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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


DEPARTAMENTO DE ARTES

JHENIFFER STEFANE RODRIGUES DA SILVA

Fichamento apresentado na Licenciatura em


Teatro como requisito para nota na disciplina
Teatro de Formas Animadas, da Universidade
Federal de Pernambuco, sob coordenação da
Professora Izabel Concessa Pinheiro de
Alencar Arrais.

Recife
2023
Texto: Teatro de Bonecos Popular do Nordeste (TBPN): Mamulengo

Izabel Concessa P. de A. Arrais

Introdução

O texto fala sobre Pernambuco ser o estado que abriga uma grande diversidade de
expressões artísticas populares. Uma dessas manifestações é o Mamulengo, uma forma de
teatro de bonecos que provavelmente remonta ao período colonial. Por muito tempo, essa
forma de teatro foi negligenciada e pouco estudada, devido à falta de documentação e ao
desinteresse pela cultura popular. No entanto, a prática do Mamulengo continuou viva,
transmitida de geração em geração, e tornou-se uma das produções mais significativas do
universo cultural do povo pernambucano. Além de Pernambuco, o Mamulengo também é
conhecido por outros nomes em diferentes estados do Nordeste brasileiro, como Babau na
Paraíba, João Redondo no Rio Grande do Norte e Cassimiro Coco no Ceará, Piauí e
Maranhão.

O Mamulengo: Possíveis Origens e Descrição do Brinquedo

Os espetáculos de Mamulengo são chamados de "brincadeiras" e são realizados por


artistas populares conhecidos como "mamulengueiros" em Pernambuco. O mamulengueiro,
também conhecido como mestre, é responsável por criar e manter o brinquedo ativo. Ele
contrata músicos, interpreta, manipula e geralmente confecciona os bonecos. O mestre é o
detentor do conhecimento da arte de representar com os bonecos e comanda a brincadeira.
Ele possui o material necessário, como a estrutura da barraca onde ocorre o espetáculo
(tolda), cenários, adereços e um acervo de bonecos. A tolda é a estrutura de madeira
coberta com tecido onde os brincantes atuam. Os cenários e os bonecos aparecem pela
abertura da tolda, ganhando vida por meio dos movimentos e vozes dos bonequeiros. A
tolda pode variar desde um simples tecido esticado entre varas até uma estrutura mais
elaborada, decorada com desenhos e muitas vezes exibindo o nome do grupo e do criador.

O mamulengueiro-mestre pode atuar sozinho dentro da tolda ou contracenar com o


contramestre, um bonequeiro secundário que também pode atuar sozinho em algumas
cenas ou com a ajuda de ajudantes chamados de folgazões. Esses ajudantes auxiliam na
manipulação dos bonecos em cenas que envolvem muitos personagens, como brigas,
cantos e danças. Fora da barraca, estão os músicos e o Mateus. A orquestra é composta
por três ou quatro músicos e utiliza instrumentos tradicionais, como sanfona, ganzá,
triângulo, pandeiro, zabumba e, às vezes, uma rabeca. A música desempenha um papel
essencial na brincadeira, auxiliando na estruturação dramática, criando suspense, medo e
comicidade, anunciando a entrada de personagens e acompanhando os movimentos e as
cenas dançadas. A música também serve para conectar as cenas e atrair o público para
assistir à brincadeira.

De acordo com o texto, o personagem Mateus, interpretado por um brincante, é uma


espécie de palhaço que interage com o público e os bonecos. Ele faz perguntas ao público
sobre a história e dialoga com os bonecos, dando conselhos e informando sobre os
espectadores e o ambiente. O Mateus é experiente em improvisação e humor, e sua
atuação envolve dançar, cantar com os músicos, recitar loas (versos) e coletar contribuições
financeiras dos espectadores. Em algumas apresentações, nem todos os grupos têm todos
os praticantes, e o mestre-mamulengueiro pode atuar apenas com um ajudante,
acompanhados por músicos na frente da tolda ou até mesmo com música gravada, devido a
dificuldades financeiras enfrentadas pelos brincantes.

No teatro de bonecos, existem várias técnicas utilizadas para dar movimento às figuras
inanimadas. No Mamulengo, a técnica predominante é a de "luva", em que o manipulador
coloca a mão dentro do roupão do boneco, enfiando os dedos nos orifícios da cabeça e
braços esculpidos em madeira. Outra técnica menos comum é a de "vara", em que os
bonecos são sustentados por uma vara central, com varetas movimentando seus braços e
pernas (quando presentes). Os bonecos de vara podem ter o corpo constituído apenas pela
vestimenta aberta na parte de baixo, como os de luva, ou podem ter um corpo completo,
com tronco, pernas e braços esculpidos em madeira ou costurados em tecido e preenchidos
com algodão. Alguns bonecos de Mamulengo possuem movimentos na boca e nos olhos,
que são controlados por fios que passam pelo interior ou exterior do boneco. Esses
bonecos são esculpidos principalmente em mulungu, uma madeira macia encontrada nas
várzeas úmidas e beiras de rios do Nordeste brasileiro, mas também podem ser feitos de
outras madeiras ou materiais. As figuras esculpidas têm estilos distintos de cada artesão
mamulengueiro, variando desde aspecto rudimentar até trabalhos mais elaborados que
buscam reproduzir a figura humana com mais detalhes, sempre capturando a essência do
personagem. Os bonecos muitas vezes têm uma aparência estranha e exagerada, o que
lhes confere comicidade. Os bonecos são pintados com poucas cores e complementados
com adereços como bolsas, colares, brincos, espingardas, óculos, cintos e chapéus, que
completam seus figurinos. Com esses elementos, o público é capaz de reconhecer, desde a
primeira aparição em cena, personagens como um padre, um policial, a mocinha ingênua,
um doutor, um astucioso ou um vilão.

A autora diz que Mamulengo é um tipo de teatro cômico que busca se comunicar com o
público através do riso. A comicidade é derivada não apenas das situações do enredo, mas
também da linguagem, incluindo trocadilhos, sotaques, expressões regionais e do visual
caricaturado dos bonecos. Uma característica importante do Mamulengo é o improviso. As
histórias não são baseadas em um roteiro escrito, mas são recolhidas do repertório da
memória, adaptadas a partir de situações improvisadas e histórias que foram transmitidas
ao longo das gerações. A transmissão da arte ocorre através da observação das
apresentações, do trabalho próximo com um mestre-mamulengueiro e do aprendizado
gradual como ajudante ou contramestre. Os aprendizes recebem os fundamentos da arte,
incluindo a confecção e manipulação dos bonecos, a montagem da tolda (barraca) e o
conhecimento do repertório tradicional. Embora haja um compromisso com a tradição, isso
não impede a adaptação, recriação e até mesmo a criação de novas histórias, cenas e
personagens que refletem o contexto social do brincante.

A estrutura dramática do Mamulengo geralmente consiste em pequenas cenas


independentes chamadas de "passagens". Essas cenas não precisam ter uma conexão
lógica entre si. Alguns espetáculos possuem uma estrutura dramática com uma única
história longa, com começo, meio e fim, construída em torno de um conflito. Tanto nas
passagens independentes quanto nas histórias longas, o espetáculo começa e termina com
música. Os personagens do Mamulengo são variados e podem ser animais, seres
sobrenaturais e seres humanos. Entre os animais estão o boi, a cobra, o cavalo, e
ocasionalmente burros, pássaros, porcos, cachorros e onças. Os personagens
sobrenaturais incluem a Morte, com feições de caveira e segurando uma foice, e o Diabo,
com grandes chifres e diversos nomes engraçados. Os personagens humanos representam
diferentes categorias sociais, como fazendeiros, coronéis, padres e policiais, retratando o
poder, enquanto os trabalhadores, tanto do campo quanto da cidade, representam o povo
comum.

O Mamulengo é uma expressão rica das tradições populares, mantendo histórias, loas,
estrutura e uma variedade de personagens. Entre os personagens frequentes estão Simão,
Quitéria, Coronel Mané Pacaru, João Redondo, Capitão, Soldado, Padre, Sacristão, Doutor,
Janeiro, Caroca, Nega do Cuscuz, Arlequim, Pisa Pilão, Advogado, além de uma galeria de
cangaceiros, policiais, vagabundos, bêbados, negros brigões, velhos e moças bonitas
presentes nas brincadeiras de todos os mamulengueiros. Os enredos geralmente envolvem
um herói representante das classes populares que enfrenta forças poderosas. Como ocorre
em várias formas de teatro popular em todo o mundo, os protagonistas do Mamulengo são
uma espécie de anti-heróis populares que encarnam valores coletivos com os quais a
plateia se identifica facilmente. Nos roteiros tradicionais, o herói, apesar de aparentemente
fraco e socialmente oprimido, vence pela bravura e esperteza, conquistando a simpatia e a
cumplicidade do público que torce por ele. As cenas de briga no Mamulengo são frequentes
e terminam com golpes violentos e pancadaria de forma cômica, proporcionando diversão
para a plateia.

Uma, dentre muitas características dessa forma teatral, é a observação de elementos de


outros folguedos populares que ainda estão presentes na cultura dos mamulengueiros,
como o pastoril, o bumba-meu-boi, caboclinhos e cavalo-marinho, seja na sua totalidade ou
em parte. Os artistas do Mamulengo são provenientes das camadas populares, geralmente
homens simples e com pouco ou nenhum estudo formal. O Mamulengo é destinado a um
público popular, e tanto o teatro quanto os espectadores compartilham elementos de uma
cultura comum, que inclui aspectos sociais, políticos, morais e estéticos. O Mamulengo
expressa a dureza da vida do povo nordestino, com uma visão crítica e satírica da
realidade, ao mesmo tempo permeada pelo elemento mágico. Ao redor da tenda, os
mamulengueiros, bonecos, plateia e músicos participam de um mesmo ambiente cultural,
comunicando-se através de referências compartilhadas. A interação é facilitada pela
improvisação e vivacidade do mestre, sua experiência e habilidade em atuar, estimulando
uma resposta entusiasmada da plateia, conferindo vigor e vida ao espetáculo.

O primeiro estudo significativo sobre o Mamulengo em Pernambuco foi realizado por


Hermilo Borba Filho, que considerou os brinquedos populares como espetáculos dramáticos
e os brincantes como atores. Ele traçou um panorama histórico do teatro de bonecos
nordestino no livro "Fisionomia e Espírito do Mamulengo". Após quase duas décadas,
Fernando Augusto Santos fez uma nova pesquisa baseada no livro de Hermilo, resultando
no trabalho "Mamulengo: um povo em forma de bonecos", que abordou a situação
sociocultural do Mamulengo e analisou o trabalho dos principais mestres mamulengueiros.
Posteriormente, alguns trabalhos acadêmicos, dissertações e teses começaram a
preencher o espaço de silêncio na historiografia. Hermilo Borba Filho levantou hipóteses
sobre a origem da palavra "Mamulengo", sugerindo que poderia estar relacionada à
expressão "brincadeira do molengo" ou ser uma combinação de "manu" (diminutivo de
Manuel) e "lengo" (corruptela de "lenga-lenga", uma narração monótona). Ele também
sugeriu que o Mamulengo poderia ter surgido a partir da forma animada dos presépios
introduzida pela Igreja, evoluindo a partir dos presépios estáticos e se afastando de suas
origens religiosas. No entanto, muitos mamulengueiros relacionam a origem do Mamulengo
ao contexto da escravidão e à fusão de tradições europeias com formas de teatro de
bonecos praticadas pelos escravos africanos.

Os primeiros registros documentados de espetáculos de Mamulengo datam do final do


século XIX, mencionados no Dicionário de Vocábulos Brasileiros de 1889 e no Jornal do
Recife de 1896. Hermilo Borba Filho gravou espetáculos e entrevistas, sendo Severino
Alves Dias, conhecido como Doutor Babau, o primeiro mamulengueiro famoso registrado.
Outros importantes mestres mamulengueiros incluem Cheiroso, Ginu, Januário de Oliveira,
Natanael de Oliveira, Capitão Jatobá, Capitão Anastácio e uma linhagem de
mamulengueiros famosos em cidades como Carpina, Vitória de Santo Antão, Pombos e
Glória de Goitá.

Atualmente, alguns mestres mamulengueiros continuam a manter viva essa tradição,


preservando histórias, loas, personagens e a técnica de confecção e manipulação dos
bonecos. Além disso, algumas performances incluem danças com bonecas em tamanho
natural e bonecos ventríloquos. A linhagem desses mestres mamulengueiros também se
dedica à confecção e venda de bonecos de mesa mecânicos, que representam cenas do
contexto social e histórico do Nordeste.

O Registro do Mamulengo como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil

De acordo com o texto, a Associação Brasileira de Teatro de Bonecos (ABTB) é


responsável por reunir e promover os bonequeiros no Brasil, sendo filiada à União
Internacional da Marionete (UNIMA). Em 2004, a ABTB solicitou o registro do Mamulengo
como patrimônio cultural imaterial do Brasil ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN). O processo de registro ocorreu entre 2008 e 2013, envolvendo pesquisa,
levantamento de fontes bibliográficas e documentais, acervos de bonecos e entrevistas com
os brincantes. Foram registrados dezoito mestres do Mamulengo, com maior concentração
na Zona da Mata, mas também presentes nas regiões do Agreste, Sertão do Pajeú e
Região Metropolitana de Pernambuco. A pesquisa enfrentou desafios, como a falta de
documentação e informações estruturadas sobre os brincantes, mas contou com o apoio e
colaboração de diversas entidades e mamulengueiros.
Durante a etapa de pesquisa de campo, os pesquisadores realizaram entrevistas com os
mestres mamulengueiros, seus familiares e brincantes. Os mestres apresentaram
espetáculos e exibiram seus acervos de bonecos e objetos cênicos para registro fotográfico
e videográfico. Em 2013, foi realizado o Encontro de Mamulengo de Pernambuco, onde os
mestres compartilharam seus conhecimentos e experiências. No decorrer da pesquisa, foi
constatado um decréscimo alarmante no número de brincantes, e os mestres expressaram
insatisfação com a falta de apoio e oportunidades para a manutenção de sua arte. Alguns
mestres encontraram formas de contornar as dificuldades, como envolver a família na
produção e venda de bonecos. Em Glória de Goitá, foi criada uma associação de artesãos
mamulengueiros que ofereceu cursos de confecção e manipulação de bonecos. Ações de
salvaguarda são necessárias para valorizar os mestres, facilitar a transmissão do
conhecimento e despertar o interesse das novas gerações. Sugestões incluem apoio
financeiro, criação de cadastros, premiações, realização de oficinas, festivais e publicações,
além da formação de uma rede de informantes para manter a comunicação com os
mamulengueiros.

Conclusão

Sendo assim, podemos concluir que o mamulengo é reconhecido como Patrimônio Cultural
do Brasil, destacando sua importância na cultura pernambucana. Essa forma de teatro de
bonecos, com raízes antigas e características únicas, compartilha semelhanças com
tradições teatrais de bonecos ao redor do mundo. O mamulengo representa anti-heróis
arquetípicos e oferece críticas sociais e sátiras. Sua presença contínua em várias culturas
demonstra sua relevância histórica e cultural, sendo reconhecido como Patrimônio Cultural
Imaterial pela UNESCO. O mamulengo reflete as emoções humanas e os contextos
culturais e históricos específicos, tornando-se parte da memória de Pernambuco e do
patrimônio artístico da humanidade.

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