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FERNANDO PESSOA, POESIA DOS HETERÓNIMOS

ESCOLA:____________________________________________ DATA: _____/_____/______


ANÁLISE
PASSO A PASSO
NOME:_____________________________________________ N.o: ______ TURMA: ______
2
EXEMPLIFICAÇÃO
Acompanhe a análise que se propõe, tendo por base um poema de Alberto Caeiro.

XXVIII – Li hoje quase duas páginas

Apresentação do facto – leitura de


duas páginas de um livro – e reação
do “eu”.

Avaliação, através da associação aos


filósofos, da atitude dos “poetas místicos”.

Justificação para o facto de considerar


doidos quer os filósofos quer os poetas
místicos.

A • 2023 • Sentidos 12

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ANÁLISE PASSO A PASSO — FERNANDO PESSOA, POESIA DOS HETERÓNIMOS

Li hoje quase duas páginas


Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.

Os poetas místicos são filósofos doentes,


5 E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem


E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas as flores, se sentissem, não eram flores,


10 Eram gente; Razões justificativas para a
recusa da atitude metafisica
E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras; adotada pelos poetas
E se os rios tivessem êxtases ao luar, místicos/filósofos.
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios


15 Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios, Continuação da critica e condenação das
E falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos. atitudes subjetivas dos outros, dado que
as coisas são apenas o que se vê e, para o
Graças a Deus que as pedras são só pedras, sujeito poético, é só isso que importa.
E que os rios não são senão rios,
20 E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos


E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora; Reforço da atitude assumida pelo sujeito
poético perante a Natureza –basta vê-la
E não a compreendo por dentro por fora, porque esta não tem dentro.
25 Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.

“O guardador de rebanhos”, in Fernando Pessoa,


Poemas de Alberto Caeiro, Lisboa, Edições Ática,
1946 [10.a ed., 1993].

© Edições ASA • 2023 • Sentidos 12

Costa Pinheiro,
A cadeira e a mesa do poeta Fernando Pessoa, c. 1980.

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ANÁLISE PASSO A PASSO — FERNANDO PESSOA, POESIA DOS HETERÓNIMOS

Análise passo a passo


1.o Primeira leitura para, conhecendo as características formais e as linhas temáticas do
heterónimo pessoano, perceber a recusa do pensamento e o primado das sensações, num texto
poético de irregularidade estrófica e métrica, ao serviço da livre expressão do pensamento.
o
2. Segunda leitura, atentando nos seguintes aspetos:
− pontuação neutra, dominando as frases declarativas, o que indicia a objetividade;
− uso escasso da 1.a pessoa gramatical, servindo apenas para marcar a distanciação entre o
poeta e os outros que assumem posturas diferentes das dele;
− recursos expressivos praticamente inexistentes, observando-se a personificação nos
momentos em que se refere o modo como os poetas místicos veem o que os rodeia, a
antítese entre “fora e “dentro” e a enumeração (vv. 14 e 16);
− sentido global: apologia das sensações para alcançar o conhecimento e captar a realidade.
3.o Leitura das questões e seleção dos elementos que permitirão responder.

Leia agora as questões apresentadas e, atendendo ao sentido dos verbos de comando, veja
como poderia responder.

1 Descreva o estado emocional do sujeito poético.


A resposta deve ter em consideração as atitudes do sujeito poético e as teses que defende.
Assim:

O sujeito poético mostra-se irónico e sarcástico em relação às interpretações subjetivas dos


poetas. Em contrapartida, sente-se contente por compreender a Natureza por fora, isto é,
captada pelos sentidos, tal e qual ela se lhe apresenta aos olhos e aos ouvidos, revelando a sua
forma simples de ver as coisas, a sua objetividade.

2 Explicite a oposição estabelecida entre o “eu” e os poetas místicos.


Para responder, deverá atentar nas três primeiras estrofes, dado que nelas se descreve o
comportamento dos poetas místicos face à Natureza, sendo estes identificados com os
filósofos. A partir da 4.a estrofe, surge a posição assumida pelo sujeito poético,
constatando--se a atitude oposta que assume e que deverá explicitar:

O sujeito poético interpreta a Natureza por fora, vendo-a e sentindo-a na sua essência,
opondo-se à procura de sentidos profundos e chamando doidos àqueles que o fazem por se
assemelharem aos filósofos que buscam significados que as coisas na sua essência não têm.
Por isso, enquanto o sujeito poético é um homem simples, a quem basta ver e ouvir para
compreender, os poetas místicos são doentes dos olhos, vendo para lá da realidade, sendo,
por isso, complicados.

3 Atente nos tempos e modos verbais e explique a sua funcionalidade.


Antes de responder à questão, terá de sublinhar as formas verbais presentes no texto,
identificando o tempo e o modo em que se encontram. Deve também ter a noção do valor
do modo indicativo, do conjuntivo e do condicional para poder concluir que a
predominância do primeiro se coaduna com a filosofia adotada por Caeiro:

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ANÁLISE PASSO A PASSO — FERNANDO PESSOA, POESIA DOS HETERÓNIMOS

Os tempos verbais alternam entre o presente do indicativo, o pretérito imperfeito do conjuntivo e


uma forma no condicional, o que se justifica pelo facto de o primeiro (que domina) remeter para o
presente e para a factualidade, ou seja, para factos concretos, associando-se à objetividade
privilegiada pelo sujeito poético, enquanto o segundo e o terceiro apontam para o hipotético, o irreal,
tal como são as teorias ou ações dos poetas místicos.

APLICAÇÃO

Leia o poema e responda de forma completa às questões apresentadas.

Mestre, são plácidas


Mestre, são plácidas 25 O tempo passa,
Todas as horas Não nos diz nada.
Que nós perdemos. Envelhecemos.
Se no perdê-las, Saibamos, quase
5 Qual numa jarra, Maliciosos,
Nós pomos flores. 30 Sentir-nos ir.

Não há tristezas Não vale a pena


Nem alegrias Fazer um gesto.
Na nossa vida. Não se resiste
10 Assim saibamos, Ao deus atroz
Sábios incautos, 35 Que os próprios filhos
Não a viver, Devora sempre.

Mas decorrê-la, Colhamos flores.


Tranquilos, plácidos, Molhemos leves
15 Tendo as crianças As nossas mãos
Por nossas mestras, 40 Nos rios calmos,
E os olhos cheios Para aprendermos
De Natureza… Calma também.

À beira-rio, Girassóis sempre


20 À beira-estrada, Fitando o sol,
Conforme calha, 45 Da vida iremos
Sempre no mesmo Tranquilos, tendo
Leve descanso Nem o remorso
De estar vivendo. De ter vivido.
12-6-1914
Odes de Ricardo Reis, Fernando Pessoa (notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor),
Lisboa, Ática, 1994, p. 13 (disponível em http://arquivopessoa.net).

1 Justifique a utilização da primeira pessoa do plural.

2 Caracterize a relação entre “nós” e o “tempo”. © Edições ASA • 2023 • Sentidos 12

3 Interprete o valor simbólico das referências às “flores” (vv. 6 e 37), aos “Girassóis” (v. 43) e aos
“rios” (v. 40).

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ANÁLISE PASSO A PASSO — FERNANDO PESSOA, POESIA DOS HETERÓNIMOS

4 Explicite a funcionalidade do tempo e modo verbais presentes nas formas “saibamos” (vv. 10 e
28); “Colhamos” (v. 37) e “Molhemos” (v. 38).

5 Identifique o recetor da mensagem do sujeito poético.

6 Sintetize a filosofia de vida que Ricardo Reis expressa no poema.

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