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Um dos grandes avanços que revolucionou a Biotecnologia e deu origem ao campo da engenharia
genética foi o desenvolvimento da Tecnologia do DNA recombinante. Essa técnica permite manipular e
combinar moléculas de DNA de organismos diferentes, que podem ser multiplicadas e propagadas em
células. Mas como será que essa técnica surgiu?
A história começa com a observação de uma “batalha” que ocorre entre bactérias e um tipo de
vírus, na qual as armas utilizadas são análogas às tesouras. Ao longo deste texto vamos dar um passeio
histórico para saber como as enzimas de restrição foram descobertas e sua importância para o
desenvolvimento da Tecnologia do DNA recombinante.
Uma década depois, o suíço Werner Arber, ficou intrigado em saber o porquê desses vírus serem
restringidos de se multiplicarem nessas cepas. Primeiro, ele propôs a existência de um mecanismo de
defesa realizado por uma enzima produzida pela bactéria. Essa enzima consegue se ligar a sequências de
nucleotídeos específicas do DNA do bacteriófago e realizar “cortes” nesta região, como uma tesoura.
Com o seu DNA fragmentado, o bacteriófago não consegue ser replicado impedindo que novos vírus
sejam produzidos.
Em seguida, Arber concluiu que esse mecanismo de defesa só era eficiente em cepas de bactérias
que nunca tinham entrado em contato com o DNA do bacteriófago. As cepas que já tinham tido contato
prévio não conseguiam se defender, pois o DNA do bacteriófago acabava sofrendo mutações na região de
reconhecimento da enzima e impedia que ela atuasse ali. Junto com outro pesquisador, Stuart Linn, Arber
conseguiu identificar a enzima EcoB em Escherichia coli, que foi considerada uma endonuclease R,
conhecida hoje como enzima de restrição ou endonuclease de restrição.
Outro fato interessante é que as bactérias conseguem proteger o próprio material genético da ação
de suas enzimas de restrição adicionando grupos metil (CH3) nos locais de reconhecimento destas,
através do mecanismo de metilação do DNA.
Figura ilustrando o mecanismo de defesa realizado pelas bactérias infectadas por bacteriófagos. a)
À esquerda, um bacteriófago acoplado à superfície da bactéria injetando seu DNA (vermelho) no interior
da célula (amarela). À direita, enzimas de restrição (bolas rosas) se ligando em regiões específicas do
DNA viral cortando-o em fragmentos menores. b) o DNA bacteriano (vermelho) com grupos metil (Me)
adicionados nas regiões de reconhecimento das enzimas de restrição, impedindo a ação destas
últimas. Fonte: Adaptado de Brown, T. A. 2020.
Entre as décadas de 60 e 70, vários outros cientistas verificaram a existência de outras enzimas de
restrição tanto em E. coli quanto em outras espécies de bactérias. A enzima HindII, por exemplo, foi a
primeira a ser identificada em outra espécie (Haemophilus influenzae) por Hamilton Smith e Kent
Wilcox. Já em 1971, Daniel Nathans e Kathleen Danna conseguiram isolar essa enzima e misturá-la com
o DNA do vírus SV40, que infecta células eucarióticas, em um tubo de ensaio. Em seguida, eles
conseguiram visualizar 11 fragmentos de DNA que foram gerados com os cortes realizados por HindII
através da técnica de eletroforese.
“Quando eu vou ao laboratório com meu pai, eu costumo ver algumas placas sobre as mesas. Estas
placas contêm colônias de bactérias. Estas colônias me lembram de uma cidade cheia de muitos
habitantes. Em cada bactéria há um rei. Ele é muito longo, mas magro. O rei tem muitos servos. Estes são
grossos e curtos, quase como bolas. Meu pai chama o rei de DNA, e as enzimas de servos… Meu pai
descobriu um servo que serve como um par de tesouras. Se um rei estrangeiro invade uma bactéria, este
servo pode cortá-lo em pequenos fragmentos, mas ele não faz nenhum mal ao seu próprio rei.” (Silvia)
Fotografia dos cientistas que foram laureados com o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1978 pelas suas
descobertas a respeito das enzimas de restrição. Fonte: Nobel Foundation archive.
Até o começo da década de 70, os cientistas não tinham ideia do impacto que suas descobertas a
respeito das enzimas de restrição teriam para a ciência, e o principal pensamento era que elas poderiam
ter utilidade para fragmentar moléculas de DNA e estudá-las melhor, permitindo identificar genes mais
facilmente. Mas além dessa aplicação, anos depois, a Tecnologia do DNA recombinante foi criada.
Em 1972, os cientistas Janet Mertz e Ronald Davis demonstraram que a enzima de restrição
HindII conseguia clivar a fita dupla de DNA gerando fragmentos com extremidades cegas. Os mesmos
cientistas descobriram que a enzima de restrição EcoR1 cliva o DNA de fita dupla deixando extremidades
coesivas ou aderentes.
Figura ilustrando o mecanismo de ação das enzimas de restrição. a) a enzima de restrição AluI
reconhece uma sequência de quatro nucleotídeos (vermelho) e realiza um corte na fita dupla de DNA
gerando extremidades cegas. b) A enzima EcoRI reconhece uma sequência de seis nucleotídeos e realiza
um corte na fita dupla de DNA que gera extremidades coesivas. Fonte: Adaptado de Brown, T. A. 2020.
Figura ilustrando a produção de uma molécula de DNA recombinante. À direita, um vetor circular
(vermelho) serve como veículo onde será inserido um fragmento de DNA de interesse (em azul). As
enzimas de restrição geram extremidades coesivas (azul esverdeado) no vetor e no fragmento, permitindo
que eles possam se parear por complementaridade. A enzima DNA ligase efetua a ligação do fragmento
ao vetor dando origem a uma molécula de DNA recombinante, à direita. Fonte: Adaptado de Brown, T.
A. 2020.
Uma vez que o DNA recombinante está pronto, ele deve ser inserido no interior de uma célula
hospedeira (bactéria, fungo, mamífero ou planta) para que seja multiplicado e passado para as células
filhas. Uma colônia com bactérias que carregam várias cópias do DNA recombinante é chamada de clone.
A tecnologia do DNA recombinante é muito utilizada para gerar organismos transgênicos, ou seja,
que recebem um gene exógeno (de outras espécies). Nesse sentido, é empregada para criar animais e
plantas contendo genes que produzem características de interesse, como resistência a agentes infecciosos,
tolerância a variações de temperatura ou até produção de substâncias nutritivas ou de interesse
terapêutico. Moléculas de DNA recombinante também são muito utilizadas em metodologias para a
produção de vacinas.
ABREU, Fabiano Carlos Pinto de. Tecnologia do DNA recombinante: “A Fábula do Rei e seus
servos”. 2022. Disponível em: https://profissaobiotec.com.br/tecnologia-dna-recombinante-fabula-rei-
servos/. Acesso em: 10 set. 2022.