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DETERMINAÇÃO EXPERIMENTAL DA TENACIDADE AO FRATURAMENTO

DO CONCRETO COM CORPOS-DE-PROVA DO TIPO “SHORT-ROD”

Antonio Carlos dos Santos


Laboratório de Estruturas e Materiais Estruturais (LEM)
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
E-Mail: acds@usp.br
José Luiz Antunes O. e Sousa
Faculdade de Engenharia Civil - UNICAMP
E-Mail: jls@fec.unicamp.
Túlio Nogueira Bittencourt
Laboratório de Estruturas e Materiais Estruturais (LEM)
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
E-Mail: tbitten@usp.br

RESUMO

Neste trabalho desenvolveu-se uma metodologia para a determinação da tenacidade ao


fraturamento (KIc) do concreto, através de ensaios de deformação controlada em corpos-de-prova
do tipo “short-rod”, baseando-se em recomendações da ISRM. Foram ensaiados 72 corpos-de-
prova do tipo “short-rod” para a determinação de KIc, em quatro grupos de 18 corpos-de-prova,
com distintos traços de concreto variando-se a resistência e tamanho dos agregados graúdos. Cada
grupo foi dividido em três partes iguais, ensaiadas em idades diferentes. Simultaneamente
ensaiaram-se corpos-de-prova cilíndricos para a determinação da resistência à compressão e a
resistência à tração. A metodologia adotada se mostrou adequada para a determinação da
tenacidade ao fraturamento do concreto. Os resultados obtidos indicaram dependência da
tenacidade ao fraturamento em relação a tamanho do agregado graúdo, resistência à compressão e
idade do concreto.

INTRODUÇÃO

A Mecânica do Fraturamento teve seu início histórico com a publicação de GRIFFITH


(1920), Poucos avanços ocorreram nessa área, até a Segunda Guerra Mundial, quando a
ocorrência de vários acidentes envolvendo navios de guerra motivaram uma atenção maior ao
comportamento de matérias em presença de fissuras. A aplicação da Mecânica do Fraturamento se
aplica a uma grande gama de materiais, que passa por materiais dúcteis até os quase-frágeis.
KAPLAN (1961) apud CATALANO (1983) foi o primeiro a analisar o comportamento de
materiais cimenticios com base na Mecânica do Fraturamento.

CATALANO (1983) utilizou-se da configuração geométrica (Short-Rod – SR) proposta por


BARKER (1977) (1979) para ensaios de tenacidade ao fraturamento de concreto. Dentre suas
conclusões está a de que a mecânica do fraturamento elástico-linear é aplicável e caracteriza o
comportamento ao fraturamento dos materiais argamassa e concreto, destacando que os valores
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obtidos de tenacidade ao fraturamento são dependentes dos seguintes fatores: constituintes da


argamassa ou concreto, condições de cura e idade.

Destacam-se como relevantes na atualidade o desenvolvimento de metodologias de ensaio


para determinação dos parâmetros de tenacidade ao fraturamento do material, assim como o
conhecimento da influência da composição do material sobre esses parâmetros.

EXECUÇÃO DOS CORPOS-DE-PROVA

Formas, dispositivo de aplicação de carga e sistema de apoio

A execução das formas para moldagem dos corpos-de-prova tipo SR baseou-se nas
recomendações do ISRM (1988), adaptadas à norma brasileira de moldagem e cura de corpos-de-
prova cilíndricos ou prismáticos de concreto NBR-5738/84. O dispositivo de aplicação de carga
para o ensaio de tenacidade ao fraturamento em modo I foi desenvolvido de forma que a força
aplicada pelo equipamento de ensaio seja transmitida ao corpo de prova perpendicularmente ao
plano de fraturamento. O corpo de prova é preso à máquina de ensaio por duas barras de
transmissão de carga (Figura 1a), fixadas ao concreto por parafusos. Os parafusos foram
colocados durante a fase de moldagem através de gabarito (Figura 1b), garantindo seu
posicionamento no diâmetro ortogonal ao plano de fraturamento. Utilizou-se dois parafusos para a
fixação das barras de transmissão, afim de evitar rotação durante a aplicação da carga (Figura 1b) e
também favorecer a distribuição das tensões na região, minimizando a probabilidade de ruptura
localizada do concreto. Uma vez fixado o corpo de prova à máquina de ensaio, sua extremidade
oposta foi apoiada de modo a restringir apenas translação na direção vertical, minimizando o efeito
do peso próprio do corpo de prova sobre os resultados.

(b)
(a)

Figura 1: (a) Posicionamento dos parafusos de fixação e das barras de transmissão de carga,
(b) Gabarito de posicionamento dos parafusos

Concreto

No preparo e obtenção dos concretos utilizados (Tabela 1) nos ensaios, procurou-se definir e
caracterizar todos os seus constituintes de forma a garantir que as propriedades do concreto
ensaiado fossem as especificadas e tornar possível sua reprodução.
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Tabela 1: Traços, em massa do concreto utilizados nos ensaios


Traço Resistência Faixa Relação Quantidade
(MPa) de Brita a/c Cimento Areia Brita Água
1 20 4,8 < Dmax ≤ 6.3 mm 0,65 1 1,83 2,83 0,65
2 20 6,3 < Dmax ≤ 9,5 mm 0,64 1 1,91 2,91 0,64
3 50 4,8 < Dmax ≤ 6.3 mm 0,36 1 0,57 2,57 0,36
4 50 6,3 < Dmax ≤ 9,5 mm 0,34 1 0,55 2,55 0,34
Moldagem, Desforma e Cura

Foram moldadas 4 séries, cada uma contendo 18 corpos-de-prova para ensaio de tenacidade
ao fraturamento (SR), 9 para compressão axial (10x20cm) e 9 para compressão diametral (Brazilian
test). Cada série foi moldada com um dos traços da Tabela 1.

A desforma dos corpos-de-prova foi feita após 24 horas, segundo as recomendações da


NBR-5738. A lâmina destinada à formação da ranhura chevron foi retirada entre 2 e 4 horas após
a moldagem, dependendo do traço. É importante atenção para os casos em que a relação
água/cimento é baixa, pois o tempo recomendado para retirada da lâmina é menor. Após a
desforma, os corpos-de-prova foram armazenados em uma tanque com água à temperatura
ambiente, na posição vertical em relação ao plano preferencial da ranhura. Cada série foi dividida
em três partes iguais, que foram ensaiadas respectivamente com idades de 14, 28 e 56 dias.

ENSAIO DE TENACIDADE AO FRATURAMENTO

Metodologia experimental

Os ensaios de tenacidade ao fraturamento foram realizados a uma temperatura de 25oC, aos


14, 28 e 56 dias de idade. A aplicação de carga foi feita com uma máquina de deformação
controlada do tipo MTS modelo 810, programada para aplicação do ciclo de carga em um intervalo
de 100 a 150 segundos, ou seja adotou-se uma velocidade de carregamento de 2,0 e 3,0 N/s
respectivamente. Com este procedimento procurou-se minimizar o efeito da taxa de carregamento
sobre o valor da tenacidade ao fraturamento, de acordo com observações feitas por BAZANT
(1990).

Uma das barras de transmissão de carga é fixada à máquina de maneira a garantir sua
perpendicularidade entre a linha aplicação da carga e o plano da ranhura. Após fixar o corpo de
prova nas garras, posiciona-se um extensômetro do tipo MTS modelo 632.03C.20 (clip on gage)
na boca da ranhura do corpo de prova.

Durante o ensaio, um diagrama da abertura da boca da fissura “Crack Mouth Opening


Displacement” (CMOD) versus carga aplicada é traçado por um registrador do tipo X-Y. Durante
o ensaio observa-se o comportamento do diagrama pois, quando a linha de carregamento tende a
uma tangente em relação à linha de carga, descarrega-se o sistema para evitar propagação instável
da fissura. O descarregamento deve ser feito, segundo recomendações da ISRM (1988), entre 10
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e 20% da carga máxima atingida. Uma vez descarregado o corpo de prova, inicia-se um novo ciclo
de carregamento tomando-se as mesmas precauções anteriores.

Procedimento de Cálculo

Primeiro Caso : Média entre picos superior a 98% da carga máxima

No gráfico obtido no ensaio, marcam-se os pontos de carga superior nos dois maiores ciclos
atingidos (ponto A e B). Utilizando-se como ordenadas os dois maiores valores de carga divididos
por 2, marcam-se os pontos C e D sobre a linha de recarregamento subseqüente aos pontos A e B
(Figura 2).

A seguir traçam-se duas retas que passando pelos pontos AC e BD (reta 1 e 2


respectivamente), as quais são prolongadas até cruzarem o eixo das abcissas, nestes pontos
marcam-se E e F (Figura 2).

y
Carga
A B

C D

Abertura da Boca
da Fissura
x
E F

Figura 2 : Localização dos pontos de cruzamento no eixo das abcissas

Segundo a ISRM (1988), a tenacidade ao fraturamento para materiais inelásticos é dada pela
expressão:

1 + p CK ⋅ 24 ⋅ F (1)
KSR = ⋅
1− p D 1,5

onde “p” é obtido pela relação p = ∆x0 ∆x , sendo ∆X a projeção no eixo das abcissas dos
segmentos de reta AB e ∆X 0 a distância EF; F é a média entre os valores das cargas dos pontos
A e B; D é o diâmetro nominal do corpo de prova; e CK é um fator de correção devido à variação
nas dimensões do corpo de prova obtido através da equação (2).

0.60∆W 140
. ∆ a0 (2)
CK = (1 − + − 0.01∆θ )
D D

onde ∆W é a variação de altura, ∆a 0 a posição inicial da ranhura e ∆θ o ângulo da ranhura dos


corpos-de-prova
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Segundo Caso : Média entre picos inferior a 98% da carga máxima

Marcam-se sobre o gráfico obtido no ensaio os pontos A, B, C, D, E e F de acordo com o


procedimento descrito no primeiro caso, traçando-se as retas 1 e 2 (Figura 2). Sobre a reta 1
marcam-se um ponto G, de forma que o valor da projeção sobre o eixo da abcissa do segmento EG
seja igual a projeção sobre o mesmo eixo, do segmento FB (Figura 3). No ponto médio do
segmento GB marca-se o ponto H (ponto de carga Fe), a partir do ponto H traçar uma reta (reta 3)
com uma inclinação igual a média entre as declividades das retas 1 e 2. Onde a reta 3 cruzar a
curva obtida durante o ensaio tem-se o ponto I (Figura 3).

1 1 3
y y
X2 G 2 G 2
Carga Carga H
P1 B FC B
A A I
P2

P1 /2 D D
C C
P2 /2

x x
E F X2 Abertura da E F Abertura da
Boca da Fissura Boca da Fissura

Figura 3 : Localização dos pontos no gráfico para o segundo caso

A tenacidade ao fraturamento é obtida segundo o ISRM (1988) através da expressão:

1+ p F 1 + p CK ⋅ 24 ⋅ F FC (3)
C
KSR = ⋅ KSR ⋅ C = ⋅ ⋅
1− p F 1− p D1, 5 F

A carga Fc é obtida tomando-se como seu valor a ordenada do ponto I.

RESULTADOS DE ENSAIOS

Tabela 2 : Resultados de resistência à compressão e tração dos grupos


Resistência à Compressão (MPa) Resistência à Tração (MPa)
Idade (Dias) 14 28 56 14 28 56
Traço 1 22,3 24,9 31,0 2,1 2,6 2,6
Traço 2 19,0 22,2 27,0 2,0 2,2 2,5
Traço 3 40,6 47,2 54,5 3,6 4,4 3,5
Traço 4 47,0 46,9 51,2 4,2 4,3 3,9
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Tabela 3 : Resultados de tenacidade ao fraturamento dos grupos

KIQ (MPa m) KIc (MPa m ) p


Idade (dias) 14 28 56 14 28 56 14 28 56
Traço 1 0,88 0,86 1,04 1,34 1,19 1,36 0,367 0,269 0,254
Traço 2 0,79 0,90 1,01 1,21 1,33 1,47 0,384 0,316 0,347
Traço 3 0,14 1,50 1,65 2,04 1,98 2,03 0,171 0,218 0,180
Traço 4 0,15 1,66 1,58 2,09 2,49 2,35 0,298 0,285 0,351
CONCLUSÕES

Pode-se evidenciar neste trabalho que ensaios de tenacidade ao fraturamento,


utilizando-se de corpos-de-prova cilíndricos do tipo “short-rod”, são bastante simples
no que tange às fases de confecção e ensaio dos corpos-de-prova. Observou-se para
as condições de ensaio e características do concreto utilizadas, um baixo nível de
perdas e nenhuma outra forma de ruptura além da desejada (modo I).

Os resultados de ensaios apresentam um baixo desvio padrão, demonstrando


que a metodologia aplicada, tanto na dosagem experimental utilizada para se obter o
traço dos concretos, quanto na moldagem e ensaio dos corpos-de-prova dos diversos
ensaios realizados são confiáveis.

Dentre os comportamentos observados pode-se citar que: o valor da relação


água/cimento influencia a tenacidade ao fraturamento do concreto de forma
inversamente proporcional, ou seja, quando se aumenta a relação água/cimento, a
tenacidade ao fraturamento diminui, quanto maior o tamanho do agregado graúdo
maior o valor da tenacidade ao fraturamento, a diferença entre a tenacidade ao
fraturamento aparente (K IQ ) e tenacidade ao fraturamento (K Ic ), se apresenta maior
nos concretos com agregados graúdos maiores, ou seja, nestes casos o fator de
correção inelástica (p) é maior e os valores de tenacidade ao fraturamento dos
concretos crescem com a idade dos corpos-de-prova, sendo que após 56 dias, estes
apresentam uma tendência à estabilização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, “Moldagem e cura de


corpos-de-prova cilíndricos ou prismáticos de concreto”, NBR-5738, Rio de
Janeiro, (1991)
BARKER, L.M., “A simplified method for measuring plane strain fracture toughness”,
Engineering Fracture Mechanics, Vol. 9, (1977), pp 361-369.
BARKER, L.M., “Theory for determining K 1c from small, non-LEFM specimens,
supported by experiments on aluminum”, International Journal of Fracture, Vol
15, No 06, (1979), pp 515-536.
BAZANT, Z. P.; GETTU, R., “Size effect in concrete structures and influence of
loading rate”, Proceedings of the First Materials Engineering Congress, Denver ,
1990.
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CATALANO, D. M., “Concrete fracture: A linear elastic fracture mechanics


approach”, M.Sc. Dissertation, Cornell University, Ithaca, NY, (1983).
GRIFFITH, A. A., “The phenomena of rupture and flow in solids”, Phil. Trans of the
Royal of London, Series A, Vol. 221, pp. 163-197, 1920.
ISRM: “Suggested methods for determining the fracture toughness of rock”, F.
Ouchterlony, Working Group Coordinator, Int. J. Rock Mech Min. Sciences,
vol.25, pp 71-96, (1988)
KAPLAN, M.F., “Crack propagation and the fracture of concrete”, Journal of
Americam Institute, Vol. 58 N o 5, pp 591-610, (1961).

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