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2007:19:2:182-185
RESUMO SUMMARY
incipientes, silenciosas e se confundem com sinais clí- O objetivo deste estudo foi apresentar o resultado de
nicos de diversas outras morbidades, sendo freqüen- um levantamento bibliográfico sobre os novos biomar-
temente percebidas quando constatadas alterações cadores de função renal para que se possa reconhecer
em exames laboratoriais de rotina, como a uréia e prin- a sua aplicação na prática clínica, no sentido de dis-
cipalmente a creatinina. ponibilizar conhecimento do avanço no diagnóstico da
Contudo, elevações nos níveis séricos da creatinina lesão renal aguda, que poderá refletir-se na tomada de
são atualmente os sinais mais indicativos de compro- decisão precoce junto ao paciente em risco para LRA.
metimento da função renal. Apesar de representar a
principal estratégia de identificação dessa síndrome, MÉTODO
a creatinina é considerada um teste específico, entre-
tanto tardio, pouco sensível e impreciso. Ela se altera Este estudo é de caráter descritivo, baseado em levan-
apenas quando já existe perda de aproximadamente tamento bibliográfico de periódicos indexados.
50% da função renal. A contraposição ao uso conven- Foi realizada busca bibliográfica utilizando as bases de
cional desses indicadores se apercebe de situações dados LILACS (Literatura Técnica-Científica em Ciên-
mais desfavoráveis como é o caso na disfunção como cias da Saúde) e PubMed, envolvendo os periódicos
a insuficiência hepática, na qual não há indicadores di- do período de 1975 até outubro de 2006, referentes à
retos de função e o seu diagnóstico e a conseqüente literatura existente sobre os biomarcadores de função
intervenção, tardam mais ainda. Em nenhum dos dois renal, utilizando como descritores (DeCS e MeSH): in-
casos deve haver, contudo, resignação científica nem dicadores biológicos, insuficiência renal aguda, sendo
tampouco clínica. as linguagens portuguesa e inglesa empregadas de
O relativo descompasso da creatinina com o real esta- acordo com a exigência das bases de dados
do funcional e sua baixa sensibilidade e especificidade
se traduzem em diagnóstico tardio e tratamento mais RESULTADOS
tardio ainda, medidas de prevenção próxima de zero
e, por fim, alta mortalidade. Tal panorama tem deixado A análise do material bibliográfico obtido através da bus-
marcas precisas na epidemiologia da LRA. ca nas bases de dados permitiu verificar que a produção
Esse cenário desfavorável da LRA tem gerado então científica com pesquisas envolvendo biomarcadores de
questionamentos sobre conceitos até então intocá- função renal é extensa, porém, não consensual.
veis. Um deles é a busca para identificação de bio- Foram encontrados 505 artigos referentes ao tema.
marcadores mais precisos da função renal. Há de se Da PubMed selecionou-se 100 e após a análise indivi-
conhecer indicadores de função renal, interpretados dual e leitura na íntegra dos estudos, apenas 68 artigos
por toda equipe profissional, que tenham desempenho abrangiam o tema biomarcadores de lesão renal. En-
discriminatório superior àqueles mencionados. Já se quanto do LiLacs apenas um artigo foi utilizado. Foram
sabe acerca desses novos testes. incluídos todos os estudos de abordagens experimen-
Genericamente, biomarcadores são ferramentas que tal e clínica.
podem fornecer alguma informação necessária, es- Através desse levantamento foi identificado um perfil
pecialmente quando usado em conjunto com dados conciso de 29 biomarcadores de lesão renal, estuda-
clínicos e laboratoriais2,3. Um biomarcador deve con- dos em pesquisas com modelos animais e estudos
sistir em indicador de processos biológicos, patogê- clínicos nos últimos anos, dentre eles destacaram-se
nicos ou resposta farmacológica para um tratamento a Interleucina 18 (IL-18), a interleucina-6, a interleuci-
terapêutico3. na-8, o hidrato de carbono (HNK-1), o Malondialdeido
A busca por novos biomarcadores para detecção da urinário (MDA), a Cistatina C, o Dendrimer-enhanced
lesão renal está se desenvolvendo rapidamente com o MRI, a Glutathione alpha-transferase e pi-transferase,
avanço da tecnologia. Com melhores biomarcadores, o Neutrophil gelatinase-associated Lipocalin (N-GAL),
possivelmente, tornará viável a detecção precoce da a Protein P53, o Proatrial natriuretic peptide (1-98),
lesão renal, a identificação de lesões subclínicas, o for- a Urinary actin, a N-acetyl-beta-D-glucosaminidase,
necimento de informação prognóstica do curso da doen- a alpha-1-microglobulin, o Kidney Injury molecule-
ça, a identificação dos segmentos mais afetados, a ava- 1 (KIM-1), a Retinol Binding Protein (RBP), a Neutral
liação da resposta para determinados tratamentos e a endopeptidase (NEP), a Beta 2-microglobulin, urinary,
classificação dos pacientes de risco para lesão renal4. o Sodium/hydrogen exchanger isoform 3 (NHE3), o
Neutrophil CD11b, Spermidine/Spermine N(1)-acetyl- nos glomérulos. Tem papel essencial na homeostase
transferase (SSAT), a Cysteine rich protein 61 (CYR61, de volume, ácido-base e na determinação dos níveis
CCN1), o 1,5-anhydroglicitol, a Adenosina deaminase da pressão arterial16.
binding protein, a Glycosyl transferase e entre as enzi- A IL-18 urinária pode servir como indicador de lesão
mas de lesão tubular encontraram-se a Gamma-Gluta- tubular proximal em ATN. Ela é uma citocina pró-infla-
myl transpeptidase (Gama-GTP), a Alanine aminopep- matória liberada em resposta a lesão tubular17. A apli-
tidase (AAP), a alkaline phosphatase (AP), a Leucine cação clínica desse teste pode ser substancial, já que
aminopeptidase e dipeptidyl peptidase IV (DPP). exige técnicas confiável, precisa e rápida e ser pron-
Na classificação dos biomarcadores, alguns são desti- tamente mensurável utilizando-se kits de imunoensaio
nados preferencialmente à estimativa da taxa de filtra- (Elisa).
ção glomerular, como a cistatina C, outros refletem a Já a cistatina C é um inibidor da cisteíno proteinase,
função renal (KIM-1, NHE3 e actina), enquanto outros produzida por células nucleadas em taxa constante.
mostram inflamação associada com a lesão renal (In- Ela é livremente filtrada pelo glomérulo, reabsorvida
terleucinas 6, 8 e 18)5,6. Há ainda o grupo de proteí- e metabolizada, mas não secretada pelos túbulos18,19.
nas urinárias como a Retinol binding protein (RBP), a Ela pode detectar a LRA um ou dois dias antes da cre-
N-acetyl Glucosaminidase e α1-microglobulina, como atinina e, além disso, não é afetada por baixas doses
indicadores mais sensíveis de disfunção ou lesão tu- de hormônio tireoidiano e deficiência ou excesso de
bular7,8. corticóide5. A técnica utilizada para sua dosagem tem
Dentre os biomarcadores descritos, observou algumas sido a nefelometria, no sangue ou na urina.
tendências de ênfase, iniciando-se pela Neutrophil ge- A Kidney Injury Molecule-1 (KIM-1) é uma proteína
latinase-associated lipocalin (NGAL). Trata-se de uma transmembrana que está presente no túbulo renal pro-
enzima presente na urina e no sangue. Observou-se ximal e é superegulada e excretada na urina na vigên-
que em crianças, a lesão renal aguda pode ser detec- cia de uma lesão. Em indivíduos normais e sem a lesão
tada em até duas horas após cirurgia cardíaca, por renal ela não está presente. A elevação dessa enzima
aumento substancial dessa enzima no sangue ou na sugere o início de um processo patológico em células
urina. Pode ser ainda também detectada na presença do epitélio tubular proximal, sendo assim considerada
de lesão renal em período que antecede a manifes- um sensível marcador de lesão tubular proximal. Pode
tação clássica pela creatinina9. Entretanto, ainda são ser detectada na biópsia renal e urina de pacientes
necessários estudos multicêntricos prospectivos em com necrose tubular aguda isquêmica20.
populações maiores, de diferentes idades para validar A lesão renal é ainda pouco compreendida e uma das
esses resultados10. Novos estudos que avaliem fatores razões é a existência de marcadores pouco precisos
de interferência em seus níveis urinários ou plasmáti- e sem mensuração direta. Estudos sobre aspectos da
cos serão providentes11. disfunção renal freqüentemente utilizam a creatinina
Vale ressaltar que a elevada excreção de proteínas e como sinalizador, entretanto a sua elevação sérica só
enzimas de baixo peso molecular (proteínas tubulares) ocorre quando já existe um comprometimento renal
tem sinalizado situações de lesão tubular proximal. estabelecido.
Nessa função, destacam-se a α1 e β1-microglobulina, A lesão renal é uma condição clínica comum durante a
a Cistatina C, a Retinol Binding Protein (RBP)12,13, a α- hospitalização principalmente em pacientes internados
glutathione S-transferase (GST), a γ-glutamiltransferase em UTI, ambiente no qual sua taxa de mortalidade au-
(GGT), o Lactato desidrogenase (LD) e a N-acetyl-β-D- menta independentemente de outros fatores11,21.
glucosaminidase (NAG)12,14,15. Nos últimos 20 anos, o progresso substancial na com-
A neutral endopeptidase (NEP) é livremente filtrada pelo preensão de mecanismos celulares e moleculares en-
glomérulo, sendo 99,9% reabsorvida pelo túbulo proxi- volvendo a lesão renal aguda esclareceu mecanismos
mal8. Representa um tipo de enzima tubular localizada fisiopatológicos antes desconhecidos. Entretanto, esse
na membrana endotelial do túbulo renal proximal e é conhecimento não tem se traduzido na aplicação de
excretada na urina. Sendo então, indicador de lesão tratamentos efetivos e suficientemente específicos para
tubular e a RBP, um indicador de função tubular. En- prevenir ou excluir os agentes etiológicos. Essa limita-
quanto, o NHE3 é a forma de permutador Na+/H+ mais ção dificulta o controle de sua progressão. Tornando-se
abundante na membrana apical, responsável pela rea- imperativa a necessidade de preencher essa lacuna de
bsorção de grande parte do NaCl e do NaHCO3 filtrado conhecimento no diagnóstico da lesão renal.