Você está na página 1de 23

A

[1]

Benjamin B. Warfield

Cabe ao ministro ser estudioso e religioso, respectivamente. Não é


uma questão de escolha entre as duas posturas. Seu dever é
estudar, porém deve fazê-lo como estando na presença de Deus, e
não no espírito secular. Cabe-lhe reconhecer o privilégio de cultivar
seus estudos em um ambiente onde Deus e a salvação do pecado
sejam o ar que ele respira. Cabe-lhe ainda tirar vantagem de cada
oportunidade para o culto coletivo, particularmente enquanto ele se
prepara no seminário teológico. Que Cristo mesmo tome as rédeas
do exemplo da importância de participar de expressões corporativas
da vida religiosa da comunidade. Trabalho ministerial sem tirar
tempo para a oração é um trágico equívoco. As duas coisas
combinam se o servo de Deus quiser ministrar uma mensagem
pura, clara e forte.
Copyright @ 2020, de Editora Monergismo
Publicado originalmente em inglês sob o título
The Religious Life of the Theological Students ■
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
E M
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP
70.760-620
www.editoramonergismo.com.br ■
1ª edição, 2020
Tradução: Valter Graciano Martins
Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto
Sou convidado a falar-lhes sobre a vida religiosa do estudante
de teologia. Abordo o tema com alguma hesitação. Creio ser este o
tema mais importante que pode envolver nosso pensamento. Ao
dizer isto, vocês não suspeitarão que eu esteja depreciando a
importância da preparação intelectual do estudante para o
ministério. A importância da preparação intelectual do estudante
para o ministério é a razão da existência de nossos seminários
teológicos. Digam o que vocês quiserem; façam o que desejarem; o
ministério é uma “profissão erudita”. E o homem sem erudição, não
importa com que outros dons seja ele dotado, é inadequado para
seus deveres. Mas a erudição, ainda que indispensável, não é a
coisa mais indispensável para o ministro. “Apto para ensinar” — sim,
cabe ao ministro ser “apto para ensinar”; e observe que o que eu
digo — ou, melhor, o que Paulo diz — é “apto para ensinar”. Não
meramente apto para exortar, rogar, apelar, solicitar; nem mesmo
meramente testificar, dar testemunho; e sim ensinar. E ensino
subentende conhecimento: aquele que ensina deve conhecer. Em
outras palavras, Paulo requer de vocês — quando, quem sabe, não
estamos conseguindo exprimir muito bem —, serviço “instrucional”,
não meramente “inspiracional”. Mas somente aptidão para ensinar
não faz um ministro; esta não é sua qualificação primária. Paulo
estabelece apenas um dentre uma longa lista de requerimentos
como primários para fazer face àquele que aspira a este elevado
ofício. E todo o resto diz respeito não à sua adequação intelectual,
mas espiritual. Um ministro deve ser estudioso, cônscio de ser
totalmente incompetente para seu trabalho. Mas, antes e acima de
ser douto, um ministro deve ser piedoso.
No entanto, nada poderia ser mais fatal do que confrontar
estas duas coisas frente a frente. O recrutamento de oficiais não
discute se é preferível que os soldados tenham uma perna direita ou
uma perna esquerda: os soldados devem ter ambas as pernas. Com
frequência ouvimos dizer que dez minutos com seus joelhos
dobrados lhes dará um mais genuíno, mais profundo, mais operativo
conhecimento de Deus do que dez horas debruçados sobre seus
livros. Eis a resposta pronta: “O quê?! Mais de dez horas debruçado
sobre livros, sobre seus joelhos?”. Por que vocês se afastariam de
Deus quando se volvem para seus livros, ou sentem que se afastam
de seus livros a fim de se volverem para Deus? Se aprendizado e
devoção são tão antagônicos assim, então a vida intelectual é em si
uma maldição, e não pode haver dúvida de que a vida religiosa para
um estudante também o é, inclusive estudante de teologia. O mero
fato de ele ser estudante lhe inibe a religião. O fato de eu prontificar-
me a falar-lhes da vida religiosa do estudante de teologia procede
do reconhecimento do absurdo de tais antíteses. Vocês são
estudantes de teologia; e, justamente porque são estudantes de
teologia, infere-se que vocês são homens religiosos —
especialmente homens religiosos para quem o cultivo da vida
religiosa é uma questão da mais profunda preocupação — daquela
preocupação da qual vocês desejarão, acima de todas as coisas,
ser avisados dos perigos que porventura assaltem sua vida religiosa
e apontem para os meios pelos quais vocês possam fortalecê-la e
ampliá-la. Em seu caso, não pode haver “ou / ou”; neste caso, ou
um estudante ou um homem de Deus. Cabe a vocês ser ambos.
Talvez a intimidade da relação entre o trabalho de um
estudante de teologia e sua vida religiosa produza, não obstante,
alguma ênfase. Naturalmente, vocês não creem que a religião e o
estudo sejam incompatíveis. Mas é claramente possível que haja
entre vocês alguns que pensem que estão muito longe um do outro
— os quais se inclinam a pôr de um lado seus estudos e, do outro,
sua vida religiosa, e imaginar que o que é dado a um é tirado do
outro. Não há equívoco que seja mais grosseiro. A religião não
afasta um homem de seu trabalho; ela o envia ao seu trabalho com
uma qualidade aumentada de devoção. Porventura, não cantamos?
Ensina-me, meu Deus e Rei, A ver-te em todas as coisas — E
em tudo o que eu faço, Fazendo-o como para ti.
Se ao fazê-lo obedeço às tuas leis, Nenhum trabalho será
servil; E se esta é a causa, a labuta é santificada, O trabalho se
torna ainda mais divino.
Não é só isso que George Herbert escreveu. Possivelmente,
ele expressa um ponto mais vivo sobre a questão. Ele nos lembra
que um homem pode visualizar seu trabalho como visualiza uma
vidraça — ou nada vendo, senão o vidro, ou olhando diretamente
através do vidro para além dos vastos céus. E ele nos diz
claramente que não há nada tão medíocre que as grandes palavras
“por tua causa” não o glorifique: Um servo, com esta cláusula, Faz
divina a labuta, O qual varre uma sala para Tuas Leis, Faz com que
a ação seja primorosa.
Mas a doutrina é a mesma, e é a doutrina, a doutrina
fundamental, da moralidade protestante da qual se revela todo o
sistema da ética cristã. É a grande doutrina da “vocação”, a
doutrina, por assim dizer, de que o melhor serviço que pudermos
oferecer a Deus é justamente cumprir com nosso dever — nosso
dever modesto e desataviado, tudo o que a oportunidade propiciar.
A Idade Média não pensava assim; eles abriram uma fenda entre a
vida religiosa e a vida secular e aconselhavam a quem quisesse ser
religioso a virar as costas para o que chamavam “o mundo”, isto é,
não a perversidade que há no mundo — “o mundo, a carne e o
diabo”, como dizemos —, mas para o trabalho diário do mundo, que
aglomera ocupações as quais compõem a tarefa diária dos homens
e das mulheres, que cumprem com seu dever para si e para seus
semelhantes. O protestantismo deu um basta em tudo isso. Como o
expressa eloquentemente o Professor Doumergue: Então veio
Lutero e, ainda mais consistentemente, Calvino, proclamando a
ideia de “vocação”, uma ideia e uma palavra que se encontram nos
idiomas de todos os povos protestantes — Beruf, Chamado,
Vocação — e as quais estão ausentes nos idiomas dos povos da
antiguidade e da cultura medieval. “Vocação” — é o chamado de
Deus, dirigido a cada pessoa, quem quer que seja, e pôr sobre cada
um o trabalho particular, não importa qual seja. As vocações e,
portanto, também os vocacionados, se põem em completa
igualdade entre si. O burgomestre é o burgomestre de Deus; o
médico é o médico de Deus; o comerciante é o comerciante de
Deus; o operário é o operário de Deus. Cada vocação, liberal, como
a chamamos, ou manual, de aparência a mais humilde e vil, tanto
quanto a mais nobre e a mais gloriosa, é de direito divino.
Falamos do direito divino dos reis! Eis o direito divino de cada
trabalhador: nenhum dos tais necessita de envergonhar-se, se ele é
apenas um trabalhador honesto e bom. “Somente o indolente”,
acrescenta o Professor Doumergue, “é ignóbil; enquanto o
romanismo multiplica suas ordens mendicantes, a Reforma bane o
ocioso de suas cidades”.
Ora, como estudantes de teologia, a vocação de vocês é
estudar teologia; e estudá-la diligentemente, em concordância com
a injunção apostólica: “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o
coração, como para o Senhor”. É precisamente para isto que vocês
são estudantes de teologia; este é o seu “dever próximo”, e
negligenciá-lo não é um exercício religioso frutífero. O Dr. Charles
Hodge, em suas deleitosas notas auto-biográficas, diz de Philip
Lindsay, o mais popular professor do Colégio de Princeton de seus
dias — um homem procurado por quase cada colégio dos Estados
Centrais para ocupar sua presidência — “dizendo à nossa classe
que descobriríamos que uma das melhores preparações para a
morte era um conhecimento completo da gramática grega”. “Este”,
comenta o Dr. Hodge, em sua maneira familiar, “era seu modo de
dizer-nos que devemos cumprir com o nosso dever”. Certamente,
cada homem que aspira ser um homem religioso deve começar pelo
cumprimento de seu dever, seu dever óbvio, sua tarefa diária, o
trabalho particular que jaz diante dele para ser feito neste momento
e lugar particular. Caso suceda que este trabalho seja estudar, então
sua vida religiosa depende de nada mais fundamentalmente do que
apenas estudar. Vocês podem falar também de um pai que
negligencia seus deveres paternos; de um filho que falha em todas
as suas obrigações da piedade filial; de um artesão que reduz
sistematicamente sua obra e se volve para um trabalho inútil; de um
trabalhador que em nada é melhor que um servo que só trabalha
quando vigiado, sendo eles homens religiosos; como de um
estudante que não estuda, sendo ele um homem religioso. Isso é
impossível: vocês não podem construir uma vida religiosa a menos
que comecem cumprindo fielmente com seus deveres simples e
diários. A questão não é se vocês gostam de tais deveres. Podem
pensar em seus deveres o que bem quiserem. Podem considerar
que estão exaltando-os precisamente como exaltam “seus trabalhos
servis” e “o trabalho mais modesto”. Mas precisam dedicar-se
fielmente aos seus estudos, caso queiram ser homens religiosos.
Não se pode construir um caráter religioso sobre o fundamento do
dever negligenciado.
Certamente há algo errado com a vida religiosa de um
estudante de teologia que não estuda. Porém, de modo algum se
segue daí que tudo está certo com sua vida religiosa se ele estuda.
É possível estudar — inclusive estudar teologia — num espírito
inteiramente secular. Um pouco antes eu disse que o que a religião
faz é enviar um homem ao seu trabalho com uma acrescida
qualidade de devoção. Ao dizer isso, tenho em mente que a palavra
“devoção” deve ser tomada em ambos os seus sentidos — no
sentido de “aplicação zelosa” e no sentido de “exercício religioso”,
como o Standard Dicitionary exprime as duas definições. O homem
realmente religioso estudará tudo o que for preciso estudar com
“devoção” em ambos estes sentidos. É isso que sua religião faz por
ele: leva-o a cumprir com seu dever, fazendo-o exaustivamente “no
Senhor”. Mas, no caso de muitos ramos do estudo, nada há nos
tópicos estudados que tende diretamente a fomentar a vida
religiosa, ou a pôr em movimento as emoções religiosas, ou a
salientar especificamente a reação religiosa. Se os estudarmos “no
Senhor”, isso se dá porque o fazemos “por causa dele”, sobre o
princípio que faz do “lavar uma sala” um ato de culto. Com a
teologia não é assim. Em todos os seus ramos afins, a teologia tem
como seu único fim fazer Deus conhecido: o estudante de teologia é
levado por sua tarefa diária à presença de Deus, e é mantido ali.
Pode um homem religioso estar na presença de Deus e não adorá-
lo? É possível, como eu já disse, estudar inclusive teologia num
espírito puramente secular. Mas, seguramente, isso só é possível
para um homem irreligioso, ou, ao menos, por um homem não
religioso. E aqui ponho em suas mãos imediatamente uma pedra de
toque pela qual vocês possam discernir seu estado religioso, e um
instrumento para vivificar sua vida religiosa. Vocês dão seguimento
às suas tarefas diárias como estudantes de teologia como
“exercícios religiosos”? Se a resposta for negativa, olhem para si
mesmos: seguramente, não está tudo certo com a condição daquele
homem que pode ocupar-se diariamente com as coisas divinas, com
um coração frio e impassível. Se vocês conseguem vencer tal
sentimento, alegrem-se. Mas, em qualquer caso, vejam que o
façam! E que o façam sempre mais e mais profusamente. O que
quer que tenham feito no passado, que no futuro todos os seus
estudos teológicos sejam “exercícios religiosos”. Esta é a grande
regra para uma vida religiosa rica e saudável em um estudante de
teologia. Ponha seu coração em seus estudos; ocupe com eles não
meramente sua mente, mas ponha neles seu coração. Que eles o
conduzam diariamente e a cada instante à própria presença de
Deus; seus métodos, seus tratos com os homens, a infinita
majestade de seu Ser, formem seu próprio tema. Tirem os calçados
de seus pés nesta santa presença!
Deveras, somos informados com muita frequência que o
grande perigo que incorre o estudante de teologia jaz precisamente
em seu constante contato com as coisas divinas. Elas podem vir a
ser comuns para ele, porque se tornam costumeiras. Como em geral
o homem respira o ar e se aquece à luz do sol sem jamais imaginar
que é Deus, em sua bondade, quem faz seu sol nascer sobre ele,
ainda que seja mau; e envia sobre ele suas chuvas, ainda que seja
injusto; assim pode suceder que vocês apalpem o móvel do
santuário sem nunca elevar seu pensamento acima dos grosseiros
materiais primitivos de que ele foi feito. As palavras que lhes
informam da terrível majestade de Deus ou de sua gloriosa bondade
podem chegar a vocês como meras palavras — palavras hebraicas
e gregas, com etimologias e inflexões, e conexões nas sentenças.
Os raciocínios que lhes estabelecem os mistérios de suas atividades
salvíficas em meros paradigmas lógicos, com premissas e
conclusões, sem dúvida, adequadamente elaborados,
triunfantemente irrefutáveis, mas para vocês destituídos de
significação adicional além de sua conclusividade lógica formal. O
avanço majestoso de Deus em seus processos redentores pode
parecer-lhes uma mera série de fatos da história, curiosamente
interagindo na produção de condições sociais e religiosas, quem
sabe indicando um resultado que podemos conjeturar
judiciosamente, e tantos outros fatos que ocorrem no tempo e no
espaço, os quais podem vir a ser notados por vocês. Isto lhes
constitui grande perigo. Mas só lhes constitui um grande perigo
porque lhes constitui um grande privilégio. Pensem em que privilégio
é o seu quando seu maior perigo é que as grandes coisas da
religião podem vir a tornar-lhes comuns! Outros homens, oprimidos
pelas condições difíceis da vida, afundados na grande luta diária,
quem sabe, pelo pão, de alguma maneira distraídos pelo horrível
retardamento do mundo sobre eles, a terrível arremetida do labor do
mundo, acham difícil ter tempo e oportunidade para deter-se e
considerar se existem coisas tais como Deus, religião e salvação do
pecado que os comprimem e os mantêm cativos. A própria
atmosfera de sua vida constitui estas coisas; vocês as respiram por
cada poro; elas os rodeiam, os abarcam, os comprimem de todo
lado. Tudo constitui um perigo de se lhes tornar comuns! Que Deus
os perdoe, pois vocês correm o risco de enfadar-se dele!
Por acaso vocês têm consciência deste perigo? Ou, melhor,
invertamos a pergunta — vocês estão conscientes de quais são os
seus privilégios? Vocês estão fazendo uso de todos eles? Por este
constante contato com as coisas divinas, vocês estão crescendo em
santidade, tornando-se a cada dia mais e mais homens de Deus?
Se não, vocês estão se endurecendo! E hoje eu estou aqui
advertindo-os a que levem a sério seu estudo de teologia, não
meramente como um dever, cumprido por amor a Deus e, portanto,
como divino, mas como um exercício religioso, recomendando-os
com bênção religiosa; como equipado por sua própria natureza para
encher totalmente sua mente, coração, alma e vida com
pensamentos, sentimentos, aspirações e realizações divinos. Vocês
nunca prosperarão em sua vida religiosa no seminário teológico até
que seu trabalho no seminário teológico se lhes torne um exercício
religioso do qual a cada dia extraiam dilatação do coração, elevação
do espírito e deleite adorativo em seu Criador e seu Salvador.
Vocês observarão que não os estou aconselhando a que
façam de seus estudos teológicos seus únicos exercícios religiosos.
São exercícios religiosos do tipo mais recompensador; e sua vida
religiosa dependerá em muito de como vocês tratam esses estudos.
Porém há outros exercícios religiosos que demandam sua detida
atenção, os quais não podem ser negligenciados sem o mais grave
dano de sua vida religiosa. Refiro-me agora particularmente às
reuniões religiosas formais e públicas do seminário. Desejo ser
perfeitamente explícito aqui, e muito enfático. Ninguém pode
subtrair-se dos serviços religiosos públicos da comunidade da qual
ele é membro, sem séria injúria à sua vida religiosa pessoal. Não é
sem significação que o escritor apostólico acopla as exortações
“retenha a confissão de nossa esperança, para que não vacile” e
“não se esqueçam de congregar-se”. Quando nos ordena que não
nos esqueçamos “de congregar-nos”, ele tem em mente, como
mostra o termo que emprega, as assembleias formais e públicas da
comunidade e significa fazer com que os corações e consciências
de seus leitores mantenham seu dever para com a igreja da qual
eles são as colunas, bem como seu dever para consigo mesmos. E
quando anexa, “como é o costume de alguns”, ele tem em mente
pôr um látego em sua ordem. É possível vermos seu lábio se
comprimir enquanto fala. Quem são estes tão fortes, tão
supremamente santos, que não necessitem da assistência do culto
comum para si mesmos; e quem, sendo tão fortes e tão santos, que
não necessitem de dar sua assistência ao culto comum?
No entanto, necessário como é o culto comum para os
homens em geral, tal necessidade nada é quando comparada com
sua necessidade para um grupo de jovens na situação em que
vocês se encontram. Estão reunidos aqui para um propósito
religioso, em sua preparação para o serviço religioso mais elevado
que se pode realizar pelos homens — a orientação de outros na
vida religiosa; e vocês terão algo mais em comum do que o culto?
Estão reunidos aqui, separados de seus lares e tudo o que o lar
significa; das igrejas em que foram educados, e tudo o que a
comunhão da igreja significa; de todas as poderosas influências
comuns da religião social — e vocês mesmos não formarão uma
comunidade religiosa, com sua própria vida religiosa orgânica e
expressão religiosa? Digo deliberadamente que um grupo de jovens
que vive separado de uma vida comunitária, como vocês estão
vivendo e devem viver, não pode manter uma vida religiosa
saudável, completa, rica, individualmente, a menos que essa
comunidade dê expressão orgânica à sua vida religiosa como uma
agremiação em frequentes e determinados regimes de culto comum.
Nada pode tomar o lugar deste culto orgânico comum da
comunidade como tal, em suas determinadas épocas e como uma
função regular da vida corporativa da comunidade. Sem isso vocês
deixam de ser uma comunidade religiosa e falta aquele suporte e
estabilidade, aquele incitamento e estímulo que vem do individual
para a vida orgânica da comunidade da qual ele forma uma parte.
Em minha opinião, estou bem ciente de que numa instituição
como esta todo o corpo estudantil deve estar junto, de manhã e à
noite, cada dia, para a oração comum; e deve reunir-se duas vezes
a cada sábado em culto formal. Sem ao menos este culto bem
comum não creio que a instituição possa preservar seu caráter
como uma instituição distintamente religiosa — uma instituição cuja
vida institucional é primariamente de caráter religioso. E não creio
que os estudantes individuais que se reúnem aqui possam, com
expressão menos completa da vida religiosa orgânica da instituição,
preservar o alto nível da vida religiosa em que, como estudantes de
teologia, devem viver. Vocês observarão que eu não os estou
exortando a “irem à igreja”. “Ir à igreja” em qualquer caso é bom.
Mas os estou exortando a que vão à sua própria igreja — brindar
com sua presença e participação religiosa ativa cada reunião
pública para o culto da instituição como tal. E assim vocês farão sua
parte de dar à instituição uma vida religiosa orgânica, e extrairão da
vida religiosa orgânica da instituição suporte e inspiração para sua
própria vida religiosa pessoal a qual vocês não conseguem em
nenhum outro lugar, e a qual vocês não podem permitir perder —
isto é, se vocês cuidarem bem de sua revitalização e crescimento
religiosos. Ser membro ativo de uma corporação religiosa viva é a
condição do funcionamento religioso saudável.
Estou confiante de que vocês não haverão de dizer-me que os
exercícios religiosos públicos do seminário são numerosos demais
ou são cansativos. Isso seria simplesmente revelar o ponto mais
baixo de sua própria vitalidade religiosa. Os pés daquele cujo
coração é aquecido com o sentimento religioso retornam ao
santuário e arrastam após si os jubilosos passos à casa de oração.
Sou informado que alguns estudantes não se encontram com
disposição devocional nas horas matutinas de uma manhã de
inverno; e no término de uma dura labuta diária de orar se sentem
muito cansados; e, portanto, não acham proveitoso participar das
orações no fim da tarde. Há quem sinta que a pregação no culto
regular do sábado matutino é monótona e desinteressante, e não
encontra Cristo na conferência vespertina de sábado. Creio que já
ouvi essas coisas antes; e esta será para vocês uma pastoral
excepcional, se não ouvem nada igual antes que tivessem uma
pastoral de seis meses. Essas coisas os encontram todos os dias na
rua; são a expressão ordinária do coração que está entorpecido ou
está entorpecendo o apelo religioso. Não são sintomas
esperançosos entre aqueles cuja vida deveria pairar nas altitudes
religiosas. Sem dúvida, os que lhes ministram as coisas espirituais
deveriam levá-las muito a sério. E vocês que são ministrados
deveriam levá-las muito a sério também. E digam-me francamente
que a pregação que vocês achavam insípida já não lhes parece sem
sentido se fielmente obedecem ao preceito do Mestre: “Prestem
atenção no que vocês ouvem”; se vocês não encontrarem Cristo na
sala de conferência, isso se deve porque vocês já não o levam
consigo para lá; se depois de um dia de trabalho ordinário, vocês se
sentem exaustos demais para unir-se com seus colegas a fim de
terminar o dia com oração comum, isso se deve porque o impulso
para a oração é muito frágil em seu coração. Se não há fogo no
púlpito, então cabe a vocês acendê-lo nos bancos da igreja.
Ninguém pode deixar de encontrar Deus no santuário se o leva
consigo para lá.
Quão fácil é transferir a culpa de nossos corações frios para os
ombros de nossos líderes religiosos! Reanima-nos observar como
Lutero, com seu bom senso jovial, lidava com as lamúrias em seus
pregadores evangélicos por não haver neles nenhuma atratividade.
Ele não os enviava para agradar as pessoas, dizia ele, e sua função
não era interessar ou entreter; sua função era ensinar a verdade
salvífica de Deus; e, se eles fizessem isso, então era frívolo que as
pessoas corressem o risco de perecer por falta da verdade,
objetando a qualidade do recipiente em que ela lhes era oferecida.
Por exemplo, quando o povo de Torgau queria exonerar seus
pastores, dizendo que suas vozes eram fracas demais para encher
as igrejas, Lutero simplesmente respondia com o velho refrão:
“Melhor ter alguma dificuldade em ouvir o evangelho do que
nenhuma dificuldade em ouvir o que está muito longe do
evangelho”. E declara outra vez: “O povo não pode ter seus
ministros exatamente como quer; deveriam render graças a Deus
pela verdade pura”, e não exigir que Santo Agostinho e Santo
Ambrósio lhas ensinem. Se um pastor agrada ao Senhor Jesus
Cristo e lhe é fiel, não há pessoa tão grande e poderosa que
também não se agrade dele. Vejam bem: o ponto é que os homens
que sentem fome pela verdade e querem obtê-la, não deveriam ser
exigentes quanto ao prato em que ela lhes é servida. E sua fome
não é satisfeita.
Mas, por que apelarmos para Lutero? Não temos o exemplo
de nosso Senhor Jesus Cristo? Acaso somos melhores que ele?
Seguramente, se já houve alguém que alegasse poderosamente
que o culto comum da comunidade nada tinha que lhe oferecer,
esse alguém foi o Senhor Jesus Cristo. Mas a cada sábado ele era
visto assentado em seu lugar entre o povo adorador, e não havia
nenhum ato de culto público que ele se sentisse autorizado a
descartar. Mesmo em seus ânimos mais exaltados, e após suas
experiências mais elevadas, assumia serenamente seu lugar com o
resto do povo de Deus, partilhando com eles do culto comum da
comunidade. Retornando daquela grande cena batismal em que os
próprios céus se abriram para testificar que ele era o bem amado de
Deus; das rigorosas provações no deserto e da primeira grande
viagem a Galileia em que ele prosseguiu, segundo somos
informados expressamente, “no poder do Espírito Santo”; ele
regressou, como reza o registro: “para Nazaré, onde fora criado, e”
— então prossegue a extraordinária narrativa — “entrou, segundo
seu costume, na sinagoga, no dia de sábado”. “Segundo seu
costume!” Jesus Cristo assumiu como sua prática habitual estar
naquele lugar, no dia de sábado, para o culto público que também
lhe pertencia. “É um lembrete”, como bem insiste Sir William
Robertson Nicoll, “da verdade que, em nossa fantasiada
espiritualidade, somos aptos a esquecer — que a vida pessoal mais
santa dificilmente pode prescindir a determinadas formas de
devoção, e que o culto público regular da igreja, por todas as suas
imperfeições locais e insipidez, é uma provisão divina para sustentar
a alma individual”. Não podemos pretender ser mais sábios que
nosso Senhor nesta matéria. Se porventura alguém pudesse alegar
que esta experiência espiritual era tão sublime que não demandava
culto público; se alguém pudesse sentir que a consagração e
comunhão de sua vida pessoal o isentasse da necessidade
ordinária dos mortais, esse alguém era Jesus. Mas ele não
apresentou tal alegação. Sábado após sábado, ele ainda era
encontrado no lugar de culto, lado a lado com o povo de Deus, não
meramente com o intuito de dar bom exemplo, mas por razões mais
profundas. É razoável, pois, que algum dentre nós creia que
podemos seguramente prescindir ao pio costume da participação
regular com o culto comum de nossa localidade?”. Acaso é
necessário que eu exorte os que pretendem ser como Cristo, vejam
bem se são imitadores dele nisto?
Mas nem mesmo com o uso mais assíduo das expressões
corporais da vida religiosa da comunidade vocês têm alcançado a
pedra fundamental de sua piedade. Isso deveria ser encontrado,
naturalmente, em seus gabinetes; ou, melhor, em seus corações;
em seus exercícios religiosos privativos; e em suas íntimas
aspirações religiosas. Vocês estão aqui na qualidade de estudantes
de teologia; e se querem ser homens religiosos, então que cumpram
com seu dever na qualidade de estudantes de teologia; encontrem
diariamente nutrição para sua vida religiosa em seus estudos
teológicos; que penetrem plenamente na vida religiosa orgânica da
comunidade da qual vocês formam uma parte. Mas, para que façam
tudo isto, vocês têm que manter as fogueiras da vida religiosa
queimando ardentemente em seus corações; no mais recôndito de
seu ser, vocês têm que ser homens de Deus. Faltar-me-ia tempo, se
eu empreendesse delinear com alguma plenitude o método da vida
devota. Toda alma que busca Deus honesta e sinceramente o
encontra; e, ao encontrá-lo, encontra o caminho para ele. Alguém
me sugere que eu lhes dê, particularmente adaptado a vocês na
qualidade de estudantes para o ministério: manter sempre em sua
mente a grandeza de sua vocação; isto é, estas duas coisas: a
imensidade da tarefa que jaz diante de vocês; a infinidade dos
recursos à sua disposição. Creio não ter sido ocioso dizer que, se
encararmos a tremenda dificuldade do trabalho que está diante de
nós, certamente cairemos sobre nossos joelhos; e se dignamente
avaliarmos o poder do evangelho a nós confiado, certamente isso
nos manterá de joelhos. Sou levado a distinguir esta consideração
particular, porque me parece que já atingimos a idade em que cada
um de nós tem grande necessidade de lembrar-se com seriedade
da vida e seus resultados e da seriedade de nossa vocação como
ministros destinados para a vida. Sir Oliver Lodge nos informa que
“os homens de cultura não se preocupam”, atualmente, “com seu
pecado, muito menos com sua punição”; e o Dr. Johnston Ross nos
anuncia uma homília muito necessária daquele texto sobre a
“frivolidade da busca religiosa moderna”. Em uma época como esta,
talvez não seja estranho que observadores cuidadosos da vida de
nossos seminários teológicos nos informam que a coisa mais
notável sobre isso é certa ausência da intensa seriedade de
perspectiva pela qual os estudantes de teologia foram outrora
caracterizados. Esperemos que isto não seja assim. Se fosse assim,
seria um grande mal; já que é verdade, é um grande mal. Eu
chamaria sua atenção para esta seriedade da perspectiva e os
convido a cultivá-la, caso sejam homens de Deus agora, e ministros
que não necessitem de se envergonhar doravante. Pensem na
grandeza da vocação dos ministros; a grandeza dos resultados que
pendem sobre sua dignidade ou sua indignidade para suas sublimes
funções; e determinem uma vez por todas que, com o auxílio de
Deus, vocês serão dignos. No dizer de Thomas Goodwin, “Deus só
teve um Filho, e fez dele um ministro”. E no dizer de John Newton,
“ninguém, senão aquele que fez o mundo, pode fazer um ministro”
— isto é, um ministro que seja digno.
Naturalmente, você pode ser um ministro de um tipo que não
foi feito por Deus. Vocês podem ser embalados pelos impulsos do
trabalho, e não direi que seu trabalho será fútil — pois Deus é bom,
e quem sabe quais instrumentos ele pode operar sua vontade em
prol dos homens de bem? Helen Jackson retrata em grande medida
uma experiência comum quando pinta o desespero de alguém que,
ao semear, ainda que não sem fruto para outros, não faz nenhuma
colheita em sua própria alma.
Ó mestre, então eu disse, teus anos Não resultam em alegria?
Cada palavra que sai De teus lábios não retorna para
abençoar Teu próprio coração de muitas dobras?
Ouçam a resposta: Pereço de fome enquanto piso seu grão,
Morro de trabalhar enquanto suas almas nascem.
Ela não tem em mente qual a parte totalmente má que estou
lendo aqui. Mas o que Paulo tem em mente quando pronuncia essa
terrível advertência: “Para que quando tiver pregado a outros, eu
mesmo não seja desclassificado”. E há uma contingência ainda
mais terrível. É nosso próprio Salvador que nos diz ser possível que
atravessemos mar e terra e façamos um prosélito, e quando o
tivermos feito nós mesmos sejamos duplamente filhos do inferno. E
porventura não estamos correndo terrível risco de fazer de nossos
prosélitos filhos do inferno, se nós mesmos não nos tornamos filhos
do céu? Inclusive as águas físicas não subirão acima de sua
nascente: as enchentes espirituais são ainda menos tratáveis que
nossos mandamentos. Não há equívoco mais terrível do que supor
que a atividade no trabalho cristão pode provir das profundas
afeições cristãs.
Esta é a razão por que muitos bons homens hoje estão
meneando levemente suas cabeças ante a tendência que fantasiam
quando veem aumentar entre nossos jovens trabalhadores cristãos
a incansável atividade no aparente custo de profunda cultura
espiritual. A atividade, naturalmente, é boa. Seguramente, na causa
do Senhor devemos correr sem nos cansar. Mas não quando ela é
substituída pelo vigor espiritual do íntimo. Não podemos lograr muito
sem nossas Martas. Mas o que faremos quando, através de toda a
extensão e largura da terra, buscarmos em vão uma Maria?
Naturalmente, as Marias serão tão pouco admiradas pelas Martas
de hoje como as de outrora. “Senhor”, gritou Marta, “tu permites que
minha irmã me deixe servir sozinha?”. E daquele tempo em diante
tem subido continuamente o clamor contra as Marias que gastam
seu precioso unguento que poderia ser dado aos pobres, quando o
gastam com Deus, e são ociosos quando se assentam aos pés do
Mestre. Um ministro, grande na estima das igrejas, é ainda citado
como a declarar – não confessando, lembrem-se, mas publicando
por toda parte como algo em que se gloriava — que há muito tempo
ele deixara de orar: agora ele trabalha. Tudo indica que “trabalho e
oração” já não são o moto ao menos da vida ministerial. Dedica-se
todo o tempo ao trabalho e nenhum à oração; a única oração
prevalecente — somos informados com o mesmo cinismo com que
nos é dito que Deus está do lado dos maiores batalhões —, é
apenas o trabalho. Vocês dirão que isto é um caso extremo. Graças
a Deus que assim é. Mas, nas tendências de nossa vida moderna, a
qual tudo faz por incessante — eu quase disse sem pensar, sem
sentido — atividade, cuidem bem que este não se torne o seu caso;
ou que seu caso — mesmo agora — não tenha ao menos alguma
semelhança com ele. Vocês oram? Quanto tempo vocês oram? Que
lugar em sua vida tem a “hora tranquila”, sozinhos, com Deus?
Tenho certeza que, se vocês uma vez tiverem um genuíno
vislumbre do que é o ministério da cruz, para o qual ora vocês estão
se preparando, e do que vocês, como homens que se preparam
para este ministério, então orarão: Senhor, quem é suficiente para
estas coisas? — será o clamor de seu coração; e toda sua alma se
contorcerá com a petição: Senhor, faze-me suficiente para estas
coisas. O velho Cotton Mather certa vez escreveu um grande
livrinho, para servir como guia aos estudantes para o ministério. O
título não muito feliz que ele lhe deu é Manductio ad Ministerium.
Mas, por um golpe de gênio, ele adicionou um subtítulo que é mais
significativo. E este é o subtítulo que ele adicionou: The angels
preparing to sound the trumpets [Os anjos se preparando para tocar
as trombetas]. É assim que Cotton Mather chama vocês,
estudantes, para o ministério: os anjos se preparam para tocar as
trombetas! Tomem para si o título, e vivam de acordo com ele.
Dediquem seus dias e noites para viver de acordo com ele! E então,
quem sabe, quando vocês passarem a tocar as trombetas, a nota
será pura, clara e forte, e pode ser que ela penetre até mesmo o
túmulo e desperte os mortos.

[1] Este é um discurso enunciado pelo Dr. Warfield no Autumn Conference at Princeton
Theological Seminary em 4 de outubro de 1911. Sua discussão sobre a relação entre
estudar teologia e manter a espiritualidade pessoal [onde Warfield usa “religioso”, hoje a
maioria usa o termo “espiritual”] merece a atenção renovada dos líderes cristãos do futuro
e do presente. A epítome preliminar é uma adição editorial ao artigo original.

Você também pode gostar