Você está na página 1de 199

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Felipe Nascimento de Araujo

Os coros musicais como lugar antropológico na comunidade política de


Atenas no processo de instauração da isonomia em Clístenes no final do
século VI a.C.

Rio de Janeiro
2018
Felipe Nascimento de Araujo

Os coros musicais como lugar antropológico na comunidade política de Atenas no


processo de instauração da isonomia em Clístenes no final do século VI a.C.

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção do título de Mestre ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: História Política.

Orientadora: Profa Dra Maria Regina Candido

Rio de Janeiro
2018
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCSA

A663 Araujo, Felipe Nascimento de.


Os coros musicais como lugar antropológico na comunidade política
de Atenas no processo de instauração da isonomia em Clístenes no final
do século VI a.C. / Felipe Nascimento de Araujo. – 2018.
197 f.

Orientadora: Maria Regina Candido.


Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Bibliografia.

1. Atenas (Grécia) – História – Séc.VI – Teses. 2. Atenas (Grécia) – Usos


e costumes – Séc VI – Teses. 3. Cultura material – Teses. I. Candido, Maria
Regina. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. III. Título.
CDU 938

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


desta dissertação, desde que citada a fonte

___________________________ _________________________
Assinatura Data
Felipe Nascimento de Araujo

Os coros musicais como lugar antropológico na comunidade política de Atenas no


processo de instauração da isonomia em Clístenes no final do século VI a.C.

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para a obtenção do título de Mestre ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: História Política.

Aprovada em 6 de abril de 2018.

Banca Examinadora:

____________________________________________________
Profª. Dra. Maria Regina Candido (orientadora)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UERJ

____________________________________________________
Profª. Dra. Márcia de Almeida Gonçalves
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UERJ

____________________________________________________
Profª. Dra. Marta Mega de Andrade
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2018
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho para a minha mãe Rosilda, cujos atributos de força, coragem e empatia a
tornam uma pessoa singular. Toda a paciência, o amor, o carinho e dedicação empregados na
minha criação continuam sólidos mesmo com o passar dos anos.
AGRADECIMENTOS

A conclusão do mestrado acadêmico não significa somente a finalização de uma etapa


mas igualmente o fim de um ciclo decisivo na minha trajetória de vida. Além da óbvia
relevância deste na minha carreira acadêmica, devo acrescentar que os últimos dois anos se
mostraram verdadeiros divisores de águas no que se referem à minha formação pessoal. Dito
isto, seria uma tarefa homérica agradecer a absolutamente todas as pessoas presentes neste
ciclo tão importante em um espaço tão pequeno, o que me leva a desculpar antecipadamente
as eventuais ausências que possam ocorrer nessa seção. Sendo assim, já de antemão, agradeço
à absolutamente todas as pessoas que direta ou indiretamente fizeram parte da minha jornada
no mestrado e não se encontram presentes nos próximos parágrafos.
À força metafísica e incorpórea que se convencionou a chamar de “Deus”, cuja exata
natureza e definição fogem à nossa compreensão humana. Independente das questões
religiosas envolvidas, certamente creio na existência de algo maior que se mostra presente nos
momentos chaves em que mais necessitamos, cuja natureza situa-se fora dos limites do
mundo físico.
À minha mãe Rosilda por praticamente tudo que tem feito desde que vim a esse
mundo. Não saberia nem por onde começar se tivesse que descrever a importância dela na
minha vida. Só tenho a agradecer particularmente pela paciência e empatia inesgotáveis que
sempre me acalentaram e auxiliaram nos momentos mais críticos.
À minha orientadora, Dra. Maria Regina Candido, pelos votos de confiança, pela
amizade, pela orientação concedida e por se mostrar totalmente receptiva, sempre abrindo
portas e apontando as oportunidades. Em suma, ela simplesmente foi a pessoa que me
incentivou a alcançar e ultrapassar todos meus limites imagináveis e inimagináveis, sempre
dando aqueles “empurrões” e injeções de ânimo necessários nos momentos de insegurança.
Por isso, serei eternamente grato.
Ao meu pai, Sérgio, pelo genuíno amor e carinho demonstrados recentemente
mostrando que, mesmo que hajam diferenças, nosso elo entre pai e filho sempre será mais
forte acima de tudo. Também agradeço à minha avó Francisca por compreender minhas
ausências pontuais durante o período do mestrado e por se manter sempre uma pessoa íntegra,
doce e amorosa ao longo de seus 90 anos. Menciono igualmente minha outra avó, Severina,
cuja ajuda nas etapas finais do mestrado se mostrou fundamental durante a redação desta
dissertação, no qual sua companhia e atenção significaram muito para mim. Entre os meus
incontáveis tios e tias, destaco aqui um agradecimento à minha tia Rose, por se mostrar
totalmente interessada e preocupada com relação aos meus projetos presentes e futuros, e à
minha tia Beth, por ser provavelmente a pessoa mais solícita e prestativa que já conheci.
Agradeço a todos meus amigos e companheiros do Núcleo de Estudos da Antiguidade
(NEA/UERJ): Alair pelos provérbios pontuais e certeiros (“hora de fechar o caixão”); Marina
pela dedicação à nossa amizade e senso de humor sempre afiado; Zé Roberto pela sempre
benvinda ajuda na pesquisa; Junio pelos incentivos sutis, porém significativos; Trícia pela
ajuda inestimável nas atividades cotidianas do NEA; e Rafael pela tranquilidade e fleuma
exemplares.
À Karine Rivière, Clarisse Prêtre e toda à equipe da École Française d’Athènes (EFA)
por terem proporcionado a melhor recepção possível durante o meu período de estágio na
instituição e em minha estadia na Grécia. À Aikaterini Peppa e François-Xavier André pela
ajuda nas pesquisas do acervo da biblioteca, cujos resultados se mostraram decisivamente
essenciais para a conclusão desta dissertação.
Aos meus amigos do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano e Mediterrâneo
Antigo da Universidade de São Paulo (LEIR-MA/USP): Gabriel cuja ajuda se mostrou vital
no desenvolvimento da pesquisa; Fábio por me lembrar dos metecos; Camila pela simpatia e
generosidade; Gilberto por ser prestativo e solícito durante minha estadia em São Paulo.
À toda a equipe e corpo docente do Programa de Pós-Graduação em História da UERJ
pela contribuição em minha formação acadêmica, com um agradecimento especial para a
Profa. Dra. Márcia de Almeida Gonçalves pela participação na banca examinadora e por todo
o auxílio dispensado tanto nas questões internas do curso do mestrado quanto no processo
seletivo da bolsa aluno nota 10 da FAPERJ. Também menciono a Profa. Dra. Marta Mega,
cujos debates e discussões realizados em sala de aula possibilitaram a formulação de novas
reflexões e questões acerca desta pesquisa, além de novas perspectivas conceituais.
Destaco também um agradecimento aos meus queridos amigos: Adriano, por
compreender as pontuais ausências de minhas guitarras; Maicon, cujos talentos no photoshop
representaram uma ajuda valorosa; Janielen, por ter me fornecido ajuda quando mais precisei;
Fernanda, por ser minha companheira de bordo na jornada do mestrado; Luiza, pela amizade e
revisões do texto realizadas; Davi, pelas dicas de sobrevivência nas viagens; minha prima
Dayana por ajudar a manter meus cabelos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro
imprescindível que tornou possível a realização deste trabalho.
Every fortress falls
It is not the end
It ain’t if you fall
But how you rise that says
Who you really are

Josh Homme, Fortress, 2017


RESUMO

ARAUJO, Felipe Nascimento de. Os coros musicais como lugar antropológico na


comunidade política de Atenas no processo de instauração da isonomia em Clístenes no final
do século VI a.C. 2018. 197 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

Esta dissertação busca abordar o coro musical grego como um dos aspectos presentes
na formação política do cidadão ateniense, constituindo um elemento de integração social e
histórica no contexto da pólis do final do século VI a.C. O termo coro musical é utilizado para
denominar as performances corais dos antigos helenos que consistiam em uma união
intrínseca entre o canto e a dança, construindo uma forma de arte a partir da junção de
movimentos integrados à palavra cantada, sendo ambos indissociáveis. O instrumental
teórico selecionado se fundamenta no conceito de lugar antropológico de Marc Augé, cuja
definição corresponde a uma construção concreta e simbólica do espaço em que ocorre um
conjunto de práticas coletivas e individuais. Sendo assim, os coros musicais correspondem a
uma construção social, representando o vínculo que seus integrantes possuem com a
identidade que lhes é construída pelas coletividades presentes na comunidade política dos
atenienses. A partir dessa perspectiva, o coro musical como lugar antropológico se
materializa na cultura material das cerâmicas áticas, na qual as representações simbólicas dos
cidadãos presentes nas pinturas dos vasos nos permite identificar elementos que os relacionam
com a comunidade política da pólis arcaica. Desse modo, é importante destacar que a
principal categoria de documentação utilizada nesta dissertação consiste em um conjunto de
cerâmicas datadas do final do século VI que representam o coro musical como lugar
antropológico. Através desta abordagem teórica, este trabalho formula a hipótese que o coro
musical era formado majoritariamente por membros pertencentes à elite aristocrática, devido
ao fato deste estrato social possuir destacada relevância no contexto político do processo de
instauração da isonomia. Outra hipótese defendida nesta dissertação consiste na existência de
uma relação entre o coro musical e falange hoplita, no qual a participação do cidadão nos
coros dos festivais públicos funcionava como uma atividade complementar à formação do
cidadão camponês soldado que integrava a comunidade política dos atenienses.

Palavras-chave: Clístenes. Coro musical. Lugar antropológico. Atenas. Período arcaico.


Isonomia. Cultura material. Vasos. Cerâmicas. Sexto século a.C. Teatro.
Performance. Coral. Antropologia. Sociedade. Memória. Cultural. Teatral.
Política. Grécia Antiga.
ABSTRACT

ARAUJO, Felipe Nascimento de. The musical chorus as antropological place in the political
community of Athens in the instauration process of isonomy in Cleisthenes at the end of the
sixth century BCE. 2018. 197 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

This present dissertation intends to address the Greek musical chorus as one of the
aspects in the political and social creation of the Athenian citizen, which represents an
element of social and political integration in the polis in the end of the VI century BC. The
expression musical chorus is used to denominate the choral performances of the ancient
Hellenes that consisted in an intrinsic union between the singing and the dancing, what build
an artistic form from a link of integrated movements up to the singing word, being both
inseparable. The selected theoretical instrument is founded in the concept of anthropological
place of Marc Augé, whose definition corresponds to a concrete and symbolic construction of
the space that occurs a group of collective and individual practices. In this order, the musical
chorus corresponds to a social construction, representing the bond that its members have with
the identity that is built for them by the present collectivity in the Athenian political
community. From this perspective, we materialize the musical chorus as an anthropological
place in the material culture of the Attics ceramics, which the symbolic representation of
citizens appeared in the iconography of the vases let us identify elements that relate them to
the political community of the archaic polis. Pursuant to this, it is important to highlight that
our analyses documentation consists in a group of ceramics dated in the end of the VIº
century that represents the musical chorus as an anthropological place. Through this
theoretical approach, this present work hypothetizes that the musical chorus was formed
mainly by members from the aristocratic elite, due to the fact that this social segment has a
prominent relevance in the political context of the instauration process of isonomy. Another
hypothesis defended in this dissertation refers to the existence of a relation between the
musical chorus and the hoplite phalanx, in which the participation of the citizens in chorus of
the public festivals worked as a complementary activity to the formation of the soldier peasant
citizen that integrated the political community of the Athenian political community.

Palavras-chave: Cleisthenes. Musical chorus. Anthropological place. Athens. Archaic


period. Isonomy. Material culture. Vases. Ceramics. Sixth century BCE.
Theatre. Theater. Performance. Choral. Anthropology. Society. Memory.
Cultural. Theatrical. Politics. Ancient Greece.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 ̶ Ática após as reformas territoriais de Clístenes....................................... 47


Figura 1 ̶ Ruínas do Novo Bouletérion na ágora ateniense...................................... 50
Figura 2 ̶ Representação da lista de arcontes da época da tirania............................ 53
Figura 3 ̶ Monumento khorégico à Lisícrates.......................................................... 68
Figura 4 ̶ Hydria atribuída ao grupo de Lydos......................................................... 75
Figura 5 ̶ Parte superior da Hydria do grupo de Lydos............................................ 76
Figura 6 ̶ O vaso Chigi............................................................................................. 77
Figura 7 ̶ Detalhe de vaso proto-ático..................................................................... 80
Figura 8 ̶ Lekythos de Kerameikos.......................................................................... 83
Figura 9 ̶ O vaso atribuído à Oltos.......................................................................... 87
Figura 10 ̶ Skýphos de Heron.................................................................................... 90
Figura 11 ̶ O Vaso de Indiana................................................................................... 100
Figura 12 ̶ A Kýlix atribuída ao pintor “Teseu” (Theseus Painter)............................ 102
Figura 13 ̶ A Cratera de figuras vermelhas de Basel (Lado A).................................. 109
Figura 14 ̶ A Cratera de figuras vermelhas de Basel (Lado B).................................. 112
Figura 15 ̶ Geometria do lugar antropológico........................................................... 123
Figura 16 ̶ Teatro de Dioniso em Atenas................................................................... 125
Imagem 1 ̶ Difusão do imaginário arcaico ditirâmbico segundo colocações de
Barbara Kowalzig..................................................................................... 191
Mapa 2 ̶ As divisão entre as trítias de Clístenes..................................................... 192
Figura 17 ̶ Placas de cerâmica utilizadas para se votar o ostracismo de
Temístocles................................................................................................ 193
Figura 18 ̶ O caminho panatenaico............................................................................. 194
Figura 19 ̶ Ampliação do vaso de Oltos destacando a inscrição Epidelphinos.......... 195
Figura 20 ̶ Ampliação da Cratera de Basel................................................................. 196
Figura 21 ̶ A Pnýx em Atenas.................................................................................... 197
LISTA DE GRADES

Grade 1 ̶ Catálogo de Cerâmicas com temáticas referentes ao coro musical.......... 161


Grade 2 ̶ Análise do vaso de Oltos.......................................................................... 167
Grade 3 ̶ Análise do Skýphos de Heron................................................................... 169
Grade 4 ̶ Análise da Cratera de Basel..................................................................... 172
Grade 5 ̶ Análise do Vaso de Indiana...................................................................... 175
Grade 6 ̶ Análise da Kýlix de BMN Painter............................................................ 177
Grade 7 ̶ Análise da Hydria de Lydos..................................................................... 179
Grade 8 ̶ Análise do Lekythos de Kerameikos......................................................... 181
Grade 9 ̶ Análise da Kýlix atribuída ao pintor Teseu (Theseus Painter)................. 183
Grade 10 ̶ Análise de conteúdo: História de Heródoto............................................ 186
Grade 11 ̶ Análise de conteúdo: A Constituição dos Atenienses de autoria
atribuída ao “Velho Oligarca”.................................................................. 189
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

[Ath. Pol.] Athenaion Politeia (Constituição de Atenas) de Aristóteles


Ath. pol. Constituição dos Atenienses de “Velho Oligarca”
a.C. Antes de Cristo
Apud. Citado por
Arist. Aristóteles
Ed. Editor.
EFA École Française d’Athènes
EUA Estados Unidos da América
Fig. Figura
Frag. Fragmento
Hdt. História de Heródoto
Ibidem Na mesma obra
Idem No mesmo autor
In Em
Leg. Leis de Platão
p. Página
Pl. Platão
Plu. Plutarco
Pol. Política de Aristóteles
pp. Páginas
Them. Themistocles de Plutarco
Vel. Ol. Velho Oligarca
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 14
1 POLÍTICA E SOCIEDADE NA ATENAS ARCAICA:
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO DE
INSTAURAÇÃO DA ISONOMIA................................................................... 25
1.1 Preâmbulo.......................................................................................................... 25
1.2 Etimologia e conceituação do termo coro........................................................ 26
1.3 Sociedade, política e comunidade política......................................................... 31
1.4 O contexto político e social do final do período arcaico.................................. 37
1.5 O contexto político e social do final do período arcaico................................. 45
2 OR A ORGANIZAÇÃO DOS COROS MUSICAIS ATENIENSES NO FINAL
A
DO SEXTO SÉCULO E SUAS REPRESENTAÇÕES NA CULTURA
MATERIAL DOS VASOS ÁTICOS................................................................ 59
2.1 Preâmbulo........................................................................................................... 59
2.2 Os coros musicais no contexto histórico do processo de instauração da
isonomia............................................................................................................... 60
2.3 Os zeugitai como parte da comunidade política a partir dos coros musicais 70
2.4 Os coros de formação circulares: a representação imagética dos
ditirambos............................................................................................................ 78
2.5 Elementos simbólicos referentes aos coros musicais na cultura material
dos vasos áticos.................................................................................................... 82
3 O CORO MUSICAL COMO LUGAR ANTROPOLÓGICO DO
CIDADÃO SOLDADO CAMPONÊS: MEMÓRIA CULTURAL E
COMUNIDADE POLÍTICA............................................................................ 95
3.1 Preâmbulo............................................................................................................ 95
3.2 A composição social dos coros musicais.......................................................... 95
3.2.1 Os segmentos aristocráticos e o coro musical: perspectivas historiográficas...... 96
3.2.2 Os segmentos aristocráticos e o coro musical: análise da cultura material......... 99
3.3 O cidadão soldado camponês como membro do coro: a relação entre o
coro musical e a falange hoplita........................................................................ 104
3.4 O coro musical como lugar antropológico: definições gerais......................... 115
3.5 O lugar antropológico a partir de seus aspectos geométricos: o coro
musical e o espaço físico do teatro.................................................................... 123
3.6 A questão da memória cultural como referencial de uma comunidade
política.................................................................................................................. 129
CONCLUSÃO................................................................................................... 136
REFERÊNCIAS................................................................................................. 145
GLOSSÁRIO...................................................................................................... 155
APÊNDICE A - Considerações sobre a catalogação de cerâmicas..................... 160
APÊNDICE B - Metodologia de análise de imagem de Martine Joly: grades
de análise............................................................................................................... 163
APÊNDICE C - Metodologia de análise de conteúdo: documentação textual... 185
ANEXO A - Imagem 1 - Difusão do imaginário arcaico ditirâmbico segundo
colocações de B. Kowalzig.................................................................................. 191
ANEXO B - Mapa 2 – As divisão entre as trítias de Clístenes............................ 192
ANEXO C - Figura 17 – Placas de cerâmica utilizadas para se votar o
ostracismo de Temístocles................................................................................... 193
ANEXO D - Figura 18 – O caminho panatenaico............................................... 194
ANEXO E - Figura 19 – Ampliação do vaso de Oltos destacando a inscrição
Epidelphinos......................................................................................................... 195
ANEXO F - Figura 20 – Ampliação da Cratera de Basel.................................... 196
ANEXO G - Figura 21 – A Pnýx em Atenas....................................................... 197
14

INTRODUÇÃO

Em termos gerais, supõe-se que as abordagens históricas de temáticas envolvendo a


música não se limitam a analisá-la como somente uma manifestação artística ou como um
simples meio de entretenimento. A música, como objeto histórico, pode ser interpretada a
partir de seus aspectos sociais, políticos ou culturais, constituindo assim um campo de estudos
imbuído de uma extensa gama de significações e possibilidades. Sobre a função da música
como elemento social, o autor Theodor Adorno sublinha que esta enquanto linguagem
artística contextualizada se assemelha a uma função social devido à sua natureza integradora,
podendo ser concebida como uma categoria de linguagem comunicativa.1
Os diferentes usos da música em diferentes contextos como a propaganda,
comunicação social, controle cultural e legitimação de poder, têm representado algo
recorrente ao longo da História, como por exemplo, na Revolução Francesa na qual o canto
coral da Marseillaise era utilizado como uma forma de encorajar e estimular o exército
revolucionário.2 Um interessante exemplo presente em nossa contemporaneidade refere-se às
campanhas políticas do século XX e XXI que igualmente adotaram a música como meio de se
conduzir as “massas” para angariar votos e apoio político,3 como nos jingles utilizados nas
propagandas eleitorais (LOURENÇO, 2009, p. 207). Outros contextos históricos nos apontam
a existência de uma relevância pertinente e atual sobre o tema da música referente ao seu
aspecto político e social que interfere de forma significativa na História, atuando como
linguagem comunicativa, instrumento de controle social e de legitimação de poder.

1
Mesmo que a música ainda possua sua autonomia como uma prática artística, Theodor Adorno expõe a
existência de elementos extra artísticos inerentes à música, como, por exemplo, a prática musical medieval que
possuía um caráter disciplinar e pedagógico além de seu uso como arte performática. Para maiores detalhes,
consultar ADORNO, Theodor W. Introdução à Sociologia da Música: doze preleções teóricas. São Paulo:
Editora Unesp, 2011.

2
Segundo Luís Carlos Lourenço (2009, p. 206), “o uso político da música como condutor das emoções do
público foi muito eficaz em 1789, durante a Revolução Francesa, quando o canto da Marseillaise serviu como
grito de guerra para a tomada da Bastilha”.
3
No Brasil observa-se que desde Getúlio Vargas se utiliza jingles publicitários como tática política para angariar
a simpatia da população, prática que continua até os nossos dias, citando como exemplo a campanha de 2012 do
ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que gastou vultosos recursos para financiar shows de artistas
populares que declararam apoio à sua reeleição. Notícia presente em: Artistas que apoiam Eduardo Paes fizeram shows
pagos pela Prefeitura do Rio. Disponível em: http://eleicoes.uol.com.br/2012/noticias/2012/07/24/artistas-que-apoiam-
eduardo-paes-fizeram-shows-pagos-pela-prefeitura-do-rio.html. Acessado em 29 de julho de 2015.
15

Na Grécia Antiga a música representava um aspecto fundamental da formação


educacional do cidadão, estando presente em praticamente toda a sua vida cotidiana. Ela fazia
parte de banquetes, dos cultos aos deuses helênicos, dos festivais públicos, das representações
dramáticas, do teatro, dos rituais fúnebres, da determinação do ritmo dos remadores das
trirremes e até mesmo no campo de batalha (LANDELS, 1999, p. 1). Desse modo, podemos
supor que a música constituía um aspecto intrínseco à cultura helênica, sendo um dos
elementos que constituíam sua identidade cultural (CERQUEIRA, 2003, p. 37). Como expõe
Fábio Vergara Cerqueira (2007, p. 65): “A cultura grega clássica conferiu à música um lugar
de destaque, definindo-a como formadora do caráter do cidadão, pois possibilitaria o
aprendizado da virtude e o desenvolvimento espiritual”. Nesse contexto, observamos que as
performances corais possuíam uma considerável relevância nas sociedades helênicas sendo
parte essencial das encenações teatrais e dos certames musicais realizados nas grandes
festividades cívicas. Tal relevância social presente no contexto dos helenos constitui um dos
motivos pelo quais optamos por trabalhar com o coro musical como temática nesta
dissertação.
A noção que os gregos tinham de “coro” na Antiguidade é de natureza diametralmente
oposta aos nossos corais modernos, não sendo ambos equivalentes. Nossa concepção
contemporânea de coro refere-se a um conjunto de cantores cujos movimentos e gestos no
palco não precisam necessariamente ter relação com o ritmo do canto, podendo a
apresentação ser realizada de forma estática pelos cantores, sendo a musicalidade o foco
principal no contexto geral da organização do coro. A aplicabilidade dessa definição no
contexto da Grécia Antiga constitui um equívoco anacrônico, pois os antigos helenos
concebiam as performances4 corais como uma união intrínseca entre o canto e a dança,
caracterizada por movimentos e gestos combinados integrados à palavra cantada. A própria
palavra “coro” é derivada do termo grego khoros5 que Claude Calame (1977, p. 51) define
basicamente como sendo um conjunto de indivíduos (khoreutas no singular, khoreutai no
plural) que cantam e dançam coletivamente. Podemos traduzir khoreutas aproximadamente
como “integrante do coro”, sendo aqueles cidadãos que praticavam a atividade da dança coral
constituindo um sistema orgânico essencial definido pela performance realizada no espaço
físico do teatro grego. É importante apontar que a opção de utilizar a transliteração “khoros”

4
A fim de nos adequarmos aos termos utilizados pela historiografia de nossa temática, iremos nos utilizar do
termo performance substituindo a palavra apresentação para ilustrar as execuções dos coros.
5
A terminologia da palavra khoros será abordada ao longo do primeiro capítulo.
16

(do original grego χoρος) no lugar da forma latinizada “choros” deve-se à convenção
estabelecida por Peter Wilson (2000, p. 5) que busca uma aproximação maior com os termos
gregos originais, no qual a transliteração da letra grega “χ” (chi) se aproxima mais da
conjunção de consoantes “kh” do que “ch”. Além disso, Wilson também propõe uma nova
perspectiva de análise sobre a temática do coro musical que considere a especificidade de sua
natureza performática, em oposição à tradição historiográfica que associa os cantos corais do
teatro grego com o gênero literário.6 Exemplos de trabalho dessa natureza são as obras
Stasimon: Untersuchungen zu Form und Gehalt der griechischen Tragödie (1933) de Walther
Kranz; e A tragédia grega (1974) de Jacqueline de Romilly.7
Em Atenas os coros estavam inseridos nas manifestações artísticas e culturais na
sociedade políade como as Panateneias8 e as Dionisíacas urbanas e rurais,9 sendo presentes
basicamente em todo tipo de performance de conotações ritualísticas, como o culto de
mistérios eleusínios,10 por exemplo. Dessa forma, uma de nossas questões iniciais concentra-

6
Sobre isso, Peter Wilson (2000, p. 5) coloca que “my preference for the transliterated forms such as ‘khoregia’
and ‘khoros’ over their latinised equivalents, ‘choregia’, ‘chorus’ – more familiar certainly in literary studies – is
largely in order to signal, however superficially, this attempt to remove some of the accretions of a schorlarly
tradition of great antiquity for which the khoros had become a problem (...) The terms of analysis were
predominantly formal, and predicated on a notion of ‘literature’ more or less inappropriate for the public and
political form of Greek drama.”
7
Na edição traduzida para o português de 1998, destacamos essa citação que associa a tragédia com a Literatura:
“Na verdade o gênero literário chamado tragédia não pode ser explicado a não ser em termos literários. Uma vez
que as tragédias que foram conservadas não falam nem de bodes nem de sátiros, é preciso então admitir que seu
alimento essencial não procede nem desse culto, nem desses divertimentos. (...) A tragédia, como gênero
literário, surgiu somente porque aquelas festas em honra a Dioniso passaram deliberadamente a procurar a
substancia das suas representações num espaço estranho ao domínio dessa divindade” (ROMILLY, 1998, p. 19).
8
Segundo definições do Oxford Classical Dictionary, as Panateneias eram os grandes festivais cívicos de Atenas
em honra da deusa Atená, celebrado no mês do Hekatombaion (aproximadamente em agosto). Seu centro era a
grande procissão na qual indivíduos de diversos segmentos sociais de Atenas, inclusive metecos, marchavam do
bairro de Kerameikos até a acrópole, passando pela ágora (HORNBLOWER, 1996, p. 1104).
9
As Dionisíacas eram festivais públicos de honra à Dioniso que se dividiam entre a Dionisíaca rural (agroýs
Dionýsia) e a Dionisíaca urbana (astei Dionýsia). As Dionisíacas rurais eram realizadas no mês de Poseideon e
ofereciam uma oportunidade para que as comunidades rurais pudessem reproduzir elementos da Dionisíaca
urbana, no qual eram realizadas performances de tragédias, comédias e ditirambos. A Dionisíaca urbana,
também conhecida como Grandes Dionisíacas (tà Megála Dionýsia), era dedicada à Dioniso Eleutério sendo
realizada em meados de março. A procissão se iniciava com o ato de carregar uma estátua de Dioniso até o
teatro, seguida de uma procissão que seguia um percurso para o espaço sagrado adjacente ao teatro onde eram
realizados rituais e sacrifícios em honra ao deus. Nas procissões os metecos participavam vestidos de vermelho,
e todos carregavam pães, esculturas fálicas, recipientes entre outros objetos. É importante também citarmos que
ocorriam performances teatrais e corais no decorrer do festival. Para mais detalhes consultar o verbete
DIONYSIA. In: HORNBLOWER, Simon. SPAWFORTH, Antony (eds.). The Oxford Classical Dictionary. 3º
edition. Oxford: The Oxford University Press, 1996.
10
Existia uma relação entre os Elêusis e os festivais pois Pisístrato como tirano trouxe para o controle ateniense
os cultos de mistérios situados fora do espaço urbano. Por gerações, celebrações “tribais” se desenvolveram em
práticas corais de músicas cantadas e dançadas nos grandes festivais. Referência presente em STUTTARD,
2014, p. 32.
17

se em entender como os coros musicais foram apropriados pela pólis visando formar cidadãos
ativos e defensores da unidade política e isonômica de Atenas. Considerando que as
performances corais configuram-se como uma grande relevância na vida da comunidade
ateniense, devemos apontar a indissociabilidade do coro musical do teatro grego, no qual era
parte elementar de gêneros teatrais introduzidos pelos helenos como a tragédia, a comédia e o
drama satírico,11 cada um deles possuidor de um respectivo tipo de coro. Nesse contexto, a
palavra cantada em versos constituía um elemento essencial nas obras encenadas no palco,
sendo o coro encaixado em um espaço delimitado no espaço do teatro identificado como
orchestra,12 termo que pode ser traduzido como “espaço de dança” (WEINER, 1980, p. 205).
A partir da temática do coro musical pretendemos realizar um estudo desse objeto de
pesquisa como um dos aspectos presentes na formação política e social do cidadão ateniense
da pólis arcaica do final do século VI a.C. A integração sócio-política ocorreria devido à
participação dos cidadãos nos grandes festivais públicos, no qual poderiam ser khoreutai13
realizando performances ou espectadores presentes na plateia assistindo ao espetáculo. Assim
como a falange dos hoplitas, a formação e organização dos festivais públicos da pólis são
identificados e relacionados a uma noção de isonomia que seria instaurada no contexto das
reformas territoriais de Clístenes. Essa representaria a construção de um conjunto de práticas

11
Pierre Grimal (2001, p. 25) classifica os gêneros da tragédia, comédia e drama satírico como os “três grandes
gêneros dramáticos na Grécia Antiga. Segundo o autor, a tragédia “não se destina a adorar um herói, mas a
apresentar uma situação humana, aumentada pela perspectiva heroica. (...) Uma das características essenciais (...)
da tragédia grega (...) reside no fato dela utilizar, como tema, narrativas lendárias, mas não mitos. Não é um
teatro sagrado; as personagens do drama são mortais, e o divino, quando intervém, ocupa o lugar que lhe é
concedido na cidade” (GRIMAL, 2001, p. 27). O drama satírico, como seu próprio nome evidencia, possui
relação com o “culto e a lenda de Dioniso porque os sátiros fazem parte do seu séquito” apresentando assim “um
caráter licencioso e paródico. As lendas que aí são tratadas são as mesmas que na tragédia, mas são-no com um
espírito completamente diferente. Os heróis são, no drama satírico, naturalmente ridicularizados” (GRIMAL,
2001, p. 31). Por fim, a comédia é definida por Grimal (2001, p. 32) como “o canto de kômos” que representava
“o cortejo barulhento que, sobretudo na estação das vindimas, percorria as aldeias cantando e dirigindo gracejos
licenciosos àqueles com quem se cruzava” de forma que a comédia constitui “uma festa de caos, prelúdio de uma
reposição da ordem: mas esta apenas pode surgir da desordem. A comédia será sempre e em todas as formas,
obstinadamente, uma representação de um mundo “às avessas’” (GRIMAL, 2001, p. 34).
12
Encontramos uma definição aprofundada de orchestra na introdução do livro “Choral Meditations in Greek
Tragedy” (2013) por Renaud Gagné e Marianne Hopman: “The term, which literally means ‘dancing space’,
indicates that accommodating a chorus was the defining criterion for the area. Furthermore, the archaeological
evidence suggests that after the translation to the south slope of the Acropolis, the theatre of Dionysos continued
to be centred on the orchestra, now complemented with a banked theatron and a wooden stage-building or skené
(...) In fifth-century Athens, actors evolved in the same performing space as the dancing chorus. Drama
physically happened as an extension of a choral dance” (GAGNÉ, 2013, p. 20).
13
Khoreutas era o termo grego que denomina os integrantes dos coros musicais que cantavam e dançavam,
sendo Khoreutai seu plural.
18

políticas e sociais que vieram a reconfigurar toda a unidade cívica na pólis ateniense14 após o
fim da tirania dos Pisistrátidas, desenvolvendo-se posteriormente no Vº século na democracia
clássica de Atenas. Sendo assim, nossa problemática se refere à questão de como a ação do
coro foi reapropriada pela pólis isonômica após o fim da tirania para ser utilizada como um
meio para se conquistar o apoio político de um determinado segmento da população.
Supomos neste trabalho que a forma pela qual se pretendia adquirir tal suporte consistia na
utilização do coro musical nas competições como uma atividade de cooperação entre os
cidadãos, visando dois objetivos: minimizar as tensões políticas existentes no sexto século em
Atenas e legitimar o novo regime político da isonomia recém-instaurado.
Sobre a questão referente à documentação, Martin L. West compreende cinco
categorias de documentos para se trabalhar com a temática da música na Antiguidade
helênica: evidência arqueológica: fragmentos de instrumentos; representações em vasos,
pinturas, estátuas, artes pictóricas, afrescos e mosaicos; referências na literatura grega
presentes em textos do século VIII a.C. em diante, principalmente nas comédias e tragédias
gregas; escritos especializados em música: textos que contém informações técnicas sendo
tratados específicos com detalhes técnicos sobre a música; documentos não-literários: nesta
categoria destacam-se os documentos epigráficos com as inscrições de concursos, registros de
contratação do serviço de músicos, estabelecimento de música nos currículos educacionais e
registros de premiações; e notações musicais da época: fragmentos de manuscritos de
composições musicais da época (WEST, 1992, p. 4-7).
Entre tais categorias, optamos por utilizar como documentação a evidência
arqueológica baseada nas cerâmicas áticas, cujas pinturas de vaso representam o coro musical
em conjunto com elementos associados à integração social e política com a pólis. Temos um
corpus documental que consiste em um catálogo de quinze vasos áticos com essa temática
(ver APÊNDICE A), sendo que no início da pesquisa contávamos com somente nove
cerâmicas. Foi somente após o estágio realizado na instituição franco-grega École Française
d’Athènes (Escola Francesa de Atenas – EFA) em janeiro de 2018, no qual tivemos acesso ao
acervo geral da biblioteca da escola (bibliothèque),15 que pudemos incorporar mais seis vasos
referentes à temática do coro em nosso catálogo. A existência de tais cerâmicas nos leva a
questionar quais seriam suas interações com o processo de formação educacional de um

14
A associação entre a falange hoplita, a música e a formação cívica da comunidade ateniense é citada no
capítulo “Tornar-se Homem” presente em VERNANT, J.P. (org.). O Homem grego. Lisboa: Editorial Presença,
1994, p. 79-81.
15
No acervo da biblioteca da EFA obtivemos acesso aos catálogos físicos dos Corpus Vasorum Antiquorum
(CVA), no qual encontramos algumas das cerâmicas que foram inseridas após o período de estágio.
19

cidadão ateniense ao longo de sua existência, pois temos os coros musicais divididos entre o
coro de jovens, de adultos e o de anciãos. É importante estabelecer que nesta dissertação nos
interessa especialmente os coros de jovens e adultos devido à possibilidade do coro musical
ter sido utilizado como processo de preparação de um jovem para tornar-se um cidadão.
Considerando que o cidadão que dançava e cantava nos coros era o mesmo cidadão que
defendia a pólis na falange dos hoplitas, a documentação imagética representando
performances corais com indumentárias hoplitas nos abre espaço para trabalhar com a
hipótese referente ao coro musical ter sido um aspecto análogo à formação militar dos
atenienses, além de também ter representado um elemento essencial para sua formação sócio-
política a partir da implantação da isonomia.
Nossa principal documentação imagética de análise consiste nas pinturas de vasos de
cerâmica ática, na qual abordamos a iconografia a partir do conceito de cultura material,16 no
qual as imagens funcionam de forma análoga a um mecanismo de comunicação social
pertencente ao nível das estruturas, podendo sua historicidade ser construída de forma
espacial e temporal através da materialização dos coros presentes nas cerâmicas. Tal
mecanismo de abordagem torna possível a identificação de grupos e vozes de emissores e de
receptores das mensagens contidas nas imagens, bem como o contexto histórico e a
decodificação simbólica contidas em cada iconografia. Sendo assim, nos utilizamos da análise
imagética como um viés alternativo ao documento textual devido à peculiaridade de nossa
temática de pesquisa, tendo em vista a inexistência de registros sonoros ou filmados das
performances corais entre os gregos antigos.
As pinturas de vasos áticos segundo nos aponta o helenista francês François
Lissarrague (2010, p. 53) se configuram como documentos produzidos a partir de ideias e
conceitos específicos provenientes de um determinado contexto histórico.17 No entanto,
Lissarrague nos atenta que a análise das pinturas de vaso como ilustrações literais das
performances corais constitui algo totalmente especulativo, sendo essa forma de análise

16
Uma diferente perspectiva acerca do conceito de cultura material é definido pelo arqueólogo Ulpiano Bezerra
Meneses como “aquele segmento do meio físico que é socialmente apropriado pelo homem” (MENESES, 1985,
p. 112) que constitui um suporte físico e concreto da produção e reprodução de vida social. Devemos salientar
que, além das informações referentes à materialidade do objeto (características físicas, seu processamento e sua
tecnologia), um documento material também possui uma carga de significação que relaciona-se às formas de
organização da sociedade que o produziu e consumiu.
17
Segundo nos aponta Lissarrague a tradição francesa de estudos da imagética a partir da década de 1960 (cuja
principal referência seria Louis Marin com Estudos Semióticos de 1972) abririam um campo de trabalho voltado
para a lógica do significado e do estudo da imagem como elemento de comunicação (LISSARRAGUE, 2013, p.
29).
20

imagética a metodologia adotada pelos estudiosos do século XIX que interpretavam a


cerâmica a partir de um ponto de vista cientificista oriundo do contexto historiográfico dos
oitocentos.18 Dessa forma, o autor expõe que uma outra maneira de se analisar as imagens
seria através dos elementos simbólicos presentes nas pinturas, relacionados com categorias
relacionadas com o imaginário e a memória dos pintores-artesãos. A historiadora francesa
Pauline Schmitt Pantel (2013, p. 16) complementa esta perspectiva ao estabelecer que “a
imagética grega permite uma apresentação das representações mentais dos cidadãos”. Tal
princípio nos possibilita a realização de uma análise histórica abordando diferentes práticas
sociais presentes no cotidiano, como o próprio coro musical.
Sobre a relação das iconografias com a realidade cotidiana, Eric Csapo (2010) defende
a ideia de que determinadas cerâmicas representariam cenas reais de performances corais,
pois os pintores de vaso reproduziriam em suas pinturas referenciais baseados nas encenações
teatrais às quais teriam assistido. O autor argumenta tal hipótese a partir da análise de certos
elementos nas iconografias que demarcariam elementos ligados à realidade material, como
por exemplo a presença de adereços que caracterizariam fantasias de animais em atores e
khoreutai no lugar da retratação de criaturas/figuras míticas (CSAPO, 2010, p.10-12). Em
contraposição, Jocelyn Penny Small (2005, p. 103) acredita que os pintores de vasos não se
basearam nas performances teatrais, pois as iconografias antigas não seriam associadas a
nenhum tipo de texto escrito ou referenciais exteriores. Um dos argumentos utilizados pela
autora refere-se à noção moderna da ilustração de um texto (como a capa de um livro, por
exemplo), cuja especificidade não seria diretamente aplicável ao pensamento antigo, pois a
prática de se produzir um texto ou assistir a uma peça representa algo completamente distinto
de se produzir uma imagem através de um suporte material. De modo geral, a perspectiva de
Jocelyn Penny Small assume que o fato de não possuirmos empiricamente a encenação teatral
plena com todos seus elementos (música, movimento, atuação e dança) impossibilitaria uma
interpretação das pinturas de vaso a partir de referências textuais exteriores.
No entanto, a perspectiva de Small foi criticada por Eric Csapo (2010, p. 1-2) que
afirma ter havido por parte da autora uma omissão de aspectos importantes referentes às
iconografias gregas, bem como a falta de citações de cerâmicas específicas que comprovam a
relação entre o material e o imagético. Segundo Csapo, a hipótese de Small trata os objetos de
arte como sendo completamente dissociados de outras formas de expressão cultural, no qual

18
Para uma visão introdutória do cientificismo presente nas Ciências Humanas do século XIX, ver o capítulo 1
da obra História e teoria social (2002) de Peter Burke, no qual o autor realiza uma análise sobre o impacto da
abordagem cientificista das Ciências Sociais na História no início do século XX.
21

as pinturas de vaso gregos caminhariam paralelos ao teatro grego sem nenhuma forma de
interação entre si, visão que o autor considera equivocada ao realizar um diálogo entre a
documentação textual e a documentação imagética. Outro autor que apresenta uma
perspectiva oposta à de Small ao tratar a cerâmica grega é Oliver Taplin (2007, p.3) que
estabelece a existência de uma familiaridade dos pintores com elementos presentes nas
encenações teatrais, especialmente as pertencentes ao gênero trágico. O autor também cita a
possibilidade de certos vasos terem sido encomendados com o objetivo de representar cenas
de peças específicas que admiravam, sendo igualmente possível que o próprio pintor de vaso
produza uma imagem com o objetivo de recriar alguma cena que tenha assistido enquanto
espectador do teatro, segundo os pressupostos de J. R. Green (1991, p. 20-21). Sendo assim, a
utilização da cerâmica ática como um registro visual e material da comunidade ateniense
perpassa todo um debate sobre a questão da relação das cenas com a realidade material do
cotidiano. Iremos considerar nesta dissertação que as pinturas de vaso, considerando suas
peculiaridades analíticas, representam elementos presentes na comunidade dos atenienses
tanto de uma perspectiva realista quanto de uma visão associada com a narrativa mítica.
Estas imagens produzidas por essa comunidade estariam interligadas a um processo
histórico sociocultural que, segundo Jean-Pierre Rioux, nos permite identificar elementos
políticos devido à existência de uma “permeabilidade das fronteiras entre o social, o cultural e
o político” (RIOUX In. RÉMOND, 2003, p. 122). O campo do político19 segundo colocações
do historiador francês Pierre Rosanvallon (2010, p. 73) seria relacionado com “o poder da lei,
do Estado e da nação, da igualdade e da justiça, da identidade e da diferença, da cidadania e
da civilidade (...) de tudo aquilo que constitui a pólis para além da competição (...) pelo
poder”. Portanto, a conceituação de Rosanvallon pode se adequar a abordagens históricas que
se utilizam de conceitos como cidadania, comunidade, identidade e isonomia (de significado
análogo à igualdade), tópicos presentes em nossa pesquisa.
Os sistemas de representação citados por Rosanvallon seriam ligados com a evolução
e a formação de racionalidades políticas, onde as representações constituiriam
(ROSANVALLON, 2010, p. 57-58) “reais e poderosas infraestruturas sociais”. Tal
perspectiva representa uma visão contrária da perspectiva idealista histórica que desconsidera
determinantes sociais ou econômicos que estruturam a ação humana e o comportamento
social que leva à criação de comunidades, por exemplo. Em linhas gerais, a proposta de

19
É importante também citar que o autor francês distingue o político da política, pois o mundo da política seria
um segmento do mundo do político “operado pela mobilização dos mecanismos simbólicos de representação”
(ROSANVALLON, 2010, p. 30).
22

Rosanvallon consiste em realizar uma História Política na medida em que a esfera do político
interage com o social e os sistemas de representações, não se limitando somente à análise de
aspectos meramente políticos. A partir desta perspectiva são abertas diversas possibilidades
como: análises de outros tipos de documentação além da textual; análises políticas de grupos
sociais não necessariamente ligados ao Estado ou a um poder central; estudos sobre as
culturas políticas de algum povoado; entre outras. Sendo assim, as representações presentes
nas iconografias gregas abrem possibilidades de trabalho sob esta noção de campo político de
Pierre Rosanvallon que inclusive em seu texto faz referência sobre a necessidade de se
analisar uma sociedade levando em consideração panfletos, iconografias e músicas
(ROSANVALLON, 2010, p. 47). De um modo geral, a abordagem proposta pelo autor se
fundamenta em uma história política de caráter transdisciplinar baseada em um sentido do
campo político que considera todos os conhecimentos da história social e de outros campos
como a história cultural, a história biográfica, história das ideias, história das instituições
políticas, entre outras.20
Dentro desta temática referente à História Política, optamos por utilizar o termo
processo de instauração da isonomia para designar o conjunto de mudanças políticas e
sociais ocorridas durante o último quarto do século VI a.C, período de transição entre a tirania
e o governo isonômico que viria ser implantado após 508-507 a.C. Tal periodização
caracteriza-se por apresentar uma grande profusão de cerâmicas com performances corais que
apresentam datações variadas segundo indicações presentes no Beazley Archive21. Algumas
cerâmicas escolhidas possuem sua datação estabelecida de forma bem abrangente, podendo
um vaso ter sido produzido entre os anos de 550 e 500, por exemplo, sendo necessária a
realização de uma abordagem histórica sob uma perspectiva de longa-média duração,22 na
qual será considerada a constituição de um processo histórico contínuo no lugar de marcos
políticos pré-estabelecidos (como a ideia da instauração de uma democracia consolidada e
estabelecida imediatamente após as reformas de Clístenes). O próprio termo democracia
(demokratía) não era utilizado neste período para denominar a forma de governo instaurada

20
Tais apontamentos endossam nossa perspectiva de se trabalhar o político a partir do social, ou seja, da
representação de grupos sociais através da imagética presente nas cerâmicas grega. Isso nos vincula à linha de
pesquisa denominada Política e Sociedade, a partir das definições de Rosanvallon.
21
Domínio do site: http://www.beazley.ox.ac.uk/index.htm.
22
A respeito de não trabalhar sob uma perspectiva de marcos e acontecimentos, Pierre Rosanvallon (2010, p. 60)
cita que “a história política não deve ser entendida como um desenvolvimento mais ou menos linear, que
apresenta uma sucessão de conquistas e derrotas antes de nos conduzirem ao fim da história”.
23

em Atenas em 508-507, sendo utilizado somente em meados do quinto século durante o


período clássico. 23 Desse modo, nesta dissertação iremos nos utilizar do termo isonomia
em itálico no lugar do termo democracia para nos referirmos ao modelo de governo
instaurado em Clístenes. O termo democracia (sem itálico) será raramente utilizado ao longo
de nosso desenvolvimento, sendo mencionado somente ao nos referirmos pontualmente ao
fim do quinto século, temporalidade fora de nosso corte temporal. Em relação ao contexto
histórico referente ao nosso corte temporal do fim do século VI a.C. (aproximadamente entre
546 e 500 a.C. sem nos fixarmos em anos fixos devido ao problema de datação das cerâmicas)
iremos nos utilizar do termo processo de instauração da isonomia.
De modo geral, nossa premissa geral se refere ao coro musical como um dos aspectos
que integram as festividades gregas, sendo um elemento indissociável das encenações teatrais
e do cunho ritualístico e religioso inerente aos festivais cívicos. A relação do cidadão com a
pólis institucional se expressava por meio da participação da comunidade nos coros musicais
durante os festivais públicos, no qual as performances corais representavam uma atividade
análoga aos seus outros deveres de cidadão, como o ato de defesa da cidade em caso de guerra
e a participação nas grandes assembleias públicas. Para atendermos à esta abordagem de
pesquisa, iremos estabelecer a divisão do desenvolvimento de nossa dissertação do seguinte
modo: no primeiro capítulo intitulado “Política e sociedade na Atenas arcaica:
contextualização histórica do processo de instauração de isonomia” abordamos tópicos
referentes à significação do termo coro (khoros em grego) e às diferenças conceituais de
pressupostos presentes nas áreas de História, Sociologia e Política. Além disso, a segunda
parte do capítulo 1 se encarrega de contextualizar os principais eventos e acontecimentos
ocorridos no sexto século, exposição dividida em dois tópicos. O segundo capítulo intitulado
“A organização dos coros musicais no final do sexto século e suas representações na
cultura material dos vasos áticos” possui como objetivo analisar especificamente a presença
dos coros no período histórico contextualizado no capítulo anterior, o final do sexto século,
sendo sua segunda parte focada na análise das cerâmicas e de sua relação com os cidadãos
representados nelas em performances corais. Por fim, o terceiro capítulo intitulado “O coro
musical como lugar antropológico do cidadão soldado camponês: memória cultural e
comunidade política” prossegue a análise de cerâmicas áticas iniciadas no capítulo 2, porém
focando na questão dos elementos simbólicos associados com a aristocracia, além da
exposição de nossa hipótese de pesquisa em seu primeiro tópico. Após esta exposição, o

23
Esta discussão referente à democracia e isonomia será desenvolvida ao longo do primeiro capítulo.
24

restante do capítulo 3 procura abordar nosso quadro teórico no qual são examinados a relação
do conceito de lugar antropológico com a questão da memória e as suas relações com nosso
objeto de pesquisa.
25

1 POLÍTICA E SOCIEDADE NA ATENAS ARCAICA: CONTEXTUALIZAÇÃO


HISTÓRICA DO PROCESSO DE INSTAURAÇÃO DA ISONOMIA

(Clístenes) após ter cooptado todo o démos para sua facção


política, mudou o nome das tribos as fazendo mais numerosas
do que jamais haviam sido, criando dez tribos no lugar de
quatro.
Heródoto

1.1 Preâmbulo

Para analisarmos a relação do coro musical formado por cidadãos atenienses na


Antiguidade se torna necessário considerar o aspecto político e social presente na natureza
organizacional do coro. Tal perspectiva de abordagem se insere no contexto histórico situado
entre o final do século VI e inicio do Vº, período do chamado “processo de instauração da
isonomia”, na qual a ação do coro como função social integradora se insere nas reformas
territoriais de Clístenes em 508 a.C. Os fatos ocorridos nesse período seriam antecedentes de
eventos do século V a.C. que viriam a construir a ideia de uma Atenas associada com a
democracia como, por exemplo, as guerras Greco-Pérsicas e a consolidação da democracia
durante o governo de Péricles. Desse modo, o processo de instauração da isonomia que veio
se desenvolver na segunda metade do sexto século foi construído de forma gradual a partir de
eventos políticos que decorreram ao longo de suas décadas. Podemos demarcar como
principais acontecimentos políticos do século VI a.C. a implementação da legislação de Sólon
em 594-590; a tirania dos Pisistrátidas24 ocorrida entre os anos de 560 e 510; as reformas
territoriais de Clístenes em 508-507; e a instauração da isonomia em Atenas após a vitória de
Clístenes sobre Iságoras com o apoio do démos (população).

24
Sobre a tirania dos Pisistrátidas, José Roberto de Paiva Gomes (2015, p. 55) expõe que “Pisístrato assumiu o
comando em diferentes momentos até a consolidação da tirania. Conforme Heródoto (História, v. 5.64), sua
primeira tentativa de usurpação foi realizada por intermédio de um ataque simulado por sua facção na Ágora,
dizendo que seus inimigos teriam o atacado. Em virtude do suposto ataque, Pisístrato consegue uma guarda
pessoal, (...) Por ocasião deste estratagema, o tirano consegue se estabelecer no poder, conquistando a Acrópole
de Atenas em 560 a. C.”. Posteriormente, Pisístrato retorna ao poder se utilizando do disfarce da jovem Phya
como a deusa Atená para entrar em Atenas (Hdt. 1.60) onde é acolhido favoravelmente pela população,
readquirindo a soberania. Em seguida, ao desposar a filha de Megácles como tentativa de realizar uma aliança
com os Alcmeônidas, Pisístrato se auto exila por suspeitar de que Megácles estaria tramando contra ele (Hdt.
1.61). Seu segundo retorno ao poder em 546 ocorreu com o apoio de mercenários de Tebas, Argos e Naxos, na
qual permanece como tirano até sua morte natural em 528 (STUTTARD, 2014, p. 32). José Roberto de Paiva
Gomes (2015, p. 14) estabelece que seguiram como tiranos os filhos de Pisístrato: Hiparco de 528 a 522 e
Hippias de 521 a 510, filhos de Pisístrato.
26

1.2 Etimologia e conceituação do termo coro

O significado do termo grego khoros consiste basicamente na união de um


determinado conjunto de indivíduos que realizavam performances de canto conjugado com a
dança, não havendo distinção ou hierarquização das duas atividades, sendo os passos de dança
inseridos na lógica dos textos cantados. Dentro da ideia comum no que se refere aos coros
helenos, o conceito de khoros a partir de sua terminologia original é geralmente relacionado à
uma dança coletiva, na qual os seus integrantes (khoreutas: integrante do coro) determinam
seus passos regulados por uma rígida disciplina. Podemos citar, como exemplo, Konrad Kinzl
(1980, p. 178) que ao escrever sobre as origens da tragédia classifica khoros como uma dança
“selvagem” realizada por um grupo de pessoas com um acompanhamento instrumental de
som ruidoso.25 No livro O Mundo de Atenas, khoros é classificado como a palavra grega que
serve tanto para se referir à “dança” quanto “coro” (JONES, 1997, p. 174). Outro exemplo
similar refere-se à Walter Burkert (1993, p. 212) que se utiliza do termo khoros26 para
denominar tanto o grupo de khoreutai quanto o local da dança, destacando que os gregos
associavam as danças com o aspecto ritual desde seu “passado longínquo”, anterior ao
período arcaico, no qual “o movimento coletivo, ritmado e repetitivo, é a representação da
forma mais pura e cristalizada do ritual em geral”.27 Apesar de Burkert colocar que nos
khoros a dança e a música são indissociáveis, devemos apontar que o autor, assim como
Kinzl, também sublinha o aspecto da dança presente nos coros, os classificando28 utilizando o

25
De fato, ao verificarmos a tradução do termo khoros em sites de internet, observamos que sua grande maioria
o traduz simplesmente como “dança”; “dancing place” ou “dança circular. Descrição retirada de Online
Etimology Dictionary. Disponível em: http://www.etymonline.com/index.php?te rm=chorus. Acessado em 24
de fev. de 2017.
26
Na tradução portuguesa do livro Religião Grega na Época Clássica e Arcaica (1993) da Fundação Calouste
Gulbekian (Lisboa, 1993) o termo khoros é transliterado/adaptado como chorós (BURKERT, 1993, p. 212).
27
Para ilustrar resumidamente relação entre ritual e dança na Grécia Antiga, Walter Burkert se cita uma frase de
J. A. Haldane (1969, pp. 98-107): “Não se pode encontrar uma única festa antiga de iniciação que não inclua a
dança”.
28
Um exemplo dessas danças é citado por Walter Burkert (1993, p. 213), que aborda as danças realizadas no
contexto religioso na seguinte passagem: “no santuário cada uma das danças características é ainda mais
elaborada. Em Delfos, são os rapazes e as raparigas que dançam a “dança do coelho” (géranos) num movimento
serpenteado em forma de labirinto. Conta-se que os jovens e as jovens de Atenas descobriram essa dança
conjuntamente com Teseu, após terem escapado do labirinto. ‘Curetes’ (dáctilos) meus recentemente nascido, e
os escudos de bronze orientalizados da caverna do Ida em Creta são testemunhos da realidade desta dança dos
escudos, no contexto de uma festa de iniciação do século VIII”.
27

tipo de dança como parâmetro, como por exemplo: a dança dos rapazes, das virgens, das
mulheres e as danças guerreiras.
Segundo Anastasia Erasmia-Peponi (2013, p. 15), o termo khoros não possuía uma
etimologia completamente definida, ainda que seja possível defini-lo de forma semântica.
Uma das primeiras ocorrências do termo encontra-se na poesia homérica, na qual este
designaria tanto as áreas públicas destinadas para a dança quanto o próprio ato de dançar,
sendo uma atividade executada de forma coletiva. O sentido de khoros associado com o canto
simultâneo à dança seria posterior ao período homérico, sendo primeiramente presente nas
composições arcaicas que descreviam performances corais, como no poema Escudo atribuído
à Hesíodo no qual uma performance coral é realizada dentro de um casamento. 29
Consequentemente, o significado de khoros associado com o canto e a dança se mostra
presente em todo o período clássico se estendendo até o helenístico. Ainda que hajam
referências do termo khoros que denominam somente a dança ou o canto isoladamente, no
contexto geral da cultura helênica a palavra significava a junção de ambos. Conforme nos
aponta Erasmia-Peponi (Idem, p. 16), “a evidência poética e filosófica nos indica que nas
práticas corais a aliança entre o corpo e a voz era considerada essencial para a coordenação
geral do conjunto”, mesmo em casos na qual a performance demandava uma distribuição
complexa dos gestos e voz.
Podemos encontrar outro exemplo de associação entre khoros e dança na definição
presente na Enciclopedia Britannica que descreve o termo30 como sendo a constituição de
uma dança imbuída de uma sacralidade acompanhada pelo fundo musical, sendo parte dos
festivais helênicos de consagração aos deuses. Tal definição busca a raiz do termo coro com a
palavra khórtos, cuja tradução se relacionaria com a ideia de “cerca”, “limite”, “barreira” e
“clausura”, o que classificaria, à primeira vista, o khoros como uma “dança delimitada” ou
“dança realizada em um espaço fechado”. É importante citarmos também que as adequações e
transliterações para designar atividades relacionadas com coro variam de acordo com o

29
Na citação integral de Anastasia Peponi (2013, p. 15) é exposto que “certainly, the best-known meaning
of choros is that of a dancing and singing group. This semantic nuance, which is prevalent in the classical period
and thereafter, is often implicit in early usages of the word, but it is also made explicit in archaic compositions
such as the Shield — attributed to Hesiod in antiquity — where performing choruses (choroi, in plural) are
described as participating in a wedding procession”.
30
Verbete disponível em www.hellenicaworld.com/Greece/Encyclopaedia/Britannica/11/en/Chorus.html.
Acessado em 27 de fev. de 2017.
28

idioma, sendo no inglês e francês utilizada o adjetivo choral: choral dances, choral
performances em inglês; groupe choral, danse chorale em francês, por exemplo.31
Claude Calame (1977, p. 52) em sua análise do coro musical demarca que o termo
khoros possui um problema semântico oriundo do seu uso no período arcaico, a partir das
definições dos lexicógrafos antigos. A Enciclopedia Souda,32 por exemplo, apresenta uma
dupla acepção que se encontra desde a poesia épica arcaica: a primeira corresponde a um
significado de “conjunto”, “corpo” de integrantes do coro; a segunda compreende a definição
do espaço sobre o qual os khoreutai realizam suas performances. Ainda que ambos os
significados não sejam necessariamente opostos, pois funcionam como noções
complementares, Calame aponta para a necessidade de se analisar com cautela o termo khoros
na documentação escrita, considerando sua dupla acepção.33 Tal cuidado torna-se necessário
ao observamos que muitos relatos antigos se utilizam de outros termos além de khoros para se
referir a atividades de canto conjugado com a dança. Exemplos de palavras que possuem
significados próximos são: elíssein, dançar em círculos; orkhesuai, se mover dançando; e
mélpesuai, canto na dança. Além das palavras de significado análogo, Calame também nos
aponta possíveis derivações do termo khoros, como por exemplo khaírein (se alegrar);
khõros34 (área circular delimitada) e kheír (mão). A primeira derivação remete à Platão (Leis,
v 2.654) que relaciona à origem do termo khoros à palavra khará que significa “a alegria”, “o
prazer”. A segunda corresponde ao senso espacial de khoros que achamos nos textos
homéricos, possuindo um significado paralelo à significação comum do termo. A terceira se
relaciona com o ato do khoregos35 (regente do coro) reger o coro com a mão. Segundo

31
O termo khoros era utilizado em diversos contextos no cotidiano dos helenos: nas performances dos festivais,
nas danças, na poesia lírica coral, no canto, na recitação coral, nas competições, entre outras.

32
A Souda, adaptada contemporaneamente como “Suda”, trata-se uma massiva enciclopédia sobre o
Mediterrâneo Antigo produzida pelos gregos bizantinos no século X d.C. abordando o mundo helênico e
romano, além de possuir todo um conteúdo relacionado com a Bíblia e o cristianismo. Preservada em diversos
manuscritos do medievo, tem sido editada e publicada diversas vezes desde o fim do século XIV. Informações
retiradas do domínio Suda On Line: Bizantine Lexicography. Disponível em: http://www.stoa.org/sol/. Acessado
em 23 de fev. de 2017.
33
Calame (1977, p. 52-53) originalmente cita que “dans le choix de témoignages destinés a enrichir notre
enquete, nous n’avons pris em considération que dans ce premier cas, le terme χοpóς dans son usage archaïque
peut désigner aussi bien les groupes de choreutes que leur activité, c’est-à-dire la danse chorale. Mais a la
sélection des seuls textes utilisant le terme χοpóς dans l’acception mentionnée reviendrait à commettre l’abus
sémiotique que nous avons indique dans notre introduction”.

Na forma não transliterada esse termo apresenta uma letra ômega (ω) no lugar da ômicron (ο), χωρος, o que
34

muda seu significado em relação ao termo χοpóς (transliterado khoros) que utilizamos para designar os coros
musicais.
35
Este conceito será explicitado mais adiante.
29

Calame, essa hipótese encontra embasamento nas representações iconográficas helênicas e na


obra Frugriechische Reigentänze de R. Tölle que trata a origem semântica fundamental de
khoros como derivada diretamente do termo kheír, ou seja, o ato de reger o coro com as mãos
foi o elemento que teria definido sua nomenclatura (CALAME, 1977, p. 53). Podemos
apontar outra possível derivação na palavra khoreia definida por Peter Wilson (2000, p. 1)
como “a prática do canto e dança como um coletivo social” que dava vida para versos de um
poeta através do canto. Tal ideia seria correlacionada com a visão que o ateniense possuía da
pedagogia de uma pólis idealizada, percepção essa que veio a ser cunhada no decorrer do
período clássico.
Uma interessante definição do termo estabelecida por John Winkler (1990, p. 27)
relaciona khoros com a palavra “koureion”, o sacrifício simbolizando a passagem da vida
adulta para garotos de dezesseis anos, sendo presente no contexto dos festivais atenienses no
qual seria encenado o mito de Melanthos36. Segundo Winkler, outras palavras de significado
análogo seriam kouros (jovem) e kourâ (cortar o cabelo), na qual a primeira seria
gradativamente substituída no decorrer do período clássico por ephêboi, efebos, jovens no
período de transição para a idade adulta. Tal definição do termo proposta pelo autor encontra
ligação direta com a hipótese do o coro ser um elemento na formação do cidadão soldado
ateniense, sendo a própria origem etimológica da palavra relacionada com a ideia de
treinamento e de rito de passagem. Sobre essa visão que relaciona o coro musical com a
paideía, Anton Bierl (2009, p. 2) destaca que os khorói dos ditirambos,37 das peças satíricas e
das comédias, realmente possuíam uma tradição ligada com a formação do cidadão desde os
primeiros anos do período arcaico. No entanto, devemos atentar que o autor não empreende
uma defesa total da hipótese de John Winkler que liga o coro musical diretamente à
instituição da efebia e do treinamento hoplítico. Para Bierl interessa mais o aspecto ritualístico
e performático do coro, tópicos que teriam sido negligenciados por estudos acadêmicos

36
O contexto histórico do mito, segundo Winkler, seria relacionado com as disputas de terras e territórios
característicos do período arcaico. Nesse cenário, o mito relata que foi prometido à Melanthos o controle da
Ática caso vencesse o rei da Beócia, Xanthos, em um duelo de um contra um. Ao chegar no local da luta,
Melanthos diz ter visto atrás de Xanthos um homem imberbe vestindo a pele de um bode negro (que muito
provavelmente possui relação com Dioniso). Melanthos então gritou que era injusto Xanthos ter trazido um
segundo homem para a ajudá-lo na batalha que deveria ser de um homem contra homem somente. Após Xanthos
virar de costas, Melanthos o atravessou com uma lança (WINKLER, 1990, p. 26-27).

37
O ditirambo era um gênero musical baseado em hinos de honra a Dioniso, executado através do canto e de um
acompanhamento instrumental. Pierre Grimal (2001, p. 8) define o ditirambo como uma “declamação lírica
apresentada a um público por um coro, com acompanhamento musical, evocando os feitos de Dioniso e de
outros deuses e heróis”.
30

orientados somente para os textos escritos remanescentes das tragédias, comédias e dramas
que o coro recitava.
A ideia do teatro representar um aspecto literário é exposta por Pierre Grimal (2001, p.
27) que desassocia a origem do gênero da tragédia ao âmbito religioso, defendendo que se
trata de uma obra literária “que não se destina a adorar um herói, mas a apresentar uma
situação humana, aumentada pela perspectiva heroica”. Nesse contexto, os textos escritos que
eram cantados pelo coro também são enquadrados dentro da noção de literatura, perspectiva
essa que igualmente é aplicada à poesia épica e lírica, muitas vezes tratadas como gênero
literário simplesmente sem considerar a musicalidade e o canto presente na sua execução.
Desse modo, observamos que a noção grega de khoros não compreendia somente um
aspecto restrito ao texto recitado/cantado pelo coro, ideia que associa o texto das tragédias a
um gênero literário, mas sim representava uma cadeia complexa entre música, canção coral e
dança. Tal amálgama constituiria a ideia de uma Gestalt,38 segundo David M. Wiles (1997, p.
90), no qual nenhum dos três elementos eram vistos de forma isolada ou independente na
comunidade helênica. Nesse contexto, os cantos presentes nos textos teatrais não devem ser
analisados como um gênero literário pura e simplesmente, pois constituem elementos dotados
de uma própria especificidade que envolvem outros elementos além do texto cantado. Em
outras palavras, as partes corais não devem ser lidas como poemas ou textos literários, mas
como significantes próprios de uma forma de arte que se perdeu com os antigos gregos, no
qual melodia, letra e ritmos métricos remetem a um tipo de performance específica de um
contexto histórico. Essa noção de coro musical não encontra equivalente em outras artes de
nossa contemporaneidade como a música, a dança, o teatro moderno ou a literatura. Dessa
forma, devemos reiterar que esta especificidade da performance coral constitui atualmente
uma forma artística perdida, segundo os apontamentos de Anton Bierl (2009) e Gagné e
Hopman (2013), pois a documentação que temos acesso não fornece dados concretos de
aspectos referentes à formação de dança dos khoreutai; ao modo que os cantos se integravam
simultaneamente com a dança; e à integração do coro musical com os atores presentes nas
encenações teatrais.
Sobre a presença dos coros musicais no teatro grego especificamente, podemos
afirmar que as performances eram parte essencial nos gêneros do drama satírico, da tragédia,
e da comédia, no qual cada um deles possuía um tipo especifico de coro (WELLENBACH,

38
Gestalt: conceito derivado da psicologia, consiste na ideia de que os fenômenos seriam totalidades
organizadas, indivisíveis e articuladas, constituindo assim configurações.
31

2015). Como bem expõe Pierre Grimal (2001, p. 9): “o teatro dependia da música, da livre
gesticulação e da dança”, perspectiva que expõe uma noção do teatro helênico como algo
indissociável dos coros musicais, sendo as performances corais elementos inerentes na prática
social do teatro. Sendo assim, se falamos de teatro grego na história grega também estamos
nos referindo de maneira direta ou indireta aos khoros,39 os coros musicais.
É importante citarmos também que a prática da música cantada em união com a dança
e a atuação não era realizada somente de forma coletiva, pois similarmente havia a realização
de performances solo em gêneros como a poesia épica, a poesia mélica40 (lírica) e os hinos
elegíacos (BOWIE, 1986, p. 99-100). Não apenas os coros, mas a música no geral era algo
presente nas atividades cotidianas dos povos helênicos como os banquetes, os cultos aos
deuses, os rituais fúnebres e a formação educacional do cidadão ateniense. Além de sua
importância nestas atividades sociais e culturais, a especialista em Música antiga Annie Bélis
sublinha que a música para o helênico era um dos fatores mais importantes de sua vida
política e institucional, sendo a sua prática um ato cívico vital na participação política do
cidadão na pólis (BÉLIS, 1999, p. 9).

1.3 Sociedade, política e comunidade política

Aparentemente em Atenas pode-se ter a impressão de que não existia uma separação
precisa entre as esferas políticas e sociais devido à existência da democracia direta do período
clássico. Esta premissa que concebe o social e o político na Grécia Antiga como campos
indissociáveis nos leva a questionar sobre qual seria a concepção de sociedade para o homem
grego equivalente ao nosso conceito moderno de sociedade, assim como sua relação com a
esfera política, o espaço de ação da pólis. Usualmente se adota a ideia que a sociedade
ateniense representaria uma “comunidade de cidadãos” ativos politicamente, pois todos
participam diretamente de importantes decisões políticas através do voto, noção que não
estabeleceria limites claros entre a esfera social e a esfera política. Tal perspectiva representa
39
É importante colocarmos aqui que apesar da distinção que existia entre os coros trágicos, ditirâmbicos e
cômicos, estamos considerando a concepção de “coro musical” como uma noção global do coro helênico, ou
seja, considerando a prática do canto e dança em seu elemento social e político independente do gênero sobre o
qual este era executado.
40
A poesia que se convencionou a chamar de lírica era conhecida como mélos no século VI a.C., o que nos leva
a utilizar a denominação poesia mélica. O termo liriké seria utilizado somente no século IV a.C.
32

quase que um lugar comum fora dos círculos acadêmicos especializados, se relacionando com
uma visão idealizada da democracia ateniense como modelo a ser seguido pela democracia
moderna, conforme os pressupostos de nossa perspectiva ocidental.41
No entanto, devemos colocar aqui que a ideia moderna de sociedade concebida como
um conjunto de pessoas a partir de uma visão macro não pode ser aplicada acriticamente de
forma absoluta aos gregos antigos, pois nosso conceito de sociedade não corresponde
necessariamente à concepção que os helenos possuíam do coletivo. Norbert Elias (1994, p.
23) em Sociedade dos Indivíduos define “sociedade” como uma rede de funções
interdependentes atribuídas a indivíduos presentes em um determinado meio.42 Tais funções
sociais, como a de um sacerdote, de um chefe de família ou de um trabalhador rural, seriam
atribuições que um indivíduo exerce para outros indivíduos, construindo assim relações de
interdependência entre as funções individuais. Conforme Elias, “cada pessoa singular está
realmente presa (...) por viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo
nas cadeias que ligam outras pessoas”. Dessa forma, observamos que a noção de sociedade
moderna, segundo os pressupostos de Elias, é intrinsicamente relacionada com a ideia do
indivíduo como um elemento dotado de certa singularidade. Sobre essa relação, Marylin
Strathern (2006, p. 40) coloca que “sociedade e indivíduo constituem um par terminológico
intrigante porque nos convida a imaginar que a sociabilidade é uma questão de coletividade,
que ela é generalizante porque a vida coletiva é de caráter intrinsicamente plural”. A partir
dessa perspectiva a sociedade é vista como algo que conecta os indivíduos entre si, assim
como nas “redes interdependentes” de Norbert Elias. Em suma, pode-se colocar que na

41
Conforme Maria Regina Candido (2016, p.28-30), a produção historiográfica que envolve a temática da
democracia, assim como as comemorações em torno de eventos interligados a ela (como a Revolução Francesa e
o nascimento da democracia em Atenas, por exemplo), evidenciam a construção de um imaginário de que a
democracia ocidental seria a forma de governo ideal a ser seguido. Desse modo, “o grupo social composto por
professores e pesquisadores de História como lugar de fala assenta-se nas instituições de ensino superior
associada aos espaços dos museus como lugar de memória. Como afirma Pierre Nora, a memória é (...) sempre
carregada por grupos e está em permanente transformação, vulnerável a todos os usos e manipulações (...). A
história é a reconstrução sempre problemática de algo que deixou de existir: enquanto a memória está ligada ao
tempo presente (...). As comemorações e produção historiográfica lhe fornecem sentido de continuidade,
pertencimento, identidade e distinção na hierarquia social, ou seja, constrói-se o imaginário social de ser a
democracia a melhor forma de governo”.
42
Um dos questionamentos iniciais de Norbert Elias (1994, p. 13) consiste em pensar “que tipo de formação é
essa, esta ‘sociedade que compomos em conjunto, que não foi pretendida ou planejada por nenhum de nós, nem
tampouco por todos nós juntos? Ela só existe porque existe um grande número de pessoas, só continua a
funcionar porque muitas pessoas, isoladamente, querem e fazem certas coisas, e no entanto sua estrutura e suas
grandes transformações históricas independem, claramente, das intenções de qualquer pessoa em particular”.
Desta maneira, torna-se equivocado pensar a sociedade como uma criação racional e deliberada dirigida por
pessoas individuais, tendo em vista que a constituição do meio social depende de um conjunto de vontades
individuais que não são necessariamente relacionadas, porém possuem uma complementaridade entre si, sendo
interdependentes”.
33

contemporaneidade concebemos a sociedade como uma força ordenadora e unificadora de


pessoas que de outra forma se apresentariam como irredutivelmente singulares.
Segundo os pressupostos presentes na Política de Aristóteles (Aristóteles, Política, v.
1.1252a), a noção de sociedade presente na Hélade se relacionava com o conceito de
comunidade política, tradução aproximada do termo grego koinonía politiké, no qual nossa
concepção de sociedade civil elaborada a partir do Iluminismo confunde-se com a própria
noção da prática política. O termo koinonía muitas vezes é traduzido como associação, cidade
ou sociedade em determinadas publicações,43 tornando-se adequado a utilização do termo
“comunidade política” (koinonía politiké) no lugar de sociedade quando nos referirmos ao
conjunto de cidadãos habitantes em Atenas.44 Adota-se tal terminologia considerando a noção
do cidadão ateniense como um sujeito social e político simultaneamente na comunidade
isonômica, devido à sua participação direta nas votações e assembleias da pólis. Devemos
apontar também que a relação entre o conceito de sociedade e a ideia da koinonía politiké
representa algo a ser discutido e analisado desde que os conceitos não aludem
necessariamente às mesmas concepções de um coletivo de indivíduos, onde a noção da
sociedade civil moderna não se aplicaria às comunidades políticas que formavam uma pólis
em sua plenitude (Arist. Pol. 1.1252b).
A aplicabilidade direta e efetiva dessa ideia moderna de sociedade para os antigos
helenos encontra obstáculos ao observamos a não existência do próprio termo “sociedade” na
Grécia Antiga. Aristóteles na Política não fala de “sociedades”, no sentido moderno do termo,
mas de um conceito aproximado com a ideia de comunidade (koinonía). Conforme nos aponta
Hannah Arendt (2007, p. 32), um dos fatores que contribuíram para a associação entre o
social e o político na Grécia Antiga foi a tradição aristotélica baseada na expressão 45 “o
homem é um animal político” (zóon politikon) que vem desde o filósofo romano Sêneca até

43
Destaco aqui a edição da editora Escala, publicada em 2006, com tradução de Nestor Silveira Chaves que
contém trechos com diferentes traduções para o termo koinonía: “Sabemos que toda cidade (pólis) é um tipo de
associação (koinonía) (...) pois que visa a um bem maior, envolvendo todas as demais: a cidade política
(koinonía politiké)” (Arist. Pol. 1.1252a). “A sociedade (koinonía) constituída por diversos pequenos burgos
forma uma cidade completa (téleios pólis)” (Arist. Pol. 1.1252b).
44
Ainda que nossa proposta consista na substituição do termo “sociedade” por “comunidade”, iremos ao longo
desse trabalho nos utilizar dos termos “social” e “sociedade” como uma convenção, tendo em vista que o
conceito de sociedade se encontra na maior parte dos trabalhos acadêmicos como algo comum para denominar
um coletivo de indivíduos.
45
Segue a citação que Aristóteles faz ao “homem como animal político”, zóon politikon, na Política (Arist. Pol.
1.1253a): “Estas considerações deixam claro que a pólis é uma criação natural, e o homem é por natureza um
animal político (zóon politikon), e um homem que por natureza e não por mero acidente, não fizesse parte de
pólis alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade”.
34

Tomás de Aquino, que consagrou a tradução “homo est naturaliter politicus, id est, socialis”.
A tradução latina do “político” como “social”,46 segundo Hannah Arendt, representaria um
erro de interpretação da expressão original presente em Aristóteles, pois a definição do zóon
politikon não era “apenas alheia e oposta à associação natural da vida do lar”, pois era
associada à noção do homem como um ser dotado do uso da palavra (lógos) e da capacidade
da contemplação. A partir destas definições, todos aqueles que viviam fora da pólis¸ e
consequentemente fora do modo de vida político, bárbaros e escravos, “eram aneu logou,
destituídos (...) não da faculdade de falar, mas de um modo de vida no qual o discurso e
somente o discurso tinha sentido” (ARENDT, 2007, p. 36). Sendo assim, a perspectiva do
zóon politikon do homem refere-se à vida política, a vida na pólis, na qual a tomada das
decisões e as relações entre os cidadãos da comunidade eram realizadas a partir do lógos, do
discurso e da palavra. Atribuir a perspectiva de “sociedade” dentro desse contexto da vida na
pólis é algo que pode ser relacionado com o erro de interpretação da tradução latina de
“político” como “social” que pressupõem as relações políticas presentes na comunidade
política como “relações sociais”. Considerando estes pressupostos, podemos afirmar que o
zóon politikon citado por Aristóteles representa uma esfera isolada da concepção moderna de
“social”.
O equacionamento entre as esferas políticas e sociais presente na tradição latina foi
adaptada ao pensamento cristão por Tomás de Aquino, segundo nos aponta Hannah Arendt,
de modo que a confusão decorrente entre os dois campos se agravou na concepção moderna
da sociedade, assim como em seu uso nas Ciências Humanas (ARENDT, 2007, p. 37). Dessa
forma, para entendermos como funcionava a organização das comunidades políticas gregas se
torna necessário considerar que o pensamento grego se divide entre os espaços público e
privado,47 elementos diametralmente opostos no qual o privado é concebido naturalmente
como um centro constituído pelo espaço doméstico (óikos). Em contraposição, o espaço
público (koinon) se refere ao espaço em que se pratica a política, como por exemplo, o espaço
da ágora onde se discute e votam-se as leis.48 Podemos considerar também como um espaço

46
Nesse caso, é significativo observarmos como a palavra social tem origem romana, no latim, sem qualquer
equivalente presente na língua grega (ARENDT, 2007, p. 32-33).

47
De modo geral, segundo tais colocações podemos dividir então a concepção grega do homem (anthropos)
como zóon politikon entre o privado (idion) que é inerente ao proprietário, o senhor do óikos; e o público
(koinon), comum a todos os integrantes da comunidade política (ARENDT, 2007, p. 33).
48
Segundo Hannah Arendt (2007, p. 32) a relação entre a ação política do espaço público e a vida comum do
privado encontra relação com a tradição do zóon politikon (“o homem é um animal político”) de Aristóteles que
35

público o teatro grego onde realizam-se as performances corais, no qual os cidadãos e não-
cidadãos interagem na mediação entre o público/espectadores e os cantores/atores.49 A esfera
da pólis como um todo corresponderia à liberdade do cidadão inserido no espaço público,
conquistada após a vitória sobre as necessidades materiais da vida em família, o que constituía
a condição natural para se alcançar a liberdade plena na pólis (ARENDT, 2007, p. 40). Dessa
forma, um homem que baseia sua vida em exclusivamente satisfazer as necessidades naturais
inerentes à vida, como a alimentação ou a habitação, não constituiria um anthropos (homem)
em sua plenitude como um zóon politikon. O homem para ser verdadeiramente livre não
poderia estar sujeito ao comando de outro, o que logicamente exclui os escravos da
comunidade dos atenienses. A liberdade50 então situava-se exclusivamente dentro da esfera
política, na vida pública, sendo a necessidade individual um fenômeno pré-político
característico do espaço privado, onde a força e a violência seriam justificados como os
únicos meios de se vencer a necessidade.
O poder pré-político descrito por Hannah Arendt (2007, p. 41) representa o poder no
qual “o chefe da família reinava sobre a família e seus escravos, e que era tido como
necessário” e natural à esfera privada da vida ateniense. Outro exemplo de poder pré-político
estaria na organização política despótica dos povos considerados bárbaros pelos gregos, como
os persas e seu império. Na concepção grega, um sistema de poder despótico se assemelharia
ao poder situado na esfera privada grega, local onde não havia a liberdade efetiva presente nos
espaços públicos. Nesse contexto, o chefe da casa (óikos) enquanto detentor do estatuto de
cidadão era considerado o único indivíduo livre da família, pois o exercício da política na
comunidade dos iguais (isoi) representava a liberdade efetiva para o homem ateniense.51 É

se encontra presente desde Sêneca até Tomás de Aquino traduzido como “animal socialis” (homo est naturaliter
politicus, id est, socialis).
49
Claude Calame (2013, p. 35) afirma que ocorria uma mediação social onde os membros do coro funcionam
como intermediários entre o espaço onde ocorre a ação dramatizada e a audiência que assiste à performance,
onde a realidade história, social e política dos artistas é a mesma do público.
50
Hannah Arendt (2007, p. 40) coloca que “essa liberdade é a condição essencial do que o grego chamava de
eudaimonia, ‘ventura’ – estado objetivo dependente, em primeiro lugar, da riqueza e da saúde. Ser pobre ou ter
má saúde significava estar sujeito à necessidade, e ser um escravo significava estar sujeito, também, à violência
praticada pelo homem. Esta dupla ‘infelicidade’ da escravidão é inteiramente independente do bem-estar real e
subjetivo do escravo. Assim, um homem livre e pobre preferia a insegurança de um mercado de trabalho regular
e garantido; este último, por lhe restringir a liberdade de fazer o que desejasse a cada dia, já era considerado
servidão (douleia), e até mesmo o trabalho árduo e penoso era preferível à vida tranquila de que gozavam muitos
escravos domésticos”.
51
Devemos apontar que o estado do não-cidadão grego, no qual este não era considerado livre, não possui
relação com o “estado natural” oriundo do pensamento político do século XVII. Tal noção define o homem
como um ser inerentemente violento e caótico que só poderia ser controlado por um governo forte detentor do
monopólio do poder e da violência. Nesse contexto, o Estado Moderno funcionaria como um meio de controlar o
36

importante colocarmos que tal noção de liberdade pouco tem a ver com nossa concepção
moderna de igualdade e democracia, pois na pólis grega para haver a comunidade dos
“iguais”, os cidadãos plenos e livres, era necessária a existência de uma massa de “desiguais”
não possuidores do estatuto da cidadania, ou seja, habitantes da pólis como as mulheres, os
metecos e os escravos. Tais pessoas não eram consideradas livres porque não exerciam o
poder político na esfera pública da pólis, ou seja, não correspondiam à noção do zóon
politikon do “homem como um animal político”.
A política no espaço público como uma prática que não se relaciona ao poder pré-
político se relaciona com o termo grego arché, simbolizando o livre pensamento de uma vida
virtuosa comum a todos os cidadãos livres, no qual todos ocupam o espaço público como
iguais. Francis Wolff (1999, p. 7) define política como sendo um conjunto de práticas às quais
os homens se dedicam para coexistir, no qual o domínio da política corresponde ao terreno da
pólis52. Segundo o autor (WOLFF, 1999, p. 10), “para os gregos, toda a esfera da vida pública
é, num certo sentido, política, e a esfera privada é muito mais estreita do que para nós: nem a
‘moral’, nem a religião, nem a educação (...) estão fora do campo da política”. Nesse
contexto, reiteramos que a base do pensamento político grego pode ser dividida entre o espaço
público e o espaço privado, no qual aspectos relacionados com nosso conceito moderno de
economia, por exemplo, podem ser localizados dentro da esfera privada como evidencia a
própria etimologia da palavra “economia” (oikonomia), derivada de óikos. Sendo assim,
observamos que a partir do entendimento da divisão entre o público e o privado na
comunidade ateniense existe a possibilidade de se trabalhar com noções modernas de
pensamento na área da História Antiga, como o social, o religioso, o cultural, o econômico,
entre outros campos. Ainda que nosso conceito moderno de sociedade seja algo estranho ao
homem grego (e em certa medida anacrônico), podemos trabalhar aspectos relacionados com
o social a partir da divisão entre as esferas pública e privada, sempre concebendo o conjunto
de cidadãos ateniense como uma comunidade política, no lugar de sociedade.

estado da natureza dos homens, abolindo os conflitos locais através do domínio e da submissão (ARENDT,
2007, p. 41).

52
Na historiografia, segundo as colocações de Fábio Morales, podemos encontrar diversos modelos de pólis
ateniense elaborados por autores do século XIX e XX com diferentes perspectivas e conceitos, cada um deles
refletindo o próprio contexto social e político do qual essa historiografia foi produzida. Morales busca enumerar
seis modelos de pólis: a cidade religiosa de F. de Coulanges e F. de Polignac; a cidade consumidora estamental
de M. Finley e M. Weber; a cidade moderna de E. Meyer e E. Cohen; a cidade de classes de S. Utchenko e E.
Wood; a cidade institucional de G. Glotz e M. Hansen; e a cidade filosófico-existencial de J. P. Vernant
(MORALES, 2009, pp. 31-32).
37

O público e o privado no pensamento grego eram concebidos respectivamente em duas


ordens de existência: o koinon53 (o que é comum a todos) e o idion (o que é próprio a somente
uma pessoa), o que constitui um arranjo distinto das antigas unidades organizadas à base do
parentesco. Wolff (1999, p. 11) afirma que o “fazer política” é a materialização da vida
comum, do koinon, no qual a política significa a atividade nobre por excelência, desprezando
assim aqueles que se dedicam a outros ofícios como o comércio e o trabalho braçal, associado
com a noção de tékhne. É interessante observarmos que os negócios realizados no comércio
podem ser entendidos como referentes à esfera da vida privada, no espaço do óikos. Para se
alcançar a vida comum (koinon) no espaço da pólis o cidadão precisa renunciar ao óikos como
espaço comunitário primordial, ou seja, não se utilizar do poder pré-político que este possui
dentro da esfera privada. A partir desta perspectiva, as atividades realizadas no espaço público
devem ser partilhadas, não sendo privilégio exclusivo de ninguém por pertencerem ao koinon,
o comum. Uma dessas atividades eram as performances corais situadas no contexto do teatro
grego, na qual a atividade de assistir ao espetáculo deveria ser acessível e comum a todos,
além da participação nos coros musicais representar um dever cívico dos possuidores do
estatuto de cidadão.
Os coros musicais como elementos presentes na vida pública representariam uma
atividade coletiva que incentivaria a participação de atenienses aristoi e cidadãos comuns em
um mesmo espaço cívico (PRITCHARD, 2004, 209), onde eram encorajados pela pólis
ateniense a criarem um sentimento de comunidade política, de koinonía politiké. Neste caso,
na perspectiva relacional entre o cidadão e a pólis havia em funcionamento um imperativo de
cooperação, de unidade, de purgação das diferenças, de modo a fundar um espaço político
isonômico (ANDRADE, 2002, p. 12) de competição agonística nos grandes festivais cívicos
entre os homens livres “iguais” da comunidade.

1.4 O contexto político e social do final do período arcaico

A partir das décadas finais do século VI a.C., observamos que acontecimentos como o
fim da tirania e as reformas territoriais de Clístenes teriam contribuído para a construção de

53
Segundo Francis Wolff (1999, p. 10-11) o koinon, “abarca todas as atividades e práticas que devem ser
partilhadas, isto é, que não devem ser o privilégio exclusivo de ninguém (...) Assim, “fazer política”, isto é,
participar da vida comum, não é, na época clássica uma atividade entre outras possíveis: é a atividade nobre por
excelência, a única que vale o sacrifício da sua vida”.
38

condições que resultariam na consolidação do regime democrático em Atenas ao longo do


quinto século, marcado por eventos como a vitória na Guerras Greco-Pérsicas e a atuação de
Péricles Alcmeônidas na política ateniense. A implementação da democracia em Atenas não
representou um marco específico e definido, sendo um processo desenvolvido a partir da
isonomia instaurada a partir de Clístenes no final do século VI. Dessa forma, entendemos os
eventos políticos ocorridos nesse período como partes do processo de instauração da
isonomia que demarcaria o fim da tirania dos Pisistrátidas.54 Para entendermos tal processo,
devemos identificar os principais acontecimentos políticos do sexto século.
Primeiramente, podemos estabelecer a divisão da comunidade ateniense em quatro
classes censitárias como uma das principais medidas oriundas das reformas de Sólon em 594-
590 a.C. e, consequentemente, um dos acontecimentos mais relevantes que marcaram o
contexto político e social de Atenas no decorrer do período arcaico. Segundo Claude Mossé
(1999, p. 24), entre os estratos mais elevados das classes censitárias situavam-se os segmentos
dos pentakosiomedimnoi (ricos proprietários) e hippeis (cavaleiros), compostos pelos
indivíduos mais abastados financeiramente da pólis que correspondiam aos setores
aristocráticos tradicionais ligados à atividade fundiária, ou seja, constituído em sua maioria
por grandes proprietários de terra. Abaixo desses dois segmentos, situa-se a terceira classe dos
Zeugitai que era formada por camponeses de médios rendimentos que possuíam recursos
suficientes para adquirir o equipamento militar necessário para se integrar à falange hoplita: a
lança, o escudo e a armadura (panóplia). A quarta classe censitária dos Thetai reunia os
cidadãos de poucos recursos não possuidores de terra que tinham rendimento inferiores às
duzentas medidas de grãos, sendo o estrato social referente aos cidadãos menos abastados da
pólis ateniense.55 Essa estrutura das classes censitárias manteve-se durante toda a extensão do
sexto século, assim como a estrutura de leis estabelecidas por Sólon, no qual a principal
medida estabelecida foi o fim da escravidão por dívida (Seisachtheia) imposta aos
camponeses pelas oligarquia.

54
Os Pisistrátidas eram ricos proprietários de terra que possuíam domínios da costa do Santuário de Bauron
norte até a planície de Maratona (STUTTARD, 2014, p. 29).
55
Sobre os termos referentes às quatro classes censitárias Raphael Sealey (1976, p. 119) no aponta que o termo
pentakosiomedimnoi (“homens das quinhentas medidas”) faz referência à quantidade mínima de grãos
produzidos por membros dessa classe. Hippeis significa “cavaleiros”, no qual um dos pré-requisitos necessários
era ter a condição de manter um cavalo, e Zeugitai significa homens que utilizam um arado de bois, fazendo
referência ao trabalho rural. Sealey nos aponta que a etimologia dos Thetai nos é obscura, apontando que nos
poemas homéricos o termo refere-se aos trabalhadores contratados.
39

Conforme nos aponta Carolyn Fonseca (2016, p. 93), as reformas de Sólon


proporcionaram bases econômicas para a futura implementação da isonomia, pois teriam
limitado o poder da oligarquia através de medidas como a introdução de taxas para cobrir
necessidades de emergências e da transferência das despesas militares (naukratias) para os
cidadãos mais ricos da comunidade. A permanência das leis instituídas em Sólon se encontra
presente nos apontamentos de Heródoto (Hdt. 1.59) que estabelecem Pisístrato como um
governante que não alterou as leis anteriores e nem substituiu as posições de honra da
aristocracia pré-existentes à sua tirania, governando de acordo com os princípios
estabelecidos em Sólon (SEALEY, 1976, p. 135). O relato de Heródoto expõe que Pisístrato
(Ibidem) “levantou-se sobre Atenas sem alterar as posições de honra ou mudar as leis, mas
governando a pólis de acordo com sua constituição já estabelecida, governando bem e com
distinção”. Aristóteles igualmente atribui um valor positivo à tirania de Pisístrato na
Constituição de Atenas56 colocando que “a administração do governo de Pisístrato era, como
dizem, moderada e mais constitucional do que tirânica. Ele foi humanitário e moderado em
diversos aspectos” (Arist. [Athenaíon Politeía] 16.2).
Tal passagem nos mostra que durante a tirania dos Pisistrátidas não teria ocorrido
mudanças na legislação de Sólon, a qual se caracterizava por estabelecer em Atenas um poder
dominante não-despótico, pois uma das medidas da constituição definia que a eleição dos
cargos deveria ser realizada57 entre os candidatos selecionados de cada uma das tribos através
do sorteio (Arist. [Ath. Pol.] 8.1). A criação do Conselho dos Quatrocentos,58 referenciada por
Aristóteles, também nos indica que a legislação de Sólon buscava reduzir as tensões sociais
existentes em Atenas através da redistribuição e criação de funções e magistraturas, visando

56
Aristóteles realiza a mesma afirmação em outro trecho da Constituição de Atenas ao descrever um dos
retornos de Pisístrato ao poder após um exílio: “As exportações de Sólon nessa época não tiveram efeito e
Pisístrato havendo tomado o poder, procedeu a tratar dos negócios públicos de uma maneira mais constitucional
do que tirânica” (Arist. [Ath. Pol.] 14.3).
57
A passagem completa de Aristóteles nos expõe que: “para os cargos públicos, ele (Sólon) institui o sorteio
entre candidatos selecionados pelas tribos através de um voto preliminar. Para os nove arcontes, cada tribo
realizava uma seleção preliminar de dez, e a escolha era efetivada através do sorteio. Desde então, ainda
sobrevive nas tribos o sistema onde cada uma elege dez candidatos por sorteio” (Arist. [Ath. Pol.] 8.1). Desse
modo, nove arcontes eram definidos a partir de quarenta escolhidos pelo voto de cada uma das quatro tribos,
sendo dez para cada uma.
58
Sobre as atribuições e funções exatas do Conselho dos Quatrocentos de Sólon, Raphael Sealey (1976, p. 120-
121) nos aponta que as evidências textuais não nos apontam dados conclusivos sobre a sua exata natureza. Nem
Aristóteles na Constituição de Atenas, nem Plutarco na biografia de Sólon em Vidas Paralelas mencionam
aspectos específicos do Conselho como os motivos da criação do Conselho ou o tempo de permanência dos
membros participantes. Segundo Sealey, não existem referências de atividades do Conselho até o período das
reformas de Clístenes.
40

minimizar a concentração de poder das oligarquias. Dessa forma, podemos colocar que a
estrutura política de Sólon possuía características relacionadas a uma noção de poder político
que forneceu as bases de formação de um pensamento associado à isonomia, pois medidas
como a divisão das classes censitárias e a eleição por sorteio para os arcontes ilustrariam
tentativas de suplantar o poder pré-político oriundo das aristocracias tradicionais de Atenas.
Atribuir a noção do poder pré-político à tirania de forma absoluta pode nos levar a
equívocos e anacronismos, desde que a documentação antiga não ilustra Pisístrato na
qualidade de déspota, o descrevendo como um tirano que governou respeitando a constituição
acima de tudo, o que define a tirania grega como algo peculiar e distinto de nosso conceito de
tirania moderna.59 Sobre tais suposições, Ana Iriarte (2014, p. 157) afirma não existir na
documentação antiga uma descrição precisa de como Pisístrato aliou o seu poder centralizado
de tirano com as instituições políticas herdadas de Sólon. Dessa forma, torna-se necessário
compreender o contexto político e social de Atenas durante os anos finais do século VI a.C.
como um cenário de transição política e social oriundo dos anos finais da tirania dos
Pisistrátidas,60 caracterizando assim a existência de um processo. Segundo a perspectiva de
Iriarte (2014, p. 166-167) era intenção dos tiranos realizar uma exaltação da pólis através das
políticas de incentivo cultural como forma de extensão de seu poder político contra o poder
nobiliárquico tradicional, no qual o financiamento de festivais como as Dionisíacas
funcionava como uma forma de promover a participação geral da população com o objetivo
de conquistar seu apoio. Tal medida funcionava objetivava a construção da imagem do tirano
como o “defensor do démos” que agia contra os grupos aristocráticos rivais, buscando assim
consolidar e legitimar seu governo a partir do apoio da população de poucos recursos,
principalmente aqueles ligados às áreas rurais61 de Atenas. Além disso, os tiranos

59
Para maiores informações a respeito ver ANDREWES, A. The Greek Tyrants. London: Hutchinson's
University Library, 1956.
60
José Roberto de Paiva Gomes (2015, p. 14) estabelece a datação entre 560/10 destacando como seus principais
marcos espaciais a participação de Pisístrato ao lado de Sólon como estratego na batalha de Salamina contra a
pólis de Mégara (560) e a saída de Hippias de Atenas e seu exílio na corte oriental em 510. O período da tirania
dos Pisistrátidas divide-se então entre as atuações políticas de Pisístrato de 560 a 527 e seus filhos em 527 e 510.
É importante colocarmos que durante o período da tirania houveram duas interrupções: a primeira teria ocorrido
quando Licurgo e Megácles uniram forças para retirar Pisístrato, o exilando em aproximadamente 556-5
(STUTTARD, 2014, p. 30-31), e a segunda após o casamento fracassado com a filha de Megácles (Hdt. 1.61), no
qual Pisístrato buscou alianças fora de Atenas com o objetivo de retornar ao poder.
61
Conforme nos aponta José Roberto de Paiva Gomes (2015, p. 26) houve efetivamente a incorporação ao
núcleo urbano da pólis de um excedente do démos rural, de grupos emergentes que começaram a investir em
atividades comerciais e mercantis. Sendo assim, “novas temáticas urbanas aparecem em contraste ao mundo
mítico ou rural pertencente ao universo da elite tradicional. Os simpósios e os festivais religiosos surgem como
temas centrais, simbolizando essa nova elite emergente retratada em temas musicais, religiosos ou em cenas que
representavam a vida urbana” (GOMES, 2015, p. 62).
41

empreenderam reformas na pólis com o objetivo de redefinir o centro urbano baseando-se em


ordenações territoriais que eram basicamente disputas de poder político entre as famílias
aristocráticas através do espaço e da arquitetura.62 Ana Iriarte (IRIARTE, 2014, p. 164-165)
deixa transparecer que durante as quatro décadas da tirania dos Pisistrátidas ocorreu uma
expansão econômica a partir do comércio (evidenciado pela exportação da cerâmica) que
possibilitou o empreendimento de uma colossal reforma urbanística em Atenas, bem como a
ampliação de um considerável movimento cultural. Nesse caso, “os Pisistrátidas atraíram para
Atenas filósofos, poetas e artistas, financiaram a arquitetura e a construção de monumentos
faraônicos, impulsionando assim projetos urbanísticos descomunais” (IRIARTE, 2014, p.
158).
É interessante notarmos que posteriormente, após o fim da tirania, Clístenes teria
julgado oportuno reconfigurar o espaço urbano da pólis visando desassociar as construções do
regime político dos Pisistrátidas durante o processo das reformas territoriais.63 Tais alterações
realizadas no espaço físico da pólis demonstram a existência de disputas de poder político
entre diferentes grupos e facções políticas dentro da própria lógica das construções
arquitetônicas de Atenas. Sendo assim, podemos dividir estas facções políticas do sexto
século entre as três famílias aristocráticas mais poderosas da região, cada uma relacionada
com um respectivo território que dava nome à sua denominação política64 de caráter

62
Nesse contexto da reforma urbanística realizada durante a tirania, é importante destacarmos que além do claro
objetivo de desenvolver a pólis também existia um claro caráter propagandístico a partir dessa iniciativa. A
implementação de tal política destacaria uma parte essencial da demagogia do tirano que encanta as massas
através do esplendor das grandes obras arquitetônicas e da imagem de governante justo protetor do povo
(IRIARTE, 2014, p. 158). Ademais, igualmente se insere nesse contexto político o financiamento de festivais
públicos que representavam uma atividade difusora e propagandística não somente da figura individualizada do
tirano, mas de todo um modo de vida ateniense idealizado para a região da Ática (GOMES, 2015, p. 22).
63
Sobre as alterações realizadas por Clístenes, Iriarte (2014, p. 168) cita que teriam sido mantidas certas
construções dos Pisistrátidas durante as reformas, sendo suas funções originais modificadas em prol do novo
regime isonômico recém-instaurado. Alguns exemplos: “el espacio comunitário del agora se le devolviera el
sector que los tiranos habían privatizado para construirse um impressionante palacio y su proprio cemiterio
familiar, mientras desplazaban la necrópolis de la ciudad, el Cerámico, al exterior de la muralla. Igualmente
significativo, el hecho que um edifício mayor que el palacio de los Pisistrátidas fuera construído para albergar
auna de las instituciones creadas por Clístenes: el Consejo de los 500. Ineresante también el que, por esa misma
época, se habilitara um pequeño pórtico em la entrada noroeste del ágora para exponer ante la ciudadanía el
Código de Sólon”.
64
Raphael Sealey (1976, p. 123) expõe uma divergência dos nomes das três facções políticas na documentação
textual: ainda que Aristóteles se baseie largamente na descrição de Heródoto dos partidos do litoral e da planície
(Aristóteles escreve hoi paralioi para hoi paraloi e hoi pediakoi para hoi ek tou pediou), existe uma
diferenciação na referência à facção da montanha. Nesse caso específico, Aristóteles chama a facção de “homens
da montanha” (hoi diakroi) enquanto Heródoto os chama de “homens que habitam além da montanha”. Segundo
Sealey, o testemunho de Heródoto seria mais preciso, pois o relato oral pelo qual teria se baseado não sofreu
alterações posteriores de outros historiadores (atthidographos).
42

regional:65 os Alcmeônidas do litoral, a Paralia; os Pisistrátidas da montanha, a Diakria66; e


os Boutadai da planície, o Pedion (LEWIS, 1963, p. 22-24). Segundo Raphael Sealey (1976,
p. 125-126), nas primeiras décadas do século VI as disputas por poder ocorriam em grande
parte por conta de rivalidades pessoais existentes entre os chefes destas grandes famílias.
Posteriormente, Pisístrato teria exacerbado os conflitos ao introduzir um elemento
“regionalista” nas tensões políticas, o que seria expresso no caráter de divisão territorial entre
as três facções. De acordo com Aristóteles ([Ath. Pol.] 13.4), as orientações políticas das
facções seriam claramente distintas: os pertencentes à Paralia desejavam uma constituição de
caráter moderado (oiper edókoun málista diókein tèn méson politeían); os homens do Pedion
desejavam a oligarquia; e os da Diakria, encabeçados por Pisístrato, seriam os mais inclinados
a um governo de caráter mais igualitário (éph he tetagménos hen Peisístratos, demotikótatos
einai dokõn).
A associação da tirania com ideais igualitários se relaciona com a perspectiva
historiográfica da tirania ter representado um período de transição imprescindível para o
estabelecimento da democracia, perspectiva esta citada por Camila Condilo (2010, p. 35). Um
dos argumentos dessa concepção defende que haveria um processo de deterioração da
organização aristocrática através da substituição das religiões heroicas de caráter local
(ligadas aos cultos de antepassados) por uma religião políade identificada com os deuses da
cidade. Nesse contexto, a religião cívica torna-se um elemento promovido pelo grande
incentivo concedido pelos tiranos na organização dos festivais principalmente, tornando-se
um fator importante no culto e na manutenção de um sentimento cívico entre os cidadãos,
visando assim enfraquecer as antigas práticas de culto das grandes famílias (génos) com o
objetivo de minimizar a influência dos grupos aristocráticos rivais ao tirano (CONDILO,
2010, p. 49). Tal medida se relaciona com a expulsão de núcleos opositores das famílias
rivais, como os Alcmeônidas, por exemplo (GOMES, 2015, p. 26). Desse modo, ainda que as
políticas públicas dos tiranos tivessem como principal objetivo a concentração e consolidação

65
Segundo David M. Lewis (1963, p. 23), além dos Alcmeônidas, mais duas famílias podem ser associadas com
o território da Paralia: a família de Kerykes, chefiada por Kallias filho de Phainippos; e a família do qual veio
Aristides que viria a ser um hetairos de Clístenes. Ademais, os Alcmeônidas estavam localizados em três demos
localizadas no sul e sudeste da pólis: Alopeke, Agryle e Xypete. Em relação à facção dos Pisistrátidas, essa
também possuía o nome alternativo de Hyperakrioi que seria um termo mais abrangente do que
Diakrioi/Diakria, pois compreenderia a planície leste conhecida como Mesogeia. Por fim, a família da facção da
planície (pedion) é associada ao seu líder Licurgo, cujo sobrenome provavelmente é o mesmo da demo de
Boutadai, no lado oeste da pólis. Posteriormente, no quarto século a família (génos) se renomeou como
Eteobutadai, que Jonathan Hall (2007, p. 213) traduz como “os verdadeiros Boutadai”.
43

de seu poder político, podemos colocar que estas promoviam certa inserção da população
comum (démos) nas atividades cívicas da pólis, o que pode explicar “o caráter mais
igualitário” do governo da tirania citado por Aristóteles.
J. Ferro Piqué (1998, pp. 208-210) nos aponta que a partir da tirania os grandes
festivais públicos tornaram-se parte das atividades cívicas anuais67 na pólis arcaica,
associando as performances ao espaço urbano e à figura política do tirano de Atenas. Segundo
o autor, as procissões, hinos e danças de caráter festivo das Panateneias e Dionisíacas teriam
prefigurado formas que o teatro grego e o coro musical nas tragédias assumiriam
posteriormente. Ana Iriarte (2014, p. 171) afirma que ainda que estejamos acostumados a
considerar o teatro como uma das gêneses da democracia ateniense, as raízes de sua fundação
já estariam presentes nas políticas dos governos tirânicos, complementando a perspectiva de
Piqué. Além das políticas de financiamento, Raphael Sealey (1976, p. 138) expõe que as já
citadas obras empreendidas pelos tiranos nos prédios públicos, assim como o alargamento do
festival Panatenaico, ilustrariam características de um governo duradouro e dotado de
estabilidade. Nessa perspectiva, ainda que as propostas de Pisístrato e seus filhos tenham
assegurado o poder político e o prestigio da família, seus métodos teriam se destinado para
reforçar um senso de unidade entre os habitantes da pólis antes da implementação da
isonomia, o que se adequa à visão historiográfica citada por Condilo (2010, p. 52-54) que
considera a tirania como parte de um período de transição para a democracia.
Sobre o financiamento do coro e dos grandes festivais, Peter Wilson (2000, p. 13)
questiona se a origem precisa da instituição da khoregia68 se deu a partir das reformas de
Clístenes ou a partir das políticas de financiamento dos tiranos. Segundo o autor, não existem
evidências de um sistema de financiamento estruturado e centralizado nas instituições
políticas na Atenas do sexto século. Nesse caso, Wilson considera especificamente as
Dionisíacas urbanas como sendo um provável local de origem do financiamento público das
festividades e da promoção de uma “cultura coral” na pólis através da honra de se participar
desses grandes eventos. Um dos aspectos mais importantes dessa cultura eram as competições
corais realizadas nos grandes festivais, no qual a competição dos coros musicais das

67
Além dos festivais públicos, Brian Lavelle (1983, p.8) coloca que as competições também representavam uma
forma dos tiranos exibirem sua fortuna e prestígio frente aos visitantes de outras pólis da Hélade. Entre as
competições a mais destacada entre a elite aristocrática era a corrida de bigas de quatro cavalos.
68
Khoregia pode ser definida como sendo, em linhas gerais, uma instituição pública na qual um cidadão rico se
encarregava de arcar com os custos gerais de um coro específico para competir nos grandes festivais. Os
cidadãos que financiavam o coro eram chamados de khoregoi, sendo um símbolo de status e prestígio entre a
sociedade o ato de um cidadão ter financiado um coro vencedor.
44

Dionisíacas urbanas constituía uma de suas principais expressões. Cada uma das dez tribos
(phylai) divididas por Clístenes possuía seus próprios coros destinados para a competição
coral, divididos entre o coro de jovens e adultos de cinquenta integrantes cada (GAGNÉ,
2013, p. 26), sendo cem khoreutai para cada uma das phylai, totalizando assim mil khoreutai
(100x10) participando das Dionisíacas urbanas. No entanto, considerando a análise de David
Whitehead sobre as démoi na Ática, podemos observar que a distribuição das démoi entre as
tribos não era totalmente regular,69 ainda que o número definitivo das tribos (phylai) sejam
dez, o que nos abre a possibilidade de supor que o número de cinquenta jovens e adultos para
cada tribo não fossem colocados em termos absolutos, mas sim que fossem somente uma
aproximação do real número total de participantes dos coros musicais das Dionisíacas
urbanas.
A medida de integrar os cidadãos de uma mesmo tribo em um coro musical, no qual
todos participariam do treinamento que antecede a competição, serviria como uma forma de
criar solidariedade entre os cidadãos através do ágon cooperativo, conforme expõe D. M.
Pritchard (2004, p. 211). O termo grego ágon pode ser definido basicamente como sendo algo
relacionado à “contenda”, competição, luta, torneio ou qualquer tipo de disputa, podendo se
estender para os festivais cívicos, os jogos olímpicos ou a guerra (DUARTE, 2013, p. 116).
Desse modo, a polissemia do termo ágon pode se referir tanto a competição cooperativa, no
qual todo os indivíduos trabalham coletivamente em equipes com o objetivo de se alcançar a
vitória comum, quanto a competição guerreira baseada na violência e no triunfo do mais forte.
Em relação ao ágon presente no contexto dos certames musicais,70 Annie Bélis (1999,
p. 125-126) se utiliza da expressão espírito agonístico71 em sua obra Les Musiciens dans
l’Antiquité, cujo objeto de estudo consiste nos músicos da Antiguidade. O espírito agonístico
seria um aspecto fundamental tanto da vida musical do cotidiano como da cultura geral de
todas as sociedades helênicas que designa o sentimento de um cidadão “entrar em uma
competição entre seus iguais” para provar-se melhor do que eles. Dessa forma, o ateniense

69
As colocações de David Whitehead sobre a proporção do número de démoi situadas nas tribos serão expostas
mais adiante.
70
Um dado interessante a respeito da especificidade dos concursos musicais antigos em comparação com nossa
contemporaneidade é que a noção de vitória entre ambos apresenta ideais diametralmente opostos. Nos
concursos musicais de atualmente, os jovens músicos virtuosos que alcançam a vitória a utilizam como uma
“vitrine” para a exibição de seus talentos com o objetivo de alcançar notoriedade, dificilmente voltando a
competir uma vez que alcançam a fama. Essa forma de encarar a vitória não existia nos concursos musicais na
Antiguidade, pois estes eram análogos às competições esportivas, o que fazia com que um músico consagrado
devesse competir todos os anos assim como um atleta nos jogos olímpicos (BÉLIS, 1999, p. 123-124).
71
Traduzido do termo original L’esprit agonistique.
45

não agia somente com o desejo de demonstrar seu talento e competência dentro de sua
especialidade, mas também possuía a ambição de se reconhecer como o primeiro entre seus
iguais, o melhor de todos.
A competição entre os coros musicais nos festivais cívicos de Atenas teria sido
introduzida nas reformas territoriais de Clístenes, sendo um fato análogo à criação do
conselho dos 500 (boulé) e à formação e especialização da falange dos hoplitas (WILSON,
2000, p. 13). Tais fatores teriam propagado um efetivo sentimento de integração de cidadãos,
possuindo o objetivo de trazer às diferentes classes censitárias da sociedade ateniense uma
ideia de cidadania comum, fortalecida pela integração na formação militar que irá definir um
cidadão camponês soldado, figura que seria associada à classe censitária dos zeugitai
(DUARTE, 2013, p. 65-71). Os coros musicais se tornam vitais nesse contexto porque
serviriam como uma forma de encorajar jovens e homens de diferentes facções aristocráticas a
se integrarem aos novos arranjos políticos de Clístenes, ou seja, o embate e a disputa violenta
do combate aristocrático passariam gradualmente para o ágon dos festivais públicos, ou seja,
através do trabalho cooperativo nas competições corais. Essas disputas ajudaram a legitimar a
nova organização territorial de Clístenes assegurando uma proteção “divina” de Dioniso, deus
relacionado à música e a dança. Dessa forma, um de nossos questionamentos consiste em
entender como o ágon das famílias aristocráticas do período arcaico, ideia relacionada com a
noção da aristocracia guerreira, passou progressivamente para o contexto das disputas dos
“belos e melhores” (kaloi kai agathoi) nas competições dos coros musicais nos festivais
cívicos. É importante também considerarmos a possibilidade do ágon/embate do período
arcaico ter coexistido com o espírito agonístico dos certames presentes no contexto do teatro
(nas competições trágicas) e das disputas atléticas do período clássico, o que invalidaria a
ideia de que o ágon competitivo tivesse se transfigurado de forma direta e absoluta para o
ágon cooperativo.

1.5 As reformas territoriais de Clístenes e a instauração da isonomia

Ao abordarmos especificamente as reformas de Clístenes, devemos primeiramente


apontar que sua reorganização territorial compreendeu um agrupamento entre cidadãos que
eram pertencentes às três regiões anteriormente conhecidas como paralia (litoral), pedion
(planície) e diakria (montanha) identificadas com as antigas facções aristocráticas da época de
46

Sólon. A nova divisão da Ática visaria mesclar esses indivíduos de regiões antagônicas em
um novo arranjo territorial que compreendia três grandes regiões: a “cidade” (ásty); “a costa”
(paralia); e o “interior” (mesogeios). Desse modo, cada uma das três regiões era dividida em
dez unidades chamadas de trítias (trittýs), resultando em um total de trinta. Cada trítia
consistia em um determinado número de démoi,72 pequenas unidades político-administrativas
que possuíam uma assembleia local e tesouro próprio (SEALEY, 1976, p. 152). Substituindo
as quatro antigas tribos (phylai) foram criadas dez, cada uma possuindo em seu interior três
trítias de diferentes regiões, o que corrobora a ideia de Clístenes ter pretendido amenizar as
tensões entre cidadãos de regiões antagônicas através de um novo arranjo territorial
(STANTON, 1990. p. 149). As dez novas tribos foram chamadas de: Erekhteis, Aigeis,
Pandionis, Leontis, Akamantis, Oineis, Kekropis, Hippothontis, Aeantis e Antiokhis (mapa 1).

72
De modo geral, David Whitehead (1986, p. XVIII) define o conceito de démos como unidades políticas
autônomas dotadas de um governo local, no qual cada uma “chose various officials, headed by a démarchos, to
administer its affairs in accordance with resolutions passed by an assembly of all the demesmen. It owned
property; it levied (and spent) income; it organized local cults and festivals. It was tantamount to a polis in
microcosm”.
47

Mapa 1 – Ática após as reformas territoriais de Clístenes

Legenda: Distribuição das dez novas tribos estabelecidas por Clístenes (adaptadas para o espanhol):
Eréctida (Erekhteis). Égida (Aigeis), Pandiónida (Pandionis), Leóntida (Leontis), Acamántida
(Akamantis), Enida (Oineis), Cecrópida (Kekropis), Hipotôntida (Hippothontis), Eântida
(Aeantis), Antióquida (Antiokhis). As tribos seguem distribuídas nas três novas regiões de
Clístenes na Ática: a cidade/asty, o interior/mesogeios; e litoral/paralia.
Fonte: WILL, E. El mundo griego y el Oriente: I, El siglo V (510-403). Madrid: Akal, 1997, p. 64.

Conforme aponta Maria Regina Candido (2016, p. 95) a reforma territorial de


Clístenes tomou como princípio o espaço geográfico de Atenas, caracterizado por um
conjunto “de templos e santuários que demarcavam as fronteiras nas quais se desenvolviam os
48

festivais em honra aos deuses e heróis fundadores”. Tal reorganização territorial pode ser
compreendida como sendo uma medida que visava a integração do território ático e a
atribuição de um fator de identidade aos habitantes da Ática. Além disso, essa ação incide na
desarticulação das relações regionais de parentesco, pois como cada tribo era composta por
regiões distintas, os laços de parentesco oriundas das génos seriam enfraquecidos pela
estrutura de colaboração regional e participativa do sistema das démoi (CANDIDO, 2016, p.
87).
No período anterior às reformas, as démoi correspondiam a subdivisões de terras da
Ática que concentravam pequenos centros populacionais (LEWIS, 1963, p. 26). Muitas das
démoi de Clístenes correspondiam à centros já existentes que foram institucionalizados e
redistribuídos segundo sua nova lógica territorial.73 Nesse contexto, cada um dos habitantes
das démoi foram definidos como demotai e os novos cidadãos passaram a não ser
reconhecidos pelo seu nome familiar (patronymikon), mas sim designados pela denominação
de seu démos, o chamado nome demótico74 (Arist. [Ath, Pol.] 21.4). Jonathan M. Hall (2007,
p. 213) nos aponta que um cidadão deveria ser registrado imediatamente em uma démos assim
que atingisse dezoito anos, caso contrário seria privado de seu direito de cidadania, pois
haveria quebrado sua lealdade com a pólis. O registro no démos objetivou estabelecer o
vínculo da localidade como um elemento predominante sobre os antigos laços de parentesco
(EHRENBERG, 2011, p. 73), além de buscar incluir no estatuto de cidadão toda uma
população de metecos (estrangeiros residentes) que habitavam em Atenas desde a época de
Sólon. Além disso, cada démos possuía seu démarchos, cidadão eleito anualmente que
representava a démos frente a administração central da pólis e era incumbido das arrecadações
e despesas gerais. A respeito da localização e tamanho das démoi, David Whitehead (1986, p.
16-17) nos expõe que os dados e informações presentes nas documentações textuais e
arqueológicas são insuficientes para empreendermos uma reconstrução completa de todos os
procedimentos e detalhes envolvidos nas reformas territoriais de Clístenes. Sendo assim,
Whitehead (1986, p. 22) afirma que o número das démoi presentes em cada tribo variava
consideravelmente, não sendo uma distribuição numérica simétrica de 30 démoi para cada
tribo. A estimativa do autor da relação entre démos/ tribo é a seguinte: 14 démoi para a tribo
73
Sobre a questão referente aos modelos de Clístenes e a questão de suas reformas serem relacionadas com a
lógica pitagórica, ver capítulos IV (Les modèles de Clisthène) e VI (Clisthène Pythagoricien) da obra
LÉVÊQUE, Pierre. VIDAL-NAQUET, Pierre. Clisthène L’Athénien: Essai sur la representation de l’espace et
du temps dans la pensée politique grecque de la fin du VIº siècle à la mort de Platon. 1º édition. Paris: Editions
Macula, 1983.
74
A adoção do termo “demótico”, segundo David Whitehead (1986, p. 17), consiste em uma convenção utilizada
pelos acadêmicos modernos, por conta do termo demotikon não ser utilizado pelos antigos helenos.
49

de Erekhteis; 21 démoi para a tribo de Aigeis;11 démoi para a tribo de Pandionis; 20 démoi
para a tribo de Leontis; 13 démoi para a tribo de Akamantis; 13 démoi para a tribo de Oineis;
11 démoi para a tribo de Kekropis; 17 démoi para a tribo de Hippothontis; 6 démoi para a
tribo de Aeantis; e 13 démoi para a tribo de Antiokhis.
Devemos citar que, assim como as démoi, as tribos (phylai) igualmente detinham
funções importantes, exercidas por uma assembleia de cidadãos específica para cada tribo, no
qual a comunidade dos demotai elegiam seus próprios representantes (démarchos). O aspecto
militar igualmente se mostrava relevante na organização política ateniense, no qual cada tribo
possuía seu próprio general (strategos) que era eleito anualmente em assembleia pública,
sendo um total de dez strategoi na Ática. Ademais, as tribos também organizavam o exército
de hoplitas selecionando indivíduos baseando-se em dez listas de nomes (uma para cada tribo)
que eram distribuídas em dez regimentos, cada um sob o comando de um taxiarchos,
“comandante da tribo”. Outra importante medida foi a instituição do Conselho (boulé) dos
Quinhentos na qual cada philê75 apontava um número de cinquenta membros anualmente,
conhecidos como prítanes. O local que ocorria a boulé era a construção conhecida como
Bouleutérion (figura 1), situada na ágora de Atenas. Houveram dois Bouleutérion, sendo um
relativo ao período arcaico (Old Bouleutérion, que não chegou até nós, sendo completamente
perdido) e outro construído no final do quinto século (New Bouleutérion) no qual restaram
somente as ruínas de sua fundação, localizadas atualmente no sítio arqueológico da Ágora
Antiga (Ancient Agora) em Atenas.
Segundo Jonathan Hall (2007, p. 213) a função primária do conselho era
“proboulética”, significando que possuía o encargo de levantar os assuntos e pautas a serem
debatidas pela assembleia, além de conservar também funções administrativas. Sobre a
Conselho dos Quinhentos e seus antecedentes, é importante citar Raphael Sealey (1976, p.
157) que afirma não existirem evidências da instituição anterior que cuidava dos assuntos
relacionados à assembleia pública. O autor sugere duas respostas: a primeira refere-se à
possibilidade da assembleia ter sido assunto de grupos informais e de homens poderosos
relacionados com a aristocracia. A segunda alternativa era a de que a assembleia era
preparada pelo Conselho do Areópago. Nos dois casos certamente havia grande influência da
aristocracia nas tomadas das decisões.76

75
“Philê” corresponde à palavra “tribo” no singular enquanto que “philai” refere-se ao plural.
76
Como expõe Sealey (1976, p. 157); “members of the Aeropagite Council were ambitious, for they had attained
the arconship by election, and they gained experience of public business, since they remained members of the
Council for life”.
50

Figura 1 – Ruínas do Novo Bouleutérion na ágora ateniense

Nota: Uma das áreas das ruínas do Bouleutérion, local de reunião dos membros pertencentes à boulé dos
Quinhentos. Esta construção é datada aproximadamente do final do quinto século, sendo denominada de
“Novo Bouleutérion” (New Bouleutérion) e funcionando simultaneamente ao antigo Bouleutérion (Old
Bouleutérion) que havia sido construído em um período anterior ao clássico. Sua preservação parcial
dificulta a identificação dos cômodos de seus interiores.
Fonte: Foto capturada pelo autor (2018).

Jonathan Hall contrapõe esta visão ao considerar que o Conselho dos Quinhentos
poderia ter assumido funções e deveres de um conselho que teria existido nos tempos de
Sólon, o que leva o autor a afirmar que as reformas de Clístenes não teriam possuído um
caráter tão radical, tendo conservado uma série de estruturas políticas pré-existentes (HALL,
2007, p. 215). Sua argumentação se baseia principalmente no fato de Atenas ter sido dividida
anteriormente por quatro phylai que também igualmente possuíam subdivisões territoriais
chamadas de trítias, assim como o cargo dos demotai criado por Clístenes pode ser
interpretado como algo equivalente ao antigo cargo dos naucrários77 (Arist. [Ath. Pol.] 21.5).
De modo geral, Hall expõe a possibilidade do ideal de redistribuição territorial da Ática ter

77
A palavra “Naucrários” vem do termo grego “naukrarias” que, por sua vez, deriva-se de naus (navios).
Jonathan Hall (2007, p. 223) deixa transparecer a probabilidade de que Clístenes teria se inspirado no sistema
das naukrariai ao organizar os démos, pois as naukrariai corresponderiam à antigas subdivisões do território
ático. A exata natureza do sistema de naukrariai não nos é precisamente esclarecido pela documentação.
51

sido elaborado a partir de ideias políticas que se formaram em um período anterior às


reformas de 508-507 a.C. Tal visão se adequa à hipótese da existência de uma continuidade de
práticas políticas que se desenvolveram ao longo da tirania, na qual as reformas de Clístenes
não teriam representado uma ruptura total com as políticas estabelecidas ao longo do sexto
século. Sendo assim, a implementação da isonomia seria caracterizada por um processo
político que não se condensa somente a um marco político estabelecido nas reformas, mas que
se desenvolve ao longo das décadas finais do século VI.
Este caráter de permanência nas reformas territoriais de Clístenes verifica-se também
na preservação de antigas estruturas políticas, como as quatro classes censitárias oriundas de
Sólon e o respeito às antigas organizações religiosas tradicionais de cada démos. Victor
Ehrenberg (2011, p. 72-74) expõe que houve uma combinação entre a tradição e a teoria que
elaborava uma reorganização territorial baseada nos laços de vizinhança de cada óikos e na
essência das antigas instituições religiosas locais. De modo geral, as medidas da nova
legislação de Clístenes teriam representado uma forma de se evitar conflitos civis (stásis) na
pólis através da concessão de certa autonomia política a cada uma das démoi (FORREST,
1986, p. 35), assim como a igualdade perante a lei através da isonomia. É interessante
observarmos que George Forrest (1986, p. 41) afirma que mesmo após a implementação das
reformas, o comportamento de grande parte da aristocracia ainda permanecia inalterado,
assim como o restante dos habitantes da comunidade. Somente por volta do ano 480, segundo
o autor, a mentalidade do “ateniense médio”78 começaria a se alterar, ainda que a grande parte
dos cargos e magistraturas continuassem a ser ocupados por membros da velha elite
aristocrática. Tal informação corrobora nossa ideia de que Clístenes promoveu um novo senso
de unidade à comunidade política dos cidadãos a partir do uso e da ressignificação de
estruturas políticas anteriores à sua reforma. Ademais, o sentimento de unidade cívica
relacionado com a noção de uma “comunidade dos iguais” não nasceu de forma imediata após
as reformas, tendo se desenvolvido ao longo de todo o século V a.C. durante o período
clássico.
A respeito da relação de Clístenes com o regime da tirania, considerando as
rivalidades existentes entre as famílias dos Pisístratidas e Alcmeônidas, é importante citarmos
a possibilidade de Clístenes ter sido arconte durante o governo de Hippias, pois um fragmento

78
Termo utilizado pelo autor (FORREST, 1986, p. 35).
52

de epígrafe (figura 2) contendo a lista de arcontes79 de 525-524 a.C. apresenta o nome


[]leithen[]. Raphael Sealey (1976, p. 136-137) nos aponta que mesmo Heródoto relatando o
exílio do Alcmeônida após a batalha de Pallenis80 durante este período, é concebível que o
“Clístenes” presente na lista seja o mesmo das reformas, devido ao fato desse nome não ser
comum em Atenas na época.81 Além disso, Sealey supõe a possibilidade de uma possível
reconciliação com Pisístrato após o seu segundo retorno ao poder como tirano (Hdt. 1.64.3).
Lévêque e Vidal-Naquet (1983, p. 38-39) deixam transparecer a possibilidade de um acordo
de paz ter sido estabelecido entre os Alcmeônidas e os Pisistrátidas um pouco antes de 525,
provável datação da lista de arcontes. A provável ruptura entre tal acordo teria ocorrido após o
assassinato de Hiparco em 514 por Harmódio e Aristogíton82 que acarretou o endurecimento
do governo de Hippias, criando um clima de instabilidade que o leva a ser derrubado em 510
por seus opositores com o apoio do rei de Esparta Cleômenes.83 Imediatamente após o
atentado, os Alcmeônidas e seus aliados tentaram responder à repressão da tirania de forma
agressiva, o que é evidenciado pela tentativa fracassada de golpe em Leipsydron84 entre os
anos de 514-513.

79
Segundo Lévêque e Vidal-Naquet (1983, p. 38) a lista de arcontes contendo o nome de Clístenes foi
descoberta em maio de 1936 em escavações na Ágora antiga de Atenas.
80
A batalha de Pallenis foi resultante do conflito entre Megácles Alcmeônidas e Pisístrato, no qual o último
venceu as forças opositoras conseguindo se estabelecer como tirano até a sua morte por causas naturais. A
divergência entre ambos se deu após Pisístrato ter desposado a filha de Megácles e não ter gerado filhos,
frustrando a consolidação de uma aliança política entre as duas famílias rivais (STUTTARD, 2014, p. 30).
81
O reformador ateniense compartilha o mesmo nome de seu avô materno, Clístenes, tirano de Sicião, o que nos
aponta para uma possível origem não-ateniense do nome.
82
Sobre a questão referente aos motivos de Harmódio e Aristogíton para assassinar, Paiva Gomes (2015, p. 36)
expõe um debate entre os autores antigos: “Heródoto permanece em silêncio, enquanto que Tucídides (Hist. 6,
54, 1) cita os avanços sexuais que Hiparco aplica sobre Harmódio como o começo do conflito, argumentando
contra a crença popular que se desenvolveu a partir de uma oposição política. Aristóteles (Arist. Pol. 18.2) reitera
o ímpeto pessoal do assassinato, mas transfere a responsabilidade de Hiparco para Hippias. Platão (Hipparchus,
229 c-d) retorna a culpa de Hiparco e transforma o conflito em uma questão de ciúme intelectual, invalidando a
hipótese referente ao cunho sexual. Os documentos antigos não conseguem alcançar unanimidade mesmo em
relação à data de término da tirania, apontando tanto para a deposição de Hippias, por parte dos espartanos, em
510, ou para o assassinato de Hiparco, em 514”.
83
Sobre o fim da tirania de Hippias, Jonathan Hall (2007, p. 211) coloca que “Hippias fears and suspicious drove
him to pursue a harsher, more despotic style of leadership (Hdt. 5.62.2, 6.123.2; Tucídides 6.59.2). It is in this
context that we should view as the ultimately unsucessful attempt of dissidentes, led by the Alcmaeonidae, to
capture the city from their base at Leipsydrion on Mount Parnes (Hdt. 5.62.2). In the end, the tyranny was put
down by the Spartan king Cleomenes. After an earlier, abortive expedition by sea under the command of
Ankhimolios, Cleomenes invaded Attica by land, routed a Thessalian cavalry unit that had come to the support
of Hippias, and besieged him and his family on the acropolis”.
84
Leipsydrion foi um forte da Ática antiga abaixo da montanha de Parnès, presente desde os tempos remotos do
período arcaico.
53

Figura 2 – Representação da lista de arcontes da época da tirania

Legenda: Observamos o nome de Clístenes marcado entre os arcontes, no qual o estado de conservação
da epígrafe exibe a palavra como [ ]leisthen[ ], sendo o terceiro da lista. Ilustração baseada no
fragmento em pedra descoberto em 1936 na Ágora de Atenas e publicada primeiramente em
Hisperia, 1939, p. 60, nº 21.
Fonte: LÉVÊQUE, Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Clisthène L’Athénien: Essai sur la
representation de l’espace et du temps dans la pensée politique grecque de la fin du VIº siècle
à la mort de Platon. 1º édition. Paris: Editions Macula, 1983, p. 37.

Sobre a questão referente à isonomia, democracia ateniense e suas instituições,


devemos apontar que a ideia de Clístenes como um fundador da democracia torna-se
problemática ao atentarmos para o fato de que tanto as instituições quanto o vocabulário
político do fim do sexto século e início do quinto não são similares aos do período clássico.
Na conjuntura das reformas de Clístenes, a ideia do conceito de democracia como a
entendemos em seu significado clássico não se exprimia na palavra demokratia, também não
sendo presente em expressões correlacionadas (LÉVÊQUE, VIDAL-NAQUET, 1983, p. 27),
sendo a palavra isonomia originalmente relacionada com as características de um “governo
dos iguais”. Sobre essa questão entre termos isonomia e democracia, Pierre Lévêque e Pierre
Vidal-Naquet afirmam que o termo isonomos e seus derivados85 (isonomia, isegoria,

85
Pierre Lévêque e Vidal-Naquet destacam as seguintes passagens na qual o termo isonomos e seus derivados
são citados em Heródoto ao tratar de três eventos ocorridos no final do século VI a.C: (1) O discurso de Meandro
após a queda do tirano de Samos Polícrates: “Enfim, Polícrates cumpriu o seu destino; e eu colocarei o povo ao
centro e assim eu lhes proclamo a isonomia” (Hdt. 3.142). (2) Ao citar a tentativa de golpe malsucedida de
54

isokratia) seriam utilizados por Heródoto para designar formas e práticas políticas que
originalmente seriam opostas à tirania, ou seja, a relação entre isonomia e igualdade, a ideia
de um “governo dos iguais”, teria se originado da oposição ao governo de um homem só, do
tirano. Segundo os autores, o ideal de isonomia correspondeu ao momento onde as cidades
helênicas encarregavam-se de resolver seus problemas não através de uma solução arbitrária
como o advento de um tirano, mas através da soberania da nómos, do funcionamento de suas
instituições e da obediência das leis (LÉVÊQUE, VIDAL-NAQUET, 1983, p. 29). Maria
Regina Candido (2016, p. 46-47) complementa esta perspectiva ao afirmar que “o termo
democracia/demokratia, presente em vários documentos do Vº século em termos práticos foi
resultado de um processo de mudanças político-sociais ocorridas gradualmente” ao longo de
um período anterior, no caso o sexto século. O termo demokratia utilizado no período clássico
corresponde a uma necessidade específica em evidenciar as mudanças e as transformações
políticas que incorporaram a participação ativa de todos os cidadãos nas decisões coletivas e
públicas, caracterizando assim a koinonía politiké clássica.
Portanto, de modo geral podemos afirmar que isonomia era uma palavra utilizada
pelos helenos antes da noção de demokratia ter se consolidado como um conceito sólido e
definido (EHRENBERG, 2011, p. 77), ou seja, no final do século VI/início do V a isonomia
seria identificada como a distribuição igualitária dos direitos entre os cidadãos e da igualdade
perante a lei86 (nómos), sendo um governo de ideais e práticas políticas opostos à tirania. De
modo geral, podemos classificar que a visão de isonomia para os atenienses deste período
correspondia muito mais à um governo antagônico à tirania do que a uma noção de governo
democrático identificado com a Atenas clássica de Péricles.
Martin Ostwald e Greg Anderson (apud PRITCHARD, 2004, p. 208) defendem a ideia
de Clístenes ter empreendido a reforma territorial com o objetivo de minimizar os excessos e
tensões existentes nas facções aristocráticas, tendo se utilizado da isonomia entre os cidadãos
como uma manobra para garantir a manutenção do poder político da aristocracia. As
reformas, segundo essa perspectiva, teriam sido implementadas de “cima para baixo”
buscando conquistar o apoio político dos cidadãos comuns através da concessão de decisões

Cleomenes em 506: “É de uma forma geral que se manifesta a excelência da igualdade (isegorie): governado
pelos tiranos, os Atenienses não eram superiores a nenhum dos outros povos helenos” (Hdt. 5.78). (3) No
discurso de Sósicles de Corinto aos Espartanos onde declara que: “Lacedemônios, considero uma inversão da
ordem natural das coisas o querer destruir a isocracia (isokratias) nas cidades, para estabelecer, em seu lugar, a
tirania” (Hdt. 5.92).
86
A citação original em inglês de Victor Ehrenberg define isonomia como “equal distribution and thus equality
among the citizens, equality before the law as well as equal political rights, equal share in the state”
(EHRENBERG, 2011, p. 77).
55

políticas para as démoi. Contrapondo tal visão historiográfica, o autor Josiah Ober argumenta
que a democracia não foi objeto de uma elite aristocrática benevolente para um démos
passivo, mas sim o produto de uma decisão coletiva, ativa e auto definidora do papel do
próprio démos, não sendo mérito exclusivo de Clístenes a instauração da isonomia em Atenas
(OBER, 1996, p. 35). Outra autora que se adequa à essa perspectiva é Nancy Evans que
defende a hipótese das reformas de Clístenes terem atribuído poder de decisões políticas para
todos o démos e não somente a um grupo limitado de aristocratas. A astúcia de Clístenes,
segundo a autora, estaria em se utilizar de tradições políticas e culturais das comunidades
como forma de legitimar as novas divisões territoriais (EVANS, 2010, p. 21-22). No entanto,
a perspectiva de G. R. Stanton (1990, p. 155) nos aponta que neste processo de unir e/ou
separar determinados grupos em novas tribos (phylai), Clístenes poderia ter três motivações
distintas: instituir um governo legitimamente igualitário ao inaugurar novos laços; fortalecer
os já existentes; ou conquistar poder político para sua família e si próprio através das
concessões dadas ao démos.
Entre as diferentes visões historiográficas sobre as reformas, David M. Lewis (1963, p.
39) defende que Clístenes se aproveitou das démoi ateniense para beneficiar sua própria
família, os Alcmeônidas, buscando diminuir as tensões entre a população ao implementar as
reformas, visando assegurar o poder político de sua própria facção aristocrática. Segundo o
autor, desde meados do sexto século os Alcmeônidas possuíam um importante local de culto,
além de influência política e comercial fora de Atenas em locais como Delfos, Sicião e Lídia,
locais estratégicos que proporcionavam apoio externo em sua disputa contra os Pisistrátidas.
Nesse contexto, Clístenes teria assimilado as estratégias políticas de seu pai Megácles e seu
tio Alcmeonides (sucessor de Megácles como chefe da família). Lewis afirma que o fato de
Clístenes ter sido eleito arconte em 525-524 na tirania não teria alterado as estratégias
aprendidas com seus familiares, pois Clístenes havia compreendido a importância de se apoiar
no poder de cultos locais e de integrar Atenas de forma ampla (LEWIS, 1963, p. 37). Após o
fim da tirania, Clístenes teria como principal oponente político Iságoras, homem
proeminente87 que se utilizou de sua aliança com Cleômenes para ocupar a pólis com um
pequeno contingente de espartanos em 508 expulsando setecentas famílias tidas como
sacrílegas e impondo o exílio a Clístenes (Arist. [Ath. Pol.] 20.1-3). A resposta do
Alcmeônida consistiu em buscar o apoio na população comum, os demotai, o que David

87
Apesar de Heródoto (Hdt. 5.65-67) identificar a família de Iságoras como sendo possuidora de muito prestígio
e fama, o nome de família não é mencionado em seu texto, no qual encontramos somente o nome do pai de
Iságoras, Tisandro.
56

Lewis (1963, p. 38) chama de “uma lição aprendida dos tiranos”, reforçando a ideia de
continuidade política e inspiração nas práticas políticas da tirania. É interessante notarmos que
Josiah Ober (1996, p. 41) denomina a perspectiva historiográfica de Lewis como uma visão
“realista” sobre a figura de Clístenes.
G. R. Stanton (1998, p. 159) cita a hipótese de Lewis, destacando a possibilidade de
Clístenes ter manipulado a estrutura das tribos com o objetivo de enfraquecer politicamente
seus adversários através de uma unificação territorial. Nesse novo arranjo, os cidadãos
redistribuídos teriam que cooperar coletivamente mesmo que fossem de tribos distintas88 em
períodos anteriores. Em contrapartida, Victor Ehrenberg (2011, p. 74) defende a visão que
Ober chama de “tradicional” e “idealista” em oposição à perspectiva de Lewis, na qual
Clístenes representaria um democrata visionário que já planejava a implementação de uma
nova ordem democrática desde o início, sendo um altruísta não-interessado no poder pessoal
ou prestígio próprio. Desse modo, Clístenes seria um grande inovador e um homem cujas
ideias radicais foram essenciais para a futura consolidação da democracia clássica ateniense,
segundo a perspectiva “idealista”.
É importante notarmos que Ehrenberg deixa transparecer que Clístenes assegurou a
continuidade da política dos tiranos de patrocínio das artes e dos festivais, o que estabelece
que as reformas e implementação da isonomia significaram uma continuidade das práticas de
financiamento aos coros musicais e as Dionisíacas urbanas, porém reconfigurando sua
organização. Lévêque e Vidal-Naquet (1983, p. 50) afirmam que além de Clístenes ter
mantido elementos políticos anteriores às reformas como as classes censitárias de Sólon e o
conselho do Areópago, no interior das instituições e de sua ação política, as reformas ainda
apresentaram a persistência de um “espírito aristocrático” e das tradições familiares. Um
exemplo disso é o fato que dos três antigos grupos familiares regionais de Atenas somente os
Alcmeônidas conservaram o território referente à Paralia89 durante o processo da divisão das
trítias. Sendo assim, ainda que as massas sejam integradas ao corpo cívico e à isonomia entre
os iguais, as forças tradicionais de Atenas igualmente são incorporadas às novas instituições.90

Stanton (1998, p. 159) “Kleisthenes (...) attempted to unify Attike by mixing new citizens with old and making
88

men from different areas work and fight together”.


89
Lévêque e Vidal-Naquet apontam para a possibilidade dos Alcmeônidas não terem mantido o território na
realidade, mas sim somente o termo Paralia como uma forma simbólica de se conservar uma identidade.
90
Para ilustrar as relações sociais existentes entre a aristocracia e os cidadãos comuns é importante citarmos a
autora Claude Mossé que apontava a existência de uma relação de dependência entre a aristocracia tradicional e
os camponeses pobres no final do século VII a.C. (MOSSÉ,1969, p. 54-57), fator este que limitaria a
participação política dos thetai ao longo do sexto século.
57

Levando em consideração tais colocações, podemos assumir que uma das práticas
políticas dos tiranos que asseguraram sua continuidade após as reformas de Clístenes foi o
prosseguimento dos festivais públicos, no qual o coro musical representava um componente
de unidade entre os cidadãos. O advento de Clístenes proporcionaria à sociedade ateniense
novos aspectos de participação política e militar a partir de um foco primário, a pólis, como
um elemento centralizador da identidade ateniense. Desse modo, as performances corais nos
festivais cívicos representaram atividades que, posteriormente, no período clássico serão
incorporadas à pólis democrática de forma institucional. De fato, Peter Wilson (2000, p. 17)
supõe que as competições agonísticas entre os coros teriam surgido no contexto da reforma de
Clístenes, sendo o primeiro vencedor o poeta e compositor Hypodikos de Cálcis entre os anos
de 509 e 508 (WILSON, 2000, p.17). No entanto, o próprio autor admite os problemas de se
assumir uma data anterior às reformas, tendo em vista que o grande rearranjo territorial da
Ática demandaria pelo menos um ano de trabalho para ser implementado de forma efetiva.
Sendo assim, as competições entre os coros já integradas às novas tribos seriam posteriores ao
ano de 507, porém elas já preexistiriam de outras formas segundo os apontamentos de Wilson.
De um modo geral, a emergência da competição entre os coros musicais a partir de
Clístenes pode ser estabelecida como um elemento análogo à criação do conselho dos 500
(boulé) e da formação e especialização da falange dos hoplitas. Tais fatores teriam propagado
um efetivo sentimento de integração de cidadãos, possuindo o objetivo de trazer às diferentes
classes censitárias uma ideia de cidadania comum. Porém, segundo os apontamentos dados
pela historiografia exposta neste capítulo, as práticas políticas e sociais referentes ao coro
musical seriam realizadas desde a época da tirania, sendo muito fragmentadas as
documentações referentes aos coros musicais no sexto século. Dessa forma, buscamos através
de um diálogo entre a historiografia e a documentação imagética expor que os coros musicais
no contexto de transição da tirania para a isonomia representaram uma forma de encorajar
jovens e homens da elite de diferentes facções aristocráticas da ática a se integrarem aos
novos arranjos políticos de Clístenes. Tais disputas situadas no contexto dos festivais das
Dionisíacas urbanas representaram uma forma de legitimar a nova organização territorial de
Clístenes, assegurando uma proteção “divina” de Dioniso, deus relacionado à música e a
dança, no que se refere aos coros musicais do gênero ditirâmbico. 91 Portanto, as competições
nos festivais teriam sido utilizadas por Clístenes como uma forma de minimizar as tensões
sociais existentes na Atenas do sexto século, buscando assim através do ágon cooperativo a

91
Este conceito será aprofundando mais adiante.
58

unificação e participação política dos cidadãos das camadas superiores como iguais (isói) nos
festivais cívicos, ideia que se estende à política.
59

2 A ORGANIZAÇÃO DOS COROS MUSICAIS ATENIENSES NO FINAL DO


SEXTO SÉCULO E SUAS REPRESENTAÇÕES NA CULTURA MATERIAL DOS
VASOS ÁTICOS

Os próprios deuses, que se prontificaram como já o dissemos


em serem nossos companheiros na dança, concederam a
agradável percepção do ritmo e da harmonia, por meio do que
nos fazem nos mover e conduzir nossos coros.
Platão
2.1 Preâmbulo

Após termos contextualizado devidamente nosso recorte temporal no capítulo anterior,


iremos neste segundo capítulo analisar um conjunto de cerâmicas que possuem representações
de performances corais. Tais vasos são oriundos do século VI a.C., situados no contexto de
transição entre o fim da tirania e a implantação da isonomia em Clístenes. Podemos
estabelecer a relação das cerâmicas com o contexto histórico a partir de elementos simbólicos
presentes nas iconografias que nos permite identificar a existência de uma conexão entre o
coro musical e os segmentos censitários referentes à aristocracia, no caso as duas primeiras
classes: os pentakosiomedimnoi e os hippeis. Neste contexto, defendemos que a inclusão da
terceira classe censitária, dos zeugitai, nos coros foi intensificada durante o processo de
instauração da isonomia.
Podemos considerar que as cenas musicais presentes nos vasos gregos representam
cenas da vida cotidiana dos cidadãos assim como uma narrativa mítica faz referência a algum
acontecimento político, como por exemplo guerras, conflitos, líderes ou eventos
extraordinários. Conforme os apontamentos de Fábio Vergara Cerqueira, as práticas sociais
nas imagens podem ser abordadas de formas ambíguas, pois ao mesmo tempo em que podem
retratar diretamente elementos do político e do social também podem recorrer a alegorias
relacionadas à mitos, personagens, divindades e figuras fantásticas (CERQUEIRA, 2005, p.
21-22). Complementando esta perspectiva José Roberto de Paiva Gomes argumenta que as
cenas musicais têm sido muitas vezes utilizadas equivocadamente como meras ilustrações,
sendo necessário definir seu contexto histórico e local de produção para que possamos utilizá-
las como documentos de análise histórica (GOMES, 2015, p. 90).
60

2.2 Os coros musicais no contexto histórico do processo de instauração da isonomia

A presença do coro musical no período arcaico,92 especificamente na segunda metade


do sexto século, se relaciona intrinsicamente com a expansão dos grandes festivais públicos
ocorrida no período da tirania. Podemos afirmar que nesse contexto histórico houve uma
intenção de integrar o démos a uma determinada noção de comunidade relacionada à figura
política do tirano, algo que difere substancialmente da integração social da isonomia que veio
à posteriori. Desse modo, o financiamento dos festivais públicos pelos tiranos representava
uma das formas de integrar os cidadãos menos abastados à comunidade, seja participando
como espectadores na audiência ou como cantores/dançarinos e músicos que realizavam as
performances.
Além disso, os Pisistrátidas também financiavam artistas e compositores envolvidos
com performances corais com o objetivo de serem vistos como patronos das artes frente à
população comum. Outros tiranos como Polícrates de Samos buscaram patrocinar famosos
poetas como Íbico e Anacreonte durante a segunda metade do sexto século, possuindo o
mesmo objetivo de fortalecer sua figura pública e política na comunidade. Em Atenas, eram
patrocinados artistas como Simônides de Ceos, um dos mais destacados poetas/compositores
de todo o período arcaico,93 e Lasos de Hermione, um dos prováveis inventores do gênero do
ditirambo.94 Após a queda de Polícrates em Samos, um dos filhos de Pisístrato, Hiparco,
também teria trazido Anacreonte para Atenas, além de possivelmente ter patrocinado
Simônides de Ceos (GOMES, 2015, P. 26) e sido o responsável pela distribuição de estátuas
de Hermes itifálicos95 (LAVELLE, 1983, p. 21-22) com citações de poesias épicas no meio

92
Em relação à conceituação do termo “arcaico” iremos nos utilizar da definição de Gregory Nagy (2009, p. 1):
“I use the term ‘archaic’ to designate a period that becomes visible toward the end of the eighth century and that
lasts until, let us say, the end of the Persian War in the year 479 before our era, and ‘classical’ to designate a
period starting from 479 and ending with the death of Socrates in the year 399 before our era”. Nesse caso, o
autor define o ano de 479 como o fim do período arcaico baseando-se na ideia platônica de que a poesia coral
existia antes das Guerras Greco-Pérsicas.
93
Após a queda dos Pisistrátidas, Simônides teria se dirigido às cortes da Tessália, sendo patrocinado pelas
famílias dos Aleuadai e Skopadai. Existe também a probabilidade de ter sido financiado pelos tiranos da Sicília,
posteriormente. Esta mobilidade de Simônides entre diferentes cidades e patronos nos aponta a hipótese dos
poetas arcaicos serem contratados por grandes somas financeiras, sendo a fama e notabilidade um dos motivos
pelo quais os tiranos estimavam tanto a presença destes poetas em suas cortes (LAVELLE, 1983, p. 10).
94
O outro provável inventor do ditirambo seria Árion de Metimna, cujo mito será exposto ao longo de nossa
análise.
95
Sobre os Hermes itifálicos de Hiparco, Brian Lavelle (1983, p. 20) coloca que “these monuments (herms)
reach out to the reader and communicate directly; they were undoubtedly set up by the sides of roads to attract
61

rural (chora). Sendo assim, a presença de poetas/compositores proeminentes representava um


símbolo de poder para os tiranos, no qual muitas composições eram dedicadas aos tiranos
(LAVELLE, 1983, p. 9-10), os glorificando e consolidando seu poder político e riqueza frente
à audiência.
Portanto, podemos considerar que as medidas políticas dos Pisistrátidas
definitivamente concentravam-se no esforço para conquistar o apoio da população (démos)
através do fortalecimento da figura pública do tirano e da obtenção do apoio político da
comunidade política através de sua participação nos festivais. Após o fim da tirania e a
posterior instauração da isonomia, a mudança política em Atenas irá transformar
decisivamente a relação que a comunidade política possuía com a questão relacionada às artes
de modo geral (música, dança, poesia e outras) e às performances corais realizadas nos
festivais públicos. A respeito dessa mudança, Peter Wilson (2000, p. 110) cita uma
passagem96 de G. F. Else que destaca a substituição da figura do tirano como patrono das artes
performáticas97 pela figura do khoregos após a instauração da isonomia. O khoregos era o
cidadão possuidor de recursos responsável por arcar com os custos financeiros da preparação
de um coro musical para a competição nos grandes festivais públicos, sendo também
encarregado da seleção dos integrantes do coro, da preparação, dos ensaios, da escolha da
indumentária a ser utilizada, entre outras tarefas.98 O número de khoregoi por competição nas
Dionisíacas urbanas era vinte, sendo cada um designado especificamente para os coros
musicais das dez philai, no qual cada tribo possuía dois khoregos: um encarregado para o coro
de jovens e o outro para o coro de adultos. A implementação dessa organização dos coros e
khoregos podem ser relacionadas no contexto das reformas de Clístenes.

the greatest number to view them. Indeed, great clusters of semata were similarly placed at crossroads and along
well travelled roads, such as sacred way in the Kerameikos”.
96
“The tragic choregos takes the place of the Peisistratidae as a patron of the drama. And he does so as a
citizen of Athens. The whole institution of the choregia breathes a civic spirit: it is a device of the new
democracy for spreading over the citizen body, or at least the richer portion of it, a function – and the honour
attached there to – which under the tyranny had been in the hands of the ruling house” (ELSE apud WILSON,
2000, p. 110).
97
Devemos destacar aqui que substituímos a o termo original da passagem “drama” por “artes performáticas”
por uma questão meramente temática e didática, no qual nos referimos à performance nos festivais de um modo
gera, no lugar da referência limitada somente ao gênero dramático. Podemos realizar essa substituição devido ao
fato de que eram apresentados diversos gêneros nos festivais públicos atenienses e não apenas o drama, o que
faria dos tiranos figuras públicas associadas com a patronagem de diversos tipos de artes.
98
A própria natureza do trabalho do khoregos e da própria instituição da khoregia compreende uma temática
muito particular, cuja complexidade e pluralidade dos debates exigiria a realização de uma pesquisa específica
como um todo, o que nos impossibilita aprofundar o debate nesta dissertação. Para maiores detalhes sobre a
khoregia e o trabalho do khoregos, consultar a obra de referência sobre a temática The Athenian Institution of
Khoregia: The chorus, the city, the stage (2000) de Peter Wilson.
62

Segundo Claude Calame (1977, p. 101), o khoregos possuía um papel relevante no


treinamento do coro musical, pois era responsável nos ensaios por coordenar a voz dos
khoreutai e indicar corretamente os movimentos de dança. De modo geral, existiam diferentes
termos utilizados pelos gregos para designar as funções do khoregos no treinamento, no qual
Calame destaca três verbos principais:99 “estabelecer”, “iniciar” e “conduzir”. Nesse caso,
supomos que o khoregos estabelecia a disposição dos khoreutai durante a preparação dos
ensaios, dava o sinal para iniciar a execução e, por fim, terminava por conduzir a performance
de modo análogo a um maestro das orquestras modernas. A argumentação do autor se baseia
no estudo etimológico do termo khoregos100 que se relaciona à ideia de condução e
organização. Além disso, o autor cita a existência de outros termos gregos de significado
análogo à khoregos, como khorostatés, khoropoiós e khorolékhtes, por exemplo.
É importante destacarmos que o cargo de khoregos detinha prestígio e status entre
membros da alta aristocracia ateniense a partir da implementação da isonomia, sendo um
cidadão de destaque na comunidade ateniense, pois o ato de financiar as competições públicas
representava uma forma na qual os cidadãos mais proeminentes101 afirmariam seu
comprometimento com a comunidade política ateniense através de um sentimento de
cooperação e benevolência com seus iguais (WILSON, 2000, p. 54). Nesse contexto, a
khoregia em conjunto com a liturgia102 (leitourgia) representavam instituições da pólis
ateniense pós-tirania que se encarregavam de buscar a isonomia nas competições nos
99
Tradução original do francês contido no texto de Calame (1977, p. 101) no qual “la fonction de chorège
actualisent trois traits principaux: ceux de ‘instituer’, ‘commencer’ et ‘conduire’’.
100
Sobre a questão da análise etimológica do termo khoregos, Calame (1977, p. 101) expõe que “cet examen
devra être mené non plus à travers une analyse de l’étymologie de ces termes, mais à travers une étude de leur
emploi em contexte, comme nous l’avons déjà fait pour les termes de khorolékhtes (...)”.
101
O critério para tornar-se um khoregos, segundo as indicações de Peter Wilson (2000, p.53), dependia
formalmente de dois fatores: cidadania plena ateniense e uma grande riqueza. No entanto, em alguns raros casos
a possessão pessoal de riqueza não constituía um pré-requisito obrigatório, pois teriam existido homens de
estratos médios da população que teriam se tornado khoregos por meio de empréstimos de aristocratas
extremamente ricos. Segundo Wilson, um exemplo teria sido Platão que serviu como khoregos para um coro de
jovens em 365 a.C. através dos vastos recursos de Díon de Siracusa.
102
A leitourgia representava uma das instituições da pólis ateniense que se encarregavam de financiar os
festivais públicos, especialmente os aspectos ritualísticos e religiosos inerentes a eles. Segundo Peter Wilson
(2000, p. 21): “a great network of leitourgiai supported the city’s culture of festival competition (nor was it
restricted to competition performance); and other social groupings of a scale smaller than the city itself – most
notably the demes – employed the khoregia and other festival leitourgiai to support their own, largely
independent, festival culture. The production of drama by means of khoregia takes place within an environment
where similar structures were used to support a vast array of ritual practices: torch-races between the phylai for
Athena, Prometheus and Hephaistos: militaristic group dances by males of various ages for Athena; a trierarkhic
regatta from the Peiraieus to Cape Sounion: huge phyletic banquets; the superintendence by blue-blood Athenian
girls of the weaving of the great peplos of Athena. The support of drama by rich Athenians as khoregoi should be
seen within this diverse range of occasions for comparable forms of comunal leadership by the elite. As Pauline
Pantel has put it: ‘le choix de ce qui fait l’objet d’une liturgie n’est pas indifférent’”.
63

festivais, no qual o financiamento da aristocracia proporcionaria a participação da


comunidade política dos atenienses nos coros musicais a partir do início do quinto século.
Tais colocações sobre a mudança na organização dos festivais públicos nos mostram que
ocorreu um claro processo de transformação das competições corais entre a tirania e a
isonomia, o que nos leva a questionar sobre como as classes censitárias estavam inseridas no
processo a partir da instauração da isonomia.
Um importante indicador presente na historiografia (PRITCHARD, 2004, p. 214) é
referente ao fato dos khoreutai receberem uma compensação pecuniária (misthos) durante o
período de preparação e ensaios que antecediam a competição. Em relação aos khoregoi
certamente não havia tal necessidade, pois estes claramente representavam as classes
censitárias mais altas (pentakosiomedimnoi e hippeis) da comunidade ateniense, sendo
responsáveis por todas as despesas relacionadas com a preparação dos coros. Durante o
período que antecedia as competições, os coros musicais eram treinados de forma árdua, pois
se fossem considerados mal preparados (adidaktos) ou de baixa qualidade, representariam
algo de grande desonra para sua phylai no decorrer das competições (PRITCHARD, 2004, p.
214-215). Nesse contexto, o valor pecuniário recebido pelos khoreutai se mostrava necessário
para os atenienses que não possuíam recursos, pois um coro bem treinado que pudesse ser
considerado competitivo exigia a execução de um grande número de tarefas.
A primeira tarefa de um khoregos consistia em uma seleção adequada dos melhores
candidatos presentes nas démoi, sendo aqueles dançarinos/cantores (que se tornariam
khoreutai) de maior destaque nas tribos, no qual também poderiam ser escolhidos outros
ofícios especializados para auxiliar o khoregos na composição das músicas, como os poetas
por exemplo, e nos ensaios, os quais requeriam um alto nível de disciplina de seus
participantes (PRITCHARD, 2004, p. 214). Era igualmente necessário que o khoregos
providenciasse um amplo espaço físico adequado para os ensaios, o khoregeion, pois devido
ao grande número de pessoas envolvidas na competição (aproximadamente mil khoreutai por
toda a Ática por ano) era imprescindível a utilização de um espaço físico de tamanho
considerável para os ensaios (WILSON, p. 71-74). Outro interessante aspecto da preparação
do coro era o estabelecimento de uma alimentação específica para os khoreutai objetivando a
otimização do desempenho físico nas danças e uma condição vocal adequada para o canto,
evitando o consumo de alimentos ou bebidas que prejudicassem o aparelho fonador.103 Após o

103
Conjunto de órgãos do corpo humano responsáveis pela emissão de sons: pulmões, traqueias, boca, laringe
língua, entre outros.
64

período de preparação e ensaios, durante o momento em que ocorriam as competições era


indispensável o fornecimento de indumentárias para os khoreutai; como máscaras (no caso de
coros dramáticos) e materiais adicionais que fossem necessários à performance (WILSON,
2000, p. 71).
Levando em consideração todos os aspectos inerentes à preparação do coro, bem como
o tempo necessário para a realização dos ensaios, observamos que o pagamento do misthos
constituía uma forma da pólis ateniense beneficiar aqueles cidadãos que dedicavam seu tempo
para participar dos treinamentos corais. De fato, em um período posterior (431-424 a.C.)
encontramos uma passagem presente na Constituição dos Atenienses que faz referência
àqueles cidadãos que recebiam o misthos durante as grandes competições públicas (Velho
Oligarca, Ath. pol. 1.13). O documento é atribuído ao autor conhecido como “Velho
Oligarca”:

Em Atenas, o démos subverteu (katalélyken) aqueles que se dedicam aos exercícios


físicos e aos que praticam a música não por uma questão de honra, mas porque eles
mesmos não podem praticá-las. Quanto aos encargos públicos da khoregia, dos
concursos atléticos e do apetrechamento das trirremes, é sabido que são os ricos que
asseguram os coros, organizam as competições desportivas e equipam as trirremes,
mas é o démos quem toma parte no coro ou nas competições atléticas e quem tripula
as embarcações. O démos entende que deve ser pago por cantar, correr, dançar e
tripular os navios, de forma a enriquecer cada vez mais e os ricos ficarem mais
pobres. 104

Observamos na primeira parte desta citação que o autor realiza uma crítica aos
indivíduos que não possuíam condições para financiar atividades relacionadas com a música e
exercícios físicos, os classificando como cidadãos que são pagos para “correr, cantar e
dançar” com os recursos financiados pela aristocracia, na figura do khoregos. O pagamento
citado nessa passagem, no caso, seria o misthos. Nesse contexto, segundo o autor, os cidadãos
pobres se aproveitariam das benesses proporcionadas pelos recursos da aristocracia se
limitando a somente cantarem, dançarem e remarem enquanto os ricos arcam com os custos
de uma população que supostamente não estaria interessada em contribuir para o progresso da
pólis. Um importante apontamento sobre esse documento é a sua datação oriunda do período
clássico, sendo escrito entre os anos de 431 e 424 a.C,105 momento em que a democracia

104
A passagem destacada consiste em alguns trechos traduzidos por mim e outros retirados da tradução de Pedro
Ribeiro Martins (2011, p. 78-79).
105
Datação sugerida pelo autor Pedro Ribeiro Martins (2011, p. 35) na introdução da Constituição dos
Atenienses traduzida para o português, publicada pela Universidade de Coimbra.
65

ateniense está estabelecida, quase um século após as reformas de Clístenes. Ainda que a
crítica do Velho Oligarca esteja deslocada do corte temporal referente ao fim do sexto século,
a passagem se mostra relevante na identificação dos grupos sociais que integravam os coros
musicais, ou seja, em nossa tentativa de estimar quais eram as proporções das classes
censitárias que compunham o corpo dos khoreutai. Pela contundência da crítica do Velho
Oligarca, podemos afirmar que posteriormente houve a possibilidade do coro musical ter se
estendido para outras camadas da comunidade no final do quinto século, ainda que não seja
possível estabelecer números exatos da distribuição das classes censitárias.
Apesar desta dificuldade de precisar a distribuição dos grupos sociais nos coros
musicais, podemos supor que no sexto século os cidadãos de poucos recursos, os thetai, não
participavam como membros dos coros musicais que competiam nos grandes festivais
públicos. Pritchard (2004, p. 218) coloca que é improvável que os khoregoi preferissem
recrutar atenienses de baixa classe para compor os seus coros musicais devido à necessidade
de selecionar os melhores cantores/dançarinos de cada démos, objetivando assim a vitória nos
certames musicais através da formação do melhor conjunto possível. Dessa forma, Pritchard
(Ibidem) defende a hipótese que os khoregoi optavam por selecionar os khoreutai vindos dos
estratos sociais mais elevados da cidade, tendo em vista que os cidadãos pertencentes à elite
aristocrática apresentavam maior proficiência musical.
A respeito desta distinção social existente na composição dos coros musicais, devemos
apontar que ainda que a música representasse uma das etapas fundamentais106 do processo
educacional (paideía) de todos os atenienses, uma educação musical refinada era algo que
demandava um acentuado valor pecuniário (BÉLIS, 1999, p. 15), sendo cabível supormos que
os melhores cantores eram pertencentes aos segmentos aristocráticos que detinham o ócio, no
caso a atividade de ocupação mental em oposição ao labor físico. Annie Bélis afirma que
junto ao processo educacional os filhos dos cidadãos deveriam obrigatoriamente aprender
noções de música a partir do ensino da lyra, o instrumento ideal para a formação adequada de
um cidadão sendo a lyra de sete cordas um dos instrumentos de maior prestigio na cultura

106
Sobre a educação musical no contexto da paideía ateniense, Annie Bélis coloca que dentro do curso normal
de seus estudos escolares, os filhos dos cidadãos atenienses deviam obrigatoriamente seguir o curso da música,
após terem aprendido a lyra, a escrever e a contar através de um mestre da escola (pedagogos). Dentro de suas
Leis, Platão fixa 3 anos como sendo um período razoável para um jovem garoto da idade de 13 anos (Pl. Leg.
7.809e): “quanto ao estudo da lyra a criança deverá iniciá-lo aos treze anos e a ele se aplicar por três anos”. Uma
pequena referência ao coro musical encontra na passagem (Pl. Leg. 7.812e-813a): “que nosso educador
regulamente essas matérias de maneira estabelecida. No que toca ao caráter das próprias melodias e letras que os
mestres do coro deverão ensinar, nós já o explicamos de modo minucioso e extensivo. Afirmamos que em todos
os casos deveriam ser consagradas e adaptadas às festas apropriadas, revelando-se assim benéficas aos Estados
fornecendo-lhes diversão propícia.
66

helênica.107 Em Atenas era algo respeitável que um aristos soubesse cantar e/ou tocar um
instrumento de forma exemplar, sendo comum os cidadãos proeminentes estudarem com os
melhores professores de música durante sua juventude. A importância da educação musical
nos meios aristocráticos pode ser notada no exemplo de Temístocles que foi alvo de críticas
na comunidade ateniense por ser inábil a tocar e afinar a lyra de maneira adequada, fato que o
marcava como um sujeito desprovido dos verdadeiros valores tradicionais dos aristoi (BÉLIS,
1999, p. 208).
Temístocles (524-459 a.C.), filho bastardo (nothoi) de pai ateniense com mãe
desconhecida de provável origem estrangeira,108 foi um dos mais destacados políticos e
strategos da história de Atenas, tendo participação decisiva nas Guerras Greco-Pérsicas
ocorridas durante as primeiras décadas do século V a.C. Conforme nos aponta Claude Mossé
(1998, p. 208) no verbete “Temístocles” no Dicionário da Civilização Grega, sua primeira
ação política de grande repercussão teria sido em 483, quando determinou que as minas de
prata do Láurion fossem destinadas para a construção de uma frota de navios de guerra
destinados ao combate contra os persas. Além disso, foi responsável pela construção do porto
do Pireu com o objetivo de fortificar as defesas litorâneas de Atenas, abandonando o pouco
seguro porto de Falero. Graças a tais medidas, três anos mais tarde os atenienses venceram os
persas na batalha de Salamina. Dessa forma, Temístocles contribuiu para que Atenas tornasse
uma potência marítima, simultaneamente proporcionando a ascensão política e social dos
cidadãos mais pobres que combateram na guerra, os thetai (CANDIDO, 2016, p. 109-113).
Após ter conquistado o apoio do démos, seus adversários e opositores, temerosos com seu
progressivo aumento de prestígio e poder, resolveram votar seu ostracismo109 em 471, no qual
Temístocles foi exilado de Atenas se dirigindo primeiramente para outras póleis helênicas
situadas no Peloponeso. Posteriormente, se instalaria de modo permanente na Pérsia, sendo
um dos conselheiros do rei Artaxerxes I que lhe confiou o comando da fortaleza de Meandro.
É interessante observamos que a educação musical deficitária não impediu Temístocles de

107
Sobre a lyra, o historiador inglês Martin L. West cita que “era considerada um dos instrumentos de maior
prestigio na Grécia Clássica, sendo o único instrumento que era tocado por um Deus, Apolo, e apreciado pelos
outros deuses”. O autor em seu livro Ancient Greek Music realiza toda uma tipologia das lyras existentes na
cultura helênica (WEST, 1992, p. 48-50).
108
Tal colocação da mãe de Temístocles ter sido provavelmente estrangeira surgiu primeiramente durante as
reuniões com a orientadora Maria Regina Candido (informação verbal), na qual nos baseamos na documentação
textual das Vidas Paralelas de Plutarco, na parte referente à Temístocles (Plutarco, Themistocles, v. 1).

109
Os fragmentos de cerâmica que serviram como contagem de votos para o ostracismo de Temístocles
atualmente se encontram no Museu da Ágora, em Atenas. Uma foto desses artefatos foi inclusa no ANEXO C
desta dissertação, na página 186.
67

tornar-se um khoregos, financiando seu próprio coro musical em 476 a.C. (WILSON, 2000, p.
20), o que representou seu último feito notável antes do exílio. Seus atributos de prestigio,
riqueza, fama e proeminência como cidadão, oriundos de seus feitos nas Guerras Greco-
Pérsicas, o proporcionaram a chance de ser um khoregos, mesmo que lhe faltasse talento
musical ou competência técnica para a tarefa.
Os mais bem-qualificados khoreutai independentes de serem jovens ou adultos eram
membros da aristocracia ateniense, provavelmente pertencentes às classes dos
pentakosiomedimnoi e hippeis, assim como os cidadãos enriquecidos oriundos da terceira
classe censitária, os zeugitai. Esses indivíduos dispunham de meses de tempo livre para se
dedicarem aos ensaios e à preparação geral do coro antes das competições, pois muitos deles
eram grandes proprietários de terra que não possuíam a necessidade de trabalhar para seu
sustento. Por conta disso, os khoregoi, inclinados a recrutarem os melhores cantores e
dançarinos para seus respectivos coros, tendiam a escolher membros da aristocracia quando
selecionavam os membros do coro. Além disso, haviam outras razões como, por exemplo, a
facilidade de locomoção para o khoregeion, pois era comum que as famílias ricas habitassem
em locais próximos ao centro cultural de Atenas, onde eram realizados os treinamentos e
ensaios. Ademais, teria sido um dos objetivos políticos de Clístenes realizar a junção das três
primeiras classes censitárias nos coros musicais para promover a isonomia entre os cidadãos.
Nesse caso, Clístenes pretendia conquistar o apoio político da classe dos zeugitai através da
cooperação com os outros aristoi nos ensaios do coro musical. Outro fator decisivo para a
seleção dos melhores khoreutai era o conhecimento musical do cidadão, seu estudo de
poemas de linguagem complexa e execuções cantadas de fraseologia avançada
(PRITCHARD, 2004, p. 219).
Sobre a questão referente à seleção de khoreutas para o coro, é interessante
destacarmos que mesmo um khoregos não alcançando a vitória, ainda assim ele teria que
empreender aproximadamente 1000 dracmas com as despesas relativas ao treinamento e
provisões com seu coro musical. A disposição para tamanho empreendimento financeiro não
estava necessariamente relacionada com um sentimento de koinonía somente, referente à
idealização do khoregos como o cidadão modelo por excelência que financia seus iguais com
o desejo de consolidar a isonomia. O principal motivo estava relacionado com a glória e
prestígio pessoal, no qual persistia um anseio de vitória e honra relacionado ao sucesso
(PRITCHARD, 2004, p. 218). Quando um coro musical se sagrava vencedor, o khoregos se
68

encarregava de erigir um monumento dedicado à sua vitória, o monumento khorégico,110


objetivando marcar sua glória da vitória para a posteridade. Tal empreendimento envolvia um
alto investimento, pois muitos desses monumentos eram de grande escala e dotados de uma
alta complexidade artística (WILSON, 2000, p. 88), representando algo excepcionalmente
custoso para um investimento privado. Um monumento khorégico que sobreviveu até os dias
de hoje é o dedicado à vitória do khoregos Lisícrates e seu coro musical de formação circular
proveniente da tribo de Akamantis (KOWALZIG, 2013, p. 47) ocorrida entre os anos de 335-
334 a.C (figura 3). O monumento consiste em um pilar construído sob colunas que sustenta
uma trípode dedicada à tribo vencedora (BIEBER, 1939, p. 8). O monumento atualmente
encontra-se no centro da Atenas moderna, no bairro da Plaka, não estando presente em um
sítio arqueológico específico.

Figura 3 – Monumento khorégico à Lisícrates

Legenda: Monumento dedicado ao coro musical vencedor de uma competição ditirâmbica ocorrida entre
de 335 e 334 a.C. Lisícrates era o nome de khoregos responsável pelo coro vencedor.
Fonte: Foto capturada pelo autor (2018)

110
“Monumento khorégico” representa a minha tradução livre para o termo em inglês Choregic monument,
adaptando o a transliteração de latinizada do “ch” para o “kh” que seria mais próxima da letra grega “χ”. O
equivalente/tradução em português da palavra “choregic” não foi encontrado durante nossa pesquisa. Esse termo
é utilizado por autores anglo-americanos como Peter Wilson, Barbara Kowalzig, Eric Csapo, entre outros.
69

De modo geral, podemos afirmar que as seleções de recrutamento e a demanda exigida


durante o treinamento que antecediam as competições representavam elementos que
limitavam a participação nos coros musicais aos cidadãos mais proeminentes de cada tribo,
pois estes provavelmente constituíam os melhores khoreutai. Sendo assim, ao contrário de
outros aspectos das reformas de Clístenes como a criação da boulé dos quinhentos e a
ampliação das falanges hoplíticas, a participação nos coros musicais não pode ser associada
de forma absoluta à isonomia estabelecida na pólis após 508-507 a.C. Segundo a hipótese de
Pritchard (2004, p. 224), Clístenes não pretendia necessariamente integrar de forma plena os
atenienses de todas as classes censitárias, pois seu principal objetivo era o de promover uma
maior coesão entre membros da aristocracia ateniense através do ágon cooperativo presente
nos ensaios dos coros musicais, objetivando assim evitar futuros levantes da aristocracia
tradicional contra o recém-instaurado governo isonômico. Tal fator pode constituir um indicio
da inclusão dos zeugitai nos coros musicais em conjunto com a aristocracia. Conforme
demonstra Wilson (2000, p. 19), as tensões existentes entre as três famílias aristocráticas
atenienses (Alcmeônidas, Pisístratidas e Boutadai) perdurou por toda a metade do sexto
século não se limitando somente às primeiras décadas do sexto século no contexto das
reformas de Sólon. Sendo assim, entre os anos de 508-507 ainda era necessária a adoção de
uma política que reduzisse as tensões entre os grupos sociais mais proeminentes de Atenas, o
que proporcionaria a estabilidade às reformas de Clístenes.
Desse modo, acreditamos que o rigor estabelecido durante a seleção dos khoreutai
acabava por não mesclar efetivamente atenienses de diferentes classes censitárias, pois
haveria uma proeminência dos segmentos mais abastados da comunidade. Considerando que a
aristocracia era composta por pentakosiomedimnoi e hippeis, a presença do segmento
censitário dos zeugitai simboliza uma questão pertinente para entendermos a composição
social dos coros musicais. Através de uma estimativa das proporções das três classes
censitárias presentes nos coros musicais, iremos analisar o coro musical na cultura material
como o lugar antropológico de diferentes coletividades inseridas na comunidade política dos
atenienses.
70

2.3 Os zeugitai como parte da comunidade política a partir dos coros musicais

Para alcançarmos uma estimativa da proporção aproximada de zeugitai nos coros


musicais, devemos sublinhar alguns aspectos referentes às reformas de Clístenes. Em primeiro
lugar, não haveria uma cidadania plena dotada de consciência política no contexto histórico
do sexto século, pois Josiah Ober (1996, p. 38) afirma que entre os anos de 510-508 a.C.
ainda era rudimentar a noção de um senso de cidadania participativa entre os homens comuns
de Atenas, devido ao fato das instituições políticas serem majoritariamente dominadas pela
aristocracia. Em segundo lugar, provavelmente Clístenes durante as reformas teria estendido a
cidadania às famílias de estrangeiros que haviam se instalado em Atenas desde a época de
Pisístrato, além de ter criado o estatuto de meteco para novos estrangeiros residentes
(MOSSÉ, 1993, p. 45). Em terceiro e último lugar, acreditamos que tais medidas políticas
oriundas das reformas acabaram por facilitar a ascensão social de cidadãos pouco abastados,
no qual muitos deles passaram a ocupar classes censitárias superiores, vindo a se tornar
zeugitas ou hippeis. Porém é importante demarcarmos que tal inclusão social na comunidade
política não aconteceu de forma absoluta, pois no decorrer do século V a aristocracia ainda
possuía meios de se diferenciar do resto do démos, principalmente nas esferas sociais e
culturais.
Um dos exemplos são as críticas direcionadas à educação musical de Temístocles que
o marcavam como um cidadão destituído dos valores tradicionais dos aristoi. É interessante
notarmos que muitas dessas críticas são oriundas de sua linhagem familiar, pois era filho de
um ateniense com uma mulher estrangeira.111 Conforme relata Plutarco, o pai de Temístocles,
Neokles, era um cidadão ateniense pertencente à tribo (phylai) de Leontis provavelmente
pertencente a uma génos aristocrática de pouco renome, pois Plutarco destaca que
Temístocles veio de uma “família de origem muito obscura para lhe conferir alguma
distinção” (Plutarco, Themistocles, v. 1). Essa passagem apontaria para a possibilidade de
Temístocles ter sido filho de mãe estrangeira, sendo um nothoi, ou seja, filho nascido de um
pai ateniense e de uma mãe estranha à comunidade política (MOSSÉ, 1999, p. 41),
considerado como bastardo. Tais fatores provavelmente influenciaram o crescimento de
adversários políticos de Temístocles desde antes de sua atuação como strategos e político nas

111
Sobre a provável mãe de Temístocles, Plutarco, sem chegar a nenhuma conclusão, nos oferece duas
possibilidades: Abrononton da Trácia ou Euterpe de Halicarnasso (Plut. Them. v. 1).
71

Guerras Greco-Pérsicas. Portanto, a educação musical mal realizada de Temístocles, além dos
princípios relacionados com seu nascimento, constituiria um dos elementos oriundos da
educação proveniente de sua mãe estrangeira.112 Além disso, a aristocracia tradicional
considerava Temístocles como sendo um homem de modos rudes e de caráter
demasiadamente ambicioso (Plu. Them. v. 2-3).
Considerando o pertencimento de Neokles à tribo de Leontis, estabelecida após as
reformas de Clístenes, e o período no qual teria nascido Temístocles, entre os anos 525-524,
podemos colocar que sua educação musical insuficiente seria um elemento característico dos
cidadãos que possuíam ascendência estrangeira, para os quais a reforma de Clístenes alargaria
o estatuto da cidadania, incluindo na comunidade política as famílias que habitavam Atenas
há décadas. Claude Mossé salienta (1993, p. 41) que nem sempre a lei relativa aos nothoi foi
“escrupulosamente respeitada nos dois séculos do apogeu de Atenas”. O próprio Péricles
posteriormente não hesitou em reconhecer como filho legítimo a criança que teve da famosa
Aspásia, sua amante estrangeira natural de Mileto. No fim da guerra do Peloponeso que se
caracterizou pelo recuo do espírito cívico foi necessário que a lei, que tinha caído em desuso,
voltasse a vigorar, mas houve o cuidado de não lhe atribuir caráter retroativo provavelmente
porque, tendo a guerra provocado uma significativa diminuição do número de cidadãos, não
se podia prescindir um filho de um pai ateniense, mesmo que a mãe não pertencesse à
comunidade cívica.
Dessa forma, observamos que as críticas direcionadas à Temístocles podem indicar a
existência de uma disputa política entre três grupos distintos: a aristocracia tradicional, a
aristocracia sem prestígio e os grupos emergentes (zeugitai) resultantes das reformas de
Clístenes em 508-507 a.C., período no qual Temístocles seria um jovem. O processo de
instauração da isonomia marcaria uma facilidade de ascensão dos cidadãos em cargos e
magistraturas que anteriormente eram exclusivos de famílias aristocráticas tradicionais. Além
disso, considerando a educação musical de Temístocles como exemplo, observamos que a
noção de igualdade entre os cidadãos não representava algo a ser plenamente adotado pelo
pensamento aristocrático tradicional que ainda mantinha seus valores relacionados com a
educação dos kaloi kai agathoi (belos e melhores).
Tendo nascido entre os anos de 525 e 524, Temístocles está inserido em nosso corte
temporal relativo ao processo de instauração da isonomia, ainda que fosse um jovem na

112
Segundo os apontamentos orais da orientadora Maria Regina Candido nas reuniões, a educação musical
deficitária de Temístocles provavelmente seria referente à criação dada por sua mãe estrangeira (informação
verbal).
72

época das turbulências políticas que culminaram nas reformas de Clístenes (510-508 a.C.).
Mesmo não participando ativamente do processo, devemos sublinhar que sua atuação política
em Atenas compreende as primeiras décadas do século V a.C. (aproximadamente entre os
anos 500-471), período relativo à consolidação do governo isonômico e da permanência das
reformas no território ático. Desse modo, podemos relacionar a biografia de Temístocles
diretamente com o contexto histórico de transição da tirania para a isonomia, no qual foram
tomadas medidas como a atribuição da cidadania a todos aqueles que possuíssem pai
ateniense (o que foi provavelmente o caso do próprio Temístocles).
Nesse per histórico, podemos afirmar que a ascensão social dos grupos pertencentes às
camadas médias da população, situados entre os pobres e ricos,113 teria ocorrido atrelada a
fatores como a criação do Conselho dos Quinhentos, o alargamento da cidadania, a associação
das falanges hoplitas à ideia de isonomia e a integração das competições corais à lógica da
reorganização territorial da Ática. Sobre tal possibilidade, citamos Maria Regina Candido
(2005, p. 625) que expõe a perspectiva do cidadão comum ser o mesmo que participava dos
festivais públicos e integrava as fileiras dos hoplitas, lutando em defesa da comunidade
política ateniense. Essa hipótese defende a ideia da preparação dos coros musicais ter sido
uma atividade análoga e complementar ao treinamento militar, pois ambos seriam expressões
de uma comunidade política em desenvolvimento, relacionada com a nascente ideia da
isonomia. Para considerarmos tal posicionamento, primeiramente torna-se necessário
identificar as evidências materiais dos indícios dessa relação, nesse caso o desenvolvimento
da falange hoplita e dos coros musicais como componentes de formação da cidadania.
No tocante à organização social dos exércitos atenienses, Alair Figueiredo Duarte
(2013, p. 71) coloca que os aristocratas pertencentes às classes mais elevadas combatiam na
cavalaria (hippeis) enquanto que os pequenos e médios proprietários de terra, os zeugitai,
combatiam como hoplitas, ou seja, na infantaria pesada a pé como cidadãos soldados. Este
conceito é citado por Marcel Detienne (1999, p. 158-159) que menciona ter ocorrido uma
transferência114 da função guerreira das mãos dos hippeis para os cidadãos médios que seriam

113
Tais grupos sociais em Atenas constituiriam algo aproximado ao nosso conceito moderno de classe média,
que seriam aqueles indivíduos pertencentes às camadas médias da sociedade como por exemplo: profissionais
liberais; pequenos e médios empresários; médicos; advogados; entre outros.
114
Na passagem integral do texto, Marcel Detienne coloca que a aristocracia teria perdido “le privilège de
défendre le groupe social au profit de tous ceux qui sont capables de se procurer à leurs frais l’équipement
d’hoplite; l’exercise du pouvoir politique est dês lors assuré par um plus grand nombre. Déclin de l’aristocratie,
avènement du citoyen-soldat, formation de la cité des hoplites, aurant de transformations capitales qui semblent
inséparables de l’apparition de la falange”.
73

camponeses proprietários de terras.115 Nesse caso, devemos sublinhar que Atenas no início do
período arcaico dispunha de uma força militar baseada na aristocracia guerreira possuidora de
cavalos e boas armas, meios eficazes que asseguravam a defesa comum do território entre os
aristoi. Os ideais aristocráticos, conforme os apontamentos de Alair Figueiredo, eram
interligados desde o período da realeza palaciana a um conceito de aristocracia guerreira
(DUARTE, 2013, p. 67) fundamentado na ideia da consanguinidade “divina” baseada em uma
ascendência mítica, no qual os aristoi deveriam prestar assistência uns aos outros em
momentos de guerra. Durante o século VI a.C. tais valores persistiram, passando a ser
incorporados em uma nova maneira de guerrear no qual os pequenos e médios agricultores,
pertencentes à classe censitária dos zeugitai, começam a combater como hoplitas de maneira
disciplinada, baseando-se em uma batalha ritualizada (HANSON apud, DUARTE, 2013, p.
70). Dessa forma, esses indivíduos se identificariam com o estilo hoplita de cooperação entre
iguais através do treinamento de uma “ordem unida” de um conjunto de cidadãos soldados
camponeses. Luciano Canfora compara essa visão da falange hoplítica com a ideia de
aristocracia guerreira colocando que “o combate aristocrático da época arcaica era uma prova
de valor individual, ao passo que o combate hoplita tinha introduzido as fileiras e a
cooperação como elementos decisivos”116 (CANFORA In. VERNANT, 1994, p. 89).
A ideia de que teria havido uma transição de uma aristocracia guerreira para o
combate coletivo (isonômico) dos hoplitas é relacionado à emergência de uma suposta
“revolução hoplítica” que segundo Claude Mossé teria substituído os combates desordenados
e os duelos individuais homéricos pela formação em falange (MOSSÉ, 1993, p. 22-23). A
ideia da existência de uma “revolução hoplítica”117 é criticada por Marcel Detienne que
defende a hipótese da formação da falange hoplita não ter sido implementada através de um
evento particular, pois não se tratou de uma invenção espontânea proveniente de algum tipo
de acontecimento ou marco específico. Segundo o autor, essas transformações teriam nascido

115
O autor não faz uma referência direta à classe censitária dos zeugitai nesta citação.
116
Na estrutura da falange hoplita, os combatentes eram alinhados em fileiras protegendo uns aos outros com um
escudo redondo (hoplon) equipado na mão esquerda, no qual atacavam o inimigo com lanças em formação
fechada, aliando ataque e defesa de forma simultânea. Segundo Mossé (1993, p 23), “mais do que a formação em
falange, é a sua abertura a um maior número de combatentes que tem consequências importantes. Porque no seio
da falange, todos os combatentes podiam trocar de lugar com os outros, sendo portanto iguais, e em caso de
vitória, o espólio, fosse ele armas, gado ou terra era dividido em partes iguais por todos. A extensão das fileiras
da falange contribuiu para o desenvolvimento da ideia de igualdade. E da igualdade da partilha do espólio
passou-se à igualdade na divisão da autoridade política”.
117
A ideia de uma revolução hoplítica disseminada na academia provavelmente surgiu através do levantamento
de iconografias áticas do século VII a.C. que possuíam elementos da falange e da indumentária hoplita. Um
exemplo disso é uma das cerâmicas de nosso corpus documental imagético, o vaso Chigi de datação aproximada
entre os anos de 630 e 600 que será analisado mais adiante neste capítulo.
74

de planejamentos sucessivos trazidos pelos aristoi através de seus equipamentos de guerra,


pois as reformas militares teriam sido conduzidas essencialmente por esses setores
aristocráticos, no qual as mudanças não foram necessariamente interligadas com a noção de
uma “mentalidade democrática” nas fileiras hoplíticas (DETIENNE, 1999, p. 160).
Maria Regina Candido (2016, p. 63) corrobora a hipótese de Detienne ao expor que a
instauração da falange dos hoplitas não constituiu um processo de revolução política e social,
defendendo a constituição de uma república dos hoplitas (CANDIDO, 2016, p. 66) que seria
o conjunto de cidadãos soldados camponeses que engrossavam as fileiras das falanges. Sendo
esses indivíduos pequenos e médios proprietários de terra que possuíam condições de comprar
seu próprio equipamento, podemos afirmar que os zeugitai constituíam a maioria de cidadãos
inseridos na falange dos hoplitas.
O debate historiográfico exposto acima nos oferece meios de defender a existência de
uma participação efetiva dos zeugitai nos coros musicais em conjunto aos segmentos
censitários superiores, os pentakosiomedimnoi e os hippeis. Nossa argumentação consiste
basicamente no princípio que estabelece simultaneamente o cidadão soldado camponês que
defende a pólis como o khoreutas que integra os coros musicais. Portanto, os zeugitai
enquanto hoplitas, cidadãos soldados, seriam integrados nos coros musicais de forma análoga
à sua inserção nas falanges dos hoplitas, visando a construção de um sentimento de
cooperação e solidariedade entre os membros de uma mesma tribo. Evidências iconográficas
presentes na cultura material dos vasos áticos oriundos do sexto século nos indica a existência
dessa associação, pois suas imagens representam elementos da panóplia (armadura) hoplita
em conjunto com elementos referindo-se à performance coral. A Hydria atribuída ao grupo de
Lydos (figura 4) representa um claro exemplo da representação do que seria um zeugitai com
indumentária hoplita sendo conduzido por um cavaleiro armado com lança e espada,
provavelmente um hippeis, no qual seu cavalo também se encontra paramentado com
armadura.
75

Figura 4 – Hydria atribuída ao grupo de Lydos

Legenda: Hoplita armado com capacete, lança e escudo seguindo um cavaleiro com lança montado em
um cavalo paramentado.
Fonte: Bulletin of the Metropolitan Museum of Art, New York: nº 47 (1989), p. 3, pl. 9.

Mesmo sendo datada em um período recuado de nosso corte temporal segundo a


indicação de J. D. Beazley118 determinando os anos entre 550-540, a Hydria119 se mostra de
destacada relevância por representar um hoplita a pé conduzido por um cavaleiro, o que
permite identificar suas classes censitárias a partir de suas posições no exército de Atenas.
Dessa forma, esse vaso nos fornece um referencial para identificar potenciais zeugitai
representados em uma determinada pintura de vaso. Porém, o elemento que realmente destaca
a relevância desta cerâmica para nossa pesquisa se encontra na cena presente na parte superior
(figura 5): um aulètes120 tocando o aulós em frente a quatro dançarinos executando

118
Indicação presente no domínio http://www.beazley.ox.ac.uk/record/72E60E3A-91DA-4C3E-97B1-
EB9C187C7E0C. Acessado em 2 de março de 2018.
119
Artefato: Hydria; Estilo: Figuras negras; Número no Beazley Archive: 12278; Pintor: Grupo de Lydos;
Datação: 550-540 a.C./Fabricação: Atenas; Proveniência: Indeterminado. New York, The Metropolitan Museum
of Art 1989.11.3
120
Aulètes: músico que tocava o aulós, instrumento muito presente na vida cotidiana de Atenas sendo
largamente utilizado no acompanhamento do coro nos grandes festivais, no treinamento militar e no trabalho
rural, no qual o som do instrumento era utilizado como elemento motivador para os agricultores. Daniel Paquette
(1984, p. 24-25) define o aulós como um instrumento constituído por um (ou dois no caso do aulós duplo) tubo
cilíndrico ou cônico fixado na boca do músico que sopra os tubos de maneira similar a uma flauta moderna. No
caso do aulós duplo os movimentos dos tubos são simultâneos e constituem a forma pela qual os gregos
conseguem obter sons polifônicos (duas melodias tocando ao mesmo tempo). Segundo o autor, sua origem
76

movimentos de dança sincronizados, o que nos permite identificá-los como khoreutai. O


aulós era o instrumento característico da performance coral, no qual Renaud Gagné (2013, p.
6) define como sendo o acompanhamento musical ideal para os versos entoados pelo coro.
Em relação à sua disposição no espaço físico durante as performances, o aulètes se localizava
na orchestra de frente ao coro trajando uma indumentária arrojada e colorida que o destacava
dos khoreutai. A posição similar dos quatro homens representados na cena nos indica a
realização de uma dança sincronizada, o que em conjunto com a presença do aulètes nos
permite classificar a cena como sendo a representação de uma performance coral em conjunto
com dois soldados.

Figura 5 – Parte superior da Hydria do grupo de Lydos.

Legenda: Coro musical de quatro homens sendo acompanhados por um aulètes. Suas posturas idênticas
nos indica a realização de movimentos de dança sincronizados.
Fonte: http://www.beazley.ox.ac.uk/record/72E60E3A-91DA-4C3E-97B1-EB9C187C7E0C.
Acessado em 26 de fev. de 2018.

Preliminarmente, observamos que as duas respectivas cenas representadas na cerâmica


pressupõem a existência da relação entre o ato de guerrear e a participação nos coros
musicais. Por outro lado, a presença do aulós em um contexto de guerra não representa algo
surgido no sexto século na Grécia, pois uma Olpe datada do VII século a.C. (figura 6)
conhecida como o vaso Chigi, situada entre os anos de 630-600, exibe uma falange sob o

possuiria uma ascendência asiática incontestável, ainda que não seja claramente definida, sendo o instrumento
provavelmente oriundo da Ásia menor, mais especificamente da Frígia, região reconhecida por séculos pela
reputação dos seus aulètes. A primeira alusão ao aulós em um texto escrito estaria na Ilíada, no qual “c’est un
instrument troyen. L’aulós apparaît sur les vases géométriques, mais c’est sur céramique à figures noires, puis à
figures noires, puis à figures rouges, qui’il se presente selon une fréquence suffisament éleveé pour justifier une
étude exhaustive”.
77

acompanhamento de um aulètes. Segundo Marcel Detienne (1999, p. 162), a cerâmica indica


que o aulètes possuiria um papel essencial na marcha dos hoplitas, ditando o ritmo e
mantendo a coesão da falange nos momentos que antecedem a batalha. Desse modo, os ritmos
musicais oriundos do som estridente do aulós proporcionariam a ordem e disciplina
necessárias para a marcha dos hoplitas, indicando uma proximidade do treinamento militar
com os coros musicais a partir da utilização do mesmo instrumento musical. Além disso, a
Hydria de Lydos (figura 4) também apresenta dois soldados em conjunto com o coro musical
de quatro homens, realizando uma associação direta entre a participação no coro com a
atividade guerreira representada no cavaleiro e no hoplita situados na parte inferior da
cerâmica.

Figura 6 – O vaso Chigi

Legenda: Um aulètes tocando e marchando entre as fileiras hoplíticas, regulando o ritmo da marcha e os
preparando para o combate.
Fonte: https://revistadehistoria.es/el-hoplita-ateniense-del-siglo-v-ac-parte-i/. Acessado em 15 de
fevereiro de 2018.

Segundo Jacques Chailley (1979, p. 42), professor de História da Música na


Universidade de Paris-Sorbonne, a cena representada no vaso chigi estaria inserida em um
contexto de combate, no qual o aulètes impõe os tubos do instrumento em posição
ascendente, direcionando sua cabeça para o alto. O autor defende a hipótese que a potência
sonora do aulós era algo comparável ao trompete utilizado atualmente nas marchas militares,
como meio de incentivo para o espírito guerreiro. Apesar do vaso Chigi (fig. 6) representar a
união da música com a marcha dos hoplitas, é importante ressaltarmos que essa cerâmica não
78

apresenta um coro musical em nenhum local de suas faces. Sua datação do século VII nos
serve como uma importante evidência que aponta para o uso do aulós em uma época anterior
à Sólon, fora de Atenas, o que determina que a música presente nas marchas hoplíticas não
era algo restrito aos atenienses. Fábio Vergara (2010, p. 12) afirma que era comum na vida
militar grega a presença de instrumentos musicais, no qual o treinamento de guerreiros era
feito ao som do aulós. Nesse caso, “jovens, ao treinarem a disciplina da formação hoplítica
entoavam canções que os exortavam à bravura militar e a uma conduta disciplinada,
respeitante da norma coletiva”.121 Além disso, salientamos também que a imagem do aulós
nas pinturas de vaso fazem clara referência aos coros musicais, sendo necessária a presença de
outros elementos simbólicos na iconografia para que possamos identificar efetivamente uma
performance coral representada em uma cerâmica. Um exemplo de tais elementos seria a
representação de coros de formação circular nas pinturas de vaso.

2.4 Os coros de formação circulares: a representação imagética dos ditirambos

O processo de instauração da isonomia por Clístenes se caracterizou principalmente


por estabelecer uma pólis centralizada administrativamente no qual o círculo seria uma
representação do espaço político da cidade, segundo nos aponta Peter Wilson (2000, p. 17).
Os grandes coros circulares presentes nos grandes festivais, frente aos representantes das
phylai, seriam reflexos da estrutura da comunidade política que Clístenes pretendia
estabelecer, no qual a integração dos cidadãos na esfera política e militar constituiria um de
seus principais pressupostos. Os coros circulares eram denominados de kýklios khoros122 em

121
Outros instrumentos além do aulós também se encontram presentes nas iconografias gregas como por
exemplo a salpínx, algo que remete a um trompete, e o kéras, uma espécie de berrante de chifre. Fábio Cerqueira
expõe que o acompanhamento musical das atividades militares pode ser verificado tanto na tradição literária
quanto na tradição iconográfica. O autor coloca que: “no que se refere à tradição literária, as fontes escritas de
vários períodos e representativas de diversos gêneros são ricas em registros, notadamente autores que relatam e
historiam os feitos militares, como Heródoto, Tucídides, Xenofonte, Políbio e Estrabão” (CERQUEIRA, 2010,
p. 12).
122
Segundo os apontamentos de Claude Calame (1977, p. 77) os kýklios khoros seriam relacionados com o mito
de Teseu, pois “on constate que c’est en cercle que Thésée, après as victoire sur le Minotaure, ‘tresse’ a
l’intention des dieux un choeur avec les sept jeunes gens et les sept jeunes filles qu’il a amenés d’Athènes. Ce
choeur répparaît, sous une forme un peu diferente, dans l’Hymne à Délos de Callimaque; sous la conduite de
Thésée, les chouretes dansent en rond autor de l’autel de Délos (kýklios orkhésanto). Le cas du choeur de Thésée
est particulièrement interessant puisque, comme nous le verrons plus loin, la danse qu’il exécute est le modèle
mythique d’une séquence du rituel des Aphrodisia, au cours de laquelle, à l’imitation de la danse du choeur de
Thésée, était exécutée autor de l’autel aux cornes à Délos la danse de la grue”.
79

grego, sendo associados com os coros do gênero ditirâmbico e com os coros líricos que viriam
a surgir posteriormente no período clássico. Segundo Claude Calame (1977, p. 77), baseado
nos apontamentos de Renate Tölle,123 dentro da análise iconográfica do coro musical arcaico
existiriam duas categorias essenciais: a primeira corresponde a um coro musical representado
em formato de um ato de procissão e a segunda se refere aos coros circulares. Ainda existiria
uma terceira classe, pouco abordada pelo autor que a classifica como “menos importante”
(moins important), constituída pelos coros em formações de fileiras124 (CALAME, 1977, p.
84), muito similar à Hydria de Lydos. Sobre esta diferença de formações dos coros, é
importante citarmos que o debate referente à relação dos coros circulares e retangulares com
seu gênero específico (trágico, lírico, ditirâmbico, dramático, entre outros) não apresenta
posições conclusivas,125 não possuindo um consenso definido entre especialistas do
teatro/coro grego.
O fato das cerâmicas ilustrarem performances corais em suas pinturas não constitui um
fenômeno incomum na Grécia segundo Guy Hedreen (2013, p. 173-174), pois representações
de coros são presentes em diversos tipos de vasos. Porém, o autor cita a dificuldade visual que
temos de definir se a formação e disposição dos indivíduos em uma cerâmica são circulares
ou retangulares. Nesse caso, o autor afirma que é possível que as dimensões espaciais das
cerâmicas representem coros circulares em sua maioria, tendo em vista que a grande maioria
dos vasos eram construídos de forma circular. Entretanto, ao analisarmos metodologicamente
o documento da cultura material considerando seu aspecto material e iconográfico, notamos
que as imagens de vaso se tornam difíceis de “tematizar ou mobilizar a forma da pintura de
vaso para expressar a ideia que uma dança representada na pintura possua uma disposição
circular”. A dificuldade seria definir se uma forma circular presente em um vaso segue
simplesmente o formato da cerâmica ou se representa efetivamente uma formação circular no

123
A indicação bibliográfica presente no texto de Claude Calame (1977, p. 81) é R. Tölle, Frühgriechische
Reigentänze, 1961, p. 58-62.
124
Essa formação é representada na cerâmica denominada Cratera de Basel que iremos abordar no capítulo
seguinte.
125
Sobre a relação entre a formação dos coros com o seu gênero musical, Claude Calame (1977, p. 84)
estabelece que “la formation en rectangle du choeur tragique dépend probablement” das formações em fileiras,
enquanto que a formação do coro trágico “prend donc origine dans une forme lyrique et la dichotomie entre
choeur tragique, marqué du trait ‘rectangle’. (...) les représentations figurées nous ont révélé un trait
caractéristique du choeur lyrique qui n’apparaissait pas dans les documents écrits, celui de ‘procession’. De ce
fait, le complexe sémantique ‘choeur lyrique’ n’implique pas nécessairement le trait ‘circularité’ et son corrélat
‘centre’, mais les traits ‘procession’ et ‘circularité’ sont tous deux des composants sémantiques dépendant
hiérarchiquement de celui de ‘choeur lyrique’; ils sont em relation de disjonction exclusive par rapport su trait
qui les subsume”.
80

mundo virtual da imagem. Um exemplo é a cerâmica protoática de Berlim126 datada do século


VIII a.C. (figura 7) que representa um coro circular de mulheres de mãos unidas. A lógica
circular é quebrada devido ao fato de que a alça do vaso, parte lógica de sua construção,
interrompe o fluxo contínuo de mulheres, abrindo espaço para duas interpretações: do coro
representado ser de formação circular contínua, porém com a sua lógica interrompida pelos
limites físicos da cerâmica; ou se a abertura no círculo foi colocada intencionalmente pelo
artista se aproveitando do formato da cerâmica.127

Figura 7 – Detalhe de vaso proto-ático

Legenda: Formação circular de mulheres sendo interrompida pelos limites naturais da cerâmica proto-
ática, no caso a alça do vaso localizada no meio do círculo. A técnica do vaso consiste na
utilização de silhuetas, datação: por volta do ano de 700 a.C.
Fonte: Disponível em http://www.beazley.ox.ac.uk/record/F90F87A6-0A6B-4025-B0AE-
99483BBEF2DE. Acessado em 26 de janeiro de 2018.

De modo geral, percebemos que somente o formato circular do vaso não constitui
argumento suficiente para afirmarmos que um determinado coral representado nele seja
classificado como de formato circular. Se torna necessário observarmos elementos como a
disposição dos indivíduos, a forma pela qual eles “encaram” o observador/analista do vaso e
como o pintor impõe sua concepção independente da curvatura de seu formato. Sendo assim,

126
Dados da cerâmica: número de série no Beazley Archive: 1001753; Datação: cerca de 700 a.C; Localização
Berlim, Staatliche Museen zu Berlin, Antikensammlun; Número: inv. 31312; placa número 40 no Corpus
Vasorum Antiquorum fascículo 1 de Berlim.
127
A intepretação de Renate Tölle a respeito desta cerâmica é citada por Guy Hedreen (2013, p. 173): “R. Tölle
plausibly suggested that the interruption is not meaningful, that we ought to imagine the group of maidens as
going around in an unbroken circle, because the leader of the group, a young man clapping his hands, stands not
adjacent to the handle but in the middle of the dancers, opposite the handle placement”.
81

a partir das colocações de Hedreen (2013, p. 185), podemos afirmar que virtualmente todas as
pinturas de vaso, independente das relações espaciais de suas figuras, ocorrem em formas
circulares. Por conta disso, não podemos tomar as curvaturas físicas de uma cerâmica como
fatores conclusivos para classificar uma formação coral como circular, tornando necessário
uma análise da disposição dos indivíduos presentes na pintura e dos elementos simbólicos que
indiquem a representação de um coro circular.
Os coros circulares são naturalmente relacionados com os ditirambos que
representavam um gênero performático no qual se executavam simultaneamente canto e dança
em procissões e sacrifícios consagrados em honra à Dioniso (CSAPO, 2003, p. 70). Segundo
a referência no Oxford Classical Dictionary, o significado do termo grego dithyrambos nos é
desconhecido, tendo sido objeto de discussão desde a Antiguidade. Houveram três fases no
desenvolvimento do gênero: (1) o ditirambo pré-literário, anterior à documentação escrita;
(2) o ditirambo institucionalizado à pólis a partir do sexto século; (3) e os últimos anos do
século V a.C. no qual se destacaram poetas como Píndaro e Baquílides (HORNBLOWER,
1996, p. 253). Arthur Pickard-Cambridge (1962, p. 1-2) em sua obra clássica Dithyramb:
Tragedy and Comedy (DTC) nos aponta que a menção mais antiga do termo ditirambo é
proveniente de um fragmento de Arquíloco de Paros, datado da primeira metade do século VII
a.C. O autor traduziu o referido trecho da seguinte forma: “eu sei como liderar a honesta
canção do Senhor Dioniso. O ditirambo, quando meus talentos são fundidos com o vinho”.128
A datação exata do surgimento do ditirambo representa um problema insolúvel, segundo
Pickard-Cambridge, sendo seus prováveis locais de origem as cidades de Paros, Naxos e
Tebas, no qual sua criação como gênero coral teria sido provavelmente introduzida por Árion
em Corinto. É interessante citarmos que Pickard-Cambridge defende a ideia que Árion tenha
realmente existido em meados do sexto século, apesar de considerar o relato de Heródoto
referente ao resgate dos golfinhos como sendo de natureza mítica (Hdt. v. 1.23-24) .
Em um momento inicial, os coros ditirâmbicos presentes em Atenas possuíam fortes
conotações tribais e ritualísticas, sendo progressivamente integrados à esfera institucional da
pólis isonômica nas competições corais das Dionisíacas urbanas, após as reformas de
Clístenes. A questão referente ao desenvolvimento desse processo representa um problema de
difícil resolução, pois Martin West129 (2000, p. 16) afirma que a reconstrução precisa dos

128
A citação de Arquíloco de Paros traduzida para o inglês por Arthur Pickard-Cambridge (1962, p. 2): “I know
how to lead the fair song of Lord Dyonisus. The dithyramb, when my wits are fused with wine.”

129
Sobre a relação entre a música e a dança dos coros musicais e o elemento religioso dos festivais, Martin West
(2000, p. 18) nos expõe que “in general, the music and dancing associated with religious ceremonies were
82

ditirambos arcaicos se torna uma tarefa impraticável, tendo em vista a escassez da


documentação textual oriunda do período. Dessa forma, West considera a utilização das
pinturas de vaso como uma alternativa aos textos escritos para analisarmos os aspectos que
cerceavam a formação dos coros ditirâmbicos.
Portanto, baseado em tais colocações, iremos considerar que coros circulares
presentes nas pinturas de vaso se tratam de coros ditirâmbicos, constituindo um gênero que
teria influenciado as peças satíricas130 que originaram os primeiros dramas no teatro grego
(BIEBER, 1939, p. 7). Sendo assim, podemos colocar que os ditirambos foram um dos
principais gêneros executados dos coros musicais nas competições das Dionisíacas Urbanas,
no qual havia uma forte base tribal em sua organização institucional (GOLDHILL, 1997, p.
59-60), associada com a ideia da isonomia a partir das reformas de Clístenes. Observamos que
a presença dos coros ditirâmbicos na comunidade política dos atenienses transpõe a esfera
religiosa e seu aspecto ritualístico, pois os coros teriam sido utilizados como política
institucional da pólis tanto na tirania dos Pisistrátidas quanto por Clístenes durante o processo
de instauração da isonomia.

2.5 Elementos simbólicos referentes aos coros musicais na cultura material dos vasos
áticos

Os coros musicais do gênero ditirâmbico estão inseridos no contexto histórico do


processo de instauração da isonomia, caracterizado por ser um período de transição política e
social em Atenas nas últimas décadas do sexto século. As mudanças ocorridas neste período
não estão necessariamente ligadas ao marco específico das reformas de Clístenes em 508-507,
mas sim inseridas dentro de um contexto que compreende diversos aspectos políticos, sociais,
econômicos e culturais. As evidências iconográficas presentes nas cerâmicas nos mostram que
ocorreu toda uma transformação gradual de aspectos relacionados ao comércio, a guerra e
principalmente aos coros musicais presentes nas cerâmicas selecionadas. O aumento da

designed above all to give pleasure to the onlookers. Only at climatic moment of sacrifice did a solemn or
reverential mood prevail. For the rest, the atmosphere was festive (...) Not everything had to be subordinated to
the god’s needs. A paean or dithyramb might contain much that had little relevance to the deity being honoured.
And with a crowd gathered in Holiday spirits, it is not surprising that the musical entertainments sometimes
proliferated”.
130
A citação integral não-traduzida de Margareth Bieber (1939, p. 7) coloca que “it was rather the satyr play, the
earliest form of the drama, that developed from the dithyramb as sung by the satyrs”.
83

demanda comercial dos vasos áticos para atender os cultos e simpósios do final do século VI
a.C. teria impulsionado a circulação de vasos de figuras negras e vermelhas bilíngues pelo
Mediterrâneo, fato este que Barbara Kowalzig (2013, p. 32) atribui à difusão dos coros
musicais ditirâmbicos entre diferentes póleis do mundo helênico,131 o que entra em
concordância com a os apontamentos132 de Arthur Cambridge (1962, p. 31) que reforçam a
expansão dos ditirambos em todo o mundo helênico. Kowalzig deixa transparecer que as
performances corais ditirâmbicas passaram a possuir um papel dinâmico no processo de
redefinição da cidade arcaica, processo que ocorreu em conjunto com a valorização do culto
ao deus Dioniso. Portanto, a pólis ateniense neste período adota visões que envolvem uma
mudança na comunidade em um momento onde os limites cívicos estariam sendo redefinidos
(KOWALZIG, 2013, p. 31-33).

Figura 8 - Lekythos de Kerameikos133

Lado esquerdo Centro Lado Direito

Legenda: Dois hoplitas montados em golfinhos com um aulètes tocando no centro. Vaso de cerâmica
localizado no Museu de Kerameikos em Atenas.
Fonte: Fotos capturadas pelo autor (2018).

131
Para maiores detalhes, ver o mapa com a difusão dos coros ditirâmbicos de Barbara Kowalzig (2013, p. 48)
presente no ANEXO A, na página 184.
132
Um destes apontamentos consiste no fato de grande parte dos compositores de ditirambos atenienses não
eram nascidos em Atenas, o que indica a existência de uma expansão dos ditirambos em outras áreas além da
Ática (CAMBRIDGE, 1962, p. 31).
133
Artefato: Lekythos; Estilo: Figuras negras; Pintor: Theseus Painter; Datação: 510-490 a.C./Fabricação:
Atenas; Proveniência: Atenas, bairro do Cerâmico. Atenas, Kerameikos Museum, 5671.
84

Outro importante fator refere-se às competições corais que muitas vezes demandavam
a produção de vasos como premiação com valor de uso. Todo esse contexto nos aponta para
um aumento de trocas comerciais entre cidades, além de um incentivo à produção local que
vem desde o período dos Pisistrátidas até a instauração da isonomia. Entre os vasos de
cerâmica localizados nesse período, observamos um certo conjunto de vasos áticos (Figuras
8, 9 e 10) que retratam coros musicais representados por homens montando em golfinhos
dispostos circularmente, o que constitui um indício da representação de coros ditirâmbicos.
Porém, devemos salientar que os golfinhos dispostos nas cerâmicas também constituem
elementos simbólicos que fazem referência aos ditirambos, conforme os fatores citados por
Eric Csapo em Dolphins of Dionysus (2003). Nesse artigo, Csapo busca analisar a relação
entre os golfinhos e Dioniso (e, por conseguinte os ditirambos, gênero atribuído ao deus)
através de uma análise da documentação textual134 e imagética, no qual o autor analisa
pinturas de vaso que representam golfinhos.135
Primeiramente, antes de citarmos as considerações de Csapo sobre os golfinhos, é
necessário indicarmos uma passagem nas Histórias de Heródoto que evidencia a relação entre
golfinhos e coros ditirâmbicos (Hdt. v. 1.23-24). Nesta citação específica, Heródoto atribui
tanto a criação dos ditirambos (hinos em honra a Dioniso) quanto da prática coral ao músico e
poeta Árion de Metimna. De acordo com o relato, após ter acumulado fortuna na Magna
Grécia, Árion resolve sair da cidade de Tarento localizada na península itálica rumo à
Corinto, contratando um navio para atravessar o Mediterrâneo. Durante o percurso da viagem
saqueadores coríntios que estavam a bordo (disfarçados de marinheiros) aprisionam Árion e
lhe roubam seus pertences, o obrigando a fazer uma escolha: o suicídio, condição imposta
caso ele quisesse ser enterrado em terra firme, ou ser atirado em alto-mar, onde seu corpo
afundaria sem nenhum tipo de cortejo fúnebre. Em face da escolha, Árion realiza um pedido
antes de sua morte: que ele possa tocar e cantar uma última música, realizando sua
performance aos olhos de seus captores. O pedido é aceito e Árion coloca suas vestes de
apresentação e de posse de sua kithara136 (instrumento de sete cordas similar à lira) entoa um

134
Devido à natureza de nossa pesquisa, consideramos especificamente somente a análise da documentação
imagética realizada por Csapo em seu artigo (CSAPO, 2003, p. 78-90).
135
É importante colocarmos que não utilizamos em nosso catálogo algumas cerâmicas analisadas por Eric
Csapo, o que ocorreu porque buscamos trabalhar com as cerâmicas que também representassem elementos da
performance coral, como por exemplo: golfinhos em formação circular; golfinhos utilizados como montaria por
guerreiros; presença de aulètes; bocas abertas; e movimentos sincronizados entre os khoreutai.
136
Segundo os parâmetros de John G. Landels (1999) a kithara é um instrumento de cordas feio de uma caixa de
ressonância de madeira tocado de pé com o plectro, acessório ancestral das modernas palhetas de guitarra e
violão utilizadas atualmente. A kithara era tocada posicionando os dedos nas cordas com uma mão (geralmente a
85

canto em honra a Dioniso encantando todos os presentes com a perfeição de sua execução
musical. A narrativa de Heródoto cita que após o término da execução musical, Árion se atira
ao mar, ainda com sua indumentária musical, sendo resgatado por um golfinho que o leva de
volta à terra firme. Chegando em Corinto, Árion conta sua história a Periandro, o tirano da
cidade, revelando a traição dos marinheiros que estavam em mar aberto junto com ele, os
condenando à pena de morte. Posteriormente, segundo Heródoto, na cidade de Tenâro teria
sido erigido em homenagem à Árion um altar com uma pequena estátua de bronze
representando um homem montado em um golfinho.137
Apesar do tom mítico138 existente no relato de Heródoto, Arthur Cambridge afirma
que muito provavelmente o poeta teria existido139 (CAMBRIDGE, 1962, p. 98), mesmo
considerando o relato do golfinho como alegórico, derivado da narrativa mítica. Eric Csapo
(2003, p. 85) deixa transparecer que a invenção mítica do ditirambo não pode ser dissociada
da emergência dos cantos ditirâmbicos, sendo o golfinho representado com um aulètes
(figuras 8 e 9) uma clara referência simbólica aos coros ditirâmbicos, pois o aulós era um
instrumento utilizado para o acompanhamento musical dos hinos dedicados a Dioniso. Ainda
que o mito de Árion reflita o simbolismo dos coros é importante definirmos que os vasos
gregos dos períodos arcaicos e clássicos não ilustram as narrativas míticas de forma literal, ou

esquerda) enquanto que outra ataca as cordas com o plectro, sendo a ação realizada de forma conjugada. Era o
instrumento padrão do músico (kitharoidos) que atuava nas competições dos grandes festivais atenienses do
período clássico, Usualmente era um instrumento associado ao deus Apolo e aos músicos mais experientes e
virtuosos, enquanto outros deuses como Hermes e Dioniso tocavam outros tipos de instrumentos mais simples
como a lyra, associada com a ideia de educação e lazer. A kithara possuía uma larga caixa de ressonância e
normalmente possuía 7 cordas, chegando a existir modelos de 10 e 11 cordas. Nesse contexto, o ofício do músico
profissional que utilizava a kithara era algo considerado indigno e vulgar em comparação com a educação
formal do cidadão ateniense, sendo associada com a lyra: Conforme nos aponta Fábio Vergara Cerqueira (2007,
p. 65): “Aristóteles não hesitava em chamar os músicos profissionais de vulgares e em definir a execução
musical como imprópria a um homem livre. Para ele, os cidadãos deviam dedicar-se à execução musical somente
em sua juventude, abandonando essa prática na idade adulta”.
137
Devemos destacar que não foram encontrados até a presente data (março de 2018) vestígios arqueológicos
que comprovem a existência deste monumento construído em homenagem à Árion, o que indica a possibilidade
da construção não ter sobrevivido à passagem dos séculos, caso tivesse existido.

138
A história de Árion é tratada como um mito pela historiografia, em sua grande maioria devido à natureza
fantasiosa do relato que descreve um golfinho salvando conscientemente um homem a partir do som musical,
agindo como um animal de montaria o levando do alto mar para a terra seca. Alguns historiadores que citam o
relato como mítico são: Mary Louise Hart (2010); Eric Csapo (2003); Barbara Kowalzig (2013); Arthur P.
Cambridge (1962); entre outros.
139
Arthur P. Cambridge (1962, p. 97-98) realiza tal afirmação com base em outras referências além de Heródoto
como: a Souda: “The Suda lexicon: Arion, of Methymna, lyric poet, son of Kykleus, born in the 28th Olympiad
[i.e. 668-665 b.C]. Some call him a pupil a Alkman. Wrote songs. Preludes for epics, two books”; Procul,
Chrest. XII: “Pindar says the dithyramb was discovered in Corinth. The inventor of the song Aristotle calls
Arion. He first led the circular chorus”; John the Deacon, Commentary on Hermoneges, ed. H. Rabe, Rhein.
Mus. IXIII (1908), p. 150; “The first performance of tragedy was introduced by Arion of Methymna, as Solon
said in his Elegies. Charon of Lampsacus says that drama was first produced at Athens by Thespis”.
86

seja, suas pinturas não narram diretamente os mitos apesar de se basearem nos seus elementos
simbólicos e alegorias (CSAPO, 2003, p. 81). Desse modo, as cerâmicas apresentam
simbolismos, ideias e noções ligadas a uma mesma memória sociocultural dos atenienses que
enfatiza a associação dos golfinhos com os coros. No caso do Lekythos (figura 8) localizada
no Museu do Kerameikos (Cerâmico) em Atenas, observamos um aulètes no centro da
imagem, disposto de forma que podemos identificar uma formação circular, acompanhado de
dois homens com parte da panóplia hoplítica (capacete e lança, sem escudo) trajando longos
chitóns montados em golfinhos. É interessante mencionarmos que este vaso exibe somente
dois hoplitas enquanto outras cerâmicas apresentam um maior número de indivíduos (figuras
9 e 10), o que ocorre provavelmente devidos aos limites físicos do vaso em formato de
Lekythos, menor em comparação a outros modelos de cerâmica. Segundo Eric Csapo (2003, p.
88), seriam representados somente dois hoplitas no Lekythos de Kerameikos devido ao
formato estreito da cerâmica, fazendo com que “o homem da direita esteja em frente ao
flautista (aulètes), enquanto que o da esquerda esteja passando por ele em direção oposta”.
Os Lekythoi eram utilizados em rituais funerários e, considerando que a proveniência do vaso
é o bairro de Kerameikos em Atenas no qual existia o cemitério da pólis, podemos afirmar que
provavelmente se trata de uma dedicatória à algum falecido que era relacionado às atividades
dos coros musicais, podendo se tratar de um aulètes, khoreutas ou até mesmo um khoregos.
O Lekythos de Kerameikos refere-se a uma categoria de vasos cujas pinturas
representam homens equipados com a panóplia hoplítica montados em golfinhos, dispostos
em formação circular. Selecionamos em nosso catálogo (presente em APÊNDICE A), além
do lekythos, cinco cerâmicas140 pertencentes à mesma categoria que mostra coros de homens
acompanhados de golfinhos, vestidos uniformemente como guerreiros realizando os mesmos
gestos. Segundo Eric Csapo (2003, p. 87), tais coros musicais presentes nas cerâmicas foram
primeiramente interpretados pela historiografia como sendo coros “pré-cômicos”, ou seja,
performances corais que seriam ancestrais diretas dos coros cômicos, considerando que a
emergência do gênero da comédia se daria somente a partir da segunda metade do quinto
século. Um dos autores que defende essa hipótese é John R. Green no artigo On seeing and
depicting the theatre in Classical Athens (1991) que considera as pinturas de vaso presentes
no Lekythos de Kerameikos, no vaso de Oltos (figura 9), na Hydria de Lydos e no Skýphos
atribuído ao grupo de Heron (figura 10) como evidências literais da existência de um gênero

140
As cinco cerâmicas que exibem homens com golfinhos são: o Skýphos de Heron (fig. 10), o vaso de Oltos
(fig. 9); o Lekythos de Kerameikos (fig. 8); a Kýlix de Theseus (fig. 12) e a Kýlix de BMN painter (APÊNDICE
B, página 170) que é o único vaso que não mostra os golfinhos como montaria, pois o coro está em formato de
procissão com homens de pé, enquanto os golfinhos encontram-se na parte interna da cerâmica.
87

equivalente à comédia no sexto século, considerando as formações circulares presentes nas


cerâmicas como antecedentes diretos da comédia grega clássica (GREEN, 1991, p. 23). Em
uma obra posterior, o livro Theatre in Ancient Greek Society (1994), J. R. Green afirma que as
iconografias são representações de um gênero chamado de “Velha Comédia” (Old Comedy),
no qual animais atípicos como golfinhos e avestruzes (figura 10) seriam coros musicais de
personagens míticos não-humanoides ou animais, como nas peças As Aves e As Rãs de
Aristófanes (GREEN, 1994, p. 28). O vaso de Oltos e o Lekythos de Kerameikos, segundo
Green, seriam iconografias de uma mesma peça cujo texto não sobreviveu ao decorrer dos
séculos. A indumentária hoplita dos khoreutai nos vasos seriam fantasias, segundo os
pressupostos de John Boardman (1975, p. 203), seguindo a perspectiva historiográfica refere à
Velha Comédia. Por outro lado, Barbara Kowalzig (2013, p. 39) afirma que a disposição dos
escudos no vaso de Oltos remete a formações da falange hoplita presentes outros vasos, como
o vaso Chigi (figura 6).

Figura 9 – O vaso atribuído à Oltos141

Legenda: Na cerâmica: Homens trajando indumentária hoplita montados em golfinhos de bocas


abertas, com a inscrição “Epidelphinos” localizada acima de suas bocas.
Fonte: http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-online/search/255946. Acessado
em 5 de julho de 2016.

141
Dados do vaso: Artefato: Psyktêr; Estilo: Figuras vermelhas; Pintor: Oltos; Datação: 520-510
a.C./Fabricação: Atenas; Proveniência: Ática. New York, The Metropolitan Museum of Art 1989.281.69.
88

Entretanto, devemos demarcar que esta hipótese referente à Velha Comédia não
encontra sustentação ao considerarmos que os golfinhos no vaso podem ser associados aos
ditirambos, pois fazem referência direta ao mito da invenção do gênero ditirâmbico por Árion.
Além disso, Paulette Ghiron-Bistagne (1976, p. 258) classifica o período arcaico como sendo
uma época “pré-dramática” (époque prédramatique) no qual o único gênero existente que
poderia representar um antecedente para gêneros como comédia, tragédia ou drama seria o
ditirambo, o que dificulta pensarmos a existência de uma Velha Comédia no período arcaico.
Segundo Eric Csapo (2003, p. 87), a hipótese referente às pinturas de golfinhos estarem
representando cenas cômicas foi muito difundida pela escola de T. B. L. Webster.142 Embora
não realize críticas diretas a esse posicionamento, Csapo afirma que existem fortes indícios
que conectam as cenas dos vasos aos ditirambos, no lugar das comédias. O principal aspecto
seria a formação circular que os pintores tentaram ilustrar nas cerâmicas, como no vaso de
Oltos que ilustra seis homens montados em golfinhos, vestidos com chitóns curtos e panóplia
hoplítica: capacetes, couraças peitorais, lanças simples e escudos. Conforme expõe Csapo
(2003, p. 89) faltam esclarecimentos sobre a armadura vestida pelos khoreutai em vasos dessa
categoria, descartando a possibilidade da indumentária hoplita representar uma alusão direta
ao mito de Árion. Nesse caso, considerando os apontamentos anteriores a respeito dos
elementos militares presentes nas cerâmicas, como o cavaleiro e o hoplita na Hydria de Lydos
(figura 4), iremos defender a hipótese que associa o uso do coro musical como componente
de formação do cidadão soldado camponês, pertencente ao segmento censitário dos zeugitai.
Um interessante elemento presente na iconografia consiste na inscrição Epidelphinos
saindo das bocas abertas de cada um dos homens.143 A interpretação de G. M. Sifakis (apud
TRENDALL, WEBSTER, 1971, p. 24) adequa esse termo grego a ritmos musicais
específicos (“anapaestic dimeters”) que caracterizam a entrada de um coral, sendo um ritmo
musical associado com uma marcha. Outro fator curioso presente na cena refere-se aos
escudos utilizados pelos hoplitas no vaso, pois nas outras imagens de nosso catálogo os
indivíduos se armam apenas com lanças. Sendo assim, podemos afirmar que além da clara
analogia dos golfinhos em disposição circular com os coros ditirâmbicos (HART, 2010, p.
30), o vaso de Oltos também faz referência à atividade militar do cidadão da pólis, assim
como a Hydria de Lydos realiza ao representar o cavaleiro marchando em conjunto com o

142
Thomas Bestram Lonsdale Webster (1905-1974): arqueólogo e classicista britânico que empreendeu estudos
focados na comédia grega.
143
Uma imagem ampliada do vaso de Oltos enfocando as bocas abertas dos khoreutai e a inscrição Epidelphinos
está presente no ANEXO E, página 188.
89

hoplita (figura 4). As ideias referentes à associação do termo Epidelphinos com a marcha
hoplita e à presença da panóplia hoplítica completa no vaso corroboram nossa hipótese na
qual os coros musicais são análogos ao treinamento da falange.
Entre os outros vasos áticos da mesma categoria, o vaso em formato de Skýphos
(figura 10) atribuído ao grupo de Heron simboliza um caso singular por supostamente
representar em suas duas respectivas faces um coro de adultos (Lado A) e um coro de jovens
(Lado B). Os indivíduos são dispostos de forma semicircular devido à divisão entre as faces
do vaso, o que abre a possibilidade de as imagens serem representações de um coro musical
em forma de procissão. No entanto, elementos simbólicos como os golfinhos, o aulètes e a
pequena figura do lado B que se assemelha a um sátiro nos fazem classificar o coro musical
do Skýphos como sendo pertencente ao gênero ditirâmbico, o que caracterizaria as formações
no vaso como circulares.
90

Figura 10 – Skýphos de Heron144

Lado A

Lado B

Legenda face A: Homens trajando indumentária hoplita montados em golfinhos em frente a um aulètes.
Legenda face B: Jovens montados em avestruzes em frente a um aulètes e um pequeno ser que remete à um
sátiro.
Fonte: Disponível em http://www.mfa.org/collections/object/drinking-cup-skyphos-depicting-
chorus-scenes-153547. Acessado em 10 de novembro de 2017.

Entre os diversos elementos simbólicos presentes na imagem, destacamos o fato dos


“jovens” representados no lado B estarem portando capacetes menores e indumentárias
distintas, tendo em vista que os adultos do lado A estariam trajando uma indumentária hoplita
quase completa, excetuando-se somente o escudo. Uma ligeira diferença entre o desenho do
corpo dos integrantes também pode ser notada, com os indivíduos do lado B sendo
ligeiramente menores que os do lado A. Tais divergências nos apontam para a representação
de uma cena de treinamento militar/coral, no qual os jovens da face B seriam khoreutai que

144
Dados do vaso: Artefato: Skýphos (face A); Estilo: Figuras negras; Pintor: Heron; Datação: 520-510 a.C.
Fabricação: Atenas; Proveniência: Ática. Boston, Museum of Fine Arts 20.18.
91

futuramente se tornariam os cidadãos soldados que defendem a pólis e participavam das


competições corais, evidenciando a relação entre o coro musical e a falange dos hoplitas.
Alguns dos elementos que destacam essa hipótese são: as lanças portadas pelos jovens do lado
B que pressupõem um treinamento armado; a panóplia hoplita incompleta na face A; e a
presença do aulós que além da sua função nos coros musicais também era utilizado para
acompanhar os treinamentos da falange.
P. Ghiron-Bistagne (1976, p. 261), ao se referir à história de Árion segundo o relato de
Heródoto (Hdt. v. 1.23-24), cita ter havido a probabilidade de Periandro estar representando
um segmento aristocrático de Corinto que financiava artistas e compositores do ditirambo. Tal
fato justificaria a proliferação de cerâmicas representando golfinhos pela Hélade no sexto
século, em póleis como Corinto, pois os vasos simbolizariam as ambições de uma classe
política (os tiranos e Clístenes em Atenas posteriormente) de proteger as tradições,
objetivando utilizar a arte para fins políticos. Nesse contexto, cerâmicas como o Skýphos de
Heron (520-510), o vaso de Oltos (525-510) ilustrariam a processo de desenvolvimento dos
coros ditirâmbicos: no qual inicialmente representavam uma atividade exclusiva para a
aristocracia (BISTAGNE, 1976, p. 296) e progressivamente durante o processo de
instauração da isonomia tornaram-se uma atividade comum a todos os cidadãos das démoi
nos festivais públicos.
Um aspecto relevante no Skýphos é a diferença entre as montarias: os adultos do lado
A montam golfinhos enquanto os jovens parecem utilizar avestruzes como montaria.
Conforme apontado anteriormente, os golfinhos estariam relacionados com o mito de Árion e
com a invenção mítica do ditirambo, no qual a iconografia presente no vaso dialoga
diretamente com a documentação textual presente em Heródoto. Em relação aos avestruzes,
Ghiron-Bistagne os relaciona145 com a tradição historiográfica dos coros pré-cômicos
arcaicos, os associando às peças de Aristófanes do quinto século, sendo algo análogo aos
personagens da peça As Aves. J. R. Green (1991, p. 22) também analisa o Skýphos de Heron
sobre esse parâmetro, a definindo como uma ilustração da Velha Comédia. Outra autora que
entra em concordância com esse posicionamento é Margareth Bieber (1939, p. 66) que
enquadra o Skýphos no capítulo Old Comedy de sua obra The History of Greek and Roman
Theater.

145
Sobre os avestruzes, a definição não-traduzida de Ghiron-Bistagne (1976, p. 261) coloca que “le choeur des
‘dauphins’ et celui des ‘autruches’ sont la même tradition que celui des cavaliers et des coqs de Berlin ou celui
des Oiseaux de Londres. De telles images semblent les prototypes de créations d’Aristophane, 150 ans avant leur
adaptation scénique”.
92

Sobre essa perspectiva historiográfica, conforme vimos anteriormente, reiteramos que


interpretar os coros musicais do sexto século como sendo ancestrais da comédia corresponde a
uma posição equivocada, pois além dos elementos simbólicos da pintura serem associados
com o ditirambo, não existem referências textuais conclusivas que atestem a existência do
gênero da comédia no final do século VI a.C. Sendo assim, observamos que os avestruzes no
contexto geral da cena presente na cerâmica podem ser relacionados à noção de um rito de
transição e treinamento presente na representação visual do coro de jovens e adultos. Nesse
contexto, podemos considerar que o uso de avestruzes na cena do vaso representa uma etapa
de desenvolvimento dos jovens (lado B) para a vida adulta como cidadãos soldados (lado A),
pois o avestruz pode ser relacionado com a ideia da força, velocidade e ferocidade,146
atributos necessários para o combate. Considerando que os avestruzes são originários da
África, continente no qual os gregos travaram contato com os povos etíopes147 no final do
século VI, não seria implausível considerar o conhecimento dos helenos do comportamento de
tais aves.
Outro elemento singular presente no Skýphos é a presença de um pequeno homem
trajando uma fantasia de bode na face B de frente para o coro de jovens montados em
avestruzes, com o aulètes se posicionando atrás dele. Segundo Green (1991, p. 22), o homem
representaria um “proto-ator” fantasiado, ou seja, um indivíduo que seria um ancestral dos
atores do teatro grego no período clássico, tendo em vista a não-existência de divisões entre a
atuação e a ação do coro nas performances do período arcaico. Trendall e Webster (1971,
p.21) afirmam se tratar de uma representação de Pan, questionando sobre a possibilidade da
figura constituir um tipo de “proto-ator cômico” interpretando o deus. Sobre o tamanho do
indivíduo, Ghiron-Bistagne supõe se tratar de um anão mascarado que aparece como o chefe
ou representante dos khoreutai, podendo ser uma alegoria à figura de um khoregos específico.
Em relação ao nanismo da figura, Véronique Dasen (1993, p. 165) na obra Dwarfs in Ancient
Egypt and Greece considera que a imagem está inserida em um contexto teatral/performático,
o que pode justificar a representação diminuta do homem como um dos aspectos relacionados
ao contexto da cena. A autora também considera as possibilidades da figura ser um homem
portador de nanismo ou uma criança fantasiada se utilizando de barba postiça. Em suma, tais
146
Segundo nos relata a biologia (NERI, 2007, p. 13), a agressividade do avestruz é oriunda de “comportamentos
que denotam alguma competitividade por determinado recurso, por exemplo, fonte alimentar ou espaço físico,
forçando com o corpo o deslocamento de outros. Este comportamento, geralmente, é acompanhado de bicagem
da face (principalmente pálpebra), penas do corpo (principalmente, dorso) e pé de outro animal”.
147
Para maiores detalhes sobre o contato dos gregos com os etíopes macróbios, consultar a dissertação de
mestrado de Cristiano Bispo intitulada Narrativa, identidade e alteridade nas interações entre atenienses e
etíopes macróbios nos séculos VI e a.C. (UFRJ/2006).
93

posicionamentos historiográficos tão divergentes não apresentam qualquer tipo de conclusão


definitiva sobre a figura. Desse modo, baseando-se nas colocações dos historiadores, iremos
considerar que o pequeno homem fantasiado faz uma referência à Dioniso, por estar trajando
uma indumentária que remete aos bodes e sátiros, o que acentua a existência de um caráter
ditirâmbico na cena presente no Skýphos.
De modo geral, segundo Guy Hedreen (2013, p. 182), as representações imagéticas de
homens realizando performances utilizando animais exóticos (golfinhos, avestruzes) como
montaria muitas vezes foram interpretadas pela historiografia como figuras fantásticas ou
mitológicas. Nessa conjuntura, os vasos eram vistos como parte do contexto das primeiras
comédias, no qual os animais representados nos vasos eram associados com as criaturas
presentes nas histórias, como por exemplo, a associação dos vasos de avestruzes com as aves
de Aristófanes. Conforme nossa hipótese sobre os vasos acima representarem coros
ditirâmbicos, as colocações de Hedreen entram em concordância ao apontarem que
recentemente tem sido aceito que as pinturas de vaso correspondem aos primeiros ditirambos
representados em iconografias na Grécia Antiga, sendo difundidas no decorrer do sexto século
na cultura material.
Tendo estabelecido que as cerâmicas se tratam de coros musicais realizados nas
competições das Dionisíacas urbanas, observamos que a Hydria de Lydos, o vaso de Oltos, o
Skýphos de Heron e o Lekythos de Kerameikos apresentam elementos simbólicos que nos
permite relacionar as iconografias com uma memória associada com a aristocracia ateniense.
Tal fator ocorre devido à presença de elementos nas pinturas como a indumentária guerreira e
a representação do golfinho utilizado como montaria, elementos que podem supor uma
relação das cenas com a cavalaria.148 Nesse caso, nos questionamos se os golfinhos associados
com a montaria representados no Skýphos e outras cerâmicas149 representam os altos
segmentos da aristocracia, no caso as classes censitárias dos pentakosiomedimnoi e hippeis.
Os vasos seriam encomendados por cidadãos notáveis possuidores de recursos como uma
forma de representação dos kaloi kai agathoi, expressando valores tradicionais da batalha e do
combate aristocrático em conjunção com a performance coral através da formação circular
dos ditirambos. Por fim, consideramos a hipótese dos vasos estarem representando
manifestações de um pensamento aristocrático que busca também se integrar à falange hoplita

148
A relação entre o golfinho e o cavalo será analisada propriamente no próximo capítulo.
149
Além do Skýphos de Heron, catalogamos outras cerâmicas que representam essa associação entre
golfinhos/organização circular/indumentária de guerra. Para maiores detalhes ver nosso Catálogo de cerâmicas
com temáticas referentes ao coro musical no APÊNDICE A, página 156.
94

presente em Atenas no período referente à datação dos vasos, situados aproximadamente entre
os anos de 520 a 490 a.C.
95

3 O CORO MUSICAL COMO LUGAR ANTROPOLÓGICO DO CIDADÃO


SOLDADO CAMPONÊS: MEMÓRIA CULTURAL E COMUNIDADE POLÍTICA

O lugar se completa pela fala, a troca alusiva de algumas


senhas, na conivência e na intimidade cúmplice dos locutores.
Marc Augé

3.1 Preâmbulo

Neste capítulo iremos prosseguir com a análise imagética dos vasos áticos buscando
aprofundar a questão do coro musical estar relacionado com a falange hoplita, sendo ambos
componentes da formação do cidadão soldado camponês da pólis ateniense. Podemos supor a
existência dessa associação a partir de elementos simbólicos visuais das cerâmicas
relacionados com a cavalaria e a indumentária militar. Tais fundamentos nos apontam para a
existência de uma memória cultural de grupos sociais que compõem a comunidade política
dos atenienses. Além disso, através do debate historiográfico podemos estimar a composição
dos coros musicais, ou seja, identificar quais eram os grupos sociais majoritários que
ingressavam nas competições e performances. Outro importante ponto a ser destacado neste
capítulo consiste na abordagem teórica do coro musical a partir do conceito de lugar
antropológico, definido por Marc Augé como sendo uma construção concreta e simbólica de
um espaço no qual ocorrem práticas coletivas e individuais. Nossa abordagem teórica também
compreende uma análise acerca da memória presente na cultura material dos vasos áticos,
expondo um breve debate acerca dos conceitos de memória coletiva e memória cultural, os
relacionando com nosso contexto histórico.

3.2 A composição social dos coros musicais

Conforme observamos anteriormente, as reformas políticas e territoriais de Clístenes


em 508-507 a.C. demarcaram a emergência de uma série de transformações na estrutura e
organização dos coros musicais. Considerando a escassez de documentos textuais oriundos
desse período, além da cultura material também podemos nos utilizar da historiografia como
96

forma de obter dados a respeito das transformações ocorridas nas tradições corais em Atenas
no período arcaico.

3.2.1 Os segmentos aristocráticos e o coro musical: perspectivas historiográficas

Gregory Nagy (1994, p. 2-3) cita quatro correntes historiográficas150 relevantes sobre a
temática do coro além de sua própria:151 a primeira de Claude Calame (1977) estabelece que o
coro grego arcaico possuía essencialmente uma função social e religiosa que expressava de
forma holística a comunidade grega através das performances corais. A segunda de John
Herington (1985) defende que as performances corais do período arcaico eram reencenadas
em período posteriores, citando o exemplo do banquete espartano de Gymnopaidiai que
apresentava composições atribuídas aos poetas arcaicos, como Alcman, por exemplo. A
terceira de Walter Burkert (1987) afirma que houve uma “fase aristocrática” no
desenvolvimento dos coros musicais arcaicos que foi sucedida por uma “fase democrática” no
período clássico, baseando-se na referência de Velho Oligarca152 (Vel. Oli. Ath. pol. 1.13) que
criticava a participação dos cidadãos pobres nos coros. Por fim, Nagy cita a hipótese de John
Winkler (1985) que supõe a existência de um aspecto de iniciação no treinamento coral que
seria análogo ao processo da ephebia, no qual o coro de jovens serviria como um elemento
auxiliar na formação do cidadão que irá compor as falanges dos hoplitas.
Nagy concorda com Walter Burkert na concepção dos coros arcaicos como
possuidores de características aristocráticas, porém entra em discordância na questão do coro
ser composto supostamente por profissionais itinerantes. Burkert (1987, p. 52) afirma que
haveria a presença de músicos profissionais de outras pólis nos coros musicais em um período

150
Entre as cinco correntes historiográficas citadas por Gregory Nagy, o único texto não consultado na
composição desta dissertação consiste no livro de John Herington intitulado Poetry into Drama: Early Tragedy:
and the Greek Poetic Tradition (1985). As obras consultadas foram: o livro Les choeurs de jeunes filles en Grèce
archaïque (1977) de Claude Calame; o artigo The Making of Homer in the Sixth Century B.C. (1987) de Walter
Burkert; e o artigo The Ephebes’ Song: Tragoidia and Polis (1985) de John Winkler. Todas serão devidamente
citadas e abordadas ao longo de nossa análise.
151
A perspectiva historiográfica de Nagy (1994, p 4) compreende o coro musical como sendo relacionado com a
ideia da mimésis que o define como sendo uma arte de imitação e encenação, na qual subsiste uma interação
entre mito e ritual nas performances corais. A concepção do coro musical como mimésis e mediação será
explicitada mais à frente.
152
Presente na página 62 e na Grade 11 de análise de conteúdo, presente em ÂPENDICE C, página 182.
97

anterior às reformas territoriais, provavelmente na época dos tiranos. 153 No entanto, Burkert
igualmente salienta que Clístenes ao reorganizar os coros nas Dionisíacas urbanas, dividindo-
os entre as dez phylai, estabeleceu por lei que somente cidadãos atenienses poderiam
participar como khoreutai nas competições. Tal colocação entra em concordância com os
pressupostos de Calame que sustentam a hipótese da qual grande parte dos coros musicais não
eram compostos majoritariamente por profissionais, pois a participação dos coros nos
festivais públicos na isonomia se fundamentava principalmente na relação do cidadão com
sua démos. Em outras palavras, a existência de khoreutai amadores que não eram
cantores/dançarinos profissionais teria persistido até meados do século IV a.C., período
caracterizado pela crescente profissionalização dos músicos conforme nos aponta Annie Bélis
(1999, p. 23), através do surgimento de um novo gênero musical de maior complexidade
técnica.154
A emergência de instituições destinadas ao ensino específico de música visando
formar profissionais, segundo Annie Bélis (1999, p. 23), se encontra a partir de inscrições
provenientes a partir do período helenístico, no qual existiam “escolas na qual o ensino de
diferentes disciplinas musicais possuía um nível deveras elevado”. Um exemplo de cidade que
adotava esse sistema era a cidade de Théos, na Ásia Menor, onde existia uma poderosa
associação de músicos que dispunha de instituições de ensino (do nível elementar até o mais
especializado) financiadas por doações de cidadãos. Dessa forma Bélis (1999, p. 27) afirma
que havia no mundo antigo uma grande disparidade entre o cidadão que cantava e tocava
como atividade complementar aos seus deveres cívicos e o músico profissional que se
utilizava de instrumentos e peripécias vocais que um amador não conseguiria executar. Tais

153
Neste caso, Walter Burkert (1987, p. 52) supõe que um tipo específico de coro (os coros de Stesichorus)
representava um dos coros da “fase aristocrática” do desenvolvimento do teatro, no qual “this picture of
Stesichorean choruses travelling through Greece to perform in their new style at polis festivals must remain
hypothetical to some extent, this much is clear from the texts: the new génos, style, and performance were meant
to replace the old epic song “.
154
Referências à emergência de um “novo gênero musical” são encontrados na República de Platão (Pl. Rep. v.
398e-399a), no qual se encontra o seguinte diálogo: “(Sócrates): quais são as harmonias leves em vogas nas
festividades? (Glauco): A jônica e a lídia que são chamadas de relaxantes. (Sócrates): então amigo, que serventia
tem para os guerreiros? (Glauco): Nenhuma. (Sócrates): “então, é necessário excluí-las. São inúteis até para
mulheres que devem ser equilibradas. Imagine então para homens”. Neste diálogo, observamos que Sócrates
realiza uma crítica aos novos “ritmos” e “harmonias” que teriam surgido entre o final do quinto/inicio do quarto
século em Atenas. Roosevelt Rocha (2006, p. 151) refere-se a essa mudança como “a revolução do Novo
Ditirambo”, caracterizado por inovações musicais que provocaram a crítica dos mais conservadores. Outro autor
que faz referência ao novo gênero é Eric Csapo (2003, p. 70) que o denomina de New Music, cujas inovações
teriam renovado toda a música grega entre os anos de 430 e 380 a.C., período em que teria surgido. Sendo assim,
o autor expõe que “in the theatre where New Music’s chief proponents numbered among the most popular poets
and performers of their day, including such lights as Euripedes, Agathon and Timotheus. For this reason it most
affected the theatre genres of dithyramb and tragedy”.
98

colocações entram em concordância com o posicionamento de Fábio Vergara Cerqueira


(2007, p. 69-70) que estabelece a profissionalização musical como uma atividade malvista e
indigna para a aristocracia tradicional. Sendo assim, o estudo da música como teoria e
elemento complementar à formação do cidadão constituía algo valorizado pela elite, pois
levaria ao aperfeiçoamento do espírito para a elevação (Epanagoghé) e a conversão
(anastrophé). Por outro lado, a prática musical como profissão, associada ao virtuosismo,
seria relacionada ao esforço manual (tékhne) que degradaria o espírito por corresponder a uma
atividade laboral, simbolizando algo desprovido dos valores tradicionais dos aristoi, como por
exemplo, o ócio necessário155 para o cidadão exercer a política (WOLFF, 1999, p. 62).
A partir desta perspectiva podemos tomar o músico ou cantor não profissional como o
cidadão ateniense ideal educado a partir da paideía que participa dos festivais públicos na
categoria de khoreutas, desde o período arcaico até o final do clássico. Esse cidadão recebia
aulas de lyra, teoria musical e canto, sendo o virtuosismo e prática exagerada identificadas
com a tékhne enquanto uma execução correta e contida era valorizada como sinal de uma vida
virtuosa. Desse modo, a figura do khoreutas profissional teria surgido somente na época
helenística (CERQUEIRA, 2007, p. 64-65), no qual os integrantes do coro recebiam uma
elevada remuneração pela sua participação. Gregory Nagy considera que esta dicotomia entre
profissionais e não profissionais também era presente no contexto do teatro clássico ateniense,
no qual os khoreutai seriam definitivamente amadores, ao contrário dos atores (NAGY, 1994,
p. 46). Podemos afirmar então que em nosso corte temporal, no final do sexto século, ainda
existia um caráter “amador” na formação dos coros musicais, os quais serão reorganizados
nas Dionisíacas urbanas conforme os novos arranjos políticos de Clístenes, mantendo nos
coros o perfil do cidadão aristocrata que possuía uma formação musical correta sem recorrer
aos vícios do virtuosismo característico dos músicos profissionais.
Neste contexto histórico, as performances corais ocorridas na época da tirania
possuíam uma forte presença dos segmentos aristocráticos na produção e no financiamento de
eventos corais, tendo em vista a não existência da instituição da khoregia neste período. Após
a instauração da isonomia, o khoregos passaria a ser o principal fornecedor de recursos
pecuniários necessários para manter toda a estrutura dos grandes festivais públicos associados
155
Como especifica Francis Wolff (1999, p. 60-63), uma vida que se reproduz somente para se perpetuar com
suas necessidades terrenas constitui uma vida imperfeita, não relacionada à ideia aristotélica do homem
(anthropos) como um animal político (zóon politikon), cuja atividade na política caracterizaria uma vida
virtuosa. Sendo assim (WOLFF, 1999, p. 62), um ser vivo que deve trabalhar para satisfazer as necessidades de
seu corpo, por exemplo, para se alimentar, ou seja, simplesmente para reproduzir sua vida no dia-a-dia (...) é um
ser imperfeito, mas, ao mesmo tempo, “imita” com isso o ser acabado. E, no caso do homem, o trabalho
“econômico” aparece, no que diz respeito à procriação, como um desvio que lhe permite ser, ou como um mal
menor que lhe permite atingir seu bem próprio enquanto vivente.
99

com o governo isonômico. Nesse caso, a participação dos cidadãos como khoregos e
khoreutas constituía um elemento cívico na comunidade política dos atenienses, no qual o ato
de cantar e dançar em conjunto com o financiamento do khoregos se adequam à percepção da
isonomia baseada na competição entre iguais. Porém, considerando fatores como a
valorização do estudo de música não voltado para a profissionalização e a presença de
khoreutai amadores, podemos afirmar que a aristocracia ainda constituiu parte fundamental da
composição e organização dos coros mesmo após a instauração da isonomia. Conforme
observamos, a historiografia citada (Burkert, Nagy, Cerqueira, Bélis) nos fornece indícios de
ter persistido uma forte presença dos segmentos aristocráticos nos festivais públicos após a
instauração da isonomia, sendo tal perspectiva oposta à ideia do coro musical ter significado a
integração social plena absoluta de todos os cidadãos à comunidade política ateniense no
início do quinto século.

3.2.2 Os segmentos aristocráticos e o coro musical: análise da cultura material

Em conjunto com a historiografia abordando a temática do coro, igualmente devemos


abordar a cultura material como uma alternativa à documentação textual, no qual pretendemos
identificar as características das tradições corais a partir das representações dos aristoi e seus
simbolismos presentes nas iconografias das cerâmicas arcaicas. Desse modo, nos
questionamos a respeito de como os elementos simbólicos associados com os segmentos
aristocráticos podem ser reconhecidos na cultura material. Nesse caso, o conjunto de
cerâmicas representando coros musicais de guerreiros montados em golfinhos nos oferece
interessantes possibilidades de análise além de sua associação com os ditirambos. 156 A partir
de referências presentes em uma cerâmica específica de figuras negras (figura 11) datada da
metade do sexto século (aproximadamente no ano de 550 a.C.), podemos destacar outra
interpretação da figura do golfinho que nos permite associá-lo diretamente com os segmentos
aristocráticos presentes nos coros musicais. A principal particularidade desse vaso consiste na
associação direta do golfinho com a cavalaria guerreira demonstrada pela sobreposição do
cetáceo na cabeça de um cavalo. O vaso é denominado de Indiana Vase (O vaso de Indiana)

156
Análise presente no capítulo anterior, no tópico 2.5 – Elementos simbólicos referentes aos coros musicais na
cultura material dos vasos áticos, página 80.
100

por Warren G. Moon e Louise Berger (1979, p. 48) pelo fato do vaso estar atualmente no
museu na Universidade de Indiana, Estados Unidos (EUA).

Figura 11 - O vaso de Indiana

Legenda: Vaso ático de figuras negras em formato de ânfora figurando um golfinho aparentemente
“saltando” acima da cabeça de um cavalo.
Fonte: Disponível em https://artmuseum.indiana.edu/online/highlights/view/entries/55. Acessado em
29 de set. de 2017.

Uma das primeiras publicações desta cerâmica encontra-se no extenso levantamento


de vasos áticos realizado por John Beazley (1974, p. 10) publicado no livro Paralipomena.
No entanto, não foi realizada uma análise de sua iconografia, pois o livro se limita à uma
pequena descrição sobre a cerâmica, bem como dados arqueológicos relacionados à sua
proveniência e localização atual. Uma análise aprofundada dos seus elementos imagéticos é
realizada por Warren G. Moon e Louise Berger (1979, p. 48-49) que analisam as
características estilísticas na composição visual do cavalo em comparação com o golfinho
próximo à boca do vaso. Ambos os animais seriam referências ao deus Poseidon (MALTEN
apud MOON, BERGER 1979, p. 50), pois a divindade ctônica era considerada o criador e
domador de cavalos,157 além do fato do golfinho se relacionar diretamente com a deidade por

157
Poseidon em seus atributos relacionados ao cavalo, era adorado em conjunto com a Atena Hippias em
Kolonos na Ática, em um culto que seria originário de Corinto (MOON, BERGER, 1979, p. 50).
101

ser um animal aquático. No entanto, ainda que seja possível estabelecer uma relação entre a
ânfora e Poseidon, devemos destacar que imagens de cavalos eram muito comuns durante a
metade do sexto século, sendo presentes em relevos, estátuas, palácios 158 e cerâmicas, sendo o
vaso de Indiana apenas um exemplo. Dessa forma, os cavalos se apresentavam em diversos
contextos sob significados distintos podendo representar aspectos como a cavalaria guerreira,
associação com os rituais funerários,159 competições de corridas de cavalo, entre outros.
Devemos assumir então que o cavalo presente no vaso de Indiana oferece uma multiplicidade
de interpretações e múltiplas possibilidades de análise, pois os golfinhos também possuem um
simbolismo abrangente que ultrapassa sua relação com o mar.160 Além disso, precisamos
salientar que geralmente os golfinhos são encontrados nos vasos de figuras negras em cenas e
contextos específicos, como nas representações de performances corais. Golfinhos destacados
em uma pintura de vaso como elementos principais, situando-se no primeiro plano da
iconografia sem fazer parte de uma composição maior, constituem raras exceções. 161 Sendo
assim, a representação de um golfinho colocado em proeminência no vaso de Indiana consiste
em algo extremamente atípico por exibir sua sobreposição sobre um cavalo como foco
principal da iconografia.
Através dos indícios fornecidos por essa cerâmica, como sua relação com Poseidon
por exemplo, podemos assumir que os vasos que possuem hoplitas/guerreiros montados em
golfinhos são relacionados com o segmento aristocrático referente aos Hippeis, a segunda

158
Em reuniões com a orientadora Maria Regina Candido também foi discutido a presença dos golfinhos nos
palácios de Creta, no qual sua figura estaria diretamente relacionada com a realeza palaciana a partir do período
minoico (informação verbal).

159
Devemos destacar que vasos representando cabeças de cavalo de tamanho grande eram primariamente, mas
não exclusivamente, utilizados como vasos funerários, servindo como recipientes para cinzas, marcadores de
tumba e presentes funerários. Ao longo do período arcaico, a associação funerária e ctônica com o cavalo já
estava bem entranhada na cultura grega. O sacrifício e o enterro de cavalos como parte de um rito funerário em
alguns casos, e a frequente aparição de cavalos em vasos funerários do período geométrico são exemplos da
força dessa associação (MOON, BERGER, 1979, p. 50).
160
Além da relação do golfinho com a criação dos ditirambos por Árion, Barbara Kowalzig (2013, p. 33)
argumenta que relação de Dioniso com os golfinhos se dá pela sua relação com o mar, colocando que “Dionysos
is more intimately tied up with marine mobility and cross-cultural exchange by sea than we usually assume (...).
In both myth and cult, Dionysos often arrives in cities from the sea. As already hinted above, to Peloponnesian
Argos, he comes sailing ‘from the islands’ together with his companions, the Halieis, ‘sea women’. Dionysiac
resistance myths typically feature the rejected god being sent back to sea”.
161
A citação integral de Warren G. Moon e Louise Berger (1979, p. 48) especifica que “with rare exceptions,
dolphins occurs in well-fixed contexts in Attic black-figure painting. As decoration, they serve as fillers beneath
handles; in small groups, as on the rondo of the cup from Gordion in Berlin, n. 4604; or in elegant friezes, most
notably on Nikosthenic pottery. Possibly with a more specific emblematic significance they appear commonly,
sighly or in pairs, as a shield device, painted white. As atributes they are found in representations of Poseidon,
Nereus and Triton. Brought into prominence as a single, monumental image, (...), the dolphin is highly unsual”.
102

classe censitária estabelecida por Sólon. Portanto, devemos salientar que o uso dos golfinhos
como montaria nas imagens de vaso pode ser referenciado com um simbolismo imagético
associado com o imaginário e a memória de uma elite aristocrática que combatia nas guerras
integrando a cavalaria, podendo igualmente os vasos serem associados com a primeira classe
censitária dos pentakosiomedimnoi. Outra possibilidade seria que o golfinho e o cavalo
presentes na imagem nos apontariam para uma relação entre o mar e a terra firme presente na
memória dos atenienses do período arcaico. Considerando que sua datação se localiza na
metade do sexto século, provavelmente o vaso se relaciona com o contexto histórico da
expansão comercial ultramarina de Atenas intensificada a partir do governo de Pisístrato. É
importante citarmos que mesmo essa cerâmica pertencendo a um período anterior ao nosso
corte temporal do último terço do sexto século, esta representa um valioso indício sobre a
memória ateniense do sexto século a respeito das representações dos golfinhos como
montarias na cultura material.

Figura 12 - A Kýlix atribuída ao pintor “Teseu” (Theseus Painter)

Legenda: Coro circular de oito homens162 montados em golfinhos trajando capacete e portando lanças; n
o centro da cena encontra-se um aulètes proporcionando o acompanhamento musical para a
performance.
Fonte: CSAPO, Eric. The Dolphins of Dionysus. In: Poetry Theory, Praxis: The Social Life of Myth.
Word and Image in Ancient Greece. Oxford: Oxbow books, 2003, p. 88.

162
Ainda que nossa imagem recortada exiba somente quatro homens, J. D. Beazley (1974, p. 259) descreve a
cena do vaso como “oito heróis montados em golfinho em conjunto com um flautista”, relacionando a
iconografia com a presente no vaso de Oltos (Fig. 9) que também apresenta homens vestindo a mesma
indumentária montados em golfinhos. A colocação de Beazley nos fornece o indício dessa cerâmica estar
representando quatro homens.
103

Sendo assim, a justaposição do golfinho e cavalo dialoga com imagens de homens


montados em golfinhos presentes em outras cerâmicas do fim da segunda metade do sexto
século163 e da primeira década do século V a.C. Um exemplo interessante datado
aproximadamente do ano de 490 a.C. consiste na kýlix (copo) atribuída ao Theseus Painter
(pintor “Teseu”) atualmente localizada no museu do Louvre em Paris (figura 12).164
Assim como nas outras cerâmicas representando golfinhos como montaria, a Kýlix de
Teseu pode ser interpretada como a representação de uma memória aristocrática associada
com a cavalaria, nos indicando que os aristoi no período da isonomia em Atenas ainda eram
parte essencial da organização dos coros musicais nos festivais públicos. Tal dado nos mostra
que a instauração da isonomia dentro de um primeiro momento, no caso nas primeiras
décadas após as reformas de Clístenes, não significou uma integração política e social total do
démos ateniense, ou seja, não representou a inclusão imediata de todas as classes censitárias
nos coros musicais. O que teria ocorrido na realidade foi um aumento da presença do
segmento dos zeugitai nos coros, representados por indivíduos trajando a panóplia hoplítica
nos vasos de golfinhos. Outro fator que nos permite sustentar tal ideia refere-se à educação
musical privilegiada dos aristoi e ao recrutamento realizado pelo khoregos que selecionava os
melhores cantores e dançarinos de uma tribo específica, nos levando a supor que os atenienses
detentores de posses e recursos eram maioria nos coros.
Desse modo, o simbolismo presente nas cerâmicas nos aponta para um conjunto de
representações de uma comunidade política165 com seus referenciais baseados em valores
aristocráticos associados com a batalha e o combate. Outros elementos simbólicos seriam as
indumentárias trajadas pelos homens montados em golfinhos que fazem referência à panóplia
hoplítica, como lanças, capacetes, armaduras, espadas e outros. No caso específico da Kýlix
de Teseu, observamos que os homens se utilizam apenas de capacetes e lanças, não trajando
outros elementos como escudos ou couraças presentes em outros vasos que exibem hoplitas
montados, como o vaso de Oltos (Fig. 9), por exemplo. Porém, ainda assim podemos entender
esta cerâmica como sendo a representação de um coro musical de guerreiros associados a uma

163
Exemplos de cerâmicas exibindo imagens de homens montados em golfinhos foram abordadas no capítulo
anterior no tópico 2.5 – Elementos simbólicos referentes aos coros musicais na cultura material dos vasos áticos,
sendo o Vaso de Oltos (fig. 9); o Lekythos de Kerameikos (fig. 8) e o Skýphos de Heron (fig. 10).
164
Entre a questão da datação, selecionamos duas para supormos o ano aproximado desta cerâmica: a primeira é
de Paulette Ghiron-Bistagne (1976) que defende a datação da cerâmica localizada entre os anos de 510 e 490; a
segunda consiste no posicionamento de Barbara Kowalzig (2013, p.41) que define a datação entre os anos de 490
e 480 a.C.
165
Esta comunidade política também pode ser definida especificamente como uma “comunidade cívica da cidade
clássica e arcaica”, segundo B. Kowalzig (2013, p. 40).
104

ideia de aristocracia, evidenciada por elementos simbólicos como os golfinhos utilizados


como montaria, o aulètes no centro da cena, a formação circular e a panóplia hoplítica
incompleta. Diante disso, pressupomos que a figura do hoplita e da falange como o cidadão
quintessencial da pólis ainda se encontra em processo de construção após a instauração da
isonomia, sendo parte do contexto das mudanças políticas e sociais que irão culminar na
democracia do período clássico.

3.3 O cidadão soldado camponês como membro do coro: a relação entre o coro
musical e a formação da falange hoplita

A cultura material do final do sexto século nos aponta para a existência de uma relação
entre o coro musical e o treinamento militar para a defesa da pólis, evidenciada a partir dos
elementos simbólicos que nos permite identificar aspectos de uma memória materializada nos
vasos. Tais fatores pressupõem que a comunidade política oriunda do processo de
instauração da isonomia ainda carregava forte influência dos setores aristocráticos das duas
primeiras classes censitárias no que se refere à formação da falange hoplita e aos coros
musicais. Desse modo, a integração de parte do démos aos coros musicais se relacionava a
uma intenção política da aristocracia em conquistar o apoio das camadas médias da
população, representada pela classe censitária dos zeugitai, no qual os coros musicais
representavam um meio de inclusão destes na comunidade através de costumes associados
tradicionalmente com a aristocracia, sendo a competição dos ditirambos no festival público
das Dionisíacas urbanas um exemplo disso.
Considerando a hipótese de Marcel Detienne (1999, p. 168) que relaciona a tradição
da aristocracia guerreira com a formação da falange hoplita, no qual valores referentes ao
ágon competitivo e à educação musical refinada fazem parte das tradições dos aristoi, nos
questionamos se os movimentos da dança e as melodias do canto dos coros efetivamente
possuíam verossimilhança com os movimentos presentes na marcha das falanges hoplíticas.
Tal questionamento baseia-se na ideia do cidadão soldado participar dos coros musicais como
uma atividade complementar ao seu treinamento de hoplita, sendo dever cívico de todo
cidadão a defesa das muralhas da pólis em uma situação de conflito. Portanto, o coro musical
e a formação da falange representaram medidas políticas estabelecidas por Clístenes com o
objetivo de consolidar o regime político da isonomia através da permanência de aspectos
105

aristocráticos nos coros, evidenciados pela cultura material do período e a associação das
performances corais com a integração do cidadão nas falanges.
A teoria da relação entre o coro e a falange hoplita se encontra presente na
historiografia anglo-americana através do autor John Winkler no artigo intitulado The
Ephebes’ Song: Tragôidia and Polis (1985), onde se defende a hipótese dos coros musicais
terem sido parte do processo de ephebia no período clássico, sendo os passos da performance
coral análogos às danças militares. Os coros musicais de jovens e adultos nas Grandes
Dionisíacas, segundo a visão do autor, seriam uma representação de passagem para a vida
adulta, pois constituíam elementos paralelos à preparação do cidadão soldado na instituição
da ephebia que treinava militarmente os jovens cidadãos nas artes do combate e na formação
da falange. Tal instituição teria se originado em meados do quarto século em Atenas.
John Winkler (1985, p. 29) deixa transparecer que as Dionisíacas urbanas constituíam
um evento focado especialmente nos jovens,166 citando que apesar do festival das Dionisíacas
representar algo complexo e mutável durante sua existência, os jovens seriam o centro do
festival desde o período arcaico até o final do período clássico, pois a participação dos coros
constituía um elemento de formação cívica em Atenas estabelecida a partir da isonomia.
Desse modo, o festival das Dionisíacas urbanas no contexto do processo de instauração da
isonomia, assim como as Grandes Panateneias, representavam uma ocasião na qual a estrutura
política da Atenas isonômica era demarcada e exibida frente a toda a população da pólis, no
caso os cidadãos e não-cidadãos.167 Winkler (1985, p. 30) coloca que o festival marcou uma
“estrutura específica dada à democracia ateniense pelas reformas constitucionais de
Clístenes”. Nesse contexto histórico, segundo o autor, não existiriam limites entre as
performances corais e o treinamento militar, pois a audiência igualmente fazia parte deste
processo de formação política e social em conjunto com os khoreutai que realizavam as
performances. A disposição dos espectadores nos lugares do teatro seria organizada
distribuindo o corpo político que compunha a Boulé dos Quinhentos nas primeiras fileiras,
localizados em um eixo vertical que os aproximava dos jovens que estavam situados na skené

166
É importante citarmos que Winkler (1985, p. 29) se utiliza do termo ephebia para se referir ao foco das
Grandes Dionisíacas no lugar de nossa adaptação traduzida “jovens em formação de cidadão”. Buscamos evitar a
utilização do termo ephebia em razão deste ser anacrônico em nosso corte temporal, no caso o final do período
arcaico.
167
Sobre os não-cidadãos é interessante citarmos que apesar de ser proibida a participação de não-cidadãos nos
coros musicais das Dionisíacas urbanas, estes poderiam participar do festival chamada Lenaia, um outro festival
dionisíaco que ocorria dois meses antes das Dionisíacas. Nesse contexto, metecos poderiam participar
efetivamente da produção de peças e nas composições musicais (WINKLER, 1985, p. 40).
106

(palco), no qual no eixo central dos lugares estariam as figuras mais proeminentes de cada
tribo que competia no festival.168
Sobre o contexto histórico, Winkler (1985, p. 22) conjectura que o treinamento de
jovens através das performances provavelmente foi iniciado sob o governo de Pisístrato, com
o objetivo de embutir um senso de pertencimento institucional à pólis ateniense que visava
enfraquecer os laços familiares oriundos dos clãs tradicionais, fortalecendo assim o poder do
tirano na comunidade. Posteriormente, Clístenes teria mantido a estrutura dos festivais
públicos financiados pela tirania na instauração da isonomia se limitando a reorganizar os
coros ditirâmbicos de jovens e adultos a partir da criação das competições entre as tribos
recém-estabelecidas, possuindo o mesmo objetivo dos tiranos de fortalecer o senso de
pertencimento à terra. Porém, enquanto os Pisistrátidas objetivavam que o cidadão ateniense
se integrasse socialmente em torno da figura política do tirano como referencial, Clístenes
buscou alcançar um vínculo social e político associado com uma comunidade política situada
no contexto da isonomia. Conforme estabelece Winkler (1985, p. 22), Clístenes teria se
utilizado dos coros de jovens que já estavam estabelecidos desde Pisístrato, sendo que no
período da tirania não havia o componente tribal (phylai) atrelado nas competições dos
festivais públicos.
É importante indicarmos aqui que, apesar da instituição da ephebia ter sido instituída
somente no quarto século, Winkler defende que a participação nos festivais, bem como outros
elementos presentes no treinamento da falange, eram formas de ephebia não
institucionalizadas preexistentes a sua presença “oficial” nos registros escritos (WINKLER,
1985, p. 49-50). Além disso, Winkler nos aponta que a passagem de jovem para adulto
presente na ephebia não constituía somente uma instrução prática das técnicas de infantaria de
luta na falange, mas representava uma passagem entre duas identidades sociais distintas e
simultâneas.169 Sendo assim, o autor ao considerar que o treinamento para a falange hoplita
era análogo ao ensaio dos coros musicais, indiretamente nos fornece a possibilidade de

168
John Winkler (1985, p. 32) sobre a organização dos espectadores no teatro expõe que: “the entire audience is
organized in a way that demonstrates it corporate manliness as a polis to be reckoned with, comprising
individuals who are both vigilante to asset excellence against other member of the city (tribe x tribe) and ready to
follow legitimate authority against external threats (cadet soldiers and the council). The plays they watched
spoke to this organization”.
169
Sobre a questão relacionada com a identidade de ephebia, Winkler (1985, p. 27) coloca que: “the two years of
ephebic training are not only a practical induction into the techniques of infantry fighting, in which heavily
armed soldiers (hoplites) arranged in a phalanx march out to meet an opposing phalanx on the field of battle; it is
also a passage between two distinct social identities. The ephebate therefore contains not only training in military
discipline and in civic responsibility but also rites and fictions that dramatize the difference between what the
ephebes were (boys) and what they will be (men)”.
107

considerar as performances corais como práticas sociais associadas com ritos de passagem,
referentes a uma formação política do cidadão ateniense associada com o ato da defesa da
pólis.
A hipótese de John Winkler foi duramente criticada por Marcel L. Lech no artigo
Marching Choruses? Choral Performances in Athens (2009) que atenta principalmente para a
falta de evidências referentes à existência da ephebia nos séculos VI e V a.C. Além disso,
segundo Lech, a escassez de documentos que detalham os grandes eventos corais não abriria
espaço para a construção de uma hipótese tão ousada, pois o quadro geral de como ocorriam
as performances corais se encontra muito fragmentado nas documentações textual e imagética
(LECH, 2009, p. 343-344). Outra crítica de Lech consiste em afirmar que o termo
parastátes170 utilizado no contexto dos coros musicais não possuía necessariamente
conotações militares, pois a definição de Winkler estabelece o termo como sendo um
movimento que deixava um dos lados expostos na formação hoplítica. Parastátes, segundo o
autor, seria uma palavra utilizada tanto nos ensaio das formações corais quanto no
treinamento da falange (WINKLER, 1985, p. 42). Marcel Lech contrapõe essa perspectiva
baseando-se na utilização do termo parastátes por Aristóteles (Pol. 1277a.11-12) que pode ser
definido como o posicionamento dos khoreutai em um coro musical, não possuindo
referências a utilização do termo em um contexto de batalha. Tais premissas entram em
conjunção com as colocações de Alair Figueiredo Duarte171 da falta de referências na
documentação textual, imagética e historiográfica sobre o uso dos coros musicais nos
treinamentos militares durante a época arcaica e clássica. Sobre isso, Lech (2009, p. 353)
afirma que mesmo não existindo evidências sobre a utilização do canto e dança como
ferramenta de treinamento militar para os soldados atenienses, por outro lado pode-se
considerar que os espartanos certamente cantavam enquanto marchavam para a batalha sendo
acompanhado por um aulètes.

170
Além do termo parastates, Winkler (1985, p. 42) afirma existiam outros termos utilizados tanto nas
performances corais quanto nos treinamentos para a batalha: “A number of traditional Greek choral terms point
to a homology between the movement of tragôidoi and of hoplites: parastatês and other compounds of –statês,
psileis (unprotected) of the persons with an exposed side in the formation, hêgemones of the chorus leader”. Em
seguida, o autor expõe um fragmento de Chamaileon que explicita essa comparação entre coro e batalha: “So
that when anyone danced well it was a real spectacle, but now they do nothing; they just stand in one place as if
paralyzed by a stroke and they howl (...) those who most beautifully honor the gods in choruses are best in war”.
171
Estas colocações de Alair Figueiredo foram expostas em uma mesa de comunicações ocorrida no dia 24 de
maio de 2016 no evento intitulado XII Jornada de História Antiga: Jogos, Rituais e Poder no Mediterrâneo
Antigo realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (informação verbal).
108

Outro autor que cita John Winkler é W. Robert Connor (1996, p. 80) que destaca a
relevância e inovação do artigo The Ephebes’ Song por conceber os festivais públicos como
representações políticas da ordem cívica ateniense, perspectiva não muito abordada pela
historiografia até então. Connor não desconsidera as insuficiências teóricas presentes na
análise de Winkler, citando que certos detalhes172 abrem espaços para críticas como a de
Marcel Lech (realizada posteriormente em 2009). Porém, Connor destaca que determinados
aspectos presentes em Ephebes’ Song contribuíram para a historiografia no sentido de
demonstrar uma conexão entre o festival das Dionisíacas urbanas e as instituições políticas em
Atenas.173 Tal colocação categoriza a análise de Winkler como inovadora, pois anteriormente
a historiografia clássica concebia o estudo dos festivais e ritos religiosos como uma temática
dissociada do estudo das instituições políticas. Segundo Connor (1994, p. 79), “historiadores
políticos frequentemente desconsideravam as preces e sacrifícios na vida pública e a
administração cívica dos festivais, as considerando como um meio vulgar da elite aristocrática
controlar as massas”. Complementando tal perspectiva, Gregory Nagy (1994, p. 8) afirma que
a proposta de Winkler consiste em conceber as performances corais na pólis ateniense como
um processo de iniciação dos cidadãos, perspectiva essa que à primeira vista pode parecer
implausível se analisarmos isoladamente os coros musicais como atividades dissociadas da
organização política de Atenas. Segundo Nagy, a hipótese de Winkler se tornaria plausível ao
considerarmos exemplos de performances corais fora de Atenas situadas em um período
anterior à isonomia. Um exemplo disso, seria a composição de Alcman denominada
Partheneion, cujos versos possuem um elemento de iniciação através da performance coral, o
que entra em concordância com a análise dos coros ritualísticos iniciáticos174 realizada por
Claude Calame em seu livro Les Choeurs des jeunes filles (1977, p. 171-180).

172
Segue a citação integral de Connor (1996, p. 80) sobre as críticas direcionadas ao trabalho de Winkler: “His
analysis might be criticized in detail, but was, in my view, a major breakthrough, in its recognition of the
connection between the city Dionysia and athenian democratic institutions”.
173
No caso, a análise de Winkler entra em conjunção com a proposta de Connor (1996, p. 80) relativa à noção
que as Grandes Dionisíacas não foram criadas durante a tirania dos Pisístratidas, pois teriam sido celebradas pela
primeira vez após a deposição de Hippias, um dos filhos de Pisístrato. Sendo assim, o autor sugere que o festival
se originou como uma forma de comemoração da liberdade ateniense do jugo dos tiranos, uma temática que teria
continuado de elevada relevância ao longo das performances corais realizadas no quinto século.
174
Claude Calame dedica toda a terceira parte da obra Le Choeurs de jeunes filles, intitulada Le choeur et le
rituel, para realizar uma abordagem do coro a partir dos seus aspectos ritualísticos e religiosos. De modo geral, o
autor coloca que: “La définition de l’ensemble choral et de son activité musicale comme un système clos
n’exclut pas son insertion dans un cadre plus large. Les témoignages montrent en effet que l’activité du choeur
ne se déploie pas pour elle-même, mais qu’elle est toujours liée à une occasion particulière, en general à un culte.
Elle comporte, par consequente, un aspect religieux qui la met régulièrement en rapport avec une divinité”
(CALAME, 1977, p. 171).
109

Sendo assim, ainda que a hipótese da relação entre os coros musicais e o treinamento
militar de John Winkler apresente inconsistências, especialmente no caso do autor se utilizar
largamente do termo ephebia (soando anacrônico), podemos considerar sua perspectiva sobre
a relação da falange com os coros como um posicionamento decisivamente relevante para
nossa hipótese. Além disso, devemos salientar que a cultura material igualmente contribui
para suportar a existência de uma relação entre os coros musicais e o treinamento militar,
tendo em vista o conjunto de vasos que ilustram homens com panóplia hoplítica montados em
golfinhos. No entanto, de todas as cerâmicas selecionadas em nosso catálogo,175 a cratera de
Basel (figuras 13 e 14) representa o vaso mais intrigante e particular por exibir um coro de
formação em fileiras retilíneo, no lugar de um coro de formato circular.

Figura 13 – A Cratera de figuras vermelhas de Basel (Lado A)176

Legenda: Seis jovens trajando indumentárias que remetem a panóplias hoplíticas incompletas dançando e
cantando em formação de fileiras, frente a uma figura misteriosa.
Fonte: WELLENBACH, Matthew. The iconography of Dionysiac Choroi: Dithyramb, Tragedy and
the Basel Krater. In: Greek, Roman, and Byzantine Studies, n. 55, 2015, p. 73.

175
Para consultar nosso catálogo de cerâmicas realizados nesta pesquisa, ver página 156 em APÊNDICE A, na
Grade 1.
176
Artefato: Cratera em coluna; Estilo: Figuras vermelhas; Pintor: Mannerist; Datação: 500-480 a.C./Fabricação:
Atenas; Proveniência: Ática. Basel: Antikenmuseum und Sammlung Ludwig, BS415.
110

Segundo indicações presentes no Corpus Vasorum Antiquorum (1988, p. 21-23) da


cidade de Basel, Suíça, os seis indivíduos ilustrados na pintura seriam jovens por não
apresentarem barba, dançando descalços, trajando chitóns curtos decorados e portando uma
bainha localizada na parte inferior do corpo (aparentemente vazia). Marie-Hélène Delavaud-
Roux (1994, p. 147) coloca que os jovens estariam dispostos em três fileiras, sendo divididos
em duplas efetuando movimentos de dança que podem ser interpretados como uma marcha ou
passos de dança escorregadios.177 Em relação à especificidade da formação das fileiras, a
autora defende que a cena representada não constitui uma idealização ou ilustração de algum
mito, pois o pintor do vaso (The Mannerist Painter – “o Pintor Maneirista”)178 posicionou os
khoreutai em duplas nas quais um deles permanece no fundo para criar um efeito estético de
fileiras horizontais posicionadas uma à frente da outra, ou seja, a imagem está baseada em um
referencial empírico baseado em uma cena real. Observando a grosso modo, podemos realizar
diretamente a associação da formação na Cratera de Basel com as fileiras das falanges
hoplíticas, porém, Matthew Wellenbach (2015, p. 97-98) em seu artigo intitulado The
Iconography of Dionysiac Choroi: Dithyramb, Tragedy, and the Basel Krater estabelece que
é um consenso acadêmico179 interpretar formações corais retangulares/em fileiras como sendo
representações dos primeiros coros trágicos.180 A Cratera de Basel mescla determinados
elementos associados com o coro trágico e outros que se assemelham aos coros ditirâmbicos,
fator que dificulta a imposição de uma categorização definitiva à formação do coro, pois a
cerâmica evoca os dois gêneros (tragédia e ditirambo) simultaneamente. 181 Nesse caso, os

177
Tradução aproximada feita por mim da citação original em francês, na qual o verbo glisser (deslizar) é
utilizado no tempo verbal do particípio passado (glissé) do francês. Segue a citação na íntegra (DELAVAUD-
ROUX, 1994, p. 147): “Disposés em rang, deux par deux, les personnages effectuent un pas marché ou glissé (en
equilibre sur la demi-pointe gauche et le pied droit ne touchant pas encore le sol)”.
178
O adjetivo “maneirista” em português possui como sinônimos: retórico, enfeitado, amaneirado, pedante,
presumido pretensioso, empolado, bombástico, pomposo, extravagante, entre outros. Consultado no sítio online
disponível em; https://www.sinonimos.com.br/maneirista/. Acessado em 4 de março de 2018.
179
Alguns dos autores e obras indicados em nota por Wellenbach que suportam a ideia de um “consenso
acadêmico” são: E. Simon, Die Götter der Griechen (1969); H. Froning, Dithyrambos und Vasenmalerei in
Athens (1971); Oliver Taplin, The Pictorial Record (1997); R. Wyles, Costume in Greek Tragedy (2011). Além
disso, também destacamos alguns autores de nossa historiografia consultada que defendem o mesmo ponto de
vista que define a cratera de Basel como sendo um coro musical trágico: J. R. Green, On seeing and depicting
the theatre in Classical Athens (1991); Eric Csapo e W. Slater, The Context of Ancient Drama (1995); e Eric
Csapo, Actors and Icons of the Ancient Theater (2010).
180
Considerando a hipótese que a Cratera de Basel seria a representação de um coro do gênero trágico, podemos
considerar que o homem situado acima do altar/tumba significaria um ator interpretando em frente ao coro
(WELLENBACH, 2015, p. 74).
181
Matthew Wellenbach (2015, p. 98) supõe que a Cratera de Basel herda da iconografia do ditirambo sua
escolha de apresentar um coro de homens que estão vestidos como soldados em ordem de formação linear,
111

coros ditirâmbicos do sexto século seriam circulares e os coros trágicos oriundos do


tragôdoi182(tragédia) se organizariam em formação retangular, suposição realizada pela
historiografia devido à razão de não haver evidências concretas sobre a formação dos coros
trágicos.183 Porém, apesar dessa questão, Wellenbach (2015, p. 98-99) afirma que a imagem
da cratera possui elementos suficientes que permitem sua identificação como uma
performance coral dionisíaca, o que nos possibilita relacionar a Cratera de Basel com os
outros vasos analisados de nosso corpus, ainda que a cena do lado A não possua elementos
como golfinhos ou elementos da panóplia hoplítica. Porém, é interessante destacarmos que
seu lado B (figura 14), apresenta uma representação de dois sátiros, figuras tradicionalmente
associadas com Dioniso:

enquanto ajuda a inaugurar uma nova tradição iconográfica, relacionada à tragédia, desenvolvendo um contexto
narrativo e histórico. Sendo assim, o autor afirma que (2015, p. 98) “we could say that the krater inherits from
the iconography of dithyramb its choice to present a chorus of men who are dressed like soldiers and process in
linear formations, while it also helps inaugurate a new iconographic tradition, one related to tragedy, by
developing a background setting and narrative context”.
182
A palavra tragôidoi tradicionalmente é associada com a ideia de tragédia, sendo definida basicamente como
sendo o conjunto de cantores que entoam tragos, termo associado com a figura do bode. John Winkler (1985, p.
47) em seu artigo busca uma nova significação para o termo, associando-o à noção do treinamento militar na
efebia em conjunto com a participação dos cidadãos nos festivais públicos da pólis.
183
Conforme nos aponta o artigo de M. Wellenbach de 2015, sendo o mais recente pesquisado sobre esta
temática, até o presente momento (fevereiro de 2018) ainda não encontramos evidências sobre qual seria a
formação efetiva dos coros trágicos.
112

Figura 14 – A Cratera de figuras vermelhas de Basel (Lado B)

Legenda: Sátiros realizando um processo cerimonial referente ao simpósio.


Fonte: CORPUS VASORUM ANTIQUORUM BASEL 3. Suíça, Basel: Antikenmuseum und
Sammlung Ludwig, 1988, beilage 2.1, pl. 319.

Sobre a questão referente à indumentária presente no lado A, John R. Green (1991, p.


34-35) destaca que os jovens não são guerreiros comuns, pois não trajam a panóplia hoplítica
completa, utilizando diademas como acessório no lugar do capacete hoplita. O autor também
argumenta que os jovens estariam usando máscaras por conta de um pequeno traço colocado
abaixo do queixo de cada um. Assim como no vaso de Oltos (figura 9), as bocas dos jovens
estão abertas demonstrando o ato de cantar,184 no qual a inscrição kalos (bom, melhor)
encontra-se próxima aos jovens, o que nos leva a crer que a palavra fazia parte do verso
cantado. Além disso, o autor entende que os jovens da cerâmica estão cantando e dançando
em frente a uma tumba onde a palavra kalos destina-se à figura misteriosa de perfil situada
acima de um pequeno altar, 185 trajando uma indumentária similar à pele de um animal. O

184
Uma ampliação da Cratera de Basel focando no rosto dos khoreutai, no qual podemos observar suas bocas
abertas e os detalhes na pintura que permitem identificar o uso de máscaras, se encontra no ANEXO F na página
189.

185
O homem seria um fantasma de um herói falecido, cuja perspectiva de Green (1994, p. 18) relaciona com a
tragédia os Persas de Ésquilo, no qual em um momento da encenação teatral o coro invoca o fantasma do rei
Dário para prover conselho e suporte às tropas persas.
113

contexto geral da cena, segundo John Winkler (1985, p. 43), provavelmente estaria se
referindo à organização de um coro musical disposto de maneira semelhante a uma marcha
militar, no qual os melhores soldados e/ou dançarinos situam-se na parte frontal e traseira,
enquanto que os regulares se localizam no meio. Nesse contexto, a inscrição kalos presente na
cerâmica pode corroborar essa hipótese, no qual os “bons e melhores” (kaloi kai agathoi)
cantores estariam localizados à frente na performance coral, podendo ser os seis jovens terem
sido parte de um coro maior, talvez integrando um coro musical ditirâmbico de cinquenta
pessoas.
É importante definirmos que a ausência de um aulètes na iconografia não invalida a
possibilidade da cena representar efetivamente um coro musical das Dionisíacas urbanas, pois
outros elementos presentes no lado A fazem referência aos coros como a uniformidade das
indumentárias, o perfeito alinhamento dos khoreutai e a movimentação gestual idêntica
(GREEN, 1991, p. 35). A respeito dos movimentos da dança representada na cratera, Winkler
os assume como análogos à marcha hoplítica baseado na existência das práticas de danças
pirrícas militares no mundo helênico, onde o costume de se dançar com armadura e armas era
algo comum nas póleis helênicas (WINKLER, 1985, p. 44). De modo geral, a cratera de Basel
contendo os seis jovens realizando uma dança simultânea em três pares se encaixa nas
argumentações de Winkler que assume os cantores na iconografia como representações de
jovens em treinamento militar, o que poderia ser corroborado pelas indumentárias que
apresentam similaridades com as utilizadas pelos hoplitas.
Todas estas características da Cratera de Basel se relacionam com seu contexto
histórico de produção, sendo sua datação aproximada entre os anos de 500-480 a.C., período
posterior à implementação das reformas territoriais de Clístenes em 508-507. Desse modo, a
comunidade política (koinonía politiké) do cidadão soldado camponês, referenciada por
Marcel Detienne como a república dos hoplitas,186 possuía a influência política e social dos
aristoi que ainda representavam um elemento relevante no governo da isonomia instaurada
em Atenas. Nesse contexto, destacamos que a principal diferença da Cratera de Basel em
relação às outras cerâmicas, além da formação e disposição do coro, consiste no fato referente
à ausência de montarias, pois os jovens realizam sua performance coral em pé. Baseando-se
nesse indício, notamos que as imagens dos homens montados em golfinhos demonstram uma

186
Para maiores detalhes sobre a o conceito referente à república dos hoplitas, consultar o livro Atenas:
Liderança Unipolar no Mar Egeu (2016), de Maria Regina Candido, entre as páginas 64 e 67, na qual o conceito
é definido basicamente como sendo uma unidade composta por cidadãos camponeses soldados que detém a
capacidade de pagar por seus equipamentos de combate (CANDIDO, 2016, p. 66).
114

memória do coro associada com a cavalaria guerreira, referenciando as classes censitárias


superiores (os Hippeis, especificamente), enquanto que a cena do coro em pé da Cratera de
Basel representa a inclusão dos zeugitai nos coros musicais.
Defendemos que a performance coral realizada sem montaria da cratera constitui uma
referência visual à falange dos hoplitas que combatiam na infantaria pesada a pé. Levando em
consideração que a falange era composta pelas “camadas médias” da comunidade que
possuíam condições de adquirir seu próprio equipamento (os pequenos e médios proprietários
de terra) afirmamos que a Cratera de Basel representa uma das evidências imagéticas que
marcam a consolidação do processo de instauração da isonomia. Tal colocação entra em
concordância com a datação da cerâmica (500-490) e seu contexto histórico no qual as
competições corais introduzidas por Clístenes tiveram como objetivo conquistar o apoio do
segmento censitário dos zeugitai a partir da ampliação de sua participação nos coros.
O ambiente físico do teatro no qual os khoreutai cantavam e dançavam nos festivais
representa um aspecto da cidadania referente ao governo isonômico ateniense, no qual o
cidadão soldado camponês possuía os deveres cívicos de participar dos festivais públicos e
defender a pólis simultaneamente. A performance coral presente nos grandes festivais serviria
como uma forma de apresentar a disciplina correta de um cidadão através da dança
sincronizada e da uniformização das indumentárias. Nesse caso, seria uma maneira do corpo
político de Atenas exibir para a audiência do teatro toda uma celebração do ágon cooperativo
do cidadão soldado necessário para o correto desenvolvimento da pólis, associando-o com a
isonomia instaurada no final do século VI. Dessa forma a figura do cidadão soldado
camponês era incorporada à prática coral, sendo o canto e a dança elementos análogos às
formações militares que demarcavam a isonomia entre os cidadãos. Podemos então afirmar
preliminarmente que a “fase aristocrática” do coro musical no período da tirania não seria
necessariamente sucedida por uma “fase democrática” no início do quinto século. O coro
nesse contexto histórico representaria uma apropriação de um conjunto de práticas políticas e
sociais da tirania que foram readequadas por Clístenes na implementação do governo
isonômico em Atenas. Sendo assim, o coro musical definitivamente se apresenta como um
dos aspectos decisivos da transição política e social do processo de instauração de isonomia
se consolidando posteriormente ao longo do século V como um símbolo da instituição
democrática ateniense, onde as danças corais representam o símbolo de uma comunidade de
cidadãos solidamente unida, enfraquecendo progressivamente a memória relacionada aos
pequenos grupos e clãs familiares de cunho aristocrático.
115

3.4 O coro musical como lugar antropológico: definições gerais

Para identificarmos a função específica que os coros possuíam na formação dos


cidadãos nos utilizaremos do conceito de lugar antropológico de Marc Augé (2012, p. 49),
definido como uma construção concreta e simbólica do espaço em que ocorre um conjunto de
práticas coletivas e individuais inseridas em uma determinada sociedade (AUGÉ, 2012, p.
50). Tal conceito foi elaborado a partir da possibilidade de se realizar um olhar antropológico
sobre a representação do indivíduo enquanto construção social, assim como a possibilidade de
identificar seus vínculos com as instituições presentes em sua sociedade. Nessa perspectiva as
coletividades necessitam pensar quais são os elementos simbólicos que constituem uma
identidade aos indivíduos que estão nela situados. Sendo assim, a cultura material dos vasos
áticos e o espaço físico do teatro constituem exemplos de elementos simbólicos produzidos
por uma coletividade, no caso a comunidade política dos atenienses. Sobre tais aspectos,
devemos sublinhar a relevância da cultura material dos vasos como documentação, pois suas
representações imagéticas materializam a atividade do coro musical em Atenas, possibilitando
a realização de uma abordagem de cunho antropológico ao trabalho do historiador. A respeito
da antropologia enquanto disciplina acadêmica, Marc Augé (2012, p. 51) afirma que toda a
natureza do trabalho antropológico se baseia na antropologia187 do outro, no qual o lugar
antropológico constitui simultaneamente um “princípio de sentido para aqueles que o
habitam e princípio de inteligibilidade para aqueles que o observam”. No caso, “aqueles que
o observam” representa o olhar do pesquisador/historiador sob seu objeto e “aqueles que o
habitam” refere-se ao seu objeto de estudo, em nosso caso, os coros musicais em Atenas.
Este conceito teórico possui como pressuposto a noção de que as coletividades
presentes em uma determinada comunidade produzem identidades a partir de elementos
simbólicos que podem ser interligados com o sagrado ou com a memória. Sobre tal colocação,
Marc Augé (2012, p. 57-58) expõe que:

187
Sobre a Antropologia e História, cabe-nos citar que Jean-Pierre Vernant (2005, p. XXIII) na obra Mito e
Tragédia na Grécia Antiga destaca que suas análises historiográficas operam simultaneamente “no âmbito da
sociologia da literatura e daquilo que podemos chamar de antropologia histórica”, pois o autor busca abordar seu
objeto de pesquisa, a tragédia, “em todas suas dimensões, como fenômeno indissoluvelmente social, estético e
psicológico”. Para maiores informações sobre a antropologia histórica e sua aplicação na Antiguidade, ver
também DETIENNE, Marcel. Os Gregos e Nós – uma Antropologia Comparada da Grécia Antiga. São Paulo:
Loyola, 2008.
116

Para Durkheim, em As formas elementares da vida religiosa, a noção de sagrado


está ligada ao caráter retrospectivo que decorre ele próprio do caráter alternativo da
festa ou da cerimônia. Se a Páscoa judaica ou uma reunião de ex-combatentes lhe
parecem igualmente “religiosas” ou “sagradas”, é porque elas são a oportunidade
para cada um dos participantes não só de tomar consciência da coletividade da qual
faz parte mas também de rememorar as celebrações anteriores. O monumento, como
indica a etimologia latina da palavra, pretende ser a expressão tangível da
permanência, ou pelo menos da duração. É preciso haver altares aos deuses, palácios
e tronos (...) para que não fiquem sujeitos às contingências temporais.

As festividades nas quais ocorriam as performances corais possuíam indubitavelmente


um caráter sagrado, no qual os grandes festivais como as Panateneias e Dionisíacas
representavam celebrações de caráter cívico-religioso que conciliavam aspectos
ritualísticos188 com a política de Atenas a partir da implementação da isonomia. Os festivais
representavam “acontecimentos religiosos e alguns dos mais importantes festivais da cidade
que envolviam todos os membros da população, tanto escravos como homens livres, cidadãos
e metecos” (JONES, 1997, p. 119). Nesse contexto, torneios e competições, assim como os
sacrifícios e procissões,189 eram partes recorrentes dos rituais religiosos gregos podendo
assumir várias formas: torneios atléticos (como os jogos olímpicos); corridas a cavalo;
disputas entre poetas e as competições situadas no contexto teatral, cenário onde o coro
musical constituía uma das categorias essenciais, o que demonstra sua relação com o aspecto
do sagrado presente nas festividades.
A competitividade presente nos festivais correspondia ao ágon grego190 que além de
possuir um significado relacionado com a própria noção de competição, também possuía um

188
Um dos elementos mais representativos do ritual público era relativo ao sacrifício, pois “era o clímax de
muitos festivais, e muitas vezes, exigiam grandes despesas e grande número de vítimas. Nas Panateneias, por
exemplo, exigia-se que as comunidades ultramarinas atenienses enviassem uma vaca como vítima sacrificial e as
rendas das terras públicas eram usadas para comprar mais animais (...). Todas as vítimas, exceto uma, eram
abatidas no grande altar de Atena na acrópole. Depois que parte da carne era separada para os funcionários
religiosos e seculares da comunidade, o resto talvez fosse distribuído ao povo da Ática segundo os démoi, em
proporção ao número de membros com que cada démos participara da procissão. Não devemos subestimar os
gastos e a complexidade do ritual público” (JONES, 1997, p. 120).
189
Sobre as procissões, Walter Burkert (1993, p. 207) coloca que “a forma fundamental da constituição de
grupos é a romaria, a procissão, em grego pompé. Da massa amorfa destacam-se os participantes ativos, formam-
se, dirigem-se para um objetivo, sendo a demonstração, a interação com os espectadores, pouco menos
importante que o próprio alvo. Numa festa a pompé quase nunca falta”. O objetivo da atividade sagrada é
naturalmente um santuário no qual tem lugar o sacrifício, mas o caminho também tem significado, é “sagrado”.
O autor cita como exemplos a procissão realizada nos Elêusis, no qual “a ‘via sagrada’ prolonga-se da porta da
cidade até 30 quilômetros no exterior da cidade. Por ela, os efebos trazem primeiro os objetos ‘sagrados’ para
Atenas, que depois, seguindo à cabeça da grande procissão de mistai, são levados durante a festa noturna de
volta para Elêusis.
190
Conceito citado no primeiro capítulo.
117

aspecto religioso e sagrado sendo presente nos cultos e santuários, 191 pois a competitividade
helênica não era restrita somente aos festivais públicos. Segundo Walter Burkert (1993, p.
220), o aspecto do sagrado se expressa especialmente nas competições ligadas às festas
sacrificiais estabelecidas por calendário, no qual a ação dos vivos possuía certo caráter
iniciático. Exemplos seriam as festas pan-helênicas surgidas no sexto século como as
Olímpicas, as Píticas de Delfos, as Nemeias em honra de Zeus e as Ístmicas de Corinto em
honra à Poseidon.192 Nas festividades, o aspecto ritualístico/sagrado transparecia em
momentos específicos como, por exemplo, nos sacrifícios de bois em honra aos deuses que
eram realizados nas cerimônias de abertura. No entanto, devemos destacar que apesar dos
concursos musicais serem análogos às competições esportivas, existia uma clara diferença
entre os concursos “sagrados” e os concursos “recompensados”. Annie Bélis (1999, p. 127)
destaca que posteriormente no período helenístico houve uma grande difusão de concursos
musicais nos quais os prêmios consistiam em largas somas de dinheiro. Essa noção de vitória
atrelada ao ganho pecuniário não existia no contexto dos concursos dos períodos arcaico e
clássico, pois o aspecto “sagrado” destes colocavam a glória do vencedor como um bem mais
significativo do que os ganhos materiais. Dessa forma, é interessante observamos que as
coroas de louros dadas aos vencedores eram artefatos de alto valor honorífico, porém
desprovidos de valor mercantil.
As coroas de louros podem ser classificadas como um dos elementos simbólicos
inerentes ao lugar antropológico que podemos encontrar representadas em cerâmicas como a
Cratera de Basel (figuras 13 e 14) e a Hydria de Lydos (Figuras 4 e 5). Além desse fator, as
cerâmicas áticas que representam o coro musical possuem toda uma série de simbolismos que
constroem uma memória relacionada à formação de identidade dos indivíduos inseridos no
grupo social que produz a cultura material. Desse modo, a partir da utilização de um
instrumental teórico para se analisar a documentação imagética, podemos assim indicar as
relações sociais e políticas existentes no contexto de transição política de Atenas que
configuram o coro como um elemento mediador entre a pólis e o cidadão. Em outras palavras,

191
Para ilustrar a presença do ágon na esfera de um santuário, Burkert (1993, p. 219) cita que “em Lesbos, no
santuário de Zeus, Hera e Dioniso tinha lugar durante a festa anual uma competição de beleza” entre jovens
moças, o que poderia representar uma reconstituição do mito de julgamento de beleza de Páris referente às três
deusas (Afrodite, Hera e Atena).
192
É interessante notarmos que Walter Burkert considera que festividades públicas como as Panateneias ou as
Heraias em Argos se esforçavam para reproduzir o caráter iniciático e ritualísticos de outras festas, porém não o
conseguiam inteiramente. O autor não se aprofunda muito nessa questão, limitando-se a indicar como referências
de sua afirmação as obras Athletics of the ancient world de E. N. Gardiner (1930); Greek Athletes and Ahtletics
de H. A. Harris (1966); Sport in Greece and Rome de J. Juthner (1972); e Die Leibesubungen in der Antike de S.
B. Wien (1965).
118

a abordagem teórico-metodológica aplicada a um determinado objeto de pesquisa nos permite


construir a historicidade da pólis dos atenienses no final do século VI a.C.
Com essa abordagem aplicada ao ofício do historiador, podemos relacionar o espaço
do coro com o conceito de lugar antropológico de Marc Augé que se define a partir de três
categorias: espaço identitário, onde ocorre a constituição da identidade individual; espaço
relacional, onde ocorrem as relações de coexistência; e espaço histórico que constitui o
contexto temporal em que se localiza o indivíduo (AUGÉ, 2010, p. 51-52). O espaço
identitário refere-se ao local no qual um indivíduo atribui um valor de identidade, no qual o
sujeito se define a partir de um determinado lugar, sendo o exemplo mais comum o seu local
de nascimento, pois atualmente qualquer indivíduo que seja nascido em um determinado país
é identificado com uma nacionalidade e, dependendo das leis de cada nação, lhe é atribuído
um estatuto de cidadania. É importante citarmos que tal fenômeno não ocorre somente no
contexto atual dos Estados nacionais, mas também em outros tipos de comunidade: Augé
(2001, p. 52) cita o interessante exemplo da criança africana que nasce por acidente fora da
aldeia, fazendo com que ela receba um nome particular emprestado de um elemento da
paisagem que “a viu nascer”. Esse exemplo referente à África ilustra bem como diversas
sociedades (dos mais diferentes contextos) atribuem um valor de identidade a um local
específico. Além disso, devemos salientar que o aspecto identitário do lugar antropológico é
simultâneo ao seu aspecto relacional devido ao fato do indivíduo produzir sua identidade a
partir de sua relação com o local, seja este relativo ao seu nascimento, sua moradia ou sua
morte (no caso, cemitérios e outros locais fúnebres).
Em relação ao aspecto histórico do lugar antropológico, Augé afirma que ao conjugar
identidade e relação simultaneamente, o lugar se define por uma estabilidade mínima que
permite que os indivíduos pertencentes a uma sociedade possam “reconhecer marcos que não
têm que ser objetos de conhecimento. O lugar antropológico, para eles, é histórico na exata
proporção em que escapa à história como ciência”. A expressão “escapa como ciência”
utilizada pelo autor, faz referência ao fato de que o habitante do lugar antropológico não
busca produzir a história como objetivo primário, mas simplesmente “vive na história”. Nesse
caso, Marc Augé coloca que sua concepção de lugar antropológico se mostra contrária à de
Pierre Nora sobre os “lugares de memória” que marcariam nossa diferença em relação a um
passado, exibindo a imagem do que não somos mais, referindo-se à ausência de algo que foi
perdido no passado. Por outro lado, o lugar antropológico não constitui uma tentativa de se
rememorar um passado mítico, mas sim de definir a identidade dos indivíduos vivos que
vivem na própria temporalidade presente na sociedade da qual eles estão inseridos. Desse
119

modo, o lugar antropológico não faz referência somente à evocação de um passado ou


memória pura e simplesmente, mas sim na construção efetiva da identidade dentro de um
tempo presente, ou seja, referindo-se à contemporaneidade específica de uma determinada
sociedade, independentemente do período193 ou localidade194 em que ela esteja situada.
Em relação às atribuições específicas do aspecto identitário à nossa temática do coro
musical, podemos considerar que o espaço da performance, o teatro como lugar físico,
representaria um local no qual homens e jovens (no caso dos coros musicais específicos para
jovens) estabelecem relações sociais entre si. Nesse caso, uma vez inseridos no contexto
referente às performances corais, esses indivíduos podem exercer funções diversas como por
exemplo: integrar o conjunto como khoreutai, cantando e dançando nas performances corais
efetivamente; compor o conjunto de espectadores que assistem às performances no espaço
físico do teatro ou exercer um papel de regente195 (khorodidaskalos) ou financiador
(khoregos) do coro. Tais relações sociais se fundamentam no princípio comum de que todos
os participantes do coro musical compartilhavam do mesmo estatuto pleno de cidadão.
Uma definição básica sobre a cidadania em Atenas exposta por Claude Mossé (1993,
p. 41) classifica como cidadãos em Atenas aquelas crianças nascidas de um pai cidadão e uma

193
Em relação à viabilidade do uso do conceito de lugar antropológico na área da História Antiga, citamos como
exemplo a dissertação de mestrado de Marina Rockenback (2016, p. 34) que relaciona o conceito com a temática
referente ao culto da deusa egípcia Ísis em Atenas. A aproximação da antropologia social com a Antiguidade
torna-se possível no trabalho devido ao fato deste considerar a existência de um caráter multicultural em Atenas
a partir do Porto do Pireu, no qual o lugar antropológico pode ser compreendido “através da inserção e
propagação dos cultos”. Nesse contexto, a característica multicultural da região portuária possibilitaria a
interação entre diferentes grupos sociais, proporcionando assim a construção de identidades relativas que se
definem a partir de sua diferença com o outro, no caso especificamente entre as relações dos egípcios e helenos.
O lugar antropológico então se aplica nessa temática como um elemento de construção da identidade, pois a
indumentária das mulheres representadas como Ísis pode ser considerado como um fator identitário que
representa simultaneamente um elemento relacional com o espaço e a sociedade na qual está inserido. Desse
modo, esse trabalho nos serve como exemplo de aplicação do conceito na História Antiga, pois ao delimitar o
Porto do Pireu como um lugar antropológico de inserção do culto a Ísis em Atenas a autora busca entender as
relações entre gregos e egípcios através do aspecto relacional, conforme os pressupostos de Marc Augé.
194
Um outro exemplo referente à utilização do conceito de lugar antropológico na Antiguidade consiste na
dissertação de mestrado de Junio Cesar Rodrigues Lima, intitulada Flavio Josefo e o paradigma de circularidade
cultural entre as comunidades judaicas e a sociedade romana na Urbs do século I d.C.”. Nesse trabalho, o lugar
antropológico é definido a partir de seus três aspectos (identitário, relacional e histórico), sendo utilizado para
analisar a construção de identidade das comunidades judaicas da Urbs do século I d.C., buscando identificar suas
tensões internas e suas fronteiras interiores e exteriores. Dessa forma, as coletividades do lugar antropológico
“necessitam simultaneamente pensar a identidade e a relação” através dos simbolismos constituintes “da
identidade partilhada (pelo conjunto ou grupo), da identidade particular (de determinado grupo ou de
determinado indivíduo em relação aos outros) e da identidade singular (do indivíduo ou do grupo de indivíduos
como não semelhantes a nenhum outro)” (LIMA, 2013, p. 201).
195
A palavra “regente” aqui é usada como uma tradução aproximada do que os helenos chamavam de
khorodidaskalos. O termo, como define Francisco Cartageña na documentação escrita refere-se exclusivamente
ao status do treinador do coro durante os ensaios, podendo este estar presente também durante a performance do
coro. Não se sabe se o khorodidaskalos também era responsável pelo trabalho em cena na competição ou se ele
apenas se restringia à preparação do coro nos ensaios (CARTAGEÑA, 2006, p. 785-794).
120

mãe filha de cidadão unidos pelo casamento legítimo. Após o nascimento, a criança era
apresentada pelos pais aos membros da frátria a que pertencia, o que servia como um modo de
reconhecimento paterno. Os jovens menores de trinta anos não eram detentores do estatuto de
cidadão, atributo exclusivo aos homens. Sendo assim, existiam dois tipos de coro musical: o
de jovens e adultos detentores da cidadania plena. Sobre essa relação entre jovens e adultos,
segundo os apontamentos de Winkler (1985), consideramos a hipótese de que o coro musical
funcionava como forma de passagem para a vida adulta como cidadão, da mesma forma que o
treinamento hoplítico. O espaço identitário do coro musical se refere ao sentido que se busca
construir uma identidade de um cidadão ateniense a partir das representações iconográficas
presentes nas cerâmicas áticas. Em outras palavras, as imagens que representam os conjuntos
de indivíduos integrados com a mesma indumentária em formação circulares (vaso de Oltos,
por exemplo) ou retangular (a cratera de Basel) representam elementos simbólicos de uma
identidade social da qual cada membro do coro possui seu lugar e papel social na
comunidade. Por fim, o coro musical também representa um espaço histórico porque permite
a construção de uma historicidade da transição do fim da tirania para o processo de
instauração da isonomia.
Outro ponto interessante refere-se à definição do lugar antropológico como um
espaço geométrico que possui três formas espaciais simples que podem ser aplicadas a
dispositivos institucionais distintos e que constituem, de certo modo, as formas elementares
do espaço social. É importante citarmos que há uma distinção entre os conceitos de espaço e
lugar, no qual Marc Augé (2012, p. 75) cita a proposta de Michel de Certeau de definir o
conceito de espaço como “um lugar praticado, ‘um cruzamento de forças motrizes’: são os
passantes que transformam em espaço a rua geometricamente definida pelo urbanismo como
lugar”. O lugar nessa perspectiva seria um conjunto de elementos coexistindo dentro de uma
certa ordem, enquanto que o espaço seria uma animação desses lugares por meio do
deslocamento de uma força motriz. A partir da perspectiva de Certeau, Augé define o lugar
não como um elemento oposto ao espaço, mas sim como algo situado em um sentido inscrito
e simbolizado: o próprio conceito do lugar antropológico. Portanto, à noção de espaço pode
ser atribuída a uma ausência de caracterização dotada de superfícies não-simbólicas, onde se
torna necessário a inclusão de percursos e discursos dentro desse espaço para que este possa
constituir um lugar. Se um determinado espaço não pode se definir como identitário,
relacional ou histórico, ele não irá representar um lugar antropológico, mas um não-lugar.196

196
A hipótese de Marc Augé (2012, p. 73) sobre os não-lugares defende que nossa contemporaneidade, a
“supermodernidade” (surmodernité), naturalmente produz os não-lugares, ou seja, “espaços que não são em si
121

Em outras palavras, enquanto que os espaços ausentes de caracterização constituem não-


lugares que criam tensões solitárias, os lugares antropológicos criam um social orgânico
(AUGÉ, 2012, p. 87) estabelecendo uma mediação que define o vínculo dos indivíduos com
sua coletividade, como no caso dos coros musicais na comunidade política ateniense.
O coro musical como mediador é definido por Renaud Gagné e Marianne Govers
Hopman (2013, p. 17-18) como uma forma de compreender uma “complexa rede de
mensagens paralelas” que preenche o espaço físico do teatro, onde ocorre a performance, se
estendendo por toda a extensão territorial da pólis. O coro nessa perspectiva funciona como
um mediador da comunidade ateniense através dos seus versos, personagens e música
apresentado durante a performance. Sendo assim, podemos afirmar que o coro musical
compreende complexas redes de mensagens paralelas comunicadas à audiência, na qual são
transmitidos simultaneamente elementos relacionados com o canto, a dança, o texto das
encenações teatrais e o acompanhamento musical. 197
Claude Calame198 (2013, p. 35) estabelece que ocorre uma mediação social onde os
membros do coro funcionam como intermediários entre o espaço em que ocorre a ação
dramatizada e a audiência que assiste à performance, no qual a realidade histórica, social e
política dos artistas é compartilhada com o público. Nesse caso, o autor prefere o uso do
termo intermedialidade (intermediality) porque existiria um conjunto de três mediações
simultâneas no lugar de somente uma, como sugerem Gagné e Hopman. As mediações se

lugares antropológicos e que, contrariamente à modernidade baudelairiana, não integram os lugares antigos” que
seriam os lugares de memória. Esses lugares de memória em nossa contemporaneidade seriam circunscritos em
um local específico (como museus ou centros culturais) que serviria como uma forma de preservar determinados
aspectos do passado que legitimariam algum elemento presente em uma sociedade, como sua própria identidade,
por exemplo. Exemplos de não-lugares seriam: aeroportos; clínicas e hospitais; ocupações provisórias (hotéis,
clubes de férias, terrenos invadidos); pontos de trânsito; estacionamentos; transportes públicos (trens, metrôs,
ônibus); entre outros.
197
Segue a citação integral de Gagné e Hopman (2013, p. 18) que define resumidamente o processo de mediação
do coro musical: “It [chorus] enmeshes the sound of the aulós with the direction of the dance step and the
meaning of its words. It embodies the space of the dramatic location together with other spaces within and
outside the city, the movement of the stars in the sky and the four corners of the world, and the tangible, physical
presence of the orchestra. It reflects itself and other songs. It negotiates the conflicting meanings of kinship,
power and punishment for the characters and the audience; it opens a perspective of interpretation that can be
applied within the drama to enrich character and focalise a certain position in contrast with others, or rather serve
as a bridge for the audience outside looking into the play. The chorus combines all of these levels of reference in
the same breath. Every level reflects every other level in one coherent whole, allowing the chorus to establish
multiple correspondences between these different layers of meaning. Placed at the centre of a complex network
of parallel messages, it merges them all into one poem. This is what we mean by the umbrella term ‘choral
mediations’”.
198
O artigo consultado de Claude Calame “Choral Poliphony and the rictual functions of tragic songs” também
faz parte do conjunto de artigos da obra “Choral Mediations in Greek Tragedy” (2013). Portanto, apesar desta
diferença de termologia no conceito de mediação do coro, tais perspectivas se encontram como complementares
ao invés de discordantes.
122

dividem em três categorias: a mediação dramática, a mediação social e a mediação religiosa


(CALAME, 2013, p. 35-36). A mediação dramática se representaria na integração do coro
musical com o tempo e o espaço do enredo na encenação na qual estão inseridos, do mythos
(no sentido aristotélico do termo) retratado na skené.199 A mediação social se concentraria no
fato dos khoreutai serem cidadãos atenienses que agiam como intermediários da ação ocorrida
no palco e os espectadores que participavam da performance de forma indireta. Nessa
segunda mediação a realidade política e social dos khoreutai e atores são compartilhadas
pelos membros presentes na audiência, pois todos pertencem à koinonía politiké (comunidade
política) de Atenas. E finalmente a mediação religiosa se manifesta no sentido da dança, do
canto e da tragédia presentes nos festivais públicos serem integrados em um ágon ritual
dedicado à Dioniso, onde Calame afirma que o espaço da performance está integrado ao
santuário dedicado à Dioniso Eleutério localizado no próximo ao espaço físico do teatro.
Dessa forma, a coreografia em conjunto com a performance dos khoreutai oferecem uma
mediação religiosa entre a audiência e o culto de Dioniso.
Entre os conceitos de mediação utilizado por Gagné e Hopman e intermedialidade
adotado por Calame, podemos igualmente pensar o coro musical como lugar antropológico a
partir de seus aspectos simbólico e relacional. Tal concepção pode ser realizada devido ao fato
do coro estabelecer relações sociais entre seus integrantes (khoreutai) e dos aspectos que o
relacionam com o caráter do sagrado (mediação religiosa), o social (mediação social) e da
cultura (mediação dramática) presentes na comunidade política na qual se insere.200

199
O termo skené, segundo Guilherme Moerbeck (2016, p. 302), pode significar “tenda, habitat”, mas no caso do
teatro grego antigo “é uma espécie de palco, mas parecida com um muro ao fundo da área de atuação que serve
de suporte à fachada e possui portas para entrada e saída – posteriormente transformada numa construção de
pedra - na qual os atores se trocavam para as cenas em que atuavam. A skené, até o século IV a.C., não era
elevada, como facilmente suporíamos a partir da tradição teatral contemporânea. Efetivamente a skené era
erigida de tal maneira que criasse um espaço privado – escondido da audiência; havia a ilusão de uma fachada de
pedra devido a elementos cenográficos que eram dispostos à frente da mesma”.
200
Sobre a especificidade da mediação dos coros trágicos, Gagné (2013, p. 31) coloca que esta pode ser
entendida a partir de sua comparação entre os mediações corais de outros gêneros, diacronicamente e
sincronicamente, pois “the lyric antecedents of the tragic chorus present us with particularly significant elements
of comparison, contrast, and insight about the genesis of tragic chorality, The parallel, often radically different
experiments of comedy with the dramatic chorus offer indispensable points of reference for considering the
distinctive nature of the tragic experience”.
123

3.5 O lugar antropológico a partir de seus aspectos geométricos: o coro musical e o


espaço físico do teatro

Além de se expressar a partir de três categorias (identitário, relacional e histórico) o


lugar antropológico também se define em termos geométricos, se baseando “em três formas
espaciais simples, que podem ser aplicadas a dispositivos institucionais diferentes e que
constituem, de certo modo, as formas elementares do espaço social”. Tais formas espaciais
consistem em: linha; interseção das linhas; e ponto de interseção (AUGÉ, 2012, p. 55), que
seriam equivalentes aos itinerários, cruzamentos e centros. Conforme expõe o autor:

“poder-se-ia falar, por um lado, em itinerários, eixos ou caminhos que conduzem de


um lugar para outro e foram traçados pelos homens e, por outro lado, em
cruzamentos e praças onde os homens se cruzam, se encontram e se reúnem, que
desenharam conferindo-lhes, às vezes, vastas proporções para satisfazer
principalmente, nos mercados, necessidades do intercâmbio econômico, e, enfim
centros mais ou menos monumentais, sejam eles religiosos ou políticos, construídos
por certos homens e que definem, em troca, um espaço de fronteiras além das quais
outros homens se definem como outros, em relação a outros centro e outros
espaços.”

No entanto, devemos atentar para o fato dos itinerários, cruzamentos e centros não
representarem noções absolutamente independentes, coincidindo parcialmente em seus
percursos e áreas. Segue uma representação visual das três formas geométricas (figura 15)
exibidas com o objetivo de materializar suas interações simultâneas:

Figura 15 – Geometria do lugar antropológico

Legenda: Representação visual dos aspectos geométricos inerentes ao conceito de lugar


antropológico.
Fonte: O autor (setembro de 2016).
124

O itinerário assim como uma linha reta equivale aos caminhos ou eixos que conduzem
os indivíduos de um local para o outro deslocando-os entre diferentes espaços. Tais caminhos
eventualmente se cruzam (ponto de interseção)201 produzindo um ponto em comum
representado na figura 15 que seria equivalente aos centros comerciais, mercados, praças,
entre outros lugares de interação social. Tais noções geométricas podem ser aplicadas ao
espaço físico por onde circulam os indivíduos participantes das festividades nas quais se
insere o coro musical, no caso o teatro representaria o ponto de interseção de encontro entre as
coletividades que passa pelos itinerários percorridos pelo cidadão no espaço urbano da pólis e
pelos cruzamentos (interseção) presentes na ágora, como por exemplo o Bouleutérion ou o
caminho pelo qual passava a procissão referente ao festival público das Grandes
Panateneias.202

201
O “ponto de interseção” segundo Augé representaria as “praças onde os homens se cruzam, se encontram e se
reúnem (...)”, ou seja, podem corresponder aos grandes mercados, feiras, igrejas, palácios, edifícios públicos,
entre outros. Estes grandes centros que podem ser econômicos, políticos ou culturais possuem na lógica de sua
construção (AUGÉ, 2012, p. 55), espaços e fronteiras “além das quais outros homens se definem como outros,
em relação a outros centros e outros espaços”.
202
Foto do caminho Panatenaico inclusa no ANEXO D desta dissertação, página 187.
125

Figura 16 – Teatro de Dioniso em Atenas

Legenda: Vista superior do Teatro de Dioniso, no qual podemos notar o formato semicircular de onde se
localizava a orchestra. É importante citarmos que esta arquitetura do teatro foi reelaborada
durante o quarto século, no qual foram realizadas reformas em sua estrutura original datada do
quinto século, segundo David Wiles (1997, p. 54).
Fonte: Foto pela École Française d’Athènes (2018).

Em linhas gerais, David Wiles (1997, p. 34) afirma que no decorrer do quinto século
as funções dos teatros construídos no final do sexto século iriam se dividir posteriormente no
período clássico em três lugares de Atenas: o Teatro de Dioniso (Figura 16), a Pnýx203 e a
ágora. Anteriormente, no período arcaico, todas as atividades religiosas, rituais e relacionadas
com a performance eram centralizadas no teatro, incluindo as procissões, entradas e ritos
realizados durante os festivais.204 Dessa forma, podemos relacionar a noção do teatro helênico

203
Segundo indicações no Oxford Classical Dictionary, a Pnýx é uma colina em Atenas situada à sudoeste da
Ágora Antiga, local onde a assembleia (ekklesia) se reunia no período clássico em um prédio no qual,
atualmente, restaram poucos vestígios arqueológicos (HORNBLOWER, 1996, p. 1167). Uma foto do topo da
Pnýx encontra-se no ANEXO G, página 190.

204
Moerbeck aponta que a presença de altares de deuses ou heróis fundadores é um elemento comum aos teatros
do mundo helênico, ressaltando o aspecto do sagrado presente no teatro.
126

com os pressupostos de Marc Augé que definem a noção de sagrado como o modo que uma
comunidade toma consciência da coletividade da qual pertence e rememora suas celebrações
anteriores. Podemos desse modo então aplicar o conceito de lugar antropológico ao lugar
físico dos teatros helênicos, relacionando suas noções geométricas aos formatos da orchestra
trapezoidal/retilinear e semicircular associados com o contexto político e social no qual a
estrutura física dos teatros é concebida e construída. Entre os elementos presentes na estrutura
do teatro, destacamos o Odeion205 que Guilherme Moerbeck (2016, p. 298) define como um
espaço “multifuncional que servia desde um simples abrigo para a chuva, com suas colunatas
frontais de oito metros de altura, a local de apresentação das peças a serem encenadas” além
de servir como um local para se guardar tributos e armaduras que seriam entregues aos efebos
no teatro no período clássico.
O Odeion seria o local ideal para se assistir à procissão quando ela entrava no espaço
sagrado do teatro, além de poder ser utilizado como um espaço que servia de saída do coro de
cena quando fosse necessária (MOERBECK, 2016, p. 298). Desse modo, observamos que o
percurso realizado pelas procissões nos teatros se encaixam na noção de itinerário do lugar
antropológico, pois percorre diferentes pontos de interseção e cruzamentos presentes na
estrutura arquitetônica do teatro. Seu equivalente na contemporaneidade seriam as praças de
interação social nos centros das grandes cidades, os mercados, igrejas, entre outros. Tais
cruzamentos configuram pontos fixos no itinerário percorrido pela coletividade pertencente a
um determinado lugar antropológico. Nesse contexto, o conceito corresponde
simultaneamente a uma noção concreta de espaço que visa a materialização de uma ideia
coletiva dos indivíduos inseridos em seu território e suas relações sociais que possuem com
seus iguais (cidadãos atenienses pertencentes à isonomia) e com o outro (qualquer indivíduo
não-ateniense).
Portanto, o lugar antropológico age como um elemento formador de identidade por
constituir dentro de si elementos comuns a uma determinada comunidade como, por exemplo,
o local de seu nascimento, as demarcações de um espaço sagrado, um conjunto de regras,
monumentos associados com figuras públicas, placas comemorativas e prédios públicos
relacionados com uma noção de nacionalidade. Tais características do conceito demonstram a

205
Odeion é o termo utilizado para uma pequena construção ao lado do teatro que era utilizado como local de
pequenas exibições musicais, leituras, debates ou ensaios para cantores ou músicos. A palavra é derivada de
“ode” (oide) e sua tradução literal seria “lugar para cantar”. Definição retirada de The Ancient Theatre Archive:
Glossary. Disponível em https://www.whitman.edu/theatre/theatretour/glossary/glossary.htm. Acessado em 20
de fev. de 2017.
127

existência de uma forte relação entre o espaço206 e o social, algo característico das sociedades
antigas pois a concepção entre as esferas sociais e políticas não eram precisamente definidas
como em nossa atualidade. A noção de sociedade presente na Hélade se relacionava com o
conceito de comunidade política, tradução aproximada do termo grego koinonía politiké,
equivalente à nossa concepção de sociedade civil elaborada a partir do Iluminismo.
Esta perspectiva de comunidade política entre os helenos pode ser relacionada com a
passagem de Augé (2012, p. 50) na qual se menciona que “os limites da visão culturalista das
sociedades, tanto quanto ela pretende ser sistemática, são evidentes: substantificar cada
cultura singular é ignorar seu caráter intrinsecamente problemático”. Sendo assim, as
vicissitudes presentes no tempo histórico, as complexidades de uma trama social e as posições
individuais escapam a uma perspectiva “macro” ou generalista a partir de uma visão
estruturalista que pretende extrair um “texto” ou “verdade cultural” de uma sociedade. Dessa
forma, definimos a comunidade política dos atenienses como um conjunto de coletividades
que necessitam pensar sua identidade e relação, produzindo simbolismos constituintes de
identidade partilhada (pelo conjunto de um grupo), de identidade particular (de determinado
grupo em relação aos outros) e da identidade singular de cada indivíduo.
A partir desta perspectiva, os coros musicais analisados a partir do conceito de lugar
antropológico representam uma construção social do vínculo que seus integrantes possuem
com a identidade que lhes é construída pelas coletividades da comunidade política dos
atenienses. Nessa perspectiva, as próprias representações nas pinturas de vaso correspondem
aos elementos simbólicos que atribuíam uma identidade aos grupos sociais pertencentes aos
segmentos aristocráticos (os pentakosiomedimnoi e hippeis) e às camadas médias (os zeugitai)
que encomendavam as cerâmicas, assim como os mercados externos situados fora de Atenas
que demandavam tais artefatos.207 Sendo assim, os coros musicais nas pinturas de vaso
funcionam como representações de todo um sistema simbólico que constrói uma memória
relacionada à formação da identidade da elite aristocrática e dos zeugitai que desejam ser
inseridos em tais segmentos, pois interagem com os aristoi ao participarem dos coros
musicais. Provavelmente alguns vasos áticos de nosso catálogo poderiam ter sido
encomendados por zeugitai emergentes que compartilhavam dos valores da aristocracia,

206
Segundo Augé, a definição de espaço a partir de um olhar etnológico ou antropológico seria aquilo que
exprime a identidade de um grupo, constituindo algo que deve ser defendido de ameaças externas e internas para
que a linguagem da identidade conserve seu sentido para o grupo (AUGÉ, 2012, p. 45).
207
Para maiores detalhes acerca ver o texto KOWALZIG, Barbara. Dancing Dolphins on the wine-dark sea. In:
WILSON, Peter (org.). Dithyramb in Context. Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 31-58.
128

buscando uma representação imbuída de simbolismos associados com os aristocratas,


evocando assim sua memória.
Conforme as colocações de José Roberto de Paiva Gomes (2015, p. 89), podemos
supor que as narrativas visuais desenvolvidas pelos artesãos-pintores se aproximariam de uma
tradição oral208 característica do sexto século, onde os métodos orais como a poesia e a
música eram naturalizados ou retratados como pinturas de vasos. Nesse contexto, a cultura
material das cerâmicas pode ser entendida como a aglutinação de fenômenos narrativos
visuais transmissores de uma memória comum a uma determinada coletividade, pois
constituem referências não-textuais anteriores à emergência de uma comunidade totalmente
letrada. No entanto, devemos destacar que tal memória não constituía algo de caráter
homogêneo, não sendo interpretada e produzida igualmente entre todos os habitantes da pólis
atenienses, pois muitos dos oleiros-pintores gregos eram de grupos sociais possuidores de
menos recursos, no qual era comum que parte deles não possuíssem o estatuto de cidadão,
sendo metecos.
Sobre a questão referente à memória209 representada nas pinturas de vaso, percebemos
a existência entre o conceito de lugar antropológico com uma noção de memória coletiva.
Entretanto, devemos destacar que a utilização deste conceito de memória acarreta uma
necessidade de se estabelecer seus parâmetros gerais a partir da construção de um diálogo
entre os principais autores que abordaram o conceito em seus trabalhos.
208
Sobre a tradição oral e produção de cerâmicas Paiva Gomes (2015, p. 89-90) coloca que “autores como
Mackay (2010, p. 283) acreditam ser possível estabelecer fórmulas interpretativas para essas imagens muito
semelhantes aos elementos poéticos tradicionais. Para esse autor, os textos poéticos nelas representados
configuram uma transição entre a tradição oral e a emergência de uma cultura letrada no período arcaico. (...)
Nesse período, a oralidade e a visão predominavam sobre a escrita que estava restrita à aristocracia. A imagem,
por outro lado, se constituía como uma forma de comunicação mais ampla. Os gregos confeccionavam e
contemplavam essa imagem construída na cerâmica. Os atenienses, principalmente, usavam, decifravam e
utilizavam essa escrita imagética. Essa linguagem codificada se inseria muito mais profundamente na vida
ateniense do que a escrita, recontando as narrativas míticas ou recriando situações familiares, vivenciadas ou
idealizadas. A partir dessas considerações, as figurações pintadas nos vasos áticos podem ser analisadas como
imagens que apresentam um imenso potencial de investigação pela História, por permitirem, principalmente, o
contato com uma realidade passada, à qual faz referência através de sua representação”.
209
Devemos sublinhar que o debate referente à relação entre História e Memória têm estado em destaque ao
longo das últimas décadas, sendo produzida uma extensa bibliografia a respeito desta temática. Devido a esse
fator, um estudo mais aprofundado sobre o conceito de memória demandaria uma tarefa exaustiva, devido à
multiplicidade de enfoques e perspectivas de autores muitas vezes discordantes entre si, considerando que a
memória não constitui um objeto de estudo somente para historiadores, mas também para sociólogos,
antropólogos, arqueólogos, linguistas, entre outras áreas. Aleida Assmann (2011, p. 21) em sua obra “Espaços da
recordação: Formas e transformações da memória cultural” afirma que o próprio fenômeno da memória,
mesmo sendo transdisciplinar por natureza, “não pode ser definido de maneira unívoca por nenhuma área”, pois
“dentro de cada disciplina ele é contraditório e controverso”. Tal colocação deixa transparecer a não-existência
de uma teoria unificadora da memória, devido ao fato de que tal teoria não conseguiria lidar com a
multiplicidades de enfoques transdisciplinares sobre o conceito, além do fato de muitas das teorias existentes
sobre a memória serem naturalmente contraditórias.
129

3.6 A questão da memória cultural como referencial de uma comunidade política

Uma das principais referências sobre o conceito de memória coletiva consiste na obra
de referência de Maurice Halbwachs “A memória coletiva” (1925) que de certo modo
representou o passo inicial para os estudos focados na temática. Segundo o autor, existiriam
essencialmente duas memórias distintas: memórias individuais e memórias coletivas, no qual
ambas penetrariam entre si apesar de possuírem naturezas diametralmente opostas. Nesse
caso, a memória individual poderia recorrer à memória coletiva para confirmar algumas de
suas lembranças para precisá-las e cobrir algumas de suas lacunas, porém seguindo seu
próprio caminho. 210 A memória coletiva, por outro lado, envolveria as memórias individuais,
mas sem se deixar seguir por elas, pois ela evoluiria segundo suas próprias leis e
especificidades (HALBWACHS, 1990, p. 53).211
Sobre as relações entre memórias individuais e coletivas, Michael Pollak (1992, p.
201) no artigo Memória e Identidade social cita Maurice Halbwachs ao considerar que
embora a priori a memória pareça ser um fenômeno individual próprio de uma pessoa,
devemos entender que a memória deve ser entendida como “um fenômeno coletivo e social,
ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações,
transformações, mudanças constantes” no qual a memória individual vai existir sempre a
partir de uma memória coletiva, posto que todas as lembranças são constituídas no interior de
um grupo. Em outro artigo, intitulado Memória, Esquecimento e Silêncio (1989), Pollak
encaixa a perspectiva de Halbwachs em uma tradição europeia do século XIX 212 que enfatiza

210
Maurice Halbwachs (1990, p. 54) cita um exemplo pessoal para ilustrar como uma memória individual se
utiliza de uma memória coletiva para auxiliar a construção de suas lembranças: “o grupo nacional de que eu
fazia parte foi o teatro de um certo número de acontecimentos, dos quais digo que me lembro, mas que não
conheci a não ser pelos jornais ou pelos depoimentos daqueles que deles participaram diretamente. Eles ocupam
um lugar na memória da nação. Porém eu mesmo não os assisti. Quando eu os evoco, sou obrigado a confiar
inteiramente na memória dos outros, que não vem aqui completar ou fortalecer a minha, mas que é a única fonte
daquilo que eu quero repetir. Muitas vezes não os conheço melhor, nem de outro modo, do que os
acontecimentos antigos que ocorreram antes de meu nascimento. Carrego comigo uma bagagem de lembranças
históricas, que posso ampliar pela conversação ou pela leitura. Mas é uma memória emprestada e que não é
minha”.
211
Outro fator importante a ser citado é que Halbwachs (1990, p. 71) define a noção de lembrança como sendo
“em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e (...) preparada
por outras reconstruções feitas em épocas anteriores”.
212
Michael Pollak (1989, p.1) relaciona essa “tradição europeia do século XIX” com a tradição metodológica
durkheiniana “que consiste em tratar fatos sociais como coisas”, tornando possível tomar diferentes pontos de
referência como dados empíricos da memória coletiva de um determinado grupo. Dessa forma, se constrói uma
memória estruturada em uma série de hierarquias e classificações.
130

o aspecto institucional presente na memória coletiva,213 ilustrado pela construção de uma


História “oficial” dos Estados nacionais, no qual cada país define uma memória nacional
comum a todos os cidadãos com o objetivo de fundamentar e reforçar os sentimentos de
pertencimento à nação, além de buscar estabelecer as fronteiras socioculturais de um povo.
Dessa forma, tal tradição oriunda do oitocentos designa que a nação é a forma mais acabada
de um grupo, sendo a memória nacional uma representação mais completa da noção de uma
memória coletiva.
Segundo o autor, tanto as memórias individuais quanto as memórias coletivas possuem
elementos constitutivos que possibilitam um trabalho de solidificação das lembranças e da
construção da memória. O primeiro desses elementos seriam os acontecimentos que podem
ser vividos de forma pessoal (sendo situados no âmbito individual) ou de forma coletiva, os
quais Pollak denomina de “acontecimentos vividos por tabela” que são vividos pelo grupo ou
coletividade que uma pessoa se sente pertencer.214 Outro elemento constitutivo da memória
seriam as pessoas e personagens que tanto constroem as memórias quanto se encontram
presentes nela. O terceiro elemento seriam os lugares, os “lugares de memória”
particularmente ligados a uma lembrança que pode ser de âmbito pessoal (um lugar de férias
na infância, por exemplo) ou situada em um contexto da coletividade, como nos monumentos
aos mortos de uma guerra. Desse modo, ambas as memórias, individuais e coletivas,
possuiriam estes três elementos em comum na perspectiva de Pollak que encontra reflexo
nesta passagem da historiadora brasileira Márcia Pereira dos Santos (2007, p. 95): “as
memórias individuais e coletivas são em grande medida espaços de homens e grupos se
encontrarem a portarem como sujeitos da história. Suas ações (...), a todo momento, lhes cria
demandas políticas”.
Sobre as diferentes perspectivas acerca da memória coletiva, Aleida Assmann (2011,
p. p. 144), assim como Michael Pollak, afirma que a tradição de Halbwachs está relacionada
com sua formação de sociólogo empírico, próximo à tradição do século XIX, cuja análise não

213
Michael Pollak (1989, p. 9) define memória coletiva como sendo basicamente uma “(...) operação coletiva
dos acontecimentos e das interpretações que se quer salvaguardar (...) em tentativas mais ou menos conscientes
de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos
diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias, nações e etc. A referência ao passado
serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar
respectivo, sua complementariedade, mas também as posições irredutíveis”.
214
Para complementar esta perspectiva, transcrevo o trecho no qual Pollak (1992, p.201) coloca que os
acontecimentos vividos coletivamente “são acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou mas que,
no imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se
participou ou não”.
131

se pautava na crítica cultural, pois seu interesse limitava-se a compreender a coesão que unia
as ideias de um grupo. Sendo assim, Halbwachs relaciona a estabilidade da memória coletiva
com o seu vínculo à composição e à subsistência do grupo social que a produz. Caso o grupo
se dissolva, “os indivíduos perdem em sua memória a parte das lembranças que os fazia
assegurarem-se e identificarem-se como grupo”. Outro importante fator de desagregação das
memórias coletivas segundo a perspectiva de Halbwachs (1990, p. 35) consiste na alteração
do contexto político no qual tais memórias estão inseridas, onde uma mudança significativa
no cenário político pode acarretar o esquecimento de determinadas lembranças. De modo
geral, ao considerar que as lembranças erráticas e disfuncionais desligadas da noção da
“coesão de grupo” não são contempladas na análise de Halbwachs, Aleida Assmann coloca
que o conceito de “memória coletiva” do autor é marcado pelo construtivismo e por uma
teoria funcionalista da memória.215
Aplicando estas noções do conceito de memória coletiva diretamente ao nosso objeto
de pesquisa, podemos considerar que, ainda que as memórias individuais dos artesãos/oleiros
no processo de fabricação dos vasos sejam de caráter particular, estas são parte de uma
memória coletiva comum tanto ao corpo cívico ateniense quanto aos metecos e outros
indivíduos envolvidos no processo de fabricação das cerâmicas. No entanto, a aplicação direta
desse conceito ao nosso período histórico constitui uma perspectiva teórica ainda calcada nos
pressupostos do início do século XX, sendo desatualizada em relação aos trabalhos
desenvolvidos nos últimos vinte anos. Conforme aponta Márcia Pereira dos Santos (2007, p.
83), “as reflexões do sociólogo Maurice Habwalchs (...) passam por uma revisitação teórica
que visam menos uma refutação das teses do autor que uma reatualização de conceitos, como
memória coletiva e memória individual”. Desse modo, salientamos a necessidade de repensar
o conceito de memória coletiva ao relacionarmos a noção de memória ao lugar antropológico.
Joel Candau (2011, p. 33) em sua obra Memória e Identidade propõe um
questionamento e uma desconstrução216 acerca do conceito de memória coletiva, afirmando

215
Assmann (2011, p. 144) coloca que Maurice Halbwachs distinguia rigorosamente memória coletiva da
memória da ciência histórica, marcando os seguintes pontos: (1) “A memória coletiva assegura a singularidade e
a continuidade de um grupo ao passo que a memória histórica não tem função de asseguração identitária”. (2)
“As memórias coletivas, assim como os grupos aos quais estão vinculadas, existem sempre no plural; a memória
histórica, por sua vez, constrói uma moldura integradora para muitas narrativas e existe no singular”. (3) “A
memória coletiva obscurece ostensivamente as mudanças, ao passo que a memória histórica é nelas que se
especializa”.
216
Para construir sua argumentação, Candau busca primeiramente classificar as memórias individuais em três
categorias: a protomemória; a memória de alto nível; e a metamemória, buscando assim realizar uma “taxonomia
das diferentes manifestações da memória” (CANDAU, 2011, p. 21). A primeira, denominada de protomemória,
representa a memória de baixo nível que, no âmbito do indivíduo, constitui os saberes e as expectativas mais
132

que é frequente definir a memória social como “o conjunto de lembranças reconhecidas por
um determinado grupo” e conceber a memória coletiva como um “conjunto de lembranças
comuns a um grupo”. No entanto, o autor deixa transparecer que a partir de uma análise do
próprio conceito de memória em si, percebe-se que a ideia pré-concebida de uma memória
coletiva de um caráter absoluto pode tornar-se algo equivocado, pois a memória pressupõe um
nível de conhecimento compartilhado que seria inacessível por mais de um indivíduo.
As memórias coletivas não seriam capazes de serem atestadas como as individuais,
pois “um grupo não se recorda de acordo com uma modalidade culturalmente determinada e
socialmente organizada” da mesma forma que um indivíduo acessa suas lembranças pré-
determinadas. A partir desses pressupostos, observamos que a construção de uma memória
coletiva não constitui algo pré-determinado ou reduzido a um conjunto de memórias
individuais que visam objetivos comuns, o que salienta a necessidade de não tratarmos o
conceito da “memória coletiva” como um atributo absoluto e indivisível. Desse modo,
Candau questiona a realidade material de uma memória coletiva, no qual coloca que a
existência material de atos de memória não é suficiente para atestar a existência de
lembranças e conhecimentos compartilhados de uma memória coletiva total. Os atos de
memória representariam a materialização das lembranças e acontecimentos que são evocados
por um determinado grupo com o objetivo de se perpetuar ou construir uma determinada
“memória coletiva”. Alguns exemplos da materialização desses atos de memória seriam: a
construção de prédios públicos nomeados a partir de uma figura histórica; estátuas situadas
em praças e locais públicos; pinturas e iconografias referenciando um passado considerado
“glorioso”; museus; comemorações públicas e festividades; entre outros. Segundo o autor,
mesmo considerando que esses atos de memória são corretamente comunicados e transmitidos
a um grande número de pessoas, não existiria nenhum dado concreto que nos permite afirmar

resistentes e mais bem compartilhadas pelos membros de uma coletividade. Em outros termos, poderíamos
classifica-la como uma memória “mecânica” ou “gestual” que compreende aspectos como costumes introjetados
nas relações interpessoais (o aperto de mãos como cumprimento, por exemplo); cadeias operatórias inscritas na
linguagem verbal e gestual; códigos sociais de comportamento; entre outros. A segunda categoria de memória, a
memória de alto nível, representa essencialmente uma memória de recordação que exige um esforço do
indivíduo para evocar ou invocar lembranças autobiográficas ou referentes a uma memória de saberes (crenças,
sensações, conhecimentos, sentimentos, etc.). Por fim, a metamemória constitui a representação que cada
indivíduo faz de sua própria memória, “o conhecimento que tem dela” e “a construção explícita da identidade”,
sendo uma memória “reivindicada, ostensiva” (CANDAU, 2011, p. 23). Desse modo, observamos que a
metamemória é auto referencial, pois sua natureza consiste no próprio reconhecimento que um indivíduo possui
de uma determinada memória na qual a reconhece e evoca com algum objetivo relacionado à sua própria
definição de identidade.
133

que eles sejam compartilhados em sua totalidade entre mais de um indivíduo217 (CANDAU,
2011, p. 36).
Tais colocações nos apontam para um aparente problema teórico na utilização do
conceito de memória coletiva em nossa análise documental da cultura material dos vasos
áticos, o qual consideramos preliminarmente como uma manifestação de uma memória
coletiva, uma “memória de grupo”, que demarca o coro musical como lugar antropológico.
Para alcançarmos uma resolução acerca desse problema, primeiramente iremos considerar que
na Grécia arcaica, entre as diversas concepções de memória existentes, se constitui uma
memória comum dos heróis mortos em batalhas que é mantida presente no interior do grupo
por meio do canto, sendo igualmente expressa através de outras formas como a poesia épica,
os epinícios, os ditirambos entoados pelos coros, entre outros. Sendo assim, o que seria a
“memória do grupo” (uma noção aproximada da ideia de memória coletiva) situa-se na
memória do canto cuja reprodução nos banquetes e festividades busca estabelecer uma
relação entre a comunidade dos vivos e o herói falecido. Dessa forma, conforme nos aponta
Candau (2011, p. 46-48), “a memorização coletiva é possível, pois o conceito de uma
memória forte enraizada em uma tradição cultural – a glorificação e elogio dos heróis” serve
como uma noção de unidade à comunidade dos atenienses, na medida em que eles se
reconhecem a si mesmos por meio de um passado mítico ou factual. Podemos considerar
então que a comunidade política dos atenienses do período arcaico se reconhece
coletivamente a partir de referenciais situados no passado, os quais são muitas vezes
reproduzidos e divulgados por meio da memória cantada.
Devido às peculiaridades da utilização do conceito de memória coletiva em nosso
objeto de pesquisa, como por exemplo a sua ligação a uma tradição oriunda do final do século
XIX, torna-se mais adequada a adoção da denominação memória cultural para nos referirmos
à “memória de grupo” existente em Atenas expressa na cultura material dos vasos áticos.
Aleida Assmann (2011, p.17) define o conceito de memória cultural como sendo algo distinto

217
Tal argumento é construído a partir da ideia de que existiriam dois tipos de representação presente nas
sociedades: as representações mentais, baseadas em categorias abstratas como as crenças, as intenções,
preferências e outros aspectos inerentes ao âmbito individual; e as representações públicas, baseadas em
categorias concretas como os enunciados, textos, imagens e outras manifestações presentes em nossa realidade
material. Desse modo, “quando uma representação mental é comunicada de um indivíduo a outro (...) ela se
transforma em representação pública”. Outra categorização dicotômica referente aos tipos de representação é a
divisão entre representações factuais que são relativas diretamente à existência concreta e material de certos
fatos; e as representações semânticas que são relativas ao sentido atribuído a esses mesmos fatos. Dessa forma,
um mesmo acontecimento pode ter diferentes manifestações ou significados, considerando que um enunciado
concreto pode interpretado/apreendido de inúmeras formas por um indivíduo, iniciando um processo de
transfiguração de uma determinada representação factual para uma representação semântica abstrata situada no
campo das ideias.
134

de outros tipos de memória como, por exemplo, a mnemotécnica, a memória de aprendizagem


(Lerngedächtnis) e a memória formativa (Bildungsgedächtnis), pois a memória cultural
corresponde a uma categoria de memória que supera épocas, se encontrando preservada em
textos normativos.218 É importante destacarmos que os “textos normativos” citados pela
autora não representam o único meio pelo qual uma memória cultural pode ser preservada,
uma vez que sua impossibilidade de se auto-organizar demanda sua reprodução através de
mídias e políticas direcionadas à sua conservação. Nesse contexto, a memória cultural pode se
apresentar por meio de diversas manifestações físicas como: textos escritos em jornais, cartas,
livros, revistas, epigrafias, iconografias presentes em propagandas, pinturas, fotografias,
filmagens, o corpo físico de uma pessoa (que pode abrigar desde tatuagens até textos
escritos), praças, monumentos públicos, cemitérios, estradas, entre outros.219
Ao abordar a relação da memória com a imagem como meio de reprodução, Assmann
coloca que as imagens possuem uma dinâmica de transmissão completamente diferente dos
textos escritos. Tal fator ocorreria devido à condição das narrativas visuais estarem “mais
próximas da força impregnante da memória e mais distantes da força interpretativa do
entendimento”. Essa força da memória seria um elemento difícil de canalizar de forma efetiva
e imediata, fazendo com que o poder das imagens procure seus próprios caminhos de
mediação, o que Assmann chama de “sobrepeso” criativo da imagem em relação ao texto.
Nesse caso, imagens e textos adaptam-se de formas diferentes no inconsciente, no qual
Assmann (2011, p. 245) aponta a existência de “uma fronteira líquida entre imagem e sonho:
a imagem é elevada a visão e provida de vida própria”. Com a passagem da representação
mental para a representação pública, a partir do momento em que o artista produz uma
iconografia no plano material, as imagens passam de objeto de observação para o sujeito da
aparição. As imagens mentais de um indivíduo são parte de uma memória que se torna
materializada ao ser transfigurada para a iconografia física. A partir dessa perspectiva,
podemos considerar as pinturas de vasos áticos como manifestações das representações
mentais dos artistas que as produzem, refletindo aspectos de uma memória cultural comum a
todos os atenienses inseridos na comunidade política.

218
Segundo Assmann, Schöne diagnostica a diminuição da memória em dois níveis: a memória cultural e a
comunicativa, que normalmente liga três gerações consecutivas se baseando nas lembranças legadas oralmente.
219
De fato, Aleida Assmann dedica toda a segunda parte do seu livro à abordagem dos diferentes meios pelo
qual se expressa a memória cultural. Nesta segunda parte, cada capítulo é dedicado para um tipo de mídia, sendo
divididos entre: metáforas de recordação (capítulo 1); escrita (capítulo 2); imagem (capítulo 3); Corpo (capítulo
4); e locais (capítulo 5).
135

Portanto, a pólis ateniense período arcaico se reconhece coletivamente a partir de


referenciais situados no passado, os quais são muitas vezes reproduzidos e divulgados por
meio da memória cantada e da memória materializada na cultura material das pinturas de
vasos áticos, sendo possível considerarmos a existência de uma memória cultural referente
aos valores aristocráticos presentes na cultura material dos vasos áticos.
136

CONCLUSÃO

Conforme observamos, a maior parte da historiografia tradicional referente ao teatro


grego nos festivais públicos apenas menciona a existência do coro musical como parte
integrante dos ritos cotidianos de Atenas e do próprio teatro grego de modo geral. Exemplos
de trabalhos notáveis desta natureza seriam a obra de referência sobre a história do teatro
grego, The History of the Greek and Roman Theater (1961)220 de Margareth Bieber e o
clássico Dithyramb: Tragedy and Comedy (1962) de Arthur Pickard-Cambridge. Citamos as
duas obras pelo seu valor inestimável para os estudos sobre as performances corais presentes
no teatro grego além de igualmente abordar tópicos relacionados com aspectos como: o
funcionamento dos festivais públicos; a iconografia das performances corais; a
contextualização histórica do teatro; entre outros. Porém, apesar de possuírem inegável
relevância, ambas constituem um claro exemplo de como os coros musicais foram abordados
tradicionalmente na historiografia, no qual eram vistos como mera parte integrante de uma
temática de pesquisa maior, no caso os estudos que enfocavam o teatro grego em si. 221 Sendo
assim, ao longo das décadas, a temática do coro musical como enfoque principal da análise
histórica carece de uma problematização específica que busca compreender sua relação com
as esferas sociais, políticas e econômicas da pólis. Tal perspectiva de trabalho em um
primeiro momento nos motivou a empreender esta pesquisa que buscou abordar
historicamente as performances corais além de seus aspectos relacionados com o teatro e a
poesia, no qual pretendemos alcançar uma forma singular de abordagem sublinhando seus
aspectos políticos. Portanto, nesta dissertação foi nosso principal objetivo conduzir a temática
do coro para o primeiro plano na pesquisa histórica considerando sua especificidade, no qual
abordamos o coro como objeto de pesquisa prioritário o analisando a partir linha de pesquisa
Política e Sociedade.
Sobre a temática sendo trabalhada por outros autores, destacamos que esta dissertação
se insere no contexto de uma renovação historiográfica no qual o coro musical tem sido

220
A obra The History of the Greek na Roman Theater foi primeiramente publicada em 1939, sendo republicado
em edições posteriores. A edição consultada para esta dissertação foi a relativa ao ano de 1961, presente no
acervo geral da EFA.
221
Sublinhamos que a temática referente ao teatro grego representa um amplo campo de estudos cuja
abrangência compreende, além do coro musical, temas como: a arqueologia do espaço físico do teatro (WILES,
1997, p. 30-55); a questão das fantasias e máscaras utilizadas nas performances; o estudo dos atores e seu papel
no conjunto das performances; as peculiaridades de cada gênero teatral (dramático, cômico ou trágico), entre
muitos outros enfoques.
137

analisado de forma prioritária, não sendo apenas parte integrante dos estudos tradicionais
referentes ao teatro grego. As mais relevantes obras situadas nesse contexto de renovação da
temática do coro musical seriam: Les Choeurs de Jeunes Filles (1977) de Claude Calame,
provavelmente a primeira obra de acentuada relevância sobre a temática específica do coro;
The Athenian Institution of the Khoregia (2000) de Peter Wilson; a obra coletiva Dithyramb
in Context (2013) editada por Peter Wilson e Barbara Kowalzig; e por fim, Choral Mediations
in Greek Tragedy obra coletiva organizada por Renaud Gagné e Marianne Hopman (2013).
Todas as quatro obras foram devidamente citadas na extensão de nosso trabalho. No entanto,
apesar desses livros se mostrarem decisivamente relevantes, encontramos uma maior presença
da temática em numerosos artigos científicos, igualmente utilizados na composição desta
dissertação. É interessante notarmos que tais artigos, assim como os livros específicos do
coro, são datados dos últimos 30/40 anos,222 o que demonstra um claro crescimento de
estudos sobre a temática nas últimas décadas (especialmente nos últimos 20 anos).223 Dessa
forma, é seguro supor que nosso trabalho se integra no conjunto dessas novas abordagens a
respeito do coro musical, as quais procuram trabalhar considerando sua singularidade
temática no campo da História Antiga.
Em retrospecto, entre as conclusões parciais expostas ao longo do trabalho,
primeiramente iremos citar a questão relacionada com a composição social do coro musical
referente à presença de diferentes classes censitárias. Devemos destacar que uma das metas
nesta pesquisa consistiu em uma abordagem restrita às três primeiras classes censitárias
(pentakosiomedimnoi, hippeis e zeugitai), excluindo a quarta classe referentes aos Thetai. Tal
decisão foi adotada por conta do contexto histórico do final do sexto século, no qual ainda não
haveria a inclusão do segmento dos thetai na política e comunidade de Atenas, medida
somente tomada somente a partir de meados do século V a.C. no período clássico. Segundo
nos aponta Maria Regina Candido (2016, p. 62-62), “os thetai do período arcaico não
participavam da defesa da pólis devido à sua incapacidade de custear os seus armamentos

222
Sobre a questão dos últimos 30/40 anos termos a profusão de tantos trabalhos específicos sobre o coro,
devemos citar que provavelmente a obra seminal de Claude Calame, Les choeurs de jeunes filles, publicada
primeiramente em 1977, representou um ponto de partida para a realização dos demais estudos a respeito da
temática a partir da década de 1980.
223
Além das obras Choral Mediations... e Dithyramb in Context publicadas em 2013, também houve uma
terceira publicação neste mesmo ano: o trabalho coletivo Chorus: Ancient and Modern organizado por Joshua
Billings, Fiora Macintosh e Felix Budelmann. O motivo pelo qual não o citamos na conclusão foi por conta de
sua consulta tardia, pois obtivemos acesso a ele somente no mês de janeiro de 2018 no acervo geral da EFA
durante a realização do estágio na biblioteca, não sendo possível sua leitura integral. No entanto, o primeiro
capítulo intitulado “Theorizing the Chorus in Greece”, de autoria de Anastasia Erasmia-Peponi, foi devidamente
analisado na íntegra e citado no primeiro capítulo desta dissertação.
138

como faziam os integrantes da falange dos hoplitas e os integrantes dos dois primeiros
segmentos sociais”. Desse modo, os thetai não estavam integrados à noção do cidadão
soldado camponês existente no final do período arcaico, conceito que representava o cidadão
que combatia na defesa da pólis utilizando o canto e a dança como atividades
complementares.
Em relação à questão da categoria de cidadão que era presente na cultura material,
devemos citar a existência de elementos simbólicos associados com os segmentos
aristocráticos nas pinturas de vasos áticos, o que nos permite afirmar que o coro musical
constituiu uma atividade que permaneceu restrita aos segmentos relativos às primeiras classes
censitárias mesmo após a instauração da isonomia. Questões como a seleção dos melhores
khoreutai que na maioria das vezes eram os aristoi mais proeminentes da tribo e a educação
musical sofisticada restrita à elite são alguns dos argumentos que corroboram nosso
posicionamento referente à composição do arcaico ter sido majoritariamente aristocrática.
Portanto, reiteramos que ao contrário de outros aspectos das reformas de Clístenes como a
criação da boulé dos quinhentos e a institucionalização da falange hoplita à lógica do novo
governo, a participação nos coros musicais não representa um elemento completamente
associado à ideia de isonomia em um primeiro momento. Como o corte temporal desta
dissertação se limitou ao final do sexto século, sendo algumas cerâmicas provavelmente
pertencentes a um contexto ligeiramente posterior224 (datadas entre 500-480 a.C.), não
pudemos prosseguir na análise para identificar as transformações posteriores do coro musical.
De certa forma, podemos supor preliminarmente que eventos majoritários como as Guerras
Greco-Pérsicas acarretaram transformações posteriores nos festivais públicos em Atenas,
influenciando consequentemente a organização dos coros musicais ao longo da primeira
metade do quinto século.
Nossa primeira hipótese referente ao coro musical ter sido formado majoritariamente
por membros da aristocracia se adequa à perspectiva de Clístenes não desejar necessariamente
a integração social e política de todos os atenienses das quatro classes censitárias nos coros
musicais. Tal fundamento é baseado na corrente historiográfica que estabelece Clístenes a
partir de uma visão realista225 que define as reformas territoriais e a instauração da isonomia
como manobras políticas utilizadas para minimizar as tensões da pólis através da concessão

224
As cerâmicas datadas entre os anos de 500-480 a.C. são: a Kýlix de Teseu (fig. 11) de 490-480; a Cratera de
Basel (fig. 13) de 500-480 e o Lekythos de Kerameikos (fig. 8) de 510 e 490.
225
Perspectiva historiográfica oriunda de autores como David Lewis (1963, p. 37-39) e G. R. Stanton (1998, p.
159) devidamente abordados no primeiro capítulo, entre as páginas 47 e 55 deste trabalho.
139

de poder às démoi, visando conquistar o seu apoio político (LEWIS, 1963, p. 37-38). Tais
medidas consistiram na promoção de uma maior coesão entre membros da aristocracia
ateniense através do ágon cooperativo presente nos ensaios dos coros musicais, buscando
evitar futuros levantes contra a recém-instaurada isonomia. Sendo assim, defendemos que era
objetivo de Clístenes incluir os zeugitai nos coros musicais como uma forma de se conquistar
o apoio político desse segmento de cidadãos, pois eram pertencentes à falange dos hoplitas
possuidores de seu próprio equipamento de batalha. O apoio político deste estrato da
comunidade proporcionaria ao recém-instaurado governo isonômico um braço armado
preparado do seu lado contra eventuais crises políticas226 ou conflitos civis (stásis), buscando
assegurar uma estabilidade política em Atenas.
Nesse contexto, a presença do segmento censitário dos zeugitai simboliza uma questão
relacionada com a reorganização institucional e territorial da Ática, onde as competições
corais entre as dez tribos (phylai) transpõem as esferas culturais, religiosas e artísticas,
representando um ato político institucional da pólis a partir da instauração da isonomia.
Devemos reiterar que as competições corais abordadas nesta dissertação eram realizadas
dentro do gênero ditirâmbico227no festival das Dionisíacas urbanas que continham vinte coros
musicais, sendo dois para cada uma das dez tribos: um coro de jovens e outro de adultos. Os
membros de cada tribo (Phyle) promoviam o ágon cooperativo entre si, objetivando a vitória e
glória de sua comunidade sobre os coros musicais das outras tribos. Sendo assim, a integração
das competições corais à lógica da reorganização territorial da Ática realizada nas reformas de
Clístenes se inserem no mesmo contexto de outras medidas políticas adotadas no período,
como o alargamento da cidadania e a expansão das falanges hoplitas.
A questão relacionada à falange hoplita e à isonomia constitui nossa segunda hipótese
de pesquisa que defende o treinamento e a preparação do coro musical como elementos
análogos ao treinamento militar. Tal perspectiva observa ambos como atividades
complementares, pois o ritmo do canto e a regularidade dos passos proporcionariam a
disciplina necessária aos soldados auxiliando fisicamente nos treinamentos através da
musicalidade dos versos e da sincronia da dança. Esta hipótese se relaciona com a noção
política de isonomia que começou a ser esboçada em meados do sexto século, culminando no
fim do governo tirânico e nas reformas de Clístenes. Sendo assim, defendemos que tanto o

226
Devemos considerar que o contexto político de Atenas após a instauração da isonomia esteve imbuído de
tensões políticas que culminaram no conflito entre Clístenes e Iságoras, seu adversário político contrário às
políticas dos Alcmeônidas.
227
Para maiores detalhes, rever o tópico 2.4 – Os coros de formação circulares: a representação imagética dos
ditirambos.
140

coro quanto a formação em falange representam dois aspectos oriundos de uma memória
cultural que os associam com o contexto político da Atenas do final do sexto século referente
ao processo de instauração da isonomia.
Neste caso, a participação do cidadão soldado camponês nos festivais públicos
correspondia a uma tarefa suplementar do seu treinamento na falange hoplita, no qual ambos
representavam deveres cívicos no contexto político da isonomia do final do sexto século.
Conforme os apontamentos realizados pela historiografia exposta ao longo desta dissertação
em conjunto com a análise da cultura material realizada no segundo e terceiro capítulos, bem
como a elaboração de um quadro teórico ao final do terceiro capítulo, observamos que a
institucionalização dos coros nos festivais públicos por Clístenes representou uma medida
política que objetivava consolidar o regime político da isonomia através da permanência de
aspectos aristocráticos nos coros (evidenciados pela cultura material do período) e da
associação das performances corais com a integração do cidadão na falange hoplita.
Tal hipótese de trabalho à primeira vista pode ser associada com o criticado
posicionamento de John Winkler (1985, p. 38-40) referente ao coro musical ter sido parte do
processo de ephebia em Atenas. Porém, conforme o debate historiográfico e a análise da
cultura material expostos no terceiro capítulo, nos utilizamos somente de alguns pressupostos
presentes na hipótese de Winkler, no qual desconsideramos fatores como a hipótese da
instituição de ephebia associada ao coro musical e a existência de relações semânticas no
grego clássico entre o coro e a falange, posicionamentos criticados por autores como Marcel
Lech (2009, p. 343-345), por exemplo. Dessa forma, consideramos que a associação do coro
musical com a falange ocorria no campo das representações simbólicas presentes na cultura
material dos vasos áticos, sendo a performance coral um meio de se introduzir um ideal de
disciplina para os futuros cidadãos que integravam o coro de jovens. Tal noção de disciplina é
representada na cultura material a partir de elementos simbólicos como os passos de dança
sincronizados, a uniformização das indumentárias e a musicalidade dos versos que serviam
tanto para regular o ritmo da marcha hoplita quanto para as coreografias executadas nos
festivais.
É importante salientarmos que a reconstrução das melodias e cantos executados nos
coros representa uma tarefa de difícil resolução para a historiografia atual,228 o que pode

228
Devemos colocar que durante nosso estágio realizado na biblioteca da EFA, em janeiro de 2018 realizamos
um levantamento bibliográfico de diversas obras referentes à questão da música antiga grega, no qual muitas
delas se dedicam à questão da reconstrução das melodias de músicas que eram executadas nos períodos clássico
e arcaico.
141

classificar nossa teoria da musicalidade como algo impraticável, inviabilizando parcialmente


nossa hipótese. No entanto, a análise das cerâmicas áticas como documento imagético
expostas em nosso trabalho nos permite corroborar nosso posicionamento, pois suas
iconografias ilustram aspectos de uma memória cultural que busca representar conceitos
relacionados à noções de unidade (através da uniformidade das indumentárias e trajes),
musicalidade (através de elementos como bocas abertas cantando e um aulètes tocando para o
grupo), sincronia dos passos de dança (através da mesma movimentação gestual representada
nos vasos); e da presença de simbolismos que apontam uma relação com a falange (os
golfinhos como montaria, a panóplia hoplítica, as formações circulares, entre outros).
Portanto, pode-se afirmar que as representações imagéticas materializam a atividade do coro
musical em Atenas, nos possibilitando validar a hipótese que define a musicalidade dos versos
e a sincronia dos passos da dança como elementos diretamente relacionados com o
treinamento dos hoplitas na comunidade política dos atenienses durante o contexto político do
processo de instauração da isonomia.
É importante citarmos que a formulação de tal hipótese, considerando seu aspecto
controverso229 dentro da historiografia, seria algo inviável caso não tivéssemos elaborado um
quadro teórico adequado à nossa pesquisa. A materialização do coro musical nas cerâmicas
áticas nos permitiu a realização de uma abordagem baseada na antropologia social, no qual
nos utilizamos do conceito de lugar antropológico concebido por Marc Augé (2012, p. 50). A
partir desta perspectiva teórica, consideramos que a comunidade política dos atenienses se
representou nas imagens a partir de elementos simbólicos relacionados com sua memória
cultural. Tais elementos se encontram nas iconografias presentes nos vasos áticos que
reproduzem simbolismos existentes na comunidade política do período arcaico. Nesse caso,
se buscou trabalhar com a noção de memória cultural materializada na cultura material das
cerâmicas áticas, onde as imagens e representações dos coros musicais constituem meios de
rememoração de grupos sociais que encomendam estes vasos. Considerando que os elementos
simbólicos nos vasos se relacionam com a aristocracia, podemos afirmar que a memória
expressa na cultura material refere-se a um pensamento aristocrático, ou seja, uma memória
de grupo associada referente aos valores sociais referentes aos segmentos censitários
superiores da comunidade política dos atenienses.

229
Nos utilizamos do termo controverso por conta dos debates e críticas originados a partir da já citada hipótese
inicial de John Winkler que associa a ephebia com o coro. Para maiores detalhes, consultar o tópico 3.3 - O
cidadão soldado camponês como membro do coro: a relação entre o coro musical e a falange hoplita.
142

No entanto, não devemos afirmar categoricamente que essa memória cultural era
limitada somente aos membros da aristocracia, pois muito provavelmente suas ideias e
simbolismos eram compartilhados e acessados pelos zeugitai igualmente. Tal suposição
encontra fundamento ao considerarmos que um dos objetivos da aristocracia partidária dos
Alcmeônidas (representada pela figura de Clístenes) consistia em conquistar o apoio das
camadas médias da população através da inclusão destes em atividades tradicionalmente
associadas aos aristoi. Além disso, devemos apontar que com a posterior expansão econômica
e mercantil de Atenas muitos zeugitai conseguiram acumular grandes riquezas, ascendendo
socialmente e vindo a adotar os referenciais de uma memória pertencente aos grupos sociais
da alta aristocracia tradicional. Desse modo, as pinturas de vaso que representavam elementos
associados às elites tradicionais constituíam uma memória cultural que se relacionava ao
segmento dos zeugitai, cujo indício pode ser verificado na representação de elementos da
indumentária hoplita e da formação em falange que se apresenta análoga às performances
corais. Um dado interessante a ser destacado sobre a cultura material do período abordado é a
singularidade presente na Cratera de Basel (figuras 13 e 14) com sua performance coral
realizada sem montaria no lado A, fazendo indiretamente a referência àqueles que combatiam
a pé na infantaria. Além disso, a presença de uma ânfora entre os dois sátiros do lado B pode
nos indicar a existência de uma memória associada com a agricultura e o trabalho no campo,
pois este elemento refere-se indiretamente ao armazenamento de grãos, vinhos ou uvas, além
de possuir a função social de misturar água e vinho nos simpósios. Tal associação com o meio
rural provavelmente refere-se aos proprietários de terra, podendo ser a produção de uma
memória cultural associada tanto aos pentakosiomedimnoi, os grandes proprietários de terra,
quanto aos zeugitai que representavam os pequenos e médios proprietários de terra.230
Em suma, a síntese de nossa conclusão geral do trabalho consiste na conjunção de
duas hipóteses de pesquisa complementares: a primeira defende que a aristocracia era parte
essencial dos coros musicais durante o processo de instauração da isonomia, no qual os
zeugitai foram incluídos de forma mais intensa após as reformas de Clístenes que dividiu os
coros entre as dez tribos para as competições no festival das Grandes Dionisíacas. A segunda
conclusão refere-se à existência de uma relação entre o coro musical e falange hoplita
evidenciada pela cultura material das cerâmicas, no qual a participação do cidadão nos coros

230
Esta questão referente à ânfora de grãos presente no lado B não pôde ser devidamente aprofundada em nossa
análise da Cratera de Basel no capítulo 3 por motivos relacionados ao tempo referente à conclusão do curso de
mestrado acadêmico. Tal reflexão surgiu durante nosso estágio na EFA em janeiro 2018, no qual procurei
discutir e debater brevemente com outros pesquisadores do Núcleo de Estudos da Antiguidade em fevereiro de
2018 (informação verbal).
143

dos festivais públicos funcionava como uma atividade complementar à formação do cidadão
camponês soldado que integrava a comunidade política dos atenienses. Por conseguinte,
concluímos que o coro musical no final do sexto século simbolizou um dos aspectos da
isonomia instaurada em Atenas que se caracterizou por não ter integrado efetivamente em um
primeiro momento todas as quatro classes censitárias em uma mesma noção de comunidade
política (koinonía politiké), se limitando somente aos três primeiros segmentos. Além disso,
também concluímos que o coro musical constituiu um instrumento político de legitimação de
poder e linguagem comunicativa na Atenas de Clístenes, assim como ocorre em nossa
contemporaneidade,231 no qual a música tem representado um meio de se conquistar e
conduzir as massas. Um exemplo oriundo de nosso contexto atual seria o suporte e
financiamento por parte do Estado brasileiro em grandes festividades públicas e eventos
musicais,232 sendo o Carnaval o mais relevante de todos. O Carnaval sendo um evento de
alcance nacional e internacional possui diversos aspectos políticos e sociais inerentes à sua
organização, no qual um estudo mais aprofundado poderia nos oferecer interessantes
possibilidades de pesquisas futuras utilizando a mesma abordagem histórica desta dissertação,
tanto no campo de História do Brasil quanto na formulação de questionamentos e
justificativas para uma pesquisa no campo da História Antiga.
Devemos destacar igualmente que este trabalho representa uma contribuição aos
estudos de tópicos relacionados à diversas temáticas além do coro musical: o teatro grego; a
política e sociedade grega do final do período arcaico; a análise metodológica da cultura
material; os festivais públicos; a memória cultural na comunidade ateniense; entre outras.
Ademais, entre as propostas apresentadas ao longo desta dissertação, objetivamos evitar a
utilização do termo “sociedade” para nos referirmos à coletividade dos atenienses,233
buscando sua substituição pelo termo comunidade política. Tal decisão foi adotada com base

231
Os aspectos do uso da música em contextos políticos e sociais contemporâneos foram expostos na seção de
INTRODUÇÃO desta dissertação.
232
Além do Carnaval, diversos eventos musicais públicos também são financiados pelo Estado brasileiro, sendo
a grande maioria gratuitos. Os exemplos mais notáveis são: os shows de réveillon realizados na praia de
Copacabana; shows gratuitos de artistas como os Rolling Stones (2005) e Stevie Wonder (2012) realizados no
mesmo local; o Viradão Cultural realizado anualmente na cidade de São Paulo e periodicamente no Rio de
Janeiro, no qual um extenso número de artistas se apresentam durante um período estipulado pelo Estado; o
conjunto de shows realizados durante as Olímpiadas de 2016 no Rio de Janeiro; entre outros.

233
As argumentações e razões conceituais para a substituição do termo sociedade por comunidade se encontram
presente no tópico 1.3 – Sociedade, política e comunidade política do capítulo I.
144

nos apontamentos de Marta Mega de Andrade em sala de aula,234 cujos debates se apoiaram
na documentação textual (Aristóteles - A Política) e em diversos textos teóricos e conceituais
que abordavam questões referentes à temática de História, Sociedade e Subjetividade
Histórica. Em vista disso, sugerimos a realização de revisões e análises futuras sobre a
aplicação acrítica direta do conceito moderno de sociedade civil concebido a partir do
Iluminismo à coletividade ateniense. Sublinhamos que a questão referente à dicotomia
conceitual entre sociedade e comunidade não foi devidamente aprofundada em nosso
trabalho, o que ocorreu principalmente devido ao fato desta não constituir nosso foco de
pesquisa.
Uma interessante observação a ser mencionada refere-se à relação de nosso trabalho
com a subárea da História Política a partir da linha de pesquisa Política e Sociedade. É
interessante notarmos que durante nossas leituras nos deparamos com determinados aspectos
conceituais que podem ser relacionados igualmente com a linha de Política e Cultura. Um
claro exemplo consiste na adoção do conceito de cultura material na análise imagética do
conjunto de vasos áticos, o que abre a possiblidade de aproximação dos estudos culturais com
nosso objeto de pesquisa, o que tornaria possível sua vinculação à linha de Política e Cultura.
Tal viabilidade representa apenas uma das alternativas de abordagens ao nosso objeto de
pesquisa, cuja singularidade temática no campo da História Antiga pode fornecer
questionamentos para a realização de pesquisas futuras.

234
Tais colocações de Marta Mega de Andrade foram expostas em sala de aula durante o cumprimento da
disciplina eletiva externa intitulada “História, Sociedade e Subjetividade” realizada no Programa de Pós-
Graduação em História Social (PPGHIS) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no segundo
semestre de 2016. A disciplina constituiu um dos pré-requisitos institucionais de nosso curso de mestrado, além
de ter representado uma importante etapa durante a realização de nossa pesquisa.
145

REFERÊNCIAS

Documentação textual:

ARISTÓTELES. A Constituição de Atenas (edição bilíngue português/grego). Tradução,


apresentação, notas e comentários: Francisco Murari Pires. São Paulo: Hucitec, 1995.

ARISTÓTELES. A Política. Tradução: Nestor Silveira Chaves. São Paulo, Escala
Educacional, 2006.

ARISTÓTELES. A Política, livro 1. Tradução: Marta Mega de Andrade. São Paulo: Museu
de Arqueologia e Etnologia da USP [s.n.], Leitura dirigida de teoria grega, 2006. No prelo.

HERODOTUS. The Histories of Herodotus (Interlinear English Translation – bilingual


edition). Translation: George Macaulay. Lighthouse Digital Publishing, 2013 (Kindle
Edition).

HERODOTUS. History of Herodotus. In: Greats books of the western world: History of
Herodotus, The History of the Peloponnesian War, Thucydides. Translation: George
Rawlinson. Ed. Robert M. Hutchins. Chicago: Enciclopedia Britannica, 1952.

PLATÃO. AS LEIS. Tradução: Edson Bini. Bauru, São Paulo: Edipro, 2010.

PLUTARCO. Life of Themistokles. In: Plutarch’s Lives. Translation: Aubrey Stewart;


George Long. London: George Bell and Sons, 1894 (Kindle Edition).

VELHO OLIGARCA. A Constituição dos Atenienses. Tradução, introdução e notas:


MARTINS, Pedro Ribeiro. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2013.

“Perseus Digital Library” – www.perseus.tufts.edu.

Documentação imagética:

BEAZLEY, J. D. Paralipomena: additions to attic black-figure vase-painters and to attic red


figure vase painters. Oxford: Clarendon Press, 1974, p. 259.

Black-Figure Storage Jar (Amphora) with Horse Head and Dolphin. Disponível em:
https://artmuseum.indiana.edu/online/highlights/view/entries/55. Acessado em 29 de set. de
2017.

BULLETIN OF METROPOLITAN MUSEUM OF ART. Nova Iorque: [s.n.] n. 47, 1989, p.


3-9. il. color.

CORPUS VASORUM ANTIQUORUM BASEL 3. Basel: [s.n.], v. 3, 1988, p. 21-22.


146

CORPUS VASORUM ANTIQUORUM MUSÉE DU LOUVRE 12. Paris: Museu do Louvre,


[s.n.], v. 12, 140: pls 866-967.

Drinking cup (skyphos) depicting chorus scenes. Disponível em:


http://www.mfa.org/collections/object/drinking-cup-skyphos-depicting-chorus-scenes-
153547. Acessado em Acessado em 10 de novembro de 2017.

DELAVAUD-ROUX, Marie-Hélène. Les Danses Pacifiques em Grèce Antique. Aix-em-


Provence, France: Publications de l’Université de Provence, 1994, p. 147.

MOON, Warren; BERGER, Louise. Greek Vase-Painting in Midwestern Collections.


Chicago: The Art Institute of Chicago, 1979, p. 48-50.

New Bouleuterion. Final do século V a.C. Ruínas do prédio onde eram realizadas as reuniões
do Conselho dos Quinhentos cidadãos, no qual eram escolhidos 50 de cada tribo. Localizado
no sítio arqueológico da Ágora Antiga em Atenas.

Teatro de Dioniso. Século V a.C. Teatro semicircular construído em pedra. Situado na encosta
sul da Acropóle de Atenas.

Terracotta psykter (vase for cooling wine) attributed to Oltos. Disponível em:
https://www.metmuseum.org/art/collection/search/255946. Acessado em 5 de julho de 2016.

Vaso Chigi. Disponível em: https://revistadehistoria.es/el-hoplita-ateniense-del-siglo-v-ac-


parte-i/. Acessado em 15 de fevereiro de 2018.

WILL, E. El mundo griego y el Oriente: I, El siglo V (510-403). Madrid: Akal, 1997, p. 64.

[Monumento Khorégico à Lisícrates]. 335-334 a.C. Monumento construído em pedra de


formato circular com seis colunas externas, decorado com frisos em alto relevo e com uma
trípode no topo. O monumento mede aproximadamente entre 10 e 15 metros de altura.
Localizado no centro da cidade de Atenas.

[Lekythos situado no museu de Kerameikos]. 490-480 a.C. Vaso de cerâmica construído no


formato de Lekythos, no qual se assemelha a um pequeno frasco, possuindo a pintura de um
músico em conjunto com dois homens montados em golfinhos.

Dicionários:

Dictionary classic upenn edu. Acessado em 30/05/2015. Site


http://www.classics.upenn.edu/myth/php/tools/dictionary.php?regexp=CHORUS&method=standard.

MOSSÉ, Claude. Dicionário da Civilização Grega. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

HORNBLOWER, Simon. SPAWFORTH, Antony. (Ed). The Oxford Classical Dictionary. 3º


edition. Oxford: The Oxford University Press, 1996.
147

Bibliografia

ADORNO, Theodor W. Introdução à Sociologia da Música: doze preleções teóricas. São


Paulo: Ed. Unesp, 2011.

ANDRADE, Marta Mega de. A Vida Comum: espaço, cotidiano e cidade na Atenas Clássica.
Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

ALMEIDA, Marina Rockenback de. Por um comparativismo construtivo do culto de Ísis entre
atenienses e egípcios no final do V século AEC. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação. (Mestrado em
História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

ARENDT, Hannah. As esferas pública e privada. In: A condição humana. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007, cap. 2, p. 31-89.

ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: Formas e Transformações da Memória


Cultural. Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 2011 (impressão de 2016), Intr. p. 15-30, p. 143-
155, p. 235-258.

AUGÉ, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas:


Papirus, 2012.

BISPO, Cristiano P. de Moraes. A Retórica da Conotação e os sentidos gradativos das


imagens. In: História, Imagens e Narrativas, n. 5, 2007, p. 1-10.

BÉLIS, Annie. Les musiciens dans l’Antiquité. Paris: Hachette Litterátures, 1999.

BIEBER, Margareth. The Rise of Satyr Play and of Tragedy. In: ______. The History of the
Greek and Roman Theater. Princeton: The Princeton University Press, 1961, p. 3-35.

BIERL, Anton. The Choral Dance and Song as Rictual Action. In: ______. Ritual and
Performativity: The Chorus in Old Comedy. Washington, DC: Center for Hellenic Studies,
2009, p. 1-82.

BOARDMAN, John. Athenian Red Figure Vases: The Archaic Period. London: Thames and
Hudson, 1975.

BOWIE, Ewen. Lyric and Elegiac Poetry. In BOARDMAN, John. et al. (Ed.) The Oxford
History of the Classical World. New York: The Oxford University Press, 1986, p. 99-112.

BURKE, Peter. História e Teoria Social. São Paulo: Ed. Unesp, 2002.

BURKERT, Walter. Religião grega na época clássica e arcaica. Lisboa: Fund. Calouste
Gulbenkian, 1993.

CALAME, Claude. Choral Poliphony and the rictual functions of tragic songs. In: GAGNÉ,
Renaud; HOPMAN, Marianne G. Choral Meditations in Greek Tragedy. New York:
Cambridge University Press, 2013, p. 35-57.
148

CALAME, Claude. Les Choeurs de jeunes filles en Grèce archaïque. Roma: Ateneo &
Bizarri, 1977.

CAMBRIDGE, Arthur Pickard. Dithyramb: tragedy and comedy. Oxford: Clarendon Press,
1962.

CANDAU, Joel. Memória e Identidade. São Paulo: Contexto, 2016.

CANDIDO, Maria Regina. Atenas: liderança unipolar no Mar Egeu (480-411 a.C.). Rio de
Janeiro: NEA/UERJ; Letras e Versos, 2016.

CANDIDO, Maria Regina. et al. Novas perspectivas sobre aplicação metodológica em


História Antiga. In: BELTRÃO, Claudia. et al. (Org.) A Busca do Antigo. Rio de Janeiro:
Trarepa Nau, 2011, p. 13-23.

CANDIDO, Maria Regina. Teatro, Memória e Educação na Atenas Clássica. In: LESSA,
Fábio de Souza; BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. (Org.) Memória e Festa. Rio de
Janeiro: Editora Mauad, 2005, p. 625-628.

CARTAGEÑA, Francisco Javier Perez. Khorodidaskalia: La dirección del coro em el Drama


Ático. In: Koinos Logos. Murcia, 2006, p. 785-794.

CERQUEIRA, Fábio Vergara. A educação musical nas biografias dos heróis e nas biografias
dos grandes homens públicos: evidências dos discursos sociais favoráveis e contrários ao
ensino musical na formação do cidadão. Métis: história e cultura, Caxias do Sul/RS, v. 2, n.
3, p. 35-56, jan/jun. 2003.

CERQUEIRA, Fábio Vergara. As representações dos agônes musicais nas pinturas dos vasos
áticos. In: LESSA, Fábio de Souza. BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha (Org.) Olhares
do Corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003, p. 57-71.

CERQUEIRA, Fábio Vergara. A imagem pública do músico e da música na Antiguidade


Clássica: desprezo ou admiração? História, São Paulo, v. 26, 2007, p. 63-81.

CERQUEIRA, Fábio Vergara. O testemunho da iconografia nos vasos áticos dos séculos VI e
V a.C.: Fundamentação teórica para sua interpretação como fonte para o conhecimento da
cultura e sociedade da Grécia Antiga. História em Revista (UFPel), Pelotas/RS, v. Especial,
2005, p. 1-22.

CHAILLEY, JACQUES. La Musique Grecque Antique. Paris: Les Belles lettres, 1979, p. 39-
43.

CONDILO, Camila. Ambiguidades da Tirania no Pensamento Político Ateniense. In: ______.


Heródoto, as Tiranias e o Pensamento político nas Histórias. São Paulo: Annablume; Fapesp,
2010, cap. 2, p. 35-73.

CONNOR, W. Robert. Festival and Democracy. In: SAKELLARIOU, M. (Ed.) Colloque


International Démocratie Athénienne et Culture. Athenai: Académie d’Athènes, 1996, p.79-
89.
149

CROIX, Alain. Marx, a alugadora de cadeiras e a pequena bicicleta. In: RIOUX, Jean-Pierre;
SIRINELLI, Jean-François. (Org.) Para uma História cultural. Lisboa: Estampa, 1998, p. 51-
70.

CSAPO, Eric. A Portrait of the Artist I: Theater Realistic Art in Athens, 500-330 BC. In:
______. Actors and Icons of the Ancient Theater. Oxford: Blackwell Publishing, 2010, p. 1-
37.

CSAPO, Eric. Dolphins of Dionysus. In: CSAPO, Eric. MILLER, Margareth C. (Org.)
Poetry, Theory, Praxis: The Social Life of Myth, Word and Image in Ancient Greece. Oxford:
Oxbow Books, 2003, p. 69-80.

DASEN, Véronique. Dwarfs in Ancient Egypt and Greece. Oxford: Clarendon Press, 1993, p.
163-168.

DETIENNE, Marcel. La falange: problèmes et controverses. In: VERNANT, Jean-Pierre.


(Ed.). Problèmes de la guerre em Grèce ancienne. Paris: Éditions de l’École des Hautes
Études en Sciences Sociales, 1999, p. 157-188.

DUARTE, Alair Figueiredo. Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica. Rio de Janeiro:


NEA/UERJ, 2013.

ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos (1939). In: ______. A Sociedade dos
Indivíduos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994, p. 11-59.

EHRENBERG, Victor. The Sixth Century. In: ______. From Solon to Socrates. 3º edition.
New York: Routledge Classics, 2011, p. 62-97.

ERASMIA-PEPONI, Anastasia. Theorising the Greek Chorus. In: BILLINGS, Joshua. et al.
(Ed.) Choruses, Ancient and Modern. Oxford; New York: Oxford University Press, p. 15-34.

EVANS, Nancy. Cleisthenes: the family curse behind the democracy. In: ______. Civic Rites:
Democracy and Religion in Ancient Athens. California: University of California Press, 2010,
p. 12-34.

FORREST, George. Greece: the History of the Archaic Period. In: BOARDMAN, John. et al.
(Ed.) The Oxford History of the Classical World. New York: The Oxford University Press,
1986, p. 19-49.

GAGNÉ, Renaud; HOPMAN, Marianne G. (Ed.). Introduction. In: ______. Choral


Mediations in Greek Tragedy. New York: Cambridge University Press, 2013, p. 1-34.

GHIRON-BISTAGNE, Paulette. Recherches sur les Acteurs dans la Grèce Antique. Paris:
Les Belles lettres, 1976, p. 257-300.

GOLDHILL, Simon. The audience of Athenian tragedy. In: EASTERLING, P. E. (Ed.). The
Cambridge Companion to Greek Tragedy. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p.
54-68.
150

GOMES, José Roberto de Paiva. Elaborando um campo de experimentação comparada a


partir das funções sociais das musicistas-citaristas hetairas com as das pedagogas
representadas nos vasos áticos durante a tirania dos Pisistrátidas (560-510 a.C.). 2015. 254f.
Tese (Doutorado em História Comparada) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

GREEN, J. R. On seeing and depicting the theatre in Classical Athens. Greek, Roman and
Byzantine Studies. [S.l.], v. 32, n. 1, 1991, p. 15-50.

GREEN, J. R. Theatre the Ancient Greek Society. London & New York: Routledge, 1994, p.
25-50.

GRIMAL, Pierre. O Teatro Antigo. Lisboa: Ed. 70, 2001.

HALL, Jonathan M. The City of Theseus. In: ______. A History of the Archaic Greek World
(ca. 1200-479 BCE). Carlton: Blackwell Publishing, 2007, p. 210-234.

HART, Mary Louise. Choral Dance in Archaic Athens. In: ______. (Org.) The art of ancient
Greek theater. Los Angeles: J. Paul Getty Museum, 2010, p. 19-32.

HARTOG, François. O Espelho de Heródoto: Ensaio sobre a representação do outro. Belo


Horizonte: Ed. UFMG, 2014.

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990, p. 9-57.

HEDREEN, Guy. The Semantics of Processional Dithyramb: Pindar’s Second Dithyramb and
Archaic Athenian Vase-Painting. In: KOWALZIG, Barbara; WILSON, Peter. (Ed.).
Dithyramb in Context: Texts and Contexts in Changing Choral World. Oxford: Oxford
University Press, 2013, p. 134-146.

IRIARTE, Ana. El arte de los Pisistratidas: poder, construcción e despliegue ritual en la


Atenas arcaica. In: CANDIDO, Maria Regina. et al. (Org.). Banquetes, Rituais e P: oder no
Mediterrâneo Antigo. Rio de Janeiro: UERJ/NEA, 2014, p. 154-175.

JONES, Peter (Org.) O Mundo de Atenas: Uma introdução à cultura clássica ateniense. São
Paulo: Martins fontes, 1997.

JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Lisboa: Ed. 70, 1996.

KINZL, Konrad H. The Origins and Early History of Attic Tragedy: A Historian’s Thoughts.
Klio: Beiträge zur Alten Geschichte. Berlin: Akademie-Verlag. Heft 1, Band 62, 1980, p. 178-
190.

KOWALZIG, Barbara. Dancing Dolphins on the wine-dark sea. In: KOWALZIG, Barbara;
WILSON, Peter. (Ed.). Dithyramb in Context: Texts and Contexts in Changing Choral World.
Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 31-58.

LANDELS, John G. Music in Ancient Greece and Rome. London and New York: Routledge,
1999, p. 1-30.
151

LAVELLE, Brian M. Hipparchos: studies in Peisistratid History, 528-514 b.C. 1983. Thesis
(for the degree of doctor of philosophy) - University of British Columbia, Vancouver, 1983.

LECH, Marcel L. Marching Choruses? Choral Performances in Athens. Greek, Roman, and
Byzantine Studies. [S.l.], n. 49, p. 343-361, 2009.

LESSA, Fábio. Corpo e Cidadania em Atenas Clássica. In; THEML, Neyde. et al. (Org.)
Olhares do Corpo. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2003, p. 48-55.

LÉVÊQUE, Pierre. VIDAL-NAQUET, Pierre. Clisthène L’Athénien: Essai sur la


representation de l’espace et du temps dans la pensée politique grecque de la fin du VIº siècle
à la mort de Platon. 1º édition. Paris: Editions Macula, 1983.

LEWIS, David. Cleisthenes and Attica. Historia: Zeitschrift für Alte Geschichte. [S.l.], Bd.12,
H. 1, jan. de 1963, p. 22-40.

LIMA, Junio Cesar Rodrigues. Flávio Josefo e o paradigma de circularidade cultural entre
as comunidades judaicas e a sociedade romana na Urbs do século I d.C. 2013. 235 f.
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

LISSARRAGUE, François. Ler e olhar a imagem: balanço e perspectivas de pesquisa sobre a


imagética grega. In: LIMA, Alexandre Carneiro Cerqueira. (Org.). História e Leitura:
múltiplas imagens. Niterói: Editora da UFF, 2013, p. 29-40.

LISSARRAGUE, François. Visuality and Performance. In: The art of ancient Greek theater.
Los Angeles: J. Paul Getty Museum, 2010, p. 53-56.

LOURENÇO, Luiz Cláudio. Jingles Políticos: estratégia, cultura e memória nas eleições
brasileiras. Aurora – Revista de Arte, Mídia e Política, São Paulo, n. 4, p. 205-217, 2009.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista
de História, São Paulo, n.115, p. 103-117, 1985.

MOERBECK, Guilherme. O Teatro Grego Antigo em suas Origens: apontamentos. In:


BUENO, André da Silva. et al. (Org.) Antigas Leituras: Olhares do presente ao passado. Rio
de Janeiro: Editora Autografia, 2016, p. 293-313.

MORALES, Fábio. Cidades invisíveis: a historiografia sobre a pólis ateniense. In: A


democracia ateniense pelo avesso: os metecos e a política nos discursos de Lísias. 2009. 243
f. São Paulo, 2009 (dissertação de mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2009, p. 26-48.

MOSSÉ, Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa: Edições 70, 1999.

MOSSÉ, Claude. La tyrannie dans la Grèce antique. Paris: Presses Universitaires de France,
1969.

NAGY, Gregory. Transformations of Choral Lyric Traditions in the Context of Athenian State
Theater. Arion, n.3, p. 41-55, 1995.
152

NERI, Mariana Freire. Avaliação do comportamento de Avestruzes (Struthio camelus) de 10 a


150 dias de vida em sistemas de produção. 2007. 42 f. Dissertação (Mestrado em Ciências
Agrárias) – Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, 2007,
p. 12-13.

OBER, Josiah. The Athenian Revolution of 508/7 BC: Violence, Authority, and the Origins
of Democracy. In: The Athenian Revolution: Essays on Ancient Greek Democracy and
Political Theory. Princeton: the Princeton University Press, 1996, p. 32-51.

PAQUETTE, Daniel. Instruments a vent; In: L’instrument de Musique dans la céramique de


la Grèce Antique: Études d’Organologie. Paris: 1984, p. 24-63.

PANTEL, Pauline Schmitt. Imagens e História Grega. In: LIMA, Alexandre Carneiro
Cerqueira. (Org.). História e Leitura: múltiplas imagens. Niterói: Editora da UFF, 2013, p.
41-54.

PIQUÉ, Jorge Ferro. A tragédia grega e o seu contexto. Letras, Curitiba, n. 49, 1998, p. 201-
219.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento e Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,


v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. In: Revista de Estudos Históricos: Teoria e
História. Vol. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.

PRITCHARD, David M. Kleisthenes, Participation and the Dithyrambic Contests of Late


Archaic and Classical Athens. Phoenix, Victoria – British Columbia, v. 58, n. 3-4, p. 208-228,
Autumn-Winter. 2004.

ROMILLY, Jacqueline de. A tragédia grega. Brasília: Ed. da UnB, 1998.

ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010.

SANTOS, Márcia Pereira dos. História e memória: desafios de uma relação teórica. OPSIS,
vol. 7, nº 9, jul-dez de 2007, p. 81-97.

SEALEY, Raphael. The Peisistratidae and the Reforms of Clisthenes. In: A History of Greek
city states. Berkeley: University of California Press, 1976, p. 134-168.

SILVA, Carolyn Fonseca da. Sólon: por uma história econômica na Atenas no século VI a.C.
2016. 203 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2016, p. 80-107.

SMALL, Jocelyn P. Attic Vases, Curves, and Figures. Eirene: Studia Greca et Latina, n.
XLVIII, p. 30-36, 2012.

SMALL, Jocelyn P. Pictures of a Tragedy? In: GREGORY, Justina (ed.). A Companion to


Greek Tragedy. Oxford: Blackwell Publishing, 2005, p. 103-118.
153

STANTON, G. R. Kleisthenes. In: Athenian Politics c. 800-500 BC: A Sourcebook. London


and New Tork: Routledge, 1990, p. 138-190.

STRATHERN, Marylin. Introdução. In: ______. O gênero da dádiva: problemas com as


mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 2006,
p. 27-52.

STUTTARD, David. A History of Ancient Greece in Fifty Lives. London: Thames and
Hudson, 2014.

TAPLIN, Oliver. Setting the Scenes. In: ______. Pots and Plays: Interactions between
Tragedy and Greek Vase-painting of the Fourth Century B.C. Los Angeles: The J. Paul Getty
Museum, 2007, p. 1-46.

TRENDALL, A. D.; WEBSTER, T. B. L. Illustrations of Greek Drama. London: Phaidon,


1971.

VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e Tragédia na Grécia Antiga. São


Paulo: Perspectiva, 2005, p. 1-18.

VERNANT, Jean-Pierre. (Dir.). O Homem grego. Lisboa: Ed. Presença, 1994.

WEINER, Albert. The function of the Tragic Greek Chorus. Theatre Journal, Vol. 32, n. 2, p.
205-212, maio de 1980.

WELLENBACH, Matthew. The iconography of Dionysiac Choroi: Dithyramb, Tragedy and


the Basel Krater. In: Greek, Roman, and Byzantine Studies. [S.l.], n. 55, 2015, p. 72-103.

WEST, Martin Litchfield. Ancient Greek Music. Oxford: Oxford University Press, 1992.

WÉRY, Louise-Marie L’Homme. De l’eunomie solonienne à l’isonomie clisthénienne. D’uns


conception religieuse de la cité à as rationalisation partielle. Kernos (in ligne). [S.l.], n. 15,
2002, p. 211-223.

WHITEHEAD, David. Prolegomena. In: The Demes of Attica 508/7 –CA. 250 B.C.: A
Political and Social Study. New Jersey: the Princeton University Press, 1986, p. 1-64.

WILES, David M. Tragedy in Athens: Performance Space and Theatrical Meaning.


Cambridge: Cambridge University Press, 1997.

WILSON, P. The Athenian Institution of the Khoregia: the Chorus, the City, the Stage.
Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

WINKLER, John J. “The Ephebes’ Song: Tragōidia and Polis. In: Representations, n. 11, p.
26-62, 1985.

WOERTHER, Frédérique. Music and the Education of the Soul in Plato and Aristotle:
Homeopathy and the Formation of Character. The Classical Quaterly, Vol. 58, n. 1,
Cambridge: Cambridge University Press, p. 89-103, 2008.
154

WOLFF, Francis. Da política até a política de Aristóteles. In: Aristóteles e a política. São
Paulo: Discurso Editorial, 1999, cap.1, p. 7-34.
155

GLOSSÁRIO

Ágon, ἀγών – contenda, competição, luta, torneio ou qualquer tipo de disputa, se estendendo
tanto para os festivais cívicos, para os jogos olímpicos ou para a guerra.
Ágora, ἀγορά – praça principal das antigas cidades helênicas, constituindo o centro da pólis,
sendo o local em que se instalava o comércio, as assembleias (ekklesias) do démos, entre
outras funções.
Ânfora, ἀμφορεύς – formato de cerâmica que possuía a função de armazenar vinho, grãos e
água.
Aristos, ἄριστος (aristoi no plural, ἄριστοι) – cidadão pertencente à aristocracia.
Aulètes, αυλητής – o músico que tocava o aulós.
Aulós, αυλός – instrumento de sopro análogo à flauta moderna, poderia ser monofônico
(composto por somente um instrumento) ou polifônico, sendo chamado nesse caso de aulós
duplo, composto por dois aulós simultâneos.
Boulé, βουλή – conselho de cidadãos que se reuniam em assembleias com o objetivo de
realizar as principais decisões e medidas políticas da pólis ateniense por meio do voto
popular. Estima-se que durante o período de Sólon a Boulé era composta por quatrocentos
cidadãos, sendo posteriormente ampliada nas reformas de Clístenes que instituiu um corpo de
quinhentos cidadãos, sendo cinquenta para cada tribo.
Bouleutérion, βουλευτήριον – local onde ocorria as reuniões da boulé. Houveram dois
respectivos prédios dessa natureza no decorrer da Atenas Clássica: o velho Bouleutérion,
atualmente perdido; e o novo Bouleutérion construído aproximadamente no final do quinto
século a.C. cujas ruínas se encontram atualmente no sítio arqueológico da ágora ateniense.
Chitón, χιτών – vestimenta grega semelhante a uma túnica, era presa pelos ombros e possuía
uma faixa em volta da cintura.
Cratera, κρᾱτήρ – formato de cerâmica, possuía a função de misturar vinho e água.
Démarchos, δήμαρχος – representante de um determinado démos nas assembleias públicas,
sendo um cargo de destacada relevância na organização política implementada por Clístenes.
Démos, δῆμος (démoi no plural, δῆμοι) – subdivisão administrativa da Ática em torno de
Atenas. Pode fazer referência também à população comum, ao povo.
Demotai, δημόται – aquele que habita o démos.
Dioniso, Διόνυσος – divindade helênica associada com as festividades, o vinho, a loucura, o
teatro, entre diversos outros atributos.
156

Dionisíacas rurais, Διονύσια τὰ κατ' ἀγρούς – festivais públicos de honra à Dioniso


realizados no mês de Poseideon na área rural, no qual as comunidades campesinas tinham a
oportunidade de reproduzir os elementos existentes nas Dionisíacas urbanas
Dionisíacas urbanas, Διονύσια τὰ Μεγάλα – também denominadas de “Grandes
Dionisíacas”, eram um conjunto de festividades públicas dedicadas à Dioniso, realizadas
aproximadamente no mês de março. Era caracterizada por uma procissão que seguia um
percurso para o espaço sagrado adjacente ao teatro onde eram realizados rituais e sacrifícios
em honra ao deus. Nas procissões eram carregados pães, esculturas fálicas, recipientes e etc.
Ditirambo, διθύραμβος – gênero musical baseado em hinos de honra a Dioniso, executado
através do canto e de um acompanhamento instrumental, podendo ser apresentado
individualmente ou em conjunto através do coro musical.
Ephebia, εφηβεία – instituição que preparava militarmente os jovens cidadãos nas artes do
combate e na formação da falange. Sua emergência teria se dado em meados do quarto século
a.C. em Atenas.
Eleutério, Ελευθέριος – “Livre”, termo associado com a noção de liberdade
Génos, γένος – Famílias ou clãs.
Hetaireias, ἑταιρεία – Facções ou grupos políticos.
Hippeis, ἱππεῖς – segundo segmento das classes censitárias de Sólon, constituída por
cidadãos pertencentes à cavalaria.
Hoplita, ὁπλίτης – soldado da infantaria helênica que utilizava como armamentos principais
a lança e o hoplon (escudo). A formação da falange hoplita consistia na prática onde um
soldado defendia o outro com o seu escudo, com o objetivo de construir uma parede de
escudos quase impenetrável.
Hydria, ὑδρία – recipiente construído em cerâmica, utilizado para transporte de líquidos. A
hydria possuía três alças: um par nas laterais e uma grande alça vertical na parte posterior.
Kalos, Καλός – termo grego clássico polissêmico que pode significar “belo” ou “melhor”,
compreendendo os conceitos de bondade, nobreza e beleza. No grego moderno também
significa “bom”.
Kaloi kai agathoi, καλόι καὶ ἀγαθόι – termo utilizado pela aristocracia helênica para referir-
se a si própria. Pode ser traduzido como “os bons e melhores”, “belos e virtuosos”, “nobres e
bons”, entre outros.
Kerameikos, Κεραμεικός – também conhecido como bairro do Cerâmico, correspondia a
uma área de habitação na pólis ateniense antiga caracterizada pelo alto número de oleiros e
artesões que povoavam a área. Local no qual se localizava o cemitério de Kerameikos e as
157

antigas muralhas de Atenas. Atualmente é um sítio arqueológico situado no bairro moderno


de Kerameikos, próximo ao centro de Atenas, com um museu em seu interior.
Khoregos, χορηγός (khoregoi no plural, χορηγόι) – cidadão responsável por financiar o
coro através da instituição da khoregia, sendo também encarregado da seleção dos integrantes
do coro, da preparação, dos ensaios, escolha da indumentária a ser utilizada, entre outras
tarefas.
Khorodidaskalos, χοροδιδάσκαλος – regente do coro, responsável por treinar os membros
nos ensaios. Não se sabe se o khorodidaskalos também era presente em cena durante as
performances situadas nas competições ou se ficava restrito somente aos ensaios.
Khoregeion, χορηγειον – local de ensaios para o coro musical.
Khoregia, χορηγια – instituição pública na qual um cidadão rico se encarregava de arcar com
os custos gerais de um coro específico para competir nos grandes festivais
Khoreutas, χορευτής (khoreutai no plural) – membros dos coros musicais, indivíduos que
realizavam passos de dança e canto integrados em uma performance musical no contexto do
teatro grego.
Kithara, κιθάρα – instrumento similar à lýra grega composto de madeira, podendo possuir
de 7 a 11 cordas com uma larga caixa de ressonância. Instrumento destinado às competições
dos músicos profissionais nos grandes festivais.
Koinonía Politiké, κοινωνία πολιτική – a palavra pode ser traduzida como a “comunidade
política de cidadãos”. Termo aplicado à pólis dos atenienses, citado na Política de Aristóteles.
Kômos, κῶμος – procissão ritualística associada com o êxtase e torpor oriundo do vinho. A
natureza exata de seus procedimentos nos é desconhecida. Possui relação etimológica com o
gênero da comédia.
Kouros, κοῦρος – jovem, termo comumente no período arcaico para designar as estátuas
fúnebres representando rapazes. As esculturas referentes ao gênero feminino eram chamadas
de kóre (κόρη).
Kýklios khoros, κύκλιος χορός – coros de formação circulares tradicionalmente associados
com os gêneros ditirâmbicos e líricos.
Kýlix, κύλιξ – artefato de cerâmica em formato de copo (cup, segundo os historiadores de
idioma anglo-americano) utilizado para se beber vinho nos banquetes e simpósios.
Láurion, Λαυρίου – antigas minas de prata que eram situadas na parte meridional da Ática.
Leipsydrion, λειψυδριον – forte da Ática antiga situado abaixo da montanha de Parnès,
presente desde o período arcaico.
158

Lekythos, λήκυθος – formato de cerâmica que servia como recipiente de óleos e unguentos.
Era costume sua utilização em rituais funerários, sendo colocados do lado do morto na tumba.
Lenaia, Λήναια – festival anual de Atenas no qual ocorria competições entre performances
dramáticas.
Marseillaise – hino nacional da França
Meteco, Μέτοικος – estrangeiro residente na pólis ateniense, não possuía o estatuto de
cidadão.
Misthos, μισθός – compensação pecuniária, ou seja, pagamento.
Nothoi, νόθοι – filhos considerados bastardos, ilegítimos.
Oidos, Οἶδας – traduzido como “ode”, correspondia a um canto com fins religiosos, sagrados
ou de homenagem a algum indivíduo.
Óikos, οἶκος – termo polissêmico que se refere simultaneamente ao espaço doméstico e à
família e sua propriedade. Associado com a ideia do espaço privado nas comunidades
helênicas.
Orchestra, ορχήστρα – o termo grego original significa literalmente “espaço da dança”,
apontando a delimitação física de onde o coro deveria se inserir no teatro.
Paideía, παιδεία – processo educacional dos atenienses.
Panateneias, Παναθήναια – também podem ser chamadas de Panatenaias, consistia em um
conjunto de festividades realizadas em honra à deusa Atena. Representa um dos grandes
festivais públicos e cívicos da pólis ateniense.
Pentakosiomedimnoi, πεντακοσιομέδιμνοι – primeiro segmento da classe censitária de
Sólon, incluía não somente os grandes proprietários de terras, mas também os proprietários de
oficinas e concessionários de minas.
Phylai, φυλαὶ (phyle no singular, φίλε) – corresponde à noção de tribo ou clã. Foram
reorganizadas por Clístenes entre 508-507 a.C.
Pnýx, Πνύξ – colina em Atenas situada à sudoeste da Ágora Antiga. O prédio situada em seu topo
era o local onde a assembleia (ekklesia) se reunia no período clássico.
Prohedria, προεδρία – assentos situados na primeira fileira do teatro destinado a
magistrados, sacerdotes e outras figuras proeminentes da comunidade. Assemelham-se à
pequenos tronos.
Psyktêr, ψυκτήρ – Recipiente utilizado para refrigerar líquidos, sendo o seu formato
moldado especificamente para submergir o vinho em água resfriada.
Seisachtheia, σεισάχθεια – Conjunto de leis instituídas por Sólon a fim de alterar as medidas
relacionadas com a servidão e a escravidão por dívida.
159

Skené, σκηνή – Local onde ocorriam as encenações teatrais, incluindo o posicionamento da


orchestra. Posteriormente passou a funcionar como um palco para os atores
Skýphos, σκύφος – recipiente construído em cerâmica utilizado para se beber vinho e água.
Stásis, στάσις – conflito na pólis reflexo de instabilidade e tensões políticas, traduzido
geralmente como “guerra civil”.
Strategos, στρατηγός – título político utilizado para denominar o líder do exército, algo
aproximado da noção de general.
Tragoidoi, τραγουδῶ – termo tradicionalmente é associado o gênero trágico, podendo ser
definido como o conjunto de cantores que entoam tragos, cantos que seriam associados com a
figura do bode.
Thetas, θῆτες - Última classe censitária, incluía os cidadãos pobres e os estratos sociais mais
baixos da comunidade ateniense.
Trirreme, τριήρης – Embarcação grega de guerra que dispunha de três ordens de remos.
Zeugitas, ζευγίτης (zeugitai no plural, ζευγῖται) -Terceira classe censitária de Sólon,
representavam os pequenos e médios proprietários de terra, artesãos ou comerciantes. Além
disso, combatiam como infantaria na falange dos hoplitas.
Zoé, Ζωή – conceito da vida comum a todos os seres vivos. A noção de “vida” geralmente
associada aos animais, enquanto que a vida humana era designada pelo termo Bíos, βίος. A
palavra é incorporado no termo zoon politikon, utilizada por Aristóteles na passagem “O
homem é um animal político (zoon politikon)”.
160

APÊNDICE A – Considerações sobre a catalogação de cerâmicas

A catalogação de vasos se iniciou entre os meses de julho e setembro de 2015,


ocorrida poucos meses antes do processo seletivo do curso de mestrado. Nesta etapa, foram
selecionados nove vasos com o objetivo de serem incorporados na projeto de pesquisa a ser
desenvolvido no primeiro ano de curso. Os vasos selecionados na primeira fase estão
marcados com um asterisco (*) na grade 1 que compreende o catálogo completo situado na
próxima página. Inicialmente foi considerado trabalhar somente com esses vasos durante os
24 meses de pesquisa referentes ao curso de mestrado acadêmico, sendo nossa finalidade
preliminar aplicar a metodologia de análise de imagem em todas as nove cerâmicas,
excetuando a Olpe datada do sétimo século (630-600 a.C.) devido ao nosso corte temporal
restrito ao final do sexto século. O motivo pelo qual selecionamos esta cerâmica para compor
o catálogo consiste no fato desta conter uma das primeiras representações de fileiras hoplíticas
sendo acompanhadas por um músico tocando o aulós, o que nos permite relacioná-lo com a
questão do uso da música e do canto no combate e treinamento militar.
Durante o estágio realizado na EFA em janeiro de 2018 obtivemos acesso a outras
cerâmicas presentes no acervo geral da Bibliothèque da instituição, no qual foram adicionadas
cinco cerâmicas ao catálogo total que estão marcadas com cerquilha (#) na grade 1. Devemos
destacar que o estágio também nos possibilitou a obter informações sobre os outros vasos
catalogados anteriormente, o que nos levou a reavaliar as análises imagéticas a serem
incorporadas na versão final da dissertação.
Por fim, as cerâmicas marcadas em negrito na grade representam as que foram
devidamente analisadas a partir dos pressupostos teóricos de Martine Joly, sendo incorporadas
ao longo do desenvolvimento desta dissertação. As outras cerâmicas não analisadas foram
mantidas no catálogo a fim de consulta e cadastro, visando destacar sua existência para o
leitor que deseje se aprofundar na temática, abrindo caminho para futuras análises e
abordagens.
161

Grade 1 - Catálogo de Cerâmicas com temáticas referentes ao coro musical

Artefato Pintor Datação Nº no Fabricação Proveniência Catalogação Sintagma


Beazley
Archive

Olpe* Desconhecido 630-600 9004217 Proto- Desconhecido Roma, Museo Soldados sendo
coríntia de Villa Giulia conduzidos por um
n. 22679 aulètes.

Os elementos
dispostos nessa
cerâmica do início
Kylix# Desconhecido 590-570 --------- Coríntia Desconhecido Musée du do sexto século nos
Louvre, MNC apontam elementos
674 (L62) associados com o
coro musical:
golfinhos, cavalos e
gestos que remete à
dança.

Ânfora* Painter H1 560-550 350026 Atenas Provavelmente Bloomington, Justaposição entre


Etrúria Indiana um golfinho e um
University A cavalo.
M. 74.10.1

Kýlix* Falmouth 560 305010 Atenas Indeterminado Paris, Louvre Homem dançando e
painter E741 cantando com um
híbrido de homem e
cavalo.

Coro constituído
Kýlix# BMN painter 550-500 8656 Atenas Ática Paris, Louvre por homens (sem
CA 2988 indumentária
hoplita) do lado
A1, do lado A2 fila
de jovens montados
em cavalos.
Também encontra-
se uma fila do
golfinhos do lado
interno do vaso.

Dois homens em fila


Fragmento* Não definido 550-500 30854 Atenas Ágora de Atenas, Museu segurando artefatos
235 Atenas da Ágora, que remetem ao
P15390 escudo dos hoplitas.

Berlim, Coro de homens


Ânfora* Berlin Painter 550-500 320396 Atenas Etrúria Antikensammlu montados em
ng, F1697 homens com
fantasia de cavalos,
acompanhados por
um aulètes
.

235
Durante minha visita ao Museu da Ágora em Atenas em janeiro de 2018 não encontrei o fragmento desta
cerâmica no acervo geral. Ao questionar sobre essa peça específica à atendente do museu, especificando seu
número de série, foi me dito que não havia informações sobre, pois ela demonstrou não saber do que se tratava
este número. Além disso, na loja do museu não havia o catálogo do acervo à venda.
162

Hydria# “Circle” of 550-540 12278 Atenas Indeterminado New York, Um Hippeis a


Lydos Metropolitan cavalo conduzindo
Museum of um zeugitas com
Art, 1988.11.3 panóplia hoplítica.
Acima, um
pequeno coro
musical de quatro
homens.

520-510 Coro de hoplitas


Kowalzig Boston, montados em
Skýphos* Heron 500-490 4090 Atenas Ática Museum of golfinhos circular
Trendall Fine Arts. com um auletés
and 20.18 ditando o ritmo do
Webster lado A. Lado B
coro de jovens
montados em
avestruzes.

Psyktêr* Oltos 520-510 275024 Atenas Ática New York, Coro musical de
Metropolitan hoplitas montados
Museum em golfinhos
1989.281.69

Cratera* Mannerist 500-480 260 Atenas Ática Basel, Coro de hoplitas


Antikenmuseu em formação de
m und fileiras.
Sammlung
Ludwig BS415.

525-475
Lekythos# Theseus por Dois hoplitas
Painter Beazley Atenas – Kerameikos montados em
330667 Atenas bairro do Museum, 5671 golfinhos
490-480 Kerameikos acompanhados por
por um aulètes.
Kowalzig

490-480
Theseus por Coro musical de
Kýlix* painter Kowalzig 351585 Atenas Beócia Paris, Louvre hoplitas montados
510-490 CA 1924 em golfinhos
por acompanhados por
Ghiron- um auletés.
Bistagne.

480-470 –
Kýlix # Triploptemos Hedreen 203853 Atenas Indeterminado Paris, Musée du Coro musical de
Louvre G138, jovens e homens em
500-450 ARV 365.61 honra à Dioniso.
por Beazley Não há elementos
militares nessa
cerâmica
,
163

APÊNDICE B – Metodologia de análise de imagem de Martine Joly: grades de análise

Para analisarmos as iconografias presentes nas cerâmicas, iremos no utilizar de uma


metodologia de análise pautada a partir das definições conceituais propostas por Martine Joly
em seu livro Introdução à Análise da Imagem (1996). Basicamente, a autora estabelece uma
tipologia baseada em três categorias de mensagens (JOLY, 1996, p. 104) que estariam
contidas em um documento iconográfico: a mensagem plástica, a mensagem icônica e a
mensagem linguística. A mensagem plástica remete aos elementos materiais pelo qual uma
imagem é transmitida, considerando seus limites físicos (uma moldura, ou no caso a própria
arquitetura dos vasos áticos) e as dimensões nas quais a iconografia se situa. A mensagem
icônica se refere aos significantes icônicos que se apresentam de modo codificado, atribuindo
uma impressão de semelhança da imagem com a realidade através da analogia perceptiva e
dos códigos de representação presentes em um determinado contexto. Por fim, a mensagem
linguística pode representar um pequeno texto que realiza uma “ancoragem” com a imagem,
podendo tanto ser inscrições em uma cerâmica oriunda da Antiguidade quanto slogans
publicitários contidos nas propagandas modernas. Segundo Joly, toda imagem contém
implicitamente os três tipos de mensagens que interagem entre si, cabendo ao pesquisador
identificá-las e selecioná-las segundo seus parâmetros de análise.
Além dos tipos de mensagens contidas em cada imagem, um conceito importante da
metodologia de análise de imagem de Joly é o signo, que representa as informações diretas
presentes em uma iconografia. Porém, o signo também possui uma estrutura de sentidos
complexa que possibilita múltiplas leituras dos elementos que são representados em uma
iconografia. Essa estrutura de avaliação é definida pela autora como retórica da conotação. As
mensagens presentes em uma imagem são dotadas de um significado primeiro que é o nível
denotativo, e por um significado segundo que é o nível conotativo. Ao relacionar tais
conceitos com a análise das cerâmicas, Fábio Vergara (2005, p. 1-22) define o caráter
denotativo como uma representação realista que a iconografia pretende ilustrar; e o caráter
conotativo como uma visão idealizada do elemento representado na cena. Um exemplo disso
seria uma cena ilustrando um jovem com a lyra que poderia representar somente uma marca
social que o identifica como um indivíduo em condições de ter boa educação (caráter
denotativo), ou poderia representar a visão de uma cidade idealizada na qual a lyra seria o
símbolo de uma educação virtuosa e adequada (caráter conotativo).
164

A retórica conotativa, segundo Cristiano Bispo (BISPO, 2007, p. 4-5), é dependente


do contexto social no qual uma imagem foi produzida, pois para haver uma leitura metódica
eficiente se torna necessário o conhecimento dos códigos da sociedade que fabrica os signos.
Sendo assim, os sentidos e representações presentes em uma imagem podem ser variados
conforme as particularidades de cada grupo social, o que não inviabiliza uma abordagem
baseada na retórica da conotação. Como coloca o autor (BISPO, 2007, p. 7): “a retórica da
conotação é um instrumento adequado com resultados pertinentes para análises das imagens
produzidas em qualquer contexto histórico e social”. Tal colocação complementa a noção da
retórica conotativa de Martine Joly (1996, p. 96) que estabelece a conotação como não sendo
necessariamente inerente à imagem, pois deve ser considerada com um elemento constitutivo
da significação pela imagem e não somente um elemento dado e determinado pela imagem de
modo direto. Nesse caso, Bispo (2007, p. 2) coloca que Joly não compreende os signos como
uma fonte de informações diretas somente, “mas também contém dentro dele uma estrutura de
sentidos complexa que possibilita outras leituras de elementos representados, ou seja, a
imagem é constituída de faculdades que provocam uma significação a partir de uma
significação primeira”.
O documento imagético funciona então como um meio de se decodificar uma série de
mensagens e informações a partir da metodologia de análise de imagem. Dessa forma, nos
baseamos em análises individuais de vasos selecionados de nosso catálogo geral, presente no
apêndice anterior. O critério de seleção das cerâmicas se baseou em procurar imagens que
representassem conjuntos de indivíduos (em formação muitas vezes circular dependendo do
formato da cerâmica) rodeado de elementos que nos permitam identificar uma determinada
cena como a representação de uma performance coral. Tais elementos constituem signos
icônicos, ou figurativos, que são distintos dos signos plásticos, no caso elementos presentes
na imagem como cores, formas, composição e textura. Segundo Joly (1996, p. 104), a
distinção fundamental entre signos plásticos e icônicos revelam que “uma grande parte de
significação da mensagem visual é determinada pelas escolhas plásticas e não apenas
unicamente pelos signos icônicos analógicos”. Por signos icônicos, entendemos os elementos
representados em determinada pintura ou replicados em uma fotografia, como o desenho de
um cavalo, a reprodução de uma indumentária, a panorâmica de alguma paisagem, a
representação de um animal; entre outros.
165

Realizar a decodificação dos signos plásticos de uma cerâmica antiga de forma similar
à análise de uma imagem publicitária moderna236 representa uma tarefa de difícil
concretização devido à especificidade das iconografias gregas que são reproduzidas de um
modo bem particular. Segundo a perspectiva da autora, os signos plásticos comuns das
imagens modernas seriam elementos como a iluminação disposta em uma imagem, seja ela
uma pintura/desenho ou fotografia; as dimensões presentes na disposição de uma imagem; as
cores e suas temperaturas aplicadas no contexto geral do significado da imagem (tons de
vermelho – cores quentes; tons azuis – cores frias); entre os signos plásticos. A aplicação de
tais noções de análise na semiótica de uma pintura de vaso grega seria um empreendimento
problemático, tendo em vista que a tecnologia utilizada na composição das pinturas de vaso
consiste na produção de figuras negras e/ou vermelhas sobrepostas no suporte físico da
própria cerâmica, em sua mensagem plástica. Portanto, nossa metodologia de análise
imagética se concentra nos signos icônicos presentes no contexto da imagem em detrimento
aos signos plásticos.
Em suma, as análises completas de nossas cerâmicas catalogadas seguiram os
pressupostos teóricos da autora Martine Joly em formato de grade de análise imagética. Esta
aplicação metodológica foi desenvolvida e elaborada pela equipe do Núcleo de Estudos da
Antiguidade da UERJ (NEA/UERJ), com orientação da historiadora Maria Regina Candido,
cujo objetivo foi de facilitar a delimitação do tema de estudo e a construção do objeto de
pesquisa, bem como o de buscar uma decodificação dos signos, significados e sentidos
presentes em um documento imagético (CANDIDO, 2011, p. 13). Sendo assim, fragmentos
de texto, artefatos, palavras, gestos, imagens, grafites e demais informações tornam-se suporte
de informação de uma sociedade ou período histórico que nos permite analisá-los como
documentação. No caso da análise imagética devemos compreender que as iconografias não
representam apenas informações diretas e conotativas, mas sim uma estrutura de sentidos
complexa que nos permite inúmeras leituras de um mesmo elemento representado, ou seja, o
signo é constituído de faculdades que provocam uma significação a partir de um signo pleno.
A ordem das grades de análise de imagem não foram estabelecidas de forma
cronológica com base na datação de cada vaso. No lugar, optamos por ordenar os vasos

236
Martine Joly utiliza como exemplo de análise de imagem um anúncio publicitário da linha de vestuário
Marlboro Classics com o objetivo de decodificar o discurso implícito proposto pelo anúncio e com isso
distinguir mais precisamente o tipo de público ao qual ele pretende atingir. Ao buscar identificar as mensagens
plásticas por trás do anúncio, a autora considera aspectos como as dimensões do anúncio, a paginação, os
caracteres utilizados, seu suporte (se é veiculado por um jornal, revista ou outdoor), a moldura no qual a imagem
está inserida/recortada, o enquadramento, a composição da imagem, o ângulo do ponto de vista e a escolha da
objetiva ao enfocar o quadro geral da imagem (JOLY, 1996, p. 105-112).
166

analisados conforme foram analisados ao longo do curso de mestrado, ou seja, da primeira


cerâmica que analisamos (o vaso de Oltos) no início da pesquisa, na fase de elaboração do
projeto inscrito no processo seletivo do PPGH/UERJ, até a última que incorporamos no final
da redação desta dissertação. A primeira grade com o documento imagético analisado se
encontra na próxima página.
167

Grade 2 – Análise do vaso de Oltos

Localização: Metropolitan
Referente Museum of Art – Nova Iorque,
Estados Unidos
Inventário: 1989.281.69
Procedência: Ática
Função Social: Refrigerar líquidos
Datação: cerca de 520-510 a.C.
Pintor: Oltos Painter

Objeto/arte Forma: Psyktêr


Estilo/cor: Figuras vermelhas
Tamanho: 30,2 cm de altura; 22,9
cm de diâmetro.
Ancoragem Inscrito a frente de cada indivíduo:
“ΕΠΙΔΕΛΦΊΝΟΣ” (sobre o
golfinho). A localização da
inscrição sobre a boca aberta
pressupõe que todos estão
cantando.
Signo Psyktêr circular utilizado para
figurativo refrigerar vinhos e outros líquidos.

Significantes Conotações de 1º nível Conotações de 2º nível Conotações de 3º nível


icônicos

Recipiente utilizado para Utensilio utilizado em simpósios


Utensílio cerâmico Cerâmica de terracota refrigerar líquidos, sendo esculpido por um artista
em um formato o seu formato moldado especializado nesta área. Artigo
chamado de Psyktêr especificamente para de luxo destinado à um estrato
submergir o vinho em social específico.
água resfriada. (BOARDMAN, 1975, p. 217)

Os golfinhos fazem referência à


Animais aquáticos Golfinhos utilizando Referência ao mar, história de Arion, que teria sido
servindo de montaria máscaras navegação, elemento o inventor do ditirambo. O
marítimo. resgate de Arion por golfinhos
seria uma associação de culturas
marítimas e terrestres,
evidenciando as mudanças
sociais e econômicas trazidas
pelo aumento do comércio
marítimo (KOWALZIG, 2013,
p. 31-38)

Escudos Escudos dispostos A disposição circular dos Segundo B. Kowalzig (2013, p.


circularmente vasos remete à formação 39) os escudos alinhados do
da falange hoplita vaso remetem a outras imagens
de falanges hoplitas presentes
em vasos de figuras negras.
168

O coro ditirâmbico e o ato de se


defender a cidade são
Homens portando Indivíduos vestindo Homens vestidos como regularmente ligados um com
capacetes, escudos e indumentárias hoplitas. outro como deveres cívicos.
lanças. militares. Desde antes do advento da
democracia podemos observar
essa associação presente na cena
do vaso, que se relaciona com o
contexto de transição do período
arcaico para o clássico
(KOWALZIG, 2013, p. 42-43).

Acessório facial nos Elemento de função Máscara de performance Possível relação da performance
animais análoga à uma teatral que pode ser coral com a prática militar.
máscara. ligada a um aspecto Aponta a possibilidade do uso da
militar música para se coordenar os
treinamentos de hoplitas
(CERQUEIRA, 2010, p. 44).
169

Grade 3 – Análise do Skýphos de Heron

Referente Localização: Museum of Fine Arts –


Boston (MA), Estados Unidos
Inventário: 20.18
Procedência: Ática
Função Social: Recipiente para
bebida
Lado A
Datação: cerca de 520-510 a.C.
Pintor: Grupo de Heron

Objeto/arte Forma: Skýphos


Estilo/cor: Figuras negras
Tamanho: 16 cm de altura; 22 cm de
diâmetro.
Signo Skýphos em formato circular utilizado
figurativo para se beber vinho.
Lado B

Significantes Conotações de Conotações de 2º nível Conotações de 3º nível


icônicos 1º nível

Utensílio esculpido por um artista


Utensílio Cerâmica de Recipiente utilizado para especializado na área. Era segurada
cerâmico terracota em se beber vinho e água. com duas mãos como sugere suas alças
formato duplas. Pinturas em skýphos
skýphos regularmente retratam cenas de
banquetes e simpósios, o que sugere
sua utilização em tais ocasiões. Deve-
se destacar que os camponeses que
habitavam a chora também a
utilizavam, não sendo o uso da kýlix
restrito às classes mais abastadas que
habitavam a ásty.237

Conforme observamos, o relato de


Animais Golfinhos Além da referência ao mar,
Heródoto (Hdt, 1.24) nos permite
aquáticos organizados em os golfinhos alinhados
relacionar o golfinho com a
servindo de fila também nos passam a ideia
performance coral devido à sua
montaria de uma formação coletiva
presença no mito de Árion. Além disso,
(Interior)
segundo Eric Csapo (2003, p. 71),
golfinhos associados com a dança coral
(“dancing dolphins”) aparecem em três
odes corais de Eurípedes, sendo o
primeiro a primeira estrofe do primeiro
stasimon da tragédia Electra (432-41).
No trecho, os golfinhos realizariam
movimentos circulares assim como na
cena representada na cerâmica.

237
Informações retiradas dos seguintes domínios:
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus:text:1999.04.0004:id=skyphos; e
http://www.beazley.ox.ac.uk/tools/pottery/shapes/skyphos.htm;. Acessado em 28/08/2016.
170

Homem de perfil Músico tocando Instrumento associado à


Os coros atenienses eram
tocando o aulós performance coral.
acompanhados pelo aulós, sendo que o
instrumento de
instrumentista (aulètes) fica em frente
sopro (A e B)
aos khoreutai (GAGNÉ, 2013, p. 6). A
presença de dois auletés em ambos os
lados corrobora o fato da cerâmica
estar representando dois coros
musicais: um de jovens e outro de
adultos.

Indivíduos Indivíduos Homens representados


O coro ditirâmbico, a falange hoplita e
portando vestindo como hoplitas montados
a performance nos festivais são
capacetes (A) capacetes e nos golfinhos.
elementos presentes nesta
acompanhados
representação dos homens montando
de traços que
golfinhos. Segundo Arthur P.
parecem lanças.
Cambridge, esse componente fantástico
nas pinturas de vaso caracteriza uma
performance coral associada ao teatro
(CAMBRIDGE, 1962, p. 316).

Aves servindo de Animais Elemento associado com a


Ao tratar das origens do teatro grego, e
montaria (B) semelhantes a performance coral.
da tragédia em particular, a
avestruzes
historiografia trata as imagens de
servindo de
avestruzes, golfinhos, faisões e outros
montaria
animais como sendo elementos das
primeiras performances teatrais. É
seguro dizer que no final do século VI
a.C. ainda não havia se consolidado o
teatro grego clássico, podendo as
performances retratadas nas cerâmicas
serem associadas com os coros
musicais (HART, 2010, p. 19-32).

Figura de pequena Pequeno Homem fantasiado de


Trendall e Webster (1971, p.21)
estatura ao lado homem, ou bode, provavelmente um
afirmam se tratar de uma representação
do aulètes (lado criança, sátiro.
de Pan, questionando se a figura se
B) trajando
trata de uma referência mítica ou de um
fantasia
“proto-ator cômico” interpretando o
deus. Sobre o tamanho da figura,
Ghiron-Bistagne supõe se tratar de um
anão mascarado que aparece como o
representante dos khoreutai, podendo
ser a representação de um khoregos.
Em relação ao nanismo da figura,
Véronique Dasen (1993, p. 165) na
obra Dwarfs in Ancient Egypt and
Greece considera que a imagem está
inserida em um contexto
teatral/performático, o que pode
justificar a representação diminuta do
homem como um dos aspectos
relacionados ao contexto da cena.
171

Indivíduos Jovens portando


montados em algo que remete Jovens em treinamento Os indivíduos situados no lado B
avestruz (B) a um capacete para a falange dos hoplita. podem ser identificados como jovens
(não-hoplítico) devido ao seu tamanho reduzido em
e linhas que comparação com as figuras do lado A.
sugerem serem As informações presentes no Beazley
lanças Archive descrevem os indivíduos como
sendo um coro de guerreiros devido à
indumentária hoplítica representada na
cena. O fato do capacete dos jovens do
lado B serem diferentes em relação aos
homens do lado A e de ambos estarem
portando lanças sugerem um provável
rito de passagem.
172

Grade 4 – Análise da Cratera de Basel

Referente Localização: Antikenmuseum und


Sammlung Ludwig, Basel - Suíça
Inventário: BS415, nº do vaso: 260
Procedência: Ática
Função Social: recipiente para
mistura de água e vinho
Datação: cerca de 500-490 a.C.
Pintor: “Early Mannerist painter”

Objeto/arteForma: Cratera em coluna


Estilo/cor: Figuras vermelhas Lado A
Tamanho: 40,5 cm de altura; 36,6
cm de diâmetro.
Ancoragem No degrau do meio do altar, entre os
joelhos dos jovens: (κ)(α)^(λ)(ο)[ς]
(kalos); À direita da boca aberta do
homem no altar: φε(.)σεο (pheseo).
Sob os braços levantados da primeira
dupla de jovens: αοοι(ο) (aooi)
LADO B: próxima à boca da cratera
καλ[ος]
Signo Recipiente utilizado em simpósios e
figurativo banquetes para misturar vinho e água.
Lado B

Significantes Conotações de 1º Conotações de 2º Conotações de 3º nível


icônicos nível nível

Utensílio Cratera em coluna Recipiente Vaso de figuras vermelhas datado da transição


Cerâmico utilizado para do sexto para o quinto século, destinado aos
misturar vinho e simpósios e banquetes. Associados com o
água. aumento do comércio e da técnica de pintura
de vasos (BOARDMAN, 1975, p. 86-90).

Matthew Wellenbach considera que, se a cena


Homem de Homem de boca Indivíduo sendo se trata de uma performance, então o homem
perfil acima do aberta, utilizando saudado pelos poderia ser um ator representando o papel de
altar (Lado A) vestes jovens na cena, sua um fantasma saindo da sepultura
diferenciadas. boca parece estar (WELLENBACH, 2013, p. 73-74). Outra
aberta. hipótese é citada por J. Green (1994, p. 18)
que relaciona a figura do homem com a
tragédia os Persas de Ésquilo, no qual em um
momento da encenação teatro o coro invoca o
fantasma de rei Dário da tumba para prover
conselho e suporte às tropas persas.
Consideramos tais apontamentos, supomos
que essa figura está recebendo um canto coral
dedicado a ela.
173

Três pares de Os seis jovens Os seis se alinham Segundo indicações presentes no Corpus
jovens (Lado A) imberbes utilizam perfeitamente, se Vasorum Antiquorum (1988, p. 21-23) da
a mesma utilizando dos cidade de Basel, Suíça, os seis indivíduos
indumentária. mesmos gestos: ilustrados na pintura seriam jovens por não
disciplina, apresentarem barba, apresentando-se
uniformidade. descalços, trajando chitóns curtos decorados e
portando uma bainha localizada na parte
inferior do corpo (aparentemente vazia).
Marie-Hélène Delavaud-Roux (1994, p. 147)
coloca que os jovens estariam dispostos em
três fileiras, sendo divididos em duplas,
efetuando movimentos de dança que podem
ser interpretados como uma marcha ou passos
que deslizam. As bocas abertas pressupõem
que todos estão cantando o que em conjunto
com suas posturas, nos leva a crer se tratar de
uma performance coral unindo canto e dança.
Existe todo um debate sobre qual seria a
natureza do coro representado na imagem:
coro trágico ou ditirâmbico?
(WELLENBACH, 2013, pp.75-85) John
Winkler afirma que a formação perfeitamente
alinhada dos seis jovens seria a representação
de um coro trágico, desde que não há
evidências concretas da formação efetiva de
um coro trágico. As indumentárias hoplitas em
conjunto com a formação corroboraria a
hipótese dos jovens estarem em treinamento
militar, assim como suas bocas abertas e
possíveis máscaras evidenciariam que
estariam em uma performance coral
(WINKLER, 1990).

Indumentária Couraças Panóplia hoplita Associação do aspecto militar com o coro


(Lado A) ornamentadas incompleta musical. Segundo nos expõe John Winkler
(1990), a performance coral presente nos
grandes festivais serviriam como uma forma
de apresentar a disciplina correta de um
cidadão através da dança sincronizada e da
uniformização das indumentárias. Nesse caso,
seria uma maneira do corpo político de Atenas
exibir para a audiência toda uma celebração
do ágon cooperativo do cidadão soldado
necessário para o correto desenvolvimento da
pólis, associando-o com a isonomia instaurada
no final do século VI.

Indumentária Longas túnicas Chitón curto– Veste ritual: sacralização do evento. Os


(Lado A) vestidas por todos Vestes Brancas. documentos escritos que citam as vestes
os indivíduos. Lenço branco utilizadas em performances corais são
imprecisos em definir quais seriam a
indumentária padrão de cada tipo de coro.
(WELLENBACH, 2013, p. 79).
174

Vaso de Vaso em formato Referência à Sobre o este aspecto, é importante citarmos


cerâmica de ânfora armazenamento de que além desta ânfora estar provavelmente
representado grãos, também representando algum ato ritualístico associado
entre os dois pode estar se com Dioniso ou algum festival específico, o
sátiros (lado B) referindo a um rito fato desta conter potencialmente grãos, vinho
religioso. ou uvas nos aponta diretamente para uma
memória associada com a agricultura e o
trabalho no campo. Ainda que o primeiro
segmento censitário (pentakosiomedimnoi)
seja composto por grandes proprietários de
terra, também existe a possibilidade deste
elemento simbólico estar associado com o
segmento dos zeugitai, o que pode reforçar a
hipótese da Cratera de Basel ter sido um vaso
encomendado/produzido por cidadãos
zeugitai.

Dois seres Sátiros dançando Celebração, A presença dos sátiros no “lado B” do vaso
híbrido homem- em volta de uma simpósio. pressupõe uma ligação do coro piririco do
animal (lado B) cratera em lado A com os coros ditirâmbicos do período
colunas arcaico.
175

Grade 5 – Análise do Vaso de Indiana

Referente Localização: Indiana University Eskenazi


Museum of Art, Bloomington - EUA
Inventário: 74.10.1
Procedência: Não determinada
Função Social: recipiente para mistura de
água e vinho
Datação: cerca de 550 a.C.
Pintor: Painter H1

Objeto/arte Forma: Ânfora


Estilo/cor: Figuras negras
Tamanho: 38,6 cm de altura; 24,1 cm de
diâmetro.
Ancoragem Nenhuma

Signo Recipiente utilizado em simpósios e


figurativo banquetes para misturar vinho e água.

Significantes Conotações de 1º Conotações de 2º nível Conotações de 3º nível


icônicos nível

Utensílio cerâmico Cerâmica de Recipiente utilizado Objeto de uso cotidiano nas trocas
terracota em um primariamente para o comerciais e dentro do espaço doméstico
formato de Ânfora transporte e no mundo mediterrâneo. As cerâmicas
armazenamento de ilustradas por pinturas eram esculpidas
.
gêneros de consumo por artistas especializados, o que
como vinhos, azeites, caracteriza o objeto como um artigo de
mel, frutos secos, luxo destinado à um estrato social
cereais, água, entre específico. (BOARDMAN, 1975).
outros.

Conforme especificado anteriormente,


tais animais seriam uma representação
das mudanças sociais e econômicas
O golfinho situa-se oriundas do comércio marítimo que se
na parte superior da expandiu ao longo do sexto século. No
A iconografia Ânfora, pressupondo entanto, também devemos citar que o
Animal aquático sugere se tratar de uma relação com a golfinho pode ser relacionado ao mito de
um golfinho figura situada na Árion presente em Heródoto (Hdt, 1.24),
parte inferior. o que evidenciaria uma relação da
Relação com o mar, cerâmica com a questão dos coros
navegação, viagens ditirâmbicos. É importante destacar que a
ultramarinas. representação do golfinho no período de
produção desta cerâmica seria referente à
uma memória sociocultural referente ao
sexto século que associa o golfinho a um
período de transição política, social e
econômica (KOWALZIG, 2013, p. 43).
176

Animal terrestre Cavalo O cavalo encontra-se Podemos certamente associar a imagem


justaposto ao do cavalo na cerâmica com o segmento
golfinho. Refere-se censitário dos pentakosiomedimnoi e
ao uso de montaria hippeis que correspondiam aos
animal, uso em segmentos mais abastados na sociedade.
batalha e refere-se a Podemos realizar tal associação ao
uma cultura equestre. considerarmos que esses segmentos
combatiam nas guerras montados sob
cavalos, compondo a cavalaria, enquanto
que o segmento dos zeugitai e thetai
combatiam a pé, compondo a infantaria
(CANDIDO, 2016). Devemos destacar
que vasos representando cabeças de
cavalo de tamanho grande eram
primariamente, mas não exclusivamente,
utilizadas como vasos funerários,
servindo como recipientes para cinzas,
marcadores de tumba e presentes
funerários. Ao longo do período arcaico,
a associação funerária e ctônica com o
cavalo já estava bem entranhada na
cultura grega. O sacrifício e o enterro de
cavalos como parte de um rito funerário
em alguns casos, e a frequente aparição
de cavalos em vasos funerários do
período geométrico são exemplos da
força dessa associação (MOON,
BERGER, 1979, p. 50).
177

Grade 6 – Análise da Kýlix de BMN Painter 238

Referente Localização: Paris, Museu do Louvre.


Inventário: CA2988
Procedência: Ática
Função Social: recipiente para se beber e
armazenar vinho
Data: entre 575 e 525 a.C.
Pintor: BMN painter
Lado AB1
Objeto/arte Forma: Kýlix
Estilo/cor: Figuras negras
Tamanho: 24,2 cm de altura; 33,2 cm de
diâmetro; 44 cm de largura.
Interior

Ancoragem Nenhuma

Signo Recipiente utilizado em simpósios e


figurativo banquetes para se beber vinho.

Lado AB2

Significantes Conotações de Conotações de 2º nível Conotações de 3º nível


icônicos 1º nível

Utensílio Cerâmica de Recipiente utilizado para se Utensílio esculpido por um artista


cerâmico terracota no beber vinho e água. especializado na área. Largamente
formato de utilizada em banquetes e simpósios como
Kylix um copo, no qual muitos autores na
historiografia anglo-americana
costumam se referir aos vasos em
formato de kýlix como “cup” (copo em
inglês).

Jovens Corrida de As longas aberturas das Ainda que as informações presentes no


montando Cavalos patas do cavalo indicam Corpus Vasorum Antiquorum (1989, p.
cavalos (A2) movimento de velocidade. 21) e no Beazley Archive indiquem que a
Possível corrida. cena representa uma corrida de cavalos,
outros elementos simbólicos (como o
coro musical situado acima no vaso) da
cerâmica nos oferecem uma análise
alternativa, na qual os cavalos dialogam
com os outros vasos analisados
anteriormente. Nesse contexto, os jovens
a cavalo seriam uma referência à
educação de cunho aristocrático.

238
Imagens retiradas do seguinte domínio: http://www.beazley.ox.ac.uk/record/14729CDA-9DFB-4D37-9E6A-
E43F79364925. Acessado em 18 de março de 2018.
178

Instrumento associado à Os coros atenienses eram acompanhados


Homem de Músico tocando
performance coral. A pelo aulós, sendo que o instrumentista
perfil tocando o aulós
disposição do músico em (auletés) fica em frente aos khoreutai
instrumento de
relação com os outros (GAGNÉ, 2013, p. 6). Na cena
sopro (AB1)
indivíduos pressupõe uma representada na cerâmica observamos
formação circular que o músico situa-se no meio da fila
(HEREEN, 2013). circular de homens, posicionando-se de
frente naquele que segurar um artefato
cilíndrico similar à um recipiente. Na
imagem o aulètes possui um acessório
amarrado a seu braço que serve como
uma capa para seu instrumento, feito da
pele de um pequeno animal conforme
nos aponta a pintura (PAQUETTE,
1984).

Indivíduos Procissão A formação circular dos Procissão relacionada com as Grandes


dispostos em religiosa. homens pode ser afirmada Dionisíacas devido a sua datação e
formação Possível com base em como eles se proveniência. A indumentária dos
circular (A1) representação de posicionam em relação ao homens indica um aspecto sacralizado à
um ritual aulètes. cena. Certamente os indivíduos estão
cantando em formação circular, pois a
cerâmica refere-se à uma performance
musical, devido à presença do aulètes.
Sendo os indivíduos dispostos de forma
circular, classificamos a formação do
vaso como um coro ditirâmbico. Existe a
possibilidade desta procissão estar
representando homens em conjunto com
mulheres, no qual os homens são
evidenciados por sua barba, enquanto
que as mulheres se mostram imberbes
com o cabelo longo. Entretanto, autores
como Eric Csapo (2003, p. 78) defendem
a hipótese de que a cerâmica estaria
representando somente homens,
somando um total de 34 indivíduos.

Formação Performance A formação circular em O aulós presente na cena era um


circular em coral, conjunto com outros instrumento utilizado para
conjunto com provavelmente elementos presentes na cena acompanhamento de performances corais
um músico associada com (recipientes utilizados para e de odes à Dioniso, cantos esses que
(AB1/AB2) algum tipo de se beber vinho) nos aponta a originariam o gênero ditirâmbico. Além
procissão ou possibilidade deste se tratar disso, a presença de vinho na cena
festividade de um coro ditirâmbico. também faz referência ao Deus, o que
religiosa nos abre a possibilidade deste vaso
representar o que seria uma das primeiras
Grandes Dionisíacas, devido à sua
datação oriunda de meados do sexto
século. Nesse contexto, Csapo nos
aponta a possibilidade dos coros
ditirâmbicos serem realizados em
procissões nesse primeiro momento
(CSAPO, 2003, p. 79).
179

Grade 7 – Análise da Hydria de Lydos

Referente Localização: Metropolitan Museum of Art,


Nova Iorque – Estados Unidos
Inventário: 1988.11.3
Procedência: Não determinada
Função Social: recipiente para mistura de
água e vinho
Datação: cerca de 575-525 a.C. segundo
Beazley; aproximadamente 560 segundo
indicações do Metropolitan Museum of Art
Bulletin
Pintor: Grupo de “Lydos”
Vaso completo
Objeto/arte Forma: Hydria
Estilo/cor: Figuras negras
Tamanho: 50,1 cm de altura;
Ancoragem Nenhuma

Signo Recipiente utilizado para armazenamento e


figurativo transporte de líquidos.
Parte superior

Significantes Conotações Conotações de 2º Conotações de 3º nível


icônicos de 1º nível nível

Recipiente utilizado Objeto de uso cotidiano nas trocas comerciais e


Utensílio Cerâmica de primariamente para o dentro do espaço doméstico no mundo
transporte e
cerâmico terracota em mediterrâneo. As cerâmicas ilustradas por
armazenamento de
um formato gêneros de consumo pinturas eram esculpidas por artistas
de Hydria como vinhos, azeites, especializados, o que caracteriza o objeto como
. mel, frutos secos, um artigo de luxo destinado à um estrato social
cereais, água, entre específico (BOARDMAN, 1975).
outros.

É interessante observarmos que o cavaleiro não se


encontra vestido com indumentária guerreira ou
Homem armado Guerreiro Além da lança, o hoplítica completa, não portando capacete. O
com lança associado cavaleiro também homem apresenta barba, o que indica tratar-se de
montado no com a ideia porta uma espada e um adulto. Sua capa curta, segundo o
cavalo de cavalaria veste uma capa curta Metropolitan Museum of Art Bulletin (1989, p. 8)
com a sua parte possui um padrão associado com o costume trácio
inferior de andar em um cavalo enquanto conduz outro
aparentemente nua. simultaneamente. O animal também se encontra
paramentado com equipamento militar, o que
fortalece o argumento de que o indivíduo
representado na cena se trata de um aristocrata,
associado com a cavalaria. Provavelmente o
homem está relacionado com a classe censitária
dos pentakosiomedimnoi ou hippeis.
180

Homem Guerreiro, O homem está nu, É interessante notarmos que a indumentária


portando lança e associação não vestindo nenhum hoplita na cena apresenta o indivíduo com sua
escudo com a tipo de indumentária, parte inferior nua, exibindo seus genitais. O
batalha e apesar de estar Metropolitan Museum of Art Bulletin (1989, p. 8)
conflito vestindo capacete, afirma se tratar de um hoplita vestindo um
armadura no torso e capacete coríntio. Observamos seu pertencimento
uma espada no à infantaria de guerra devido ao fato dele estar
ombro direito em caminhando em contraponto ao guerreiro
conjunto com a lança montado.
e escudo.

Homem de Músico Instrumento Os coros atenienses eram acompanhados pelo


perfil tocando tocando o associado à aulós, sendo que o instrumentista (auletés) fica
instrumento de aulós performance coral. em frente aos khoreutai (GAGNÉ, 2013, p. 6). J.
sopro (parte R. Green (1991, p. 27) afirma que a presença
superior) deste tipo de músico aponta para a representação
de um coro na pintura de vaso.

Podemos afirmar que se tratam de homens


representados na imagem pois todos apresentam
Fila de quatro Homens O fato dos quatro barbas. Os quatro apresentam a mesma
indivíduos dançando estarem na mesma indumentária (peploi) acompanhada de um arco
(parte superior) em posição, produzindo na cabeça, o que nos passa uma ideia de
sequência, os mesmos gestos uniformidade entre os dançarinos/cantores do
obedecendo corrobora a formação coro musical. As pequenas variações existentes
uma de uma determinada nas vestimentas representadas nas cerâmicas (pois
determinada dança. as quatro apresentam cores diferentes) seriam
coreografia aceitas durante as performances, não atrapalhando
a ideia de uniformidade do coro, segundo os
apontamentos de J. R. Green (1991, p. 27) sobre o
vaso de Lydos. Sendo assim, a uniformidade das
indumentárias e a mesma posição de dança dos
quatro cantores nos mostra uma correta
representação de um coro musical.
181

Grade 8 – Análise do Lekythos de Kerameikos

Referente Localização: Kerameikos Museum, Atenas -


Grécia
Inventário: 25831
Procedência: Atenas, bairro do Cerâmico
Função Social:
Datação: cerca de 525-475 a.C. por
Beazley; 490-480 por Kowalzig
Pintor: Theseus Painter

Objeto/arte Forma: Lekythos


Estilo/cor: Figuras negras
Tamanho: ----------------
Ancoragem Nenhuma

Signo Vaso de cerâmica em formato de lekythos


figurativo utilizado em ritos funerários.

Significantes Conotações de 1º Conotações de 2º Conotações de 3º nível


icônicos nível nível

Cerâmica de Recipiente utilizado Além do seu uso no cotidiano, os lekythoi


para armazenar
Utensílio terracota em um também eram presentes nos ritos funerários,
óleos perfumados
cerâmico formato de para o corpo especialmente os pintados sobre um fundo
Lekythos. branco.
.

Como observamos nas outras cerâmicas de


Referência ao mar, analisadas, o golfinho se relaciona ao mito
Animal aquático Golfinho utilizado navegação, de Árion presente em Heródoto (Hdt, 1.24),
como montaria elemento marítimo o que evidenciaria uma relação da cerâmica
com a questão dos coros ditirâmbicos.

Conforme observamos anteriormente no


Homens Homens usando Associação com a vaso de Indiana que representa a
montando golfinhos como aristocracia através justaposição de um golfinho a um cavalo, o
animal aquático montaria de uma memória golfinho nesta cena representa um elemento
coletiva simbólico associado com a cavalaria. O fato
dos homens estarem trajando elementos da
panóplia hoplítica corrobora este
posicionamento, pois constituem
representações da cavalaria armada. O fato
de serem apenas dois representados na
cerâmica ocorre por conta do formato
estreito do Lekythos (CSAPO, 2003, p. 89-
90).
182

Homem de Músico tocando o Instrumento Pela disposição um aulètes no centro da


perfil tocando aulós associado à imagem, podemos identificar uma formação
instrumento de performance coral. circular (CSAPO, 2003, p. 88), o que nos
sopro permite classificar o coro como pertencente
ao gênero ditirâmbico.
183

Grade 9 – Análise da Kýlix atribuída ao pintor Teseu (Theseus Painter)

Referente Localização: Museu do Louvre, Paris -


França
Inventário: CA1924
Procedência: Atenas, bairro do
Cerâmico
Função Social:
Datação: cerca de 510-490 a.C. por
Ghiron-Bistagne; 490-480 por Kowalzig.
Pintor: Theseus Painter

Objeto/arte Forma: Kýlix


Estilo/cor: Figuras negras
Tamanho: ----------------
Ancoragem Nenhuma

Signo Recipiente utilizado em simpósios e


figurativo banquetes para se beber vinho ou água

Significantes Conotações de Conotações de 2º nível Conotações de 3º nível


icônicos 1º nível

Utensílio Cerâmica de Recipiente utilizado para Utensílio esculpido por um artista


cerâmico terracota no se beber vinho e água. especializado na área. Largamente utilizada
formato de em banquetes e simpósios como um copo,
Kylix no qual muitos autores na historiografia
inglesa costumam se referir aos vasos em
formato de kýlix como “cup” (copo em
inglês).

Como observamos nas outras cerâmicas de


Animal Golfinhos Referência ao mar, analisadas, o golfinho se relaciona ao mito
aquático paramentados navegação, elemento de Árion presente em Heródoto (Hdt, 1.24),
utilizados como marítimo e à cavalaria o que evidenciaria uma relação da cerâmica
montaria com a questão dos coros ditirâmbicos. Além
dia, a associação do golfinho com o cavalo
pressupõe uma relação com o deus Poseidon
(MOON; BERGER, 1979, P. 50)

Homem de Músico tocando Instrumento associado à Auletés: músico que tocava o aulós,
perfil tocando o aulós performance coral. A instrumento muito presente na vida cotidiana
instrumento de disposição do músico em de Atenas sendo largamente utilizado no
sopro relação com os outros acompanhamento do coro nos grandes
indivíduos pressupõe festivais, no treinamento militar e no
uma formação circular trabalho rural. Ao observarmos que o aulètes
(HEREEN, 2013). divide a cena com homens portando
capacetes e lanças, consideramos que esta
cerâmica expõe uma relação intrínseca entre
o coro e a falange hoplita.
184

Conforme observamos anteriormente no


vaso de Indiana que representa a
justaposição de um golfinho a um cavalo, o
golfinho nesta cena representa um elemento
Homens Homens Associação com a simbólico associado com a cavalaria. O fato
montando trajando aristocracia através de dos homens estarem trajando elementos da
animal capacetes e uma memória cultural panóplia hoplítica como lanças e capacetes
aquático lanças usando corrobora este posicionamento, pois
golfinhos como constituem representações da cavalaria
montaria armada. Portanto, podemos entender esta
cerâmica como sendo a representação de um
coro musical de guerreiros montados
associados a uma ideia de aristocracia,
evidenciada por elementos simbólicos como
os golfinhos, o aulètes no centro da cena, a
formação circular e a panóplia hoplítica
incompleta.
185

APÊNDICE C – Metodologia de análise de conteúdo: documentação textual

Na documentação textual referida ao longo desta dissertação iremos nos utilizar como
metodologia a Análise de Conteúdo inspirada nos pressupostos de Greimas, objetivando
realizar um diálogo entre as referências textuais e nossa documentação imagética buscando
assim aprofundar os signos e significados presentes em cada imagem. A documentação
textual analisada consiste em trechos selecionados da História de Heródoto que faz referência
aos golfinhos e sua relação com o ditirambo. Outros trechos presentes em Heródoto
abordando a história de Atenas, bem como citações do conceito de isonomia também foram
trabalhados em nossa análise, devido à necessidade de contextualizarmos e situarmos
temporalmente nosso objeto de pesquisa, bem como nossa temática.
Recorremos à análise do conteúdo por conta de nossa necessidade de adotar uma
metodologia que além de descrever e interpretar o conteúdo do texto, permita obter
igualmente informações mais precisas e objetivas sobre o discurso presente no documento.
Desse modo, a análise do conteúdo possui um caráter objetivo de coleta de dados no
documento, buscando identificar seus processos discursivos, objetividades e informações
gerais de trechos selecionados. Portanto, utilizamos a metodologia de análise de conteúdo
como ferramenta para identificarmos as vozes no texto que refletem uma memória cultural
que é materializada nas representações imagéticas nas pinturas de vaso.
186

Grade 10 – Análise de conteúdo: História de Heródoto

1 – Processo de descrição

Autor/obra Heródoto (aprox..480-420239 a.C.) – Histórias livro 1 e partes do livro 3

Período/região Foi escrito em aproximadamente no ano de 440 a.C. na Ática.

Gênero do discurso Destinado para circulação privada em sua forma escrita, onde era presente em
público ou privado bibliotecas e nos processos educacionais oriundos das grandes academias
filosóficas.

Em sua forma oral de natureza pública, pois muito provavelmente seus trechos
eram recitados para grandes multidões em espaços públicos.

Manifestação da língua Grego Ático do século V a.C.

2 – Análise do texto

Propriedades da Linguagem erudita destinada para uma comunidade que estava em processo de
Linguagem do texto transição da oralidade para a cultura escrita.

Considerado o primeiro escrito historiográfica dentro da cultura ocidental.


Qualificação do texto François Hartog (2014, p. 35) coloca que “Heródoto não fala senão de seu
lógos, (...), suas narrativas” com o objetivo de não deixar que a memória dos
homens se apague e que seus feitos notáveis não cessem de serem contados.

Texto escrito em meados do século V, provavelmente no período de Péricles


durante a estadia de Heródoto em Atenas. Segundo nos expõe Hartog, supor a
Comunicação do texto forma pela qual foi recebida História pelos seus contemporâneos é uma tarefa
difícil de se precisar, pois não temos meios suficientes para reconstruir o
“horizonte de expectativa” daqueles que tiveram contato com a obra. No
entanto, podemos colocar que a História se tornou conhecida em Atenas e
posteriormente tornaram-se afamadas ao longo de toda a Antiguidade.

Conceitos operacionais Isonomia; Delphinos; kithara; Dithyrambos;


do texto

239
François Hartog (2014, p. 34) estabelece seu nascimento por volta de 480 tendo falecido na década de 420.
Tais se estimativas se aproximam da datação tradicional presente na Ancient History Enciclopedia, site:
http://www.ancient.eu/herodotus/. Acessado em 5 de janeiro de 2017.
187

Processo de interação Para compor os relatos de locais e figuras presentes em sua obra, Heródoto
empreendeu uma série de viagens cujas datações não são conhecidas, supõe-se
que ele as tenha realizado entre os seus vinte e vinte e sete anos. Nas suas
viagens atravessou a Ásia menor e Grécia Ocidental provavelmente mais de
uma vez, visitando as mais importantes ilhas do arquipélago helênico: Rodes,
Chipre, Delos, Paros, Tasos, Samotrácia, Creta, Samos, Cythera e Aegina.
Passou por grande parte do território Persa, pela Trácia, Scythia, Tiro e realizou
uma longa estadia no Egito (entre outras regiões).

Na obra Histórias como um todo, Heródoto mostra familiaridade com outros


Monofonia: textos helênicos conhecidos por nós, como Hesíodo, Hecateu, Safo, Sólon,
Polifonia: Aesop, Simônides de Ceos, Ésquilo e Píndaro (Mutchins no prefácio da edição
de Histórias de 1952). Também é de se destacar o grande conhecimento que
Heródoto possuía da obra de Homero, o que nos leva a supor uma polifonia
entre o texto histórico de Heródoto com a literatura helênica.

3 – Seleção de conteúdo

Tema Pertinência Objetividade

Descrição de “Os coríntios e lesbianos (...) nos O autor refere-se à Árion como sendo o inventor
Árion de relatam que Árion de Metimna, um do gênero ditirâmbico, relacionando sua
Metimna, hábil tocador da kithara, sendo o invenção à uma viagem realizada nas costas de
suposto primeiro naquele tempo, que eu saiba, um golfinho. Tal dado faz referência às
invento do a inventar e denominar o gênero iconografias representando homens montados
ditirambo. ditirâmbico e recitá-lo em Corinto ao em golfinhos.
ser carregado de Tênaro nas costas de
um golfinho (delphinos)” (1.23).

Associação de “É assim o relato que os coríntios e os Construção de uma memória coletiva da


Árion e o lesbianos nos dão, e até hoje existe em associação do golfinho com a história de Árion,
ditirambo com Tenâro uma homenagem à Árion em evidenciando uma relação entre o ditirambo e os
a figura de um um altar que possui uma pequena golfinhos como montaria. O fato de haver uma
homem estátua de bronze, representando um estátua de um homem sobre um golfinho
montado sobre homem montado em um golfinho” segundo o relato de Heródoto nos forneceria o
um golfinho. (1.24). dado de o mito de Árion estaria presente na
memória coletiva das comunidades helênicas.

Descrição da “Os coríntios (após Árion ter se atirado Menção da utilização do golfinho como
viagem de no mar) então navegaram de volta para montaria para um músico que veste sua
Árion nas Corinto. Em relação à Árion, um indumentária completa de apresentação. Tal
costas de um referência textual se relaciona com os indivíduos
golfinho, pelo que dizem, o carregou
golfinho. representados nas cerâmicas áticas vestindo
nas costas e o carregou de volta para indumentárias hoplitas que seriam
Tenâro, onde o cantor pulou em terra simultaneamente vestes destinadas para
encaminhando-se para Corinto” (1.24). performances e apresentações.
188

Chantagem “Descobrindo o plano, Árion suplicou Após terem conhecimento das riquezas de
dos de joelhos para que poupassem sua Árion, os marinheiros coríntios tramaram contra
saqueadores vida, e levassem somente seus bens. ele para matá-lo e roubar seus bens e riquezas.
coríntios Porém eles se recusaram e ordenaram- Árion teria tentado empreender um plano de
durante a se que se suicidasse, caso quisesse ser fuga através da distração de seus captores por
viagem de enterrado em terra firme, ou se lançasse meio de sua música. Nesse caso, Árion teria
Árion até diretamente ao mar. Levado a tão pulado não por ficar sem escolha perante as
Tênaro. terrível dilema, Árion suplicou-lhes opções oferecidas pelos seus captores, mas sim
que (...) lhe permitissem vestir seus para tentar um forma de escapar onde poderia
mais belos trajes para cantar e tocar no existir a possibilidade deste ter invocado os
tombadilho da embarcação, golfinhos com sua música.
prometendo se suicidar logo em
seguida. Encantados em poderem ouvir
o melhor kitharoidos de todos, eles
aceitaram (...) Árion com seus ricos
trajes (...) entoou uma ária ortiana. Ao
terminar a canção, atirou-se ao mar
com suas vestimentas.” (1.24).

Discurso de “A mim foi confiado o cetro de Oposição do termo isonomia ao governo do


Meandro após Polícrates e todo seu poder, e agora tirano que desconsidera a igualdade de direitos
a saída do está aberto o caminho para que eu seja entre os homens.
tirano de seu governante (...) (eu) não aprovo
Samos, Polícrates ter agido como mestre dos
Polícrates. homens que não eram inferiores a eles,
e não aprovarei, por conseguinte, a
mesma conduta num outro. Enfim,
Polícrates cumpriu o seu destino; e eu
colocarei o povo ao centro e assim eu
lhes proclamo a isonomia” (3.142).
189

Grade 11 – Análise de conteúdo: A Constituição dos Atenienses de autoria atribuída ao


“Velho Oligarca”

1 – Processo de descrição

Autor/obra Autor desconhecido/ “Velho Oligarca” – Constituição dos Atenienses.

Período/região Estima-se que foi escrito entre o período de 431 e 424 a.C., na Ática, provavelmente
fora de Atenas.

Não se sabe com exatidão a natureza do texto, segundo o autor Pedro Ribeiro Martins
Público/privado o texto pode ter sido ou uma carta pessoal, ou um discurso público, um tratado teórico
sobre guerra, um tratado argumentativo político, ou até mesmo um diálogo.

Manifestação da Acadêmicos como H. Frinch, Ramirez-Vidal, Pedro Martins defendem a hipótese de


língua que o texto foi transmitido de forma oral, sendo transcrito posteriormente.

2 – Análise do texto

Propriedades da Grego Ático do século V.


Linguagem do texto

Qualificação do texto Descrição da Atenas, defesa de um ideal político.

Comunicação do texto O texto foi registrado por um autor desconhecido.

Processo de interação Desconhecido.

Conceitos Conceitos comuns à vida ateniense: pólis, timé, génos, aristos, logos. Crítica política,
operacionais do texto defesa de um status.

Monofonia: Traz o autor se comunicando direto ao interlocutor, o leitor do texto. Não se sabe o
Polifonia: contexto da fala, Pedro Ribeiro Martins supõe que o autor poderia estar discursando
frente à população na ágora.
190

3 – Seleção de conteúdo

Tema Pertinência Objetividade

Crítica ao démos “Em Atenas, o povo considera fora de O autor defende um ponto de vista
e ao sistema de moda os que praticam exercícios físicos e elitista ao classificar o cidadão pobre,
governo música, não por entender estas atividades sem condições financeiras de realizar
isonômico como de mau gosto, mas porque ele atividades físicas ou artísticas, como
mesmo não tem condições de praticá-las.” invejoso daqueles que podem.
(v. 1.13)

“Quanto aos encargos públicos da Nesta citação observarmos que o autor


khoregia, dos concursos atléticos e do realizar uma crítica direta à isonomia,
apetrechamento das trirremes, é sabido defendendo a perspectiva do démos
Crítica ao que são os ricos que asseguram os coros, estar se aproveitando do sistema das
sistema de organizam as competições desportivas e khoregias, na qual os aristoi possuiriam
Khoregias equipam as trirremes, mas é o povo quem a responsabilidade de arcar com os
toma parte no coro ou nas competições custos de financiar as atividades da
atléticas e quem tripula as embarcações. O comunidade política ateniense. Desse
povo entende que deve ser pago por modo, os coros musicais presentes nos
cantar, correr, dançar e tripular os navios, festivais públicos, custeados pelos
de forma a enriquecer cada vez mais e os khoregoi, representam para o autor um
ricos ficarem cada vez mais pobres”. mecanismo no qual o démos se utiliza
(v.1.13) dos recursos dos aristocratas como um
modo de adquirir uma compensação
pecuniária (misthos).
191

ANEXO A – Imagem 1 – Difusão do imaginário arcaico ditirâmbico segundo colocações de


B. Kowalzig:

Legenda: Esboço de um mapa da Hélade descrevendo a proveniência de cerâmicas representando


golfinhos, o que pressupõe uma expansão dos coros do gênero ditirâmbico em todo o mundo
helênico.
Fonte: KOWALZIG, Barbara. Dancing Dolphins on the wine-dark sea. In: WILSON, Peter (org.).
Dithyramb in Context. Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 48.
192

ANEXO B – Mapa 2 – As divisão entre as trítias de Clístenes

Fonte: The Athenian Democracy. Disponível em http://www.worldhistory.biz/uploads/posts/2015-


09/333w35.jpg. Acessado em 5 de maio de 2017.
193

ANEXO C – Figura 17 – Placas de cerâmica utilizadas para votar o ostracismo de


Temístocles

Legenda: Em cada uma das placas encontramos a inscrição Themistokles Neokles (ΘΕΜΙΣΤΟΚΛΕΣ
ΝΕΟΚΛΕΟΣ), “Temístocles filho de Neokleos”. Cada placa representava um voto a favor do
exílio. O acervo pertence ao Museu da ágora antiga em Atenas.
Fonte: foto capturada pelo autor (2018).
194

ANEXO D – Figura 18 – O caminho panatenaico

Legenda: O “caminho panatenaico” representa a antiga estrada pela qual passavam as procissões dos
festivais das Grandes Panateneias. Conforme observamos na foto acima, o caminho ia em
direção ao topo da acrópole.
Fonte: Foto capturada pelo autor (2018).
195

ANEXO E – Figura 19 – Ampliação do vaso de Oltos destacando a inscrição Epidelphinos

Legenda: Detalhe de um vaso em formato de Psyktêr contendo um signo icônico representando um


khoreutas trajando indumentária hoplita com a boca aberta. A inscrição da palavra
Epidelphinos (ΕΠΙΔΕΛΦΊΝΟΣ) situa-se próxima às bocas dos cantores presentes no vaso, nos
permitindo supor que se trata de uma palavra pertencente a um verso cantado.
Fonte: http://www.metmuseum.org/collection/the-collection-online/search/255946. Acessado em 5 de
julho de 2016.
196

ANEXO F – Figura 20 – Ampliação da Cratera de Basel

Legenda: Detalhe da cratera destacando as bocas abertas dos jovens em uma performance coral
representada na iconografia. Os contornos situados entre o queixo e o pescoço e a uniformidade
facial dos rostos dos jovens são fatores que nos permite supor o uso de máscaras pelos
khoreutai.
Fonte: CORPUS VASORUM ANTIQUORUM BASEL 3. Suíça, Basel: Antikenmuseum und
Sammlung Ludwig, 1988, beilage 2.1, pl. 319.
197

ANEXO G – Figura 21 – A Pnýx em Atenas

Legenda: O topo da Pnýx, colina localizada próxima à Acrópole em Atenas. Era o local onde a
assembleia (ekklesia) se reunia no período clássico. Atualmente restaram pouquíssimos
vestígios arqueológicos no local.
Fonte: Foto capturada pelo autor (2018).

Você também pode gostar