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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação em História Comparada


Instituto de História

CÍNTIA JALLES DE CARVALHO DE ARAUJO COSTA

ARQUEOASTRONOMIA COMPARADA:
O céu pintado, gravado, escrito e digitalizado

Rio de Janeiro

2017
2

CÍNTIA JALLES DE CARVALHO DE ARAUJO COSTA

ARQUEOASTRONOMIA COMPARADA:
O céu pintado, gravado, escrito e digitalizado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em História Comparada da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como Requisito parcial para a
obtenção de grau de doutorado.
Linha de pesquisa: Poder e Instituições.

Rio de Janeiro 18 de dezembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________

Professora Doutora Leila Rodrigues da Silva - Orientadora PPGHC/UFRJ

______________________________________________________________________

Professora Doutora Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva - PPGHC/UFRJ

______________________________________________________________________

Professor Doutor André Leonardo Chevitarese - PPGHC/UFR J

______________________________________________________________________

Professora Doutora Maura Imazio da Silveira- MPEG/MCTIC

______________________________________________________________________

Professor Doutor Rundsthen Vasques de Nader – OV/UFRJ

______________________________________________________________________
Professor Doutor Paulo Duarte Silva – suplente PPGHC/UFRJ

______________________________________________________________________
Professor Doutor Rodrigo dos Santos Rainha – suplente - UERJ

Rio de Janeiro
2017
3

JALLES, Cíntia.
Arqueoastromia comparada: o céu pintado, gravado, escrito
e digitalizado/Autor: Cíntia Jalles de Carvalho de Araujo
Costa, 2017. 131f.: il.
Orientação: Leila Rodrigues da Silva.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em História
Comparada - Instituto de História - Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.

1. Arqueoastronomia 2. Isidoro de Sevilha


3. Populações ágrafas 4. Arte Rupestre
4

À dinâmica celeste do meu micro cosmo:


- a Theóphilo e Dilnah, estrelas mais antigas, que continuam a
emitir luz apesar de não mais estarem presentes;
- a Lucas e Théo, estrelas em formação, cujas luzes iluminam o
meu caminho; e
-a Célio, estrela gêmea e parceira no cuidado das
estrelas mais novas.
5

AGRADECIMENTOS

Ao Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTIC), instituição da qual


orgulhosamente faço parte, que propiciou as condições para a realização desta tese.

Aos Institutos de pesquisa arqueológica que sempre contribuíram para a minha formação e em
especial ao Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), ao setor de Arqueologia do Museu
Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e ao Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas (IBPA).

À minha amiga-irmã e orientadora, Leila, que sempre foi o meu elo com a vida acadêmica.

À minha irmã-amiga e, por que não dizer, também "orientadora", Fernanda, que além de todo
apoio e incentivo dado, foi a responsável pela redução dos erros gramaticais e ortográficos,
que por aqui possam ocorrer.

Aos demais familiares que, além do apoio constante, foram fundamentais para o meu bem
estar físico e emocional. Em especial a Grace, por me manter "lúcida" e a Nathália, pela
paciência e cuidado com meus filhos, em momentos cruciais.

À Maria da Conceição de Moraes Coutinho Beltrão, do Museu Nacional (MN/UFRJ), pela


sempre gentil disponibilização do material arqueoastronômico, majoritariamente utilizado em
minhas pesquisas e aqui exposto mais especialmente.

Aos colegas do Programa de Estudos Medievais (PEM/UFRJ), meu último reduto acadêmico,
responsáveis pela minha melhor apreensão do mundo medieval.

Aos professores e amigos do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC),


em particular aos que se dispuseram a contribuir mais uma vez, participando da banca do
doutorado.
6

Aos meus amigos e parceiros de longa data, cujas contribuições vão muito além do que posso
relatar academicamente. Em especial à Maura que, além da amizade e parceria nas pesquisas
arqueoastronômicas, disponibilizou parte do seu valioso tempo para ler alguns capítulos e dar
sugestões.

Ao meu amigo Rundsthen, astrônomo do Observatório do Valongo (OV/UFRJ) e também


parceiro na Arqueoastronomia, pelo auxílio constante no entendimento de questões mais
relativas às Ciências Exatas.

Aos colegas do MAST - que esperam ansiosamente a conclusão da tese - pelo apoio e
consideração em minhas "ausências". Em especial aos analistas de sistema, Sérgio e Francisco
- pelo suporte na preparação do banco de dados; aos sempre parceiros, Cíntia e Janderson - no
suporte diário, e a Luci Meri pela digitalização de imagens para o Banco de dados e para a
tese.

Aos meus pais, que mesmo não mais estando presentes, transparecem nos diversos aspectos
da minha vida, principais referências em tudo que consigo realizar.
Aos meus filhos, sempre muito presentes, estimulando-me a seguir sempre em frente, em
busca de novos desafios.
Ao meu companheiro, que no meio de tudo isso, constrói a ponte de ligação entre os meus
ascendentes e descendentes, passado e futuro, enriquecendo o meu presente.

A todos os demais, que mesmo não estando descritos nesta página, moram em meu coração e
sabem que fizeram parte, positivamente, da minha trajetória.

MUITO OBRIGADA!
7

Resumo

A observação da dinâmica celeste, seja por razões religiosas ou mesmo para a


administração das atividades rotineiras, tem ensejado, desde os períodos
mais remotos, a sua utilização como mapa, calendário e até como “relógio”. A
posse deste conhecimento tem se mostrado essencial aos detentores do poder,
no uso e controle das mais diversas sociedades.
Através do exame minucioso dos registros deixados pelas diferentes sociedades que nos
antecederam no passado – particularmente as populações ágrafas -, conseguimos, com relativa
facilidade, perceber a importância dos referenciais astronômicos na sua organização,
sobrevivência e desenvolvimento. As relações de poder, no entanto - apesar de se
constituírem fortemente como hipóteses plausíveis e relevantes – são extremamente difíceis
de extrair unicamente a partir dos vestígios arqueológicos, que representam, na realidade, uma
parcela mínima sobre uma sociedade não mais existente.
Tendo em vista o restrito material documental oferecido pelas populações ágrafas, faremos
uso de diversos registros disponíveis sobre o conhecimento astronômico em distintas
sociedades separadas no espaço-tempo, mas que partilham uma subsistência diretamente
dependente das alterações ambientais.
Ilustraremos algumas possibilidades com o material oferecido pelos registros elaborados por
Isidoro de Sevilha, nos momentos iniciais da sociedade medieval, demonstrando como o
conhecimento astronômico - verificável em diferentes períodos históricos - acaba se
evidenciando como mais uma ferramenta de controle e poder nas relações sociais.
E, tendo em vista as diferentes possibilidades de uso do saber astronômico, presente no
cotidiano e organização de qualquer sociedade humana, traduzido e representado em
diferentes suportes – pintados, gravados e escritos - propomos aqui uma nova metodologia de
atuação, inserindo a utilização de uma base digital, para agilizar a comparação entre os
documentos arqueológicos recuperados por numerosas instituições de pesquisa.
8

Abstract

The observation of celestial dynamics, whether for religious reasons or even for the
administration of routine activities, has provided, since the periods more remote, its use as a
map, calendar and even as "clock". The possession of this knowledge has proved essential to
the holders of power, in the use and control of the most diverse societies. Through close
scrutiny of the registers left by the different societies that preceded us in the past - particularly
the staple populations - we have, with relative ease, been able to perceive the importance of
astronomical references in their organization, survival and development. Power relations,
however - though strongly constituting plausible and relevant hypotheses - are extremely
difficult to extract solely through archaeological remains, which represent, in reality, a
minimal share of a no longer existing society. Given the limited documentary material offered
by the staple populations, we will make use of various records available on astronomical
knowledge in separate societies in space-time, but sharing a subsistence directly dependent on
environmental changes. We will illustrate some possibilities with the material offered by the
records elaborated by Isidore of Seville, in the early moments of the medieval society,
demonstrating how the astronomical knowledge - verifiable in different historical periods -
ends up being evidenced like another tool of control and power in the social relations. And,
given the different possibilities of using astronomical knowledge, present in the daily life and
organization of any human society, translated and represented in different supports - painted,
engraved and written - we propose here a new methodology of action, inserting the use of a
digital base to expedite the comparison of archaeological documents recovered by numerous
research institutions.
9

SUMÁRIO:

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................11

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14

CAPÍTULO I - CAMINHOS DA ASTRONOMIA ............................................................25

1.1 - Considerações introdutórias.............................................................................................26

1.2 - A Astronomia isidoriana...................................................................................................27

1.2.1 - Isidoro de Sevilha..........................................................................................................28

1.2.2 - Astronomia no início da Idade Média...........................................................................29

1.2.3 - Astronomia e Astrologia................................................................................................33

1.2.4 - Documentação de referência..........................................................................................35

- A obra Etimologyae......................................................................................................36

- A obra De natura rerum...............................................................................................38

1.3 - Considerações parciais......................................................................................................41

CAPÍTULO II - ARQUEOASTRONOMIA........................................................................43

2.1 - Considerações introdutórias.............................................................................................43

2.2 - Histórico...........................................................................................................................45

2.3 - Arqueoastronomia brasileira.............................................................................................51

2.3.1 - Arte rupestre..................................................................................................................54

2.3.2 - Outros suportes..............................................................................................................57

2.3.3 - Etnoastronomia .............................................................................................................61


10

2.4 - O Projeto Central..............................................................................................................63

2.5 - Considerações parciais......................................................................................................67

CAPÍTULO III - REPRESENTAÇÕES ASTRONÔMICAS............................................69

3.1 - Considerações introdutórias..............................................................................................69

3.2 – Registro arqueológico .....................................................................................................70

3.3 – Registro histórico.............................................................................................................77

3.3 - Considerações parciais......................................................................................................86

CAPÍTULO IV - CAMINHOS DA ARQUEOLOGIA........................................................88

4.1 - Considerações introdutórias..............................................................................................88

4.2 - Sistema de informações arqueoastronômicas ..................................................................90

4.3 - Banco de dados em construção.........................................................................................95

4.4- Considerações parciais.....................................................................................................106

CONCLUSÃO.......................................................................................................................107

TERMOS, SIGLAS E OUTRAS DENOMINAÇÕES.......................................................111

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................117
11

APRESENTAÇÃO

Após muitos anos dedicados à Arqueologia brasileira, redirecionamos - ao ingressar


no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) no início dos anos de 1990 - nossas
pesquisas para uma nova especialidade: a Arqueoastronomia. Desde então, vimos trabalhando
com vestígios deixados por populações ágrafas que, de alguma forma nos remetam ao modo
de vida que aquelas sociedades teriam, a partir do conhecimento que hoje caracterizamos
como astronômico.

Devido às limitações impostas normalmente ao material arqueológico de forma geral -


seja pela dificuldade de obtermos informações sobre seus autores, seja pelas perdas
significativas que o material sofre com o passar dos anos em seus aspectos físicos - e,
especificamente, àqueles que possuam alguma relação com a Astronomia, a trajetória das
pesquisas arqueoastronômicas tem seguido o seu curso com a superação de numerosos
percalços, cotidianamente encontrados em seu caminho.

Foi preciso percorrer um longo trajeto, organizando reuniões sistemáticas, seja em


pequenos ou grandes grupos de discussão, com outros profissionais interessados no tema para
encontrarmos formas de entender melhor o significado dos registros arqueológicos que
fizessem referência à compreensão do universo que nos rodeia. Seja por marcações para a
utilização prática dos referenciais astronômicos, seja pela implicação, mesmo simbólica,
desses registros no cotidiano dessas populações.

Atualmente, já é possível ter uma pequena ideia do quanto a relação com o céu e com
toda a dinâmica celeste vai muito além daquilo que hoje restringimos em áreas de
conhecimento estanques que, em muitos casos, não dialogam entre si, impedindo-nos, dessa
forma, de alcançar a esfera do saber global de nossos ancestrais mais remotos que aqui
generalizamos por povos ágrafos. E esse avanço se deve, principalmente, à qualidade
científica dos estudos etnográficos, realizados com maestria em nosso país.
12

Não pretendemos discutir a gama de informações que um único vestígio pode trazer,
até porque, não existem os relatos de seus autores e estes materiais representam apenas um
pequeno fragmento das culturas que os produziram. A intenção é resgatar possibilidades de
entendimento, a partir da comparação com outras sociedades que, por analogia, têm muito a
oferecer, iluminando, por assim dizer, os caminhos da Arqueologia.

A comparação com outras culturas, ainda que não possa responder às nossas
indagações, contribui, indubitavelmente, para ampliar nosso "leque de opções", o que, por si
só, impulsiona o desenvolvimento da pesquisa, com o aumento e aprimoramento das questões
formuladas.

Como exemplo de uma comparação desafiadora, fazemos uma especial referência ao


período medieval inicial, mais especificamente ao que denominamos de período isidoriano,
diretamente relacionado à produção intelectual atribuída a Isidoro de Sevilha, no início da
Idade Média, que tem servido como referência para o levantamento de questões que
extrapolam o normalmente obtido pela pesquisa arqueológica. A erudição e sistematização do
conhecimento apreendido desde a Antiguidade concedeu ao bispo sevilhano um lugar de
destaque na organização de material relacionado ao que identificaremos como saber
astronômico.

E, no que diz respeito aos elementos arqueoastronômicos, ou seja, àqueles encontrados


no registro arqueológico, apresentaremos, mais destacadamente, o material procedente de
pesquisas arqueológicas realizadas no sertão baiano, que fazem parte dos resultados obtidos
pelo Projeto Central, coordenado pela Profa. Dra. Maria da Conceição de Moraes Coutinho
Beltrão. Mais especificamente, sobre o material proveniente de um sítio arqueológico,
denominado e conhecido internacionalmente por Toca do Cosmos, registrado no Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, como CNSA BA00253, de acordo com o
Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), sistema de gerenciamento do patrimônio
Arqueológico. A escolha por este sítio ocorreu em razão da quantidade/qualidade dos
registros arqueoastronômicos que contém.
13

Os dados disponíveis até o momento, na Arqueologia brasileira, são insuficientes para


permitir identificar as diversas relações que permeiam o saber astronômico aqui destacado.
Como contribuição, propomos aqui a utilização de uma nova ferramenta metodológica, que
permitirá sistematizar informações arqueoastronômicas, ainda dispersas em relatórios e
arquivos institucionais da pesquisa arqueológica.

Os elementos relacionados ao saber astronômico existentes no registro arqueológico,


encontram-se, na maioria das vezes, restritos aos relatórios técnicos institucionais. A
sistematização desses dados em um suporte digital específico – que estamos propondo com
esta tese - permitirá a troca e complementação de informações entre os pesquisadores e
dinamizará a investigação em Arqueoastronomia. Pois nem todas as informações resgatadas e
publicadas estão diretamente relacionadas a este saber, ainda em estado latente na
Arqueologia brasileira.

Pensando em proporcionar o melhor acompanhamento da tese desenvolvida,


ofereceremos pequenos esclarecimentos introdutórios, no intuito de facilitar sua leitura.
14

INTRODUÇÃO

O Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST/MCTIC – e sua equipe de


pesquisadores, ao longo dos 32 anos de sua existência, têm buscado reconstruir a trajetória da
nossa Ciência, a partir de aspectos destacados como relevantes, em distintos espaços e
períodos da nossa História.

No esforço de recuperarmos a história do conhecimento astronômico a partir de


diferentes períodos da História, quase sempre nos deparamos com textos elaborados a partir
de descobertas astronômicas. Ao buscarmos a origem para a formação de todo esse
conhecimento anterior que propiciou tais descobertas, chegamos, sem muito esforço, aos
primórdios da humanidade.

Objeto e problemática

A Arqueologia, que nasceu como ciência no século XVIII, com as escavações de


Pompéia, na Itália,1 vem tentando identificar e conhecer aspectos do desenvolvimento de
sociedades humanas - incluindo comportamento, adaptações e mesmo simbolismos - a partir
dos vestígios remanescentes. Ela é imprescindível para o conhecimento de sociedades ágrafas
e bastante útil no estudo de sociedades contemporâneas – tendo em vista a sua capacidade de
estudar o comportamento humano em seus aspectos não registrados pela escrita. Pois, “(...)
um dos principais objetivos da Arqueologia deve ser correlacionar a estrutura dos restos
materiais com os elementos de conduta de um sistema cultural.” 2

1
PROUS, André. Arqueologia Brasileira. 1ª. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992. p. 5.
2
WATSON, P.; LeBLANC, S.: e REDMAN, C. El método científico en Arqueología. Madrid: Alianza, 1987. p.
36.
15

Ao tentar compreender o passado humano a partir de restos fragmentados da cultura


material de sociedades não mais existentes, a Arqueologia busca constantemente investigar
novos aspectos que permitam alcançar melhor o seu objetivo. Para tanto, conta com o apoio
de diversas áreas do saber que, em cooperação mútua, têm alcançado resultados antes
inesperados.

A Arqueoastronomia, que envolve uma parceria mais direta da Arqueologia com a


Astronomia, “tem por objetivo compreender o papel que a Astronomia tinha na vida cotidiana
dos povos antigos, como ela influenciava a sociedade, como as culturas observavam o céu e
de que forma materializavam estas observações”.3

Com o avanço das pesquisas arqueológicas, temos a noção – e aqui cabe ressaltar o
papel fundamental da pesquisa etnográfica – da enorme diversidade de grupos que habitaram
o nosso território e que geraram, por assim dizer, uma infindável quantidade de
conhecimentos que começamos a descobrir e que ainda representam uma parcela mínima de
sua ciência.

O conhecimento astronômico, traduzido e representado em diversas formas está


presente no cotidiano e organização de qualquer sociedade humana. Pode ser verificável em
diferentes períodos históricos e acaba se evidenciando como mais uma ferramenta de controle
e de poder nas relações sociais.

O registro do tempo e seu controle foi um dos aspectos que motivou a realização deste
trabalho. O exercício do poder4 e suas manifestações têm sido objeto de pesquisa desde que se
passou a identificá-lo em diferentes tipos de registros, geralmente escritos, oriundos de
diferentes períodos e sociedades conhecidas historicamente.

3
JALLES, C.; SILVEIRA, M. I.; NADER, R. V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia.
Arqueoastronomia: o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013. p. 36.
4
Conceito amplamente discutido, principalmente pelas Ciências Sociais e que aqui nos interessa, principalmente
por estar manifestado - mesmo que implicitamente - nas representações astronômicas utilizadas para o controle
de distintas sociedades. Para maiores referências de aplicação na Arqueologia, ver RENFREW, COLLIN &
BAHNN, Paul. Archaeology Theories, Methods and Practice. London: Thames and Hudson Ltd, 1993.
16

Assim, através de referências históricas – particularmente relacionadas a Isidoro de


Sevilha - buscamos problematizar relações como as de poder,5 aqui estabelecidas em torno do
conhecimento e controle do tempo. Uma vez que o período isidoriano - anterior ao advento da
nova tecnologia - não contava com aparatos capazes de ampliar consideravelmente a
capacidade de observação dos fenômenos astronômicos, podemos pressupor que a relação
com céu era muito mais contemplativa e ao mesmo tempo imprescindível do que a
estabelecida em tempos atuais, o que nos remete a necessidades mais
aproximadas/semelhantes às das populações ágrafas, em períodos ainda mais remotos.

Apesar de identificarmos com clareza a necessidade do ser humano de se orientar a


partir dos referenciais astronômicos, tal tarefa apresenta-se extremamente árdua quando
olhamos para os registros elaborados pelas populações ágrafas – majoritariamente
representados em painéis rupestres – sem o subsídio de outro documento que nos auxilie a
encontrar respostas para uma enorme gama de indagações. O “que registrar” e “de que forma”
são questões iniciais deste processo que se manifesta, na realidade, como de
autoconhecimento.

As relações de poder, como constituídas no contexto de Isidoro, provavelmente


também o foram para as sociedades ágrafas que elaboraram os diversos registros
astronômicos identificados nos painéis rupestres espalhados pelo mundo e que se constituem
como objeto básico, fundamental para a construção da nossa História da Astronomia.

Deste modo, entender um pouco mais sobre as diferentes manifestações do saber


astronômico, acaba por permitir a elaboração de novas estratégicas, fundamentais para o
avanço da pesquisa arqueológica.

5
E para isso nos valemos do trabalho do sociólogo Pierre Bourdieu, que tem se destacado pela
inovação dos objetos de análise e a investigação sobre a produção simbólica e relações informais de
poder. Cf.: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: DIFEL/Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989:
_____.A Economia das Trocas Linguísticas. o que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 1996; e _____. A
Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.
17

Referencial historiográfico

Ao examinarmos a produção historiográfica dedicada ao estudo da obra monumental


de Isidoro, bispo de Sevilha no período de 600 a 6366, deparamo-nos com uma grande
quantidade de textos.7 A cada dia, autores dedicados ao estudo da vida e obra do bispo
hispalense se reproduzem, na proporção do alcance de seus escritos de referência. Autores
como Jacques Fontaine, cuja tese de doutorado foi pioneira para o conhecimento do bispo, A.
Muñoz Torrado8, J. Pérez de Urbel9, I. Quiles10, J. Madoz11, e tantos outros, contribuem com
análises minuciosas do universo de Isidoro de Sevilha.12

Diversos são os aspectos relacionados à obra de Isidoro de Sevilha na consolidação de


uma Igreja em construção. Sua atuação como bispo foi "marcada pela ascendência política
que exerceu sobre alguns dos monarcas visigodos,13 assim como pelo esforço de organização
da instituição eclesiástica na Península Hispânica."14 Aqui, interessam-nos especificamente
aqueles relacionados às formas de manifestação do conhecimento adquirido e aplicado,
relacionado à Astronomia.

6
Cf.FERRÁNDIZ ARAUJO, Carlos. Isidoro de Sevilla. In: GONZALEZ FERNÁNDEZ, Julián. (Coord.). San
Isidoro: doctor de las Españas. Sevilla, León, Cartagena: Caja Duero. Fundación Cajamurcia. Fundacion El
Monte, 2003.p.27-28.
7
Boa parte deste material encontra-se disponibilizado na coleânea San Isidoro Doctor Hispaniae. Cf.: San
Isidoro. Doctor Hispaniae. Sevilla: Cabildo Colegial de San Isidoro, Caja Duero, Fundación Caja Murcia Y
Fundación El Monte, 2002.
8
MUÑOZ TORRADO, A. San Isidoro de Sevilla: Imprenta Alvarez y Zambrano, 1936.
9
PÉREZ DE URBEL, J. San Isidoro de Sevilla. Barcelona: Labor, 1940.
10
QUILES I. San Isidoro de Sevilla. Buenos Aires: Espasa-Calpe Argentina, 1945.
11
MADOZ, J. San Isidoro de Sevilla. Semblanza de su personalidad literaria. León: Consejo Superior de
Investigaciones Científicas y Centro de Estudios e Investigaciones San Isidoro, 1960.
12
HERRERA CARRANZA, Joaquín. El pensamiento de San isidoro de Sevilla y su influencia histórica a través
de autores del siglo XX. Grupo de Trabajo Scripturium Isidori Hispalensis del Aula de la Experiencia.
Universidad de Sevilla. Disponible en http://institucional.us.es/aulaexp/PanelP/ISIDORO%20JOR%20INV.pdf.
Acesso em março de 2016. p.1.
13
Recaredo, Sisebuto, Suintila e Sisenando.
14
SILVA, Leila R. O bispo na obra de Ecclesiasticis Officiis de Isidoro De Sevilha. In SANTOS, B. S. &
COSTA, R. (Orgs.). Anais do VIII Encontro Internacional da Idade Média: Filosofia, Artes, Letras, História e
Direito. Cuiabá: EDUFMS, 2011. p.19.
18

O conhecimento da dinâmica celeste e de suas consequentes alterações é essencial


para garantir o uso adequado do tempo e o bom desempenho dos empreendimentos e tarefas a
ele relacionados. O controle do tempo além de empregado para administrar as alterações
ambientais é também, e principalmente, utilizado como instrumento de poder, exclusivo de
alguns, para exercer o controle sobre os demais.

Tomando por base a ciência astronômica do período, destacaremos o papel de Isidoro


de Sevilha ao difundir os saberes recuperados da Antiguidade - cuja sistematização
demonstrou a sua especial habilidade para organizar o conhecimento adquirido das culturas
clássicas e pagãs -, adequando-o de acordo com a sua função de bispo e porta-voz
autorizado15 de uma Igreja em expansão.16

O reconhecimento de sua autoridade, apoiado em sua erudição - sobre os diferentes


saberes acumulados até o seu período17 - atribuiu-lhe um poder simbólico18 estratégico no
trato, não só das questões religiosas, como também das questões sociais e políticas.

O saber astronômico, traduzido e representado em diversas formas, evidencia-se como


mais uma ferramenta de controle e poder nas relações sociais. Nesse sentido, observamos que
a autoridade eclesiástica de Isidoro - cuja atuação, como mencionado anteriormente, estava
longe de se restringir ao campo religioso - ultrapassava o estabelecido pela sua função
episcopal.

O controle sobre a dinâmica celeste expressa o quanto o tempo cósmico pode ser
transformado pelas sociedades humanas que o cristalizam, conforme seus interesses sociais,
econômicos, culturais, políticos e religiosos.

15
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas. o que falar quer dizer. Op Cit., p. 89-91.
16
SILVA, Leila Rodrigues da. A normatização da sociedade peninsular ibérica nas atas conciliares e regras
monásticas: as concepções relacionadas ao corpo (561-636) – um projeto em desenvolvimento. Jornada de
Pesquisadores do CFCH, 6, 2004, Rio de Janeiro. In: Atas ... Rio de Janeiro: CFCH, 2004. (meio digital).
17
Tornou-se importante, não só por todo o conhecimento que sistematizou, como também pela citação de textos
de outros autores, dos quais não temos mais vestígios além dos fragmentos presentes em sua obra.
18
Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre. O
Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 7-8.
19

Como detentor carismático dessa ferramenta de controle e poder, Isidoro utilizou o


saber astronômico não só para definir o mundo, delimitando o cosmos para relacioná-lo com o
microcosmo - o homem -, como também fez uso do pensamento simbólico para associações
de cunho religioso: Sol com Cristo e Céu com Igreja, p. ex.

A ciência dos astros e a dinâmica celeste ofereciam, desta forma, além dos referenciais
de ordem prática na organização de tarefas cotidianas, a possibilidade de sua utilização
simbólica - fundamental na adaptação do conhecimento (pagão) produzido anteriormente -
para fins exegéticos.

Ao longo da História, Isidoro de Sevilha tem sido abundantemente estudado, citado, e


também criticado. A despeito de todas as suas referências, apologéticas ou não, a sua
marcante presença é fruto de um trabalho laborioso e de sua considerável posição na história
de sua época. Em função dos diversos textos a ele atribuídos, é reconhecido na historiografia
pela extensão de sua obra no tempo e no espaço.

Isidoro continuou sendo, de fato, um dos autores mais lidos e reverenciados


por seus escritos e por sua personalidade. A Espanha medieval o venerou
como um doutor e, a partir do século XI, como um campeão da cristandade
hispânica “reconquistadora".19

Com relação às populações ágrafas, muitos são os autores que dedicaram suas
pesquisas ao estudo e discussão dos conteúdos apresentados nos diversos registros elaborados
por nossos ancestrais. Configurados por pinturas e gravuras - encontrados em suportes
variados como paredes de grutas, cavernas, abrigos, blocos, etc. – esses registros são
englobados pelo termo “arte rupestre”.

19
“Isidoro ha seguido siendo, en efecto, uno de los autores más leídos y referenciados en sus escritos y en su
persona, y la España medieval lo veneró como un doctor, y, a partir del siglo XI, como un campeón de la
cristiandad hispánica ‘reconquistadora”. Cf.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de
la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid:. Encuentro, 2002. p. 287.
20

Só no nosso território, citando as palavras de Joaquim Perfeito da Silva20 com base no


levantamento bibliográfico realizado por André Prous21 para a Arqueologia Brasileira, “[...]
verificaram-se 275 títulos, cujas referências se faziam diretas às pinturas e gravuras rupestres
do Brasil.” Sem contar a grande quantidade de trabalhos com títulos mais gerais, que apesar
de não fazerem nenhuma referência direta, contêm informações sobre este tipo de vestígio
também.22 Ressaltamos que as informações arqueoastronômicas são ainda mais restritas do
que o registro rupestre em sua totalidade, já que se trata de uma temática ainda pouco
explorada.

Pesquisadores como: Carlos Echevarne,23 Andrei Isnardis,24 Edithe Pereira,25 Anne-


Marie Pessis,26 Loredana Ribeiro,27 Paulo Seda,28 entre tantos outros, têm contribuído
diretamente para o estudo desse tipo de remanescente cultural através, não só de publicações
atualizadas sobre as descobertas ocorridas em suas áreas de pesquisas, como também por
meio de participações em encontros internacionais periódicos para avaliação e debate sobre
esse material arqueológico especificamente.

Porém, apesar de ser um tema de grande interesse para os arqueólogos, assim como
muito atrativo para os leigos em geral, a arte rupestre ainda é um objeto de estudo que
necessita – mais do que a maioria dos vestígios – de uma enorme gama de informações
externas ao objeto em si. Como salientava Annette Laming-Emperaire, são os únicos vestígios

20
Do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
21
Em 1980 e 1985 o arqueólogo André Prous publicou importantes levantamentos sobre a história da pesquisa e
da bibliografia arqueológica no Brasil, que até hoje servem de referência para diversos outros trabalhos.
22
PERFEITO DA SILVA, Joaquim. “ARTE RUPESTRE”: conceito e marco teórico. Em Rupestreweb,
PERFEITO DA SILVA, Joaquim. “ARTE RUPESTRE”: conceito e marco teórico. Em Rupestreweb, Disponível
em: < http://www.rupestreweb.info/conceito.html> 2004. p.1. Data de acesso: out/2014..
23
Do departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
24
Do departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
25
Da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCTIC).
26
Do departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
27
Do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
28
Do Núcleo de Estudos das Américas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do
Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas (IBPA).
21

deixados consciente e voluntariamente pelos homens pré-históricos.29 E, provavelmente por


esta mesma razão, são os mais complexos e difíceis de estudar.

Assim como diversos outros estudiosos, os autores Jean Clottes e David Lewis-
Wiliams atribuem aos xamãs a tarefa de elaboração dos registros rupestres. No livro “Los
chamanes de la prehistoria” os autores dedicam uma parte da obra à arte dos San, tribo sul-
africana cujas manifestações artísticas realizadas pelos xamãs, têm sido comparadas à arte
paleolítica.30

Abordagem teórico-metodológica

A comparação em História sempre se fez necessária desde que, a partir dos nossos
referenciais, tentamos entender o outro, ainda desconhecido e com o qual possuímos pouca
familiaridade. Em Arqueologia, esta necessidade torna-se mais evidente pela total ausência de
documentos escritos elaborados pelas sociedades que pretendemos estudar.

Com o intuito de conhecer uma sociedade em seus diferentes aspectos, os arqueólogos


sempre se associaram a outros pesquisadores - de outras áreas inclusive - e compararam
períodos, no intuito de compreender o funcionamento dos diversos aspectos envolvidos na
composição da sociedade estudada.

Assim, seguindo os referenciais propostos pela História Comparada e fundamentados


no pensamento de Jürgen Kocka, acreditamos que a abordagem comparativa nos permite
identificar questões e problemas que de outra forma seriam negligenciados.31 E, pressupondo
que esta abordagem nos permita separar unidades distintas, antes de reuni-las em confronto,

29
PROUS, André. Op Cit. p. 509.
30
Para eles, estas manifestações artísticas possuem um significado religioso e estão diretamente relacionadas ao
xamanismo e seus rituais. CLOTTES, J.; LEWIS-WILLIAMS, D. Los Chamanes de la Prehistoria. Madrid:
Ariel, 2010. p. 110-112.
31
KOCKA, Jürgen. Comparison and beyond. History and Theory, Middletown, 2003. p.40.
22

trabalharemos com sociedades distanciadas espaço temporalmente, na expectativa de que,


após a análise em separado, possamos melhor compreender, com as similaridades e
diferenças, os pontos em comum.32

Acreditamos que a partir de um constante exercício de diálogo entre documentos com


suportes distintos, é possível estabelecermos uma troca de informações sobre períodos e
realidades sociais que não poderiam ser de outra forma confrontados. Resolvemos direcionar
o nosso olhar, também para o período medieval, rico no que diz respeito à documentação
escrita, porque acreditamos que essa contraposição possibilita um debate legítimo entre aquilo
que é documentado intencionalmente e comportamentos que vão além do que é explicitado
pela escrita, tais como as relações hierárquicas de poder estabelecidas a partir da utilização do
conhecimento, que subsistem na base da organização social dos grupos onde foram geradas.

E como ainda não possuímos elementos suficientes, que nos permitam identificar no
registro arqueológico, as relações como as de poder, por exemplo, propomos o
emprego/aplicação de uma nova metodologia que destacaremos no capítulo 4,
evidenciando/apontando um novo caminho para a pesquisa arqueológica.

Documentos

Os registros astronômicos históricos - aqui destacados para também iluminarem os


caminhos da Arqueologia - são aqueles atribuídos a Isidoro de Sevilha, no período medieval
inicial, onde podemos verificar formas de controle social pela utilização de calendários na
organização de práticas diversas.33

32
Conforme também sistematizado por BARROS, José D´Assunção. História Comparada: um novo modo de ver
e fazer a História. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 01, n. 01, 2007. p. 5.
33
Os calendários litúrgicos, estabelecidos por atas conciliares, regras monásticas, epistolários e mesmo sermões
são, reconhecidamente, importantes expressões do poder eclesiástico, Cf.: SILVA, Paulo Duarte. Calendário
Litúrgico e Poder Episcopal nos reinos romano-germânicos: considerações historiográficas. Brathair, 12, 1, p.
137-151, 2012.
23

Para esse período, serão utilizados como referência dois documentos elaborados por
Isidoro de Sevilha. O primeiro, Etymologiae (Etimologias), é uma obra de natureza
enciclopédica – composta por vinte livros - que reúne e apresenta, de forma sistemática,
conhecimentos acumulados até o período da sua produção, por volta de 634, dos vários
campos do saber. Bastante significativa, entre outras razões por registrar a transformação do
conhecimento desde a Antiguidade até o século VII. Outra obra, De natura rerum (Sobre a
natureza das coisas), dedicada ao rei Sisebuto, embora seja um escrito considerado menos
importante de Isidoro de Sevilha,34 é um manual de tratamento sistemático das ciências
físicas, que responde perguntas sobre pontos obscuros, sobre os elementos e sobre fenômenos
naturais. Como é comum na abordagem de Isidoro, essa obra faz referência tanto aos
conhecimentos clássicos pagãos quanto aos ensinamentos cristãos, ambos tratados como
autoridades.

O conhecimento astronômico identificado nessas obras de Isidoro – que até hoje


desperta interesse entre os estudiosos da área - apresenta a visão de mundo do seu tempo. A
partir da compreensão dessa visão de mundo, pretendemos iniciar nossa investigação e
destacar o papel da ciência astronômica no início da Idade Média. E os calendários – uma
materialização do modelo astronômico vigente, aceito pelas autoridades eclesiásticas - são,
sobretudo, instrumentos de poder institucional e religioso.

Para as populações ágrafas – nosso principal objeto de estudo - os documentos básicos


de pesquisa serão os registros rupestres com referências astronômicas, bem como os relatórios
das pesquisas a eles relacionados,35 principalmente nos casos em que a pesquisa
arqueoastronômica, especificamente, não foi realizada, não havendo, portanto, publicações
com esse enfoque.

Dentre os projetos de Arqueologia brasileira que coletaram material específico sobre a


temática arqueoastronômica, daremos especial atenção ao material procedente do projeto

34
Não possui edições acessíveis como as versões disponibilizadas para Etimologias, por exemplo.
35
Todo sítio arqueológico que possui autorização para pesquisa, gera uma grande quantidade de documentos que
normalmente só são levados a público após o término das pesquisas, conforme as questões levantadas pelo
pesquisador/equipe responsável.
24

arqueológico que vem sendo desenvolvido por pesquisadores do Museu Nacional da


Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ) na região do município de Central, na
Bahia, e, mais especificamente do sítio arqueológico Toca do Cosmos. Assim sendo,
apresentaremos como referência neste trabalho, alguns registros rupestres identificados pelo
Projeto Central36 que se destaca pelo tempo de pesquisa e dedicação ao amadurecimento de
questões relacionadas à Astronomia de populações pretéritas.

36
Sob a coordenação de Maria da Conceição de Moraes Coutinho Beltrão, que vem realizando pesquisas na
região há mais de três décadas.
25

1 - CAMINHOS DA ASTRONOMIA

"A astronomia é útil porque nos eleva acima de nós mesmos; é útil porque é
grande, é útil porque é bela; isso é o que se precisa dizer. É ela que nos
mostra o quanto o homem é pequeno no corpo e o quanto é grande no
espírito, já que nesta imensidão resplandecente, onde seu corpo não passa de
um ponto obscuro, sua inteligência pode abarcar inteira, e dela fluir a
silenciosa harmonia. Atingimos assim a consciência de nossa força, e isso é
uma coisa pela qual jamais pagaríamos caro demais, porque essa consciência
1
nos torna mais fortes".

Considerada a mais antiga das ciências naturais, a ciência que estuda os astros e todos
os fenômenos que ocorrem para além da atmosfera terrestre, sempre ocupou lugar de destaque
no interesse humano. Seja por questões de ordem prática, que fazem da dinâmica celeste um
referencial básico para organização e sobrevivência dos seres humanos, ou mesmo por
questões religiosas, a predição de eventos confere ao céu, um papel prático e mesmo
espiritual, com funções de mapa, calendário e de "relógio".

Ainda que o início da Astronomia - tal como conhecemos - seja difícil de precisar, não
é errado supor que o interesse pelo céu e a observação da dinâmica celeste envolva um
período quase tão antigo quanto o da existência humana. Indícios arqueológicos remontam há
milhares de anos e comprovam a plena observação e registro de fenômenos celestes cíclicos e
esporádicos.

A ciência responsável pelo estudo desses vestígios deixados por nossos antepassados,
a Arqueoastronomia - que particularmente nos interessa e que abordaremos mais
especificamente no próximo capítulo - tem se valido da análise de diversas outras culturas na
tentativa de minimizar a fragilidade das esparsas informações resgatadas pela Arqueologia até
o presente - que costuma alcançar o máximo a partir do mínimo.

1
POINCARE, Henri. O Valor da Ciência. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995. p. 92.
26

Estudar as "Astronomias" de outras sociedades, mesmo que distanciadas no espaço e


no tempo, contribui não só para o entendimento do que somos hoje, como também esclarece
os mecanismos de assimilação do conhecimento adquirido por diferentes culturas no decorrer
da História.

1.1 - Considerações introdutórias

No Brasil, a ciência astronômica, institucionalizada, passa a ter o seu desenvolvimento


diretamente associado à implantação dos cursos de pós-graduação, no início da década de
1970.2 Atualmente, frentes diversificadas de trabalho existem em diferentes instituições do
país e, se quisermos uma boa amostra dessa pesquisa, podemos encontrar na obra organizada
pelo astrônomo Oscar Matsuura, História da Astronomia no Brasil,3 em dois volumes, que
reúne 44 artigos de astrônomos e historiadores da ciência. A obra, que naturalmente não
incorporou todos os trabalhos de relevância, é, de toda a forma, a mais atualizada referência
geral da área e contribui para a compreensão do que já foi feito, do que está em andamento e
das perspectivas futuras da Astronomia no Brasil.

Entretanto, a fim de obtermos mais informações que permitam auxiliar os caminhos da


Arqueologia, vamos retroceder no tempo e abordar um período em que a tecnologia era mais
simples e a observação do céu, mais necessária. Acrescentando uma boa quantidade de
documentação escrita, sistematizada, contaremos com um diferencial que nos permita
entender alguns desígnios da mente humana e, então, encontraremos uma sociedade que,
centrada em seus próprios objetivos, permita iluminar os nossos. Aqui, faremos referência ao
período medieval inicial e, mais especificamente, à Astronomia Isidoriana, que, com sua
riqueza de detalhes, permite o aumento das nossas perspectivas de estudo sobre um período
mais remoto - o de sociedades ágrafas - que não conta com tal aparato documental.

2
STEINER, João E. Astronomia no Brasil. In: Ciência e Cultura. São Paulo: SBPC, 2009. v.61. n.4. p.45.
3
MATSUURA, Oscar T. (Org). História da Astronomia no Brasil. Recife: Cepe, 2014.
27

1.2 - A Astronomia isidoriana

"Eu irei satisfazer sem demora o desejo do teu espírito recorrendo aos
antepassados, explicando de alguma forma o cálculo do dia e do mês, além
do final do ano e a sucessão das estações, também a natureza dos elementos,
finalmente, o curso do sol e da lua e as consequências de alguns astros, ou
seja, como presságios de ventos e tempestades, bem como a posição da terra
e a alternância das marés."4

O período isidoriano - assim denominado pela marcante atuação deste bispo sevilhano
- foi marcado pela considerável quantidade de obras produzidas no reino visigodo, pelo
segmento eclesiástico de uma forma geral. A produção atribuída a Isidoro de Sevilha tem
proporcionado material de interesse para a pesquisa em diversas especialidades. A ordenação
dos distintos campos do saber contidos, por exemplo, em sua obra enciclopédica -
Etimologias - tem se mostrado essencial para a divulgação, e, até mesmo, recuperação do
conhecimento adquirido no passado. Profícuo na produção de documentação escrita, o
período foi responsável pela sistematização do conhecimento adquirido pelas culturas
anteriores - clássicas e pagãs - e sua reordenação de forma cristianizada.

4
"Yo satisfaré sin demora el deseo de tu espiritu recorriendo a los antepassados, explicando de alguna manera
el cálculo del día y del mes, además los extremos del año y la sucesión de estaciones, también la naturaleza de
los elementos, finalmente el curso del sol y de la luna y las consecuencias de algunos astros, es decir, como
presagios de vientos y tempestades, así como la posición de la tierra y la alternancia de las mareas." (CF.:
ISIDORO DE SEVILHA, 2011:2).
"Dum te praestantem ingenio facundiaque ac uario flore litterarum non nesciam, inpendis tamen amplius curam
et quaedam ex rerum natura uel causis a me tibi efflagitas suffraganda. Ego autem satisfacere studeo animoque
tuo decursis priorum monumentis non demoror expedire aliqua ex parte rationem dierum ac mensium, anni
quoque metas et temporum uicissitudines naturam etiam elimentorum, solis denique ac lunae cursus et
quorundam causas astrorum, tempestatum scilicet signa adque uentorum nec non et terrae positionem
alternosque maris aestus".(CF.: ISIDORO DE SEVILHA, 1987:1)
28

1.2.1 - Isidoro de Sevilha

Até o presente momento, não temos como saber a data e o local precisos do
nascimento de Isidoro. Com base nos documentos conhecidos é possível fazer uma
estimativa. Conforme relatado por Antonio Hernández Parrales, seus pais saíram de Cartagena
no ano de 554, antes do seu nascimento.5 Uma vez que se tornou bispo em 601 e que era
necessário ter o mínimo de trinta anos de idade para o cargo, podemos presumir que o seu
nascimento deve ter ocorrido antes de 570.6 Por todo o exposto na bibliografia referente, não é
errado supor que ele seja de Sevilha mesmo e que tenha nascido entre 560 e 570.7

Com a morte precoce de seu pai, a educação de Isidoro ficou a cargo de seu irmão
mais velho Leandro, que o antecedeu no cargo episcopal e lhe proporcionou familiaridade
com os livros das ciências, tanto religiosas como profanas. O conhecimento acumulado desde
cedo permitiu que Isidoro - por mais de trinta anos no bispado de Sevilha - fosse reconhecido
por seus contemporâneos como um erudito sem precedentes, exercendo enorme influência
religiosa, social e política na Hispânia visigoda.

Isidoro influenciou de maneira decisiva a trajetória política da Hispânia delimitando -


8
no IV Concílio de Toledo em 633 - o poder do rei e o dever de obediência baseado na
fidelidade e na lealdade. O rei arbitrário perdia o direito de reinar, enquanto o rei virtuoso
ficava plenamente legitimado. Desse modo, o exercício do poder real passava a ser um dever

5
HERNÁNDEZ PARRALES, Antonio. El XIV centenario del nacimiento de San Isidoro, Arzobispo de Sevilla.
Boletín del Instituto de Estudios Giennenses, 1960. p.10-11.
6
MADOZ, Jose. San Isidoro de Sevilla. Semblanza de su personalidad literaria. León: CSIC/Centro de Estudios
e investigaciones San Isidoro,1960. p.4.
7
HERRERA CARRANZA, Joaquín. Op. Cit. p. 2.
8
Dentro do que comporta a ampla atividade conciliar - não só por decisões religiosas como também políticas -
durante os anos do Reino Visigodo católico espanhol , destacamos a participação de Isidoro, particularmente no
IV Concílio ocorrido na cidade de Toledo - capital do reino visigodo. O quarto concílio toledano, realizado na
Igreja de Santa Leocádia no final do ano de 633, foi provavelmente presidido por Isidoro de Sevilha, já idoso,
que propôs a maior parte do que foi aprovado. Por sua influência foi proclamado, por exemplo, que todos os
bispos criassem seminários em suas sés metropolitanas seguindo um modelo de escola que o próprio Isidoro
criara em Sevilha.
29

e não um direito e qualquer outra forma de usurpação do poder passava a ser considerada
crime execrável. 9

Entre os diversos motivos que enfatizam o interesse de Isidoro pela Astronomia,


podemos ressaltar que, além de ser um conhecimento essencial para o bom desempenho da
vida eclesiástica e suas celebrações (calendário das festas litúrgicas), também se tornou útil,
conforme observa Jacques Fontaine, fora da Igreja: "contra a persistência em terras
hispânicas, (...), da astrologia erudita e imemoriais religiões astrais, contra os terrores arcaicos
causados à população das zonas rurais pelos eclipses, contra as especulações planetárias da
heresia priscilianista10".11

1.2.2 - A Astronomia no início da Idade Média

Quando pesquisamos a Astronomia no início da Idade Média, é muito comum


encontrarmos referências à existência de uma lacuna no desenvolvimento das ciências
"fundamentais" neste período. Na verdade, tal lacuna pode ser verificada desde o Império
Romano, quando percebemos claramente o destaque para a engenharia e a arquitetura.

O período medieval inicial foi mais caracterizado pelo aperfeiçoamento do modelo


existente - aceito pelas autoridades eclesiásticas - do que por descobertas inovadoras. O
astrônomo era, antes de tudo, um estudioso e não um investigador. E aqui ressaltamos o
trabalho de Isidoro na sistematização dos saberes mais substanciais da época e,

9
HERRERA CARRANZA, Joaquín. Op. Cit. p. 4.
10
Doutrina cristã pregada por Prisciliano, no século IV, com base em ideais de austeridade e pobreza,
desenvolvida na Península Ibérica (Hispânia romana) e que foi posteriormente considerada como heresia pela
igreja Ortodoxa.
11
" (...) contra la persistencia en tierras hispânicas, (...), de la astrología erudita y de religiones astral es
inmemoriales, contra los terrores arcaicos provocados en la población de las zonas rurales por los eclipses,
contra las especulaciones planetarias de la herejía priscilianista." Cf.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla:
génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid: Encuentro, 2002. p. 221.
30

destacadamente, daqueles responsáveis pela transmissão do conhecimento astronômico, o que


nos permite delinear a visão de mundo presente em sua obra.

O saber astronômico era valorizado, não só pela inserção do indivíduo no cosmos,


como também pelo sentido metafórico e cristão de busca pelas "coisas do alto". A partir da
delimitação do objeto da Astronomia12 e a definição do cosmos, Isidoro demarca a associação
com o homem - microcosmos." (...) Desta forma, à imagem do mundo (Céu e Terra), o
homem possui corpo e alma. Tal como as esferas do mundo (celeste, terrestre e infernal), três
são as esferas humanas: inteligência, corpo e carne".13

Os conhecimentos astronômicos e/ou geográficos de Isidoro de Sevilha podem ser


extraídos da leitura de alguns capítulos da obra enciclopédica Etimologias14 (Etymologiae) e,
de forma mais concisa e específica, na obra Sobre a natureza das coisas (De natura rerum).

A despeito da relevância do conteúdo astronômico sistematizado em sua obra,


destacamos alguns aspectos que, embora difusos e simbólicos, estavam em conformidade com
a sua função eclesiástica. Algumas incoerências tornam-se evidentes no processo de reunião
dos conhecimentos clássicos e pagãos com os contidos nas Escrituras.

Ao descrever, por exemplo, os cinco círculos da esfera celeste - ártico, trópico,


equinocial, antártico e trópico invernal - para determinar as zonas climáticas, faz relação com
a presença dos mesmos círculos sobre a Terra, assim considerada como uma esfera15. E se

12
"Astronomia significa 'lei dos astros', e estuda, até onde o conhecimento permite, o curso dos astros, suas
configurações e as relações que estes têm uns com os outros e com a Terra"/ "Astronomia est astrorum lex, quae
cursus siderum et figuras et habitudines stellarum circa se et circa terram indagabili ratione percurrit." Cf.:
ISIDORO DE SEVILHA, Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M.
Casquero, con introducción de Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 454.1982.
13
ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. A respeito dos homens e dos seres prodigiosos. Revista da USP, n. 23,
São Paulo, 1994. p. 78.
14
Além do capítulo III (sobre a Matemática) que apresenta a definição de Astronomia, também encontramos
material relacionado, especialmente nos capítulos IX (linguagens, povos, reinos e cidades), XIII (o mundo e suas
partes) e XIV (a geografia).
15
"Em sua definição de mundo, os filósofos dizem que há cinco círculos, chamados pelos gregos de paralelos, ou
seja, zonas em que se dividem a superfície (círculo) da terra (orbis terrae)."/"In definitione autem mundi
circulos aiunt philosophi quinque, quos Graeci παϱαλλήλονϛ - id est zonas - uocant, in quibus diuiditur orbis
terrae."CF.: ISIDORO DE SEVILLA. De Natura Rerum Liber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam:
Verlag Adolf M. Hakkert, 1967. p. 22-23.
31

contradiz, quando afirma que indianos e bretões vêem o Sol ao mesmo tempo no momento do
alvorecer16 - só compatível com uma terra plana.

A concepção de mundo está manifestada nos mapas que pretendiam demonstrar o


mundo em sua totalidade, como era então conhecido. Segundo a tradição vigente na literatura
geográfica desde o período helenístico, atribuía-se ao continente asiático a mesma superfície
que o Europeu e o Africano juntos.17

A superfície da Terra se divide em três partes, das quais uma é chamada


Europa, a outra Ásia e a terceira África. A Europa é separada da África
desde o último extremo do oceano até as Colunas de Hércules. A Ásia é
separada da Líbia pelo Egito e pela foz do rio Tanais, que desemboca no
lago Maeotis [ mar Azov ]. A Ásia, como diz o mais bem-aventurado
Agostinho, estende-se desde o meio-dia para o norte, passando pelo leste. A
Europa, do norte para o ocidente e, em seguida, a África do ocidente ao
meio-dia.
Portanto, metade do mundo está dividida em duas partes - Europa e África -
e a outra metade é ocupada apenas pela Ásia. Estas duas partes se fizeram
assim para que o mar penetre suas águas, banhando a separação entre as
terras, formando o grande mar [Mediterrâneo]. Os geômetras estimaram que
a extensão da terra é de 180.000 estádios.18

Isidoro ressalta a explicação sobre a divisão em três continentes - algo comum na


tradição geográfica e etnográfica greco-romana - reforçando a coexistência do legado pagão

16
"O sol é semelhante para os indianos e para os bretões que o vêem levantar-se ao mesmo tempo. Seu tamanho
aparente não é menor para os orientais do que para os ocidentais quando nasce e quando se põe"/ "Similis sol
est Indis et Brittanis eodem momento uidetur cum oritur nec uergens in occasum minor apparet orientalibus,
existimatur". CF.: Ibidem. p. 32.
17
ALBALADEJO VIVERO, Manuel. El conocimiento geográfico en las "Etimologias" isidorianas:algunas
consideraciones. IBERIA. 2 (1999). p.205.
18
"Regio autem terrae uidetur trifarie esse diuisa, e quibus una pars Europa, altera Asia, tertia Africa uocatur.
Europam igitur ab Africa diuidit mare ab extremis oceani finibus et Herculis columnis. Asiam autem et libyam
cum Aegypto disterminat os Nili fluminis quod Canopicon appellatur. Asiam autem - ut ait beatissimus
Augustinus - a meridie per orientem usque ad septemtrionem peruenit. Europa uero a septentrione usque ad
occidentem, adque inde Africa ab occidente usque ad meridiem, unde uidentur orbem dimidium duae tenere
Europa et Africa; alium uero dimidium sola Asia. Sed ideo illae duae partes factae sunt, quia inter utramque ab
oceano ingreditur quidquid aquarum terras interluit et hoc mare magnum nobis facit. Totius autem terrae
mensuram geometrae centum octoginta milium stadiorum et quinque existimauerunt."Cf.:ISIDORO DE
SEVILLA. De Natura RerumLiber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam: Verlag Adolf M. Hakkert, 1967.
p.79.
32

com o pensamento cristão. Os três continentes são representados como domínios dos filhos de
Noé: Sem (Ásia), Jafet (Europa) e Cham (África).19

Representação impressa do mapa T- O por Günther Zainer, Augsburgo, 1472,


ilustrando a primeira página do capítulo XIV das Etimologias de Isidoro de Sevilha.

Os mapas T-O como são conhecidos - onde o "T" representa a divisão entre os três
continentes e o "O" o oceano ao redor - são caracterizados por sua alta carga teológica,
descrevendo o mundo segundo a ideia de Isidoro de Sevilha. Tal perspectiva serviu como
referência até o final da Idade Média (século XV), quando os renascentistas com suas novas
descobertas, e principalmente com a descoberta do "Novo Mundo" (Américas), começaram a
elaborar novos tipos de mapas.

O mapa,20 descrito nas Etimologias, apresenta claramente referências cristãs - nomes


bíblicos - em sua escrita. Mais do que representar o mundo, buscava representar uma visão

19
MOLINA MARIN, Antonio Ignacio. La geografía en la historiografia cristiana: el inicio de la separación entre
geografia e história. In Geographica: ciencia del espacio y tradición narrativa de Homero a Cosmas
Indicopleustes. Antigcrist (Murcia) XXVII, p. 379-397, 2010. p. 388.
20
Este conceito de cartografia medieval representa apenas o hemisfério norte de uma Terra esférica, dedução
feita a partir da projeção da porção habitada do mundo conhecida nos tempos romanos e medievais.
33

cristã da Terra conhecida. O paraíso (jardim do Éden), por exemplo, era geralmente
representado pela Ásia, situada na parte superior do mapa.

1.2.3 - Astronomia e Astrologia

Podemos observar na obra de Isidoro uma distinção entre o que hoje consideramos o
campo de atuação da Astronomia e aquele que normalmente definimos por Astrologia. A
primeira, que ele identifica como mais prática e científica, estudaria as evoluções dos corpos
celestes, auxiliada por números. A segunda, que caracteriza como mais supersticiosa, teria por
objeto o estudo da influência desses corpos celestes sobre o destino do homem.

Os romanos dão aos dias da semana os nomes dos planetas, ou seja, das
estrelas errantes. O primeiro dia tem o seu nome a partir do Sol, que é o
primeiro de todos os astros; o segundo da Lua; o terceiro da estrela Marte,
chamada Vésper; o quarto da estrela Mercúrio; o quinto da estrela Júpiter,
chamada Phaeton; o sexto da estrela Vênus, chamada Lúcifer, a mais
brilhante de todas as estrelas; o sétimo da estrela Saturno. Os pagãos deram
aos dias da semana, os nomes destas sete estrelas porque acreditavam que
elas exerciam sobre eles certa influência. Afirmam receber do Sol o sopro
vital, da Lua o corpo, de Mercúrio a palavra e a sabedoria, de Vênus o
prazer, de Marte o ardor das paixões, de Júpiter a moderação e de Saturno a
tranquilidade.21

21
"(....) Apud Romanos autem hi dies a planetis - id est erracticis stellis - nomina ceperunt. Primum enin diem a
sole uocatum dicimus, quia princeps est omnium siderum, sicut et idem dies capud est cunctorum dierum,
secundum a luna, quae soli et splendore et magnitudine proxima est, et exinde mutuat lumen; tertium ab stella
Martis quae uesper uocatur; 3.quartum a stella Mercurii, quam quidam candidum circulum dicunt; quintum a
stellaIouis, quam phaethonta dicunt; sextum a Venerisstella, quam luciferum asserunt, quae inter omnia sidera
plus lucis habet; septimum a stella Saturni, quae septimo caelo locata XXX annis fertur explere cursum suum. 4.
Proinde autem gentiles ex his septem planetis nomina diebus dederunt e o quod per eosdem aliquid sibi effici
existimarunt dicentes habere ex sole spiritum, ex luna corpus, ex Mercuri linguam et sapientiam, ex Venere
uoluptatem, ex marte feruorem, ex Iole temperantiam, ex Saturno tardi tatem.Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. De
Natura Rerum Liber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam: Verlag Adolf M. Hakkert, 1967. p. 09-10.
34

Por influência cristã, após a penetração definitiva do Cristianismo nos fundamentos da


ideologia oficial do poder romano, as leis romanas adquiriram um compromisso mais exigente
em sua luta contra o que consideravam ser superstição mântica e astrológica.22

Na tradição latina, os termos Astronomia e Astrologia se misturavam, reunindo tanto


os conhecimentos úteis para a Igreja - como a fixação de ciclos e ofícios litúrgicos para o
cômputo pascoal p.ex. - com os de associação suspeita com a superstição pagã. O que levou
os Padres da Igreja a expressar sua desconfiança com a ciência dos astros, normalmente
descrita como Astrologia.

As superstições, diretamente relacionadas com o diabo, opor-se-iam à religião, que


buscava a harmonia com Deus. Estariam vinculadas a um paganismo difícil de erradicar. A
magia implicava em um pacto com o diabo, enquanto a adivinhação era menos reprovável, já
que o objeto de alguns adivinhos era mais parecido com os dos "científicos", os matemáticos
e os médicos.23

É nesse contexto que, conforme expõe Pablo Martín Prieto, Isidoro sentiu necessidade
de estabelecer, no 27º capítulo do 3º livro das Etimologias uma distinção clara entre
Astronomia e Astrologia, por avaliar as práticas consideradas supersticiosas como um forte
obstáculo à evangelização.

A autoridade de Isidoro é responsável por ter estabelecido e fixado com


clareza, para a posteridade medieval, os limites definidos dos campos
semânticos ainda hoje associados às duas vertentes do conhecimento sobre
os astros.24

Apesar de evidenciar diferenças entre a Astronomia e a Astrologia em um período em


que a divisão entre os campos de conhecimento era difícil de definir,25 Isidoro demonstra, em

22
MARTÍN PRIETO, Pablo. Isidoro de Sevilla frente a los límites del conocimiento: etimología, astrología,
magia. Temas Medievales, Buenos Aires, v.13, n.1, p. 125-156, ene./dic. 2005, p.134.
23
VERDON, Jean. Las supersticiones en la Edad Media. Buenos Aires: El Ateneo, 2009. p.12.
24
"... la autoridad de Isidoro es responsable de haber estabelecido y fijado con claridad, para la posteridad
medieval, los limites definidos de los campos semánticos aún hoje asociados a las dos vertientes del
conocimento sobre los astros". MARTÍN PRIETO, Pablo. Op. Cit. p.135.
25
Os grandes astrônomos - desde Ptolomeu até Kepler - eram também astrólogos.
35

diversas ocasiões, uma atitude ambígua, porém reveladora do pensamento medieval ao


aceitar, por exemplo, preceitos astrológicos médicos e também se preocupar com os efeitos
nefastos provocados pela passagem de um cometa.26

1.2.4 - Documentação de referência

As diversas obras atribuídas a Isidoro de Sevilha - cuja produção literária foi arrolada
pelo bispo Bráulio de Saragoça27 em documento conhecido como Renotatio Isidori - são
fundamentais para a compreensão do contexto em que estão inseridas as emblemáticas
atuações deste bispo. Isidoro ficou conhecido como um dos mais importantes intelectuais da
Igreja no período visigodo. Sua trajetória no bispado de Sevilha é marcada pelo empenho na
organização da instituição eclesiástica na Península Hispânica e pela influência que exerceu,
não só pelos seus escritos, como também pela sua atuação no II Concílio de Sevilha (619) e
no IV de Toledo (633).28

Dentre os diferentes temas abordados nos dezessete escritos, com temáticas variadas
que foram amplamente reproduzidas ao longo do medievo, daremos especial atenção ao saber
astronômico que apesar de ser apresentado muitas vezes de forma simbólica, é portador de
uma quantidade de referências clássicas cujos "originais" se perderam no tempo, pela
História. A utilização desse conhecimento na administração de atividades diversas mostrou-se
essencial aos detentores do poder e fundamental no processo de fortalecimento da Igreja em
expansão.

Este saber - foco da abordagem selecionada para nossa pesquisa - será observado à luz
de duas das suas obras - Etymologiae e De natura rerum - que examinaremos mais
detalhadamente a seguir.
26
SAMSÓ, Julio. La Astrología en España durante la Alta Edad Media. Berceo, Historia 16, n. 41, p. 102-109,
1979. p. 102.
27
Reconhecido como discípulo de Isidoro.
28
Cf. SILVA, Leila R.O paradigma de monge nos De ecclesiasticis officiis e Regula Isidori. In: Anais do XXV
Simpósio Nacional de História - ANPUH. Fortaleza, 2009.
36

A obra Etymologiae

A distribuição atual do conteúdo das Etimologias, nem sempre corresponde em


exatidão ao da primeira fase de elaboração compilada por Isidoro. A obra, solicitada por
Bráulio, bispo de Saragoça, foi enviada ainda não editada (Codex Inemendatus). No entanto,
já teria circulado com uma dedicatória ao rei visigodo Sisebuto, antes que Bráulio tivesse
revisado.29 Esta seria a principal razão para a existência de dois blocos principais de
manuscritos. Um, com um texto mais curto, com vários elementos omitidos, e outro, de texto
mais longo com o acréscimo de interpolações.

Manuel C. Diaz y Diaz, estima que existiram cinco mil cópias da obra e que sua
difusão começou muito cedo, desde meados do século VII, em diferentes versões que, quando
contrastadas, tendiam a ser alteradas com o objetivo de completar as informações ausentes em
determinados exemplares.30

Etymologiae, de forma enciclopédica e composta por vinte livros31, é a obra que mais
expressa a ampla instrução do autor e é também a que se tornou mais conhecida e analisada.
Registra a transformação do conhecimento desde a Antiguidade até o século VII,
apresentando, de forma sistemática, o que foi acumulado pelos diversos campos do saber.

Inicialmente elaborada para atender a um pedido do monarca Sisebuto (612 -621), essa
obra possuía outras motivações que Jacques Fontaine, distinguiu em quatro tipos: melhorar a
cultura das elites leigas e eclesiásticas do reino, oferecendo-lhes uma espécie de manual
prático; prosseguir a busca de um saber global, através da via aberta pelo enciclopedismo

29
Provavelmente por volta de 659, conforme DIAZ Y DIAZ na introdução da obra ISIDORO DE SEVILLA.
Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M. Casquero, con introducción de
Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 102.
30
Ibidem p. 200 e 211.
31
I - Gramática; II - Retórica e Dialética; III –Aritmética, Geometria, Música e Astronomia; IV – Medicina; V -
leis e tempo; VI - livros e ofícios eclesiásticos; VII - Deus, anjos e santos: hierarquias de
Céu e Terra; VIII - Igreja e seitas; IX - línguas, povos, reinos, cidades e títulos; X - Etimologia; XI - homem; XII
–animais; XIII - Mundo e suas partes; XIV - Terra e suas partes; XV –prédios públicos e estradas; XVI - pedras
e metais; XVII- agricultura; XVIII – guerra, jurisprudência e jogos; XIX –navios, casas e vestes; XX - provisões
e mobiliário.
37

helenístico e romano; voltar a dar um sentido mais puro às palavras, contribuindo para a
reconstrução linguística do latim, em uma Hispânia que ainda o falava; e, finalmente, atender
a curiosidade pessoal do próprio Isidoro sobre alguns conhecimentos profanos, que poderiam
ser considerados supérfluos para um bispo do século VII. 32

Etimologias inicia - como o próprio nome indica - explicando as origens das palavras
em diversos campos do saber. Isidoro acreditava que a partir de uma interpretação sobre a
origem dos vocábulos seria possível conhecer a essência das palavras e dos nomes, além de
apreender a sua realidade. A Etimologia desempenhava aqui um duplo papel, epistemológico
e teológico, pois agia tanto como meio de unificação do conhecimento quanto como uma
forma de reconduzir os nomes e as coisas até o criador. Mas, no decorrer dos vinte livros que
a compõem, torna-se muito mais que um trabalho sobre a linguagem, expressando, sobretudo,
a visão de mundo de seu tempo.

A teoria astronômica em Etimologias consistia na definição do que é o mundo, o céu,


o lugar da esfera e seu curso, o eixo do céu e abóbada celeste, quais são as regiões do céu, que
cursos seguem o sol, a lua e os astros, etc.33A partir dessa delimitação do objeto da
Astronomia e definição do cosmos passaria a sua ligação com o homem – microcosmos. Em
diversas ocasiões apresenta características do pensamento simbólico, como na definição do
movimento e intensidade do Sol e na sua associação espiritual como o próprio Cristo, ou
ainda do Céu com a Igreja.

Com a hegemonia do cristianismo, o interesse geral dos intelectuais eclesiásticos


esteve direcionado para o conhecimento das Sagradas Escrituras, sobretudo pelas reflexões
proporcionadas pelos Padres da Igreja. Dessa forma, o conhecimento herdado da cultura
clássica foi, aos poucos, sendo esquecido.34

32
FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los
visigodos. Op. Cit., p. 122-124.
33
ISIDORO DE SEVILHA, Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M.
Casquero, con introducción de Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 457.
34
Conforme introdução de Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. Los
círculos de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban
Piñeiro. Valladolid: Maxtor, 2011. p.3.
38

Neste contexto, destacamos a obra de Isidoro de Sevilha, cuja elaboração, para muitos,
seria suficiente para colocar em destaque o nome do bispo no período da História em que
viveu e que o sucedeu. Foi fundamental para a propagação da cultura greco-latina na Hispânia
visigoda tornando-se, com o passar dos anos, uma das principais fontes de assimilação dos
trabalhos de Aristóteles e de outros gregos em toda a Europa.

Entre os autores conhecidos e utilizados por Isidoro, podemos agregar, conforme as


especificidades destacadas por Joaquín Herrera Carranza:

- Padres da Igreja: São João Crisóstomo, Tertuliano, São Jerônimo,


Orígenes, Santo Agostinho e São Gregório Magno. Com relação à história
cristã: Orósio e Eusébio de Cesárea.
- História pagã: Suetônio, Salústio, Tito Lívio, Júlio César e Varrão Na
História natural e medicina: Plínio, Celso, Columela, Hipócrates, Galeno e
Dioscórides.
- Criação literária: Virgílio, Cícero, Catão, Horácio, Sêneca, Cina, Lucano,
Catulo, Ovídio, Apuleio, Enio, Terêncio, Marcial e Aurélio Clemente
Prudêncio.
- Pensamento filosófico: Demócrito, Porfírio, Platão, Aristóteles, Epicuro,
Heráclito, Lucrécio, Boécio, Cassiodoro e Mário Vitorino35.

A obra De natura rerum

A obra é, de fato, uma espécie de manual de cosmologia que foi escrito por Isidoro de
Sevilha, durante o reinado do rei Sisebuto - entre 612 e 621 -36 com o objetivo de explicar o
mundo de forma resumida e esquemática, atendendo a um pedido do monarca visigodo.

35
"*Padres de La Iglesia: San Juan Crisóstomo, Tertuliano, San Jerónimo, Orígenes, San Agustín y San Gregorio
Magno. Conrelación a la historia cristiana: Orosio y Eusebio de Cesárea. *Historia pagana: Suetonio, Salustio,
Tito Livio, Julio César y Varrón. Enlahistoria natural y medicina: Plinio, Celso, Columella, Hipócrates, Galeno y
Dioscórides. *Creación literaria: Virgilio, Cicerón, Catón, Horacio, Séneca, Cinna, Lucano, Catulo, Ovidio,
Apuleyo, Ennio, Terencio, Marcial y Aurelio Prudencio Clemente. *Pensamiento filosófico: Demócrito, Porfirio,
Platón, Aristóteles, Epicuro, Heráclito, Lucrecio, Boecio, Casiodoro y Mario Victorino.".Cf.:HERRERA
CARRANZA, Joaquín. Op. Cit., p.6.
36
que alguns autores, tais como Jacques Fontaine, costumam relacionar com a necessidade que o bispo teve de
esclarecer um eclipse total ocorrido em 613. Cf.:FONTAINE, Jacques, Isidoro de Sevilha, padre de la cultura
39

Em contraste com Etymologiae, De natura rerum não possui edições de fácil acesso.
Podemos destacar algumas características que a tornam relevante para o esclarecimento de
questões relacionadas à transmissão do conhecimento astronômico e para o exercício do poder
incluído na sua propagação.

Escrita em cerca de quarenta e oito capítulos, a obra abrange temas astronômicos,


meteorológicos, de cálculo para o cômputo do tempo e sobre os elementos que formam a
matéria do universo. Tem início com uma explicação sobre as divisões do tempo - os dias, a
noite, a semana, os meses, o ano, as estações - e segue analisando o que se encontra entre o
céu e a terra. O firmamento, tal como concebido na Bíblia, é abordado em trinta capítulos da
obra. A água, segundo elemento, é tratada nos cinco capítulos seguintes. A terra, terceiro
elemento, é tratada em dois capítulos e o fogo só é mencionado em uma série de
considerações sobre o Etna. Ou seja, o céu - e todas as manifestações que produz e que lhe
estão associadas - ocupam o 1º lugar no entendimento sobre a natureza.37

De forma sintética De natura rerum foi elaborada para padronizar o tempo e os


costumes, estabilizar os sentidos ortodoxos da mensagem e dissipar superstições. Pois, ao
explicar as leis do universo, revelava um saber verdadeiro, esclarecendo, desta forma, erros
que embaçavam a vista e obscureciam a alma.38

Com a intenção de explicar o mundo de forma resumida, Isidoro utilizou como recurso
didático, a exibição de representações circulares. O elevado número dessas imagens acabou
por atribuir uma segunda denominação ao De natura rerum, que passou a ser conhecido por
Liber rotarum - Livro das rodas - que Jacques Fontaine afirma ser frequente desde o século
VIII.

europea. In: CANDAU MORON, José M.; GASCÓ, Fernando et RAMIREZ de VERGUER, Antonio (Eds.). La
conversión de Roma. Cristianismo y Paganismo. Madrid: Clásicas, 1990. p.261.
37
Cf. RUCQUOI, Adeline. La percepcion de la naturaleza en la Alta Edad Media. Flocel Sabaté. Natura i
desenvolupament. El medi ambient a l'EdatMitjana, Pagès, pp. 73-98, 2007, Càtedra d'Estudis Medievals Comtat
d'Urgell, Balaguer. <halshs-00530797>2010.p.73.
38
Cf. DELL'ELICINE, Eleonora Ariadna. Acerca de la naturaleza de las cosas: Isidoro de Sevilla y el intento de
cristianizar el saber pagano sobre el cosmos. XIV Jornadas Interescuelas/Departamentos de História.
Universidade Nacional de Cuyo, 2013. p. 2-3.
40

O emprego de representações circulares faria parte de uma tradição antiga "segundo a


qual o tempo e o espaço, por assim dizer, estão encerrados na perfeição, por sua vez finita e
infinita, da figura circular – projeção plana da esfera". Os círculos nos ajudariam a perceber
mais claramente "os complexos harmônicos da fórmula annus mundus homo", que
resumiriam por sua vez, a "visão unificada do universo e do homem, assim como as razões de
sua solidariedade constante ao longo do tempo.” 39

As representações circulares, que serão mais extensamente apresentadas no terceiro


capítulo, são destacadas no mínimo em dezoito capítulos40 da obra.41

Os cinco círculos do mundo Os elementos do mundo42

39
"(...) según la cual el tiempo y el espacio, por así decirlo, están encerrados en la perfección, a la vez finita e
infinita, de la figura circular –proyección plana de la esfera" .(...)los complejos armónicos de la fórmula
annusmundus homo". (...) una visión unitaria del universo y del hombre, así como las razones de su constante
solidaridad a lo largo del tiempo". CF.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de la
cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Op.Cit. p. 211.
40
A saber: I - Sobre os dias; III - Sobre a semana; IV - Sobre os meses; V - Sobre a correspondência dos meses;
VI - Sobre os anos; VII - Sobre as estações; X - Sobre os cinco círculos do mundo; XI - Sobre os elementos do
mundo; XII - Sobre o Céu e seu nome; XIII - Sobre os sete planetas celestes e suas revoluções; XIV - Sobre as
águas que estão acima dos céus; XV - Sobre a natureza do Sol; XVI - Sobre as dimensões do Sol e da Lua;
XVIII - Sobre a luz da Lua; XXIII - Sobre a posição das sete estrelas errantes; XXXI - Sobre o arco-íris; XXXVI
- Sobre os nomes dos ventos; e XLVIII - Sobre as partes da Terra.
41
Dispostos na versão facsímile de 2011.
42
Círculos procedentes de um código dofinal do século IX, originário da Bretanha ou Gales, constituído por 43
folhas em pergaminho, conservadas na biblioteca Estadual da Baviera e reproduzidos no livro Los círculos de De
natura rerum, 2011.
41

As representações circulares - com ocorrência significativa em diversos tipos de


documento - 43 têm dado conta de explicar o mundo em diferentes períodos e contextos. Só o
estudo desse elemento gráfico, bem como o seu poder simbólico na organização e controle
sociocultural, já seria o suficiente para destacar a relevância do estudo astronômico na obra.

1.3 - Considerações parciais

Ainda que a Astronomia esteja visivelmente caminhando a “passos largos” tornando-


se, a cada dia, uma ciência com tecnologia e produção intelectual “de ponta”, para a
Arqueologia, entretanto, o mais propício a esclarecimentos será justamente o conhecimento
advindo de observações – e suas respectivas relações – isentas dos aparatos tecnológicos e os
desdobramentos da ciência moderna.
Analisar sociedades mais diretamente dependentes de observações celestes e o
conhecimento produzido sobre as relações que permeiam este saber, provocam indagações
mais pertinentes ao registro arqueológico originário de sociedades ágrafas.
Destacamos aqui o período isidoriano, que além de apresentar farta documentação
escrita – diferentemente da documentação básica apresentada pela Arqueologia -, foi
responsável pela sistematização do conhecimento produzido anteriormente, propiciando-nos
um amplo conhecimento do saber astronômico produzido pelas culturas anteriores, clássicas e
pagãs.
O conhecimento contido nas duas obras de Isidoro de Sevilha, aqui mais
destacadamente apresentadas, retrata a extensa erudição do autor, que fez uso da bagagem
adquirida pela leitura dos filósofos clássicos e de sua formação religiosa, procurando - como é
comum em toda a sua obra - combinar as informações de procedência pagã com os
ensinamentos das Escrituras. Para tal, fez uso, em diversas ocasiões, de linguagem simbólica -

43
Cf exposto em JALLES, Cíntia. Pintado, Gravado e Escrito: A materialização do saber astronômico em
diferentes formas de registro. In: BARBOZA, Christina Helena da Motta (Org.). Histórias de Ciência e
Tecnologia no Brasil (Mast: 30 anos de pesquisa, v.3). 1ed. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências
Afins, v. 3, p. 09-22, 2016. p.20.
42

em associações de cunho religioso - o que tem gerado críticas quanto à transmissão do


conhecimento "científico".44 Por outro lado, o uso de símbolos, proporciona material
adequado para associações com outros tipos de representações encontradas em grupos sociais
diversificados.

O estudo dos símbolos tem se apresentado como forte aliado em pesquisas realizadas
sobre sociedades - em geral, ágrafas - que não contam com o apoio documental escrito
necessário para a identificação de relações como as de poder, que são objeto de interesse para
a nossa pesquisa atual.

Fazendo uso das palavras de Pierre Bourdieu, lembramos que "as relações de
comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder, que dependem, na forma e
no conteúdo, do poder material e simbólico acumulados pelos agentes (ou pelas
instituições)".45

Desta forma, como exercício inicial para este tipo de estudo e reconhecendo as
relações de poder envolvidas na transmissão do conhecimento astronômico aqui destacado,
podemos descrever a obra de Isidoro de Sevilha, como uma verdadeira manifestação de
autoridade. Ao conduzir o saber astronômico recuperado e sistematizado desde a Antiguidade,
não só reúne explicações sobre o cosmos, como delibera orientações sobre o comportamento
humano em direta associação, o microcosmos.

44
Ver: introdução de Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. Los círculos
de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro.
Valladolid: Maxtor, 2011. p.3; e SAMSÓ, Julio. Astronómica Isidoriana. Faventia, 1: 167-174, 1979. p. 167.
45
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 11.
43

2- ARQUEOASTRONOMIA

"A Arqueoastronomia é um ramo recente da ciência que utiliza os conceitos


e conhecimentos da Astronomia e da Arqueologia. Tem por objetivo
compreender o papel que a Astronomia tinha na vida cotidiana dos povos
antigos, como ela influenciava a sociedade, como as culturas observavam o
céu e de que forma materializavam estas observações".1

A Arqueoastronomia é mais um exemplo de uma bem-sucedida união entre duas


ciências já bem consolidadas em seus respectivos objetos de estudo. O fruto deste casamento
é uma ciência, relativamente jovem, que vem reunindo, dia a dia, alicerces para a sua
aplicação prática a partir de novas bases teóricas. Assim sendo, utiliza os conhecimentos e
conceitos tanto da Astronomia como da Arqueologia.

Neste capítulo, apresentaremos um quadro da pesquisa arqueoastronômica que vem


sendo realizada, particularmente no Brasil, a partir dos vestígios resgatados pelo Projeto de
Central na Bahia.2 As informações astronômicas recuperadas por esse projeto arqueológico
têm servido de base para o levantamento e mesmo o esclarecimento de questões levantadas
por outros projetos de pesquisa brasileiros.

2.1 - Considerações introdutórias

A Arqueologia - que se evidenciou como ciência no século XVIII, a partir das


escavações de Pompéia, na Itália - vem, desde então, buscando compreender distintas
sociedades humanas, com base em diferentes tipos de vestígios encontrados em locais
utilizados, mesmo que brevemente, por diferentes grupos humanos. Apesar do enfoque no
passado - quando se torna essencial -, a Arqueologia, por possuir métodos que auxiliam o

1
Cf.:JALLES, C.; SILVEIRA, M. I.; NADER, R.V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia.
Arqueoastronomia: o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013. p. 36.
2
Que abordaremos mais detalhadamente no item 2.4.
44

estudo do comportamento humano em geral, também pode ser muito eficaz no estudo de
sociedades mais recentes, no que se refere a comportamentos não registrados pela escrita.3

Os locais onde são encontrados tais vestígios, denominados sítios arqueológicos, são
exaustivamente trabalhados por arqueólogos que, necessariamente, estabelecem parcerias com
outras áreas de conhecimento humano, no melhor uso do conceito de interdisciplinaridade.

Em parceria com a Astronomia, busca compreender o conhecimento de diferentes


sociedades sobre a dinâmica celeste, a partir dos vestígios arqueológicos com conteúdo
astronômico. Combina o conhecimento e as modernas técnicas da Arqueologia com a precisão
numérica da Astronomia prática.

Desta forma, a Arqueoastronomia procura entender como estas culturas se


relacionavam com a natureza e de que forma correlacionavam os eventos celestes aos
cósmicos. O interesse do arqueoastrônomo é voltado, tanto para o posicionamento das estrelas
como para a cultura que as observa e as registra.

As diversas pesquisas arqueoastronômicas realizadas até o momento destacam a


importância do conhecimento astronômico para a organização de diferentes grupos,
orientando desde atividades básicas de caça, coleta, pesca e plantio, até a disposição de
assentamentos, formação de sistemas de marcação do tempo – calendários - e cosmologia.

Como os métodos de observação e os interesses astronômicos variavam conforme os


diferentes períodos e lugares, consideramos a Arqueoastronomia como uma ciência que
pesquisa sobre as "Astronomias" de outros tempos. E, por ser uma ciência jovem, muitas
questões que vêm sendo formuladas não puderam ainda ser respondidas.

3
Conforme podemos observar em resultados de pesquisas em Arqueologia histórica, tais como: TAVARES,
Reinaldo. A Apropriação ético-cultural dos resultados da Pesquisa Arqueológica no cemitério dos pretos novos,
Gamboa, Rio de Janeiro. In: CAMPOS, Guadalupe N; GRANATO, Marcus (Orgs.) Anais do IV Seminário de
Preservação do Patrimônio Arqueológico. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, p. 444-457.
2016; NAJAR, Rosana. Para além dos cacos: a Arqueologia Histórica a partir de três superartefatos (estudo de
caso de três igrejas jesuíticas) Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 6, n. 1, p. 71-91, jan.- abr.
2011.
45

2.2 - Histórico

O início das pesquisas em Arqueoastronomia remonta ao final do século XIX, quando


o astrônomo inglês Norman Lockyer publicou uma série de trabalhos sistemáticos de
Astronomia antiga, a partir de monumentos arqueológicos,4 inspirando o desenvolvimento da
Arqueoastronomia. Mas foi somente na década de setenta que foram estabelecidas as bases
para a constituição da disciplina científica, a partir de simpósios internacionais e publicação
de revistas especializadas.5

Desde 1981, quando estudiosos de diversas partes do mundo se reuniram, em Oxford,


para uma conferência internacional sobre Arqueoastronomia, os pesquisadores interessados na
temática continuam se encontrando repetidamente em diferentes partes do mundo.6 Tem-se
então um panorama do tema, com apresentação de trabalhos diversificados sobre o emprego
de novas teorias e técnicas que podem ser utilizadas como referência para novos trabalhos.7

Depois da “Oxford VII”, estas conferências que enfocam os trabalhos realizados em


Arqueoastronomia e Etnoastronomia - agora englobadas pelo termo Astronomia Cultural -8
têm estado sob a responsabilidade da Sociedade Internacional de Arqueoastronomia e
Astronomia na Cultura (ISAAC).9

Em 2003, a partir da realização do Congresso Internacional de Americanistas de


Santiago do Chile, nasceu a Sociedade Interamericana de Astronomia Cultural (SIAC),10 que

4
LOCKYER. The Dawn of Astronomy. A study of the temple worship London: The MIT Press. 1894.
5
CARVALHO, E.; JALLES, C. Pesquisas em Arqueoastronomia no Brasil: estudos, problemas e possibilidades.
In: SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 6., 1997, Rio de Janeiro.
Anais... Rio de Janeiro. Sociedade Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, 1997. p. 84 -87.
6
Os encontros, com periodicidade de quatro anos, continuaram a ser conhecidos como Oxford International
Conference on Archaeoastronomy II, III, e assim por diante, independentemente do local onde são sediados.
7
Ver RUGGLES, Clive L. N. (Ed.). Archaeoastronomy and Ethnoastronomy: Building bridges between
cultures. Proceedings of the 278th Symposium of the International Astronomical Union and “Oxford IX”
International Symposium on Archaeoastronomy, Lima, Peru: Cambridge Universty Press. 2011.
8
Termos semelhantes como Astronomia na cultura e Astronomia antropológica também são usados e todos
incluem as áreas interdisciplinares da Arqueoastronomia e da Etnoastronomia. Cf.: LIMA, Flávia P. et al.
Relações céu-terra entre os indígenas no Brasil: distintos céus, diferentes olhares. In História da Astronomia no
Brasil (2013). MATSUURA, Oscar (Org.) Recife: CEPE, 2014. v.I. p. 86-128.2014. p. 98.
9
International Society for Archaeoastronomy and Astronomy in Culture - ISAAC.
10
Sociedad Interamericana de Astronomía Cultural - SIAC.
46

agrupa pesquisadores atuantes nas áreas de Arqueoastronomia, Etnoastronomia e História da


Astronomia. Esta Sociedade11 realiza encontros anuais nos quais, além de apresentar novos
resultados de pesquisa, ministra cursos e palestras que contribuem para a formação de novos
profissionais atuantes nas Américas. É, juntamente com a Sociedade Europeia para
Astronomia na Cultura (SEAC)12 e a Sociedade Internacional de Arqueoastronomia e
Astronomia na Cultura (ISAAC), uma das três associações internacionais que trabalham com
Astronomia Cultural.

O presidente da Sociedade Interamericana de Astronomia Cultural (SIAC), Alejandro


Martín López, da Universidade de Buenos Aires, define, em publicação recente sobre as
contribuições da Astronomia Cultural, este novo ramo da ciência:

A Astronomia Cultural é um campo acadêmico relativamente novo, mas que


reflete uma longa tradição. O termo, cunhado na década de 1990
(IWANISZEWSKI, 1990, 1991; RUGGLES; SAUNDERS, 1990)13, abrange
uma ampla gama de estudos cujo objetivo é, mediante uma variedade de
técnicas, analisar sob que formas as sociedades constroem conhecimentos e
práticas relacionadas ao espaço e aos fenômenos celestes. Trata-se de fazer
perguntas sobre como nós seres humanos construímos socialmente ideias e
ações relativas a esta dimensão particular da experiência que parece ter um
singular poder de fascínio para uma enorme variedade de culturas.14

11
Que atualmente conta com a participação de membros de 7 países (de maioria iberomericana).
12
Société Européenne pourl'Astronomie dans la Culture - SEAC.
13
IWANISZEWSKI, S, Astronomia Kak kul'turnaia sistema. In: GURSHTEIN, A. A. Na rubezhakhpoznaniia
vselennoy. Moskva: Nauka, 1990. p. 67-73. ______. Astronomy as a cultural system. Interdisciplinarni
izsledvaniya, n. 18, p. 282-288, 1991; RUGGLES, C.; SAUNDERS, N. (Eds) Astronomies and cultures.Niwot:
University Press of Colorado, 1990.
14
La astronomía cultural es un campo académico relativamente nuevo, aunque recoge una larga tradición. El
témino, acuñado en la década de 1990 (IWANISZEWSKI, 1990, 1991; RUGGLES; SAUNDERS, 1990),
engloba un amplio conjunto de estudios cuyo objetivo es, mediante una diversidad de técnicas, analizar las
formas en que las sociedades construyen conocimientos y prácticas referentes al espacio celeste y sus
fenómenos. Es decir que se trata de hacerse preguntas sobre como los seres humanos construimos socialmente
nuestras ideas y acciones referentes a esta particular dimensión de la experiencia que parece tener un singular
poder de fascinación para un enorme abanico de culturas. Cf. Introducción de LÓPEZ, A. M.. In BORGES, L. C.
Diferentes Povos, Diferentes saberes na América latina. Contribuições da Astronomia Cultural para a História
da Ciência. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2015.
47

Apesar do número de profissionais envolvidos nesta área ter se multiplicado no mundo


inteiro nos últimos anos - o que é facilmente observado pelas associações mencionadas
anteriormente -, é uma ciência relativamente nova que ainda tem um longo trajeto a percorrer.

No Brasil, os trabalhos relacionados a esta temática ganharam destaque quando, a


partir de 1982,15 uma equipe de pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ, coordenada pela
arqueóloga Maria da Conceição de Moraes Coutinho Beltrão, trazia à tona uma série de
descobertas de cunho notadamente arqueoastronômico, feitas no município de Central, na
Bahia.

O projeto, amplamente divulgado, ganhou destaque na mídia e teve o seu conteúdo


trabalhado por diversas equipes interdisciplinares, nacionais e internacionais. E, como tudo
que é novo e ainda desconhecido pela maioria, gerou não só entusiasmo, como também, muita
polêmica.16

Passados alguns anos, em meados dos anos de 1990, o Museu de Astronomia e


Ciências Afins (MAST/MCTI), a partir de uma parceria estabelecida com o Instituto de
Arqueologia Brasileira (IAB)17, passou a se dedicar à pesquisa arqueoastronômica, realizando
pesquisas em Varzelândia18, no norte do estado de Minas Gerais. O projeto -
Arqueoastronomia no município de Varzelândia - MG: uma proposta de estudo19 - foi
apresentado publicamente no ano de 1997, tanto nacionalmente, no VI Seminário Nacional de
História da Ciência e da Tecnologia, realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ)20, como internacionalmente, no XXth International Congress of History of Science,

15
Cf. BOAVENTURA, Edivaldo (Org.) Maria Beltrão e a Arqueologia na Bahia: o projeto Central. Salvador:
Quarteto, 2014:41.
16
Apesar dos arqueólogos serem unânimes sobre a importância dos referenciais astronômicos no desempenho de
diferentes atividades no cotidiano das sociedades passadas, os registros relacionados ao campo da Astronomia
têm sido - até mesmo por falta de conhecimento nesta área específica - normalmente relegados a outras
categorias classificatórias mais abrangentes. Quando as descobertas de Central vieram à tona - com conteúdo
inegavelmente astronômico - diversas discussões sobre registros semelhantes de outras regiões ficaram
evidenciadas pela diferença de enfoque.
17
Instituição particular de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos.
18
Município pertencente à bacia do Verde Grande, afluente da margem direita do rio São Francisco, inserida no
que se compreende por polígono das secas.
19
Sob a coordenação de Cíntia Jalles (MAST/MCTIC).
20
Anais do VI Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 1997.
48

realizado no Centre d'Histoire des Sciences et des Techniques, Université de Liège


(Belgium).21

Tal projeto visava testar a aplicabilidade de uma abordagem arqueoastronômica no


município de Varzelândia, que já era pesquisado pelo IAB e que oferecia uma boa
contextualização em função da grande quantidade de informações acumuladas por mais de
duas décadas de pesquisas anteriores. O conhecimento gerado por tais pesquisas permitiria
correlacionar as evidências arqueoastronômicas - abundantes na região - com as demais
informações sobre os grupos humanos que habitaram o município.

A escolha do município de Varzelândia, apesar de se mostrar acertada para o


desenvolvimento de um projeto de Arqueoastronomia, tendo em vista a grande quantidade de
informação complementar gerada após tantos anos de pesquisas realizadas pelo IAB, na
região,22 ainda era insuficiente para dar conta de um conhecimento que começava a despontar
no cenário nacional. Seria preciso uma quantidade de material relacionado, tão ampla que
fosse capaz de produzir um panorama inicial sobre a Astronomia das populações ágrafas
brasileiras. E este panorama seria muito restrito e tendencioso caso fosse produzido a partir de
um único referencial regional, no caso, do norte mineiro.

Em Arqueologia, tendo em vista que o que possuímos sobre o grupo estudado é


sempre uma parcela mínima da sociedade em questão, a maior quantidade de informações -
mesmo se advindas de contextos diferentes - permite a elaboração de questões mais
qualificadas, que, por sua vez, possibilitam levantar hipóteses mais plausíveis. Tal
confrontação torna-se indispensável para a construção de um quadro, ainda que generalizado,
destas populações tão pouco conhecidas. Apesar de a Arqueologia ter progredido
extraordinariamente nas últimas décadas - proporcionando-nos um conhecimento tão diferente
daquele encontrado nos livros didáticos responsáveis pela nossa formação básica - o que de
fato conhecemos ainda representa muito pouco para o amplo entendimento dos grupos que
produziram os vestígios culturais remanescentes que pesquisamos.
21
Caderno de resumos do XXth International Congress of History of Sience, 1997.
22
Com grande quantidade de trabalhos, artigos apresentados em congressos e teses, abordando amplamente
diversos temas que facilitam a compreensão dos grupos que habitaram a região no passado.
49

A necessidade de ampliar esses horizontes motivou a organização, em 1998, no Museu


de Astronomia e Ciências Afins (MAST), da primeira Oficina de Arqueoastronomia, que
reuniu arqueólogos, astrônomos e outros pesquisadores com interesses afins, para apresentar,
discutir e avaliar a relevância deste tipo de enfoque nas pesquisas realizadas pelas instituições
participantes. Acompanhando o encontro de três dias, foi também organizada no MAST uma
exposição,23 aberta ao público, que ofereceu uma mostra do que é a Arqueoastronomia, das
ciências envolvidas no seu estudo e do material coletado sobre o tema em pesquisas
arqueológicas realizadas pelo IAB em Varzelândia.

Como extensão da Oficina de Arqueoastronomia e com o apoio do Planetário da


cidade do Rio de Janeiro, foi oferecido, no ano de 2000, um curso de Astronomia básica para
arqueólogos,24 a partir de reivindicações dos pesquisadores que participaram do evento em
1998.

A partir dessa oficina, e de posse de um material bem mais abrangente que foi enviado
por pesquisadores de outras instituições brasileiras para este tipo de estudo,25 verificamos a
ocorrência de registros similares que, acompanhados por distintos trabalhos de pesquisas
arqueológicas, nas diferentes regiões do Brasil, permitiram o acréscimo de informações
relacionadas à cosmologia dos grupos, que dificilmente poderiam ser evidenciadas a partir de
um único referencial. Registros recorrentes como os círculos concêntricos26 e outros símbolos
associados ao conteúdo astronômico27 vêm sendo cada vez mais estudados e trabalhados de
forma destacada e em diferentes contextos.

23
Intitulada "O homem e o cosmos: visões de Arqueoastronomia no Brasil" (organização e curadoria Cíntia
Jalles).
24
O curso foi ministrado, em sua maior parte, pelo astrônomo Oscar T. Matsuura (atualmente colaborador do
MAST e do programa de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia - HCTE/UFRJ).
25
Material remetido por participantes do evento e reunido em publicação com o mesmo título da exposição.
26
Conforme exemplificado no trabalho apresentado por ocasião do XXVIII Simpósio Nacional de História -
Anpuh (JALLES, C. As representações astronômicas no De Natura Rerum e nos painéis rupestres das
populações ágrafas brasileiras. In: Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História – ANPUH. Lugares dos
historiadores: velhos e novos desafios. Florianópolis, 2015).
27
Como as representações de lagartos regularmente associados a imagens e/ou eventos astronômicos
(TAVARES & BELTRÃO, 2014. p. 79). Também associado ao sol, o lagarto, como a cobra e a tartaruga são
representados em associações como o sol ou algum evento astronômico (constelações, por exemplo).
50

Círculos concêntricos

Arte rupestre - Serra do Sol - PA. Foto: E. Pereira Sobre os meses. Isidoro de Sevilha28

Dessa forma, contando - a partir de 2003 - com a parceria institucional do Museu


Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCTI) e a colaboração científica do Observatório do
Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OV/UFRJ), o MAST realizou em 2004,
uma nova exposição29, desta vez itinerante, com material proveniente de outras regiões
brasileiras e organizou a publicação de um livro-catálogo com imagens da exposição e textos
de arqueólogos, antropólogos, historiadores, museólogos e astrônomos. Essa mostra teve
como principal resultado a consolidação de parcerias antigas e estabelecimento de outras
novas, que se mostraram cruciais para o desenvolvimento da disciplina.

Os trabalhos para organização e montagem da mostra levaram ao início da elaboração


de um banco de dados que pudesse reunir as informações provenientes das diversas
instituições participantes. Tal proposta facilitará os caminhos da Arqueoastronomia, por meio
de consulta e acesso a informações. Este novo canal possibilitará maior intercâmbio entre as
instituições e homogeneização das informações, em uma base de referência sistematizada.

28
Cf.: Isidoro de Sevilha. Los círculos de De natura rerum, 2011. p.11.
29
Intitulada "Olhando o céu da Pré-História. Registros astronômicos no Brasil. Curadoria de Cíntia Jalles e
Maura Imazio.
51

2.3 - Arqueoastronomia brasileira

No Brasil, as pesquisas arqueológicas vêm trazendo à tona, principalmente nos últimos


anos, um vasto campo de investigação para esta nova disciplina. Trabalhos importantes vêm
sendo realizados em diversas regiões brasileiras. Porém, apesar da existência de pesquisas
com amplo conteúdo arqueoastronômico, trata-se de uma temática ainda pouco explorada.

Os vestígios arqueológicos pertinentes ao campo da Arqueoastronomia


majoritariamente encontrados e pesquisados no Brasil são os registros rupestres. Estes
registros, identificados pelo termo geral de arte rupestre, englobam todas as sinalações -
pintadas ou gravadas - elaboradas pelo homem em suportes de pedra, tais como paredes de
grutas, abrigos, etc.

Registros arqueoastronômicos

Pintura de Central - BA. Foto: R. Nader. Gravura de Central - BA. Acervo: M. Beltrão.
52

Sítios arqueológicos identificados como relacionados aos fenômenos astronômicos -


tais como estruturas megalíticas,30 alinhamentos de pedras e construções arquitetônicas - são
também objeto de pesquisa que precisam ser analisados em profundidade por esta nova área
interdisciplinar.31

Estruturas megalíticas

Calçoene - AP. Foto: M. Cabral.

Atualmente, em projetos de cooperação científica com outras instituições de pesquisa


(MPEG e OV/UFRJ, mais diretamente)32 o MAST tem reunido novas informações pertinentes
ao campo da Arqueoastronomia para o banco de dados, sistematizando as informações sobre

30
Sítios com megálitos quase sempre apresentam evidências de terem sido usados como instrumentos para
observação de fenômenos celestes. Este é o caso das pesquisas realizadas nos últimos anos em Calçoene, no
Amapá. Cf.: CABRAL, Mariana; SALDANHA, João. Calçoene megalithic observtory. 2010. Disponível em
http://www.wondermondo.com/Countries/SA/BRA/Amapa/Calcoene.htm .
31
CABRAL, M. P., SALDANHA, J. D. M.. (2008). "Um sítio, múltiplas interpretações: o caso do chamado
“Stonehenge do Amapá” (PDF). Revista de Arqueologia Pública. v.3 n.1(3). 2008.
CABRAL, M. P., SALDANHA, J. D. M.. (2008). "Paisagens megalíticas na costa norte do Amapá"
(PDF). Revista de Arqueologia 2 (21): 09-26.
32
A parceria com o Museu Goeldi teve início em 2002 através do Projeto Vestígios Arqueoastronômicos no
Brasil, subprojeto As representações astronômicas na arte rupestre brasileira. A equipe atual é formada por
integrantes das três instituições: Maura Imazio da Silveira - MPEG; Rundsthen Vasques de Nader - OV/UFRJ; e
Cíntia Jalles (Coord.) - MAST.
53

os registros rupestres com motivos astronômicos ainda dispersas pelo país. O banco propiciará
ainda a integração de diversos pesquisadores e instituições através do intercâmbio das
informações coletadas sobre o tema. Tal projeto já reuniu material oriundo de sítios
arqueológicos de norte a sul do país, mais especificamente dos estados do Amapá, Pará,
Tocantins, Paraíba, Bahia, Minas Gerais e Paraná. O estudo desses painéis permite identificar
diversos aspectos do cotidiano dos diferentes grupos que habitaram o Brasil no passado.

Registros de algumas instituições colaboradoras

Serra da Lua - PA. Foto: E. Pereira/MPEG. Lapa da Pintura - MG. Acervo IAB

Toca do Pintado - BA. Acervo: M. Beltrão Ilha dos Martírios-TO. Foto: E. Pereira/MPEG
54

A divulgação de novas e diferentes informações alusivas ao tema propiciarão a


identificação de novos dados, que poderão ser eficazes no melhor entendimento da "Pré-
História"33 brasileira, além de fornecer dados para uma comparação necessária à compreensão
do conhecimento astronômico destas populações.

No Brasil as pesquisas em Arqueoastronomia ainda são isoladas e, portanto, difíceis de


enquadrá-las num estudo geral, necessário ao desenvolvimento da disciplina, que requer uma
quantidade maior de dados, que possam ser comparados e reunidos como peças de um
“quebra-cabeça”.

Para avaliarmos o conhecimento astronômico de grupos humanos que habitaram


diferentes regiões do Brasil pelas representações, encontradas na arte rupestre, torna-se
necessário efetuar um levantamento detalhado dos sítios arqueológicos com representações
astronômicas nas diversas regiões brasileiras. Como ponto de partida, faz-se necessário um
registro minucioso das imagens tanto de forma “isolada” como em possíveis interações no
conjunto dos painéis com sinalações astronômicas a que pertencem. Em etapa posterior,
buscar seu significado neste tipo de manifestação artístico-cultural.

2.3.1 - Arte rupestre

(...) estamos diante de um marco fundamental: pela primeira vez o


homem preocupa-se em registrar e perpetuar uma ideia.34

No Brasil, a pesquisa arqueoastronômica está diretamente associada ao estudo da arte


rupestre,35 já que é principalmente nos painéis rupestres que encontramos sinais de registros

33
Conceito polêmico que na História é eventualmente revisitado. Entre outras coisas por não comportar toda a
História existente antes do surgimento da escrita, tal como conhecemos.
34
SEDA, Paulo. Arte rupestre: comunicação e magia no Brasil antigo. In AZEVEDO NETTO, C. X.A
representação e interpretação de um antigo sistema de informação: os grafismos rupestres no Brasil.UFPB.
2013. p. 13. (prefácio)
35
Expressão consagrada pela Arqueologia que não privilegia a análise estética. Para maiores referências, ver
PROUS, PROUS, André. Arqueologia Brasileira. 1ª. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
55

astronômicos. É um campo de investigação cuja interpretação é particularmente difícil.


Entender um pouco mais sobre essas sinalações e suas representações é de singular
importância para a compreensão da própria cultura em questão.

Graças à qualidade desses registros rupestres – cujos corantes e fixadores são ainda
objeto de estudo em diversas instituições de pesquisa em todo o mundo36 – podemos, até hoje,
observar painéis de conteúdos distintos, espalhados por todo o planeta. Para a elaboração
destes painéis foram utilizados diversos tipos de instrumentos e várias substâncias de
naturezas distintas para preparar as tintas.

As gravuras eram realizadas por técnica de polimento (fricção entre uma pedra e a
superfície rochosa) e/ou picoteamento (efetuado por martelamento utilizando-se uma pedra
como batedor e outra como formão). As pinturas eram elaboradas em cores únicas ou
combinadas. As tintas eram obtidas a partir de matérias-primas derivadas de minerais,
vegetais e animais. Para tanto, adicionava-se água e um fixador a essa matéria-prima. As
cores eram, predominantemente, vermelho, amarelo, preto e branco, podendo ser usadas de
forma isolada (pinturas monocromas) ou combinadas (pinturas policromas). Pequenos
recipientes como conchas, cabaças, cerâmica, ou mesmo rochas, eram utilizados como suporte
para misturar as tintas (paletas de cores). Para a realização do desenho eram utilizados
diversos instrumentos, variando de acordo com o tipo de pintura, a técnica e a consistência da
tinta: o dedo, “pincéis” feitos de pelos ou vegetais, gravetos, espátulas (sobretudo no caso de
tintas mais pastosas), borrifadores, etc. O encontro destes instrumentos em escavações, assim
como de pigmentos utilizados para pintura, ou mesmo de um pedaço da rocha (pintado ou
gravado) associado a um contexto, por exemplo fogueira ou ossos, é importante para que se
possam realizar datações e estabelecer cronologias.

1992.p.510; AZEVEDO NETTO, C. X. A representação e interpretação de um antigo sistema de informação: os


grafismos rupestres no Brasil. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. p.44 SEDA, P. A questão das interpretações
em arte rupestre no Brasil. CLIO. Série Arqueológica (UFPE), Recife: UFPE, v. 1, n.12, p. 139-167, 1997.)
36
Equipes interdisciplinares e internacionais têm reunido esforços na tentativa - por meio de análises diversas -
de identificar a composição desses materiais. Cf.: LAGE, M. C. S. M.. Análise química de pigmentos de arte
rupestre do sudeste do Piauí. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, suplemento 2. p. 89-101.
1997; e CAVALCANTE, L. C. D.; ABREU, R. R. S.; LAGE, M. C. S. M.; FABRIS, J. D. Conservação de Sítios
de Arte Rupestre: resultados preliminares do estudo químico de pigmentos e depósitos de alteração no sítio Toca
do Pinga da Escada. Revista de Arqueologia, 21, n.2: 41-50, 2008.
56

Através desses painéis, podemos identificar diversos aspectos do cotidiano dos


diferentes grupos que por aqui passaram e deixaram suas marcas. E um aspecto de
fundamental importância para a sobrevivência de um grupo é o conhecimento astronômico.

A necessidade de orientação por referenciais astronômicos era essencial para regular o


bom desempenho de numerosas atividades das populações pré-coloniais tais como caça,
pesca, coleta, agricultura, etc, que dependiam diretamente desse conhecimento para seu
planejamento e execução.

As representações astronômicas, tais como as figuras classificadas como sóis, luas e


outras imagens celestes, são bastante comuns na arte rupestre brasileira. Ao mesmo tempo,
são muito controversas, pois ainda geram dúvidas na sua interpretação. Além da
representação dos astros, também podemos observar diversos registros que são associados a
sistemas de marcação de tempo, onde também estão implícitas observações celestes.

Alguns registros rupestres com sistemas de marcação de tempo

Pintura em Tanques – PA e Gravura em Ilha dos Martírios - TO. Fotos: E. Pereira/MPEG.


57

Painel do Pilão - PA. Foto: E. Pereira/MPEG Lapa do Mutambal - MG. Acervo IAB

Por se tratar de uma temática de difícil interpretação, precisamos, antes de tudo, buscar
entender as imagens contidas nos diversos painéis rupestres e suas representações no contexto
cultural do grupo a que pertencem.

2.3.2 - Outros suportes

Até há pouco tempo, no Brasil, os registros rupestres foram a principal fonte para
identificação e estudo da Arqueoastronomia. Atualmente, novas descobertas, como estruturas
megalíticas,37 alinhamentos de pedras e mesmo representações astronômicas em outros
suportes, além do rupestre, ampliam a gama de possibilidades.

37
Como as que vêm sendo estudadas por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do
Estado do Amapá – IEPA.
58

Estruturas megalíticas

Sequência do solstício em Calçoene - AP. Foto: M. Cabral.

Embora a pesquisa arqueoastronômica brasileira originalmente tenha baseado as suas


pesquisas no estudo dos grafismos rupestres - devido a sua notória prevalência sobre os
demais vestígios - podemos observar que dentre as distintas culturas indígenas - pretéritas e
atuais - existem diversos tipos de suporte nos quais são registradas representações
astronômicas e outros indicativos de suas cosmologias. Informações astronômicas e/ou
cosmológicas ocorrem também em objetos de madeira, cestaria, pintura corporal, etc. No
entanto, o registro arqueológico praticamente limita essas observações a materiais mais
resistentes às intempéries, tais como cerâmico, ósseo, lítico, entre outros.

Conforme mencionado anteriormente, no Brasil a pesquisa arqueoastronômica vem se


desenvolvendo principalmente vinculada à arte rupestre. Buscando novas possibilidades,
38
resolvemos - com uma equipe interinstitucional de pesquisadores - ampliar a pesquisa para
outros suportes. Desta forma, a partir de 2013, elaboramos um outro projeto para pesquisa de
informações astronômicas em material cerâmico arqueológico.39 Mais especificamente no

38
Entre O Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e o
Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OV/UFRJ).
39
Vinculado ao mesmo projeto, equipe e coordenação descritos na nota n.32 e intitulado As representações
astronômicas em vestígios arqueológicos: cerâmica do Baixo Amazonas.
59

material arqueológico do Baixo Amazonas, analisando coleções acondicionadas na Reserva


Técnica de Arqueologia Mário Ferreira Simões, do Museu Paraense Emílio Goeldi.40

A cerâmica do Baixo Amazonas é muito elaborada, contendo símbolos culturais -


tanto explícitos como implícitos - representativos para o estudo da Astronomia daqueles
povos. As decorações - tanto plásticas como pintadas - têm permitido identificar registros
astronômicos bem como representações simbólicas que remetem à ligação do homem com o
cosmos (cosmovisão).

Cerâmicas do Baixo Amazonas

Cultura Santarém. Acervo RTMFS - MPEG

40
As coleções arqueológicas do Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG foram formadas desde a sua fundação,
no século XIX em 1866. Atualmente o acervo da Reserva Técnica Ferreira Mário Simões é composto por um
conjunto numeroso e variado de objetos representativos da diversidade cultural dos povos que habitavam a
Amazônia antes da ocupação europeia, de imensa importância histórico-cultural e científica. Possui
aproximadamente 120 mil objetos (inteiros e fragmentados) e mais de 2 milhões de fragmentos procedentes de
diversas regiões da Amazônia.A Amazônia foi povoada por diversos grupos em diferentes períodos, com
-
vestígios que datam de 11.000 anos - encontrados na caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre/PA
(ROOSEVELT et al, Paleoindian cave dwellers in the Amazon: the peopling of the Americas. Science, vol. 272,
n. 5260, p. 373-384, Apr. 19 1996.). Ainda nesta região foi registrada a cerâmica mais antiga das Américas -
Proveniente do Sambaqui de Taperinha/ PA- com datações em torno de 8.000 anos (ROOSEVELT et al, Eighth
millennium pottery from a prehistoric shell midden in the Brazilian Amazon. Science, vol. 254, p. 1621-1624,
Dec. 13 1991). Por volta do ano 1000 A.D., a região foi habitada por sociedades hierárquicas e populosas, com
organizações sociopolíticas complexas e cultura material sofisticada. A maioria delas desapareceu nos séculos
XVI e XVII, a partir do estabelecimento dos europeus na região.
60

Um estudo comparativo anterior - apresentado no Encontro Internacional de


Arqueologia Amazônica de 2008 - realizado com o material cerâmico arqueológico do Baixo
Amazonas e arte rupestre de Monte Alegre, demonstrou que existem diversas semelhanças
temáticas e estilísticas entre os motivos representados nos dois tipos de suportes.41

Motivos astronômicos na cerâmica e arte rupestre

A parte superior do desenho é reprodução de cerâmica de Santarém e a parte inferior é de painéis


rupestres de Monte Alegre -PA.

Os materiais mais perecíveis como madeira e palha - que também se constituem


amplamente como suportes de registros astronômicos nas culturas atuais - só são encontrados
no registro arqueológico em raras condições especiais. Assim, é através da Etnoastronomia
que podemos ter parâmetros capazes de ampliar os nossos referenciais arqueoastronômicos.

41
PEREIRA, Edithe. Arte Rupestre e cultura material na Amazônia brasileira. In:Arqueologia Amazônica.
PEREIRA, E; GUAPINDAIA, V. (Org) Belém: MPEG; IPHAN; SECULT, p 259-283 . v.1. 2010. p.279.
61

2.3.3 - Etnoastronomia

“O calendário de diferentes povos se organiza pelo aparecimento e


desaparecimento no céu de astros ou conjuntos de estrelas. Assim sendo, é
possível estabelecer correlações entre representações indígenas sobre
agrupamentos de estrelas e as constelações convencionais adotadas pela
identificação do céu da Astronomia de planetários contemporânea.”42

No Brasil o potencial para a pesquisa em Etnoastronomia - que tem por objetivo


estudar o conhecimento astronômico de povos atuais - é favorecido pela existência de
diversos grupos indígenas que habitam o país até os dias de hoje e cuja vida cotidiana é
influenciada diretamente pela observação do céu.

Naturalmente, as diferentes culturas atribuem significados distintos a um mesmo


evento astronômico, uma vez que cada uma "(...) possui sua própria estratégia de
sobrevivência, que se reflete na adequação entre as atividades de subsistência e o ciclo das
estações, (...) As constelações sazonais, por exemplo, podem ter significado e utilidade
diferente para cada uma delas."43

Atividades de subsistência como a caça, a pesca e a coleta de produtos disponíveis no


ambiente, além de formas de manejo e de cultivo de diferentes produtos agrícolas permitem
identificar como a influência da alternância das estações do ano nas atividades desses povos é
marcante. Cada grupo possui sua própria visão de mundo e, consequentemente, formas
diferentes de representá-lo e identificá-lo nas observações celestes.

O movimento aparente das constelações - que, aliás, são bem diferentes das
identificadas pela visão greco-romana que adotamos em nossa sociedade - corresponde a uma

42
FAULHABER, Priscila. Astronomia e cosmovisão Ticuna. In: Olhando o Céu da Pré-História: registros
arqueoastronômicos no Brasil. JALLES, C.; IMAZIO, M. (Org.). Rio de Janeiro: MAST, 2004. p.9
43
AFONSO, G; NADAL, C. Arqueoastronomia no Brasil. In :História da Astronomia no Brasil (2013).
MATSUURA, Oscar (Org.) Recife: CEPE, 2014. p.54.
62

interpretação da sazonalidade e consequentemente da disponibilidade de recursos


relacionados à fauna e à flora, assim como dos distintos períodos para plantar ou colher.

Algumas constelações indígenas brasileiras

Constelação Desâna: Cabeça Onça44 Constelação Guarani: Ema45

C. Tikuna: Tartaruga e queixada do Jacaré46 Céu Tikuna; onça e jacaré47

44
Fonte: RIBEIRO, Berta; KENHÍRI, Tolemãn. Chuvas e constelações: calendário econômico dos índios
Dessana. Ciência Hoje - Amazônia, p.14-23, 1981.
45
Fonte: AFONSO, Germano. Arqueoastronomia brasileira. Universidade Federal do Paraná: UFPR, 2000. CD-
ROM.
46
Cf.: FAULHABER, Priscila (Org.). Magüta Arü Inü: jogo da memória, pensamento Magüta. Museu Paraense
Emílio Goeldi/MCT, 2003 . CD-ROM.
63

Para auxiliar a interpretação dos registros elaborados pelos grupos atuais, contamos
ainda com a possibilidade de estudo das narrativas simbólicas - os mitos - que passam através
das gerações o conhecimento adquirido na tentativa de explicar a dinâmica celeste.

Estudar a Astronomia indígena dos grupos atuais nos permite então, no mínimo,
ampliar os referenciais sobre o conhecimento astronômico dos grupos do passado, que
deixaram registradas suas observações, tornando-se uma abordagem eficaz no esclarecimento
de questões arqueoastronômicas.

2.4 - O Projeto Central

“O Projeto Central foi iniciado em 1982, no interior do estado da Bahia,


tendo recebido este nome em face à grande riqueza de sítios arqueológicos
existentes em seu território, além de estar no centro das caatingas regionais.
A área de estudo - denominada Região Arqueológica de Central - foi
delimitada e registrada em 1983, englobando vários municípios em um total
de 270 mil km², hoje reduzida, a pedido do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional/IPHAN, a 100 mil km².”48

Dentre os projetos que coletaram material específico sobre a temática de


Arqueoastronomia, escolhemos trabalhar mais concentradamente com os registros realizados
pelo Projeto Arqueológico de Central, no estado da Bahia.

O projeto Central, sob a coordenação de Maria da Conceição Moraes Coutinho


Beltrão49, é, provavelmente, o mais conhecido pelo público em geral tanto pela grandiosidade
das imagens com conteúdo astronômico, quanto pela sua ampla divulgação pela mídia.

47
Céu Tikuna observado em 12/11/2002, mostrando a briga da onça com o jacaré. Cf.: FAULHABER,
Astronomia e cosmovisão Ticuna. Op. Cit. p.29.
48
<http://www.mariabeltrao.com.br/portfolio-item/pesquisas-arqueologicas-no-interior-do-estado-da-bahia/ >
Acesso em outubro de 2016.
49
Profa. titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
64

O Projeto, que teve início em 1982, recebeu o nome em homenagem ao município de


Central - BA, que concentra grande quantidade dos sítios pesquisados. A região definida pelo
Projeto é de 100.000 km² e engloba a Planície Calcária, as Serras Quartzíticas da Chapada
Diamantina e a região oeste do estado da Bahia.50

O Projeto, no que diz respeito à pesquisa arqueoastronômica, é pioneiro no Brasil e


oferece material propício ao estudo que ora realizamos. Entre as diversas publicações
resultantes das pesquisas desenvolvidas na região, encontramos uma série de significados
possíveis atribuídos aos registros rupestres de conotação astronômica, que são apresentados
resumidamente em um texto sobre a Astronomia na pré-história da Bahia.51 As representações
são, de maneira geral, agrupadas em: comunicação ideográfica; regras ecológicas; prescrições
e restrições sociais e religiosas; práticas mágico-religiosas; e o conhecimento astronômico em
si.

Após mais de 30 anos de pesquisas em diversos municípios da região, foram


registrados mais de 400 sítios arqueológicos e paleontológicos, distribuídos em abrigos,
grutas, canyons, boqueirões, etc. Como a maior concentração de sítios encontra-se na planície
calcárea da Chapada Diamantina, as escavações e levantamentos dos registros rupestres,
também foram lá inicialmente centralizados, sendo posteriormente expandidos para as serras
quartzíticas, a leste e a oeste da planície.52

Os registros rupestres são abundantes em toda a região e a riqueza de material


propício ao estudo da Arqueoastronomia fez com que destacássemos este projeto com relação
aos demais53, pois seu conteúdo revela não só "a antiguidade e a complexidade do

50
Cf.: BELTRÃO, Maria. O projeto Central. In: BOAVENTURA, Edivaldo (Org.) Maria Beltrão e a
Arqueologia na Bahia: o projeto Central. Salvador: Quarteto, 2014. p.41.
51
Ver TAVARES & BELTRÃO, 2014.
52
<http://www.mariabeltrao.com.br/portfolio-item/pesquisas-arqueologicas-no-interior-do-estado-da-bahia/>
(acesso em outubro de 2016).
53
Desde o início das pesquisas arqueoastronômicas no Brasil, diversas regiões têm apresentado material
promissor para esse tipo de estudo, fazendo parte, inclusive, do inventário reunido pelo MAST para as
exposições organizadas sobre o tema e também se integrando ao banco de dados que está sendo organizado. A
escolha pela região de Central foi feita com base no tempo de pesquisas realizadas na área e também pelo
conteúdo - quase exclusivo em alguns sítios - diretamente relacionado à Astronomia
65

conhecimento do homem pré-histórico brasileiro, mas também que tal conhecimento está
intimamenete relacionado ao seu mundo mágico-religioso (cosmológico)."54

O sítio arqueológico Toca da Esperança55 tem se apresentado como um dos mais


importantes sítios localizados na região arqueológica de Central, por oferecer uma datação
mais antiga em relação aos demais, não só da região como possivelmente das Américas.56
Porém, será o sítio Toca do Cosmos que concentrará a nossa atenção no momento, tendo em
vista o seu potencial para a pesquisa arqueoastronômica.

Mapa com a localização dos sítios Toca do Cosmos e Toca da Esperança


54
BELTRÃO, M. Op.Cit. 2014. p.41.
55
Os trabalhos de prospecção e escavação realizados na área da Toca permitiram identificar a estratigrafia
composta por quatro camadas além da camada superficial, que tornou evidentes as alternâncias climáticas
(períodos secos e úmidos) por que passou a região (Beltrão & Danon, 1987; Beltrão et al., 1987a; Beltrão et al.,
1987b; Lumley et al., 1987b e 1988).
56
BELTRÃO, Maria. O projeto Central. In: BOAVENTURA, Edivaldo (Org.). Maria Beltrão e a Arqueologia
na Bahia: o projeto Central. Salvador: Quarteto, 2014. p. 41.
66

O sítio arqueológico Toca do Cosmos recebeu esse nome justamente porque parece ter
todo o cosmos representado em seu interior. Possui não só diversas representações de eventos
cíclicos (sol, lua, agrupamento de estrelas em prováveis constelações), como também de
alguns eventos astronômicos únicos (como a passagem de um cometa, p. ex.). Conta com
diversos painéis que nos remetem a uma provável utilização como sistemas de contagem e
outros que já foram inclusive, identificados como calendários solar, lunar e lunissolar.57

Registros astronômicos da Toca do Cosmos – BA

Passagem de um cometa de cauda longa e curva associado à estrela Vênus.58 Foto: C. Jalles.

57
BELTRÃO, Maria. (Coord.). Arte rupestre: as pinturas rupestres da Chapada Diamantina e o mundo mágico-
religioso do homem pré-histórico brasileiro. Rio de Janeiro: organização Odebrecht, 1994.
58
JALLES, Cíntia; IMAZIO, Maura. Olhando o Céu da Pré-História: registros arqueoastronômicos no Brasil.
Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2004.
67

Calendário lunar e correção do lunar para o solar.59 Acervo: M. Beltrão.

2.5 - Considerações parciais

A Arqueoastronomia, reunindo dois campos específicos do saber - Arqueologia e


Astronomia - tem estudado o conhecimento astronômico do homem no passado bem como os
desdobramentos decorrentes da aplicação deste conhecimento no cotidiano de diversas
sociedades passadas. Esta tarefa, apesar de dificultada pela ausência de maiores relatos sobre
os agentes que produziram os vestígios arqueológicos remanescentes, tem contado com a
contribuição, cada vez maior de outras disciplinas, no fornecimento de informações
complementares que auxiliam a melhor compreensão do nosso objeto de pesquisa. Dentre
elas, a Etnoastronomia, tem se destacado - especialmente em nosso país - permitindo ampliar
os referenciais da pesquisa arqueoastronômica.

59
Cf.: BELTRÃO, M.. O Alto Sertão. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010.
68

A consolidação de parcerias científicas tem se mostrado crucial para o


desenvolvimento da disciplina. A coleta e organização das informações provenientes das
diversas instituições colaboradoras têm promovido o crescimento da pesquisa
arqueoastronômica brasileira, possibilitando, entre outros aspectos relevantes, um maior
intercâmbio entre pesquisadores e instituições brasileiras, que começam a delinear um perfil
deste tipo de conhecimento.

Mesmo que, a princípio, os pesquisadores brasileiros tenham fundamentado suas


pesquisas arqueoastronômicas no estudo da arte rupestre - devido a sua prevalência sobre os
demais vestígios arqueológicos - outros tipos de suportes têm sido observados por seus
registros relacionados ao conhecimento astronômico e/ou cosmológico das culturas estudadas.
Isso sem contar com aqueles elaborados sobre materiais perecíveis que - a não ser sob raras
condições de preservação - só podem ser identificados através da pesquisa etnográfica.

Apesar do número de profissionais envolvidos com a pesquisa arqueoastronômica ter


se multiplicado - não só pelo mundo de uma forma geral, como também, especificamente no
Brasil - ainda temos muito que avançar.

Poucos são os projetos, com enfoque arqueoastronômico, desenvolvidos em nosso


país. Assim sendo, a escolha do Projeto Central como representativo para as populações
ágrafas brasileiras nos parece adequada, tendo em vista não só o tempo de pesquisas
arqueológicas realizadas na região, como também a quantidade de material de cunho
astronômico disponibilizado para a pesquisa proposta.
69

3 - REPRESENTAÇÕES ASTRONÔMICAS

"Quer falemos de arte móvel ou de santuários de gruta/ar livre, várias


questões se levantam à partida. A primeira diz sem dúvida respeito ao
próprio artista pré-histórico, a segunda ao conteúdo da simbologia gráfica
por ele utilizada. A terceira, indissolúvel das restantes, refere-se ao
enquadramento social de ambos."1

Uma vez que na Arqueologia, não podemos contar com o apoio de documentos
escritos, que permitam identificar mais facilmente relações humanas como as de poder, ter a
oportunidade de observar aspectos de um saber - no caso o astronômico - em representações
gráficas, também em períodos com abundância do suporte escrito, incontestavelmente
acrescenta informações preciosas e agrega conhecimento ao estudo de símbolos e outras
manifestações culturais.

Por serem as relações Céu/Terra, fundamentais para a sobrevivência e bem estar dos
seres humanos, as representações astronômicas encontram-se manifestadas sob formas
variadas, em diferentes suportes, de períodos distintos e por toda a História da humanidade.

3.1 - Considerações introdutórias

Os registros astronômicos sempre estiveram presentes na história da humanidade e são


estabelecidos de acordo com o interesse e conhecimento específico de cada sociedade. Mas,
apesar das manifestações culturais serem distintas, a interdependência do homem com o
universo a sua volta, não é. Também não é por acaso que determinadas imagens parecem estar
amplamente difundidas, mesmo em culturas que se encontram distanciadas no espaço e no
tempo. São desenhos carregados de simbolismos, sendo alguns praticamente inerentes ao ser
humano. E, ainda que não possamos afirmar que estas figuras, tão recorrentes, representem a
1
GONÇALVES, Victor. O mito, o rito e o resto. In: LEROI-GOURHAN, André. As religiões da pré-história.
Lisboa: Edições 70, 1983. p. 17.
70

mesma coisa para as mais diversificadas culturas, é um exercício investigativo enriquecedor,


perceber semelhanças entre grupos humanos variados que se apresentam, inicialmente, tão
diferentes.

3.2 - Registro arqueológico

As imagens que fazem parte do registro arqueoastronômico são de forma e conteúdo


diversificado e nem sempre são destacadas como fonte de saber astronômico. Elas podem ser
de associação direta representando astros - mais facilmente identificados como tal - ou de
conhecimento formado a partir das observações, como é o caso dos sistemas de contagem,
que indicam, frequentemente, marcação temporal sugerindo a elaboração de calendários.

Registros arqueoastronômicos associados a calendários

Gravuras situadas na Pedra do Ingá – PB.


As cavidades circulares sequenciais serviriam como marcadores de tempo.2

2
Cf.: ALEMANY, Francisco Pavia. El calendário Solar da "Pedra do Ingá" una hipótesis de trabajo. Boletim
série ensaios, n.4. Rio de Janeiro: Instituto de Arqueologia Brasileira, 1986.
71

Pintura representando um calendário solar de 31 dias com sol poente,


situada na Toca do Cosmos - BA.3 Foto: C. Jalles

Algumas imagens como as circulares, por exemplo, tão frequentes nos registros
culturais mais variados, acumulam uma carga de informações, que não pode ser demonstrada
e/ou comprovada diretamente a partir da pesquisa arqueológica, mas podem, com o auxílio de
outros referenciais, ampliar o número de questões a serem trabalhadas no processo de análise
do material resgatado. O círculo - bastante comum no mundo das representações - está
normalmente associado ao céu, ciclos celestes e, portanto, ao tempo e suas representações.

"Em primeiro lugar, o círculo é um ponto estendido; participa da perfeição


do ponto. Por conseguinte, o ponto e o círculo possuem propriedades
simbólicas comuns: perfeição homogeneidade, ausência de distinção ou de
divisão. O círculo pode ainda simbolizar não mais as perfeições ocultas do
ponto primordial, mas os efeitos criados; noutras palavras, pode simbolizar o
mundo, quando se distingue de seu princípio. Os círculos concêntricos

3
Cf.: BELTRÃO, Maria (Coord.). Arte rupestre: as pinturas rupestres da Chapada Diamantina e o mundo
mágico-religioso do homem pré-histórico brasileiro. Rio de Janeiro: organização Odebrecht, 1994.
72

representam categorias de ser, as hierarquias criadas. Para todas essas


categorias, eles constituem a manifestação universal do Ser único e não
manifestado. Portanto, o círculo é considerado em sua totalidade indivisa...
O movimento circular é perfeito, imutável, sem começo nem fim, e nem
variações. Define-se o tempo como uma sucessão contínua e invariável de
instantes, todos idênticos uns aos outros...O círculo simbolizará também o
céu, de movimento circular e inalterável..." 4

Na Arte Rupestre, esse tipo de imagem - circular - prevalece sobre as demais e pode
ser encontrada associada a diversas outras - geométricas, figurativas e mesmo zoomorfas -
que, ainda que não tenham sido inicialmente caracterizadas como tal, são de cunho
notadamente astronômico. Todo o material arqueológico - no que diz respeito ao saber
astronômico - que foi reunido até o momento, tem forte associação com a coleta de
informações e controle sobre a dinâmica celeste.

"Em outro nível de interpretação, o próprio céu torna-se símbolo, o símbolo


do mundo espiritual, invisível e transcendente. Mais diretamente, porém, o
círculo simboliza o céu cósmico, particularmente em suas relações com a
terra. Nesse contexto, o círculo simboliza a atividade do céu, sua inserção
dinâmica no cosmo, sua causalidade, sua exemplaridade, seu papel
providente. E, por essa via se junta aos símbolos da divindade debruçada
sobre a criação, cuja vida ela produz, regula e ordena (CHAMPEAUX G.,
dom STERCKX S. (O.S.B.), Introduction au monde des Symboles, Paris,
1966. p. 28)."5

4
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2009. p. 250.
5
Ibidem.
73

Registros circulares recorrentes em grafismos rupestres

Fonte Grande I -BA. Foto: R. Nader Lapa do Janelão - MG. Foto: L. Ribeiro

Outra imagem constante nos registros rupestres e igualmente associada às


manifestações gráficas do conhecimento astronômico - observado e eternizado nas
representações rupestres - é a espiral.

"Ela manifesta a aparição do movimento circular saindo do ponto original;


mantém e prolonga esse movimento ao infinito: é o tipo de linhas sem fim
que ligam incessantemente as duas extremidades do futuro... (a espiral é e
simboliza) emanação, extensão, desenvolvimento, continuidade cíclica, mas
em progresso, rotação criacional (CHAMPEAUX G., dom STERCKX S.
(O.S.B.), Introduction au monde des Symboles, Paris, 1966. 25)."6

6
Ibidem. p. 397-398.
74

Registros espirais recorrentes em grafismos rupestres

Lapa dos Bichos - MG. Acervo: UFMG Lajedo do Cadena - PA. Foto: E. Pereira

Quase tão recorrentes como os círculos concêntricos, conseguimos percebê-las


também em outros suportes arqueológicos como em peças de cerâmica e artefatos líticos,
entre outros.
Registros espirais em suporte cerâmico e lítico

Acervo da Reserva Técnica Mario Ferreira Simões - MPEG. Foto: C. Jalles


75

Tal forma, que apresenta o movimento circular saindo do ponto original, mantendo e
prolongando esse movimento ao infinito, encontra-se manifestada em todas as culturas,
sempre carregada de significações simbólicas. Frequente, também no mundo natural, pode ser
matematicamente explicada pela sucessão lógica de números inteiros/naturais - geralmente, de
0 e 1 e que cada número subsequente representa a soma dos dois anteriores. A assim
denominada Sequência de Fibonacci, apesar de conhecida desde a Antiguidade, recebeu este
nome por ter sido difundida pelo matemático italiano, Leonardo de Pisa,7 que no início do
século XIII,8 descreveu o avanço de uma população de coelhos, a partir dessa sucessão. 9

A sequência, que está presente em diversos fenômenos da natureza, é infinita - 0, 1, 1,


2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987, 1597, 2584... - e considerada, por sua
aplicação, como uma das maravilhas da Matemática.

Por exemplo:

A partir de dois quadrados de lado 1, podemos obter um retângulo de lados 2 e 1, se


adicionarmos a esse retângulo um quadrado de lado 2, obtemos um novo retângulo 3x2. Se
adicionarmos agora um quadrado de lado 3, obtemos um retângulo 5x3. Formando assim,
a sequência de Fibonacci.

7
Popularmente conhecido como Fibonacci (do latim Filius Bonacci), é tido como o primeiro grande matemático
europeu da Idade Média.
8
Com a publicação em 1202 do Liber Abaci (Livro do Ábaco ou Livro de Cálculo), que introduziu os numerais
hindu-arábicos na Europa.
9
Ao longo dos experimentos, ele se deparou com uma sequência onde um número é igual a soma dos dois
anteriores. A série, uma das mais famosas da matemática, ficou conhecida como série ou sequência de
Fibonacci. Ao dividir cada termo pelo anterior, o resultado sempre fica próximo do número phi (Φ =
1,618034…) número sublime, que organiza o universo em uma mesma proporção - chamada de divina -, está por
traz de importantes obras da arquitetura clássica, em pinturas e esculturas renascentistas e na natureza, incluindo
no corpo humano.
76

Ao utilizarmos um compasso e traçarmos o quarto de circunferência inscrito em cada quadrado, encontraremos


uma espiral formada pela concordância de arcos cujos raios são elementos da sequência de Fibonacci.10

Essa forma, considerada satisfatória do ponto de vista estético por suas proporções, foi chamada retângulo
áureo.11

O retângulo de ouro pode ser dividido em um quadrado e em outro retângulo de ouro


em um processo que pode se repetir infinitas vezes, mantendo-se a mesma proporção. Para os
gregos, o retângulo áureo representava a lei da beleza matemática. Ele aparece em diversas
obras da arquitetura e escultura gregas clássicas.12

10
RIBEIRO, Thyago. <https://www.infoescola.com/matematica/sequencia-de-fibonacci.> Acesso em Outubro
2017.
11
ibidem
12
A divisão áurea é conhecida desde os pitagóricos de 500 anos a.C e o Parthenon por exemplo, construído em
Atenas por volta de 430-440 a. C., tem em sua base um retângulo de ouro.
77

3.3 - Registro histórico

No período histórico, os mais variados tipos de registros foram responsáveis pelos


estudos dos símbolos que possuímos na atualidade, dos quais retiramos algumas
interpretações que já fazem parte, inclusive, do senso comum. Neste trabalho, destacamos
algumas que podem ser encontradas em diferentes dicionários de símbolos13 e que são,
sobretudo, encontradas nos registros arqueológicos.

Portanto, dando seguimento ao que foi apresentado no primeiro capítulo, sobre os


caminhos da Astronomia, daremos especial atenção aos registros astronômicos referentes ao
período isidoriano, destacando os de forma circular, que representam a principal forma de
explanação gráfica dos conhecimentos transmitidos por Isidoro de Sevilha, concentradamente
reunidos na obra De natura rerum, apresentada no referido capítulo.

Isidoro, ao utilizar este recurso gráfico para a explicação do mundo, corroborou o


conceito de perfeição divina associado à figura circular. A mensagem, transmitida
didaticamente, reproduzia, não só o conhecimento científico, mensurável, como também o
imensurável, perceptível na grandeza dos fenômenos naturais diretamente atribuídos ao
Criador.

Assim, ao difundir os saberes pagãos recuperados da Antiguidade, adequava-os de


acordo com a sua função de bispo e porta-voz autorizado14 de uma Igreja em expansão.15 E,
de acordo com o poder simbólico16 que lhe foi atribuído, passava as diretrizes para a

13
Aqui, reunimos informações principalmente de: CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de
símbolos. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009; e LEXIKON, Herder. Dicionário dos símbolos. São
Paulo: Cultrix,1997.
14
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989.
15
SILVA, Leila Rodrigues da. A normatização da sociedade peninsular ibérica nas atas conciliares e regras
monásticas: as concepções relacionadas ao corpo (561-636) – um projeto em desenvolvimento. Jornada de
Pesquisadores do CFCH, 6, 2004, Rio de Janeiro. In: Atas ... Rio de Janeiro: CFCH, 2004. (meio digital).
16
Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre.
Op.Cit., p. 7-8.
78

regulamentação da sociedade, nos aspectos religiosos e também sociais, jurídicos, econômicos


e políticos.

Ao explicar sobre os dias, por exemplo, definia o que era adequado e inadequado nos
dias considerados fastos – em que tudo corria bem – e os nefastos – em que somente a
atividade religiosa era permitida.17

Sobre os dias - capítulo I - Natura Rerum - Isidoro de Sevilha

17
Cf,: ISIDORO DE SEVILHA. Los círculos de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis
A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Valladolid: Maxtor, 2011. p. 5
79

A explicação sobre a semana, de acordo com a denominação romana com base no


nome dos planetas para os dias da semana, destacando o sábado como feriado desde a origem
do mundo e o primeiro dia depois do feriado, como do Sol, o primeiro astro.18

Sobre a semana - capítulo III - De Natura Rerum – Isidoro de Sevilha

18
Cf.:ISIDORO DE SEVILHA. op cit. 2011. p.7.
80

A explicação sobre os meses, um ciclo lunar, abarcando de uma lua nova à outra, que
os antigos definiram como o tempo que a Lua leva para percorrer o círculo do zodíaco e que
os pagãos nomearam segundo suas divindades, começando por Marte. Para os latinos, todos
os meses começam nas calendas19 e para os hebreus, com a volta da lua nova.20

Sobre os meses - capítulo IV - De Natura Rerum

19
Na antiga Roma, calendário fazia referência ao dia em que se deviam pagar pelos empréstimos recebidos,
cobrança que devia coincidir com as calendae, o primeiro dia de cada mês. (CF.:POZA YAGUE, Marta. Los
labores de los meses en el Románico. Revista Digital de Iconografia Medieval, vol.I. nº1. 2009:31.
20
Cf. ISIDORO DE SEVILHA. op cit. 2011. p. 9.
81

Sobre a correspondência dos meses capítulo V - De Natura Rerum 21

O ano - revolução circular do sol durante os 12 meses - é apresentado por Isidoro, no


capítulo VI, em vários tipos, de acordo com a distinção feita pelos sábios. Sendo eles: o ano
solar ou civil - de 365 dias - determinado ao longo de 12 meses pela revolução de um só astro;
o ano natural, quando a lua se interpõe entre o sol e nossos olhos, produzindo um
obscurecimento total se seu disco, o eclipse; o ano magno, intervalo de tempo que leva para
os astros voltarem ao seu ponto de origem, o que levaria 19 anos; o ano solsticial, relacionado
ao tempo que leva o sol para dar uma volta ao redor de todos os signos do Zodíaco; o ano
21
Correspondência dos meses para a medida das horas. Conforme nota de Saiz Montes & Esteban Piñeiro na
versão fac-símile do De natura Rerum, o escritor e agrônomo romano do século IV, Rutilo Tauro Emiliano
Paladio, compôs um tratado sobre os trabalhos do campo ao longo do ano Opus agriculturae em 14 livros que
abordam as questões agrícolas detalhadamente, finalizando cada livro (do XII ao XIII) que recebem os nomes
dos meses do ano com uma tabela De horis, útil para calcular a hora de cada dia medindo a sombra projetada
pelo nosso corpo quando iluminado pelo sol. Nessa tabela, é feita a correspondência entre os meses, agrupando-
os de dois em dois (tal qual apresentada por Isidoro no capítulo V). O bispo de Sevilha se apoia nela e não
dispõe a tabela para o cálculo da hora diurna. Ibidem. p.11.
82

lunar, de 354 dias que corresponde ao ano comum, transcorridos em 12 meses lunares; o ano
embolismal - no qual a páscoa se atrasa, que é de 384 dias, composto de 13 lunações; o ano
bissexto, que se dá a cada quatro anos com a adição dos quatro quartos acumulados para
formar o dia completo; e o ano jubilar - ano de perdão - que chega a cada 49 anos; além de
outros conjuntos de anos como as olimpíadas, o lustro, a era.22

Sobre os anos - capítulo VI - De Natura Rerum

As estações - quatro consideradas pelos latinos - são originadas pelos movimentos dos
astros, a saber: o inverno, quando o sol permanece nas regiões meridionais e a noite tem

22
Ibidem, p.12.
83

duração maior que o dia; a primavera, quando o sol se retira das regiões meridionais e se põe
em cima da terra, igualando a duração dos dias e das noites; o verão, quando o sol nasce para
o norte, aumenta os dias e reduz as noites; e o outono, quando o sol desce do alto do céu
moderando a força de seu fogo.23

Sobre as estações - capítulo VI - De Natura Rerum

Resumindo, o ano se explica pelo movimento do sol e o transcurso dos meses. As


estações dão lugar a mudanças alternadas; os meses para completar as diferentes fases da lua.
A semana abarca 7 dias. O dia e a noite se renovam pela alternância da luz e das trevas. A
hora é a reunião dos momentos.24

23
Ibidem, p 14-15.
24
Ibidem, p.15.
84

E assim, Isidoro prossegue utilizando imagens circulares em outros capítulos da obra,


como quando explica sobre os cinco círculos e os elementos do mundo - apresentados
25
anteriormente - e ainda sobre o céu e o seu nome, sobre os sete planetas celestes e suas
revoluções, sobre as águas que estão acima dos céus, sobre a natureza do sol, sobre as
dimensões do sol e da lua, sobre a luz da lua, sobre a posição das sete estrelas errantes, sobre
o arco-íris, sobre o nome dos ventos e sobre as partes da terra.26

Sobre o céu - cap. XII DNR Sobre os sete planetas - cap. XIII DNR

Sobre as águas - cap. XIV DNR Sobre o sol - cap.XV DNR

25
No capítulo 1 desta tese.
26
Ibidem, p. 20-34.
85

Dimensões do sol e da lua - cap. XVI Sobre a luz da lua - cap. XVIII

Posição das 7 estrelas - cap. XXIII Sobre o arco-íris - cap. XXXI

Sobre os ventos - cap. XXXVII Sobre a terra - cap. XLVIII


86

3.4 - Considerações parciais

As representações astronômicas - amplamente encontradas em todos os tempos e


culturas - ratificam a inegável importância deste saber na organização dessas diferentes
sociedades, seja pela orientação de atividades básicas essenciais à sobrevivência,
seja pela inserção do homem no grupo a que pertence.

O registro arqueológico, diversificado em formas e suportes, apresenta algumas


imagens tão recorrentes que, ainda que não possuam documentação escrita como em outros
períodos históricos, a possibilidade de associação entre elas27 permite a elaboração de
questões mais apropriadas ao esclarecimento de ações latentes na cultura material.

O registro histórico, por sua vez, tem permitido a construção de uma linguagem
simbólica - também manifestada em diferentes períodos - que, apoiada por documentações
auxiliares, provoca e auxilia a investigação arqueológica.

Ao destacarmos o papel de Isidoro de Sevilha na difusão dos saberes - recuperados


sistematizados - da Antiguidade, ratificamos o reconhecimento de sua autoridade, que acabou
lhe atribuindo um poder simbólico28 estratégico no trato, não só das questões religiosas, como
também das questões sociais e políticas.

Como detentor carismático dessa ferramenta de controle e poder, Isidoro utilizou o


saber astronômico não só para definir o mundo, delimitando o cosmos para relacioná-lo com o
microcosmo - o homem -, como também fez uso do pensamento simbólico para associações
de cunho religioso: Sol com Cristo e Céu com Igreja, p. ex.

27
Conforme verificaremos no próximo capítulo.
28
Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre. O
Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 7-8.
87

A ciência dos astros e a dinâmica celeste ofereciam, desta forma, além dos referenciais
de ordem prática na organização de tarefas cotidianas, a possibilidade de sua utilização
simbólica - fundamental na adaptação do conhecimento (pagão) produzido anteriormente -
para fins exegéticos.
88

4 - CAMINHOS DA ARQUEOLOGIA

“No que diz respeito a períodos mais remotos, a Arqueologia – em parceria


com a Astronomia, no que reconhecemos por Arqueoastronomia – vem
tentando, através da sua busca de interlocução com os registros deixados por
populações ágrafas, perceber e identificar a importância dos referenciais
astronômicos na organização, sobrevivência e desenvolvimento daquelas
sociedades.” 1

A pesquisa arqueológica, sempre auxiliada por outras ciências em sua trajetória, vem
procurando conhecer e mensurar, de alguma forma, os passos da cultura humana, a partir de
fragmentos cerâmicos, líticos, ósseos, malacológicos, entre tantos outros vestígios
remanescentes.

Ao tentar compreender o passado humano a partir de restos fragmentados da cultura


material de sociedades não mais existentes, busca constantemente investigar novos aspectos
que permitam alcançar melhor o seu objetivo. Para tanto, conta com o apoio de diversas áreas
do saber que, em cooperação mútua, têm alcançado resultados antes inesperados.

A fim de recuperar o saber astronômico de populações ágrafas e, portanto, em


parceria com a Astronomia, vem pesquisando diferentes culturas, através de informações
sobre a dinâmica celeste, que podem estar contidas em diferentes suportes arqueológicos.

4.1 – Considerações introdutórias

Embora se pretenda, na realidade, entender qual o significado cultural dos registros


encontrados, os avanços na pesquisa arqueoastronômica – principalmente no Brasil - ainda

1
JALLES, Cíntia. Pintado, gravado e escrito: a materialização do saber astronômico em diferentes formas de
registro. In: Christina Helena da Motta Barboza. (Org.). Histórias de Ciência e Tecnologia no Brasil (Mast: 30
anos de pesquisa, v.3). 1ed.Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2016, v. 3, p. 10.
89

estão muito mais relacionados aos tipos de registros existentes do que às observações que os
propiciaram, ou seja, como a cultura captou e representou os diversos eventos astronômicos.
De fato, as informações apreendidas a partir dos vestígios arqueológicos – mesmo em sua
totalidade – ainda representam uma parcela muito pequena das práticas das sociedades de
tempos mais remotos que conseguimos recuperar a partir de seu legado material.

Para avaliarmos o universo de informações astronômicas obtidas a partir do material


arqueológico encontrado em nossas pesquisas, daremos especial atenção aos elementos
observados a partir do estudo da arte rupestre - mais expressivo no que diz respeito aos
registros de observações celestes -, ainda que observemos a sua assimilação em outros
suportes arqueológicos.2

Por ser um campo de conhecimento ainda em formação, a pesquisa em


Arqueoastronomia – particularmente no Brasil - precisa ser ampliada, de modo a abranger um
maior número de informações que permitam a formação de um quadro inicial mais robusto –
ainda que generalizado – sobre o conhecimento astronômico das populações que habitaram o
território nacional no passado mais remoto. Um passo importante nesse sentido é o
estabelecimento de colaborações entre pesquisadores de diferentes instituições, visando à
reunião de novos materiais, bem como a troca de ideias e o aprofundamento das discussões.
Iniciativas, tais como as apresentadas anteriormente,3 que abrangem oficinas, cursos,
seminários e exposições podem ser ainda intensificadas por ações que promovam a
divulgação de conteúdo desse campo também para leigos, que serão, em última instância, os
responsáveis pelo apoio ao crescimento das pesquisas e atividades nesse campo. 4
Para potencializar as parcerias institucionais e facilitar a difícil tarefa da Arqueologia
ao buscar interpretar os vestígios culturais remanescentes de sociedades ágrafas - que esbarra

2
Conforme exposto no item 2.3 (capítulo sobre Arqueoastronomia)
3
No histórico das pesquisas em Arqueoastronomia, capítulo 2.
4
Aqui destacamos a publicação de material didático como o livro Olhai pro céu, olhai pro chão (JALLES, C.;
SILVEIRA, M. I.; NADER, R. V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia. Arqueoastronomia:
o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013), que foi distribuído em escolas e
bibliotecas e também junto a kits pedagógicos elaborados pelo então Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação.
90

na falta de maiores informações sobre os seus autores - estamos propondo um novo caminho
que almeja promover um maior intercâmbio de informações arqueológicas, permitindo a
circulação de material de cunho arqueoastronômico que, uma vez sistematizado, propiciará o
tratamento de informações comparáveis em suas semelhanças e diferenças culturais, espaciais
e temporais. Desta forma, estamos iniciando – no Museu de Astronomia e Ciências Afins - a
elaboração de um banco de dados que pretende ampliar o sistema de informações sobre a
jovem e desprovida Arqueoastronomia.

4.2 – Sistema de informações arqueoastronômicas

O desenvolvimento das pesquisas em Arqueoastronomia no Brasil, além de reforçar a


importância dos suportes rochosos, onde encontramos a maior parte dos vestígios, já nos
permitiu perceber que uma grande quantidade de registros apresenta formas semelhantes. São
essas similaridades, independentemente das distâncias no tempo e no espaço, que nos levaram
a refletir sobre a aparente universalidade de determinados padrões de comportamento
humano.5 No caso da Astronomia, manifesta-se o mesmo impulso no sentido de transmitir e
perpetuar as observações realizadas em diferentes locais, períodos e sociedades. Quando
ocorrem fenômenos celestes extraordinários, observados simultaneamente em diferentes
lugares, esse impulso torna-se particularmente verificável. Um exemplo é a explosão da
supernova6 de 1054,7 que foi muito registrada pelos astrônomos chineses e árabes, mas
também identificada em registros rupestres arqueológicos em Chaco Canyon, no Novo
México, Estados Unidos,8 e em Central, na Bahia.9

5
Também verificável no estudo sobre os simbolismos no decorrer da História.
6
Evento astronômico que ocorre durante os estágios finais da evolução de algumas estrelas e é caracterizado por
uma explosão muito brilhante.
7
Também conhecida por SN1054, foi amplamente vista da Terra a partir de 4 de julho de 1054 e esteve brilhante
o suficiente para ser vista por 23 dias à luz do dia e por 653 dias à noite. A poeira remanescente da SN1054 é
agora conhecida por Nebulosa do Caranguejo, na constelação de Touro.
8
Cf.: ZEILIK, Michael. Keeping the sacred and planting calendar: archaeoastronomy in the Pueblo Southwest.
In: AVENI, Anthony F. (ed). World Archaeoastronomy. Oxford International Conference of Archaeoastronomy
(2nd: 1986: Mérida, México). Cambridge University Press, 1989, pp 143-166.
91

Registros rupestres da Supernova 1054

Em Chaco Canyon – Novo México – USA e em Central - Bahia - BRASIL

Descobertas como essa, além de demonstrarem a aplicação de informações obtidas


pela pesquisa arqueoastronômica, na datação de vestígios arqueológicos difíceis de datar
como a Arte Rupestre, corroboram a necessidade imperiosa do intercâmbio de informações
resgatadas pela pesquisa arqueológica, relacionadas ao campo da Astronomia.

A falta de conhecimento, neste campo específico do saber – pertinente às ciências


exatas - pela grande maioria dos arqueólogos – cientistas humanos por excelência – faz com
que grande parte das informações, diretamente relacionadas ao saber astronômico, seja
negligenciada e/ou fique “adormecida” em relatórios técnicos de pesquisa esperando a leitura
de um profissional com experiência na área. Isso é possível porque os arqueólogos, cientes de
que a sua intervenção no sítio arqueológico acaba por destruí-lo, elaboram relatórios minuciosos, a
fim de que o que foi destruído possa, ao menos parcialmente, ser reconstituído em laboratório.

9
A identificação de registros rupestres encontrados na Bahia com a supernova de 1054 foi feita pelo astrônomo
Rundsthen Vasques de Nader (OV\UFRJ). Informações sobre essa descoberta foram fornecidas pela autora em
comunicação apresentada no X Simpósio Internacional de Arte Rupestre – SIAR, que teve lugar em Julho de
2014, em Teresina (PI). Cf.: JALLES, Cíntia. Pintado, gravado e escrito: a materialização do saber astronômico
em diferentes formas de registro. In: Christina Helena da Motta Barboza. (Org.). Histórias de Ciência e
Tecnologia no Brasil (Mast: 30 anos de pesquisa, v.3). 1ed.Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências
Afins, 2016, v. 3, p. 12.
92

O IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,10 que responde


pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro, reúne e disponibiliza as informações
gerais sobre os sítios trabalhados, permitindo-nos visualizar os tipos de sítios pesquisados
pelas diversas instituições brasileiras. Porém, informações mais precisas, emitidas após
análises criteriosas do material arqueológico resgatado, só são normalmente apresentadas em
trabalhos científicos, posteriormente, e de acordo com as questões específicas de interesse de
cada pesquisador.

A partir do portal do IPHAN,11 encontramos o Cadastro Nacional de Sítios


Arqueológicos – CNSA, que faz parte do Sistema de Gerenciamento do Patrimônio
Arqueológico – SGPA e onde podemos realizar consultas sobre os sítios cadastrados por
estado.

O SGPA foi concebido em 1997 com o objetivo de estabelecer padrões nacionais para
a identificação de sítios, coleções e registros de documentações arqueológicas, em
conformidade com a Lei nº 3.924/61. Desde que foi implantado, em 1998, o sistema já
cadastrou mais de 17.500 sítios.

10
Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Cultura que completou 80 anos em 2017.
11
portal.iphan.gov.br
93

Outro grande problema relacionado aos registros arqueoastronômicos é que os sítios


arqueológicos, de uma forma geral, e os de arte rupestre especificamente, estão, em muitos
casos, ameaçados de destruição. Por estarem “fixadas” em paredões calcários, as pinturas e
94

gravuras só podem ser resgatadas pelos pesquisadores, através de fotos e desenhos. A


construção de rodovias, a especulação imobiliária e a extração de cal, por exemplo – sem
contar com ações de outros destruidores, mais associadas ao desconhecimento sobre a
importância desses registros - vêm devastando sítios inteiros, que só podem ser
salvaguardados pelo trabalho exaustivo do arqueólogo. Daí a urgência de serem devidamente
trabalhados, antes de serem aniquilados pelo desenvolvimento implacável e inevitável das
grandes cidades.

O que estamos propondo na presente tese é um instrumento de trabalho coletivo que,


devidamente alimentado, renderá frutos a todas as instituições de pesquisa participantes. Além
disso, será gerenciado por quem tem competência específica no campo da Arqueoastronomia.
95

Inicialmente idealizado a partir do material coletado para a organização das exposições


realizadas anteriormente no MAST12 e agora contando com a contribuição de novos parceiros
encontrados em nossa trajetória de pesquisa, estamos consolidando – a partir desta tese – e
com a inestimável colaboração do analista de sistema Francisco Bruno Bezerra Castro,13 a
estruturação de um banco de dados que servirá de alicerce para o desenvolvimento das
pesquisas em Arqueoastronomia.

Quando implantado - o protótipo que ilustraremos a seguir - e tomando por base as


instituições participantes, terão seus projetos de atuação apresentados por Estado, com os
sítios catalogados por cada projeto – em execução ou mesmo concluído -, os tipos de vestígios
de cada sítio, os suportes de realização do registro evidenciado, as imagens em contexto e
isoladas - tanto referenciadas em seus painéis/bases como com as pesquisas adjacentes - até
que possamos confrontá-las com os demais registros existentes em outros sítios e trabalhados
por outras instituições. Em um item para observações, teremos a chance de visualizar as
publicações existentes – técnicas e científicas - sobre o material selecionado e também
correlacioná-las ao cadastro do IPHAN.

4.3 - Banco de dados em construção

Conforme exposto no item anterior, os diferentes projetos institucionais serão listados


por suas áreas de atuação em projetos de pesquisas arqueológica que possam evidenciar
registros com conteúdo astronômico. Assim, os primeiros projetos a serem trabalhados serão
os que possuem registros rupestres, que possuem predomínio das informações relacionadas ao
saber astronômico.

12
Conforme descrevemos no histórico da Arqueoastronomia (capítulo 2).
13
Colega do Mast, lotado na Coordenação de História da Ciência e Tecnologia – COHCT.
96

Cada instituição será convidada a participar com o envio dos registros resgatados
referenciados/abalizados por suas pesquisas locais/específicas, e permitirá a utilização das
imagens/dados pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins14 e posterior divulgação - por
instrumento jurídico – do material sob sua guarda, com objetivos explícitos de contribuir com
o desenvolvimento da Arqueoastronomia Brasileira.

Tecnicamente falando, o sistema aqui proposto ainda não está em um servidor web
dedicado e sim funcionando temporariamente em um computador do Mast e - de acordo com
o exposto pelo analista responsável, Francisco Castro – através de outra ferramenta chamada
XAMPP, que nada mais é que um repositório das ferramentas que utilizaremos nessa primeira
fase, a saber:

- Linguagem utilizada para desenvolvimento: PHP;


- Servidor web: Apache;
- CMS (sistema gerenciador de conteúdo): Joomla 3.4
- Servidor gerenciador de banco de dados: MySql.

PHP é uma linguagem para desenvolvimento “cliente servidor” já consolidada no


mercado e responsável por gerenciar as funções do site com o servidor web e o banco de
dados.

14
Instituição centralizadora das informações inventariadas pelo projeto ora coordenado por Cíntia Jalles.
97

Exemplo de código PHP

Joomla é um gerenciador gratuito de conteúdo (CMS), que vem crescendo no


mercado, cuja função é facilitar e agilizar o desenvolvimento de criação de páginas web, tanto
na parte gráfica quanto na parte de código.

Interface administrativa do Joomla


98

O MySql é o servidor do banco de dados. Sua função é armazenar tudo que for
referente à informação, nesse caso, referente aos sítios arqueológicos, pinturas, gravuras, etc,
cadastrados.

Interface utilizando o Xampp para gerenciar

As informações iniciais, dizem respeito às imagens que já foram submetidas para a


realização das mostras anteriores – ilustradas ao longo desta tese -, sendo que para o protótipo
aqui demonstrado, destacaremos aquelas pertencentes ao material coletado pelo Projeto
Arqueológico Central, coordenado pela Profa. Dra. Maria Beltrão do Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Visando a melhor compreensão da abrangência dos elementos relacionados ao nosso


sistema de informações, selecionamos algumas imagens em print para a demonstração do
passo a passo do banco de dados proposto e em execução.15

15
Inicialmente alimentado com material das instituições parceiras e aqui exemplificado com o do projeto
Central, mais especificamente com o do sítio arqueológico Toca do Cosmos – BA.
99

Na tela inicial – home - apresentamos o nosso trabalho na instituição e colocamos em


destaque algumas imagens de registros rupestres de relevância para a pesquisa
arqueoastronômica.
100

Utilizando o filtro das instituições participantes, obtemos informações sobre os


diferentes projetos institucionais com material de relevância para a o estudo da
Arqueoastronomia, bem como a área de atuação de cada um deles e o pesquisador
responsável.
101

Um caminho alternativo pode ser filtrar informações pelo nome do projeto, onde
também encontraremos o detalhamento dos dados sobre a área de atuação, os sítios
cadastrados e trabalhados, a Instituição responsável e o coordenador do projeto.
102

Após selecionarmos um determinado sítio, visualizamos seus registros,


contextualizados e também de forma isolada.
103

A partir da seleção de uma determinada imagem, podemos localizar outras associadas


através do scan indicado no menu de opções.
104

No mapa de conteúdo, serão acrescentados os referenciais de localização, também


apoiados pelos dados do IPHAN.
105

E, para finalizar, um conjunto de informações, textos e referências bibliográficas sobre


Arqueoastronomia, que serão acrescentadas pelos trabalhos gerados pela utilização,
interinstitucional, do banco de dados.
106

4.3 – Considerações parciais

A Arqueologia, buscando compreender sociedades tão diferentes da nossa, costuma se


associar a diversas outras áreas de conhecimento na tentativa de entender um pouco mais
sobre esses grupos, a partir de restos fragmentados de suas culturas. Em parceria com a
Astronomia, busca compreender o conhecimento que tais sociedades teriam sobre a dinâmica
celeste, a partir de vestígios arqueológicos relacionados ao tema.
No Brasil, a pesquisa no campo da Arqueoastronomia está diretamente associada ao
estudo da arte rupestre - já que é principalmente nos painéis rochosos que encontramos sinais
de registros astronômicos em inscrições pintadas ou gravadas.

O Museu de Astronomia e Ciências Afins, em projeto de cooperação científica com o


Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG/ MCTI – e com apoio de diversas instituições
brasileiras, vem reunindo imagens com representações astronômicas identificadas em painéis
de arte rupestre espalhados por todo o território nacional.

Os dados, recolhidos de forma padronizada, permitirão quantificar e comparar


informações, além de fornecerem subsídios para o reconhecimento de elementos
astronômicos, com o objetivo de se traçar um perfil do conhecimento astronômico do homem
no passado.
107

CONCLUSÃO

Ao iniciarmos o doutorado, já tínhamos em mente, a dificuldade de identificar/deduzir


as relações de poder a partir dos vestígios remanescentes da cultura material dos povos
ágrafos. E o tema, logo de início gerou comentários impressionantes, tanto pela dúvida -
perfeitamente plausível - quanto pelo vislumbre da chegada de algo novo que poderia trazer
benefícios para a ciência Arqueológica.

Terminamos essa etapa, com a satisfação do dever cumprido e cientes de que o


trabalho, tendo gerado questões suficientes para alimentar a pesquisa arqueoastronômica nos
próximos bons anos, traz ainda outras provocações que estão apenas começando a serem de
fato absorvidas e que ainda demandarão grandes debates na comunidade científica/acadêmica
global.

Por meio do exame minucioso dos registros deixados pelas diferentes sociedades que
nos antecederam no passado – objeto da Arqueologia - conseguimos, com relativa facilidade,
perceber a importância dos referenciais astronômicos na organização, sobrevivência e
desenvolvimento dessas sociedades. As relações de poder, no entanto - apesar de se
constituírem como hipóteses plausíveis e relevantes – são extremamente difíceis de serem
extraídas unicamente dos documentos arqueológicos, que representam, na realidade, uma
parcela mínima da sociedade não mais existente.1

Os trabalhos com enfoque arqueoastronômico têm trazido à tona uma enorme


quantidade de material arqueológico que - apesar de representar, indiscutivelmente a
importância e necessidade desse referencial para a organização das diferentes sociedades -
têm levantado mais questões que propriamente apresentado conclusões. As particularidades
relatadas em diferentes estudos de caso apontam aspectos esclarecedores que, se divergem em

1
Por esta razão, recorre-se, com frequência, a dados etnográficos provenientes de outros períodos e regiões.
108

muito na sua forma, convergem na interdependência do ser humano não só com o ambiente
que o cerca, mas também, fortemente, com o grupo a que pertence.

Ao destacarmos o conteúdo astronômico presente na obra de Isidoro de Sevilha,


pretendemos não só problematizar as relações de poder envolvidas na transmissão deste
conhecimento no período medieval inicial – explícitas e implícitas no discurso isidoriano -,
como também recuperar a História e desenvolvimento da Astronomia nesta etapa, ainda
pouco abordada pelos historiadores desta Ciência.

A impossibilidade de certificar a intenção dos agentes produtores da cultura material


que chegou a nossas mãos, não nos impede de idealizar, a partir de exemplos históricos e
mesmo de outras culturas ágrafas, passadas e atuais, teorias certamente mais consistentes com
a grandeza do material arqueológico hoje disponibilizado.

O material de conteúdo astronômico, ainda acessível nos sítios arqueológicos


brasileiros, é de tal magnitude que não é à toa que o sítio Toca dos Cosmos na Bahia - que foi
especialmente escolhido para ser o piloto no nosso banco de dados - está sendo proposto -
pela comunidade arqueológica e astronômica internacional, para o título de Patrimônio
Cultural Astronômico da Humanidade.

Ao destacarmos a pesquisa arqueoastronômica como essencial, convém


ressaltarmos alguns fatores atribuídos ao seu desenvolvimento no Brasil. O primeiro deles foi,
sem sombra de dúvida, o projeto pioneiro desenvolvido pela equipe do Museu Nacional
coordenada pela professora Maria Beltrão, conhecido como Projeto Central. O segundo fator
é a persistência de outras pesquisas realizadas em diferentes pontos do país, que continuaram
trabalhando com o tema, apesar de todos os percalços e de resistências para a realização de
estudos na área. O terceiro diz respeito às novas descobertas, que acabam por alterar os rumos
da pesquisa atual, como é o caso das pesquisas realizadas pelo Centro de Pesquisas
Arqueológicas - CPArq, do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do
109

Amapá - IEPA, em sítio com estruturas megalíticas em Calçoene – Amapá.2 E, por último,
mas não menos importante, os interesses e questionamentos de novos pesquisadores que,
através de suas constantes perguntas e demandas aos seus orientadores, acabam por incentivá-
los a romperem antigos paradigmas.

A cada dia novos projetos - mesmo que não tratem especificamente do tema - vêm
evidenciando a necessidade constante de aprofundarmos a pesquisa sobre o conhecimento
astronômico do homem no passado. Agora, contando com novas técnicas - principalmente
computacionais - e descobertas, a Arqueoastronomia vem se transformando, de inicialmente
polêmica, para inevitável.

O Banco de dados em Arqueoastronomia aqui apresentado é mais uma ferramenta para


este desenvolvimento, sendo a nossa principal contribuição para as pesquisas nesta área. Ele
conseguirá resolver o atual problema relacionado à dificuldade dos arqueólogos em dispor de
informações que fogem da área de sua competência, uma vez que poderão apenas informar
suas pesquisas sobre a especialidade que lhes compete, no caso, sobre a Arte Rupestre e ao
mesmo tempo disponibilizar o material para aqueles que poderão fazer a diferença, os
arqueoastrônomos.

Pelo simples fato de alimentarem o banco de dados, os pesquisadores terão um retorno


- com as novas possibilidades sobre o seu material - sem afetar o trabalho feito anteriormente,
que poderá ser disponibilizado de acordo com os interesses particulares e também linkados
com o cadastro do IPHAN. Dessa forma, todos ganham, independentemente do grau de
conhecimento que possuam sobre a dinâmica celeste e seus diversificados registros pintados,
gravados, escritos e agora, digitalizados.

Desta forma, toda informação disponibilizada e devidamente processada - como as que


foram adquiridas e compartilhadas com os demais colegas, durante o doutorado - ainda que

2
CABRAL, Mariana; SALDANHA, João. Calçoene megalithic observtory 2010. Disponível em
< http://www.wondermondo.com/Countries/SA/BRA/Amapa/Calcoene.htm >. Acesso em outubro de 2017.
110

não tenham resolvido todas as questões iniciais, indubitavelmente aprimoraram o nível delas,
impulsionando a estruturação de uma ferramenta coletiva que deverá alterar os rumos da
pesquisa realizada nos moldes atuais.

Para concluir, assumimos que tudo isso é apenas o início. Mas seguros que demos
mais um passo.
111

TERMOS, SIGLAS E OUTRAS DENOMINAÇÕES

Abrigo - ou "abrigo-sob-rocha", é um tipo de sítio arqueológico coberto, onde a distância da


boca ao fundo é menor que a altura. Ao contrário das grutas ou cavernas, onde a distância da
boca ao fundo é igual ou maior que a altura.

Ano embolismal - Ano em que se adiciona um mês suplementar de 30 dias destinado a


restabelecer a concordância entre anos lunares e anos solares.

Arqueologia – Ciência que estuda os povos do passado a partir das marcas e vestígios de suas
culturas. Apesar do enfoque no passado, possui métodos próprios que auxiliam o estudo o
comportamento humano em geral. É também eficaz no estudo de sociedades contemporâneas,
particularmente no que diz respeito a comportamentos não registrados pela escrita.

Astronomia – Ciência que estuda os astros e todos os fenômenos que ocorrem para além da
atmosfera terrestre. Trata de tudo que se passa fora de nosso planeta e também com a própria
Terra como parte do Sistema solar.

Astronomia Cultural – Campo acadêmico relativamente novo, cujo objetivo é analisar sob
que formas as sociedades constroem conhecimentos e práticas relacionadas ao espaço e aos
fenômenos celestes. Reúne os estudos realizados pela Etnoastronomia e pela
Arqueoastronomia.

Arqueoastronomia – Ramo recente da ciência que utiliza os conceitos e conhecimentos da


Astronomia e da Arqueologia. Tem por objetivo compreender o papel que a Astronomia tinha
na vida cotidiana das populações pretéritas.

Arte rupestre – expressão consagrada pela Arqueologia, que trata dos registros elaborados
sobre as superfícies rochosas, por populações pretéritas, sem privilegiar os aspectos estéticos.
112

Calendário lunar - É um calendário formulado de acordo com as fases da lua. Também


usado nos calendários hebraico e islâmico.

Calendário lunissolar – É um calendário baseado nos movimentos da Lua e do Sol, no qual


se procura harmonizar a duração do ano solar com os ciclos mensais da Lua através de
correções periódicas. Os doze meses lunares têm ao todo 354 dias, devido ao fato de a
duração do mês lunar ser de, aproximadamente 29,5 dias. Os dias que faltam para
corresponder ao ciclo solar obtêm-se através da introdução periódica de um 13º mês. Países
como a Índia ainda adotam ambos os calendários.

Calendário solar – É um calendário cuja marcação é baseada nos movimentos diário e anual
do sol. Historicamente, atribui-se aos egípcios sua primeira utilização, há cerca de 6000 anos.

CNSA – Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos. Apresenta os sítios arqueológicos


brasileiros cadastrados no IPHAN, com todo o detalhamento técnico e filiação cultural dos
Sítios Arqueológicos.

Cultura material – Conjunto de objetos apropriados por uma determinada sociedade. Pode
incluir tanto objetos apreensíveis como vasilhas de cerâmica, pontas de flecha ou adornos,
quanto elementos da paisagem tais como um muro, uma estrada ou uma roça.

Estruturas megalíticas – Construções monumentais com base em grandes blocos de pedra –


megálitos. Sítios com esse tipo de estrutura, frequentemente apresentam evidências de terem
sido usados como instrumentos para observação de fenômenos celestes.

Etnoastronomia – Tem por objetivo estudar o conhecimento astronômico atual de diferentes


povos. No Brasil o potencial para este estudo é ampliado pela existência de diversos grupos
indígenas que habitam o país até os dias de hoje.
113

Eventos astronômicos cíclicos – são aqueles que acontecem com periodicidade e


regularidade bem determinadas, tais como os movimentos diários e anuais do Sol, as fases da
Lua ou o nascer e pôr de estrelas e constelações, servindo para a elaboração de sistemas de
marcação de tempo (calendários).

Eventos astronômicos únicos ou extraordinários - não podem ser previstos


matematicamente ou por uma observação sistemática do movimento celeste e ocorrem sem
aviso prévio, aleatoriamente. Nesta classificação podemos incluir os cometas, os meteoros e
as explosões estelares (supernovas).

Gravuras – Registros gráficos realizados por técnica de polimento (fricção entre uma pedra e
a superfície rochosa) e/ou picoteamento (efetuado por martelamento utilizando-se uma pedra
como batedor e outra como formão).

IAB – Instituto de Arqueologia Brasileira. É uma instituição particular de caráter científico-


cultural, sem fins lucrativos (ONG). Fundada em 29 de abril de 1961, dedica-se à pesquisa,
ensino e divulgação da Arqueologia Brasileira. É credenciada junto ao Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para Guarda de Acervos Arqueológicos.

IBPA – Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas. Instituição científico-cultural sem


fins lucrativos, fundada em 29 de março de 2012, por um grupo de pessoas envolvidos com a
pesquisa arqueológica.

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Como responsável pela


preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro, reúne e disponibiliza as informações gerais
sobre os sítios pesquisados pelas diversas instituições e pesquisadores brasileiros.

ISAAC - Sociedade Internacional de Arqueoastronomia e Astronomia na Cultura


(International Society for Archaeoastronomy and Astronomy in Culture).
114

Joomla - É um gerenciador gratuito de conteúdo (CMS), que vem crescendo no mercado,


cuja função é facilitar e tornar mais ágil o desenvolvimento de criação de páginas web, tanto
na parte gráfica quanto na parte de código.

Linguagem PHP - É uma linguagem para desenvolvimento “cliente servidor”, já consolidada


no mercado e responsável por gerenciar as funções do site com o servidor web e o banco de
dados.

MAST – Museu de Astronomia e Ciências Afins. É uma unidade de pesquisa do Ministério


da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC, criada na cidade do Rio de
Janeiro no dia 8 de março de 1985. Tem como missão ampliar o acesso da sociedade ao
conhecimento científico e tecnológico por meio da pesquisa, preservação de acervos,
divulgação e história da ciência e da tecnologia no Brasil.

MN - Museu Nacional da UFRJ. Vinculado ao Ministério da Educação. É a Instituição


científica mais antiga do Brasil e o maior museu de história natural e antropológica da
América Latina. Foi criado em 06 de Junho de 1818 por D. João VI, sendo denominado de
Museu Real. Em 1946 foi incorporado à Universidade do Brasil e atualmente integra a
estrutura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

MPEG – Museu Paraense Emílio Goeldi. É uma instituição de pesquisa vinculada ao


Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação do Brasil. Desde sua fundação, em 1866, suas
atividades concentram-se no estudo científico dos sistemas naturais e socioculturais da
Amazônia, bem como na divulgação de conhecimentos e acervos relacionados à região.

MySql - É o servidor do banco de dados. Sua função é armazenar tudo que for referente à
informação. Nesse caso específico, referente aos sítios arqueológicos, pinturas, gravuras, etc,
cadastrados.
115

Pinturas – Registros gráficos elaborados com pigmentos obtidos a partir de matérias-primas


derivadas de minerais, vegetais, e animais. Eram predominantemente executadas nas cores
vermelha, amarela, preta e branca, que podiam ser usadas de forma isolada (pinturas
monocromas) ou combinadas (pinturas policromas).

RTMFS – Reserva Técnica Mário Ferreira Simões, do Museu Paraense Emílio Goeldi. O
acervo arqueológico desta reserva é composto por aproximadamente 120 mil objetos inteiros
e parcialmente fragmentados e mais de 2 milhões de fragmentos de artefatos, procedentes de
diversas regiões da Amazônia, caracterizando-se como um dos maiores acervos mundiais, de
reconhecida importância histórica, cultural e científica.

Saber astronômico – aqui utilizado principalmente para realçar a distinção com o que
conhecemos por Astronomia na atualidade. Envolve os aspectos mais relacionados ao
uso/aplicação do conhecimento adquirido pela observação da dinâmica celeste, nos grupos
considerados.

SEAC - Sociedade Europeia para Astronomia na Cultura (Société Européenne


pourl'Astronomie dans la Culture)

SIAC - Sociedade Interamericana de Astronomia Cultural (Sociedad Interamericana de


Astronomía Cultural). Criada em 2003, a partir da realização do Congresso Internacional de
Americanistas de Santiago do Chile.

Sítios arqueológicos – Locais com vestígios deixados por populações pretéritas.


Considerados bens da União, são parte do patrimônio nacional e podem estar relacionados a
momentos distintos de ocupação, que vão desde períodos relativamente recentes (históricos)
até épocas bem anteriores.
116

SGPA – Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico. Estabelece padrões


nacionais para a identificação de sítios, coleções e registros de documentações arqueológicas.

Supernova - Evento astronômico que ocorre durante os estágios finais da evolução de


algumas estrelas e é caracterizado por uma explosão muito brilhante.

Registros rupestres – registros deixados por populações pretéritas, elaborados sobre


superfícies rochosas, que representam elementos de suas culturas através de pinturas, gravuras
e esculturas.

Vestígios arqueológicos – Todo e qualquer objeto da cultural material de uma determinada


sociedade, resgatado pelas pesquisas arqueológicas.
117

BIBLIOGRAFIA

Documentos

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M. A. M. Casquero, con introducción de Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982.

ISIDORO DE SEVILLA. De Natura Rerum Liber. Editado por Gustavus Becker,


Amsterdam: Verlag Adolf M. Hakkert, 1967.

ISIDORO DE SEVILHA. Los círculos de De natura rerum. Introducción, traducción y


compilación: Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Valladolid: Maxtor, 2011.

BELTRÃO, M. C. M. C. Projeto Central. Relatório final da portaría nº 62, de 16 de Dezembro de


2013. Processo IPHAN nº 01502.000823/2011-16. Rio de Janeiro: Museu Nacional/UFRJ,
2014-2015.

Referências específicas

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(UFPR), 2000.1 CD-ROM.

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(2013). MATSUURA, O. (Org.) Recife: CEPE, 2014. v.I. p. 51-86.

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isidorianas:algunas consideraciones. IBERIA: Revista de La antigüedad n.2, p. 203-212.
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trabajo. Boletim série ensaios, n.4. Rio de Janeiro: Instituto de Arqueologia Brasileira, 1986.
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