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SÉRGIO VAZ, CULTURA E AS VOZES DA ZONA PERIFÉRICA

RESUMO
Consta neste artigo uma aproximação aos feitos de Sérgio Vaz, da sua importância
na sociedade e na propagação de vozes das comunidades, que são muitas vezes
ignoradas pela grande população. Sua história, em meio as diversas conquistas e
perdas, traz um sinônimo de luta, revela a existência da arte em ambientes periféricos
e retrata, tanto em seus escritos quanto em suas conquistas, a vida nestes ambientes.
Palavras-chave: Literatura, periferia, cooperifa, arte, poesia, povo.

ABSTRACT
This article contains an approximation about Sérgio Vaz’s achievements and his
importance society and propagation of voices from communities that are often ignored
by the larger population. His history as in the midst of the various conquests and losses
a synonym of struggle, revealing the existence of art in peripheral environments and
portrays, both in its writings and its conquests, a life in peripheral environments.
Keywords: Literature, periphery, cooperifa, art, poetry, people.

INTRODUÇÃO
A arte e a literatura no Brasil têm há décadas um cânone voltado ao público
que possui maiores condições financeiras, fazendo dela excludente e
descompromissada com a vasta gama de povos que habitam o país, sendo os mais
distanciados desta arte a população conhecida como da periferia. As causas desse
processo de exclusão da periferia em meios artísticos e literários se dá por uma longa
bagagem histórica de preconceitos e segregações, que reverberam até os dias atuais
em nossa sociedade.
Devido ao processo excludente, a arte nascida em áreas periféricas não
ganhou visibilidade e se propagou de forma marginalizada (no sentido negativo da
palavra; o difamatório) e até mesmo banalizada. Como uma tentativa de resistência a
este processo de degradação das artes, surgiram ao redor do país diversos
movimentos, como a Cooperifa, que trouxe poetas de rua (além de pessoas em geral
da comunidade) para um “sarau de resistência”, uma busca ao talento nascido na
periferia. Este movimento, criado com o intuito de levar a arte do povo para o povo,
trouxe consigo um modelo de perseverança e luta contra as idealizações artísticas do
cânone, dando voz as artes excluídas pelas academias.
Este artigo se propõe a expor uma causa histórica para a pouca demanda de
polos culturais em áreas suburbanas, assim como retratar a construção de um polo
cultural periférico e as oportunidades trazidas por ele. Assim, na seção sobre a arte,
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a luta e a semana de arte moderna da periferia, é possível compreender as causas da


criação dos polos culturais periféricos e das motivações por trás do manifesto da
antropofagia periférica. Na seção sobre a arte e o povo, é possível delimitar uma
ligação entre o processo histórico da fundação das zonas periféricas de São paulo
com a ausência de polos culturais em ambientes suburbanos, das influencias da arte
e da ausência dela para a população e como a criação de um polo cultural é importante
em zonas que carecem de tais ambientes.

A ARTE, A LUTA E A SEMANA DE ARTE MODERNA DA PERIFERIA


Sérgio Vaz idealizou seu projeto “cooperifa” no intuito de criar um espaço
cultural que representasse a periferia. Desta forma, decidiu unificar os tipos de arte
presentes na comunidade, contando com um dia de apresentações de música, poesia,
teatro, danças, desfile de cabelos Afro e dentre outros.
Desta forma, as palavras de Vaz em seu texto “Manifesto da Antropofagia
periférica”, podem ser ressaltados:
“A Arte que liberta não pode vir da mão
que escraviza.

A favor do batuque da cozinha que


nasce na cozinha e sinhá não quer. Da poesia
periférica que brota na porta do bar.
Do teatro que não vem do “ter ou não ter…”.
Do cinema real que transmite
ilusão.
Das Artes Plásticas, que, de concreto, quer
substituir os barracos de
madeiras.
Da Dança que desafoga no lago dos cisnes.
Da Música que não embala os adormecidos.
Da Literatura das ruas despertando nas
calçadas.

A Periferia unida, no centro de todas


as coisas.”

O texto por si só, como explicitado acima, é uma marca da luta pela arte e
literatura da zona urbana periférica, que traz um documento de luta direta contra as
bases construídas acerca do processo histórico derivado da estrutura vigente de
sociedade, explicitada pelo autor como “um descaso [...] que faz parte da fundação do
país” (Vaz, Sérgio. Marília Gabriela entrevista. 2017.) Santos nos diz:

“[...] a politização do Estado cedeu


freqüentemente à privatização do Estado e à
patrimonialização da dominação política ... O
regime geral de valores parece não resistir à
crescente fragmentação da sociedade,
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dividida em múltiplos apartheids, polarizada ao


longo de eixos econômicos, sociais, políticos e
culturais (Santos, 1999, p. 40).”

Como uma das principais bases da formação do Estado de São Paulo (ou do
país) foi por parte da mão de obra de pessoas que migraram para o Estado, houve
uma segregação e uma polarização que definiu seus valores (enquanto pessoas) com
base em um regime de valores (puramente estatais e que visavam a economia) que
afetaria diretamente o Estado, sendo este um grande movimento de repartição e
degradação social, responsável pela formação de ambientes suburbanos. Partindo
desta degradação, houveram diferenças de direitos entre os povos socialmente bem
estabelecidos e os mal estabelecidos, graças a construção de polos culturais e civis
em torno basicamente de um foco na população socialmente bem atribuída.
Neste manifesto há um apelo, não para que as grandes populações ou
governos encarem a periferia como lugar artístico, mas para que a própria periferia
construa seu caminho em meio a arte, mostrando que a arte que pode representar a
periferia está em sua comunidade.
Esta idealização da arte periférica pode ser atribuída ao passado de seu
organizador, que desde jovem teve acesso a literatura e demais artes, mas viu como
destino, graças ao lugar em que nasceu (por pressão social) o seguinte:

“você já era taxado mesmo, ou para


ser jogador de futebol, ou para trabalhar numa
fábrica. Não é um demérito trabalhar numa
fábrica, mas assim, eram as coisas que a
gente tinha ao nosso alcance.” (Vaz, Sérgio.
Marília Gabriela entrevista. 2017.)

Isso acontecia pela dificuldade de acesso da periferia aos polos culturais, que
graças a longos processos históricos de exclusão, ignoravam os ambientes com uma
renda média-baixa e eram idealizados para atrair determinada classe social.
Desta forma, Vaz resolveu montar um projeto para sanar essa dificuldade (nos
anos 2000), se reunindo com alguns amigos para montar um evento feito “do povo
para o povo”, uma forma de lutar contra a opressão artística e criar um polo cultural
para as classes média-baixa; a cooperifa.
Em 2007, porém, foi quando o grande movimento se intensificou, com a criação
da “semana da arte moderna da periferia”, onde o artista realizou uma caminhada pela
comunidade, com a intenção de unificar os povos e garantir a eles a
apreciação/participação no evento que contaria com uma semana inteira dedicada as
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artes. Daí que surgiu o manifesto, inspirado no escrito de Oswald de Andrade na


“Semana de arte moderna” de 1922.
Se antes, graças a eventos como a “quinta maldita”, a “chuva de livros” e
“cinema na laje”, o autor já repercutia pelo Estado de São Paulo como um grande
nome, após o Manifesto, tornou-se conhecido nacionalmente por todos os seus
projetos e por sua luta, que terão mais destaque no tópico abaixo.

A ARTE E O POVO
A importância de projetos como a Cooperifa é severa em zonas urbanas
periféricas, pois de acordo com as próprias palavras do autor:

“A arte tem esse poder de


transformação. [...] As referências na periferia
são outras [...] as vezes um traficante, ele é
admirado pelo poder que ele tem dentro do
bairro [...], por caminhar com um fuzil, uma
arma, e de repente o jovem quer aquilo
também, porque o jovem está sujeito a esses
exemplos” (Vaz, Sérgio. Marília Gabriela
entrevista. 2017.)

Então, entende-se por “sujeito a esses exemplos”, como atribuído culturalmente


aquela forma de conquistar respeito. A arte, neste momento, surge como
emancipadora, criadora de novos caminhos para os moradores desta comunidade.
Entende-se, então, que graças ao polo cultural facilitando acesso à cultura e ao
conhecimento, pode acontecer uma transformação, pois haverá o contato da
comunidade com outros tipos de cultura que vão além da famigerada “cultura do
crime”.
Os demais projetos que agraciam a comunidade com o intuito de levar as
demais culturas para a população, são o Sarau da cooperifa, onde ocorreu um evento
chamado “chuva de livros”, qual teve a distribuição gratuita de mais de 500 exemplares
de livros; a quarta maldita que é responsável pelo engajamento de centenas de
pessoas da comunidade em um evento semanal que visa a leitura de poesias; o
cinema na laje, que é realizado com o intuito de levar aos moradores da periferia o
contato com o cinema nacional, seja por documentários, curtas ou filmes e dentre
muitos outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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As formações dos polos culturais atribuídos a Vaz são, para as comunidades


periféricas, triviais para a propagação de novos artistas, de artes criadas pela
comunidade e até mesmo da trajetória de vida daqueles que vivem naquele ambiente.
Suas efetivas demandas literárias e artísticas, como o sarau da cooperifa, o
cinema na laje e a quinta maldita, tornam a demanda cultural maior, influenciam
artistas e dão vozes as comunidades que mais sofrem censura, permitindo sua
expressão e servindo como uma forma de lutar contra a imposição sociocultural,
advinda de problemas históricos e estruturais da sociedade.

REFERÊNCIAS
Santos, B. S. (1999). Reinventar a democracia. Em A. Heller (Org.), A crise dos
paradigmas em Ciências Sociais e os desafios para o século XXI (pp. 33-75). Rio
de Janeiro: Contraponto.

Maiolino, Ana Lúcia Gonçalves. Análise histórica da desigualdade: marginalidade,


segregação e exclusão. Scielo, 2005. Disponível em <https://doi.org/10.1590/S0102-
71822005000200003>. Acesso em: 18/10/2020

LACAZ, A. S., LIMA, S. M., & HECKERT, A. L. C. Juventudes periféricas: arte e


resistências no contemporâneo. Scielo, 2015. Disponível em
<https://www.scielo.br/pdf/psoc/v27n1/1807-0310-psoc-27-01-00058.pdf>Acesso em:
18/10/2020

CADAVAL, Fernanda. Poeta Sergio Vaz trouxe à FURG a resistência da literatura


periférica. FURG, 2019. Disponível em <https://www.furg.br/noticias/noticias-
eventos/poeta-sergio-vaz-trouxe-a-furg-a-resistencia-da-literatura-marginal> Acesso
em: 18/10/2020

Vaz, Sérgio. Marília Gabriela entrevista. 2017. (3m19s). Disponível em


<https://www.youtube.com/watch?v=CFu2Ne5feq8&ab_channel=PoetaSergioVaz>
Acesso em: 18/10/2020

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