional. Assim, dos 100 milhões de cruzeiros destinados à melhoria e
ampliação da rede escolar, cerca de 40 milhões deveria estar alocada na
educação de adultos, com investimento no ensino supletivo, porém incen-
tivando a participação “voluntária". Em segundo lugar, destaca-se o in-
vestimento no aperfeiçoamento do magistério, com 20 milhões destinados
à manutenção de um Centro Nacional e instalação de Centros Regionais,
que estariam integrados ao Inep.
Segundo o Inep, seriam aplicados recursos na pesquisa das condi-
ções culturais do País, na formulação de uma política institucional –
abrangendo pesquisas das condições escolares, elaboração de planos e
sugestões para a reconstrução educacional de cada região, elaboração
de trabalhos sobre administração escolar, construção de currículo, pre-
paro de mestres. Aos Centros Regionais (localizados na Bahia, São Paulo,
Rio Grande do Sul e Minas Gerais) caberia o aperfeiçoamento e especia-
lização do professor primário e do curso normal.
A notícia referia-se, ainda, à construção de escolas, cabendo ao
MEC auxiliar os Estados na ampliação e melhoria da rede escolar primária
e normal, porém, esclarecendo que os recursos para construção de escolas
seriam distribuídos na razão inversamente proporcional às disponibilida-
des financeiras para a educação e diretamente proporcional à população
escolar. As demais ações destacadas na notícia foram o aperfeiçoamento e
difusão do ensino secundário, com 12,5 milhões de cruzeiros para treina-
mento de professores, inspetores e secretários. E, por fim, figura a forma-
ção profissional, com investimento de 12,5 milhões de cruzeiros na Cam-
panha de Aperfeiçoamento e Expansão do Ensino Comercial.
Como pudemos apreender da leitura dos jornais Correio da Manhã
e do Diário de Notícias, o Inep atuou de modo decisivo como órgão

29
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

orientador do MEC na aplicação de recursos na expansão da rede de esco-


las primárias,10 assim como também figurou nos jornais como responsá-
vel pela função de estimular o desenvolvimento de pesquisas e conduzir
um projeto de publicações com vistas a difundir o conhecimento da reali-
dade nacional (Diário de Notícias, 3 jun. 1956, seção 3, p. 5). A esse respei-
to, cabe assinalar a convergência que se estabeleceu entre o ideário
pragmatista presente no pensamento dos educadores nucleados no Inep,
com o ideário desenvolvimentista explicitado, em suas diferentes verten-
tes, em outro órgão vinculado ao MEC, o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (Iseb). Trataremos desse assunto na próxima seção.

O Inep como foco de difusão


do ideário pragmatista11

A pesquisa permitiu-nos evidenciar que, ao longo dos anos em


estudo e sob a direção de Anísio Teixeira, principal expoente do pragmatismo
deweyano entre nós, o Inep constituiu-se em um foco de difusão desse
ideário, difusão esta que se fazia não só por meio das inúmeras publica-
ções (inclusive didáticas), e dos cursos e conferências que o órgão promo-
via, mas também das escolas experimentais a ele vinculadas, que se pro-
punham a desenvolver experiências pedagógicas fundamentadas na filo-
sofia educacional de Dewey.
O pragmatismo combinava-se de maneira bastante peculiar com a
ideologia desenvolvimentista, verdadeiro idioma geral da época, a tal pon-
to que se pode afirmar que o desenvolvimentismo se constituiu em um
solo fértil para a retomada e a expansão do pragmatismo no Brasil.
Cumpre ressaltar o contexto especialmente polêmico em que se
deu, a esta época, a apropriação do pragmatismo deweyano entre nós,
situado no cerne de uma dupla polêmica, que tinha uma dimensão inter-
nacional e uma dimensão nacional, que, apesar de imbricadas, guardavam

10
A esse respeito, o Diário de Notícias de 22 de junho de 1956 (2ª seção, página 4) anunciava uma série de entrevistas e
reportagens sobre a ampliação da escola primária, pretendendo ouvir, também, Anísio Teixeira, por terem sido feitos no
Inep os estudos básicos das modificações mencionadas pelo ministro da educação.
11
A esse respeito, ver Mendonça et al. (2006).

30
O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

a sua especificidade. Nos Estados Unidos, no contexto da chamada “guer-


ra fria", o pragmatismo vinha sendo fortemente criticado à direita e à
esquerda, pelos seus pretensos efeitos sobre a educação norte-americana
em situação de “crise". Ecos dessa polêmica chegavam até nós. No Brasil,
o pragmatismo de Dewey, acusado de materialista e até socialista e revo-
lucionário, seria uma das justificativas para o intenso ataque da hierarquia
católica a Anísio Teixeira.
De uma forma geral, pode-se afirmar que a apropriação que se fazia
do pragmatismo deweyano, no âmbito do Inep, se dava em uma tripla pers-
pectiva: como “método científico", implicando em uma determinada con-
cepção de ciência, particularmente das ciências sociais, com ênfase na apli-
cação do conhecimento científico na solução dos problemas de ordem prá-
tica, como “modo de vida democrático", e como sinônimo de
“experimentalismo", no âmbito da escola. Nessas duas primeiras perspecti-
vas, o pragmatismo informou as tentativas de racionalização do sistema
escolar, por meio de uma concepção peculiar de planejamento, que se fun-
damentava nos estudos de comunidade e que supunha o esclarecimento da
população atingida, a fim de garantir a sua aceitação e continuidade.
Na última perspectiva, a “escola progressiva" (experimental e não-
dualista) era percebida como a única capaz de se constituir em um agente
de mudança cultural, e, conseqüentemente, contribuir para a formação de
uma consciência comum favorável ao desenvolvimento nacional. Deste
ponto de vista, a transformação da escola, para ajustá-la às novas condi-
ções do País (determinadas principalmente pelo avanço do processo de
industrialização) e para consolidar o funcionamento da democracia libe-
ral, constituía-se em condição indispensável do pleno desenvolvimento
nacional.
Assim, foi possível perceber uma aproximação entre o pragmatismo
que informava a atuação do Inep e a ideologia desenvolvimentista, parti-
cularmente aquela elaborada no interior do Iseb, órgão também ligado ao
MEC, que foi um dos núcleos mais importantes de difusão da ideologia
nacional-desenvolvimentista que perpassou grande parte das políticas
governamentais implementadas à época (mesmo que de forma
freqüentemente contraditória).
Esta aproximação se fazia por meio de um conjunto de idéias par-
tilhadas pelos intelectuais que se articulavam em torno dos dois núcleos,

31
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

tais como a idéia de “transplantação cultural" aplicada à análise da situa-


ção cultural e institucional do País, a perspectiva faseológica na maneira
de se abordar o processo de desenvolvimento econômico e social, a con-
cepção de história, particularmente da história do Brasil, e o uso que se
fazia dela (a “história que não deu certo" e que precisa ser superada por
uma “outra história" que se pretende construir, em uma perspectiva
marcadamente voluntarista), a visão da escola como agente de mudança
cultural, a concepção de ciência e a necessidade da formação de uma
consciência nacional propícia ao desenvolvimento do País.

As estratégias de intervenção
nos sistemas de ensino

Anísio Teixeira assume o Inep com uma intenção bastante clara de


dinamizar o órgão e começa, desde logo, a desenvolver uma série de estra-
tégias que tinham o objetivo claro de contornar algumas das principais
dificuldades que emperravam a sua atuação: a falta de pessoal especi-
alizado e a inércia da burocracia estatal.
A primeira estratégia adotada vai ser a criação de duas Campanhas,
respectivamente a Campanha de Inquéritos e Levantamentos do Ensino
Médio e Elementar (Cileme) e a Campanha do Livro Didático e Manuais de
Ensino (Caldeme). A primeira delas propunha-se a fazer um amplo levan-
tamento da situação do ensino médio no País, pondo ênfase na sua di-
mensão qualitativa (quais os seus objetivos, as expectativas daqueles que
o procuravam, etc.).
Para Anísio Teixeira, a questão do ensino médio era o verdadeiro
nó do sistema educacional brasileiro e uma de suas principais bandeiras
era integrá-lo ao ensino primário, no que ele considerava a escola comum,
básica na formação de qualquer cidadão brasileiro. A segunda campanha
estava voltada para a produção de material didático de boa qualidade, e,
com esse objetivo, foram contratados professores renomados das diferen-
tes áreas de especialização. É por meio dessas campanhas que Anísio Teixeira
começa a imprimir a sua marca no Inep.
O depoimento de uma das colaboradoras de Anísio Teixeira a essa
época, Elza Rodrigues Martins, transcrito por Mariani (1982, p. 176), chama

32
O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

a atenção para o papel que tiveram as comissões contratadas para essas


campanhas:

Essas comissões permitiam a vinda de pessoal para a assessoria inclusive do


estrangeiro, proporcionando uma autonomia que era impossível com os
recursos habituais do Serviço Público, onde predominava a hegemonia dos
setores meio sobre os serviços fins. (...) Anísio Teixeira foi o grande cons-
trutor de uma nova filosofia de trabalho em um órgão técnico como o
Inep.

Era exatamente contra esse tipo de burocracia, em que as atividades-


meio se tornam hegemônicas sobre as atividades-fim, que Anísio Teixeira se
insurgia, não só criticando-a acerbamente nos seus escritos da época, como,
na prática, buscando estratégias que o permitissem superá-la.
Em fins de 1953, Anísio Teixeira organiza o Centro de Documenta-
ção Pedagógica, que deveria sistematizar os trabalhos desenvolvidos pelas
campanhas, garantindo a documentação e a divulgação dos resultados
obtidos e cria, igualmente, a Biblioteca Brasileira de Educação. Por essa
época também, já começa a pensar no Centro de Altos Estudos Educacio-
nais que vai estar na origem do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacio-
nais (CBPE), iniciativa que acaba se viabilizando com o apoio da Unesco.
A sua criação exemplifica a capacidade que tinha Anísio Teixeira de
aproveitar os recursos disponíveis, de explorar as possibilidades existentes.
O CBPE foi criado utilizando-se uma verba da Unesco, originariamente
destinada a um programa de formação de agentes para educação rural.
Anísio Teixeira redireciona essa verba e é com ela que acaba conseguindo
viabilizar a criação do Centro.
Com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE),
em 1955, este incorpora as antigas campanhas e praticamente centraliza a
atuação do Inep. Há um evidente paralelismo entre as duas denomina-
ções: Inep e CBPE. Na prática, o CBPE configurou-se como um “Inep
dentro do Inep",12 constituindo-se, desta forma, em mais uma estratégia
para escapar da burocratização do órgão, garantindo, entre outras coisas,
uma maior flexibilização na contratação de pessoal especializado e um
intercâmbio mais autônomo com entidades internacionais.

12
O paralelismo ente as siglas Inep e CBPE é evidente, pois se trata de um Instituto/Centro de Estudos/Pesquisas Pedagó-
gicas/Educacionais (cf. Xavier, 1999, p. 83).

33
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

É de fato com a criação do CBPE que Anísio Teixeira transforma o


Inep em uma espécie de um cérebro pensante do Ministério, um verdadei-
ro ministério dentro do Ministério, como já se disse, de onde partiam
propostas de intervenção sobre o sistema de ensino, fundamentadas nas
pesquisas de ponta desenvolvidas sob o seu patrocínio e nas experiências
que vão ser promovidas pelo próprio Centro e pelos Centros Regionais de
Pesquisas a ele articulados. Aliás, quando Anísio Teixeira cria o CBPE, ele
o faz, constituindo, simultaneamente, uma rede a ele articulada, que são
os Centros Regionais de Pesquisa Educacional localizados em algumas
capitais estrategicamente distribuídas pelo País: Porto Alegre, Belo Hori-
zonte, Salvador, Recife e São Paulo, além do Centro Nacional que funcio-
nava no Rio de Janeiro. Todos esses Centros, por sua vez, vão buscar uma
articulação, por um lado, com a universidade pública, no caso as universi-
dades federais localizadas nas capitais e a Universidade de São Paulo, e,
por outro, com as secretarias de Educação.
O CBPE viria a incorporar as antigas campanhas e passa, efetiva-
mente, a centralizar a atuação do Inep. É significativo, por exemplo, des-
tacar que, em um extenso Relatório Qüinqüenal do MEC, referente ao
período 1956-1960, encaminhado ao presidente Juscelino Kubitschek pelo
ministro Clóvis Salgado, o Inep enquanto tal não aparece no corpo do
relatório (embora se faça menção ao Instituto e ao seu diretor entre os
órgãos listados), mas, de forma direta, descrevem-se detalhadamente as
atividades do CBPE e de cada um dos centros regionais a ele articulados.
Aliás, cumpre também ressaltar que a regionalização é, sem dúvida,
uma das outras estratégias que marca a atuação do órgão. O próprio de-
creto de criação do CBPE, como já dissemos, constitui também os centros
regionais a ele articulados, configurando uma rede que permite que o
CBPE e, portanto, o Inep, tenha uma interferência no âmbito do País
como um todo.
Em que direção se desenvolvem as iniciativas do Inep/CBPE de
intervenção nos sistemas de ensino? Pode-se afirmar, em linhas gerais,
que esta intervenção se dava por meio de três tipos de iniciativas:

1) uma política editorial que incluía a publicação tanto de textos


didáticos, quanto de livros voltados para a análise e interpreta-
ção dos problemas brasileiros, com ênfase no conhecimento da

34
O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

situação educacional, entre os quais se incluem alguns livros que


são hoje considerados clássicos do campo da sociologia, como
Os dois Brasís, de Jacques Lambert, ou da pesquisa educacional,
como a Escola Primária Metropolitana, de Luiz Pereira, e Profes-
soras de Amanhã, de Aparecida Joly Gouveia (livros que se origi-
naram, aliás, de pesquisas desenvolvidas pelo próprio CBPE);
2) as escolas experimentais, vinculadas aos Centros Regionais de
Pesquisa; e
3) os cursos de formação de professores e especialistas.

Cumpre destacar que as escolas experimentais vinculadas aos cen-


tros se configuravam duplamente como escolas de experimentação e como
espaço de formação de professores, abrigando vários desses cursos, como
é o caso, por exemplo, da Escola Parque da Bahia e da Escola Guatemala,
no Rio de Janeiro.
Para finalizar as observações aqui apresentadas, cabe destacar que
dois desdobramentos da pesquisa se constituíram na organização de um
catálogo dos livros editados pelo CBPE/Inep/MEC, entre 1955 e 1965,13 a
partir do acervo bibliográfico do Espaço Anísio Teixeira, situado no campus
da Praia Vermelha da UFRJ e que abriga parte do acervo da antiga Biblio-
teca do CBPE14 e de uma monografia elaborada por Cecilia Neves Lima,
aluna do curso de graduação em Pedagogia da UFRJ, à época, e que
integrava o grupo de pesquisa.
No primeiro caso, foi possível localizar e traçar uma primeira carac-
terização de 52 das 62 obras publicadas ao longo do período estabeleci-
do.15 No segundo caso, a partir de documentação levantada no CPDOC e
no arquivo da ABE, foi possível caracterizar a Escola Guatemala, enquanto
o 1º Centro Experimental de Educação Primária do Inep, evidenciando-se,
com clareza, esta sua dupla configuração, de centro de experimentação

13
O levantamento das obras e a caracterização das mesmas a partir da observação de seus aspectos editoriais contaram com
a participação das bolsistas de Iniciação Científica Cecília Neves Lima e Célia Maria dos Santos Duarte e com o auxílio
financeiro da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB).
14
Agradecemos a colaboração da chefe da Biblioteca, Cristina Jardim, que viabilizou a localização e consulta aos livros do
CBPE existentes no "Espaço Anísio Teixeira".
15
O catálogo impresso encontra-se disponível também em CD-ROM. Para a realização do projeto relativo ao levantamento
das publicações do CBPE, contamos com a participação de Ana Maria Monteiro e a confecção do CD-ROM foi possível
graças à atuação de César Scelza, da Faculdade de Educação da UFRJ.

35
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

pedagógica e de centro de treinamento de professores. Aliás, um dos últi-


mos projetos que se pretendia desenvolver a partir do Inep, era, exatamen-
te, um projeto extremamente ambicioso de constituição, por todo o País,
de centros regionais de treinamento de professores, que se chegou a in-
cluir no Plano Nacional de Educação elaborado pelo Conselho Federal de
Educação e em cuja elaboração o diretor do Inep teve uma participação
decisiva. Alguns destes centros chegaram a ser construídos. Na verdade,
propunha-se que os próprios centros regionais, com suas escolas e classes
experimentais anexas, se configurassem como tais. Pudemos, aliás, cons-
tatar que este projeto já aparece na documentação inicial do Inep, logo
que Anísio Teixeira assume a sua direção, o que seria coerente com os
objetivos por ele atribuídos ao referido órgão.
Todo o trabalho do CBPE, particularmente, e, logo, do Inep como
um todo, vai sofrer uma descontinuidade, sob o impacto da situação po-
lítica que culminou com o golpe militar de 1964. Do ponto de vista da
pesquisa, o Centro já começa a sofrer um certo esvaziamento, a partir de
1960, no momento em que Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, diretor do
Departamento de Pesquisas Sociais à época, se envolvem com o projeto da
Universidade de Brasília.16 Aliás, Anísio acaba por transferir-se para Brasília.
Mas o impacto mais forte é, sem sombra de dúvida, o Golpe de 1964. Após
a demissão de Anísio Teixeira de todos os cargos que ocupava, a bem do
serviço público, o CBPE sobrevive ainda alguns anos, bastante
descaracterizado, e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais vão
aos poucos sendo fechados. Toda a estrutura montada, ao longo da ges-
tão de Anísio Teixeira à frente do Inep, vai sendo, portanto, destruída.
Uma última observação, a esse respeito, merece ser feita. Em 8 de
novembro de 1962, durante a rápida passagem de Darcy Ribeiro pela pas-
ta da Educação, este encaminha ao Congresso Nacional um anteprojeto
de lei,17 aprovado pelo Conselho de Ministros, que dispunha sobre a reor-
ganização do Ministério da Educação. Este anteprojeto estabelecia que o

16
Embora, de início, resistente, à idéia da nova capital e, posteriormente, da criação de uma universidade em Brasília, Anísio
Teixeira envolveu-se de corpo e alma com essa universidade, tendo, inclusive, acabado por assumir a sua reitoria, em
substituição a Darcy Ribeiro, cargo que acumulava com os demais, no momento da sua demissão do serviço público. Anísio
Teixeira foi também o responsável pelo projeto original de organização do sistema escolar de Brasília.
17
O texto desse anteprojeto com a correspondente justificativa foi publicado no nº 88 da Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, de outubro a dezembro de 1962.

36
O Inep no contexto das políticas do MEC (1950/1960)

Ministério da Educação passaria a se denominar Ministério da Educação,


Ciência e Cultura (MECC), de forma a adequar-se às novas atribuições que
lhe tinham sido conferidas pela Lei nº 4.024/61. Na reestruturação pro-
posta, o Inep transformava-se no órgão geral federal de planejamento do
MECC e do estudo, pesquisa, experimentação e documentação educacio-
nal, integrado por cinco departamentos e centros: o Departamento do
Plano Nacional de Educação, o Departamento Nacional de Estatística e
Documentação Educacional, o Departamento Nacional de Relações com
Organismos Internacionais e Estrangeiros, o Centro Nacional de Pesquisas
e Planejamento Educacional e os Centros Regionais de Pesquisas e Plane-
jamento Educacional, com sede nas cidades de Belém, Recife, Salvador,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. O presidente do Inep, jun-
tamente com os secretários-gerais da Educação, da Ciência, da Cultura e
da Administração, cargos que também se criavam, com as respectivas se-
cretarias, constituiriam, sob a presidência do ministro, a Mesa Coordena-
dora do MECC, órgão de integração e unificação das suas atividades, den-
tro do princípio de “trabalho em equipe" que se adotava, ao lado do prin-
cípio de "planejamento", como os dois princípios essenciais à atualização
e eficiência do Ministério e que norteavam todo o seu processo de reorga-
nização. A proposta não chegou a ser aprovada e sabemos pouco a respei-
to da sua trajetória. De qualquer forma, o que nos parece interessante é a
centralidade atribuída ao Inep, no contexto dessa proposta e o fato de
que, na nossa perspectiva, ela formalizava uma posição que o órgão já
vinha, na prática, assumindo.

Referências bibliográficas

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37
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

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38
2
Quando os documentos falam...
ouve-se até o silêncio: entre relatórios,
decretos e manuscritos, a gestão
de Anísio Teixeira no Inep/CBPE
(1952-1964)
Aristeo Leite Filho
Pablo S. Machado Bispo dos Santos
Fernando Gouvêa*

* Doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
Rio).
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Segunda Reunião da Comissão Consultiva do CBPE - 1958

40
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

A memória não é, absolutamente, o exercício de uma fuga


do presente, nem tampouco a tentativa genealógica de
resgatar um passado que não mais existe, mas sim um
movimento em que se busca mergulhar na fluidez do
tempo, com vistas a compreender seus múltiplos (e mui-
tas vezes interrompidos) itinerários. (Cambi, 2001, p. 21).

Cabe indicar, inicialmente, que este trabalho advém de pesquisa


que realizamos no Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, do Centro de Pesquisa
e Documentação em História Contemporânea do Brasil, da Fundação Ge-
túlio Vargas (CPDOC/FGV), particularmente da análise de alguns docu-
mentos localizados na série temática referente ao Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC), do
qual Anísio Teixeira esteve à frente entre 1952 e 1964.
O presente trabalho tem como objetivo principal evidenciar a im-
portância do Inep e das suas ações no âmbito das políticas do MEC nos
anos de 1950 e 1960. Para tanto, realizamos um exame de fontes tais
como relatórios, atas de reuniões, leis e decretos-leis, manuscritos e cor-
respondência, que caracterizamos como documentos institucionais do Inep/

41
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). A fragmentação dos


documentos encontrados nesse setor do acervo levou-nos a recorrer a
outros documentos, artigos e/ou publicações sobre o MEC e os seus
órgãos de estudos e pesquisas educacionais, no mesmo período, na ten-
tativa de encontrar uma linha de sentido em meio à dispersão, desconexão
e fragmentação das fontes documentais institucionais desses órgãos.
Empregamos como recurso auxiliar uma cronologia (anexa) do Inep que
elaboramos.
Ressalta-se, também, o imperativo de indagar os documentos desse
acervo pessoal, tendo a priori questões norteadoras que delineiam o ob-
jeto a ser investigado. Nesse caso, busca-se compreender de que modo o
Inep e o CBPE na gestão de Anísio Teixeira configuram elementos con-
cretos de implementação de políticas em educação pensadas por este
educador/administrador.

Do Conselho-Geral de Instrução Pública


ao Inep: um tempo, uma idéia, uma história...

Nesta seção, propomo-nos a traçar uma “breve história" do Inep,


tendo como referência central o artigo intitulado “Os estudos e as pesqui-
sas educacionais no Ministério da Educação e Cultura" (Estudos..., 1956),
que constrói uma versão institucional desta “breve história" que, sem dú-
vida, reflete a maneira como Anísio Teixeira percebia a atuação desse
órgão e a sua gênese. O artigo será trabalhado em diálogo com parte da
documentação referida acima.
Inicialmente denominado Instituto Nacional de Pedagogia (1936),
o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos foi criado, em 1938, em
resposta a uma idéia que, segundo o exposto no texto, tomara corpo
desde o Império. A Assembléia Constituinte de 1823 previa a criação de
um Instituto encarregado da verificação dos resultados do ensino em todo
o País, que, entretanto não se concretizou. Já no Segundo Império, a idéia
de criação de um conselho para o controle e exame das questões gerais de
ensino, aparece em vários projetos. Segundo Anísio Teixeira: “(...) a neces-
sidade de uma instituição para o estudo geral dos assuntos da Instrução

42
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

ficava demonstrada (...) na apresentação de sucessivos projetos, tendentes


a criarem um órgão colegial, para esse efeito".1
Com a denominação de Conselho-Geral da Instrução Pública, uma
instituição deste tipo aparece, pela primeira vez, no projeto da Comissão
de Instrução Pública de 1846. Passa a ser denominada de Conselho Supe-
rior de Instrução Pública, no projeto do ministro Paulino de Souza (1870),
que foi renovado sete anos depois pelo ministro José Bento da Cunha
Figueiredo. Em 1882, o então deputado Ruy Barbosa retoma essa propos-
ta, adicionando à idéia do Conselho um órgão específico de estudos edu-
cacionais, inspirado no modelo francês do Musée Pedagogique.
Nessa mesma direção, logo nos primeiros anos da República, é cri-
ado, pelo Decreto nº 1.667 de 16/8/1890, o Centro Propulsor das Refor-
mas e Melhoramentos de que Carecesse a Educação Nacional, sob o nome
de Pedagogium,2 que teve, entretanto, vida atribulada e curta. Apenas em
1911, mais de 20 anos após a instauração da República, cria-se definitiva-
mente o Conselho Superior de Ensino, pelo Decreto nº 8.659, de 5 de abril,
transformado em Conselho Nacional de Instrução pelo Decreto nº 4.632,
de 6 de janeiro de 1923, e, mais tarde, em Conselho Nacional de Educação
pelo Decreto nº 19.850 de 11 de abril de 1931.
Com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930,
enfatiza-se novamente a necessidade de estudos e pesquisas dos proble-
mas educacionais brasileiros. Em 1934, a Diretoria Nacional de Educação
do Ministério da Educação e Saúde Pública assume as funções de estudo
sistematizado e constante dos problemas educacionais no Brasil. Ao reor-
ganizar o Ministério, em 1936, Gustavo Capanema transforma essa diretoria
em Departamento Nacional de Educação e os trabalhos de estudos e pes-
quisas passam a ser atribuição de um Instituto Nacional de Pedagogia. Tal
projeto começa a concretizar-se em 1937, por intermédio da Lei nº 378 de
13/1, que cria o referido Instituto, com o objetivo de “realizar pesquisas
sobre os problemas do ensino, nos seus diferentes aspectos". Segundo Aní-
sio Teixeira: “A conjugação em um só órgão, de atribuições administrativas
e de investigação e pesquisa, não deram o esperado resultado".3

1
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04.
2
Em 1896, o Pedagogium, vinculado de início ao governo federal, é transferido para a administração do Distrito Federal.
3
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 13, fot. 0086.

43
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Em 30 de julho de 1938, enfim, é criado, pelo Decreto-Lei nº 580, o


Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos4, cujo nome permanece inalterado
até a década de 1990. A esse respeito, cabe mencionar que o referido Decre-
to define os objetivos do novo órgão que passa a ter a competência de
organizar a documentação relativa à história e ao estudo e à atualização das
doutrinas, das técnicas pedagógicas e das instituições educativas; manter
intercâmbio com instituições educacionais do País e do exterior; promover
inquéritos e pesquisas sobre a organização do ensino, métodos e processos
pedagógicos; realizar pesquisas na área da Psicologia Aplicada à Educação e
relativamente ao problema da orientação e seleção profissional; prestar as-
sistência técnica aos Estados, municípios e instituições particulares de edu-
cação e divulgar conhecimentos relativos à teoria e prática pedagógica.5
O primeiro diretor do Instituto foi o professor Lourenço Filho, que
iniciou os trabalhos de implantação do órgão em agosto de 1938. Neste
período inicial, por orientação e tendência do professor Lourenço Filho, que
era professor de Psicologia Educacional, os estudos e pesquisas do Inep
concentraram-se, sobretudo, em torno dos processos de ensino, no entanto,
estudos específicos relativos à instituição do Fundo Nacional do Ensino
Primário ocuparam grande parte do tempo do diretor do Inep.6
Já em 1946, o Decreto-Lei nº 9.018, extingue a Divisão de Ensino
Primário e Normal do Departamento Nacional de Educação, transferindo
para o Inep as competências referentes a esses níveis de ensino, bem como
as dotações orçamentárias destinadas àquela Divisão, que passam a ser uti-
lizadas pelo Inep. A respeito da transferência de competências administrati-
vas e dotações orçamentárias, da extinta diretoria para o Inep, o então
diretor, Murilo Braga de Carvalho, assume em sua gestão a tarefa de realizar
construções escolares para as zonas rurais, as de fronteiras e as de coloniza-
ção estrangeira. Com isso, o objetivo principal do Inep nesse período passou

4
O presidente da República (Getúlio Vargas) decreta que o Instituto Nacional de Pedagogia passa a denominar-se Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos e funcionará como centro de estudo de todas as questões educacionais relacionadas com
os trabalhos do Ministério da Educação e Saúde.
5
De acordo com o Decreto-Lei supracitado, o Inep surge com duplo objetivo: o de estudos educacionais e o de orientação
e seleção profissional. Esta segunda finalidade seria realizada, sobretudo, em cooperação que deveria prestar ao Departa-
mento Administrativo do Serviço Público (Dasp), órgão criado na mesma época.
6
Esse fundo viria a ser instituído pelo Decreto-Lei nº 4.958 de 14 de novembro de 1942. No mesmo mês, foi lavrado e
assinado o Convênio Nacional de Ensino Primário entre o Ministério da Educação e Saúde Pública e os Estados, Distrito
Federal e territórios.

44
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

a ser o de estudar e planejar tipos de prédios para grupos escolares, escolas


isoladas, escolas normais, etc., bem como critérios de localização e distribui-
ção dos prédios.
As atribuições aventadas nos parágrafos anteriores ajudam a des-
velar as dificuldades institucionais do Inep em exercer o trabalho referente
à pesquisa e ao aperfeiçoamento de professores. Tal questão mostra-se
candente na gestão Lourenço Filho, haja vista que projetos prioritários
para o governo central como a instituição de um Fundo Nacional do En-
sino Primário e serviços como o de Biometria Médica – que, segundo o
Relatório de Atividades do Ano de 1944 ,7 lotava 73,86% dos servidores do
Inep – ocasionaram um prejuízo para os demais serviços e, obviamente,
para as questões atinentes à pesquisa.

O discurso de posse como marco da ação:


a expansão do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos

Anísio Teixeira assumiu a direção do Inep em 1952. Segundo


Bonamino (2001, p. 1),

uma das características mais marcantes da gestão de Anísio Teixeira no


Inep é que ele procurou estabelecer um compromisso entre a produção de
pesquisa na área das ciências sociais e a política educacional numa pers-
pectiva regionalizada e que visava a manter uma relativa autonomia com
relação ao poder central do MEC.

Para Anísio essa articulação das ciências sociais com a educação


era indispensável para a consubstanciação de um projeto de cunho cientí-
fico que pautasse as ações no campo educacional.
Consideramos o seu discurso de posse um autêntico projeto de
dinamização do Instituto, haja vista que o referido discurso contém:

• O alargamento das atribuições do Inep e sua centralidade no


processo de reconstrução da educação nacional ao afirmar que:

7
Relatório de atividades referente ao ano de 1944 entregue ao ministro da Educação e Cultura. Arquivo Lourenço Filho, Rio
de Janeiro, FGV, CPDOC. LN S. 087. 1945. p.8.

45
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

As funções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos deverão ganhar,


em a nova fase, amplitude ainda maior, buscando tornar-se, tanto quanto
possível, o centro de inspirações do magistério nacional para a formação
daquela consciência educacional comum (...)
Os estudos do Inep deverão ajudar a eclosão desse movimento de consci-
ência nacional indispensável à reconstrução escolar.8

• A gênese da Campanha do Livro Didático e Manuais de Ensino


(Caldeme)9 ao asseverar que:

Os métodos de tratamento surgirão nos guias e manuais de ensino para os


professores e diretores de escolas, os quais constituirão livros experimen-
tais de sugestões e recomendações, para a condução do trabalho escolar.10

• A gênese da Campanha de Inquéritos e Levantamentos do Ensino


Médio e Elementar (Cileme)11 quando assinala que:

O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos tem de tentar uma tomada


de consciência na marcha da expansão educacional brasileira, examinar o
que foi feito e como foi feito, proceder a inquéritos esclarecedores e expe-
rimentar, medir a eficiência ou ineficiência de nosso ensino.12

Anísio Teixeira, em seu discurso de posse, faz uma análise crítica da


situação educacional brasileira e traça, em grandes linhas, o escopo dos
estudos que deveriam ser realizados como ponto de partida para uma
reforma educacional: “Que todos anseiam, mas temem" (Estudos..., 1956,
p. 16).
Ao assumir a direção do Instituto, Anísio Teixeira passa a dar maior
ênfase ao trabalho de pesquisa. Seu objetivo era estabelecer centros de
pesquisa como um meio de “fundar em bases científicas a reconstrução
educacional do Brasil" (Mendonça, 1997). A idéia concretizou-se com a
criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), com sede
no Rio de Janeiro, e dos Centros Regionais, nas cidades de Recife, Salva-
dor, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. Tanto o CBPE como os
Centros Regionais estavam vinculados à nova estrutura do Inep.

8
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 11, fot. 0534-0639, p. 9.
9
A Caldeme foi criada em 14 de julho de 1952, destinada a objetivar a assistência técnica ao professorado.
10
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 11, fot. 0534-0639, p. 10.
11
A Cileme foi criada em 1º de abril de 1953, pela Portaria nº 3 do Inep.
12
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 11, fot. 0534-0639, p. 8.

46
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

O CBPE, criado pelo Decreto-Lei nº 38.460, de 28 de dezembro de


1955, já era planejado desde 1952, o que pode ser demonstrado pelo
esforço de Anísio no sentido de obter a colaboração da Unesco para a
concretização do seu projeto. Esse esforço é atestado por ocasião da visita
de William Beatty, diretor do Departamento de Educação da Unesco, que
esteve no Brasil a fim de sondar as possibilidades de ser instalado em
nosso País um centro latino-americano de preparação de educadores ru-
rais e especialistas de educação de base. Nessa ocasião, o diretor do Inep
propõe a realização de um survey sobre a situação educacional brasileira a
ser efetuado por especialistas brasileiros e da Unesco. Os resultados seriam
utilizados como subsídio para o planejamento que visava à reconstrução
educacional do País.13 Em agosto de 1953, Charles Wagley e Carl Withers,
a pedido de Anísio Teixeira, elaboram um relatório sugerindo a organiza-
ção e as finalidades de uma instituição de pesquisa que servira de ponto
de partida para as idéias apresentadas por Oto Klinenberg.14
No final do ano de 1953, Anísio Teixeira percebe a necessidade de
sistematizar a produção desenvolvida pelas campanhas (Caldeme e Cileme) e
setores do Inep, o que justifica a criação de um Centro de Documentação
Pedagógica, que funcionaria no próprio Inep e deveria organizar o somatório
das atividades de estudos e pesquisas, bem como divulgar os resultados obti-
dos. Cumpre destacar que as campanhas, que se constituíram em uma estra-
tégia amplamente utilizada pelo MEC, à época, tinham um caráter emergencial
e buscavam driblar a morosidade da burocracia estatal no que tange à estru-
tura, gerenciamento, alocação de verbas e o aparelhamento político partidá-
rio. Vale ressaltar que este caráter emergencial não impediu a existência pro-
longada de várias delas, tendo por fim a sua incorporação a outras estruturas
ou a sua elevação a categorias com caráter mais duradouro.
O Centro de Documentação Pedagógica constituiu-se no primeiro
passo para a criação, implantação e implementação do Centro Brasileiro
de Pesquisas Educacionais. Afirmava-se que:

13
Cabe destacar a participação ativa de Almir de Castro, Jayme Abreu, João Roberto Moreira, R. Atcon, Armando Hildebrand,
Frederico Rangel, Charles Wagley, Marvin Harris, Carl Withers, Aroldo Junqueira Aires, Paulo Carneiro, H. Laurentie, Delgado
de Carvalho, Otávio Martins e Francisco Montojos. Tal envolvimento deu-se no sentido de trazer contribuições para a
implementação da idéia.
14
Os três memorandos redigidos por Klinenberg em sua estada no Brasil, que se convencionou denominar “Documento
Klinenberg", podem ser considerados como um documento pioneiro que trata dos fins e objetivos de um centro de pesqui-
sa, algumas atividades específicas e a organização do referido centro.

47
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Não era possível estudar apenas a educação brasileira e seus problemas,


sem considerar, ao mesmo tempo, toda a realidade nacional em seus múl-
tiplos aspectos. O Inep passa a sentir que deveria enveredar-se pelo campo
das Ciências Sociais, as quais pediriam os estudos básicos necessários a
uma formulação de Política Educacional. (Estudos... , 1956, p. 35).

No ano seguinte, veio ao Brasil o chefe da Unesco, William Carter,


com o objetivo de acertar medidas práticas para a vinda de uma equipe
de técnicos da Unesco. Nessa ocasião, já não se pensava em realizar um
simples survey, mas almejava-se criar uma instituição permanente, que
ganhou o nome de Centro de Altos Estudos Educacionais.
Este Centro tinha como objetivo: pesquisar as condições culturais
do Brasil em suas diversas regiões; as tendências de desenvolvimento e
regressão; as origens dessas condições e forças; formular uma política
institucional de referência à educação, capaz de orientar as condições e
tendências no sentido de desenvolvimento desejável de cada região do
País; pesquisar as condições escolares do Brasil, por meio de levantamento
dos seus recursos em administração, aparelhamento, professores, métodos
e conteúdos de ensino, visando apurar em que medida a escola estava
satisfazendo as funções em uma sociedade em mudança para o tipo urba-
no e industrial de civilização democrática e em que medida estava dificul-
tando essa mudança, com a manutenção dos objetivos apenas alargados
da sociedade em desaparecimento; elaborar planos, recomendações e su-
gestões para a reconstrução educacional de cada região do País, no nível
primário, rural e urbano, secundário e normal, superior e de educação de
adultos; elaborar livros de textos de administração escolar, de construção
de currículo, de psicologia educacional, de filosofia da educação, de medi-
das escolares, de preparo de mestres, etc.; treinar administradores e espe-
cialistas em educação para atuar nos Estados e nos Centros Regionais de
Estudos Pedagógicos.

O CBPE e os centros regionais


de pesquisa educacional: a rede de atuação
em tempos de consolidação
Como a Medicina, a Educação é uma arte. E arte é algo muito
mais complexo e muito mais completo que uma ciência. Convém,

48
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

portanto, deixar quanto possível claro de que modo as artes se


podem fazer científicas. (Anísio Teixeira).15

Várias foram as estratégias de intervenção empregadas pelo Inep


durante o período dos anos de 1950-1960 (mais precisamente por Anísio
Teixeira e sua equipe). Dentre estas destacamos a criação de uma rede
constituída pelo CBPE e pelos Centros Regionais de Pesquisa Educacional
(CRPEs). Nas palavras de Anísio:

O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os seus congêneres Cen-


tros Regionais de Pesquisa Educacional (Belo Horizonte, Bahia, São Paulo,
Porto Alegre), representam elos no esforço continuado com que o Brasil
tem procurado acompanhar o desenvolvimento da arte de educar – a edu-
cação – nos últimos cinqüenta anos, desenvolvimento que as caracteriza
por uma revisão de conceitos e técnicas de estudo, à maneira, dir-se-ia, da
transformação operada na arte de curar – a medicina – quando se emanci-
pou da tradição, do acidente, de simples 'intuição' e do empirismo e se fez,
como ainda se vem fazendo, cada vez mais científica.16

Constata-se que, com a criação dessa rede, o Inep passa a ocupar


um papel de vital importância no âmbito das políticas do MEC, vindo a se
constituir como órgão formulador, coordenador e promotor de ações e
políticas públicas em educação, principalmente no que tange àquelas re-
ferentes ao ensino primário e normal.
Os CRPEs estiveram relacionados ao esforço intelectual multifacetado
com o qual a aproximação entre os temas: planejamento e questões regi-
onais; conhecimento local e questão nacional; procedimentos científicos e
estudos de caso estivera imbricada. Cabe indicar que os CRPEs teriam
atuado de modo a constituir uma rede de suporte às iniciativas do Inep no
que diz respeito aos aspectos administrativos, de formação de professores
e de pesquisa, espalhada por vários pontos do Brasil.
Com isto, infere-se que a rede de atuação do Inep pela via dos CRPEs17
remontava não só às idéias de intervenção nas realidades regionais geográ-
ficas do País, mas também à reorientação da política educacional brasileira,

15
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. Palestra intitulada “Ciências e Educação" proferida no
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais de São Paulo. Documento datilografado.
16
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. Correspondência remetida a João Roberto Moreira em 18
de fevereiro de 1957. AT 1952.06.04, filme 13, fot. 0053.
17
Vale ressaltar que o Decreto nº 38.460, de 28 de dezembro de 1955, transfere as atividades realizadas pela Caldeme e pela
Cileme no âmbito do Inep para os Centros Regionais de Pesquisa Educacional.

49
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

por meio desses “nódulos", principalmente no tocante à formação de espe-


cialistas em educação, atuantes nas esferas da Formação de Professores e do
Ensino Primário. Nas palavras de Anísio Teixeira isso se encontra registrado
da seguinte forma:

(...) não se trata de um simples planejamento imediato da educação nacio-


nal, mas da introdução do espírito objetivo de pesquisa no estudo de nosso
sistema educacional, a fim de habilitá-lo a adaptar-se e reconstruir-se em
face das transformações porque vêm passando a sociedade e o País (...) no
longo e persistente debate educacional em que vivemos e que refletem as
contradições do nosso próprio desenvolvimento, os centros virão a ofere-
cer a contribuição da pesquisa científica na esperança de poder fertilizá-lo
e levá-lo a soluções construtivas, eficazes e adequadas dos nossos proble-
mas escolares (...).18

Na concepção de Anísio Teixeira, os Centros Regionais de Pesquisa


Educacional constituíam uma ampliação estrutural das ações do Inep,
aparelhando-o e ampliando as suas atividades, por meio de estudos e
levantamentos regionais de problemas educacionais do Brasil. Desse modo,
Anísio Teixeira traça quatro objetivos para os CRPEs, os quais estariam
integrados em uma meta maior, qual seja a de examinar um problema
fundamental:

até que ponto o Sistema Educacional Brasileiro, considerado do ponto de


vista da organização, conteúdo e método, satisfaz as exigências em mu-
dança, e as necessidades sentidas do povo brasileiro (...) não se trata, como
se vê, de um simples planejamento imediato da educação nacional, mas da
introdução do espírito objetivo de pesquisa no estudo de nosso sistema
educacional, a fim de habilitá-lo a adaptar-se a reconstruir-se em face das
transformações por que vêm passando a sociedade e o País.19

Assim, Anísio Teixeira retoma, a partir das linhas-mestras do CBPE,


os objetivos que viriam a compor este programa sistemático de melhoria
quantitativa e qualitativa da educação nacional: I) Pesquisa das condições
culturais escolares e das tendências de desenvolvimento de cada região e
da sociedade brasileira como um todo, para o efeito de conseguir elabora-
ção gradual de uma política educacional para o País; II) Elaboração de

18
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. Correspondência remetida a João Roberto Moreira em 18
de fevereiro de 1957. AT 1952.06.04, filme 13, fot. 0053.
19
Idem.

50
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

planos, recomendações e sugestões para a revisão e a reconstrução educa-


cional do País – em cada região – nos níveis primário, médio e superior e
no setor de educação de adultos; III) Elaboração de livros, de fontes e de
textos, preparo de material de ensino, estudos especiais sobre administra-
ção escolar, currículos, psicologia educacional, filosofia da educação, me-
didas escolares, formação de mestres e sobre quaisquer outros temas que
concorram para o aperfeiçoamento do magistério nacional; IV) Treina-
mento e Aperfeiçoamento de Administradores Escolares, Orientadores Edu-
cacionais, Especialistas de Educação e Professores de Escolas Normais e
Primárias.20
O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros Regio-
nais são partes integrantes do Inep, tendo, no entanto, autonomia técni-
ca, administrativa e financeira.
O Centro Brasileiro estava organizado da seguinte forma: uma Co-
missão Consultiva; a Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais (DEP);
A Divisão de Documentação e Informação Pedagógica (DDIP) e a Divisão
de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM).
A Comissão Consultiva21 é o órgão responsável pelo trabalho de
inter-relacionamento entre o CBPE e os CRPEs. Entre as ações propostas
no âmbito da primeira reunião dessa Comissão, salientamos: a) consistir
em uma comunidade de órgãos de pesquisa e não em um agrupamento
burocrático com hierarquias e subordinação; b) a articulação do CBPE
com os Centros Regionais; c) como principal papel da Comissão consta o
de estabelecer, definir e regulamentar esta articulação entre os órgãos de
pesquisa existentes no âmbito MEC/Inep. A esse respeito, Anísio Teixeira
frisou na primeira reunião da Comissão Consultiva do CBPE: “Que não há
subordinação nem controles entre os diversos departamentos em que se

20
Documento baseado no Decreto 38.460 de 26 de dezembro de 1955, que institui o CBPE e os CRPEs.
21
A esse respeito, ver a Ata da Reunião da Comissão Consultiva do CBPE, realizada em 4 e 5/7/1957, na Sala da Biblioteca
do CBPE, Rua Voluntários da Pátria 107, Rio de Janeiro, sob a presidência do professor Anísio Teixeira. Estiveram presentes
nessa reunião: representando o CRPE de São Paulo, Joel Martins e Pedro Sebastião Gregório; o CRPE do Rio Grande do Sul:
Eloah Ribeiro Kunz e Gladys Barth Torelli; o CRPE de Minas Gerais, Mario Casasssanta e Vivaldi Madureira; o CRPE da
Bahia, Luís Ribeiro Sena; e ainda o co-diretor indicado pela Unesco, Robert Havigurst, o colaborador da Unesco, Charles
Wagley; o coordenador da Divisão de Documentação e Informação Pedagógica e diretor executivo do CBPE, Péricles
Madureira de Pinho, o diretor da Coordenação de Planejamento, João Roberto Moreira, o coordenador da Divisão de
Estudos e Pesquisas Educacionais, Jayme Abreu, e o coordenador da Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais, Darcy Ribeiro,
e a coordenadora da Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério, Lúcia Marques Pinheiro.

51
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

subdivide o grupo dedicado a pesquisas educacionais em todo o País,


reunido apenas para uma troca de idéias."
O imperativo de transformar qualitativa e quantitativamente o Sis-
tema Educacional Brasileiro permeia toda a argumentação de Anísio Teixeira,
quando se refere ao papel dos Centros de Pesquisa. Para ele, os Centros
Regionais de Pesquisa Educacionais, mediante os subsídios oriundos dos
estudos, pesquisas, inquéritos e levantamentos realizados no âmbito des-
tes órgãos viriam a dotar a educação nacional do aporte derivado da refle-
xão sistemática e aplicação prática da investigação científica aos proble-
mas educacionais do Brasil. No tocante às relações entre pesquisa educa-
cional e legislação, Anísio salienta que:

A despeito de nossa legislação de ensino, toda ela de restrições e imposi-


ções de modelos uniformes e rígidos, a educação se vem expandindo além
de toda expectativa e, em verdade, escapando ao controle prévio, estabele-
cido pela lei. A substituição do controle a priori pelo controle a posteriori
envolve um conhecimento muito mais completo da realidade escolar e o
estabelecimento de critérios de classificação e julgamento muito mais deli-
cados e flexíveis.22

Nesse sentido, os estudos, as análises e as avaliações que o Inep


vinha promovendo forneciam as bases para o estabelecimento de critérios
de progresso e melhoramento fundados mais nos resultados do esforço
educativo, do que nas condições, puramente formais, dentro das quais
eram aprisionadas as iniciativas anteriores no que se refere à educação
nacional.
Assim, Anísio propunha: “antes promover e assistir o esforço edu-
cacional brasileiro, do que coibi-lo e restringi-lo". Segundo ele, os títulos
e os diplomas auferidos pela escola representariam uma “presunção ao
saber" e não uma “garantia do saber", garantia essa que seria dada por
exames, concursos e julgamentos realizados: “dentro dos quadros das ocu-
pações e profissões independentes das escolas em que o ensino fosse mi-
nistrado". Destaca-se que, já a essa época, se pode perceber nos escritos de
Anísio sobre os Centros de Pesquisa Educacional, a defesa da idéia de um
Sistema Nacional de Avaliação da Educação, tal como atualmente se vê, por

22
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. Texto datilografado, em 18 de julho de 1957, e remetido
a João Roberto Moreira. ATt 1952.06.04.

52
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

exemplo, com as iniciativas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e


do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Se a tarefa da Comissão Consultiva poderia ser identificada princi-
palmente nos âmbitos administrativo e político das relações entre o CBPE e
os CRPEs, a DAM teria um papel de vital importância no que se refere à
implementação, em escala “micro" (nível das salas de aula e das instituições
escolares), dos objetivos relativos à pesquisa educacional e à aplicação dos
resultados dessa modalidade de investigação às realidades escolares do País.

Considerações finais

A partir da análise dos documentos institucionais do Inep/CBPE,


tornou-se possível perceber que há ainda uma vastidão de elementos que
poderão (e deverão) ser explorados a respeito da história destes órgãos,
porém igualmente foi possível compreender um pouco mais
aprofundadamente detalhes alusivos às estratégias de intervenção do Inep
em estudos e pesquisas, e na formação do professor primário em nível
nacional, especialmente no que se refere à “transmissão do espírito cientí-
fico", e à concretização da noção de “educação como arte-ciência". En-
tendemos que as ações desenvolvidas por esses órgãos ministeriais, ti-
nham a ver com um projeto de descentralização pela via da regionalização,
utilizando-se, para tanto, da formação dos quadros do pessoal do magis-
tério, como meio privilegiado de assistência técnica aos Estados, territóri-
os e ao Distrito Federal.

Referências bibliográficas

BONAMINO, A. O Inep nos anos 90: notas para a análise de suas transforma-
ções. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001.
[não publicado].

CAMBI, F. História da Pedagogia. São Paulo: Editora da Unesp, 2001.

ESTUDOS e as pesquisas educacionais no Ministério da Educação e Cultura [Os].


Educação e Ciências Sociais, Boletim do CBPE, v. 1, n. 1, p. 5-60, mar. 1956.

53
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

MENDONÇA, Ana Waleska. A experiência do CBPE: um projeto de Anísio


Teixeira. In MENDONÇA, Ana Waleska; BRANDÃO, Zaia (Orgs.). Porque não
lemos Anísio Teixeira? Uma tradição esquecida. Rio de Janeiro: Ravil, 1997.

MENDONÇA, Ana Waleska et al. Pragmatism and Developmentalism in Brazilian


educational thought in the 1950s/1960. Studies in Philosophy and Education,
v. 24, n. 6, p. 471-498, nov. 2005.

54
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

Anexo

Cronologia dos antecedentes históricos do Inep

1823: A Assembléia Constituinte de 1823 propõe a criação de um


instituto encarregado da verificação dos resultados do ensino
em todo o País.

1846: O Conselho-Geral de Instrução Pública surge no Projeto da


Comissão de Instrução Pública do 2º Império, com a idéia de
controle e exame das questões gerais de ensino.

1870: O Conselho Superior de Instrução Pública aparece como ins-


tituição integrante do projeto do ministro Paulino de Souza.

1877: O Conselho Superior de Instrução Pública é renovado pelo


ministro José Bento da Cunha Figueiredo.

1882: O Conselho Superior de Instrução Nacional é formulado pelo


deputado Ruy Barbosa, que propõe a adição à idéia do Con-
selho, de um órgão específico de estudos educacionais, sob
inspiração do modelo francês Musée Pedagogique.

1890: O Decreto nº 1667, de 16 de agosto 1890, determina a criação


do Centro Propulsor das Reformas e Melhoramentos de que
carecesse a Educação Nacional, sob o nome de Pedagogium.

1896: O Pedagogium é transferido para o Distrito Federal, pela Lei


nº 429 de 10/11.

1911: Mais de 20 anos após a instauração da República, é criado o


Conselho Superior de Ensino, pelo Decreto nº 8.659, de 5 de
abril.

1919: É extinto o Pedagogium, pelo Decreto nº 1.560, de 19 de


julho.

55
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

1923: O Conselho Superior de Ensino é transformado em Conselho


Nacional de Instrução, pelo Decreto nº 4.632, de 6 de janeiro.

1930: Com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública,


mais uma vez impõe-se a necessidade de estudo sistemati-
zado e constante dos problemas brasileiros de educação.

1931: O Conselho Nacional de Instrução é transformado no Conselho


Nacional de Educação pelo Decreto nº 19.850 de 11 de abril.

1934: A Diretoria Nacional de Educação passa a ter a função de


realizar estudos sobre os problemas brasileiros de educação.

1936: O ministro Gustavo Capanema transforma a Diretoria Nacional


de Educação em Departamento Nacional de Educação e retira
desse Departamento a função de estudos e pesquisas dos
problemas brasileiros de educação.

1937: O ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema


cria o Instituto Nacional de Pedagogia – Lei nº 378 de 13 de
janeiro, com a finalidade de “realizar pesquisas sobre os
problemas do ensino, nos seus diferentes aspectos".

56
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

Quadro-síntese: CBPE, MEC, Inep e a Legislação entre 1938-1964


(Continua)

Ano 1938-1945

1938: Decreto-Lei nº 580 de 30 de julho:


dispõe sobre a organização do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos.
1) Legislação (MEC, Inep/CBPE)
1945: Decreto-Lei nº 8.343 de 10 de
dezembro: transfere o Serviço de Biometria
Médica, para o Departamento Nacional
de Saúde.

2) Presidentes do Brasil Getúlio Vargas (1930-1945)

3) Ministros da Educação 1930 (até 1945): Gustavo Capanema

4) Diretores do Inep/CBPE 1938 (até 1945): Lourenço Filho

5) Campanhas (MEC/Inep)
Ano 1946-1950

1946:
a) Decreto-Lei nº 5.583 de 8 de janeiro:
dispõe sobre a organização de cursos pelo
Inep e dá outras providências.

b)Decreto-Lei nº 8.996 de 18 de fevereiro:


1) Legislação (MEC, Inep/CBPE) altera a denominação de seções do Inep e
dá outras providências.

c)Decreto-Lei nº 9.018 de 25 de fevereiro:


extingue a Divisão de Ensino Primário,
do Departamento Nacional de Educação,
do Ministério da Educação e Saúde e dá
outras providências.

2) Presidentes do Brasil Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)

1946-1950: Ernesto de Souza Campos,


3) Ministros da Educação Clemente Mariani Bittencourt, Eduardo Rios
Filho (interino), Pedro Calmon Moniz de
Bittencourt e Raul Leitão da Cunha.

4) Diretores do Inep/CBPE 1946 (até 1952): Murilo Braga de Carvalho

5) Campanhas (MEC/Inep)

57
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Quadro-síntese: CBPE, MEC, Inep e a Legislação entre 1938-1964


(Continuação)

Ano 1951-1954

1) Legislação (MEC, Inep/CBPE)

2) Presidentes do Brasil Getúlio Vargas (1951-1954)

1951-1954: Ernesto Simões da Silva Freitas


3) Ministros da Educação Filho, Péricles Madureira de Pinho (interino),
Antonio Balbino de Carvalho Filho, Edgard
Rego Santos e Cândido Mota Filho.

4) Diretores do Inep/CBPE 1952 (até 1964): Anísio Teixeira

1952:
a) criada em 14 de julho, a Campanha
do Livro Didático e Materiais de Ensino
(Caldeme);

b) início das atividades da Caldeme


sob responsabilidade de Gustavo Lessa.
5) Campanhas (MEC/Inep)
1953:
a) a Portaria nº 160 do MEC, de 26
de março: dispõe sobre os objetivos
e instruções essenciais ao funcionamento
da Campanha de Inquéritos e
Levantamentos do Ensino Médio (Cileme);

b) Portaria nº 3 do Inep, de abril de 1953:


dispõe sobre a instalação da Cileme;

c) criação do Centro de Documentação


Pedagógica com o objetivo de sistematizar
os trabalhos desenvolvidos pela Cileme
e pela Caldeme e por outros setores do Inep.

58
Quando os documentos falam... ouve-se até o silêncio: entre relatórios, decretos
e manuscritos, a gestão de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (1952-1964)

Quadro-síntese: CBPE, MEC, Inep e a Legislação entre 1938-1964


(Conclusão)

Ano 1955-1960

1955: Decreto-Lei nº 38.460, de 28 de


1) Legislação (MEC, Inep/CBPE) dezembro, institui o Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais e Centros Regionais.

João Café Filho (1954-1955)


2) Presidentes do Brasil Nereu Ramos (1955-1956)
Juscelino Kubitschek (1956-1961)

1955-1960: Abgar Renault, Clóvis Salgado


da Gama, Celso Teixeira Brandt (interino),
Nereu de Oliveira Ramos (interino), Pedro
3) Ministros da Educação
Calmon Moniz Bittencourt (interino), José
Pedro Ferreira da Costa (interino), Pedro
Paulo Penido e Clóvis Salgado da Gama.

4) Diretores do Inep/CBPE Anísio Teixeira

5) Campanhas (MEC/Inep)

Ano 1961-1964

1) Legislação (MEC, Inep/CBPE)

Jânio Quadros (1961)


2) Presidentes do Brasil
João Goulart (1961-1964)

1961-1963: Brígido Fernandes Tinoco,


3) Ministros da Educação Antonio Ferreira de Oliveira Brito, Roberto
Tavares de Lira, Darcy Ribeiro, Teotônio
Maurício Monteiro de Barros Filho, Paulo
de Tarso Santos e Júlio Furquim
de Sambaqui.

4) Diretores do Inep/CBPE Anísio Teixeira

5) Campanhas (MEC/Inep)

59
3
“Prezado ministro; querido amigo.
Do seu de sempre, Anísio": fragmentos
de correspondências de Anísio Teixeira
(1953-1964)*
Sonia de Castro Lopes**
Bernadete de L. S. Strang***
Solange Maria Rocha****

* Este texto é resultado de um trabalho de investigação realizado no Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, localizado no Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV).
** Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do Programa de
Estudos e Documentação Educação e Saúde (Proedes).
*** Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
Rio).
**** Doutoranda do programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio.
Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais do Centro Regional de Pesquisas
Educacionais (CRPE) - Recife-PE
"Prezado ministro; querido amigo. Do seu de sempre, Anísio":
fragmentos de correspondências de Anísio Teixeira (1953-1964)

A carta funciona como um olhar que se pousa no desti-


natário (através da missiva que ele recebe, ele se sente
olhado) e uma forma de se entregar ao seu olhar através
daquilo que lhe dizemos de nós mesmos (Foucault apud
Werneck, 2000).

Cartas são uma escrita do tempo (Neves apud Byington, 2005). A


carta é, por excelência, um lugar de registros. Formais ou informais, breves
ou prolixos, esses registros, ainda que não intencionais, desnudam idéias,
planos, projetos e até segredos dos missivistas, assim como “sua inserção
de classe e a definição de sua perspectiva social na vida cotidiana" (Martins,
2000, p. 314). Os textos epistolares enviados e recebidos por Anísio Teixeira
permitem-nos interpretar um tempo histórico vivido e retratado pelos pro-
tagonistas que, nas suas cartas, desfilaram temas das vidas pública e pri-
vada de sua época.
Anísio, sendo um homem público e um intelectual proeminente,
manteve ao longo da sua vida uma troca epistolar prolífica, com temáticas
das mais variadas: assuntos políticos, educacionais, cartas-relatórios desti-
nadas a ministros e outras autoridades, debate sobre questões intelectuais,

63
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

cartões, convites, pedidos de emprego, de favores e até “cartas de pijama"1


desabafos pessoais com interlocutores privilegiados. Esses “privilegiados",
naturalmente, não foram muito numerosos. Entretanto, a constância subs-
tituiu a quantidade e, na sua maior parte, as cartas em que Anísio fala
abertamente das suas preocupações mais íntimas e até mesmo das suas
experiências mais dolorosas, foram reservadas a amigos de longa data.
Um desses amigos foi Abgar Renault, a quem Anísio, de certa feita,
confidenciou que

há muito tempo não recebia carta, que me tocasse como a sua de 15. Sou
um homem a quem a vida dá e tira como uma certa grosseria e sinto que
me vou desabituando à delicadeza. A sua carta é a cousa mais fina e deli-
cada que me chegou nos últimos tempos. Muito e muito obrigado (...).2

Quase duas décadas antes, em viagem de Paris a Nova Iorque a


bordo do Queen Elizabeth, pronto para tomar uma decisão que poderia ter
mudado os rumos da sua trajetória política e intelectual, Anísio escreve a
Monteiro Lobato, em resposta à carta enviada pelo amigo no primeiro dia
do ano de 1947:

Meu grande Lobato

[...] Pouco antes de deixar Paris, recebi sua carta e posso lhe dizer que você,
mais uma vez, determinou a direção da minha vida. Estava em pleno labor
deliberativo a respeito do meu trabalho na Unesco e, confesso, inclinado a
me encaramujar na Bahia cuidando da criação de quatro Teixeirinhas. Sua
carta sacudiu-me como uma rajada de vento e resolvi ficar. Esta viagem
ainda é resultado do propósito de tudo abandonar. Era a minha viagem de
volta: a primeira parte da viagem de volta. (...) E tudo isso veio muito de
sua carta. O seu entusiasmo me pegou. É espantoso que você em Buenos
Aires veja a Unesco melhor do que eu! Lendo e relendo sua carta, compa-
rando-a às cartas dos namorados sobre casamento. A vida conjugal, entre-
tanto, é tão diferente! Dá-se um pouco o mesmo com a Unesco. Amar a
Unesco é uma coisa e casar-se com ela é outra. Com sete meses de vida
marital, andava triste e desconsolado. Nada me fazia crer na Unesco dos
nossos sonhos. Vem você daí, de longe e me diz tais coisas que não tenho
jeito senão reconsiderar. Os sonhos não se realizam sem que primeiro se
arme os andaimes. E uma construção em andaimes pede imaginação e
amor para ser compreendida (...) Deixo uma vida privada que começava a
ser interessante e vou ser funcionário intelectual, do que você chama de
cérebro do mundo [...]. (Teixeira, 1986).

1
O termo cunhado por Eneida Maria Souza (2000, p. 297) para designar uma forma mais pessoal e menos rebuscada de
escrever cartas, inaugurada pelos literatos do movimento modernista.
2
Carta a Abgar Renault, de 19 de maio de 1964. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC ATc
1954.05.11/2. Disponível também em: www.prossiga.br/anisioteixeira/cartas/abgar.html.

64
"Prezado ministro; querido amigo. Do seu de sempre, Anísio":
fragmentos de correspondências de Anísio Teixeira (1953-1964)

Este intelectual do “cérebro do mundo" ocupou várias funções exe-


cutivas. Sendo um homem pragmático, Anísio tinha planos para a educa-
ção brasileira que executava na medida das possibilidades e das combina-
ções entre política, economia, gerenciamento da máquina pública e seus
sujeitos. Amigos, administradores, inimigos e desafetos, compunham um
mosaico de interesses nos quais estavam em jogo e em discussão tanto
assuntos pessoais quanto estratégias e decisões de caráter especialmente
burocrático.

Nos meandros do poder

Desde os primeiros contatos com as correspondências do Acervo Anísio


Teixeira, tivemos a atenção despertada para a dimensão do seu poder diante
das questões político-educacionais da época. Para nós, voyeurs3 das suas
missivas, a pergunta que insistentemente se impunha era: como um educa-
dor e administrador que não se considerava político, no sentido estrito do
termo, foi capaz de congregar tão habilmente ideais, pessoas e oportunida-
des, garantindo a implantação de alguns dos seus principais projetos no
âmbito educacional? As próprias comunicações nos deram a resposta e con-
solidaram nossa percepção de um intelectual polêmico e habilidoso na
interface com a política partidária e suas demandas regionais.
Desde a criação do Inep, em 1938, o País vivia um quadro de profun-
da instabilidade política, em parte resultado de um regime ditatorial, um
suicídio, uma renúncia e uma deposição por golpe militar. Nesse contexto
caótico, é plausível supor que a educação tenha sido relegada a segundo
plano entre as prioridades do governo federal. Assim, Anísio e seu talento
pragmático não só eram úteis como necessários, à frente de um órgão que
emblematicamente tornou-se o espelho do Ministério, na década de 1950.
É também possível deduzir que a instabilidade política não permitiu
ao poder central criar as condições necessárias para que fosse elaborado um

3
Conforme Marília Cardoso (2000, p. 333), “o olhar que se dirige à correspondência alheia precisa primeiro assumir seu
voyeurismo para depois transformá-lo em curiosidade intelectual". Segundo a autora, a atitude caracteristicamente vitoriana
do voyeur, ainda tem lugar na cena contemporânea, pois, se a psicanálise vai desfazendo a ilusão de profundidade interior,
enquanto a mídia simula o desnudamento dos corpos e das almas, permanece o desejo de desvendar o segredo do outro.

65
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

projeto consistente para a educação em nível nacional.4 Nem um projeto,


nem uma liderança que o abarcasse por um período de tempo suficiente
para seu desenvolvimento e sua efetivação. Para se ter uma idéia, durante os
12 anos em que Anísio Teixeira esteve na direção do Inep, passaram pelo
Ministério da Educação e Saúde, entre efetivos e interinos, 18 ministros e
pela cadeira presidencial, seis presidentes. Essa situação instável, talvez te-
nha proporcionado a Anísio uma oportunidade ímpar para que pudesse
colocar em prática alguns de seus projetos educacionais, engavetados por
mais de 20 anos.
Da correspondência trocada entre Anísio Teixeira e o ministro An-
tonio Balbino, baiano como ele, datada de 1953, emerge a preocupação
com a criação de escolas rurais, sobretudo nos Estados da Bahia, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, para os quais o ministro solicita
“especial carinho". Tal preocupação, envolvendo destinação de “verbas
especiais e bolsas de estudos", traduz uma possível articulação política
com os governos desses Estados, visando ao apoio eleitoral na Câmara e
no Senado aos projetos do governo federal.5 Entre esses, há um pedido
especial do ministro para que Anísio “usasse de sua influência" para agilizar
os trabalhos da Comissão empenhada em rever o anteprojeto da Lei de
Diretrizes e Bases,6 em tramitação no Congresso desde 1948 e que havia
sido “arquivado", após receber parecer do seu relator, o deputado Gustavo
Capanema, que o considerou “infeliz, inconstitucional e incorrigível" por
defender princípios incompatíveis com a unidade nacional. Na verdade,
Capanema não via no projeto intenções educacionais. Para o deputado,
esse era fruto de uma posição política antigetulista, especialmente por-
que, suas disposições em relação à descentralização da burocracia educa-
cional, significavam conceder maior autonomia para os Estados (cf. Saviani,
1999; Cunha, 1983), o que, sem dúvida, não combinava com o perfil do
governo Vargas.

4
Utiliza-se aqui a expressão projeto como categoria de análise.Ver a respeito Gilberto Velho (1994). Segundo o autor, o
projeto caracteriza-se por ser um instrumento básico de negociação da realidade com o outro, seja ele individual ou
coletivo, uma maneira de expressar e articular interesses, sentimentos e aspirações para o mundo, conferindo identidade a
indivíduos ou grupos.
5
Correspondência entre Anísio Teixeira e o ministro Antonio Balbino. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV,
CPDOC. ATc 1953.08.23. Rolo 39, fot. 856.
6
Carta de Antonio Balbino a Anísio Teixeira, em agosto de 1953. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV,
CPDOC. ATc 1953.08.23. Rolo 39, fot. 851.

66
"Prezado ministro; querido amigo. Do seu de sempre, Anísio":
fragmentos de correspondências de Anísio Teixeira (1953-1964)

Em carta ao recém-empossado ministro Cândido Mota Filho, no


ano de 1954, Anísio relata detalhadamente a estrutura, a organização, as
atribuições do Inep, bem como seus planos para a criação de um “Centro
Nacional de Estudos Educacionais" no Rio de Janeiro, em uma clara de-
monstração de que o Inep e seu diretor tinham vida própria, liberdade de
ação e, principalmente, um projeto educacional já bastante amadurecido,
que poderia ser executado independentemente das flutuações por que
passava o Ministério e o próprio governo.7
Na tentativa de justificar a implementação do novo órgão, que se
tornaria o CBPE, Anísio invoca a ação supletiva recomendada pela Consti-
tuição Federal para solicitar que sejam incluídos no orçamento

recursos para a criação de um Centro Nacional de Estudos Educacionais


aqui no Rio e Centros Regionais no Recife, Bahia, São Paulo e Rio Grande
do Sul destinados a se constituírem centros de pesquisa e estudos dos
diferentes aspectos dos sistemas educacionais e centros de treinamento,
formação e aperfeiçoamento de educadores, administradores e professores
de ensino primário e normal.8 (grifos nossos).

Evidencia-se a dupla intenção de que esses novos centros se tornas-


sem centros de pesquisa e estudos regionais – dada a diversidade do território
e a necessidade de ações pedagógicas distintas para cada região – e, ao mes-
mo tempo, centros de treinamento, formação e aperfeiçoamento de professo-
res e pessoal técnico. Para tanto, os objetivos dos centros regionais seriam: a)
recolher, elaborar e divulgar documentação pedagógica; b) realizar e estimular
estudos e pesquisas pedagógicas; c) realizar aperfeiçoamento e especialização
do professor primário e do curso normal, assim como administradores e
orientadores educacionais e pessoal de estudos dos problemas de educação.
A ênfase dada por Anísio ao aperfeiçoamento dos professores pri-
mários e ao curso normal deve-se ao fato, como ele mesmo assinala na
correspondência, de que esses escaparam, “mesmo na época de maior
centralização da administração brasileira, ao controle federal e graças a
isso, vêm-se desenvolvendo com um sentido de liberdade e de salutar
diversificação".9 Não é demais lembrar que os ensinos primário e normal

7
Carta de Anísio Teixeira a Cândido Mota Filho, datada de 1954 em papel timbrado do Inep. Arquivo Pessoal Anísio
Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATc 1954.12.00. Rolo 39, fot. 201.
8
Idem.
9
Idem.

67
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

ficavam sob a responsabilidade dos Estados brasileiros e que as Leis Orgâ-


nicas de Capanema para esses graus de ensino (que ainda vigoravam nessa
época) foram elaboradas na fase menos autoritária da ditadura varguista,
tendo sido publicadas, inclusive, no período formalmente democrata (ja-
neiro de 1946).
Vale também observar que a Lei Orgânica do Ensino Primário in-
corporou boa parte do ideário renovador. A atuação de Lourenço Filho
como diretor do Inep entre 1938 e 1945, assim como seu empenho na
criação da Comissão do Ensino Primário, já em 1939, com vistas a estudar,
levantar questões e elaborar estratégias para a reforma desse nível de en-
sino, contribuíram sobremaneira para que as práticas da Escola Nova fos-
sem efetivamente incorporadas à nova lei.
Secundarizando as questões mais propriamente burocráticas conti-
das na correspondência, há indícios evidentes de que a educação para
Anísio se sustentava em três grandes pilares: o ensino primário, a forma-
ção de professores e a pesquisa educacional. Em algumas das cartas trocadas
entre ele e o ministro do momento, pode-se constatar que a aplicação de
numerários destinados à educação obedecia rigorosamente a critérios de
prioridade muito caros a Anísio. Por exemplo: em carta a Antonio Balbino,
Anísio propõe a distribuição de cr$ 80 milhões para o ensino primário e
cr$ 20 milhões para o ensino normal. Nessa mesma carta, Anísio declara
que “sem abandonar a política de ampliação da rede escolar convém que,
nesta altura, o Inep busque dar relevo à criação de instituições padrões em
que sejam ressaltados os aspectos qualitativos da educação e, se possível,
os centros de aperfeiçoamento do magistério".10
Do mesmo modo, a criação dos Centros Regionais parece ter sido
uma estratégia promissora para transformá-los em Centro de Pesquisas e
também em lócus de treinamento, formação e aperfeiçoamento de profes-
sores do ensino primário e normal, além de facultar relativa autonomia
aos Estados em relação ao poder central, buscando respeitar e até aprovei-
tar as diferenças socioculturais do País. Quais seriam os critérios utilizados
para selecionar os Estados nos quais estes Centros seriam construídos?

10
Carta de Anísio Teixeira ao ministro Antonio Balbino. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATc
1953.08.23. Rolo 39, fot. 859 a 861.

68
"Prezado ministro; querido amigo. Do seu de sempre, Anísio":
fragmentos de correspondências de Anísio Teixeira (1953-1964)

Embora a correspondência examinada não nos permita afirmar quais seri-


am essas razões, pode-se inferir que essa escolha não foi aleatória e sim
articulada a objetivos estratégicos, uma vez que priorizou Estados nos
quais Anísio Teixeira possuía contatos mais estreitos, seja por afinidade
intelectual, afetiva ou mesmo política. Sem dúvida, eram Estados fortes
do ponto de vista político, além de se configurarem como pólos regionais,
representantes da diversidade cultural que tanto se deseja preservar.11
Anísio, no entanto, não foi somente um estrategista brilhante que,
no afã de ver concretizados seus sonhos mais ambiciosos, conseguiu, em
algumas ocasiões, driblar a burocracia emperradora do Estado. Foi também,
por vezes, um visionário sensível a questões educacionais importantes, mas
ainda pouco contempladas no âmbito de políticas específicas. Em julho de
1954, recebeu uma carta12 em tom desesperado, de um pai pedindo suges-
tões suas para educar um filho “rebelde" com um histórico de seguidas
repetências. Nessa carta, o sr. Innocencio Calmon, declara a Anísio que esse
filho é a única esperança de salvação da sua “estirpe", já que os dois mais
velhos não “deram para o estudo". Significativamente, essa carta foi res-
pondida no mesmo dia do seu recebimento. Nela, Anísio critica duramente
nossa educação “verbalista e desligada da realidade", faz comentários sobre
casos idênticos ao narrado em sua própria família e encerra dizendo ao pai
que quem está fracassando não é seu filho, mas a educação, porque “o
colégio que seu filho precisa ainda está para ser criado".
Quase no final da sua gestão no Inep, início da década de 1960, as
cartas pontuam as articulações políticas tecidas entre Anísio Teixeira e
professores norte-americanos, em especial o professor Robert Havighurst,
da Universidade de Chicago, com o propósito claro de envidar esforços
para conseguir a assinatura de convênios entre a Unesco e os Centros
Regionais, objetivando o desenvolvimento das pesquisas educacionais no
Brasil.13 Vários nomes de professores estrangeiros são lembrados para

11
Nesse sentido, vale a pena observar a correspondência entre Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo (Arquivo Pessoal
Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. Atc 1931.12.27 e Arquivo Fernando de Azevedo do Instituto de Estudos
Brasileiros – IEB-USP), entre Anísio e Gilberto Freire (CPDOC/FGV ATc 1959.12.23) e com Abgar Renault (Atc 1954.05.11/
2). Embora essa correspondência não faça parte da documentação selecionada, pode-se inferir que, ao menos nos Estados
de São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais tais critérios predominaram.
12
Carta de Innocencio M. de Góes Calmon para Anísio Teixeira e carta de Anísio a Innocencio Calmon. Arquivo Pessoal
Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATc 1954.06.11. Rolo 39, fot. 104-105.
13
Carta de Anísio Teixeira para Robert Havighurst, datada de 1962. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV,
CPDOC. AT c 1960.09.12/1. Rolo 39, fot. 477.

69
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

assumirem cargos de coordenação em postos-chaves, como por exem-


plo, a seção de “Testes e Medidas Educacionais" e também para virem ao
Brasil com o objetivo de ministrar cursos a grupos selecionados de alu-
nos e professores da Universidade de Brasília.
Em outra carta, o professor Havighurst informa a Anísio Teixeira
sobre a possível nomeação de João Roberto Moreira para dirigir o maior
projeto da Unesco em relação à educação primária na América Latina.
Ressalta ainda que aquele órgão tem interesses em projetos sobre o ensino
médio para a formulação de programas a serem realizados no biênio 1965-
1966.14
Após o Golpe de 1964 e a demissão de Anísio da direção do Inep, o
teor das correspondências assumiu um tom diferenciado. Como observam
Schwartzman, Bomeny e Costa (2000), os temas importantes para o País
passaram a ser outros. O que preocupava, agora, era o desenvolvimentismo
articulado à segurança, à industrialização, à dependência e ao nacionalis-
mo, às ameaças do populismo e ao autoritarismo. Assim, com o modelo
político do País subsumido à lógica do capitalismo internacional, adota-
ram-se novos paradigmas e novas abordagens para a educação que tives-
sem resultados mais eficazes e custos menores, ou seja, que atendessem às
exigências do modelo vigente. Os acordos para a importação de técnicos
em várias áreas de ensino, celebrados entre o Brasil e a Unesco estiveram
na ordem do dia e tornaram-se prioridade para o nosso sistema de ensino.
Uma das últimas missivas de Robert Havighurst para Anísio Teixeira
dá-nos a dimensão da situação constrangedora vivida pelo educador, após
o estabelecimento do regime militar no Brasil. A carta é datada de março
de 1965 e, sem saber como localizar Anísio, Havighurst envia para o Teachers
College da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, um exemplar do
seu livro lançado com Roberto Moreira, intitulado Sociedade e Educação
no Brasil. Acompanhando a encomenda, um bilhete no qual solicita: “Por
favor, deixe-me saber como vão as coisas com você e quais seus planos
para o futuro imediato".15

14
Carta de Robert Havighurst para Anísio Teixeira, datada de 27 de julho de 1963. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de
Janeiro, FGV, CPDOC. ATc 1960.09.12/1. Rolo 39, fot. 477-483.
15
Carta de Havighurst para Anísio Teixeira datada de 23/3/1965. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV,
CPDOC. Atc 1960.09.12/1 Rolo 39, fot. 483.

70
"Prezado ministro; querido amigo. Do seu de sempre, Anísio":
fragmentos de correspondências de Anísio Teixeira (1953-1964)

Entre amigos

Até mesmo aqueles que não concordavam com algumas das idéias
de Anísio, expressaram, por meio da correspondência, o respeito e o pres-
tígio que sua presença inspirava. Em 1957, o cardeal de Salvador, dom
Augusto da Silva, escreveu ao educador em solidariedade pelas pesadas
críticas que recebeu no artigo intitulado “A bolchevisação do ensino". Esse
registro é significativo porque nele, o cardeal deixa claro sua posição con-
trária ao pensamento anisiano, posição essa que não anula seu respeito e
carinho:

Meu caríssimo Dr. Anísio

Foi dolorosa surpresa a leitura do artigo “a bolchevisação do ensino", prin-


cipalmente por vê-la sob o título de “Vida católica". A mágoa que, de
justiça lhe causou aquela publicação, feriu-me, ao mesmo tempo profun-
damente; conheço bem seu coração e suas idéias. Se ao menos refutasse,
calmamente alguma idéia sua, alguma daquelas que discordam do pensa-
mento genuinamente católico, ainda bem, mas tripudiar sobre um nome
reconhecidamente admirado, é realmente estulto, gravemente injusto, e
mais ainda contraproducente. Sei que meu boníssimo amigo de todos es-
ses 32 anos, de nossa amizade, tem abraçado algumas doutrinas menos
cristãs, ou pelo menos, menos católicas, que conseqüentemente,
logicamente, o têm afastado das santas práticas religiosas, mas, daí para
“xingar" exclusivamente, vai um abismo. (...) Há, porém, meu caro Anísio,
erros profundos em seu iluminado espírito!!! Bem sabe que a muita luz
cega muito mais que as trevas. Não foi o espírito da luz, quem primeiro
errou? (...) Sua apaixonada “idolatria" pela ciência e pelas belas letras, le-
vou-o a prestar culto indevido ao Monteiro Lobato, cuja doutrina é atrevi-
damente demolidora da fé católica. (...) Mas não quero tratar disso. Quero
apenas levar-lhe minha solidariedade, na mágoa que lhe causou a “falta de
assunto" para o jornalista incipiente e apressado.

Sempre seu

a. Augusto Cardeal da Silva.16

Sob a mira do reacionarismo católico e de governos autoritários, a


obra de Anísio foi desmantelada por duas vezes. Sua crença inabalável na
democracia liberal e no poder da educação como força capaz de operar
mudanças sociais alimentou tanto o rancor das forças conservadoras quanto

16
Carta do cardeal dom Augusto da Silva a Anísio Teixeira, Bahia, 23 de julho de 1957. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio
de Janeiro, FGV, CPDOC. Atc 1957.07.23. Rolo 39, fot. 329.

71
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

as críticas dos que se declaravam progressistas. Entretanto, parece que


suas derrotas acabaram por se converter em meia vitória – para usar uma
expressão cara ao próprio Anísio Teixeira (1969, p. 226)17 – na medida em
que nos deixam a sensação de uma obra inconclusa, que nos remete ao
passado por meio das representações do presente, em busca de uma histó-
ria-desejo, mais idealizada que real.
É interessante como produções epistolares nos fascinam. Elas des-
tilam vida, relatam por meio de suas linhas distintos universos de interes-
ses e de crenças, constroem e desfazem relações, colocam a descoberto
questões que foram importantes naquele momento específico da escrita,
ou ainda questões das quais se ocuparam os agentes culturais (Byington,
op. cit., p. 494). Foucault afirma que a carta torna o escritor presente em
relação a quem ele se dirige, não pelas informações que fornece sobre si
mesmo, mas por um tipo de presença imediata, quase física (Foucault
apud Werneck, op. cit., p. 425). Essa é um pouco a sensação que experi-
mentamos ao entrar em contato com fragmentos da correspondência de
Anísio Teixeira. Entretanto, quem é esse homem que se recria a todo ins-
tante e consegue escapar a qualquer classificação?
Circulando entre políticos, conduzindo a educação do interior do
aparelho de Estado, coerente em sua luta dedicada à defesa do ensino
público e à formação e aperfeiçoamento dos professores, Anísio, talvez,
merecesse ser lembrado pelas cartas que dedicava aos amigos mais próxi-
mos, companheiros pela “boa causa da educação", como esta que trans-
crevemos abaixo:

Rio, 15 fev. 1960

Meu querido Fernando:

[...] Telefonei ao Agostini para me valer de sua memória, a fim de recordar o


dia de nosso encontro – recém-vindo eu dos Estados Unidos e da Columbia
University e v. em pleno vôo da reforma educacional do DF – para, como diz,
e eu confirmo de todo coração, o "começo de uma amizade que não teve
nem sofrerá desfalecimentos". Não conseguimos localizar o dia – mas, quan-
to ao mês, deve ter sido em fins de junho ou começo de julho e o ano foi o
de 1929 e não 1928 como v. julgava. [...] Esse foi um período extraordinari-
amente significativo em minha vida, que se iniciou com o conhecimento de

17
“Meia vitória, mas vitória". Comentário de Anísio Teixeira à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em dezembro
de 1961, em artigo publicado no Diário de Pernambuco, de 13 de abril 1962.

72
"Prezado ministro; querido amigo. Do seu de sempre, Anísio":
fragmentos de correspondências de Anísio Teixeira (1953-1964)

Lobato e se encerra com o encontro com v. no Rio, entre junho de 28 e


junho de 29. Tenho a impressão que foi nesse ano que me encontrei comigo
mesmo. O ano de estudos na Col. Univ., a descoberta de J. Dewey, a revisão
(ou conversão?) filosófica, e as grandes amizades intelectuais – Lobato,
Fernando, Lourenço, Afrânio e quantos e quantos outros...

Estou a escrever-lhe às pressas provocado pela sua tão generosa carta... Abraços
e saudades do seu de sempre muito grato,

Anísio18

Referências bibliográficas

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18
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2000, p. 131-132).

73
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

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74
4
“Reconstrução" da escola e formação
do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão
de Anísio Teixeira (1952-1964)
Ana Waleska P. C. Mendonça*

* Professora do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).


Edifício onde funcionava o CBPE - Rio de Janeiro-RJ
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

Ao tomar posse no cargo de diretor do Instituto Nacional de Estu-


dos Pedagógicos (Inep), no dia 4 de julho de 1952, Anísio Teixeira enuncia
com clareza a diretriz que, sem dúvida, iria nortear a sua atuação, durante
os 12 anos em que se manteve à frente do órgão.
No discurso então proferido, Anísio Teixeira propõe ampliar as fun-
ções do Instituto de forma a que ele se torne “o centro de inspirações do
magistério nacional para a formação daquela consciência educacional co-
mum que, mais do que qualquer outra força, deverá dirigir e orientar a
escola brasileira".1 Tal proposta é profundamente coerente com a análise
da educação brasileira que o educador desenvolve na primeira parte do
seu discurso. Para ele, é chegado o momento de “dar início a um movi-
mento de reverificação e reavaliação de nossos esforços em educação".2 E
prossegue, afirmando mais à frente:

Não podemos continuar a crescer do modo por que vamos crescendo, por
que isto não é crescer, mas dissolver-nos. Precisamos voltar à idéia de que

1
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 11, fot. 0634-0639, p. 9.
2
Idem, p. 7.

77
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

há passos e etapas cronologicamente inevitáveis, para qualquer progresso.


Assim é que não podemos fazer escolas sem professores, seja qual for o
nível das mesmas, e, muito menos, ante a falta de professores, improvisar,
sem recorrer a elementos de um outro meio, escolas para o preparo de tais
professores. Depois não podemos fazer escolas sem livros. E tudo isto estamos
fazendo, invertendo, de modo singular, a marcha natural das coisas.3 (grifos
meus).

Como assinala Venâncio Filho (2005, p. 36), o discurso de posse no


Inep de Anísio Teixeira “não é um simples discurso protocolar em que um
novo administrador, em frases vagas e afirmações protocolares, expõe proje-
tos anódinos", mas um “verdadeiro programa de governo", que estabelece “as
linhas de uma ação firme e atuante no setor da educação". Para confirmar a
importância que o próprio Anísio atribuía a esse discurso, cabe assinalar que
ele foi publicado pelo Inep em separata e na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, em 1952, e, posteriormente, foi incluído, pelo próprio autor –
com algumas pequenas alterações e sem a sua parte final – nos livros A
educação e a crise brasileira, publicado pela primeira vez em 1956, e Educação
no Brasil, em 1969, sob a forma, em ambos os casos, de Introdução.4
Neste artigo, me proponho a analisar a trajetória do Inep, ao longo
dos anos em que Anísio Teixeira esteve à sua frente, tentando mostrar que
a questão da formação dos profissionais de ensino – articulada à proposta
de reconstrução da educação “comum" do homem brasileiro (pela via da
escola primária redefinida e ampliada) – foi, efetivamente, o eixo que
norteou todo o conjunto de iniciativas desenvolvidas pelo órgão durante
esse período. A meu ver, tais iniciativas configuraram uma política de
formação do “magistério nacional", que pressupunha e buscava promover
uma autêntica “refundação" do lugar do professor, segundo a feliz ex-
pressão recentemente cunhada por Freitas (2005). Uma política, a um só
tempo, nacional, porque empenhava, por intermédio do Inep, o próprio
Ministério da Educação, a quem se atribuía a “assessoria técnica" e o
necessário respaldo financeiro, e regional, pois buscava adaptar-se às ca-
racterísticas e necessidades de cada região, por meio da rede constituída
pelos centros regionais de pesquisa e de treinamento de professores.

3
Idem, p. 8.
4
A esse discurso, Anísio viria a retornar várias vezes, especialmente nos textos produzidos a respeito do Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais (CBPE), órgão vinculado ao Inep, e por ele criado em 1955, inclusive, no Ofício e Exposição de
Motivos com que encaminha ao ministro da Educação o decreto que instituía o Centro.

78
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

A trajetória institucional
do Inep (1952-1964)

Na tentativa de reconstruir a trajetória institucional do Inep, du-


rante a gestão de Anísio Teixeira, estarei servindo-me basicamente de dois
tipos de fonte documental: a coletada no Arquivo Pessoal de Anísio Teixeira,
no Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do
Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, par-
ticularmente na série temáticos/Inep, e alguns artigos publicados, ao lon-
go deste período, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos5 e na Edu-
cação e Ciências Sociais.6 Utilizo ainda um extenso Relatório do Ministério
de Educação e Cultura (MEC), referente ao qüinqüênio 1956-1960, locali-
zado na biblioteca do Espaço Anísio Teixeira da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.7 Apesar do caráter fragmentário e bastante heterogêneo
dessa documentação, ela permitiu identificar com clareza três momentos
distintos de funcionamento do órgão, no período em estudo, que analiso
a seguir. Em cada um desses momentos, Anísio Teixeira desenvolveu um
conjunto diferenciado de estratégias que lhe permitiram imprimir sua marca
pessoal no Inep, fazendo com que essa instituição assumisse uma posição
peculiar e de absoluta centralidade no interior do Ministério. A mera per-
manência de Anísio à frente do órgão durante 12 anos, marcados por
sucessivas crises institucionais, que se refletiram na passagem de 18 mi-
nistros, entre efetivos e interinos, pela pasta da Educação, já é um indicativo
da sua importância, bem como da habilidade política de Anísio Teixeira e
da sua capacidade de estabelecer articulações, tanto no âmbito institucional,
quanto no âmbito das relações internacionais, que lhe garantiam, mesmo
que de forma freqüentemente instável, a viabilização financeira e técnica
de seus projetos.
É significativo, a esse respeito, que o desmonte de toda a estrutura
criada por Anísio Teixeira a partir do Inep, especialmente a rede constituída

5
A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos é uma publicação oficial do Inep, editada desde 1942.
6
A revista Educação e Ciências Sociais foi o principal veículo de divulgação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
(CBPE) e teve dez números publicados entre março de 1956 e setembro de 1962.
7
O Espaço Anísio Teixeira, situado no campus da Praia Vermelha da UFRJ, abriga parte significativa do acervo da antiga
Biblioteca do CBPE, organizada durante a gestão de Anísio Teixeira.

79
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

pelos centros de pesquisa e treinamento de professores, se fez, na segunda


metade dos anos 1960 e no início dos anos 1970, sob a égide da racionali-
zação administrativa.

Os anos iniciais (1952-1955):


ensaio e experimentação

Anísio Teixeira assume a direção do Inep, em 1952, substituindo


Murilo Braga de Carvalho, que falecera tragicamente em um acidente de
avião. Como se afirmou de início, o seu discurso de posse já é claramente
indicativo da direção que pretendia imprimir ao órgão. Desse discurso res-
salta a absoluta centralidade atribuída por Anísio Teixeira à questão da
qualificação do professor, para ele estratégia central no processo de “re-
construção" da educação nacional, que se fazia necessário, para adequá-la
às necessidades do desenvolvimento do País, e a forma privilegiada de o
Inep desempenhar sua atribuição de prestar assistência técnica aos Estados.
Com relação a esse aspecto, duas observações iniciais podem ser
feitas, a partir da análise do nosso corpus documental. A primeira delas
tem a ver com o que chamamos, em artigo anterior, de “caráter híbrido"
do Inep (Mendonça, Xavier, 2005). Há um documento particularmente
significativo a esse respeito no Arquivo do CPDOC.8 É um texto datilogra-
fado, sem data e sem assinatura, que se propõe a dar uma visão geral do
Inep, dos seus antecedentes, suas funções e organização, tomando-se como
referência a estrutura proposta para o órgão em 1938. O documento con-
clui-se com um organograma do Inep, no qual se introduzem algumas alte-
rações, incorporadas em um segundo organograma, anexo ao documento,
intitulado “Esquema do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – 1952".
Embora não tenha sido possível identificar a autoria do documen-
to, chama a atenção que pequenos trechos são literalmente reproduzidos
na parte introdutória do longo texto intitulado Os estudos e as pesquisas
educacionais no Ministério da Educação e Cultura, também sem assinatu-
ra, que ocupa a quase totalidade das páginas do primeiro número da

8
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 13, fot. 0086-0088.

80
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

revista Educação e Ciências Sociais – que tem como subtítulo Boletim do


CBPE – e que assume, portanto, o caráter de discurso oficial, com publica-
ção iniciada em março de 1956. Esse texto está dividido em duas partes,
cujos títulos respectivos, especialmente o primeiro, são particularmente
sugestivos: parte I: “Os problemas do Inep no setor de estudos e pesqui-
sas: sua solução pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais" e parte
II: “O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais". Procura-se recons-
truir, nas suas linhas gerais, a história da criação do Inep, incorporando,
inclusive, parcial ou integralmente, a documentação legal pertinente. Co-
meça-se pelos seus “antecedentes históricos", faz-se um balanço das duas
gestões anteriores à de Anísio Teixeira, apresenta-se o programa traçado
por ele para o órgão e identificam-se as várias etapas de implementação
deste programa, que teriam a sua culminância com a criação do CBPE. A
destacar, exatamente, a leitura que se faz do que se chamou de “caráter
híbrido" do Inep.
Referindo-se à cooperação do Inep com o Departamento Adminis-
trativo do Serviço Público (Dasp), nos primeiros anos de funcionamento
do Instituto, diz-se que:

A associação dos trabalhos de cooperação com o Dasp, na seleção e aper-


feiçoamento do funcionalismo público federal, com os de documentação e
investigação pedagógica, propriamente dita, imprime ao Inep um caráter
diverso do de simples gabinete de pesquizas (sic), que a prática vem de-
monstrando, no entanto, como de apreciáveis vantagens para a adminis-
tração e para o próprio sentido dos estudos que ao novo órgão passaram a
ser atribuídos.

Não é raro verificar-se que institutos de pura investigação ficam, muitas


vezes, isolados da vida real, com graves prejuízos para as suas finalidades.
A associação acima assinalada impede esse isolamento, por apresentar, cada
dia, problemas reais que ao Inep cabe dar imediata solução, ou encaminhar
para uma conveniente solução por meio de estudos mais demorados.9 (grifos
meus).

De outro ponto de vista, percepção semelhante também se faz pre-


sente na avaliação que é feita da gestão de Murilo Braga. Foi durante essa
gestão que o Inep assumiu, definitivamente, a administração dos recursos
do Fundo Nacional de Ensino Primário, criado em 1942, e sua aplicação,

9
Idem, p. 2.

81
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

em decorrência da extinção da antiga Diretoria do Ensino Primário e pas-


sagem das suas atribuições para o Inep (com isso, a meu ver, reforça-se o
caráter híbrido do órgão, mas em uma direção diferenciada da articulação
com o Dasp). É significativo, igualmente, que, em decorrência de prever-se
no Fundo uma parcela de recursos para ser aplicada no aperfeiçoamento
de professores, inicia-se no Inep um sistema de cursos no Rio de Janeiro,
com a concessão de bolsas para professores do interior. Tais cursos são
regulamentados através do Decreto-Lei nº 8.583/46, que dispõe sobre a
organização dos mesmos. No texto se reconhece que, permanecendo seis
anos na direção do Inep, Murilo Braga concentrou seus esforços nesses
dois setores: “desenvolvimento de um plano destinado a expandir a rede
escolar primária e normal, e cursos de aperfeiçoamento para professores
do magistério primário" (p. 14), e que suas iniciativas, no campo dos estu-
dos, ficaram limitadas. No entanto, conclui-se:

Vê-se, portanto, que o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, solicita-


do pelos problemas mais variados, resultantes de necessidades a que teve o
Governo federal de atender, nem sempre pôde concentrar-se nas ativida-
des de estudo e pesquisa para que fora criado e às quais o prof. Lourenço
Filho desejara consagrar-se. Por isso mesmo, porque soube ter bastante
flexibilidade para ajustar-se às situações que se lhe impunham, o INEP
ganhou confiança em seu próprio trabalho, impondo-se como órgão capaz
de dar ao Ministério da Educação e Cultura os subsídios necessários a uma
ação de política educacional que deve ser a sua preocupação dominante.
(p. 14-15 – grifos meus).

O que nos parece importante assinalar é que essas considerações se


encaminham em uma direção contrária a um tipo de interpretação domi-
nante nos trabalhos que vêm se debruçando até agora sobre a experiência
do Inep, ao longo desses anos, e segundo a qual as atribuições executivas
do órgão teriam prejudicado o desenvolvimento da pesquisa. Pelo contrá-
rio, apontam para uma legitimação do “caráter híbrido" do Inep, aliás,
coerente com a prática desenvolvida por Anísio Teixeira nas diferentes
instituições que dirigiu durante a sua longa vida pública.
Em outro documento do Arquivo do CPDOC, datado de 23 de
setembro de 1952,10 as atribuições do Inep encontram-se claramente
definidas (é bom lembrar que Anísio tomara posse em julho do mesmo

10
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 13, fot. 0058.

82
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

ano, apenas três meses antes, portanto). Reconhece-se que o Inep, "além
da sua função de órgão de estudos da educação nacional, em todos os
seus aspectos, desenvolve um programa de assistência financeira e téc-
nica aos Estados, no campo do ensino, em virtude de lhe haver sido
atribuída a administração do Fundo Nacional do Ensino Primário", es-
tendendo-se, ainda, a sua área de atuação à Campanha de Aperfeiçoa-
mento de Nível Superior (Capes) – atual Coordenação –, tendo em vista
a integração da parte executiva da Campanha à sua órbita. Definem-se
como linhas de trabalho do Inep:

I) estudos, pesquisas e levantamentos relativos à educação nacional;


II) documentação e bibliografia da educação nacional;
III) assistência financeira aos Estados e territórios no desenvolvimento de
sua rede de ensino;
IV) assistência técnica, mediante estágios de aperfeiçoamento de professores;
V) Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior.

Cumpre ressaltar que as duas primeiras e mais a quarta se configu-


raram, efetivamente, como as linhas mestras que orientaram o trabalho do
Inep, ao longo de toda a gestão de Anísio Teixeira.
Outra observação diz respeito à perspectiva de rede, no sentido
que se atribuiu a este termo, no artigo anteriormente citado (Mendonça,
Xavier, 2005), e que já se acha presente, também, desde o início da
gestão de Anísio Teixeira à frente do Inep. Em documento intitulado
Inep – Relatório de 1952, faz-se referência à proposta de criação de um
“centro nacional de preparo de professores e especialistas de educação",
que deveria abastecer os “centros regionais". A criação desse centro es-
taria em estudo, “com a colaboração da [Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura] Unesco e dos Negócios
Interamericanos", podendo ser a semente do “Centro Nacional do Prepa-
ro de Professores e Especialistas de Educação, necessário para que o
programa de assistência técnica ao ensino dos Estados venha a ter a
eficácia desejada".11 Destaca-se, mais uma vez, a prioridade atribuída à
qualificação do pessoal do magistério como a forma privilegiada de se
desenvolver a assistência técnica aos Estados, aliada à perspectiva de
uma atuação descentralizada do Inep pela via da regionalização.

11
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 13, fot. 0144-0145, p. 1.

83
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

A esse respeito, é significativo que a proposta inicial que aparece


na documentação levantada é a da organização de uma rede de “centros
de treinamento de professores", idéia que Anísio viria a retomar, nos anos
1960, após a criação do CBPE e dos Centros Regionais de Pesquisa. Alguns
destes centros de treinamento de professores chegaram a ser instalados,
como se verá a seguir, constituindo-se, dessa forma, a partir do Inep/
CBPE, uma segunda rede, que incorpora a constituída pelos centros de
pesquisa, mas que é mais ampla, não se identificando totalmente com ela
(proposta que Anísio consegue incluir no Plano Nacional de Educação
elaborado, logo após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), de dezembro de 1961, pelo Conselho Federal de Edu-
cação). A continuidade entre essas duas propostas é assumida, mesmo que
de forma meio ambígua, em artigo publicado na Revista Brasileira de Es-
tudos Pedagógicos, sem indicação de autoria, intitulado “Centro Brasileiro
de Pesquisas Educacionais". Na introdução desse texto, afirma-se que:

O Inep vem desde 1953 planejando a organização de um centro nacional


de aperfeiçoamento do magistério, no Rio e de cinco centros regionais em
Recife, Bahia, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre.

O Centro Nacional será um empreendimento a ser levado a efeito com a


colaboração da Unesco e, possivelmente, da Foreign Operation
Administration dos Estados Unidos.

O documento que se segue esboça os fins e objetivos do Centro e a sua


organização. Foi elaborado já com a colaboração de professores estrangei-
ros, notadamente o prof. Otto Klineberg, que deverão cooperar com o
Centro como membros do staff ou consultores. (Centro... 1955, p. 118 –
grifos meus).

Em outro documento manuscrito do Arquivo do CPDOC,12 que se


pode datar de 1954, com razoável segurança, faz-se também uma espécie
de balanço das atividades desenvolvidas pelo Inep, desde o início da ges-
tão de Anísio Teixeira (e que remetem aos objetivos anteriormente estabe-
lecidos). No que se refere à campanha de ampliação da rede escolar, os
planos de construções escolares prosseguem em bom ritmo; do mesmo
modo, os estágios de aperfeiçoamento do professorado primário, “com
o intercâmbio de professores e uma grande variedade de cursos"; o

12
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 13, fot. 0360.

84
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

“Centro de documentação pedagógica" também vai bem; o serviço de


publicações mantém em dia a publicação da revista do Inep; as Cam-
panhas (Cileme e Caldeme), no entanto, estão com os seus serviços
ameaçados com o plano de economia; a Capes prossegue os seus es-
forços, “tornando-se necessário a sua transformação em Fundação"; o
“Centro Nacional de Aperfeiçoamento do Magistério ainda está sem
sede, enquanto os centros regionais da Bahia, Minas e São Paulo já
têm sede própria e a do Rio Grande do Sul já está alugada" (grifos
meus). É o último documento, na seqüência cronológica, em que se
faz referência a esta proposta.
Já o documento seguinte de que se dispõe, um Relatório da Coor-
denação de Cursos de 1956,13 registra a visita de Otto Klineberg, enviado
pela Unesco, em abril de 1955, para colaborar na organização do “Centro
de Altos Estudos Educacionais" (cuja denominação propõe-se mudar para
“Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais",14) não se fazendo mais ne-
nhuma referência à proposta anterior.
Florestan Fernandes, rememorando o processo de criação do CBPE,
do qual participou diretamente, tendo depois integrado o seu quadro de
pesquisadores, ressalta que esse foi “dos mais demorados e complexos", e
considera que se poderia dividi-lo em duas fases:

uma, que abrange o período de tempo compreendido entre 4 de julho de


1952 e fins de 1954; outra, inaugurada com a elaboração dos planos de
organização desse centro, que toma alento e "direções novas" a partir do
início de 1955. Na primeira fase, as ocorrências fundamentais foram o
lançamento da idéia, no discurso em que Anísio Teixeira assumiu a direção
do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos; a formulação dos objetivos
do Centro de Altos Estudos Educacionais, por Anísio Teixeira, em janeiro
de 1954; a reunião de especialistas brasileiros e estrangeiros, alguns sob o
patrocínio da Unesco, em torno do alvo central colimado, que consistia na
fundação do centro. Na segunda fase, a ocorrência básica foi a reunião de
18 de agosto de 1955, na qual foram examinados, com objetividade e
ânimo construtivo, os projetos elaborados por Otto Klineberg e por Charles
Wagley – J. Roberto Moreira, que tentavam definir os fins do Centro Bra-
sileiro de Pesquisas Educacionais, delimitando sua estrutura institucional e
as funções que deveria preencher na vida educacional brasileira. (Fernandes,
1966, p. 566).

13
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 13, fot. 0150.
14
A esse respeito, surpreende a data do documento, pois, em 28 de dezembro de 1955, por meio do Decreto nº 38.460, o
CBPE já havia sido instituído com esta denominação consagrada.

85
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Florestan remete-se o tempo todo ao texto Os estudos e as pesqui-


sas educacionais no Ministério da Educação e Cultura, a que se fez refe-
rência anteriormente. Nesse texto, igualmente, o foco é a questão da pes-
quisa e não se faz nenhuma referência à proposta inicial dos centros de
treinamento de professores. Que fatores teriam levado a esse
redirecionamento (ou abandono, mesmo que temporário) da proposta ini-
cial, qual o significado dessa mudança de foco, são perguntas para as
quais não se encontrou resposta na documentação analisada.
De qualquer forma, cumpre destacar, que, explicitamente, os cen-
tros de pesquisa viriam a incluir, entre seus objetivos, o “treinamento e
aperfeiçoamento de administradores escolares, orientadores educacionais,
especialistas de educação e professores de escolas normais e primárias"
(item IV do art. 1.1, do Decreto nº 38.460, de 28 de dezembro de 1955),
incorporando, dessa forma, as atribuições previstas para os centros de
treinamento de professores.
Além do que, não se pode deixar de considerar a visão integrada
que Anísio Teixeira, desde o início, expressava da dupla vertente do traba-
lho do Inep (a pesquisa e a intervenção nos sistemas de ensino), que já
aparece com clareza no seu discurso de posse. Remetendo-se ao que pro-
punha como programa para o Instituto, Anísio defende a importância de
se começar por “medir o sistema educacional em suas dimensões mais
íntimas, revelando ao País não apenas a quantidade das escolas, mas a sua
qualidade",15 pois,

enquanto assim não procedermos, não poderemos progredir nem fazer


recomendações para qualquer progresso que não sejam de valor puramen-
te individual ou opinativo. Este trabalho, pois, não será nenhum trabalho
remoto e distante, mas parte integrante e preliminar do programa de re-
construção de nossas escolas e revisão de seus métodos (p. 10 – grifos
meus).

O assim chamado Documento Klineberg, que reuniu os três memo-


randos redigidos por Otto Klineberg durante sua estada no Brasil para
assessorar a criação do CBPE, afirmava, explicitamente, ser uma das prin-
cipais tarefas do Centro, cuja criação se propunha,

15
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04.

86
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

comunicar aos professores de todo o País os resultados de pesquisas im-


portantes em ciências sociais, relativas ao passado e ao presente. O materi-
al concernente ao Brasil em geral e às suas regiões deverá ser organizado
de modo a poder ser utilizado pelos professores, que poderão assim obter,
sem dificuldade, informações relativas à zona em que servem. (Estudos...,
1956, p. 41– grifos meus).

Aliás, é exatamente deste ponto de vista que Freitas (2005, p. 15)


afirma que, com a criação do CBPE, se “refundava" o lugar do professor,
“magnificamente recriado por Anísio, que o idealizou como pesquisador
de culturas locais. O professor e a professora foram guindados à condição
de intérpretes das demandas educacionais locais" (grifos meus).
Retornando ao período inicial de funcionamento do Inep, sob a
direção de Anísio Teixeira, cumpre lembrar que as primeiras iniciativas no
sentido de imprimir ao órgão a sua marca pessoal (ou o seu "projeto"),
constituíram-se na criação de duas campanhas: a Campanha do Livro
Didático e Manuais de Ensino (Caldeme), em julho de 1952, e a Campanha
de Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar (Cileme), em
março de 1953, que serão objeto de um estudo à parte. É significativo que
cada uma dessas campanhas se articulava com uma das duas vertentes do
trabalho do Inep, a que me referi acima. No texto Os estudos e as pesqui-
sas educacionais no Ministério da Educação e Cultura, afirma-se explicita-
mente: “Ao mesmo tempo em que se formulava o plano da Cileme, que
concretizava os objetivos de estudos e pesquisas, outro plano surgia des-
tinado a objetivar a assistência técnica ao professorado que também com-
petia ao Inep" (Estudos..., 1956, p. 27 – grifos meus).
A esse respeito, gostaria de destacar um (longo) trecho da exposi-
ção de motivos encaminhada pelo Ministro da Educação à Presidência da
República, justificando a criação da Caldeme:

A assistência técnica ao professorado constitui uma das funções mais im-


portantes dos serviços educacionais, qualquer que seja a jurisdição que se
situem. Uma tal assistência é infinitamente mais valiosa do que normas
coercitivas, sobretudo partindo da esfera federal. A sua necessidade tanto
se faz sentir em relação ao professorado de alto preparo quanto ao de
formação deficiente. Ambos dela se utilizarão na medida de suas forças,
uns e outros aproveitando-se dos ensinamentos e sugestões.

Há dois métodos principais de prestar a assistência técnica; ou tornando


acessíveis aos professôres cursos de aperfeiçoamento; ou fazendo chegar às
suas mãos guias ou manuais escritos especialmente para a sua orientação.
Apesar das vantagens inegáveis da instrução pessoal, ambos os métodos

87
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

precisam ser usados simultâneamente. Entre outros motivos para isto se


destaca o seguinte: os cursos de aperfeiçoamento, para atingirem repetida-
mente a massa do professorado no país, e, ao mesmo tempo, manterem o
alto padrão que lhes compete, exigiriam um pessoal numeroso, com elevado
preparo, e recursos financeiros extraordinários.

Não é justo aguardar a oportunidade para tais recursos. O justo clamor


provocado pelas deficiências qualitativas do nosso ensino está exigindo
providências urgentes. Cumpre iniciar uma campanha tenaz que vise acu-
dir, sem demora, ao professorado, fornecendo os instrumentos básicos de
trabalho e sugestões para o progresso contínuo do ensino. (Estudos..., 1956,
p. 27-28 – grifos meus).

Em 11 de novembro de 1953, Anísio Teixeira criava o Centro de Docu-


mentação Pedagógica, que visava sistematizar e integrar os trabalhos desen-
volvidos pelas duas campanhas e por outros setores do Inep. A constituição
desse Centro configurou-se como a etapa final do processo que culminou
com a criação do CBPE.16 Afirma-se no texto a que estou me remetendo:

Do Centro de Documentação Pedagógica para o Centro Brasileiro de Pesquisas


Educacionais, o passo a dar não era muito grande. Cumpria apenas estudar em
que condições este funcionaria, seus fins e objetivos, bem como operariam
dentro dele todos os setores de atividades já existentes no Inep. Desde logo o
assunto começou a ser discutido, sendo objeto de inúmeras reuniões e acalo-
rados debates, a que esteve sempre presente a idéia de que não era possível
estudar a educação brasileira e seus problemas, sem considerar, ao mesmo
tempo, toda a realidade nacional, em seus múltiplos aspectos. O Inep passava
a sentir que deveria enveredar também pelo campo das ciências sociais, às
quais pediria os estudos básicos, necessários a uma formulação de política
educacional. Realizando tal propósito, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educa-
cionais seria o grande órgão de pesquisas e estudos do Inep capaz de exercer
aquela função coordenadora que se quis atribuir à documentação pedagógica,
pois que esta seria, ao mesmo tempo que um setor básico do Centro, uma de
suas principais resultantes. (Estudos...., 1956, p. 35).

Os anos áureos (1956-1960):


a rede posta em ação

A citação com que se concluiu o item anterior é claramente


exemplificativa do lugar que passa a ocupar o CBPE, desde a sua criação,

16
A esse respeito é significativo que o item VI da Portaria n° 32, de 11 de novembro de 1953, que instituiu no Inep o Centro
de Documentação Pedagógica, dizia que "as atividades da Campanha de Aperfeiçoamento do Magistério Primário e Normal,
bem como a coordenação e supervisão dos Centros Regionais do Inep nos Estados, ficam atribuídas à Coordenação dos
Cursos do Inep" (Estudos..., 1956, p. 35).

88
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

no interior do Inep. Na verdade, este Centro não só se configura como o


órgão coordenador das atividades desenvolvidas, na dupla vertente a que
se fez referência acima, como fica freqüentemente quase que impossível
diferenciar o Inep do CBPE, transformado este último no verdadeiro braço
executivo do primeiro. Com isto, entra-se no que parece ser o período
áureo do Inep, durante a gestão de Anísio Teixeira, que corresponde, igual-
mente, a um momento de maior estabilidade institucional e política do
País, sob o governo de Juscelino Kubitschek.
Para análise desse período, a fonte documental privilegiada será o
extenso Relatório qüinqüenal do Ministério da Educação e Cultura (1956-
1960), documento que comprova, sem dúvida, o papel absolutamente
central ocupado pelo Inep/CBPE no âmbito das políticas desenvolvidas à
época pelo MEC.
Apresentado ao presidente da República, Juscelino Kubitschek de
Oliveira, pelo ministro Clóvis Salgado, em 31 de dezembro de 1960, o
relatório qüinqüenal do MEC tem uma estrutura peculiar: uma rápida apre-
sentação assinada pelo ministro; uma introdução mais extensa, cujo foco
são as relações entre educação e desenvolvimento econômico, que termi-
na com a apresentação da Meta nº 30 (do Plano de Metas de JK) e que
enfatiza as realizações do Ministério nessa direção; um item em que se
descrevem as atividades referentes ao “Ensino"; um item em que se des-
crevem as atividades referentes à “Cultura e Pesquisa"; um item sobre
“Ensino em Brasília" e, por fim, anexos e tabelas.
Que lugar o Inep ocupa nesse relatório? Importa destacar que não há
nenhum subitem que descreva as atividades do Inep, como um todo, embo-
ra o órgão conste, com a indicação do nome do seu diretor, da relação
inicial de órgãos subordinados ao MEC. No entanto, dentro do subitem
“Ensino Primário", há uma parte intitulada “Coordenação de Cursos do Inep",
bem como, no subitem “Institutos e Centros", do item “Cultura e Pesquisa",
estão arrolados o CBPE e os demais centros regionais, com suas diversas
realizações descritas. Para além disso, a leitura do subitem “Ensino Primá-
rio" aponta para a presença do Inep nesse setor, como seu verdadeiro órgão
executivo. A esse respeito, aliás, cumpre relembrar que, desde 1946, o Inep,
com a extinção da antiga Divisão de Ensino Primário e Normal do Departa-
mento Nacional de Educação, assumira formalmente as atribuições do Mi-
nistério referentes a esse nível de ensino.

89
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

A “Apresentação" do ministro destaca o empenho “em providenciar


recursos e executar obras que condicionassem meios de aprimorar e acele-
rar a reformulação de princípios e a aplicação de técnicas de ensino e
pesquisa, compatíveis com o vertiginoso processo de desenvolvimento
socioeconômico encetado pelo governo" (Brasil, 1960, p. ix) e, para tal,
entre outras coisas, buscou-se “implantar novos métodos; reestruturar ser-
viços; captar maiores recursos financeiros; recrutar cientistas, técnicos e
educadores de alto nível, nacionais e estrangeiros; (...) promover o inter-
câmbio cultural e educacional com outros povos" (grifos meus).
A “Introdução" é particularmente importante por permitir uma apro-
ximação à maneira como se percebia, no âmbito do MEC, a relação educa-
ção/desenvolvimento. Afirma-se, a esse respeito que “o desenvolvimento
socioeconômico exige novo comportamento (grifo meu) e conseqüente
soma de providências também novas",

Daí por que a vivência socioocupacional dos mais diversos setores vem
impondo ao governo que participe dessa mudança ou a venha promoven-
do por uma série de providências e realizações, capazes de corrigir os
desajustamentos culturais e, sobretudo, incrementar investimentos materi-
ais ou aplicações da cultura técnico-científica, já herdada, já conquistada
pelos homens do século XX. (Brasil, 1960, p. xii – grifos meus).

Define-se, como tarefa-chave do governo, “corrigir os


desajustamentos, de ordem humana, técnica e material, das entidades
educacionais, em todos os graus, reestruturando o seu funcionamento,
integrando-as na realidade socioeconômica, regional e nacional", elabo-
rando um programa que, “com base na realidade verificada e analisada,
facultasse a execução técnica do ensino para o desenvolvimento econô-
mico em curso" (Brasil, 1960, p. xv – grifos meus). Com esses objetivos, o
MEC teria se empenhado, entre outras coisas, “na reformulação filosófica
do ensino, (...) no incentivado e contínuo aperfeiçoamento do pessoal
docente e administrativo das escolas; na descentralização executiva dos
trabalhos docentes e administrativos".
Descreve-se o processo pelo qual o MEC estudou e elaborou a sua
meta, “conhecidas as providências e planos em curso e dadas as novas
exigências educacionais do desenvolvimento econômico, anteriormente
programado e já em início de execução" (Brasil, 1960, p. xvi – grifo meu).
O MEC teria solicitado ao presidente a sua participação ativa no Conselho

90
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

de Desenvolvimento, em março de 1957, tendo, na ocasião, encaminhado


um “ideário-programático da educação brasileira", que “fundamentaria a
elaboração da atual Meta nº 30 – Formação de Pessoal Técnico". Esse
“ideário", em 12 itens, acha-se incorporado ao final dessa parte do relató-
rio. Na mesma data, constituiu-se a “Comissão de Educação e Cultura do
Conselho do Desenvolvimento", sob a presidência do ministro e integrada,
entre outros representantes do MEC, por Anísio Teixeira. Essa comissão
procedeu “a minuciosa análise das deficiências quantitativas e qualitati-
vas do ensino, em todos os graus e ramos, inclusive do ponto de vista dos
recursos financeiros, indicando-se as metas desejáveis e fazendo-se reco-
mendações no interesse do aperfeiçoamento do sistema de ensino brasi-
leiro" (Brasil, 1960, p. xvii).17 Tais recomendações teriam norteado as vári-
as atividades desenvolvidas pelo Ministério.
Os documentos anexados a essa primeira parte do relatório, re-
forçam a maneira peculiar de se perceber a relação educação/desenvol-
vimento. São três documentos: “Proposições Preliminares sobre a Edu-
cação para o Desenvolvimento" (p. xxxiv-xxxvi), “Meta – 1957" (p. xxxvii)
e “Meta Formulada" (p. xxxviii). No caso do primeiro documento, cum-
pre destacar que, a par da preocupação em estabelecer laços estreitos
entre educação e desenvolvimento econômico – “o ideal educacional do
nosso tempo e do nosso povo deve ser, assim conceituado como uma
'educação para o desenvolvimento'" – há também uma clara intenção de
dar a entender que: “A educação para o desenvolvimento não é, como a
referência às transformações econômicas da sociedade pode deixar pare-
cer, uma educação puramente técnica, sem objetivo ético e conteúdo
humanístico" (p. xxxv).
Aliás, afirma-se, no item 12, com o qual se conclui o documento, que:

A educação para o desenvolvimento será, pois, um novo humanismo peda-


gógico (grifo meu), em que cada indivíduo é visto como protagonista da
sua época, como veículo de soluções comuns reclamadas pela coletividade,
soluções em que se harmonizam o permanente e o circunstancial, a essên-
cia e a existência (Brasil, 1960, p. xxxvi).

17
Essa Comissão elaborou, ainda, dois projetos de lei, um deles regulamentando o art. 169 da Constituição que estabelecia
a vinculação obrigatória de recursos, e outro instituindo um “Fundo Especial da Educação para o Desenvolvimento". O
segundo não chegou a ser encaminhado ao Congresso Nacional, sob a alegação de que já estavam tramitando no Poder
Legislativo o projeto anterior, bem como o da Lei de Diretrizes e Bases, que consolidavam “tal espírito".

91
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

É interessante destacar a forma como a Comissão do MEC apro-


priou-se de uma meta (a única referente à educação do Plano de Metas do
governo JK) formulada de maneira extremamente restrita e ampliou enor-
memente a compreensão subjacente do que seria uma “educação para o
desenvolvimento".
Há algumas referências significativas ao Inep. Afirma-se, primei-
ramente, que, “para incrementar o aperfeiçoamento do ensino escolar
primário e tornando mais produtiva sua conjugada atuação planejadora
e executiva de obras, preparação de professores e pesquisa", o órgão
teve que

descentralizar suas atividades, instalando em sedes próprias, cinco Centros


Regionais, três criados neste governo. Desse modo, seus estudos e pesqui-
sas terão melhor adequação ao meio tão variável de uma região a outra do
Brasil. Novos recursos em verbas e pessoal especializado, distribuídos a
esses órgãos de pesquisa educacionais, contribuíram para intensificar e
qualificar o rendimento de suas atividades técnico-pedagógicas. (Brasil,
1960, p. xix).

A “Apresentação" remete-se a uma série de atividades coordenadas


pelo Inep, tais como “a regularização das matrículas pela idade dos alunos
e a adoção do regime de promoção flexível, em função da capacidade dos
alunos", restritas a um “campo experimental", dadas as limitações orça-
mentárias (apesar dos ótimos resultados evidenciados em Porto Alegre e
Natal, ressalta-se), e a extensão da escolaridade primária a seis anos na
zona urbana, saindo o pré-adolescente da escola capacitado a exercer
serviços práticos de eletricidade, marcenaria, mecânica, artes industriais.
Como se poderá ver, mais à frente, essas atividades se constituíam no
objeto de uma Campanha subordinada ao Inep (a Campanha de Educação
Complementar) e apontam claramente para uma difusão do modelo de
educação ensaiado nas escolas experimentais vinculadas ao órgão.
Cumpre ainda destacar a abordagem que é dada, na “Introdução"
do Relatório, à questão do combate ao analfabetismo. Enfatiza-se, de
início, a forma como se iniciou o processo, preferindo o governo, “com
base em prévios estudos e levantamentos regionais", experimentar em
poucos municípios, para espraiar-se, gradualmente, por “áreas circunvizinhas
em condições de receber, em vez da simples alfabetização, a educação
elementar completa" (p. xix). “Válida a experiência inicial", esta se multi-
plicou por mais trinta municípios, sendo:

92
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

Em cada um deles, a rede escolar, sob a direção do Ministério, através da


Campanha de Erradicação do Analfabetismo, tratada e reestruturada, den-
tro das melhores recomendações pedagógicas, referentes a métodos, regu-
larização das matrículas por idade, promoção flexível, classes especiais para
adolescentes, ensino de artes industriais, artesanais ou agropecuárias. (Bra-
sil, 1960, p. xix – grifos meus).

Não só do ponto de vista das estratégias, como do enfoque que é


dado à questão, parece inegável a proximidade com as políticas desenvol-
vidas pelo Inep.
A estruturação do subitem do relatório referente ao ensino primá-
rio mostra claramente como as campanhas extraordinárias se constituí-
ram, ao longo do período, em uma estratégia privilegiada pelo MEC, para
atingir os objetivos considerados prioritários. Três das campanhas citadas
no relatório estão diretamente subordinadas ao Inep: as campanhas de
Construções e Equipamentos Escolares, de Aperfeiçoamento do Magisté-
rio Primário e de Educação Complementar. Duas outras: a Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos e a Campanha Nacional de Educação
Rural vinculam-se ao Departamento Nacional de Educação (DNE).
Já a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, a que
se fez referência acima, caracterizada como “projeto piloto e experimen-
tal" não tem uma vinculação institucional clara, mas uma das recomenda-
ções feitas a seu respeito é de que “não deve e não pode ser convertida em
um plano nacional", considerando-se que, sendo seus objetivos “oferecer
critérios que norteiem a ação do MEC nas suas atividades de auxílio e
complementação dos esforços estaduais e municipais em ensino primá-
rio", tais atividades devem ser exercidas pelos órgãos permanentes do MEC.
Sugere-se, a esse respeito, a criação de uma Divisão de Ensino Primário e
Normal, no DNE (Brasil, 1960, p. 30). É bastante significativa a ressalva
feita de que a formulação inicialmente preferida para esta campanha foi a
de um “projeto ‘piloto' experimental para ser aplicado a áreas limitadas,
em vez de uma ‘campanha' de âmbito nacional". Afirma-se que

feitos os estudos preliminares, o projeto foi incluído na programação da


Meta 30 (Formação de Pessoal Técnico), elaborada pela Comissão de Edu-
cação e Cultura do Conselho do Desenvolvimento.

Ao serem votados, pelo Congresso Nacional, os recursos com que seria


posto em execução o plano piloto, foi ele chamado de “Campanha Nacio-
nal de Erradicação do Analfabetismo", apesar do seu caráter experimental e
limitado. (Brasil, 1960, p. 26).

93
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Cumpre destacar, mais uma vez, a orientação que é dada à questão


do combate ao analfabetismo, o que se evidencia no encaminhamento
proposto para o projeto piloto, desenvolvido nos municípios de Leopoldina
(MG), Catalão (GO), e Timbaúba (PE), e que abrangeria os “seguintes seto-
res: escolarização da população em idade escolar primária e reorganização
do ensino primário no sentido de obter maior rendimento escolar; treina-
mento e aperfeiçoamento" dos professores primários, especialmente nas
áreas rurais; “escolarização de emergência" dos adolescentes e adultos
analfabetos e “educação de base" (Idem, p. 26). Na verdade, esta campa-
nha mais se parece com um ensaio de uma política global do MEC com
relação ao ensino primário. Aliás, de uma forma geral, a leitura atenta
deste subitem referente ao ensino primário evidencia uma clara superposição
de objetivos e atividades entre as diversas campanhas, bem como entre a
atuação do Inep e do DNE.
Paiva e Paixão (2002, p.160) referem-se à criação, no Inep, da Cnea,
que, embora apareça com uma denominação diferenciada no livro produ-
zido pelas duas autoras (Campanha Nacional de Educação de Adultos), é
evidentemente a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo,
que, segundo as autoras, “dá continuidade aos esforços que o Inep vinha
desenvolvendo em educação de adultos: Campanha de Educação de Adul-
tos e Adolescentes (CEAA) de 1947 a 1963, e Campanha Nacional de Edu-
cação Rural (CNER) de 1952 a 1963".
Cumpre destacar que, no relatório em questão, as duas campanhas
citadas acima aparecem vinculadas ao DNE e não ao Inep. Mais importan-
te é a informação passada pelas autoras de que, para a coordenação da
Cnea, foi indicado, em 1957, João Roberto Moreira (colaborador direto de
Anísio na montagem do CBPE e chefe do Setor de Planejamento do Cen-
tro, nos seis primeiros anos de seu funcionamento), e que, posteriormente,
em 1961, seria nomeado diretor do DNE.
Paiva e Paixão (2002, p. 161, 163) estabelecem com clareza uma
linha de continuidade entre a atuação da Cnea e os estudos de comuni-
dade do CBPE, chamando a atenção exatamente para a maneira peculiar
de se abordar a questão do analfabetismo (abordagem “integrada ao
sistema regular de ensino e articulada à comunidade", que implica em
uma percepção da “dimensão cultural que envolve o letramento". Desse
ponto de vista, estabelecem um contraponto entre a perspectiva tecnicista

94
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

do Programa Brasileiro-Americano de Assistência ao Ensino Elementar


(Pabaee) e a visão do Inep, que considera a “dimensão cultural da escola".
A meu ver, essa linha de continuidade que se estabelece entre os
estudos de comunidade do CBPE e o trabalho desenvolvido no Cnea
evidencia-se por uma série de razões. A primeira delas é a própria indi-
cação de Roberto Moreira, que estivera na gênese do Programa de
Pesquisas em Cidades-Laboratório do CBPE. Aliás, as cidades indicadas
para o projeto piloto da Cnea são igualmente algumas das cidades
escolhidas para o referido programa. A segunda tem a ver com a ques-
tão do método, como já se fez referência acima (planejamento
regionalizado, experiências pilotos e progressiva extensão da experiên-
cia) (Mendonça, 1997; Xavier, 1999). A terceira vai na direção do que
afirmam Paiva e Paixão (2002). Tem a ver, por um lado, com a maneira
de se abordar a problemática do analfabetismo e, por outro, com a
visão que se tem do papel da educação escolar (a escola como agente
de mudança cultural).
O subitem do relatório referente ao “Ensino Primário" mostra cla-
ramente o protagonismo do Inep nesse âmbito. Das 38 páginas que com-
põem essa parte do relatório, 24 estão dedicadas a atividades diretamente
subordinadas ao Inep, pela via das Campanhas de Educação Complemen-
tar e de Construções e Equipamentos Escolares e da Coordenação de Cur-
sos do Inep.

A Campanha de Educação Complementar

Chama desde logo a atenção a concepção peculiar que se atribui ao


termo educação complementar. Começa-se por um histórico da campa-
nha, criada três anos antes, ressaltando exatamente a ampliação dos seus
objetivos iniciais. A esse respeito, afirma-se que, se, de início, a “tendên-
cia predominante era assegurar a permanência na escola de adolescentes
entre 12 e 14 anos, que não pudessem continuar os seus estudos após o
curso primário" (Brasil, 1960, p. 3), ocupando-os ao menos parcialmen-
te, até que atingissem a idade legal de trabalho e “aproveitando a opor-
tunidade para ampliar a sua educação e prepará-los para o trabalho",
mostrou-se necessário emprestar a esta campanha “razões mais sólidas e

95
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

positivas", dado que “as próprias condições do desenvolvimento social e


econômico impunham, com urgência, a extensão da escolaridade primá-
ria". Afirma-se textualmente que: “a compreensão clara desses imperati-
vos levou o Ministério a elevar a Educação Complementar a um dos pon-
tos capitais do seu programa, tendo-se em vista as recomendações da
Conferência dos Ministros da Educação da América Latina, realizada em
Lima, em 1956" (Brasil, 1960, p. 3).
Alega-se justamente que este destaque atribuído à Educação Com-
plementar deve-se à sua nova significação, dado que:

as duas conseqüências mais imediatas e consideráveis da atual estrutura


social são a exigência de uma escolarização mais intensa e a necessidade
de harmonizar a formação geral com a preparação para o trabalho. A pri-
meira se exprime pelo prolongamento da escolaridade obrigatória com a
gradativa incorporação do curso secundário: a Educação Complementar
acrescenta à primária dois anos equivalentes às duas primeiras séries dos
cursos médios. À outra responde o nosso programa com a iniciação das
atividades de trabalho. (Brasil, 1960, p. 3).

A seguir, apresenta-se o esquema do Inep referente a esse setor,


que compreende a seguinte estrutura: instalação de 5° e 6° anos na
escola primária; construção de Escolas-Parque e de Centros de Educa-
ção Complementar e Cursos de Artes Industriais. A referência modelar
é a da Escola-Parque da Bahia, em funcionamento desde 1954, embo-
ra se afirme que já se encontrava iniciada a Escola-Parque de Belo
Horizonte, em vias de começar, a de Campina Grande, na Paraíba, e
programadas as de São Paulo, Porto Alegre, Guanabara e Recife. Os
programas de Educação Complementar desenvolver-se-iam por meio
de acordos com os governos estaduais, tendo sido celebrados, entre
1958 e 1960, 129 acordos. Estes acordos se referem a construções
escolares (escolas-parque, centros de demonstração e pavilhões de ar-
tes industriais), à formação de pessoal (pelos estágios realizados no
Rio, São Paulo e Salvador) e a experiências de regularização das matrí-
culas, estas, por enquanto, iniciadas apenas nos Estados “que se mos-
traram interessados em executá-lo" (Brasil, 1960, p. 8), Rio Grande do
Sul e Rio Grande do Norte . Como principais dificuldades para atingir
as metas propostas, apontam-se, por um lado, a liberação parcial e
“arrítmica" dos recursos financeiros e, por outro, a “lentidão
incontornável" de alguns Estados (p. 6).

96
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

Coordenação dos cursos do Inep

Na parte do relatório referente a este setor do Inep, são relacionados


os diferentes cursos e estágios promovidos pelo órgão, “no cumprimento de
sua finalidade de prestar assistência técnica ao magistério", e com a colabo-
ração dos Centros Regionais da Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul, bem
como o número de profissionais atendidos. Foram beneficiados

os seguintes tipos de profissionais: administradores escolares e especialis-


tas em educação; professores e diretores de Escolas Normais; professores
primários para Escolas de Demonstração e Experimentais; supervisores, di-
retores e professores para o setor de Artes Industriais do Plano de Extensão
da Escolaridade deste Ministério; professores especializados e professores
primários de classe, em geral, e pessoal para se encarregar de assistência ao
magistério nos Centros Brasileiros (sic) e Regionais de Pesquisas Educacio-
nais e para atender a planos dos Estados. (Brasil, 1960, p. 10).

O número total de professores e profissionais aperfeiçoados pelo pro-


grama, entre 1956 e 1960, foi de 5.387, dos vários Estados da Federação.
Destaca-se, do ponto de vista da cooperação internacional, a colaboração da
Unesco em três cursos de preparação de especialistas em Educação, realizados
em 1958, 1959 e 1960, no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São
Paulo e o convênio firmado com o Institute of Interamerican Affairs, Point IV,
por meio do qual se criou um “organismo conjunto brasileiro-americano – o
Programa Brasileiro-Americano de Assistência ao Ensino Elementar (Pabaee),
para desenvolver um programa de aperfeiçoamento de professores de Escolas
Normais e supervisores de ensino elementar" (p.11). Afirma-se que, por essa
razão, o Inep deixou de organizar, a partir de 1959, cursos especiais para tais
professores, nas especialidades do Programa, enviando bolsistas aos cursos
realizados no Instituto de Educação de Minas Gerais. Faz-se, ainda, referência
a que, por meio desse convênio, foram aperfeiçoados nos EUA, 92 professores
para colaborarem em planos de assistência ao magistério primário das Secre-
tarias de Educação ou dos Centros Regionais, 19 professores secundários para
o projeto de organização de um ginásio experimental e oito especialistas em
Educação, além de mais 102 profissionais, para planos de desenvolvimento
nas diversas unidades federadas (p. 13).18

18
A respeito desse programa, ver Paiva e Paixão (2002).

97
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

A Campanha de Construções
e Equipamentos Escolares

Na parte do Relatório que se ocupa desta campanha, percebe-se


claramente o quanto as diferentes campanhas subordinadas ao Inep inte-
gram-se em uma grande política de “ampliação e melhoria do sistema
escolar primário e normal", como aliás se explicita no próprio texto do
relatório, que se pretendia fundamentada em “estudos e análises da reali-
dade brasileira", percebida esta na sua diversidade regional.
É dentro desse contexto que se procura situar a questão das cons-
truções e equipamentos escolares:

A escola primária, com as características que lhe emprestam as diferentes


áreas culturais do País, onde se integra, apresenta, dentro do colorido varia-
do resultante de seu ambiente social, uma constante: a carência de prédios.

O problema da matrícula das crianças já entrou para o quotidiano da po-


pulação brasileira, que sofre as conseqüências dessa carência expressa, não
só pela dificuldade de encontrar vagas para as matrículas, como pela queda
da qualidade do ensino, sujeito que ficou, em sua maioria a um diminuto
dia escolar, dado o desdobramento dos alunos em dois, três e até quatro
turnos.

Muitos prédios, superlotados durante todo o dia, às vezes também à noite,


tornam-se ambientes tumultuados onde não há lugar nem tempo, nem
condições para a escola cumprir os seus propósitos de educação, de desen-
volvimento da personalidade da criança, de formação de bons hábitos (Brasil,
1960, p. 14 – grifos meus).

É significativo, também, que a questão das construções e equipa-


mentos das escolas seja diretamente articulada com a questão da formação
do professor. Aliás, a Campanha também financia a construção e a melhoria
de escolas normais, justificando-se essa política pela “estreita ligação exis-
tente entre o curso de formação de professores e o nível qualitativo das
escolas primárias" (Brasil, 1960, p. 19). O relatório enumera uma série de
projetos elaborados sob supervisão do Inep para Centros Educacionais e
Institutos de Educação, “que representam obras de qualidade e de enverga-
dura" (p. 20), especialmente se comparados com a parcela das dotações
atribuída a escolas particulares, nas quais o Inep não tem interferência. São
citados, “entre outros": os Centros Educacionais de Maceió, Fortaleza, Aracaju,
Caicó e Mossoró; os Institutos de Educação de Recife, Belo Horizonte, João
Pessoa, o Instituto Superior de Educação Rural, de Betim (MG); as Escolas

98
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

Normais de Colatina (ES); Afogados da Ingazeira, Floresta e Salgueiro (PE);


Itabaiana (SE); Leme (São Paulo); Bela Vista e Ponta Porã (MT); São Borja
(RS); Lajes (SC); Paulo Afonso e Floriano (GO); Porto Velho, Boa Vista e Rio
Branco, nos respectivos territórios; Caetité e Feira de Santana (BA).
Os parágrafos seguintes, na verdade, sintetizam a política para o
ensino primário praticada pelo Inep, ao longo dos anos em estudo:

Visando proporcionar meios para a melhoria do ensino primário, o governo


federal criou o Fundo Nacional do Ensino Primário e, por intermédio da
“Campanha de Construções e Equipamentos Escolares", da “Campanha de
Aperfeiçoamento do Magistério Primário" e da “Campanha de Educação
Complementar", do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, vem con-
cedendo, desde 1946, auxílios financeiros: a) para a construção e melhoria
da rede escolar primária; b) para preparar maior número de professores
especializados, administradores de ensino e líderes educacionais de alta
qualificação, que vão constituindo ano a ano, em seus Estados, um grupo
cada vez maior de elementos capacitados para colaborar na revisão e refor-
ma da situação educacional vigente; c) para a criação e auxílio de manu-
tenção dos cursos primários complementares com oficinas de artes indus-
triais, estendendo para seis anos a escolaridade primária.

Além deste programa de assistência técnica, mantém ainda o Inep uma


atuação permanente junto às Unidades Federadas por intermédio dos seus
Centros Regionais de Pesquisas Educacionais, sediados em Salvador, São
Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife, onde Escolas Primárias de
Demonstração ou Experimentais já estão em funcionamento ou sendo
construídas, para servir de campo de aperfeiçoamento do professorado
local e de outros Estados. (Brasil, 1960, p. 14-15).

Essa parte do relatório se encerra, surpreendentemente, com uma


detalhada explanação de um sistema de organização de classes, que inclui
classes regulares e classes de recuperação, e que se propõe a trazer uma
solução para o problema da desordenação cronológica das matrículas.
Não há notícias sobre onde este sistema se aplica, quem o financia, nem
como se articula com a Campanha de Construções Escolares.
É significativo que se reconheça, no relatório, o déficit real de salas
de aula, constatando-se que a média anual de construção de salas baixou
ao longo do qüinqüênio, de cerca de mil, para cerca de 600, o que estaria a
exigir “alguma medida de grande volume, de grande envergadura, de linhas
gigantescas" (Brasil, 1960, p. 18), nessa direção. Admite-se que: “O encare-
cimento constante do custo das obras, as dificuldades de pagamento por
parte do Tesouro Federal, os hiatos das administrações locais decorrentes de
duas campanhas eleitorais, parecem fatores decisivos no decréscimo dos
resultados do plano proposto" (p. 17).

99
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Perpassa todo o texto a preocupação com o estabelecimento de


critérios racionais para a alocação das verbas, de avaliação e controle da
sua utilização, buscando-se uma “nova forma de entrosagem" com os
Estados, dado que os auxílios são sempre concedidos mediante convênio
com os mesmos, tendo em vista o caráter supletivo da atuação da União.

O CBPE e os centros regionais de pesquisa

Como já se disse acima, dentro do item “III – Cultura e Pesquisa",


no subitem “Institutos e Centros", incluem-se a descrição das atividades
do CBPE e dos Centros Regionais de Pesquisa.
Ressalta, logo de início, a forma abrangente com que são descritos
os objetivos da rede constituída, deixando-se claro que a “elaboração gra-
dual de uma política educacional para o País" é o objetivo maior, para o
qual a pesquisa das condições culturais e escolares deve oferecer uma base
científica:

O objetivo desses novos órgãos é a pesquisa das condições culturais e


escolares e das tendências de desenvolvimento de cada região e da socie-
dade brasileira como um todo, visando à elaboração gradual de uma polí-
tica educacional para o País.

Assim a eles compete a elaboração de planos, recomendações e sugestões


para revisão e reconstrução educacional do País, nos níveis primário, médio
e superior, através da publicação de livros fonte e de texto, preparo de
material de ensino, estudos sobre administração escolar, currículos, psico-
logia educacional, filosofia da educação, medidas escolares e quaisquer
outros temas que concorram para o aperfeiçoamento de administradores
escolares, orientadores educacionais, especialistas em educação e profes-
sores de escolas normais e primárias. (Brasil, 1960, p. 193 – grifos meus).

Destacam-se alguns dos projetos desenvolvidos pelo CBPE: “Edu-


cação e Mobilidade Social; Escola Experimental nº 1, resultante de um
convênio com a então Prefeitura do Distrito Federal, pelo qual a escola
Guatemala passou a constituir órgão de experimentação do CBPE; Socia-
lização e Estrutura de uma Comunidade em Itapetininga; Situação Educa-
cional em Sergipe; Levantamento das Instituições e pessoas ligadas aos
problemas educacionais do Brasil; menores no meio rural brasileiro" (Bra-
sil, 1960, p. 193). Chama a atenção a diversidade dos projetos relaciona-
dos, que incluem pesquisas, propriamente ditas, surveys, levantamentos, e

100
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

até a instalação de uma escola experimental. Ressalta-se, no relatório, o


fato de que “de todos esses projetos resultaram trabalhos, reunidos em
volume ou publicados nas revistas editadas pelo CBPE" (p. 193).
Descrevem-se, detalhadamente, as atividades de cada uma das di-
visões do CBPE, considerando-se cada ano do qüinqüênio.
Em 1957, destacam-se, da Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais
(Deps), o “Curso de Aperfeiçoamento para Pesquisadores Sociais", especi-
ficando-se ter a segunda parte do curso consistido em um trabalho de
campo, no caso, um “estudo de caracterização geral da região compreen-
dida entre os municípios de Leopoldina e Cataguases" (p. 194), objeto
também do segundo projeto destacado: o da “Área-Laboratório". Com
relação à Divisão de Assistência ao Magistério (DAM), diz-se que esta con-
tinua o seu trabalho na “Escola de Orientação", desenvolvendo-se um
programa de aperfeiçoamento dos professores da escola e estágios para
professores de outros Estados, em “Escolas de Demonstração". Da Divisão
de Documentação, Informação e Publicações (DDIP), destacam-se, além
das atividades regulares e da edição das três revistas do CBPE, os serviços
de Bibliografia e Audiovisual, “este último iniciado numa articulação com
a Diretoria do Ensino Secundário, que pôs à disposição do Inep funcioná-
rios seus, já com experiência no assunto" (p. 195).
No ano de 1958, comemorou-se o 20º aniversário do Inep, coin-
cidindo com a organização de três exposições: sobre “Livros Didáticos" e
“Guias de Ensino", “Publicações e Documentários sobre a Organização
das Nações Unidas e a do Curso de Artes Industriais promovido pelo Inep
e ministrado a bolsistas dos diversos Estados da União" (p. 195). Neste
ano, a DEPS continuou desenvolvendo o curso referido acima e o agora
“Programa de Cidades-Laboratório", além de outros projetos, entre os
quais se destaca a pesquisa sobre o “Processo de Urbanização e Industri-
alização", que “visa ajudar a compreensão de transformações sociais que
vem afetando a estrutura e funcionamento do nosso sistema escolar" (p.
196). Afirma-se, ainda, com relação ao “Programa de Cidades-Laborató-
rio", que este sofreu uma reorientação, tendo em vista a criação da Cnae,
já que o programa da campanha recém-criada fundiu-se com o das Ci-
dades-Laboratório.
Nesse mesmo ano, a Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais
(Depe) elaborou o “Plano Educacional de Brasília".

101
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Por fim, da DDIP, destacam-se algumas colaborações com a Unesco,


tais como a edição de um guia dos museus brasileiros, distribuído durante
o Congresso Internacional de Museus, realizado no Rio, sob o patrocínio
da organização internacional, e um estudo bibliográfico sobre a Educação
Brasileira publicado na Revue Analytique de l'Éducation. Além disso, res-
salta-se que a DDPI procedeu ao estudo da Organização do MEC e sua
estrutura atual, do qual resultou um quadro com o Organograma da situ-
ação de cada serviço. E ainda, foram elaborados documentos sobre “medi-
das destinadas a facilitar a formação dos quadros técnicos e científicos do
País" e sobre “utilização de manuais nas escolas primárias, temas da 22ª
Conferência Internacional de Instrução Pública, realizada em Genebra, em
julho de 1959" (p. 197).
De 1960, destaca-se a realização da terceira reunião da "Comissão
Consultiva" do CBPE, na qual se estabeleceu “uma escala de pesquisas
consideradas de interesse comum a todos os Centros", a saber: “1) estudos
e pesquisas sobre a formação de professores, em todos os graus do magis-
tério; 2) estudo e pesquisa sobre o rendimento escolar (escala de escolari-
dade) e 3) levantamentos de sistemas escolares estaduais" (p. 197). Chama
a atenção o caráter das pesquisas privilegiadas que incidem diretamente
sobre a problemática especificamente escolar. Da Depe, destaca-se a con-
clusão dos projetos referentes a “Classes Secundárias Experimentais e ao
Sistema Escolar do Estado da Guanabara, continuando, entre outros, a
execução do projeto sobre ensino secundário brasileiro, este último visan-
do a uma caracterização por amostragem, nas áreas industrializadas no
País, realizado em colaboração com a Deps" (p. 197). Da Deps, destaca-se
o estudo sobre urbanização e industrialização, a ser concluído em 1961,
com a publicação de 20 monografias, além de uma síntese geral dos resul-
tados. Faz-se, ainda, referência à adesão do Brasil ao Bureau Internacional
de Educação, sediado em Genebra, tomando-se “providências para a ins-
talação, na sede daquele órgão, de um setor de divulgação das realizações
brasileiras no campo educacional" (p. 199).
Na parte seguinte do Relatório, faz-se ainda uma descrição das
principais atividades desenvolvidas por cada um dos Centros Regionais de
Pesquisa. Fica evidente, nessa parte do Relatório, a diversidade de atuação
dos vários Centros, para além da sua estrutura comum, enfatizando-se,
em cada um deles, o que seria a sua “vocação própria". As origens de cada

102
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

um dos Centros, as articulações que tornaram possível a sua existência,


também descritas, diferem enormemente, tendo cada um deles uma ori-
gem e uma trajetória distintas.
O CRPE do Rio Grande do Sul é juntamente com o da Bahia, um
dos mais antigos, criados antes mesmo da organização do CBPE. De acor-
do com o Relatório, começou a ser estruturado desde 1955, denominan-
do-se inicialmente Centro Regional de Estudos Pedagógicos. Com a vi-
gência do Decreto nº 38.40, de 28 de dezembro de 1955, integrou-se aos
Centros de Pesquisas Educacionais, assumindo a denominação dos de-
mais. Suas principais contribuições situam-se no âmbito da DAM.19 Entre
os inúmeros cursos oferecidos, destacam-se os de administração escolar e
orientação educacional, nos quais o referido centro se especializa. A Deps
começou a atuar em 1959, tendo já em execução um projeto sobre a
criança do Rio Grande do Sul, que visa a “elaboração de programas esco-
lares adaptados às peculiaridades regionais" (Brasil, 1960, p. 202).
O CRPE de São Paulo foi criado em 1956, por um convênio entre o
MEC e a Reitoria da USP, destacando-se a sua vocação para os estudos e
pesquisas e enfatizando-se a sua articulação com os órgãos de adminis-
tração dos serviços educacionais de âmbito estadual:

A repercussão alcançada pelas pesquisas que realizou, as numerosas visitas


de professores do Estado, de outras regiões do País e do exterior, o interes-
se da Secretaria e do Departamento de Educação do Estado na colaboração
e assistência técnica do centro, e o entusiasmo dos bolsistas que ali vivem
e estudam, bem atestam a importância que adquiriu este núcleo de estudi-
osos e pesquisadores, no cenário educacional do Estado. (Brasil, 1960, p.
204 – grifos meus).

Das atividades da Deps, além dos levantamentos sobre a situação


do ensino primário e normal no estado, destacam-se duas pesquisas sobre
o processo de “aculturação" de descendentes de nipônicos (cujo foco é no
papel das associações juvenis e da escola, respectivamente, nesse proces-
so). Das atividades da DAM, além dos três cursos de “Especialistas em
Educação para a América Latina", realizados sob os auspícios da Unesco
(Projeto Principal nº 1) e dos Ministérios das Relações Exteriores e da

19
Cumpre destacar que os centros regionais de pesquisas possuíam uma estrutura idêntica à do CBPE, mantendo-se,
inclusive, a mesma denominação para as diversas divisões.

103
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Educação e Cultura, que atenderam a um total de 45 educadores brasilei-


ros e 41 “hispano-americanos", destacam-se, ainda: “1) Seleção de Pro-
fessores Primários para Brasília; 2) Organização e Instalação do Serviço de
Recursos Audiovisuais, no CRPE; 3) Seleção de Classes Experimentais, Pla-
nejamento, Organização e Instalações; 4) Seleção de Professores Primários
para os EUA" (Brasil, 1960, p. 208).
O CRPE de Minas Gerais, instalado em agosto de 1956, foi inau-
gurado solenemente em abril de 1956, iniciando as suas atividades
com a organização de um Museu de Leitura e entregando-se logo “à
organização intensiva e à execução de cursos, a fim de promover o
aperfeiçoamento do pessoal do magistério primário" (Brasil, 1960, p.
209). Vários cursos foram oferecidos em 1957, destacando-se os desti-
nados a administradores e inspetores escolares. Quanto às pesquisas
propriamente ditas, deu-se preferência às “de teor pedagógico, sobre-
tudo no domínio da linguagem e do cálculo", e, além de cursos, classes
experimentais primárias, etc., destaca-se, como “fato de relevância na
vida do Centro", a

integração, nas suas atividades, de parte do plano de ação do Instituto


Superior de Educação Rural (Iser), da qual resultaram, entre outras ativida-
des: a) pesquisas de psicologia e estudos pedagógicos, na zona rural; b)
determinação das áreas de influência das instituições de educação rural,
em funcionamento na Fazenda Rosário, localizada no município de Ibirité,
município de Betim, MG. (Brasil, 1960, p. 210).

O CRPE de Pernambuco foi o último a ser instalado em novembro


de 1957, começando com as atividades de pesquisa, primeiramente da
Depe e, logo em seguida da Deps. No triênio de 1958-1960, colaborou
com a Secretaria da Educação e Cultura (SEC) do Estado, na seleção de
bolsistas do Inep e do Ponto IV. Em 1958, promoveu um curso sobre
problemas de Política e Administração Escolares, dentro do tema geral
“Educação e Região". Ressalta-se achar-se em construção, em terreno con-
tíguo ao do edifício-sede, uma “Escola de Demonstração", cuja inaugura-
ção se previa para janeiro de 1961. A DAM fora criada recentemente,
contando com a colaboração de professores da Secretaria de Educação e
Cultura do Estado, que cooperavam, em equipe, com o setor de educação
da Prefeitura do Recife, em atividades de cursos e orientação didática, e
com o Departamento de Educação Primária da SEC.

104
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

A parte do Relatório referente ao CRPE da Bahia é, surpreendente-


mente, a mais concisa e imprecisa.20 Não há dados sobre sua criação.
Afirma-se que a “missão do Centro tem sido primacialmente a promoção
de cursos de formação e aperfeiçoamento para o magistério baiano e a
orientação das atividades do Centro Educacional Carneiro Ribeiro e da
Escola de Aplicação" (Brasil, 1960, p. 215). A partir daí, descrevem-se
sucintamente, a estrutura do Centro Carneiro Ribeiro e da Escola de Apli-
cação, as suas atividades e a teoria educacional que fundamenta o traba-
lho desenvolvido.
Também na parte final do Relatório, “item IV – Ensino em Brasília",
a colaboração direta do Inep aparece ressaltada, tanto no que se refere à
organização do ensino primário e médio, quanto no que se refere à Uni-
versidade de Brasília (UnB). Sobre a organização do ensino primário e
médio, afirma-se que:

Outra contribuição – e que reputamos a mais significativa – foi, ainda


nesse período, a constante participação do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos nos projetos de construções escolares e, particularmente, no
traçado das linhas mestras do sistema educacional que se haveria de insti-
tuir no novo Distrito Federal.

Certamente muito ainda se terá de planejar para que se complete tal siste-
matização; mas não se pode subestimar o que já significa esse traçado
fundamental, seja como instrumento administrativo, seja como diretriz de
trabalho organizado e de renovação pedagógica. (Brasil, 1960, p. 279 -
grifos meus).

O destaque que é dado a essas “linhas mestras" permite claramente


afirmar que se tratava de implementar no sistema escolar de Brasília o que
já se vinha experimentando nas escolas/classes experimentais, vinculadas
ao Inep, e particularmente na Escola-Parque da Bahia. Tratava-se de uma
oportunidade única de ampliar essas experiências para o “novo" sistema
escolar que se construía na “nova" capital. São ressaltados os seguintes
aspectos:

a) no que se refere à “escolaridade na organização do ensino


elementar":

20
A surpresa justifica-se pelo fato de ser este o mais antigo dos centros regionais vinculados ao Inep, criado originalmente
sob a denominação de CRInep.

105
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Integrando-se a escola primária no seu legítimo papel, que é o de minis-


trar uma cultura básica para todos, tudo se prevê para que ela não con-
tinue reduzida em tempo e oportunidades educacionais (...). Projeta-se
instituí-la, em Brasília, com um regime de seis anos de estudos e de seriá-
la, tanto quanto for possível, pelo critério das idades dos alunos. Só as-
sim, portanto, se evitará a “desordem das matrículas e a desordem da
repetição indefinida de graus escolares" (...) que lhe vêm sacrificando a
missão educativa e social, transformando-a num processo “puramente
seletivo" e, por isso, incompatível com os objetivos de toda educação de
sentido popular. E não só se cogitou de bem ampliá-la em sentido verti-
cal, senão também de enriquecê-la de recursos educacionais. Ao período
de escolaridade usual, correspondente à tarefa das escolas-classe, outro
se acrescentou de atividades diárias do aluno em escolas-parque, estas
destinadas a completar a “educação intelectual sistemática", pelo “de-
senvolvimento físico, artístico e social da criança e sua iniciação para o
trabalho através de uma rede de instituições ligadas entre si dentro da
mesma área" (Brasil, 1960, p. 279-280).

b) a localização e distribuição “racional" das escolas, atendendo a


uma “compreensão objetiva do papel que a ‘escola representa
para o grupo residencial a que serve e para o conjunto urbano ou
rural em que se situa'" (p. 280). Propunha-se conseguir “a mais
perfeita harmonia entre o plano urbanístico e o plano educacio-
nal", o que se tornava possível por se tratar de “uma cidade em
formação";

c) “as condições previstas para o desenvolvimento das atividades


culturais e para a 'recreação da comunidade'" (p. 281), buscan-
do-se projetar a ação educativa para além dos limites da própria
escola, por meio de “todo um sistema de parques infantis, de
praças de recreio, de clubes sociais (para adolescentes e adultos)
e para recreio livre, a funcionarem nas interquadras";

d) a organização do ensino médio, sob a forma de “escolas com-


preensivas", verdadeiros centros educacionais, onde se ofereceri-
am os diferentes tipos desse nível de ensino, visando integrar em
um único tipo de escola a educação geral e básica e a educação
profissional ou propedêutica. Enfatiza-se também, a renovação
metodológica desse nível de ensino, visando torná-lo mais dinâ-
mico, “em contraposição à rotina dos métodos de ensino
verbalístico e de aprendizagem passiva" (p. 284); e

106
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

e) a organização de um “Centro do Magistério Primário", com uma


escola de aplicação anexa, onde se ofereceriam cursos de forma-
ção e aperfeiçoamento do professor primário.

A proposta de organização do sistema escolar de Brasília consti-


tuía-se em uma espécie de síntese da política global para a reconstrução
da escola primária e média (a escola comum do homem brasileiro), que se
vinha implantando a partir do sem número de iniciativas que se origina-
vam do Inep e da rede de centros a ele articulados. Tais iniciativas, múlti-
plas e aparentemente dispersas, encontravam nessa política, nacional e
regionalizada, a sua base de unificação.

Os anos finais: a crise do CBPE


e as tentativas de institucionalização
das políticas do Inep (1961-1964)

A documentação de que se dispõe referente aos quatro últimos anos


da gestão de Anísio Teixeira à frente do Inep, aponta em direções aparente-
mente contraditórias. Por um lado, há indícios evidentes de uma crise inter-
na, que se reflete particularmente sobre as atividades de pesquisa do CBPE,
confirmando o que, em pesquisa anterior, que se debruçou sobre a produ-
ção desse Centro, tomando como fonte documental básica a revista Educa-
ção e Ciências Sociais, já se constatava (cf. Xavier, 1999). A partir de 1961, a
pesquisa em ciências sociais sofre um significativo esvaziamento que se
poderia, a meu ver, atribuir a um conjunto de circunstâncias externas e
internas. Sobre esse assunto, há um documento particularmente significati-
vo, de que se falará mais à frente, que é um relatório de atividades das Depe/
Deps, assinado por Jayme Abreu, que, à época, coordenava as duas divisões,
em que se chegava a propor a extinção da Deps.
Certamente, a instabilidade institucional que caracterizou este pe-
ríodo da nossa história política refletiu-se na crise interna do Inep/CBPE.21

21
Bastaria lembrar toda a série de eventos que se sucedem ao governo JK e que culminam com o golpe militar de 1964: a
eleição de Jânio Quadros e sua inesperada renúncia; a tentativa de golpe que se segue, visando impedir a posse do vice-
presidente, e a solução negociada que passa pela adoção temporária do regime parlamentar; por fim, a crescente radicalização
política que marca o período do governo de Jango Goulart.

107
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

No entanto, há um conjunto de outros fatores que poderiam ajudar a explicar


essa crise, entre os quais se destacam, a meu ver: a clivagem do grupo que se
articulara em torno da Campanha de Defesa da Escola Pública, após a aprova-
ção da Lei de Diretrizes e Bases, em 1962,22 que poderia ter estimulado o
afastamento dos cientistas sociais, especialmente os paulistas da Universidade
de São Paulo (USP); e o envolvimento de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro com
Brasília, que implicou inclusive na mudança de Anísio e do próprio Inep para
a capital, permanecendo o CBPE no Rio de Janeiro, afastado da direção.
Por outro lado, há uma série de tentativas de consolidar o trabalho
desenvolvido pelo Inep, pela via da institucionalização, seja da posição
ocupada e do papel exercido pelo órgão no âmbito do MEC, seja das suas
atividades e da rede constituída com o objetivo do seu desenvolvimento
de forma regionalizada. Essa rede, inclusive, se duplica com a criação e
expansão dos centros de treinamento de professores.
Em 1962, há uma clara tentativa de formalização da posição central
ocupada pelo Inep no contexto do MEC,23 bem como da sua estrutura
regionalizada, com a proposta de reorganização do Ministério, encaminhada
por Darcy Ribeiro, à época ministro da Educação, ao Congresso Nacional. De
acordo com essa proposta, o Inep viria a constituir-se no “órgão geral federal
de planejamento do MECC e do estudo, pesquisa, experimentação e docu-
mentação educacional" (art. 4º, item 1, do anteprojeto de lei). Reestruturadas
e ampliadas as suas funções, o Inep passaria a integrar os Departamentos: do
Plano Nacional de Educação, Departamento Nacional de Estatística e Docu-
mentação Educacional, Departamento Nacional de Relações com Organismos
Internacionais e Estrangeiros, e os Centros: Centro Nacional de Pesquisas e
Planejamento Educacional e Centros Regionais de Pesquisas e Planejamento
Educacional, com sede nas cidades de Belém, Recife, Salvador, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre (art. 4º, item 1, do anteprojeto de
lei). É muito significativo que o anteprojeto de lei, encaminhado ao Congresso

22
Quanto a esse aspecto, é muito significativo confrontar as reações de Anísio Teixeira e de Florestan Fernandes à
aprovação da lei. Enquanto o primeiro chega a acusar Jango de traidor, pela aprovação do projeto “privatista", Anísio
considera que o texto aprovado se constituía em uma “meia vitória, mas vitória" (ver: Fernandes, 1966; Teixeira, 1962).
Posteriormente, inclusive, Anísio Teixeira viria a empenhar-se fortemente na implementação da lei, pela via da sua partici-
pação no recém criado Conselho Federal de Educação (CFE), para o qual o seu nome seria indicado.
23
O MEC mudaria a denominação para Ministério da Educação, Ciência e Cultura (MECC), de forma a incluir, também, na
sua órbita “todas as atividades da União no campo da ciência, cujo vínculo orgânico com o ensino cabalmente justifica a
integração" (item I da justificativa nº 7 do ministro, anexa ao anteprojeto de lei).

108
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

em 8/11/1962, seja imediatamente publicado na Revista Brasileira de Estudos


Pedagógicos, acompanhado da justificativa do ministro.
Em outra direção, Anísio Teixeira empenha-se em incorporar os
seus projetos, particularmente a proposta de criação dos Centros de Trei-
namento de Professores, aos sucessivos Planos de Educação, elaborados a
partir de 1961.
Tal proposta já é, de certa forma, assumida no Plano incorporado
ao programa de governo, apresentado à Câmara dos Deputados, em 29/9/
1961, pelo então primeiro ministro Tancredo Neves, que previa, entre as
ações imediatas referentes ao ensino primário:

d) instituir centros de aperfeiçoamento do magistério primário, rural e ur-


bano, junto a Escolas Normais e Institutos de Educação, destinados à ele-
vação do nível de qualificação profissional do professorado brasileiro e à
formação dos novos contingentes de magistério que se façam necessários
para a extensão da escolaridade e para a alfabetização de adultos. (Plano
Nacional de Educação, 1962, p. 9 – grifos meus).

O Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social 1963-


1965 do governo Jango Goulart viria a incorporar, entre as diretrizes do
programa de educação, a intensificação do treinamento de professores,
prevendo-se, inclusive, a progressão do número de professores a serem
treinados: 5 mil, em 1963, 20 mil, em 1964, e 50 mil, em 1965. Em discur-
so pronunciado pelo presidente, transcrito na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, este afirma explicitamente que as verbas destinadas, a partir
de janeiro de 1963, à execução do Plano Trienal, permitiriam, entre outras
coisas, “construir e equipar 18 grandes centros de formação e especializa-
ção do magistério" (grifos meus), além de formar, pela rede nacional de
escolas normais, no triênio, 48 mil professoras e 10 mil supervisoras, “que
deverão, por sua vez, ministrar cursos intensivos de aperfeiçoamento a 69
mil professoras leigas" (Plano Trienal..., 1963, p. 6).
O Plano Nacional de Educação, elaborado pelo CFE, em decorrência
das atribuições que lhe foram delegadas pela Lei de Diretrizes e Bases de
1962, estabelecia a aplicação preferencial do percentual de recursos do Fun-
do Nacional do Ensino Primário destinados ao aperfeiçoamento do magisté-
rio, à criação e manutenção dos centros de treinamento, distribuídos pelas
várias unidades da federação. Isso se manteve, inclusive, na revisão do Pla-
no, aprovada em 12 de fevereiro de 1965, que, aliás, destinava tais recursos,

109
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

não só para a “criação de Centros de Treinamento de Magistério em cada


unidade da Federação" como também para a “manutenção do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos e Centros Regionais de Estudos, Pesqui-
sas, Experimentação, Documentação e Informação" (Plano Nacional de Edu-
cação, 1965, p. 240 - grifos meus).
As contradições a que se está fazendo referência perpassam o rela-
tório do Inep intitulado Súmula das atividades em 1963,24 assinado pelo
então diretor substituto do órgão, Péricles Madureira de Pinho, e encami-
nhado ao ministro da Educação e Cultura.
Na carta datada de 16 de dezembro de 1963, que encaminha ao
ministro o documento, Madureira de Pinho relembra que, diante da trans-
ferência da direção do Inep para Brasília, em junho do ano corrente, mas
“continuando na Guanabara os serviços gerais, ocupa o infrafirmado, na
qualidade de diretor substituto, a superintendência das atividades que
dependem dos mesmos serviços", justificando assim o fato de estar se
responsabilizando pelo relatório. Informa, igualmente, a estrutura do do-
cumento, organizado em 11 tópicos, numerados de I a XI e compreenden-
do: item I – O Inep e os Centros de Pesquisas Educacionais; itens II a VII –
as atividades do CBPE e dos centros regionais; item VIII – O Inep e os
diversos Cursos de Treinamento e Aperfeiçoamento do Magistério; item IX
– Serviços Audiovisuais em diversos Estados; item X – Construções Escola-
res e item XI – Conclusão. Esse documento traz uma série de informações
que confirmam as observações que venho fazendo.
No item introdutório, significativamente intitulado “O Inep e os
Centros de Pesquisas Educacionais" afirma-se explicitamente que a esse
órgão “compete, atualmente, estudos e pesquisas aplicadas no aperfei-
çoamento do magistério", embora se reconheça existir ainda “um resí-
duo de sua atividade em construções escolares". Por outro lado, a tarefa
principal do Inep consistiria na “orientação e administração dos Centros
de Pesquisas Educacionais e dos Centros de Treinamento, ora em fase de
implantação", constituindo, portanto, o CBPE e os centros regionais, “os
órgãos principais da rede nacional em que se desdobra a atuação do
Inep". Informa-se que, em Brasília, através de convênio com a UnB,

24
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 13, fot. 0056-0071.

110
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

estava-se instalando um Centro de Planejamento e Pesquisas Educacio-


nais, que entraria em funcionamento no ano seguinte. Enfatiza-se, ain-
da, que “os trabalhos de pesquisa nos diversos Centros são acompanha-
dos sempre de experimentação nas Escolas de Demonstração", fazendo-
se uma referência explícita aos Cursos de Formação de Supervisores, que
viriam “a complementar a ação de aperfeiçoamento do magistério, que é
hoje função específica do Inep" (Súmula das atividades em 1963 [relató-
rio], p.1 – grifos meus).
Como se pode facilmente constatar, a qualificação do magistério
assume uma absoluta centralidade nas políticas do órgão. A esse respeito
é significativo que o item referente aos Cursos de Treinamento e Aperfei-
çoamento do Magistério se constitua na parte mais extensa do relatório,
descrevendo-se detalhadamente as várias atividades desenvolvidas, agru-
padas em nove subitens.
O primeiro subitem refere-se ao “Curso de Formação de Professo-
res-Supervisores", fazendo-se desde logo referência ao fato de que os cur-
sos abrigados sob esta rubrica se encontram previstos no Plano Nacional
de Educação, cuja realização, por sua vez, estaria disciplinada no Plano
Trienal de Educação. Seu objetivo seria formar professores “capazes de
orientar regentes leigos de magistério primário, já em exercício, em locali-
dades que não dispõem de professores diplomados em número suficiente
para atender ao total de crianças em idade escolar" (Súmula das atividades
em 1963 [relatório], p. 16).
A formação dos supervisores seria feita em seis meses, compreen-
dendo, entre as atividades previstas, a elaboração de um programa de
aperfeiçoamento do magistério adequado às necessidades individuais e
socioeconômicas das regiões atendidas e dos planos de supervisão a serem
realizados nas localidades onde os bolsistas deveriam trabalhar, “orientan-
do, pelo menos 10 professores não diplomados". De forma geral, dava-se
ênfase especial à parte prática do curso. Programava-se, de início, capaci-
tar 1,6 mil supervisores. Em 1963, no entanto, diante da “redução de mais
de 50% das verbas destinadas ao Inep", só se pode proporcionar treina-
mento a 800 professores-supervisores.
O curso estava sendo realizado nas seguintes localidades: em Sal-
vador, no CRPE, com atividades “em tempo integral, em dois turnos, sen-
do um destinado a aulas e estudo dirigido e o outro à observação e prática

111
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

nas Escolas Classe e na Escola-Parque do Centro Educacional Carneiro


Ribeiro e no Centro de Recursos Audiovisuais" (Súmula das atividades em
1963 [relatório], p. 17) – freqüentavam o curso 90 bolsistas: 62 da Bahia,
14 de Alagoas, 14 de Sergipe; na Guanabara, no CBPE, onde se efetivavam
as aulas, seminários e estudo dirigido, sendo as observações e a prática
desenvolvidas no Centro Experimental de educação Primária do Inep –,
mas “devendo estender-se a escolas rurais do Estado" – freqüentavam o
curso 51 bolsistas: 15 do Rio Grande do Norte, 11 do Pará, 1 do Piauí, 24
da Paraíba; no Espírito Santo, no Centro Educacional de Colatina, em
regime de internato, freqüentavam o curso 61 bolsistas: 33 do Espírito
Santo, 5 do Amazonas, 3 do Acre, 17 do Piauí, 3 do Maranhão; em Minas
Gerais, na Fazenda Rosário, em Ibirité, e em Belo Horizonte, em regime de
internato, onde estavam sendo oferecidos três cursos: os dois primeiros
(iniciados em abril e maio) para 81 bolsistas: 11 do Estado do Rio de
Janeiro, 70 de Minas Gerais, o terceiro (iniciado em setembro) para 56
professores de Mato Grosso, no Horto, bairro de Belo Horizonte, em um
total de 137 bolsistas; em Pernambuco, no CRPE, para 115 bolsistas: 51
do Ceará, 64 de Pernambuco, sendo a prática realizada nas Escolas Primá-
rias do Estado; no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (38 bolsistas),
Pelotas (28 bolsistas), Santa Maria (43 bolsistas), em 2 turnos, atingindo
um total de 109 bolsistas: 58 de Santa Catarina, 51 do Rio Grande do Sul;
em Goiás, em Inhumas, próximo de Goiânia, para 77 bolsistas do Estado;
em Mato Grosso, no Centro de Treinamento do Magistério, em Cuiabá, no
bairro de Coxipó, para 37 bolsistas do Estado; em São Paulo, para 92
bolsistas: 13 do Maranhão, 16 do Ceará, 6 da Paraíba, 57 do Paraná.
Chama a atenção nesta listagem não só o número elevado de pro-
fessores atendidos, como também o percentual significativo de professo-
res cursistas provenientes das Regiões Nordeste e Centro-Oeste, além da
circulação dos bolsistas que normalmente se deslocavam dos seus locais
de origem para a realização dos cursos, e ainda as articulações estabelecidas
pelo Inep com diferentes tipos de instituições, para além da sua rede de
centros de pesquisa e de treinamento de professores. Essas características
vão marcar igualmente os demais tipos de curso oferecidos.
O subitem número 2 refere-se aos “Cursos de Especialistas em Edu-
cação", realizados no CRPE de São Paulo. Dentro dessa rubrica são abriga-
dos os seguintes cursos:

112
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

1. “Especialistas em Educação": curso que “decorre de uma decisão


tomada na Reunião de Ministros de Educação realizada sob o
patrocínio da Unesco, em Lima, em 1957, e compreende, além
de bolsistas brasileiros, educadores latino-americanos cujas des-
pesas são custeadas pelo Ministério das Relações Exteriores" (p.
18), freqüentado por 18 bolsistas brasileiros e 18 latino-america-
nos;
2. “Pesquisas em Educação (II Seminário para Treinamento de Pes-
soal)", cujo objetivo era “preparar pesquisadores em educação
para Centros de Pesquisa e para assessorar os Secretários de Edu-
cação dos Estados, nos levantamentos básicos e estudos neces-
sários à orientação de administradores e professores, na resolu-
ção dos problemas educacionais" (p. 19). Atendeu 38 bolsistas
de vários Estados: Amazonas – 1, Bahia – 3, Brasília – 1, Ceará –
1, Espírito Santo – 4, Goiás – 2, Mato Grosso – 2, Minas Gerais –
4, Pará – 2, Paraná – 3, Pernambuco – 2, Rio Grande do Norte –
3, Rio Grande do Sul – 3, Estado do Rio de Janeiro – 1, São Paulo
– 3, Maranhão – 1, Paraíba – 2;
3. “Especialistas em Recursos Audiovisuais", com o objetivo de “pre-
parar pessoal capaz de difundir e desenvolver, nos Estados, junto
às Secretarias de Educação ou em Centros de Recursos
Audiovisuais, estes modernos recursos de ensino" (p. 19). O cur-
so desenvolve-se em tempo integral, em pequenos grupos, “ten-
do em vista a intensidade da parte prática" e atende igualmente
a bolsistas de diferentes estados: Bahia – 1, Brasília – 1, Espírito
Santo – 1, Goiás – 1, Maranhão – 1, Minas Gerais – 1, Pará – 1,
Paraíba – 1, Paraná – 2, Pernambuco – 1, Rio Grande do Sul – 1,
São Paulo – 1, Sergipe – 1, Ceará – 1.

O subitem número 3 refere-se ao “Treinamento de Pessoal em Pla-


nejamento Educacional", decorrente de convênio firmado entre o MEC, a
Unesco e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que ratifica
“o Plano Mestre de Operações para um Programa de Auxílio Técnico e Fi-
nanceiro atinente aos aspectos básicos do Plano Trienal de Educação" (Súmula
das atividades em 1963 [relatório], p. 18). Foi em função desse convênio
que “foram instalados os Centros de Treinamento do Magistério":

113
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

• em Inhumas, Goiás (coordenadora: professora Sônia Seabra), cuja


construção e complementação dos prédios estiveram a cargo do
governo do Estado, por intermédio da Superintendência das Obras
do Plano de Desenvolvimento (Suplan) e que sedia o curso de
formação de supervisores, com 10 professores e 71 bolsistas.
Ressalta-se que oito professores “são oriundos do Estado de Mi-
nas Gerais, colocados à disposição do projeto por gentileza da
Secretaria de Educação e Cultura daquele Estado" (p. 20). As
atividades eram organizadas de forma a oferecer aos bolsistas
amplas oportunidades de prática em escolas primárias locais, afir-
mando-se que “foi planejado e já entrou em execução um pro-
grama de entrelaçamento entre a comunidade e o centro, de
modo que este se torne, num futuro próximo, um núcleo de
irradiação da cultura pedagógica a todos os professores da re-
gião". Ressalta-se que os 77 professores normalistas que estão
em treinamento possuíam todos “pelo menos três anos de expe-
riência docente em três graus de ensino primário";
• em Cuiabá, Mato Grosso (coordenadora: professora Ângela Jar-
dim Botelho), que sediou também um programa de formação
de supervisores, localiza-se em um “amplo prédio" no distrito
de Coxipó da Ponte, originariamente construído pelo Ministé-
rio do Interior para abrigar menores abandonados cuja situa-
ção legal, entretanto, ainda não estava resolvida. Em face da
dificuldade para conseguir docentes para o curso, parte deste
foi transferido para Belo Horizonte, funcionando sob respon-
sabilidade do respectivo CRPE: 37 bolsistas estavam em Cuiabá,
56 em Belo Horizonte.

Nesta rubrica ainda se incluem outros cursos. Um primeiro grupo de


cursos oferecidos pelo CRPE de São Paulo, onde se encontravam em treina-
mento, sob a supervisão do professor Stanley Applegate, técnico em educa-
ção da Unesco, dez professores de Goiás e 10 de Mato Grosso (os primeiros
coordenados pela professora Alterman Colette, os segundos pela professora
Anne Marie Davée Guimarães). Afirma-se, ainda, que, “em conformidade
com suas aptidões (do CRPE de São Paulo), foram também ministrados
cursos de supervisão, planejamento educacional e especialistas em recursos

114
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

audiovisuais" (Súmula das atividades em 1963 [relatório], p. 21). Um segun-


do grupo de cursos foi oferecido pelo CRPE da Bahia: treinamento para 91
professores normalistas, com bolsas de estudo do,25 cursos de supervisores
(78) e treinamento para professores primários em exercício (13).
O subitem número 4 refere-se aos cursos oferecidos pelo “Pabaee",
programa a que já se fez referência, criado pelo convênio assinado em 11
de abril de 1956 entre os governos brasileiro e americano com os objetivos
de: “a) treinar supervisores de ensino primário e professores de escolas
normais e de cursos de aperfeiçoamento de professores; b) produzir, adap-
tar e distribuir materiais didáticos a serem usados no treinamento de pro-
fessores; c) selecionar professores competentes a fim de enviá-los aos es-
tados Unidos da América do Norte para treinamento em educação ele-
mentar" (Súmula das atividades em 1963 [relatório], p. 22). De acordo
com o relatório, o programa estaria, naquele momento, “sendo dirigido
para a preparação de professores para os 'Centros de Treinamento do
Magistério', instituídos no Plano Trienal e destinados à formação de pro-
fessores primários, supervisores de ensino e diretores de escolas primárias".
As atividades do Pabaee26 iniciaram-se em 7 de agosto de 1957, no
Instituto de Educação de Belo Horizonte e desde então o MEC, por meio
do Inep, viria custeando, de acordo com o convênio, todas as despesas do
Programa no Brasil referentes a pessoal, material, bolsistas dos Estados e
passagens dos professores brasileiros, que iam aperfeiçoar-se nos Estados
Unidos. A partir de 5/9/1963, nos termos do próprio convênio, o Pabaee
passou a integrar o CRPE de Minas Gerais, sob a supervisão da diretora do
DAM do referido Centro.
O subitem número 5 compreende os “Cursos de Artes Industriais",
para formação de professores que iriam desenvolver tais atividades nas 5ª
e 6ª séries primárias. Afirma-se que o trabalho vinha sendo desenvolvido
há dez anos e a demanda ampliava-se com as mudanças introduzidas pela
LDBEN. Previam-se dois cursos (Rio de Janeiro e São Paulo) que formari-
am 67 professores e 38 supervisores.

25
O Fundo Internacional de Socorro à Infância (atualmente, Unicef), aliás, teria oferecido um número bastante significativo
(281) de bolsas para o Inep: para Mato Grosso: 10, em São Paulo, 37, em Cuiabá, 56, em Belo Horizonte; para Goiás: 10 em
São Paulo, 77 em Inhumas; para Bahia: 62 em Salvador; para Sergipe: 15 em Salvador; para Alagoas: 14 em Salvador.
26
A respeito do Pabaee e das suas polêmicas relações com o trabalho do Inep e do Centro Regional de Belo Horizonte, ver
Paiva e Paixão (2002).

115
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Os demais subitens referem-se, respectivamente, ao “Curso de Aper-


feiçoamento de Professores para Crianças Excepcionais" (subitem 6), rea-
lizado na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) da
Guanabara para 10 professores de diversos Estados; aos “Cursos na Escolinha
de Arte" (subitem 7), oferecidos para 14 bolsistas de diversos Estados; ao
“Curso de Língua e Literatura" (subitem 8), realizado no CBPE, com vistas
a melhorar o preparo dos professores das escolas normais, “propiciando
condições para formação mais satisfatória desses profissionais nas Facul-
dades de Filosofia" (Súmula das atividades em 1963 [relatório], p. 24) –
iniciado em 1962 com nove bolsistas para ser ministrado em dois anos,
prosseguiu em 1963, com 7 bolsistas da Bahia (3), Minas Gerais (1), São
Paulo (1), Estado do Rio (1) e Rio Grande do Sul (1) – e “Cursos Avulsos"
(subitem 9): canto orfeônico (1), mestre de banda (1), estágio na Escola
Guatemala (1).
O item referente às “Construções Escolares" acrescenta algumas
informações que me parece importante ressaltar. Fala-se, entre outras coi-
sas, na transferência dos Centros de Audiovisuais da Campanha de Educa-
ção Rural para o Inep, por deliberação do ministro, de dezembro de 1962.
Essa transferência efetivou-se em 1963, “estando em fase de incorporação
aos diversos Centros Regionais os núcleos especializados seguintes: o de
Curitiba incorpora-se ao Centro Regional de São Paulo; o de Porto Alegre
ao Centro Regional do Rio Grande do Sul; o da Bahia ao CRPE da Bahia"
(Súmula das atividades em 1963 [relatório], p. 25), o de Vitória seria incor-
porado ao CBPE. Ressalta-se que tais centros já estariam atendendo aos
cursos de formação de supervisores, funcionando, igualmente, no CBPE,
um serviço deste tipo para atendimento a instituições e professores. É
significativo que, em uma representação gráfica,27 tais centros constitu-
am uma terceira rede que se acrescentaria à rede constituída pelos centros
de pesquisa e pelos centros de treinamento de professores.
Há também uma referência à Escola-Parque de Belo Horizonte. Afir-
ma-se estar concluído o pavilhão destinado às artes industriais para 275
alunos, que inclui “área suficiente à sua administração e para reuniões e

27
Trata-se de um mapa do Brasil, onde se localizam os vários centros regionais vinculados ao Inep (centros de pesquisa,
centros de treinamento de professores e centros de recursos audiovisuais).

116
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

seminários dos professores" (Súmula das atividades em 1963 [relatório], p.


28); acha-se em construção outro pavilhão para as atividades socializantes,
tais como clubes, lojas para venda de trabalhos dos alunos, sessões teatrais,
exposições escolares. Prevê-se que este último pavilhão estará funcionando
em 1964.
Ressalta-se, ainda, com relação ao Centro de Treinamento do Ma-
gistério do Rio Grande do Sul, que o Inep está em entendimento com a
prefeitura do município de Júlio de Castilhos para a sua construção.
O dinamismo manifestado por esta linha de ação do Inep, que se
expressa nos dados registrados nos itens do relatório acima analisados, con-
trasta fortemente com as informações relativas às atividades de pesquisa.
As informações referentes à atuação das duas divisões de pesquisa
do CBPE (Depe e Deps), incluídas no item II do Relatório, aparecem agru-
padas. As atividades desenvolvidas são de três tipos: pesquisas, atividades
editoriais e levantamentos dos sistemas estaduais de educação (Guanabara
e Espírito Santo). Chama a atenção, desde logo, o pequeno espaço relativo
– duas páginas – ocupado por essas divisões no Relatório. Além disso, o
pequeno número de pesquisas em desenvolvimento e o caráter mais estri-
tamente pedagógico das pesquisas em curso – à exceção de uma delas, as
pesquisas socioantropológicas parecem ter sido abandonadas – são
indicativos de um possível redirecionamento das linhas de pesquisa desen-
volvidas no Centro ou até de uma perda relativa do lugar anteriormente
ocupado pela pesquisa no seu interior, reforçando a hipótese que se está
levantando de uma situação de crise. É significativo que, embora se con-
tinue a caracterizar o CBPE como “o principal órgão do sistema de estudos
e pesquisas em que se desdobra a atividade do Inep" (Súmula das ativida-
des em 1963 [relatório], p. 1), se afirme, mais à frente, que esse, de acordo
com o plano do seu idealizador é “precipuamente a biblioteca", dando-se
um peso acentuado às atividades do DDIP, que, além de uma série de
projetos concluídos ou em andamento – entre os quais o Indicador de
arquivos brasileiros, as Obras completas de educadores brasileiros, a Bibli-
ografia brasileira e uma série de outras bibliografias especializadas – e a
manutenção das publicações periódicas, vem se encarregando de respon-
der a várias consultas de “organismos internacionais e instituições
especializadas", tais como a Unesco, a ONU, a Confederação Mundial das
Associações do Professorado, as Universidades de Tóquio e Filadélfia.

117
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Na descrição que se faz das atividades da DAM, por outro lado,


chama a atenção o fato de que essa desenvolve, com uma relativa autono-
mia, as três funções que o CBPE se atribui: pesquisa, cursos de formação
de professores e publicações. Na descrição das atividades desenvolvidas
pelos Centros Regionais também se percebe a tendência a integrar em
uma única divisão a pesquisa em educação e a pesquisa em ciências soci-
ais, prevalecendo a primeira denominação, à exceção do CRPE do Recife,
bem como uma predominância das pesquisas de caráter mais estritamente
pedagógico (além dos surveys referentes aos sistemas escolares).
O relatório conclui-se com uma observação sintomática: o Inep esta-
ria cumprindo a sua função “sem alarde, como convém a um ambiente de
pesquisa e estudo". Assume-se, no entanto, que estaria faltando comunica-
ção com os demais departamentos do MEC “e mesmo com o público, de
modo que todos pudessem cooperar e se beneficiar da surda e laboriosa
ação de um órgão benevolamente julgado por uns e contraditoriamente
negado por outros" (Súmula das atividades em 1963 [relatório], p. 29).
A situação de crise da pesquisa fica claramente evidenciada em
outro documento a que já se fez referência acima. Trata-se de um relató-
rio encaminhado por Jayme Abreu, enquanto coordenador da Depe/Deps,
ao diretor em exercício do CBPE, Péricles Madureira de Pinho. Trata-se de
um documento de caráter reservado, datado de janeiro de 1964, que se
proporia, a princípio, a descrever as atividades realizadas no período tri-
mestral de outubro a dezembro de 1963. No entanto, Jayme Abreu apro-
veita a oportunidade para, a partir da apresentação dessas atividades,
expender um

juízo crítico sobre o que teriam significado as realizações empreendidas


por elas no ano de 1963, enquadradas numa apreciação geral do que teria
sido o CBPE nesse período, culminando por encaminhar algumas suges-
tões que talvez possam representar medidas úteis a um melhor desempe-
nho das funções que lhe cabem.28

Por seu caráter reservado, traz um conjunto de informações que


vão além dos dados “oficiais" incluídos no relatório anterior.

28
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04.

118
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

O documento começa por descrever as atividades de cada divisão;


depois encaminha as críticas dirigidas a cada uma delas, e, em seguida,
apresenta uma série de sugestões para o melhor funcionamento do CBPE
e de cada uma das divisões de pesquisa. Chama a atenção, já de início, a
observação que, embora incluída na parte do relatório que descreve as
atividades da Depe, é estendida também à Deps. Afirma Jayme Abreu que,
considerando-se os diferentes “planos" em que se exercem as atividades
específicas do Centro, as atividades editoriais constituíam-se nas que me-
lhor respondiam aos objetivos propostos. Tal observação concorda com a
centralidade atribuída no relatório anterior ao DDIP e à respectiva atribui-
ção do CBPE. Por outro lado, a situação absolutamente caótica que se
evidencia particularmente na Deps, justifica a opção que me parece ter
sido escolhida por Péricles Madureira de Pinho, de certo “enxugamento"
das atividades de pesquisa.
A respeito das atividades da Deps, informa Jayme Abreu que, ao
assumir a sua “coordenação provisória" e, tendo em vista o seu “estado de
inação", começou por fazer um levantamento da situação dos projetos
sobre os quais constava não haver nenhuma informação sobre o seu an-
damento, em número de 12, que são a seguir listados. Na sua avaliação, o
saldo deste setor era absolutamente negativo, tendo em vista a sua “total
improdutividade". Entre os projetos relacionados, em alguns casos, consi-
deravam-se inexpressivos os resultados atingidos; em outros casos, os res-
pectivos coordenadores, diante da falta de comunicação com o CBPE,
haviam concluído pelo desinteresse do Centro, tendo às vezes, orientado
para outras finalidades os resultados evidenciados nas pesquisas realiza-
das. De forma geral, o que se constatava era uma total falta de controle
por parte da coordenação responsável, que estaria na origem da absoluta
falta de informação e da situação de inação do setor, que implicava em
um enorme desperdício de recursos gastos efetivamente ou então imobili-
zados, já que empenhados “em projetos de desfecho em andamento sim-
plesmente ignorado" (Súmula das atividades em 1963 [relatório], p. 16).
Igualmente, o projeto principal do Deps (“Educação e Mudança Social na
Guanabara"), proposto pelo próprio grupo de especialistas que integrava o
setor, não conseguiu deslanchar.
A situação da Depe, embora também crítica, era um pouco melhor,
tendo em vista o empenho pessoal da assistente de coordenação, apesar

119
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

das restrições de ordem administrativa que atingiam o setor, tais como o


reduzido grupo técnico, a pouca qualificação dos funcionários, a falta de
comunicação entre a coordenação e a direção do Centro. Com relação a
esse último aspecto, vale a pena transcrever um trecho do Relatório, a meu
ver, muito significativo, pois, certamente, não se aplicava apenas à Depe:

Não funcionaram com a presteza de circulação e de diálogo decisório dese-


jáveis, as relações funcionais entre a coordenação e a direção suprema do
CBPE. Os dois primeiros trimestres foram cheios de dúvidas, incertezas,
vacilações, sobre “se se fica ou não se fica", sobre qual “o orçamento que
se pode ter" e o programa que se pode montar. Constam dos relatórios
trimestrais os registros a respeito do fato, conseqüente ao clima de instabi-
lidade político-administrativa do País. Depois, nos moldes em que funcio-
na a atual direção do CBPE, é praticamente irrealizável essa boa articula-
ção. Ocorre que a direção suprema do CBPE não tem o tempo necessário,
em rápidas passagens pela Guanabara, acumuladas de inúmeros assuntos a
resolver, para se inteirar de todos os dados necessários a decisões bem
ponderadas, suficientemente estudadas e discutidas em seus prós e con-
tras. [...] Como não acontece também uma delegação de poder e investidura
de decorrentes responsabilidades na medida necessária, (...), para que algu-
mas realizações venham afinal a suceder, é preciso agir com certa dose de
ímpeto temerário, sacando sobre os riscos de confirmação a posteriori,
quase à base do fait accompli, sem o que, nada feito (grifos do autor), pelo
predomínio da restrição frenadora a priori. (Súmula das atividades em 1963
[relatório], p. 14).

São, igualmente, muito significativas, a esse respeito, as sugestões


encaminhadas ao final do documento. Sugere-se, com relação ao CBPE,
como um todo, uma “liderança técnica efetiva, só realizável se a compe-
tência do titular se realizar mediante dedicação plena e seqüente à insti-
tuição, com atuação contínua, capaz de montar um programa de ação e
velar assiduamente pelo seu satisfatório cumprimento" (Súmula das ativi-
dades em 1963 [relatório], p. 18). Faz-se referência à possibilidade de
convênio com a Faculdade de Filosofia, o que Jayme Abreu avalia de
forma extremamente positiva, entre outras coisas, pelo seu impacto na
questão da carência de pessoal especializado. Quanto à Depe, sugere-se
subdividi-la em duas divisões, a do ensino primário e normal e a do ensino
médio, para um melhor equacionamento das questões específicas de cada
um destes níveis de ensino. No que se refere à Deps, a posição de Jayme
Abreu é mais radical. Se após uma última tentativa – por ele considerada
como “de êxito problemático" – de se mudar a coordenação, a solução
seria a sua extinção pura e simples, encomendando o CBPE a pesquisa
social a outros órgãos, quando isso se fizesse necessário.

120
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

Epílogo

Evitei aqui, intencionalmente, utilizar o termo conclusão. Não sei


se teria elementos para formular conclusões a partir desta longa enumera-
ção de projetos e iniciativas que, a meu ver, configuraram um enorme
investimento (tanto no sentido material, quanto no sentido “espiritual",
de empenho, priorização), por parte de um órgão vinculado à burocracia
educacional do governo federal, em um processo de renovação e remode-
lação da escola primária no Brasil, pela via privilegiada da qualificação do
seu magistério. Faltam estudos que nos permitam avaliar com mais segu-
rança o efetivo impacto dessas políticas desenvolvidas pelo Inep, ao longo
dos anos em estudo. A sua interrupção prematura certamente impediu o
seu maior alcance. Seria preciso rastrear, nos diversos Estados atingidos, o
desenvolvimento e os resultados das iniciativas encaminhadas, bem como
escrever a história individual de cada um dos componentes dessa rede
construída a partir do Inep/CBPE,29 constituída pelos centros regionais de
pesquisa e de treinamento de professores.
O que surpreende é o apagamento da memória desse amplo pro-
grama de ação, que se traduziu, muitas vezes, na dispersão e mesmo des-
truição de parte da documentação que nos permitiria reconstruí-lo. Sem
dúvida, isso se deveu, em grande parte, ao fato de que seu idealizador se
tornou persona non grata do governo militar, com todas as conseqüências
que esse fato trouxe para a sua vida pessoal e pública. No entanto, se a
memória oficial procurou apagar da história da nossa educação esse con-
junto de iniciativas e se as políticas se orientaram em outra direção (mes-
mo que, às vezes, incorporando, contraditoriamente, elementos dessas
mesmas políticas que se pretendia anular), cabe a nós hoje resgatá-las.
Como dizia Anísio Teixeira, a história, para o educador, é profundamente
útil, pois é ela que nos permite acumular experiência e não estar, sistema-
ticamente, a cada vez, recomeçando do zero.
Para “concluir" este texto, gostaria de trazer aqui um último docu-
mento extraído do Arquivo do CPDOC,30 que projeta algumas luzes para

29
Nessa direção, foi uma feliz iniciativa a publicação por parte do próprio Inep, do livro organizado por Marta Araújo e Iria
Brzezinski (2006), que procura resgatar algumas dessas iniciativas no âmbito de alguns Estados.
30
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 13, fot. 0001 a 0025.

121
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

se entender o processo de encerramento desse programa de ação e a con-


seqüente destruição da estrutura montada para sustentá-lo. Trata-se de
um Relatório das Atividades do Inep em 1967, assinado pelo diretor subs-
tituto do órgão, Péricles Madureira de Pinho, e encaminhado ao ministro
da Educação e Cultura.
Chama a atenção, no corpo do extenso e detalhado relatório, cons-
tatar-se uma linha de continuidade das iniciativas até então desenvolvidas
pelo Inep, apesar dos novos projetos surgidos. Os Centros Regionais de
Pesquisa e os Centros de Treinamento do Magistério, aparentemente, não
só se consolidaram como até se expandiram. O relatório dá a entender
que, até então, fora possível manter a continuidade do trabalho desenvol-
vido, bem como a estrutura regionalizada construída que, no entanto,
parece estar em perigo.
Esta última percepção se evidencia, particularmente, na carta de
quatro páginas, numerada em algarismos romanos, que encaminha ao
ministro o relatório e que, talvez se constitua na parte mais significativa
do documento para os fins acima enunciados.
Afirma-se, logo de início, que o relatório segue antecipado, aten-
dendo à recomendação do próprio ministro, sendo assinado pelo “substi-
tuto eventual do diretor", já que este, o professor Carlos Correa Mascaro,
encontrava-se em Paris participando de uma reunião de especialistas da
Unesco. Dá-se, portanto, a entender que o relatório tem um caráter de
urgência.
Percebe-se uma enorme preocupação em justificar o caráter pe-
culiar do Inep, diante da iminência da reforma administrativa do MEC,
alegando-se, entre outras coisas, que, “pela complexidade de suas atri-
buições", não seria fácil enquadrar o órgão em uma das seções “em que
já se anuncia a nova subdivisão da Secretaria de Estado", e justifica-se:

Órgão de elaboração de estudos, que objetivam fundamentar a política


educacional, procurando abarcar em suas pesquisas a infra-estrutura social
do país, vem se transformando o Inep, numa série de organismos regio-
nais, de grupos de trabalho dedicados a determinados setores, constituin-
do-se deste modo, instituição sui generis, no quadro administrativo e téc-
nico deste Ministério. É oportuno ainda uma vez, pedir a atenção de Vossa
Excelência, tão apto que é a julgar questões desta natureza, para a coloca-
ção que terá o Inep na reforma administrativa. (Relatório das Atividades do
Inep em 1967, p. I – grifos meus).

122
“Reconstrução" da escola e formação do “magistério nacional": as políticas
do Inep/CBPE durante a gestão de Anísio Teixeira (1952-1964)

Afirma-se que o Inep não cabe em nenhuma das novas divisões,


enfatizando-se que não seria vantajoso distanciar do ministro, “pela
interposição hierárquica, exatamente o órgão que lhe dá assessoramento
técnico mais vivo e urgente"; para reforçar esse argumento, destaca-se o
fato de que recentemente, ao serem convocadas as diversas diretorias do
MEC para apresentarem projetos à Organização dos Estados Americanos
(OEA), o Inep acudiu com oito projetos que foram elogiados pelo próprio
ministro.
Fala-se na existência de rumores sobre o Inep de que este se atri-
buiria “foros de superioridade e arrogância", o que é enfaticamente nega-
do, destacando-se que “é a mística dos que trabalham neste órgão, a
noção de responsabilidade que todos têm de suas tarefas, condições indis-
pensáveis ao êxito e qualidade do que aqui se faz, o esforço antiburocrático
que marca suas realizações"; não se pode crer que “circunstâncias tão
positivas possam ser atingidas pelas próximas reformas, desmembrando
instituto de tamanha tradição" (p. II – grifos meus). Reafirmam-se as ati-
vidades primordiais do Inep (documentação, pesquisa e aperfeiçoamento
do pessoal da educação), bem como o papel de promotor das Conferências
Nacionais de Educação, cujas conclusões e recomendações “já constituem
corpo sistemático de doutrina".
Com relação aos Centros Regionais, afirma-se que estes não se
constituem em um “simples encontro de teóricos alienados da realidade
social, mas que, pelo contrário, representam, alguns já dentro de universi-
dades, um complemento necessário ao estudo teórico, desdobrando-se em
experiências de maior utilidade prática" (p. II). Faz-se referência aos Cen-
tros de Treinamento existentes no Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso e
Paraíba, que “constituem, em convênio com o Unicef e a Unesco, uma
verdadeira campanha para recuperação do professor primário, leigo na sua
maioria" (p. III); contra o argumento de que a função executiva que este
serviço exigiria seria incompatível com a natureza específica do Inep, afir-
ma-se que

a recuperação do professor primário é um dos temas mais aflitivos da pro-


blemática educacional brasileira, e que por essa razão, as soluções para ele
sugeridas não deverão ser experimentadas por órgão meramente executi-
vo, ressaltando que a experimentação pedagógica está ligada à pesquisa,
tal como os hospitais de clínica às Faculdades de Medicina. (Relatório das
Atividades do Inep em 1967, p. iii).

123
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Alega-se que apenas em um órgão como o Inep se poderia integrar,


nesse caso, a pesquisa pedagógica e o aperfeiçoamento do magistério.
Faz-se, também, referência a novos projetos tais como os Coló-
quios Estaduais para a Organização dos Sistemas Educacionais (Ceose),
cuja iniciativa resulta da cooperação entre técnicos da Unesco e técnicos
brasileiros, a Equipe de Assistência Técnica ao Ensino Primário (Eatep),
que nasceu de convênio firmado entre o Inep/MEC com o Conselho de
Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso (Contap) e a United
States Agency International for Development (Usaid), o Grupo Nacional
de Desenvolvimento das Construções Escolares, também ligado ao Inep
e presidido pelo seu diretor, e a Comissão Central do Censo Escolar do
Brasil, igualmente presidida pelo diretor do Inep.
Finalmente, ressaltando que a função específica de estudo e pes-
quisa “não dispensa certo aparato executivo para seu amplo e fiel cumpri-
mento" (p. iv), afirma-se, comparando com a situação dos poderes
Legislativo e Judiciário diante do executivo, que

um órgão da complexidade do Inep, embora essencialmente de pesquisa e


estudo, terá de contar com as suas escolas de demonstração e treinamento,
com as suas equipes de assistência técnica, setores que embora integrando
a função específica, são por natureza elementos de execução e aplicação.
(Relatório das Atividades do Inep em 1967, p. iv).

Conhece-se o desenlace desse drama. Era exatamente o “caráter


híbrido" do Inep que se questionava. Em nome da racionalidade adminis-
trativa, que será tantas mais vezes usada para ocultar outros tipos de
interesses e justificativas, decretava-se o encerramento de um vasto pro-
grama no qual o MEC, por intermédio do Inep, empenhava-se efetivamen-
te na “reconstrução" da escola “comum" do homem brasileiro, por meio
de um investimento efetivo na formação do “magistério nacional".

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125
5
Qualificação de professores
em três campanhas do Ministério
da Educação no decênio 1950-1960
Libânia Nacif Xavier*

* Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do Programa de
Estudos e Documentação Educação e Sociedade (Proedes/UFRJ).
Centro Regional de Pesquisas Educacionais - São Paulo-SP
Qualificação de professores em três campanhas do Ministério
da Educação no decênio 1950-1960

O presente estudo aborda as políticas do Ministério da Educação e


Cultura (MEC) no decênio 1950-1960, com destaque para as publicações
voltadas para a qualificação de professores no âmbito de três Campanhas
implementadas pelo Ministério: a Campanha do Livro Didático e Manuais
de Ensino (Caldeme), a Campanha de Levantamentos e Inquéritos para o
Ensino Médio e Elementar (Cileme) e a Campanha de Difusão e Desenvol-
vimento do Ensino Secundário (Cades). Tais campanhas se enquadram no
amplo organograma que compõe a estrutura do MEC no período 1956-
1960 (cf. Organização, 1960), ao mesmo tempo em que revelam as con-
cepções e estilos de ação dos educadores que estiveram à frente de cada
uma delas.1
Entendidas como estratégias de intervenção do órgão responsável
pela organização do ensino em nível nacional, tais campanhas expressam

1
Jayme Abreu e João Roberto Moreira atuaram na coordenação da Cileme e destacam-se pelas publicações sob a forma de
livros editados pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), vinculado ao Inep, e sob a forma de artigos na
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, também do Inep. Em relação à Cades, campanha vinculada à Diretoria do Ensino
Secundário (Dese) do MEC, Luiz Alves de Mattos e Lauro de Oliveira Lima destacam-se pelos artigos que publicaram na
revista Escola Secundária (cf. Xavier, 2002/2003, 2004).

129
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

as preocupações dos educadores nucleados no MEC em adequar o sistema


de ensino às expectativas de profissionalização do magistério e de renova-
ção das práticas pedagógicas em curso. A nosso ver, a motivação central
dessas campanhas foi a de provocar mudanças nas culturas escolares com
base na crença de que, para tal, era necessário difundir certos conheci-
mentos pedagógicos ao lado de um conjunto de conhecimentos específi-
cos das disciplinas que compunham os currículos escolares em seus dife-
rentes níveis e áreas de saber.
As três campanhas apoiaram-se em uma política de publicações – de
livros didáticos, de estudos “sócio-antropológicos" ou de revistas
especializadas – dirigidas aos professores. Em alguns casos, como no caso
da Caldeme e da Cileme, a política de publicações representou um tipo de
estratégia cujo objetivo principal era ampliar o conhecimento dos professo-
res sobre os conteúdos do currículo escolar, bem como sobre a situação do
ensino e da realidade nacional. Já no caso da Cades, a publicação de uma
revista destinada ao magistério apresenta-se como uma ação complementar
aos propósitos de qualificar e certificar os profissionais que atuavam como
professores nas escolas secundárias, muitos dos quais não possuíam forma-
ção e/ou certificação pedagógica para exercer essa função.
O Relatório Qüinqüenal do MEC (1956-1960) exibe uma profusão
de campanhas em curso no período. No âmbito do ensino primário, figu-
ram as campanhas de Construção e Equipamentos Escolares; de Erradicação
do Analfabetismo; de Educação de Adolescentes e Adultos ao lado das
Campanhas Nacionais de Educação Rural e de Merenda Escolar. No âmbi-
to do ensino secundário, a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos
é a que mais se destaca entre as demais destinadas à educação de cegos;
à assistência aos estudantes e à educação física. No ensino superior, a
Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior já aponta as
bases sobre as quais se daria o desenvolvimento da pós-graduação no
Brasil (cf. MEC, 1960).
Como estratégia institucional, o “campanhismo" correspondeu a
uma estrutura vertical e centralizada, composto por agências independen-
tes umas das outras, porém subordinadas ao órgão central, no caso, o
MEC. Ao estudar o “campanhismo" na área de saúde, André Luiz Vieira de
Campos (2000, p. 202) observa que esse modelo fora criticado, já nos anos
de 1948, por ser considerado ineficaz e dispendioso. De acordo com o

130
Qualificação de professores em três campanhas do Ministério
da Educação no decênio 1950-1960

autor, a razão de tal crítica estaria na própria estrutura do modelo, forma-


do por uma miríade de agências específicas e autônomas, sem coordena-
ção entre si e sem relação com os órgãos regionais. Em que pesem as
distinções entre as áreas de saúde e de educação cabe assinalar que a
existência de tantas campanhas educacionais é um aspecto que requer um
questionamento mais minucioso a respeito da pertinência desse modelo
com as diretrizes políticas adotadas pelo MEC naquele período.
A Cileme foi regulamentada e instalada no primeiro semestre de
1953, com base na Portaria nº 160, de 26 de março de 1953. A Campanha
pretendia dotar o MEC de um amplo quadro numérico, “ao mesmo tempo
descritivo e interpretativo, do ensino médio e elementar em nível nacional,
a fim de que profissionais e usuários pudessem apreciar as deficiências e
as dificuldades de uma expansão levada a efeito, em muitos casos, com
apreciável perda de padrões" (cf. Estudos..., 1956). Assim o objetivo cen-
tral era reunir dados sobre o sistema de ensino, introduzindo a pesquisa de
levantamentos e de diagnóstico e a perspectiva do planejamento racional
aplicado ao gerenciamento dos sistemas de ensino.
A Caldeme tinha como objetivo principal, estabelecer as bases para
a formulação de manuais que funcionassem como guias para o professo-
rado de nível elementar (fundamental) e secundário, nas diferentes disci-
plinas constantes do currículo do ensino de grau médio ou secundário. As
publicações da Caldeme visavam contribuir para a renovação da literatura
pedagógica, mediante a revisão de livros de leitura e a análise dos livros
didáticos em uso nas escolas; a elaboração e distribuição de guias de
ensino, livros textos e manuais para o professorado da rede pública de
ensino, além de material didático para uso do aluno.
Criada em 1953, pelo presidente Getúlio Vargas, a Cades tinha como
objetivo principal elevar o nível do ensino secundário assim como difundi-
lo.2 Nesse sentido, desenvolveu as seguintes linhas de ação: 1) promover
cursos e estágios de aperfeiçoamento para professores, técnicos e diretores
do ensino secundário; 2) oferecer bolsas de aperfeiçoamento no País e no
exterior; 3) realizar estudos dos programas e métodos para o ensino se-
cundário. A partir de 1956, sob o governo de Juscelino Kubitschek, Gildásio

2
A Cades foi instituída pelo Decreto nº 34.638, de 17 de novembro de 1953.

131
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Amado assumiu a Cades, ampliando a ação da campanha e promovendo a


descentralização de suas ações, com a criação das inspetorias seccionais3.
Ao promoverem esforços no sentido do levantamento de dados
para diagnóstico da situação educacional, por um lado, e, por outro, ao
propiciarem a produção e reprodução de manuais didáticos dirigidos aos
professores de diferentes disciplinas, buscando, ainda, divulgar publica-
ções que servissem como subsídio à gestão e à didática no ensino secun-
dário, as três campanhas alimentaram a política de publicações
implementada pelo Inep, particularmente após a criação do Centro Brasi-
leiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), pelo Decreto nº 38.460 de 28 de
dezembro de 1955.4
Os resultados das pesquisas realizadas no âmbito da Cileme, assim
como os materiais de ensino levantados ou produzidos no âmbito da Caldeme
tiveram no CBPE o lócus de visibilidade de suas ações assim como a via de
disseminação das informações, avaliações e diagnósticos ali elaborados. Entre
os desdobramentos das ações do CBPE, destacam-se um conjunto significa-
tivo de publicações cujo objetivo era oferecer orientação para o trabalho
diário dos professores dos diversos níveis de ensino.5 Alguns registros das
atividades da Cades também foram absorvidos pela política de publicações
do CBPE, como veremos a seguir.

As campanhas e suas publicações

No âmbito da pesquisa voltada para a formulação de diagnósticos


sobre a situação do ensino nacional, com todos os registros possíveis de
sua ampla diversidade, verifica-se a publicação de trabalhos já iniciados
no âmbito do Inep, com as pesquisas resultantes da Cileme.

3
As inspetorias seccionais da Cades deveriam cobrir todos Estados brasileiros e, em cada Estado, várias cidades foram
contempladas com a criação de uma inspetoria.
4
Como órgão vinculado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), o CBPE absorveu a Cileme e a Caldeme e promoveu o
desenvolvimento de um amplo programa de pesquisas sobre os problemas da educação escolar brasileira por meio de seus
centros regionais (cf. Xavier, 1999).
5
Em trabalho anterior (Xavier, 2004), nós identificamos as linhas de publicação do CBPE no decênio 1955-1965, totalizando
11 séries ou linhas de publicação. São as seguintes: Série Guias de Ensino; Livros de Texto; Livros Fonte; Currículo,
Programas e Métodos; Inquéritos e Levantamentos; Sociedade e Educação; Cursos e Conferências; Pesquisas e Monografias;
Levantamentos Bibliográficos; publicações diversas; Os Grandes Educadores Brasileiros.

132
Qualificação de professores em três campanhas do Ministério
da Educação no decênio 1950-1960

Boa parte dos livros que compõem as séries didáticas publicadas


pelo CBPE são reedições dos Programas de Ensino produzidos pelo Depar-
tamento de Educação da Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal
que foram publicados entre 1934-1936. A partir de 1955, como diretor do
Inep, Anísio Teixeira retomaria o projeto interrompido quando ele esteve à
frente da Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, promovendo
por meio da Caldeme, a reedição dos mesmos Programas de Ensino, com
as atualizações consideradas pertinentes naquele novo momento da vida
nacional. Uma terceira edição dos Guias de Ensino seria obtida com recur-
sos do Programa de Emergência do MEC, em 1962, compondo a chamada
“Biblioteca da Professora Brasileira", com distribuição gratuita às próprias.
Dessa forma, Anísio Teixeira e seu grupo garantiam um fluxo de continui-
dade no projeto de modernização da educação pública brasileira.6
A série Guias de Ensino destinava-se à utilização de alunos-mes-
tres e professores da escola primária e da escola secundária. Os guias
indicavam as linhas gerais de orientação das matérias específicas que
compunham o currículo dos diferentes níveis de ensino, incluindo infor-
mações sobre o conteúdo e as metodologias de ensino a serem desenvol-
vidos em cada série ou nível de ensino.
Chama a atenção a preocupação, expressa na maioria das apre-
sentações dos referidos Guias de Ensino, com o “interesse da criança",
particularmente no que se refere à escola primária, e com a “formação
da personalidade do adolescente", no que tange à escola secundária.
Para ambas, a orientação é a mesma: tornar o ensino científico das
diferentes matérias um processo instigante para o aluno, porque apoia-
do no estudo de sua própria realidade, incentivando o professor a buscar
a participação ativa da criança e do adolescente em atividades globais
capazes de conduzir o aprendizado no sentido da resolução de proble-
mas vividos no cotidiano.
Cabe destacar as informações constantes em alguns “Guias de En-
sino", por meio das quais se divulgavam os experimentos realizados na

6
Durante dez anos (1955-1965) foram reeditadas os guias e manuais de ensino que haviam sido confeccionados no âmbito
da Secretaria Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal, entre 1934 e 1935, quando Anísio Teixeira encontrava-se à
frente deste órgão. Dessa forma, verifica-se a estratégia de retomar um fio de continuidade em relação à experiência de
renovação do ensino levada a efeito na cidade do Rio de Janeiro, e que fora interrompido em 1935, em face dos aconteci-
mentos políticos decorrentes da queda do prefeito Pedro Ernesto, na vigência do Estado Novo.

133
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

escola-laboratório do CBPE,7 ou, na ordem inversa, após terem sido redigidos,


os guias eram testados em alguma escola, como foi o caso do guia intitulado
Introdução ao Estudo da Geometria Plana, dirigido aos professores e alunos
da escola secundária, posteriormente testado no Colégio Nova Friburgo.8
Dois dos três livros que compõem a série Currículo, Programas e Méto-
dos se enquadram no objetivo expresso no título da mesma, ou seja, apresen-
tam uma análise de currículos e programas adotados na escola secundária, em
particular nas áreas de história e geografia, no momento em que educadores
e legisladores discutiam a reforma do currículo da escola secundária. O tercei-
ro livro, de autoria de Lauro de Oliveira Lima, reúne o material produzido para
a realização de atividades promovidas por outra campanha do MEC, a Campa-
nha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (Cades), na qual, o
autor atuou como inspetor seccional da cidade de Fortaleza.9
Como observou Diana Couto Pinto (1997), a criação da Cades aten-
deu ao Plano de Ação da Diretoria de Ensino Secundário do MEC (Dese),
que tinha como metas a descentralização administrativa por meio da cri-
ação de inspetorias regionais de ensino secundário; a renovação dos mé-
todos didáticos; o aperfeiçoamento do pessoal envolvido com a educação
secundária (inspetores, diretores, professores e secretários), por meio de
cursos de qualificação e de certificação; e de uma série de ações com
vistas a impulsionar o desenvolvimento e a melhoria do ensino secundário.
Os cursos dirigidos aos professores secundários justificavam-se em
vista da carência de docentes com habilitação legal. Texto de Lauro de
Oliveira Lima (1959, p. 9) informa que,

à época, mais de 20 mil professores exerciam o magistério sem nenhuma


habilitação legal, o que determinou o ponto que pareceu à Cades ser o mais
urgente foi ajudar estes professores a obterem seus registros, e, por meio
disto, tentar prepará-los, tecnicamente, para o exercício do magistério.

7
A redação do guia de ensino Ensinando matemática à criança, de 1963, teve por base a experiência da Escola Experimental
do Inep. A apresentação do livro Estudos sociais na escola primária, de 1964, destaca o fato de aquele ter sido enriquecido
com a incorporação de realizações na Escola Guatemala, “primeiro Centro Experimental de Educação Primária do ex-distrito
federal e de outras instituições, como a Fazenda do Rosário, em Ibirité (MG) e a Escola de Aplicação do Centro Regional de
Pesquisa Educacional da Bahia".
8
Fundado em 1948, o Colégio de Nova Friburgo, da Fundação Getúlio Vargas, foi transformado em experimental para
estágio de professores secundários de todo o País, contando com financiamentos da Cades (cf. Mendonça, 1957).
9
São os seguintes os três livros citados: Um quarto de século de programas e compêndios de história para o ensino
secundário brasileiro (1931-1959), de Guy de Hollanda (1957); Análise dos programas e livros didáticos de geografia para a
escola secundária, de James B. Vieira Fonseca (1957); Escola Secundária Moderna, de Lauro de Oliveira Lima (1962).

134
Qualificação de professores em três campanhas do Ministério
da Educação no decênio 1950-1960

Além dos cursos dirigidos aos professores, a Cades desempenhou


uma série de ações no sentido de regulamentar e institucionalizar o ensino
secundário no País. Merece registro o programa voltado para a implanta-
ção das escolas ou classes experimentais de ensino médio. Outra ação
relevante foi a publicação da revista Educação Secundária, da Cades, dirigida
ao professorado.
Com 19 números publicados, a revista da Cades cobre o período
que vai de 1957 a 1963. A organização do sumário demonstra a intenção
de apoiar os professores secundários em seu trabalho cotidiano. Nessa
linha temos a seção intitulada “Consultório Didático" que se destinava a
receber perguntas e dúvidas de professores secundários das escolas brasi-
leiras e a responder a essas consultas de forma a orientá-los na condução
de suas aulas.10 Outras seções apresentadas no sumário indicam a preo-
cupação em consolidar os conhecimentos técnicos, advindos da didática e
de fornecer subsídios para a preparação de aulas mais atrativas, que inter-
ligassem a explicação dos conteúdos específicos de cada área disciplinar
com os interesses dos alunos. Outro ponto forte da revista são as sessões
destinadas a divulgar os conhecimentos pertinentes à orientação educaci-
onal, evidenciando o entendimento de que a boa escola se faz com base
em professores qualificados com sólidos conhecimentos sobre a didática,
aliada à gestão eficiente da escola.
Assim, além da publicação dessa revista, a Cades alimentou a polí-
tica de publicações do CBPE com o livro de autoria de Irene Mello Carva-
lho, sobre o ensino por unidades didáticas, experimentado no Colégio
Nova Friburgo. É interessante o prefácio do referido livro, assinado por
Anísio Teixeira, que, mesmo reconhecendo o caráter “conservador" da-
quela proposta pedagógica, assim justifica a relevância de sua divulgação:

Nas condições gerais em que se acha o ensino secundário no país, um


ensaio de aplicação do plano de ensino por “unidades", sugerido, desde
1926, por Morrison, um conservador no debate educacional dos últimos
cinqüenta anos, representa não só uma novidade, mas uma audácia.

10
A seção “Consultório Didático" inicia-se com uma Nota da Redação: “Nesta seção, a nossa revista publicará as consultas
que nos forem encaminhadas pelos professores de todos os quadrantes de todo o País sobre as dúvidas, problemas e
dificuldades que estão encontrando no desempenho de suas funções docentes e educativas, desde que contenham assuntos
de interesse geral" (Escola Secundária, n. 1, p. 88, jun. 1957).

135
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Por isto é que não regateei meu apreço à experiência de D. Irene Mello
Carvalho, no Colégio de Friburgo e, quando soube de sua intenção de
escrever este relato do seu ensaio do plano Morrison, dispus-me a facilitar-
lhe a publicação do trabalho.11

A série intitulada Inquéritos e Levantamentos do CBPE reuniu, em sua


maior parte, livros que apresentavam os resultados das pesquisas desenvolvi-
das no âmbito da Cileme.12 Em conformidade com o programa de pesquisas
dessa Campanha, João Roberto Moreira avaliou os sistemas de ensino nos
Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, divulgando os resultados
desse trabalho no livro A educação em Santa Catarina (1954) e A escola ele-
mentar e a formação do professor primário no Rio Grande do Sul (1955).
As pesquisas desenvolvidas nos Estados de Santa Catarina e no
Rio Grande do Sul buscavam responder a um conjunto de questões rela-
cionadas à identificação dos fatores que configuravam um movimento
de mudança na estrutura e no funcionamento da escola primária no
sentido de sua modernização.13 A orientação de traçar um quadro da
situação educacional em vários estados brasileiros indica que um dos
propósitos centrais da Cileme foi a descrição detalhada de situações edu-
cacionais diversas, levantando material suficiente para se conhecer as
configurações da escola pública brasileira em cada Estado ou localidade.

11 O Plano Morrison abrange cinco fases: Exploração, Apresentação, Assimilação, Organização e “Recitação". A fase de
Exploração abrange sondagem de atitudes e de conhecimentos, completada pela reorientação dessas atitudes e pela corre-
ção e suplementação desses conhecimentos. Na segunda fase, far-se-á uma apresentação geral da unidade com o objetivo
de reforçar a motivação pré-existente, ressaltando-se aos olhos dos alunos os valores da unidade que vão estudar, suas
contribuições para o conhecimento da realidade e as suas aplicações de ordem prática. A fase da assimilação visa desenvol-
ver atitudes favoráveis ao estudo e orientar o discente nas boas técnicas do trabalho intelectual, proporcionando condições
adequadas para que o estudante elabore seus próprios conceitos. A fase seguinte compreende atividades de organização da
unidade de estudos, pelos alunos orientados pelo professor, em classes mais adiantadas e mais integradas no sistema,
poderá ficar inteiramente sob a responsabilidade dos alunos. Por fim, a recitação compreende a exposição de um assunto
pelo aluno. De acordo com a autora, “com a ‘recitação' termina o esquema de Morrison para o ensino de disciplinas que
exigem muito pensamento reflexivo e menos apreciações de ordem emocional ou automatismos de qualquer natureza" (cf.
Carvalho, 1954).
12
São os seguintes, os livros que compõem a série Inquéritos e Levantamentos do CBPE: Acreditação de escolas secundá-
rias nos Estados da América do Norte, de Thales Mello Carvalho (1953); A educação em Santa Catarina, de J. Roberto
Moreira (1954); A educação no Paraná, de Erasmo Pilotto (1954); O ensino por unidades didáticas: seu ensaio no Colégio
Nova Friburgo, de Irene Mello Carvalho (1957); A escola elementar e a formação do professor primário no Rio Grande do
Sul, de J. Roberto Moreira (1955); O sistema educacional fluminense, de Jayme Abreu (1955); Introdução ao estudo do
currículo da escola primária, de J. Roberto Moreira (1955); Estudos sobre o Ceará, de Joaquim Moreira de Souza (1955); A
educação secundária no Brasil, de Jayme Abreu (1955); Município e ensino no Estado de São Paulo, de Carlos Correa
Mascaro (1959).
13
O tema da “mudança social" pontuou o debate intelectual brasileiro nas décadas de 1950 e 1960, ensejando a produção
de inúmeros estudos na área das ciências sociais e da educação, cujo foco central era a análise do processo de transição da
condição de sociedade agrária para a condição de sociedade urbano-industrial em curso no Brasil (Xavier, 1999).

136
Qualificação de professores em três campanhas do Ministério
da Educação no decênio 1950-1960

Santa Catarina foi o primeiro Estado escolhido para desenvolver o


programa de pesquisas da Cileme, porque, lá o educador já havia trabalha-
do em todos os graus de ensino, durante dez anos. Por isso, a narrativa
desenvolvida ao longo do livro apóia-se primordialmente no relato pessoal
do autor, articulando-se com a análise dos dados extraídos de questioná-
rios distribuídos aos professores, funcionários do nível central, alunos e
pais, além de dados estatísticos.
Em razão do distanciamento da escola em relação à comunidade, a
escola catarinense foi classificada de “intelectualista". No caso do sistema
escolar do Rio Grande do Sul, Moreira destacou o problema da diminuição
do tempo de permanência da criança na escola, tendo em vista a necessi-
dade de aumentar o número de turnos e, dessa forma, ampliar o número
de alunos matriculados nas escolas urbanas. Para o educador, era impos-
sível manter um ensino de qualidade quando as crianças permaneciam
apenas cerca de três horas diárias na escola. Nessas condições, conclui o
autor, o ensino era passado às pressas, visando apenas à aprovação nos
exames finais.
Chamou-nos a atenção a expectativa de inovação da cultura esco-
lar predominante, acompanhada do sentimento de perplexidade diante
das resistências dos professores perante inovações esperadas. Segundo J.
R. Moreira existia verdadeira confusão na conceituação do que devia ser
entendido como “centro de interesse",14 pois os professores valorizavam
muito pouco a atividade do aluno, centralizando, sob sua inquestionável
liderança, todas as fases do processo, desde a seleção de materiais para as
atividades até a busca de soluções para o desafio apresentado como estí-
mulo para despertar o interesse do aluno para a aquisição de conhecimen-
to (Moreira, 1954, p. 58).
Outro livro de João Roberto Moreira, publicado na série Inquéritos
e Levantamentos do CBPE, tem como título Introdução ao estudo do
currículo da escola primária (1955). Neste livro, o autor trabalha com dois
conceitos de currículo. Em sentido geral, o currículo é entendido como o

14
Com base nos postulados do pedagogo belga Decroly, a aplicação dos “centros de interesse" constituía uma das regras
práticas de organização das classes e de organização do currículo, tendo em vista a participação dos alunos em um conjunto
de atividades comuns, de modo a desenvolver a individualidade pela divisão de atividades do centro segundo os maiores
interesses e possibilidades de cada um (cf. Moreira, 1955, p. 85).

137
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

conjunto organizado das atividades de aprender e ensinar, que se pro-


cessam na escola. Porém, ele afirma que, no Brasil, “o currículo é ainda
menos que isso, pois nos debates jornalísticos e parlamentares a que
temos assistido ultimamente, tem-se tido por currículo a distribuição e
seriação das matérias escolares, não o seu programa ou dosagem" (Moreira,
1955, p. 9-11). Definindo sua própria concepção de currículo, o educa-
dor atribui a este um sentido mais amplo, considerando o currículo como
o conjunto de todas as experiências do aluno – atos, fatos, compreen-
sões e crenças – sob a influência da escola. Em seguida, ele traça um
histórico da produção do currículo da escola primária brasileira, a partir
do período imperial, com ênfase na renovação promovida a partir do
advento da República, chegando, ao final, a traçar o diagnóstico da
situação atual.
No que se refere aos inquéritos sobre a situação da escola se-
cundária brasileira, destacamos o livro de autoria de Jayme Abreu,
intitulado A escola secundária no Brasil. Traçando um quadro abrangente
da situação do ensino médio no País, o autor destaca a prioridade
atribuída ao ramo secundário que, diferentemente dos ramos profissi-
onais, facultava o acesso ao ensino superior. Em vista da sobrevivência
desse aspecto da dualidade escolar, Abreu avaliava que as práticas vi-
gentes na escola secundária brasileira revelavam a predominância da
tendência conservadora, definindo o caráter da escola secundária como
uma instituição cuja função principal era a de transmissora da herança
social e não a de “reconstrutora dos ideais de cultura", não cumprindo,
dessa forma, o que ele considerava ser a verdadeira função da escola
secundária, qual seja a “incorporação progressiva de camadas hetero-
gêneas da população" (Abreu, 1955, p. 7-11). Como agravante, o autor
observa, ainda, na escola secundária, a “presença da tradição retórica e
literária que historicamente a impregnou", segundo ele, “deformada
num arremedo sem sentido, porque imotivada para a maioria daqueles
a quem se destinam", ou seja, aos seus alunos.
Outra publicação resultante das pesquisas desenvolvidas no âmbito
da Cileme, também de autoria de Jayme Abreu, tem como título o Sistema
educacional fluminense: uma tentativa de interpretação e crítica (1955).
Neste livro, o autor analisa a situação do ensino elementar e médio no
Estado do Rio de Janeiro, observando, detalhadamente, cada uma das

138
Qualificação de professores em três campanhas do Ministério
da Educação no decênio 1950-1960

áreas nas quais foi dividido o território estudado.15 Em sua opinião, as


melhores escolas particulares eram as confessionais que representavam
15% do total de escolas particulares. Outro colégio que considerava exemplar
era o Colégio Nova Friburgo da Fundação Getúlio Vargas.
Complementando a crítica ao caráter elitista da escola secundária, o
educador observa que, apesar das evidências de que esse era o ramo do
ensino médio mais procurado, poucos conseguiam concluí-lo, na medida
em que os programas vigentes nas escolas secundárias não tinham “corres-
pondência com as finalidades legais dos cursos, isto é, com a formação da
personalidade, com o sentido de socialização e desenvolvimento do espírito
cívico". E tão pouco se preocupavam com a “adequação do nível mental e
às necessidades dos adolescentes", chegando-se a transformar os progra-
mas de música, canto orfeônico e trabalhos manuais (entendidos por ele
como práticas educativas criadoras) em um mero decorar de teorias.
Interessante assinalar a perspectiva crítica que marca as pesquisas
desenvolvidas no âmbito da Cileme, assim como as publicações dela resul-
tantes. Tanto os livros de Jayme Abreu quanto os de João Roberto Moreira,
anteriormente analisados, assinalam o estado de inércia das instituições
escolares, apontando suas fragilidades e propondo, a partir desses diag-
nósticos, as soluções consideradas plausíveis no contexto do sistema de
ensino brasileiro. Antes de ater-se ao receituário de medidas a serem
implementadas pelo MEC, as observações dos autores citados, assim como
as orientações presentes na revista da Cades, recaem, sobretudo, na ex-
pectativa de informar e atualizar os quadros profissionais atuantes nas
escolas. Nesse sentido, as normas e sugestões presentes na comunicação
estabelecida entre os quadros da Cades e os professores, por meio da
revista Escola Secundária, oscilam da condenação a práticas consideradas
defasadas e inoportunas à convicção de que a mudança das práticas esco-
lares dependia dos avanços alcançados no âmbito da profissionalização
do magistério.

15
Para o desenvolvimento desse levantamento, Abreu (1955, p. 248) dividiu o Estado do Rio de Janeiro em áreas: Zona
Ecológica, Zona Litorânea Ocidental, Zona da Baixa Guanabara, Zona Litorânea Oriental, Zona do Alto Paraíba, Zona Alto
da Serra, Zona do Planalto, Zona da Baixada Goitacazes e Zona Norte. Nestas, ele observou que os alunos matriculados não
chegavam a 8% da população de 12 a 18 anos. E 91% dos matriculados buscavam na escola instrumentos para desempe-
nhar alguma atividade profissional.

139
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Considerações finais

Estabelecidas as relações entre as três campanhas e as linhas de


publicação do MEC, percebe-se que, apesar da estratégia descentralizadora
e, presumivelmente desarticulada, apoiada na proliferação de ações com
objetivos e funções variados, havia uma interlocução entre as três campa-
nhas que estamos tomando como objeto de estudo.
Para além do foco na escola elementar e média, o espaço de
interlocução ou, melhor dizendo, um dos pontos de encontro entre tais
ações se dava no âmbito das publicações do CBPE. Assim, tanto a publica-
ção de materiais didáticos quanto as revistas especializadas
consubstanciavam-se como veículos de comunicação entre os técnicos do
MEC e os professores, ao serem editadas e distribuídas nas escolas do País.
Ao mesmo tempo, verificamos haver um intercâmbio, ainda que restrito,
entre os objetivos e ações das três campanhas e a seleção de estudos e
experiências publicados.
A distribuição de manuais didáticos e de revistas pedagógicas ao lado
da publicação dos resultados de pesquisas voltadas para a formulação de
diagnósticos da situação educacional no País, bem como de outros aspectos
da realidade nacional, confirmam a expectativa de promover um duplo pro-
cesso: de difusão dos conhecimentos didático-pedagógicos aos professores e
de ampliação do conhecimento sobre a realidade nacional. Dessa forma, as
publicações atuariam como instrumentos a incentivar a profissionalização do
magistério oferecendo instrumentos passíveis de contribuir para a flexibilização
e adequação de suas ações e decisões de âmbito pedagógico às necessidades
sociais e às características culturais de seus alunos.
Por fim, cabe chamar a atenção para a atuação dos educadores que
coordenaram ou participaram de forma ativa na condução das referidas
campanhas do MEC. Entre eles, destacam-se Jayme Abreu,16 João Roberto

16
Jayme Abreu atuou mais próximo de Anísio Teixeira, exercendo uma atividade institucional mais estável e regular, como
podemos confirmar com os dados apresentados a seguir. Formado em 1930, pela Faculdade de Medicina da Bahia, Jayme
Abreu já exercia, desde 1927, o cargo de inspetor de Ensino no Ginásio em que estudara, sendo nomeado, em 1931,
inspetor Federal do Ministério da Educação e Saúde para o ensino secundário. A partir de 1947, ele passou a atuar com
Anísio Teixeira, quando este assumiu a Secretaria de Educação da Bahia. Inicialmente, atuou no Gabinete de Anísio, como
seu assessor direto; em seguida, assumiu a Superintendência do Ensino Médio e, em 1952, quando Anísio Teixeira assumiu
a direção do Inep, Jayme Abreu transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde coordenou da Campanha de Levantamentos e
Inquéritos para o Ensino Médio e Elementar (Cileme), permanecendo no Inep até 1968, ano de sua aposentadoria.

140
Qualificação de professores em três campanhas do Ministério
da Educação no decênio 1950-1960

Moreira17 e Lauro de Oliveira Lima.18 As biografias desses atores ressaltam


a importância da figura do técnico do MEC, daquele profissional que,
atuando no âmbito da administração pública, interfere no sentido de sua
institucionalização, quer dizer, contribui para a rotinização dos procedi-
mentos e normas que passam a reger o funcionamento das instituições,
em sentido estrito, e do próprio campo profissional, em sentido lato.

Referências bibliográficas

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17
João Roberto Moreira fez o curso de Pedagogia na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica do Rio de Janeiro e
participou, sucessivamente, de cursos de extensão universitária e especialização promovidos pela Universidade de São Paulo
– Sociologia e Psicologia da Educação – e pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) – Psicologia das
Relações Humanas e Psicotécnica –, realizando estágios no College of Education da State of Arkansas University e no
Teachers College da Columbia University, em Nova Iorque. Exerceu cargos de professor e outros de caráter técnico-adminis-
trativos em escolas de formação de professores e em órgãos federais. Foi diretor do Instituto de Educação de Santa Catarina
(1941-1943), chefiou a Seção de Planejamento do Dasp (1944-1946), dirigiu a Seção de Documentação e Intercâmbio do
Inep (1949-1951), foi diretor técnico do Colégio de Cataguazes (1951) e vice-diretor do Colégio Nova Friburgo, da Funda-
ção Getúlio Vargas (1952-1953); foi coordenador da Cileme (1954-1955), dirigiu o setor de Planejamento do CBPE em seu
período inicial (1957), chefiando, em seguida, a Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais do CBPE (1957). Nesse mesmo
ano, foi convidado pelo ministro Clóvis Salgado para coordenar a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (cf.
Pinho, 1967).
18
Lauro de Oliveira Lima nasceu na cidade de Limeira, no Ceará, em 12 de abril de 1921. Concluiu os estudos no seminário
salvatoriano de Jundiaí, engajando-se, em seguida, no magistério secundário. Em 1945, obteve, por concurso, o cargo de
inspetor Federal de Ensino do MEC, função que exerceu por 20 anos, dez dos quais como inspetor Seccional da Diretoria de
Ensino Secundário (Dese-MEC) no Ceará. Formou-se em Direito em 1949, e dois anos depois, em Filosofia. A partir da
década de 1960, começou a trabalhar com dinâmica de grupo, propondo o método psicogenético como orientação central.
Posteriormente, fundou o Centro Educacional Jean Piaget e vem se dedicando ao treinamento de professores, técnicos e
empresários utilizando o método por ele elaborado, denominado Grupo de Treinamento para a Produtividade, que consta
de seu livro Dinâmica de grupo no lar, na empresa e na escola. Publicou os seguintes livros: Piaget: sugestão aos educadores
(1999) e Dinâmica de grupo (2002). Em 1996, lançou Para que servem as escolas?, pela Editora Vozes (cf. http://
www.personagens.com.br/personagem/88).

141
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

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Qualificação de professores em três campanhas do Ministério
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143
6
Campanha de Aperfeiçoamento
e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?
Diana Couto Pinto *

* Pesquisadora associada ao Programa de Estudos e Documentação Estudos e Sociedade (Proedes) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ).
Sala de Aula da Escola Normal Secundária Joaquim Nabuco
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

A Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário


(Cades) foi criada pelo presidente Getúlio Vargas, mediante o Decreto nº
34.638 de 17 de novembro de 1953.
Neste texto, procuramos desvelar a história dessa Campanha bem
como o papel que desempenhou na educação brasileira nas décadas de
1950 e 1960. Visando concretizar nosso objetivo, recorremos a documen-
tos e a publicações da própria Cades. E, para preencher as lacunas deixa-
das pelas fontes escritas, realizamos entrevistas com pessoas que partici-
param das atividades realizadas pela Campanha ao longo de quase duas
décadas e consultamos depoimentos de professores que foram alunos-
mestres dos cursos de orientação para exames de suficiência.
Dessa forma, entrevistamos pessoas que vivenciaram as atividades
da Cades em contextos diferentes e em posições distintas, em uma busca
de novas visões sobre o objeto de estudo: profissionais que ocuparam
cargos na Diretoria do Ensino Secundário e na Cades ou orientaram e
ministraram cursos de orientação para professores do ensino secundário.
Entre outros, foram entrevistados: Lauro de Oliveira Lima, que exerceu as
funções de diretor do Ensino Secundário do MEC, inspetor Seccional do

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Ensino Secundário do Ceará, orientador e professor de cursos; Eulina


Fontoura de Carvalho, que foi assessora da Cades e diretora substituta da
Diretoria do Ensino Secundário na gestão Lauro de Oliveira Lima; dom
Paulo Evaristo Arns que, além de aluno-mestre, atuou como professor e
orientador de cursos.
Kosik (1976, p. 41) assinala que os “fatos isolados são abstrações,
são momentos artificiosamente separados do todo, os quais só quando
inseridos no todo correspondente adquirem verdade e concreticidade".
Por entendermos que a Cades não é um fato isolado, ao estudá-la,
procuramos situá-la em sua circunstância socioeconômica, política, cultu-
ral e educacional. A partir daí, constatamos que a Campanha surgiu em
um período no qual a sociedade brasileira passava por grandes transfor-
mações (do retorno de Getúlio Vargas ao poder até a renúncia de Jânio
Quadros), caracterizando-se

pela montagem (ou, no mínimo, reforço) de tendências ideológicas nacio-


nalistas que vinham se plasmando em ressonância a processos políticos e
sociais marcados pelo desenvolvimento econômico e pela criação de con-
dições para uma possível revolução burguesa. (Mota, 1980, p. 156).

Nessa década, a expressão “superação do subdesenvolvimento"


ganha concreção, transformando-se “em alvo difuso a ser atingido pelas
'forças vivas da Nação': de periferia dever-se-ia atingir, de maneira plane-
jada, a condição de ‘centro', para retomar vocabulário caro aos nacionalis-
tas" e consolida-se um sistema ideológico, com suas múltiplas vertentes
por vezes diretamente interligadas: neocapitalista, liberal, nacionalista, sin-
dicalista, desenvolvimentista, marxista" (Mota, 1980, p. 156).
O segundo governo Vargas, apesar das dificuldades cambiais, da
inflação e do agravamento das tensões sociais e políticas, optou por ace-
lerar o desenvolvimento industrial. Para isso, realizaram-se estudos técni-
co-científicos sobre os problemas econômicos brasileiros, aprofundou-se
o debate político sobre o tema e foram criados órgãos destinados a impul-
sionar a industrialização e a resolver problemas econômicos, financeiros e
administrativos. Assim, no biênio 1952-1953, surgiram o Banco do Nor-
deste do Brasil, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e a Petrobras.
Em 1954, o governo propôs o Plano Nacional de Eletrificação e a criação
das Centrais Elétricas Brasileiras S. A.

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Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

A industrialização, a urbanização, a expansão do setor terciário


acentuaram e ampliaram as transformações sociais, econômicas, políticas
e culturais pelas quais passava a sociedade brasileira. No bojo dessas trans-
formações, delinearam-se novas classes sociais: o proletariado urbano-
industrial e a burguesia industrial já eram uma realidade ao lado de uma
classe média bastante ampliada e dos setores agrário, comercial e finan-
ceiro (Ianni, 1986, p. 120).
A ciência e a formação de recursos humanos passam a ser valoriza-
dos como fatores de progresso e elementos fundamentais para o aprimo-
ramento das forças produtivas e para a expansão do capitalismo. Com a
finalidade de promover e estimular o desenvolvimento da investigação
científica e tecnológica em qualquer ramo do conhecimento, criou-se o
Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) em 1951. Para elevar o nível do
ensino superior no Brasil, que se revelava incapaz de formar os quadros
necessários às transformações pelas quais passava o sistema produtivo,
criou-se, também em 1951, a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Ensino Superior (Capes).
Todas essas medidas, que sintetizavam os componentes essenciais
do sistema político-econômico brasileiro da época – nacionalismo econô-
mico, emancipação do País, ideologia desenvolvimentista, incremento da
função econômica do Estado - indicavam que o Brasil tinha pressa em se
modernizar.
Na avaliação de Mota (1980, p. 169), “o combate ao Brasil ‘arcaico'
estava em pauta, e para isso as forças somavam. A ‘modernização' era a
meta, e com ela a independência econômica e a autodeterminação".

As repercussões das mudanças


econômicas no sistema escolar

As mudanças estruturais que se operaram na sociedade brasileira e


que alteraram profundamente a fisionomia econômica, social e cultural
do País não poderiam deixar de ter reflexos na educação. Como ressalta
Moreira (1984), a educação escolar começa a ter novo sentido e passa a
ser desejada por toda a população. Registrou-se, então, o aumento da
demanda de educação média, provocando altas taxas de crescimento de

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

todos os ramos desse ensino. Essa demanda estava, no entanto, direcionada


para o ensino secundário, via privilegiada para o ensino superior e, de
acordo com a Reforma Capanema, então vigente, formador “das individu-
alidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsa-
bilidades maiores dentro da sociedade e da Nação" (Capanema, 1974).
Nessa perspectiva, a escola secundária representava “o abre-te Sésamo
para os cursos superiores que levam às profissões liberais, à alta burocra-
cia, às mais vantajosas posições nas atividades terciárias" (Moreira, 1984,
p. 637).
Em contrapartida, a Constituição de 1937 endereçara o ensino
profissionalizante às classes menos favorecidas. Esses fatos combinados
contribuíram para aumentar o prestígio do ensino secundário e reforçar a
discriminação existente em relação ao ensino profissionalizante.
As escolas secundárias passaram, então, a ser procuradas por todos
aqueles que desejavam ascender socialmente. Contrariando sua finalidade
elitista, o ensino secundário cresceu assustadoramente após a Reforma
Capanema em todo o País. Na década 1942-1952, a expansão do ensino
secundário foi de 210% no primeiro ciclo e de 436% no segundo ciclo no
que se refere a matrículas. Em relação ao número de unidades, essa ex-
pansão foi de 1.084% e 498%, respectivamente.
Em palestra proferida no 1º Estágio de Inspetores Federais de Ensi-
no, realizada em janeiro de 1954, Lourenço Filho (apud Tupinambá, 1958)
chama a atenção para o anômalo crescimento da rede de escolas secundá-
rias no País no período 1933-1950, em comparação ao ensino primário e
superior: o ensino primário passou de 2,2 milhões de alunos em 1933 para
4,2 milhões em 1950, com um crescimento de 90%; no ensino superior, a
matrícula expandiu-se de 24 mil para 44 mil, o que corresponde a 80%; e
no ensino secundário o número de alunos passou de 66.420 para 389.762,
ou seja, ocorreu uma expansão na ordem de 490%. Esse crescimento ex-
plosivo do ensino secundário levou à improvisação de professores e, con-
seqüentemente, à queda da qualidade de ensino.
Duas ordens de preocupação estão presentes nos textos escritos
naquela época. Uma referia-se ao atendimento das necessidades e exigên-
cias de um país que se acreditava em franco desenvolvimento. A outra
dizia respeito ao déficit de professores, decorrente da grande expansão do
ensino secundário, o que colocava em risco a sua qualidade.

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Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

Como avalia Abreu (1968, p. 226), a expansão “se processou, ‘gros-


so modo', atropeladamente nos processos, confusamente nos objetivos,
precariamente na qualidade".
Para o autor, “eclodiu um surto de prédios escolares, professores e
equipamentos deficientes, improvisados; [...] manifestou-se uma imper-
feita assimilação e adoção de novas técnicas e processos; delineou-se uma
imprecisa e perplexa fixação de objetivos da escola".
O editorial do primeiro número da revista Escola Secundária, edita-
da pela Cades, reforça a análise pessimista feita por Abreu sobre a escola
secundária que:

continuou a prestar o mesmo serviço que, em época anterior, vinha prestando


à nata aristocrática de uma sociedade predominantemente rural e agrária, em
moldes quase feudais. Nenhuma redefinição de suas finalidades e seus objeti-
vos, nenhuma alteração fundamental na rigidez legal de seus currículos; ne-
nhuma melhoria nas suas instalações, no seu equipamento e nos seus recursos
audio-visuais; nenhum progresso nas suas técnicas de trabalho e nos seus
métodos de ensino; sobretudo, nenhuma tentativa de redefinir sua filosofia de
educação em face das rápidas transformações, que desordenadamente, se vi-
nham operando no nosso panorama social. (Nossa revista, 1957, p. 6).

O governo deparou-se, então, com o problema da insuficiência de


professores em número compatível com a expansão do ensino médio em
geral e principalmente do ensino secundário.
O ensino superior era incipiente: em 1952, havia apenas 514 uni-
dades com 56.049 matrículas. O número de faculdades de filosofia, cujos
cursos seriam, como pretendia a Reforma Francisco Campos, obrigatórios
“para todos quantos se proponham ao ensino secundário nos ginásios
oficiais e equiparados", não atendia às necessidades do momento. Acres-
ce-se a isso, o fato de essas faculdades se localizarem nas capitais e nas
grandes cidades das regiões mais desenvolvidas, o que impedia que os
professores do interior e das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste as
freqüentassem. Assim sendo, o corpo docente do ensino secundário era
basicamente constituído por profissionais liberais (advogados, farmacêu-
ticos, médicos, engenheiros), padres e normalistas.
Como registra o editorial da Escola Secundária, decorridos quase
20 anos da criação das faculdades de filosofia, “somente cerca de 16% dos
40.000 professores secundários militantes tiveram a oportunidade de ne-
las adquirir uma adequada formação profissional: 84% desse exército de
professores são ainda autodidatas" (Nossa revista, 1957, p. 8).

151
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Desse quadro de escassez de professores decorreu a necessidade


imperiosa de prover o ensino secundário de um magistério de emergência,
que passou a ser recrutado por meio de exame de suficiência, instituído
pelo Decreto-Lei nº 8.777, de 22 de janeiro de 1946. De acordo com esse
Decreto-Lei, o candidato aprovado obtinha o direito de lecionar nas regi-
ões onde não houvesse disponibilidade de professores habilitados por fa-
culdade de filosofia.
Nessa conjuntura socioeconômica-educacional, o presidente Getú-
lio Vargas cria a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Se-
cundário (Cades), com o objetivo de elevar o nível do ensino secundário,
bem como difundi-lo.

A Cades e o ensino secundário

O Brasil redemocratizado regia-se pela legislação educacional do


Estado Novo, já que o projeto de lei de diretrizes e bases da educação
nacional, encaminhado ao Congresso Nacional em 1948, ali se encontrava
paralisado.
De acordo com Chagas (1978, p. 58), “os fatos não esperam as leis,
antes as condicionam em grande parte". Para o autor,

na impaciência que se gerou, um singular dinamismo invadiu os arraiais da


educação e muitas soluções, constantes ou não do projeto e dos
substitutivos, eram postas em prática, ora espontaneamente, ora a título
experimental ou transitório, ora em antecipações parciais da lei tão espera-
da. (Chagas, 1958, p. 59).

Como se constata, em termos educacionais, o Brasil também tinha


pressa; assim, tudo passou a ser feito “em ritmo, com o sentido e sob a
forma de campanha", conforme registra Chagas: Cades; Campanha de
Aperfeiçoamento e Expansão do Ensino Comercial (Caec); Campanha de
Erradicação do Analfabetismo; Campanha de Educação de Adultos; Cam-
panha de Educação Rural; Campanha de Educação de Surdos; Campanha
de Reabilitação dos Deficientes Visuais; Campanha de Merenda Escolar;
Campanha de Material de Ensino.
Miranda (1975) inclui a Cades no “pacote" de órgãos e institutos que
o governo, sensível à necessidade de formação especializada nos diversos

152
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

ramos do conhecimento, criou para atender aos reclamos urgentes do ensi-


no, da pesquisa e do aperfeiçoamento técnico: Conselho Nacional de De-
senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiço-
amento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CBPE).
Chagas (1978, p. 59) assinala que, das campanhas criadas na déca-
da de 1950, as que maior influência exerceram foram a Cades e a Caec,
sobretudo a primeira, pois, “de sua atuação emergiu uma nova consciên-
cia e um novo estilo, em iniciativas de grande realismo, ainda presentes
em várias das soluções que agora se adotam".
Na interpretação de Masson (1993), a Cades seguiu o modelo
campanhista de política social, nascido no âmbito das práticas sanitaristas
como proposta de médicos higienistas, cujas origens remontam ao final
do século passado. O autor esclarece que o modelo extrapolou a esfera da
saúde, atingindo todos os espaços coletivos onde o Estado brasileiro se viu
obrigado a agir como agente disciplinador, entre os quais a educação.
O modelo campanhista apresenta três características fundamen-
tais: 1) a crença de que os problemas sociais, em vez de serem resultantes
de relações sociais historicamente determinadas e marcadas por contradi-
ções, decorriam da propagação e permanência de práticas e atitudes indi-
viduais, consideradas inadequadas ou irracionais; 2) a percepção de que,
para ser eficaz, a intervenção do Estado deveria estar fundamentada no
conhecimento técnico-científico, considerado neutro e, portanto, apolítico;
e, 3) a cooptação de intelectuais modernizadores pelo Estado para formu-
lar e executar as campanhas, conferindo-lhes “uma aura autolegitimadora
de neutralidade científica" (Masson, 1993, p. 29). Para esse autor, nos
anos 1950,

as campanhas permaneceram como modelo das políticas sociais


emergenciais, entremeadas nos dilemas políticos do populismo e vincula-
das aos ideais desenvolvimentistas, fundo ideológico da modernização, no
qual a Cades veio a se constituir. (Masson, 1993, p. 30).

Masson identifica quatro momentos distintos na história da Cades:


criação e organização (1953/1957); consolidação e expansão (1957-1963);
e tentativa de renovação da orientação pedagógica (1963-1964); e declínio
e desaparecimento (1964-1968).

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Concordamos com a divisão da história da Cades em quatro momen-


tos, mas, por discordarmos de alguns pontos, apresentamos uma periodização
alternativa: do anúncio à implantação; consolidação e expansão; renovação
administrativo-pedagógica; e declínio e desaparecimento.

Do anúncio à implantação (1953-1956)

Como já assinalamos, o ensino médio brasileiro na década de 1950


regia-se pela legislação educacional promulgada em pleno Estado Novo
(Reforma Capanema): autoritária, centralizadora, rígida, padronizada e
detalhista. Essa excessiva regulamentação tolhia a liberdade e a iniciativa
dos educadores, transformando-os em simples burocratas, executores dos
dispositivos legais. Nesse quadro, aos inspetores federais cabia apenas a
tarefa de fiscalizar o cumprimento desses dispositivos.
A função dos inspetores, vinculados diretamente à Diretoria do
Ensino Secundário (Dese) e espalhados por todo o País, sem obedecer a
nenhum critério de densidade escolar, “restringia-se, exclusivamente, a
‘rubricar' documentos e examinar-lhes a autenticidade em três protocola-
res visitas semanais" (Lima, 1960, p. 5).
Uma das primeiras medidas prenunciadoras de que novos ventos
soprariam na educação foi o desmembramento, em 1953, do antigo Mi-
nistério da Educação e Saúde em dois ministérios: Ministério da Saúde e
Ministério da Educação e Cultura.
A segunda evidência foi a criação, pelo ministro Antônio Balbino
de Carvalho, da Assistência Técnica de Educação e Cultura (Atec) compos-
ta por 40 membros, entre os quais renomados educadores como Anísio
Teixeira e Lourenço Filho (Portaria Ministerial nº 577, de 1º/8/53). Com
essa medida, parecia que o ministro desejava “oxigenar" o MEC, depois de
11 anos da gestão centralizadora de Capanema.
A terceira evidência foi a nomeação de Armando Hildebrand para
substituir Paulo Accioli de Sá na direção da Diretoria do Ensino Secun-
dário (Dese). O discurso de posse de Armando Hildebrand, em 1953,
evidenciava bem a sua proposta de modernização do ensino secundá-
rio, a fim de adequá-lo às novas exigências que se apresentavam à
educação.

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Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

O Plano de Ação da Dese, submetido por Hildebrand ao ministro


Antônio Balbino, tinha como metas a descentralização administrativa, que
se concretizaria com a criação de inspetorias regionais de ensino secundá-
rio; a renovação dos métodos didáticos; o aperfeiçoamento, mediante ofer-
ta de cursos, do pessoal envolvido com a educação secundária (inspetores,
diretores, professores e secretários); e a criação de uma campanha que deve-
ria impulsionar o desenvolvimento e a melhoria do ensino secundário –
surgia a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário.
Na Exposição de Motivos que acompanhou o Decreto nº 34.638/
53, foram apresentadas as seguintes justificativas para a sua criação: 1) o
incremento dos processos de industrialização/urbanização do País, que
provocou o aumento da demanda de educação média; 2) a complexidade
cada vez maior da vida social, gerando novas exigências e necessidades
em termos de educação; 3) a expansão das matrículas no ensino secundá-
rio, o ramo de maior prestígio social porque conduzia ao ensino superior;
4) a carência de professores habilitados e de instalações; 5) a inexistência
de recursos, o que impossibilitava a expansão da oferta de ensino secun-
dário público; 6) a predominância da presença da escola particular nesse
ramo de ensino (cerca de 80%), o que acarretou acentuada queda da
qualidade do ensino secundário; e, 7) o despreparo da Dese, em termos de
organização, de pessoal e de recursos para oferecer uma vigorosa assistên-
cia visando melhorar a rede escolar.
O papel de Armando Hildebrand na criação da Cades é relembrado
por pessoas que, como funcionários do MEC, com ele conviveram.
Eulina Fontoura de Carvalho (1996) confirma que a Cades nasceu
da necessidade de se implementar os trabalhos referentes ao ensino se-
cundário, “sobretudo uma preocupação em relação aos professores e aos
métodos de ensino". A entrevistada atribui a idéia a Armando Hildebrand
e lembra que ela teria surgido durante um encontro de inspetores federais
do ensino de todo o País.
Lauro de Oliveira Lima (1996) confirma essa reunião, cujo objetivo
teria sido reciclar os inspetores e fazer um trabalho de desobstrução buro-
crática na Dese. Duas iniciativas brotaram dessa reunião: as inspetorias
seccionais de ensino secundário (descentralização administrativa) e a Cades:
“o Armando foi o grande criador; era muito querido, era admirado por nós
inspetores". Segundo Lima, ao assumir a Dese, a primeira tarefa de

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Hildebrand foi desobstruir burocraticamente aquele órgão. Em seguida,


pressentiu a necessidade de dispor de um instrumento de ação “que não
passasse por dentro da Dese, uma coisa paralela". Daí surgiu a idéia de
criar a Cades: “aliás, a vantagem dela era justamente essa independência
financeira".
De acordo com o Decreto que a criou, para a consecução de seus
objetivos, a Cades deveria, entre outras atividades: realizar cursos e estági-
os de especialização e aperfeiçoamento para professores, técnicos e dire-
tores de estabelecimentos de ensino secundário; conceder e incentivar a
concessão de bolsas de estudo a professores secundários, a fim de realiza-
rem cursos ou estágios de especialização e aperfeiçoamento no País ou no
exterior; promover estudos dos programas do curso secundário e dos mé-
todos de ensino, para ajustá-los aos interesses dos alunos e às condições e
exigências do meio; elaborar material didático para as escolas secundári-
as; organizar missões culturais, técnicas e pedagógicas para dar assistên-
cia a estabelecimentos distantes dos grandes centros; incentivar a criação
e o desenvolvimento dos serviços de orientação educacional nas escolas
de ensino secundário; divulgar atos e experiências de interesse do ensino
secundário; e promover o intercâmbio entre escolas e educadores nacio-
nais e estrangeiros.
Já nos primeiros meses de sua gestão, Hildebrand começou a con-
cretizar as suas metas. Assim, nos meses de janeiro/fevereiro de 1954,
realizaram-se os primeiros cursos de orientação para professores inscritos
em exame de suficiência. Esses cursos destinaram-se a professores de por-
tuguês, inglês, matemática, ciências naturais do primeiro ciclo do ensino
secundário (ginásio) e aconteceram em Recife, Salvador, Nova Friburgo,
Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte.
Em janeiro de 1955, um curso com o mesmo objetivo foi realizado
em Juiz de Fora, englobando as disciplinas: português, latim, francês,
inglês, matemática, história geral e do Brasil e desenho. Paralelamente, a
Cades promoveu cursos de orientação e aperfeiçoamento para professores
já portadores de registro: em nova Friburgo, nas disciplinas Português,
Inglês, Francês e Matemática; de Física, no Instituto Tecnológico da Aero-
náutica em São José dos Campos; e de Química, no Instituto Nacional de
Tecnologia do Ministério do Trabalho no Distrito Federal. Armando
Hildebrand promoveu ainda o 1º Encontro Nacional de Diretores de Escola

156
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

Secundária e o 1º Curso para Secretários das mesmas escolas. Por iniciativa


do diretor do Ensino Secundário, em fevereiro de 1955, foi criada no Dis-
trito Federal a “Casa do Professor", centro social de estudo e repouso
destinado a congregar todos os que trabalhavam no ensino secundário:
inspetores, diretores, técnicos de educação, professores do interior do País
e suas famílias.
O presidente Café Filho regulamentou a realização dos exames de
suficiência para o exercício do magistério nos cursos secundários, deter-
minando que fossem realizados em regiões onde não houvesse professores
licenciados por faculdade de filosofia (Lei nº 2.430, de 19 de fevereiro de
1955). A Portaria Ministerial nº 115, de 20 de abril de 1955, baixou instru-
ções relativas à realização dos exames de suficiência, estabelecendo que:

precedendo os exames de suficiência, o Departamento Nacional de Educa-


ção e a Diretoria do Ensino Secundário, sempre que possível, farão realizar
cursos intensivos com a finalidade supletiva de orientação de candidatos e,
seletiva, na prorrogação de licença para lecionar.

Os cursos de orientação de professores, tendo em vista a prestação


de exames de suficiência, passaram a ser realizados pela Cades e ganha-
ram grande destaque nas décadas de 1950 e 1960.
Abreu (1960) registra que, de 1946 a 1955, quando o exame de
suficiência era realizado pelas faculdades de filosofia, apenas 520 profes-
sores obtiveram registro para lecionar. De 1955 a 1960, quando a realiza-
ção do exame passou à competência da Dese, 18.815 candidatos freqüen-
taram os cursos da Cades e, desses, 7.506 foram aprovados no exame de
suficiência para obtenção do registro de professor.

Período de consolidação
e expansão (1956-1963)

A década de 1950 irrompeu sob o signo do desenvolvimentismo e


da modernização. Como assinalou Bosi (1980, p. iv), após a 2ª Guerra, “o
caminho da burguesia, culta ou inculta, conhecerá então um novo ídolo:
o desenvolvimentismo. Superar o Brasil periférico, arcaico, ignaro e su-
persticioso (...). O que não tem função, morra e pereça".

157
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Na segunda metade dos anos 1950 acirrou-se a ideologia


desenvolvimentista. Assumindo a Presidência da República, Juscelino
Kubitschek procurou implementar as medidas propostas em seu ambicioso
Plano de Metas, investindo no setor industrial e em infra-estrutura. O
período correspondente ao seu governo (1956-1960) é considerado um
dos mais importantes da história econômica do País.
Nesse clima de otimismo desenvolvimentista, emerge a crença de
que a escola é parte integrante desse processo:

A sociedade brasileira, com a arrancada espetacular de progresso que pre-


sentemente estamos vivendo, sob o signo de um desenvolvimento econô-
mico acelerado e quase tumultuário, está desenvolvendo uma aguda sensi-
bilidade para os valores que a educação pode e deve representar no nosso
futuro plano social. Tanto sob o prisma do nosso desenvolvimento econô-
mico e tecnológico como sob o prisma de nossa progressiva integração nos
ideais e moldes da vida democrática, a educação é e será cada vez mais o
grande catalizador de nossas possibilidades como povo livre, próspero e
cônscio de seus destinos. (Profissionalização... 1959, p. 3).

Em abril de 1956, nomeado por Juscelino Kubitschek, Gildásio


Amado assume a Diretoria do Ensino Secundário, e, no discurso de posse,
criticava o desajuste existente entre a estrutura do ensino e a nova reali-
dade social e propunha a sua linha de ação: descentralização e assistência
técnico-pedagógica.
Com a descentralização, pretendia transferir poderes do órgão cen-
tral (Dese) para órgãos regionais, bem como libertar a escola do complexo
esquema de instruções oficiais a que estava subordinada. Com a assistên-
cia técnico-pedagógica, visava superar a carência de pessoal docente e
administrativo qualificado.
Para viabilizar seu plano de ação, Gildásio dispunha de dois instru-
mentos herdados de seu antecessor, Armando Hildebrand: as inspetorias
seccionais de ensino secundário e a Campanha de Aperfeiçoamento e Di-
fusão do Ensino Secundário.
Na avaliação do novo diretor do Ensino Secundário, a Cades “armada
como um instrumento menos preso à máquina burocrática que frustrava toda
a tentativa de ação pronta e inovadora (...) constituía uma válvula de escape
aos intermináveis e miúdos controles administrativos" (Amado, 1973, p. 36).
Gildásio, na sua determinação de modernizar o ensino secundário,
soube aproveitar-se dessa estrutura ágil. Em sua gestão, ampliou-se a

158
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

ação da Campanha, abrangendo todo o ensino secundário e difundindo-


se por todas as regiões do País, concretizando os objetivos constantes do
Decreto nº 34.638/53 que a criou. Nesse empreendimento, teve como co-
laborador José Carlos de Mello e Souza, por ele convidado para ser coor-
denador da Cades.
O trabalho da Cades inspirava-se

na idéia de que o Ministério não deve ser o executor direto de programas,


mas operar através de agências e mecanismos regionais, aos quais cum-
pria-lhe oferecer recursos financeiros e técnicos para o desenvolvimento da
educação, esquivando-se o órgão central o mais possível do papel de agente
imediato. (Amado, 1973, p. 36).

Utilizando a Cades e tendo as inspetorias seccionais de ensino se-


cundário como ponta de lança, Gildásio Amado ampliou a oferta de cursos
de orientação para exames de suficiência e ainda promoveu:
1) cursos de aperfeiçoamento para professores portadores de regis-
tro no MEC;
2) estágios de “aperfeiçoamento" (de três a seis semanas) ou de
“informação" (uma semana), realizados no Colégio Nova Friburgo,
em convênio com o Centro de Estudos Pedagógicos da Fundação
Getúlio Vargas, endereçados especialmente a professores, direto-
res, orientadores educacionais, técnicos e inspetores;
3) bolsas de estudo para estágio de professores no Centro Interna-
cional de Estudos Pedagógicos de Sèvres;
4) cursos para secretários de estabelecimentos de ensino secundário;
5) encontros e jornadas de inspetores e diretores;
6) cursos radiofônicos de disciplinas do currículo do curso secun-
dário e de orientação para professores;
7) encontro de pais e mestres visando incentivar atividades extraclasse
e a criação de associações de pais e mestres;
8) elaboração de material didático para auxiliar a atividade docente.

Da preocupação com a clientela do curso secundário, em geral ado-


lescente, emergiu a ênfase na orientação educacional, que se concretizou
mediante a realização de cursos radiofônicos, encontros e simpósios, a
concessão de auxílio financeiro às faculdades de filosofia que oferecessem
cursos de formação de orientadores educacionais, bem como bolsas de

159
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

estudo aos professores que freqüentassem tais cursos. Além disso, implan-
tou um programa editorial que incluía revistas, monografias e livros. Com
o objetivo de melhorar a qualidade do ensino de ciências físicas e naturais,
doou laboratórios de física, química e ciências naturais a colégios do inte-
rior ou os vendeu a preço de custo. Para estimular a produção de textos
pelos professores, criou um concurso de monografias, que conferia ao
vencedor prêmio em dinheiro, estágio de seis meses no Centro Internacio-
nal de Estudos Pedagógicos de Sèvres, além da publicação do texto na
série “monografias".
Para atingir as regiões mais longínquas do País, a Cades criou as
“missões pedagógicas", definidas pela Dese, no Ofício Circular nº 15, de 10
de março de 1960, como equipes volantes, devidamente treinadas para
levar aos estabelecimentos de ensino secundário daquelas regiões “a assis-
tência pedagógica e a orientação administrativa de que já não podem
prescindir em face do crescimento e da procura sempre maior desse tipo
de ensino, bem como do relevante papel que lhe cabe na construção do
mundo moderno" (Brasil, 1960). Cada missão seria constituída por uma
equipe de quatro membros, conforme especificado no Ofício Circular nº
425, de 1º de junho de 1959, “devidamente credenciados por títulos de
magistério secundário" e deveria atuar, sobretudo, no setor pedagógico,
“através de contatos pessoais com os educadores da localidade, círculos
de estudos, encontros, palestras, além de trabalhos práticos, inclusive com
a participação dos alunos" (Brasil, 1959).
As missões pedagógicas foram inauguradas em agosto de 1959
com a do Vale do Rio Doce, abrangendo os Estados de Minas Gerais e
Espírito Santo. Em Minas Gerais foram beneficiadas as cidades de Aimorés,
Conselheiro Pena, Governador Valadares e Resplendor; no Espírito Santo,
as cidades de Baixo Guandu, Catalina e Linhares.
Ciente do interesse dos professores do interior do País pela atuali-
zação de conhecimentos e das dificuldades que encontravam no exercício
da sua função, a Cades, em 1957, ao iniciar a publicação da revista Escola
Secundária, criou a seção “Consultório Didático", que, em 1961, passou a
chamar-se “Secção de Consultas", proporcionando aos interessados a “opor-
tunidade de formularem consultas sobre a melhor interpretação doutriná-
ria ou didática do programa oficial".

160
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

Renovação administrativo-pedagógica
(1963-1964)

Os primeiros anos da década de 1960 foram marcados por grande


efervescência ideológica, política, socioeconômica, cultural e educacional.
No plano cultural, emerge um movimento de difusão da cultura
popular, por meio de grupos que lhe conferiram uma acepção de caráter
nitidamente político. O mais destacado desses grupos foi o Centro Popular
de Cultura (CPC), de iniciativa estudantil e ligado à União Nacional dos
Estudantes (UNE).
No setor educacional, registraram-se dois fatos importantes:
1) a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
após 13 anos tramitando no Congresso Nacional, tendo como
pano de fundo um grande embate ideológico entre os defensores
da escola pública e da escola privada; e,
2) a divulgação do Método Paulo Freire de alfabetização, que rece-
beu o apoio de grupos ideologicamente diversos: entidades estu-
dantis como o CPC, governos estaduais e municipais, organizações
estatais, entidades religiosas, como o Movimento de Educação de
Base (MEB), e do governo federal que o encampou, criando o Pla-
no Nacional de Alfabetização (1963).
A crise política decorrente da renúncia de Jânio Quadros e da posse
de João Goulart propiciou uma intensa politização das massas urbanas.
Por outro lado, no quadriênio 1961-1964 a taxa de inflação atin-
giu 38,1%, 53,3%, 73,5% e 91,6%, respectivamente. Pressionado pela classe
trabalhadora, que desejava melhoria salarial, e pelas reivindicações dos
setores industriais, que desejavam facilidades para obtenção de créditos,
João Goulart abandonou a política de combate à inflação e voltou-se,
então, para as reformas de base – bancária, fiscal e agrária – previstas em
seu Plano Trienal. A tentativa de concretizar a reforma agrária provocou a
mobilização dos proprietários de terra e demais forças conservadoras do
País. Nesse contexto, ocorre o golpe militar.
Nessa época, em decorrência do trabalho renovador desenvolvido
ao longo do decênio 1953-1963 na Inspetoria Seccional do Ensino Secun-
dário do Ceará, o ministro Paulo de Tarso nomeou diretor do Ensino Se-
cundário a Lauro de Oliveira Lima, a quem se deve a introdução da teoria

161
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

psicogenética de Jean Piaget no Brasil, bem como a articulação dessa


teoria à Didática. O curso da Cades, realizado em janeiro de 1964 em todas
as inspetorias seccionais do País, teve como instrumento de trabalho as
suas formulações, por ele denominadas “método psicogenético" no livro A
escola secundária moderna.
Lauro de Oliveira Lima transferiu a Diretoria do Ensino Secundário
para Brasília e apresentou ao ministro Júlio Furquim Sambaquy um “Pla-
no das Atividades da Diretoria do Ensino Secundário e da Campanha de
Aperfeiçoamento e Difusão de Ensino Secundário" para o período outubro
de 1963/março de 1964. Como o golpe militar ocorreu no dia 31 de mar-
ço, parece que o autor do Plano possuía poderes premonitórios...
O Plano de Atividade de Lauro tinha como objetivos: ampliar e
melhorar a rede escolar secundária e adequá-la à realidade brasileira, “le-
vando em consideração o atual estágio de desenvolvimento do País e as
peculiaridades regionais"; aperfeiçoar o pessoal docente e técnico-admi-
nistrativo; e integrar escola/comunidade “a fim de que ela venha a ser, ao
mesmo tempo, expressão e instrumento de formação dessa comunidade".
Lima apresentava justificativas sociológicas, pedagógicas e admi-
nistrativas para seu plano. Do ponto de vista sociológico, apontava o au-
mento da população na faixa etária de 11-16 anos, a insuficiente oferta
de oportunidades pela rede escolar e a inadequação da escola às exigênci-
as do desenvolvimento econômico e social. Do ponto de vista pedagógico,
enumerava: a exigência de treinar educadores para as novas tarefas, bem
como o seu aperfeiçoamento contínuo; e a necessidade de prestar assis-
tência à organização escolar e, quando solicitado, assessorar os sistemas
estaduais de educação. Do ponto de vista administrativo, assinalava a
necessidade de reestruturar a Dese, órgão que exercia as atribuições do
poder público em matéria do ensino secundário. Para atingir os objetivos
visados, o Plano continha um pormenorizado programa de trabalho.
O curto período em que Lauro de Oliveira Lima esteve à frente da
Dese foi marcado pela agudização do embate entre forças conservadoras e
esquerdistas. Lauro aliou-se às correntes de esquerda, em especial à UNE,
cujos representantes tinham livre acesso aos gabinetes do ministro da Edu-
cação, do diretor do Ensino Secundário e às inspetorias seccionais.
O golpe militar interrompeu esse curto período de perspectiva de
renovação, afastando Lauro de Oliveira Lima da Diretoria do Ensino Se-
cundário e dos quadros do MEC como inspetor federal de ensino.

162
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

Declínio e desaparecimento
(1964-1970)

Com os militares no poder, Gildásio Amado volta a dirigir o ensino


secundário. Mas, esse período em nada se compara à sua primeira gestão.
Das atividades desenvolvidas, apenas os cursos de orientação para exames
de suficiência ainda foram oferecidos nos anos de 1965, 1966, 1967 e
1969. Essa desmobilização pode ser interpretada como uma intenção de
esvaziar a Cades para, depois, extingui-la.
Ocorre que a ascensão da tecnoburocracia ao poder teve duas con-
seqüências principais: a ênfase no econômico em detrimento do social; e
o enfraquecimento da classe política que poderia tomar decisões ou fazer
pressões favoráveis ao setor social, no qual se insere a educação.
Não foi possível, por meio de fontes orais e escritas, levantar a data
de extinção da Cades ou um ato que tenha determinado a sua extinção.
Pode-se supor que a Campanha tenha desaparecido no bojo da
“Reforma Administrativa" do serviço público no Brasil, desencadeada pelo
Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, complementado pelo De-
creto-Lei nº 900, de 29 de setembro de 1969.
Um projeto de estrutura do MEC, encontrado no Arquivo Gildásio
Amado (UFRJ/FE/Proedes), prevê a extinção de diversos órgãos e campa-
nhas, inclusive a Diretoria do Ensino Secundário, à qual a Cades se subor-
dinava. O documento, não faz menção à Cades, mas prevê a permanência
ou transformação de alguns outros órgãos como a Capes e o Inep.
Por outro lado, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplica-
da (Ipea), de março de 1970, recomenda o esvaziamento progressivo da
“organização paralela de Grupos de Trabalho, Comissões, Secretarias Exe-
cutivas dos Planos, etc. transferindo os encargos para os Departamentos"
(Brasil, 1970, p. 4).
Finalmente, a Reforma Administrativa do MEC, implementada pelo
Decreto nº 66.296, de 3 de março de 1970, que previa a estrutura básica
do Ministério da Educação e Cultura, e nº 66.967, de 27 de julho de
1970, que dispôs sobre a organização administrativa do citado Ministé-
rio, confirma o conteúdo do projeto de estrutura do MEC e do estudo do
Ipea. Esses atos legais previam: a existência de mecanismos especiais de
“natureza transitória" como comissões, grupos de trabalho, campanhas,

163
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

programas e similares; a extinção da Diretoria de Ensino Secundário; e a


manutenção dos seguintes órgãos autônomos: Instituto Nacional de Estu-
dos Pedagógicos (Inep); Coordenação do Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes); e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Naci-
onal (Iphan). Esses órgãos estariam vinculados, respectivamente, à Secreta-
ria Geral, ao Departamento de Assuntos Universitários e ao Departamento
de Assuntos Culturais.
Como se constata, das campanhas contemporâneas da Cades,
somente a Capes continuou. Não sabemos as razões que determina-
ram a extinção da Cades. Podemos, no entanto, levantar algumas
hipóteses.
A primeira delas é que, por ser uma campanha, a Cades deveria ser
efêmera. Essa hipótese é reforçada por Carvalho (1996) que considera nor-
mal que uma campanha exista por algum tempo e depois desapareça: “a
Cades foi só uma campanha que enquanto houver necessidade vai durar e
depois se extinguirá".
A segunda hipótese complementa a primeira e aponta na direção
de que a Cades tenha sido extinta em decorrência da expansão do ensino
superior a partir da segunda metade da década de 1960.
Como se sabe, a crise dos excedentes fez com que o governo
federal tomasse uma série de providências visando ao aumento da oferta
de vagas no ensino superior. Posteriormente, para disciplinar essa ex-
pansão, o grupo de trabalho encarregado de elaborar a proposta de re-
forma do ensino superior recomendou que o aumento de vagas se con-
centrasse em carreiras prioritárias para o desenvolvimento nacional. En-
tre as prioridades estava o magistério de ensino médio, naquela época a
área de maior déficit.
A criação de cursos de licenciaturas, principalmente nas áreas
de ciências humanas e sociais, não exigia grandes investimentos, atra-
indo o empresariado do ensino que, naquela época, migrava do ensino
secundário para o ensino superior. Essa expansão não se limitou aos
grandes centros, alastrando-se para as pequenas cidades do interior do
País. Dessa forma, a oferta de cursos de licenciatura aumentou enor-
memente, suprindo ou, pelo menos, diminuindo a carência de profes-
sores habilitados.

164
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

Para Eurides Brito da Silva (1997), que em 1968 sucedeu Gildásio


Amado na Diretoria do Ensino Secundário, a Cades “morreu de inanição". Na
sua avaliação, a Campanha foi a grande solução para as décadas de 1950 e
1960, porém, tratava-se de uma solução provisória. Eurides considera que a
solução definitiva viria com o escalonamento previsto na Lei nº 5.692/71
– licenciatura plena/licenciatura curta – que, embora mal compreendido
no Centro-Sul, foi a grande solução para as regiões menos desenvolvidas.
Esse esquema não incluía os exames de suficiência que só aparecem nas
disposições transitórias.

Principais contribuições da Cades


à educação nacional

Quando a Cades surgiu, o ensino secundário padecia de alguns


males decorrentes de sua explosiva expansão. Como registra o editorial do
primeiro número da revista Escola Secundária.

transformaram-se pardieiros e vetustas casas particulares em ginásios; mul-


tiplicaram-se os turnos, comprimindo-se seus horários; superlotaram-se de
alunos as salas de aula; (...) recrutaram-se, às pressas, professores improvisa-
dos, alguns mesmo (12%) sem curso secundário completo. Por fim, como
medida salvadora, procedeu-se ao reconhecimento burocrático mas legal desses
educandários improvisados, que foram autorizados a expedir certificados de
conclusão de curso secundário (Nossa revista, 1957, p. 6).

Diante desse quadro, o citado editorial conclui que, paralelamen-


te ao grande crescimento quantitativo, a escola secundária vinha “so-
frendo um severo retrocesso qualitativo: vários dos nossos ginásios são
antes moinhos apressados de instrução em que os programas oficiais são
triturados perfunctoriamente nas aulas diárias em rápida sucessão" (Nossa
revista, 1957, p. 6).
Como já assinalamos, a Cades teve uma ação extensiva e multifocal,
que atingiu todo o País e a totalidade do pessoal envolvido no ensino
secundário: do inspetor federal ao secretário dos estabelecimentos.
Consideramos, porém, que algumas de suas ações devem ser desta-
cadas pela ênfase que lhes foi dada e/ou pelos resultados produzidos: “as
atividades relacionadas à orientação educacional (OE)"; “a produção bibli-
ográfica"; e “os cursos de orientação para exames de suficiência".

165
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Ênfase na orientação educacional

As publicações da Cades denotam uma grande preocupação dos


dirigentes da Dese com a orientação educacional (OE), introduzida no
Brasil pela Reforma Capanema.
Ao longo de sua existência, a Campanha promoveu três simpósios de
Orientação Educacional, além de seminários, encontros e cursos radiofônicos;
estimulou a criação de cursos para a formação de orientadores educacionais,
seja oferecendo sugestões quanto à sua estrutura e ao seu conteúdo, seja
fornecendo auxílio financeiro às instituições que os oferecessem e bolsas de
estudo aos alunos; publicou 25 Cadernos de Orientação Educacional e todos
os números da revista Escola Secundária contêm artigos sobre o tema.
Essa preocupação era justificada pelas modificações ocorridas na soci-
edade brasileira, que vinham desarticulando as instituições sociais mais direta-
mente vinculadas ao processo educativo (família, escola, Igreja e meios de
comunicação). De outro lado, as crescentes dificuldades financeiras que afeta-
vam a família, exigindo que as mulheres se inserissem no mercado de trabalho,
estavam transferindo muitas das suas atribuições educativas para a escola.

A família, premida pelas imposições econômicas da luta pela vida e atordo-


ada pelos órgãos de publicidade, cujos programas deseducativos logram
passar pelas malhas da censura oficial de vistas grossas, está desorientada
e confusa, sem saber que atitude deva tomar em face da situação. (Melhor
ambiência... 1959, p. 3).

Produção bibliográfica da Cades

A quase totalidade da produção bibliográfica da Cades ocorreu na


primeira gestão Gildásio Amado. Nessa produção se destacaram: a revista
Escola Secundária (com 17 de seus 19 números publicados nesse período);
os Cadernos de Orientação Educacional (25 números); monografias de
Didática Especial referentes às diversas disciplinas do ensino secundário; e
os anais dos três simpósios de orientação educacional.
Os textos que compunham a série Didáticas Especiais resultavam, em
grande parte, do concurso de monografias promovidas em comemoração ao
Dia do Professor. Esses textos denotam uma preocupação ou intenção de
contribuir para o aperfeiçoamento do processo ensino-aprendizagem pela
disseminação de novos conteúdos e novos métodos e técnicas de ensino.

166
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

A importância dessa produção bibliográfica só pode ser devida-


mente avaliada a partir da sua articulação com as precárias condições
daquela época, quando a indústria editorial era incipiente e não havia
disponibilidade de publicações voltadas para a área pedagógica.

Cursos de orientação de professores

Abreu (1960, p. 93), em estudo apresentado no Seminário


Interamericano de Educação Secundária, realizado em 1955 no Chile, as-
sim avaliava o ensino secundário brasileiro:

O ponto mais fraco da escola secundária brasileira está no seu professora-


do. Pelo súbito incremento do aparelho, tornou-se necessário organizar
um magistério de emergência aliciado nas sobras, lazeres e desempregos
de outras profissões, ou entre outros candidatos sem profissão nenhuma.

É ainda Abreu (1960) que apresenta dados que demonstram que as


faculdades de filosofia não estavam suprindo a demanda de professores.
De acordo com esses dados, até 1960, 41.033 pessoas diplomaram-se por
faculdade de filosofia. Dessas, apenas 5.395 exerciam a docência do ensi-
no secundário, o que denota o desinteresse dos licenciados pelo exercício
do magistério. Para Abreu, alguns licenciados encaravam esses cursos apenas
como complemento da formação geral; outros encaminhavam-se para o
ensino superior, para a pesquisa ou para ocupações que ofereciam remu-
neração melhor que o magistério.
Diante desse quadro, parece que a preocupação da Dese e da Cades
se concentrou no problema da improvisação de professores. De acordo
com Lima (1960, p. 7), ao constatar que

milhares de professores, mais de 20 mil, exerciam o magistério sem nenhu-


ma habilitação legal, o ponto que pareceu à Cades mais urgente foi ajudar
a estes professores a obterem seus registros e, por meio disto, tentar prepará-
los, tecnicamente, para o exercício do magistério.

Os cursos de orientação de professores, criados para esse fim, trans-


formaram-se, então, no carro-chefe das atividades desenvolvidas pela Cam-
panha. Sobre isso, o depoimento de Lauro de Oliveira Lima ([197-], p.
191), um dos mais ativos participantes dessas atividades, é esclarecedor:

167
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

No país inteiro, anualmente, nas férias realizavam-se cursos de preparação


para o exame de suficiência (registro de professor), ministrados por profes-
sores recrutados em São Paulo e na Guanabara: foi a primeira vez que o
magistério nacional entrou em contato efetivo com o Ministério da Educa-
ção, quer como auxiliar de uma campanha, quer como beneficiário de um
programa cujos efeitos foram muito mais proveitosos que as reformas edu-
cacionais até então feitas (era a reforma do magistério, quase todo leigo).

Em texto escrito em 1961, José Benedito Pinto ([1964?], p. 7) afirmava:

observador atencioso e interessado, já cheguei à conclusão de que a Cades


vem mudando a mentalidade de muitos professores e os há inúmeros cujo
trabalho poderia ser classificado em duas etapas: antes da influência da
Cades e depois da influência desta instituição.

Koch (1997) assim descreve a sua participação como professor nos


cursos promovidos pela Cades:

Nesses cursos eu me sentia um grande patriota da nossa cultura e um


apóstolo da fé cristã. Tanto mais, porque a serviço de alunos e alunos-
mestres do interior, onde o sol da cultura e evangelização chega com seus
raios bastante esmaecidos... Eu me sentia em missão patriótica e cristã.
Sentia-se que o governo, finalmente, estava empenhado em estender os
benefícios da cultura para uma camada mais ou menos abandonada à sua
sorte. A Cades: uma grande benção!

A análise das entrevistas e depoimentos dos atores dos cursos da


Cades (coordenadores, professores e alunos-mestres) permitiu detectar o
papel importante que tais cursos desempenharam como instrumento para
regularizar a situação de professores leigos e para ingresso na carreira do
magistério secundário; a qualidade dos cursos; e o significado de sua
extinção para o interior do País.

Cursos da Cades como instrumento


para regularizar a situação de professores
leigos e como oportunidade para ingresso
na carreira do magistério secundário

Segundo Lauro de Oliveira Lima (1997), “do ponto de vista buro-


crático, do ponto de vista legal, a Cades tinha por objetivo regularizar a
função do professor" porque

168
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

a pessoa que ia fundar um colégio lá na cidade do interior, pegava o


farmacêutico, o médico, o padre (...). Do ponto de vista burocrático era
uma irregularidade. Então a Cades tinha por objetivo sanar essa irregulari-
dade que era o exercício do magistério sem o registro.

Para Eulina Fontoura de Carvalho (1996),

havia um problema muito sério no ensino secundário relativo à formação


de professores e havia uma exigência de registro (...) e os professores do
ensino secundário, sobretudo no interior do País e mesmo nas capitais,
eram professores normalistas na maioria dos casos. Então, a preocupação
com a formação dos professores e de fazer o chamado exame de suficiên-
cia para que eles pudessem obter o registro.

O cardeal dom Paulo Evaristo Arns (1997) relata a sua experiência


em relação à burocracia, quando regressou ao Brasil depois de se doutorar
na Sorbonne: “Eu estudei na Sorbonne e não podia lecionar no Brasil com
um diploma francês (...) nem francês e nem as matérias em que me douto-
rei na Sorbonne (...). Logo me disseram: a burocracia é grande, o mais
simples é o senhor fazer o exame da Cades."
Mirsa Junho Costa (1997) era professora primária e nunca havia traba-
lhado no ensino médio. Atuava como auxiliar de secretaria no Colégio Estadu-
al de Três Corações (MG) e, após freqüentar um curso da Cades, novas pers-
pectivas abriram-se para ela. O exame de suficiência regularizou a sua situa-
ção no colégio e “o registro de secretária foi deixado de lado porque a secre-
taria não era o meu forte". A professora acrescenta: “eu fui a Belo Horizonte
fazer o concurso (...) voltei trazendo a ata da minha aprovação e pedi as
minhas aulas, que não poderiam ser negadas porque estava ali..."
Arline Maria Rios Pereira (1997) lembra: “eu fiz o Curso de História de
1996 e 1969. Esse curso abriu a porta para a minha carreira de professora".
Para Dair Silva Carvalho (1997) os cursos representaram “uma aber-
tura; foi uma janela que se abriu para mim".
A avaliação de Maria Martha Bezerra Andrade (1997) também é
positiva: “para mim, a Cades valeu".
Tania Cristina Iabrudi Tavares (1997) era muito nova quando foi
fazer seu primeiro e único curso da Cades, o qual, segundo ela, foi decisivo
em sua vida:

porque eu tive o primeiro contato com Piaget, com a construção do conhe-


cimento, e isso me fez tomar uma posição na vida completamente diferen-
te do que eu tomaria se não tivesse tido esse contato (...). E fez com que eu
tivesse sucesso no ensino da matemática.

169
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Vale acrescentar que, de posse do registro, esses professores fizeram


concurso e ingressaram no magistério oficial do Estado de Minas Gerais.

Qualidade dos cursos da Cades

A boa qualidade dos cursos da Cades foi ressaltada tanto por pro-
fessores quanto por alunos-mestres.
Dom Paulo Evaristo Arns (1997) assim se expressa sobre a Cades:
“percebi aquilo como alguma coisa que era maior do que o Brasil que a
gente conhecia antes", e avalia a sua experiência como coordenador do
curso realizado em Juiz de Fora em 1956:

Éramos 22 professores, aliás muito bem escolhidos, uma equipe extraordi-


nária. A gente se reunia todos os dias e trabalhava em média oito ou dez
horas por dia: oito horas quando o curso era de manhã e de tarde e dez
horas quando havia sessão à noite para temas especiais.

O padre Eloy Dorvalino Koch (1997), que atuou como professor de


língua portuguesa em seis cursos – realizados em: Três Corações, Lavras e
Carangola, no Estado de Minas Gerais; Santa Maria, no Rio Grande do Sul;
Itapenitinga, no Estado de São Paulo; e João Pessoa, na Paraíba –, confir-
ma a dedicação dos professores ao curso:

A equipe se compunha de 12, ou 14, ou 16 professores: dois para cada


disciplina. Um para conteúdo, outro, para didática. O curso durava um
mês. Era intensivo e, por isso, estafante, beirando o estresse! Assim
para os alunos-mestres como para os professores. Estes, talvez mais
que aqueles, tinham seus trabalhos prolongados noite adentro: com
preparo de aulas, exame de testes e redações, o relatório final e outras
atividades complementares.

Sobre a seleção de professores que ministravam os cursos, Lauro de


Oliveira Lima (1997) foi enfático: “As equipes eram selecionadas com o
maior critério. Por exemplo, a equipe que dava curso lá no Ceará, a gente
via que cada professor era uma pessoa de renome daqui do Rio de Janeiro
ou de São Paulo".
Para Arline Maria Rios Pereira (1997), aluna-mestre de cursos da
Cades na década de 1960, “os professores eram bem preparados e a gente
aproveitava bastante o curso".

170
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

De acordo com José Rotundaro Filho (1997), que freqüentou cur-


sos nas décadas de 1950 e 1960, “eram cursos ministrados por professores
gabaritados que nos transmitiam, além da matéria específica, também a
prática para o exercício do magistério. Eram ótimos, sem dúvida".
Na avaliação de Maria Teresa Fonseca Oliveira (1997), aluna-mes-
tre de cursos nas décadas de 1950 e 1960, a qualidade dos cursos da
Cades era superior à do curso de licenciatura feito a seguir: “se fizemos
um curso bom na faculdade foi o que aprendemos na Cades, porque real-
mente era um mês apertadíssimo, a gente não tinha tempo para nada.
Você tinha de aprender de qualquer maneira.".
Maria Martha Bezerra Andrade (1997), aluna-mestre de cursos na
década de 1960, concorda com Oliveira: “acho que aprendi mais no curso
da Cades (...) do que na faculdade que eu fiz em quatro anos".
Dair Silva Carvalho (1997), aluna-mestre dos cursos de 1964 e 1966,
assinala que foi “um treinamento intensivo que formou bons professores
(...). Eu acho que foi uma iniciativa ótima (...) porque melhorou demais o
ensino naquela época".
Para Mirsa Junho Costa (1997), aluna-mestre de cursos na década
de 1960, “os cursos eram realmente ricos".
Pela articulação de fontes escritas e orais, concluímos que a Cades
desempenhou, nas décadas de 1950 e 1960, papel relevante em relação ao
corpo docente do ensino secundário: ministrou cursos de excelente quali-
dade e regularizou a situação de milhares de professores que puderam
ingressar no magistério pela “porta da frente".

Significado da extinção dos cursos


para o interior do País

Atuando na Inspetoria Seccional do Ensino Secundário de Três


Corações (MG) acompanhamos parte da trajetória dos depoentes. Com a
expansão do ensino superior e sua interiorização no final dos anos 1960 e
início da década de 1970, todos tiveram oportunidade de obter o título de
licenciado nas faculdades de Filosofia, Ciências e Letras que foram criadas
na região. Tal fato, no entanto, não impediu que lamentassem a extinção
dos cursos da Cades.

171
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Maria Martha Bezerra Andrade (1997) afirmou: “sinto que hoje não
tenha esses cursos ao lado dessas faculdades que a gente tem. Eu acho
que seria uma complementação muito boa".
Para Maria Theresa Fonseca Oliveira (1997) “foi uma pena ter aca-
bado" e Tânia Cristina Iabrudi Tavares (1997) acredita que os cursos

deveriam ser preservados [...]. Essas pessoas que dão boa formação, com
gabarito mesmo, deveriam vir para o interior para formar pessoas que não
tenham oportunidade [...] assim você está abrindo o leque para muito mais
gente, você está dando chance para outras pessoas.

Considerações finais

A análise de documentos textuais e entrevistas permitiu-nos con-


cluir que a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundá-
rio surgiu em um período no qual se buscava recuperar o tempo perdido,
colocando o Brasil no caminho do desenvolvimento e da modernização.
Para que isso ocorresse, acreditava-se que era imprescindível a par-
ticipação da educação. Tornava-se necessário, pois, melhorar a escola para
preparar a população, isto é, a elite, para assumir posições de comando em
uma sociedade moderna e, conseqüentemente, mais complexa.
O conteúdo dos editoriais da revista Escola Secundária denotava
preocupação com o divórcio existente entre o produto do ensino secundá-
rio e as necessidades da sociedade, ou seja, com o tipo de contribuição
que o primeiro poderia oferecer ao processo de desenvolvimento e moder-
nização do País. O Editorial do primeiro número da citada revista exemplifica
o que afirmamos.

Aparentemente, nossa escola secundária nem mesmo chegou a se aperce-


ber dessas transformações sociais, e muito menos a arregimentar suas for-
ças e reorganizar seus recursos para se reajustar às novas realidades emer-
gentes, interpretá-las e orientá-las no seu processamento, atendendo às
novas necessidades geradas pela nossa evolução social (Nossa revista, 1957,
p. 6).

Os anos áureos da Campanha (1956-1963) coincidiram com um


dos períodos de maior efervescência política, social, cultural e ideológica
da história brasileira.

172
Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário:
uma trajetória bem-sucedida?

A Cades, no entanto, não repercutiu o debate ideológico que se


desenvolveu na segunda metade da década de 50 em torno da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional que, extrapolando o setor políti-
co, envolveu educadores, escritores, jornalistas, trabalhadores, líderes sin-
dicais, entidades estudantis e a opinião pública em geral.
O conteúdo da revista Escola Secundária também não reflete
essa agitação, essa ideologização que tomava conta da vida brasileira,
já que os textos em geral versavam sobre temas da área de didática.
Esse fato assume uma dimensão mais séria quando, por exemplo, dei-
xando transparecer a possibilidade de uma atividade educativa neutra,
ao mesmo tempo em que solicitava aos educadores a remessa de arti-
gos “expondo planos, idéias e sugestões de interesse didático e
educativo, calcados no seu estudo, nas suas observações e experiênci-
as", advertia que não abriria suas páginas para polêmicas pessoais,
discussões sobre política educacional, porque “nossa revista tem por
objetivos informar, esclarecer e incentivar o aperfeiçoamento didático
do professorado secundário" (Prezado leitor... 1959, p. 120 – grifos no
original).
Havia a preocupação de modernizar o ensino secundário, pela
implementação de mudanças de ordem técnica, sem alterar substancialmente
seu caráter seletivo e elitista.
Os editoriais da revista Escola Secundária, por outro lado, pareciam
assumir uma postura de otimismo desenvolvimentista, participando da
crença de que a educação é parte integrante desse processo.

É nas escolas e pelas escolas que se decidirá o futuro da Nação pelo


aproveitamento que nelas se fizer dos talentos e capacidades que cada
nova geração traz no seu bojo, capacidades e talentos esses que, bem
aproveitados e orientados, se tornarão o mais rico patrimônio social da
Nação. (Profissionalização do magistério, 1959, p. 4).

Lauro de Oliveira Lima (1960, p. 6) assinala que

a criação da Cades foi o divisor das águas entre o que existia então e o
que é hoje o ensino secundário brasileiro. A Cades não nasceu com uma
filosofia ou, sequer, com uma política administrativa ou educacional.
Fez-se por inspiração do momento, procurando atender urgentemente
aos problemas mais prementes com que se via a braços a Diretoria do
Ensino Secundário, tendo sido, nesse sentido, a primeira janela aberta
para uma atuação do MEC no País.

173
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Considerando as condições do País e particularmente da educação


escolar, acreditamos que, por intermédio das diversas atividades desenvol-
vidas, essa Campanha pode ser considerada um espaço de estudos peda-
gógicos e de aperfeiçoamento administrativo que teve benéfica repercus-
são no ensino secundário.
Podemos concluir que a Cades foi uma solução tecnicamente avan-
çada, porém, socialmente conservadora, enquadrando-se, conforme expres-
são cunhada por Moore Jr. (1983), na perspectiva de modernização conser-
vadora, ou seja, modernizar sem alterar as estruturas sociais. Esse fato não
minimiza, porém, o papel desempenhado pela Campanha de Aperfeiçoa-
mento e Difusão do Ensino Secundário ao longo de sua curta existência,
como também a importância de se estudar e divulgar a sua história.

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177
7
A formação dos professores:
novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos
Vera Lucia Alves Breglia*
Cecília Neves Lima**

* Professora do Departamento de Ciência da Informação do Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal
Fluminense (IACS/UFF).
** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Primeira Conferência Presidida por Capanema
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

Os primeiros olhares

A apropriação de uma frase do discurso feito por Anísio Teixeira na


sua posse no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) em 1952,
para compor o título deste texto, deveu-se à recorrência do termo “novo"
e à percepção do sentido que ganhou naquele momento. Foi esta a ma-
neira que o seu autor encontrou para expressar a certeza de que se inau-
gurava um momento singular para o País que, na sua apreciação, vivia em
um estado de confusão e de crise, tornada mais grave pela tenuidade das
nossas instituições e pela impaciência insofrida com que elas eram expan-
didas, sem que se cuidasse da reconstrução do existente, nem de dar ao
novo, ao que se expandia, as condições que os novos tempos estavam a
exigir. Pois, o novo e a reconstrução estavam para Anísio na dependência
de um sistema educacional de novos deveres, novos zelos, novas condi-
ções e novos métodos. Naquele momento, foi lançado um novo olhar para
a escola, que ia de encontro ao então praticado que via a escola como
pacífica, quieta. Ao contrário, a escola que se desejava era a que crescia
em paralelo à civilização, cheia de vigor e rigor moral, preocupada em

181
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

formar e disciplinar o futuro homem. Em síntese, uma escola universal, inte-


grada ao sistema público, cujo ensino fosse voltado para o trabalho e que por
isso mesmo estaria a partir de então, ligada ao desenvolvimento do País.
Desde os primeiros contatos com os documentos a serem trabalha-
1
dos , ficou perceptível que “reconstrução", “novo", assim como outros
termos podiam ser tomados ora como “categorias-emblema", ora como
“palavras de ordem"2 do período que marcou a gestão de Anísio Teixeira
no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep)/Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais (CBPE).3 Foi o compromisso de estudar um perí-
odo já tão explorado em outros tantos estudos que levou a pensar com
outros olhares, que gestos de leitura utilizar para trabalhar os documentos
e perceber no escrito, o que ficou inscrito.
A opção foi tomar como ponto de partida a sua origem, ou seja, o
fundo Anísio Teixeira, do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). Tam-
bém ficou evidente que o que se tinha em mãos para trabalhar eram
fragmentos, vestígios, restos. Para Nora (1993, p. 12) os lugares de memó-
ria são antes de tudo restos,4 pois o que consta muitas vezes nesses luga-
res são vestígios, ou parte daquilo do que se quer mostrar, ou do que
sobrou, ou até mesmo de como gostaria de ser visto como a “construção
de identidade", conforme aborda Pollak (1992), ou ainda, do que pode ser
lembrado. É por isso que os vestígios dão o aspecto de concretude, pois
eles são notórios, mesmo sendo restos de algo ou alguma coisa. Já
Lowenthal (1998) associa esses indícios do passado a relíquias, que tanto
podem tomar forma de características naturais ou de artefatos humanos.

1
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14.
2
Estamos nos referindo também às categorias “consciência" e espírito, pois “tomada de consciência", “formação da
consciência", “consciência profissional", “consciência educacional", “consciência de métodos próprios de investigação",
“espírito de pesquisa", “espírito dos inquéritos", “espírito científico", “espírito da educação", “estado de espírito" aparecem
com freqüência nos escritos de Anísio Teixeira.
3
No texto a menção Inep/CBPE vai ao encontro de que durante o desenvolvimento da pesquisa foi constatado que na
verdade em um dado momento sob a gestão de Anísio Teixeira, o CBPE e o Inep “confundiam-se", constituindo-se o CBPE
no braço do Inep dedicado à pesquisa e a viabilizar a implantação na prática, das idéias que informaram a política educa-
cional à época.
4
Na conceituação original de Le Goff (1993) restos são o que sobra, o que fica. A sua relação com os arquivos privados é
pertinente por se tratarem de um conjunto sujeito a critérios de constituição subjetivos, a interesses nem sempre evidentes,
a revisões e descartes periódicos ditados por mudanças de perspectiva de seu titular ou mesmo por imperativos de ordem
prática (Le Goff apud Heymann, 2001). Para Vianna, Lissovsky e Sá (1986) há um modus operandi do colecionador, a
racionalidade de seus atos para com seus papéis.

182
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

Le Goff (1984, p. 95) também trabalha com o universo de vestígios afir-


mando que todo documento assume também um papel de monumento,
sendo este monumento definido como “um sinal do passado, (...) tudo
aquilo que pode evocar o passado e perpetuar a recordação". Observados
dessa forma, os vestígios são todos os sinais, indícios, monumentos, relí-
quias ou documentos, que se apresentam no presente como resíduos que
iluminam o passado.
No caso dos arquivos pessoais, que se caracterizam por serem consti-
tuídos pela documentação acumulada por uma pessoa física no exercício de
suas atividades, sejam de natureza pública ou privada, os resíduos só ilumi-
nam o passado se lhes for atribuído um sentido. É dessa forma que Heymann
(2001) trata a pessoa física (acumulador) que, a partir de seus critérios e
interesses, vai funcionar como eixo de sentido no processo de constituição do
arquivo. É em uma perspectiva semelhante que trabalham Vianna, Lissovsky e
Sá (1986): para eles, o arquivo pessoal encontra sua unidade em quem o
produz como conjunto, ou seja, em quem acumula os documentos no exercí-
cio de suas atividades. Eles consideram que o agrupamento dos documentos,
sua seleção entre todos os passíveis de serem guardados, proporciona sentido
aos mesmos. Mais adiante ponderam que a lógica do arquivo não reside nos
documentos, mas na pessoa – o sujeito que os seleciona e arranja: não é a
produção dos documentos que interessa, mas a constituição da coleção. En-
tendem que o homo cumulator é o titular, a pessoa física que produz fatos e
situações, que se tornam socialmente relevantes e merecem ser retidos; é o
sujeito do processo de acumulação que se apropria privadamente de determi-
nados documentos e, assim, o nomeiam provisoriamente de arquivador.5 Os
autores citados vêem o arquivador como centro lógico da operação de recorte
e acumulação, com uma imagem privilegiada à qual outras imagens estão
reportadas. Completam o raciocínio dizendo que:

o arquivador constitui sua coleção como parte de si segundo um movi-


mento que é, em primeiro lugar, um exercício de controle sobre os eventos
e que pode ainda estar erigindo sua eternidade enquanto indivíduo, cujo
único critério de aferição e sólida garantia é exatamente a memória (Vianna,
Lissovsky, Sá, 1986, p. 67).

5
Os autores citados usam o termo arquivador (sujeito do processo de acumulação) em oposição ao termo arquivista,
reservado no texto ao personagem encarregado do arquivo quando este for abandonado pelo titular em favor da história.

183
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Além dessas pontuações houve preocupação que os documentos


selecionados para exame fossem olhados à luz de linhas de pensamento
que apontam como faz Alves (2001, p. 21), para uma mudança na manei-
ra de encarar o documento, “também ele considerado uma construção da
investigação promovida pelo historiador". Essa autora ainda alerta para o
fato de que o objeto do trabalho de pesquisa dos historiadores da Educa-
ção são os produtos escritos e que já nascem marcados pela distorção
própria a qualquer registro e acrescenta que “entre qualquer fato e sua
narrativa, interpõe-se o filtro da interpretação" (Alves, 2001, p. 22).
Não é muito diferente o tom dado à questão por Chartier (1998) ao
observar que as obras não têm um sentido estático, universal, fixo. Consi-
dera que elas são investidas de significados móveis que se constroem no
encontro de uma proposição com uma recepção. Por isso, é de fundamen-
tal importância atentar para os sentidos atribuídos às suas formas e moti-
vos, uma vez que dependem das competências ou das expectativas dos
diferentes públicos (podemos incluir aí os pesquisadores?) que delas se
apropriam. Para ele, a recepção também inventa, desloca e distorce.
Por tudo isso, entendemos a leitura apresentada a seguir, como uma
“pincelada inicial" de um quadro que só se completa com a agregação de
outras leituras. Foi a partir dessa constatação que decidimos buscar nas
“origens" alguns fundamentos para tornar o resultado da análise mais con-
sistente, apesar dos seus limites. O que chamamos de “origens" têm com
referência primeira o arquivador, o eixo de sentido no processo de constitui-
ção do arquivo, centro lógico da operação de recorte e acumulação, ou seja,
o próprio Anísio Teixeira. Decidiu-se então, que o diálogo pretendido só
seria possível com a inclusão de alguns textos do próprio Anísio e de outros6
textos/autores, que trabalhassem as suas idéias ou o período sob análise.

Das idéias às ações: o diálogo percebido

As idéias

Desde o primeiro contato com os documentos alvo deste trabalho,


ficou claro que eles podem ser representados pela categoria “planejamento”,

6
Os textos mencionados estão todos referenciados ao final do trabalho.

184
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

apesar das diferenças que guardam entre si. Isso porque, em alguns, são
claramente expostas as idéias que informaram a construção da infra-estru-
tura montada para viabilizar o projeto do Inep/CBPE e, em outros, percebe-
mos que refletiam as idéias postas em prática, chamadas aqui de “estratégias
em ação".7 A natureza dos documentos (relatórios técnicos, de atividades,
de coordenação de cursos e trabalhos elaborados por bolsistas) deixou per-
ceber o eixo que os une: a formação de professores, do ponto de vista das
políticas, dos cursos de formação, das metodologias empregadas ou dos
campos de aplicação. Além disso, o que entendemos por “projeto comum
do Inep e do CBPE", no que se refere à formação de professores refletiu-se
nos textos dos documentos analisados. Ficou muito claro e por isso mesmo
não se pode deixar de anotar, o investimento que foi feito no período sob
análise. O período que cobre os anos de 1950-1960 pode ser caracterizado
de multifacetado, porque não deixou de incluir, nenhum elemento consti-
tuinte do processo formativo: a preocupação com a infra-estrutura mate-
rial (acomodações para as bolsistas, construção de escolas experimentais)
e infra-estrutura pedagógica (planejamento dos cursos, corpo docente
capacitado, sistema de avaliação e geração de metodologias). Mesmo que
a análise feita tenha um caráter parcial, os resultados deixaram perceber
indícios de que a política do Inep à época tinha na formação de professo-
res um foco privilegiado.
No tocante ao aperfeiçoamento do magistério, o Inep já contava
com um programa sistemático de aperfeiçoamento de pessoal a cargo da
Coordenação de Cursos, que funcionava desde janeiro de 1946; com a
criação do CBPE e da Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM),
sua abrangência foi expandida em uma relação de interdependência entre
as instituições. É exatamente por esse ponto que vai se iniciar o entrelace
de documentos/textos, postos em diálogo.
O documento Programa de Aperfeiçoamento de Pessoal realizado
pelo Inep8 revela, na sua estrutura, a mudança ocorrida no Inep, a partir
da gestão de Anísio. Teixeira. Produzido por ocasião do 12º ano de traba-
lho da Coordenação de Cursos, o documento citado teve como objetivo

7
A categoria estratégia tal como utilizada no texto refere-se às relações de força existentes e implica sempre o exercício de
poder (Certeau, 1994).
8
Documento datado de 1958, assinado por Lucia Marques Pinheiro responsável pela Coordenação dos Cursos do Inep, a
partir de 1954 (Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 14, fot. 0478- 0495).

185
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

dar um balanço no esforço realizado correlacionando-o com os objetivos


visados e resultados obtidos.
Na análise da sua estrutura, anotamos uma divisão em “soluções":
o primeiro plano de trabalho (primeira solução) cobre o período de 1947-
1951 A “segunda solução" (1952), ano em que Anísio Teixeira assume o
Inep, aponta no seu conteúdo para uma profunda transformação na ori-
entação da Coordenação de Cursos por meio da experiência baseada na
concepção de que a forma mais eficiente de treino de pessoal é a que se
realiza por “estágios em serviço", uma vez que oferece oportunidade de
ver os problemas reais da profissão em toda a sua complexidade e as
maneiras de solucioná-los mais ou menos satisfatoriamente.
A partir desse ponto muda a nomenclatura dos itens do documen-
to: não se fala mais em “solução", mas em “fase" (3ª fase, 1954) em que é
detalhado o programa da Coordenação de Cursos baseado em três aspec-
tos: a) o tipo de programa mais útil aos Estados; b) a maneira mais eficaz
de realizar esse plano e c) as disponibilidades do Inep para realização
desses objetivos. Nas palavras da autora do documento: “Nosso programa
deveria assistir de maneira mais eficiente que nos fosse possível, o esforço
dos Estados no sentido da melhoria da educação primária, através do
aperfeiçoamento do pessoal".9 Esse é um dos motivos que levaram uma
profunda transformação na orientação da Coordenação dos Cursos.
Alguns aspectos chamaram a atenção na leitura do documento.
Um deles está relacionado aos itens “b" e “c" do programa da Coordena-
ção de Cursos, a partir de 1954. Foi constatado que no período anterior a
essa data, o Inep não dispunha de instituições onde se pudessem realizar
os estágios nem tinha articulação com o sistema público de educação ou
escolas particulares do Distrito Federal. Dessa forma, caberia exclusiva-
mente ao Inep a responsabilidade de todo o programa de aperfeiçoamento
desejado. A desarticulação com o setor público, e a impossibilidade de os
bolsistas exercerem a função para as quais foram preparados, tinham como
resultado que, na volta aos seus locais de origem, os professores não davam
conta de produzir reformas de ensino e orientar os colegas. Em síntese, foi a
ausência de articulação dos bolsistas no trabalho, a falta de estudos cientí-
ficos dos programas, a ausência de elaboração sistemática e bem orientada

9
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 14, fot. 0478- 0495, p. 10.

186
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

de instrumentos de trabalho para o professor – guias de ensino, manuais de


sugestões – os responsáveis por se pensar o planejamento em outras bases
em que a desarticulação desse lugar à articulação.
Foram esses os pontos que direcionaram o planejamento que, a
partir de então, teve nas suas bases a idéia de que a forma mais eficiente
de treinamento de pessoal era a que se realizava por estágios em serviço
porque ofereciam oportunidade de ver os problemas reais da profissão, em
toda a sua complexidade, e as maneiras de solucioná-las mais ou menos
satisfatórias. Na formação por meio da teoria aliada à prática que se con-
cretizava pelos estágios, era ressaltado o mérito indiscutível de aproxima-
ção com a realidade, importantíssima para a aplicação do aprendido.
Ainda com referência à base conceitual que marcou a nova fase do
“Programa de Aperfeiçoamento de Pessoal" alguns aspectos chamaram a aten-
ção: a preocupação de montar um programa que fosse mais útil aos Estados,
ou seja, buscava-se que a assistência prestada se revestisse da maneira mais
eficiente para que o esforço dos Estados tivesse como resultado a melhoria da
educação primária, por meio da formação dos professores. Essa medida suge-
re que a tentativa de atender às especificidades regionais, também significava
atender à necessidade da diversificação para atender às diferenças.
Outro ponto a destacar é a modalidade (método) do trabalho10 a ser
empreendido; era pautado na objetividade e feito em forma de problema,
reproduzindo ou ligando-se a situações reais e realizado paralelamente a
estágios de observação e participação. Nas palavras da autora do documen-
to, “a fusão do trabalho de esclarecimento e orientação para a ação ao
estudo pessoal e à prática, mutuamente enriquecedoras pareceu-nos que
seria principalmente eficaz quando feita em torno de fatos reais, porque
asseguraria maior facilidade de aplicação futura do estudado".11 Um exem-
plo de aplicação do método está no perfil dos cursos para especialistas em
educação em que estava previsto que os alunos além de aulas e seminários,
também deveriam realizar estudos bibliográficos,12 observações em escolas

10
O método de projetos, como foi chamado, constituiu-se em uma reação ao trabalho formal na escola. Pretendia recon-
ciliar a vida com a educação a fim de trazer para a escola as próprias situações que a vida oferece. Situação e experiência, eis
o binômio que deveria orientar o trabalho escolar, pois que constituiria a base ativa da aprendizagem (grifo nosso).
11
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0478-0495, p. 12.
12
A menção dos termos “estudo de bibliografia", “pesquisa bibliográfica", “levantamento bibliográfico", em várias partes do
documento, vinculados aos diversos cursos, evidencia que o caráter prático dos mesmos não se sobrepunha à necessidade de
revestir os estudos de fundamentos teóricos.

187
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

e trabalhos individuais e de equipe: os trabalhos eram definidos como de


cunho de aplicação acentuado e de caráter prático; o estudo de problemas
reais era baseado no conhecimento dos fundamentos da educação.
Mas o desenvolvimento de um trabalho dessa magnitude, com ta-
manho grau de articulação, só seria possível se estivesse ancorado em uma
infra-estrutura que o tornasse possível. O que se propunha era que a estru-
tura fosse composta de especialistas em ensino primário e de orientadores
que se encarregassem do aperfeiçoamento do pessoal, de “escolas de de-
monstração" que permitissem estágios bem orientados e com currículos
enriquecidos o quanto fosse possível. Era essa a forma de auxiliar o trabalho
dos Estados, e contribuir para que viessem a ter disponibilidade de pessoal
para um esforço de melhoria do ensino elementar. Compunha esse quadro a
melhoria das escolas normais que asseguraria uma preparação “mais alta e
eficiente dos professores, uma ação mais demorada e geral sobre o professo-
rado, a qual o prepararia, inclusive, para se interessar pelo próprio aperfeiço-
amento, por esforço pessoal e aproveitando as oportunidades existentes".13
É evidente que entre os condicionadores para a consecução do
programa estava o desenvolvimento do próprio Inep. Esse desenvolvimen-
to estava ancorado em uma “infra-estrutura indispensável" que incluía a
criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), dos cinco
centros regionais, a construção da Escola de Demonstração na Bahia, da
Escola Experimental do Distrito Federal (RJ)14 e os convênios internacio-
nais, com o Inter American Affairs, e a colaboração da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) nos cursos

13
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0478-0495, p. 11.
14
As escolas experimentais constituíram-se em elemento-chave na formulação das estratégias do Inep/CBPE. Eram parte
integrante das políticas de valorização do magistério. A Escola Guatemala tornou-se o primeiro Centro Experimental de
Educação Primária do Inep em 1955, através de convênio com a Secretaria de Educação do Distrito Federal. Seu objetivo
primordial era a produção e testagem de metodologias experimentais de ensino que contribuíssem para melhoria do sistema
escolar. Funcionava em horário integral para os alunos e professores que, além da regência nas classes, recebiam professores
bolsistas de outros Estados e participavam de cursos de atualização e encontros de avaliação promovidos pela supervisora
do Inep. A Escola Guatemala constituiu-se em um lócus de aperfeiçoamento do magistério, na medida em que sua dinâmica
girava em torno da pesquisa e dos estudos para embasar a prática pedagógica. Dessa forma, sua atuação estava de acordo
com os objetivos do CBPE, por meio da supervisão da DAM, que fazia dessa escola um espaço real de reflexão sobre a
prática pedagógica, atuando com dupla função: como estratégia de renovação do ensino, à medida que cada professor que
por ali passava, seja como estagiário, seja como professor regente, fazia o papel de multiplicador da experiência e como
instrumento formativo do professor, pois muitos daqueles estagiários estavam em contato com conhecimentos educacio-
nais inovadores e experimentais, ou seja, o que havia de mais novo resultante do trabalho científico dos técnicos do Inep/
CBPE e de pesquisas realizadas na própria escola, levando-os à formação e aperfeiçoamento de seu trabalho docente
fundado em bases científicas e que provavelmente estas inovações ainda não estavam disponíveis em suas regiões de
origem (cf. Lima, 2004).

188
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

de formação de especialistas em Educação. Mas a tudo isso, somou-se


outra necessidade para viabilizar o Plano: o alargamento dos quadros de
pessoal para encarregarem-se do aperfeiçoamento dos centros regionais.
De fato, a partir de dezembro de 1955 a “infra-estrutura indispen-
sável" começa a ganhar corpo com a fundação do CBPE, por Anísio Teixeira.
Seu intuito era criar condições objetivas para o desenvolvimento científi-
co, relacionando o conhecimento da realidade educacional aos construtos
teóricos oriundos das ciências sociais, em suma, fundar as bases científi-
cas da reconstrução educacional do Brasil.
A montagem do CBPE tinha dois eixos de atuação: a) o primeiro
refere-se à produção de um conjunto de procedimentos de pesquisa que
permitissem conhecer a real situação da realidade educacional brasileira,
de modo a subsidiar as ações do MEC no âmbito do planejamento e da
reestruturação do sistema nacional de ensino; b) o segundo eixo, talvez o
mais importante e renovador, consistia em proporcionar aos professores o
acesso aos resultados das mais variadas pesquisas educacionais, além da
possibilidade de esses desenvolverem estudos e experimentações pedagó-
gicas, proporcionando uma nova visão educacional que os levasse a uma
auto-reflexão de sua prática.
Assim, o CBPE corresponde à tentativa empreendida por Anísio
Teixeira de se formar no Brasil o “espírito científico" no âmbito do magis-
tério, ou seja, ele pretendia a formação de um estatuto científico à educa-
ção, aliando a política, o planejamento e a formação de professores para
mudar internamente a escola. Também estava no projeto do CBPE o res-
peito às diferenças culturais de cada região para garantir o desenvolvi-
mento do País por meio da intervenção na realidade educacional.
Mas, para que esse projeto de formação de um estatuto científico à
educação desse certo, era preciso contar com uma estrutura física e
organizacional que tivesse abrangência nacional. Foram então criados os
centros regionais,15 que tinham a mesma estrutura organizacional e de-
senvolviam atividades e pesquisas que visavam à mudança da realidade
daquela região. Todos os centros regionais e também o Centro Brasileiro

15
Os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais foram criados em: Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e Bahia, além do Centro Brasileiro que estava localizado no Rio de Janeiro (Xavier, 1999).

189
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

possuíam um conjunto de divisões autônomas,16 que atuavam nos diver-


sos níveis educacionais, além de contar com uma divisão que tratava ex-
clusivamente dos estudos socioantropológicos.17
Segundo Anísio Teixeira, cada uma das divisões tinha seu trabalho
autônomo, desenvolvido em prol da construção de um estatuto científico à
educação, compondo assim um projeto maior de reestruturação do sistema
educacional brasileiro, sendo o CBPE uma estratégia de renovação do ensi-
no no sentido de formar uma rede18 de conhecimentos que pudesse superar
os entraves postos pelo modelo administrativo burocrático vigente à época.
É exatamente com o surgimento do CBPE e dos centros regionais
que se complementa a infra-estrutura indispensável e, em uma dupla ope-
ração, se consolida o pensamento de Anísio Teixeira no planejamento que
iria direcionar os novos deveres, os novos zelos, as novas condições e os
novos métodos, que regeriam a política educacional brasileira até a déca-
da de 1960. Isso porque há uma indiscutível representação dos eixos fun-
dadores do pensamento anisiano nas idéias trabalhadas no documento
Programa de Aperfeiçoamento de Pessoal, a partir de 1954, tal como as
marcas deixadas nos textos Ciência e arte de educar (1997) e no discurso
de posse no Inep (1999).19
Nos textos citados, Anísio deixa claro que se inaugurava para a
Educação um período a ser regido pelo método e pelo espírito científico.
Ele reconhecia que os progressos na arte de educar também se fariam à
medida que os métodos de estudo e investigação se inspirassem nas mes-
mas regras – as do método científico – que fizeram o progresso e continu-
ariam a mantê-lo no campo das ciências. Deixava muito claro não se
tratar da criação de uma ciência da educação que,

16
Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais (Depe), Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais (Deps), Divisão de Documen-
tação e Informação Pedagógica (DDIP) e Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM), responsável por expandir, em
uma relação de interdependência Inep/CBPE, o Programa de Aperfeiçoamento de Pessoal a cargo da Coordenação de
Cursos, com funcionamento desde 1946.
17
Os estudos socioantropológicos fundamentais para a construção da “ciência da educação" tinham nas ciências-fonte –
Antropologia, Psicologia, Sociologia – como chamadas por Anísio Teixeira, o seu ancoramento. Os resultados da investiga-
ção científica oriundos das ciências-fonte eram tomados como instrumentos intelectuais com o objetivo de elaborar técni-
cas, processos e modos de operação apropriados à função prática da educação.
18
Para Elias (1994), a sociedade estrutura-se a partir das relações que os indivíduos (ou grupos) estabelecem entre si,
unidos pelo o que ele chama de rede, cujos fios seriam as relações entre os indivíduos e suas múltiplas relações sociais,
configurando assim a sociedade (Elias, 1994).
19
A publicação original do texto Ciência e arte de educar foi em 1957 e o discurso de posse no Inep data de 1952.

190
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

no sentido restrito do termo, como ciência autônoma não existe nem po-
derá existir, mas de dar condições científicas à atividade educacional, nos
seus três aspectos fundamentais – seleção de material para o currículo, de
métodos de ensino e disciplina, e de organização e administração das esco-
las. (Teixeira, 1997, p. 198).

Em outras palavras, tratava-se de levar a educação para o campo


das grandes artes já científicas e de “dar aos seus métodos, processos e
materiais a segurança inteligente, a eficácia controlada e a capacidade de
progresso já assegurada às suas predecessoras relativamente menos com-
plexas" (Teixeira, 1997, p. 199). De forma pontual, tratava-se de trabalhar
em uma perspectiva experimentalista que, de acordo com Mendonça (1997,
p. 37)20 “é que permitiria superar determinadas concepções excessivamen-
te intelectualistas do processo de conhecimento, rompendo com velhos
dualismos entre razão e conhecimento e entre trabalho e conhecimento",
ou seja, implicaria em uma revalorização dos métodos de observação,
redefinidos, com a substituição do senso comum pela pesquisa e pela
descoberta. Em termos concretos, era no campo de aplicação dos conhe-
cimentos, nas práticas educativas que se ia buscar os dados. Por esse
motivo, observar, registrar, sistematizar, verificar e rever as conclusões eram
operações que passaram a fazer parte da mudança dos métodos, em dire-
ção aos métodos de estudos empíricos, que só se completariam “no domí-
nio da educação", “da arte de educar" – a sala de aula – como chamada
por Anísio Teixeira (1997, p. 203), ao mesmo tempo, atelier, laboratório,
oficina, escolas de campo dos educadores, eles próprios investigadores.
Assim, a formação de professores pautada em “novos métodos"
também implicaria em uma alteração na concepção de ensino praticada
até então. Como mencionado em várias ocasiões por Anísio Teixeira e
retomado no seu discurso de posse no Inep, “o ensino brasileiro [...] era
um ensino quase que só para a camada mais abastada da sociedade, sem-
pre tendeu a ser ornamental e livresco. Não era um ensino para o trabalho,
mas um ensino para o lazer" (Teixeira, 1999, p. 31). Seria então, a forma-
ção de professores com base em situações reais, em problemas concretos,
a responsável por fazer do processo educativo um processo de preparação

20
A autora aponta a influência de John Dewey que, nas palavras de Anísio Teixeira, era o responsável por uma das maiores
contribuições à empresa de integrar os estudos filosóficos da época no campo dos estudos de natureza científica, fundados
na observação, na hipótese e na revisão constante de suas conclusões.

191
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

real para diversas modalidades de vida da sociedade moderna, enfim, uma


educação para o trabalho.
Mas os “novos zelos" também estavam postos nos “novos deveres"
que informaram a função e a participação do educador. Com relação à
função, Anísio Teixeira (1997, p. 210) dizia ser “mais ampla do que toda a
ciência que se possa utilizar". Justificava a afirmação sob o argumento de
que o processo educativo está identificado com o processo de vida, não
tendo outro fim, senão o próprio crescimento do indivíduo. Ele entendia o
crescimento como um refinamento ou uma modificação no seu compor-
tamento como ser humano. Em síntese, considerava que o processo
educativo não pode ter fins elaborados fora dele próprio e que, portanto,
esses deviam ser elaborados por pessoas que dele participassem, pois, os
objetivos estavam contidos dentro do processo e são eles que o fazem
educativo. Estava aí a participação do educador, do mestre: na elaboração
dos objetivos, por ser no processo educativo o participante mais experien-
te, e esperava-se, o mais sábio.
A participação de professores e mestres no processo educativo tam-
bém previa que, a partir da criação do CBPE e dos centros regionais, hou-
vesse um contato entre os que trabalhavam nas classes e os que trabalha-
vam nos centros com o objetivo de associar os mestres à pesquisa educa-
cional de forma complementar, articulada. Aos mestres e professores ca-
beria transformar seu trabalho de rotina em registro escrito dos alunos; os
chamados “casos-história" de experiências educativas, matéria-prima dos
estudos do Centro, que sem tirarem a autonomia da tarefa dos mestres e
professores, tinha como objetivo “torná-la mais rica, mais lúcida, mais
eficaz" (Teixeira, 1997, p. 217).
Essas eram as “novas condições" que geradas no terreno das idéias
migraram para o planejamento do processo de formação dos professores
tal como representado no conteúdo do documento Programa de Aperfei-
çoamento de Pessoal realizado pelo Inep. Além dos conceitos já trabalha-
dos, pode-se dizer que a trilogia ciência/trabalho/cultura esteve presente
em todo o processo formativo, e que “organicidade", “rede" e “projeto"21

21
No texto, a noção de projeto está indissoluvelmente ligada à idéia de indivíduo-sujeito, mesmo em se tratando de um
ator coletivo, o que remete à atuação de Anísio Teixeira no Inep/CBPE (cf. Velho, 1994).

192
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

são as palavras-chave que traduzem as idéias tornadas ações. A organicidade


se fez presente no sentido da articulação entre a teoria e a prática e da
articulação entre o CBPE e os centros regionais que por sua vez se articu-
lavam com a universidade pública e com as secretarias de Educação. O
modelo de rede construído teve várias tessituras: a de pessoa a pessoa
(bolsistas que, ao voltarem aos seus lugares de origem, transformavam-se
em pólos disseminadores de idéias e conhecimentos), a do modelo repre-
sentado pelos centros regionais localizados estrategicamente em vários
pontos do País, e a das parcerias institucionais, que não se limitaram a
órgãos internacionais, que propiciaram a vinda de professores e a ida de
bolsistas, mas incluíram também as parcerias que se estabeleceram com
instituições brasileiras.22
Não há dúvida de que estavam lançadas as bases de um movimen-
to de reverificação e reavaliação dos esforços em educação, que serviriam
de base para a formulação da política educacional brasileira do período
1950/1960. A construção que se anunciava teria que se fazer aos passos,
por etapas, sob uma cronologia para atingir seus objetivos – por meio de
estudos cuidadosos e essenciais, pautados em métodos objetivos, quando
possíveis instrumentais, sem deixar de levar em conta, o caráter provisório
do conhecimento.
O instrumento essencial para fazer o diagnóstico e desenhar as
linhas de ação, eram os inquéritos, objetivos, reveladores, meio de estabe-
lecer fatos com a maior segurança possível e facilitar as operações de
medidas e julgamentos válidos. Nas palavras do próprio Anísio Teixeira
(1999, p. 39) era necessário “levar o inquérito às práticas educativas. Pro-
curar medir a educação, não somente nos seus aspectos externos, mas em
seus processos, métodos, práticas, conteúdos e resultados reais obtidos".
Todos esses cuidados e os rigores na investigação tinham duas facetas: de
um lado escapar das análises meramente opinativas, pessoais, e poder
analisar e verificar, por meio de análises bem planejadas, até que ponto e
como, os objetivos da educação eram atingidos. De outro lado, Anísio

22
As parcerias referidas foram feitas com o Museu Nacional (preparo de material para o ensino das ciências); com a
Escolinha de Arte do Brasil (estudo de pequenas plásticas, teatro de sombra, de fantoches de marionetes, dramatizações);
com o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (preparação de professores de canto orfeônico) e com o Senai Nacional
(atividades de trabalho) (cf. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot.
0478- 0495, p. 27-28).

193
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

entendia ser essa a única maneira de elaborar métodos de tratamento e


indicar prognósticos porque “dos métodos de tratamento surgirão os
guias e manuais de ensino para os professores e diretores de escolas os
quais constituirão os livros experimentais de sugestões e recomenda-
ções, para condução do trabalho escolar". Como complemento, preten-
dia-se chegar ao livro didático, que compreendia o livro-texto e o livro
de fontes, instrumentos de trabalho que integrariam o espírito e as con-
clusões dos inquéritos.
Estavam aí lançadas as bases da “ciência da educação brasileira"
que tinha na escola seu eixo central e na sua reconstrução e na refor-
ma do ensino seus eixos estruturantes; nos professores (“não podemos
fazer escolas sem professores") e nos livros (“não podemos fazer esco-
las sem livros") seus emblemas. O itinerário a ser percorrido levou em
conta o caráter provisório do conhecimento científico; as característi-
cas do percurso difícil e penoso foram as idas e voltas, os ensaios, as
verificações e revisões em constante reconstrução, aos quais não devia
faltar a “unidade de essência", de fins e objetivos, que estaria contida
“não só em nossa constituição democrática, como na consciência pro-
fissional, que pouco a pouco se irá formando entre os educadores. Será
por este modo que melhor nos deixaremos conduzir pelo método e
pelo espírito científico" (Teixeira, 1999, p. 30-40). De forma geral, es-
tava ai desenhado o modelo que configurou as estratégias em ação.

As estratégias em ação

Os documentos analisados neste item refletem as idéias postas


em prática ou como lhes nomeamos – “estratégias em ação". Os docu-
mentos têm em comum a data de produção, após 1960, portanto, mar-
cados pela atuação do CBPE e dos centros regionais. Também foram
alvo da análise, as parcerias do CBPE com órgãos internacionais, uma
vez que tiveram influência nos cursos oferecidos, seja na concepção dos
mesmos, seja pela presença de professores estrangeiros e que, portanto,
segundo nossa apreciação, também se materializaram sob a forma de
“estratégias em ação".

194
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

As estratégias em ação tomaram corpo na forma de políticas de


intervenção,23 sua adoção teve origem na necessidade de promover a
profissionalização do magistério como um todo para poder lidar com a
complexificação da sociedade moderna e garantir o caráter globalizante
da atividade educativa. A “ação estratégica" fazia parte do projeto do
Inep/CPBE e concretizou-se mais por meio da Divisão de Aperfeiçoamento
do Magistério (DAM), e do papel a ela atribuído: central e igualmente
estratégico no âmbito das políticas de valorização do magistério, sobretu-
do o primário.
A DAM era a divisão responsável pelo desenvolvimento de projetos
de aperfeiçoamento do magistério, não apenas de professores de escolas
normais, mas de administradores, orientadores e especialistas em educa-
ção. Além de uma política de publicações de guias de ensino que pudes-
sem atuar como objeto formativo do professor; a ênfase era no professor
primário, como já anotado. Podemos citar o Guia de Ensino Ensinando
Matemática à Criança, de 1963, e o Guia Estudos Sociais na Escola Primá-
ria – 1º ao 4º ano, de 1964. Tratam-se de guias de orientação do professor
primário nas atividades do ensino. Essas obras foram publicadas pelo Inep/
CBPE, fazendo parte de uma coleção de livros que tiveram importância no
cenário educacional brasileiro. Esses livros tinham sua distribuição gratui-
ta a professores de todo o País para que eles tivessem conhecimento da
produção científica educacional brasileira e pudessem atuar como
multiplicadores dessa nova visão educacional e contribuir para a renova-
ção do ensino primário à época.
Dessa forma, a Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério, do CBPE,
e o Programa de Aperfeiçoamento do Magistério, do Inep, teriam a função
estratégica de irradiar e disseminar a política educacional do Inep/CBPE,
por meio de cursos de formação de professores e profissionais da educa-
ção em geral, que pudessem atuar tanto nas escolas experimentais que
estavam sendo criadas como nas escolas regulares de todo País com idéias
e ações reflexivas, que estivessem em pauta. O que a leitura dos documen-
tos deixou perceber é que, no âmbito da atuação, possivelmente havia um

23
O termo “políticas de intervenção" é utilizado no texto para representar ações planejadas, sistematizadas e colocadas em
prática nos sistemas de ensino.

195
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

inter-relacionamento da DAM e do Programa de Aperfeiçoamento do


Magistério, pois os cursos de aperfeiçoamento do magistério oferecidos a
professores-bolsistas de todo o País e a alunos estrangeiros pelo Inep/
CBPE, tinham de modo geral sua parte teórica (por assim dizer) ministrada
no interior do Inep por técnicos do próprio órgão e professores convidados
e a parte prática de estágio de observação feita nas classes da Escola
Experimental Guatemala no Distrito Federal e nas demais escolas de de-
monstração e classes experimentais do País. Ficou claro que as ações,
tanto do CBPE sob a batuta da DAM, quanto do Inep, relacionadas ao
aperfeiçoamento do magistério, tinham uma organicidade entre si de modo
a compor um corpus de atuação ordenado e sistemático de políticas de
valorização do magistério, sobretudo o primário.24 Também faziam parte
da função estratégica, a criação e a testagem de novas metodologias de
ensino nas escolas experimentais que pudessem subsidiar as políticas edu-
cacionais futuras.
Mas as metodologias não estavam restritas ao ensino. Na formação
dos professores o método a ser utilizado levava em conta a exigência de
que o professor assumisse uma nova responsabilidade em face da mobili-
dade social, como também diante de um novo fato: a massa de informa-
ção que recebia o aluno fora da escola, por meio dos canais de comunica-
ção existentes – rádio, cinema, televisão – fato que obrigava o mestre a
exercer antes a função de integrador dos conhecimentos, de formador do
juízo crítico do aluno, do que a de ser o quase único informante de anti-
gamente, com a autoridade indiscutida do magister dixit. Mas não é só
dessa perspectiva, que se observa a exigência de um desempenho diferen-
ciado por parte do professor; é a conjugação de dois fatores - um país em
desenvolvimento e a explosão social provocada pela acelerada mobilidade
social das camadas populares ascendentes, que sinaliza duas novas fun-
ções para o professor: a de integrador e não transmissor de conhecimento,

24
Conforme documento do Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot.
0496-0521, intitulado “Relatório dos Trabalhos Realizados pela Coordenação dos Cursos do Inep. de 1956 a 1960", assina-
do por Lúcia Marques Pinheiro, assessora do Inep e coordenadora da DAM, que descreve os cursos de aperfeiçoamento do
magistério ministrados no qüinqüênio 1956-1960, citando a participação das escolas experimentais e escolas e classes de
demonstração do CBPE/CRPEs em todo o Brasil. Ao todo foram ministrados 240 cursos pelo Inep, atendendo a vários tipos
de profissionais da educação como administradores e supervisores do ensino primário, diretores, professores e supervisores
de escolas normais, diretores e professores de escolas de demonstração, supervisores de oficinas de artes industriais,
professores especializados e primários em geral e profissionais técnicos dos Estados.

196
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

e a de catalisador da explosão da mobilidade social vertical. E, tendo em


vista esse contexto, são formuladas as diretrizes da formação dos profes-
sores a partir de uma determinada faixa etária (idade superior a 20 anos),
uma vez que, para o exercício das funções mencionadas, não se queria
uma jovem adolescente recém-saída de uma escola de nível médio, “mas
alguém mais amadurecido, que tenha voluntariamente escolhido o magis-
tério para profissão e revele, deste modo, os primeiros sinais de vocação e
se disponha a um treino prático de sua arte, na base do verdadeiro apren-
dizado".25 De acordo com o documento analisado, o treino dos professo-
res seria feito em grandes centros de formação do magistério com escolas
experimentais e escolas de demonstração, de nível infantil, primário e médio,
em que o aluno-mestre estagiasse, como interno, praticando a sua arte e
estudando os aspectos teóricos, técnicos e de conteúdo. O treinamento
variaria (um, dois ou três anos) de acordo com a destinação do professor:
ao ensino de jardim da infância e dois primeiros anos das escolas primári-
as, dos seus quatro últimos anos, ou dois anos seguintes na escola média.
O professor de nível de colégio continuaria a ser formado nas faculdades
de filosofia, ou em faculdades de educação. De forma mais pontual, o
treinamento do professor far-se-ia pelo método do aprendizado, em clas-
ses infantis, primárias e médias regidas por professores-mestres ajudados
por especialistas de educação em currículos, programas, psicologia esco-
lar, que debateriam, em seminários, os problemas teóricos e práticos do
ensino.
Nos documentos, foi identificada uma constante: a relação que se
fazia entre educação e desenvolvimento e, de forma natural, a vinculação
do processo formativo com o trabalho. O reflexo dessa relação aparece nos
documentos que têm no seu conteúdo a geração de um método (medidas
de volume) ou a concepção de uma abordagem didática (Adição de núme-
ros inteiros). No caso das medidas de volume o argumento é a existência
de escasso material de consulta sobre o tema; a justificativa respalda-se
na afirmativa de que “pôsto terem as medidas largo uso social, merecem
elas melhor tratamento na escola, no sentido de as crianças manipularem

25
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0830-0832, p. 3 – Centros
Federais de Treinamento de Professores. Não foi possível identificar da data e a autoria do documento. Impresso em papel
timbrado do MEC.

197
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

instrumentos, identificarem as medidas adequadas às situações surgidas,


calcularem-nas quando a mensuração direta não fôr recomendável".26 O
trecho mencionado também traz à tona outra idéia que atravessa todas as
ações da época: a preocupação de fundamentar as ações, com a utilização
do método científico. Fica muito presente a preocupação com a questão
do uso social do conhecimento, que traz a idéia presente nas escolas ex-
perimentais de formar para a vida, para o exercício das atividades do coti-
diano, para o trabalho.
No que se refere ao ensino da matemática, a ressalva é que deve ser
“funcional, servir de instrumento para resolução de problemas reais tira-
dos da vida cotidiana",27 e que, quando se “verifica que a criança da
escola primária demonstra gôsto pela matemática, é necessário mostrar-
lhe que efetivamente a matemática serve para resolver os problemas que
surgem diariamente [...]". Nos dois documentos é explicitado o motivo
que levou à escolha dos temas: de um lado, a perspectiva de que a quali-
ficação dos professores levasse em conta a exposição deles às mais moder-
nas técnicas de ensino ministradas pelos centros (adição de números intei-
ros), de outro, a escassez de material de consulta a respeito do tema (me-
didas de volume).
Além de os documentos refletirem estratégias de intervenção no
sistema de ensino por meio da formação de professores, também repre-
sentam as idéias centrais que informaram as políticas de formação utiliza-
das pelo CBPE/CRs: os trabalhos fundamentados no método científico,
nas abordagens de situações reais e no ensino para o trabalho, aliados à
preocupação sempre constante com as fontes bibliográficas.
Outro documento que segue a linha dos anteriores é Vida na Re-
gião Leste,28 por refletir uma estratégia de intervenção e, de outro lado,
contemplar no seu conteúdo algumas das idéias mestras das estratégias

26
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 14, fot. 0755-0785 – Trabalho
realizado por bolsistas da DAP em 1965, sob orientação da professora Helena Lopes. Origem: CRPE João Pinheiro (CRPEJP/
MG) – DAP.
27
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 52.06.04, filme14, fot. 0712-0755, p. 16 – Trabalho
elaborado por bolsistas sob orientação da profa. Olga Barroca, em 1966. Origem: CRPE João Pinheiro (CRPEJP/MG), DAP.
28
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0588-0615 – Plano de
unidade de trabalho elaborado no Curso RD (Recursos Didáticos), sob orientação da professora Francisca Alba Teixeira,
1964. Plano revisto por bolsistas que se especializaram em Estudos Sociais, sob orientação da professora Therezinha
Deusdará. Publicação do MEC/Inep/CRPPJP/DAP, 1968.

198
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

do Inep/CBPE – a preocupação com a regionalização e a diversidade. Me-


lhor explicando, o Plano de Unidade de Trabalho destinado a crianças de
4ª série previa um estudo da Região Leste nos aspectos geográficos, de
meio ambiente e econômicos. No documento há a recomendação de sem-
pre começar o estudo pela região de localização das crianças, com o obje-
tivo de levá-las a conhecer bem a região que habitam. Além disso, o de-
senvolvimento do plano chama a atenção para a diversidade da região seja
no clima, nos recursos naturais que influem na vida e definem, em parte,
as atividades do homem. Era dessa forma que se configurava a “Pedago-
gia das Ciências Naturais e Estudos Sociais" que tinha sua referência no
aluno, pois era “a partir de questões trazidas pelos alunos, dos porquês e
comos que a classe chega à descoberta".29 O método era considerado bom
porque coincidia com os imperativos da escola moderna e ativa. Estava
assim representada parte importante da filosofia que regia a formação dos
professores.
Também deve se destacar o que o Plano representa a preocupação
de as ações estratégicas não ficarem circunscritas ao plano das idéias, mas
materializarem-se sob a forma de “estratégias em ação", questão que se
coloca, como já sinalizado, para os outros documentos.
Outra questão que surgiu da leitura dos documentos foi a evidên-
cia de um braço internacional do Inep/CBPE: fica clara a cooperação in-
ternacional no âmbito das políticas de atuação do Inep/CBPE. O primeiro
indício da cooperação, que antecede a criação do CBPE, deu-se por inici-
ativa de Anísio Teixeira, no sentido de alcançar a aspiração formulada no
discurso de posse30 e, simultaneamente, de obter a colaboração da Unesco
para a concretização da iniciativa. Foi seguramente por isso que, quando
da visita ao Brasil, em 1952, do diretor do Departamento de Educação da
Unesco, William Beatty, foi-lhe proposta a realização de um grande survey
sobre a situação educacional brasileira, feito por especialistas do Brasil e
da Unesco, do qual resultassem “elementos sobre os quais fôsse possível

29
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0832-0846, p. 16.
30
Considera-se que a primeira semente do CBPE foi lançada por Anísio Teixeira no seu discurso de posse no Inep, em 1952.
Depois de fazer uma análise crítica da situação educacional brasileira, ele traçou em grandes linhas o escopo dos estudos
que deveriam ser feitos, tendo-os como ponto de partida para a reforma pretendida. Estaria nas formulações do discurso,
na forma de aspiração, o CBPE contido por inteiro (Estudos..., 1956).

199
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

planejar em todos os níveis e graus de ensino, medidas de longo alcance


visando à reconstrução educacional do País" (Estudos..., 1956, p. 37).
A parceria com a Unesco fez-se presente também nos anos de 1953
e 1954. Em 1953, Charles Wagley e Carol Winthers, por solicitação de
Anísio Teixeira, redigiram um relatório com sugestões sobre a organização
e as finalidades da instituição sob planejamento, que mais tarde foram
tomados como ponto de partida para as idéias apresentadas por Oto
Klineberg.
Em 1954, foi a vez de William Carter, que, na condição de chefe do
Unesco Exchange of Persons Programme, ao lado de outros objetivos liga-
dos à Comissão Nacional de Assistência Técnica, trouxe também o de
acertar medidas práticas concernentes à vinda da equipe de técnicos a ser
enviada pela Unesco. Já a essa altura fora superada a idéia de um survey,
e as démarches tinham em vista a criação de uma instituição permanente
que ganhou o nome provisório de Centro de Altos Estudos Educacionais.
Contudo, coube a Oto Klineberg, no documento enviado pela
Unesco em 1955, e que se convencionou chamar de Documento Klineberg,
propor, em bases mais concretas, um esquema dos objetivos e organiza-
ção do centro, que ele sugeriu tivesse o nome mudado para Centro de
Pesquisas Educacionais. Em que pesem as revisões que sofreu (algumas
profundas), o Documento Klineberg representou de fato, no desenvolvi-
mento da idéia de criação do CBPE, “papel singular, pela importância
prática das questões abordadas e pela ação estimulante que exerceu no
sentido de dar forma operativa a idéias e planos até então formulados,
principalmente como aspirações" (Estudos..., 1956, p. 43). Foi essa ca-
racterística presente no Documento Klineberg e nos demais documentos
citados – dar forma operativa a idéias e planos – que nos levou a incluí-
los como pertencentes a “estratégias em ação". Além disso, também con-
sideramos importante sinalizar como as parcerias internacionais ti-
veram influência na gestação das idéias que se concretizaram na criação
do CBPE.
Foi possível constatar que o intercâmbio de alunos/bolsistas e pro-
fessores conferencistas era intenso. Como exemplo, podemos citar o Curso
de Aperfeiçoamento de Pessoal para Colaborar nos centros Brasileiro e
Regionais de Pesquisas Educacionais, em parceria com o Instituto of Inter
American Affairs (Ponto IV) nos anos 1956 a 1960, em um programa de

200
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

aperfeiçoamento de professores em universidades norte-americanas.31 A com-


posição dos corpos docentes que incluiria “eminentes professores das univer-
sidades de Columbia, Chicago e Califórnia [...]",32 serviu de reforço à
concretização de uma das estratégias que estavam presentes na política, nas
formas de atuação do Inep/CBPE: o intercâmbio com instituições/organismos
internacionais, por meio da presença de professores estrangeiros em cursos de
formação, daqueles que iriam atuar no sistema educacional brasileiro.
Podemos dizer que a parceria com órgãos internacionais se carac-
terizou como uma política de intervenção na criação do CBPE, pela sua
presença, desde no planejamento (as bases da estrutura do CBPE), no
treinamento do pessoal que mais tarde desenvolveria ações planejadas,
além de ter presença marcante na colocação em prática das idéias.
Uma demonstração evidente do que acabamos de apontar, é o rela-
tório de apreciação técnica “Conselhos para os Centros de Treinamento de
Professores do Projeto Conjunto MEC/Inep/Fisi/Unesco",33 assinado por
Pierre Vaast, coordenador do projeto. No nosso entender, esse documento
pode ser considerado um documento-síntese porque deixa perceber a estru-
tura que esteve na base da formação de professores. Melhor explicando, o
documento trabalha as idéias (a base teórica que esteve subjacente ao tra-
balho desenvolvido), as ações estratégicas (treinamento das bolsistas, peda-
gogia utilizada) e destaca o papel das escolas experimentais.
No item pedagogia geral, Pierre Vaast comenta que “há uma política
mais ou menos unificada, essencialmente baseada no exemplo da moderna
pedagogia americana"34 , o que deixa entrever a influência de Dewey, que
fica mais evidente sob a observação de que a pedagogia é mais aplicada em
sua teoria do que no seu espírito e que seria aconselhável que os professores
“aprofundassem sua cultura pedagógica lendo os verdadeiros autores e não

31
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0496-0521. Relatório dos
trabalhos realizados pela Coordenação dos Cursos do Inep de 1956 a 1960. Assinado por Lucia Marques Pinheiro. Sem data
(provavelmente posterior a 1960). Entre as universidades participantes destacam-se: University of Indiana e Southern
California University.
32
Idem.
33
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 14, fot. 0832-0846. O autor
esclarece que após um ano de contatos freqüentes com os Centros Federais de Treinamento de Professores (CTP) que
incluiu o corpo docente e as alunas bolsistas, pareceu-lhe útil redigir algumas apreciações técnicas destinadas aos diretores
e professores dos centros. Tradução de Amaryllis Nascimento (CRPE, Porto Alegre) Sem data. 29p.
34
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme 14, fot. 0832-0846, p. 2.

201
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

suas exigências, analisando as obras pedagógicas com espírito crítico pessoal


que não deva jamais influenciar, qualquer que seja a admiração dedicada ao
pedagogo (grifo do autor)".35 Essas considerações remetem a Anísio Teixeira
não só pela óbvia confirmação da presença das idéias de Dewey em todo o
trabalho desenvolvido, mas também pelo uso do que nomeamos acima de
“categorias-emblema", pois a crítica de que a teoria é mais aplicada na sua
teoria do que no seu espírito, ou a recomendação de que os alunos se vales-
sem, na análise das obras, do seu espírito crítico pessoal, em muito remete aos
escritos de Anísio Teixeira. A idéia de um trabalho realizado sob a perspectiva
experimentalista, vertente importante da formação de professores, também se
fez presente no relatório, uma vez que o autor confere uma ênfase à prática,
apontando que nos cursos a parte mais importante deveria ser dedicada à
prática de ensino ou da supervisão pelas bolsistas.
No item pedagogia especial, o autor privilegiou o ensino da língua
nas formas de leitura, escrita, assim articuladas no documento: “a criança
não pode se exprimir livremente por escrito, enquanto não souber ler36 [...]".
Aponta várias formas de trabalhar a língua e diz que a preparação para a
aprendizagem da leitura tem origem na pedagogia americana, no seu en-
tender, “um ideal válido para países subdesenvolvidos, nas estruturas esco-
lares complexas, onde a pedagogia pode aperfeiçoar seus métodos".37 Re-
comendava que a pedagogia da língua escrita deveria ser concebida como
uma pedagogia global . Como complemento, apontou o déficit de
escolarização no Brasil (40% das crianças não são escolarizadas) e disse que
o ensino primário brasileiro era um ensino de massa (e devia, o mais rapida-
mente possível, absorver o seu déficit; as crianças brasileiras deveriam aprender
a ler durante o seu primeiro ano de escolaridade). Chamaram a nossa aten-
ção as considerações feitas a respeito da “pedagogia de massa":38

[...] o ensino primário brasileiro não pode ainda ter-se sôbre o indivíduo,
mas deve levar em consideração a massa dos alunos. Não pode ainda se
permitir (salvo em escolas experimentais) a elaborar ou praticar uma peda-
gogia requintada, mas é obrigado pelas circunstâncias a uma pedagogia de
massa [...]. (grifos do autor).

35
Idem.
36
Idem, p. 14.
37
Idem, p. 11.
38
Idem, p. 12.

202
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

Apesar de a primeira leitura dessa citação causar certo estranhamento


porque o projeto do Inep/CBPE visava à universalização da escola primária
e o atendimento à diversidade, o seu sentido está exatamente em apontar
um dos elementos-chave do projeto – as escolas experimentais – como
possibilidade da mudança de uma educação para poucos, e, portanto,
elitista, em uma pedagogia que privilegiasse o indivíduo, sem deixar de
considerar a massa dos alunos.
O autor ainda destaca em seus conselhos mais um aspecto: faz
uma crítica ao privilégio que é dado às disciplinas que chama de “funda-
mentais e intelectuais" em detrimento do desenho, da educação física, do
canto e da caligrafia (disciplinas secundárias). Essa crítica se fundamenta
na concepção de um sistema escolar estruturado de forma orgânica que
não se limitava aos diferentes níveis, mas estendia-se às disciplinas que o
compunham. Segundo o documento, deveria haver “estreita relação entre
as escolas-classe e as oficinas, estas com a finalidade de tornar concretos
os projetos elaborados naquelas".39 Aqui também é possível identificar a
trilogia ciência/trabalho/cultura na filosofia do projeto em andamento.
Após a análise, o documento produzido por Pierre Vaast confirma a
categorização de documento-síntese porque suas sugestões e as idéias
nele contidas servem de moldura para as bases em que se estruturou o
projeto de instalação dos centros de treinamento.40 O argumento princi-
pal para a criação dos centros foi a relação estabelecida entre eles e todas
as reformas com fins de desenvolvimento que estavam em marcha, e que,
por sua vez, dependiam fundamentalmente da adequada formação de
professores. Foi essa a causa da concentração de um dos esforços do
Ministério da Educação, então em nova fase, que tinha se tornado “órgão
de propulsão dos 21 sistemas educacionais dos Estados, que a Lei de
Diretrizes e Bases veio ampliar aos três níveis de ensino".41 Antes, somente
o ensino primário estava sob o controle dos Estados e como administrador
do sistema federal de ordem apenas supletiva. Havia preocupação o fato

39
Idem, p. 22.
40
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0830-0832. Título: Centros
Federais de Treinamento do Magistério Primário (projeto). Sem data. Origem: MEC. Obs.: Os Centros de Treinamento eram
destinados aos que tinham concluído os estudos de segundo nível, no primeiro ou segundo ciclo, e desejassem devotar-se
ao magistério.
41
Idem, p. 1.

203
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

de as escolas normais e cursos regentes estarem se transformando cada


vez mais em cursos de nível médio. Dessa forma, no projeto estava previs-
to que os centros de treinamento seriam substancialmente centros de de-
monstração de ensino, desde o nível de jardim da infância, até a última
série de segundo nível. Também fazia parte da proposta que os grupos de
estagiários (entre 200 e 300) seriam residentes, como interinos, para “trei-
nar e estudar as artes de magistério infantil, primário e médio".42
O texto do projeto engloba as idéias que centralizam a concepção
dos centros, os aspectos quantitativos (número de centros e de alunos) e
sua parte mais operacional. Foi proposto que os estudos fossem rigorosa-
mente articulados com a prática direta de ensino. As escolas deveriam
funcionar como “hospitais de clínica nas escolas de medicina"43 e estari-
am divididas em três modalidades: escolas de demonstração, escolas expe-
rimentais44 e escolas de práticas. Em virtude do volume de professores a
preparar, foi pensada a amplitude das escolas de forma que, “ao lado das
escolas de demonstração e experimentais que poderão ser razoavelmente
pequenas, haverá escolas de prática, com classes em número suficiente
para o treinamento individual aproveitando-se as próprias escolas do sis-
tema escolar vizinho".45
Em vista do número de centros a serem criados (40) e do número
de alunos a serem atendidos (4 mil dos 3 aos 18 anos) e dos estagiários
(entre 300 e 400), foi pensada uma parceria que envolvia a cooperação
específica do governo federal (assistência técnica aos governos dos Esta-
dos) e mais, a expectativa que se pudesse contar com auxílio internacional
(Unesco e Ponto IV).
Em suma, um projeto desse porte exigiria uma vultosa despesa que
se justificava, de um lado, pelo número de mestres a formar e pela neces-
sidade de ampliar o sistema escolar primário e médio, ou seja, constituía-
se em um somatório da ampliação da rede escolar primária e média e
treinamento do magistério. De outro lado, a idéia era que sua consecução

42
Idem.
43
Idem.
44
Segundo Teixeira (1997), as escolas experimentais constituir-se-iam em um espaço de empiria para as pesquisas
socioantropológicas desenvolvidas no CBPE, no sentido de que os cientistas pudessem contar com o apoio dos professores
para coletar com fidedignidade os dados educacionais que serviriam de base para as pesquisas. A idéia era promover o
retorno desses conhecimentos produzidos no âmbito da escola, de modo a promover a melhoria da prática docente.
45
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0830-0832, p. 2.

204
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

teria como contrapartida um efeito multiplicador do progresso nacional


do País. Enfim, graças a tais centros é que os propósitos de renovação
escolar se concretizariam, fundando-se na formação do mestre capaz de
realizá-la. É essa afirmação que serve de fecho à análise dos documentos
porque representa as idéias que estiveram na raiz da montagem da infra-
estrutura que, no período estudado, deu condições para que se formulasse
uma política educacional que, ao priorizar a formação de professores, tam-
bém daria, por meio dos novos métodos, condições para a construção da
escola que se idealizava: a escola de pensar e de raciocinar que se comple-
taria salutarmente com a escola de fazer.46 Os novos deveres foram ilumi-
nados por Anísio Teixeira no projeto de renovação educacional e valoriza-
ção do magistério, sobretudo primário; sob os pressupostos do pragmatismo
de John Dewey, aplicado às esferas da gestão e do planejamento educaci-
onal, e à realidade concreta das escolas, a que conferia um novo papel que
assim se desenhava:

A educação comum, para todos, já não pode ficar circunscrita à alfabetiza-


ção e à transmissão mecânica das três técnicas básicas da vida civilizada –
ler, escrever e contar. Já precisa formar, tão solidamente quanto possível
embora em nível elementar, nos seus alunos, hábitos de competência exe-
cutiva, ou seja, eficiência de ação: hábitos de sociabilidade, ou seja, inte-
resse na companhia de outros, para o trabalho ou o recreio; hábitos de
gosto, ou seja, de apreciação da excelência de certas realizações humanas
(arte); hábitos de pensamento e reflexão (método intelectual) e sensibilida-
de de consciência para os direitos e reclamos seus e de outrem. (Teixeira,
1999, p. 107-108).

É esse conceito que se inscreve nos escritos e lhes dá sentido.

Dos escritos ao inscrito:


as reflexões possíveis

A leitura e a análise dos escritos deixaram perceber o que ficou


inscrito nas décadas de 1950 e 1960. Esse período, como mencionado por

46
Cambi (1999) aponta os pressupostos pragmáticos que caracterizavam um novo tipo de escola e considera que uma
tarefa não secundária da escola renovada segundo os princípios da educação progressiva é, de fato, também a de elaborar
novos valores, capazes de imprimir um desenvolvimento social na direção de um incremento dos comportamentos inteli-
gentes e dos intercâmbios comunicativos entre os vários indivíduos que compõem a própria sociedade.

205
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Anísio Teixeira em seu discurso de posse no Inep, inaugurava um momen-


to singular para o País. Uma das marcas da singularidade foi o projeto de
desenvolvimento que partia de temas nacionais que já vinham sendo ana-
lisados desde a década de 1930, envolvendo questões voltadas a uma
política de autonomia nacional e a uma política de industrialização. Po-
rém, foi nos anos 1950 que a retomada de antigas questões relacionadas
com o desenvolvimento do País resultou na formulação de um conjunto
de princípios que se materializaram em um amplo projeto nacional de
desenvolvimento capitalista, definitivamente assumido e adotado como
uma estratégia política de governo do então presidente Juscelino Kubitschek
(1955-1959).
Pois foi no contexto do nacional desenvolvimentismo que outro
projeto encontrou um solo fértil para se desenvolver: o de reconstrução da
educação brasileira que incluía a formulação de uma política educacional
sob os fundamentos do pragmatismo e que tinham como ideal uma escola
que crescia em paralelo à civilização, cheia de vigor moral, preocupada em
formar e disciplinar o futuro homem, ou seja, uma escola universal, inte-
grada ao sistema público, cujo ensino fosse voltado para o trabalho e por
isso mesmo estaria a partir de então, ligada ao desenvolvimento do País.
É evidente que entre os condicionadores para a consecução de um
programa dessa amplitude estava o desenvolvimento do próprio Inep. De
fato, a partir de dezembro de 1955 a “infra-estrutura indispensável" co-
meçou a ganhar corpo com a fundação do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CBPE), por Anísio Teixeira. Seu intuito era criar condições
objetivas para o desenvolvimento científico, relacionando o conhecimento
da realidade educacional aos construtos teóricos oriundos das ciências
sociais, em suma, fundar as bases científicas da reconstrução educacional
do Brasil. Mas, para desenvolver um projeto dessa abrangência era neces-
sário ir além. Por isso, a sua consolidação se fez por meio dos cinco cen-
tros regionais, da construção da Escola de Demonstração na Bahia, da
Escola Experimental do Distrito Federal (RJ) e dos convênios internacio-
nais, com o Inter American Affairs, e a colaboração da Unesco nos cursos
de formação de especialistas em educação.
Se de um lado não havia dúvidas de que estavam lançadas as bases
de um movimento de reverificação e reavaliação dos esforços em educa-
ção e que serviriam de base para a formulação da política educacional

206
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

brasileira no período mencionado. De outro lado, foi possível entender


porque só àquela época se conseguiu viabilizar uma necessidade que no
Brasil vinha desde o Império: a dos estudos sistematizados e constantes
dos problemas brasileiros. Por várias vezes foi a instituição de um órgão
nacional de estudos pedagógicos lembrada por seus estadistas, fato que
leva à curiosidade e à indagação: por que só no período estudado se
conseguiu viabilizar um desejo tão antigo?
A explicação está inscrita na análise dos documentos e constitui-se
de alguns pontos que reunidos levam a algumas reflexões. Um desses
pontos está na montagem da infra-estrutura que possibilitou o desenvol-
vimento das ações empreendidas pelo Inep/CBPE; a construção que se
anunciava teria de fazer-se aos passos, por etapas, sob uma cronologia
para atingir seus objetivos – por meio de estudos cuidadosos e essenciais
pautados em métodos objetivos, quando possíveis instrumentais, sem dei-
xar de levar em conta, o caráter provisório do conhecimento. Essa caracte-
rística foi responsável por desenhar as pautas das ações desenvolvidas,
inclusive a da formação dos professores, alvo principal dos documentos
analisados.
No processo de formação dos professores dois aspectos chamaram
a atenção: o “novo" método a ser utilizado, que levava em conta a exi-
gência de que o professor assumisse uma nova responsabilidade em face
da mobilidade social, como também diante de um novo fato: a massa de
informação que recebia o aluno fora da escola, por meio dos canais de
comunicação existentes – rádio, cinema, televisão; e as novas funções em
que estavam postos os “novos zelos" e os “novos deveres" do professor. Se
antes ele era depositário de uma autoridade indiscutida, o que se preten-
dia era que sob os “novos rumos" o professor exercesse a função de
integrador dos conhecimentos, de formador do juízo crítico do aluno. O
desempenho diferenciado por parte do professor tinha origem na conju-
gação de dois fatores – um país em desenvolvimento e a explosão social
provocada pela acelerada mobilidade social das camadas populares ascen-
dentes, que sinalizava duas novas funções para o professor: a de integrador
e não transmissor de conhecimento, e a de catalisador da explosão da
mobilidade social vertical. Esse “novo" professor estava a exigir um “novo
método" e um novo espaço para sua formação. No projeto do Inep/CBPE
o novo espaço estava representado pelas escolas experimentais, que se

207
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

constituíram em referência da inauguração de uma nova etapa da história


da política de formação de professores. A nova política educacional, assim
como a nova cultura pedagógica, tinha como objetivo tentar romper com
os vícios da escola brasileira que, historicamente, ancorava-se em uma
forte influência européia, de formação generalista e sem ligação com a
vida prática, enfim, a escola era até então, refém de um ensino livresco,
ornamental, elitista, como nomeado por Anísio Teixeira.
Outro aspecto a ressaltar é a montagem da estrutura que promo-
veu a reconstrução pretendida na escola, e no ensino; a sua viabilidade só
se tornou possível porque nas suas bases havia uma unidade, um eixo de
sentido que lhe conferiam as idéias geradas por Anísio Teixeira. Na reali-
dade não se tratou exclusivamente de colocar em prática um projeto, mas
de lhe conferir aspectos únicos: a organicidade das idéias, a articulação
entre as instituições envolvidas. A organicidade fez-se presente no sentido
da articulação entre a teoria e a prática e da articulação entre o CBPE e os
centros regionais que por sua vez se articulavam com a universidade pú-
blica e com as secretarias de Educação.
O modelo em construção tomou forma de rede e teve várias
tessituras: a de pessoa a pessoa (bolsistas que ao voltarem aos seus lugares
de origem, transformavam-se em pólos disseminadores de idéias e conhe-
cimentos), a do modelo representado pelos centros regionais localizados
estrategicamente em vários pontos do País, e a das parcerias institucionais,
que não se limitaram a órgãos internacionais, que propiciaram a vinda de
professores e a ida de bolsistas, mas incluíram também as parcerias que se
estabeleceram com instituições brasileiras.
Além disso, desde os primeiros contatos com o material analisado
ficou perceptível que, nos escritos de Anísio Teixeira, “reconstrução", “novo"
estavam representados pelas “categorias-emblema" – consciência e espíri-
to – que também tinham um sentido de “palavras de ordem" porque além
dos conceitos que carregam consigo, também podem ser tomadas como
estratégicas no contexto em que foram geradas. Em um primeiro momen-
to, “tomada de consciência" ou “formação de consciência" aparecem como
representantes da necessária e da indispensável internalização das idéias
matrizes que constituíram o projeto do Inep/CBPE. Um segundo momento
está representado pelo uso das categorias “espírito de pesquisa”, “espírito
científico", “espírito da educação", de maneira que, assimiladas as idéias,

208
A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
novas condições, novos métodos

há um movimento em direção às ações, igualmente necessárias e indis-


pensáveis para completar o ciclo que levou à concretização das idéias.
Outro aspecto que se inscreveu nos escritos foi a permanência da
estrutura do Inep/CBPE e da circulação das idéias postas em prática por
meio das estratégias em ação. São muitas as hipóteses lançadas para
entender o desmonte do Inep/CBPE e faz sentido atribuir-se ao afasta-
mento de Anísio Teixeira as razões que levaram a isso. Mas, no conjunto
dos documentos analisados, havia alguns datados dos anos de 1965,
1966 e 1968. Esses documentos referiam-se a trabalhos de bolsistas em
treinamento pela Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério, o que vale
dizer que ainda permanecia a formação de professores, à luz das idéias
que informaram o período estudado. Além disso, há um relatório elabo-
rado por Pierre Vaast, da Unesco, datado de 1965 e intitulado Conselhos
aos Centros, outra demonstração clara de que as parcerias (ou algumas
delas) ainda estavam vigentes, e as idéias matrizes do projeto estavam
em ação.
Aliás, a “inscritura" nos escritos leva a considerar que as idéias
sobreviveram ao desmonte da estrutura e ao sonho interrompido. Ainda
hoje é a idéia da escola universal, democrática, voltada a uma formação
holística que prepara para a vida, para o trabalho, sem descuidar dos as-
pectos humanísticos, capaz de formar o ser humano sensível, consciente,
preparado para conviver com o outro, com a diferença e a diversidade,
como sintetizado por Anísio Teixeira – uma escola prática e ativa, e não
passiva e expositiva, formadora e não-formalista – que a cada tanto apa-
rece no discurso oficial vigente, como possibilidade de tirar o Brasil do
atraso e diminuir as desigualdades sociais.

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A formação dos professores: novos deveres, novos zelos,
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211
8
“A escola que seu filho precisa
ainda está para ser construída":*
a trajetória da Escola Guatemala
nos anos 1950/1960
Miriam Waidenfeld Chaves**
Roberta Macedo***

* Trecho da carta escrita por Anísio Teixeira para M. de Góes Calmon. Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV,
CPDOC. Filme 39, fot. 104-105.
** Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
*** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Escola Guatemala - Praça Aguirre Cerda, n º 55, Bairro de Fátima, Rio de Janeiro
(RJ).
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep),


junto com o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), nos anos
1950/1960, influenciado pela perspectiva de desenvolvimento nacional
em curso, ao pensar uma política educacional que tivesse como um de
seus pilares de sustentação a fomentação de uma nova cultura pedagógi-
ca que não se restringisse à esfera legal, procura, por meio da formação do
professor e da reformulação dos métodos de ensino, colocar em prática
esse seu intento.
As escolas experimentais tornam-se o lócus privilegiado para a
implementação dessas medidas; um de seus melhores exemplos é a Escola
Guatemala, localizada no antigo Distrito Federal.
Nesse sentido, este texto procura fazer uma pequena reflexão acer-
ca das ações da Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM), órgão
do Inep/CBPE, dirigido por Lúcia Marques Pinheiro, no que diz respeito a
sua política para as escolas experimentais. Privilegiar-se-á uma discussão
mais aprofundada sobre a Escola Experimental Guatemala que se trans-
forma em um celeiro de fermentação de novos métodos de ensino assim
como em um centro de formação dos professores que nela estagiavam

215
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

com o objetivo de levarem para os seus respectivos Estados a experiência


que ali haviam vivenciado.
Entretanto, antes de iniciar esta exposição é importante salientar que
Anísio Teixeira, nos anos 1930, enquanto diretor do Departamento de Educa-
ção do antigo Distrito Federal, já havia utilizado o procedimento de criação de
escolas experimentais. Acreditava que se deveria instalar alguns centros esco-
lares que, ao mesmo tempo em que promovessem novas maneiras de ensinar
e aprender – para, depois de testadas, poderem ser implementadas em outras
escolas da capital –, também funcionassem como espaços de formação de
professores que, em um ambiente educacional moderno e adequado, poderi-
am vivenciar uma série de experiências pedagógicas que contribuiriam para a
consolidação de uma nova prática docente.
Se nos anos 1950, a experiência a ser colocada em prática pela
Escola Guatemala foi um ato do Ministério da Educação (MEC) por meio
do Inep, que se encontrava sob a direção de Anísio Teixeira, pode-se con-
cluir que, mesmo duas décadas após a implantação das Escolas Experi-
mentais Argentina, Bárbara Ottoni, México, Estados Unidos e Manuel
Bonfim, nosso educador continuava com o firme propósito de transformar
o perfil das escolas primárias brasileiras. Ainda sonhava em vê-las como
verdadeiras “casas de educação".
Além disso, nesse segundo momento, esse ato federal que transfor-
ma uma escola da capital do País em escola experimental demonstra que
Anísio Teixeira, apesar de se encontrar na esfera central do governo, não
se distanciou de seus propósitos iniciais, pois ainda continuava, por meio
de suas ações administrativas, a intervir obsessivamente no que existe de
mais concreto nos sistemas de ensino: o cotidiano das escolas.
Outro aspecto interessante refere-se ao fato de que a professora Lú-
cia Marques Pinheiro, ao elaborar um relatório sobre os 12 anos de trabalho
do Inep,1 mostra como ao longo desse período a política de formação de
professores se transforma, quando uma “terceira solução"2 determina que
as escolas experimentais se tornem centros de formação de professores,

1
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0521-0547.
2
Ao relatar o trabalho do Inep nesses 12 anos referente à política de formação de professores, Lúcia Marques Pinheiro
salienta que esse órgão, ao longo desse período, produziu “três soluções" para a capacitação dos professores. A primeira, de
1947 a 1951, por meio de cursos teóricos; a segunda, de 1952 a 1953, por meio de estágios em serviço e a terceira, de 1954
a 1958, com a formação em escolas experimentais.

216
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

comprovando assim a importância desse tipo de escola para a concretização


da política da DAM.
Este texto será dividido em duas partes. Na primeira delas chamar-
se-á a atenção para a situação das escolas brasileiras no sentido de mos-
trar suas dificuldades que, por meio da fomentação de uma nova cultura
pedagógica, deveriam ser superadas. Constatadas as limitações da realida-
de escolar brasileira, na segunda parte, privilegiar-se-ão as intervenções
do Inep para transformar a Escola Guatemala em uma escola modelo que
viesse a contribuir para que a própria situação educacional anteriormente
descrita fosse modificada.

Um retrato da escola brasileira

Em Bases para uma programação da educação primária no Brasil


(1957), Anísio Teixeira expõe algumas das principais dificuldades que de-
veriam ser enfrentadas pela escola brasileira. Entretanto, se o educador
baiano nesse texto trata dos problemas mais gerais da educação, Roberto
Moreira em A escola primária brasileira (1957) salienta as limitações do
nosso cotidiano escolar. Ressalta os preconceitos, estereótipos, comodis-
mos, desleixos e falta de interesse justamente daqueles que se encontra-
vam diretamente ligados à educação: os professores. Ou melhor, ambos os
textos, ao elaborarem uma espécie de radiografia sobre a situação da es-
cola brasileira, possibilitam que se perceba as razões de o Inep querer
transformar a Escola Guatemala em uma escola de demonstração, já que,
ao fomentar outras relações de ensino/aprendizagem, estaria contribuin-
do para o surgimento de uma nova cultura pedagógica e conseqüente-
mente para a superação da situação de descaso anterior.
Quais seriam os problemas a serem corrigidos? O que estaria impe-
dindo a escola brasileira de se transformar em um grande agente de mu-
dança social? Ou melhor, qual era a real situação da escola brasileira nos
anos 1950/1960 que, já há algum tempo, não correspondia mais às expec-
tativas das novas exigências sociais, culturais e econômicas do País?
Uma primeira consideração colocada por Anísio Teixeira (1957)
diz respeito ao descompasso que existia entre a pouca quantidade de
educação que o Brasil oferecia aos seus alunos e as necessidades de seu

217
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

desenvolvimento, que deveriam ser atendidas. Nesse caso, estaria implí-


cita uma nova exigência educacional que a escola deveria cumprir: au-
mentar, pelo menos nas cidades, a escolaridade obrigatória para 12 anos,
o que faria com que o ensino primário se compusesse de seis anos (p.
30), implicando não só uma prolongação da própria escolaridade como
também a elaboração de uma nova concepção curricular.
O novo crescimento tecnológico, as novas exigências do mundo do
trabalho, a passagem de um predomínio da agricultura para uma situação
de predomínio industrial e um correspondente progresso cultural, com
certeza, impunham à educação escolar a prolongação da escolaridade co-
mum bem como a necessidade de sua diversificação, principalmente, no
ensino médio e universitário.
O segundo ponto abordado por Anísio Teixeira é aquele em que
critica o tipo de escola intelectualista que o nosso ensino importou da
França e que privilegiaria em suas salas de aula apenas a inteligência de
tipo dedutivo; ou seja, aquela que destaca a palavra e o raciocínio abstra-
to, esquecendo-se de outros tipos de inteligência que, de acordo com o
educador, seriam imprescindíveis para a nossa civilização.
Nesse caso, estaria reivindicando que a escola brasileira fomentasse
em seu interior aquilo que ele chamaria de inteligência de caráter prático
que atribui à ação um papel de destaque no processo de desenvolvimento
do pensamento, na medida em que para ele a experiência seria um ele-
mento constitutivo do próprio ato de pensar.
Outro aspecto levantado refere-se ao fato de a escola adotar um
sistema “draconiano" de exames e de rigidez na graduação escolar.
Embasado nas pesquisas de Moysés Kessel, que faz uma radiogra-
fia da evasão escolar no ensino primário, afirma que o nosso sistema esco-
lar não chega ainda a existir (p. 38) na medida em que a criança brasileira
possuía uma educação média de no máximo dois anos e meio e que assim
apenas 15% cumpriam quatro anos de estudo, o mínimo necessário para
se considerar com o domínio pleno das habilidades cobradas pelas novas
exigências sociais.3

3
Há toda uma exposição e demonstração de dados retirados de Kessel (1954).

218
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

Tal contabilidade, segundo Anísio Teixeira, estaria apenas demons-


trando que se o aluno brasileiro encontrava-se longe de ter desenvolvido o
pensamento articulado, racional e reflexivo, a própria população brasileira,
de modo geral, estaria impossibilitada de comandar de forma autônoma e
independente o seu futuro no País. Daí a contradição básica que nosso País
enfrentaria: o descompasso entre um razoável progresso técnico já atingi-
do e a situação cultural vigente que estaria impedindo o pleno exercício
da democracia, que implica a participação coletiva dos indivíduos nas
decisões de certos problemas nacionais (p. 36).
Uma última crítica que Anísio Teixeira faz à nossa escola refere-
se ao sistema de matrículas, que se transformava em algo completamen-
te anárquico. Guiado pelo sentimentalismo e não por um planejamento
racional, as vagas existentes privilegiavam os alunos mais velhos, dei-
xando sem escola os de 7 anos que, justamente, teriam a idade correta
para iniciar os seus estudos. Ou seja, como só havia dinheiro e vagas
para oferecer quatro anos de estudo, o educador baiano defendia que
prioritariamente quem deveria estar freqüentando as quatro séries eram
as crianças de 7, 8, 9 e 10 anos. E assim qualquer outra criança com
mais idade apenas seria matriculada se existisse vaga, senão teria que ser
submetida a outros cuidados, já que a escola regular não teria lugar para
ela (p. 42).
Após tecer as suas críticas tanto aos rígidos padrões da escola gra-
duada quanto ao anárquico sistema de matrícula da escola brasileira, Aní-
sio Teixeira oferece uma solução que se liga às duas problemáticas, posto
que o que está por detrás dessa questão é a insuficiência de vagas: a
promoção automática (p. 43) que, ao impedir que os alunos permaneces-
sem por longos anos nas mesmas séries, estaria, em última análise, possi-
bilitando que a instituição escolar fosse um espaço aberto para todos,
onde cada um aproveitaria as oportunidades oferecidas de acordo com as
suas particularidades e preferências.
Nessa perspectiva, a promoção automática não apenas impediria a
existência de uma escola seletiva, mas, também, faria com que o aluno
não se visse obrigado a se adaptar a padrões escolares inadequados ao seu
tipo de inteligência. A escola estaria, assim, cumprindo a sua função pú-
blica de se constituir para todos, ao mesmo tempo em que estaria respei-
tando as singularidades intelectuais, culturais e sociais de seus alunos.

219
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Anísio Teixeira ainda defende a autonomia dos currículos, que só


seria viabilizada se as escolas também tivessem a sua autonomia, que, por
sua vez, só seria obtida por meio da implantação de um sistema adminis-
trativo descentralizado que, entre outras coisas, garantiria uma escola
publica marcada pela diversidade e heterogeneidade social e cultural.
Roberto Moreira (1957) em A escola primária brasileira reforça o
que Anísio Teixeira chama a atenção em seu texto. Reafirma que a escola
em nosso País, em plena década de 1950, continua pobre pedagogica-
mente, reduzida em suas atividades e com um sistema de avaliação bas-
tante rigoroso, tornando-se cada vez mais seletiva e segregacionista.
Descreve minuciosamente o cotidiano escolar de várias escolas em
algumas das mais importantes cidades do País, apontando para o fato de
que o modo como os professores se relacionam com os conteúdos discipli-
nares e com os seus alunos acaba por instalar no interior da escola um
clima que não incentivava qualquer tipo de interesse pela aprendizagem.
Ao contrário, o ambiente escolar descrito no texto mostra como
professores e alunos vivem vidas separadas na escola. Em sala de aula, por
exemplo, formam-se os grupinhos – dos mais inteligentes, dos que têm
mais poder aquisitivo, dos que são os preferidos da professora e dos mais
bagunceiros – dando margem ao surgimento de um ambiente
segregacionista, onde o que prevalece são as ações particulares tanto da
professora quanto dos alunos e não a cooperação e o espírito de grupo.
Roberto Moreira também constata que as lições são ensinadas me-
canicamente e os conteúdos não se ligam uns com os outros, parecendo
ao aluno que o conhecimento é uma colcha de retalhos sem sentido al-
gum; a ameaça da quebra do silêncio em sala de aula é resolvida por meio
de gritos e punições (perda do recreio e permanência na escola depois do
sinal); a aprendizagem pauta-se pela memorização, não havendo nenhu-
ma preocupação com a aplicabilidade do que é ensinado e os professores
discriminam os alunos que não cumprem as exigências escolares.
Todos esses exemplos demonstram que: a) ao mesmo tempo em que
o professor valoriza um tipo de inteligência, a escola idealiza um tipo de
aluno que na realidade não consegue nem compreender o que está sendo
ensinado nem atinar para a importância das atividades escolares; b) o obje-
tivo da escola passa a ser transmitir conteúdos independentemente da prá-
tica social que poderia embasar essa mesma transmissão; c) a repetência,

220
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

por ser um acontecimento corriqueiro na escola, transforma-a em uma ins-


tituição seletiva que ainda por cima se recusa a mudar os seus critérios de
avaliação.
Enfim, a escola brasileira demonstra que a vida escolar não tem
nenhuma ligação com a vida concreta e que de seus alunos é somente
esperado um comportamento autômato, passivo e obediente, despido de
qualquer interesse e vivacidade onde o que importa é a manutenção da
ordem e da disciplina. Ou ainda, que este tipo de escola encontra-se defi-
nitivamente apartado da vida, distante do cotidiano de seus alunos que
quase sempre é marcado pela brincadeira, espontaneidade e espírito de
iniciativa.
Segundo Roberto Moreira (1957, p. 168),

isto tudo significa que a nossa escola não se preocupa, propriamente, nem
com a criança, nem com a comunidade ou sociedade. A sua preocupação é
o cumprimento de um horário e de um programa, segundo processos for-
mais, dentro de uma rotina pré-estabelecida e invariável. Isto é o que lhe
caracteriza a segregação, o isolamento da vida, o caráter de clube fechado,
sem relação com as outras instituições sociais. Nestas condições, o dia
escolar assume para os alunos o aspecto de um corte, de uma interrupção
em sua vida natural. É como se suspendessem por algumas horas o fluxo
natural de suas atividades, para, em uma situação de abstrata artificialidade,
se dedicarem a atividades e aprendizagens, cuja função certamente lhes
está fora do alcance, quanto ao aspecto prático ou ao realismo de sua
aplicabilidade social na vida cotidiana.

Após esta descrição tão negativa de nossa escola, a que o autor


ainda se refere como sendo uma instituição sui generis, entendem-se as
razões do Inep em querer instalar algumas escolas experimentais. Implicava,
em última instância, em uma tentativa de transformar o ensino em algo que
definitivamente não tivesse nada a ver com o que foi acima descrito.

A realidade da Escola Guatemala

A Escola Guatemala encontrava-se situada em prédio próprio na


Praça Aguirre Cerda nº 55, no bairro de Fátima, área central do município
do Rio de Janeiro.
Foi inaugurada em abril de 1954 e tornou-se experimental em 18
de abril de 1955, quando a Secretaria de Educação e o Inep firmaram um

221
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

convênio que teve vigência até dezembro de 1975, por ocasião da transfe-
rência deste último para Brasília.
Composta por três pavimentos, o espaço livre da escola era peque-
no devido ao terreno íngreme que, inclusive, exigia que o seu acesso fosse
feito por meio de uma rampa que desembocava em um pátio de onde se
desenhava uma escada que conduzia ao primeiro andar bem como à porta
do auditório. Tratava-se, portanto, de uma escola que, apesar da “exigüi-
dade do espaço disponível para recreação", se adapta aos propósitos do
projeto na medida em que, além das salas de aula convencionais, possui
biblioteca, auditório e salas para as atividades práticas.
Ligada administrativamente à Secretaria de Educação, o que impli-
cava o envio mensal para este órgão de sua relação de pessoal, dos alunos
matriculados e do resultado das avaliações, pedagogicamente encontra-
va-se subordinada ao Inep que, por meio da professora Lúcia Marques
Pinheiro, diretora da DAM, definia os rumos da experimentação na escola.
Conhecida como Escola de Demonstração do Inep, a Escola
Guatemala, ao romper com a escola do passado, integra-se no plano de
turno único de seis horas e, posteriormente, sete horas e ainda procura
criar uma elite pedagógica que contará com o trabalho de cinco técnicas
de educação que se responsabilizariam pela orientação de cada uma das
cinco séries do primário da escola.
Além desse controle pedagógico, o Inep também poderia escolher a
diretora da escola. Entretanto, apenas em 1958 é que Almira Sampaio
Brasil, técnica do Inep e antiga orientadora da escola, consegue, enquanto
diretora, implementar de modo mais satisfatório a filosofia daquele órgão
central na escola, possibilitando, inclusive, permanecer no cargo durante
todo o período em que o convênio com o Inep faz-se mais atuante: o final
dos anos 1950 e início dos 1960.
O corpo docente, inicialmente formado por 25 professoras, sendo
18 regentes de turma e sete que se revezavam nas atividades complemen-
tares, compunha-se por um grupo que se encontrava na escola desde a
sua inauguração e outro que, desejoso em trabalhar no projeto, havia sido
requisitado pelo Inep com a aprovação da Secretaria de Educação. No
entanto, como o horário era integral, muitas professoras pediram remo-
ção, dando margem para que a supervisora do Inep solicitasse a indicação
de dez novos docentes para a direção do Instituto de Educação.

222
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

Para suprir as dificuldades devido ao impacto das inovações


implementadas, a escola também contava com um Serviço de Psicologia
que, com sua equipe, procurava dar mais um suporte ao professor.
Portanto, a escola com a sua equipe recomposta em meados de
1957, finalmente consegue desenvolver o seu trabalho de modo mais
satisfatório, quando em agosto de 1959, devido ao seu próprio crescimen-
to, possibilitou que a prefeitura a transformasse no Primeiro Centro Expe-
rimental de Educação Primária da Prefeitura do Distrito Federal, em cola-
boração com o Inep.
Nesse sentido, a escola reafirma a sua função e procura dar conti-
nuidade à experimentação de métodos e recursos de educação primária;
aos estudos e pesquisas sobre a criança em idade escolar e programas de
ensino e formação do professor primário; ao preparo de material de ensino
e publicações de orientação técnica ao professor e, por último, ainda ofe-
rece a professores, administradores e especialistas em educação de todo
Brasil a oportunidade de observarem os trabalhos ali realizados e dele
participarem enquanto estagiários e professores convidados.4
Entretanto, que medidas tornariam a escola um espaço mais vivo e
ativo e assim tão diferente do tipo de comportamento passivo, autômato
e obediente reinante na maioria das escolas do resto País?
Na década de 1930, Anísio Teixeira já possuía uma resposta para
essas questões, quando comparava as escolas experimentais da época com
as demais escolas da rede:

As condições das escolas são perfeitamente idênticas, em relação ao magis-


tério, as instalações materiais e ao corpo discente, às demais escolas do
Distrito Federal. As únicas diferenças se encontram no propósito de ensaiar
integralmente um novo método, nos estudos e debates que ali se realizam
e na atitude experimental dos professores, que examinam, ensaiam, verifi-
cam os resultados e estão sempre prontos a suspender os julgamentos, a
reexaminar o problema e a estudar e reestudar continuamente os processos
de ensino e educação (Teixeira, 1930, p. 203).

E na década de 1950, será que a Escola Guatemala cumpria com


esses propósitos apontados pelo educador baiano já nos anos 1930? É o
que veremos a seguir.

4
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0521.

223
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

O “método de projetos"

O “método de projetos" é a principal medida encontrada pela esco-


la para que assim conseguisse romper com o marasmo, a passividade e a
falta de vivacidade das salas de aula e se transformasse em um espaço
mais vivo e em consonância com a própria vida.
Acreditava-se que por meio dele se estimularia a “transformação
total da pessoa", o espírito de colaboração e solidariedade bem como o
trabalho de grupo por meio de um tipo de aprendizagem que levasse os
alunos a desenvolver hábitos de estudo, pesquisa e leitura.
Procurando romper com a aula tradicional, onde o aluno copia o
que o professor ensina, o “método de projetos" possibilitou que os alunos
da Escola Guatemala vivenciassem experiências mais participativas que
envolviam as turmas em um trabalho único (organização de uma bibliote-
ca de classe) ou em atividades individuais, mas idênticas para todo o gru-
po (presentes para as mães, preparo de enfeites e lembranças de primeira
comunhão).
E se nos primeiros meses os projetos eram de construção (de bair-
ros, fazendas, circos, estantes), mais tarde passaram a ser projetos de estu-
dos (museu e biblioteca), demonstrando uma evolução do próprio traba-
lho com o método.5
No primeiro ano, por exemplo, foi realizado, além dos projetos, um
conjunto de atividades a eles relacionados. Referia-se aos “interesses das
crianças por animais, jogos, dramatização e histórias (jardim zoológico,
fazenda, animais desmontáveis em prateleiras para enfeitar a sala, loja de
brinquedos, painel sobre o fundo do mar, painel sobre a floresta com
animais, casa de bonecas etc.)".6
Portanto, esse tipo de recurso pedagógico, segundo Lúcia Marques
Pinheiro, traria para dentro da sala de aula uma “atmosfera de vida na medida
em que as atividades levariam a criança a sentir a ligação necessária entre
viver e aprender; ou ainda, por se realizarem em uma situação real, essas
atividades favoreceriam a aplicação do aprendido nas situações da vida".7

5
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0278-0287.
6
Idem, p. 15.
7
Idem, p. 5.

224
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

Além desses aspectos, o “método de projetos", segundo a professo-


ra, também teria outras vantagens: daria a chance para que a criança
planejasse, ouvisse e considerasse as opiniões alheias; imaginasse situa-
ções e soluções; vencesse as dificuldades; valorizasse as diferenças, favo-
recendo o aprendizado dos mais genuínos princípios democráticos e, aci-
ma de tudo, daria a chance para que se incentivasse, “não apenas as
capacidades intelectuais, mas de todos os tipos de qualidades, inclusive as
de bom convívio e espírito de camaradagem".8
Depois de dois anos de sua aplicação, percebeu-se que teria levado
as crianças a desenvolverem uma série de interesses: pesquisas, leitura
informativa e de recreação, dramatização, participação em jogos e danças,
gosto por conhecer o Brasil, por estudar e por atividades de trabalho.9
Quanto aos professores, a orientação da DAM era para que, devido
a sua falta de experiência, o método não fosse imposto de maneira rígida,
mas, ao contrário, que se respeitassem as diferenças e o ritmo de cada
classe, sem perder de vista os seus possíveis aspectos negativos, tais como:
não favorecer o caráter de continuidade e graduação que toda aprendiza-
gem deveria possuir; não facilitar a fixação dos conteúdos devido à pró-
pria natureza do método; utilizar-se de um tempo superior ao dos demais
recursos pedagógicos; dificultar a sistematização das experiências e, con-
seqüentemente, inviabilizar uma aprendizagem sistematizada.10
Nesse sentido, os professores ao longo da implantação do “método de
projetos" puderam confrontar as demandas dessa nova metodologia com a
realidade de sala de aula, tornando possível que de ano para ano alguns
ajustes fossem efetuados para que assim as suas dificuldades fossem sanadas.
E se os projetos no início de sua implementação eram demasiada-
mente longos devido à falta de experiência dos professores que não sabi-
am muito bem controlar o seu tempo de duração, em 1956 procura-se
incentivar a criação de projetos mais curtos a fim de que a criança não
perdesse a “visão de seqüência necessária ao trabalho – planejamento
geral, estudo de meios, realização e apreciação".11

8
Idem, p. 14.
9
Idem, p.15.
10
Idem, p. 6 e 7.
11
Idem, p. 10.

225
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Ainda no mesmo ano, para que os exercícios formais de fixação,


uma das principais barreiras para o desenvolvimento do novo método,
deixassem de ser o alvo da aprendizagem, foi sendo introduzido “uma
série de atividades seqüentes e de interesse da criança - preparo de leituras
para a dramatização e apreciação pelos colegas, concursos de cálculo etc."12
Em 1957, como essa questão persiste, decide-se que os projetos de
estudo seriam valorizados “em conexão principalmente com a discussão
dos problemas de fixação da aprendizagem",13 demonstrando o quão ár-
duo era substituir uma prática de ensino por outra mais ativa e menos
calcada na memorização.
Apesar dessas dificuldades, fica claro que por meio do “método de
projetos", a Escola Guatemala resolve pelo menos dois problemas aponta-
dos pelos nossos educadores no primeiro item: possibilita que o cotidiano
escolar seja oxigenado, proporcionando um tipo de ensino que, ao mesmo
tempo em que se mantinha organicamente conectado à vida fora da esco-
la, também incentivava um tipo de inteligência de caráter mais prático,
não se restringindo assim a um ensino intelectualista e elitista, conforme
críticas de Anísio Teixeira. Enfim, o tipo de trabalho pedagógico implícito
ao “método de projetos" estaria contribuindo para a fermentação de uma
escola que teria como princípio a alteração das relações de aprendizagem,
no sentido de torná-las mais dinâmicas, democráticas e participativas,
conforme o desejo tanto de Teixeira quanto de Moreira.

O sistema de promoção

Outro aspecto pedagógico a ser questionado pelos nossos autores


seria o nosso sistema “draconiano" de exames e de rigidez na graduação
escolar que, ao criar uma escola seletiva, apenas incentivaria certo tipo de
inteligência, forçando as crianças que não possuíssem determinado de-
sempenho intelectual a uma trajetória escolar marcada pela repetência e o
abandono escolar.

12
Idem,ibidem.
13
Idem, p. 12.

226
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

Nesse sentido, se a Escola Guatemala adota o “método de projetos"


objetivando a fabricação de outra escola, também procura reformular o
seu sistema de promoção a fim de que pudesse, de modo mais democráti-
co, aceitar em seu interior os mais variados tipos de aluno que, após o
acordo com o Inep, continuam sendo matriculados na escola sem nenhum
critério intelectual prévio.
Seguindo as orientações da DAM, a escola adota em seu primeiro
ano de convênio um “sistema de promoção flexível" na medida em que,
segundo a professora Lúcia Marques Pinheiro, vigorava no então Estado
da Guanabara um “sistema de promoção de alunos anacrônico e incom-
patível com a adoção do regime de vida democrática e conseqüente acei-
tação do princípio de igualdade de oportunidades para todos".14
Por meio dessa medida, o sistema de avaliação interna modifica-se
e deixa de ter apenas um sentido de aferição. Constitui-se em algo mais
abrangente e transforma-se em apenas mais um dos vários aspectos da
aprendizagem. As provas, por exemplo, passam a incluir uma série de
graduação de dificuldades, tornando-se mais longas e, por isso, realizadas
em vários dias entre outras tantas atividades.
Seus resultados eram tabulados e mostrados para cada turma que,
com o professor, discutiam o resultado, o que dava margem para que um
dos objetivos da escola fosse alcançado: que o aluno tivesse consciência
do seu aprendizado.
Outra medida fundamental é aquela em que os anos escolares pas-
sam a ser concebidos como “anos de estudo", o que garantia a todos os
alunos um número de anos fixos de estudos (ou no máximo um ano a
mais), ao invés de se ter os cincos anos do ensino primário, muitas vezes,
cursados em oito ou até nove anos.
Para que os “anos de estudo" fossem implementados, as crianças
tiveram que ser classificadas pela idade, que corresponderia aos chamados
“anos" escolares, e por rendimento escolar, possibilitando que uma crian-
ça de nove anos estivesse no terceiro ano de estudos, isto é, de escolarida-
de, embora estivesse classificada no segundo ano de adiantamento.

14
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0521-0547, p. 40.

227
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Além disso, ficou comprovado que as turmas compostas por alunos


com a mesma idade, mas com capacidade de aprendizagem variada –
eram as que melhor se adaptavam às novas atividades da escola na medi-
da em que os mais diferentes grupos rapidamente se entrosavam, fazendo
com que o trabalho do professor se desenvolvesse de maneira mais har-
mônica, segura e sem sobressaltos.
A eficiência dessa avaliação pode ser comprovada pela percenta-
gem de aprovação: a) pelo sistema da escola: 85%, em 1955; 96%, em
1956; 94%, em 1957; 94%, em 1958; 89%, em 1959; 90%, em 1960; b)
de acordo com o sistema do antigo Distrito Federal: 81%, em 1956; 77%,
em 1958; 89%, em 1959; sendo que 100% das crianças da escola foram
aprovadas nos exames do final do curso primário de 1955 a 1959.15
Diante dessa experiência, a professora Lúcia Marques Pinheiro suge-
re que o curso primário seja dividido a partir da 4ª série a fim de que crianças
com um tipo de inteligência mais prática não se vissem obrigadas a se
adaptar a programas muito acadêmicos baseados exclusivamente na capa-
cidade verbal e de abstração. Constituir-se-ia, desse modo, o Curso Comple-
mentar que após as três séries do primário receberia apenas aquelas crianças
que revelassem “apreciável aptidão e gosto por atividades do trabalho, com
as quais se torna mais eficiente o ensino das matérias básicas".16
Ainda é importante salientar que, para a implementação tanto do
“método de projetos" quanto da “promoção flexível", a escola adota um
programa diferente do restante das outras escolas. Entretanto, apesar de
não tornar este aspecto muito claro, os relatórios apontam os “guias de
estudos" – editados nos anos 1930, durante a gestão de Anísio Teixeira na
Diretoria de Instrução Pública e reeditados pelo Inep, nos anos em estudo
– como sendo a base para se pensar o ensino das disciplinas.

O aperfeiçoamento dos professores

Para evitar as dificuldades de implantação do método e, principal-


mente, para indicar aos professores os caminhos para a construção de

15
Idem, p. 42.
16
Idem, p. 40.

228
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

uma prática escolar que rompesse com o descaso, a apatia e a indiferença


do cotidiano escolar, segundo descrição de Roberto Moreira no item ante-
rior, o Inep organiza um programa de aperfeiçoamento de professores na
própria escola que se desenvolve ao longo dos anos do convênio.
Nos primeiros anos de implantação do projeto, os professores, ao
mesmo tempo em que o colocavam em prática, recebiam as instruções de
como deveriam encaminhá-lo em sala de aula.
Assistidos pelas técnicas do Inep,17 os professores recebiam os mais
variados tipos de assessoramento. Eram preparados por meio de aulas,
palestras e seminários em que se estudavam os aspectos relativos à filoso-
fia da proposta pedagógica, abordavam-se o histórico e os fundamentos
do método e seus problemas de aplicação.
No primeiro e no segundo anos, as diretoras da Escola Bárbara
Ottoni e México, que nos anos 1930 implantaram essa metodologia, esti-
veram presentes à Escola Guatemala para contar as suas experiências,
podendo os professores da escola por meio da leitura de relatórios da
época resolver várias de suas próprias dificuldades.18
Outro expediente utilizado foi a prática da escrita diária de um
relatório pelos professores a fim de que as suas dificuldades fossem torna-
das claras para, ao serem discutidas nas reuniões, poderem ajudar no pla-
nejamento para o dia seguinte. Ao mesmo tempo, também se procurava
apontar para a variedade de projetos possíveis e a vantagem e conveniên-
cia de certos tipos de atividades para determinadas turmas.
É importante chamar a atenção que essa “preparação" para a
implementação do método não ocorre de forma estanque e isolada. Ou seja,
interessava ao Inep que nas reuniões também fossem discutidos problemas
relativos ao ensino primário como um todo, já que delas participavam os
professores bolsistas de outras escolas e/ou Estados, com realidades bastan-
te diferentes e que, nesse caso, poderiam levar consigo as conclusões desses
debates, em um esforço em disseminar um novo modelo de educação.
De acordo com as palavras da própria Lúcia Marques Pinheiro,19
parece que, além da dificuldade da fixação, um dos principais problemas a

17
Com um horário integral, que variou de acordo com a necessidade de aperfeiçoamento dos próprios professores, estes
permaneciam uma média de duas horas diárias sem as suas turmas para receberem a sua formação.
18
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0278-0287, p. 7.
19
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0521-0547.

229
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

ser enfrentado pelos professores referia-se ao controle do tempo das ativi-


dades na medida em que o “método de projetos" abria a possibilidade
para que as tarefas escolares levassem mais tempo do que o usual. Procu-
rava-se sanar essa questão por meio da melhoria dos relatórios, de um
aprimoramento cada vez maior do planejamento do dia escolar e de uma
maior discussão em torno da distribuição das atividades escolares e do
próprio aproveitamento do tempo.
Além de todas essas atribuições, os professores ao longo dessa ex-
periência participaram de vários cursos que objetivavam aprimorar o seu
conhecimento sobre as matérias que lecionavam: a) em 1956: Música para
a Escola Primária, Recreação e Jogos, Psicologia da Infância, Artes Indus-
triais, Problema da Educação Primária, Alguns Problemas do Ensino de
Ciências na Escola Primária; b) em 1957: Ensino de Matemática e Psicolo-
gia da Infância; c) em 1958: Ensino da Matemática e de Linguagem; e d)
em 1959: Geografia do Brasil e do Distrito Federal e Português.
Como o objetivo da escola era tornar o seu ensino o novo padrão
educacional a ser seguido por todas as escolas do País, fazia parte do seu
programa receber estagiários, bolsistas e professores visitantes para pode-
rem ali participar dessa nova experiência. Nesse caso, a escola passa a ser,
desde o início de seu convênio com o Inep, um

campo de observação para professores primários que se preparam para


trabalhar nas Escolas de Demonstração nos Estados e, igualmente, para
professores de escolas normais, diretoras de escolas primárias, orientadoras
de ensino primário e estudiosos de problemas de educação primária, em
geral, em número de 240, no qüinqüênio".20

Portanto, pode-se afirmar que a Escola Guatemala transformou-se


em um verdadeiro centro de formação de professores. Tornou-se uma
referência nacional que, ao fermentar uma nova cultura pedagógica aca-
bou por elevar o nosso ensino a um novo patamar educacional.

O Serviço de Psicologia

Passível de ser considerado pioneiro, o trabalho da Escola Guatemala


refletia-se em sua estrutura organizacional que, além de um amplo quadro

20
Idem, p. 21 e 22.

230
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

técnico pedagógico, possuía um gabinete de psicologia que era responsável


pelos atendimentos de apoio psicológico não apenas aos alunos, mas, prin-
cipalmente, aos professores.
Este gabinete, que posteriormente passou a se chamar Serviço de
Orientação Psicopedagógico (Sopp), iniciou suas atividades, no ano de
1955, no contexto do cumprimento do convênio firmado entre o Inep e a
Secretaria Geral de Educação e Cultura. Seus objetivos principais eram:
1) contribuir para um ajustamento satisfatório da criança ao meio
ambiente [...];
2) colaborar com o corpo docente e direção da escola no sentido de
ser conseguida uma unidade de orientação com os alunos;
3) propiciar um maior entrosamento entre escola, a família e a
comunidade;
4) apresentar pesquisas e trabalhos relacionados às suas atividades
específicas dentro da Psicologia Educacional, Evolutiva e Clínica.21
A equipe era composta por duas psicólogas (responsáveis pela apli-
cação de testes de inteligência, de aptidões e de personalidade; de avalia-
ção e diagnósticos psicológicos; realização de encaminhamentos de orien-
tações clínicas dos casos relacionados tanto aos alunos, quanto aos pro-
fessores, além da realização de estudos e pesquisas), uma assistente social
(responsável pelo atendimento às famílias, com o objetivo de fazer um
levantamento da vida pregressa do aluno) e, por fim, um médico (respon-
sável pelo exame psicossomático do discente).
De inicio, o Sopp buscou desempenhar as suas atividades centrando
o atendimento nos alunos que apresentavam dificuldades de aprendiza-
gem, problemas de comportamento e adaptação ao meio escolar. Em 1958,
partindo de uma avaliação individual denominada “tridimensional"22
(enfoque médico, social e psicológico), iniciou-se um estudo sistemático
tanto sobre os alunos que ingressavam na escola, quanto sobre os seus
egressos, visando, neste último caso, captar seus interesses e aptidões com
vistas ao desenvolvimento de uma orientação pré-vocacional.

21
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 034-044, p. 3.
22
De acordo com Novaes, o método utilizado nos exames psicológicos era o analítico. Aplicavam-se provas “mais
discriminativas", associadas ao “método histórico-individual ou clínico", que buscava assegurar uma visão mais global da
criança por intermédio da coleta de informações referentes à família, ao meio ambiente, ao controle de hábitos, a atitudes
e aos dados psicossomáticos.

231
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Entretanto, na expectativa de oportunizar um maior aproveitamento


das orientações fornecidas pelo Serviço de Psicologia, houve a necessidade
de se desenvolver um trabalho mais específico com o corpo docente da
instituição.
Nesse sentido, o Sopp busca promover reuniões, grupos de estudos
e entrevistas individuais com os professores, objetivando que estes não
apenas reconhecessem os problemas enfrentados pelos seus alunos, mas,
principalmente, que se defrontassem com as suas próprias aflições no campo
tanto profissional quanto pessoal no que se refere às dificuldades de
implementação das propostas da escola. Como resultado dessa assistência
especial verifica-se uma mudança de atitude do professor diante dos “alu-
nos-difíceis", ocorrendo, de modo conseqüente, um decréscimo de enca-
minhamentos23 ao Sopp.
Pode-se, então, afirmar que se a característica principal do traba-
lho do Sopp era a ajuda sistemática aos professores no sentido de auxiliá-
los na compreensão de seus comportamentos e na de seus alunos, cabia-
lhe como meta a criação de um clima psicológico propício para que assim
as propostas pedagógicas da escola pudessem ser colocadas em prática
sem grandes dificuldades.
Conseqüentemente, a relação professor-aluno transforma-se no foco
principal do trabalho empreendido pela equipe que, ao fortificar a perso-
nalidade tanto do aluno quanto do professor, possibilita que este último,
a partir do incentivo constante a uma postura reflexiva, obtenha uma
visão do conjunto dos problemas ocorrentes no dia-a-dia da escola, po-
dendo, dessa maneira, agir de forma mais profissional e de acordo com os
parâmetros defendidos pela escola.
Apesar de que, para Therezinha Albuquerque,24 o incentivo à refle-
xão sobre os problemas enfrentados no cotidiano da escola possibilitasse
que os professores se dessem conta com mais facilidade de suas dificulda-
des e limites, por medida de proteção e na expectativa de dar mais apoio
às inseguranças pessoais que se tornavam evidentes,25 a equipe resolve

23
Em ordem de incidência, os motivos dos encaminhamentos dos alunos ao Serviço de Psicologia eram: problemas de
comportamento, baixo rendimento nos estudos, problemas de saúde, econômicos e familiares.
24
Psicóloga Therezinha Lins de Albuquerque, integrante da equipe do Serviço de Orientação Psicopedagógica da Escola
Guatemala.
25
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. 0369-0397, p. 23.

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“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

suspender os encontros em grupo com os docentes, iniciando um trabalho


mais focado nos aspectos individuais de cada professor.
Cabe ainda destacar que o problema da indisciplina entre os alunos
era a preocupação central de todos. Percebia-se que os professores, por
não estarem familiarizados com o novo método proposto pela escola que,
além de exigir uma participação mais ativa da criança também demandava
uma postura mais dinâmica dos docentes, tornavam-se mais inseguros em
relação a sua prática escolar, criando, desse modo, conflitos bastante grandes
em sala de aula.
Tentando resolver essa questão, no ano de 1957, o trabalho indivi-
dual com os professores intensifica-se e toma como ponto de partida as
necessidades de cada profissional, já que este teria sido o ano “mais pesa-
do" para o serviço.26 As próprias psicólogas, inclusive, se dão conta da
necessidade de se criar uma “atitude terapêutica" dentro do Sopp: “Infor-
mar, esclarecer, acompanhar a professora tinha sido o nosso roteiro até
então. Mas isso não bastava. Vinha à tona o problema pessoal e problemas
não resolvidos. Que fazer? A nossa ajuda tinha limites".27
É nessa ocasião que ocorre a alteração das prioridades do Sopp.
Volta-se radicalmente para o corpo docente e, de modo conseqüente, ini-
cia-se um trabalho que tem como objetivo sanar as incertezas que os
professores poderiam ter quanto ao seu trabalho em sala de aula. Cabe
aqui destacar um caso que reflete bastante bem o estado emocional em
que esses chegavam à equipe de psicopedagogia. Por não conseguir colo-
car em prática as propostas pedagógicas da escola, inadvertidamente, a
professora acreditava que toda a turma precisaria de alguma ajuda ou
apoio psicológico para que só assim pudesse posteriormente desenvolver
de modo satisfatório as suas habilidades intelectuais:

Um dia fomos procurados por uma professora, dizendo-se desesperada.


Abriu a porta de nossa sala, nem nos cumprimentou, e foi falando da
necessidade de toda a turma ser estudada: “todos são uns casos; não agüento
mais, não consigo nada com eles; não me obedecem; não se agrupam;
cada um é cada um". Nesse tom, falou meia hora sem parar.28

26
Idem, p. 23.
27
Idem, ibidem.
28
Idem, p. 24.

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Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Mais adiante, Albuquerque chama a atenção para o fato de que na


manhã seguinte esta mesma professora entra na sala do Serviço mais cal-
ma e reconhecendo que nem todos os alunos precisariam do Sopp, sendo
ela, ao contrário, quem passa a receber um atendimento individual sema-
nal. Depara-se com a seguinte situação que ela própria não havia previsto:
as angustias do professor em tentar colocar em prática as propostas da
escola o fazem responsabilizar seus alunos, quando, na verdade, são eles
próprios que não se dão conta de que se encontram despreparados para
enfrentar o trabalho proposto pela escola e, por essa razão, seriam eles os
que necessitariam de ajuda.
Outras experiências semelhantes também são reproduzidas pelos
relatórios escritos pela equipe de psicopedagogia, como, por exemplo, nos
mostra a fala seguir:

Entra meio sem graça [no Sopp] e vai dizendo que a turma não vai bem:
“acho que sou eu”, diz ela. Nesse momento, tem os olhos cheios de lágri-
mas. Relata que não consegue disciplina. Entra em detalhes: [e fala] “par-
ticipação excessiva dos alunos. Todos falam ao mesmo tempo. Acho que é
excesso de motivação. É ótimo, mas é uma confusão".29

E ao tentar minimizar os efeitos do despreparo profissional que os


próprios professores poderiam se auto-imputar, a equipe passa a desenvol-
ver um trabalho direcionado à “reeducação pessoal"30 do corpo docente.
Tudo indica que o Sopp teria que, para além de uma falta de pre-
paro profissional do professor, contribuir para que fosse implementada em
seu setor uma ajuda psicológica para que aqueles não se sentissem tão
amargurados, frustrados e infelizes diante do seu trabalho em sala de
aula, pois, provavelmente, as propostas da escola, naquele momento, não
deveriam ser fáceis de ser vencidas.
De acordo com Albuquerque existiria uma “má compreensão do ‘com-
preender a criança' devido, justamente, à desorganização interna das pro-
fessoras (situação nova, método novo, problemas pessoais vindos à tona,
gerando insegurança pessoal)".31 Deste modo, o Sopp teria de desenvolver
dois trabalhos com o corpo docente: de um lado o fortalecimento de sua

29
Idem, p. 26.
30
Idem, p. 28.
31
Idem, ibidem.

234
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

auto-estima e, do outro, a sua capacitação profissional. Nas palavras da


própria psicóloga: há “uma atuação dupla com o corpo docente – informa-
ção dinâmica dos conceitos psicológicos, dentro de uma ajuda psicológica,
conforme suas necessidades".32 Entretanto, reconhecendo os limites da atu-
ação do serviço diante das questões emocionais dos professores, alguns
encaminhamentos para a psicologia clínica foram sugeridos.
A falta de sistemática dos encontros em grupos no Sopp, por ter
prevalecido durante um bom período, pode, provavelmente, ter contribu-
ído para o aumento dos problemas enfrentados pelos professores que,
diante dos desafios em se criar uma escola de caráter experimental, teriam
ficado sem o apoio necessário para que suas dúvidas e inseguranças pu-
dessem ser sanadas.
Entretanto, uma professora, ao avaliar o trabalho desenvolvido pelo
Sopp e, também, sinalizar para a reduzida participação dos professores
nas atividades em grupo, mostra certa consciência desse novo papel que
se dispuseram a cumprir na Escola Guatemala. Ao afirmar que as dificul-
dades resultavam menos do desinteresse dos docentes nas propostas e
mais do pouco nível de integração entre os profissionais, demonstra uma
compreensão de que a proposta pedagógica implementada pela escola só
poderia ser alcançada caso houvesse um corpo docente coeso, trabalhan-
do em grupo segundo as mesmas idéias educacionais: “Falta-nos ainda,
unidade. Sabemos disso, mas trabalhamos pouco para alcançá-la. Ainda
somos muito nós mesmas, nossa turma, em vez do grupo da Escola. Ainda
justificamos muito nossas falhas, procuramos passá-las adiantes".33
Somente após o início da década de 1960 as reuniões com os grupos
passam a ser mais freqüentes e produtivas, possibilitando não só a
implementação de debates em torno das questões relacionadas à aprendiza-
gem, disciplina e diferenças individuais entre os alunos, mas, também, a rea-
lização de um trabalho mais sistematizado de formação profissional a partir
da elaboração de cursos básicos de Psicologia do Desenvolvimento Infantil.
Apesar das dificuldades acima sinalizadas, os docentes reconheciam
na Escola Guatemala a oportunidade de se qualificar profissionalmente.

32
Idem, p. 29.
33
Idem, p. 30.

235
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Prova disso é a afirmação de uma professora que, ao refletir sobre sua expe-
riência na escola, depõe a favor do trabalho desenvolvido pela DAM/Inep:
“Quando comecei a trabalhar na Escola Guatemala, despertou-me um dese-
jo enorme de melhorar meu nível intelectual, em aproveitar conscientemen-
te o que fazia com minhas mãos".34
Portanto, pode-se afirmar que o próprio Sopp se dá conta de sua
maior tarefa: ajuda sistemática aos professores no sentido de que viessem
a compreender a importância de seu papel em uma escola que se definia
enquanto experimental. Desse modo, o Sopp tornou-se uma importante
estratégia para a consolidação do projeto educacional do Inep na medida
em que desenvolveu não apenas meios para a capacitação profissional do
docente da Escola Guatemala, mas, também, buscou criar dentro da esco-
la um clima psicológico favorável que pudesse dar suporte à proposta de
reformulação do método de ensino.

Considerações finais

Este relato sobre a Escola Guatemala demonstra o quanto o Inep/


CBPE, na direção de Anísio Teixeira, encontravam-se preocupados com as
tristes condições da escola brasileira reveladas no início do texto. Mostra
que esses órgãos, apesar de incentivarem pesquisas no âmbito social e
educacional, também tinham como uma de suas principais metas a
reformulação do nosso ensino básico.
Além disso, percebe-se que esse objetivo não pressupunha apenas
uma transformação das maneiras de ensinar e aprender, pois o que se
buscava não era uma simples mudança de método para tornar o ensino
mais moderno, mas sim a implementação de uma nova política educacio-
nal que tivesse como finalidade a fomentação de uma nova cultura peda-
gógica que, a partir de uma nova concepção de escola, a transformasse a
partir de seu cotidiano.
Para que tal propósito se concretizasse, a Escola Guatemala torna-
se, no antigo Distrito Federal, o lócus de elaboração dessa nova política.

34
Idem, p. 37.

236
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

Transforma-se em um celeiro de experimentações, constituindo-se não


apenas em uma escola de demonstração como nos anos 1930, mas tam-
bém em um centro de formação de professores que, oriundos de todas as
regiões do Brasil, teriam a oportunidade de continuar a sua formação na
própria Escola Guatemala, uma espécie de laboratório onde se poderia
testar e ver testado o que era ensinado nos cursos do Inep/CBPE. Ou seja,
além das salas de aula do Inep com as palestras e os seminários, a Escola
Guatemala constituir-se-ia na outra face desses mesmos cursos de forma-
ção de professores. Seria a etapa teórico/prática – a “terceira solução"
para a capacitação dos professores que se inaugura em 1954 e dura até
1958 –, que garantiria aos professores vivenciar as lições aprendidas nas
leituras e nas aulas dos palestrantes convidados pelo Inep/CBPE.
O que se quer ressaltar é que a inauguração dessa nova etapa da
história da política de formação de professores dá margem para que a
Escola Guatemala se constitua enquanto parte integrante desse mesmo
processo de formação, que passa a ser feito nas escolas experimentais
recém-inauguradas e não mais apenas em cursos teóricos ou em estágios
em serviço.
A Escola Guatemala, nesse caso, ao reformular a sua prática educa-
cional permitindo que esse mesmo processo seja utilizado como reflexão e
vivência de professores bolsistas, constitui-se em uma escola pólo, de onde
se fomenta uma nova política educacional assim como uma nova cultura
pedagógica.
Enfim, se a Escola Guatemala foi inaugurada em abril de 1954
como uma escola a mais da cidade do Rio de Janeiro, um ano depois,
exatamente em abril de 1955, ao se tornar uma escola experimental em
conseqüência de um convênio entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e o
Inep, constitui-se no exemplo vivo da própria política educacional que o
Inep/CBPE desejavam ver colocada em prática na capital do País.
No entanto, essa experiência, ao tentar romper com os vícios da
escola brasileira que historicamente ancora-se em uma forte influencia
européia, de formação generalista e sem ligação com a vida prática que
existe fora dos muros escolares, não deixou de ter os seus percalços. Não
implicou o fim de uma velha escola e o nascimento de outra absoluta-
mente nova que Anísio Teixeira e Roberto Moreira tanto ansiavam por ver
concretizada.

237
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Os professores, sem a formação adequada, na maioria das vezes,


têm dificuldades para implementar o novo projeto da escola e, quase sem-
pre, conforme os exemplos acima, acabam por culpar o próprio aluno pelo
seu fracasso profissional.
Além disso, conforme a experiência da Escola Argentina em 1930
(cf. Chaves, 2001), o que se comprova é mais um movimento de convivên-
cia e negociação entre posturas mais modernas de ensino e determinadas
ações mais tradicionais voltadas para o ensino intelectualista do que a
eliminação de um tipo de prática em detrimento de outra.
A falta de experiência dos professores em lidar com o “método de
projetos" que pela sua natureza ancora-se em um tipo de cultura pedagó-
gica mais moderna e ativa, por exemplo, fazia com que continuassem
lançando mão de certos artifícios incompatíveis com a nova metodologia
empregada. Desse modo, de acordo com Lúcia Marques Pinheiro:

Preocupava muito aos professores o problema da fixação da aprendizagem


e muitos deles tentavam resolvê-los por meio de exercícios mais ou menos
formais, principalmente apresentando trabalhos de casa, cuja correção dava
margem a aulas também formais, por vezes.35

De outro lado, como o projeto para a escola implicava a viabilização


de uma nova política educacional, o Inep/CBPE garantia todo um aparato
pedagógico – cursos teóricos, seminários, troca de experiências, reuniões
sistemáticas com as técnicas do Inep – aos professores. Teria como função
suprir essas mesmas dificuldades e inseguranças diante do novo, dando
margem para que a sua aplicação fosse sendo aprofundada, adequada e
revista conforme os próprios questionamentos dos professores envolvidos.
Portanto, pode-se concluir que a Escola Guatemala, principalmen-
te vive uma experiência que pode ser considerada pioneira. Sua conforma-
ção e ligação tanto com o Inep/CBPE quanto com o Instituto de Educa-
ção, na medida em que muitos dos seus professores eram recém-saídos de
seu curso normal, expressavam a fabricação de uma rede bastante bem
urdida que, em última instância, poderia ser considerada o gérmen
organizacional da nova política educacional que se desejava ver implanta-
da no Brasil.

35
Arquivo Pessoal Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, FGV, CPDOC. ATt 1952.06.04, filme14, fot. F0278-0287, p. 9.

238
“A escola que seu filho precisa ainda está para ser construída":
a trajetória da Escola Guatemala nos anos 1950/1960

Referências bibliográficas

CHAVES, M. W. A escola anisiana dos anos 30: fragmentos de uma experiência –


a trajetória pedagógica da Escola Argentina no antigo Distrito Federal (1931-
1935). Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio), 2001.

IANNI, Otávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de


Janeiro, Civilização Brasileira, 1977.

KESSEL, Moysés I. A evasão escolar no ensino primário. Revista Brasileira de


Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 22, n. 56, p. 53-72, out./dez. 1954.

MOREIRA, João Roberto. A escola primária brasileira. Educação e Ciências


Sociais, Rio de Janeiro, v. 2, n. 6, p. 133-184, nov. 1957.

TEIXEIRA, Anísio. Bases para uma programação da educação primária no Brasil.


Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 28-46,
jan./mar. 1957.

_______. Educação para a Democracia. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,


1930.

239
9
Anísio Teixeira e o plano
de educação de Brasília
Eva Waisros Pereira*
Lúcia Maria da Franca Rocha**

* Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).


** Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Sala de Aula da Escola Normal São José
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

O presente estudo propõe-se a analisar o plano educacional de Brasília,


formulado por Anísio Teixeira, no final da década de 1950, quando ocupava o
cargo de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep). Com
este trabalho, pretende-se contribuir para a construção da história da educa-
ção de Brasília. Os estudos nesse campo são praticamente inexistentes e os
poucos já elaborados, extremamente pontuais. O tema deste estudo, embora
de caráter regional, é de relevância para a história da educação brasileira. O
sistema de educação proposto para a nova Capital segue uma concepção
escolar que se pretende inovadora, concebida como modelo alternativo ao
existente, e a produção de conhecimento a respeito é de interesse para a
Nação, uma vez que seu idealizador objetivava que as escolas da Capital
Federal constituíssem exemplo para o sistema educacional do País.
O plano foi concebido a partir da experiência bem-sucedida do
Centro Educacional Carneiro Ribeiro, popularmente conhecido como Es-
cola-Parque, implantado em Salvador. Anísio Teixeira afirmava que, “ba-
seado no modelo desse Centro, de Salvador, Bahia, foi organizado o siste-
ma escolar de Brasília" (1962, p. 27), traduzido no documento intitulado
Plano de Construções Escolares de Brasília (Teixeira, 1961).

243
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

A pesquisa procurou explorar as especificidades dessa proposta


apoiando-se na produção de Anísio Teixeira, principalmente a dos anos
1950 e subseqüentes, no sentido de apreender as incorporações que esse
educador introduziu no seu pensamento educacional, a partir da leitura
que realizou da sociedade brasileira e do papel da educação. Optou-se por
esse caminho porque os documentos relacionados ao objeto de estudo,
levantados nos arquivos, são em número muito reduzido. Certamente esse
fato decorreu do momento histórico vivido pelo País, começo dos anos
1960, quando se inicia processo de crise política que culminaria com o
Golpe Militar de 1964 e a perseguição política a Anísio Teixeira.

Antecedentes históricos

A construção da nova capital do Brasil constituía-se em uma das


metas da política nacional-desenvolvimentista implementada pelo gover-
no Juscelino Kubitschek. Brasília seria um ponto de germinação para o
interior, visando à integração entre centros urbanos e regiões agropecuárias,
por meio de um complexo rodoviário.
Para viabilizar esse empreendimento, foi criada, em 1956, a Com-
panhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), diretamente
subordinada ao Presidente da República. Além de responsabilizar-se pela
construção de Brasília, essa instituição encarregou-se de criar diversos or-
ganismos ou setores necessários ao funcionamento da cidade. Em decor-
rência, criou-se, no final de 1956, o Departamento de Educação e Saúde,
mais tarde denominado Departamento de Educação e Difusão Cultural,
cuja finalidade era promover atividades educacionais, em caráter
emergencial, até a implantação definitiva do sistema educacional do Dis-
trito Federal.
Em meados de 1957, com a chegada das primeiras famílias de ope-
rários e funcionários ao Planalto Central, o número de crianças passou a
ser uma preocupação por parte do poder público, preocupação essa que
aumentava na medida em que crescia o fluxo migratório para Brasília.
Por iniciativa do Departamento de Educação e Difusão Cultural,
foram criadas as primeiras escolas provisórias da nova Capital. Para tanto,
o referido Departamento, sob a coordenação do médico Ernesto Silva,

244
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

buscou assessoramento técnico com o educador Anísio Teixeira, então


diretor do Inep. Nessa ocasião, foi-lhe também solicitada orientação geral
sobre o sistema escolar da nova Capital do País.
Em 1959, foi instituída, no Ministério da Educação e Cultura, a
Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília (Caseb),1
tendo Anísio Teixeira dela participado como membro da Comissão
Deliberativa. Responsabilizando-se pela elaboração do referido plano, o
educador deu origem ao documento intitulado “Plano de Construções
Escolares de Brasília", que veio a público em 1961, na Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos (Teixeira, 1961).
Homem do seu tempo, Anísio propugnava a emancipação da Na-
ção e do homem brasileiro, como meio de superar o subdesenvolvimento.
Na década de 1950, foi convidado a integrar os quadros do Instituto Su-
perior de Estudos Brasileiros (Iseb), uma das instituições responsáveis pela
elaboração e sistematização da ideologia nacional desenvolvimentista. Nesse
contexto, seu pensamento influencia as formulações cepalinas e isebianas
e por elas é influenciado, mas, ao longo do tempo, vai refinando as suas
idéias, distanciando-se das formulações desses organismos (Barreira, 1989,
p. 4). Na leitura de Anísio, a emancipação não se colocava apenas em
relação a estratégias de ordem econômica, estatizantes, defendidas, na
década de 1950, por intelectuais ligados à Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal) e ao Iseb, mas, vinculava-se, sobretudo,
a condições subjetivas, como a alienação, cuja superação implicaria a
mudança de mentalidade e a tomada de consciência pelos brasileiros do
atraso social, econômico, político e cultural do País. A formação de um
novo homem, consciente, capaz de integrar-se socialmente no “mundo
moderno, tão impessoal e racionalizado", tornava-se, no seu ponto de
vista, de uma questão de sobrevivência (Barreira, 2000, p. 23-35). E essa
tarefa, a seu ver, somente poderia ser atribuída à escola pública e à orga-
nização de um novo sistema educacional, uma vez que os sistemas educa-
cionais existentes não respondiam às exigências de formação desse novo
homem da sociedade industrial. Dessa forma, salientava a importância da
escola:

1
Ver, Decreto Presidencial nº 47.472, de 22 de novembro de 1959.

245
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Só a escola e uma escola verdadeiramente de estudo e de conhecimento do


Brasil poderá mostrar-nos o caminho para esse imenso esforço de emanci-
pação nacional. Tal escola não poderá ser a escola privada, mas a escola
pública, pois só esta poderá vir a inspirar-se nessa suprema missão pública,
a de nacionalizar o Brasil.

[...]

O problema da educação não é hoje, pois, somente uma questão de pro-


gresso ou desenvolvimento, mas o da própria sobrevivência individual numa
sociedade nova, superorganizada e impessoal, em que se faz extremamen-
te difícil o senso de participação consciente. Ora, sem este senso de parti-
cipação torna-se difícil, senão impossível, a sobrevivência da própria soci-
edade. (Teixeira, 1976a, p. 322, 324).2

Cabe destacar, ainda, que Anísio Teixeira, levado na década de 1950


à direção do Inep, promoveu a reestruturação do órgão, transformando-o
na “repartição do ensino primário". Essa instituição, antes reduzida a ati-
vidades meramente burocráticas, tornou-se, então, verdadeiro poder para-
lelo dentro do Ministério da Educação. Enquanto a este cabia a responsa-
bilidade pelos estabelecimentos de ensino médio e superior, àquele órgão
foi delegada a incumbência de promover assistência técnica aos sistemas
estaduais de ensino, fundamentalmente as escolas primárias. Utilizando-
se da força dessa delegação do governo federal, Anísio criou, na estrutura
do Inep, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e cinco
centros regionais, que desempenharam papel relevante no desenvolvimento
da pesquisa social e educacional do País, além da importância que tiveram
as atividades de cunho prático, desenvolvidas no âmbito desses Centros,
como a instalação de escolas de experimentação e demonstração e da
promoção de cursos de aperfeiçoamento do magistério. (Mendonça, 1997,
p. 31) A perspectiva experimentalista presente no CBPE evidencia a grande
influência que tiveram, na formação de Anísio, as idéias e ações de John
Dewey – a mais importante figura do pragmatismo no campo da educação
(Moreira, 1997, p. 146).3
No seu discurso de posse no Inep, Anísio salientou que a revolu-
ção tecnológica, que então se iniciava, trazendo consigo uma série de

2
O texto é uma compilação do artigo publicado na revista Senhor, de setembro de 1960.
3
Anísio Teixeira, ainda na década de 20, morou nos Estados Unidos, primeiro em Chicago e, depois em Nova Iorque, onde
estudou em universidades nas quais John Dewey havia lecionado e desenvolvido experiências para o desenvolvimento de
seu método empírico-experimental de filosofar (Moreira, 1997, p. 148).

246
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

conseqüências práticas no modo de viver, na divisão social do trabalho,


no surgimento da produção em massa, na crescente urbanização, entre
outros fatores, reclamava um sistema universal de educação até aquela
época inexistente. Assim, essas questões acabavam por “resultar na im-
posição de um sistema de educação nacional de novos deveres, novos
zelos, novas condições e novos métodos" (Teixeira,1952, p. 71).
Em face de suas idéias, do seu espírito empreendedor, larga experi-
ência e conhecimento aprofundado da política educacional brasileira, Aní-
sio Teixeira credenciava-se a propor um plano de educação inovador para
a capital do País, inspirado nas concepções pedagógicas pragmatistas e
voltado para o desenvolvimento.

O plano educacional de Brasília:


propósitos e diretrizes

Anísio Teixeira propugnava por transformações educacionais que


viabilizassem a adequação do sistema de educação ao estado democrático
moderno. Entre as suas atribuições à frente do Inep, cabia-lhe a responsa-
bilidade pela política e planejamento educacional.4 Consciente, porém,
das dificuldades que se sobrepunham às mudanças preconizadas, em face
da insuficiência de recursos econômicos, materiais e humanos, propôs que
as bases da reorganização institucional fossem inicialmente lançadas no
ensino primário, mediante a instalação de centros de demonstração, dis-
tribuídos pelas diversas regiões do País.
Nessa perspectiva, não seria Brasília um lócus ideal para a implan-
tação da escola renovada? O que significaria implantá-la em uma cidade
nova, moderna, a partir do nada existente, sem as amarras da tradição?
Que influência poderia exercer nos domínios da educação do País? Em
que medida iria se refletir no sentido e direção das tendências do ensino?
(Lourenço Filho, 1960, p. 171).
Tais preocupações parecem ter sido centrais no planejamento
educacional da nova Capital. Na parte introdutória do plano, acha-se

4
Ver Decreto nº 38.460, de 28/12/1955, art. 2°, itens I e II.

247
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

claramente explicitado que: “O plano de construções escolares para


Brasília obedeceu ao propósito de abrir oportunidade para a Capital
Federal oferecer à Nação um conjunto de escolas que pudessem cons-
tituir exemplo e demonstração para o sistema educacional do País"
(Teixeira, 1961, p, 195).
Com efeito, tudo fazia crer que Brasília reunia as condições propí-
cias para a implantação de um sistema de educação modelar. Por um lado,
o governo brasileiro tinha em vista convertê-la “num amplo campo de
experimentação de técnicas novas" (Kubitschek, 2000, p. 140) e, o que é
fundamental, assegurava verbas para, com a rapidez necessária, construir
as escolas; por outro lado, na nova Capital havia disponibilidade plena de
espaços físicos para a edificação dos complexos conjuntos escolares pro-
postos, o que certamente não ocorria nas capitais e grandes cidades já
estruturadas.
O plano arquitetônico da cidade, traçado por Lúcio Costa, definira
a priori a estrutura básica da implantação da rede física dos estabeleci-
mentos de ensino (Costa, 1984, p. 101), com a distribuição eqüidistante e
eqüitativa das escolas. A cidade seria organizada em superquadras com
blocos residenciais, e nelas se localizariam as escolas primárias, de modo
que as crianças percorressem o menor trajeto possível para atingi-las, sem
interferência com o tráfego de veículos. Já as escolas secundárias, que se
destinavam aos jovens e adolescentes, seriam construídas em locais prede-
terminados e de fácil acesso, onde também se localizariam a igreja, o
cinema, o comércio de varejo, etc.
Viñao Frago e Escolano (1998, p. 83), ao analisarem o surgimento
das cidades e o local de construção da escola, salientam que desde o
século XIX, um dos critérios para eleição do espaço escolar era a segurança
das crianças: “Junto à higiene moral e física, preocupavam também a
segurança das crianças – o trânsito de carruagens".
Comentando sobre a circulação das crianças na nova capital, Cam-
pos (1990, p. 154) assinala:

Tendo em vista o sentido das “Unidades de Vizinhança", pensou o Dr.


Anísio Teixeira que as escolas seriam distribuídas de tal modo que as
crianças caminhariam a pé, sem perigo, das respectivas residências para a
escola ou jardim de infância, e, de retorno dessas unidades escolares às
suas casas (apartamentos), sem interferência de veículos, cujo tráfego
teria vias próprias.

248
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

O plano educacional de Brasília, no que tange ao aspecto formal,


apresenta características similares ao planejamento das políticas educacio-
nais que Anísio Teixeira formulara, anteriormente, para os Estados do Rio de
Janeiro e da Bahia, e que tiveram como substrato a projeção de diferentes
tipos de construções escolares. Assim, além de delinear, em linhas gerais, os
objetivos e as diretrizes básicas da proposta pedagógica, detém-se nas
especificações relativas aos diferentes prédios e ambientes previstos para os
novos complexos escolares. O pressuposto é que, mediante a descrição de-
talhada das características físicas da escola a ser edificada, estariam sendo
traduzidos os meios e os modos pensados para o seu funcionamento, além
de que, com a sua construção, ter-se-ia assegurada a estrutura material
para o desenvolvimento da educação, nos moldes preconizados.5 Nessa
perspectiva, Viñao Frago e Escolano (1998, p. 26) afirmam que:

Arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de


discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os
de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e
motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos,
culturais e também ideológicos.

Em relação ao conteúdo, o plano apresenta as seguintes caracterís-


ticas: a) não se atém ao ensino primário, mas refere-se ao sistema educa-
cional como um todo, abrangendo os diferentes níveis de escolarização,
desde o elementar ao superior, em uma perspectiva de continuidade; b)
concebe a proposta pedagógica a partir da consideração de diferentes
objetivos e funções atribuídas à escola, em face das mudanças sociais
decorrentes do acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, tendo
em vista a formação do novo homem para a vida na sociedade moderna.
É o que diz expressamente a citação abaixo transcrita:

Como as necessidades da civilização moderna cada vez mais impõem obri-


gações à escola, aumentando-lhe as atribuições e funções, o plano consiste
– em cada nível de ensino, desde o primário até o superior ou terciário,
como hoje já se está a chamar – num conjunto de edifícios, com funções
diversas e considerável variedade de forma e de objetivos, a fim de atender
a necessidades específicas de ensino e de educação e, além disso, à neces-
sidade de vida e convívio social. (Teixeira, 1961, p. 195).

5
Desde os anos 30, havia uma preocupação de Anísio com relação à organização do espaço escolar, preocupação que
certamente se aguçou ao visitar as escolas americanas e verificar que a realidade era bem diversa da nossa.

249
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

Fica explícito, assim, o propósito de implantar na capital do País


um sistema de ensino dotado de escolas adequadas à sociedade moderna.
É necessário precisar, porém, a que sociedade se refere e que tipo de escola
seria essa.
Para o exame dessas questões há que se recorrer aos escritos de
Anísio Teixeira no período. Em seu artigo "Estado atual da educação"
(1963), a premissa da qual parte é a de que o estado moderno se define
como o estado dominado pela lei para todos e pelo conseqüente espírito
de respeito ao interesse público e não ao privado. Nesse contexto, o siste-
ma de educação do estado democrático tende a assumir nova feição –
uma vez que se modifica em seus fins e formas de atuação –, distancian-
do-se, desse modo, do sistema anterior, que se estruturava para assegurar
os privilégios dos grupos dominantes da sociedade. Assim,

O sistema de educação do estado democrático moderno não é tal sistema


[...], mas o de escolas públicas destinadas a oferecer oportunidades iguais
aos indivíduos e ministrar-lhes educação para o que se costuma chamar de
eficiência social, ou seja, o preparo para o exercício das suas funções soci-
ais de cidadão, de trabalhador (concebido o termo sem nenhuma conotação
de classe) conforme as suas aptidões e independente de suas origens soci-
ais, e de consumidor inteligente dos bens materiais e espirituais da vida.
Esta educação tem, pois, toda ela, e em todos os seus estádios, os objetivos
que antes se dividiam pelos diferentes sistemas escolares: o de cultura
geral, o de formação prática ou vocacional, o de formação profissional e o
de formação para o lazer. Daí constituir-se um sistema contínuo, integrado
e aberto a todos, em condições de igualdade de oportunidades. (Teixeira,
1963, p.11).

Trata-se, pois, de estruturar um sistema de educação único, demo-


crático, acessível a todos, independentemente da classe social, centrado
no indivíduo e no desenvolvimento de suas potencialidades e sem a velha
dicotomia entre formação geral e formação especial, entre formação para
o trabalho e formação para o lazer, enfim, entre o útil e o ornamental, que
tem caracterizado a educação brasileira ao longo do tempo. Assim, para
transformar um sistema de educação discriminatório, de privilégios, em
um sistema de educação democrático, igualitário, conforme era a preten-
são manifesta de Anísio Teixeira, a instituição escolar teria de ser repensa-
da em seus fundamentos, alterando seus objetivos, sua organização e os
modos de funcionamento. Vejamos, a partir do plano educacional, as pro-
postas formuladas, com essa finalidade, para o sistema de educação da
nova Capital.

250
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

Educação comum e educação especializada

O forte vínculo da escola com o meio social tem sido, ao longo do


tempo, um dos principais fundamentos de Anísio Teixeira, ao postular a
revisão no modelo vigente. A escola, vista como uma “agência social espe-
cífica de preparação das crianças para a sua plena participação na vida
social" (Moreira, 1997, p. 161), deve permanentemente adequar-se à soci-
edade na qual se insere. Educação e sociedade para Anísio não se
desvinculam. Na condição de intelectual liberal, entendia que o papel da
escola era ir ao encontro das “necessidades materiais e espirituais impos-
tas pelo ritmo de desenvolvimento da sociedade" (Barreira, 1989, p. 33).
Anísio defendia a tese de que a educação deveria assumir priorida-
de nas políticas públicas voltadas para o desenvolvimento. Afinal, não era
à escola que cabia a árdua tarefa de preparar a criança para a civilização
técnica e industrial, que se encontrava em permanente mutação?
Essa escola, segundo as suas análises, não seria, obviamente, a que
se instituiu na sociedade agrária, destinada a uma minoria privilegiada –
as elites do lazer –, às quais cabia tão-somente aprender e preservar a
cultura, enquanto a maioria da população aprendia diretamente na vida e
no próprio trabalho. Nem seria, ainda, a que se configurou nos primórdios
da sociedade industrial, que operava na base de alta organização e com o
operário reduzido à “mão-de-obra". A demanda, então, era por uma esco-
la comum para todos – a escola primária –, para ensinar a ler, escrever e
contar, conhecimentos esses que se tornaram imprescindíveis para o pró-
prio trabalho.
Na percepção de Anísio, a escola, nos tempos atuais, tenderia outra
vez a modificar-se, em função das novas necessidades geradas pela socie-
dade, que a cada dia vai se tornando mais complexa, com novas formas de
organização do trabalho produtivo e de relações sociais. O desenvolvi-
mento tecnológico em curso transforma as condições de trabalho, medi-
ante o emprego de maquinaria complexa e a decorrente automação do
processo produtivo, provocando mudanças na natureza do trabalho e no
perfil do trabalhador, que deixa de ser “mão-de-obra" para ser “cabeça",
“mente" de obra (Teixeira, 1976b, p. 365).
Assim, as mudanças da sociedade e do trabalho humano trazem
novas exigências educacionais para a formação do homem comum, já que

251
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

essa não poderia limitar-se à mera aquisição dos conhecimentos rudimen-


tares até então previstos para a escola primária. Para tornar-se capaz de
“compreender e pensar" – e não somente “fazer" –, a educação escolar do
homem comum teria de ser obrigatoriamente mais longa, com objetivos
mais abrangentes, visando proporcionar-lhe sólida formação geral e a aqui-
sição de hábitos e atitudes desejáveis para o trabalho humano e a vida na
sociedade moderna.
O plano educacional de Brasília aponta nessa direção, com referên-
cia à educação comum e obrigatória, destinada a todos, distinguindo-a,
porém, da educação especializada, que se destina a formar os diversos
quadros ocupacionais do País (Teixeira, 1961, p. 197). A formação do
cidadão tende, agora, a adquirir uma nova dimensão e a assumir diferen-
tes finalidades, e, no artigo intitulado “A educação comum do homem de
hoje",6 Anísio Teixeira tece considerações a respeito:

Cada vez mais precisa o homem, para viver na sociedade artificial e com-
plexa, em que se acha inserido, de uma boa educação intelectual, que, à
falta de outro nome, chamaríamos de geral, seguida ou complementada de
aprendizagens de natureza ocupacional, destinadas a lhe dar emprego ou
trabalho. Graças àquela educação geral, a sua posição em relação ao traba-
lho ou emprego se fará muito flexível, habilitando-o a melhorar, aperfeiço-
ar-se e mudar mesmo de setor profissional. Isso quanto à educação co-
mum. Quanto à especial, precisamos, como nunca, a equipe dos que irão
não tanto guardar mas aumentar o conhecimento humano, os pesquisado-
res; depois os organizadores, administradores e diretores – os verdadeiros
maestros, mestres das grandes orquestrações do trabalho moderno; final-
mente, em substituição da antiga classe de lazer, preparar os poetas e os
artistas, isto é, os profissionais destinados a interpretar e dar significação, a
nos dizer do sentido e do valor da vida e do esforço humano... (Teixeira,
1976b, p. 364).

Essa dupla possibilidade de formação não quer significar, no en-


tanto, o retorno às antigas discriminações. A educação, concebida para
se desenvolver ao longo da vida, teria um período de escola mais curto
ou mais longo, dependendo do indivíduo que, por sua vontade ou pela
sua capacidade, se dispusesse a um patamar ou outro. Assim, embora se
distinguindo mutuamente, a educação geral e educação especial de cer-
ta forma se confundem, formando uma unidade na formação, ou seja:

6
Esse artigo foi publicado pela primeira vez no Correio do Senac, em setembro de 1960.

252
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

“a educação geral sendo sempre necessária e a especial correspondendo a


um esgalhar-se dessa educação geral, conforme o nível e o ramo de ocu-
pação a que desejasse o homem se devotar" (Teixeira, 1976b, p. 366).

Centros de Educação e não “apenas" Escolas

O sistema de educação proposto para Brasília seria constituído pe-


los seguintes tipos de instituições escolares: a) Centros de Educação Ele-
mentar, integrado por jardins da infância, escolas-classe e escolas-parque;
b) Centros de Educação Média, destinados à escola secundária compreen-
siva e ao parque de educação média; c) Universidade de Brasília, composta
de institutos, faculdades e demais dependências destinadas à administra-
ção, biblioteca, campos de recreação e desportos (Teixeira, 1961, p. 195-
196).7 Anísio salienta que, do ponto de vista das construções, “tal progra-
ma constitui, assim, menos um desafio aos arquitetos de Brasília do que
um oferecimento de ampla liberdade de concepção de novos e complexos
conjuntos escolares" (p. 195).
O plano educacional foi ajustado às peculiaridades urbanísticas
de Brasília, com a colaboração de Lúcio Costa (Kubitschek, 2000, p.
142). Assim, como a nova Capital é construída em quadras, e cada
quadra abrigaria uma população variável de 2,5 mil a 3 mil habitantes,
a população escolarizável para os níveis elementar e médio foi calcula-
da segundo essa projeção. Assim: l) para cada quadra: a) 1 jardim da
infância, com 4 salas, para, em 2 turnos de funcionamento, atender
160 crianças (8 turmas de 20 crianças); b) 1 escola-classe, com 8 salas,
para, em 2 turnos, atender 480 alunos (16 turmas de 30 alunos); e 2)
para cada grupo de 4 quadras: a) 1 escola-parque, destinada a atender,
em 2 turnos, cerca de 2 mil alunos de 4 escolas-classe, em atividades
de iniciação para o trabalho (para alunos de 7 a 14 anos), nas peque-
nas oficinas de artes industriais (tecelagem, tapeçaria, encadernação,
cerâmica, cartonagem, bordado e trabalhos em couro, lã, madeira, metal,

7
Exceto a Universidade de Brasília, cuja criação foi objeto de plano específico, elaborado por intelectuais ligados ao Inep,
as demais instituições tiveram as suas diretrizes e especificações estabelecidas no plano de construções escolares.

253
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

etc.), além da participação dirigida dos alunos de 7 a 14 anos em ati-


vidades artísticas, sociais e de recreação (música, dança, teatro, pintu-
ra, exposições, grêmios, educação física). Além dos pavilhões e salas-
ambiente para o desenvolvimento dessas atividades, constava ainda a
construção de dependências para refeitório e administração, além de
pequenos conjuntos residenciais, para jovens de 7 a 14 anos, sem fa-
mília, sujeitos às mesmas atividades que os alunos externos.
No que tange ao nível médio, a previsão era de um Centro de
Educação Média para cada grupo populacional de 45 mil habitantes
(Kubitschek, 2000, p. 143). Cada Centro seria constituído de um conjunto
de edifícios, para abrigar cerca de 2.250 alunos de 11 a 18 anos, de forma
a adequar-se ao exercício das atividades programadas. Assim, a arquitetu-
ra escolar previa: centro cultural, teatro e exposições; biblioteca e museus;
centro de serviços gerais; escola média compreensiva, incluindo ginásio,
colégio, escola comercial, técnico-industrial, curso normal ou pedagógico
e escola agrícola; centro de educação física e esportes em geral.
Dada a abrangência do programa, é utilizado o termo “centro" no
lugar de “Escola", pois,

[...] já não se trata de escolas e salas de aula, mas de todo um conjunto de


locais, em que as crianças se distribuem, entregues às atividades de “estu-
do”, de “trabalho”, de “recreação”, de “reunião”, de “administração”, de
“decisão” e de vida e de convívio no mais amplo sentido desse termo. A
arquitetura escolar deve assim combinar aspectos da “escola tradicional”
com os da “oficina”, do “clube” de esportes e de recreio, da “casa”, do
“comércio”, do “restaurante”, do “teatro”, compreendendo, talvez, o pro-
grama mais complexo e mais diversificado de todas as arquiteturas especi-
ais. (Teixeira, 1961, p. 197).

É tal a amplitude e a complexidade do Centro de Educação Ele-


mentar que Anísio o compara a uma universidade infantil (Teixeira, 1961,
p. 195). Essa grandeza também se reproduz no Centro de Educação Mé-
dia, que passa a ter a responsabilidade por um programa consideravel-
mente diversificado. Ao justificar a criação de "centros", Anísio pondera
que nos diferentes níveis de ensino as instituições devem ser

organizadas tendo em vista constituírem-se verdadeiras comunidades, com


as suas diversas funções e considerável variedade de atividades, a serem
distribuídas por um conjunto de edifícios e locais a lembrar, tanto no nível
primário, como no secundário ou no superior, verdadeiros conjuntos uni-
versitários. (Teixeira, 1962, p. 27).

254
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

Educação primária integral

No plano educacional de Brasília é retomada a idéia de escola-


parque e das escolas-classe, que constituíram o cerne da política educaci-
onal proposta e executada por Anísio Teixeira, na Bahia, e que se materi-
alizou como a criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salva-
dor, concebido com o primeiro centro de demonstração do ensino primá-
rio no País. A iniciativa, que, segundo as palavras do grande educador, foi
“uma tentativa de se produzir um modelo para a nossa escola primária"
(Teixeira, 1967, p. 247), agora, seria adotada na nova Capital. Diferente-
mente daquela experiência pioneira de educação primária, que, nos anos
1950, fora implantada numa das chamadas “invasões", onde morava uma
população em situação de extrema pobreza, percorridos dez anos, experi-
ência similar seria instalada no centro administrativo e político do País,
destinada a todas as classes sociais, “de forma a permitir que um filho de
ministro de Estado estudasse ao lado de um filho de operário" (Kubitschek,
2000, p. 141).
A escolarização seria iniciada no jardim de infância, para crianças de
4 a 6 anos de idade e, em seguida, os alunos ingressariam na escola-classe,
concebida para a educação intelectual sistemática de alunos de 7 a 14 anos,
complementando, paralelamente, a sua formação na escola-parque, com
vistas ao desenvolvimento artístico, físico e recreativo e sua iniciação para o
trabalho. A idéia básica nessa concepção, segundo explicita o plano, é

[...] juntar o ensino propriamente intencional, da sala de aula, com a auto-


educação resultante de atividades de que os alunos participem com plena
responsabilidade. Por isto, a escola se estende por oito horas, divididas
entre atividades de estudos e as de trabalho, de arte e de convivência
social. No centro de educação elementar, a criança, além das quatro horas
de educação convencional, no edifício da escola-classe, onde aprende a
estudar, conta com outras quatro horas de atividades de trabalho, de edu-
cação física e de educação social, atividades em que se empenha individu-
almente ou em grupo, aprendendo, portanto, a trabalhar e a conviver
(Teixeira, 1961, p. 197).

Configura-se, assim, a idéia de uma educação integral, que se volta


para o indivíduo em todas as suas dimensões. A escola completa, rica,
variada, formativa por excelência e integrada ao espaço vivificante do
mundo, possibilitaria aos alunos participação em experiências educativas
diversificadas, pelas quais se habilitariam para a ação inteligente em sua

255
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

vida. Para isso a jornada escolar se estenderia, necessariamente, para oito


horas diárias, “tempo para se fazer uma escola de formação de hábitos de
vida, de comportamento, de trabalho e de julgamento moral e intelectual"
(Teixeira, 1957, p. 4).
A sua organização far-se-ia em termos de escola-comunidade, me-
diante um currículo de aprendizagem por participação, o que transforma-
ria a escola em local de vida e de atividades adequadas às idades. Para
Anísio, a filosofia da escola consistia em “oferecer à criança um retrato da
vida em sociedade, com as suas atividades diversificadas e seu ritmo de
‘preparação' e ‘execução', dando-lhe as experiências de estudo e de ação
responsáveis" (Teixeira, 1962, p. 25). Em uma sociedade como a brasileira,
marcada pelo subdesenvolvimento e intensa estratificação social, a escola
não poderia mais ser uma instituição simples, e a escola primária era a
instituição que, no seu ponto de vista, deveria promover a igualdade de
oportunidades, essência do regime democrático.

Ensino médio: preparação para


o trabalho e continuidade dos estudos

A idéia presente na organização do ensino médio é a de reunir, em


um único Centro, todos os cursos de grau médio, permitindo maior socia-
bilidade aos jovens, que, embora freqüentando classes diferentes, tives-
sem, em comum, atividades na biblioteca, na piscina, nos campos de es-
porte, nos grêmios, no refeitório, etc. Nesse sentido, o plano educacional
de Brasília previa a construção de seis blocos construtivos agrupados em
torno de uma praça central (Teixeira, 1961, p. 198).
O Centro de Ensino Médio destinava-se a oferecer a cada adoles-
cente a real oportunidade para cultivar o seu talento, tendo em vista a
dupla finalidade: preparar-se diretamente para o trabalho ou prosseguir a
sua educação no nível superior (Idem, p. 195). Tratava-se, assim, de
reconfigurar o ensino secundário, de caráter enciclopédico e 'supostamen-
te' propedêutico ao ensino superior, que, na opinião de Anísio, falhava
inclusive na finalidade de cultura geral, em face da uniformidade, do
aligeiramento e da fragmentação, afora a prática de métodos obsoletos de
memorização, a imposição de conhecimentos inertes e o formalismo das

256
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

notas e dos exames. Em uma nação moderna, em que o curso secundário


não se destina a poucos, mas a todos os jovens, impunha-se modificar sua
finalidade e objetivos (Teixeira, 1958, p. 1).
No lugar do ensino uniforme, a perspectiva de Anísio era adaptar a
escola aos tipos de inteligência e aptidão dos alunos, tendo em vista aten-
der as diferenças individuais. Basicamente, propunha três modalidades de
estudos: a) curso geral prático, comum, para todos ou para a grande mai-
oria, visava ministrar cultura geral, com ênfase na língua vernácula e lite-
ratura brasileira, nas matemáticas e nas ciências físicas e sociais aplicadas;
b) cursos enriquecidos com línguas estrangeiras e estudos teóricos, como
desdobramento do primeiro, para aqueles que se mostrassem interessados
ou capazes de estudos dessa natureza; e, c) cursos técnicos para os incli-
nados à especialização tecnológica. Os exames vestibulares, aberto a to-
dos os alunos, visariam apurar antes a capacidade intelectual do que a
erudição para o ensino superior (Teixeira, 1958, p. 2).
A nova concepção do ensino médio apontava para uma educação
extensiva, de dedicação exclusiva. Nesses termos,

Todos os estudos, de verdadeira e autêntica formação para o trabalho, seja


o trabalho intelectual, científico, técnico, artístico ou material, dificilmente
podem ser estudados em tempo parcial, dificilmente podem ser feitos em
períodos apenas de aula, exigindo além disso e, sempre, longos períodos
de estudo individual – e para tal grandes bibliotecas, com abundância de
livros e de espaço para o estudante – longos períodos de prática em labo-
ratórios, salas-ambiente, ateliês, etc., e longos períodos de convivência entre
os que estão formando e os professores. Somente com professores de tem-
po integral e alunos de tempo integral poderemos formar esses trabalha-
dores de nível médio [...]. (Teixeira, 1957, p. 17).

O processo de diversificação de funções e ocupações da sociedade


moderna industrial estaria se constituindo em fator determinante para a
proposta de uma educação mais prolongada e mais variada. Daí a neces-
sidade de reorientação da escola no sentido de torná-la uma escola de
trabalho e de preparo real.

Considerações finais

As propostas educacionais formuladas por Anísio Teixeira estão es-


sencialmente voltadas para a educação do homem comum, cujo percurso

257
Por uma política de formação do magistério nacional: o Inep/MEC dos anos 1950/1960

progressivo, a partir do ensino primário integral, se prolongaria no ensino


médio, não mais propedêutico, mas autônomo, com os seus ramos de estu-
dos diversificados, mas equivalentes, com grande variedade de currículos e
programas. O seu propósito era elevar a educação das camadas populares a
um novo patamar, bem como adequá-la às necessidades de uma sociedade
em processo acelerado de desenvolvimento. O ensino superior caracterizar-
se-ia como um corolário para aqueles mais capazes e que manifestassem
vontade de prosseguir seus estudos.
Apesar da ênfase ao ensino primário integral, cujo modelo Anísio já
havia proposto para a escola-parque, em Salvador, a proposta para Brasília
contempla os três níveis de ensino que compõem o sistema educacional.
Não obstante o seu caráter progressista e moderno, o plano educacional
de Brasília sofreu críticas e resistências, inclusive nos círculos da Novacap,
principalmente por aqueles contrários a inovações. Como expõe Silva “[...]os
eternos inimigos do progresso lançariam mão de todos os recursos para
destruírem tais idéias rejuvenescedoras" (Silva, 1999, p. 227).
Destaque-se, porém, que o apoio do presidente da República a esse
plano foi incondicional. Consoante as suas palavras, tratava-se de uma
experiência “ousada, original e ajustada ao mundo em que vivemos"
(Kubitschek, 2000, p. 143). Mediante a sua autorização, o então ministro
da Educação, Clóvis Salgado, incluiu no orçamento do seu Ministério as
verbas necessárias para a execução do plano, permitindo dar-se início, em
1958, à construção das primeiras escolas (Idem).
Dessa forma, ainda em 1959, foi inaugurada a primeira escola-clas-
se, na Superquadra 308 Sul, estando previsto que, por ocasião da inaugura-
ção de Brasília, estariam concluídas as obras de três outras escolas-classes,
localizadas, respectivamente, nas Superquadras 108, 206 e 106 Sul; a da
escola-parque, construída entre as superquadras 307 e 308 Sul; e a do
Centro de Educação Média, situada na chamada “zona das grandes áreas".8
A implantação dessas escolas na capital do País constitui evidência
de que se buscou a concretização do plano educacional. Em que medida
ele foi posto em prática, como se deu a sua implantação, qual o seu
significado, quais as suas prováveis repercussões, são questões a serem,

8
Dados extraídos do Relatório da Comissão Executiva da Caseb, datado de 19 de janeiro de 1960.

258
Anísio Teixeira e o plano de educação de Brasília

ainda, analisadas e que, embora fujam aos objetivos propostos neste estu-
do, constituem indagações instigantes para futuras pesquisas.

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260
Esta obra foi impressa em Brasília,
em abril de 2008.
Capa impressa em papel Reciclato 230g
e miolo em papel Reciclato 90g.
Texto composto em Rotis Semi Serif corpo 10.

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