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OUTROS TEMAS SOBRE O MUNDO DO TRABALHO

O TRABALHO E A DINÂMICA TERRITORIAL DO


CAPITAL

Marcelo Dornelis Carvalhal1

Resumo – Nos últimos anos há um incremento considerável no emprego industrial em


Marechal Cândido Rondon, saltando de 681 empregos formais em 1995 para 2.478
empregos em 2004. Tal crescimento do emprego industrial pode ser compreendido pelo
processo da divisão territorial do trabalho, com especializações produtivas em locais
determinados, como parecem indicar o número de empregos criados na indústria
alimentícia. As determinações podem estar no âmbito das políticas públicas de
desenvolvimento local ou decorrentes das estratégias empresariais, de qualquer modo uma
determinação não exclui a outra, havendo interação entre as necessidades capitalistas e a
gestão territorial pelo Estado. A expansão industrial como expressão mais evidente da
própria expansão capitalista promove um conjunto de transformações nos lugares em que
ocorre.

Palavras-chave: Espaço, Território, Desenvolvimento Capitalista e Mercado de Trabalho

1
Professor do Colegiado de Geografia da UNIOESTE/Mal. Cdo. Rondon – PR.
mdcarvalhal@hotmail.com

Revista Pegada – vol. 9 n.1 125 Junho/2008


OUTROS TEMAS SOBRE O MUNDO DO TRABALHO

O quadro do mercado de trabalho mercado de trabalho brasileiro, de mão de


local revela em parte as estratégias do obra barata e relativamente qualificada,
capital, que se evidenciam na busca por muito embora o discurso dominante a
melhores condições de acumulação, partir de então tenha frisado a necessidade
ampliando as alternativas de exploração do de flexibilização dos direitos trabalhistas
trabalho e uso do território, na medida em (eufemismo para precarização das relações
que os esforços locais para atração de de trabalho) e qualificação dos
investimentos e de desenvolvimento trabalhadores. Essas características
permitem essa ampliação de alternativas, acentuaram a desigualdade de renda e a
inclusive com participação das entidades de precarização do trabalho, com elevação do
representação dos trabalhadores nos desemprego, aumento da informalidade e
diversos fóruns e negociações tripartites incremento da insegurança no emprego,
locais, regionais ou nacionais. Isso é como resultado da combinação de aspectos
particularmente percebido nos municípios da reestruturação produtiva (terceirização,
do interior do Brasil, em que a estagnação subcontratação, downsizing), do baixo
econômica é marcante, aparecendo os crescimento econômico e do paradigma
investimentos, que invariavelmente se cada vez mais evidente da acumulação por
apresentam como portadores da espoliação (HARVEY: 2004),
modernidade capitalista, protagonistas do referenciando-se no modelo chinês e
desenvolvimento econômico e social, mas indiano de relações de trabalho.
que podem ser interpretados como a É possível, através das inúmeras
oportunização do avanço capitalista a partir estatísticas que se fazem sobre o mercado
dos escombros da pauperização intencional de trabalho, dimensionar os diferentes
de amplos territórios. tipos de trabalho, caracterizando as formas
É a crônica do desenvolvimento típicas do capitalismo, como o
territorial do capitalismo no Brasil, com a assalariamento e outras formas de emprego
presença da ocupação de pequenos da mão de obra, seja pelas características
proprietários concomitante à grande do capitalismo sob a acumulação flexível,
empresa rural. seja pelas particularidades territoriais dos
A internalização das lugares. Portanto é preciso levar em
transformações globais do capitalismo consideração a articulação das definições
(neoliberalismo e reestruturação produtiva macro-estruturais do capitalismo
principalmente) ocorreu de forma a mundializante com a participação dos
explorar as “vantagens comparativas” do meios locais nesta acumulação globalizante.

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O mercado de trabalho é pois trabalhadores nos diversos fóruns e


entendido no plano da circulação do negociações tripartites locais, regionais ou
capital, e a taxa de desemprego como a nacionais.
insuficiência de integração apresentada pelo Estudar a articulação entre as
capital quanto à totalidade da força de formas conjunturais de acumulação
trabalho, que compõe as variáveis de capitalista e o caráter estrutural da crise de
“equilíbrio” do preço da força de trabalho. superacumulação (que enseja a busca por
Essa tendência inexorável do capital novos territórios de acumulação e
reproduz continuamente a condição do exploração), está no âmbito mais amplo de
desemprego, pois é através dele que o nossas preocupações, e o crescimento do
capital ao buscar o aumento da emprego formal em Marechal Cândido
produtividade do trabalho realiza Rondon - maior do que a média do
simultaneamente a regulação do mercado crescimento no Brasil indica, de forma
de trabalho. bastante tímida é
Determinações verdade – algumas
estruturais da tendências da
acumulação relocalização do
capitalista e da luta de capital, o que inclui o
classes que, portanto, município no rol de
atuam nas condições locais atrativos para a
gerais do mercado de expansão capitalista.
trabalho capitalista. A dinâmica territorial do emprego,
O quadro do mercado de trabalho presente nas diferentes expressões locais
local pode permitir a construção de do mercado de trabalho, implica numa
elementos teóricos para a apreensão das compreensão enviesada e parcial da divisão
estratégias do capital, que se evidenciam na territorial do trabalho imposta pelo capital,
busca por melhores condições de pois captura o momento da circulação da
acumulação, ampliando as alternativas de mercadoria força de trabalho. Isso significa
exploração do trabalho e uso do território, dizer que o mercado de trabalho, enquanto
na medida em que os esforços locais para um conjunto de forças contraditórias,
atração de investimentos e de apresenta na dinâmica territorial a
desenvolvimento permitem essa ampliação configuração que lhe empresta o capital,
de alternativas, inclusive com participação enquanto força contraditória, mas isso não
das entidades de representação dos responde à totalidade dessa dinâmica, pois

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a luta de classe exerce também papel capital, quanto à geografia própria do


importante para os movimentos de capital, isso significa que ao expandir
territorialização-desterritorialização- reproduz as desigualdades espaciais, com
reterritorialização do capital e do trabalho, valorização em alguns lugares e
algo que não se explicita diretamente nos desvalorização em outros. À medida que a
indicadores do mercado de trabalho, saturação do mercado e o excesso de
requerendo para essa análise, por exemplo, acumulação aumentam o capital precisa
a compreensão do caráter histórico- encontrar mecanismos de garantir a
geográfico do movimento sindical, e reprodução ampliada, seja através da
porque não dos movimentos sociais e da valorização produtiva, seja pela reprodução
própria sociedade civil, que podem virtual do capital financeiro. Assim as
interferir na remuneração da força de estratégias de deslocamento temporal e
trabalho e/ou nas possibilidades de espacial como alternativas à crise de
migração do trabalho. superacumulação marcam a geografia do
O mercado de trabalho evidencia capitalismo, cujas tendências de igualização
algumas características do modo próprio e diferenciação ensejam a divisão territorial
como o trabalho é organizado pela do trabalho, conforme SMITH:
sociedade capitalista, o que permite de
alguma forma olhar os parâmetros Necessidade de acumulação do
capital leva a uma franca expansão
diferenciados espacialmente da
geográfica da sociedade capitalista,
regulamentação e utilização desta força de conduzida pelo capital produtivo. A
mobilidade do capital circulante
trabalho. Isso porque o mercado de
durante surtos de desvalorização
trabalho expressa o nível desta utilização e rápida torna-se um meio não para a
igualização geográfica, mas uma
a forma como a força de trabalho é
diferenciação sobre a qual a
explorada. Disso desdobra-se uma sobrevivência do capital é firmada
(SMITH, 1988, p. 188).
preocupação de cunho eminentemente
geográfico, que é do de que como pensar
O papel dos investimentos
na relação entre a definição macro
produtivos na reordenação global do
estrutural do capitalismo mundializante e a
capital já foi apresesentada por
participação dos meios locais nesta
CHESNAIS (1996), o que nos interessa
acumulação globalizante.
por ora é compreendermos que a
Desta forma a divisão territorial do
mobilidade territorial do capital acontece
trabalho ensejada pelo capital está
sob a necessidade de adequação dos
articulada tanto à necessidade expansiva do

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territórios nacionais aos propósitos dos O desenvolvimento desigual do


capitais investidores, isso algumas vezes capitalismo promove a transformação na
pode parecer como uma tendência à composição orgânica do capital, reciclando
liquidação dos próprios Estados nacionais, o avanço tecnológico anterior. Essa
mas sua função é ainda fundamental para a desigualdade se revela como um processo
gestão do capitalismo (MÉSZÁROS: diferenciado de avanços regulatórios e
2002). tecnológicos no processo produtivo em
A adequação destes territórios determinados locais, com características
nacionais são facilmente identificadas nos inovadoras no processo produtivo e
programas de ajustes patrocinados pelas expansão do padrão tecnológico para
entidades internacionais de gestão do outros locais.
capital, cuja cantilena incansável prega a Essa geografia é própria do capital,
necessidade de reformas estruturais na pois é uma das estratégias para a absorção
relações econômicas, mas que revelam o do excedente de capital produzido no ciclo
objetivo de ampliar a competição entre os de reprodução ampliada, não está separada
lugares para atraírem o capital. Desta forma da gestão territorial realizada pelos Estados
as grandes corporações buscam de forma nacionais, já que o desenvolvimento pleno
geral a redução substancial dos custos de de regiões antes “atrasadas” podem
produção, escolhendo entre as alternativas significar a instabilidade de regiões
possíveis a combinação de mão de obra desenvolvidas ou mesmo um acirramento
barata e “dócil”, frágil legislação trabalhista global das contradições do capital, pois a
e ambiental, além de requerer dos expansão territorial da produção intensifica
trabalhadores a formação profissional a superacumulação decorrente dela.
adequada para a exploração do capital, que Como desdobramento desta “lógica
implica tanto em habilitações técnicas, locacional” os trabalhadores são
quanto num comportamento produtivo convocados a se adaptarem, seja através
adequado2. dos deslocamentos individuais na busca
dos empregos, seja quanto aos próprios
impactos dessa reorganização territorial
2
Em nossa tese de doutorado tivemos
oportunidade de analisar o Plano Nacional de para as organizações coletivas dos
Formação Profissional – PLANFOR do governo
federal que apresenta em linhas gerais a
trabalhadores.
característica acima esboçada de tornar mais A dinâmica territorial do capital
atrativa a mão de obra brasileira, sob a
justificativa enganosa de que o desemprego é possibilitada em sua TDR fragmenta as
provocado pela baixa qualificação dos
trabalhadores, ver CARVALHAL (2004). etapas do processo produtivo, escolhendo

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os lugares que lhe são convenientes para a comerciais entre os países, que vem
acumulação, com impactos cada vez mais acompanhada de aumento dos
planetários sobre o conjunto dos investimentos estrangeiros pelo mundo,
trabalhadores3 assim como um ritmo alucinante de trocas
A divisão territorial do trabalho é financeiras pelo globo, promove uma
ensejada pelo capital, com a especialização acelerada incorporação de capacidade
produtiva em determinadas regiões, com produtiva, remodelando a produção das
isso promovendo sinergias para a grandes corporações e intensificando o
acumulação capitalista, isto se traduz na processo de concentração de capitais e de
configuração de regiões superprodução mundial.
especializadas, A desvalorização da força A desvalorização
atualmente conhecidas da força de trabalho
de trabalho implícita no
como Arranjos implícita no aumento do
Produtivos Locais, que
aumento do desemprego e na desemprego e na própria
nada mais são do que a própria precarização do precarização do emprego
concentração espacial de contribui para a maior
emprego contribui para a
setores específicos de complexificação do
produção que com isso
maior complexificação do mundo do trabalho,
garantem a economia de mundo do trabalho, concomitante à queda da
escala típica da formação participação relativa do
concomitante à queda da
espacial capitalista. emprego industrial.
Porém, essa
participação relativa do
maior liberdade de emprego industrial. O complexo de
reestruturação produtiva
circulação do capital
impulsionou a diminuição
potencializa sua lógica relativa da classe operária
industrial, instalada no núcleo
irracional em nível mundial, já que esse
central do complexo produtor de
processo de intensificação de trocas mercadorias. À medida que ela
diminuiu, incorporou novas
qualificações, integrando-se mais,
3
É interessante notar que o problema do sob a lógica do toyotismo, à
desemprego mundial não é decorrente apenas da organização da produção capitalista
falta de emprego, mas da própria destruição de (o que contrasta com sua
formas tradicionais de trabalho decorrentes da
expansão capitalista, ou seja, o capital cria sua
propagação precária pelas bordas do
própria negação com a expansão, provocando a complexo produtor de mercadorias).
desvalorização da força de trabalho, que é a face ALVES: 2000, p. 66
transviada de sua crise estrutural, com os
trabalhadores expropriados tendo que se
empregarem sem que existam empregos para eles.

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Essa desvalorização é possível com trabalho. Isso porque o mercado de


o progresso técnico, que provoca usos trabalho expressa o nível desta utilização
renovados da força de trabalho, assim (pessoal ocupado) e a forma como a força
como a reaparição de formas “tradicionais” de trabalho é explorada.
de desuso (desemprego), desta forma, é É possível, através das inúmeras
necessário um questionamento sobre a estatísticas que se fazem sobre o mercado
qualificação como realocação da força de de trabalho, dimensionar os diferentes
trabalho para intensificação de seu uso, já tipos de trabalho, caracterizando as formas
que a qualificação não é expansível a todas típicas do capitalismo, como o
às “novas” atividades do mundo do assalariamento e outras formas de emprego
trabalho. da mão de obra, seja pelas características
Embora isso possa ser válido do capitalismo sob a acumulação flexível,
quando se analisa genericamente a seja pelas particularidades territoriais dos
dinâmica do mercado de trabalho é lugares. Portanto é preciso levar em
importante salientar que esse processo é consideração a articulação das definições
espacialmente diferenciado, com macro-estruturais do capitalismo
incremento e diminuição ocorrendo mundializante com a participação dos
simultaneamente em vários lugares, o que meios locais nesta acumulação globalizante.
de alguma forma pode caracterizar um A precarização assume então
deslocamento territorial e setorial do importância fundamental como nexo
proletariado industrial. explicativo de um mercado de trabalho
idealmente visto como não-precário, o que
é um falseamento conceitual, já que sob o
ELEMENTOS CENTRAIS PARA A capital todo trabalho é precário, porém
LEITURA GEOGRÁFICA DO justificável na medida em que os
MERCADO DE TRABALHO paradigmas da regulação fordista e toyotista
pleiteiam uma condição humanizante para
O mercado de trabalho evidencia a exploração do trabalho.
algumas características do modo próprio O ponto central em nossa análise é
como o trabalho é organizado pela a compreensão de que o desemprego e a
sociedade capitalista, o que permite de precarização do emprego não são variáveis
alguma forma olhar os parâmetros tecnicamente neutras, que não possam ser
diferenciados espacialmente da analisadas sob o crivo da luta de classes,
regulamentação e utilização da força de pois, a adoção seletiva dos paradigmas

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técnicos e organizacionais da modelo de internalização da reestruturação


reestruturação produtiva atinge produtiva e do neoliberalismo no Brasil.
desigualmente os setores econômicos e os Essa internalização das
lugares da acumulação capitalista, transformações globais do capitalismo
construindo a territorialidade do capital, (neoliberalismo e reestruturação produtiva
que tem no deslocamento escalar e principalmente) ocorreu de forma a
temporal, trunfos que utiliza para exercer explorar as “vantagens comparativas” do
seu domínio sobre a totalidade social, ora mercado de trabalho brasileiro, de mão de
unificando campo e cidade sob o obra barata e relativamente qualificada,
paradigma do assalariamento, ora muito embora o discurso dominante a
promovendo diferenciações nas relações de partir de então tenha frisado a necessidade
trabalho, como a subordinação da mão de de flexibilização dos direitos trabalhistas
obra familiar através dos (eufemismo para
contratos de integração. O contexto mais recente do precarização das relações
O contexto mais
mercado de trabalho de trabalho) e qualificação
brasileiro tem como
recente do mercado de dos trabalhadores. Essas
parâmetros o processo de
trabalho brasileiro tem características acentuaram
adequação da economia
como parâmetros o brasileira aos paradigmas a desigualdade de renda e
processo de adequação da neoliberais parametrizados a precarização do trabalho,
economia brasileira aos pelo Consenso de com elevação do
paradigmas neoliberais Washington desemprego, aumento da
parametrizados pelo informalidade e
Consenso de Washington. Desde a incremento da insegurança no emprego,
presidência de Fernando Collor de Melo como resultado da combinação de aspectos
um conjunto de medidas vem sendo da reestruturação produtiva (terceirização,
tomadas no sentido de garantir a subcontratação, downsizing), do baixo
atratividade do Brasil ao capital estrangeiro, crescimento econômico e do paradigma
seja produtivo ou não. Para isso, além da cada vez mais evidente da acumulação por
abertura comercial e paridade cambial espoliação (HARVEY: 2004),
(vigente de 1995 a 1999), foi necessário o referenciando-se no modelo chinês e
refreamento do movimento sindical em indiano de relações de trabalho.
ascensão desde a década de 1980, que de No estudo que estamos realizando
alguma forma poderiam ser um entrave ao priorizamos a análise do trabalho no plano
da circulação da força de trabalho,

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portanto, queremos com essa ressalva terceirização levou ao aumento do trabalho


deixar claro que existe um conjunto amplo autônomo, estratégia bastante utilizada no
de sentidos e significados que se articulam Brasil para burlar a legislação trabalhista.
com o mundo do trabalho e que, portanto, No entanto, se isso é válido para
não podem ser reduzidos à esfera do países que conheceram a condição de um
trabalho-mercadoria, como quando mercado de trabalho estruturado, até que
falamos do emprego. ponto é possível importarmos essa
As transformações no processo explicação para a realidade brasileira? E
produtivo capitalista são as determinações mais do que isso quais os efeitos diretos e
mais visíveis do processo de precarização indiretos para uma realidade tão complexa
do mercado de trabalho, isso porque a como o campo brasileiro, em que a
reestruturação produtiva provocou grande modernização aparece unicamente
aumento da produtividade do trabalho, associada à grande exploração agrícola, mas
eliminando com isso que transparece
um montante também na pressão
considerável de constante que os
empregos industriais pequenos produtores
no mundo, com imersos no mercado
efeitos mais visíveis capitalista estão
nos países sujeitos para se
desenvolvidos. No adequarem às
entanto a leitura desta relação entre diversas normas de produção.
reestruturação produtiva e precarização Isto nos remete diretamente a
não deve ficar restrita ao ambiente fabril e forma própria de (re)criação constante do
nem tampouco à maquinificação do território capitalista, com a formação de
trabalho, já que no processo de alternativas espaciais para sua crise de
reorganização do trabalho inspirados no acumulação, porém fazendo isso sob o
toyotismo ocorre o aumento da intensidade controle político dos Estados nacionais
do trabalho. dominantes nas relações internacionais, ou
Também tributários desta seja, garantindo através de diversos
reorganização produtiva podemos verificar instrumentos (inclusive a sabotagem e
a fragmentação das unidades produtivas, quando necessário intervenção militar
com a terceirização e consequente redução direta) a manutenção de um
dos parques industriais, no limite esta desenvolvimento dependente.

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A desestruturação do mercado de aviltamento planetário das condições


trabalho brasileiro é parte da estratégia de ambientais da humanidade4.
ampliação dos territórios possíveis de A partir da década de 1960 uma
exploração da mão de obra, baseada na nova forma de gestão do capitalismo
mais valia absoluta, fazendo crer que os mundial passou a se constituir como
trabalhadores brasileiros estão em alternativa para o keynesianismo pós-
competição direta com os trabalhadores guerra, tendo como prerrogativas
chineses e indianos, e portanto devem fundamentais o liberalismo clássico, a essa
aceitar a degradação das condições de gestão macroeconômica soma-se a gestão
trabalho. É aqui que fica claro o caráter da força de trabalho a partir das
classista dos diferentes ajustes experiências nipônicas, com isso a
macroeconômicos experimentados no país mundialização do capital, que ganha
ao longo da década de 1990, invertendo o contornos sólidos com a dissolução da
sentido das lutas sindicais dos anos 1980 de União Soviética, é acompanhada da
busca de conquistas sociais para a defesa disseminação de novas formas de gestão do
destas mesmas conquistas. trabalho, consolidadas no toyotismo, cujo
É nesta operação de criação de impacto direto no mercado de trabalho é a
territórios passíveis de exploração diminuição dos postos de emprego, assim
predatória do trabalho e dos recursos como o aumento da inserção precária dos
naturais que a estratégia espacial do capital trabalhadores no mercado.
demonstra sua inviabilidade estrutural, já Um dos indicadores que
que evidencia o caráter reversível das demonstram o impacto das reformas
conquistas sociais nos países econômicas no país, com maior inserção da
desenvolvidos, isso através da manutenção reestruturação produtiva na década de 90
do subdesenvolvimento como antípoda de no Brasil é a diminuição da relação entre o
sua condição - aparentemente possível - de crescimento econômico e o emprego
conciliação dos interesses capitalistas e dos (POCHMANN: 2001), ou seja, mesmo em
trabalhadores, que retornam a estes países conjunturas de relativo crescimento o
seja como degradação das condições locais,
seja pela migração crescente. Também a 4
Diferentemente da compreensão comum
sobre o meio ambiente, em que a sociedade é
intensificação – e conseqüente acirramento exteriorizada da natureza e do próprio meio
das tensões sociais – do controle político ambiente, incluo como unidade da totalidade
ambiente o próprio homem, que na sociedade
interno e externo às fronteiras nacionais é historicamente constituída do capitalismo se
apresenta como explorador/explorado pelo
o desdobramento necessário do próprio homem e da natureza.

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aumento do emprego não acompanhou esse incremento.

Tabela 1 – Elasticidade produto-emprego


Produto-Ocupação Produto-Emprego
1940-1970 0,37 0,89
1980 1,17 0,81
1990 0,69 0,53
Fonte: POCHMANN, 2001.

Se a forma característica do capital aumentar a atração do país para os


enfrentar sua crise estrutural é a investidores estrangeiros sob a acusação de
intensificação da extração de mais-valia, que o mercado de trabalho no Brasil é
isso não significa apenas a ampliação do muito rígido, não permitindo às empresas
trabalho morto, mas também através das no Brasil competirem no mercado
próprias reformulações na gestão do internacional.
trabalho, com aumento da intensidade do A flexibilidade é uma constante na
trabalho pela tentativa de captura da história capitalista e sua adoção como
subjetividade do trabalho, como acontece paradigma da restauração do capital
no toyotismo. Ou seja, o capitalista utiliza a (BRAGA: 1996) apenas intensifica uma
mais valia relativa combinada à mais valia tendência estrutural. Para entender seu uso
absoluta para aumentar a extração de valor pelo capital é preciso compreender a
do trabalho. natureza da crise estrutural no contexto da
Esta ofensiva do capital deve ser luta de classes, já que isso significa
entendida também no plano político, com a estratégias do capital para minar o poder de
adoção do neoliberalismo como doutrina barganha dos trabalhadores na
econômica para a gestão da crise do capital, confrontação sobre qual a parte do valor
isso significou em dilapidação dos direitos produzida pelo trabalho ficará com o
trabalhistas conquistados durante décadas capitalista ou com o trabalhador.
nos países desenvolvidos e no Brasil desde As conseqüências mais expressivas
a Consolidação das Leis do Trabalho. A da fragmentação do mundo do trabalho
partir do governo Collor (1990-1992) até para a classe trabalhadora foram
Lula (2003- ) isso se traduziu nas alterações sintetizadas por ANTUNES (1999):
da legislação trabalhista como forma de

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 Setores mais qualificados do classe trabalhadora (ANTUNES: 2003).


proletariado estão sujeitos às Desta forma ao movimento
ações de caráter operário é fundamental a compreensão da
neocorporativo, portanto estão utilização do território como estratégia
contribuindo pouco para ações classista da burguesia, que amplia a
coletivas anti-capitalistas. mobilidade do capital na esteira de sua
Enquanto que os setores busca pela acumulação ampliada, o que
precarizados que se organizam invariavelmente significa uma ofensiva
para estas ações. contra os trabalhadores, intensificando a
 Nova divisão social e sexual do apropriação da mais-valia. A expansão do
trabalho, a ampliação da emprego formal em Marechal Cândido
participação feminina no Rondon é a expressão desta dinâmica já
mercado de trabalho se por um que ela ocorre com aumento do emprego
lado significa uma emancipação fabril, ligado à agroindustrialização,
parcial da opressão masculina principalmente com a avicultura.
por outro o capital transforma- Compreender esse processo de
a em fontes de desigualdades transformações no mercado de trabalho
no mercado de trabalho; local pode contribuir no entendimento da
É neste sentido que o autor dinâmica territorial do capital.
pondera a necessidade de uma noção
contemporânea e ampliada da classe
trabalhadora para conferir vitalidade teórica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
e analítica para o mundo do trabalho,
fundamental para a compreensão destes ALVES, Giovanni O novo (e precário)
mundo do trabalho. Reestruturação
novos embates, pois a classe trabalhadora produtiva e crise do sindicalismo São
incorpora a totalidade do trabalho social Paulo/SP: Boitempo, 2000 (1ª edição).
(material, não material ou imaterial), ANTUNES, Ricardo Os sentidos do
trabalho São Paulo/SP: Boitempo, 1999.
vinculação exclusiva pelo assalariamento, (1ª edição);
incorporando trabalhadores improdutivos, ANTUNES, Ricardo [2003a] “A nova
é obviamente uma noção mais ampla do morfologia do trabalho e o desenho
multifacetado das ações coletivas” In:
que o emprego industrial, que de alguma RAMALHO, J.R. e SANTANA, M.A.
forma pautou a constituição das lutas Além da fábrica. São Paulo/SP:
Boitempo, 2003, p.213-224;
sindicais nas últimas décadas, mas que hoje
não pode ser a referência exclusiva de

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OUTROS TEMAS SOBRE O MUNDO DO TRABALHO

CARVALHAL, Terezinha Brumatti MÉSZÁROS, István Para além do


Gênero e classe nos sindicatos. capital São Paulo/SP: Boitempo, 2002.
Presidente Prudente/SP: Projeto Editorial (1ª edição);
Centelha, 1994. (1a. edição); POCHMANN, Marcio A década dos
CHESNAIS, François A mundialização mitos São Paulo/SP: Contexto, 2001;
do capital São Paulo/SP: Xamã, 1996. (1ª
SMITH, Neil Desenvolvimento desigual
edição); Rio de Janeiro/RJ: Bertrand Brasil, 1988.
HARVEY, David O novo imperialismo (1ª edição);
São Paulo: Loyola, 2004

Abstract – In recent years there is a considerable increase in employment in industrial


Marechal Cândido Rondon, jumping from 681 formal jobs in 1995 to 2,478 jobs in 2004.
This growth in industrial employment can be understood by the process of the territorial
division of labour, with specializations productive in certain places, such as seem to
indicate the number of jobs created in the food industry. The determinations may be in the
context of public policy for local development or arising out of business strategies in any
way a determination not exclude the other, with interaction between the needs capitalists
and territorial administration by the state. The industrial expansion as an expression of the
clearest capitalist expansion promotes a set of transformations in places where occurs.

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