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ARQUEOASTRONOMIA COMPARADA:
O céu pintado, gravado, escrito e digitalizado
Rio de Janeiro
2017
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ARQUEOASTRONOMIA COMPARADA:
O céu pintado, gravado, escrito e digitalizado
BANCA EXAMINADORA
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Professor Doutor Paulo Duarte Silva – suplente PPGHC/UFRJ
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Professor Doutor Rodrigo dos Santos Rainha – suplente - UERJ
Rio de Janeiro
2017
3
JALLES, Cíntia.
Arqueoastromia comparada: o céu pintado, gravado, escrito
e digitalizado/Autor: Cíntia Jalles de Carvalho de Araujo
Costa, 2017. 131f.: il.
Orientação: Leila Rodrigues da Silva.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em História
Comparada - Instituto de História - Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
AGRADECIMENTOS
Aos Institutos de pesquisa arqueológica que sempre contribuíram para a minha formação e em
especial ao Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), ao setor de Arqueologia do Museu
Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e ao Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas (IBPA).
À minha amiga-irmã e orientadora, Leila, que sempre foi o meu elo com a vida acadêmica.
À minha irmã-amiga e, por que não dizer, também "orientadora", Fernanda, que além de todo
apoio e incentivo dado, foi a responsável pela redução dos erros gramaticais e ortográficos,
que por aqui possam ocorrer.
Aos demais familiares que, além do apoio constante, foram fundamentais para o meu bem
estar físico e emocional. Em especial a Grace, por me manter "lúcida" e a Nathália, pela
paciência e cuidado com meus filhos, em momentos cruciais.
Aos colegas do Programa de Estudos Medievais (PEM/UFRJ), meu último reduto acadêmico,
responsáveis pela minha melhor apreensão do mundo medieval.
Aos meus amigos e parceiros de longa data, cujas contribuições vão muito além do que posso
relatar academicamente. Em especial à Maura que, além da amizade e parceria nas pesquisas
arqueoastronômicas, disponibilizou parte do seu valioso tempo para ler alguns capítulos e dar
sugestões.
Aos colegas do MAST - que esperam ansiosamente a conclusão da tese - pelo apoio e
consideração em minhas "ausências". Em especial aos analistas de sistema, Sérgio e Francisco
- pelo suporte na preparação do banco de dados; aos sempre parceiros, Cíntia e Janderson - no
suporte diário, e a Luci Meri pela digitalização de imagens para o Banco de dados e para a
tese.
Aos meus pais, que mesmo não mais estando presentes, transparecem nos diversos aspectos
da minha vida, principais referências em tudo que consigo realizar.
Aos meus filhos, sempre muito presentes, estimulando-me a seguir sempre em frente, em
busca de novos desafios.
Ao meu companheiro, que no meio de tudo isso, constrói a ponte de ligação entre os meus
ascendentes e descendentes, passado e futuro, enriquecendo o meu presente.
A todos os demais, que mesmo não estando descritos nesta página, moram em meu coração e
sabem que fizeram parte, positivamente, da minha trajetória.
MUITO OBRIGADA!
7
Resumo
Abstract
The observation of celestial dynamics, whether for religious reasons or even for the
administration of routine activities, has provided, since the periods more remote, its use as a
map, calendar and even as "clock". The possession of this knowledge has proved essential to
the holders of power, in the use and control of the most diverse societies. Through close
scrutiny of the registers left by the different societies that preceded us in the past - particularly
the staple populations - we have, with relative ease, been able to perceive the importance of
astronomical references in their organization, survival and development. Power relations,
however - though strongly constituting plausible and relevant hypotheses - are extremely
difficult to extract solely through archaeological remains, which represent, in reality, a
minimal share of a no longer existing society. Given the limited documentary material offered
by the staple populations, we will make use of various records available on astronomical
knowledge in separate societies in space-time, but sharing a subsistence directly dependent on
environmental changes. We will illustrate some possibilities with the material offered by the
records elaborated by Isidore of Seville, in the early moments of the medieval society,
demonstrating how the astronomical knowledge - verifiable in different historical periods -
ends up being evidenced like another tool of control and power in the social relations. And,
given the different possibilities of using astronomical knowledge, present in the daily life and
organization of any human society, translated and represented in different supports - painted,
engraved and written - we propose here a new methodology of action, inserting the use of a
digital base to expedite the comparison of archaeological documents recovered by numerous
research institutions.
9
SUMÁRIO:
APRESENTAÇÃO..................................................................................................................11
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14
- A obra Etimologyae......................................................................................................36
CAPÍTULO II - ARQUEOASTRONOMIA........................................................................43
2.2 - Histórico...........................................................................................................................45
CONCLUSÃO.......................................................................................................................107
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................117
11
APRESENTAÇÃO
Atualmente, já é possível ter uma pequena ideia do quanto a relação com o céu e com
toda a dinâmica celeste vai muito além daquilo que hoje restringimos em áreas de
conhecimento estanques que, em muitos casos, não dialogam entre si, impedindo-nos, dessa
forma, de alcançar a esfera do saber global de nossos ancestrais mais remotos que aqui
generalizamos por povos ágrafos. E esse avanço se deve, principalmente, à qualidade
científica dos estudos etnográficos, realizados com maestria em nosso país.
12
Não pretendemos discutir a gama de informações que um único vestígio pode trazer,
até porque, não existem os relatos de seus autores e estes materiais representam apenas um
pequeno fragmento das culturas que os produziram. A intenção é resgatar possibilidades de
entendimento, a partir da comparação com outras sociedades que, por analogia, têm muito a
oferecer, iluminando, por assim dizer, os caminhos da Arqueologia.
A comparação com outras culturas, ainda que não possa responder às nossas
indagações, contribui, indubitavelmente, para ampliar nosso "leque de opções", o que, por si
só, impulsiona o desenvolvimento da pesquisa, com o aumento e aprimoramento das questões
formuladas.
INTRODUÇÃO
Objeto e problemática
1
PROUS, André. Arqueologia Brasileira. 1ª. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992. p. 5.
2
WATSON, P.; LeBLANC, S.: e REDMAN, C. El método científico en Arqueología. Madrid: Alianza, 1987. p.
36.
15
Com o avanço das pesquisas arqueológicas, temos a noção – e aqui cabe ressaltar o
papel fundamental da pesquisa etnográfica – da enorme diversidade de grupos que habitaram
o nosso território e que geraram, por assim dizer, uma infindável quantidade de
conhecimentos que começamos a descobrir e que ainda representam uma parcela mínima de
sua ciência.
O registro do tempo e seu controle foi um dos aspectos que motivou a realização deste
trabalho. O exercício do poder4 e suas manifestações têm sido objeto de pesquisa desde que se
passou a identificá-lo em diferentes tipos de registros, geralmente escritos, oriundos de
diferentes períodos e sociedades conhecidas historicamente.
3
JALLES, C.; SILVEIRA, M. I.; NADER, R. V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia.
Arqueoastronomia: o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013. p. 36.
4
Conceito amplamente discutido, principalmente pelas Ciências Sociais e que aqui nos interessa, principalmente
por estar manifestado - mesmo que implicitamente - nas representações astronômicas utilizadas para o controle
de distintas sociedades. Para maiores referências de aplicação na Arqueologia, ver RENFREW, COLLIN &
BAHNN, Paul. Archaeology Theories, Methods and Practice. London: Thames and Hudson Ltd, 1993.
16
5
E para isso nos valemos do trabalho do sociólogo Pierre Bourdieu, que tem se destacado pela
inovação dos objetos de análise e a investigação sobre a produção simbólica e relações informais de
poder. Cf.: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: DIFEL/Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989:
_____.A Economia das Trocas Linguísticas. o que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 1996; e _____. A
Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.
17
Referencial historiográfico
6
Cf.FERRÁNDIZ ARAUJO, Carlos. Isidoro de Sevilla. In: GONZALEZ FERNÁNDEZ, Julián. (Coord.). San
Isidoro: doctor de las Españas. Sevilla, León, Cartagena: Caja Duero. Fundación Cajamurcia. Fundacion El
Monte, 2003.p.27-28.
7
Boa parte deste material encontra-se disponibilizado na coleânea San Isidoro Doctor Hispaniae. Cf.: San
Isidoro. Doctor Hispaniae. Sevilla: Cabildo Colegial de San Isidoro, Caja Duero, Fundación Caja Murcia Y
Fundación El Monte, 2002.
8
MUÑOZ TORRADO, A. San Isidoro de Sevilla: Imprenta Alvarez y Zambrano, 1936.
9
PÉREZ DE URBEL, J. San Isidoro de Sevilla. Barcelona: Labor, 1940.
10
QUILES I. San Isidoro de Sevilla. Buenos Aires: Espasa-Calpe Argentina, 1945.
11
MADOZ, J. San Isidoro de Sevilla. Semblanza de su personalidad literaria. León: Consejo Superior de
Investigaciones Científicas y Centro de Estudios e Investigaciones San Isidoro, 1960.
12
HERRERA CARRANZA, Joaquín. El pensamiento de San isidoro de Sevilla y su influencia histórica a través
de autores del siglo XX. Grupo de Trabajo Scripturium Isidori Hispalensis del Aula de la Experiencia.
Universidad de Sevilla. Disponible en http://institucional.us.es/aulaexp/PanelP/ISIDORO%20JOR%20INV.pdf.
Acesso em março de 2016. p.1.
13
Recaredo, Sisebuto, Suintila e Sisenando.
14
SILVA, Leila R. O bispo na obra de Ecclesiasticis Officiis de Isidoro De Sevilha. In SANTOS, B. S. &
COSTA, R. (Orgs.). Anais do VIII Encontro Internacional da Idade Média: Filosofia, Artes, Letras, História e
Direito. Cuiabá: EDUFMS, 2011. p.19.
18
O controle sobre a dinâmica celeste expressa o quanto o tempo cósmico pode ser
transformado pelas sociedades humanas que o cristalizam, conforme seus interesses sociais,
econômicos, culturais, políticos e religiosos.
15
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas. o que falar quer dizer. Op Cit., p. 89-91.
16
SILVA, Leila Rodrigues da. A normatização da sociedade peninsular ibérica nas atas conciliares e regras
monásticas: as concepções relacionadas ao corpo (561-636) – um projeto em desenvolvimento. Jornada de
Pesquisadores do CFCH, 6, 2004, Rio de Janeiro. In: Atas ... Rio de Janeiro: CFCH, 2004. (meio digital).
17
Tornou-se importante, não só por todo o conhecimento que sistematizou, como também pela citação de textos
de outros autores, dos quais não temos mais vestígios além dos fragmentos presentes em sua obra.
18
Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre. O
Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 7-8.
19
A ciência dos astros e a dinâmica celeste ofereciam, desta forma, além dos referenciais
de ordem prática na organização de tarefas cotidianas, a possibilidade de sua utilização
simbólica - fundamental na adaptação do conhecimento (pagão) produzido anteriormente -
para fins exegéticos.
Com relação às populações ágrafas, muitos são os autores que dedicaram suas
pesquisas ao estudo e discussão dos conteúdos apresentados nos diversos registros elaborados
por nossos ancestrais. Configurados por pinturas e gravuras - encontrados em suportes
variados como paredes de grutas, cavernas, abrigos, blocos, etc. – esses registros são
englobados pelo termo “arte rupestre”.
19
“Isidoro ha seguido siendo, en efecto, uno de los autores más leídos y referenciados en sus escritos y en su
persona, y la España medieval lo veneró como un doctor, y, a partir del siglo XI, como un campeón de la
cristiandad hispánica ‘reconquistadora”. Cf.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de
la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid:. Encuentro, 2002. p. 287.
20
Porém, apesar de ser um tema de grande interesse para os arqueólogos, assim como
muito atrativo para os leigos em geral, a arte rupestre ainda é um objeto de estudo que
necessita – mais do que a maioria dos vestígios – de uma enorme gama de informações
externas ao objeto em si. Como salientava Annette Laming-Emperaire, são os únicos vestígios
20
Do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
21
Em 1980 e 1985 o arqueólogo André Prous publicou importantes levantamentos sobre a história da pesquisa e
da bibliografia arqueológica no Brasil, que até hoje servem de referência para diversos outros trabalhos.
22
PERFEITO DA SILVA, Joaquim. “ARTE RUPESTRE”: conceito e marco teórico. Em Rupestreweb,
PERFEITO DA SILVA, Joaquim. “ARTE RUPESTRE”: conceito e marco teórico. Em Rupestreweb, Disponível
em: < http://www.rupestreweb.info/conceito.html> 2004. p.1. Data de acesso: out/2014..
23
Do departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
24
Do departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
25
Da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCTIC).
26
Do departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
27
Do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
28
Do Núcleo de Estudos das Américas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do
Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas (IBPA).
21
Assim como diversos outros estudiosos, os autores Jean Clottes e David Lewis-
Wiliams atribuem aos xamãs a tarefa de elaboração dos registros rupestres. No livro “Los
chamanes de la prehistoria” os autores dedicam uma parte da obra à arte dos San, tribo sul-
africana cujas manifestações artísticas realizadas pelos xamãs, têm sido comparadas à arte
paleolítica.30
Abordagem teórico-metodológica
A comparação em História sempre se fez necessária desde que, a partir dos nossos
referenciais, tentamos entender o outro, ainda desconhecido e com o qual possuímos pouca
familiaridade. Em Arqueologia, esta necessidade torna-se mais evidente pela total ausência de
documentos escritos elaborados pelas sociedades que pretendemos estudar.
29
PROUS, André. Op Cit. p. 509.
30
Para eles, estas manifestações artísticas possuem um significado religioso e estão diretamente relacionadas ao
xamanismo e seus rituais. CLOTTES, J.; LEWIS-WILLIAMS, D. Los Chamanes de la Prehistoria. Madrid:
Ariel, 2010. p. 110-112.
31
KOCKA, Jürgen. Comparison and beyond. History and Theory, Middletown, 2003. p.40.
22
E como ainda não possuímos elementos suficientes, que nos permitam identificar no
registro arqueológico, as relações como as de poder, por exemplo, propomos o
emprego/aplicação de uma nova metodologia que destacaremos no capítulo 4,
evidenciando/apontando um novo caminho para a pesquisa arqueológica.
Documentos
32
Conforme também sistematizado por BARROS, José D´Assunção. História Comparada: um novo modo de ver
e fazer a História. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 01, n. 01, 2007. p. 5.
33
Os calendários litúrgicos, estabelecidos por atas conciliares, regras monásticas, epistolários e mesmo sermões
são, reconhecidamente, importantes expressões do poder eclesiástico, Cf.: SILVA, Paulo Duarte. Calendário
Litúrgico e Poder Episcopal nos reinos romano-germânicos: considerações historiográficas. Brathair, 12, 1, p.
137-151, 2012.
23
Para esse período, serão utilizados como referência dois documentos elaborados por
Isidoro de Sevilha. O primeiro, Etymologiae (Etimologias), é uma obra de natureza
enciclopédica – composta por vinte livros - que reúne e apresenta, de forma sistemática,
conhecimentos acumulados até o período da sua produção, por volta de 634, dos vários
campos do saber. Bastante significativa, entre outras razões por registrar a transformação do
conhecimento desde a Antiguidade até o século VII. Outra obra, De natura rerum (Sobre a
natureza das coisas), dedicada ao rei Sisebuto, embora seja um escrito considerado menos
importante de Isidoro de Sevilha,34 é um manual de tratamento sistemático das ciências
físicas, que responde perguntas sobre pontos obscuros, sobre os elementos e sobre fenômenos
naturais. Como é comum na abordagem de Isidoro, essa obra faz referência tanto aos
conhecimentos clássicos pagãos quanto aos ensinamentos cristãos, ambos tratados como
autoridades.
34
Não possui edições acessíveis como as versões disponibilizadas para Etimologias, por exemplo.
35
Todo sítio arqueológico que possui autorização para pesquisa, gera uma grande quantidade de documentos que
normalmente só são levados a público após o término das pesquisas, conforme as questões levantadas pelo
pesquisador/equipe responsável.
24
36
Sob a coordenação de Maria da Conceição de Moraes Coutinho Beltrão, que vem realizando pesquisas na
região há mais de três décadas.
25
1 - CAMINHOS DA ASTRONOMIA
"A astronomia é útil porque nos eleva acima de nós mesmos; é útil porque é
grande, é útil porque é bela; isso é o que se precisa dizer. É ela que nos
mostra o quanto o homem é pequeno no corpo e o quanto é grande no
espírito, já que nesta imensidão resplandecente, onde seu corpo não passa de
um ponto obscuro, sua inteligência pode abarcar inteira, e dela fluir a
silenciosa harmonia. Atingimos assim a consciência de nossa força, e isso é
uma coisa pela qual jamais pagaríamos caro demais, porque essa consciência
1
nos torna mais fortes".
Considerada a mais antiga das ciências naturais, a ciência que estuda os astros e todos
os fenômenos que ocorrem para além da atmosfera terrestre, sempre ocupou lugar de destaque
no interesse humano. Seja por questões de ordem prática, que fazem da dinâmica celeste um
referencial básico para organização e sobrevivência dos seres humanos, ou mesmo por
questões religiosas, a predição de eventos confere ao céu, um papel prático e mesmo
espiritual, com funções de mapa, calendário e de "relógio".
Ainda que o início da Astronomia - tal como conhecemos - seja difícil de precisar, não
é errado supor que o interesse pelo céu e a observação da dinâmica celeste envolva um
período quase tão antigo quanto o da existência humana. Indícios arqueológicos remontam há
milhares de anos e comprovam a plena observação e registro de fenômenos celestes cíclicos e
esporádicos.
A ciência responsável pelo estudo desses vestígios deixados por nossos antepassados,
a Arqueoastronomia - que particularmente nos interessa e que abordaremos mais
especificamente no próximo capítulo - tem se valido da análise de diversas outras culturas na
tentativa de minimizar a fragilidade das esparsas informações resgatadas pela Arqueologia até
o presente - que costuma alcançar o máximo a partir do mínimo.
1
POINCARE, Henri. O Valor da Ciência. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995. p. 92.
26
2
STEINER, João E. Astronomia no Brasil. In: Ciência e Cultura. São Paulo: SBPC, 2009. v.61. n.4. p.45.
3
MATSUURA, Oscar T. (Org). História da Astronomia no Brasil. Recife: Cepe, 2014.
27
"Eu irei satisfazer sem demora o desejo do teu espírito recorrendo aos
antepassados, explicando de alguma forma o cálculo do dia e do mês, além
do final do ano e a sucessão das estações, também a natureza dos elementos,
finalmente, o curso do sol e da lua e as consequências de alguns astros, ou
seja, como presságios de ventos e tempestades, bem como a posição da terra
e a alternância das marés."4
O período isidoriano - assim denominado pela marcante atuação deste bispo sevilhano
- foi marcado pela considerável quantidade de obras produzidas no reino visigodo, pelo
segmento eclesiástico de uma forma geral. A produção atribuída a Isidoro de Sevilha tem
proporcionado material de interesse para a pesquisa em diversas especialidades. A ordenação
dos distintos campos do saber contidos, por exemplo, em sua obra enciclopédica -
Etimologias - tem se mostrado essencial para a divulgação, e, até mesmo, recuperação do
conhecimento adquirido no passado. Profícuo na produção de documentação escrita, o
período foi responsável pela sistematização do conhecimento adquirido pelas culturas
anteriores - clássicas e pagãs - e sua reordenação de forma cristianizada.
4
"Yo satisfaré sin demora el deseo de tu espiritu recorriendo a los antepassados, explicando de alguna manera
el cálculo del día y del mes, además los extremos del año y la sucesión de estaciones, también la naturaleza de
los elementos, finalmente el curso del sol y de la luna y las consecuencias de algunos astros, es decir, como
presagios de vientos y tempestades, así como la posición de la tierra y la alternancia de las mareas." (CF.:
ISIDORO DE SEVILHA, 2011:2).
"Dum te praestantem ingenio facundiaque ac uario flore litterarum non nesciam, inpendis tamen amplius curam
et quaedam ex rerum natura uel causis a me tibi efflagitas suffraganda. Ego autem satisfacere studeo animoque
tuo decursis priorum monumentis non demoror expedire aliqua ex parte rationem dierum ac mensium, anni
quoque metas et temporum uicissitudines naturam etiam elimentorum, solis denique ac lunae cursus et
quorundam causas astrorum, tempestatum scilicet signa adque uentorum nec non et terrae positionem
alternosque maris aestus".(CF.: ISIDORO DE SEVILHA, 1987:1)
28
Até o presente momento, não temos como saber a data e o local precisos do
nascimento de Isidoro. Com base nos documentos conhecidos é possível fazer uma
estimativa. Conforme relatado por Antonio Hernández Parrales, seus pais saíram de Cartagena
no ano de 554, antes do seu nascimento.5 Uma vez que se tornou bispo em 601 e que era
necessário ter o mínimo de trinta anos de idade para o cargo, podemos presumir que o seu
nascimento deve ter ocorrido antes de 570.6 Por todo o exposto na bibliografia referente, não é
errado supor que ele seja de Sevilha mesmo e que tenha nascido entre 560 e 570.7
Com a morte precoce de seu pai, a educação de Isidoro ficou a cargo de seu irmão
mais velho Leandro, que o antecedeu no cargo episcopal e lhe proporcionou familiaridade
com os livros das ciências, tanto religiosas como profanas. O conhecimento acumulado desde
cedo permitiu que Isidoro - por mais de trinta anos no bispado de Sevilha - fosse reconhecido
por seus contemporâneos como um erudito sem precedentes, exercendo enorme influência
religiosa, social e política na Hispânia visigoda.
5
HERNÁNDEZ PARRALES, Antonio. El XIV centenario del nacimiento de San Isidoro, Arzobispo de Sevilla.
Boletín del Instituto de Estudios Giennenses, 1960. p.10-11.
6
MADOZ, Jose. San Isidoro de Sevilla. Semblanza de su personalidad literaria. León: CSIC/Centro de Estudios
e investigaciones San Isidoro,1960. p.4.
7
HERRERA CARRANZA, Joaquín. Op. Cit. p. 2.
8
Dentro do que comporta a ampla atividade conciliar - não só por decisões religiosas como também políticas -
durante os anos do Reino Visigodo católico espanhol , destacamos a participação de Isidoro, particularmente no
IV Concílio ocorrido na cidade de Toledo - capital do reino visigodo. O quarto concílio toledano, realizado na
Igreja de Santa Leocádia no final do ano de 633, foi provavelmente presidido por Isidoro de Sevilha, já idoso,
que propôs a maior parte do que foi aprovado. Por sua influência foi proclamado, por exemplo, que todos os
bispos criassem seminários em suas sés metropolitanas seguindo um modelo de escola que o próprio Isidoro
criara em Sevilha.
29
e não um direito e qualquer outra forma de usurpação do poder passava a ser considerada
crime execrável. 9
9
HERRERA CARRANZA, Joaquín. Op. Cit. p. 4.
10
Doutrina cristã pregada por Prisciliano, no século IV, com base em ideais de austeridade e pobreza,
desenvolvida na Península Ibérica (Hispânia romana) e que foi posteriormente considerada como heresia pela
igreja Ortodoxa.
11
" (...) contra la persistencia en tierras hispânicas, (...), de la astrología erudita y de religiones astral es
inmemoriales, contra los terrores arcaicos provocados en la población de las zonas rurales por los eclipses,
contra las especulaciones planetarias de la herejía priscilianista." Cf.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla:
génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid: Encuentro, 2002. p. 221.
30
12
"Astronomia significa 'lei dos astros', e estuda, até onde o conhecimento permite, o curso dos astros, suas
configurações e as relações que estes têm uns com os outros e com a Terra"/ "Astronomia est astrorum lex, quae
cursus siderum et figuras et habitudines stellarum circa se et circa terram indagabili ratione percurrit." Cf.:
ISIDORO DE SEVILHA, Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M.
Casquero, con introducción de Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 454.1982.
13
ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. A respeito dos homens e dos seres prodigiosos. Revista da USP, n. 23,
São Paulo, 1994. p. 78.
14
Além do capítulo III (sobre a Matemática) que apresenta a definição de Astronomia, também encontramos
material relacionado, especialmente nos capítulos IX (linguagens, povos, reinos e cidades), XIII (o mundo e suas
partes) e XIV (a geografia).
15
"Em sua definição de mundo, os filósofos dizem que há cinco círculos, chamados pelos gregos de paralelos, ou
seja, zonas em que se dividem a superfície (círculo) da terra (orbis terrae)."/"In definitione autem mundi
circulos aiunt philosophi quinque, quos Graeci παϱαλλήλονϛ - id est zonas - uocant, in quibus diuiditur orbis
terrae."CF.: ISIDORO DE SEVILLA. De Natura Rerum Liber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam:
Verlag Adolf M. Hakkert, 1967. p. 22-23.
31
contradiz, quando afirma que indianos e bretões vêem o Sol ao mesmo tempo no momento do
alvorecer16 - só compatível com uma terra plana.
16
"O sol é semelhante para os indianos e para os bretões que o vêem levantar-se ao mesmo tempo. Seu tamanho
aparente não é menor para os orientais do que para os ocidentais quando nasce e quando se põe"/ "Similis sol
est Indis et Brittanis eodem momento uidetur cum oritur nec uergens in occasum minor apparet orientalibus,
existimatur". CF.: Ibidem. p. 32.
17
ALBALADEJO VIVERO, Manuel. El conocimiento geográfico en las "Etimologias" isidorianas:algunas
consideraciones. IBERIA. 2 (1999). p.205.
18
"Regio autem terrae uidetur trifarie esse diuisa, e quibus una pars Europa, altera Asia, tertia Africa uocatur.
Europam igitur ab Africa diuidit mare ab extremis oceani finibus et Herculis columnis. Asiam autem et libyam
cum Aegypto disterminat os Nili fluminis quod Canopicon appellatur. Asiam autem - ut ait beatissimus
Augustinus - a meridie per orientem usque ad septemtrionem peruenit. Europa uero a septentrione usque ad
occidentem, adque inde Africa ab occidente usque ad meridiem, unde uidentur orbem dimidium duae tenere
Europa et Africa; alium uero dimidium sola Asia. Sed ideo illae duae partes factae sunt, quia inter utramque ab
oceano ingreditur quidquid aquarum terras interluit et hoc mare magnum nobis facit. Totius autem terrae
mensuram geometrae centum octoginta milium stadiorum et quinque existimauerunt."Cf.:ISIDORO DE
SEVILLA. De Natura RerumLiber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam: Verlag Adolf M. Hakkert, 1967.
p.79.
32
com o pensamento cristão. Os três continentes são representados como domínios dos filhos de
Noé: Sem (Ásia), Jafet (Europa) e Cham (África).19
Os mapas T-O como são conhecidos - onde o "T" representa a divisão entre os três
continentes e o "O" o oceano ao redor - são caracterizados por sua alta carga teológica,
descrevendo o mundo segundo a ideia de Isidoro de Sevilha. Tal perspectiva serviu como
referência até o final da Idade Média (século XV), quando os renascentistas com suas novas
descobertas, e principalmente com a descoberta do "Novo Mundo" (Américas), começaram a
elaborar novos tipos de mapas.
19
MOLINA MARIN, Antonio Ignacio. La geografía en la historiografia cristiana: el inicio de la separación entre
geografia e história. In Geographica: ciencia del espacio y tradición narrativa de Homero a Cosmas
Indicopleustes. Antigcrist (Murcia) XXVII, p. 379-397, 2010. p. 388.
20
Este conceito de cartografia medieval representa apenas o hemisfério norte de uma Terra esférica, dedução
feita a partir da projeção da porção habitada do mundo conhecida nos tempos romanos e medievais.
33
cristã da Terra conhecida. O paraíso (jardim do Éden), por exemplo, era geralmente
representado pela Ásia, situada na parte superior do mapa.
Podemos observar na obra de Isidoro uma distinção entre o que hoje consideramos o
campo de atuação da Astronomia e aquele que normalmente definimos por Astrologia. A
primeira, que ele identifica como mais prática e científica, estudaria as evoluções dos corpos
celestes, auxiliada por números. A segunda, que caracteriza como mais supersticiosa, teria por
objeto o estudo da influência desses corpos celestes sobre o destino do homem.
Os romanos dão aos dias da semana os nomes dos planetas, ou seja, das
estrelas errantes. O primeiro dia tem o seu nome a partir do Sol, que é o
primeiro de todos os astros; o segundo da Lua; o terceiro da estrela Marte,
chamada Vésper; o quarto da estrela Mercúrio; o quinto da estrela Júpiter,
chamada Phaeton; o sexto da estrela Vênus, chamada Lúcifer, a mais
brilhante de todas as estrelas; o sétimo da estrela Saturno. Os pagãos deram
aos dias da semana, os nomes destas sete estrelas porque acreditavam que
elas exerciam sobre eles certa influência. Afirmam receber do Sol o sopro
vital, da Lua o corpo, de Mercúrio a palavra e a sabedoria, de Vênus o
prazer, de Marte o ardor das paixões, de Júpiter a moderação e de Saturno a
tranquilidade.21
21
"(....) Apud Romanos autem hi dies a planetis - id est erracticis stellis - nomina ceperunt. Primum enin diem a
sole uocatum dicimus, quia princeps est omnium siderum, sicut et idem dies capud est cunctorum dierum,
secundum a luna, quae soli et splendore et magnitudine proxima est, et exinde mutuat lumen; tertium ab stella
Martis quae uesper uocatur; 3.quartum a stella Mercurii, quam quidam candidum circulum dicunt; quintum a
stellaIouis, quam phaethonta dicunt; sextum a Venerisstella, quam luciferum asserunt, quae inter omnia sidera
plus lucis habet; septimum a stella Saturni, quae septimo caelo locata XXX annis fertur explere cursum suum. 4.
Proinde autem gentiles ex his septem planetis nomina diebus dederunt e o quod per eosdem aliquid sibi effici
existimarunt dicentes habere ex sole spiritum, ex luna corpus, ex Mercuri linguam et sapientiam, ex Venere
uoluptatem, ex marte feruorem, ex Iole temperantiam, ex Saturno tardi tatem.Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. De
Natura Rerum Liber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam: Verlag Adolf M. Hakkert, 1967. p. 09-10.
34
É nesse contexto que, conforme expõe Pablo Martín Prieto, Isidoro sentiu necessidade
de estabelecer, no 27º capítulo do 3º livro das Etimologias uma distinção clara entre
Astronomia e Astrologia, por avaliar as práticas consideradas supersticiosas como um forte
obstáculo à evangelização.
22
MARTÍN PRIETO, Pablo. Isidoro de Sevilla frente a los límites del conocimiento: etimología, astrología,
magia. Temas Medievales, Buenos Aires, v.13, n.1, p. 125-156, ene./dic. 2005, p.134.
23
VERDON, Jean. Las supersticiones en la Edad Media. Buenos Aires: El Ateneo, 2009. p.12.
24
"... la autoridad de Isidoro es responsable de haber estabelecido y fijado con claridad, para la posteridad
medieval, los limites definidos de los campos semánticos aún hoje asociados a las dos vertientes del
conocimento sobre los astros". MARTÍN PRIETO, Pablo. Op. Cit. p.135.
25
Os grandes astrônomos - desde Ptolomeu até Kepler - eram também astrólogos.
35
As diversas obras atribuídas a Isidoro de Sevilha - cuja produção literária foi arrolada
pelo bispo Bráulio de Saragoça27 em documento conhecido como Renotatio Isidori - são
fundamentais para a compreensão do contexto em que estão inseridas as emblemáticas
atuações deste bispo. Isidoro ficou conhecido como um dos mais importantes intelectuais da
Igreja no período visigodo. Sua trajetória no bispado de Sevilha é marcada pelo empenho na
organização da instituição eclesiástica na Península Hispânica e pela influência que exerceu,
não só pelos seus escritos, como também pela sua atuação no II Concílio de Sevilha (619) e
no IV de Toledo (633).28
Dentre os diferentes temas abordados nos dezessete escritos, com temáticas variadas
que foram amplamente reproduzidas ao longo do medievo, daremos especial atenção ao saber
astronômico que apesar de ser apresentado muitas vezes de forma simbólica, é portador de
uma quantidade de referências clássicas cujos "originais" se perderam no tempo, pela
História. A utilização desse conhecimento na administração de atividades diversas mostrou-se
essencial aos detentores do poder e fundamental no processo de fortalecimento da Igreja em
expansão.
Este saber - foco da abordagem selecionada para nossa pesquisa - será observado à luz
de duas das suas obras - Etymologiae e De natura rerum - que examinaremos mais
detalhadamente a seguir.
26
SAMSÓ, Julio. La Astrología en España durante la Alta Edad Media. Berceo, Historia 16, n. 41, p. 102-109,
1979. p. 102.
27
Reconhecido como discípulo de Isidoro.
28
Cf. SILVA, Leila R.O paradigma de monge nos De ecclesiasticis officiis e Regula Isidori. In: Anais do XXV
Simpósio Nacional de História - ANPUH. Fortaleza, 2009.
36
A obra Etymologiae
Manuel C. Diaz y Diaz, estima que existiram cinco mil cópias da obra e que sua
difusão começou muito cedo, desde meados do século VII, em diferentes versões que, quando
contrastadas, tendiam a ser alteradas com o objetivo de completar as informações ausentes em
determinados exemplares.30
Etymologiae, de forma enciclopédica e composta por vinte livros31, é a obra que mais
expressa a ampla instrução do autor e é também a que se tornou mais conhecida e analisada.
Registra a transformação do conhecimento desde a Antiguidade até o século VII,
apresentando, de forma sistemática, o que foi acumulado pelos diversos campos do saber.
Inicialmente elaborada para atender a um pedido do monarca Sisebuto (612 -621), essa
obra possuía outras motivações que Jacques Fontaine, distinguiu em quatro tipos: melhorar a
cultura das elites leigas e eclesiásticas do reino, oferecendo-lhes uma espécie de manual
prático; prosseguir a busca de um saber global, através da via aberta pelo enciclopedismo
29
Provavelmente por volta de 659, conforme DIAZ Y DIAZ na introdução da obra ISIDORO DE SEVILLA.
Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M. Casquero, con introducción de
Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 102.
30
Ibidem p. 200 e 211.
31
I - Gramática; II - Retórica e Dialética; III –Aritmética, Geometria, Música e Astronomia; IV – Medicina; V -
leis e tempo; VI - livros e ofícios eclesiásticos; VII - Deus, anjos e santos: hierarquias de
Céu e Terra; VIII - Igreja e seitas; IX - línguas, povos, reinos, cidades e títulos; X - Etimologia; XI - homem; XII
–animais; XIII - Mundo e suas partes; XIV - Terra e suas partes; XV –prédios públicos e estradas; XVI - pedras
e metais; XVII- agricultura; XVIII – guerra, jurisprudência e jogos; XIX –navios, casas e vestes; XX - provisões
e mobiliário.
37
helenístico e romano; voltar a dar um sentido mais puro às palavras, contribuindo para a
reconstrução linguística do latim, em uma Hispânia que ainda o falava; e, finalmente, atender
a curiosidade pessoal do próprio Isidoro sobre alguns conhecimentos profanos, que poderiam
ser considerados supérfluos para um bispo do século VII. 32
Etimologias inicia - como o próprio nome indica - explicando as origens das palavras
em diversos campos do saber. Isidoro acreditava que a partir de uma interpretação sobre a
origem dos vocábulos seria possível conhecer a essência das palavras e dos nomes, além de
apreender a sua realidade. A Etimologia desempenhava aqui um duplo papel, epistemológico
e teológico, pois agia tanto como meio de unificação do conhecimento quanto como uma
forma de reconduzir os nomes e as coisas até o criador. Mas, no decorrer dos vinte livros que
a compõem, torna-se muito mais que um trabalho sobre a linguagem, expressando, sobretudo,
a visão de mundo de seu tempo.
32
FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los
visigodos. Op. Cit., p. 122-124.
33
ISIDORO DE SEVILHA, Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M.
Casquero, con introducción de Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 457.
34
Conforme introdução de Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. Los
círculos de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban
Piñeiro. Valladolid: Maxtor, 2011. p.3.
38
Neste contexto, destacamos a obra de Isidoro de Sevilha, cuja elaboração, para muitos,
seria suficiente para colocar em destaque o nome do bispo no período da História em que
viveu e que o sucedeu. Foi fundamental para a propagação da cultura greco-latina na Hispânia
visigoda tornando-se, com o passar dos anos, uma das principais fontes de assimilação dos
trabalhos de Aristóteles e de outros gregos em toda a Europa.
A obra é, de fato, uma espécie de manual de cosmologia que foi escrito por Isidoro de
Sevilha, durante o reinado do rei Sisebuto - entre 612 e 621 -36 com o objetivo de explicar o
mundo de forma resumida e esquemática, atendendo a um pedido do monarca visigodo.
35
"*Padres de La Iglesia: San Juan Crisóstomo, Tertuliano, San Jerónimo, Orígenes, San Agustín y San Gregorio
Magno. Conrelación a la historia cristiana: Orosio y Eusebio de Cesárea. *Historia pagana: Suetonio, Salustio,
Tito Livio, Julio César y Varrón. Enlahistoria natural y medicina: Plinio, Celso, Columella, Hipócrates, Galeno y
Dioscórides. *Creación literaria: Virgilio, Cicerón, Catón, Horacio, Séneca, Cinna, Lucano, Catulo, Ovidio,
Apuleyo, Ennio, Terencio, Marcial y Aurelio Prudencio Clemente. *Pensamiento filosófico: Demócrito, Porfirio,
Platón, Aristóteles, Epicuro, Heráclito, Lucrecio, Boecio, Casiodoro y Mario Victorino.".Cf.:HERRERA
CARRANZA, Joaquín. Op. Cit., p.6.
36
que alguns autores, tais como Jacques Fontaine, costumam relacionar com a necessidade que o bispo teve de
esclarecer um eclipse total ocorrido em 613. Cf.:FONTAINE, Jacques, Isidoro de Sevilha, padre de la cultura
39
Em contraste com Etymologiae, De natura rerum não possui edições de fácil acesso.
Podemos destacar algumas características que a tornam relevante para o esclarecimento de
questões relacionadas à transmissão do conhecimento astronômico e para o exercício do poder
incluído na sua propagação.
Com a intenção de explicar o mundo de forma resumida, Isidoro utilizou como recurso
didático, a exibição de representações circulares. O elevado número dessas imagens acabou
por atribuir uma segunda denominação ao De natura rerum, que passou a ser conhecido por
Liber rotarum - Livro das rodas - que Jacques Fontaine afirma ser frequente desde o século
VIII.
europea. In: CANDAU MORON, José M.; GASCÓ, Fernando et RAMIREZ de VERGUER, Antonio (Eds.). La
conversión de Roma. Cristianismo y Paganismo. Madrid: Clásicas, 1990. p.261.
37
Cf. RUCQUOI, Adeline. La percepcion de la naturaleza en la Alta Edad Media. Flocel Sabaté. Natura i
desenvolupament. El medi ambient a l'EdatMitjana, Pagès, pp. 73-98, 2007, Càtedra d'Estudis Medievals Comtat
d'Urgell, Balaguer. <halshs-00530797>2010.p.73.
38
Cf. DELL'ELICINE, Eleonora Ariadna. Acerca de la naturaleza de las cosas: Isidoro de Sevilla y el intento de
cristianizar el saber pagano sobre el cosmos. XIV Jornadas Interescuelas/Departamentos de História.
Universidade Nacional de Cuyo, 2013. p. 2-3.
40
39
"(...) según la cual el tiempo y el espacio, por así decirlo, están encerrados en la perfección, a la vez finita e
infinita, de la figura circular –proyección plana de la esfera" .(...)los complejos armónicos de la fórmula
annusmundus homo". (...) una visión unitaria del universo y del hombre, así como las razones de su constante
solidaridad a lo largo del tiempo". CF.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de la
cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Op.Cit. p. 211.
40
A saber: I - Sobre os dias; III - Sobre a semana; IV - Sobre os meses; V - Sobre a correspondência dos meses;
VI - Sobre os anos; VII - Sobre as estações; X - Sobre os cinco círculos do mundo; XI - Sobre os elementos do
mundo; XII - Sobre o Céu e seu nome; XIII - Sobre os sete planetas celestes e suas revoluções; XIV - Sobre as
águas que estão acima dos céus; XV - Sobre a natureza do Sol; XVI - Sobre as dimensões do Sol e da Lua;
XVIII - Sobre a luz da Lua; XXIII - Sobre a posição das sete estrelas errantes; XXXI - Sobre o arco-íris; XXXVI
- Sobre os nomes dos ventos; e XLVIII - Sobre as partes da Terra.
41
Dispostos na versão facsímile de 2011.
42
Círculos procedentes de um código dofinal do século IX, originário da Bretanha ou Gales, constituído por 43
folhas em pergaminho, conservadas na biblioteca Estadual da Baviera e reproduzidos no livro Los círculos de De
natura rerum, 2011.
41
43
Cf exposto em JALLES, Cíntia. Pintado, Gravado e Escrito: A materialização do saber astronômico em
diferentes formas de registro. In: BARBOZA, Christina Helena da Motta (Org.). Histórias de Ciência e
Tecnologia no Brasil (Mast: 30 anos de pesquisa, v.3). 1ed. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências
Afins, v. 3, p. 09-22, 2016. p.20.
42
O estudo dos símbolos tem se apresentado como forte aliado em pesquisas realizadas
sobre sociedades - em geral, ágrafas - que não contam com o apoio documental escrito
necessário para a identificação de relações como as de poder, que são objeto de interesse para
a nossa pesquisa atual.
Fazendo uso das palavras de Pierre Bourdieu, lembramos que "as relações de
comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder, que dependem, na forma e
no conteúdo, do poder material e simbólico acumulados pelos agentes (ou pelas
instituições)".45
Desta forma, como exercício inicial para este tipo de estudo e reconhecendo as
relações de poder envolvidas na transmissão do conhecimento astronômico aqui destacado,
podemos descrever a obra de Isidoro de Sevilha, como uma verdadeira manifestação de
autoridade. Ao conduzir o saber astronômico recuperado e sistematizado desde a Antiguidade,
não só reúne explicações sobre o cosmos, como delibera orientações sobre o comportamento
humano em direta associação, o microcosmos.
44
Ver: introdução de Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. Los círculos
de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro.
Valladolid: Maxtor, 2011. p.3; e SAMSÓ, Julio. Astronómica Isidoriana. Faventia, 1: 167-174, 1979. p. 167.
45
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 11.
43
2- ARQUEOASTRONOMIA
1
Cf.:JALLES, C.; SILVEIRA, M. I.; NADER, R.V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia.
Arqueoastronomia: o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013. p. 36.
2
Que abordaremos mais detalhadamente no item 2.4.
44
estudo do comportamento humano em geral, também pode ser muito eficaz no estudo de
sociedades mais recentes, no que se refere a comportamentos não registrados pela escrita.3
Os locais onde são encontrados tais vestígios, denominados sítios arqueológicos, são
exaustivamente trabalhados por arqueólogos que, necessariamente, estabelecem parcerias com
outras áreas de conhecimento humano, no melhor uso do conceito de interdisciplinaridade.
3
Conforme podemos observar em resultados de pesquisas em Arqueologia histórica, tais como: TAVARES,
Reinaldo. A Apropriação ético-cultural dos resultados da Pesquisa Arqueológica no cemitério dos pretos novos,
Gamboa, Rio de Janeiro. In: CAMPOS, Guadalupe N; GRANATO, Marcus (Orgs.) Anais do IV Seminário de
Preservação do Patrimônio Arqueológico. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, p. 444-457.
2016; NAJAR, Rosana. Para além dos cacos: a Arqueologia Histórica a partir de três superartefatos (estudo de
caso de três igrejas jesuíticas) Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 6, n. 1, p. 71-91, jan.- abr.
2011.
45
2.2 - Histórico
4
LOCKYER. The Dawn of Astronomy. A study of the temple worship London: The MIT Press. 1894.
5
CARVALHO, E.; JALLES, C. Pesquisas em Arqueoastronomia no Brasil: estudos, problemas e possibilidades.
In: SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 6., 1997, Rio de Janeiro.
Anais... Rio de Janeiro. Sociedade Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, 1997. p. 84 -87.
6
Os encontros, com periodicidade de quatro anos, continuaram a ser conhecidos como Oxford International
Conference on Archaeoastronomy II, III, e assim por diante, independentemente do local onde são sediados.
7
Ver RUGGLES, Clive L. N. (Ed.). Archaeoastronomy and Ethnoastronomy: Building bridges between
cultures. Proceedings of the 278th Symposium of the International Astronomical Union and “Oxford IX”
International Symposium on Archaeoastronomy, Lima, Peru: Cambridge Universty Press. 2011.
8
Termos semelhantes como Astronomia na cultura e Astronomia antropológica também são usados e todos
incluem as áreas interdisciplinares da Arqueoastronomia e da Etnoastronomia. Cf.: LIMA, Flávia P. et al.
Relações céu-terra entre os indígenas no Brasil: distintos céus, diferentes olhares. In História da Astronomia no
Brasil (2013). MATSUURA, Oscar (Org.) Recife: CEPE, 2014. v.I. p. 86-128.2014. p. 98.
9
International Society for Archaeoastronomy and Astronomy in Culture - ISAAC.
10
Sociedad Interamericana de Astronomía Cultural - SIAC.
46
11
Que atualmente conta com a participação de membros de 7 países (de maioria iberomericana).
12
Société Européenne pourl'Astronomie dans la Culture - SEAC.
13
IWANISZEWSKI, S, Astronomia Kak kul'turnaia sistema. In: GURSHTEIN, A. A. Na rubezhakhpoznaniia
vselennoy. Moskva: Nauka, 1990. p. 67-73. ______. Astronomy as a cultural system. Interdisciplinarni
izsledvaniya, n. 18, p. 282-288, 1991; RUGGLES, C.; SAUNDERS, N. (Eds) Astronomies and cultures.Niwot:
University Press of Colorado, 1990.
14
La astronomía cultural es un campo académico relativamente nuevo, aunque recoge una larga tradición. El
témino, acuñado en la década de 1990 (IWANISZEWSKI, 1990, 1991; RUGGLES; SAUNDERS, 1990),
engloba un amplio conjunto de estudios cuyo objetivo es, mediante una diversidad de técnicas, analizar las
formas en que las sociedades construyen conocimientos y prácticas referentes al espacio celeste y sus
fenómenos. Es decir que se trata de hacerse preguntas sobre como los seres humanos construimos socialmente
nuestras ideas y acciones referentes a esta particular dimensión de la experiencia que parece tener un singular
poder de fascinación para un enorme abanico de culturas. Cf. Introducción de LÓPEZ, A. M.. In BORGES, L. C.
Diferentes Povos, Diferentes saberes na América latina. Contribuições da Astronomia Cultural para a História
da Ciência. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2015.
47
15
Cf. BOAVENTURA, Edivaldo (Org.) Maria Beltrão e a Arqueologia na Bahia: o projeto Central. Salvador:
Quarteto, 2014:41.
16
Apesar dos arqueólogos serem unânimes sobre a importância dos referenciais astronômicos no desempenho de
diferentes atividades no cotidiano das sociedades passadas, os registros relacionados ao campo da Astronomia
têm sido - até mesmo por falta de conhecimento nesta área específica - normalmente relegados a outras
categorias classificatórias mais abrangentes. Quando as descobertas de Central vieram à tona - com conteúdo
inegavelmente astronômico - diversas discussões sobre registros semelhantes de outras regiões ficaram
evidenciadas pela diferença de enfoque.
17
Instituição particular de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos.
18
Município pertencente à bacia do Verde Grande, afluente da margem direita do rio São Francisco, inserida no
que se compreende por polígono das secas.
19
Sob a coordenação de Cíntia Jalles (MAST/MCTIC).
20
Anais do VI Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 1997.
48
A partir dessa oficina, e de posse de um material bem mais abrangente que foi enviado
por pesquisadores de outras instituições brasileiras para este tipo de estudo,25 verificamos a
ocorrência de registros similares que, acompanhados por distintos trabalhos de pesquisas
arqueológicas, nas diferentes regiões do Brasil, permitiram o acréscimo de informações
relacionadas à cosmologia dos grupos, que dificilmente poderiam ser evidenciadas a partir de
um único referencial. Registros recorrentes como os círculos concêntricos26 e outros símbolos
associados ao conteúdo astronômico27 vêm sendo cada vez mais estudados e trabalhados de
forma destacada e em diferentes contextos.
23
Intitulada "O homem e o cosmos: visões de Arqueoastronomia no Brasil" (organização e curadoria Cíntia
Jalles).
24
O curso foi ministrado, em sua maior parte, pelo astrônomo Oscar T. Matsuura (atualmente colaborador do
MAST e do programa de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia - HCTE/UFRJ).
25
Material remetido por participantes do evento e reunido em publicação com o mesmo título da exposição.
26
Conforme exemplificado no trabalho apresentado por ocasião do XXVIII Simpósio Nacional de História -
Anpuh (JALLES, C. As representações astronômicas no De Natura Rerum e nos painéis rupestres das
populações ágrafas brasileiras. In: Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História – ANPUH. Lugares dos
historiadores: velhos e novos desafios. Florianópolis, 2015).
27
Como as representações de lagartos regularmente associados a imagens e/ou eventos astronômicos
(TAVARES & BELTRÃO, 2014. p. 79). Também associado ao sol, o lagarto, como a cobra e a tartaruga são
representados em associações como o sol ou algum evento astronômico (constelações, por exemplo).
50
Círculos concêntricos
Arte rupestre - Serra do Sol - PA. Foto: E. Pereira Sobre os meses. Isidoro de Sevilha28
28
Cf.: Isidoro de Sevilha. Los círculos de De natura rerum, 2011. p.11.
29
Intitulada "Olhando o céu da Pré-História. Registros astronômicos no Brasil. Curadoria de Cíntia Jalles e
Maura Imazio.
51
Registros arqueoastronômicos
Pintura de Central - BA. Foto: R. Nader. Gravura de Central - BA. Acervo: M. Beltrão.
52
Estruturas megalíticas
30
Sítios com megálitos quase sempre apresentam evidências de terem sido usados como instrumentos para
observação de fenômenos celestes. Este é o caso das pesquisas realizadas nos últimos anos em Calçoene, no
Amapá. Cf.: CABRAL, Mariana; SALDANHA, João. Calçoene megalithic observtory. 2010. Disponível em
http://www.wondermondo.com/Countries/SA/BRA/Amapa/Calcoene.htm .
31
CABRAL, M. P., SALDANHA, J. D. M.. (2008). "Um sítio, múltiplas interpretações: o caso do chamado
“Stonehenge do Amapá” (PDF). Revista de Arqueologia Pública. v.3 n.1(3). 2008.
CABRAL, M. P., SALDANHA, J. D. M.. (2008). "Paisagens megalíticas na costa norte do Amapá"
(PDF). Revista de Arqueologia 2 (21): 09-26.
32
A parceria com o Museu Goeldi teve início em 2002 através do Projeto Vestígios Arqueoastronômicos no
Brasil, subprojeto As representações astronômicas na arte rupestre brasileira. A equipe atual é formada por
integrantes das três instituições: Maura Imazio da Silveira - MPEG; Rundsthen Vasques de Nader - OV/UFRJ; e
Cíntia Jalles (Coord.) - MAST.
53
os registros rupestres com motivos astronômicos ainda dispersas pelo país. O banco propiciará
ainda a integração de diversos pesquisadores e instituições através do intercâmbio das
informações coletadas sobre o tema. Tal projeto já reuniu material oriundo de sítios
arqueológicos de norte a sul do país, mais especificamente dos estados do Amapá, Pará,
Tocantins, Paraíba, Bahia, Minas Gerais e Paraná. O estudo desses painéis permite identificar
diversos aspectos do cotidiano dos diferentes grupos que habitaram o Brasil no passado.
Serra da Lua - PA. Foto: E. Pereira/MPEG. Lapa da Pintura - MG. Acervo IAB
Toca do Pintado - BA. Acervo: M. Beltrão Ilha dos Martírios-TO. Foto: E. Pereira/MPEG
54
33
Conceito polêmico que na História é eventualmente revisitado. Entre outras coisas por não comportar toda a
História existente antes do surgimento da escrita, tal como conhecemos.
34
SEDA, Paulo. Arte rupestre: comunicação e magia no Brasil antigo. In AZEVEDO NETTO, C. X.A
representação e interpretação de um antigo sistema de informação: os grafismos rupestres no Brasil.UFPB.
2013. p. 13. (prefácio)
35
Expressão consagrada pela Arqueologia que não privilegia a análise estética. Para maiores referências, ver
PROUS, PROUS, André. Arqueologia Brasileira. 1ª. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
55
Graças à qualidade desses registros rupestres – cujos corantes e fixadores são ainda
objeto de estudo em diversas instituições de pesquisa em todo o mundo36 – podemos, até hoje,
observar painéis de conteúdos distintos, espalhados por todo o planeta. Para a elaboração
destes painéis foram utilizados diversos tipos de instrumentos e várias substâncias de
naturezas distintas para preparar as tintas.
As gravuras eram realizadas por técnica de polimento (fricção entre uma pedra e a
superfície rochosa) e/ou picoteamento (efetuado por martelamento utilizando-se uma pedra
como batedor e outra como formão). As pinturas eram elaboradas em cores únicas ou
combinadas. As tintas eram obtidas a partir de matérias-primas derivadas de minerais,
vegetais e animais. Para tanto, adicionava-se água e um fixador a essa matéria-prima. As
cores eram, predominantemente, vermelho, amarelo, preto e branco, podendo ser usadas de
forma isolada (pinturas monocromas) ou combinadas (pinturas policromas). Pequenos
recipientes como conchas, cabaças, cerâmica, ou mesmo rochas, eram utilizados como suporte
para misturar as tintas (paletas de cores). Para a realização do desenho eram utilizados
diversos instrumentos, variando de acordo com o tipo de pintura, a técnica e a consistência da
tinta: o dedo, “pincéis” feitos de pelos ou vegetais, gravetos, espátulas (sobretudo no caso de
tintas mais pastosas), borrifadores, etc. O encontro destes instrumentos em escavações, assim
como de pigmentos utilizados para pintura, ou mesmo de um pedaço da rocha (pintado ou
gravado) associado a um contexto, por exemplo fogueira ou ossos, é importante para que se
possam realizar datações e estabelecer cronologias.
Painel do Pilão - PA. Foto: E. Pereira/MPEG Lapa do Mutambal - MG. Acervo IAB
Por se tratar de uma temática de difícil interpretação, precisamos, antes de tudo, buscar
entender as imagens contidas nos diversos painéis rupestres e suas representações no contexto
cultural do grupo a que pertencem.
Até há pouco tempo, no Brasil, os registros rupestres foram a principal fonte para
identificação e estudo da Arqueoastronomia. Atualmente, novas descobertas, como estruturas
megalíticas,37 alinhamentos de pedras e mesmo representações astronômicas em outros
suportes, além do rupestre, ampliam a gama de possibilidades.
37
Como as que vêm sendo estudadas por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do
Estado do Amapá – IEPA.
58
Estruturas megalíticas
38
Entre O Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e o
Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OV/UFRJ).
39
Vinculado ao mesmo projeto, equipe e coordenação descritos na nota n.32 e intitulado As representações
astronômicas em vestígios arqueológicos: cerâmica do Baixo Amazonas.
59
40
As coleções arqueológicas do Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG foram formadas desde a sua fundação,
no século XIX em 1866. Atualmente o acervo da Reserva Técnica Ferreira Mário Simões é composto por um
conjunto numeroso e variado de objetos representativos da diversidade cultural dos povos que habitavam a
Amazônia antes da ocupação europeia, de imensa importância histórico-cultural e científica. Possui
aproximadamente 120 mil objetos (inteiros e fragmentados) e mais de 2 milhões de fragmentos procedentes de
diversas regiões da Amazônia.A Amazônia foi povoada por diversos grupos em diferentes períodos, com
-
vestígios que datam de 11.000 anos - encontrados na caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre/PA
(ROOSEVELT et al, Paleoindian cave dwellers in the Amazon: the peopling of the Americas. Science, vol. 272,
n. 5260, p. 373-384, Apr. 19 1996.). Ainda nesta região foi registrada a cerâmica mais antiga das Américas -
Proveniente do Sambaqui de Taperinha/ PA- com datações em torno de 8.000 anos (ROOSEVELT et al, Eighth
millennium pottery from a prehistoric shell midden in the Brazilian Amazon. Science, vol. 254, p. 1621-1624,
Dec. 13 1991). Por volta do ano 1000 A.D., a região foi habitada por sociedades hierárquicas e populosas, com
organizações sociopolíticas complexas e cultura material sofisticada. A maioria delas desapareceu nos séculos
XVI e XVII, a partir do estabelecimento dos europeus na região.
60
41
PEREIRA, Edithe. Arte Rupestre e cultura material na Amazônia brasileira. In:Arqueologia Amazônica.
PEREIRA, E; GUAPINDAIA, V. (Org) Belém: MPEG; IPHAN; SECULT, p 259-283 . v.1. 2010. p.279.
61
2.3.3 - Etnoastronomia
O movimento aparente das constelações - que, aliás, são bem diferentes das
identificadas pela visão greco-romana que adotamos em nossa sociedade - corresponde a uma
42
FAULHABER, Priscila. Astronomia e cosmovisão Ticuna. In: Olhando o Céu da Pré-História: registros
arqueoastronômicos no Brasil. JALLES, C.; IMAZIO, M. (Org.). Rio de Janeiro: MAST, 2004. p.9
43
AFONSO, G; NADAL, C. Arqueoastronomia no Brasil. In :História da Astronomia no Brasil (2013).
MATSUURA, Oscar (Org.) Recife: CEPE, 2014. p.54.
62
44
Fonte: RIBEIRO, Berta; KENHÍRI, Tolemãn. Chuvas e constelações: calendário econômico dos índios
Dessana. Ciência Hoje - Amazônia, p.14-23, 1981.
45
Fonte: AFONSO, Germano. Arqueoastronomia brasileira. Universidade Federal do Paraná: UFPR, 2000. CD-
ROM.
46
Cf.: FAULHABER, Priscila (Org.). Magüta Arü Inü: jogo da memória, pensamento Magüta. Museu Paraense
Emílio Goeldi/MCT, 2003 . CD-ROM.
63
Para auxiliar a interpretação dos registros elaborados pelos grupos atuais, contamos
ainda com a possibilidade de estudo das narrativas simbólicas - os mitos - que passam através
das gerações o conhecimento adquirido na tentativa de explicar a dinâmica celeste.
Estudar a Astronomia indígena dos grupos atuais nos permite então, no mínimo,
ampliar os referenciais sobre o conhecimento astronômico dos grupos do passado, que
deixaram registradas suas observações, tornando-se uma abordagem eficaz no esclarecimento
de questões arqueoastronômicas.
47
Céu Tikuna observado em 12/11/2002, mostrando a briga da onça com o jacaré. Cf.: FAULHABER,
Astronomia e cosmovisão Ticuna. Op. Cit. p.29.
48
<http://www.mariabeltrao.com.br/portfolio-item/pesquisas-arqueologicas-no-interior-do-estado-da-bahia/ >
Acesso em outubro de 2016.
49
Profa. titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
64
50
Cf.: BELTRÃO, Maria. O projeto Central. In: BOAVENTURA, Edivaldo (Org.) Maria Beltrão e a
Arqueologia na Bahia: o projeto Central. Salvador: Quarteto, 2014. p.41.
51
Ver TAVARES & BELTRÃO, 2014.
52
<http://www.mariabeltrao.com.br/portfolio-item/pesquisas-arqueologicas-no-interior-do-estado-da-bahia/>
(acesso em outubro de 2016).
53
Desde o início das pesquisas arqueoastronômicas no Brasil, diversas regiões têm apresentado material
promissor para esse tipo de estudo, fazendo parte, inclusive, do inventário reunido pelo MAST para as
exposições organizadas sobre o tema e também se integrando ao banco de dados que está sendo organizado. A
escolha pela região de Central foi feita com base no tempo de pesquisas realizadas na área e também pelo
conteúdo - quase exclusivo em alguns sítios - diretamente relacionado à Astronomia
65
conhecimento do homem pré-histórico brasileiro, mas também que tal conhecimento está
intimamenete relacionado ao seu mundo mágico-religioso (cosmológico)."54
O sítio arqueológico Toca do Cosmos recebeu esse nome justamente porque parece ter
todo o cosmos representado em seu interior. Possui não só diversas representações de eventos
cíclicos (sol, lua, agrupamento de estrelas em prováveis constelações), como também de
alguns eventos astronômicos únicos (como a passagem de um cometa, p. ex.). Conta com
diversos painéis que nos remetem a uma provável utilização como sistemas de contagem e
outros que já foram inclusive, identificados como calendários solar, lunar e lunissolar.57
Passagem de um cometa de cauda longa e curva associado à estrela Vênus.58 Foto: C. Jalles.
57
BELTRÃO, Maria. (Coord.). Arte rupestre: as pinturas rupestres da Chapada Diamantina e o mundo mágico-
religioso do homem pré-histórico brasileiro. Rio de Janeiro: organização Odebrecht, 1994.
58
JALLES, Cíntia; IMAZIO, Maura. Olhando o Céu da Pré-História: registros arqueoastronômicos no Brasil.
Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2004.
67
59
Cf.: BELTRÃO, M.. O Alto Sertão. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010.
68
3 - REPRESENTAÇÕES ASTRONÔMICAS
Uma vez que na Arqueologia, não podemos contar com o apoio de documentos
escritos, que permitam identificar mais facilmente relações humanas como as de poder, ter a
oportunidade de observar aspectos de um saber - no caso o astronômico - em representações
gráficas, também em períodos com abundância do suporte escrito, incontestavelmente
acrescenta informações preciosas e agrega conhecimento ao estudo de símbolos e outras
manifestações culturais.
Por serem as relações Céu/Terra, fundamentais para a sobrevivência e bem estar dos
seres humanos, as representações astronômicas encontram-se manifestadas sob formas
variadas, em diferentes suportes, de períodos distintos e por toda a História da humanidade.
2
Cf.: ALEMANY, Francisco Pavia. El calendário Solar da "Pedra do Ingá" una hipótesis de trabajo. Boletim
série ensaios, n.4. Rio de Janeiro: Instituto de Arqueologia Brasileira, 1986.
71
Algumas imagens como as circulares, por exemplo, tão frequentes nos registros
culturais mais variados, acumulam uma carga de informações, que não pode ser demonstrada
e/ou comprovada diretamente a partir da pesquisa arqueológica, mas podem, com o auxílio de
outros referenciais, ampliar o número de questões a serem trabalhadas no processo de análise
do material resgatado. O círculo - bastante comum no mundo das representações - está
normalmente associado ao céu, ciclos celestes e, portanto, ao tempo e suas representações.
3
Cf.: BELTRÃO, Maria (Coord.). Arte rupestre: as pinturas rupestres da Chapada Diamantina e o mundo
mágico-religioso do homem pré-histórico brasileiro. Rio de Janeiro: organização Odebrecht, 1994.
72
Na Arte Rupestre, esse tipo de imagem - circular - prevalece sobre as demais e pode
ser encontrada associada a diversas outras - geométricas, figurativas e mesmo zoomorfas -
que, ainda que não tenham sido inicialmente caracterizadas como tal, são de cunho
notadamente astronômico. Todo o material arqueológico - no que diz respeito ao saber
astronômico - que foi reunido até o momento, tem forte associação com a coleta de
informações e controle sobre a dinâmica celeste.
4
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2009. p. 250.
5
Ibidem.
73
Fonte Grande I -BA. Foto: R. Nader Lapa do Janelão - MG. Foto: L. Ribeiro
6
Ibidem. p. 397-398.
74
Lapa dos Bichos - MG. Acervo: UFMG Lajedo do Cadena - PA. Foto: E. Pereira
Tal forma, que apresenta o movimento circular saindo do ponto original, mantendo e
prolongando esse movimento ao infinito, encontra-se manifestada em todas as culturas,
sempre carregada de significações simbólicas. Frequente, também no mundo natural, pode ser
matematicamente explicada pela sucessão lógica de números inteiros/naturais - geralmente, de
0 e 1 e que cada número subsequente representa a soma dos dois anteriores. A assim
denominada Sequência de Fibonacci, apesar de conhecida desde a Antiguidade, recebeu este
nome por ter sido difundida pelo matemático italiano, Leonardo de Pisa,7 que no início do
século XIII,8 descreveu o avanço de uma população de coelhos, a partir dessa sucessão. 9
Por exemplo:
7
Popularmente conhecido como Fibonacci (do latim Filius Bonacci), é tido como o primeiro grande matemático
europeu da Idade Média.
8
Com a publicação em 1202 do Liber Abaci (Livro do Ábaco ou Livro de Cálculo), que introduziu os numerais
hindu-arábicos na Europa.
9
Ao longo dos experimentos, ele se deparou com uma sequência onde um número é igual a soma dos dois
anteriores. A série, uma das mais famosas da matemática, ficou conhecida como série ou sequência de
Fibonacci. Ao dividir cada termo pelo anterior, o resultado sempre fica próximo do número phi (Φ =
1,618034…) número sublime, que organiza o universo em uma mesma proporção - chamada de divina -, está por
traz de importantes obras da arquitetura clássica, em pinturas e esculturas renascentistas e na natureza, incluindo
no corpo humano.
76
Essa forma, considerada satisfatória do ponto de vista estético por suas proporções, foi chamada retângulo
áureo.11
10
RIBEIRO, Thyago. <https://www.infoescola.com/matematica/sequencia-de-fibonacci.> Acesso em Outubro
2017.
11
ibidem
12
A divisão áurea é conhecida desde os pitagóricos de 500 anos a.C e o Parthenon por exemplo, construído em
Atenas por volta de 430-440 a. C., tem em sua base um retângulo de ouro.
77
13
Aqui, reunimos informações principalmente de: CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de
símbolos. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009; e LEXIKON, Herder. Dicionário dos símbolos. São
Paulo: Cultrix,1997.
14
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989.
15
SILVA, Leila Rodrigues da. A normatização da sociedade peninsular ibérica nas atas conciliares e regras
monásticas: as concepções relacionadas ao corpo (561-636) – um projeto em desenvolvimento. Jornada de
Pesquisadores do CFCH, 6, 2004, Rio de Janeiro. In: Atas ... Rio de Janeiro: CFCH, 2004. (meio digital).
16
Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre.
Op.Cit., p. 7-8.
78
Ao explicar sobre os dias, por exemplo, definia o que era adequado e inadequado nos
dias considerados fastos – em que tudo corria bem – e os nefastos – em que somente a
atividade religiosa era permitida.17
17
Cf,: ISIDORO DE SEVILHA. Los círculos de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis
A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Valladolid: Maxtor, 2011. p. 5
79
18
Cf.:ISIDORO DE SEVILHA. op cit. 2011. p.7.
80
A explicação sobre os meses, um ciclo lunar, abarcando de uma lua nova à outra, que
os antigos definiram como o tempo que a Lua leva para percorrer o círculo do zodíaco e que
os pagãos nomearam segundo suas divindades, começando por Marte. Para os latinos, todos
os meses começam nas calendas19 e para os hebreus, com a volta da lua nova.20
19
Na antiga Roma, calendário fazia referência ao dia em que se deviam pagar pelos empréstimos recebidos,
cobrança que devia coincidir com as calendae, o primeiro dia de cada mês. (CF.:POZA YAGUE, Marta. Los
labores de los meses en el Románico. Revista Digital de Iconografia Medieval, vol.I. nº1. 2009:31.
20
Cf. ISIDORO DE SEVILHA. op cit. 2011. p. 9.
81
lunar, de 354 dias que corresponde ao ano comum, transcorridos em 12 meses lunares; o ano
embolismal - no qual a páscoa se atrasa, que é de 384 dias, composto de 13 lunações; o ano
bissexto, que se dá a cada quatro anos com a adição dos quatro quartos acumulados para
formar o dia completo; e o ano jubilar - ano de perdão - que chega a cada 49 anos; além de
outros conjuntos de anos como as olimpíadas, o lustro, a era.22
As estações - quatro consideradas pelos latinos - são originadas pelos movimentos dos
astros, a saber: o inverno, quando o sol permanece nas regiões meridionais e a noite tem
22
Ibidem, p.12.
83
duração maior que o dia; a primavera, quando o sol se retira das regiões meridionais e se põe
em cima da terra, igualando a duração dos dias e das noites; o verão, quando o sol nasce para
o norte, aumenta os dias e reduz as noites; e o outono, quando o sol desce do alto do céu
moderando a força de seu fogo.23
23
Ibidem, p 14-15.
24
Ibidem, p.15.
84
Sobre o céu - cap. XII DNR Sobre os sete planetas - cap. XIII DNR
25
No capítulo 1 desta tese.
26
Ibidem, p. 20-34.
85
Dimensões do sol e da lua - cap. XVI Sobre a luz da lua - cap. XVIII
O registro histórico, por sua vez, tem permitido a construção de uma linguagem
simbólica - também manifestada em diferentes períodos - que, apoiada por documentações
auxiliares, provoca e auxilia a investigação arqueológica.
27
Conforme verificaremos no próximo capítulo.
28
Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre. O
Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 7-8.
87
A ciência dos astros e a dinâmica celeste ofereciam, desta forma, além dos referenciais
de ordem prática na organização de tarefas cotidianas, a possibilidade de sua utilização
simbólica - fundamental na adaptação do conhecimento (pagão) produzido anteriormente -
para fins exegéticos.
88
4 - CAMINHOS DA ARQUEOLOGIA
A pesquisa arqueológica, sempre auxiliada por outras ciências em sua trajetória, vem
procurando conhecer e mensurar, de alguma forma, os passos da cultura humana, a partir de
fragmentos cerâmicos, líticos, ósseos, malacológicos, entre tantos outros vestígios
remanescentes.
1
JALLES, Cíntia. Pintado, gravado e escrito: a materialização do saber astronômico em diferentes formas de
registro. In: Christina Helena da Motta Barboza. (Org.). Histórias de Ciência e Tecnologia no Brasil (Mast: 30
anos de pesquisa, v.3). 1ed.Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2016, v. 3, p. 10.
89
estão muito mais relacionados aos tipos de registros existentes do que às observações que os
propiciaram, ou seja, como a cultura captou e representou os diversos eventos astronômicos.
De fato, as informações apreendidas a partir dos vestígios arqueológicos – mesmo em sua
totalidade – ainda representam uma parcela muito pequena das práticas das sociedades de
tempos mais remotos que conseguimos recuperar a partir de seu legado material.
2
Conforme exposto no item 2.3 (capítulo sobre Arqueoastronomia)
3
No histórico das pesquisas em Arqueoastronomia, capítulo 2.
4
Aqui destacamos a publicação de material didático como o livro Olhai pro céu, olhai pro chão (JALLES, C.;
SILVEIRA, M. I.; NADER, R. V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia. Arqueoastronomia:
o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013), que foi distribuído em escolas e
bibliotecas e também junto a kits pedagógicos elaborados pelo então Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação.
90
na falta de maiores informações sobre os seus autores - estamos propondo um novo caminho
que almeja promover um maior intercâmbio de informações arqueológicas, permitindo a
circulação de material de cunho arqueoastronômico que, uma vez sistematizado, propiciará o
tratamento de informações comparáveis em suas semelhanças e diferenças culturais, espaciais
e temporais. Desta forma, estamos iniciando – no Museu de Astronomia e Ciências Afins - a
elaboração de um banco de dados que pretende ampliar o sistema de informações sobre a
jovem e desprovida Arqueoastronomia.
5
Também verificável no estudo sobre os simbolismos no decorrer da História.
6
Evento astronômico que ocorre durante os estágios finais da evolução de algumas estrelas e é caracterizado por
uma explosão muito brilhante.
7
Também conhecida por SN1054, foi amplamente vista da Terra a partir de 4 de julho de 1054 e esteve brilhante
o suficiente para ser vista por 23 dias à luz do dia e por 653 dias à noite. A poeira remanescente da SN1054 é
agora conhecida por Nebulosa do Caranguejo, na constelação de Touro.
8
Cf.: ZEILIK, Michael. Keeping the sacred and planting calendar: archaeoastronomy in the Pueblo Southwest.
In: AVENI, Anthony F. (ed). World Archaeoastronomy. Oxford International Conference of Archaeoastronomy
(2nd: 1986: Mérida, México). Cambridge University Press, 1989, pp 143-166.
91
9
A identificação de registros rupestres encontrados na Bahia com a supernova de 1054 foi feita pelo astrônomo
Rundsthen Vasques de Nader (OV\UFRJ). Informações sobre essa descoberta foram fornecidas pela autora em
comunicação apresentada no X Simpósio Internacional de Arte Rupestre – SIAR, que teve lugar em Julho de
2014, em Teresina (PI). Cf.: JALLES, Cíntia. Pintado, gravado e escrito: a materialização do saber astronômico
em diferentes formas de registro. In: Christina Helena da Motta Barboza. (Org.). Histórias de Ciência e
Tecnologia no Brasil (Mast: 30 anos de pesquisa, v.3). 1ed.Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências
Afins, 2016, v. 3, p. 12.
92
O SGPA foi concebido em 1997 com o objetivo de estabelecer padrões nacionais para
a identificação de sítios, coleções e registros de documentações arqueológicas, em
conformidade com a Lei nº 3.924/61. Desde que foi implantado, em 1998, o sistema já
cadastrou mais de 17.500 sítios.
10
Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Cultura que completou 80 anos em 2017.
11
portal.iphan.gov.br
93
12
Conforme descrevemos no histórico da Arqueoastronomia (capítulo 2).
13
Colega do Mast, lotado na Coordenação de História da Ciência e Tecnologia – COHCT.
96
Cada instituição será convidada a participar com o envio dos registros resgatados
referenciados/abalizados por suas pesquisas locais/específicas, e permitirá a utilização das
imagens/dados pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins14 e posterior divulgação - por
instrumento jurídico – do material sob sua guarda, com objetivos explícitos de contribuir com
o desenvolvimento da Arqueoastronomia Brasileira.
Tecnicamente falando, o sistema aqui proposto ainda não está em um servidor web
dedicado e sim funcionando temporariamente em um computador do Mast e - de acordo com
o exposto pelo analista responsável, Francisco Castro – através de outra ferramenta chamada
XAMPP, que nada mais é que um repositório das ferramentas que utilizaremos nessa primeira
fase, a saber:
14
Instituição centralizadora das informações inventariadas pelo projeto ora coordenado por Cíntia Jalles.
97
O MySql é o servidor do banco de dados. Sua função é armazenar tudo que for
referente à informação, nesse caso, referente aos sítios arqueológicos, pinturas, gravuras, etc,
cadastrados.
15
Inicialmente alimentado com material das instituições parceiras e aqui exemplificado com o do projeto
Central, mais especificamente com o do sítio arqueológico Toca do Cosmos – BA.
99
Um caminho alternativo pode ser filtrar informações pelo nome do projeto, onde
também encontraremos o detalhamento dos dados sobre a área de atuação, os sítios
cadastrados e trabalhados, a Instituição responsável e o coordenador do projeto.
102
CONCLUSÃO
Por meio do exame minucioso dos registros deixados pelas diferentes sociedades que
nos antecederam no passado – objeto da Arqueologia - conseguimos, com relativa facilidade,
perceber a importância dos referenciais astronômicos na organização, sobrevivência e
desenvolvimento dessas sociedades. As relações de poder, no entanto - apesar de se
constituírem como hipóteses plausíveis e relevantes – são extremamente difíceis de serem
extraídas unicamente dos documentos arqueológicos, que representam, na realidade, uma
parcela mínima da sociedade não mais existente.1
1
Por esta razão, recorre-se, com frequência, a dados etnográficos provenientes de outros períodos e regiões.
108
muito na sua forma, convergem na interdependência do ser humano não só com o ambiente
que o cerca, mas também, fortemente, com o grupo a que pertence.
Amapá - IEPA, em sítio com estruturas megalíticas em Calçoene – Amapá.2 E, por último,
mas não menos importante, os interesses e questionamentos de novos pesquisadores que,
através de suas constantes perguntas e demandas aos seus orientadores, acabam por incentivá-
los a romperem antigos paradigmas.
A cada dia novos projetos - mesmo que não tratem especificamente do tema - vêm
evidenciando a necessidade constante de aprofundarmos a pesquisa sobre o conhecimento
astronômico do homem no passado. Agora, contando com novas técnicas - principalmente
computacionais - e descobertas, a Arqueoastronomia vem se transformando, de inicialmente
polêmica, para inevitável.
2
CABRAL, Mariana; SALDANHA, João. Calçoene megalithic observtory 2010. Disponível em
< http://www.wondermondo.com/Countries/SA/BRA/Amapa/Calcoene.htm >. Acesso em outubro de 2017.
110
não tenham resolvido todas as questões iniciais, indubitavelmente aprimoraram o nível delas,
impulsionando a estruturação de uma ferramenta coletiva que deverá alterar os rumos da
pesquisa realizada nos moldes atuais.
Para concluir, assumimos que tudo isso é apenas o início. Mas seguros que demos
mais um passo.
111
Arqueologia – Ciência que estuda os povos do passado a partir das marcas e vestígios de suas
culturas. Apesar do enfoque no passado, possui métodos próprios que auxiliam o estudo o
comportamento humano em geral. É também eficaz no estudo de sociedades contemporâneas,
particularmente no que diz respeito a comportamentos não registrados pela escrita.
Astronomia – Ciência que estuda os astros e todos os fenômenos que ocorrem para além da
atmosfera terrestre. Trata de tudo que se passa fora de nosso planeta e também com a própria
Terra como parte do Sistema solar.
Astronomia Cultural – Campo acadêmico relativamente novo, cujo objetivo é analisar sob
que formas as sociedades constroem conhecimentos e práticas relacionadas ao espaço e aos
fenômenos celestes. Reúne os estudos realizados pela Etnoastronomia e pela
Arqueoastronomia.
Arte rupestre – expressão consagrada pela Arqueologia, que trata dos registros elaborados
sobre as superfícies rochosas, por populações pretéritas, sem privilegiar os aspectos estéticos.
112
Calendário solar – É um calendário cuja marcação é baseada nos movimentos diário e anual
do sol. Historicamente, atribui-se aos egípcios sua primeira utilização, há cerca de 6000 anos.
Cultura material – Conjunto de objetos apropriados por uma determinada sociedade. Pode
incluir tanto objetos apreensíveis como vasilhas de cerâmica, pontas de flecha ou adornos,
quanto elementos da paisagem tais como um muro, uma estrada ou uma roça.
Gravuras – Registros gráficos realizados por técnica de polimento (fricção entre uma pedra e
a superfície rochosa) e/ou picoteamento (efetuado por martelamento utilizando-se uma pedra
como batedor e outra como formão).
MySql - É o servidor do banco de dados. Sua função é armazenar tudo que for referente à
informação. Nesse caso específico, referente aos sítios arqueológicos, pinturas, gravuras, etc,
cadastrados.
115
RTMFS – Reserva Técnica Mário Ferreira Simões, do Museu Paraense Emílio Goeldi. O
acervo arqueológico desta reserva é composto por aproximadamente 120 mil objetos inteiros
e parcialmente fragmentados e mais de 2 milhões de fragmentos de artefatos, procedentes de
diversas regiões da Amazônia, caracterizando-se como um dos maiores acervos mundiais, de
reconhecida importância histórica, cultural e científica.
Saber astronômico – aqui utilizado principalmente para realçar a distinção com o que
conhecemos por Astronomia na atualidade. Envolve os aspectos mais relacionados ao
uso/aplicação do conhecimento adquirido pela observação da dinâmica celeste, nos grupos
considerados.
BIBLIOGRAFIA
Documentos
Referências específicas
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