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A questão dos heterônimos

Três Teses a definir…


A questão dos heterônimos
O desdobramento em dois não é exclusivo de
Fernando Pessoa:
1. Há um Camões lírico, introspectivo, elegíaco, e
um Camões épico, visionário, mítico;
2. Vê-se em Antero um luminoso, a divisar na
utopia a salvação da humanidade;
3. Contudo, a multiplicidade de personalidade, que
ocorre em Pessoa, é que é fato raro, senão
único.
Massaud, 1998, p.75
A questão dos heterônimos
“Cada heterônimo é uma entidade autônima,
com caráter próprio, vida própria, e uma visão
pessoal do mundo, não obstante se
completarem entre si e mais o seu criador,
numa unidade na diversidade (…)”.
COELHO, Jacinto do Prado, 1994
A questão dos heterônimos
Primeira Tese:
• João Gaspar Simões: “o enigma do eros”; começa a
acreditar na “homossexualidade” do poeta, uma
“homossexualidade” platônica, ou, quando pouco,
“uma sexualidade anormal”.
• Segundo o autor, “o de alguém que não logrou realizar-
se sexualmente mercê de uma inibição com raízes
numa fixação sexual infantil, a qual afastou do adulto
qualquer possibilidade de vir a encontrar-se com
criaturas do sexo daquela que foi causa prematura
dessa fixação sexual…”
(pp.78-79)
A questão dos heterônimos
Segunda Tese:
• Em 1973, Eduardo Lorenço publica o seu
Fernando Pessoa Revisitado.
• Nele, defende a tese de que “nos alicerces do
labiríntico universo de Pessoa, como na memória
cega de Édipo, há um pai, se não assassinado,
integrado sem deixar rasto”. A ausência da figura
do pai o faria criar e ser pai de tantos.
(p.80)
A questão dos heterônimos
Terceira Tese:
• A “histeroneurastenia” afirmada pelo próprio
poeta, a tendência para a mudança de humor
que geraria a mudança de personalidade.
“Desde criança tive a tendência para criar em
meu torno um mundo ficctício, de me cercar
de amigos e conhecidos que nunca existiram”.
Pessoa
A questão dos heterônimos
“Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a
um deus diferente”.
Pessoa
A questão dos heterônimos
Quarta tese:
Para Massaud Moisés, Pessoa criou os heterônimos para
ser livremente, autorizadamente, contraditório. Mas
assim, inventando-se outros, que extraía do próprio
“eu”, deixava de ser contraditório, uma vez que não é
contradição o fato de cada heterônimo pensar por
conta própria, diferentemente dos outros, como se
fossem personalidades vivas e autônimas. Era preciso
ser todos sem deixar de ser o que se é, e ao mesmo
tempo ser todos como se deixasse de ser o que se é.
(p.85)
A questão dos heterônimos
Alguns heterônimos:
1. Alberto Caeiro - poeta;
2. Álvaro de Campos - poeta;
3. Ricardo Reis - poeta;
4. Bernardo Soares – prosador;
5. Alexandre Search – ensaísta -;
6. Crosse – escitor inglês;
7. Vicente Guedes; A. Mora; C. Pacheco… entre
outros…Ele mesmo, Fernando Pessoa.
A questão dos heterônimos
Alberto Cairo
• Nasceu em 1889, morreu em 1915, de
tuberculose;
• Nasceu em Liboa, mas viveu toda sua vida no
campo;
• Não teve profissão nem educação;
• Era de estatura mediana, aparência frágil,
morreram-lhe cedo o pai e a mãe;
• Sobrevivia de pequenos rendimentos.
A questão dos heterônimos
Ricardo Reis
• Nasceu em 1887 (“não me lembro do dia”-
Pessoa), no Porto;
• Era médico vivia no Brasil desde 1912, pois se
expatriou por se decepcionar com a monarquia;
• Mais baixo do que Caeiro, mais seco e mais forte;
• Educado num colégio de jesuítas, por educação
alheia, é um latinista e um semi-helenista por
educação própria.
A questão dos heterônimos
Álvaro de Campos
• Nasceu em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890 (às 1h30
da tarde, pois feito o horóscopo para essa hora está certo);
• É engenheiro naval, vive em Lisboa;
• É alto (1,75), magro e um pouco tendente a cuvar-se, entre
branco e moreno, tipo vagamente de judeu português,
cabelo liso e normalmente apartado ao lado, usa
monóculo;
• Teve uma educação vulgar de liceu, depois foi para a
Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica, depois
naval. Quem lhe ensinou latim for a um tio beirão que era
pobre.
A Heteronímia em Versos
“O Guardador de rebanhos”
Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos é uma obra
composta de 49 poemas ou partes, que
começam a ser datados em 8 de março de
1914.
O livro é assinado por Alberto Caeiro, um dos
heterônimos do poeta Fernando Pessoa.
É um dos marcos do modernismo por sua livre
descrição das sensações e pensamentos do eu
lírico.
“O Guardador de rebanhos”
• O poema defende a ideia da superioridade do sentir sobre
o pensar.
• É impregnado de panteísmo, ou seja, a ideia de que a
divindade não está em um deus, mas na união com os
elementos da natureza, muito citados ao longo da obra.
• As estrofes, que podem ser lidas como poemas avulsos,
formam uma sequência e podem ser entendidas como um
dia na vida do guardador de rebanhos.
• Não há metafísica nem mistério, somente uma
contemplação calma da natureza, em que o pensar passa
pelo sentir.
• Vemos o mundo pelos olhos do eu lírico, que usa a
observação da natureza para falar sobre a vida.
“O Guardador de rebanhos”
• Talvez a melhor definição para o poema seja de outro
heterônimo de Pessoa, Álvaro de Campos, publicado no
pósfácio do Guardador de Rebanhos: “Era como a voz da
terra, que é tudo e ninguém”.
• Na parte 8, percebe-se uma visão contra os dogmas
católicos, o poeta faz a descrição de seu encontro e
convivência com o menino Jesus.
• A respeito dessa parte do poema, o próprio Pessoa diz
“Escrevi com sobressalto e repugnância o poema oitavo de
O Guardador de Rebanhos com sua blasfêmia infantil e seu
antiespiritualismo absoluto”.
• Talvez por esse conflito interior essa parte do poema só
tenha sido publicada posteriormente.
“O Guardador de rebanhos”
• Embora tenha linguagem simples, sem recorrer a metáforas ou a
outras figuras de linguagem, o que facilita a sua leitura, não se trata de
um poema fácil.
• O eu lírico afirma, nega e questiona o sentido da vida e do mundo.
Parece ter as respostas, mas na verdade não as tem, e, de certa forma,
obriga o leitor/interlocutor a descobri-las.
• O seu mundo simples torna-se muito rico para o leitor, pois leva a uma
série de interpretações. Permite assim que o leitor exercite sua própria
leitura.
• Dentro de sua simplicidade e da aparente negação do pensar, o eu
lírico de Guardador de Rebanhos, na verdade, convida o leitor à
reflexão sobre o mundo que o cerca..
• Caeiro , constrói seu ‘Menino Jesus’ como arquétipo da infância e seu
viver lúdico”
• A humanização consagrada do menino Jesus chega ao ponto dele
afirmar que “é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta
sempre”.
“O Guardador de rebanhos”
• A estrofe seguinte começa com maiúsculas: “A Criança
Nova que habita onde vivo/Dá-me uma mão a mim/ (...)
Que não há mistério no mundo/ E que tudo vale a pena”
• Este último verso dialoga com os famosos versos de “Mar
português”, do livro Mensagem: “Valeu a pena? Tudo vale
a pena/ Se a alma não é pequena”.
• Trata-se de uma estrofe com filosofia existencial, corrente
filosófica que surgirá algumas décadas depois (o
Existencialismo).
• “O mais filósofo dos heterônimos de Pessoa afirma não ter
filosofia. Mero jogo retórico. A sua filosofia parte
justamente da negação da própria filosofia”.
“O Guardador de rebanhos”
• Destaque-se, ainda, uma inversão do sujeito que antes havia
sido apresentado como “Eterna Criança” e agora é a “Criança
Eterna”. Esse segundo sujeito, mais forte, está bem mais
próximo e íntimo. A voz lírica metonimicamente se encanta
pelo novo ser.
• O sagrado nunca esteve relacionado no canto de Caeiro como
algo posto, inatingível ou mesmo condenável pelos
ensinamentos cristãos.
• É como se ele quisesse compor uma nova ordem, a ordem do
texto poético. Ele procura e recupera a ordem estabelecida
entre Deus e o homem.
• Isso não significa ter que abrir mão do terreno espiritual e
optar pelo plano terreno ou vice-verso. O poema todo tenta
fugir do modelo mítico ou de qualquer outro paradigma.
“Ode Triunfal”
Álvaro de Campos

Importância do título:
• A palavra ode, de origem grega, significa cântico
laudatório ou de exaltação de uma pessoa,
instituição ou acontecimento.
• Com o epíteto de Triunfal, pretendeu o poeta
hiperbolizar o significado de ode, apontando para
qualquer coisa de grandioso, não apenas no
conteúdo, mas também na forma, imprimindo-
lhe uma sugestão de força ou exagero, em nítida
coerência com a estética do Futurismo/
Sensacionismo.
“Ode Triunfal”
Assunto:
• Sob influência de Marinetti e Walt Whitman, a Ode
Triunfal canta o triunfo da técnica, as máquinas, os
motores, a velocidade, a civilização mecânica e
industrial, o comércio, os escândalos da
contemporaneidade...
• Sentir tudo de todas as maneiras é o ideal
esfuziantemente revelado pelo sujeito poético, sentir
tudo numa histeria de sensações, que lhe permitam
identificar-se com as coisas mais aberrantes («Ah,
poder exprimir-me todo como um motor se exprime!/
Ser completo como uma máquina!»).
“Ode Triunfal”
A temporalidade unificada:
• O fluir do tempo é o presente, o instante em
que o sujeito poético se mostra permeável a
todos os estímulos da civilização mecânica e
industrial, porque o presente é uma síntese do
passado e do futuro («Porque o presente é
todo o passado e todo o futuro...»; «Eia todo o
passado dentro do presente! / Eia todo o
futuro já dentro de nós!»).
“Ode Triunfal”
A atração erótica pelas máquinas:
• Esta visão excessiva e intensa do real provoca no sujeito poético um
estado de quase alucinação, marcadamente sensual: «Fazendo-me um
excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.»; «Poder ao menos
penetrar-me fisicamente de tudo isto,/ Rasgar-me todo, abrir-me
completamente...»; «Amo-vos carnivoramente,/ Pervertidamente...»;
«Possuo-vos como a uma mulher bela...».
• Esta paixão quase erótica pelas máquinas e este entusiasmo pela
civilização moderna assume aspectos de um certo masoquismo sádico,
que inspira no sujeito poético sensações novas e violentas,
experimentadas até ao histerismo: «Atirem-me para dentro das
fornalhas! / Metam-me debaixo dos comboios! / Espanquem-me a
bordo de navios! / Masoquismo através de maquinismos!».
• Assim, o sujeito poético humaniza as máquinas («Forte espasmo retido
dos maquinismos em fúria!»; «Grandes trópicos humanos de ferro e
fogo e força...»), como também tenta ele próprio se materializar, ou
tornar-se parte delas: «Ah, poder exprimir-me todo como um motor se
exprime!
“Ode Triunfal”
Recursos expressivos:
• O estilo vagabundo, paradoxal e vertiginoso traduz a
expressão desmedida de sensações desmedidas, de um
estilo caudaloso e aparentemente caótico, e uma
ruptura com a lírica tradicional:
- a irregularidade estrófica, métrica e
rimática, que resulta num ritmo irregular e nervoso;
- a presença de alguns desvios sintáticos
(«..fera para a beleza disto...»; «Por todos os meus
nervos dissecados fora...»);
“Ode Triunfal”
- a frequência das expressões
exclamativas que sublinham a emoção do sujeito
perante os fenômenos da vida moderna;
- as repetições, as enumerações e as
onomatopeias que constituem um processo
retórico aparentemente caótico que se destina a
esgotar a expressão, num estilo torrencial;
- o recurso, a palavras desprovidas de
carga poética e repleta de índole técnica;
“Ode Triunfal”
• As metáforas e as imagens deste texto evidenciam a íntima relação
do sujeito poético com o mundo mecânico e industrial;
• As enumerações traduzem o frenético desejo do sujeito poético de
sentir tudo de todas as maneiras, registrando de forma
aparentemente caótica as sensações que experimenta («Desta flora
estupenda, negra, artificial e insaciável!»; «Eh, cimento armado,
betão de cimento, novos processos!»);
• As anáforas expressam a sucessão caótica dos fenômenos da
civilização industrial, permitindo ao sujeito poético acompanhar o
seu ritmo alucinante e vigoroso («Por todos os meus nervos (...) Por
todas as papilas...»; «Poder ir na vida triunfante (...) Poder ao
menos penetrar-me...»; «Ó coisas todas modernas, / Ó minhas
contemporâneas...» ).
“Ode Triunfal”
• Os neologismos («parte-agente»; «quase-silêncio») e os estrangeirismos («music-
halls»; «Luna-Parks»; «rails») traduzem a ligação do sujeito poético às inovações da
modernidade;

• A adjetivação traduz o excesso de sensações que dominam o sujeito perante a


modernidade («flora estupenda, negra, artificial e insaciável»; «promíscua fúria»;
«rodar férreo e cosmopolita»; «giro lúbrico e lento»; «quase-silêncio ciciante”;

• Os advérbios de modo evidenciam a atração erótica e carnal do sujeito pelas


máquinas e pela modernidade («demasiadamente»; «carnivoramente»;
«pervertidamente»);

• As interjeições confirmam o louvor do sujeito poético à civilização mecânica e a sua


contínua agitação («Ó fábricas, ó laboratórios...»; «Eh-lá hô fachadas das grandes
lojas!»; «Eia túneis...»; «Ah, poder exprimir-me...);

• As onomatopeias sugerem a tentativa do sujeito poético de imitar os sons ruidosos


das máquinas, exprimindo assim o barulho e a velocidade estonteantes da vida
moderna («r-r-rr»; «Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô»; «z-z-z-z-z-z-z»).
“Vem sentar-te comigo, Lídia…”
Ricardo Reis
1ª Estrofe:
• Convite à fruição amorosa serena, uma vez que a vida é breve.
2ª Estrofe:
• Consciência da efemeridade da vida, da impossibilidade de voltar a
vivê-la, uma vez que o “fado” tudo controla.
3ª Estrofe:
• Desenlace amoroso, pois é preciso evitar os grandes desassossegos
para evitar a dor.
4ª Estrofe:
• É necessário evitar todos os desassossegos que podem trazer a dor.
5ª Estrofe:
• Convite à fruição amorosa tranquila, espiritual, evitando os
excessos de amor físico.
“Vem sentar-te comigo, Lídia…”
6ª Estrofe:
• Valorização do “carpien diem”, colhendo o “perfume” do
momento evitando o conhecimento das coisas.
7 e 8 Estrofes:
• Conclusão do poema e justificação para o modelo de
vivência amorosa defendido pelo poeta: se um deles
morrer antes o outro não terá que sofrer por isso, uma vez
que viveram um amor inocente, sem excessos.
• O sujeito neste poema propõe a Lídia uma relação
tranquila, contida, sem envolvimento nem paixão, como
única forma de evitar o sofrimento provocado pela
separação que a morte de um deles poderia trazer.
“Vem sentar-te comigo, Lídia…”
• No poema, são notórios os conceitos de epicurismo e
estoicismo, aqui fundidos: se a vida passa e não se
pode evitar a morte, é preciso, por um lado, aproveitar
totalmente o presente (epicurismo) e, por outro lado
vivê-lo com serena e disciplinada aceitação do destino
(estoicismo).

• “Vem sentar-te comigo, Lídia”, caracteriza-se como um


poema neoclássico de rima irregular e métrica regular,
cujos temas principais são a vida, o amor e a morte.
“Vem sentar-te comigo, Lídia…”
Vertentes filosóficas:
• Horacionismo: “carpien diem”;
• Epicurismo: procura da felicidade relativa, moderação
nos prazeres, fuga às sensações extremas;
• Estoicismo (conformismo): indiferença perante as
emoções, aceitação do poder do destino;
• Paganismo: crença nos deuses clássicos, inspiração na
civilização grega;
• Obsessão com a passagem do tempo: preocupação
constante com a efemeridade da vida, questionamento
acerca do fluir do tempo, medo da morte.
“Vem sentar-te comigo, Lídia…”
Alberto Caeiro Vê a natureza com os sentidos;
Há apenas as sensações;
Sensacionismo;
Poesia sem metafísica

Ricardo Reis Vê a natureza com a razão;


Valoriza o pensar a sensação;
Consevadorismo clássico;
Dicotomia razão/coração;
Poesia pensada
Álvaro de Campos Sensacionismo, Interseccionismo;
Tendências filosóficas;
Metafísica;
Modernidade

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