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CRIME DE CANGAÇO? ISSO É NECESSÁRIO?

Muito se tem visto e falado acerca da tramitação de Projetos de Lei que


preveem a criação de novos crimes para melhor abranger a punição de
condutas que, aparentemente, não se enquadram no arcaico Código Penal
(CP).
É bem verdade, contudo, que a criminalidade está cada vez mais bem
orquestrada e organizada, seja pelo aperfeiçoamento das táticas delitivas, seja
pela melhoria de seu aparato de fogo que, atualmente, já coloca em situação
de desvantagem os agentes de segurança pública.
Neste contexto, a prática de infrações penais surpreendentemente
arquitetadas torna-se cada vez mais comum, como é o caso, a guisa de
contextualização, dos recentes acontecimentos presenciados em diversas
localidades do Brasil, em que quadrilhas fortemente armadas invadem cidades
do interior para praticar assaltos, inclusive bloqueando importantes pontos de
acesso, de forma a impedir a aproximação da polícia.
Por conta destes atos criminosos, a Câmara dos Deputados
recentemente aprovou Projeto de Lei que prevê a criação do crime apelidado
de “novo cangaço”, entendido como o domínio de cidades para a prática de
crimes, em referência ao antigo Cangaço, caracterizado por um movimento
social de banditismo ocorrido em quase todo o sertão do Brasil.
Entretanto, é importante que se reflita acerca da necessidade de criação
de novos tipos penais, como pretendido pelo Projeto de Lei nº 610/22, recém
aprovado na Câmara.
Isto porque, apesar do Código Penal ser uma norma consideravelmente
arcaica para os tempos atuais, boa parte das previsões que lá estão atendem
adequadamente as situações delitivas que surgem nos dias de hoje, de forma
que boa parte das modificações legislativas pretendidas pouco ou nada
acrescentariam.
No que tange ao crime do “novo cangaço”, este possui diversas
incongruências dogmáticas que deveriam ser melhor analisadas antes de seu
eventual ingresso no ordenamento jurídico.
Entretanto, destaca-se a modificação atinente à reprimenda prevista no
Projeto de Lei, cujas penas vão de 20 a 30 anos, podendo chegar a 40 anos de
reclusão se da conduta resultar morte, havendo, ainda, o aumento de pena em
1/3 se houver o uso de explosivo e aeronaves.
Destarte, causa estranheza que o legislador tenha se preocupado muito
pouco em estabelecer uma relação de razoabilidade entre a conduta
virtualmente praticada e a penalidade prevista, ao passo que o crime de
homicídio (Art.121/CP), em sua modalidade simples, possui pena máxima de
20 anos, enquanto esta é a pena mínima cominada ao “novo cangaço”.
Ao que parece, pecou o legislador ao desconsiderar qualquer parâmetro
de racionalidade, tendo em vista que, da forma como está posto, seria menos
gravoso que se tirasse uma vida do que se fosse realizado o bloqueio de uma
via de tráfego para garantir a realização de um roubo.
Necessário que se pontue, ainda, que o agravamento das penas
criminais não é uma medida eficaz no combate ao crime, tendo em vista que,
de forma simplória, o criminoso contumaz não se preocupa com a possível
pena atribuída à sua conduta, mas, tão somente, com a recompensa que dela
decorre.
Logo, há de se considerar se a criação do tipo penal em apreço é
minimamente necessária para o aperfeiçoamento das políticas criminais
vigentes em nosso país ou se seria, tão somente, mais uma alteração
normativa com pouco ou nenhum efeito prático e de latente insensatez, haja
vista que as normas criminais em vigor já possuem diversos dispositivos que
punem as condutas de roubos com uso de explosivos e uso de aparato bélico
de uso proibido, por exemplo.

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