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BELO HORIZONTE
2015 / 1o Semestre
Introdução
Alberto Caeiro disse de si como um sujeito simples, que conduzia sua vida a partir de uma
constituído e orientado pelos sentidos e pela natureza. O fato de ter sido denominado ‘mestre’
complexidade poética e filosófica que, sob a forma de simplicidade, ele inscrevia. A relação
metatextual estabelecida a posterior por seus discípulos jamais seria entendida por Caeiro.
Como explicitou Eiras1, a relação instaurada entre mestre e discípulos, agrupa-os em um sistema
coeso e baseia-se nas contradições e diferenças identitárias entre eles, propostas completamente
Caeiro usou linguagem direta, sem rimas, em primeira pessoa do singular, tom confessional,
em “forma de versos tão livres da métrica quanto de qualquer escola ou movimento datável,
Apesar da constatação de Moisés, há alguns poemas que apresentam rimas, como foi ressaltado por
Jorge Uribe, em artigo publicado na revista Estranhar Pessoa, Jorge Uribe apresenta versões
tive ocasião de referir alguns poemas bucólicos, muito bem rimados, que surgem nas mesmas
folhas duplas onde foram redigidas alguns dos primeiros poemas de Caeiro. Desses poemas,
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EIRAS,2005,p.?
2
PERRONE-MOISES, 2001, p.149
3
Revista Estranhar Pessoa, 2014, p.30
incide sobre a proximidade, conceitual e formal, da obra do mestre com a prática vivência
oriental do Zen. Além da questão fundamental comum, a dissolução da fronteira entre sentir e
Desenvolvimento
A escolha do título “saída/saúde” para introduzir o estudo sobre Caeiro ressalta o caráter
heterônimo. Tal fato pode ser observado na carta 4 de Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues, do
dia 19 de Janeiro de 1915, sobre o surgimento dos heterônimos e nos poemas ao mestre
dedicados. Pessoa refere-se aos heterônimos como sinceros por terem sido vividos e sentidos,
o que, de acordo com Eiras, implicaria na convivência intra e extra-texto entre eles. Sobre
isso, Eiras chamaria “autêntica” a relação entre os pseudônimos, por estarem de acordo com
“Para Pessoa, a busca de uma saída via Caeiro não é apenas mais uma
especulação filosófica ou mera experimentação poética, mas questão de
sobrevivência: saúde e salvação. Sofrendo agudamente da doença ocidental,
debatendo-se na busca de um ‘eu profundo” que quanto mais se busca mais
se perde- porquanto o pensamento se volta, afiado e aniquilador, contra o
próprio ser pensante-Pessoa foi ao extremo desse descaminho até o ponto em
que essa doença toma o nome de loucura, paralisa e mata ” 6
http://arquivopessoa.net/textos/3510
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Grifo da autora.
6
PERRONE-MOISES,2001, p.148
Pessoa, o “drama em gente” 7, como ele próprio sinaliza em sua obra, cuja angústia da
identidade foi serena do apenas em Caeiro através da despersonalização dramática, entendida
como uma ilusão.
Apesar de Caeiro ter sido uma luz para os outros heterônimos,sua poéticaestava imbuída de
Nesse ínterim, Caeiro apresenta-nos sua poética como uma saída existencial para si mesmo,
provocadas pela mediação dos conceitos que se antecipam à vivência pessoal. Interessado no
cosmogônica bíblica “Deus viu que era bom”, recorrente no primeiro livro do Gênesis:
De todos os filósofos e de todos os poetas. A luz do sol não sabe o que faz
Nesse trecho pode-se observar a importância dada pelo poeta ao contato direto, sensível, com
A recusa do mestre à separação entre sensação e conceitoé coerente com um modo de vida
mergulho cego no instinto, mas recusa da supremacia da razão, de sua posição hegemônica na
cultural ocidental.
Para Caeiro, o caráter deformante da razão era um impedimento para a relação pura e, por
isso, tomada como verdadeira, com o mundo, experiência semelhante ao olhar inaugural da
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BERARDINELLI, 2012, p.84
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BERARDINELLI, 2012, p.84
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http://arquivopessoa.net/textos/2718
Moisésoferece mais ‘um ângulo de leitura cabível à poesia pessoana’ ao posicionar a escrita e
A autora chama a atenção para o fato de o Zen não ser uma filosofia discursiva, mas uma
sabedoria existencial vivida como práxis. “O Zen é um modo de viver o corpo que liberta a
mente e não, como nas filosofias ocidentais, uma mentalização que visa dirigir a existência
[...]” 13.
“Através da prática Zen, busca-se libertar os objetos da sobrecarga intelectual que lhes
impomos pela razão, aliviar dessa carga o corpo e o próprio eu-pensante, a fim de desfazer a
Sobre o preceito físico da prática Zen, como a experiência Zen do mestre Caeiro, é um modo
de viver o cotidiano elementar sem revesti-lo com ideias, simplicidade que exige
13
PERRONE-MOISES,2001, p.153
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PERRONE-MOISES,2001, p.154
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http://arquivopessoa.net/textos/4398
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma. ”16
No trecho do poema supracitado, Caeiro critica a ideia de uma poesia que vem do cálculo ,
florir”. A crítica da não espontaneidade, do agir conforme aprendido, também estão expressos
no uso das palavras “carpinteiro” e ‘poetas que são artistas’. A crítica da ideia de
desejar ou esperar das coisas, além daquilo que elas oferecem em si, na terceira estrofe do
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http://arquivopessoa.net/textos/3436
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BERARDINELLI, 2001, p.97
nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.”
Contentar-se com isso é a chave para a felicidade, é menos uma proposta de conformismo,
que implicaria em expectativa seguida de frustração, do que de não desejar algo além das
conciliada que o poeta lida com a morte ou com a possível não publicação de seus poemas,
A conformidade com as coisas como são, com as experiências que se esgotam em si mesmas,
alinha ao pensamento do mestre, além do desapego, a ideia de tempo e anoção de
permanência do Zen.
Para referir-se ao tempo, Caeiro evoca elementos situações naturais, cíclico, feito de
nascentes, poentes e estações do ano, escreveu ‘hojes’ e ‘amanhãs’ em poemas não datados.
Sua poética não oferece ao leitor referências mais datáveis, como possíveis menções
amateriais,- caneta, lápis ou pena -, que, ainda que imprecisamente, poderiam indiciar um
tempo histórico.
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BERARDINELLI, 2001, p.102
19
BERARDINELLI, 2001, p.103
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BERARDINELLI, 2001, p.82
Caeiro resume sua vida pelos dois marcos naturais mais definitivos, seu nascimento e morte:
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus [...] ”21
A identificação apenas desses dois momentos, deve-se ao fato de serem condições universais
aos viventes. Os interstícios não foram detalhados porque são relacionados à subjetividade,
que é interessante no presente - e ao corpo que o vivencia.
Pensar o verso “Se eu morrer novo [...]”, a sugestão da morte como algo que acontece mais de
uma vez ao mestre, revela a visão de si, de Caeiro, como elemento natural, existência
transitória em tempo cíclico, que permanece, paradoxalmente, através de suas mudanças.
“[...] Quando a única casa artística é a Terra toda
21
BERARDINELLI, 2012, p. 106
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http://arquivopessoa.net/textos/3436
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http://arquivopessoa.net/textos/683
Ainda em consonância com os princípios do Zen, além do desapego, Moisés, ressalta a
despretensão e solidão:
ao morrer, num processo que não é de auto-anulação, mas, pelo contrário, de intensa
Moisés aponta afinidades entre os poemas de Caeiro e os haicais, expressões verbais sintéticas
De fato, pode-se encontrar , segundo a autora, dentre os blocos de versos do mestre, que
E abanavam o espaço
O deleite, resultante da experiência direta com algo natural, a ponto de suspender, por
satori. Os haicais buscam comunicar a natureza dos satoris, a experiência e emoção que,
embora física, não está ancorada “a um eu caracterizado, único e insubstituível”. Para Moisés,
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BERARDINELLI, 2012, p. 80
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PERRONE-MOISES, 2001, p.169
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PERRONE-MOISES, 2001, p.181
o poeta de haicai é antes de tudo um visualizador; para usar a expressão de Caeiro, “é alguém
Conclusão
Longe de ser o resultado definitivo de uma pesquisa, as considerações realizadas aqui são os
primeiros passos de uma futura investigação a ser realizada. A aposta é que as questões
suscitadas por Fernando Pessoa, sobretudo em Alberto Caeiro, possam iluminar o caminho de
everso,mas que exatamente pela da mudança de meios, permanecem as mesmas como se pode
Referências:
BERARDINELLI, Cleonice (ORG). Fernando Pessoa - Antologia Poética. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra. 2012
EIRAS, Pedro. Esquecer Fausto- a fragmentação do sujeito em Raul Brandão, Fernando Pessoa,
Herberto Helder e Maria Gabriela Lhansol. Porto: Campos das Letras, 2005. (parte sobre Fernando
Pessoa)
https://www.academia.edu/9303152/Revista_Estranhar_Pessoa_n.o_1_Caderno_do_dia_triunfal -
PERRONE-MOISES, Leyla. “Caeiro Zen”. In: Aquém do Eu, Além do Outro. 3. ed. Martins Fontes.
PERRONE-MOISES, Leyla. “Pessoa de todos (os) nós”. In: Inútil Poesia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.p.145-150