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Quando
o mar
era floresta
Mata Atlântica pode ter se espraiado para a plataforma continental na Era do Gelo
A
plataforma continental brasi- aparece no Google Maps, mas ninguém condições passadas, Carolina Loss, em
leira, área hoje submersa ao pensa nela como parte do continente”, estágio de pós-doutorado no laborató-
longo da costa, pode ter abri- explica o pesquisador. A ideia, lançada por rio, teve a ideia de considerar o contorno
gado uma extensa área de Mata ele e colaboradores em artigo publicado do continente na época glacial, quando
Atlântica há cerca de 21 mil anos, período em janeiro na revista PNAS, se baseia no o nível do mar baixou e a costa avançou
conhecido como Último Máximo Gla- conhecimento de que na Era do Gelo o centenas de quilômetros para leste, ex-
cial. A ideia é do casal de biólogos Yuri nível do mar chegou a ser 120 metros mais pondo 270 quilômetros quadrados da
Leite e Leonora Costa, professores da baixo, e por isso foi batizada de hipótese plataforma, o equivalente a três vezes o
Universidade Federal do Espírito San- da Mata Atlântida, em referência ao len- território de Portugal. Ao mesmo tempo,
to (Ufes), e contraria a visão aceita por dário continente engolido pelo oceano. num projeto em parceria com a bióloga
muito tempo de que o frio teria forçado o A proposta surgiu de um encontro de Renata Pardini, da Universidade de São
encolhimento da Mata Atlântica e ilhado colaborações catalisado pelo Laboratório Paulo, e outros colegas, o grupo buscava
pequenas populações de plantas e ani- de Mastozoologia e Biogeografia, coor- avaliar a resposta dos pequenos mamí-
mais em fragmentos isolados de floresta denado por Leite e Leonora. Trabalhan- feros à fragmentação da Mata Atlântica.
– os refúgios. “A plataforma continental do com modelos ecológicos para inferir Espera-se que essas situações de redução
do hábitat disponível e de isolamento em trechos do DNA de cinco espécies de principal explicação para a formação
trechos distantes causem redução popu- pequenos mamíferos típicos desse tipo da diversidade biológica nas florestas
lacional e a consequente perda de varie- de floresta. As análises indicaram que as brasileiras, sobretudo na Amazônia (ver
dade genética. Mas não era isso que eles espécies se deslocaram para o norte e em Pesquisa FAPESP nº 208).
viam nos modelos demográficos analisa- menores altitudes, onde a temperatura Estudos palinológicos feitos há mais
leonardo merçon / instituto últimos refúgios
dos pela bióloga portuguesa Rita Rocha, era mais alta, em concordância com o de uma década pela bióloga Aline Frei-
também em pós-doutorado na Ufes: não que outros estudos já tinham indicado. tas, atualmente em estágio de pós-dou-
havia uma assinatura genética de redução As surpresas foram ver que a área ade- torado na Universidade de Murcia, na
populacional e todos os cenários eram quada para esses animais estava menos Espanha, sob a supervisão do botânico
rejeitados nos modelos computacionais. subdividida em fragmentos durante o José Carrión, corroboram a presença de
“Juntei as duas coisas e decidi tes- Último Máximo Glacial do que hoje e Mata Atlântica no litoral, expandindo-se
tar uma situação de expansão da Mata no período anterior à glaciação, e que para a plataforma continental durante o
Atlântica”, conta Leite. O modelo acusou a distribuição dessas espécies avançava Último Máximo Glacial. Inicialmente na
ser essa a explicação mais plausível pa- pela plataforma então exposta. Os resul- Universidade Federal do Rio de Janei-
ra a diversidade genética detectada em tados contrariam a teoria dos refúgios, ro (UFRJ), onde fez pós-graduação sob
Em alguns pontos da Maria Tereza ressalta a importância de a teoria da coalescência (que infere as
costa capixaba a Mata ser um trabalho pensado e feito apenas alterações no DNA a partir do presente
Atlântica avança quase
por pesquisadores brasileiros, publicado em direção ao passado), concorda que
até a água, como na
região de Linhares, em um periódico renomado apenas por “essas análises clamam por mais mar-
próximo ao rio Doce ser uma boa ideia, e bem exposta. “Na cadores”. Mesmo enxergando um sinal
nossa área sofremos com a falta de hipó- confiável, ele concorda que o uso de vá-
teses; agora obrigatoriamente todos terão rios trechos do DNA daria mais força à
que incluir esta”, prevê. Mas ainda preci- hipótese levantada no trabalho publi-
ma a bióloga Maria Tereza Thomé, da sará passar por testes para estabelecer-se. cado na PNAS. “Talvez nunca se saiba
Universidade Estadual Paulista (Unesp) “Novas hipóteses são importantes pa- o que aconteceu na Mata Atlântica, mas
em Rio Claro, que não fez parte da pes- ra enriquecer o debate”, avalia o biólo- vamos acrescentando mais pecinhas ao
quisa. A nova visão pode fazê-la olhar go Fabio Raposo do Amaral, do campus quebra-cabeça”, diz. n Maria Guimarães
foto leonardo merçon / instituto últimos refúgios mapa google maps
da Mata Atlântida: não detectou flutua- genético. “Me pergunto se aquele con- gence and postglacial expansion in the Brazilian Atlantic
Forest: multilocus phylogeography of Rhopias gularis
ções demográficas fortes. Na parte sul da junto de dados tem poder estatístico pa- (Aves: Passeriformes). Journal of Zoological Systematics
floresta, ao contrário, infere que as popu- ra explorar os eventos em questão, com and Evolutionary Research. on-line. 11 jan. 2016.
FREITAS, A. G. de et al. Pollen grains in quaternary sedi-
lações tenham permanecido estáveis. Em o grau de precisão necessário para se- ments from the Campos Basin, state of Rio de Janeiro,
artigo publicado em 2014 na Molecular parar períodos que diferem em poucos Brazil: Core BU-91-GL-05. Acta Botanica Brasilica. v. 27,
Ecology, ela e colaboradores sugerem a milhares de anos – precisão que prova- n. 4, p. 761-72. out./dez. 2013.
LEITE, Y. L. R. et al. Neotropical forest expansion during
necessidade de identificar barreiras hoje velmente apenas dados genômicos po- the last glacial period challenges refuge hypothesis.
invisíveis à movimentação dos animais. dem proporcionar”, ressalva. Batalha, PNAS. v. 113, n. 4, p. 1008-13. 26 jan. 2016.
A proposta da plataforma continental se que participou da execução dos testes de THOMÉ, M. T. C. et al. Barriers, rather than refugia, un-
derlie the origin of diversity in toads endemic to the
encaixa. “Para os meus bichos faz todo cenários históricos de como as popula- Brazilian Atlantic Forest. Molecular Ecology. v. 23,
o sentido”, declara. ções se mantiveram, usando como base n. 24, p. 6152-64. 24 nov. 2014.