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Revista Violão Mais - Edição Nº 04
Revista Violão Mais - Edição Nº 04
VIOLAO
Badi
Ano 1 - Número 4 - Dezembro 2015
www.violaomais.com.br
Assad
Movida pela curiosidade
E mais: Exclu
Curso sivo!
Raissa Amaral: violão e canto lírico de vio
popu lão
A “Alzapúa” no flamenco com v lar
“Luar do Sertão” na viola caipira ídeoa
ulas
O encontro de Wagner e Villa-Lobos
Os detalhes da guitarra portuguesa
Luis Stelzer
Editor-técnico
4 18 37
Você na V+ Em mãos Classificados
6
Onde meu 20 38
violão toca Badi Assad Sete cordas
52
Viola caipira
54
Iniciantes
30 42 59
Mundo Flamenco Academia
44
34 Como 64
História estudar Coda
10 47
Retrato De ouvido
16 50
Vitrine Siderurgia
Flamenco
Incrível, queria muito aprender essa
técnica, muito bem explicado! (Jose
Leandro Alves Santana, em nosso canal
no Youtube)
Violão+
Parabéns pela iniciativa! Excelente
trabalho! Muito obrigado! Vida longa a
Violão+! (Thiago Mariachi, em nossa
página no Facebook)
4 • VIOLÃO+
você na violão+
Jony Ken
por causa de arranjos lançados em seu
canal no YouTube como “Lugar ao Sol”
(CBJR) e “Here Comes the Sun” (The
Beatles). A exclusividade apresentada
e o fingerstyle em seus arranjos e em sua forma de
tocar proporciona não apenas fãs e
Graduado em Violão Erudito pela ULM seguidores, mas, também um grande
Tom Jobim e bacharel em Guitarra número de interessados em aprender e
pela Faculdade Santa Marcelina, desenvolver essa linguagem, levando
Jony Ken é um dos pioneiros do estilo Ken a inaugurar, juntamente com o
“fingerstyle” no Brasil. Ken apresenta violonista Jonathas Ferreira, o Espaço
trabalho de músicas autorais e Fingerstyle, primeiro local no Brasil
releituras de canções, explorando o dedicado exclusivamente ao ensino
instrumento de maneira exótica, seja do estilo. Entre seus mais recentes
criando novas sonoridades, utilizando trabalhos, destacam-se a participação
o corpo do violão como instrumento no Primeiro Encontro Nacional de
de percussão, ou deitando-o no colo Fingerstyle e o show de abertura a
e usando afinações alternativas. Tudo convite do violonista e cantor inglês Jon
isso a serviço da boa música. O músico Gomm, referência mundial no estilo,
vem ganhando destaque no cenário que esteve no Brasil em abril de 2014.
VIOLÃO+ • 5
onde meu violão toca Por Luis Stelzer
Vários talentos
Raíssa Amaral, além de todas as atividades como musicista, mantém
um canal no Youtube que é referência em pesquisa
“O Rei dos Violões” da década de 1970, da aulas de canto com o professor Angelo
minha mãe, considerado um instrumento Fernandes, na Unicamp, meu orientador
rudimentar, o mais simples que era de mestrado também. Ele é a pessoa
fabricado. Ao colocar meus vídeos tocando responsável pela minha evolução como
no Youtube, conheci o dr. Carlos Henrique cantora lírica, um exemplo de professor,
de Andrada Gomide, do Rio de Janeiro. Sem dedicando-se totalmente àquilo que faz.
nunca ter me conhecido pessoalmente, ele Devo muito a ele por toda ajuda, amparo
me presenteou com um violão de luthier, e ensinamento. Com ele, aprendemos
do Antônio de Pádua. Todo personalizado, a sonhar. São muitas as pessoas que
topo de linha do instrumento, pelo qual gostam, mandam mensagens e ajudam
fiquei apaixonada. Tenho grande carinho a divulgar o meu trabalho. São meus
por ele. Me motivou a estudar e aprender grandes incentivadores. Nada fazemos
muito mais. Ele sempre me manda arquivos sozinhos. É um conjunto de coisas.
com as novidades musicais do Rio de
Janeiro. Dona Cidinha Mahle também VIOLÃO+: E a carreira internacional?
sempre me apoiou. Preocupada com Gostaria que o Brasil pudesse oferecer
minha instrução, me convidou para ir à as mesmas oportunidades que os
sua casa, aprender piano e solfejo, sem músicos recebem em outros países, mais
me cobrar nada. Em 2013, comecei a ter desenvolvidos e que dão maior valor
8 • VIOLÃO+
onde meu violão toca
à cultura. Nesses anos, por conviver músicos, isso tudo torna a concorrência
entre o erudito e o popular, acabamos menor. O instrumentista, depois de fixado
percebendo que os violonistas possuem em uma orquestra, ganha estabilidade
poucas oportunidades em comparação a financeira. Muitos podem discordar, mas
outros instrumentos. Temos, atualmente, o violão é um instrumento completo, com
uma grande e nova geração de violonistas inúmeras possibilidades harmônicas e
eruditos, mas o mercado é bem reduzido melódicas. Exige muito estudo e é tão
e para se destacar é necessário ter algum mais complexo quanto outros, mas pouco
diferencial. Na arte não deveria existir valorizado. No canto erudito, sempre
concorrência. Todos fazem por amor e tenho convites e apresentações, é o meu
têm algo a mostrar. Uma grande maioria caminho por enquanto. A concorrência
de violonistas populares que são bons é grande também. O cantor atua como
acaba tocando em qualquer lugar, para se convidado, não é como o instrumentista
sustentar. Conheço muitos em condições estável de uma orquestra. No exterior. há
de vida difíceis. Os músicos de orquestra mais possibilidades de emprego, mesmo
acabam tendo mais garantias em com a ópera tendo crescido no Brasil nos
comparação aos violonistas. Existem várias últimos tempos. Se um dia aparecer uma
orquestras e dentro delas, nos naipes de boa oportunidade, melhor do que aqui,
instrumentos, formados por um grupo de eu irei.
www.teclaseafins.com.br
Teclas & Afins oferece três opções
& AFINS
VIOLÃO+ • 9
RETRATO Por Luis Stelzer
Ceumar
10 • VIOLÃO+
RETRATO
Violão
e voz
VIOLÃO+ • 11
RETRATO
VIOLÃO+ • 13
RETRATO
Ceumar
VIOLÃO+ • 15
VITRINE
Di Giorgio
www.digiorgio.com.br
Pride Music
www.fender.com.br
16 • VIOLÃO+
VITRINE
EMA 663 NT
O violão eletro-acústico EMA 663 NT, da Eagle, tem tampo em
Cedro Maciço (Solid Red Cedar), laterais e fundo em Mogno
(Mahogany) e acabamento acetinado. A roseta é em Abalone
e o braço em Mogno Oriental (Nato). Escala e cavalete são
em Jacarandá (Rosewood). Os 20 trastes em alpaca e cordas
D´Addario fazem conjunto com as tarraxas die-cast cromadas
e o sistema de captação TruVibe com equalizador Promix.
TU-10
O afinador de contato BOSS TU-10 apresenta design arrojado, construção robusta
e funções derivadas de outros afinadores BOSS, como Accu-Pitch, ‘Flat-Tuning’ de
cinco semitons e modo STREAM. A tela de LCD “True Color’ proporciona
experiência visual clara e multicolorida, com função antirreflexo
que melhora a visibilidade em locais com muita luz. Com
faixa de afinação de Dó-0 (16,35 Hz) a Dó-8 (4.186
Hz), com referência de afinação Lá-4 de 436 a 445
Hz, o TU-10 pesa apenas 45 gramas e funciona
continuamente por até 12 horas no modo colorido
ou 24 horas no modo monocromático.
Roland do Brasil
www.roland.com.br
VIOLÃO+ • 17
EM MÃOS Por Luis Stelzer
Características
Comprimento de escala 650 mm (25 9/16”)
Comprimento do corpo 490 mm (19 5/16”)
Largura do corpo 370 mm (14 9/16”)
Profundidade do corpo 94-100 mm (3 11/16”)
Largura da pestana 52 mm (2 1/16”)
Tampo Spruce
Fundo Meranti
Lateral Meranti
Braço Nato
Escala Rosewood
Cavalete Rosewood
Acabamento (verniz) Matt
18 • VIOLÃO+
EM MÃOS
melhor do que a maioria dos instrumentos do mercado,
mas, se é possível aprimorar o instrumento, por que
não? E a melhora é grande, garantimos!
O Yamaha C40MII é um instrumento feito para usar
cordas de nylon, portanto nunca modifique isso. Se
cordas de aço foram colocadas em instrumentos
feitos para o uso de cordas de nylon, eles tendem a
empenar, pois a tensão é muito maior. Bem confortável,
o braço do C40MII não possui o tensor metálico de
regulagem, comum em muitos instrumentos. Embora
o tensor possa garantir fortalecimento ao braço do
violão, para que nunca empene, e certa regulagem
de altura das cordas, violões de nylon sem tensor
são preferívies. Por quê? O tensor diminui a vibração
geral do instrumento e aumenta seu peso.
Conclusão
A marca, tradicionalíssima, não pode se dar ao luxo de
colocar no mercado um instrumento que não funcione,
que não seja bom. E o violão responde, mostra a
que veio. Encontramos um ótimo instrumento
para quem está começando: design moderno,
dimensões muito boas, fácil de tocar. Não
possui a mesma qualidade de um violão de
concerto, nem a mesma projeção. Mas não
foi feito para isso: o Yamaha C40MII é um
instrumento recomendado, em especial,
para iniciantes.
Yamaha C-40MII
Importador: Yamaha Musical do Brasil
Preço sugerido: R$ 850,00
Aparência
Acabamento
Tocabilidade
Braço/escala
Sonoridade
Afinação
Captação Não possui
VIOLÃO+ • 19
matéria de capa
Movida pela
Por Luis Stelzer
© Fritz Nagib
curiosidade
badi assad
Violão+: Estou emocionado, pois sou tecladinho de piano desenhado numa
muito fã seu. página, imaginava que era um piano de
Pegue lá um copo d’água! (risos). verdade e ficava tocando. Ela me colocou
para tocar piano quando eu tinha oito
Violão+: Como começou, que influência anos, mas a gente também não tinha
recebeu da família? É verdade que dinheiro para comprar um instrumento.
demorou a se decidir pelo violão? Daí, não vingou. A pianista da família só
Tive esse privilégio de nascer numa foi vingar na outra geração, a filha do
família onde a música já era parte de um Sérgio (Assad) é pianista (Clarice Assad).
cotidiano, não somente a música, mas, Só fui pegar num instrumento mesmo
principalmente, o violão. Quando nasci, quando me ausentei da presença dos
meus irmãos já tocavam, e sempre, a vida meus irmãos, porque meu pai ficou sem
inteira, existia um violão no sofá da sala, ter com quem tocar o seu bandolim.
vinha gente tocar com meus irmãos. Meu Nessa época, eu tinha 14 anos, a gente
pai gostava de choro, minha mãe cantava saiu do Rio de Janeiro e voltou a morar
pra mim. A música fazia parte da minha no interior de São Paulo, em São João
realidade. Minha mãe, quando pequena, da Boa Vista, minha cidade natal. Foi
queria ter estudado música, mas era em São João que meu pai virou pra
de uma família sem poder aquisitivo. mim e disse: “filha, não quer aprender
Então, ela arrancou de uma revista um esse trem, não?”. Eu falei: “quero!”. Eu
22 • VIOLÃO+
badi assad
queria muito ficar próxima do meu pai.
© Fritz Nagib
Ele estava sempre tão ocupado com
meus irmãos [Sérgio e Odair Assad, o
Duo Assad], que não me dava muita
bola. Quando fez o convite, meu coração
rapidinho escolheu, até para ficar mais
do lado dele. Eu conquistei meu pai
pela música.
© Fritz Nagib
interessada por percussão mesmo, fui 1994. Foi essa música, misturando isso
estudar com o Zé Eduardo Nazário e tudo, que me levou para o mundo. E
desenvolvi uma liberdade com polirritmia comecei a conquistar meu próprio espaço
muito forte. Quando senti que poderia depois. O tempo foi passando, passei
tocar um instrumento de percussão em por uma fase experimental, comecei a
cada mão com diferentes ritmos, falei descobrir o lado compositora, escrever
“por que não misturar isso com o violão?” muitas músicas e desenvolver um
Comecei a tocar violão com uma mão e, trabalho de intérprete dessas canções.
com a outra, o caxixi ou outra percussão. Virei uma intérprete do cancioneiro
Descobri que poderia pensar música do mundo, fazendo releituras para o
como uma baterista, só que, em vez de meu próprio universo musical. Hoje, a
usar todos esses instrumentos, comecei resposta mais automática que sai quando
a misturar os meus instrumentos, que me perguntam o que eu faço é que sou
eram o violão, a voz, de repente colocar cantora. Antes, eu falava violonista.
algo no pé, tocando “Joana Francesa” Quem não me vê há muito tempo não
(Chico Buarque) e cantando... Virou entende, mas foi um processo que levou
esse malabarismo acrobático (risos). O 25 anos, desde que comecei até agora.
resultado de tudo isso é a gravação do Não foi nada por acaso, sempre fazendo
meu primeiro disco, em Nova York, em algo que realmente me deixe curiosa,
24 • VIOLÃO+
badi assad
que me mantenha curiosa, interessada, o emocional, com o estresse, justamente
com a chama do novo acesa. É o novo o que eu estava vivendo. De repente,
que me instiga. comecei a perder os movimentos da
mão. Chegou ao ponto de eu cancelar
Violão+: Houve um período que deve ter uma turnê e falar “o que é que eu tenho?”
sido bem difícil, quando você teve que Depois de uns seis meses lutando,
deixar de tocar. Como foi isso? sem conseguir progresso, sem saber o
Fui diagnosticada com distonia focal. que era, caí num neurologista que me
Demorou para descobrir o que eu diagnosticou. Ele me deu a “linda” notícia
tinha. A princípio, tive um treco na mão, de que eu talvez nunca mais voltasse a
que interpretei como cansaço. Foi no tocar... Abandonei os palcos, fiquei dois
final da gravação de estúdio do disco anos me cuidando de todas as formas
Chameleon, quando tive que morar possíveis, corpo, mente e espírito. Foi
nos Estados Unidos para gravar. Uma um trabalho muito concentrado em mim
fase bem estressante, de tempo, de e na minha evolução como ser humano
pressão, porque eu tinha assinado um que me levou à cura. Eu me curei. Não
contrato, essas coisas. Comecei a ter recuperei todos os movimentos que eu
um probleminha na mão, achei que ia tinha antes, eu era uma virtuose no violão,
passar, que era por causa do cansaço, mas isso ainda me pertence de certa
do estresse. Não deixou de ser por causa forma, porque eu canto e toco violão, faço
dele, pois a distonia focal está ligada com um monte de coisas ao mesmo tempo.
VIOLÃO+ • 25
badi assad
Mas, enquanto violonista mesmo, parei que outra. Acho que foi a união de tudo
de tocar aquelas músicas complicadas o que fiz. Especificamente, exercícios
e virtuosísticas, porque não recuperei para a mão, várias coisas. Fiquei
a mão totalmente. Mas isso não me faz envolvida com doutores que, na época,
falta alguma. Acho que a grande lição faziam testes com macacos que tinham
foi aprender a se desprender daquilo em distonia focal. Fui cobaia de pessoas
que se acredita, se desprender daquele que estavam fazendo estudos. Isso foi
apego ao que você é ou que você há dezessete anos, muito no começo,
pensa que é. Tive que deixar tudo isso ninguém sabia o que era. Ainda é um
partir para poder me reencontrar. E me mistério hoje, imagina naquele tempo.
reencontrei com raízes fortes, bem mais Fui reeducando a minha mão, meus
livre nesse sentido. movimentos, mas não voltaram aos
poucos. Voltaram de repente, depois
Violão+: Você conseguiu localizar o de dois anos intensos de convivência
momento exato em que seus movimentos comigo e com meus pensamentos.
voltaram a ponto de poder tocar
novamente? Violão+: Uma época muito introspectiva...
Fiz muita coisa. Não há uma terapia que Ah, foi. Dois anos em recesso. Não tinha
eu possa dizer que despontou mais do como não ser assim.
26 • VIOLÃO+
badi assad
Violão+: Você gosta muito de parcerias,
muito variadas. De Bobby McFerrin até
Seu Jorge, por exemplo. Também tem
um trabalho muito forte, de uns tempos
para cá, com música para crianças. Seus
shows são de um refinamento instrumental
imenso. Como administrar tudo isso?
Coloquei na cabeça: eu sou um polvo,
mulher-polvo...(risos). Na verdade,
não tem muito como. Divido o meu
dia conforme a demanda. Se tem uma
semana sem shows e eu não estou
inspirada, nem pego no violão. Minha
criatividade é usada o tempo todo em
função da demanda. Acredito que a
criatividade é o que impulsiona a gente
para os dias renderem. Fico antenada
com essa demanda, com as coisas que
quero e estou a fim de fazer. Tem que ter
disciplina para compartimentar os dias,
compartimentar o tempo. É difícil você
me ver fazer alguma coisa para perder
tempo. Acho que tudo tem a sua intenção.
Hora de descansar é hora de descansar. o tapete de ninguém, aparecer mais que
Respeitar limites, administrar o tempo o outro, pelo contrário. Num mundo em
e ter disciplina, porque sem disciplina que se fala muito de amor, mas na prática
você se perde. ele fica perdido, o amor verdadeiro fica
perdido. Acho que a missão da família
Violão+: Há alguns anos, você e sua é fazer isso: amor através da música,
família rodaram o Brasil e o mundo com compartilhar esse amor com a plateia.
um show musical, o que deve ter sido uma Lembro quando meus pais entravam no
emoção e tanto. palco e era uma comoção. A gente via os
Nossa, eu acho que a coisa da família... casaizinhos que estavam assistindo se
Não é nem a música, sabe? A coisa mais aproximando. Foi uma vida construída
importante desse show era compartilhar. pelo amor aos filhos, muita união. Viajar
A gente se ama tanto, se respeita tanto, é com a família é um deleite puro. A gente se
bonito ver uma família assim. E fazendo divertia o tempo inteiro, muitas histórias
música! Tem uma hierarquia naturalmente de bastidores, muita risada e assim é em
respeitada. Os meus sobrinhos me qualquer formação da família. A gente
respeitam, eu respeito os meus irmãos, tem o Festival Assad (que acontece
todos respeitamos nossos pais. Quando anualmente em São João da Boa Vista,
estamos no palco, ninguém quer puxar no Estado de São Paulo), momento em
VIOLÃO+ • 27
badi assad
que conseguimos nos reunir, porque escolha do meu repertório. De acordo
cada um mora num canto do mundo. com ele tenho a possibilidade de falar
Quando estamos juntos, é muita alegria, sobre esses assuntos. Sempre falo um
risada, um clima confortável para todos. pouco e introduzo a música. Acho que,
assim, as pessoas têm a oportunidade
Violão+: Fugindo um pouco da música, de pensar no que estou compartilhando.
você tem um lado muito conhecido de De forma mais ampla, faço parte de uma
defensora dos direitos humanos e da organização nos Estados Unidos que
natureza. Publica a respeito no seu site, trabalha pela paz mundial através da
comenta em shows e entrevistas. Você música. Com eles, já fui para a Bósnia,
sente que consegue atingir as pessoas em locais de genocídio. A gente vai em
com suas posturas? grupo e faz música com a crença que
Pra você ter realmente uma eficácia podemos ajudar as pessoas que vivem
nisso, tem que participar de ações nesses espaços e sofrem, que elas
maiores. No plano individual, faço isso contem suas histórias. A música tem
no meu dia a dia. É o que ensino para esse poder curativo. A gente cria, nesses
a minha filha. Procuro conviver com as espaços, mesas redondas em que se
coisas em que acredito para legitimar procura abrir caminhos que possam
meus pensamentos. Em relação a como ser tomados. Essa associação tem a
mostro isso para o público, como passo perspectiva de abrir uma escola nos
isso para frente, acho que desde a Estados Unidos. Já fui convidada para
ser professora ligada a direitos humanos.
A ideia é que a música e a cultura sejam
peças-chave para que o mundo não
acabe em violência, porque violência
gera violência. Combater violência com
violência resolve o problema apenas
momentaneamente, mas ele explode
lá na frente. Encontrei esse projeto, fui
me aproximando e hoje faço parte dele.
Então, consigo dialogar de forma mais
ampla, ser participativa.
© Fritz Nagib
VIOLÃO+ • 29
mundo Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber
Guitarra
Portuguesa
Síntese da sonoridade e da musicalidade do povo
português, o instrumento tem timbre característico
realçado pelas técnicas de execução
Ainda lembro uma tarde de outono, um informando que demoraria cinco horas
sábado frio e chuvoso, em que estava para fazer cálculos e concluir tudo.
no escritório. Bastou digitar Enter no Saí para a rua, pensando que tudo
computador para disparar um processo daria certo. Procurei o cinema mais
que resumia anos de estudo e trabalho. perto, para fantasiar, me distrair,
Na tela, uma mensagem surgiu e topei com o filme Lisbon Story,
30 • VIOLÃO+
mundo
Breve história
Há quem defenda que a guitarra
portuguesa possui origem mourisca,
especialmente pelo nome, remontando
sua origem ao instrumento medieval
construído pelo árabe Al-Guitar.
No entanto, a evolução da guitarra Guitarra portuguesa do Porto, com cabeça de animal
VIOLÃO+ • 31
Guitarra portuguesa de Coimbra, carregando uma lágrima
Curiosidade
Existem três modelos de guitarras
portuguesas – a de Coimbra, a do
Porto e a de Lisboa – com pequenas
diferenças entre si. Na parte da
cabeça do instrumento, principalmente,
encontra-se a diferença entre eles.
A cabeça da guitarra de Lisboa exibe
uma voluta (ou caracol) talhada; a do Carlos Paredes, grande virtuose falecido em 2004
32 • VIOLÃO+
CD-60 CE
CLASSIC DESIGN SERIES
/FenderBrasil www.fender.com.br
história Por Rosimary Parra
Interpretação
A vertente da música para vihuela, tratando da interpretação de seu
repertório para o violão, material, afinação do instrumento e condução de
voz, tendo como exemplo a “Pavana VI”, de Luys Milan
34 • VIOLÃO+
história
Fontes seguras
A música para vihuela pode ser encontrada nas
seguintes publicações:
MILAN, Luys. El maestro, 1536.
NARVAEZ, Luis de. Los seys libros del Delphín, 1538.
MUDARRA, Alonso. Tres libros de musica, 1546.
VALDERRÁBANO, Enríquez de. Silva de Sirenas, 1547.
PISADOR, Diego. Libro de musica de Vihuela, 1552.
FUENLLANA, Miguel de. Orphênica Lyra, 1554.
DAZA, Esteban de. El Parnasso, 1576.
Rosimary Parra
Violonista com mestrado em Música pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora de violão clássico na
Fundação das Artes de São Caetano do Sul (FASCS).
36 • VIOLÃO+
classif icados
Cursos de
Harmonia
Arranjo
Percepção
Leitura Musical
Violão
Contrabaixo
Reinaldo Garrido Russo
Maestro regente e arranjador
(11) 5562.8593
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Aulas • Escolas • Estúdios • Acessórios
Luthieria • Livros • Métodos • Serviços
Valéria Diniz
VIOLAO +
Revisão de textos
Mtb 66736
(11) 3862.9948
(11) 9.9260. 4028
dinizvaleria70@gmail.com
VIOLÃO+ • 37
sete cordas
“baixaria”
cleberassumpcao@gmail.com
VIOLÃO+ • 39
sete cordas
Acorde com referência no modelo de Mi menor (Em)
“Alvorada”
(Jacob do Bandolim)
40 • VIOLÃO+
sete cordas
“Brejeiro”
(Ernesto Nazareth)
“Odeon “
(Ernesto Nazareth)
VIOLÃO+ • 41
f lamenco
Am G F E9b
(cadência árabe-andaluza)
42 • VIOLÃO+
f lamenco
#FicaAdica
Jucal
(1994)
Gerardo Nuñez
VIOLÃO+ • 43
como estudar
Considerações
sobre a mão
Breno Chaves
brechaves@gmail.com
esquerda
“... É uma impropriedade muito comum os dedos da mão esquerda apertarem
antecipadamente as notas a serem tocadas, para a pessoa ter certeza de que estarão lá
quando a mão direita for tocar as notas. Há muito mais eficiência quando as duas mãos
tocam exatamente ao mesmo tempo, o que se consegue pensando no ritmo com as
duas mãos – como acontece num teclado – e não apenas com a mão direita (observe-
se que, quando as duas mãos encostam na corda ao mesmo tempo, ainda assim a
pulsação propriamente dita ocorre uma fração mínima de segundo mais tarde).
Dessa maneira é possível reduzir muito a pressão a ser feita pelos dedos da mão
esquerda, já que uma leve martelada do dedo na corda (conseguida com a velocidade
do impulso e não com a força) produz uma pressão enorme momentaneamente, pressão
essa que é necessária apenas no momento da pulsação da corda pela mão direita. Após
essa ligeira martelada basta que o dedo da mão esquerda continue apenas levemente
encostado na corda, o suficiente para manter a sustentação do som pelo tempo que for
necessário.
Não é difícil perceber a economia de esforço que se consegue quando as duas mãos
tocam em sincronia absoluta, usando-se, em vez da pressão contínua dos dedos
da mão esquerda sobre as cordas, apenas uma decidida, porém leve martelada no
momento exato da nota ser tocada. Sem exagero algum, é a mesma diferença que há
entre bater um prego com o martelo da maneira que normalmente se usa a ferramenta
e tentar empurrar o prego com o martelo sem bater, aplicando a força bruta.
No entanto, essa técnica só funciona se o polegar da mão esquerda estiver completamente
solto, infelizmente é extremamente comum a mão esquerda agarrar o braço do violão
numa atitude semelhante à de uma pessoa agarrando o corrimão de uma escada quando
está com medo de cair. Na verdade, quanto menos o polegar da mão esquerda interferir,
melhor, já que tocar ele não toca nada, e não deve nunca trancar a mão, fazendo como
se essa fosse um alicate prendendo o braço do violão.
Aliás, isso vale também para pestanas (para as quais evidentemente a técnica do martelo
não funciona): o indicador consegue muito mais pressão quando se usa somente o
antebraço para puxar esse dedo, ficando assim o polegar, bem como o médio, anular e
mínimo, soltos e relaxados, e a mão como um todo igualmente solta quando for a hora
de largar a pestana para mudar rapidamente de posição...” (Sergio Abreu)
44 • VIOLÃO+
como estudar
Traslado longitudinal da mão esquerda
Este movimento é mais complexo que o da mão direita em
função da assimetria da escala do violão. À medida que a mão
esquerda “caminha” para a região aguda, as casas ficam cada
vez menores. Dessa forma, o ideal é trabalhar por posição. As
posições são determinadas pela localização do dedo indicador,
independentemente se o mesmo está sendo usado ou não.
Exemplo:
Movimento
Nesse traslado, o antebraço tem função motora. A mão
fica subordinada ao movimento do antebraço, salvo os
casos em que existirem acordes (transversais ou mistos)
em vez de escalas. Nessas situações, o braço pode e
deve movimentar-se também. Nos casos das escalas
propriamente ditas, o braço permanece relaxado, e o
antebraço faz o movimento.
Considerações gerais
O método Escuela de la guitarra: exposición de la teoria
instrumental, de Abel Carlevaro, que acredito ser uma das
obras mais incríveis da literatura técnica violonística –
pelo seu conjunto, pelo rigor e pela profundidade com que
aborda os diversos aspectos da técnica e a enormidade
de exercícios que propõe – é, a meu ver, um dos métodos
mais mal interpretados.
Mesmo com registros fotográficos das posições, quem
estudou sabe que sua compreensão fica difícil. É um
método que aborda a técnica de forma muito particular, e,
ao mesmo tempo, academicamente falando, foi concebido
com a finalidade de formalizar a técnica do violonista
espanhol Andrés Segóvia, com quem Carlevaro estudou.
Para alguns, funciona maravilhosamente bem. Para
outros, o resultado é, no mínimo, equivocado.
Ultimamente, temos encontrado métodos interessantes,
que saem do lugar comum e tratam o assunto sob outro
olhar. Um deles, acompanhado de uma série de dicas
sobre a forma de tocar bem o violão, é o Pumping Nylon,
de Scott Tennant, que aborda o tema técnica como uma
“brincadeira séria”. O autor faz um apanhado técnico desde
Giuliani, passando por Tárrega, chegando a exemplos
próprios e dicas valiosas sobre o posicionamento das
mãos e do instrumento.
Outra proposta interessante é o método Técnica,
Mecanismo y Aprendizaje, do violonista uruguaio Eduardo
Fernández. Ele propõe uma abordagem sensorial da
técnica, muito coerente e precisa, com uma série de
exercícios, pasmem, sem o instrumento! Fernandéz chama
o leitor à sensibilização e conscientização neuromotora
fora do instrumento e, depois, gradativamente, passa a
aplicá-las no violão.
46 • VIOLÃO+
de ouvido
VIOLÃO+ • 47
de ouvido
Uníssono
Tendo feito o necessário e importante esclarecimento,
vamos fazer alguns exercícios, mas permitam-
me apresentar o intervalo de uníssono perfeito ou,
simplesmente, “uníssono”. Vá ao piano e toque o Dó central
(Dó3). Trata-se da nota Dó situada perto da fechadura
do instrumento. Cante esse som na mesma altura em
que você o ouve. Reconheço que não é tarefa fácil para
todos, pois grande parte dos alunos não tem referência
para saber se está cantando o mesmo som (significado
da palavra “uníssono”) ou cantando a nota Dó em outra
oitava (lembre-se de que intervalo de oitava é o intervalo
distante de oito tons ou notas na régua musical Dó, Ré,
Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó).
Veja o esquema abaixo:
Dó3
... Dó1 Ré1 Mi1 Fá1 Sol1 Lá1 Si1 Dó2 Ré2 Mi2 Fá2 Sol2 Lá2 Si2 Dó3 Ré3 Mi3 Fá3 Sol3 Lá3 Si3 Dó4 ...
48 • VIOLÃO+
de ouvido
Vamos comparar cada uma dessas notas com o Dó2 (oitava
abaixo).
VIOLÃO+ • 49
siderurgia
Little Country
Walter Nery
www.walternery.com
Olá, amigos! Nesta edição vou apresentar a primeira
parte de uma composição autoral, chamada Little
Country. Compus essa música há algum tempo, como
um exercício de aplicação dos elementos que foram
apresentados nas edições anteriores: baixo alternado,
contratempo e síncope. A tonalidade de Ré Maior é
configurada pelo uso de um capotasto na segunda
casa do violão, o que infere maior brilho e vivacidade à
peça. A harmonia gira em cima dos três acordes pilares
dessa tonalidade: D (Ré Maior), G (Sol Maior) e A (Lá
Maior). Na próxima edição, vou apresentar a integral
dessa composição. Abraços musicais!
50 • VIOLÃO+
siderurgia
“Little Country”
Walter Nery
VIOLÃO+ • 51
VIOLA caipira
Luar do Sertão
“Não há, oh gente, oh não, luar como este do sertão.” Fábio Miranda
Assim começa uma das toadas mais conhecidas do nosso www.fabiomirandavioleiro.com
Exercícios
Vamos dar sequência aos exercícios que vínhamos
executando, lembrando que é importante, para a evolução
no aprendizado, o estudo vinculado a uma rotina. Temos
dividido esta rotina entre técnica da mão direita (arpejos e
batidas), técnica da mão esquerda (posição frontal ao braço
do instrumento), sequências harmônicas e leitura musical.
Nesta edição não trarei novos arpejos para a mão direita
e nem técnica para a mão esquerda, que serão retomados
posteriormente. Peço que executem, como combinado,
os exercícios de técnica para mão esquerda e os arpejos
já conhecidos sobre as novas sequências de acordes,
procurando sempre som alto e claro. Toque lentamente, até
ganhar fluência. Depois, gradativamente, vá aumentando a
velocidade. Qual a novidade desta edição? Pois é, que tal
aprendermos a pestana?
Pestana
A pestana – peça que fica no início do braço do violão, com
pequenos sulcos por onde as cordas passam a caminho
das tarraxas e da afinação – representa a casa 0 (zero) do
violão e é o nome do movimento que vamos aprender em
novos acordes.
Quando apertarmos as seis cordas do violão com um
único dedo, estaremos fazendo a pestana. Se estivermos
apertando três ou quatro cordas com esse único dedo,
chamaremos de 1/2 (meia) pestana.
54 • VIOLÃO+
iniciantes
Seguem alguns novos acordes. Vejam as instruções e
lembrem-se: caso fique confuso entender as descrições,
olhem os desenhos (diagramas) do braço do violão e
assistam ao vídeo demonstrativo.
VIOLÃO+ • 55
iniciantes
Sequências harmônicas
Seguem duas novas sequências harmônicas, nas quais
misturaremos acordes novos e antigos. Consulte os novos
na página anterior.
Batida
Nesta edição aprenderemos uma batida nova para a mão
direita, muito parecida com a que já dominamos, apenas com
a mudança de uma flecha do sentido de um toque. Aplique
essa batida nas sequências de acordes que já aprendeu.
VIOLÃO+ • 57
iniciantes
58 • VIOLÃO+
academia Por Paulo de Tarso Salles
O acorde de Tristão
em Villa-Lobos
Escrito em 2004, esse artigo aborda a presença do “acorde de
Tristão”, nome dado ao acorde meio-diminuto que aparece no
Prelúdio da ópera Tristão e Isolda (1859), de Richard Wagner,
uma das obras musicais que mais influenciaram a música do
final do século 19 até o início do século 20. Villa-Lobos menciona
Tristão e Isolda, explicitamente, no poema sinfônico Uirapuru
(1917). Na sua obra para violão, o tratamento dado ao acorde
sugere a mesma referência a Wagner, encontrada, por exemplo,
no Prelúdio nº 3 (1940).
Introdução
A música do final do século 19 sofreu profunda
influência de Richard Wagner. Não foi diferente com
relação às gerações de compositores do início do
século 20, cujos anos de formação se deram sob
essa mesma influência. No Brasil, essa influência
wagneriana passou pelo filtro da música francesa,
através da orientação de músicos como César Franck,
Vincent d’Indy e Camille Saint-Säens, reconhecidos
cultores do compositor alemão 1. Até mesmo Debussy
manifesta essa influência, embora sua música seja
considerada até mesmo oposta à de Wagner 2.
Tomando como base a música desses franceses, a
VIOLÃO+ • 59
academia
geração de compositores brasileiros da era reverenciada. Sabe-se que estudou o
virada do século encontrou meios de Cours de Composition Musicale de d’Indy,
iniciar um projeto de renovação artística, obra onde há várias referências a Tristan
que viria se concretizar com a eclosão do und Isolde e outras realizações de Wagner.
movimento modernista, que sedimentou Assim como os outros compositores de
o movimento nacionalista. Alguns deles, sua geração, ele também não foi imune às
como Alberto Nepomuceno, Leopoldo várias análises e discussões em torno das
Miguéz e Francisco Braga, chegaram inovações harmônicas do Prelúdio dessa
a passar algum tempo estudando na ópera, cujos acordes iniciais tornaram-se
Alemanha, frequentando o famoso festival uma espécie de arquétipo harmônico (fig.
de Bayreuth, enquanto Henrique Oswald 1), frequentemente revistos por vários
teve contatos frequentes com Saint-Säens compositores ao longo do século 203.
(MARTINS, 1995, pp. 59-66). Assim, encontramos várias alusões a
Villa-Lobos, portanto, formou-se num esses acordes em algumas de suas obras,
ambiente musical onde a obra de Wagner como mostraremos a seguir.
Fig. 1: Redução para piano dos compassos iniciais do Prelúdio de Tristão e Isolda de Wagner
60 • VIOLÃO+
academia
Mais adiante, a citação se confirma de modo mais evidente quando a flauta evoca
a progressão melódica da linha superior de Tristão (fig. 3), enquanto o acorde
wagneriano permanece soando nas clarinetas e fagotes.
Fig. 3: solo de flauta semelhante à linha superior da sequência harmônica de Tristão e Isolda.
Na coda de Uirapuru, Villa-Lobos realizou permutações sobre a sequência final de
Tristan, submetendo o material a um processo de subtração/adição de semitons.
Essa distorção é ainda completada por uma abrupta mudança de registro e timbre,
que Villa-Lobos realiza com um salto de três oitavas, despencando no SOL oitavado
grave, transferindo a citação da harpa para os naipes de cellos e baixos. Em Wagner
há uma resolução frígia (Ab – G), além do registro fixo na região grave (fig. 4).
Desse modo, descontando a nota Sol, Villa-Lobos expande a gama de sons para uma
escala de tons inteiros: C-D-E-F#-Ab-Bb, enquanto em Wagner os cellos ressoam o
acorde de Tristão, em posição cerrada e em movimento melódico.
VIOLÃO+ • 61
academia
Fazendo uso recorrente de posições fixas de dedos ao longo da escala do violão,
Villa-Lobos emprega formatos imutáveis de acorde em vários dos 12 Estudos
(1929), como por exemplo os de nº 1, 4, 6 e 12. Mas será no Prelúdio nº 3 (1940)
que a referência a Wagner é mais direta (fig. 6).
Um pouco mais adiante (fig. 7) a referência se torna ainda mais completa, pois
Villa-Lobos chega à Dominante com sétima de lá menor, também empregada por
Wagner em conjunto com o “acorde Tristão”. Observe-se a sutilíssima pausa no
final do compasso 17, eliminando os transientes harmônicos do MI bordão que
ressoava solto:
62 • VIOLÃO+
academia
Podemos ver a partir do esquema analítico acima que Villa-Lobos polariza
sucessivamente as notas Mi, Dó# e Sib, chegando ao acorde Tristão transposto uma
quarta Justa acima (Sib) e em disposição mais afastada; após essa manifestação
integral do acorde, o trecho seguinte polariza a nota que faltava, o Sol#.
Conclusão
Vimos como Villa-Lobos empregou o acorde de Tristão de maneiras diferentes
em pelo menos três obras de caráter distinto, nos gêneros poema-sinfônico, solo
instrumental e música orquestral. Na mais antiga dessas obras, Uirapuru , o acorde
de Tristão desencadeia um comentário musical, um processo elaborado de paródia
ou mesmo pastiche, onde o acorde não é tratado como matéria harmônica, mas
como “objeto-sonoro”.
No Choros nº 8 o acorde de Tristão atua como desencadeador de todo o processo
harmônico da primeira seção, estabelecendo seu peso gravitacional ao redor do
qual circulam seus “satélites” harmônicos, atuando como índices de direcionalidade.
No Prelúdio nº 3 a condição de objeto sonoro fica ainda mais evidente, especialmente
nos vários compassos em que o material se reduz ao acorde de Tristão e suas
transposições, usando como único fator modulatório o choque ou somatória de
harmônicos com a nota-pedal Lá, no registro grave.
Desses usos variados depreende-se que Villa-Lobos elaborou seus próprios
planos composicionais a partir de um arquétipo harmônico empregado também
pelos músicos mais importantes de sua época, como Debussy, Schoenberg, Berg e
Webern, em um momento em que as convenções harmônicas ou eram rediscutidas
mediante os processos cromáticos da Segunda Escola Vienense ou levadas para
o território da livre especulação frente às sonoridades resultantes, como o fizeram
Debussy e Stravinsky. Villa-Lobos, principalmente em suas obras escritas na década
de 1920, pertenceu a essa segunda vertente que em muitos momentos antecipou o
uso das combinações harmônicas como objetos sonoros autônomos, conceito que
seria mais bem estudado na década de 50 após Pierre Schaeffer.
1
Ainda assim, a recepção em torno de Wagner sofreu divisões entre os grupos liderados por Saint-Säens e d’Indy (MASSIN, 1997, pp. 810-811; 918-919).
2
Debussy cita o acorde Tristão numa paródia feita em Golliwogg’s Cake Walk da suíte Children’s Corner (1908), compassos 56 a 64.
3
Ver MENEZES (2002).
4
Sabe-se que a verdadeira data de composição de Uirapuru dificilmente corresponde ao ano de 1917, fornecido por Villa-Lobos. No entanto, restam esboços
de uma obra anterior que lhe serviu de base, Tédio de Alvorada, em que já estão presentes muitas das passagens com o acorde de Tristão e cuja data, 1916,
dificilmente pode ser contestada, já que foi comprovadamente estreada em 1918.
Referências bibliográficas
D´INDY, Vincent. Cours de composition musicale. 2v., 6ª ed. Paris: Durand, 1912.
KIEFER, Bruno. Villa-Lobos e o modernismo. Porto Alegre: Movimento, 1986.
MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.
MARTINS, José Eduardo. Henrique Oswald: músico de uma saga romântica. São Paulo: EDUSP, 1995.
MASSIN, Jean & Brigitte. História da Música Universal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
MENEZES, Flo. Apoteose de Schoenberg. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002
VIOLÃO+ • 63
coda
Homenagem ao
violonista (?) Tom Jobim
Luis Stelzer
VIOLÃO+ • 65