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INSTITUTO FEDERAL SUL DE MINAS GERAIS

GABRIEL CALIXTO RIBEIRO

TUDO É HISTÓRICO, LOGO, A HISTÓRIA NÃO EXISTE


Resenha

Inconfidentes
2022
Paul Veyne, nasceu na França(Aix-en-Provence), em 13 de Junho de 1930, é
formado em história pela Escola Normal Superior de Paris, especialista em antiguidade
romana, além de ser arqueólogo1. O trabalho do autor, “Como se escreve a História”, feito em
1971, será o assunto desta resenha, especificamente, o capítulo 2 2, do referido trabalho. O
autor analisa por meio de seu texto, todo o conhecimento que foi produzido sobre história, ao
longo do tempo, isto é, produz, uma reflexão de cunho epistemológico, voltada para história.
Sobretudo, o autor trabalha, como as fontes são vistas ao passar do tempo, dentro da
historiografia. Adiante, será abordado com mais profundidade tais reflexões do autor.

O trabalho do autor está dentro de uma gama de trabalhos que, ao longo do


século XX, tomaram conta do debate3 acadêmico, acerca do que vem a ser história dentro do
referido século. Todos esses trabalho ajudaram a moldar novos rumos de como “fazer” 4 e
sobretudo como interpretar a história. Dado todo esse preâmbulo, agora vamos abordar
realmente o trabalho do autor. Logo no começo do texto, com o primeiro subtítulo intitulado
como: “A incoerência da história”, o autor trabalha com a ideia de que fontes, sejam elas de
qualquer natureza, podem ser vistas como um início de um trabalho ou podem completar o
trabalho do historiador ou de um cientista político, a título de ilustração:

“[...]Uma página da Revolução Francesa tem uma trama suficientemente cerrada


para que a lógica dos acontecimentos seja, quase completamente, compreensível e
para que um Maquiavel ou um Trotsky tivessem podido tirar dela toda uma arte da
política[…]” (VEYNE, 1982, p.25).

Esse trecho citado acima, demonstra que uma simples página já é o suficiente,
para retirar dela qualquer tipo de teoria seja ela política ou histórica, todavia, uma página por
si só, não representa toda uma era5. Podemos nos ater, também é claro ao fato de que, Trosky
e Maquiavel, divergiriam sobretudo na interpretação das fontes, principalmente, porque os
dois se situavam em épocas diferentes6. Com efeito, mesmo que partilhemos o mesmo lapso

1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Marie_Veyne. Acesso em: 26/09/2022, às 14:00.


2 O capítulo citado: “Tudo é histórico, logo, a história não existe”.
3 Principalmente na europa autores como: Michel De Certau: “A escrita da História.”; Paul Ricoeur: “A
memória, a história, o esquecimento.”; Peter Burke: “A escrita da história novas perspectivas.” e etc.
4 “Fazer” se refere, principalmente, a como trabalhar com diversas fontes e ciências sejam elas de qualquer
tipo.
5 Por exemplo: a idade média.
6 Maquiavel nasceu no século 15, e morreu no início do século 16; já Leon Trosky nasceu no século 19 e
morreu em meados do século 20.
temporal, às divergências ainda continuam, até mesmo na literatura e não só na história, por
exemplo, quando temos contato com, Hamlet7, de William Shakespeare, obtemos visões
diferentes, sobretudo quando conversamos com um terceiro ou escrevemos uma resenha e,
depois lemos nossa própria resenha e de outra pessoa, por exemplo, é perceptível que
escrevemos coisas diferentes, sobre o mesmo tema também, neste caso em especial, desta
peça, com efeito, Hamlet também é uma peça que guarda em suas personagens todos os
costumes de sua época, neste caso da corte dinamarquesa do início do séc. 17, doravante,
gosto de pensar que toda obra arte, funciona como um espelho distorcido da realidade, ora
expressa o que pode ter sido, ora expressa o que não foi. Contudo, gostaria de estabelecer um
paralelo com a primeira demonstração de caráter “interpretativo” que, a história reserva
dentro de si, ao nós lançarmos a leitura de um trabalho de história, teremos visões diferentes,
a partir de leituras diferentes da mesma obra ou tema. Ademais, mesmo na hora de
formularmos um trabalho de história, ou porventura uma pequena investigação do cotidiano,
sobre qualquer tipo de tema, teremos, principalmente, quando compartilhamos esta
investigação com um terceiro, olhares repletos de diferenças até mesmo na hora de
investigarmos algum fato à divergências, seja na hora de conceber este fato ou de interpretá-lo
.
Com efeito, o segundo paralelo que gostaria de estabelecer e, com a noção de
“espelho distorcido” que a literatura tem, afinal, outro artificie que historiador dispõe e,
moldar a história conforme seus objetivos, isto não diz que, porventura, haja distorções sobre
o que ocorreu no passado ou nada do tipo, contudo, cortes na história contada são comuns,
seja por vontade própria(subjetividade do autor) ou por não se ater, a algum fato ocorrido.
Junto a isto que descrevi, ocorre o que autor ressaltou no subtítulo intitulado como: “A
natureza lacunar da história”8, o autor destaca, que isto ocorre, principalmente, a um texto
bem escrito que oculta seu vazio ou o que não pode ser descrito por completo, por exemplo,
se fossemos descrever alguma batalha da 2º Guerra Mundial; mesmo que nosso primeiro
objetivo seria, descrever com todos os detalhes, não conseguiríamos, ora por um limite de
fontes que despomos, ora pela escrita9 ou como ressaltei, anteriormente, pela subjetividade de
quem escreve ou mesmo pelo seus objetivos e etc. Tudo que descrevi, é o que se chama de
lacuna na história, isto é, lugares que ficam vazios ou que faltam informações para se
complementar tal lacuna.
7 Cf. SHAKESPEARE, William. Hamlet. Trad. Millôr Fernandes. ed. Porto Alegre: L&PM, 2009.
8 VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história. Trad. Alda Baltar e Maria
Auxiadora. 4ª. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. pp. 26-27.
9 Não seria interessante, por exemplo, saber o nome de todos os combatentes ou qualquer coisa do tipo, pois
todo o texto seria ficaria cheio de informações inúteis que, para o leitor ficaria cansativo.
“A noção de não-factual”, outro tema trabalhado pelo autor em seu texto que,
semelhante a uma águia que dispõe de duas asas, esta problemática repousa em duas
motivações distintas, a primeira, os fatos que em algum momento eram ignorados, outrora
podem ser aproveitados no trabalho do historiador, a título de ilustração, vestimentas que
eram utilizadas para determinado trabalho ou época, podem vir a ser fontes agora, para
descrever uma “história da moda”, ou para descrever como era feito o trabalho em
determinada profissão - por exemplo, artesãos, operários, costureiros, engraxates e etc; já a
segunda parte desta asa foi que, se ampliou, sobretudo, na construção da história do século 20,
o que pode vir a ser um fato ou que pode visto como fonte, para o trabalho do historiador, por
exemplo, a história do cotidiano, relações sociais, construções e etc. Tudo o que era antes
ignorado ou negado dentro das academias, na “nova história”, porventura pode ser usado,
inclusive, para outras áreas do conhecimento10. Por fim, tudo pode vir a ser um fato ou ser
escrito na história como tal.

Gostaria de reservar este parágrafo, para dissertar sobre a ideia do autor sobre a
projeção dos fatos, no campo da história em alguns momentos alguns fatos, principalmente,
dentro do século 1911, estiveram em mais evidência, ou nas palavras do autor:

“No interior da clareira que as concepções ou as convenções de cada época recortam


no campo da historicidade, não existe hierarquia constante entre as províncias;
nenhuma zona domina outra e, em todo o caso, não a absorve. Quando muito, pode-
se pensar que certos fatos são mais importantes que outros, mas mesmo essa
importância depende, totalmente, dos critérios escolhidos por cada historiador e não
tem uma grandeza absoluta[…]”(VEYNE, 1982, p.29).

Como citado acima, todo o fato que se aborda na hora de se escrever um


trabalho de história, não deve ser posto em hierarquia – a guisa de exemplo, suponhamos que
ao descrever alguma figura histórica como: Napoleão Bonaparte, antepusemos sua “jornada”
como general, acima de tudo que o cercava, até mesmo de sua vida pessoal e é claro para não
cair em contradição, se a temática do trabalho for apenas, “As guerras lutadas por Napoleão”,
não haverá, então, problema. Por fim, utilizando um pouco do que foi dito, anteriormente, “As
guerras lutadas por Napoleão”, não devem se sobrepor dentro da academia a temas como:

10 A guisa de exemplo, os engenheiros civis, poderiam se utilizar da “história das construções”, para se
inspirarem em construções passadas ou para matar a curiosidade sobre como eram feitas a construções no
passados e etc.
11 Cf. BARROS, José D' Assunção. O tempo dos historiadores. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. pp. 18-20.
“História dos escravos no século 17”; “Os amores de Dom Pedro II”; “História dos indígenas”
e etc., todos o temas têm a mesma importância, pois, no fim quem da o destaque real à obra é,
os pares12 do historiador, dentro de seu círculo acadêmico. Adiante abordarei o que o autor
denominou como: “A extensão da história”, o trecho abaixo elucida melhor este conceito do
autor:

“Ora, quanto mais se alarga, a nossos olhos, o horizonte factual, mais ele
parece indefinido: tudo o que compõe a vida quotidiana de todos os homens,
inclusive o que só um virtuose do diário íntimo discerniria nela, tudo isso constitui,
de direito, caça para o historiador, pois em que outra região do ser que não na vida
quotidiana, dia após dia, poderia refletir-se a historicidade? O que não significa, de
modo algum, que a história deva tornar-se história da vida quotidiana, que a história
da diplomacia de Luís XIV deva ser substituída pela descrição das emoções do povo
parisiense por ocasião das recepções solenes do rei, que a história da tecnologia dos
transportes deva ser substituída por uma fenomenologia do Nome sob o qual se
designava antigamente o camponês francês. (N. do T.) espaço e seus mediadores;
não, mas significa que um acontecimento só é conhecido mediante indícios e que
qualquer fato da vida de todos os dias é indício de algum evento (quer esteja
catalogado, quer durma, ainda, na floresta do não-factual).”(VEYNE, 1982, p. 31-
32)

A “nova história”, pode retirar do silêncio, temáticas diversas, principalmente,


de sujeitos que sempre estiveram presentes na sociedade, porém não tinham seu espaço dentro
da “história tradicional”. Doravante, estas novas correntes da história ajudam, podem revelar
desde o que acontecia dentro da alcova, de determinados personagens da história, assim
como, desvelar práticas de determinado grupo (em especial, neste caso, às práticas
socioculturais) que reforçam a autoestima de determinados grupos e constroem novas
correntes de identificação e etc. Por fim, a extensão da história não se resume apenas a
práticas e também novos campos que podem moldar uma história mais completa, por
exemplo, economia, geografia, biologia, geologia e etc., mesmo que estas ciências caminhem
junto com o tempo do historiador, isto é, o diálogo constante com outras áreas, vão sempre
corresponder, com quanto estas “ciências auxiliares”13 estiverem desenvolvidas, afinal, às
“ciências auxiliares”, estão sempre juntos ao seu tempo.
Outrossim, o autor trabalha a noção de: “A história é uma ideia-limite” 14, esta
ideia do autor repousa em uma crítica em relação as filosofias da história, pois, segundo o
12 Cf. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Trad. Maria de Lourdes Menezes. rev. Arno Vogel. 3ª. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2017. pp. 51-57.
13 Cf. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Trad. Maria de Lourdes Menezes. rev. Arno Vogel. 3ª. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2017. pp. 64-65.
14 VEYNE, Paul. Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história. Brasília: UnB, 1982. pp. 34-37.
autor estas práticas na escrita da história que, principalmente, se situavam na Europa
continental, consistiam em visão teleológica da realidade, ou em outras palavras, para estes
autores que ao longo da história, especulavam um destino a “humanidade”, em especial, a
Europa, para um final que seria uma espécie de “estágio final”. É importante ratificar, o
seguinte, todos esses autores, se situavam distantes uns dos outros, ou seja, todas essas
filosofias da história eram marcadas, por vezes, por idiossincrasias, ou melhor dizendo,
marcadas por pessoalidade, visto que, todos esses autores dispunham de sistemas próprios de
pensamentos como é o caso de: Kant, Santo Agostinho(Agostinho de Hipona), Hegel e etc.,
no entanto, é importante ressaltar que dentro do campo da história esses autores escreviam
livros condizentes com suas épocas, como é o caso de Kant e Hegel, a saber, o iluminismo,
com efeito, Santo Agostinho também, no caso dele patrística. Não cabe aqui descrever todo o
sistema de pensamento desses autores, porém houve cortes epistemológicos, dentro de suas
teorias, como é o caso de Hegel e Kant, a saber, no caso do primeiro, Karl Marx, como um
provérbio popular diz: “Bebeu da fonte”, de Hegel, assim como, Jacques Lacan, no caso deste
dentro de seu sistema de pensamento na psicanálise, Kant também influenciou Jean Piaget
dentro de sua teoria do desenvolvimento. Contudo, dentro da história talvez estes autores não
influenciaram mais pelo menos não no século 20, contudo, outras áreas do conhecimento se
auxiliaram nas teorias dos referidos autores.

REFERÊNCIAS

https://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Marie_Veyne. Acesso em: 26/09/2022, às 14:00.

SHAKESPEARE, William. Hamlet. Trad. Millôr Fernandes. ed. Porto Alegre: L&PM, 2009.

BARROS, José D' Assunção. O tempo dos historiadores. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história. Trad. Alda
Baltar e Maria Auxiadora. 4ª. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Trad. Maria de Lourdes Menezes. rev. Arno
Vogel. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

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