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ABSTRACT
On the artistic level, the carnivalized work taken in its essence is transforming and renewing
instrument of official reality. Scholars such as Bakhtin, discourse on the carnivalization in the
artwork, especially in literature, in our case Matuta poetry Zé da Luz Our goal is to show the poetics
of Paraiba poet key features of carnivalization as ambivalence and universality, because in
carnivalesque perspective, his poetry falls on the elements in a single moment degenerates and
regenerates the behavior of the human race. Thus, there are specific elements that characterize his
poetic as carnivalized, because the poetic self often reveals reversing the order with its multiplicity
of meanings, use of subversive elements, the dethronement and regeneration of what is official. The
carnivalized poetry Zé da Luz is bold in that it reminds us of the sensual, breaking the rules of
conventional poetic aesthetic behavior.
1 INTRODUÇÃO
A poesia é universalmente considerada como algo que desperta sentimentos, beleza, encanto
e humor, ao mesmo tempo em que nos atrai e nos humaniza como toda obra literária (CANDIDO,
1995). Uma variante do gênero lírico é a poesia popular com todas suas formas e sentidos, e que
possui como uma de suas grandes expressões o poeta Severino de Andrade Silva, conhecido
popularmente como Zé da Luz1. Sua poesia matuta2 é rica em elementos característicos do povo
nordestino, apresentando muitas vezes uma linguagem objetiva, crítica, que assume muitas vezes o
tom carnavalesco, nos despertando a reflexão e ao riso. As reflexões são por causa da carga poética
que possuem as palavras e da maneira crítica como são dispostas no texto lírico; o riso é provocado
por conta da roupagem que se dá a elementos naturais do dia a dia, estes quando dispostos no texto
1
Nasceu em 29 de março de 1904 no município de Itabaiana-PB e faleceu no Rio de Janeiro em 12 de fevereiro de
1965.
2
O termo matuto é decorrente do uso de palavras não usadas pela norma culta. No entanto, esse estilo poético não causa
nenhum prejuízo quanto à linguagem literária do poema.
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assumem uma imagem grotesca e ao mesmo tempo bela, despertando o interesse, aflorando
sensações íntimas do leitor.
Pensar a poesia desse autor a partir dos pressupostos da carnavalização é possibilitar novas
leituras de sua obra, uma vez que ainda há escassez de estudos sobre esse poeta popular. Com base
nos conhecimentos prévios a respeito da carnavalização, fica evidente que há ainda muito que se
esclarecer na poética de Zé da Luz, como mostrar não apenas o discurso lírico que
convencionalmente, de uma forma geral, mostra-se belo, mas o lírico que revela a ambivalência, o
belo e o feio amalgamados.
Quando falamos em poesia, a primeira imagem que nos vem à mente é inegavelmente de
algo belo, com palavras encantadoras, sobretudo, as que nos despertam sensações maravilhosas. Ao
lermos a poesia de Zé da luz, em algumas passagens, nos deparamos com vocábulos que, no primeiro
momento, nos causam estranhamento, seguidos da imediata sensação de repulsa, visão
degeneradora, porém, esquecemos o lado regenerador de sua produção. Assim, pretendemos neste
breve estudo, discutir a carnavalização e evidenciar a função ambivalente na poesia popular escrita
desse poeta matuto.
Dessa forma, pois, elucidamos algumas análises que nos mostram como a poesia de Zé da
Luz é lírica amorosa e ao mesmo tempo, recheada de elementos subversivos, forte característica da
carnavalização que eleva o feio, o baixo e alto corporal, o grotesco, ridiculariza o perfeito, a
seriedade sem medida, a fidelidade à estética.
Buscando refletir sobre o conceito de carnavalização e sua aplicabilidade nos textos poéticos
da Literatura Popular, enquanto os embeleza e os recria, sob uma nova visão entre o belo e o feio,
tomamos como base a poesia de Zé da Luz, poeta paraibano como uma rica poesia popular cantada
nas feiras, nas ruas e valorizada pelo povo. Povo este de quem tomou emprestada a voz, elemento
transformador e revelador, para torná-la a poesia popular escrita, com índice de oralidade
(ZUMTHOR, 1993), conhecida por sua métrica, ritmo, rimas e oração (linguagem poética).
[...] a voz ultrapassa a palavra. [...] A voz não traz a linguagem: a linguagem nela
transita, sem deixar traço. Talvez, em nossa mentalidade mais profunda, a voz
exerça uma função protetora: a de preservar um sujeito que ameaça sua linguagem,
de frear a perda de substância que constituiria uma comunicação perfeita. A voz se
diz enquanto diz; em si ela é pura exigência. Seu uso oferece um prazer, alegria de
emanação que, sem cessar, a voz aspira a reatualizar no fluxo lingüístico que ela
manifesta e que, por sua vez, a parasita.
As emoções mais intensas suscitam o som da voz, raramente a linguagem: além ou
aquém desta, murmúrio e grito, imediatamente implantados nos dinamismos
elementares.
Cada sílaba é sopro, ritmado pelo batimento do sangue; e a energia deste sopro,
com o otimismo da matéria, converte a questão em anúncio, a matéria em profecia,
dissimula as marcas do que se perdeu e que afeta irremediavelmente a linguagem
e o tempo.
De acordo com a Bíblia Sagrada, sabemos que São Pedro é o dono das chaves da porta do
céu, é ele quem primeiro nos recebe, através de nossos espíritos, portanto, numa perspectiva cristã
devemos respeito e adoração a esse ser celestial. Mas o que faz o eu lírico? Ele rebaixa São Pedro a
condição humana, capaz de dizer alguma tolice, ou seja, traz o santo para o contato íntimo, “familiar
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e grosseiro”, terceira categoria da cultura cômica popular (BAKHTIN, 1987, p. 4). Pois só se fala
com tal liberdade quando se tem proximidade. Em situações normais, nenhum mortal temente iria
rebaixar São Pedro desta maneira, tratá-lo como a um amigo pessoal, participante de nossas
brincadeiras mais deselegantes. É esta disposição multifacetada que caracteriza a poesia de Zé da
Luz como popular carnavalizada, cria um São Pedro que não é o santo de nossa devoção, que tem a
sentença final, mas um camarada que nos conta tolices, uma situação inimaginável. Em sua obra
Introdução ao pensamento de Bakhtin, Fiorin fala sobre o aspecto familiar da carnavalização com
seu objeto de recreação e as múltiplas possibilidades de reescrita que a obra literária nos possibilita:
A sigunda, a Guilhéimina,
Tinha uns ói qui ô! Mardição!
Matava quarqué cristão
Os oiá dessa menina!
[...]
A tercêra, era a Maroca.
Cum côipo munto má feito.
Mas porém, tinha, nos peito
Dois cuscús de mandioca.
Verificamos neste trecho que, apesar da moça ter um corpo muito mal feito, há nela um
atributo que atrai ao homem, seus peitos são comparados a dois cuscuz de mandioca, uma
comparação com tom grotesco, porém, ambivalente. Cuscuz, símbolo de alimento primário para o
nordestino, algo forte, gostoso de comer e ainda muito cheiroso, ao ponto de despertar o olfato.
Hipoteticamente é uma situação engraçada, forma uma imagem grotesca que embeleza o fato. A
personagem Maroca não é apenas uma mulher de um corpo muito mal feito, ela é também uma
mulher que desperta desejos pela beleza de seus seios, e mesmo suas irmãs tendo atributos atrativos
é ela a escolhida do eu lírico para que ele possa morrer em seus braços, envolvido pela fortaleza dos
dois cuscuz. A paródia por si só já representa um tipo de carnavalização, justamente por seu caráter
ambivalente, onde se encontra respectivamente a voz do parodiado, voz séria, e do parodiante, voz
alegre e renovada, possibilitando a realização da relatividade das coisas. Seria em outras palavras,
criar uma nova situação, agora desprovida do compromisso com a seriedade, com a verdade ou
denotação, o bom é subverter a ordem das coisas provocando o riso desmedido nas pessoas.
Desde os primórdios da civilização, é sabido que a mulher tem o poder de envolver o homem
de diversas maneiras, e mesmo que este homem deseje se afastar, por vezes pode não conseguir.
Como mostra a poesia acima citada, quando a mulher é caracterizada como sendo a cruz, objeto
pesado relacionado na religião à punição ao “possível” pecado de Jesus Cristo, significa que o
símbolo da Sagrada Cruz é rebaixado a condição uma simples convivência entre duas pessoas. E
isso é provocado sob a pressão do desejo que já o consome, desejo esse que corresponde a uma das
características inata aos humanos. Dessa forma, o eu lírico deseja que ela, a mulher, entre e
permaneça em sua vida, para que o mesmo sinta-se realizado.
Aqui se esquece da moral, do sublime, da pureza, visto que é comum que na literatura
carnavalizada o baixo ocupe seu lugar como sendo algo positivo do ponto de vista da renovação que
ele traz, através da liberdade, igualdade, abundância e universalidade das coisas excêntricas que põe
tudo ao contrário. Em se tratando do riso e sua força corrosiva como instrumento carnavalizado,
Fiorin nos expõe:
São nos pilares do riso por meio da representação de elementos que se encontram separados,
fechados em si mesmo, fazendo uso do sagrado e do profano, da sabedoria e da tolice, que a
carnavalização se situa como um movimento centrífugo, estabelecendo-se que: o carnaval é apenas
uma passagem, portanto, não deve ser levado tão a sério, mas valorizar a relatividade alegre das
coisas numa dada descontração de um discurso franco apoiado no contato livre e familiar, permitido
em um mundo sem barreiras, sem restrições, sem medo das hierarquias. Assim, a vida é posta
temporariamente ao contrário. Por sua força corrosiva o riso se faz presente na cultura carnavalizada
desde seus primórdios, é notado desde sempre em situações protagonizadas por diferentes homens,
nas ruas, tavernas, estradas, bordéis, estes são por ventura seus espaços favoritos. A literatura
carnavalizada é da praça, por ser um lugar que propicia o contato livre entre as pessoas, favorecendo
também a igualdade.
Na Idade Média, pouco se entendeu profundamente o riso popular e suas formas,
principalmente por parte dos intelectuais. Por muito tempo, observou-se o riso e a cultura cômica
popular da praça como indigna de estudos mais aprofundados. Por este motivo, o riso ocuparia
inicialmente apenas um lugar modesto na cultura popular, mas tinha sua importância e já se
mostrava oposto ás formas oficiais, sendo por isso possivelmente considerado não merecedor de
estudos específicos por parte de especialistas do folclore e histórias literárias na Idade Média e no
Renascimento:
Não era realizada nenhuma festividade sem a presença de uma manifestação cômica para
divertir a multidão, quase sempre dirigida para a classe dominante feudal ou a religião, e ao longo
dos séculos tais manifestações ou rituais originaram uma linguagem de grande riqueza, para
Para bem entendermos a imagem grotesca, vejamos um trecho da poesia As Flô de Puxinanã:
A mulher desde os tempos passados é tida socialmente, ou deveria ser, como algo delicado,
bonito de se ver. Poetas e escritores a enaltece em suas criações, no Romantismo ela era intocável,
a donzela idealizada como pura e bela. A mulher em Zé da luz é compara a uma cachorra. Aqui
percebemos que ele não trata do animal, mas das características da mulher e para mostrar sua
disposição, o poeta a rebaixa a um animal irracional. Sabemos ainda que uma mulher cachorra, por
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assim dizer, é aquela sem moral, presa fácil e desfrutável. Veja que a imagem criada é inicialmente
grotesca, mas a sua essência não, pois com o acréscimo de uma característica “da mulesta” ao
mesmo tempo a denigre e a eleva, ela não é apenas uma cachorra, mas uma cachorra da moléstia,
ou seja, ela é valente e disposta, um tipo de mulher que muitos sonham pra si, uma mulher de
qualidades tidas como admiráveis e elevadas.
Quem em situação convencional se atreveria a falar de uma mulher assim? Se isso ocorresse
não teria a mesma conotação, pelo contrário, seria tomado como uma ofensa e não como um elogio.
Fica clara a função da imagem grotesca carnavalizada, ela nos diverte, na medida que recria
determinada realidade do nosso cotidiano. No nosso caso, traz a tona um novo jeito de falar sobre a
mulher, um jeito livre e descomprometido com as formalidades sociais, mas que a descreve como
um ser forte e capaz dentro da perspectiva social, do meio em que a mesma se encontra inserida.
Ela é autora de sua própria história, não é mais aquela que baixava a cabeça para os anseios
masculinos, como ocorria nos séculos passados. Com jeito inovador de escrever, fazendo uso de
uma linguagem lírica amorosa, Zé da Luz carnavaliza o conceito feudal da mulher em tempos
passados e atualiza tal conceito, dando-lhe uma nova roupagem, com ênfase para as mudanças que
o perfil social da mulher sofreu ao longo dos anos. A evolução sistemática que permite ao sexo
feminino ter atualmente uma voz própria, dentro dos padrões oficiais que está inserida. A mulher
não é mais elemento figurativo, mas atuante, traduz o que diz o ditado popular: “Ao lado, ou à frente
de um grande homem, há sempre uma grande mulher”.
Ainda no poema anterior, a mulher é vista como uma tentação, elevando suas características
corporais, e ainda compara a uma “mimosa flôr dos sertão”. Imaginemos o que vem a ser uma flor
no sertão, espaço de solo seco, por essencial possui a aparência de improdutivo. No entanto, o poeta
além de enaltecer a beleza feminina de modo geral, não apenas a beleza física, a qual podemos ver
com esta comparação, revela a capacidade de adaptar-se às mais adversas situações que são próprio
das mulheres. Este aspecto também nos faz ver que a literatura cômica popular carnavalizada não é
banal, pois consegue fazer-se cômica sem perder sua beleza, o jogo que se faz com as palavras é
que vai, no entanto, desencadear tal magnitude.
Portanto, numa perspectiva geral do que vem a ser a carnavalização, Norma Discini (2006,
p. 84) faz a seguinte afirmação:
Geralmente, as águas das cacimbas são sempre límpidas e “gostosas”, “doces” por natureza,
por vir do subsolo, já chegam filtradas à nascente, tem um gosto puro e incompatível com as águas
“salgadas”. No entanto, a água da cacimba descrita no poema, onde as moças tomam banho, tem
um gosto ainda melhor. Aqui já começa nos causar uma espécie de curiosidade. O estranhamento
nos atinge quando se esclarece de onde vem o componente que torna a referida água melhor que as
outras, pois ela vem “dos suváco” das moças, do suor que ali despejam ao tomarem banho. É
inimaginável que alguém possa gostar de beber uma água anteriormente misturada com suor,
inclusive de uma parte comumente não muito cheirosa; uma água cheia de impurezas exaladas por
corpos sujos e/ou empoeirados.
Tomar água é uma necessidade intrínseca ao ser humano, ninguém consegue viver por muito
tempo sem tomar água doce e potável. A água salobra, mesmo sendo natural das fontes, não
consegue saciar a sede, pelo contrário, o uso contínuo pode causar danos à saúde, portanto, só
conseguimos saciar a sede tomando água doce. Sabendo disto, o poeta ao caracterizar o gosto da
água, a põe entre o salgado e o insosso, ou seja, dá-lhe um novo gosto uma forma particularizada de
água que a difere dos sabores das fontes convencionais. Notamos assim, a transposição do líquido
insípido, inodoro e incolor, sobre um novo líquido particularizado, criado para “saciar” a sede do eu
lírico.
Nesse poema monoestrófico, com rimas alternadas e emparelhadas, pobres e ricas, perfeitas,
soantes e graves, com versos heptassílabos e octossílabos, notemos o tom carnavalizado presente
no poema. Porque furar o bucho do céu é uma afronta à lei divina, principalmente no âmbito cristão.
Aqui, conotativamente, há uma dessacralização do espaço celestial porque além de furar o céu, as
virgens vão escapar como se aquele espaço não fosse o ideal e definitivo para elas. O eu lírico, no
entanto, além de imaginar furando o céu, fala da possibilidade de vê-lo arriado dando liberdade as
virgens que fugiriam, como se antes fossem aprisionadas. O discurso por si só já é violento, na
medida em que invade o conceito do céu como algo bom que todos querem alcançar e não dele
fugir. Tem ainda certo tom de ironia em relação à virgindade da mulher, como se por ser virgem se
sentisse aprisionada esperando a oportunidade mais oportuna para libertar-se. Vemos que o simples
fato de puxar a faca para o céu, desencadeia uma série de ações que colocaria a calma do céu ao
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avesso, ao contrário. A violência aqui não se mostra sanguinária, mas sutil e delicada, ganhando um
caráter renovado ao transgredir a imagem que temos do céu como lugar de paz e calmaria.
O poeta mais uma vez, inova na escolha da linguagem e nos envolve em temas sociais
corriqueiros, fazendo suposições do que poderia acontecer caso houvesse a permanência do casal
atrelado um ao outro, o estar junto aqui perpassa a união perfeita. Há a presença da vida, como ato
de felicidade, e da morte, que representa o ato final para todos e tudo. Percebemos aqui, a presença
da dualidade típica dos textos carnavalizados que costuma trabalhar com os contrários. Sabemos
que para o céu vão apenas os merecedores do perdão ou os que em vida realizaram atos benéficos.
A subida ao céu representa o arrependimento dos pecadores frente a situações de repulsa do pai, do
não cumprimento do que como cristãos acreditamos ser o certo.
Notemos que Deus deu as pessoas o direito do livre arbítrio, ou seja, ninguém tem o direito
de envolver-se na vida alheia, de querer dirigir a vida do outro, no entanto, é comum que as pessoas
por vezes se ocupem muito mais da vida dos outros que de suas próprias. Zé da Luz, então, nos
apresenta São Pedro, não como detentor das chaves do céu, mas como um homem semelhante aos
demais, que através do rebaixamento carnavalesco da nobre figura do santo, nos é dada a lição de
limite sobre a figura do outro. Somos levados a refletir sobre os papéis que cada qual exerce na
sociedade, e até que ponto podemos ir sem invadir o espaço do outro, se até São Pedro foi rebaixado,
o que não acontecerá conosco ao chegarmos no céu para prestarmos contas a Deus. Sem falar que a
invasão do espaço do outro também é uma forma de violência, agredimos o nosso semelhante de
maneira sutil, às vezes mesmo sem percebermos, tal reflexão nos torna atentos e diferenciados na
medida em que aprendemos e não permanecemos no erro, salientamos que permanecer ou não é
uma decisão nossa, fazendo valer o nosso direito de ir e vir que nos é dado desde nossa concepção.
A morte e a vida se interligam para nos mostrar que devemos pensar antes de agir, pois de
nada adiantará revoltar-se contra os céus, aqui representado por São Pedro, se somos nós os
responsáveis por nossos atos, que serão irremediavelmente, refletidos em nosso futuro. A virgindade
é reflexo da pureza não somente dos corpos que ainda não foram desgastados, mas da alma que é
essencialmente a vida, somos matéria para a terra, portanto, nossa aparência física não é essencial à
nossa salvação celestial.
E por não ser essencial, é constante a deformação física dos corpos na carnavalização no
universo da Literatura Cômica Popular, fato observável na poesia As Flô de Puxinanã. Sendo a
poesia por si só múltipla em sentidos, carnavalizá-la possibilita a inversão da lógica, nesta inversão
ocorre a reconstrução do novo, tudo sem perder seu encanto, beleza e criticidade. Nota-se em Zé da
Luz, uma efervescente competência no ato de recriar a realidade, este toma fatos corriqueiros como
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendemos, portanto, a relação entre carnavalização e a poesia popular em seus
aspectos gerais, frisando a liberdade de criação e a transformação da realidade por meio da
subversão das coisas. Recriar a realidade na poética popular é uma atitude original adotada por
poetas que tem um vasto domínio da percepção do mundo e sabem transpô-lo em seus textos através
de uma linguagem diferenciada, própria dos poetas. É o que observamos em Zé da Luz, ao lermos
suas poesias fica clara sua intenção de nos mostrar as particularidades do povo nordestino. É
justamente o que o poeta faz, no entanto, não o faz de qualquer jeito, evidencia em sua escrita
características pertencentes ao nordeste de modo geral, tomando como base alguma situação
comum. Tomemos como exemplo A cacimba, onde com habilidade o poeta nos descreve o ato de
tomar banho das moças e transforma o suor delas em água nova, água boa.
Salientamos a atitude de valentia, conhecida dos nordestinos, homens e mulheres, defendidas
de forma inovadora na poesia As Flô de Puxinanã. Falando dos seres humanos e sua crescente
ousadia, temos a poesia Ai! Se Sêsse!... que traduz inteligentemente a limitação das pessoas em
vivenciarem atitudes cristãs que elevem a alma ao plano da salvação. A leitura de Zé da Luz discorre
naturalmente na medida em que o eu lírico nos possibilita diversão e aquisição de novos
conhecimentos acerca da poética popular carnavalizada. Cada poesia possui um caráter próprio, por
isso, mesmo enfatizando as características de uma dada região – o Nordeste –, cada leitura se faz
nova e não repetitiva em seus conceitos fundamentais e universalizantes.
REFERÊNCIAS
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“Charivari”, de Lourdes Ramalho. Dissertação de Mestrado em Literatura e Interculturalidade.
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CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 3. ed. revista e ampliada. São Paulo: Livraria Duas Cidades,
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PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da escrivaninha: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras,
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__________. Introdução à poesia oral. Trad. Jerusa Pires Ferreira, Maria Lúcia Diniz Pochat e
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