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Letras em dia, Português, 11.

° ano Questão de aula – Educação Literária

Nome: N.º: Turma:

Avaliação: O(A) professor(a):

Padre António Vieira, Sermão de Santo António


Lê atentamente o excerto do Sermão de Santo António que se segue.

Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão Polvo,
contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que São Basílio, e Santo Ambrósio.
O Polvo com aquele seu capelo1 na cabeça parece um Monge, com aqueles seus raios
estendidos, parece uma Estrela, com aquele não ter osso, nem espinha, parece a mesma
5 brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão
santa, testemunham contestamente 2 os dois grandes Doutores da Igreja Latina, e Grega, que o
dito Polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do Polvo primeiramente em se vestir,
ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores, a que está pegado. As cores, que no
Camaleão são gala, no Polvo são malícia; as figuras, que em Proteu 3 são fábula4, no Polvo são
10 verdade, e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no
lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se
da cor da mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede que outro peixe inocente da traição vai
passando desacautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano,
lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas? Não fizera mais; porque
15 nem fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros O prenderam: o polvo é o que abraça, e mais
o que prende. Judas com os braços fez o sinal, e o Polvo dos próprios braços faz as cordas.
Judas é verdade que foi traidor, mas com lanternas diante: traçou a traição às escuras, mas
executou-a muito às claras. O Polvo escurecendo-se a si tira a vista aos outros, e a primeira
traição, e roubo, que faz, é à luz, para que não distinga as cores. Vê, Peixe aleivoso 5, e vil, qual
20 é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor.

VIEIRA, Padre António, 2014. «Sermão de Santo António». In Obra Completa


(Direção de José Eduardo Franco e Pedro Calafate). Tomo II. Volume X (Sermões Hagiográficos I).
Lisboa: Círculo de Leitores (p. 162)

1. capelo: capuz; 2. contestamente: com testemunho uniforme; 3. Proteu: deus do mar que tinha a capacidade de se metamorfosear;
4. fábula: falsidade; 5. aleivoso: traidor.

1. Identifica três recursos expressivos utilizados no excerto e esclarece o seu valor.

2. Justifica a aproximação do Polvo ao Camaleão e a Judas, atendendo à intenção crítica do pregador.

3. Caracteriza o tipo humano que o Polvo simboliza, tendo por base o excerto do Sermão de Santo
António transcrito.

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Letras em dia, Português, 11.° ano Sugestões de resolução

Padre António Vieira, Sermão de Santo António


1. O Polvo é apresentado por meio de comparações (ll. 3-5) que aproximam a sua aparência física de
elementos marcados pela santidade, luminosidade e mansidão, intensificando a diferença entre a sua
aparência (o que parece) e a sua essência (o que efetivamente é). Com a mesma intenção, o orador serve-se
também do paradoxo («hipocrisia tão santa», l. 5). O paralelismo sintático (ll. 8-12) salienta a capacidade
metamórfica do Polvo, de que se serve para concretizar a «emboscada» (l. 13) a outro peixe, e as
interrogações retóricas chamam a atenção do auditório para a gravidade do comportamento do Polvo,
inclusivamente quando comparado com o de outras figuras (Proteu e Judas).
2. O Polvo tem em comum com o Camaleão a capacidade de poder alterar a sua cor em função do ambiente
em que se encontra. Contudo, este fá-lo por «gala» (l. 8), como ornamento, ao passo que o visado pelo
orador o faz por «malícia» (l. 9). Com Judas, o Polvo partilha a traição, mas, em relação àquele, pratica-a de
forma mais condenável, por se disfarçar e dissimular a sua presença. A aproximação ao Camaleão e a Judas
visa, no contexto do excerto, intensificar negativamente as características do Polvo merecedoras das
repreensões do pregador.
3. O Polvo simboliza o homem traidor, que não olha a meios para atingir os seus fins. Para evidenciar esta
característica, o pregador faz referência ao comportamento do Polvo, que, dotado de mimetismo (capacidade
de mudar de cor, de acordo com os locais em que se encontra), se oculta para, inesperadamente, atacar as
suas presas.

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