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Rio de Janeiro
2016
Marina Rockenback de Almeida
Rio de Janeiro
2016
R682 Rockenback, Marina
Por um comparativismo construtivo do culto à Ísis entre atenienses e
egípcios no final do V século AEC., 2016.
184 f.
CDD 299.93
Marina Rockenback de Almeida
Aprovada em:
________________________________________________________________________
Maria Regina Candido, Profª, Dra, UERJ/PPGHC
________________________________________________________________________
Álvaro Alfredo Bragança Junior, Profº, Dr, UFRJ/PPGHC
________________________________________________________________________
Júlio César Mendonça Gralha. Profº, Dr, UFF-CAMPOS
________________________________________________________________________
André Leonardo Chevitarese, Profº, Dr, UFRJ/ PPGHC (suplente interno)
________________________________________________________________________
Juliana Bastos Marques, Profª, Dra, UNIRIO. (suplente externa)
Rio de Janeiro
2016
À mulher da minha vida e menina dos meus olhos, minha mãe Nadia.
Ao meu melhor amigo, meu pai Paulo.
Ao Tom, meu gato.
Agradecimentos
ALMEIDA, Marina Rockenback de. Por um comparativismo construtivo do culto de Ísis entre
atenienses e egípcios no final do V século AEC. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação. (Mestrado
em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.
A presente pesquisa visa destacar a problemática que infere a inserção do culto a Ísis em
Atenas no final do V séc. AEC. Pois, a partir das imbricações culturais estabelecidas pelos
contatos entre as sociedades egípcia e ateniense, verificamos que há na historiografia a
concepção da presença do culto a Ísis na região ateniense em períodos posteriores. De forma
complementar, buscamos construir e definir a identidade das sacerdotisas de Ísis, a partir dos
seus locais de interação e de seus elementos representacionais através da cultura material. A
criação de um campo de experimentação comparada dará fomento a nossa pesquisa no que diz
respeito à intenção da abordagem do discurso “do outro” e “de si” analisados no corpus
documental, como também o simbolismo e o imaginário que compõe os discursos e as
representações sociais ao observarmos as indumentárias e adereços das sacerdotisas de Ísis.
Sendo esta divindade de origem egípcia, levamos em conta as relações estabelecidas entre as
regiões e dessa forma, visualizamos espaços multiculturais e com vastas possibilidades de
questionamentos, principalmente por ser, a comparação um gesto pertencente à essência da
prática do ser humano (DETIENNE,2004).
ALMEIDA, Marina Rockenback de. Por um comparativismo construtivo do culto de Ísis entre
atenienses e egípcios no final do V século AEC. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação. (Mestrado
em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.
This research aims to highlight the problems that infers the insertion of the cult of Isis in
Athens at the end of the fifth century BCE. From the cultural relations established by the
contact between Egyptian and Athenian societies, we find out in the historiography the concept
that the Ísis cult was present in Athenian region in posterior periods. Complementarily we seek
to build and establish the identity of the priestesses of Isis, originally from their places of
interaction and their representational elements through material culture. The creation of a
compared experimentation field will promote our research in the sense of the intention of
discourse approach of "the other" and of "myself", issue analyzed in the documentary corpus,
as well as the symbolism and imagery that makes up the speeches and social representations, as
we look at the costumes and props of the priestesses of Ísis. Being this divinity of Egyptian
origin, we take into account the relationships between regions and thus visualize multicultural
spaces and vast possibilities of questions, mainly because the comparison is an action that
belongs to the essence of humanity practice (DETIENNE,2004).
Introdução ................................................................................................................................. 12
Introdução
1
Por exemplo: Grande Hino a Osíris(Louvre C 286); O pranto das Irmãs (Papiro Berlim 3008 ou Papiro
Bremner- Rhind); A contenda de Hórus e Set (Papiro Cherter Beatty I) (ARAÚJO, 2000, p. 7-8).
2
No Mar Mediterrâneo, atingiu a Grécia, Roma, Ásia Menor, África, Espanha e, posteriormente, no Oceano
Atlântico e no Mar do Norte, atingiu a Bretanha, Germânia e Gália.
3
Neste item devemos verificar com qual divindade grega a deusa Ísis foi associada, pois a sua narrativa mítica
mantém contato com Io, Afrodite, Dionisos, Artemis e diversas outras divindades.
4
Neste caso, a partir do debate presente na história de gênero, utilizamo-nos do termo feminino, com relação a
gênero(visandoa relações estabelecidas) e não ao sexo.
5
Textos religiosos inscritos nas pirâmides. Contendo narrativas, ensinamentos, mitos, entre outros elementos.
“Em 1881, foram descobertos textos funerários inscritos nas paredes de cinco pirâmides, pertencentes aos faraós
Unas (2356-2323 a.C.), Teti (2323-2291 a.C.), Pepi I (2289-2255 a.C.), Mernere (2255-2246 a.C.) e Pepi II
(2246-2152 a.C.).O conjunto mais antigo de textos a que se deu o nome de Textos das Pirâmides foi encontrado
na pirâmide de Unas, último faraó da Vª dinastia (2465-2323 a.C.). Acredita-se que, tanto os Textos das
Pirâmides quanto os Textos dos Sarcófagos tenham sua origem em contextos rituais e sejam derivados de fontes
orais. Por isto, Baines atesta que as composições mais antigas conhecidas como Textos das Pirâmides são
aquelas encontradas no templo mortuário de Sahure (2458-2446 a.C.), também faraó da Vª dinastia, e não de
Unas. Os hieróglifos esculpidos nas paredes da câmara e a da antecâmara funerária de Unas - que totalizam 228
encantamentos - estão na vertical, sem o acompanhamento de imagens, e pintados na cor verde, que é associada
à regeneração”(JOÃO, 2008, p.74).
6
São citadas referências sobre esses fragmentos em outro momento do texto.
7
Apesar de percebermos que a linearidade nessas histórias é algo difícil de se estabelecer, devido às idas e
vindas nos enredos.
8
Tabletes de imprecações.
13
Hórus quando este atinge a idade adequada). Seu nome é representado pelo hieróglifo .A
denominação “Ísis” é de origem grega e é a mais utilizada em meio às produções
historiográficas (ARAÚJO, 2000, p. 399).
A análise comparativa sobre Egito e Atenas permite-nos identificar as sacerdotisas
participantes do culto a Ísis e a evidenciar a condição social da mulher ateniense. Tal
perspectiva também nos possibilita analisar o papel social feminino no mundo antigo
revisitado através da cultura material, a qual nos permite compreender a participação política
da mulher no cenário social, atuando como sacerdotisa na polis dos atenienses no período
Clássico.
Temos o interesse em analisar o culto à deusa Ísis a partir da cultura material,
visando fundamentar a presença do culto a essa divindade junto a polis dos atenienses na
temporalidade do final do V século e início do IV AEC. A cultura material nos aponta para os
monumentos e estelas fúnebres em alto relevo, nos quais se percebe a presença de mulheres
com indumentárias da deusa Ísis. Tal fato remete-nos para as mulheres, esposas e filhas de
cidadãos atenienses, que faleceram e foram homenageadas com esculturas que denotam serem
iniciadas como sacerdotisas de Ísis.
Os elementos da cultura material evidenciam uma adequação social da deusa em
meio à comunidade políade ateniense e na Grécia em geral, pois percebemos uma infiltração
social, 9 na forma gradativa de apropriação do culto pelos atenienses, ressaltada pelo fato das
9
Conceituo como infiltração social, pois infiltrar-se propõe que a barreira superficial seja transposta, passando e
permeando a estrutura. No caso, ultrapassando a barreira superficial de puramente conhecer e associar a
divindade com outras, atinge-se dessa forma a estrutura social. Refletindo na própria nomeação e representação
relacionada com a deusa Ísis, fundamento o conceito a partir do nosso referencial teórico Marc Augé com o
conceito de identidade relativa, que prevê a constante negociação pelo contato com o outro, em que há
possibilidade de alteração sem necessariamente perder sua base, e dentro da onomástica quando percebemos
nomes relacionados a Ísis no decorrer do tempo e em diversas regiões. Com isso entendemos que acaba
14
fontes nos apresentarem nomes de pessoas da localidade relacionados à deusa, nos fazendo
questionar o motivo de uma atitude tão íntima.
A presença de santuários à divindade egípcia junto aos atenienses era difundida com maior
incidência na região do Pireu, porto de Atenas. Logo, interessa-nos analisar o processo de expansão do
culto a Ísis a partir dessa região, como ele transpassou a cultura egípcia e interagiu com os atenienses e
que fatores motivaram a inserção das mulheres, esposas e filhas de cidadãos atenienses a cultuarem
uma divindade estrangeira no final do V e início do IV séc. AEC. 10
Compreendemos que há uma vasta historiografia 11 produzida a propósito da divindade Ísis,
no entanto, foi possível perceber que o recorte temporal escolhido pela maioria dos pesquisadores
abrange períodos posteriores ao séc. IV AEC, e em regiões sob a influência romana, devido a maior
possibilidade de acesso documental e o seu respectivo quantitativo. 12 Sendo assim, podemos ressaltar
as produções historiográficas de Malcolm Drew Donalson, 13 Marie-Jeanne Roche, 14 Valentino
Gasparini, 15 Elizabeth J. Walters. 16
Em contrapartida, é possível, de fato, perceber uma escassez de produção
historiográfica para o recorte espaço-temporal a que nos propomos, a inserção do culto à Ísis
no final do período Clássico, na região de Atenas especificamente no Pireu, o que se torna
singular em nossa pesquisa, pois procuramos fomentar e desenvolver estudos sobre o culto
entre os atenienses.
ocorrendo uma infiltração na estrutura social e não uma disseminação, pois permeia e atinge elementos do
indivíduo como ser único e individual.
10
Faz-se necessário explicitarmos uma breve ambientação do contexto social do recorte espaço-temporal
selecionado para a pesquisa. Sob o governo de Péricles, Atenas e Esparta, após rechaçar o poderio Persa,
iniciaram uma época de apogeu, e os atenienses, “em especial, desfrutaram de uma grande prosperidade:
incrementaram sua aprovação e estabeleceram um império que os conduziu àriqueza e à gloria. A jovem
democracia alcançou a maturidade e trouxe consigo as oportunidades, a participação e o poder político inclusive
aos cidadãos das classes mais baixas[...]. Foi uma época de notáveis avanços culturais, de uma riqueza e
originalidade provavelmente sem comparação na História da Humanidade. Poetas e dramaturgos como Ésquilo,
Sófocles, Eurípides e Aristófanes elevaram a tragédia e a comédia a níveis jamais superados. Os arquitetos e
escultores que criaram o Partenón e outras construções da Acrópolis de Atenas, Olimpia e ao longo das encostas
do mundo helênico influenciou enormemente no curso da arte ocidental e continua fazendo-o em nosso tempo.
Os filósofos naturalistas como Anaxágoras e Demócrito fizeram uso da razão humana inerente a buscar a
explicação dos mecanismos do mundo físico; e pioneiros da moralidade e da filosofia política, tais como
Protágoras ou Sócrates alcançaram a mesma no campo de índice sujeito humano. Hipócrates e sua escola fizeram
grandes avanços na ciência médica, enquanto Heródoto inventou a historiografia, como a entendemos hoje”
(KAGAN, 2009, p. 7).
11
Bricault(1997);Dow(1937); Tobin(1991).
12
A cultura material representando Ísis em período Romano é abundante, como vemos em relevos, estátuas.
13
The cult of Isis in the Roman Empire: Isis Invicta. Lewiston: E. Mellen Press, 2003.
14
Le culte d'Isis et l'influence égyptienne àPétra,Institut Francais du Proche-OrientStable, Syria, T. 64, Fasc. 3/4,
p. 217-222, 1987.
15
Les cultes isiaques et les pouvoirs locaux em italie in Power, politcs ans the Cult of Isis:Proceedings of the Vth
International Conference of Isis Studies, Boulogne-Sur-Mer, oct. 13-15, 2011.
16
Attic Grave Reliefs That Represent Women in the Dress of Isis.Princeton: American School of Classical Studies
at Athens, 1988. (Hesperian Supplement)
15
Gordon Childe (1961, p. 38) nos afirma que as tradições sociais que determinam a
cultura são expressas em hábitos de pensamento e ação, em instituições e costumes. Sendo
assim, com o intuito de compreender como se estabelecia o sacerdócio do culto a Ísis entre os
atenienses, propomos-nos a perceber as especificidades de cada elemento e a singularidade
que é fornecida a partir de nossos documentos de análise.
Utilizaremos como documento textual principal o livro II de Histórias, texto escrito
em 440 AEC por Heródoto, historiador e geógrafo grego, nascido no séc V AEC em
Halicarnasso, atual Turquia, que se dedicou a viajar por diversos locais e a descrevê-los tal
qual Hecateu de Mileto, seu precursor, também o fazia. A obra completa 17 de Heródoto
dividiu-se em nove livros cada qual nomeado com os nomes das musas, porém nem a divisão
nem a nomeação das divisões foram feitas pelo autor.
Utilizaremos também de modo complementar os textos de História da Guerra do
Peloponeso – texto escrito entre 424 e 400 AEC por Tucídides– e A Constituição dos
Atenienses, texto escrito entre 431 e 424 AEC por Pseudo-Xenofonte (O Velho Oligarca).
Nossa pesquisa também contará com um corpus documental imagético, pois iremos
abarcar a análise de fontes epigraficas, amuletos e esculturas fúnebres com relevos.
A metodologia 18 aplicada aos elementos textuais será baseada na análise de conteúdo
a partir de Eni Orlandi, em concordância com a grade de análise do discurso desenvolvida
pelo Grupo de Estudos da Antiguidade/NEA-UERJ. Já a metodologia aplicada à imagem será
baseada na grade de análise desenvolvida pelo mesmo grupo acima citado, com base na obra
Introdução à análise da imagem, de Martine Joly, que propõe um estudo em que são
percebidos o contexto, o destinador, o destinatário e o código. Segundo a autora, “um signo é
um signo apenas quando exprime idéias e suscita no espírito daquele ou daqueles que o
recebem uma atitude interpretativa” (JOLY,1996, p.30).
Isso faz com que a compreensão da imagem vá além do simples olhar, pois sobre o
aspecto semiótico Martine Joly afirma que utilizar o aspecto semiótico para abordar ou
17
Segundo Hartog(1999, p.33), a intenção inicial de Heródoto era de contar feitos dos Gregos e dos Persas, e as
causas da guerra, porém, o autor sentia necessidade de explorar explicações sobre vários povos a fim de situar
seus leitores. Temos a sensação de que o autor necessitava responder seus próprios questionamentos, e se sentia
cada vez mais imerso em hipóteses e incertezas, sentimento esse familiar aos pesquisadores das mais variadas
áreas. Para nossa pesquisa foi selecionado o livro II, em que trata sobre o Egito, suas características e relações,
que o próprio autor, Heródoto, estabelece em meio a comparativos com os gregos. Delimitamos assim a leitura e
análise de trechos do livro selecionado, a fim de embasarmos nossas considerações no decorrer da pesquisa.
18
Cada documento selecionado terá em nossa pesquisa um caráter essencial, visando observar o que nos
apresenta, tratando-se dos documentos textuais, e buscar de forma atenta e questionadora nas imagens subsídios
complementares e inovadores.
16
19
A propósito dos estudos comparativos históricos, percebemos que há necessidade de se adequar a
metodologia, na qual a pesquisa está inserida, junto à teoria, levando em conta a especificidade do programa ao
qual nos encontramos vinculados, a saber, PPGHC. Inseridos nesse contexto, é possível identificar diversas
vertentes a propósito da construção comparativa da história.
Diante das discussões e reformulações da historiografia tradicional, o método comparativo surge à luz de ideias
fundamentadas em Marc Bloch (1998), quando trata de caracterizações de “similitudes, diferenças e
proximidades”, e através das dificuldades pensadas por Jügen Kocka (2003), que visualiza uma vastidão de casos
para estudo e de uso de leituras secundárias. O método comparativo também era visto como o que extrapolava
estudos locais e regionalistas, ampliando sua abordagem, promovendo uma renovação das pesquisas históricas
(VEYNE,1983) e, por conseguinte, Marcel Detienne (2004), que traz uma abordagem que privilegia os contatos
interdisciplinares, corrompendo o paradigma de comparação apenas de comparáveis, aproximando historiadores
e antropólogos. Vejamos o que diz Reis (2003, p. 81) a esse respeito: “Os fundadores falavam de compreensão,
história-problema, e história global; a segunda geração mencionou regularidades, quantificação, séries, técnicas,
abordagem estrutural; a terceira geração refere-se a modelos, invariantes conceptuais, interpretações,
descrições”.
17
outros se fazem do outro e dos outros” (AUGÉ,1997, p. 94). Para melhor exemplificar essa
afirmação diante ao nosso foco investigativo, recorremos diretamente à análise feita da
construção textual de Heródoto, no Livro II das Histórias, pois o autor pretende em muitos
momentos demonstrar uma universalidade presente entre os povos.
Os conceitos de Marc Augé contribuem ao tratarmos da relação entre geografia e
história, pois aborda sobre como o lugar compreendido em sua totalidade e atribuído a um
sentido funda e congrega a identidade de quem o habita. Leva-se em conta ainda a relação
mútua entre o agente social e o lugar, pois as divisas das identidades se dissolvem a partir do
momento em que se encontra uma multiplicidade dos espaços.
Diante este aspecto, conjecturamos sobre estrangeiros, comerciantes e marinheiros,
que quando chegam a locais diferentes aos de sua origem, mesmo compreendendo cada qual
sua identidade, suas características, estes irão seguir e se adequar às normas e às leis de onde
se encontram, tal como afirma Marc Augé (1997, p. 45), sendo pois o dispositivo espacial um
misto entre aquilo que expressa a identidade do grupo (as origens do grupo são com
frequência diversas, mas é a identidade do lugar que o funda, o reúne e o une) e também
daquilo que o grupo deve defender (ideais) contra as ameaças externas e internas, com o
intuito de que a linguagem da identidade seja conservada.
Ao destrincharmos o conceito de lugar antropológico de nosso referencial teórico,
direcionamo-nos a refletir sobre como se compreende o elemento geométrico do lugar,
possibilitando a este ser visto de três formas: a linha, a intersecção das linhas e o ponto de
intersecção, ou seja, itinerários, eixos e caminhos (AUGÉ, 2005, p. 50).
Dessa forma, questionamos como seria essa geometria do local de inserção do culto a
Ísis, visto que o território é composto de características físicas e simbólicas, 20 por atribuições
principalmente socioculturais. Com isso, foi possível compreender a linha como a identidade,
a intersecção das linhas como as relações que podem ser estabelecidas (tanto entre indivíduos,
quanto entre local e pessoa), e o ponto de intersecção como sendo o ambiente, o lugar que
possui caracteres comuns: identitários, relacionais e históricos (AUGÉ, 1997, p. 52).
A partir da reflexão sobre a afinidade entre história e geografia, utilizando-se então
da espacialidade e do lugar, podemos diretamente atrelar à memória conforme Cyntia
Andrade (2008, p. 569-590).
20
Ver o simbólico e a construção de sentido em Augé (1997, p. 94).
18
21
Heródoto, no decorrer de seu texto – além do aspecto geográfico – mostra-nos a presença da memória diante
dos seus próprios relatos, ou de relatos que foram apropriados de outros personagens no decorrer das narrativas.
19
Capítulo I
Porto do Pireu: lugar antropológico propulsor do culto a Ísis
C
onsideramos que a partir dos contatos estabelecidos com o Egito, que o culto à
divindade egípcia Ísis foi propagado para as mais diversas regiões.
Com conexões marítimas intensificadas através do VII século AEC em diante,
gregos e egípcios, estabelecem intercâmbio, seja de produtos, matérias-primas ou de demais
elementos culturais e religiosos. Partimos do princípio que com base nas intensas relações
comerciais estabelecidas através do Porto do Pireu, em Atenas, é possível inferir que a entrada
do culto a Ísis na polis dos atenienses ocorreu entre o final do V séc e início do IV séc AEC. 22
I.I Contatos entre gregos e egípcios e introdução de novos deuses na Atenas Clássica
22
Posteriormente, nos séculos III e II AEC, o culto obtém seu auge de disseminação pelo Mediterrâneo,
principalmente devido aos contatos e à expansão do Império Romano. Essa afirmativa problematiza a
historiográfia que aborda a presença desse culto em Atenas em temporalidade subsequente, por volta do século
III AEC.
21
Portanto, identificamos que o final do período Micênico 23 nos provê elementos que
possibilitam perceber o efetivo contato com o Egito, devido à potência comercial da
sociedade Micênica. Conforme pesquisa desenvolvida por Jorrit Kelder (2010, p. 137), é
através dos vestígios arqueológicos que a proximidade entre as duas sociedades se
materializa, pois é possível identificar que as trocas não são apenas materiais, mas de
costumes e ideias, 24 materializados através dos achados arqueológicos, tais como um chifre
de javali de capacete micênico, ou vasos de azeite e joias.
Desta maneira, buscamos materializar a presença dos egípcios em Creta e os contatos
já estabelecidos há séculos por intermédio da presença de pequenos cartuchos 25 que remetem
ao período de governo de Ramsés II, 26 encontrados no cemitério de Perati, costa leste da
Ática, hoje localizados no Museu Arqueologico Nacional de Atenas, em exposição fixa.
Figura 1.Cartuchos do cemitério de Perati-Ática, Museu Arqueológico Nacional de Atenas. Foto: Marina
Rockenback de Almeida, jan. 2015.
Os atenienses cujo território havia sido devastado pela segunda vez e eram vítimas
ao mesmo tempo da peste e da guerra, mudaram de sentimentos (TUCÍDIDES, Hist.
Guer. Pel. 59).
[...] Se a cidade pode suportar o infortúnio de seus habitantes na vida privada, mas o
indivíduo não pode resistir aos dela, todos certamente devem defende-la, em vez de
agir como fazeis agora propondo o sacrifício da segurança da comunidade por estar
desesperados com as dificuldades que enfrentais internamente[...]Sei que vosso
descontentamento em relação a mim foi agravado pela peste [...] (TUCÍDIDES,
Hist. Guer. Pel. 60/64).
27
Faremos breves apontamentos no 1.º capítulo, porém, exploraremos a temática e o contexto social, quanto às
divisões das classes censitárias no 2.º capítulo da dissertação.
23
28
Sobre esta temática aprofundaremo-nos no segundo capítulo, devido a prioridade na organização dos debates,
levando em conta que o primeiro capítulo visa explorar a construção do lugar antropológico do culto aÍsis e sua
inserção na pólis ateniense, e o segundo visa construir a identidade das sacerdotisas, fazendo-se necessário um
debate mais aprofundado sobre o surgimento de classes e construções identitárias.
29
Ver também:Parker (1996).
24
Ainda segundo Robert Parker (1996, p. 158), enquanto os homens atenienses tinham
preocupações e aspirações diversas, as suas mulheres e filhas inseridas veementemente no
universo religioso, e atentas às peculiariedades sociais que Atenas apresentava,
influenciavam-se e tornavam-se adeptas das novas divindades estabelecidas no Pireu,
principalmente de Ísis, devidoà sua aretologia, que primava pelas características de proteção,
boa mãe, boa esposa e provedora da boa estrutura e ligação social.
De forma complementar, R. Garland (1992, p. 6) afirma que a atitude de
implementação de novas divindades está altamente interligada ao caráter econômico e
político, pois pode ser exemplificada pelo fato da possibilidade das sacerdotisas atenienses
também se beneficiarem financeiramente com as atividades fornecidas em prol do (a) deus(a),
da mesma forma que os interesses políticos poderiam estar atrelados à aquisição de maiores
prestígios na esfera social.
O autor assinala que Atenas teve um papel significativo napromoção de cultos de
novos deuses em toda a Grécia e também garantiu a proeminência deles, o que facilitou a
elevaçãodesses deusesao posto dedivindadespan-helênicas (GARLAND,1992, p. 8).
Desse modo, a proliferação de cultos e a abundância divina em Atenas chamam a
atenção até mesmo dos próprios estudiosos da Antiguidade, como, por exemplo, Pausânias,
que elogia, séculos depois, os atenienses de serem os mais piedosos e zelosos quanto aos
assuntos religiosos (1.17.1). O autor leva em consideração o fator memória como meio
coletivo, propulsor da formação de grupos humanos e a estruturação de um passado em
comum (DETIENNE, 2004, p. 75). Sendo assim, Pausânias baseia-se na grande quantidade de
templos, santuários e cultos estabelecidos por toda Atenas e também no grande contingente de
metecos em meados do V século AEC no Pireu.
Robert Garland (1992, p. 8-10) destaca-nos que alguns autores da época tratavam
cultos estrangeiros de modo hostil, referenciando o exótico. Nesse contexto, trazemos o
discurso de Platão para percebermos a permanência das duas vertentes de pensamento: na
primeira, verificamos a presença, a circulação e a atividade de atenienses em meio a um culto
estrangeiro, quando ele trata da ida de Sócrates ao Pireu para participar do culto à deusa
Bendis; e, em contraponto, no processo de Sócrates, relatado também por Platão, há uma
vertente que se opunha à inserção dos novos deuses. Vejamos,
SÓCRATES — Fui ontem ao Pireu com Glauco, filho de Aríston, para orar à deusa,
e também para me certificar de como seria a festividade, que eles promoviam pela
primeira vez. A procissão dos atenienses foi bastante agradável, embora não me
parecesse superior à realizada pelos trácios. Após termos orado e admirado a
cerimônia, estávamos regressando à cidade.
25
Observa-se na fala de Sócrates, sua ida para ver a festividade à deusa trácia contou
com sua participação (“termos orado”) e com sua avaliação crítica (“a procissão dos
atenienses foi bastante agradável, embora não me parecesse superior à realizada pelos
trácios”). Sob essa conjuntura, fica claro o quão marcante são tanto a presença, quanto a
participação de atenienses nas práticas religiosas dedicadas a divindades estrangeiras sediadas
no Pireu.
A tendência à reestruturação dos costumes gregos e da democracia ateniense torna
possível perceber uma forte pressão aristocrática contra tudo que fosse contrário aos
princípios, ditos, gregos. Percebemos isso quando observamos o processo contra Sócrates,
diante das acusações levantadas, fundamentalmente baseadas em: a não crença 30 nos deuses
da cidade e também sua má influência aos mais jovens que ouviam sua preleção. Essas
acusações (assebéia e prodossia) 31 estavam calcadasna perspectiva dos acusadores contrários
às ações favoráveis à entrada e divulgação da crença em divindades estrangeiras.
Em contrapartida, como a característica crucial de um debate é a presença de altos e
baixos, ou a retrucabilidade 32 (FAUSTO NETO,2001, p.72), atentamo-nos ainda sobre a
querela acerca do destino de Sócrates, pois o filósofo, em defesa, questiona de modo irônico o
fato de que ao mesmo tempo em que é acusado de favorecer deuses estrangeiros, é acusado
também de não reconhecer e acreditar em deus algum (PLATÃO, Apol. 26c).
E diante dessas controvérsias, recorremos à interpretação de Claude Mossé (1989, p.
116), ao trabalhar com a temática, o que nos favorece a compreender o certame temático da
introdução de cultos estrangeiros, sendo o nosso foco perceber e fundamentar a introdução do
culto à divindade Ísis em solo ateniense.
Sob a perspectiva de Mossé, a insistência de Meleto em tornar Socrates um ateu
corrobora a compreensão de que a devoção depositada em outras divindades, 33 diferentes das
30
Giulia Sissa e Marcel Detienne (1990, p. 204) desenvolvem uma interessante discussão sobre o que é “crer”.
Os autores ressaltam que a crença nos deuses vai além da nossa concepção de acreditar na existência, pois
presume reconhecer sua importância na vida social e política dos homens, o que engloba um conjunto de ações
devidas aos deuses quanto a sacrifícios, ritos, festividades (etc.). Crer nos deuses também refere-se a estabelecer
relações com eles, convivência e manutenção e a aceitabilidade, entre cidades, de direitos de sacrifícios e culto
para seus cidadãos, é promovida a partir do reconhecimento mútuo das práticas sociais, políticas e religiosas, em
que prevalece a participação nos negócios dos homens e nos negócios dos deuses (233-244). Por isso, a acusação
de não crença nos deuses, feita a Sócrates, propõe um ato de desregramento e de autoexclusão social, o que torna
a acusação mais preocupante e relevante ao imaginário ateniense, do que o fato dele favorecer divindades
estrangeiras, pois a permissividade de Atenas quanto a isso ilustra a coesão de práticas sociais e de
reconhecimentos mútuos que falamos há pouco.
31
Marinho (1978, p. 74).
32
Permissão e exposição à réplica.
33
Com relação à ideia de hostilidade com divindades estrangeiras.
26
do panteão da cidade, não era considerada um ato tão grave pelos atenienses, quanto o não
acreditar em força divina alguma (MOSSÉ,1989, p. 116).
Compreendemos que a influência estrangeira em solo ateniense não era exatamente o
que os afligia, pois perante o contexto do final do V séc. AEC, que estamos traçando,
sobressai a tentativa de reestruturação de uma Atenas fragilizada. Desta forma, qualquer coisa
que não fosse fundamentalmente ateniense seria refutada por alguns e incentivada por outros.
Ressaltamos que, além do sentimento de reconstrução da identidade, os atenienses
também se deparavam com um imaginário social em construção, devido à interferência de
comerciantes e artesãos estrangeiros que com eles conviviam, principalmente a região do
Pireu, o que consequentemente acarretava na necessidade de aceitação desse contingente nas
mediações atenienses, sobretudo por serem essas pessoas elementos constituintes da dinâmica
social e econômica de Atenas.
Desse modo, sobre a participação estrangeira na vida econômica ateniense, buscamos
o relato do Velho Oligarca que trata da grande circulação de pessoas na zona do Porto do
Pireu e o caráter cosmopolita que beneficiava cidadãos que detinham seus rendimentos com
base no comércio:
Somam-se os benefícios que o povo ateniense tem a tirar dos processos que
envolvam aliados realizando-os em Atenas. Em primeiro lugar, o imposto de 1%
cobrado no Pireu reverte para a cidade. Mas, sai a lucrar quem possuir uma
hospedaria, assim como, quem possui um par de cavalos ou um escravo para alugar.
Sem contar os arautos, que se beneficiam diretamente das estadas dos aliados
(Const. dos atenienses, 1: 17).
Inferimos, portanto, que os cultos advindos de outros locais poderiam sim causar
certo estranhamento, pois se tratava de algo desconhecido, porém, mesmo com esse
estranhamento, os cultos estrangeiros não eram rechaçados, uma vez que, moralmente, esses
não eram os maiores problemas a serem resolvidos pela polis.
Sobre o procedimento de concessão de pedaços de terra (enktesis), uma atitude dual,
de controle e liberdade.
Nesse sentido, tendemos a refletir de forma breve sobre o conceito de liberdade, em
grego ἐλευθερία, elemento presente na construção do imaginário ateniense. Torna-se
perceptível que em uma polis como Atenas, com sua característica fundamentalmente agrária
em seus primórdios, há a existência da necessidade de liberdade na manutenção e produção da
subsistência do oikos,como também a busca de produtos em outros locais devido a eventuais
impossibilidades de produção, situação que corrobora e fundamenta os contatos estabelecidos
27
Habitando sempre eles mesmos esta terra através de sucessivas gerações, é mérito
termos legado livre até nossos dias [...] e creio que será proveitoso que toda a
multidão de cidadãos e estrangeiros possa escutar [...] Temos por norma respeitar a
liberdade, tanto em assuntos públicos, como nas rivalidades diárias de uns com os
34
outros.
34
Disponível em: <www.cepchile.cl/dms/archivo.../rev11_tucidides.pdf>. Tradução deAntonio Arbea G.,
profesor de Lenguas Clásicas de la Universidad Católica de Chile.
28
35
Maria Regina Candido buscou quais seriam as motivações que “levaram parte dos integrantes da comunidade
dos atenienses no IV século a transpor a lei e as normas do coletivo, e estabelecer contato com seres
sobrenaturais”, identificando como principais fatores o imaginário social e a emoção. Selecionamos a seguinte
citação da autora, que muito contribui para identificar essa circulação na pólis, a saber: “O Kerameikos torna-se
uma construção concreta, produzida pela vivência dos atenienses, com acentuada interação entre diferentes
grupos semióticos, a saber: os críticos, os usuários da magia, os cidadãos, os estrangeiros, os homens e as
mulheres, os metecos e os escravos. Todos transitam pelo espaço geográfico do cemitério: via de acesso de
entrada e de saída da pólis dos atenienses”.
36
Sobre liberdade e escravidão, não vamos nos aprofundar no decorrer da dissertação, pois reconhecemos a
merecida densidade a ser aplicada ao debate. Sugestões de leituras: Chevitarese (2000, p. 89); Cardoso (1984);
Ober (1989); Mossé (2008).
37
“Na prâtica, todas as outras ocupações eram compartilhadas por livres e escravos, muitas vezes trabalhando
lado a lado nas mesmas tarefas[...]”. O autor cita ainda a fala de Xenofonte,sobre“aqueles que podem, compram
escravos para ter companheiros de trabalho” (Memorabilia, 2, 3, 3).
38
Desenvolveremos no decorrer do capítulo todos os pontos referentes ao conceito de Marc Augé.
29
também em solo estrangeiro permanece sua recordação, gravado não em monumentos, mas,
sem palavras, no espírito de cada homem”. 39
Em outras palavras, compreendemos que o sentimento políade não estava presente
apenas enquanto se estava no espaço físico destinado a Atenas, mas sim no imaginário do
indivíduo, que leva consigo seus valores e mesmo estando em outros territórios, ou agindo em
nome de outros locais, nunca deixaria de pertencer ao seu local de origem.
O contexto social com o qual os atenienses do final do V século AEC 40 estão
envolvidos, levando em conta a necessidade da busca de grãos advindos do Oriente devido à
concentração da população próxima ao centro de Atenas em procura de proteção durante os
conflitos na Guerra do Peloponeso, e também pela ocorrência da peste que assolou boa parte
de sua população, são casualidades que provocam a baixa na produção da agricultura e a
intensificação dos contatos entre Atenienses e Egípcios.
Todavia, a insatisfação, sentimento promovido pela sensação de não pertencimento
do produtor agrário ao meio urbano, aos poucos acaba se dissipando, pois a construção sólida
da identidade 41 ateniense era necessária, a fim de estabelecer força interna diante dos
conflitos com outros demos e territórios.
No tocante aos contatos entre atenienses e egípcios, recorremos ao que diz o Velho
Oligarca: “os Atenienses, em razão do domínio marítimo, misturaram-se com outros povos e
descobriram produtos de consumo variados” (Const.At.2.7). Entende-se que o poderio
39
Apesar de termos acesso a outras traduções, e estarmos nos utilizando nas várias outras citações da obra
traduzida por Mário da Gama Curi, nessa citação em específico, recorremos à tradução para o espanhol,
disponível em: <http://www.ddooss.org/articulos/textos/Tucidides.htm>, pois demonstra mais ênfase ao que
propomos. Para outra versão, sem muitas alterações de sentido, TUCÍDIDES, História da Guerra do
Peloponeso, 3 ed. Trad. Mario da Gama Cury. Brasília: UNB, 1999, p. 110-101.
40
Optamos por explanar em nota sobre o contexto social do Egito diante o recorte temporal do período do final
do V e início do IV séc. AEC. Essa temporalidade na sociedade egípcia equivale ao final do Período Tardio e
início do Período Ptolomaico (ARAÚJO, 2000, p. 18) marcado por uma política conturbada, devidoa trocas de
governantes do Egito entre Núbios, Assírios, Egípcios e Persas, pois o Egíto encontrava-se sob poderio Núbio,
no início do Período Tardio, mas por causa de investidas dos Assírios, o poder do Egíto passa para estes, porém
por causa de uma estrutura política desestabilizada, o rei Assírio abandona o Egito, assumindo o poder de
Psammetichos I. Contudo, Psammetichos I tinha um forte inimigo, o rei de Tebas, Tatutamani, o que cria
pequenos conflitos. Logo, em 525AEC, Cambises II, rei Persa, ataca e assume o poder no Egito. De forma
sincrética propomos-nos a explicitar a instabilidade pela qual o Egíto estava passando, a fim de promover uma
melhor compreensão do contexto.
No governo de Necau II, filho de Psammethicos I, prosseguiu com as intenções de governo do pai, porém, com
alguns percalços. Necau II cria uma marinha egípcia aproveitando a expansão do comércio com a Grécia.
Passando o governo de Psammethicos II e Apries, aos quais não vamos nos ater a explorar devido as
coesmitações do recorte da pesquisa. Segue o governo de Amasis40 em que a prática de uso dos mercenários se
manteve. O governo de Amasis (570 e 526 AEC) manteve um relacionamento diplomático com a Grécia. Uma
das realizações do governante foi a contribuição de “grande quantidade de sal alum para a reconstrução do
templo de Delfos” (MOLLER, 2000, p.37),40além de reordenar o comércio grego e estabelecer a sedimentação
da colônia grega para o porto de Náukratis, cuja presença grega podemos verificar através da historiografia desde
aproximadamente 620 AEC. Mesmo sob essa instabilidade política, o final do V séc. e início do IV séc. AEC foi
um período próspero para a sociedade egípcia, com a presença de um progresso artístico.
41
Augé (1997, p. 94).
30
marítimo ateniense, mesmo que por alguns percalços, manteve-se, e as necessidades de buscar
grãos em outras regiões promoveram a intensificação dos contatos estabelecidos, o que nos
evidencia quanto à diversidade de cultos religiosos e veemência das interações comerciais
entre atenienses e demais sociedades do Mar Mediterrâneo.
Segundo J.S.Kloppenborg; et al. (2011, p. 142), Atenas demonstra forte dependência
de grãos provenientes do Egito, pois não detinha terras férteis para cultivo de cereais, e sua
capacidade de produção não conseguiria alimentar a população em constante crescimento,
além do mais, o seu poderio naval proporcionava facilidades em seu acesso às demais regiões,
conforme visualizamos na fala do Velho Oligarca, que nos afirma que:
Qualquer que seja a iguaria, e onde quer que esteja – Sícilia, Itália, Chipre,
Egito,Lídia, Pontos (o mar Negro), o Peloponeso ou qualquer outro lugar,-
tudo tem trazido para um mesmo ponto em virtude do poder naval.[...]e se
considerar também os assuntos de menor importância, em primeiro lugar, os
Atenienses, em razão do domínio marítimo, misturaram-se com outros povos
e descobriram produtos de consumo variados (Const.At. II-7)
É relevante apontar que a abrangência das importações de grãos pode ter atigido um
milhão de medinmoi, 42 cerca de 52 milhões de litros, o suficiente para alimentar 250 mil
pessoas (COHEN,2000, p. 16n apud SAHLINS, 2006, p. 47).
O porto do Pireu tratava-se de um dinâmico emporia 43 no V séc. AEC, sendo o
principal porto de Atenas, atraindo, tanto quanto sua polis, muitos estrangeiros, metecos,
comerciantes, artesãos e intelectuais, conforme é possível observar na seguinte citação do
Velho Oligarca (Const.At. 1.12): “A cidade precisa dos metecos por suas diversas competências
e para a manutenção da frota. Por este motivo agimos com razão ao darmos liberdade de
expressão aos metecos”. Tal referência aponta-nos para o envolvimento de estrangeiros nas
atividades comerciais e mercantis, além de possibilitar que estrangeiros, sob nossa perspectiva
e direcionamento: egípcios, “divulgassem” hábitos sociais, culturais e religiosos do Egito aos
atenienses, a contar com o culto a Ísis.
Além disso, o porto figura como um elemento essencial de produção e circulação
financeira de Atenas, pois a polisexigia dos metecos algumas obrigações como o pagamento
42
Unidade de volume para medição de grãos.
43
O autor Sitta Von Reden (1995, p. 24-37) faz um sutil levantamento, que nos interessa pôr em nota, pois
verificamos que há uma diferença entre o emporói, comerciante do exterior, e o kapilos, o comerciante de varejo.
A principal diferença entre esses dois tipos de comerciantes destina-se ao lugar em que eles estabelecerão sua
atividade, o kapilos detinha espaço no mercado da Ágora, local onde detinha forte acesso aos assuntos expostos
em conversas tidas entre membros da sociedade ateniense que por ali transitavam diariamente. Já o emporói
permanecia em região distante da polis ateniense, ainda no porto.
31
do metoikion 44 para homens e mulheres (HANSEN, 1991, p. 117) que é identificado como
“45 talentos de um orçamento de 400 talentos” (LYTTKENS, 2012, p.107), ou, segundo
Mogens Hernam Hansen 45 (1991, p. 118),homens pagariam 12 dracmas por ano, e mulheres 6
dracmas. Caso essas taxas fossem negligenciadas, segundo Carl Hampus Lyttkens (2012,
p.106) e o estrangeiro permanecesse de forma ilegal, este poderia ser vendido como escravo,
porém, o autor afirma ser difícil de acreditar que isso fosse uma situação comum de acontecer.
Segundo Karl Polanyi, quando tratamos de comércio e mercado, sabemos que
estes“se desenvolveram naturalmente em todos os lugares onde os transportadores tinham que
parar, nos vaus, portos marítimos, cabeceiras de rios ou onde as rotas das expedições se
encontravam. Os ‘portos’ se desenvolveram nos locais de transbordo” (POLANYI, 2000, p.
81) Essas informações contribuem para fundamentar o caráter multicultural aplicado ao Pireu,
pois, como entreposto comercial, ele tornava-se ambiente de recepção e mediação de diversas
culturas.
44
Taxa anual de 12 drachmas, podendo ser divididas em 12 vezes. Leva-se em conta que todo estrangeiro que
permanecesse mais de um mês deveria efetuar o pagamento.
45
Hansen nos traz um interessante apontamento sobre a distinção de dois grupos de metecos, sendo um de
artesãos e comerciantes e outro de refugiados políticos. A discussão sobre como procedia a permanência, as
obrigações e direitos dos metecos é algo extenso, que não aprofundaremos no decorrer da dissertação devido aos
recortes feitos, porém, é um assunto que vale ser explorado em um momento posterior.
46
Exemplo: Demeter, Artemis, Bendis, Aphrodite, etc.
32
geral grande parte dos vestígios epigráficos a que se tem acesso pouco distingue um culto do
outro, consistindo, em sua maioria,“registros administrativos de manutenção dos santuários e
cultos” (GARLAND, 1987, p. 101)
Contudo, não nos deixamos afligir por essa afirmação do pesquisador, pois
fortalecemos nossa pesquisa no preceito de que a não presença de elementos factuais de
identificação da divindade em determinado local não quer dizer que ali não estivesse presente
seu culto (DOW,1937, p. 218). Inferimos que a apropriação e recepção do culto a Ísis em
espaços de culto de outras divindades propiciam a elaboração de referências simbólicas sobre
o acesso e manutenção do culto a Ísis nesses espaços.
Depreende-se que a característica multicultural da região portuária possibilitaria a
interação entre as diversas culturas que ali circulavam e também a construção de identidades
relativas. 47 Ou seja, entendemos que a partir da presença de santuários estrangeiros no Porto
do Pireu e dos contatos estabelecidos entre os que ali circulavam, tais como atenienses,
egípcios, trácios, kitians, etc., as identidades eram formuladas e reformuladas à medida que as
pessoas iam se relacionando.
A inserção dos novos deuses em Atenas não era algo impossível, 48 desde que
passasse pelo procedimento legal para verificação e aceitação do culto entre os atenienses.
Dessa forma materializamos essa afirmação com o documento epigráfico IG II² 337, 49 e de
forma complementar reportamos-nosà estrutura das ekklēsias, que eram as assembleias em
local público para deliberação de decisões do cotidiano da pólis, como a autorização de
espaço de culto, sendo compostas por cidadãos de Atenas e presididas por magistrados
pertencentes à pólis ateniense.
Deste modo, compreendemos que a autorização do culto à divindade estrangeira Ísis
tenha sido levado a debate em assembleia, através de Licurgo, 50 pois “em virtudede sua
posição comotesoureiro daadministração financeira, exerceu extraordinária influênciasobre os
47
Marc Augé (1997, p. 63-65).
48
Como muitas vezes pode-se subentender ao tratar de uma polis, aparentemente, rígida em suas leis e em
tempos de construção e afirmação identitária.
49
Fonte epigráfica em forma de estela, encontrada no porto do Pireu, com solicitação de concessão de fundação
de um Santuário de Afrodite pelos Kitians.
50
Em 338/337, Licurgo assume o poder por 12 anos; durante seu governo, segundo Dobson e Mahone (1919):
“[...] construiu um teatro e um Odeon, completou um arsenal, o aumento da frota, e melhorou o porto de Pireu.
Ele também embelezou a cidade com obras de arte-estátuas dos grandes poetas erguidas nos lugares públicos,
figuras douradas de Vitória e vasos de ouro dedicado nos templos. Seu respeito por poetas foi ainda demonstrado
pelo seu decreto que uma cópia oficial deve ser feita das obras dos três grandes trágicos-a exemplar, que depois
passaram para a posse da Biblioteca Alexandrina. [...] ele promulgou leis suntuárias; como um homem religioso
por instinto e tradição, ele construiu templos e incentivou festas religiosas; um patriota ardente por convicção,
ele pensou que era seu dever realizara parte ingrata de um promotor público, perseguindo todos aqueles que não
cumpriram o seu dever sagrado para como seu país. Desta forma, ele conduziu muitos processos, que eram quase
todos de sucesso”.
33
assuntos internosde Atenas em 338 -326 AEC”(SIMMS, 1989, p. 216).Em uma tentativa de
promover a paz e aos poucos promover o retorno da prosperidade e credibilidade em Atenas,
Licurgo também proporciona um forte incentivo religioso que permite a inserção de novos
cultos e novos deuses (PARKER, 1996, p. 174).
É de extrema importância ressaltar que antes da inserção oficializada no final do V
séc. AEC, o culto de Ísis, usado como referência para a inserção de outros cultos estrangeiros
em momentos posteriores, foi estabelecido por algumas famílias em suas próprias
residências, 51 permanecendo privado (MIKALSON, 1998, p. 275) nos orgéons, e nas
phratrias, e gradualmente o culto adquire mais adeptos, até que se oficialize na comunidade
políade.
Sobre o epimeletes 52Licurgo, 53 Clause Mossé (2004, p. 188) afirma que demonstrava
uma autêntica solicitude, ao autorizar a edificação de santuários para suas divindades, e essa
ação comprova, também segundo o autor,serem numerosos os estrangeiros no Pireu.
Informação complementada por J. D. Hulsey (2013,p. 10), ao tratar da população da Attica,
na segunda metade do V século, estimando-se ser o total de 150.000 pessoas, sendo 20.000
metecos viventes principalmente no Pireu.
Reafirmamos antropologicamente o caráter múlticultural da região do Porto, a qual
julgamos ser o topos da entrada e difusão do culto a Ísis entre os atenienses. Nesse sentido,
atrelamos ao nosso estudo uma breve análise das características geográficas, pois
compreendemos a paisagem 54 (POZZO;VIDAL, 2010, p. 7) do Porto do Pireu como reflexo
da união entre aspectos físicos e biológicos, além de contar com a intervenção do homem em
seu ambiente.
Para compreendermos o espaço como lugar antropológico, assimilamos a relevância
da fluidez das fronteiras, tratando-se do imaginário social ao qual elas estão sendo
referenciadas. Nesse sentido, ressaltamos que existe uma flutuação defronteiras (AUGÉ,
51
Para mais informações sobre cultos realizados no interior do oikos,ver: Garland (1994).
52
De acordo com Cargill (1995, p. 153), “um termo genérico para pessoa encarregada, gerente, supervisor,
superintendente, etc. Vários grupos de epimeletai operavam dentro do governo Ático, alguns com deveres
religiosos, alguns se engajando em atividades‘seculares’”.
53
Após perpassamos Licurgo e suas grandes construções, posicionamos-nos a refletir sobre acontecimentos e
construções no Egito, também na data de 332 AEC, sobre a conquista de Alexandre da Macedônia (Alexandre o
Grande), que proporcionou a conquista de uma nova capital, Alexandria, sede da grandiosa Biblioteca de
Alexandria, por ele construída e detentora de um acervo extenso e valioso. Após a morte de Alexandre sucedeu-o
Ptolomeu, um de seus generais, iniciando assim o Período Ptolomaico. Sobre a influência helênica na sociedade
egípcia, segue a fala de Brancaglion: “A corte ptolomaica é enfaticamente grega na atmosfera e na prática e
adota o deus Serapis, uma versão grega do deus Osíris-Apis, como deus nacional. A influencia da arte helenística
é especialmente forte na corte mas a arte egípcia tradicional não foi afetada. [...] Os Ptolomeus mostravam-se
para o mundo mediterrânico como gregos descendentes de Alexandre;e, para os egípcios, como os descendentes
do faraó” (BRANCAGLION, 2001, p. 48).
54
Para um debate sobre o conceito de paisagem, ver: Rogowski (2010).
34
1997, p. 47), sejam elas físicas/naturais, como penhascos, o próprio mar, as florestas; ou as
fronteiras imaginárias, que compreendem “alteridades, igualdades e o hibridismo”. 55
Dessa forma, compreende-se o lugar antropológico através da inserção e propagação
dos cultos, através de artefatos imbuídos de valores e pela observação da topografia da região.
Isto é, o espaço no qual se imprime um grau de afetividade e pertencimento devido às
vivências que são materializadas, por exemplo, em estelas fúnebres e santuários
(STEINHAUER, 2001, p. 227).
Nesse particular, atrelamos a dinâmica entre os contatos de gregos e egípcios à
compreensão da territorialização (DETIENNE, 2004, p. 49) e a flutuação de fronteiras de
que estamos tratando. Propõe-se que, de acordo com o contexto de observação dessas
fronteiras, há a possibilidade de ressignificação e remodelação do limes, ou seja, dependendo
do ponto de vista de quem a observa, seja um meteco ou um cidadão, pois cada membro
social, a partir de sua posição e origem, irá interpretar e reinterpretar os elementos da
sociedade à sua maneira.
Parece, portanto, oportuno percebermos a estrutura física do porto, pois
consideramos ser o propulsor da infiltração do culto a Ísis em solo ateniense, de forma
privada e pública. Ligado àpolis de Atenas por um estreito canal de aproximadamente cinco
milhas (DICKS, 1968, p.140), o Porto do Pireu apresenta em sua topografia uma composição
rochosa (GARLAND, 1987, p. 7), situado a mais ou menos 8 km a sudoeste da Asty, cercado
por Munichia em uma íngreme colina a leste, e a Akte em um patamar um pouco mais abaixo
para sudoeste; a sudeste encontra-se o porto de Zea, e a noroeste o grande porto de Kantharos.
A propósito das divisões na região do Pireu, que eram caracterizadas por suas
especificidades, a atribuição de seus valores compreende a constituição do lugar em sua
totalidade. Nesse ínterim, surge-nos um breve questionamento sobre a possibilidade de cada
parte do Porto ser destinada exclusivamente a um propósito. Justificamos a pertinência desse
questionamento, pois a princípio delimitaríamos onde seria a maior concentração de templos e
santuários, de forma a compreendermos a especificidade de cada parte da zona portuária,
tornando possível identificar imediatamente quem formava e circulava por esse ambiente.
De acordo com as informações fornecidas por Garland (1987), cada parte
constituinte do porto representava uma característica principal, porém, em alguns momentos
cada repartição: Zea, Kantharos e Munichia mesclam suas funções, pois a Zona naval e
Comercial, tanto quanto as embarcações de guerra e os estaleiros de reparo/arsenal, poderiam
55
Para uma discussão mais aprofundada sobre o termo, sugerimos a leitura do livro O local da cultura, de Homi
K.Bhabha (1998).
35
ter suas funcionalidades trocadas de acordo com a necessidade. Conforme esse ponto de vista,
concordamos que possa ter ocorrido uma singela mescla de funcionalidades em cada trecho
do porto, pois não é possível afirmar a existência de uma triagem que pudesse direcionar as
embarcações aos seus respectivos portos. Contudo, delimitaremos e nos ateremos ao seguinte:
Munichia desenvolve-se, majoritariamente, como porto de características militares, com
instalações navais; Kantharos direciona-se principalmente ao aspecto comercial, pois a
chegada de mercadores nesse grande porto apresentava-se de modo mais intenso, e Zea
destinava-se à recepção de embarcações navais.
Segundo J. D. Hulsey (2013, p. 10), a estrutura do Pireu foi planejada
ideologicamente para refletir uma descentralização, mostrando-se menos hierárquica,
incorporando um caráter integralizador ao Porto e principalmente uma política de tolerância
religiosa.
Levando em conta sua topografia favorável e ruas que possibilitavam melhor
circulação por todo o ambiente (HULSEY, 2013, p. 12), voltamos-nos ao questionamento que
propusemos – sobre as divisões do porto – e compreendemos que não se faz pertinente tentar
delimitar um local exato de concentração de templos e santuários, visto que a religiosidade
presente no Porto estava diretamente relacionada às demais atividades que ali funcionavam.
Um exemplo de prática que liga religioso, social e político é a atividade guerreira, em que um
jovem apenas se tornaria um cidadão pleno e guerreiro, hoplita, se perpassasse todas as etapas
e rituais da efebía. 56Em anexo, dispomos de mais dois mapas, além do exposto a seguir, que
possibilitam verificar a distância do Pireu para a Ágora, as ruas presentes no Pireu e a
topografia geral do Porto. 57
Apesar da distância entre Atenas e o Pireu, havia uma forte ligação entre todas as
ações e decisões entre os locais, pois o Porto tornou-se, por sua importância, o “segundo
centro urbano da polis” (REDEN, 1995, p. 27). Muitas das deliberações eram realizadas em
assembleias na Ágora ateniense, ou então no próprio Porto.
56
Para maiores informações, ver: Vernant (1993, p. 93-94).
57
Destarte, o mapa contribui para a compreensão das “divisões” imaginárias do Porto, visto que é claramente
perceptível a região do empórion, próxima a Kantharos, e um possível arsenal entre Munichia e Zea, devido a
suas especificidades navais.
36
Segundo Sitta von Reden (1995, p. 27),“o demos do Pireu tinha de um lado uma
estrutura administrativa mais complexa do que outros demos e, por outro, estava mais
fortemente controlado pela assembleia ateniense”. Isso porque a administração de cada setor
do porto detinha cargos escolhidos previamente em assembleia, seja a área naval, subordinada
à administração de um strategos, seja o setor comercial supervisionado por magistrados.
A chegada de mercadorias advindas de outras regiões e a necessidade do trâmite
marítimo desse comércio demonstram a dependência ateniense quanto a essas relações (CHIC
GARCIA, 2009, p. 316), e, segundo Gabriel da Silva Melo (2011), elabora-se um imaginário
autárquico,de maneira que conhecer, manipular e utilizar o mar, atribuía poder sobre ele, pois
concebemos que “autarquia era compreendida pelo cidadão grego, portanto, não como
‘produzir sozinho tudo o que é necessário’, mas poder prover ou fazer com que lhe
prouvessem tudo aquilo que é necessário sem estar submetido, para tal fim, a outro
homem”(MELO, 2011, p. 5).
É a propósito dessas afirmações, que desenvolvemos a aplicabilidade de nosso olhar
sobre o espaço do Pireu, como um ponto inicial de contato entre atenienses e os não gregos, o
37
que proporciona a inserção dos novos deuses. Por isso, essa região relativamente distante da
Ágora age como mediadora, e promove uma porta de acesso ao restante de Atenas, visto que
nos séculos seguintes a presença do culto a Ísis 58 encontra-se mais solidificado e expande-se
de forma significativa.
Diante das obrigações desses estrangeiros domiciliados para com a polis dos
atenienses, havia também o benefício da aquisição de terra (Ἔγκτησις; Énktēsis)na região do
Pireu para a construção de templos/santuários a divindades estrangeiras, e tais serviam
também como via de proteção nos tribunais atenienses. Os estrangeiros que desejassem
permanecer em Atenas recebiam tutoria do proxenos, que servia como porta-voz e deveria ser
um cidadão com suas obrigações com a polis à qual pertencia.
Esse estrangeiro domiciliado, chamado de meteco, receberia honrarias fornecidas
pela polis em troca de seus serviços, como por exemplo: a troca comercial de grãos, muitas
vezes sob preço reduzido como podemos verificar nas fontes epigraficass do V e IV séc.
AEC. Segundo John S. Kloppenborg; et al.(2011, p. 205), tais elementos da cultura material
demarcam os nomes dos proxenoi –responsáveis pelos metecos – suas mercadorias, atividades
comerciais e mercantis executadas na região do Pireu.
Considerando o traço cosmopolita do Pireu e o que visa ao embasamento
antropológico necessário diante da compreensão dos contatos estabelecidos, observamos que
não era possível fazer distinção entre cidadãos e pessoas de outras categorias que por ali
percorriam, pois estavam presentes: cidadãos, mulheres, escravos, prostitutas, metecos e
estrangeiros.
Respaldamos nossa afirmativa referente a essa mescla presente entre quem pelo
Pireu circulava através do relato do Velho Oligarca, quando trata da conduta do cidadão
ateniense em relação à impossibilidade de agredir a qualquer um que fosse.
Como observamos no seguinte trecho: “se fosse legítimo o homem livre bater no
escravo, no meteco ou no liberto, corria-se o risco permanente de surrar um Ateniense,
acreditando tratar-se de um escravo; é que lá o povo não se veste melhor do que os escravos e
metecos e sua aparência também em nada é melhor”(V. OLIGARCA. Const. Aten.1:10).
Consoante o fluxo multicultural do Porto do Pireu torna-se pertinente tratar
novamente sobre a mediação entre estrangeiros e cidadãos através do proxenos, este que
também estabelecia contatos diplomáticos para Atenas (KAMEN, 2013, p. 58).
58
Para maiores informações ver: Burkert (1991); Bricault (2007, p. 261); Dunand (2008).
38
De acordo com Debora Kamen (2013, p. 59) no final do V séc. e início do IV séc
AEC,os proxenos ficam ainda mais propensos a passar a maior parte de seus tempos em
Atenas, devido à intensificação da população estrangeira no local, o que lhes garantia alguns
direitos de proteção para si e sua respectiva família e automaticamente certa elevação de
status. Levar assuntos às assembleias (Ekklesia), como também viabilizar o direito de
emktesis, isotelia, 59 liberdade de importação e exportação, concessão e aceitação de cultos
estrangeiros em solo ateniense e em alguns casos, até mesmo, a concessão de cidadania,
foram algumas das possibilidades consentidas aos metecos pela polis ateniense, através da
atuação de um proxenoi.
Levamos em conta que a expansãoda cidadania era concebida conjuntamente com o
fortalecimento da potência marítima de Atenas, pois o preceito da isonomia 60proposto por
Sólon amplia horizontes, como exemplo: o estímulo da população agrária a direcionar-se à
região urbana.
A propósito dessas informações, ressaltamos que as relações entre metecos e
cidadãos eram estreitas, o que proporcionava uma intersecção de costumes. Nesse ínterim, o
Pireu torna-se topos das sacerdotisas de Ísis, pois compreendemos que o sacerdócio dessa
divindade em Atenas era composto principalmente por mulheres atenienses, filhas e/ou
esposas de atenienses, que se apropriam do Culto a Ísis e se configuram como devotas da
deusa.
Compreendemos que a intensidade dessa inserção ocorre devido à característica da
diversidade multiétnica da região. Nesse sentido, consideramos que a permanência de
santuários estrangeiros nas regiões ao arredor da Khora era frequente, visto que alguns
demarcavam regiões fronteiriças (MOSSÉ, 2004, p. 253). Esses pontos de culto
demonstravam um caráter dual, pois demarcam alteridades e semelhanças, a partir do
momento em que ali se encontravam pessoas de toda sorte, tais como citadinos e estrangeiros.
É oportuno indicar que esse principal ponto de entrada dos cultos estrangeiros
identifica-se através da possibilidade de materialização dos elementos de culto, seja através
das fontes epigraficas ou a fundação de santuários.
Desse modo, conforme foi possível explicitar, a área naval e comercial do Pireu
encontrava-se intrinsecamente relacionada ao caráter sagrado, pois há intensa presença de
59
Igualdade em impostos e tributos.
60
A proposta visa desenvolver sobre o termo isonomia,e também sobre as sacerdotisas, no segundo capítulo da
dissertação.
39
61
Poucos são os vestígios que apresentam objetividade sobre a especificidade da prática do culto, pois grande
parte se apresenta como fórmulas votivas, com poucas palavras, mostrando uma intensa subjetividade,
característica presente em elementos religiosos.
62
Bendis, Aphrodite, Ártemis,Deméter.
40
momento de realização das práticas rituais e culto, o simbolismo atribuído pelos participantes
ressignifica o lugar.
A conceituação proposta por Hassey sobre o lugar não ser estático dialoga
imediatamente com o que Marc Augé propõe sobre a compreensão do lugar sendo posto em
observação através da referência ao outro. De acordo com Augé (1997, p. 53), “num mesmo
lugar podem coexistir elementos distintos e singulares, [...] não se proíbe pensar nem as
relações nem a identidade partilhada que lhes confere a ocupação do lugar comum”.
Nesse sentido, os lugares com suas especificidades e cultos formam relações
antropológicas que demarcam territorialidades 63 (DETIENNE, 2004, p. 49), tornando esses
espaços lugares antropológicos, conceito que, em conformidade com Marc Augé, se define
como “uma construção concreta e simbólica do espaço”, em que ao se investir sentidos e
significações caracterizam-se por serem “identitários, relacionais, históricos e geométricos”.
A própria fundação do Porto do Pireu não ocorreu apenas a partir da concepção da
necessidade de um porto mais estruturado para Atenas, mas também por representar para o
imaginário ateniense a viabilização do poder marítimo e o cunho ideológico democrático
(HULSEY, 2013, p. 10), sendo representados pelo poder naval, comercial e o reconhecimento
da relevância ateniense através da notoriedade em receber uma grande quantidade de
estrangeiros. 64
Além do mais, permite que o antigo porto da cidade, “Falerion, se estabelecesse
como terra dos ancestrais, lugar sagrado e zona de influência política da
aristocracia”(DUARTE, 2013, p. 19), e o Pireu como “lugar de troca e comércio, na qual a
oligarquia emergente exerceria suas atividades e atuaria junto ao demos, o qual permitia
trocas culturais e intercessões de cultos religiosos” (DUARTE, 2013, p. 19). Mediante a
historiografia apresentada até o momento, é possível inferir que, com a transferência da “porta
de entrada” de Atenas, de Fálerion para o Pireu, atribuiu a este local não só um caráter fluido,
devido à intensa circulação de pessoas de diversos segmentos sociais, como também o tornou
ponto central da relaçãoentre gregos e não-gregos em virtude da existência de influência
mútua entre as regiões, representadas por comerciantes, artesãos ou segmentos navais.
A distância da zona portuária em relação à Ágora de Atenas proporcionava ao Porto
o caráter de mediador cultural entre todos que por ali passavam, unindo o exótico do
estrangeiro à polidez de quem pertencia à polis, ou seja, a eschatia e a civilidade. Era comum
63
Conceito de Marcel Detienne (2004) ao tratar de diversos modos de estabelecer um território.
64
Conforme vemos nas imagens, até hoje o porto e Atenas, especificamente, recebem muitos turistas.
41
que o emporion fosse localizado separado por muros ou fronteiras (HULSEY, 2013, p. 10), a
fim de amenizar o acesso imediato à polis por estrangeiros.
Essa afirmação fundamenta-se quando tomamos conhecimento sobre a criação do
culto a Zeus Olímpia sob o governo de Psístrato, temática trabalhada por Lilian Laky (2012,
p. 2), considerando que esta divindade surge com dois propósitos iniciais, a saber: 1) auto-
afirmação da identidade grega e; 2) a mediação e recepção de divindades estrangeiras,
podendo ser representado pelo epíteto χενος.
Isso nos chama a atenção para a compreensão etimológica do termo proxenos, 65
devido à proximidade do significado quanto à mediação entre cidadãos e estrangeiros. Nesse
segundo propósito, o enfoque corrobora o embasamento referente ao sentimento de
reestruturação identitária ateniense; e de forma complementar, nota-se claramente uma
postura receptiva ao estrangeiro pelo ateniense, sentimento que também existia na construção
do imaginário da polis, uma vez que os contatos estabelecidos entre gregos e egípcios
existiam desde o período Minoico (TOBIN, 1991, p. 190) e, como já ressaltamos, os contatos
no V século AEC estavam sendo intensificados e incentivados.
Sitta von Reden propõe uma crítica a Robert Garland (1947), 66 pois sinaliza que
quando este utiliza informações de cunho religioso do porto, baseia-se em frágeis evidências
(REDEN, 1995, p. 31). Levando em consideração que Garland elenca informações diversas
sobre o Pireu, principalmente sobre templos e santuários, e “grande número dos 17 cultos
listados é datada para o período pós-clássico e, portanto, dizem pouco sobre atitudes para o
porto no momento em que Atenas era uma polis independente. A lista também inclui cultos
cuja localização não é de todo, ou não só, atestado no Pireu (REDEN, 1995, p. 31), como
exemplo, o culto a Ísis.
Dessa forma, em conformidade com as críticas sofridas por Robert Garland, e com a
afirmação de von Reden sobre a confirmação da existência do culto a Ísis no Pireu, trazemos a
seguir, na íntegra, o decreto IG II² 337, talhado em estela presente no porto do Pireu, datado
65
Em uma pesquisa não aprofundada localizamos que o prefixo pro-, no grego, possui significado de antes.
Possuindo raiz indo-europeia do per-3- que significa conduzir; primeiro, em cima de. E segundo o dicionário
etimológico- científico de Vito Maria de Grandis (1824, p. 327), xenos significa hóspede, ou seja, que não
pertence ao local, estrangeiro. Desse modo, subentende-se que, de fato, os termos proxenos e xenos, se
relacionam no que condiz à mediação entre um elemento para com outro. Fonte:
<http://etimologias.dechile.net/?pro>. Acesso em: 18 nov. 2015.
66
Apesar de Garland ser um dos mais renomados pesquisadores sobre o porto do Pireu, devido à abrangência de
sua obra, nos atentaremos a algumas ressalvas feitas por revisões historiográficas.
42
IG II² 337
67
Referimos-nos ao povo da cidade-reino localizada na costa Sul do Chipre. No decorrer da pesquisa surgiu a
dúvida entre Kitians e Citas, devido a proximidade na grafia, porém observamos as localidades e consideramos a
possibilidade de não ser o mesmo grupo, visto que os Citas eram grupos nômades, pertencentes à região do Irã .
68
Disponível em: <http://www.philipharland.com/greco-roman-associations/?p=3045>. Tradução do grego por
Kloppenborg. Tradução livre da autora.
43
arrendamento de terra para fins religiosos aos comerciantes Kitians em 333/2 AEC. Além de
solidificarem sua proposta, simultaneamente, comprovam a presença do culto a Ísis em
Atenas no final do V século AEC, ao ressaltarem que gostariam de se estabelecer tal qual os
“os egípcios também estabeleceram o templo de Ísis”(IG II² 337).
69
Em 338 a.C, na Batalha de Queroneia – travada por Filipe II, rei da Macedônia, contra o exército formado por
cidades gregas e tebanas – Felipe II, acompanhado de seu filho Alexandre, conquista a Grécia. Em 336, Filipe é
assassinado, e Alexandre assume o governo e com ele inicia-se uma grande expansão da cultura helenística pelo
Médio Oriente.
70
Conceito desenvolvido por Marc Augé (1999, p. 47) que constitui “pluralidades de pontos de vista”.
44
71
Com autoria atribuída a Eurípides, apresentada em torno de 428 AEC.
72
Em um primeiro momento, ainda no período Paleolítico, Ártemis é referenciada à caça e aos caçadores, porém,
a epopeia homérica acaba por reduzir essa característica da deusa, transpondo-a para a feição de uma jovem
rodeada de ninfas caçando, dançando por entre as matas.Representada muitas vezes pela iconografiacomo uma
jovem de chiton curto e esvoaçante rodeada de outras jovens e animais, características que, se formos colocar em
análise, referem-se à natureza velada da jovem (e das próprias florestas), altiva e enérgica.
45
em essência um tipo de hieros gamos embora o elemento de casamento aqui em causa não
representa Deméter em si mesma, mas sua filha Perséfone-Kore”. No entanto, segundo o
autor, supõe-se que “o simbolismo sexual do estupro pode facilmente ter sido visto como
significativo da fertilidade da natureza”, essa suposição parte do princípio do conhecimento
dos próprios gregos quanto à natureza simbólica do mito”(TOBIN,1991, p. 192).
As características da construção mítica de Deméter são automaticamente atreladas a
Ísis, pois se assemelham em diversos momentos, conforme observamos em Heródoto, que
diz:
À noite, os habitantes da cidade reconstituem nesse lago os episódios ocorridos com
aquele cujo nome evito citar. Os Egípcios chamam a isso mistérios. Embora
possuindo grande conhecimento de tais coisas, não as revelarei, e manterei a mesma
atitude com relação aos ritos [...], que os Gregos denominam Tesmofórios
(HERÓDOTO, Hist. II-CLXXI).
76
Trataremos sobre a temática no capítulo 3.
77
“Afrodite era tipicamente homenageada em vários santuários menores em determinadas cidades, em vez de um
grande santuário, o que indica um importante elemento popular no desenvolvimento de seu
culto”(LARSON,2007, p. 114)A autora Barbara Breitenberger cita Platão, tratando da existência desses dois
elementos que denotariam a deusa, considerando o aspecto espiritual do amor de um lado e de outro a
vulgaridade do sexo. (LARSON, 2007, p. 33). Sendo assim, a deusa é associada a atributos relacionados à
persuasão, sedução, convencimento.
78
Características que também remetem ao casamento.
47
123). A divindade também se caracteriza pelo seu poder de persuasão e representa ainda a
harmonia cívica (BREITENBERGER, 2013, p. 36).
Existiam na Acrópole dois diferentes santuários dedicados a Aphrodite, esses dois
tipos 79 são explicitados por Platão em sua obra O Banquete, quando ele trata sobre os tipos de
Amor, relacionando o tema automaticamente à existência de uma dualidade da deusa, que se
refere a uma primeira com epíteto de Aphrodite-Urania, a mais velha, a do amor Celestial –
que vai além de aspectos físicos, e em uma segunda referência a Aphrodite Pandemos, sendo
a mais jovem e, por isso, com um caráter popular, de amores vulgares. 80 Segundo Giuliana
Ragusa (2002/2003, p. 82), Aphrodite é uma deusa marcadamente oriental e essas
características “refletem-se, na geografia de seus cultos, nos mitos que a cercam, na
composição de sua figura literária e, também, no seu principal atributo, o amor erótico-sexual,
considerado, pelos gregos, como uma força selvagem, estrangeira, da qual não se pode fugir, a
qual não se pode rejeitar impunemente”.
Aplicando o campo de experimentação comparada, Ísis, no Egito, era relacionada à
“fertilidade dos campos e a abundancia das colheitas” (MCCABE, 2008, p. 21), além de suas
características maternais e elementos de representação de boa esposa. Seu culto no Egito era
majoritariamente masculino, conforme verificamos em Heródoto: “o sacerdócio é reservado
aos homens” (Hist.II-XXXV) e em Atenas seu culto era em sua maioria feito pelas mulheres,
devido às características que lhe são atribuídas. No Egito, Ísis era referenciada através da
demonstração de poder dos faraós egípcios, que relacionavam a união divina de Ísis e Osíris
(MCCABE, 2008, p. 22) como exemplo de relacionamento marital.
Em seu mito, Ísis e seu irmão/esposo Osíris estão conjuntamente atrelados a uma
narrativa que pode assumir a seguinte enumeração: morte de Osíris por seu Irmão Seth; busca
e tristeza de Ísis pelo corpo de seu marido através do Nilo; perseguição de Seth ao corpo de
Osíris e esquartejamento dele; contínua busca de Ísis, agora pelos pedaços do corpo; corpo
encontrado por Ísis, porém, sem o falo;Ísis concebe o engendramento mágico de seu filho
Hórus às margens do Nilo; perseguição de Seth a Ísis e Hórus; crescimento protegido do
pequeno deus/faraó; disputa entre Hórus e Seth pelo poder do Egito.
79
Temática trabalhada por Andréia Leal (2013, p. 7).
80
Leva-se em conta aspectos necessários para a Harmonia Cívica, o que propõe uma reflexão sobre o equilíbrio
de atitudes e o não excesso (hybris) da sexualidade em locais públicos.
48
81
Foi historiador, biógrafo, ensaísta e filósofo, conhecido principalmente por suas obras: Vidas Paralelas e
Moralia. Viveu entre 46 d.C. – 120 d.C. Apesar de sua temporalidade ser distante da proposta em nossa
pesquisa, sua narrativa do mito de Ísis e Osiris é ainda hoje a mais completa estruturada em uma mesma obra.
82
No referenciado texto conta-se que em uma determinada noite, Seth tenta abusar sexualmente de Hórus com a
intenção de demonstrar superioridade, contudo, não obtém sucesso, deixando seu esperma por fora do corpo de
Hórus, que o colhe e entrega a sua mãe, Ísis que o joga no pântano. Em seguida a deusa vai até o hortelão de
Seth e o questiona sobre quais verduras Seth costuma alimentar-se e lança sobre elas o esperma de seu filho
Hórus, sem que alguém note. Em um momento posterior, Seth lança mão do argumento de ter possuído Hórus
sendo então detentor do poder, porém, questiona-se que os espermas saiam de onde estão, e assim saem do
pântano e da boca de Seth. Mesmo não sendo o elemento central da estória, percebemos que Ísis é a chave
mestra do desenvolvimento das cenas dramatúrgicas da disputa entre os dois deuses e, dessa forma, voltando ao
nosso objeto de pesquisa, compreendemos também a perspicácia da deusa na forma de agir em prol de seus
objetivos.
49
Torna-se oportuno traçarmos um paralelo entre ritual, mito e religião, para que
possamos compreender a complexidade e complementaridade desses elementos com o espaço
que ocupam. Desse modo, buscamos a contribuição de Jaime Alvar (2000, p. 18), que ressalta
ser a religião um “sistema deculturaem si, articulado em uma variedade desub-sistemas que
reflectem, ao níveldoimaginário, ascondiçõesreais de existênciadeuma formação
históricaespecífica”. De forma complementar, Francisco Velasco (1998, p. 11) afirma que a
religião se expressa através de várias linguagens e elementos que necessitam de estratégias
diferentes de compreensão e comparação, pois está em constante mudança, “mutação”.
Os cultos das divindades que tratamos, Ártemis, Deméter, Aphrodite e Ísis, foram
desenvolvidos e integram de forma “complementar” o panteão ao qual se encontram,
construindo um imaginário social ao seu entorno. Ou seja, esses cultos não podem ser
considerados independentes uns dos outros, visto que trabalhamos com o conceito de tecido
politeico (DETIENNE, 2004, p. 93-105) por compreendermos as relações estabelecidas entre
as divindades. Marcel Detienne e Giulia Sissa (1990:193) reforçam que uma das
características do politeísmo são as relações organizadas, a correspondência de oposição ou de
complementariedade entre as divindades.
Assim, refletimos sobre a maleabilidade de assimilação entre as divindades já
existentes em relação às recém-chegadas, facilitando a aquisição de culto estrangeiro.
Segundo Jaime Alvar (2000, p. 383-385), os cultos orientais relacionaram-se à estrutura dos
cultos de mistérios gregos, levando em conta as similitudes ritualísticas presentes, tal como é
possível observarmos na relação entre Ísis e as demais divindades presentes no porto do Pireu.
Tal inferência coaduna-se com as palavras de Walter Burkert (1931, p. 6) ao afirmar:
“entre os muitosdeuses egípcios, os gregos tinhamdado destaqueespecial paraÍsis e
Osírisdesdeidadearcaicaem diante.A identificaçãodesses dois comDeméter eDionísiopareceser
estabelecidacomo início”.Portanto, os epítetos que caracterizam Ísis como divindade dotada
de multi adjetivos permitia sua aceitação junto aos deuses atenienses.
Com relação ao mito egípcio de Ísis, buscamos a abordagem do modelo conceitual
de mito elaborado também por Jaime Alvar (2000, p.19), afirmando que: “[...] Torna-se assim
um mediador cultural de grande importância, oferecendo uma forma mutante de explicação
que permite aos membros da comunidade enfrentar, sem ansieda de excessiva, uma realidade
50
que de outra forma poderia parecer caótica e incontrolável [...]”. 83Essa afirmativa dialoga com
a proposta de Francisco Diez de Velasco (1998, p. 23), o qual afirma ser o mito uma criação
que proporciona tratar de assuntos sem maiores complicações e interferências do homem.
Segundo o autor, as peças teatrais exploram temáticas de forma a estabelecerem seus próprios
argumentos e ideias, concomitantemente com a possibilidade de proporcionarem reflexões.
Como um elemento de mediação, e propulsor de temáticas envolvendo valores,
normas e situações cotidianas, a estrutura mítica corrobora para compreendermos a linguagem
religiosa (VELASCO,1998) do mito de Ísis, em que há a presença de temáticas recorrentes
como a morte, conflitos familiares e políticos, em que podemos exemplificar levando-se em
consideração a disputa de Seth, Osíris, Ísis e Hórus, todos presentes no mito egípcio da deusa.
Defendemos que estruturas míticas de sociedades antigas, como a helênica,
atrelavam crenças religiosas ao caráter normativo da organização da sociedade
(BAINES,2002, p. 151). Sendo assim, o caráter de construção mitológica estaria relacionado
à “ordem cósmica, ordem social e produtiva” (ibdem), que se apresenta como elementos
fundamentais para a estruturação social, levando-se em conta valores e normas éticas.
Trazendo esse pensamento para a nossa problemática, podemos refletir sobre as
características presentes em Ísis – como elemento mitológico – que acabam por transparecer o
sentimento de proteção, atrelada à célula familiar (DUNAND, 2008, p. 42), maternidade,
“lealdade, companheirismo e outras funções que lhe são acarretadas” (HEYOB,1975, p. 44).
Com isso, ao propormos compreender a inserção e disseminação do culto à Ísis,
ressaltamos o questionamento de Françoise Dunand (2008, p. 40) sobre qual nomenclatura
seria mais correta utilizar: culto a Ísis ou religião isíaca?
Diante da nomenclatura de religião isíaca ou culto de Ísis, questionamos se seria
necessário, por exemplo, utilizar Religião de Ísis? Religião de Zeus? Religião de Hórus? Na
realidade, compreendemos que a resposta seria: não. Nesse sentido, a autora explica que “se
considerar como religião todos os meios práticos e simbólicos, por que um grupo humano
tenta controlar seu ambiente, dando-lhe um sentido, pode-se supor que toda a sociedade se
desenvolveu e continua a desenvolver uma religião”,pois levamos em conta que, na
Antiguidade, o sagrado era composto por diversos elementos, ou seja, formado por diversas
divindades e suas respectivas características, não sendo possível estabelecemos uma única
religião para cada divindade, e sim um conjunto de religiosidades, fomentando um sentimento
religioso global.
83
Tradução Livre do autor
51
84
Detienne (2004, p. 93-120).
85
Heródoto utiliza o nome da divindade romana Diana, que por suas principais características, é relacionada a
Artemis. Dessa forma, compreendemos que as festividades tratadas pelo historiador são ambas dedicadas a Ísis,
porém, com suas especificidades afloradas de acordo com o intuito da festividade, devido às associações de Ísis
com as duas divindades, Deméter e Ártemis.
52
86
Friedrich Nietzsche, em sua obra “O nascimento da Tragédia” (2007, p. 54), reflete sobre o momento em que o
tragediógrafo Schiller(1803) traz o coro como uma muralha viva estendida pela tragédia à sua volta a fim de
promover um isolamento do mundo real, e de garantir seu espaço e liberdade poética, o que contribui para nossa
inferência sobre a oficialização da performance e o acolhimento do público ideal (coro) que, não sendo
interrompido pela real plateia, obtém espaço para sua mensagem ser assimilada e interiorizada de modo sutil.
53
87
SÓFOCLES, Édipo Rei. Trad. Mario da Gama Kury.Rio de Janeiro: Zahar, 1990, p. 63,vv. 1051-1057.
54
88
Para Mircea Eliade (1960-65, p. 37), não se pode confundir o espaço geométrico homogêneo e neutro com o
espaço profano, pois segundo o autor, o homem religioso está na não-homogeneidade espacial, pois se traduz no
contraste entre o espaço sagrado e o resto. Complementamos então nossa compreensão do caráter geométrico do
conceito de Marc Augé, levando em conta a formação do espaço sagrado e os caminhos percorridos pelos
adeptos religiosos.
55
89
As relações entre atenienses e metecos, e suas crenças, remetem-nos a buscar a fala de Rosendahl, quando se
utiliza do pensamento de Sopher, tratando que a religião se apresenta como fenômeno cultural se manifestando
de acordo com o território, existindo assim religiões étnicas e religiões universalizantes. Sendo assim, as étnicas
são as afixadas em uma localidade específica juntamente com um grupo restrito, e as universalizantes são as que
se expandem de acordo com princípios de crenças adequadas a todas as pessoas. “O homem sempre fez
geografia, mesmo que não soubesse ou que não reconhecesse formalmente uma disciplina denominada
geografia. A religião, por outro lado, sempre foi parte integrante da vida do homem, como se fosse uma
necessidade sua para entender a vida. Ambas, geografia e religião, se encontram através da dimensão espacial,
uma porque analisa o espaço, a outra porque, como fenômeno cultural, ocorre espacialmente” (ROSENDAHL,
1995,p.45).Esse enquadramento religioso proposto pelo autor faz-nos reportar a nossa temática e refletir sobre
qual perspectiva o culto de Ísis estaria adequado, lembrando que a ideia de religião que nos utilizamos está de
acordo com a ideia de sistema explicativo, com diversas crenças (BARFIELD, 2000,p.530).
90
James George Frazer, Pausanias’s Description of Greece, Cambridge University Press, 2012. Apesar de
Pausanias não estar enquadrado na temporalidade proposta na pesquisa, a informação (p. 33– 1.4) quanto à
existência desses altares, faz-se pertinente à nossa produção
56
91
Apesar de dois dos nossos exemplos serem pertinentes a temporalidades avançadas em vista do nosso recorte,
é de suma importância utilizá-los, a fim de explicitar e fundamentar a recorrência de elementos, que por
apresentarem características marcantes no III séc. em diante, levam a significar que sua implementação foi dada
em momentos anteriores, pois uma prática é estabelecida através de um processo de interação entre espaço,
indivíduo e construção de memória.
57
Capítulo2
C
onsideramos a cultura material como suporte de informação que nos permite
analisar a ocorrência de nomes teofóricos referentes a Ísis, através do que se
tornou possível identificar a memória e o comportamento a serem construídos
em torno das mudanças 92 dos usos e costumes em seus contextos 93 na vida
coletiva da polis de Atenas no período Clássico. De forma a complementar e ratificar nossos
estudos, propomos uma revisão historiográfica das principais produções em torno da temática
do culto a Ísis; é relevante ressaltar que não nos limitamos a debater apenas autores
consoantes ao nosso recorte, pois objetivamos explorar os diversos olhares sobre o tema para
destacar a singularidade da abordagem da pesquisa dentro de um campo de experimentação
comparada.
92
Detienne (2004, p. 77).
93
Id. (Ibid., p. 43).
59
94
É relevante ressaltar que foram elencados os principais tópicos e as principais produções historiográficas que
abordam o culto a Ísis, pois sabemos que não seria possível abarcar todas as produções existentes. Visto que a
maioria do acervo historiográfico recente se baseia em uma mesma gama de autores, não nos sentimos
prejudicados em fazer essa seleção, pois as informações sanam as necessidades do capítulo. Faremos aqui um
panorama geral da proporção tomada pelo culto de Ísis, por isso não nos aprofundaremos em outros
direcionamentos da temática.
95
Fizemos um recorte das principais produções historiográficas, porém, no decorrer da pesquisa estaremos
constantemente revisitando essa estrutura, visto que a construção do conhecimento acontece a partir das
construções e desconstruções.
60
tornando palpável o diálogo entre os diversos olhares sobre uma mesma temática, valorizando
a pluralidade de pontos de vista em torno do referido culto.
Na década de trinta, Sterling Dow dedica-se a desenvolver seus estudos sobre
temáticas envolvendo os estudos clássicos, tornando-se um dos pioneiros a tratar dos estudos
isíacos. Em sua obra, The Egyptian Cults in Athens (1937), o autor desenvolve sobre as
relações estabelecidas entre egípcios e gregos. Segundo o que nos informa Dow, o deus
Ammon seria o precedente do culto de outras divindades egípcias em meio aos atenienses,
principalmente como forma de “abrir caminhos” para a deusa Ísis. Para o autor, o deus
Ammon era visto como divindade oracular, todavia, não teria se tornado tão popular entre os
gregos quanto Serapis 96 e Ísis.
De forma complementar sobre Ammon e a inserção de seu culto, Jennifer Larson
(2007, p. 175) contribui, afirmando que essa divindade é resultado da união de Amon-Rá,
divindade egípcia, com outra divindade da Líbia, e complementa, que Ammon foi relacionado
a Zeus, divindade grega, devido a ambos apresentarem características proféticas e o raculares.
Nesse contexto, abusca por uma fundamentação identitária dos atenienses e
autoafirmação grega levou à construção de um templo dedicado a Zeus Olímpia. Segundo
Lilian Laky (2012, p. 191), a difusão do culto de Zeus Olímpia, no V e IV AEC, período
específico na história da Grécia Antiga, motivou-se por dois fatores inter-relacionados: “ a
participação das elites das cidades gregas nos jogos em Olímpia e a construção da identidade
grega neste período, processo em que Olímpia teve um papel fundamental”.
Esta divindade grega – Zeus Olímpio – além de reafirmar características de cunho
ateniense, pode ser relacionada ao epíteto de χενος, significando sua proteção aos
estrangeiros, equilibrando diferenças, facilitando o relacionamento entre gregos e não gregos.
Sendo assim, compreende-se o incentivo de contato comercial, cultural– que
favorecia a assimilação de divindades tal qual foi feito entre Zeus e Ammon, e,
subsequentemente, Ísis e Deméter, Ísis e Afrodite, entreoutras divindades, resultado da “
asituação militar obrigou Atenas a buscar alternativas” (LARSON,2007, p. 176), pois se leva
em conta a estrutura social conturbada pelas guerras e pela peste, além de questionamentos e
discussões sobre o cenário político em que Atenas se encontrava.
As produções dos autores Friedrich Solmsen (1984, p. 385-387) e Laurent Bricault
(1997, p. 117-118) direcionam-se também à função das regiões portuárias egípcia e grega,
96
Divindade oriunda da relação entre Osíris e Dionísio. Esse deus representa os contatos estabelecidos entre
egípcios e gregos, e ambas as qualidades divinas sobre os seus estreitos relacionamentos coma agricultura e a
relação com o mundo subterrâneo (mundo dos mortos).
61
pois ambos se propõem a perceber relações entre comerciantes e artesãos. Bricault introduz a
ideia de renovação de interesses dos consumidores gregos, por causa das colorações egípcias
exóticas, e fala também sobre a função do porto de Naupactus, 97 no Golfo de Corinto.
Vincent Arieh Tobin 98 (1991, p.187) explicita que o discurso produzido por
Heródoto (quando trata de informações sobre as diversas culturas)se dará como forma de
tentativa de harmonização entre símbolos míticos gregos e egípcios, para provavelmente
proporcionar uma melhor aceitação social. Tal podemos observar na seguinte citação: “Não
atribuirei ao simples acaso a semelhança entre as cerimônias religiosas dos Egípcios e as dos
Gregos. Se essa semelhança não tivesse outras causas, as cerimônias não estariam tão
afastadas dos usos e costumes dos Gregos” (HERÓDOTO,II:XLVII).
De forma complementar a nossa pesquisa, Leslie A. Willson (1963, p. 313) trata da
sutileza de se lidar com cultos e sobre a não profanação de templos. A pesquisadora utiliza-se
de relatos 99 de Plutarco sobre casos de pessoas que não tinham a permissão de participarem de
cultos ou de entrarem em templos, que foram punidas de forma mágica por tal ato de
profanação. O que de certa forma é abordado também por Luciana Carlos Celestino (2011, p.
106), ao tratar da tese de Pierre Hadot (2006), sobre a “natureza velada enquanto detentora da
verdade e do conhecimento”. De acordo com Luciana Celestino (2011, p.106): “Partindo do
aforismo de Heráclito de Éfeso: ‘a natureza ama ocultar-se’, Hadot toma a deusa Ísis, em suas
múltiplas representações, como o objeto de cobiça dos cientistas desde a Antiguidade até o
século XX”.
A autora leva em conta que o véu representaria simbolicamente o ocultamento, pois
nem todos poderiam ter acesso ao conhecimento, a beleza. Imaginava-se, portanto, não se
sabia a verdade. Essa abordagem contribui quando direcionamos nossa reflexão diante da
ideia de recepção do estrangeiro, pois se remete ao estranhamento natural causado ao receber
algo/alguém que até então não é conhecido intimamente.
Laurent Bricault (1997, p. 117-118), citado anteriormente, propõe que o culto isíaco
tenha sido implantado entre o terceiro e segundo séculos AEC, assim como muitos outros
97
No momento, não iremos nos ater a essa região, porém ressaltamos o quão importante é perceber para
pesquisas futuras a possibilidade de recepção do culto também por essa região, pois de acordo com nosso
levantamento também localizamos santuários sedimentados em regiões próximas ao local.
98
Torna-se interessante ressaltar, ainda segundo Tobin, sobre a influência egípcia provavelmente estabelecida por
volta de 3000 a.C., em Creta, período Minoico. Diante de tal fala, verifica-se uma possibilidade de relações
muito anteriores ao que se pretende tratar em nossa pesquisa, porém, é essencial perceber essa perspectiva, a fim
de fundamentar nossa ideia de que as relações culturais e a disseminação do culto da deusa antecedem o recorte
desenvolvido na maioria das construções historiográficas, conforme pode ser visto em autores como Casadio
(2010, p. 9) e Savvopoulos (2010, passim).
99
Não iremos nos ater a esses dados, pois não se adéqua ao recorte proposto para a pesquisa.
62
pesquisadores, os quais direcionam seus olhares a Ísis ao final do período helenístico e início
do período romano. Tendo em vista a grande concentração de fontes documentais, fornecidas
pela cultura material, que remetem a essa temporalidade, tais como inscrições epigráficas,
relevos em estelas, entre outras representações, por exemplo, a intensa difusão do culto da
deusa Ísis está marcada, inclusive, por seu festival firmado no calendário romano a partir do II
séc.AEC (CASADIO, 2009, p. 9). É importante ressaltar que muitos autores trazem esse
aspecto e dialogam em consonância com esse pensamento.
Diante desse recorte, recorremos a Melissa Mair (2012, p. 16), que se dedica a fazer
um panorama da difusão do culto de Ísis, fomentando sua pesquisa a partir do pressuposto de
sua difusão pela Grécia apenas no período Helenístico e posteriormente em Roma. Com idéia
concomitante, Savvopoulos (2010, p. 80) tratados contatos entre gregos e egípcios em
Alexandria junto aos seus elementos culturais. Segundo o autor, o apogeu do relacionamento
multi-cultural entre essas sociedades estabeleceu-se no II séc. AEC.
Ainda sobre a inserção e difusão do culto de Ísis entre os atenienses, o autor Sterling
Dow nos afirma que Ptolomeu escolheu os melhores estalentos para projetar o ritual,
escolhendo um egípcio. Manetho, conhecido historiador, que escreveu em grego para os
gregos, e Thimoteo, um grego com sabedoria sobrerituais e os mistérios de Elêusis, sendo
conhecedor também de cultos estrangeiros.
Ao mesmo tempo que Dow diz-nos que Demétrios de Phaleron 100 escreveu hinos
para Serapis. Por conseguinte, Ptolomeu prossegiu com suas escolhas, tendendo à inclusão de
um artesão para a construção da estátua do culto. Dessa forma ao menos dois atenienses
teriam participado da fundação do culto, o qual, portanto, se tornou conhecido pelos mais
altos círculos atenienses, o que torna, segundo o autor, a difusão do culto em Atenas facilitado
(DOW,1937, p. 186).
Em contraponto, D . Placido (1981, p. 249) afirma que o florescimento do culto de
Ísis durante o séc.II AEC não se deveu apenas à propaganda Ptolomaica, mas também por
causa da “prosperidade do porto do Pireu, junto ao renascimento de Atenas”, o que dialoga e
fundamenta o desenvolvimento de nossa pesquisa, pois inferimos, a partir dos diversos
elementos, que oculto já se encontrava instalado anteriormente, no final do V séc.AEC, no
porto do Pireu. Portanto, não nos apropriamos da afirmativa de Bricault, e dos demais autores
que o reforçam, sobre a implantação do culto a Ísis apenas após a metade do IV séc AEC e III
séc AEC.
100
Famoso orador grego,sua principal obra foi a Coletânea de “Discursos Esópicos”.
63
101
U.Köhler, Studien zuden Attische en Psephis men Hermes5, p.328-53, 1871.
102
Do grego ἀρετή, significa função a que se destina, excelência.
103
A nosso ver, é possível dizer culto a Ísis, em detrimento de dizermos culto de Ísis, porque o adepto ao culto
posiciona-se em prol da divindade, a sua construção mitologica ou religiosa, apropria-se e usufrui da sua
escolha. Desta forma, em alguns pontos da pesquisa tratamos de culto a Ísis para que o sentido desejado de
64
apropriação e ofertado adpto não se perca. Quando tratamos culto de Ísis, aplica-se conforme a vertente e uso do
autor citado.
104
Discursos em favor de alguém.
65
Grécia, a myesis era uma escolha pessoal, voluntária e “secreta”, já nos cultos tradicionais
egípcios as divindades só poderiam ser encontradas em festivais, em preces e após a morte.
Sobre os mistérios de Elêusis, na Grécia, um conjunto de práticas religiosas
“secretas”, havia relações entre iniciações privadas e os festivais oficiais, porém, não se
mostravam de modo uniforme. Sendo possível a existência de cultos ditos comuns em
paralelo aos mistérios, estes estabelecidos por meio da myesis (iniciação).
Entendemos os mistérios a partir da fala de Muriel (1990, p. 115) como “uma
passagem do mundo profano para o sagrado, estabelecendo uma comunicação direta e
definitiva entre indivíduo e divindade”. Venit (2010, p. 351) diz que o culto de Ísis, como
divindade estrangeira teria tomado proporção apenas no decorrer do período helenístico,
abrindo precedente para expandirmos nosso olhar para toda a região de Atenas, trazendo à
tona a relação entre o culto isíaco aos cultos demistério, seus rituais e procedimentos.
Walter Burkert (1991, p. 62) ressalta que o principal problema quanto aos “mistérios
de Ísis” se refere ao modo e ao local onde eram realizadas as iniciações, devido à escassez de
fontes sobre a prática. Utilizando-se de exemplos relacionados a Roma, o autor ressalta que a
iniciação nos mistérios poderia ser compreendida como uma etapa entre a condição de fiel no
geral e a indicação e participação do corpo administrativo. Essa afirmação contribui para
compreendermos a relação entre as sacerdotisas e suas filhas e escravas, citada anteriormente.
Para os gregos, de acordo com as aretologias relacionadas a Ísis, uma de suas
funções e atividades civilizatórias foi a fundaçãodos mistérios pelo mundo, o que contribui
para a nossa percepção quanto à influência da deusa sobre os gregos.
Um exemplo explícito, extraído da cultura material, quanto à iniciação dos devotos
no culto a Ísis, é a “Aretologia de Ísis”, 105 localizada em Maroneia, datada do II século AEC,
que mesmo sendo de temporalidade mais avançada à proposta de nossa pesquisa, deixa
evidente a prática ritual destinada a Ísis, e figura principalmente a existência de devotos
iniciados em seus mistérios, pois levamos em conta que, a partir da inserção do culto em
Atenas no final do V século AEC, há um aumento gradativo de sacerdotisas e devotos,
tornando possível nos séculos subsequentes uma implementação mais aprofundada das
atividades religiosas destinadas a Ísis, fundamentadas com o aumento de fontes históricas.
105
Uma das mais relevantes passagens do escrito, cita: “Ela, com Hermes, descobriu a escrita; e da redação
deste artigo, algum, era sagrado para os iniciados (mystai), alguns foram publicamente disponíveis para todos.
Ela instituiu a justiça, que cada um de nós pode saber como viver em igualdade de condições, como, por causa
de nossa natureza, a morte nos faz iguais”.
66
Percebemos uma forterelação estabelecida entre Deméter/ Mitra 106/ Ísis, divindades
da Grécia, Ásia Menor e Egito, respectivamente, isso devido a esses locais terem estabelecido
proximidades posto às características das divindades relacionadas à fertilidade e maternidade,
fato que nos direciona a ponderar diante do contexto social de nosso recorte temporal (final do
V e início do IVséc. AEC) – e a topografia da Grécia (maior parte rochosa e imprópria para
cultivo), pois a inserção de divindades estrangeiras relacionadas ao comércio/produção de
cereais no imaginário social grego ocorre de forma natural, e de certo modo indispensável.
Contribuindo com um levantamento sobre o relacionamento da deusa Ísis com
divindades gregas e os mistérios, Placido (1981) e Walter Buerkert (1991) dialogam, pois se
identifica que há uma íntima relação entre Atená/ Ísis/ Elêusis.
Segundo Placido (1981:249) no I séc AEC, Ísis sofre algumas mudanças em suas
representações por conta das necessidades “políticas, religiosas, morais e
literárias”, passando por uma Interpretatio Graeca. 107 Em concordância com a fala de
Placido, Rebeca Rubio (1999, p. 213) explana sobre as características atribuídas e as
“mutações” necessárias na representação divina.
Segundo a autora, Ísis apresenta uma natureza multiforme, chamando de
“oportunismo” sincrético, pois se apresenta capaz de absorver potencialidades e atributos
pertencentes a qualquer outra divindade. Revelando um caráter celestial, solar, cósmico,
infernal, mágico, oracular, salutífero, misterioso, Ísis e Osíris eram também protetores da
navegação, disseminadores de fertilidade, etc. Sendo assim, Ísis apresenta-se como uma deusa
myrionymos, “dos infinitos nomes”, polivalente e plural, o que permitia sua metamorfose, a
partir das necessidades ou preferências dos devotos, possibilitando uma multiplicidade de
atrativos para captação de novos seguidores.
Laurent Coulon (2010, p. 136) mostra um apontamento importante sobre os
Epicléses (epítetos) que as divindades podem receber. O epíteto visava expressar aspectos
precisos da área de adoração divina, como exemplo Ísis-Deméter, relacionada à fertilidade na
agricultura, ou então Ísis-Lactante (maternidade). Esses epiclésis poderiam remeter-se
a características topográficas, litúrgicas, utilitárias e até mesmo políticas. Conforme vemos na
fala do autor, os epiclésis são “definidores fundamentais de uma divindade para sua
106
Divindade Persa, relacionada à sabedoria,à batalha e à luz solar.
107
De acordo com Johnson (2013, p. 224), Interpretatio Graeca é o mesmo que a tentativa de construção da
visão Greco-centralizadora do mundo, ou seja, uma forma grega de interpretação do que não é grego.
67
aprovação, adoção e sua exportação para os círculos helenizados”. Segundo o autor, a origem
dos epítetos gregos atribuidos a Ísis é remetida a fundos faraônicos, mas não de forma
sistemática e objetiva nos mitos egípcios, e sim como uma contribuição para consolidação de
alguma adjudicação destinada à deusa, podendo sofrer, através de interferências externas,
como circunstâncias políticas, modificando e desenvolvendo atribuições locais da deusa.
Kaper (2010) dialoga com Laurent Coulon, mostrando a grandiosidade de epítetos
atribuídos a Ísis no Egito, afirmando que o seu sucesso no período romano é reflexo do status
que adiquiriu dentro do próprio Egito. A pesquisa de Kaper aproxima-se dos estudos de Venit,
pois ambos focam delimitar representações de Ísis em tumbas do período romano,
relacionando características egípcias essenciais da deusa com o que é explicitado nas tumbas.
Dessa forma, diante da análise da onomástica e da percepção diante dos epítetos de
Ísis, reconhecemos que a linguagem está diretamente atrelada às construções de imaginários
sociais e de identidades relativas de indivíduos, ou seja, a busca pela permanência da
memória de um indivíduo encontra-se correlata à sua capacidade de relacionar-se como
coletivo, e a fundamentar-se com sua própria identidade.
O desenvolvimento identitário de uma única pessoa, ou do grupo ao qual pertence,
está direcionado à sua capacidade de desenvolver signos e significados. Nesse sentido, o
estudo da onomástica dos epítetos da divindade nos direcionou automaticamente a perceber a
importância de atrelar este estudo aos nomes d e p e s s o a s presentes nas inscrições
epigráficas, o que nos fornece subsídio para compreender a construção de hábitos e memórias,
visto que a nomeação de pessoas da localidade relacionada à divindades e torna um fator na
construção do indivíduo, uma vez que o nome é algo que direciona a funcionalidade ou
intenção de algo/alguém no ato de nomear.
Diante das relações estabelecidas entre Ísis e outras divindades, Panayotis Pachis
(2010, p.166) propõe que a transição entre o V e IV séc.AEC, fundamentação do período
helenístico, estava atrelada a uma “conservação que convive intimamente com atendência
para a renovação”. Dessaforma, nos apropriamos de sua fala ao tratar das relações entre
divindades orientais e as do panteão grego, sugerindo uma reformulação sociopolíticae
cultural grega. O autor afirma sobre a possibilidade do “desenvolvimento de novos
movimentos religiosos na Grécia, bem como em outras partes do oecumene 108, paralela à
religião tradicional”. A predominância dos novos cultos provém das divindades orientais,
pois são particularmente atraentes e imponentes em comparação com a religião tradicional do
108
οἰκουμένη,significa habitar/habitado/terra.
68
mundo grego antigo. Tais divindades oferecem experiências especiais através “de seus ritos
pródigos, suas provações ascéticas e seus rituais expiatórios complexos” (PACHIS,2010, p.
164).
Levando em conta o aumento de adeptos aos cultos mais variados que estão
adentrando a polis dos atenienses, em congruência com os cultos já estabelecidos e
disseminados, Rebeca Rubio (1999, p. 212) reflete diante do caráter da dimensão religios a
que os tantos santuários tomavam, atrelando-a ao crescimento econômico de cada um desses
locais. De forma crítica, a autora pondera sobre até que ponto as ações do culto isíaco
poderiam ser relacionadas à índolereligiosa, visto que os elementos pertencentes aos
santuários eram de extremo valor, simbólico e financeiro.
Segundo Rebeca Rubio (1999, p. 212),“a instrumentação da vontade divina em
matéria econômica colocava à disposição dos santuários um bom número de contribuintes
voluntários e individuais destacados entre os mais ricos até os mais pobres”. Sob essa
perspectiva, os santuários e templos ultrapassavam a barreira do aspecto religioso e poderiam
ser atribuídos ainda a um negócio “seguro e frutífero, isento de perdas”, visto que os seus
devotos não abriam mão de participação e contribuição nos santuários, o que dialoga
imediatamente com o caráter dependente entre devoto-deusa (ALVAR, 1999, p. 213) com
atos de reciprocidade de ações.
Jaime Ezquerra Alvar (2000, p. 177-189) propõe uma interessante crítica, na qual ele
questiona algumas características atribuídas a Ísis do período do Império Romano, visto que
o autor trabalha diante da hipótese de que o culto à referida deusa representa um caráter de
submissão, apesar de não refutar a ideia da “toda poderosa Ísis”, considerando a potência de
suas características e qualidades, sugerindo apenas um novo olhar ao analisar a estrutura
mítica que a envolve.
Neste caso, o autor traz à tona a submissão da mulher para com o homem, do cativo
para com o liberto, entre divindades e entre sociedades. Ezquerra explica que o próprio mito o
faz pensar assim, de forma que Ísis está sujeita a prover a família, buscando seu esposo e
cuidando de seu filho, além de suas representações estarem refletindo uma tentativa de expor
o fiel a uma submissão diante dela. Como exemplo, o autor usa a aparição de Ísis nos
sonhos 109de Lúcio, dizendo que “[...] só eu tenho atribuições para prolongar sua vida além dos
limites fixados por seudestino ” (Ap.Met.11.6.7). 110
109
Era comum a ocorrência de divindades se mostrarem em sonhos, pois conforme Burkert (1931, p. 13), “a
intensidade do sentimento religioso envolvido nessa prática não deve ser subestimado. Há a experiência
angustiante de sofrimento, a busca por alguma fuga ou ajuda, a decisão da fé; Não raramente, as inscrições
69
Não nos atemos à linha de pensamento de Alvar, no que diz respeito a relações de
submissão, pois nosso recorte de pesquisa difere do seu, no entanto, consideramos interessante
e importante incluí-lo em nosso levantamento historiográfico, visto que nosso objetivo é
justamente perceber os diversos olhares que foram lançados diante de nosso objeto de
pesquisa.
Levando em conta os laços criados entre deusa/devoto, esses vínculos se tornariam
“uma tendência natural a perpetuação de pedidos” (BURKERT,1931, p.13), o que se atrela à
disseminação de cultos, visto que os cultos de mistério possuem primariamente características
de cunho individual, o que propõe as escolhas do sujeito e de forma complementar uma
projeção de caráter coletivo, apartir de liames sociais.
Portanto, toda atitude individual está automaticamente correlacionada à coletividade.
O“todo”é composto por vários elementos individuais, conforme afirma Greimas (1976,
p.128), tornando possível estabelecer instâncias coletivas e instâncias individuais.
Rebeca Rubio, em seu texto Finanzas sacras em santuários de Ísis y Serapis,
contribui para o entendimento de como era a dinâmica econômica dos santuários de Ísis e
Serapis em período do Império Romano, devido a estes locais se apresentarem com riqueza de
elementos arrecadados, seja por meio de taxas ou através de oferendas. Segundo a autora,
inclusive a difusão do culto, tratada anteriormente, estava relacionada às atividades
econômicas deles, de modo que sua propagação em uma cidade, desde o princípio até a
consolidação, “era diretamente proporcional, não só ao número de fiéis que se intencionava
atrair, como, sobretudo, a quantiade oferendas e contribuições que estes estariam dispostos a
doar para seus deuses” (RUBIO,1999, p. 206).
De acordo com a pesquisadora, um dos indícios atribuídos à sustentabilidade da
propaganda Isíaca é o elemento econômico, tendo em vistaa forte relação entre a expansão do
culto eo estabelecimento/fundação decomércios emercados.
Os contatos estabelecidos e a forte influência econômica por eles proporcionada são
caminhos para a introdução e disseminação dos cultos. Trazendo nosso pensamento para o
Porto do Pireu, onde a transitoriedade entre metecos e atenienses era constante; seria possível
atrelar a uma propaganda isíaca no final do V séc. E início do IV AEC, visto que conforme
exploramos anteriormente, nessa temporalidade era incentivada a aceitar a chegada de
votivas referem-se a uma intervenção sobrenatural em tomadas de decisões, em sonhos, visões ou ordem
divina”.
110
Cf.Apuleius of Madauros, The Ísis-Book (Metamorphoses,BookXI), edit.J.Gwyn Griffiths (EPRO39)
,Leiden,p. 166-167, 1975.
70
estrangeiros para suprirem a falta de mão de obra. Com isso seria possível desenvolver ante o
caráter econômico a certeza de ganhos por parte dos estrangeiros, somando quantias que
possibilitavam certo status e poder aquisitivo, e ainda fundamentando a constância do contato
e relação entre quem habitava o Pireu com quem habitava a Ágora, tal qual podemos perceber
na conversa entre Sócrates e um comerciante do Pireu, no texto de A república, de Platão.
Robert Garland, ao propor um estudo aprofundado sobre o porto do Pireu, trata do
fornecimento de direitos a espaços de terra a estrangeiros, o que promove um aumento de
população. O autor trata da ação de enktêsis, já explorada em nosso primeiro capítulo, levando
em conta a atribuição aos metecos para o estabelecimento de santuários no Pireu e do
processo relativo a ações judiciais marítimas, foram revistos em 350 AEC para o benefício
dos comerciantes do exterior. O autor supõe que estas medidas resultaram em um aumento
considerável na população meteca em Atenas (GARLAND,1947, p. 62).
Prosseguindo com as produções historiográficas sobre as inter-relações e
representações de Ísis, Fortes e Paez (1996, p. 176), por sua vez, direcionam suas pesquisas
aos achados arqueológicos relacionados a Ísis na região da Bética. 111 Em meio a alguns
epítetos da divindade, os pesquisadores fazem menção a um inédito, “Bulsae”.
Na tentativa de esclarecer o significado, os autores chegam à hipótese de que poderia
ser relacionado ao termo grego boús, por causa de algumas representações de Ísis com chifres
de vaca. Concomitantemente a diversas possibilidades de esclarecimento do significado do
epíteto, Fortes e Paez ainda apresentam características que relacionam a divindade à água,
tendo em vista a recorrência da presença de fontes próximas aos seus locais de culto,
inclusive a referência epigráfica trabalhada pelos pesquisadores, tratando da construção de
uma fonte em latim “fontem” a Ísis Bulsae.
Ainda sob os aspectos arqueológicos, de modo mais próximo à nossa pesquisa,
Elisabeth Walters (1988) desenvolve seu trabalho sobre os relevos Áticos de Ísis, tal qual
também nos propomos a desenvolver com o intuito deperceber na cultura material
fundamentação de significados dos objetos.
Ao propor uma construção de identidade dos adeptos ao culto à divindade Ísis,
através da semiose dos elementos indumentários presentes em suas representações, torna-se
possível identificá-los como formas não-verbais de comunicação, que promovem a elaboração
“passiva e ativa”(MILLER,2013, p. 18) das identidades sociais, visto que refletem e
111
Bética foi uma das três províncias romanas na Hispânia, região que corresponde à moderna Península
Ibérica.
71
templos”, afirmando que a interpretação dos sonhos era feita pelo oneirocrites, sugerindo que
essa função sem dúvidas demandaria investimento por parte do interessado em saber o teor/
essência da mensagem.
Conhecida como “ela dos inúmeros nomes” Ísis, tornou-se uma das principais
divindades em torno do Mediterrâneo. Detentora de múltiplos epítetos, atraiu diversos
seguidores, principalmente os de caráter feminino, devido a suas características de fertilidade,
amabilidade e determinação. Segundo Kraemer (1992, p. 22), as mulheres da Grécia Antiga
adoravam tanto divindades masculinas, quanto femininas, porém, há forte tendência na
popularidade de deusas “com a exceção de ofertas para Asclépio, o deus da cura, a maioria
das oferendas registradas de mulheres atenienses, foi feita para divindades femininas”, por
representarem elementos como: casamento, fertilidade (agrária e humana) entre outras
características.
De acordo com tal comentário, a identificação das mulheres com Ísis não era algo
difícil, visto suas qualidades e representações, pois “Ísis foi retratada no mito como uma
esposa modelo e mãe com emoções muito humanas. Era natural que as mulheres se
identificassem com ela.[...]Em Ísis as mulheres encontraram uma deusa que era, a sua própria,
essência” (HEYOB,1975, p. 48).
Levando em conta a fala de Rubio (1999, p. 123), citada anteriormente, que discorre
sobre a capacidade divina de Ísis de absorção de potencialidades e atributos, selecionamos
algumas das formas que a divindade apresenta, a fim de trabalhar algumas das características
identitárias da deusa.
II.IV.1 -Ísis-Hator
múltiplos aspectos. Ísis, ao ser corelacionada a Hator, é apresentada com o disco solar em
volto aos cornos de vaca, além de aparecer muitas vezes amamentando Hórus. 112
112
Filho de Ísis. Representado por um falcão ou um homem com cabeça de falcão.
113
Termo que abrange explicações do surgimento do Cosmos, as quais implicam em explicações míticas sobre
como “tudo” surgiu.
74
II.IV. II Ísis-Deméter
Figura 4.Ísis-Deméter.
Museu Arqueológico deAtenas.
Foto: Marina Rockenback de Almeida.
II.IV. III-Ísis-Aphrodite
114
Devemos levar em conta que a assimilação entre as divindades causa uma intersecção de elementos,
suprimindo alguns e realçando outros, da mesma forma que pode acontecer de não existir elemento algum que
as represente, dificultando uma possível suposição, que só tornaria pertinente inferir alguma posição obtendo a
localização de onde o artefato foi encontrado, pois poderiam ser encontradas pistas.
115
Ver na imagem 3 os cornos de vaca acima da cabeça da deusa.
77
acompanhada de Harpocratis. 116Ou ainda, pode ser vista levantando o vestido com as duas
mãos, simbolizando a sexualidade, como amuleto para gestantes ou amuleto de prosperidade e
fertilidade, de modo subjetivo, de acordo com o caráter de desejo do devoto (HEYOB,1975,
p. 51).
II.V.III-Ísis-Lactante
Nessas duas falas, são visíveis as demonstrações de carinho e proteção, pois tais
atitudes proveriam a segurança e a Maat (harmonia) de acordo com as concepções identitárias
de Ísis.
116
Representação grega do deus egípcio Hórus, filho de Ísis. Segundo Heyob (1975, p. 76).Harpócratis aparece
muitas vezes junto a Ísis “ com o dedo elevado na altura da boca, e os antigos autores relacionaram ao silêncio,
sob a face dos mistérios”. Na mitologia grega, é o deus do silêncio, por isso é representado muitas das vezes
com o dedo sobre os lábios.
117
Divindade egípcia da escrita e do conhecimento.
118
30.ªDinastia egípcia édatada cronologicamente de 380 a 343AEC.
78
II.IV.V -Ísis-Alada
119
Não nos ateremos a desenvolver essa temática, pois nosso foco e delimitação não permitem essa
abrangência. Porém,é relevante a exposição datemática, inclusive por termos no Brasil diversas pesquisas
interessantes a cerca de Cristianismos. A saber, André Leonardo Chevitarese, Gabriele Corneli e Monica
Selvatici, em seu livro Jesus de Nazaré: Uma outra História (2006, passin), propõem diversos questionamentos
ante a caracterização de Jesus, inclusive a da assimilação de Ísis/Hórus com Maria/Jesus através do contato
cultural, formando uma estrutura universal da característica materna.
79
Localizamos no Grande Hino a Osíris referência sobre a divindade e suas asas. Além
disso, é importante reconhecermos a grande contribuição da cultura material que nos
possibilita perceber características essenciais dadivindade.
O Grande Hino a Osíris encontra-se em formato de estela no museu do Louvre
C286,e tivemos acesso através do livro Escrito para a Eternidade, de Emanuelde Araújo
(2000, p. 338-343 grifo nosso).
Vejamos um recorte do texto no qual percebemos essa característica da deusa
ressaltada.
120
Espécie de pássaro.
80
II.IV.VI-Ísis-Pelágia
121
Deusa egípcia representada por uma leoa, visto sua característica de “poderosa”.Nos ritos funerários também
lhe eram atribuídas funções de proteção ao falecido.
122
Barca na qual o Deus Rá atravessava os perigos da noite até a chegada do próximo dia. Simbolismo diante da
passagem dos dias/noites.
123
Nome grego para a cidade fenícia Gebal. Os gregos a chamavam de byblos, pois era através dessa cidade que
eram exportados os papiros.
124
No capítulo sobre o culto e os rituais, retornaremos a este ponto, em vista das semelhanças encontradas no
Hino de Demeter e na tradição do fogo nos cultos de Mistério na Grécia.
81
Em suma, certa noite ela é flagrada e revela seu caráter divino, contando sua
peregrinação em busca do marido e lhe é concedido o direito de pegar a pilastra com o corpo
dele. 125
Ao explicitarmos esse recorte do mito de Ísis, tendemos a perceber sua relação com o
elemento água, visto que é possível ressaltar peculiaridades sobre os contatos marítimos entre
egípcios e fenícios.
Desenvolvendo argumentos sobre a relação de Ísis com as águas fluviais e
marítimas, Bricault utiliza-se do navio chamado Ísis encontrado no Nynphaion. 126 O estudo
dessa embarcação propõe algumas especulações diante da datação e sobre o motivo de
apresentar-se com este nome.
Segundo Philippe Bruneau (1974, p. 335-341) a construção da propaganda isiaca
relacionando-a ao mar é proveniente de estruturas narrativas areatologicas e pelos epítetos, de
forma que na época helenística e imperial essas características são reforçadas principalmente
através de Apuleyo, pelo hino de Kymé e pelo papiro de Oxyrhynchos, e através dos epítetos,
sendo representada como Ísis-Pelaga, Ísis-Euploia e Ísis-Pharia, todos relacionados ao caráter
de proteção e maestria nas praticas de navegação. Bricault (2006, p. 111) complementa seus
epítetos fazendo referência a Ísis-Kubernetis, 127 “isto é, um epíteto relacionado com o papel
navegador da deusa”.
A caracterização divina de Ísis relacionada ao seu poder nas águas apresenta- se em
torno do II séc. AEC, de acordo com as discussões historiográficas, porém, é visível essa
estreita relação em todos os seus momentos, vistoque, por exemplo, a deusa é apresentada
relacionada à fertilidade para a agricultura, ao passo que, de acordo como aspecto topográfico
egípcio, é através da água do Nilo, majoritariamente, quese detém água necessária para a
sobrevivência e uso cotidiano. Tanto que a situla presente nas representações de Ísis é
relacionada ao caráter de renovação e renascimento pelas águas do rio Nilo, devido à
construção da narrativa mítica relativa à deusa.
Segundo Laurent Bricault (2006, p. 43) há grande riqueza em cultura material
encontrada referente ao culto de Ísis e sua assimilação com as navegações, proveniente do III
125
Não convém explanar toda a sequência mítica, uma vez que mais a diante trabalharemos essa questão com
mais detalhes.
126
Possivelmente de 480 AEC, uma trirreme com o nome ΙΣΙΣ gerou especulações sobre sua existência.
The International Journal of Nautical Archaeology (2001)30.2:250-256doi:10.1006/ijna.2001.0364
127
Segundo Sitta von Reden (2003, p. 183), os kubernetes eram os indivíduos que ordenavam a forma de
navegar ou a direção do navio, a fim de evitar perigos.
82
e II séc. AEC. Foram encontradas lamparinas, relevos, estátuas, moedas, estruturas para
suporte de joias. 128
Ísis-Pelágia é representada com pelo menos algum desses elementos (ver figura 7):
um longo chiton 129 e um himation, segurando uma carnucopia, 130 basileion, kaláthos. O
vestido de Ísis pode aparecer com o “nó” ou com leve movimento dos tecidos, como se tivesse
passando por uma rajada de vento. Robert Wild (1981, p. 117) complementa,informando que
“Ísis é retratada em pé em um naiskos” (estrutura de pequeno altar) “com um sistro perto da
cabeça como um símbolo de identificação e um pequeno altar no chão à sua direita”.
Figura 7.Ísis-Pelágia.
Fonte: <http://www.musee-calvet.org/beaux-arts-
archeologie/fr/oeuvre/statuette- de-la-deesse-Ísis-
fortuna>.
São vários os festivais e rituais destinados a Ísis. O principal, relacionado a Ísis dos
navegantes, é o Navigium Isidis. Segundo Witt (1997, p. 19), o festival “helenístico e greco-
romano ‘Navigium Isidis’ torna-se “símbolo da extensão de seu poder além do Egito.[...].Ísis
é claro, cumprindo papéis diversos”.
128
Referência ST52 –suporte em mármore–localizado no Museu da Ágora. Documento utilizado por Laurent
Bricault em sua obra “Ísis,Dame dês Flots”(2006).
129
Vestimenta grega costurada.
130
É um vaso utilizado para guardar lã ou frutas, na arte grega era frequentemente utilizado como símbolo de
fertilidade.
83
No que diz respeito a esse caráter protetor de Ísis a quem transita no mar, podemos
diretamente atrelá-lo aos contatos estabelecidos entre gregos e egípcios, visto que a dinâmica
entre comerciantes e artesãos de ambas as regiões se estabeleciam basicamente através do
mar, tornando plausível questionar a intensificação e penetração do culto de Ísis em solo
ateniense a partir desses comerciantes que se encontram inseridos no porto do Pireu.
Consideramos essencial para nossa pesquisa propor a percepção da abrangência do
culto a Ísis no decorrer do tempo, principalmente na Antiguidade, tanto quanto as
possibilidades historiográficas desenvolvidas. Elaboramos um recorte de alguns epítetos da
deusa, a fim de explicitar algumas de suas características essenciais, divindade dos “vários
nomes”– Ísis– transpassa temporalidades e delimitações espaciais. Contudo, é possível
conectar suas principais características, de forma que a essência feminina, caráter de
determinação, protetora e a fertilidade, são elementos constantemente presentes em suas
representações, tanto na literatura areatológica quanto na cultura material reminiscente.
De acordo com Sterling Dow (1937, p. 224) é perceptível uma predisposição em
direcionar a temporalidade de pesquisas em torno do culto a Ísis para os séculos posteriores
ao IV séc. AEC, podendo ser compreendida diante do aumento de registros relacionados à
divindade no período Helenístico e nos séculos seguintes.
Desse modo torna-se relevante reforçarmos a constância de produções
historiográficas sobre o referido culto principalmente em período de apogeu romano. A
abordagem feita por pesquisadores diante da temática, em períodos posteriores - III e II século
AEC – ocorre devido à facilidade de acesso a fontes que remetem ao culto de Ísis, como
pudemos perceber no debate historiográfico proposto. Portanto, no que diz respeito à nossa
abordagem, verificamos certa escassez de pesquisas e produções que se atenham a inserção do
culto a Ísis em Atenas no final do V século AEC, o que torna nossa temática singular no
campo da História Comparada.
Em sequência, abordaremos sobre a construção identitária das sacerdotisas de Ísis,
conforme o contexto social ateniense no qual essas mulheres encontram-se inseridas.
Tornaremos possível almejar uma identidade relativa das filhas e esposas de atenienses como
sacerdotisas e devotas à deusa egípcia Ísis.
84
Em grego Θεοϕόρος, significa portador do deus. Na onomástica, são nomes com elementos alusivos a uma
131
divindade.
86
132
Hades, Poseidon, Zeus, etc.
133
AculturaGrandeOasisestende-seemumaamplaregiãodosudoestedeMinnesota,donordestede
Nebraska,sudesteecentraldeDakotadoSulenoroesteecentrodeIowa.
87
134
3)Sem tradução especifica, porém ao analisarmos e compararmos com o nome Thais, podemos inferir uma
semelhança de significado. “aquela que é contemplada com admiração” 4)Sem tradução definida 5)Não foi
possível obter um significado exato dos nomes.
88
Figura 9-Fragmento IG II² 1927 Em destaque na imagem podemos identificar os nomes “Diodoros e
Isigenous”
135
Podemos citar como exemplo a introdução do culto a Ísis em Roma, através de Júlio César. Através de
relacionamentos estabelecidos por Cleópatra VII e Júlio César, algumas alterações e reformulações políticas,
econômicas, religiosas e organizacionais foram estabelecidas em Roma (AGUADO; MOLINERO,2012, n.p.).
89
Ísis, visto que Isígenes (Ἰσιγένης) significa “nascido de Ísis”, o que nos faz crer que sua mãe,
avó de Diodoro, era uma sacerdotisa de Ísis já no final do V século AEC.
Sterling Dow (1937, p. 223) nos proporciona uma segunda evidência deste mesmo
nome, referindo-se ao interesse de algumas famílias na manutenção de culto, e um começo de
interesse popular. O autor assinala o nascimento no final do V século AEC de Isígenes de
Rhamous, corroborando nossa proposta.
De forma complementar, identificamos outros elementos provenientes da cultura
material que remetem a devotos e seus descendentes, pois buscamos, através dos defixiones
ou katadesmoi, identificar pessoas inseridas na pólis ateniense a quem, por algum motivo, são
dedicadas essas imprecações. Segundo Maria Regina Candido (2010, p. 199), essa prática
mágica, materializada através desses artefatos arqueológicos na forma de lâminas de chumbo,
apontam para o processo de interação cultural entre gregos e egípcios.
A seguir, visualizaremos três exemplos de placas de imprecação envolvendo nomes
136
teofóricos de Ísis e/ou estrangeiros egípcios em Atenas.
136
Todas as informações foram coletadas através da Tese de Doutorado da Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido.
90
Tamanho -------
Acessório ------
Bibliografia Jimenos, 1999, n.º 23, SGD, 41
Esfácio, o egípcio
Didas e Teocrita
(a mulher) de Didas, o egípcio.
Interpretação:
Imprecação comercial, lâmina escrita da direita para a esquerda. O objeto apresenta pequenas
perfurações com estacas de ferro. Demarca a presença e interação egípcia no comercio no interior de
Atenas no final do V século.
91
Nereides
Demóstenes
Sodes
Licougos
Euticrates
Epicles
Karísios
Boethos
Poliscos
E todos aqueles ao mesmo tempo
(estão) com Nereides
[...] acusação traição
Interpretação:
Imprecação contra processos, lâmina de chumbo com listagem de nomes de homens conhecidos em
Atenas no IV século AEC. Relevância quanto ao nome Karísios.
92
3)Quadro V- Katadesmoi 3
Defíxios
Qualificação Imprecação contra processos
Localização Atenas-Museu do Cêramico
Inventário ------
Procedência Sepultura de Potamios e Hegeso, localizada no cemitério do Cerâmico
Tamanho -------
Acessório ------
Bibliografia SGD, 1985, n.º 06; Peek, 1941, n.º 04; Simeno, 1999, n.º 06
Pítias
Pitinos
Esmidirides
Todos de Ísis
Adversários de
Enopes....
(estão a favor de) com Pítias
Interpretação:
Imprecação contra processos, lâmina de chumbo com formato ovalado e espessura grossa,
assemelha-se a um pequeno sarcófago. Seu conteúdo relaciona-se com uma maldição contra um
grupo de homens, e o nome Pítias pode ser relacionado a um trierarca, cujo nome se encontra no
catálogo IG II² 1981:80, ou a um prítanes (magistrado) com o nome em IG II² 28.
Capítulo III
Sacerdotisas de Ísis: uma construção identitária
A
través da compreensão do contexto social na qual a mulher ateniense encontra-se
inserida e as relações estabelecidas entre atenienses e egípcios, concebemos
através da cultura material, como base para identificação da presença da deusa
egípcia Ísis na região de Atenas no final do V século AEC, a construção identitária de suas
sacerdotisas. A indumentária, a vestimenta e os nomes teofóricos são fatores fundamentais
para o reconhecimento e a construção identitária das sacerdotisas de Ísis na polis
ateniense.Tais elementos contribuem na identificação e construção do sujeito, estabelecendo
relações e construindo suaidentidade.
137
Segundo Claude Mossé (2004, p. 62): “Eram os politai, indivíduos que participavam das assembleias e dos
tribunais e que podiam, de acordo com a idade e recursos, ter acesso aos diversos cargos anualmente renovados
por eleição e sorteio”.
138
Em torno das décadas de 60/70, intensificam-se os estudos acerca da atuação da mulher na Antiguidade,
confrontando com uma produção historiográfica anterior, que não primava tanto por essa temática.
94
[...] preparou corpo e alma do homem para que possa suportar melhor o frio, o calor,
caminhadas e campanhas bélicas. Impôs-lhe, por isso, os trabalhos feito fora de
casa; à mulher, penso eu, por ter-lhe criado o corpo mais fraco para estas tarefas,
disse-me ter dito, impôs as tarefas do interior da casa (XENOFONTE, Econ.. VII
22-23).
As mulheres são, até então, representadas de forma a realçar sua fragilidade diante
das funções sociais masculinas, tais como a participação em assembleias e as obrigações
militares, porém, de modo concomitante, são apresentadas portando uma maestria em exercer
a administração e manutenção do oikos 139e da criação de filhos (MOSSÉ, 1990, p. 17), filhos
estes que são devidamente preparados para a vida social da polis.
A imagem tradicional do pensamento ateniense construiu o imaginário social das
mulheres como não participantes das atividades públicas, porém, ao mesmo tempo, a
documentação expõe-nos que sua função era extremamente necessária para a coordenação da
casa, no comando dos seus subordinados, na organização financeira do oikos e principalmente
na criação de seus filhos de sexo masculino como cidadãos, 140preparados para as funções
públicas da polis.
Dessa forma, compreende-se uma dualidade presente na construção da imagem dessa
mulher, pois ao mesmo tempo em que é frágil e dependente, também pode prover ordem na
família e ser ardilosa em suas ações.
A seguir, observamos um exemplo de uma planta de oikos, que demonstra a distinção
espacial dentro de casa para homens e mulheres.
139
Para uma leitura mais aprofundada, ver: Nevett (1999).
140
Claude Mossé fornece-nos um apontamento pertinente que trata da possibilidade da tentativa de redução da
concessão de cidadania, devido ao aumento populacional estrangeiro e aos casamentos entre famílias aristocratas
em celebrações matrimoniais com soberanos e príncipes estrangeiros. Mesmo limitando a cidadania apenas a
nascidos de atenienses, Péricles elogia a recepção ateniense ao estrangeiro. Segundo Claude Mossé, o conjunto
de membros da comunidade cívica, os politai, derivam essa denominação da palavra pólis, cidade. Baseando-se
em Aristóteles, cidadão seria o participante ativo das funções públicas. Em 451, Péricles restringe o número de
cidadãos, “excluindo da cidadania aqueles cuja mãe não fosse ateniense, ainda que o pai o fosse”.Antes da
atuação de Péricles na vida política de Atenas, Clístenes, ao contrário do neto, estendeu o número de cidadãos,
integrando ao demos estrangeiros residentes e escravos. Estabelecendo uma comparação entre o antes e o depois
da lei de 451, podemos ressaltar a relação binária de oposição entre o matriarcado e o patriarcado, visto que a
legitimação de um filho legítimo se dava pelo pai aos membros da phratria. Segundo Aristóteles, em sua obra
Política, “A cidadania é limitada ao filho de cidadãos pelo lado do pai e pelo lado da mãe” (1276a). Contudo, o
filósofo não desmerece quem havia recebido a cidadania em modelos administrativos anteriores, levando em
consideração que a cidadania é estabelecida de acordo com a constituição que a regula.
96
Figura 10. Planta de oikos. Local da escavação: Encosta norte da colina do areópago em Atenas. Fonte: Lessa
(2004).
141
Goldberg (1999, p. 143).
142
Ruth Falcó Marti (2003). Fazemos questão de dissociar sexo de gênero, pois compreendemos que o conceito
de gênero remete à interação entre os indivíduos, e sexo remete à questões físicas e biológicas.
97
Erínias são impossibilitadas de vingar Clitemnestra por Athená, uma deusa com atributos
masculinos, dando a impressão ao leitor que se aventura a uma decifração semiótica do
discurso, de que o homem, por ser razão, é capaz de aplicar a justiça com imparcialidade,
enquanto a mulher na figura de Clitemnestra age com a emoção e, por isso, causa injustiças ao
assassinar seu marido. Junito de Souza Brandão propõe um debate sobre a análise da tragédia
e apresenta a tese de Johann Jakob Bachofen, 143que parte exatamente dessa mudança em que
“a religião olímpica, dos deuses de cima, Zeus, Apolo, Atená, fora precedida por uma outra,
em que deusas, figuras maternas, eram as divindades de baixo, ctonianas: Deméter, Perséfone,
Erínias”(BRANDÃO, 1986, p. 28).
Dessa forma entende-se que a mulher fora subjugada pelo homem, este um
dominador da hierarquia social, sendo no sistema patriarcal a predominância de cultos às
divindades ligadas ao céu, deuses masculinos olímpicos, em lugar das deusas-mãe ligadas à
terra. Essa mudança torna-se concomitante à alteração no imaginário ateniense da thimé para
diké,que trataremos mais adiante. No século V, parte da população que segue esse imaginário
social já está sedimentada e com os reveses da guerra do Peloponeso, Atenas entra em um
processo de transformações sociais, políticas e econômicas.
Uma das transformações que podemos ressaltar, devido à baixa população cidadã
masculina, em consequência da Guerra do Peloponeso, é a insatisfação dos agricultores em
terem de deixar suas terras para estabelecerem-se na asty. Nesse período acentuou-se a
mortandade causada pela Peste. Ao mesmo tempo que diversas mudanças ocorreram em
Atenas, principalmente por consequência do seu poderio marítimo estabelecido durante a
Guerra: 1) a emergência de uma oligarquia voltada para a atividade comercial e mercantil; 2)
o aumento dos contatos com estrangeiros, assim como;3) a chegada de novos deuses; 4) uma
maior liberdade da mulher ateniense na circulação das vias públicas. Conforme reforça
Claude Mossé, em sua obra La mujer em La Grecia Classica, houve um grande aumento de
saques, ataque e revoluções internas, dessa forma, a crise que se estabelece em Atenas
intensifica a desordem e coloca em dúvida o sistema de valores da cidade, tanto os religiosos,
quanto os cívicos, chegando à dúvida, inclusive, sobre a existência dos deuses, colocando em
juízo os mitos tradicionais (MOSSÉ, 1990, p. 125).
Conforme o último ponto que traçamos das mudanças em Atenas, quando tratamos a
inserção feminina na vida pública, referimos-nosà intensificação dos contatos estabelecidos
por essas mulheres fora de suas casas, seja pela ausência de seus esposos e filhos, devido à
143
BACHOFEN, Johann Jakob. Das Mutterrecht. Frankfurt, SuhrkampTaschenbuch, 1975, p.138
99
Guerra do Peloponeso, ou então para o auxílio na renda e no sustento da casa, pois, segundo
Claude Mossé (1990, p. 63) nos séculos V e IV AEC, os excedentes de legumes, frutas,
azeitonas, eram levados aos mercados pelas mulheres. Podemos exemplificar essa presença
feminina no comércio através da mãe do dramaturgo Eurípides, referência 144 constante em
Aristófanes, como vendedora de vegetais e ervas (LAPE, 2010, p. 67). Além da venda de
produções agrícolas e seus excedentes, também encontramos referências às mulheres que já
estavam inseridas nesse meio comercial através da venda de perfumes e cintas, por exemplo
(MOSSÉ,1990, p. 63).
Além disso, as mulheres e suas atividades nos cultos garantiam a legitimidade de
novas fundações e asseguravam que os cultos fossem conduzidos conforme o costume
ancestral. Sendo assim, aquelas transmitiam para a sua família e para a comunidade à qual
servia a manutenção da ordem social e sua formação (CONELLY, 2007, p. 195)
Essas informações sobre o contexto feminino nos séculos V e IV podem ser
fundamentadas e observadas através das peças Lisístrata e Assembleia das Mulheres, ambas
de autoria de Aristófanes. 145 As referidas peças teatrais caracterizam-se pela forma jocosa
com que tratam a potência feminina dentro da polis, pois em Lisístrata a temática gira em
torno de uma proposta de greve de sexo, por parte das mulheres, com o intuito de forçarem o
fim da guerra, obtendo o retorno dos homens.
Ao analisarmos esse posicionamento feminino, percebemos o caráter ardiloso, de que
tratamos anteriormente,e, além disso, percebemos a influência que a mulher exercia dentro de
casa, pois poderia por diversos meios persuadir o esposo em suas decisões, conforme
observamos na citação a seguir, em que o Coro de Mulheres se posiciona:
CORO DE MUJERES.
Então, quando entrar em sua casa, a que te engendrou não vai a reconhecer.
Agora, anciãs amigas, colocamos isto em primeiro piso. (Os mantos são removidos)
Pois nós, cidadãos todos, vamos dizer
Palavras proveitosas para a cidade;
Bem está, pois ela me criou com luxo e esplendidez.
Ao cumprir sete anos foi arréforo,
Depois molinera, e aos dez, para a Soberana.
Com vestido azafranado, fui nas festas de Braurón
e canéforo quando formosa donzela,
levando um colar de figos secos. (Lis. 640-650)
144
Na peça As rãs, é feita referência a origem “rústica” de Eurípides.
145
Dramaturgo grego, 447 AEC - 385 AEC. As peças As rãs, As aves e As nuvens também são atribuídas à sua
autoria.
100
146
Informações extraídas dos comentários do texto de Lisístrata,de Aristófanes. Digitalizado por librodot.com.
147
“Merece, a este propósito, menção a superioridade intelectual da mulher de Lesbos, simbolizada na produção
poética de Safo e das suas companheiras, que conquistou um lugar definitivo dentro da literatura helénica”
(Maria de Fatima Souza e Silva. Disponível em: <http://www.uc.pt/fluc/eclassicos/publicacoes/ficheiros/
humanitas31-32/04_MFSS.pdf>).
148
Artigo de Carolyn Dewald no livro de FOLEY, Helene. Reflections of Women in Antiquity (2013, p. 92).
101
[...]manifestou-se a peste pela primeira vez entre os atenienses. Dizem que ela
apareceu anteriormente em vários lugares [...] mas em parte alguma se tinha
lembrança de nada comparável como calamidade ou em termos de destruição de
vidas. Nem os médicos eram capazes de enfrentar a doença [...] As preces feitas nos
santuários, ou os apelos aos oráculos e atitudes semelhantes foram todas inúteis, e
afinal a população desistiu delas.[...] Em adição à calamidade que já os castigava, os
atenienses ainda enfrentavam outra, devida à acomodação na cidade da gente vinda
do campo; isto afetou especialmente os recém-vindos (TUCÍDIDES, Hist. Guer.
Pel. 47/52).
149
Segundo Reyes Bertolin Cebrian (2002, p. 35), essas anunciações feitas por mulheres em línguas inteligíveis
deveriam ser remontadas e traduzidas por um profeta, homem, ratificando as informações. Desse modo,
acreditamos que as interpretações poderiam conter traços de influências externas, pois dependeria da
interpretação de alguém e também por manipulação por parte de quem sonhou/viu, mesmo que de forma
subjetiva, através de desejos e interesses pessoais ou do grupo no qual estaria inserido.
150
Ver capítulo I.
103
155
Conceito da Arqueologia de Gênero da vertente espanhola. Significa o lugar de atuação. Ver: MARTI, 2003.
156
Demonstramos, de forma genérica, algumas funções pertinentes à existência das associações religiosas.
Sabemos da complexidade dessa temática e o aporte historiográfico possível para um aprofundamento, porém,
não é o foco de nossa pesquisa.
105
também responsáveis pela fixação das estelas e decretos nos templos e santuários (Licurgo é
um exemplo de atuante como épimélètes,conforme visualizado no decreto IG II² 337- 333/2);
Tesoureiro, responsável pelas finanças, eleito anualmente e poderia ser reeleito; Sacrificante,
responsável pelos sacrifícios; Sacerdote,responsável pela manutenção dos cultos e rituais.
A organização menor, como por exemplo, um thiases poderia deter funções
aglomeradas em uma quantidade reduzida de funcionários. Além do mais, segundo Walter
Buerkert (1991, p. 45),poderiam existir ainda corpos sacerdotais, carismáticos e praticantes
itinerantes que, da mesma forma que um thiases, poderiam estabelecer relações com um
santuário local. De forma geral, acreditamos que todas as funções existentes para a
composição legal das associações religiosas eram preenchidas por devotos e sacerdotes da
divindade à qual estão relacionados.
Os orgéons caracterizavam-se por possuírem maior quantidade de templos e por isso
permitiam de forma hospitaleira o compartilhamento desse espaço de culto. Podemos
relacionar essa atitude como um aluguel, efetuado por quem tivesse interesse ou então por
alguém que não tivesse obtido autorização para erguer um templo novo, utilizando assim a
estrutura de um já existente (FOUCART, 1873, p. 131). Diante disso, a procedência e
pertinência dos pedidos eram analisadas para que a concessão fosse permitida, de forma a não
ser autorizada a presença de profanos nos locais sagrados.
Para o uso desses espaços eram cobradas quantias em dracmas, e toda vez que fosse
realizado algum sacrifício em honra à divindade, uma porcentagem da vítima deveria ser
ofertada à sacerdotisa ou ao sacerdote (FOUCART, 1873, p. 20).
Portanto, destacamos que o culto a Ísis estabelecido no porto do Pireu, estabeleceu-se
em Atenas no final do V século AEC como um thiases. Consideramos isso através dos
elementos que compõem este tipo de organização, a aceitabilidade de mulheres e estrangeiros,
e a recepção do thiases de Ísis através de orgéonsde outras divindades locaisjá estabelecidos.
Contudo, não podemos descartar a fluidez das características entre as associações, visto que
entendemos que cada uma detém sua especificidade, mas todas são complementares e
interativas entre si.
O surgimento de associações em geral tem por objetivo a formação de um grupo que
integra os mesmos interesses, formando uma comunidade; esse grupo, mesmo que constituído
por identidades diversas, se baseia em um modelo comum, a comunidade cívica. Cada
associação possuía seu propósito, sendo as religiosas formadas por grupos ligados pela
devoção.
106
157
ἱερόν- Templo ou local sagrado.
158
Cidadãos atenienses pertencentes ao demos, principalmente após a lei de Péricles em 451 AEC.
159
Pertencentes às Phratrias.
107
principais motivos para essa expansão pelo Mediterrâneo foram a procura de terras, de grãos e
de metal. Consequentemente, em meio às alterações na vida da comunidade de Atenas, há o
surgimento de um novo segmento social, emergente da atividade comercial, que convive com
o homem bem-nascido (kalos kagatos); 165o que propõe equilíbrio e fundamenta a existência
do homem que,“por espírito de lucro ou necessidade, entrega-se ao tráfico
marítimo”(VERNANT,2002, p. 76).
Ou seja, entre a aristocracia, temos a tendência do surgimento de proprietários de
bens que visassem ao rendimento de suas terras. Sendo assim, os aristoi procuram aumentar
os limites de suas propriedades. Consequentemente, essa concentração de terras nas mãos de
poucos inicia uma série de problemas capitais e promove, por sua vez, o surgimento de novas
atividades rentáveis na polis como, por exemplo, o artesanato.
Este artesão que lida com cerâmica e metais encontra na asty um ambiente receptivo
às suas produções, pois sua arte se tornava atrativa à ostentação aristocrática, com produtos
bem elaborados e com materiais e cores exóticas.
Dessa forma, consideramos pertinente, com base na ostentação aristocrática,
compreendermos que é a partir desse sentimento que se realiza o “contraste com a hybris do
rico, e delineia-se o ideal de sophrosyne” (VERNANT, 2002, p. 89),o que é chamado pelos
egípcios de maat, ambos referindo-se ao equilíbrio; harmonia.
Esse equilíbrio, quando observamos as classes censitárias propostas por Sólon, é
concebido a partir da regulamentação social, primando pela organização da polis, ou seja,
conforme Orly Kibrit (2012, p. 145), “a justiça se tornou o novo ideal do cidadão grego, ideal
que, na visão de Sólon só seria alcançado ao se conter a ambição desmedida dos nobres e,
paralelamente, a profunda insatisfação do povo”,baseando-se assim nas leis escritas, pois o
ato de escrever assegura a permanência e fixidez (VERNANT, 2002, p. 56).
O equilíbrio social era promovido pela existência de uma classe “mediana”, pois
havia um misto entre os que muito querem e os que muito têm, o que não significa que a
classe conferida a ser a mediadora, entre os muito ricos e os muito pobres, não tenha também
seus anseios e limitações.
Sendo assim, a proposta de Sólon ao estabelecer leis que permitissem direitos iguais
a todos, isonomia, 166 inicia uma racionalização da diké em conjunto com a sua herança
religiosa, pois uma vez que Hesíodo trata as injustiças como punições divinas, Sólon traz as
injustiças como atos dos próprios homens, devendo tudo ser regulamentado e em prol de
165
Conceito aristocrático, que remete ao entendimento do que é plenamente belo e bom.
166
Princípio que prevê a igualdade de direitos dentro da comunidade políade.
109
todos e não do individual, uma vez que a themis 167referenciada pela ordem divina é o direito
da sociedade aristocrática (KIBRIT,2012, p. 143-144), e a diké é o direito da sociedade
democrática, uma combinação concreta de boa conduta, valores, normas e organização social.
Avançando temporalmente, observamos as ações de Clístenes, que prossegue com o
ideal de isonomia iniciado por Sólon, e complementa o seu ideal, alterando a organização
social de Atenas, em que de quatro grandes tribos jônicas baseadas em laços sanguíneos
(VERNANT, 2002, p. 105) se formam dez grupos denominados tritias, cada grupo sendo
composto de acordo com a geografia do local. As tritias,por sua vez, subdividem-se em
demos,conforme podemos verificar de modo mais detalhado na fala de Aristóteles, em sua
obra A constituição de Atenas:
Seu primeiro ato foi dividir a população em dez tribos, ao invés das quatro
existentes, com o fim demesclar os membros de todas elas, para que deste modo
participassem mais dos privilégios.Também fez com que o Conselho fosse integrado
por quinhentos membros, contribuindo com dez,cada umadas tribos, enquanto que,
anteriormente, cada uma enviava uma centena. [...]. Demais, dividiu o país em trinta
grupos depovos oudemes, assim distribuídos: dez correspondentes aos distritos
próximos da cidade, dezcorrespondentes aos próximos à costa, e dez
correspondentes aos do interior. A estes chamou-os terços,adjudicando três deles
para cada tribo, por sorteio, de tal modo, que cada uma delas tivesse uma parte
emcada uma das localidades (ARISTÓTELES, Const.XIX/XX).
167
Ordem natural.
110
168
V. Ehrenberg. The Greek state. Oxford, 1960, p.89.
112
culto de Ísis, levando em consideração diversos elementos da divindade, tais como ser uma
divindade estrangeira, ter um maior número de adeptos mulheres, ou também a relação
estabelecida entre o companheiro da deusa, Osíris, e Dionisus, relatada por Heródoto, ao
mencionar que os egípcios conheciam a Dionisus antes dos helênicos, a saber: “Em verdade,
não há deuses cultuados conjuntamente por todos os egípcios, à excessão de Ísis e Osíris (eles
dizem que este último é Diônisus)” (HERÓDOTO, Hist. II- XLII).
Dando continuidade sobre as assiciações, entendemos que ao serem formadas as
chamadas thiases destinadas ao culto à deusa Ísis, essas foram recepcionadas e relacionadas
às divindades helênicas através de seus orgéons e templos, pois encontramos elementos
característicos da deusa Ísis, relacionados aos grandes festivais como as Panatheneia e
Thesmophoria. Para esclarecer, reafirmamos que os orgéons, por deterem uma estrutura
maior, com aglomeração de templos e santuários, poderiam recepcionar outras associações
menores, a fim de proporcionar viabilidade da efetivação do culto.
A partir da breve exposição sobre as associações religiosas, podemos inferir que com
a chegada da nova divindade, Ísis, no final do V século AEC, e o contexto social ateniense
envolvido na descrença nas divindades políades, há a intensificação da propagação do culto
de Ísis e as mulheres, bem nascidas, filhas e esposas 169 de cidadãos se estabelecem como
devotas à deusa, através da iniciação (myesis) que “era um ato de escolha individual. A
maioria dos atenienses era iniciada, mas nem todos tinham esse privilégio. Eram admitidos
mulheres, escravos e estrangeiros” (BURKERT,1993, p. 546).
Os cultos privados presentes no porto do Pireu são direcionados principalmente a
divindades estrangeiras, caracterizado por um grande fluxo de devotos tanto citadinos quanto
aos não-citadinos. Tal formato de culto normalmente permanecia nas regiões fronteiriças,
porém, era possível uma eventual aceitação na asty, como exemplo, o culto à divindade Ísis.
Compreendemos que a mulher – esposa e filha da oligarquia emergente – devota de
Ísis exercia sua função social-religiosa, e de forma concomitante agia na administração e
manutenção do oikos.Essa mulher exercia influência em sua família e na polis, sendo assim
estabelecia contatos na sociedade e ao mesmo tempo atuava em sua função sacerdotal.
Esses elementos são primordiais para identificarmos a efetiva difusão do culto, pois
acreditamos que a recepção da deusa ocorre através do grupo oligárquico emergente, que
proporcionava a chegada de novos deuses através do comércio e permitia a infiltração do
169
Para a inserção de um filho legítimo nas phratrias era necessário, após as regulamentações de Sólon, ser filho
legítimo de mãe ateniense. Sendo assim, consideramos a possibilidade também de estabelecimento de
matrimônios entre os emergentes da oligarquia e as filhas de aristocratas, visando a trâmites econômicos e de
legitimação da identidade cidadã, pois bastava que fossem ambos atenienses (SANCHO, 1991, p. 63).
113
culto através de seus membros, em contraponto à existência de uma aristocracia que primava
pelos cultos aos deuses fundamentalmente helênicos e mantinha suas phatrias com o princípio
de manutenção baseadas na “excelência” das relações naturais de parentesco ou proximidade,
prevalecendo a devoção nas divindades olímpicas (JONES, 1997, p. 197).
Por conseguinte, verificamos que a expansão do culto por meio dos devotos se
materializa no modo de vestir-se e também através na onomástica, pois a partir do final do V
século AEC surgem nomes de possíveis filhos de sacerdotisas e nomes das próprias devotas,
que expressam a devoção à divindade egípcia por quem os nomeou.
170
Não é pretensão da pesquisa debruçar-se em debates diante de questões de gênero, porém, é relevante
desenvolver a percepção diante da construção da função sacerdotal sendo equivalente a atividades de
magistratura, pois o status adquirido por quem exerce o sacerdócio proporciona responsabilidades sociais, de
forma que as mulheres passam a assumir funções equivalentes em importância às masculinas, ou seja, uma maior
participação feminina na vida social-religiosa grega promovia reconhecimento, autoridade e privilégios, isso
podendo ser fundamentado também pela existência e convivência de divindades de ambos os sexos, com suas
respectivas importâncias, no panteão ateniense.
114
identidades são forjadas sobre seu local de atuação, podendo apresentar-se de forma múltipla,
produzindo inclusão do indivíduo no coletivo e implicando a organização do espaço e nos
discursos ali produzidos, o que significa que a construção identitária está atrelada ao
pertencimento a um ou mais grupos e automaticamente ao espaço físico que lhes compete.
Sendo assim, observamos como esses indivíduos se caracterizavam, pois entendemos
que os membros das associações religiosas eram identificados a partir de símbolos
representativos, como por exemplo, elementos que comportavam a representação e
identificação das sacerdotisas de Ísis, a saber: vaso de água (um sistrum) (FOUCART,1873,
p. 11) e o “nó de Ísis” na vestimenta. Consideramos os elementos de identificação dos
devotos como partículas de formação da memória, ou seja, uma reminiscência formalizada da
iniciação da qual o devoto participou, servindo muitas vezes também como amuleto, visto que
representava as práticas de manutenção religiosa dos devotos.
Segundo Margaret Miller (2013, p. 18), a vestimenta e os demais elementos
relacionados a Ísis são apropriados como meio de comunicação e de fator identitário de quem
os usa. Portanto, a indumentária analisada, a partir daquilo que nos fornece a cultura material,
revela os atributos fundamentais de identificação relacional com a deusa. Os elementos
presentes produzem significados, e a sua apropriação caracteriza-se como elemento complexo
de comunicação.
Sobre fator identitário,Tomaz Tadeu Silva (2005, p. 76) ressalta que é uma produção
social e cultural, tornando-se elemento de referência e complementar ao que é posto como
diferença, visto que o contraponto entre o que se é e o que não é caracteriza uma formação
identitária. Essas afirmações dialogam com o que trata Friedrich Barth, pois o autor afirma
que a cultura não é homogênea, sendo fluida comporta e influencia na construção das
identidades. Sendo assim, é construída historicamente, pois o“sujeito assume identidades
diferentes em diferentes momentos” (HALL,2006,p. 13).
Dessa forma,atentamos-nos ao que trata Claude Mossé (2004, p. 235), pois os
estrangeiros recepcionados no Pireu eram “com frequência agrupados por ethné, grupos da
mesma origem, reunindo-se em torno de santuários de suas divindades particulares”.Desse
modo, ao tratarmos da construção identitária do grupo sacerdotal da deusa Ísis em Atenas do
final do V século AEC, destacamos primordialmente a complementaridade entre a História e a
Antropologia, quando tratamos da construção de uma identidade compartilhada entre
atenienses e egípcios, atuando como sacerdotisas de Ísis em Atenas, identificadas,
principalmente, através dos vestígios fornecidos por elementos da cultura material.
116
Ciro Cardoso (2001, p. 133) trata da identidade coletiva ao afirmar que elementos
culturais compõem a definição identitária de um grupo. Tal conceito trabalhado pelo autor é
denominado por Marc Augé, identidade partilhada, pois alude àquela que integra o grupo, e
de forma complementar o autor ressalta a existência da identidade particular,aquela que
define um grupo ou indivíduo em relação ao outro, e da identidade singular,que se refere a
um indivíduo ou grupo em que não se referencia a semelhanças com outros (AUGÉ, 2009, p.
46).
A partir da proximidade do culto a Ísis e o das divindades atenienses, assimilamos a
comparência da “mediação ritual” (AUGÉ, 1999, p. 54), que se estabelece diante das
“identidades relativas”que estão em contante construção. A relação com o outro e a
identificação a partir dele possibilita pensar e caracterizar a si mesmo, pois os vínculos
estabelecidos fundamentam e constituem o indivíduo, este que “não é assim senão, o
entrecruzamento necessário mas variável de um conjunto de relações” (AUGÉ,1999, p.27).
O conceito de mediação ritual pode ser aplicado em três situações complementares
diantedo nosso objeto de pesquisa. Isto posto, compreendemos que o multiculturalismo
corrobora para a intensificação das relações devido à interação mercantil entre cidadãos e
estrangeiros; em uma segunda perspectiva, observamos também a mediação entre as
divindades, que recepcionam e são associadas umas as outras; e o terceiro momento, de
essencial proeminência de aplicação do conceito, atribui-se a identidade das sacerdotisas de
Ísis, que se constituem de forma a se tornar um elemento de intersecção entre a polis, à qual
pertencem, e a comunidade religiosa que integram ena qual atuam, o que torna sua
participação ambígua e ambivalente.
A construção identitária dessas mulheres como sacerdotisas de Ísis apreende sua
existência individual e pluralidade interna (AUGÉ,1999, p. 27), ou seja, o indivíduo
constitui-se a partir de suas características pessoais, tanto físicas quanto intelectuais, e
também constitui-se da pluralidade, visto que integra diversos grupos e age em diversos
ambientes. Sendo assim, a mulher ateniense, que se torna adepta do culto a Ísis, interage com
o lugar antropológico destinado aos envolvidos no culto à deusa, além de influenciar e
interagir com seu meio privado, sua família, e com o meio público da pólis através de seus
maridos, pais e filhos. A atuação religiosa ativa dessa mulher institui sua proeminência social
na comunidade ateniense, possibilita o desenvolvimento de uma identidade sacerdotal a Ísis e
promove a inserção do culto estrangeiro em meio às atividades da vida políade ateniense.
Desse modo, compreendemos que as atividades rituais estabelecidas nos cultos
detêm o objetivo central de estabelecer, reproduzir ou renovar as identidades individuais e
117
coletivas (AUGÉ,1999, p. 45), sendo o rito o eixo entre o individual e o coletivo, mediando
aparência e palavra (AUGÉ,1999, p.54),ou seja, a forma de se vestir e portar, e o discurso
interiorizado pelos devotos e praticantes de culto.
A seguir apresentamos de modo ilustrativo a ideia de aplicação dos conceitos de
ambiguidade e ambivalência na construção identitária das sacerdotisas de Ísis.
Ambiguidade:
Ambivalência:
A ambivalência propõe uma pluralidade de
pontos de vista, em que o indivíduo pode
posicionar-se de diversas formas, diante das mais
diversas situações (sacerdotisa; mãe; filha;
esposa; estrangeira; cidadã;escrava).
Sacerdócio Polis ateniense
Ísis no Pireu Dependendo do foco e ponto de vista, há fluidez
nos limites entre si mesmo e o outro. Sendo
assim, as sacerdotisas de Ísis em Atenas
constituem a união dos preceitos e valores
Sacerdotisa atenienses em conjunto com a atividade e
atuação no culto, de forma que estabelecem sua
identidade compartilhada e o caráter relacional
do grupo a que pertencem com o restante
existente.
118
podemos levantar uma variedade de monumentos que podem ser diferenciados por altura,
largura, estilo, a presença de ancoragem ou não, estes denominados Bildfeldstele,
anthemionstele, naiskos,além das versões de pedra dos costumeiros vasos de argila, o lekythos
e loutrophoros.
É através do desenvolvimento e ampliação da cultura material que se torna possível
identificar o imaginário social e as implicações na sociedade e em seu contexto. Desse modo,
ainda segundo Karen Stears (1995, p.114), há alguns principais motivos para que houvesse
uma proeminência nas produções de monumentos funerários representando mulheres, pois
seria uma possível influência de seus parentes masculinos ou por terem desempenhado um
papel matriarcal em um grupo familiar, ou, principalmente pela mulher ser um elemento
capaz de proporcionar a construção e coesão do grupo familiar. Além disso, sua maior
aparição associa-se à sua intensa participação nas atividades de culto e em rituais em
cemitérios e em outros locais de atuação.
Direcionando a produção de monumentos e estelas funerárias para os que
representam sacerdotisas, identificamos que o monumento produzia de forma enfática um
status e reconhecimento familiar, promovendo a prática de enterro de várias gerações no
mesmo local (STEARS,1995, p. 124).
Além disso, as ancoragens presentes nas estelas procuravam promover as
expectativas da coletividade. Segundo Marta Mega de Andrade, a retórica presente nos
monumentos funerários apresenta um “aspecto performático da tripla estrutura espacial,
corporal e interacional. Isso significa, primeiramente, que os gregos,[...] usavam o espaço
demarcado pelas pedras tumulares para conversar” (ANDRADE, 2003, p. 137).
Dessa forma, compreendemos que a escolha da mensagem e da imagem a ser
gravada nos monumentos era fruto de reflexões e projeções da intenção da recepção da
comunicação esperada.
Podemos exemplificar a partir da estela funerária 171 a seguir, a representação do
sacerdócio a Ísis como um aspecto de atividade coletiva, além de construir a imagem e
identidade da sacerdotisa ali representada. Esse elemento de comunicação e divulgação
epigráfico propõe percebermos uma das atividades comuns de manutenção do culto, que seria
o recebimento de donativos e impostos através da sacerdotisa.
171
A partir da análise das estelas que selecionamos para proporcionar suporte à nossa pesquisa, percebemos que
a maioria das representações das mulheres com indumentária e elementos representacionais de Ísis aparece em
monumentos com a estrutura de naiskos, possuindo pilastras e uma infraestrutura de um pequeno santuário, o
que fundamenta novamente serem essas mulheres sacerdotisas da deusa.
120
De acordo com o catálogo, a inscrição menciona ser uma mulher, sacerdotisa de Ísis,
filha de Philocrates de Sounion. 172 Na imagem, identificamos ser uma criança a realizar a
entregade uma urna com os donativos, provavelmente a apometria, 173 pois verificamos que a
inscrição na parte superior se refere ao pagamento de um imposto à sacerdotisa.
A cultura material nos fornece elementos chave para que possamos fundamentar
nossos argumentos, pois levamos em conta que essas fontes são tomadas de sentido,
influenciadas pelo contexto social do momento, além dos interesses de alguém ou de um
grupo.
Logo, os elementos da cultural material, sobretudo as estelas, são elementos de
construção de memória, pois conjugam a relação dos signos constituintes entre os
antepassados envolvidos, a pessoa ou informação representada e a interação do receptor/
espectador da mensagem transmitida.
Sendo assim, quando um artesão observa e representa uma sacerdotisa de Ísis nas
estelas funerárias, por exemplo, ele está identificando a especificidade identitária da pessoa
172
Essa referência à filiação reflete a aceitabilidade do culto a Ísis dentro das casas, sendo inicialmente
recepcionado nos genes nas phatrias, promovendo um maior reconhecimento familiar, devido à participação da
mulher no culto à deusa.
173
Representa a ação paga a sacerdotisa em forma de dinheiro, parte da vítima sacrificial ou outras ofertas. Era
um pagamento definitivo aos agentes de culto, destinado a despesas rituais. Em Atenas, a apometria varia de 1,5
obols a 3 drachmas.
121
174
Para ver mais sobre vestimentas, Köhler (2005).
122
No Egito, o amuleto (figura 15) por vezes é representado com a coloração vermelha
para simbolizar o sangue de Ísis e era colocado sobre o peito do morto para lhe garantir
proteção.
Segundo Mircea Eliade (1960-65, p. 108-111), o nó é predominantemente um
elemento mágico e sua utilização como amuleto é costumeira. É relevante ressaltar que, de
acordo com o autor, o nó como amuleto representa no plano mágico um elemento de defesa,
já no plano religioso, o nó pode representar sua proximidade e união ao Deus. Dessa forma, o
fio da vida (ELIADE, 1960-65, p. 112), transforma-se em tramas, tramas construídas a partir
das relações e maleabilidade da construção do indivíduo.
175
Fonte: <http://www.metmuseum.org/toah/hd/god3/hd_god3.htm>. Acesso em: 15 ago. 2014.
176
Apesar de não apresentar as alças presas nos ombros, concordamos ser um peplos, pois se identifica como a
vestimenta predominante feminina no período Clássico.
177
Sterling Dow (1937, p. 227) menciona, em seu texto The Egyptian Cults in Athens, sobre a existência do nó
nas representações, porém, afirma que não se dedicou a desenvolver nenhum estudo sobre o assunto.
125
Considerações Finais
Para tecer nossas considerações finais será necessário retomar alguns pontos
relevantes que fundamentaram a problemática proposta e o decorrer do desenvolvimento da
pesquisa em geral, a saber, nossa pesquisa amparou-se em duas hipóteses que essencialmente
se materializam na inserção do culto a Ísis junto à polis ateniense no final do V século AEC e
na construção identitária das sacerdotisas de Ísis através da cultura material.
Nossa metodologia estrutura-se a partir da comparação, proposta por Marcel
Detienne, no que se refere à necessidade de alencar diversos olhares e saberes diante de uma
temática, o que possibilita desenvolver um olhar singular-plural (DETIENNE, 2004, p. 46)
do historiador. Logo, buscamos realizar um debate historiográfico referente a produções que
contemplassem informações sobre a deusa Ísis e seu culto, em diversas temporalidades e
locais.
Devido à expansão do culto a Ísis através do Mediterrâneo, Oceano Atlântico e Mar
do Norte, a temática efetivamente tornou-se foco de interesse dos pesquisadores, inclusive os
da Antiguidade tais como Heródoto, Plutarco e Apuleio. A variação de epítetos da deusa e os
diversos locais em que seu culto foi estabelecido geraram diversas possibilidades de análise e
questionamentos. Com efeito, atentamos para a escassez de produções históriográficas
referentes ao culto em Atenas na temporalidade que propomos, pois há uma abundância de
fontes nos períodos posteriores, o que ocasiona o direcionamento dos olhares para os séculos
III e II AEC, por exemplo.
Todavia, mesmo com poucas produções sobre nosso recorte em específico,
ratificamos nossa proposta a partir das fontes escritas e da cultura material, elementos
constituintes e propagadores de memória (DETIENNE, 2004, p. 74).
É relevante destacar que se desenvolveu maior interesse historiográfico em temáticas
relacionadas à religião e às relações estabelecidas, no período posterior das primeiras décadas
do século XX, pois se intensifica o interesse em discursos, envolvendo: sagrado, politeísmos,
relações divinas e humanas.
A metodologia comparada aliada ao nosso referencial teórico, baseado em Marc
Augé, possibilitou uma abordagem diferenciada da temática, levando em conta que nos
utilizamos da memória e da geografia, unidas à construção histórica do lugar antropológico
de atuação das sacerdotisas de Ísis e ao mesmo tempo pudemos identificar uma identidade
relativa dessas mulheres atenienses inseridas no sacerdócio da deusa egípcia.
128
178
No decorrer da pesquisa, tivemos a possibilidade de realizar estágio na Escola Francesa de Atenas-Grécia, o
que promoveu acesso a bibliografias de extrema importância para o desenvolvimento da pesquisa.
179
Após o término do Estágio, fomos convidados pela professora e pesquisadora Ana Iriarte Goni para realizar
uma sessão temática aos seus alunos na Universidade do País Basco, em Vitória, Espanha.
129
180
Visto que após a guerra do Peloponeso e o Governo dos Trinta, os gregos enfrentavam um período de crise
agrária, automaticamente econômica e social, além da peste que atingiu e devastou boa parte da população.
130
o comércio e artesanato, e também na prática religiosa aos novos deuses que surgem no
contexto ateniense no V século AEC.
Sendo assim, as associações religiosas e comerciais presentes no lugar antropológico
do culto à divindade egípcia promovem a disseminação do culto junto às mulheres e filhas
dos cidadãos atenienses. Essas mulheres apresentam em sua construção identitária elementos
das relações estabelecidas entre os grupos aos quais integram e onde atuam (sacerdotisa,
esposa, mãe, polis) unidos às suas características pessoais (fisicas e intelectuais). Em
conformidade com o exposto, entendemos que a construção da identidade das sacerdotisas de
Ísis é ao mesmo tempoambígua,pois se constitui de elementos dos dois ambientes em que
circula (construindo sua individualidade) e principalmente, ambivalente,pois se
posicionacomo integralizadora dos ambientes. Já que essas mulheres atenienses convivem e
se identificam como sacerdotisas do culto estrangeiro, e ao mesmo tempo ratificam sua
importância e participação no grupo social políade de Atenas, o que acarreta na divulgação do
culto através de sua família, escravas e grupos nos quais circula, através dos seus elementos
de identificação, pois compreendemos a divulgação e perpetuação da devoção a Ísis como
promotora de aquisição de novos adeptos, da mesma forma que a onomástica influi no
imaginário ateniense, pois o ato de nomear como nomes teofóricos implica a projeção
devocional da deusa.
134
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Glossário
146
Boús- Vaca
Cornucópia- Vaso com formato de chifre, em seu conteúdo são encontrados frutas e flores. O
elemento em muitos momentos simboliza a fertilidade, a riqueza e a abundância.
Ekklésias- Εκκλησία- Principal assembléia realizada na polis, para votações em prol da democracia
ateniense.
Eleuteria- Liberdade.
Epítetos- ἐπίθετ-ος, ον- (posto ao lado)- Adjetivo ou classificação que associa-se a um nome a fim de
qualifica-lo.
Eschatia- Região fronteiriça, longe da civilidade do centro da polis. Local distante da polis.
Himation- Vestimenta Grega, com drapeados, que cobria o corpo por completo.
Kaláthos- Vaso para trasporte de lã ou alimentos (frutas, pães). Utilizado normalmente pelas mulheres,
representava simbolicamente abundancia e fertilidade.
Mantica- Do grego, -manteia, refere-se a “arte do vidente”. Ou seja, é uma forma extra-racional de
prever o futuro.
Situla- Semelhante a um jarro, com alças. Simboliza no culto a Ísis as águas do Rio Nilo.
Sofhrosyné-Termo referente a harmonia e equiíbrio pelos gregos, semelhante ao termo “Maat” dos
egípcios
Thêtta- Última classe censitária com renda anual menor que 200 médimnoi
Tit- Conhecido como “Nó de Ísis” é semelhante em forma e utilidade ao o signo Ankh, o símbolo da
vida. O sinal tit foi considerado um símbolo poderoso de proteção na vida após a morte.
Xenos- Estrangeiro
Zeugitas-Terceira classe do censo, cuja renda anual estava entre duzentos e trezentos médimnoi.
Pequenos e médios proprietários, pequenos e médios artesãos ou comerciantes.
148
Apêndice
149
Prancha de Análise 1
I. Processo de Identificação
Sujeito interlocutor Publico presente na Ágora ateniense (possível local de leitura dos textos): cidadãos,
metecos, estrangeiros, escravos e mulheres.
Material simbólico Discurso escrito com informações coletadas através das viagens do autor. O
conteúdo abrange as sociedades e culturas visitadas. O autor ainda expõe opiniões e
considerações sobre elementos culturais: relacionamentos entre homens e mulheres,
formas de se vestir, religião, política, etc.
Objeto do discurso O autor fornece de modo detalhado informações sobre o Egito. O discurso atua no
imaginário social de quem ouve, de forma que transmite conhecimento e fornece
informações topográficas e culturais de modo comparativo sobre características
egípcias em relação aos gregos.
O autor prima por descrever o que “vê” e o que “interpreta”, para repassar o
150
conhecimento dos locais bárbaros aos gregos do V séc AEC, de forma a transpor
similitudes e diferenças de modo mensurável.
Relação de sentido Xenófanes de Cólofon – Filósofo grego, de origem Jônica. Os etíopes dizem que os
seus deuses são de pele escura e possuem o nariz achatado, / os trácios, que os seus
são loiros e de olhos azuis.
Mecanismo de antecipação - Altera os nomes das divindades egípcias por divindades do panteão grego.
gregos, estrangeiros e bárbaros, pois dentro de seu contexto de criação ele era um
estrangeiro/meteco em Atenas, era um visitante em suas viagens, era grego em
origem e era bárbaro a tudo ao que era desconhecido.
Formação imaginária Tal qual Tucídides (Livro I), que explicita a dificuldade ao cruzar os dados
informados por Heródoto, pois o mesmo desenvolve seu discurso com base em
informações passadas por terceiros, muitas vezes por conversas sem comprovação.
Tucídides também critica Heródoto por contar o “fabuloso”. Visto que diante a
construção de uma identidade grega, Heródoto demonstra a possibilidade de uma
universalidade entre os povos, tornando o bárbaro um elemento existente, não como
inferior, mas como algo que convive com valores e normas, cultura, etc.
Xenofanes de Colofon
Memória discursiva -A todo instante, o autor lança mão de elementos presentes na memória
grega para fundamentar a construção de seu discurso. Vejamos alguns
exemplos:
“Ora, se houvessem tirado dos Gregos o nome de algum deus, teriam logo
feito menção daqueles.”
“Sei que alguns Gregos esposaram essa opinião, uns mais cedo, outros
mais tarde, considerando-a como sua.”
I- Objetividade do texto
Identificação do território V- Todo homem sensato que ainda Heródoto tem uma forte
não tenha ouvido falar nisso notará, visitando preocupação em caracterizar
o país, ser o Egito uma terra nova e um fortemente o território ao qual
presente do Nilo. Presente desse rio é percorre, dando atenção a
também a região que se estende ao norte do características naturais do
lago, a três dias de viagem. Quem for ao ambiente e que por sua vez podem
Egito por mar e, encontrando-se a um dia da influenciar em questões
costa, lançar a sonda, retirará limo a onze funcionais na vida cotidiana, ao
braças de profundidade, o que prova haver o vermos a importância do aluvião,
rio levado terra até essa distância. para a fertilidade da terra.
Informa sobre as VII — Do litoral até Heliópolis, com terras O autor delimita as margens do
características do rio Nilo férteis, o Egito apresenta-se bastante largo, rio Nilo e a referência usada é a
com um pequeno declive, bem regado e cheio sociedade de Atenas
de limo. A distância que vai do mar a
Heliópolis é aproximadamente igual à que
vai de Atenas a Pisa, partindo do altar dos
doze deuses ao templo de Júpiter.
referências XXVIII — Nenhum dos Egípcios, Lídios e O autor demonstra ter dialogado
Gregos com quem palestrei se vangloriava de com outras culturas locais.
conhecer as nascentes do Nilo, a não ser o
tesoureiro do templo de Minerva, em Sais, no Minerva, deusa romana, equivale
Egito. a deusa Atená grega.
função do homem e da XXXV - No Egito, os homens carregam os Autor delimita a função social
mulher fardos na cabeça, e as mulheres, nos ombros. relativa ao sexo masculino e
feminino entre os egípcios
visando demarcar a diferença
quando comparado aos gregos
Condição comportamental XXXV - Alegam como justificativa para Características de ações dos
essa conduta, que as coisas indecorosas, mas egípcios diante de valores e
necessárias devem ser feitas em segredo, normas sociais.
enquanto que as que não o são podem ser
realizadas em público.
Função sacerdotal XXXV - É vedada às mulheres a função de O autor informa que a função
sacerdotisa de qualquer deus ou deusa; o religiosa integra a categoria de
sacerdócio é reservado aos homens. gênero, no caso o gênero
masculino.
154
Cuidados com os pais XXXV - Se os filhos do sexo masculino não O autor apresenta-nos a tradição e
querem sustentar os pais, não se vêem cuidados com os pais como tarefa
forçados a isso; mas as filhas são obrigadas. feminina.
Os sacerdotes XXXVI — Nos outros países, os sacerdotes Ressalta características físicas dos
usam cabelos compridos; no Egito, raspam- sacerdotes em raspar os cabelos
no.
Sacrifício de animais a Isis XLI — Todos os Egípcios imolam bois e O autor aponta-nos para as
bezerros puros, mas não lhes é permitido oferendas aos deuses e destaca o
sacrificar novilhas. Estas são reservadas a procedimento do ritual de
Ísis, representada em suas estátuas sob a sacrifício a deusa Isis
forma de uma mulher com cornos de novilha.
Por isso, os Egípcios têm mais cuidado com
as novilhas do que com o resto do gado.
Culto e adoração a Isis XLII- Realmente, nem todos os Egípcios O autor expressa a sua
adoram os mesmos deuses; não rendem todos comparação entre deuses gregos e
o mesmo culto a Ísis e a Osíris, que, na egípcios.
opinião deles, são o mesmo que Baco.
Sobre Hercules XLIII — O Hércules a que me refiro é, ao O autor faz referencias ao deus
que me informaram, um dos doze deuses dos Hercules, mostrando que não era
Egípcios; do outro Hércules, tão conhecido único.
dos Gregos, nada pude saber a respeito em
lugar algum do Egito.
155
Hércules e a narrativa mitica XLIII- Entre outras provas que poderei O autor busca na narrativa mítica
apresentar de que não foram os Egípcios que estabelecer o contato entre os
tiraram dos Gregos o nome Hércules, mas gregos e egípcios.
sim estes daqueles — principalmente os que
deram esse nome ao filho de Anfitrião —
reportar-me-ei à seguinte: O pai e a mãe do
Hércules grego, Anfitrião e Alcmena, eram
originários do Egito; mais ainda: os Egípcios
dizem ignorar até os nomes de Netuno e dos
Dióscuros, jamais incluindo esses deuses no
número de suas divindades.
Atividade marítima . XLIII- Ora, se houvessem tirado dos Gregos Conhecimento de atividades
o nome de algum deus, teriam logo feito marítimas.
menção daqueles. Com efeito, como já
viajavam por mar e como havia também, ao
que presumo fundando-me em boas razões,
Gregos habituados a singrar o salso
elemento, eles, Egípcios, teriam conhecido os
nomes desses deuses antes do de Hércules
Hércules no Egito XLV — Os Gregos manifestam também O autor mantém o contato entre
muitos propósitos inconsiderados, entre os gregos e egípcios
quais a fábula ridícula que forjaram sobre o
deus. Hércules, dizem eles, tendo chegado ao
Egito, os Egípcios lhe puseram uma coroa à
cabeça e o conduziram com grande pompa ao
templo, revelando a intenção de imolá-lo a
Júpiter.
Critica aos mitos XLV- O herói permaneceu, a princípio, Heródoto questiona o imaginário
tranqüilo, mas perto do altar, quando os projetado que possivelmente os
sacerdotes começaram o sacrifício, reuniu as gregos tinham sobre os egípcios
forças e matou-os a todos. Os Gregos dão a no que concernem os elementos
entender, com essa história, não terem o em sacrifícios.
menor conhecimento do caráter dos Egípcios
e de suas leis.
Animais de sacrificios XLV- Como, na verdade, podemos supor que O autor identifica os animais de
um povo ao qual não é permitido sacrificar sacrifícios e a possibilidade de
outros animais que não porcos, bois e sacrifícios humanos.
bezerros, contanto que sejam puros, se decida
a sacrificar homens?
156
Impurezas e interdito XLVII — Os Egípcios olham os porcos O autor narra que os porcos são
como animais imundos. Se alguém toca vistos pelos egípcios como
inadvertidamente num deles, ainda que seja animais impuros.
de leve, vai logo mergulhar no rio, mesmo
vestido. A referência parte da comparação
com os gregos que usam os
porcos nos rituais de purificação.
Impureza e interdito XLVII- Os guardadores de porcos, embora O autor estende o interdito aos
egípcios de nascença, são os únicos que não que tem contato com os porcos no
podem entrar em nenhum templo do Egito. Egito.
comparação XLVII- Não atribuirei ao simples acaso a O autor ratifica que as referencias
semelhança entre as cerimônias religiosas sobre o Egito partem da
dos Egípcios e as dos Gregos. Se essa comparação realizada com a sua
semelhança não tivesse outras causas, as sociedade origem.
cerimônias não estariam tão afastadas dos
usos e costumes dos Gregos.
Ritual de Ísis LXI — A festa de Ísis em Busíris, embora O autor demonstra como se
menos movimentada, apresenta uma processa o ritual de Ísis com o uso
particularidade digna de nota. Depois do do açoite.
sacrifício vê-se grande número de pessoas de
ambos os sexos açoitando a si próprias,
sendo-lhes, contudo, vedado dizer em honra
de quem se mortificam.
Sobre a relação sexual LXIV- Todos os outros povos, com exceção O autor mostra que a relação
deles e dos Gregos, agem de modo contrário, sexual faz parte da natureza dos
por entenderem que com os homens dá-se o animais e dos homens.
mesmo que com os animais nesse assunto. É
comum, dizem eles, verem-se animais e
pássaros realizando o coito em lugares
consagrados aos deuses. Se esse ato fosse
desagradável à divindade, os próprios
157
Interação simbólica 1 LXXVIII — Quando os Egípcios abastados Referencias ao status social dos
realizam festins em suas casas, têm o hábito egípcios e a interação simbólica
de fazer levar à sala, depois do repasto, um com o morto.
esquife contendo uma figura de madeira
trabalhada com perfeição e muito bem
pintada, representando um morto.
Interação simbólica 2 LXXVIII- Essa figura, que mede de um a O autor mantém o valor simbólico
dois côvados de comprimento, é exibida a do corpo do morto
cada um dos convivas, acompanhada desta
advertência: “Lança os olhos sobre este
homem. Tu te parecerás com ele depois da
morte. Bebe, pois, agora, e diverte-te”.
Indumentária egípcia LXXXI — Suas vestes são de linho, com Expõe a indumentária dos
franjas em torno das pernas. Por cima das egípcios
kalasiris vestes, que têm o nome de calasiris, usam
uma espécie de manto de lã branca.
Ritual fúnebre LXXXV- Por sua vez, os homens desnudam Funcionalidade do elemento
também o peito e põem-se a bater neste. masculino diante de funerais e o
Terminada essa cerimônia, levam o corpo luto.
para embalsamar.
Comparação da Trama do CV — Eis aqui outro traço de semelhança Heródoto ressalta semelhanças no
tecido entre os dois povos: são os únicos a trabalhar manuseio de matérias primas,
o linho da mesma maneira, a viver da mesma entre egípcios e colquidas.
maneira e a possuir também uma única
língua. Os Gregos denominam linho
sardônico o que lhes vem da Cólquida, e
linho egípcio o que lhes vem do Egito.
Aplicação da lei Se o rio carregava alguma parte do lote de É possível perceber elementos
alguém, o prejudicado ia procurar o rei e administrativos do faraó.
expor-lhe o acontecido. O soberano enviava
agrimensores ao local para determinar a
redução sofrida pelo lote, passando o dono a
pagar um tributo proporcional à porção
restante.
Relação nominal de deuses CXLIV -Órus, conhecido entre os Gregos Heródoto apropria-se de adequar a
pelo nome de Apolo, fora o último desses nomeação das divindades com
soberanos do Egito, tendo arrebatado a coroa nomes já conhecidos pelos seus
a Tifão. Órus era filho de Osíris, a quem “leitores”
chamamos Baco.
Órus –Hórus.
Opiniões de Heródoto CXLVI — Todos têm plena liberdade de O autor por diversas vezes inclui
adotar entre essas duas opiniões a que lhes suas opiniões diante dos assuntos
parecer mais razoável. Assim, contento-me por ele trabalhados.
em expor a minha.
Relação nominal de deuses O deus Ápis é o mesmo cultuado entre os Heródoto apropria-se para
Gregos com o nome de Épafo. adequar a nomeação das
divindades com nomes já
conhecidos pelos seus “leitores”
Iônios e Cários no Egito CLIV-Os Iônios e os Cários habitaram Presença de estrangeiros no Egito.
durante muito tempo os lugares onde
Psamético os tinha situado e que ficam perto
do mar, pouco abaixo de Bubástis, na
embocadura do Nilo. Mais tarde, porém, o rei
Amásis transferiu esses estrangeiros para
Mênfis, a fim de utilizá-los na defesa do
trono contra os Egípcios insurrectos.
Gregos no Egito CRLIV-Foram eles, realmente, o primeiro Relações estreitas entre gregos e
povo de outra língua admitido pelos Egípcios egípcios. É possível perceber que
no país. Viam-se ainda, no meu tempo, no estavam estabelecidos em outras
território de onde haviam sido removidos, os regiões do território egípcio.
portos por eles construídos e as ruínas de
suas casas.
Ísis protegendo o filho CRLIV - Ísis, tendo confiado Apolo Heródoto usa Apolo referindo-se
à proteção dessa deusa, ela o ocultou nessa a Horus; e Tifão a Seth.
ilha, então fixa como todas as outras,
livrando-o, assim, da perseguição de Tifão,
que o buscava por toda parte.
Introdução dos mistérios CLXIV- Limito-me a dizer que as filhas de Mistérios egípcios ensinados entre
egípcios entre os gregos Dânao levaram do Egito esses mistérios e gregos.
ensinaram-nos às mulheres dos Pelasgos;
mas havendo os Dórios expulsado os antigos
habitantes do Peloponeso, o culto
desapareceu, exceto entre os Árcades, que,
naquela região, foram os únicos a conservá-
lo.
Leis no Egito e Solón em CLXIV -Quem não obedecia ao preceito da Heródoto fala de leis
Atenas lei ou não podia provar que vivia de meios estabelecidas pelo soberano no
honestos era punido com a morte. Sólon, o Egito, Amásis.O autor faz ainda
ateniense, adotou em Atenas essa lei, ainda referencia a Sólon, que teria
hoje em vigor naquela cidade, por ser muito adotado a mesma lei em Atenas.
sensata e justa.
Concessão de locais para CLXXVIII- E aos que não queriam ali fixar Permissão de ereção de templos e
cultos gregos no Egito residência e que não viajavam senão por altares para comerciantes.
interesse comercial concedeu locais para a
ereção de templos e altares aos deuses de sua
predileção.
Helênion CLXXVIII- O maior e o mais célebre dos Interesses dos viajantes junto a
templos construídos no Egito por esses construção de templos gregos.
viajantes chama-se Helênion, ou templo
grego.
Financiadores da construção CLXXVIII - Sua construção foi financiada Demonstra a relação financeira
do Helênion no Egito por cidades iônias, dórias e uma eólia, que se entre grupos de cidades em
cotizaram para a grande obra. As cidades propósito religioso.
iônias foram: Quios, Teos, Focéia e
Clazômenas; as dórias: Rodes, Cnide,
Halicarnasso e Fasélis. A única cidade eólia a
cooperar foi Mitilene. O Helênio ficou
pertencendo a todas essas cidades, tendo elas
o direito de ali estabelecer seus juízes. Outras
cidades se arrogam o mesmo direito,
pretendendo, sem fundamento, haverem
contribuído para a construção do templo. Os
Eginetas ergueram, para eles próprios, um
templo a Júpiter; os Samenses, a Juno, e os
Milésios, a Apolo.
Valor de doação CLXXVIII - Amásis contribuiu com mil O autor fala sobre as doações
talentos, e os Gregos estabelecidos no Egito, dadas para a construção do
com vinte minas de prata. templo. Ressalta que a valiosidade
da quantia fornecida pelos
egípcios não é inferior.
Comércio de Vinho para Livro III- 181VI — Entre aqueles que têm ido Comércio de vinhos vindos da
libação dos deuses. ao Egito por mar, poucos são os que Grécia para o Egito duas vezes ao
conhecem este interessante costume ali ano.
praticado: Duas vezes por ano, grande
quantidade de jarros de barro cheios de vinho
procedentes de todas as regiões da Grécia e,
também, da Fenícia, é levada para o Egito.
181
Nosso recorte do documento Histórias consiste no livro II. Porém fez-se necessário a inclusão de um
pequeno recorte do livro III, pois o trecho explicita a intensificação comercial entre a Grécia e o Egito, elemento
importante para fundamentação de nossos argumentos.
163
Destino dos jarros gregos III- VI- Entretanto, não se vê ali nenhum Jarros com água levados para
desses jarros. Que é feito deles? Eis a Síria.
explicação: Em cada uma das cidades, o
chefe local é obrigado a reunir todos os jarros
ali encontrados e a enviá-los para Mênfis. De
Mênfis, são levados, cheios de água, às
regiões mais áridas da Síria. Assim, todos os
jarros enviados para o Egito cheios de vinho,
servem, depois de vazios, para amenizar a
aridez das terras sírias. É esse o motivo por
que não são encontrados no Egito tais jarros.
164
Prancha de Análise 2
I. Processo de Identificação
Natureza da linguagem Linguagem escrita com teor político primando à organização social.
Elemento desencadeador O autor expõe críticas ao modelo democrático ateniense, que permitia a
inserção de outros segmentos sociais além dos abastados, possibilitando
aos não capacitados decidirem os destinos da polis. O Velho Oligarca
porém reconhece a dependência da polis com relação a esses grupos.
Relação se sentido O discurso pode ser contraanalisado nas seguintes obras: Heródoto /
Tucidides / Ésquilo: os Persas / Aristófanes: Cavaleiros
Objetividade do texto
Tema Pertinência Objetividade
Metecos em Atenas “A cidade precisa dos metecos por suas O autor frisa a permanência
diversas competências e para a de estrangeiros em Atenas e a
manutenção da frota. Por este motivo necessidade da polis dessas
agimos com razão ao darmos liberdade pessoas.
de expressão aos metecos”. (Const.At.
1.12) :
166
Domínio marítimo “Qualquer que seja a iguaria, e onde O autor reafirma o poder
quer que esteja – Sícilia, Itália, Chipre,
Ateniense ateniense, afirmando que tudo
Egito,Lídia, Ponto (o mar Negro), o
Peloponeso ou qualquer outro lugar,- confluía para a localidade, o
tudo tem trazido para um mesmo ponto
que se evidência com a
em virtude do poder naval.[...]
(Const.At. 2-7) intensificação de
estrangeiros.
167
Prancha de Análise 3
Processo de Identificação
I. Objetividade do texto
Peste “[...]manifestou-se a peste pela primeira vez No recorte, o autor trata sobre a
entre os atenienses. Dizem que ela apareceu peste que atingiu e desestabilizou
anteriormente em vários lugares [...] mas em Atenas. Ressaltamos o desanimo
parte alguma se tinha lembrança de nada da população em relação as
comparável como calamidade ou em termos divindades helenicas, o que
de destruição de vidas. Nem os médicos eram possibilitou a chegada de novos
capazes de enfrentar a doença [...] As preces deuses, tal como Ísis.
feitas nos santuários, ou os apelos aos
oráculos e atitudes semelhantes foram todas O autor associa essa instabilidade
inúteis, e afinal a população desistiu a outro fator, a ida de
delas.[...] Em adição à calamidade que já os camponeses da área rural para a
castigava, os atenienses ainda enfrentavam urbana.
outra, devida à acomodação na cidade da
gente vinda do campo; isto afetou
especialmente os recém-
vindos.(TUCIDIDES, Hist.Guer.Pel. 47/52)”
Peste e Guerra “Os atenienses cujo território havia sido Insatisfação e conflitos em
devastado pela segunda vez e eram vítimas Atenas.
ao mesmo tempo da peste e da guerra,
mudaram de sentimentos.” (TUCIDIDES,
Hist. Guer. Pel. 59)
Problemas na polis “[...]Se a cidade pode suportar o infortúnio de O autor demonstra compreender
seus habitantes na vida privada, mas o a insatisfação dos atenienses,
indivíduo não pode resistir aos dela, todos porém os tenta convencer de que
certamente devem defende-la, em vez de agir para que a polis se restabeleça é
como fazeis agora propondo o sacrifício da necessário um pensamento em
segurança da comunidade por estar comunidade, em uma identidade
desesperados com as dificuldades que ateniense.
enfrentais internamente[...]Sei que vosso
descontentamento em relação a mim foi
agravado pela peste[...]” (TUCIDIDES, Hist.
Guer. Pel. 60/64)
Serviços à cidade “[...] a pobreza não é razão para que alguém, Tucídides destaca que,
sendo capaz de prestar serviços à cidade, seja independentemente da condição
170
Liberdade “Habitando sempre eles mesmos esta terra O autor frisa a presença de
através de sucessivas gerações, é mérito estrangeiros na Ágora, visto o
termos chegado livre até nossos dias [...] e local de proclamação do discurso
creio que será proveitoso que toda a multidão de Péricles, e ressalta o respeito à
de cidadãos e estrangeiros possa escutar [...] liberdade de ações dentro da
Temos por norma respeitar a liberdade, tanto pólis, obviamente seguida do
em assuntos públicos, como nas rivalidades cumprimento das normas sociais.
diárias de uns com os outros.”
(TUCIDIDES, Hist. Guer. Pel.36)
Referente Localização:Egito
Inventário: 00.4.39
Procedência:
Função Social:Amuleto
Data: 1550–1275 B.C.
Signo Forma: Tit ( nó de Isis)
Plástico Estilo/Cor: vermelho (cor de barro)
Forma: Formato de um nó
Volume: --
Ancoragem Não apresenta
Signo Amuleto em formato de nó (Tit).
Figurativo
Bibliografia: http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-online/search/548207
Foto capturada no Museu Arqueológico Nacional de Atenas em Janeiro de 2015 pela autora. Não foi localizada
referência da imagem em catálogo fornecido pelo Museu.
Significado Iconico Significado de 1º nível Conotação de 2º Nível Conotação de 2º Nível (2)
(1)
Suporte Material Estela funerária Estela funerária com um Acredita-se que esse nó tenha
nó vermelho pintado. estreita relação com o “Tit” de Isis.
Tratando-se de uma estela
funerária acredita-se ser um
elemento decorativo e simbólico,
promovendo proteção ao morto.
Observações:
A estela encontra-se no Museu Arqueológico Nacional de Atenas
173
Referente
Localização: Museu Arqueologico de Atenas
Inventário:94
Procedência: Não definida
Função Social:Terracota
Data: --
Signo Amuleto
Figurativo
Inventário: 507
Procedência: Atenas
Data: --
Forma: Naiskos
Volume:--
STEINHAUER, George. The Archaeological Museum of Piraeus. Atenas, Latsis Group, 2001.
Individuos Mulher e criança Sacerdotisa de Ísis e Na imagem identificamos ser uma criança
uma menina a realizar a entrega de uma urna com os
donativos, provavelmente a apometria,
pois verificamos que a inscrição na parte
superior se refere ao pagamento de um
imposto à sacerdotisa.
Anexo
183
Mapa 2- Planta do porto do Pireu. Nesta imagem é possivel identificar as ruas, linhas, que ligam os
devotos ao lugar antropológico. 1) Acesso a Atenas por fora do caminho murado. 2) Caminho murado
para o centro de Atenas.
STEINHAUER, George. The Archaeological Museum of Piraeus. Atenas, Latsis Group, 2001.