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PENSAMENTO

JURÍDICO
BRASILEIRO
AUTOR: JOÃO MANOEL DE LIMA JUNIOR

GRADUAÇÃO
2021.1
Sumário
Pensamento Jurídico Brasileiro

I – INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................3

II – PLANO DE AULAS..............................................................................................................................................6

BLOCO 1 – INTRODUÇÃO À DISCIPLINA PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..........................................................................6

TÓPICO 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO..........................................................................................................................6

TÓPICO 2: INTRODUÇÃO À DISCIPLINA PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..........................................................................7

TÓPICO 3: SIGNIFICADO E MÉTODOS DO DISCURSO JURÍDICO BRASILEIRO..............................................................................8

BLOCO 2 – PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E MUDANÇAS SOCIAIS......................................................................................9

TÓPICO 1: DIREITO E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS............................................................................................................9

TÓPICO 2: ESTRUTURA SOCIAL E PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..................................................................................10

TÓPICO 3: INSTITUIÇÕES JURÍDICAS E STATUS QUO........................................................................................................12

TÓPICO 4: CIDADANIA E ESTADO DE DIREITO NO BRASIL..................................................................................................14

BLOCO 3 – PENSAMENTO JURÍDICO E ECONOMIA BRASILEIRA AO LONGO DO SÉCULO XX..........................................................15

TÓPICO 1: A ECONOMIA NO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.......................................................................................15

TÓPICO 2: A FUNÇÃO SOCIAL DOS BENS DE PRODUÇÃO COMO ELEMENTO DE LIGAÇÃO ENTRE O PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E OS
PROCESSOS ECONÔMICOS......................................................................................................................................37

TÓPICO 3: DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS..................................................................................................................38

TÓPICO 4: ANÁLISE JURÍDICA DA POLÍTICA ECONÔMICA..................................................................................................39

BLOCO 4 – PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ENTRE A AUTENTICIDADE E IMPORTAÇÃO......................................................40

TÓPICO 1: O BRASILEIRO DO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.....................................................................................40

TÓPICO 2: O NOVO E O VELHO NO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.................................................................................41

BLOCO 5 – PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, DEMOCRACIA E AUTORITARISMO................................................................42

TÓPICO 1: PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E DITADURA...........................................................................................42

TÓPICO 2: AUTORITARISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS.......................................................................................................43


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

I – INTRODUÇÃO

CARGA HORÁRIA

60h

EMENTA

Método de leitura estrutural. Características do pensamento jurídico


brasileiro. A diferença entre pensamento e teoria do direito. Naturalismo.
Direito brasileiro e autoritarismo. Modernização autoritária. Direito e
economia. Direito econômico no Brasil. Análise jurídica da política econômica.
Pensamento jurídico brasileiro e direito comparado. Ordem jurídica brasileira
e processo democrático. Direito e políticas públicas. Direito e sociedade.
Instituições jurídicas. Pensamento jurídico brasileiro e cidadania. Discurso
jurídico. Unificação do direito privado. Técnica jurídica brasileira.

OBJETIVOS

Os objetivos da disciplina são (a) apresentar aos(às) estudantes um


panorama da evolução do pensamento jurídico brasileiro em cotejo com o
desenvolvimento social, econômico e político brasileiro; (b) desenvolver as
habilidades de leitura crítica e discussão qualificada da doutrina e produção
acadêmica brasileira; e (c) realizar uma introdução não dogmática ao estudo
do direito brasileiro. Ao final do semestre, os(as) estudantes serão capazes
de: (i) analisar o desenvolvimento do pensamento jurídico brasileiro ao
longo do Século XX e início do Século XXI; (ii) realizar estudos e análises
jurídicas circunstanciadas sobre problemas jurídicos diversos e sobre a relação
entre o pensamento jurídico brasileiro e outras áreas do conhecimento,
considerando especialmente a relação entre, de um lado, o direito brasileiro
(e seus operadores) e, de outro, o sistemas econômico, político e social; (iii)
realizar estudos críticos e comparativos entre o pensamento e o ordenamento
jurídico brasileiro e o pensamento jurídico estrangeiro; (iv) analisar como
o direito posto impacta e é impactado pelo contexto histórico e pelas
instituições sociais e atividades econômicas; (v) desenvolver futuras soluções
para problemas jurídicos concretos que considerem as especificidades do
direito, sociedade, economia, e política brasileiros(as) em sua implementação
e promovam o desenvolvimento nacional.

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PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

METODOLOGIA

O curso adotará o método dialético visando engajar os estudantes no


processo de construção coletiva do conhecimento em sala de aula. Neste
sentido, serão utilizadas fundamentalmente estratégias de aprendizagem
participativa, tais como aulas expositivas dialogadas, estudos de textos,
tempestades cerebrais, grupos de verbalização e observação e fóruns de
discussão. Portanto, a leitura prévia, assiduidade e participação ativa nas
discussões e atividades realizadas em sala de aula são – imprescindíveis
- para a qualidade dos encontros, das discussões e do curso como um
todo. O conteúdo da disciplina será trabalhado com base na análise
e na discussão de textos doutrinários e acadêmicos de pensadores(as)
brasileiros(as). Este método confere o protagonismo e a centralidade
nas análises realizadas pelos(as) estudantes (tanto individualmente
quanto em grupo) e promove a construção conjunta do saber jurídico e
das habilidades necessárias para o crescimento acadêmico e profissional
dos (as) alunos(as).

AVALIAÇÃO

A avaliação da disciplina será baseada em (a) duas provas dissertativas


com consulta sobre os temas tratados em sala de aula (90% das Notas 1
e 2) e (b) participação nas discussões realizadas em sala de aula (10% das
Notas 1 e 2). Os pontos de participação serão atribuídos levando-se em
consideração, principalmente, (1) a assiduidade e permanência nas aulas,
(2) a postura nas discussões e atividades realizadas em sala de aula, (3) a
frequência e a relevância das contribuições para o processo de construção
coletiva do conhecimento.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ALENCASTRO, Luiz Felipe. O pecado original da sociedade e da ordem


jurídica brasileira. Parecer sobre a Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental — ADPF/186, apresentada ao Supremo
Tribunal Federal (STF). Texto apresentado pelo autor, como
representante da Fundação Palmares, na Audiência Pública
do STF sobre as cotas universitárias para negros. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0101-33002010000200001. Data de acesso: 13.12.19.

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COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito econômico. In:


Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 101, n. 923, p. 37-52, 2012
[1965].

SEELANDER, Airton Cerqueira Leite. Juristas e ditaduras: uma leitura


brasileira. In: FONSECA, Ricardo Marcelo; SEELANDER, Airton
Cerqueira Leite (Orgs.) História do direito em perspectiva: do antigo
regime à modernidade. Curitiba: Juruá Editora, 2009.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

GOMES, Orlando. A evolução do direito privado e o atraso da técnica


jurídica. In: Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 121-134,
2005.

GRIMBERG, Keila. Código civil e cidadania. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar, 2002.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. O homem cordial: seleção de Lilia


Moritz Schwarcz. 1a ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia
das Letras, 2012.

LOPES, José Reinaldo de Lima. Régua e Compasso (ou metodologia para


um trabalho jurídico sensato). In: COURTIS, Christian. Observar
la ley. Madrid: Trotta.

REIS, Luciana Silva. A modernização crítica do pensamento jurídico


brasileiro no século XX: ciência do direito, ensino e pesquisa. Tese de
Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo:
2018.

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II – PLANO DE AULAS

BLOCO 1 – INTRODUÇÃO À DISCIPLINA PENSAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO

TÓPICO 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO

1. OBJETIVO

a) Objeto e objetivo do curso

b) Calendário

c) Avaliações

d) Bibliografia

e) Método

2. DINÂMICA DE ABERTURA DA DISCIPLINA

3. LEITURA RECOMENDADA

Excepcionalmente não aplicável.

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TÓPICO 2: INTRODUÇÃO À DISCIPLINA PENSAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO

1. OBJETIVO

Introduzir o método de análise dos textos a ser discutidos ao longo do


semestre

2. LEITURA RECOMENDADA

ASIMOV, Isaac (1989) “The Relativity of Wrong” Publicado


originalmente na revista Skeptical Inquirer, Volume 14, Número
1, Outono de 1989, páginas 35 a 44. Disponível em: http://chem.
tufts.edu/answersinscience/relativityofwrong.htm e em coletâneas
de textos do autor. Tradução de Daniel Sottomaior (disponível em
http://ateus.net/artigos/ceticismo/a-relatividade-do-errado Data de
acesso: 26.11.20, com trechos traduzidos por João Manoel de Lima
Junior.

MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. O método de leitura estrutural.


Cadernos Direito GV, v. 4, p. 3-41, 2007.

3. CASO GERADOR

Terraplanistas do Século XXI

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TÓPICO 3: SIGNIFICADO E MÉTODOS DO DISCURSO JURÍDICO


BRASILEIRO

1. OBJETIVO

Introduzir o significado e métodos da produção de um discurso


jurídico no Brasil

2. LEITURA RECOMENDADA

LOPES, J. R. L.. Regla y compás. In: Christian Courtis. (Org.). Observar


la ley. Madrid: Editorial Trotta, 2006, v. 1.

3. CASO GERADOR

O Direito da lagartixa

Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/03/04/empresa-
e-condenada-a-indenizar-cliente-que-teve-ar-condicionado-queimado-por-
lagartixa.htm

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BLOCO 2 – PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E MUDANÇAS SOCIAIS

TÓPICO 1: DIREITO E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

1. OBJETIVO

Analisar o papel dos juristas na relação de descompasso entre o direito


e as transformações sociais

2. LEITURA RECOMENDADA

GOMES, Orlando. A evolução do direito privado e o atraso da técnica


jurídica. In. Revista Direito GV. V. 1, N. 1, p. 121 – 134, 2005.
Republicação de capítulo do livro A Crise do Direito, São Paulo:
Max Limonad, 1955, pp. 234-255.

3. CASO GERADOR

Caso - PLS 487/13 - O Brasil precisa de um Novo Código Comercial?

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TÓPICO 2: ESTRUTURA SOCIAL E PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

1. OBJETIVO

Analisar a relação entre a estrutura social e a produção do pensamento


jurídico brasileiro

2. LEITURA RECOMENDADA

ALENCASTRO, Luiz Felipe. O pecado original da sociedade e da ordem


jurídica brasileira. Novos Estudos CEBRAP (Impresso), v. 87, p.
5-11, 2010.

CÂMARA, Nelson. Luiz Gama. O advogado dos escravos. São Paulo:


Brasil, 2016

3. CASO GERADOR

Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE
RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-
RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO
EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA
OFENSA AOS ARTS. 1º, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI,
LIV, 37, 205, 206, I, 207, 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. I – Não contraria
- ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no
caput do art. 5º da Carta da Republica, a possibilidade de o Estado lançar
mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número
indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural,
seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados,
de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um
tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades
decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo
constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais
para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal
do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos precedentes,
assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.

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IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro


histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e
sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica
de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais,
isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos
critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço
principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V
- Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em
consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo
a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam
beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos
do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI
- Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas
criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar
à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes
considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No entanto,
as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas
são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no
tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário,
tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em
prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade
como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o
espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo,
outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados
e os fins perseguidos. VIII Arguição de descumprimento de preceito
fundamental julgada improcedente.

(STF - ADPF: 186 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI,


Data de Julgamento: 26/04/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação:
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 17-10-2014 PUBLIC
20-10-2014)

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TÓPICO 3: INSTITUIÇÕES JURÍDICAS E STATUS QUO

1. OBJETIVO

Identificar se e como o comportamento das instituições jurídicas


funciona como agente transformador ou mantenedor do status quo social

2. LEITURA RECOMENDADA

RIBEIRO, Ivan Cesar; FERRÃO, Brisa. Os Juízes Brasileiros Favorecem


a Parte Mais Fraca?. Revista de Direito Administrativo, 2007.

3. CASO GERADOR

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO


DE SAÚDE. CIRURGIA PARA COLOCAÇÃO DE PRÓTESE
MAMÁRIA. EQUIPE MÉDICA NÃO CREDENCIADA AO PLANO.
NEGATIVA DE REEMBOLSO DE HONORÁRIOS MÉDICOS.
AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PLANO
QUE PREVÊ REEMBOLSO DE HONORÁRIOS DE MÉDICO
NÃO CREDENCIADO SOMENTE EM CASO DE URGÊNCIA OU
EMERGÊNCIA, QUANDO COMPROVADAMENTE NÃO FOR
POSSÍVEL A UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS CREDENCIADOS,
NÃO SENDO ESTA A HIPÓTESE DOS AUTOS. AUTORA QUE
SEQUER ADUZIU QUE NÃO HAVIA MÉDICOS CREDENCIADOS
DO PLANO APTOS A AUXILIAREM NA CIRURGIA PARA
COLOCAÇÃO DE PRÓTESE MAMÁRIA JUNTAMENTE COM
A CIRURGIÃ PLÁSTICA. CLÁUSULA QUE NÃO SE REVELA
ABUSIVA, MAS APENAS LIMITATIVA DE COBERTURA, A
QUAL, NO ENTENDIMENTO DA MELHOR DOUTRINA E
JURISPRUDÊNCIA, É PERFEITAMENTE CABÍVEL. DEVIDO,
POR OUTRO LADO, O REEMBOLSO DOS HONORÁRIOS
DO ANESTESISTA E DA INSTRUMENTADORA CIRÚRGICA,
VISTO QUE ESTES PROFISSIONAIS, CONFORME A RÉ MESMO
ADMITIU, NORMALMENTE NÃO SÃO CREDENCIADOS A
NENHUM PLANO DE SAÚDE, NÃO HAVENDO, POR OUTRO
LADO, CLÁUSULA CONTRATUAL QUE CORROBORE A
ALEGAÇÃO DA RÉ DE QUE SOMENTE SERIA DEVIDO O

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REEMBOLSO DE SEUS HONORÁRIOS CASO OS MÉDICOS COM


OS QUAIS ESTAVAM TRABALHANDO NO ATO DA CIRURGIA
FOSSEM CREDENCIADOS. NO QUE TANGE AO REAJUSTE DE
9,65% IMPLEMENTADO JUNTAMENTE COM O DE 48%, NADA
HÁ DE ABUSIVO NA CONDUTA DA RÉ, POIS O PRIMEIRO
TRATA-SE DO REAJUSTE ANUAL PERMITIDO PELA ANS E O
SEGUNDO DO REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA PERMITIDO PELO
CONTRATO E PELA LEI 9.656/98, NÃO HAVENDO NENHUMA
DISPOSIÇÃO LEGAL OU CONTRATUAL QUE COÍBAM QUE
ESTES REAJUSTES OCORRAM CONCOMITANTEMENTE.
RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.

(TJ-RJ - APL: 00079318220158190209 RIO DE JANEIRO BARRA DA


TIJUCA REGIONAL 2 VARA CIVEL, Relator: SANDRA SANTARÉM
CARDINALI, Data de Julgamento: 02/06/2016, VIGÉSIMA SEXTA
CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, Data de Publicação: 06/06/2016)

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TÓPICO 4: CIDADANIA E ESTADO DE DIREITO NO BRASIL

1. OBJETIVO

Analisar a relação entre o Estado de Direito Brasileiro e cidadania

2. LEITURA RECOMENDADA

VIEIRA, OSCAR VILHENA. A Desigualdade e a Subversão do Estado


de Direito. Revista Internacional de Direito e Cidadania, v. 2, p.
185-202, 2008.

SANTOS, Milton. Cidadanias mutiladas. In: LERNER, Julio (Ed.). O


preconceito. São Paulo: IMESP, 1996/1997, p. 133-144.

3. CASO GERADOR

Fonte:https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/11/23/
caso-joao-alberto-veja-perguntas-e-respostas-sobre-a-morte-de-um-
cidadao-negro-no-carrefour-em-porto-alegre.ghtml

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BLOCO 3 – PENSAMENTO JURÍDICO E ECONOMIA BRASILEIRA AO


LONGO DO SÉCULO XX

TÓPICO 1: A ECONOMIA NO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

1. OBJETIVO

Analisar a relação entre o pensamento jurídico brasileiro e os processos


econômicos

2. LEITURA RECOMENDADA

COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito econômico.


Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 101, n. 923, p. 37-52, 2012.

3. CASO GERADOR

ADI 6407 – (ANTIGA ADPF 645) – Cobrança de tarifa por disponibilização


de cheque especial

Decisão: Trata-se de arguição de descumprimento de preceito


fundamental apresentada pelo PODEMOS, partido com representação
no Congresso Nacional, com o objetivo de ver declarada lesão a preceitos
fundamentais decorrente da norma do art. 2º, § 1º, incisos I e II, § 2º
e § 3º, da Resolução 4.765, de 27 de novembro de 2019, do Conselho
Monetário Nacional (CMN), que assim preceitua: □Art. 2º. Admite-se
a cobrança de tarifa pela disponibilização de cheque especial ao cliente.
§ 1º. A cobrança da tarifa prevista no caput deve observar os seguintes
limites máximos: I □ 0% (zero por cento), para limites de crédito de até
R$ 500,00 (quinhentos reais); e II □ 0,25% (vinte e cinco centésimos
por cento), para limites de crédito superiores a R$ 500,00 (quinhentos
reais), calculados sobre o valor do limite que exceder R$ 500,00
(quinhentos reais). § 2º. A cobrança da tarifa deve ser efetuada no
máximo uma vez por mês. § 3º. A cobrança da tarifa deve observar, no
que couber, as disposições da Resolução nº 3.919, de 25 de novembro
de 2010, não se admitindo a inclusão do serviço de que trata o caput
em pacote de serviços vinculados a contas de depósito à vista□.

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O requerente aponta como violadas as seguintes normas da Constituição:


art. 1º, II, III e IV (cidadania, dignidade da pessoa humana e livre
iniciativa); art. 5º, caput, II e XXXII (igualdade, legalidade e defesa do
consumidor); art. 22, VII (competência da União para legislar sobre
crédito); art. 170, IV e V (livre concorrência e defesa do consumidor);
art. 173, § 4º (abuso do poder econômico); art. 192 (sistema financeiro
nacional deve ser regulamentado por lei complementar). Alega que os
órgãos do Sistema Financeiro Nacional devem atender também à proteção
do consumidor, compatibilizando a ordem econômica com a
vulnerabilidade dos consumidores e que uma resolução do CMN não
pode excluir ou limitar a proteção concedida ao consumidor pela
Constituição. Consoante sustenta, a criação da taxa não se mostra apta
para o seu propósito, que, segundo o Diretor do BACEN, seria corrigir a
falha de mercado correspondente aos altos juros cobrados sobre o cheque
especial. Para esse fim, bastaria o art. 3º, que limitou os juros aplicados.
Infere que a medida viola a liberdade do cidadão, que pagará pelo cheque
especial mesmo sem utilizá-lo, e favorece as instituições financeiras, que
terão mais lucro, especialmente em relação aos clientes que não utilizam
o serviço contratado. Afirma não haver interesse público ou motivação a
justificar a interferência do Estado no mercado. Requer a concessão de
medida cautelar para suspender os efeitos do art. 2º da resolução, até
julgamento final pelo Plenário. Distribuído o feito durante o recesso
forense, a Presidência entendeu que o caso não se enquadrava na hipótese
de atuação excepcional prevista no art. 13, VIII, do RISTF e encaminhou-o
ao relator, para análise oportuna. (eDOC 11) Solicitei informações ao
Presidente do Conselho Monetário Nacional, ao Banco Central e à
Advocacia-Geral da União. (eDOC 14) A AGU manifesta-se pelo não
conhecimento da arguição e indeferimento da medida liminar. Sustenta,
em síntese, que a norma foi editada no uso das competências do Banco
Central e do Conselho Monetário Nacional. Alega que a Resolução do
CMN não tornou obrigatória a cobrança da tarifa questionada, mas
apenas facultou a cobrança pelas instituições financeiras, de modo a
fomentar a livre iniciativa e a livre concorrência. Infere que o próprio art.
4º da norma impugnada exige a prévia autorização do correntista, razão
pela qual não caberia falar-se em lesão ao princípio da proteção do
consumidor. Esclarece que a efetiva contraprestação por parte da
instituição financeira consiste na garantia de liquidez de crédito a
qualquer momento em que o correntista queira utilizá-lo. (eDOC 18) O
Presidente do Banco Central, em informações elaboradas pela
Procuradoria-Geral do BACEN (eDOC 23), afirma que a cobrança da
tarifa pela instituição financeira deverá observar a Resolução 3.919, de 25
de novembro de 2010, que, por sua vez, estabelece, em seu art. 1º, que

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PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

□A cobrança de remuneração pela prestação de serviços por parte das


instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo
Banco Central do Brasil, conceituada como tarifa para fins desta resolução,
deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou
ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo
cliente ou pelo usuário□. Ao contrário do que alegado pelo autor, entende
que a medida adotada pelo CMN busca desonerar o consumidor, que
pagava juros em patamar muito elevado (321,6% ao ano) pelo uso de
cheque especial. Sustenta a inépcia da petição inicial porquanto
contraditória a argumentação da parte autora, cujas incoerências
argumentativas implicam a indeterminação do objeto do ato jurídico e,
também, porque inexistente prova da violação de preceito fundamental.
Para o BACEN, as normas aqui impugnadas representam nova forma de
regulação do cheque especial, que busca densificar os princípios da ordem
econômica constitucional. Esclarece que a norma foi precedida de estudo
da área técnica do BCB (Nota Técnica DECEM/DEPEP 1/2019), que
teria identificado falhas de mercado relevantes em relação ao produto,
que demandavam correção e foram resumidas da seguinte forma: □- a
taxa de juros incidente na linha de Cheque Especial, no Brasil, cresceu ao
longo dos últimos dois anos, a despeito da queda na taxa básica de juros,
da manutenção no nível de inadimplência e da queda dos spreads
bancários para a quase totalidade das linhas de crédito livremente
pactuadas entre instituições e clientes; - a dinâmica recente do desempenho
do Cheque Especial sugere que, para esse produto, a concorrência não
entregou todo seu potencial benefício para o consumidor; - estimativas
mostram que a demanda por Cheque Especial é inelástica, insensível a
preço, ao contrário da demanda da maioria das modalidades de crédito
livre para pessoa física; - a demanda por Cheque Especial é ainda mais
inelástica em municípios onde a escolaridade é mais baixa, corroborando
evidências empíricas que apontam para o uso mais recorrente do Cheque
Especial entre os mais pobres e menos educados; - a baixa elasticidade da
demanda, principalmente em locais onde a escolaridade é baixa, sugere a
presença de restrição de acesso a linhas de crédito menos onerosas ou
comportamento que foge à racionalidade canônica; - o mercado de
Cheque Especial não apresenta condições de concorrência perfeita; - a
combinação de baixa elasticidade da demanda com algum grau de poder
de mercado, em um cenário de restrição a linhas de crédito menos
onerosas ou de comportamento □imediatista□, são ingredientes que
impedem que a concorrência atinja todo seu potencial benéfico, o que
racionalizaria a dinâmica recente da taxa de juros no Cheque Especial; - o
Cheque Especial, no modelo atual, embute um subsídio cruzado pago pelos
que têm limite baixo e alta utilização do crédito disponível □ clientes de baixa
renda □ para os que têm limite alto e pouca utilização do crédito□.

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PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Quanto à alegação de que não haveria contraprestação à cobrança de tarifa,


adverte que, em primeiro lugar, □a disponibilização de cheque especial,
ainda que não haja efetiva utilização do crédito (ou seja, ainda que o cliente
não incorra em dispêndio superior aos fundos existentes em sua conta-
corrente), corresponde a benefício econômico identificável e agrega direito
ao patrimônio jurídico do cliente□. Em segundo lugar, o crédito pré-
aprovado, que gera direitos e deveres para ambos os contratantes, mesmo
que não utilizado, □acarreta custos reais e imediatos para a instituição
financeira□, que □traz para o banco a necessidade de alocar capital para
fazer face à exposição aos limites de crédito oferecidos, nos termos da
legislação prudencial em vigor, que se mostra alinhada às recomendações
internacionais do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, que o Brasil
se comprometeu a cumprir□. Esses custos seriam proporcionais ao limite
de cheque especial disponibilizado, que, anteriormente à Resolução
4.765/2019, eram cobertos exclusivamente pelos juros incidentes sobre o
valor do cheque especial utilizado pelos clientes. Acresce que, no caso de o
cliente utilizar o limite do cheque especial, o valor da tarifa deverá ser
descontado dos juros, nos moldes do art. 3º, parágrafo único, da Res. CMN
4.765, de 2019. Por fim, alega a existência de periculum in mora inverso,
visto que as novas normas vieram para proteger o consumidor, limitando
os juros do cheque especial e tornando as prestações dos contratantes mais
sinalagmáticas. O Ministro da Economia, Presidente do CMN, reportando-
se ao parecer elaborado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,
informa que o proponente da resolução atacada foi o Presidente do BACEN
e que não caberia ADPF porque as normas editadas pelo CMN têm caráter
de norma primária, nos termos do art. 25, caput, do ADCT, combinado
com o art. 1º da Lei 8.392/1991. No mérito, reporta-se ao parecer elaborado
pela Procuradoria-Geral do BACEN, que consubstancia as informações
prestadas pelo Presidente do Banco Central. (eDOC 27) É o relatório.
Decido. 1) Cabimento da ADPF e subsidiariedade O partido-requerente
aponta a existência de lesão, pelo Poder Público (Resolução do CMN), a
preceitos fundamentais, notadamente ao art. 1º, II, III e IV (cidadania,
dignidade da pessoa humana e livre iniciativa); art. 5º, caput, II e XXXII
(igualdade, legalidade e defesa do consumidor); art. 22, VII (competência
da União para legislar sobre crédito); art. 170, IV e V (livre concorrência e
defesa do consumidor); art. 173, § 4º (abuso do poder econômico); art.
192 (obrigação de o sistema financeiro nacional ser regulamentado por lei
complementar). O promovente apresenta dúvida razoável sobre a norma do
Conselho Monetário Nacional, como ato do Poder Público, sem força de lei,
ao apontar □que a Resolução em comento é ato inovador na ordem jurídica o
suficiente para lesar preceitos fundamentais constitucionalmente consagrados□.

FGV DIREITO RIO 18


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Contudo, esta Corte já conheceu de ações diretas de inconstitucionalidade


contra resoluções do Conselho Monetário Nacional (ADI 1.398 MC,
Rel. Min. Francisco Rezek, Pleno, DJ 18.10.1996, e ADI 2.317 MC,
Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno, DJ 23.3.2001). O art. 4º, § 1º, da Lei
9.882/1999 estipula que: □Art. 4º. A petição inicial será indeferida
liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de
descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos
prescritos nesta Lei ou for inepta. § 1º. Não será admitida arguição de
descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer
outro meio eficaz de sanar a lesividade□. (grifo nosso) Assim, tendo em
vista a existência de outro meio eficaz de sanar a lesividade (ADI), aliada
à fungibilidade entre as ações de controle concentrado (ADPF 378,
Redator para acórdão Min. Roberto Barroso, DJe 8.3.2016, e ADI
4.163, Rel. Min. Cézar Peluso, Pleno, DJe 1º.3.2013), converto a
presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Pois bem. A
concessão, pelo Supremo Tribunal Federal, de medida cautelar em ação
direta de inconstitucionalidade e em ação declaratória de
constitucionalidade tem-se mostrado instrumento apto à proteção da
ordem constitucional, como demonstra a jurisprudência da Corte.
Como é cediço, a medida cautelar em ação direta depende do
atendimento de dois pressupostos, que são: (1) a verossimilhança do
direito (plausibilidade jurídica) e (2) o perigo da demora. 2) Atuação
do Conselho Monetário Nacional ao editar a Resolução 4.765/2019:
intervenção do Estado na economia Dispõe o art. 192 da Constituição
Federal: □Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de
forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir
aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem,
abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis
complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do
capital estrangeiro nas instituições que o integram□. O Conselho
Monetário Nacional (CMN), em informações, afirma que sua atuação
teve a finalidade de tornar a modalidade de contratação de □cheque
especial□ mais eficiente e menos regressiva, □estabelecendo limite
máximo de taxa de juros e permitindo a cobrança de tarifa□. Em síntese,
aponta como objetivo corrigir □falha de mercado□, no afã de diminuir
o custo e a regressividade, considerando que é mais utilizado por clientes
de menor poder aquisitivo e educação financeira, além de racionalizar o
seu uso pelo cliente. Inicialmente, cumpre afirmar que o Conselho
Monetário Nacional (CMN), ao editar a Resolução 4.765/2019, atuou
no campo da intervenção estatal na economia (previsto
constitucionalmente no art. 192), na forma do art. 174 da CF: □Art. 174.

FGV DIREITO RIO 19


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado


exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado□. Nesse sentido: □AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO
DOMÍNIO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA
DO ESTADO. FIXAÇÃO PELO PODER EXECUTIVO DOS
PREÇOS DOS PRODUTOS DERIVADOS DA CANA-DE-
AÇÚCAR ABAIXO DO PREÇO DE CUSTO. DANO MATERIAL.
INDENIZAÇÃO CABÍVEL. 1. A intervenção estatal na economia
como instrumento de regulação dos setores econômicos é consagrada
pela Carta Magna de 1988. 2. Deveras, a intervenção deve ser exercida
com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica, cuja
previsão resta plasmada no art. 170 da Constituição Federal, de modo
a não malferir o princípio da livre iniciativa, um dos pilares da república
(art. 1º da CF/1988). Nesse sentido, confira-se abalizada doutrina: □As
atividades econômicas surgem e se desenvolvem por força de suas
próprias leis, decorrentes da livre empresa, da livre concorrência e do
livre jogo dos mercados. Essa ordem, no entanto, pode ser quebrada ou
distorcida em razão de monopólios, oligopólios, cartéis, trustes e outras
deformações que caracterizam a concentração do poder econômico nas
mãos de um ou de poucos. Essas deformações da ordem econômica
acabam, de um lado, por aniquilar qualquer iniciativa, sufocar toda a
concorrência e por dominar, em consequência, os mercados e, de outro,
por desestimular a produção, a pesquisa e o aperfeiçoamento. Em suma,
desafiam o próprio Estado, que se vê obrigado a intervir para proteger
aqueles valores, consubstanciados nos regimes da livre empresa, da
livre concorrência e do livre embate dos mercados, e para manter
constante a compatibilização, característica da economia atual, da
liberdade de iniciativa e do ganho ou lucro com o interesse social. A
intervenção está, substancialmente, consagrada na Constituição
Federal nos arts. 173 e 174. Nesse sentido ensina Duciran Van Marsen
Farena (RPGE, 32:71) que □O instituto da intervenção, em todas
suas modalidades encontra previsão abstrata nos artigos 173 e 174, da
Lei Maior. O primeiro desses dispositivos permite ao Estado explorar
diretamente a atividade econômica quando necessária aos imperativos
da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei. O segundo outorga ao Estado, como agente normativo
e regulador da atividade econômica, o poder para exercer, na forma da
lei as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo esse
determinante para o setor público e indicativo para o privado□.

FGV DIREITO RIO 20


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Pela intervenção o Estado, com o fito de assegurar a todos uma existência


digna, de acordo com os ditames da justiça social (art. 170 da CF), pode
restringir, condicionar ou mesmo suprimir a iniciativa privada em certa
área da atividade econômica. Não obstante, os atos e medidas que
consubstanciam a intervenção hão de respeitar os princípios
constitucionais que a conformam com o Estado Democrático de Direito,
consignado expressamente em nossa Lei Maior, como é o princípio da
livre iniciativa. Lúcia Valle Figueiredo, sempre precisa, alerta a esse
respeito que □As balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas
pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania,
a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa□ (DIÓGENES GASPARINI, in Curso de Direito
Administrativo, 8ª Edição, Ed. Saraiva, págs. 629/630, cit., p. 64). 3. O
Supremo Tribunal Federal firmou a orientação no sentido de que □a
desobediência aos próprios termos da política econômica estadual
desenvolvida, gerando danos patrimoniais aos agentes econômicos
envolvidos, são fatores que acarretam insegurança e instabilidade,
desfavoráveis à coletividade e, em última análise, ao próprio
consumidor.□ (RE 422.941, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de
24/03/2006). (...) 5. Agravo regimental a que se nega provimento□.
(RE 632.644 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 10.5.2012,
grifo nosso)□CONSTITUCIONAL. ECONÔMICO. INTERVENÇÃO
ESTATAL NA ECONOMIA: REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO
DE SETORES ECONÔMICOS: NORMAS DE INTERVENÇÃO.
LIBERDADE DE INICIATIVA. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37,
§ 6º. I. - A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação
e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e
fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre
iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art.
1º, IV; art. 170. II. - Fixação de preços em valores abaixo da realidade e
em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao
livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da
livre iniciativa. III. - Contrato celebrado com instituição privada para o
estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para
a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços
acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos
patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação
de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. -
Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia
técnica. V. - RE conhecido e provido□. (RE 422.941, Rel. Min.
Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 24.3.2006, grifo nosso)

FGV DIREITO RIO 21


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Por conseguinte, ao estabelecer limite máximo mensal de taxa de juros


na contratação de concessão de crédito na modalidade □cheque especial□
e, em contrapartida, instituir medida compensatória de nova cobrança
de tarifa, atuou o CMN como agente estatal de intervenção na economia
(arts. 174 e 192 da CF). 3) Resolução 4.765/2019: limitação dos juros
da linha de crédito □cheque especial□ e instituição de tarifa Situada no
campo da intervenção do Estado na economia, a questionada Resolução
4.765/2019 possui como validade jurídica o disposto nas seguintes
normas da Lei 4.595/1964: □Art. 4º. Compete ao Conselho Monetário
Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:
(...) VI - Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as
operações creditícias em todas as suas formas, inclusive aceites, avais e
prestações de quaisquer garantias por parte das instituições financeiras;
(...) VIII - Regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que
exercerem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das
penalidades previstas; (...) IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas
de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração
de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados
pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas
aos financiamentos que se destinem a promover□. Por sua vez, o art. 2º
da resolução questionada está assim redigido: □Art. 2º. Admite-se a
cobrança de tarifa pela disponibilização de cheque especial ao cliente□.
De outro lado, a Resolução CMN/Bacen 3.919/2010 estipula quais
são os serviços que as instituições financeiras podem cobrar, não
estando inserido, entre eles, a contratação ou disponibilização da
modalidade de crédito □cheque especial□. Em relação ao □cheque
especial□ consta, em seu anexo, tão somente a definição da sigla do
serviço □ADIANT. DEPOSITANTE□ e a conceituação de seu fato
gerador: “ADIANT. DEPOSITANTE: Levantamento de informações
e avaliação de viabilidade e de riscos para a concessão de crédito em
caráter emergencial para cobertura de saldo devedor em conta de
depósitos à vista e de excesso sobre o limite previamente pactuado de
cheque especial, cobrada no máximo uma vez nos últimos trinta dias”.
(grifo nosso) Por fim, insta mencionar a Resolução CMN/Bacen
2.878/2009, a qual estipula as obrigações das instituições financeiras
frente aos consumidores, que dispõe o seguinte: □Art. 3º. As instituições
referidas no art. 1º devem evidenciar para os clientes as condições
Contratuais e as decorrentes de disposições regulamentares, dentre as quais:
(...) V - as tarifas cobradas pela instituição, em especial aquelas relativas a:
(...) VII - remunerações, taxas, tarifas, comissões, multas e quaisquer
outras cobranças decorrentes de contratos de abertura de crédito, de
cheque especial e de prestação de serviços em geral. Parágrafo único.

FGV DIREITO RIO 22


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Os contratos de cheque especial, além dos dispositivos referentes aos


direitos e às obrigações pactuados, devem prever as condições para a
renovação, inclusive do limite de crédito, e para a rescisão, com indicação
de prazos, das tarifas incidentes e das providências a serem adotadas pelas
partes contratantes□. (grifo nosso) Vê-se, pois, que, até a edição da
Resolução CMN/Bacen 4.765/2019, apenas a concessão de crédito, em
caráter emergencial, para cobertura de excesso sobre o limite previamente
pactuado de cheque especial poderia ser cobrada pelas instituições
financeiras como serviço adicional. A utilização do numerário alocado na
modalidade de empréstimo □cheque especial□ sempre foi remunerado
por meio dos juros (empréstimo de capital próprio ou alheio intermediado
por instituição financeira). Em outras palavras: interpretando a própria
regulação do sistema bancário, as instituições financeiras não poderiam
cobrar por serviço de disponibilização e/ou manutenção mensal de cheque
especial, uma vez que apenas a cobrança dos juros era permitida e tão
somente quando houvesse a efetiva utilização (e sempre proporcional ao
valor e ao tempo usufruídos). Dito isso, a pergunta que sobressai é a
seguinte: poderia haver a instituição de □novo serviço□, que sempre
existiu, mas nunca foi cobrado, como forma de mitigar a intervenção
estatal, ou seja, cobrança de tarifa por atividade antiga que antes não era
cobrada? E, caso a resposta seja afirmativa, qual seria a forma de cobrança
permitida, considerando-se que se trata de medida compensatória de
intervenção estatal na economia? 4) Natureza jurídica da □tarifa□
instituída pela Resolução 4.765/2019 Principio reforçando que a
disponibilização de limite para □cheque especial□ nunca foi cobrada
pelas instituições financeiras nacionais durante mais de quarenta anos de
existência dessa modalidade de crédito. Na década de 1980, durante a
instabilidade financeira dos planos econômicos e inflação alta, alguns
clientes selecionados das instituições financeiras, pelo bom relacionamento
contratual, detinham um crédito pré-aprovado para que, caso apresentado
cheque a descoberto do limite disponível na conta-corrente, haveria a
utilização daquele crédito, evitando-se a devolução por insuficiência de
fundos, o que acabava sendo uma garantia de recebimento para o comércio
em geral, otimizando a aceitação do referido título de crédito. Vem dessa
origem a alcunha de □cheque-especial□. Após o período de instabilidade
econômico-financeira nacional, os bancos perceberam o nicho de mercado
e ampliaram a concessão de crédito pré-aprovado para a maioria dos
correntistas, mediante análise de crédito, mantendo a nomenclatura atrelada
à cártula de crédito. Hodiernamente, vivemos em uma sociedade de
consumo de massa, na qual o consumidor é direcionado a adquirir produtos
para ter acesso a serviços diferenciados, por exemplo, cartão de crédito,
pacotes de serviços bancários, descontos tarifários, cheque especial etc.

FGV DIREITO RIO 23


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), cerca de 80


(oitenta) milhões de brasileiros possuem limite de cheque especial
superior a R$ 500,00. Muitos consideram essa disponibilidade como um
complemento de renda, em cenário de aperto financeiro. Os prestadores
do serviço, em geral, se defendem, dizendo que não obrigam a contratação
de serviços casados, prática que seria ilegal (art. 39, I, do CDC). Todavia
é cediço que, na busca de vantagens financeiras em outros produtos ou
atendimento diferenciado, os consumidores são comercial ou
financeiramente induzidos a contratar inúmeros produtos paralelos no
mesmo instante, sem que deles necessitem. Não é incomum que
prestadores serviços ofereçam pacotes com valores financeiramente mais
vantajosos do que a simples contratação do único serviço pretendido.
Citem-se exemplificativamente: as operadoras de telefonia, internet,
sistema de entretenimento por streaming ou a cabo, instituições bancárias,
entre outras. O cheque especial insere-se nesse contexto: muitas pessoas
são incentivadas a contratar essa modalidade de crédito, mesmo com a
ciência de que podem nunca vir a utilizá-la. Apenas aquiescem com tal
avença para subir escores na qualificação interna daquela instituição
financeira ou obter descontos em outros serviços bancários. Toda essa
realidade deve ser harmonizada com os postulados constitucionais, entre
eles o da proteção ao consumidor, previsto nos seguintes artigos: □Art. 5º
Omissis. (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor□. □Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor (...) Parágrafo único.
É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos
previstos em lei□. Regulamentando o dispositivo constitucional de
proteção ao consumidor, a Lei 8.078/1990 assim dispôs em seu § 2º do
art. 3º: □Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados,
que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços. § 1º. Produto é qualquer bem,
móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º. Serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as
de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista□. Assim, os serviços
bancários, indubitavelmente, inserem-se na proteção jurídico-
constitucional da defesa do consumidor, tal como assentou esta Corte na
ADI 2.591, redator para acórdão Min. Eros Grau, Pleno, DJ 29.9.2006,

FGV DIREITO RIO 24


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

com a explicitação realizada em sede de embargos de declaração, cuja


ementa descreve: □EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. LEGITIMIDADE
RECURSAL LIMITADA ÀS PARTES. NÃO CABIMENTO DE
RECURSO INTERPOSTO POR AMICI CURIAE. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO PROCURADOR GERAL DA
REPÚBLICA CONHECIDOS. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO.
ALTERAÇÃO DA EMENTA DO JULGADO. RESTRIÇÃO.
EMBARGOS PROVIDOS. 1. Embargos de declaração opostos pelo
Procurador Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e
Direito do Consumidor - BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor - IDEC. As duas últimas são instituições que
ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que
participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de
controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer,
ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos.
Decisões monocráticas no mesmo sentido. 3. Não conhecimento dos
embargos de declaração interpostos pelo BRASILCON e pelo IDEC. 4.
Embargos opostos pelo Procurador Geral da República. Contradição
entre a parte dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor
e os demais que compõem o acórdão. 5. Embargos de declaração providos
para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela
excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso: ART. 3º, §
2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART.
5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As instituições financeiras estão,
todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código
de Defesa do Consumidor. 2. □Consumidor□, para os efeitos do Código
de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza,
como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3.
Ação direta julgada improcedente□. (ADI 2.591 ED, Rel. Min. Eros
Grau, Tribunal Pleno, DJ 13.4.2007, grifo nosso)É bem verdade que a
resolução ora questionada proíbe que a tarifa de disponibilização do
cheque especial possa estar vinculada a pacotes pré-definidos de
serviços (§ 3º do art. 2º), todavia a sua natureza jurídica é bastante
questionável do ponto de vista constitucional, seja pela instituição em
decorrência da simples disponibilidade de crédito (ainda que não
usufruído), seja pela compensação futura com a taxa de juros (parágrafo
único do art. 3º), a qual possui natureza remuneratória por excelência.

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PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

E mais: a sua instituição visa, confessadamente, a compensar os mutuantes


pela perda de arrecadação em decorrência da limitação dos juros, forçada
pelo CMN, no mútuo □cheque especial□. Nessa modalidade de crédito,
com todas as vênias, muito provavelmente, nenhum cidadão ou
microempreendedor individual vai deixar de usar o cheque especial porque a
taxa de juros diminuiu ou aumentou, tendo em vista que essa distorção de
mercado não se resolve de dentro para fora (movimento inelástico aos juros).
Ela é cultural. Ou seja, quem utiliza o limite do cheque especial como
extensão de seu saldo bancário ou complemento de renda vai continuar assim
procedendo, independentemente dessa atuação benéfica da autoridade
monetária nacional, de sorte que não se muda cultura arraigada na população
com medidas intervencionistas estatais, sem qualquer conscientização em
massa. Não há dúvidas, apenas para citar como exemplos, de que a taxa de
juros do □cheque especial□ e do crédito rotativo do □cartão de crédito□ são
escorchantes, agindo corretamente a autoridade monetária ao fixar
padronizações e limites a ambos, respectivamente, por meio das Resoluções
4.765/2019 (ora questionada) e 4.549/2017 (que limitou o crédito rotativo
do cartão de crédito a trinta dias). Todavia, ao intervir na economia e estipular
taxa máxima de juros na contratação da modalidade de crédito □cheque
especial□ □ e isto é digno de encômios □ o Conselho Monetário procurou se
valer de medida compensatória que, salvo melhor juízo, não encontra amparo
no ordenamento jurídico nacional. Para precificar o interesse de mercado das
instituições financeiras, que tiveram seus lucros reduzidos com a
contraprestação do □cheque especial□, o CMN acabou autorizando que os
bancos cobrassem por algo que nunca foi permitido: a simples disponibilização
mensal de limite de cheque especial, ainda que não usufruído, através de
□tarifa□ de serviço mensal. Ainda que louvável a intenção do Conselho
Monetário Nacional de evitar o subsídio cruzado, a cobrança □ apesar de se
denominar □tarifa□ □ parece se confundir com outras duas potenciais
naturezas jurídicas: tributo, na modalidade de taxa, tendo em vista que será
cobrada apenas pela disponibilização mensal de limite pré-aprovado do
cheque especial (art. 77 do CTN); ou cobrança antecipada de juros, diante
da possibilidade de compensação da □tarifa□ com os juros. Na primeira
situação, teríamos a violação ao princípio da legalidade tributária, na medida
em que a taxa somente pode ser instituída por lei em sentido formal e material
(art. 150, I, da CF), diante da seguinte dicção do art. 77 do CTN (Código
Tributário Nacional): □Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados,
pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas
atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia,
ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível,
prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição□. (grifo nosso)

FGV DIREITO RIO 26


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A mim me parece que a disponibilização do cheque especial se assemelha à


natureza jurídica da taxa disposta na parte final do citado dispositivo do
CTN, qual seja: a utilização potencial de serviço específico e divisível de
manutenção de limite pré-definido de crédito denominado □cheque
especial□, pelo simples fato de ser posto à disposição do consumidor. É
bem verdade que o serviço bancário não é de natureza pública, mas o seu
regramento ostenta contornos de forte regulação estatal da economia (arts.
174 e 192 da CF), encontrando amparo nos limites impostos pelo Estado
aos agentes econômicos, exatamente seguindo os limites, diretrizes e
permissões definidos pelo Conselho Monetário Nacional, o qual atua
excepcionalmente, no plano normativo, até que sobrevenha lei
complementar regulamentando o art. 192 da CF (art. 1º da Lei 8.392/1991,
com redação conferida pela Lei 9.069/1992). A facultatividade da cobrança
é apenas unidirecional e ilusória: em ambiente de baixa competição pela
ausência de concorrência entre as maiores instituições financeiras, ocorrendo
qualquer oscilação do mercado financeiro mundial, as instituições
financeiras lançariam mão da cobrança dessa taxa, apesar de muitas terem
alardeado informalmente que, por ora, não a fariam (Disponível em:
https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/maioria-dos-bancos-isentara-
cobranca-da-tarifa-do-cheque-especial. Acesso em 2.4.2020). Não é
necessária muita elucubração para nos situarmos no atual estágio de
pandemia do COVID-19 (□coronavírus□). Há matérias jornalísticas
apontando que, em vez de aumentarem o oferecimento de crédito,
barateando o custo da obtenção deste, com a diminuição dos juros e
permitindo uma retomada da economia brasileira, as instituições financeiras
adotaram posição contrária: aumentaram os juros, dificultaram o acesso ao
crédito e reduziram prazos para pagamento de novas dívidas (Disponível
em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/26/
coronavirus-juros-alta-prazo-corte-linha-credito-antecipacao-recebivel.
htm. Acesso em 2.4.2020). De outro lado, rememoro que cerca de 80
milhões de brasileiros possuem limite da modalidade de □cheque especial□
superior a R$ 500,00, restando a esse universo, de praticamente 40%
(quarenta por cento) da população brasileira, ser obrigado a procurar as
instituições financeiras para renegociar seus limites, submetendo-se a
toda sorte de medidas inibitórias, consistindo em □alertas□ de ameaças de
perda de escore, aumento de taxas em outros serviços ou perda de
atendimento diferenciado, entre outras medidas. Dito isso, no atual
cenário da sociedade de consumo, afirmo que inexiste escolha ao
consumidor: há imposição estatal com subterfúgios jurídicos para tentar
escapar das inconstitucionalidades: permitir a alteração do limite do
cheque especial para fugir da cobrança mensal ou submeter-se ao
pagamento pela simples disponibilização de serviço (mesmo não utilizado).

FGV DIREITO RIO 27


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Perceba-se que o mesmo serviço, em ambas as situações, continuará a ser


prestado, sendo o limite de R$ 500,00 (quinhentos reais), de R$ 1.000,00
(mil reais) ou de R$ 10.000,00 (dez mil reais). No primeiro caso, haveria
uma □isenção□ (art. 2º, § 1º, inciso I), enquanto que, no segundo,
haveria o desembolso mensal de R$ 2,50 (dois reais e cinquenta centavos),
totalizando R$ 30,00 (trinta reais anuais), ao passo que, no terceiro, seria
mensal de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) e R$ 300,00 (trezentos reais
anuais). Segundo informações colhidas do Projeto de Decreto Legislativo
766/2019, de autoria do Deputado Jesus Sérgio, cerca de R$ 350 bilhões
de reais seria o montante destinado à alocação, pelos bancos, nos limites
dos contratos atuais de □cheque especial□. (Disponível em: https://www.
câmara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1850479
&filename=PDL+766/2019. Acesso em 2.4.2020). Em juízo
hipotético, ao se fazer uma projeção de que metade (50%) desse numerário
seja disponibilizado à população alvo da atuação do CMN (o que se
encaixaria na faixa de isenção), teríamos a incidência dessa tarifa sobre a
ordem de R$ 175 bilhões de reais, gerando uma nova fonte de arrecadação
dos bancos, independentemente de fruição pelos correntistas, da ordem
de R$ 437,5 milhões mensais e R$ 5,25 bilhões anuais (podendo haver a
compensação dos juros futuros, em caso de fruição do limite). Frise-se
que essa arrecadação, pela simples manutenção de limite disponível em
cheque especial, foi a medida encontrada pelo CMN para compensar
financeiramente os atingidos (bancos) pela sua atuação de intervenção na
economia, ao limitar os juros na ordem de 8% ao mês, criando-se fonte
de receita, instituída coercitivamente, voltada diretamente a favorecer aos
mutuantes. Criou-se, assim, a meu ver, uma □tarifa□ com características
de taxa tributária, pela simples manutenção mensal da modalidade de
contratação de □cheque especial□, vinculada a contrato de conta-corrente,
calhando mencionar que, nos termos do art. 4º do CTN,
independentemente da nomenclatura, o fato gerador da exação é que
determina a natureza jurídica do tributo. Não afirmo, evidentemente,
que a cobrança dessa tarifa é tributo, mas tem todas as características
(□autorização□ de cobrança pelo Estado, por meio de instrumento
jurídico substitutivo do Parlamento - art. 1º da Lei 8.392/1991) e se
apresenta como tal (impositivo, pela simples disponibilização de limite
de crédito pré-aprovado, acima de R$ 500,00; não decorrente de atividade
ilícita; pago em moeda corrente; e cobrado mediante atuação
administrativa correlata à intervenção do Estado na economia, visando a
compensar as perdas de arrecadação das instituições financeiras □ art. 3º
do CTN). Ademais, situando-se na segunda possibilidade acima aventada
(antecipação de juros), a cobrança sobressairia inconstitucional por
colocar o consumidor em situação de vulnerabilidade econômico-jurídica

FGV DIREITO RIO 28


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

(art. 170, V, da CF), ao escamotear a forma de cobrança (antecipada),


bem ainda a própria natureza da cobrança de juros para atingir todos
aqueles que possuem a disponibilização de limite de □cheque especial□.
Como tenho defendido em estudos doutrinários, a definição do âmbito
de proteção configura pressuposto primário para o desenvolvimento de
qualquer direito fundamental. O exercício dos direitos individuais pode
dar ensejo, muitas vezes, a uma série de conflitos com outros direitos
constitucionalmente protegidos. Daí fazer-se mister a definição do
âmbito ou núcleo de proteção (Schutzbereich) e, se for o caso, a fixação
precisa das restrições ou das limitações a esses direitos (limitações ou
restrições = Schranke oder Eingriff). O âmbito de proteção de um direito
fundamental abrange os diferentes pressupostos fáticos (Tatbeständen)
contemplados na norma jurídica (v.g., reunir-se sob determinadas
condições) e a consequência comum, a proteção fundamental. Alguns
chegam a afirmar que o âmbito de proteção é aquela parcela da realidade
(Lebenswirklichkeit) que o constituinte houve por bem definir como
objeto de proteção especial ou, em outras palavras, aquela fração da vida
protegida por uma garantia fundamental4. Alguns direitos individuais,
como o direito de propriedade e o direito à proteção judiciária, são
dotados de âmbito de proteção estritamente normativo (âmbito de
proteção estritamente normativo = rechts- oder norm- geprägter
Schutzbereich). Nesses casos, não se limita o legislador ordinário a
estabelecer restrições a eventual direito, cabendo-lhe definir, em
determinada medida, a amplitude e a conformação desses direitos
individuais. Acentue-se que o poder de conformar não se confunde com
uma faculdade ilimitada de disposição. Segundo Pieroth e Schlink, uma
regra que rompe com a tradição não se deixa mais enquadrar como
conformação. Em relação ao âmbito de proteção de determinado direito
individual, faz-se mister que se identifique não só o objeto da proteção
(O que é efetivamente protegido?: Was ist (eventuell) geschützt?), mas
também contra que tipo de agressão ou restrição se outorga essa proteção
(Wogegen ist (eventuell) geschützt?). Não integra o âmbito de proteção
qualquer assertiva relacionada com a possibilidade de limitação ou
restrição a determinado direito. Isso significa que o âmbito de proteção
não se confunde com proteção efetiva e definitiva, garantindo-se apenas
a possibilidade de que determinada situação tenha a sua legitimidade
aferida em face de dado parâmetro constitucional. Na dimensão dos
direitos de defesa, âmbito de proteção dos direitos individuais e
restrições a esses direitos são conceitos correlatos. Quanto mais amplo
for o âmbito de proteção de um direito fundamental, tanto mais se
afigura possível qualificar qualquer ato do Estado como restrição. Ao
revés, quanto mais restrito for o âmbito de proteção, menor possibilidade
existe para a configuração de um conflito entre o Estado e o indivíduo.

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PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Assim, o exame das restrições aos direitos individuais pressupõe a


identificação do âmbito de proteção do direito fundamental ou o seu
núcleo. Esse processo não pode ser fixado em regras gerais, exigindo, para
cada direito fundamental, determinado procedimento. Não raro, a
definição do âmbito de proteção de certo direito depende de uma
interpretação sistemática e abrangente de outros direitos e disposições
constitucionais. Muitas vezes, a definição do âmbito de proteção somente
há de ser obtida em confronto com eventual restrição a esse direito. Não
obstante, com o propósito de lograr uma sistematização, pode-se afirmar
que a definição do âmbito de proteção exige a análise da norma
constitucional garantidora de direitos, tendo em vista: a) a identificação
dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção (âmbito de
proteção da norma); b) a verificação das possíveis restrições contempladas,
expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e a
identificação das reservas legais de índole restritiva. Como se vê, a
discussão sobre o âmbito de proteção de certo direito constitui ponto
central da dogmática dos direitos fundamentais. Nem sempre se pode
afirmar, com segurança, que determinado bem, objeto ou conduta estão
protegidos ou não por um dado direito. Assim, indaga-se, em alguns
sistemas jurídicos, se valores patrimoniais estariam contemplados pelo
âmbito de proteção do direito de propriedade. Da mesma forma,
questiona-se, entre nós, sobre a amplitude da proteção à inviolabilidade
das comunicações telefônicas e, especialmente, se ela abrangeria outras
formas de comunicação (comunicação mediante utilização de rádio;
pager etc.) Tudo isso demonstra que a identificação precisa do âmbito de
proteção de determinado direito fundamental exige um renovado e
constante esforço hermenêutico. O art. 5º, inciso XXXII, da Constituição
Federal dispõe que □o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor□. A ideia de restrição é quase trivial no âmbito dos direitos
fundamentais. Além do princípio geral de reserva legal, enunciado no art.
5º, II, a Constituição refere-se expressamente à possibilidade de se
estabelecerem restrições legais a direitos nos incisos XII (inviolabilidade
do sigilo postal, telegráfico, telefônico e de dados), XIII (liberdade de
exercício profissional) e XV (liberdade de locomoção), por exemplo. Para
indicar as restrições, o constituinte utiliza-se de expressões diversas,
como, v.g., □nos termos da lei□ (art. 5º, VI e XV), □nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer□ (art. 5º, XII), □atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer□ (art. 5º, XIII), □salvo nas hipóteses
previstas em lei□ (art. 5º, LVIII). Outras vezes, a norma fundamental faz
referência a um conceito jurídico indeterminado, que deve balizar a
conformação de um dado direito. É o que se verifica, v.g., com a cláusula
da □função social□ (art. 5º, XXIII). Essas normas permitem limitar ou

FGV DIREITO RIO 30


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

restringir posições abrangidas pelo âmbito de proteção de determinado


direito fundamental. Assinale-se, pois, que a norma constitucional que
submete determinados direitos à reserva de lei restritiva contém, a um só
tempo, (a) uma norma de garantia, que reconhece e garante determinado
âmbito de proteção e (b) uma norma de autorização de restrições, que
permite ao legislador estabelecer limites ao âmbito de proteção
constitucionalmente assegurado. É preciso não perder de vista que as
restrições legais são sempre limitadas. Cogita-se aqui dos chamados
limites imanentes ou □limites dos limites□ (Schranken-Schranken), que
balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses
limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à
necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental
quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das
restrições impostas. Alguns ordenamentos constitucionais consagram a
expressa proteção do núcleo essencial, como se lê no art. 19, II, da Lei
Fundamental alemã de 1949 e na Constituição portuguesa de 1976 (art.
18º, III). Em outros sistemas, como o norte-americano, cogita-se,
igualmente, da existência de um núcleo essencial de direitos individuais.
A Lei Fundamental de Bonn declarou expressamente a vinculação do
legislador aos direitos fundamentais (LF, art. 1, III), estabelecendo
diversos graus de intervenção legislativa no âmbito de proteção desses
direitos. No art. 19, II, consagrou-se, por seu turno, a proteção do
núcleo essencial (In keinem Falle darf ein Grundrecht in seinem
Wesengehalt angestatet werden). Essa disposição, que pode ser
considerada uma reação contra os abusos cometidos pelo nacional-
socialismo, atendia também aos reclamos da doutrina constitucional da
época de Weimar, que, como visto, ansiava por impor limites à ação
legislativa no âmbito dos direitos fundamentais. Na mesma linha, a
Constituição portuguesa e a Constituição espanhola contêm dispositivos
que limitam a atuação do legislador na restrição ou conformação dos
direitos fundamentais (cf. Constituição portuguesa de 1976, art. 18º,
n. 3, e Constituição espanhola de 1978, art. 53, n. 1). Dessa forma,
enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou
enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção
do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do
direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas
ou desproporcionais. Nesse sentido, in casu, teria havido uma
desnaturação da natureza jurídica da □tarifa bancária□ para adiantamento
da remuneração do capital (juros), de maneira que a cobrança de “tarifa”
(pagamento pela simples disponibilização) camuflou a cobrança de
juros, com outra roupagem jurídica, voltado a abarcar quem não
utiliza o crédito efetivamente na modalidade de □cheque especial□.

FGV DIREITO RIO 31


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Consequentemente, não se alterou apenas a forma de cobrança, mas a


própria natureza da cobrança (juros adiantados), em aparente
descumprimento ao mandamento constitucional de proteção ao
consumidor (art. 170, V, da CF). 5) Proporcionalidade Outrossim, a
medida compensatório-interventiva também não parece passar pelo filtro
da proporcionalidade, tendo em vista que é desproporcional para os fins
almejados, existindo soluções menos gravosas que poderiam ter sido
adotadas, de acordo com a intenção propalada pelo CMN. Rememore-se
que a autoridade monetária, em suas informações, aponta que o objetivo
é corrigir □falha de mercado□, no afã de diminuir o custo e a regressividade,
considerando que é mais utilizado por clientes de menor poder aquisitivo
e educação financeira, além de racionalizar o seu uso pelo consumidor.
Sobre o postulado da proporcionalidade, tive oportunidade de registrar
em sede doutrinária que: □A doutrina identifica como típica manifestação
do excesso de poder legislativo a violação do princípio da proporcionalidade
ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitsprinzip;
Übermassverbot), que se revela mediante contraditoriedade, incongruência
e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins. No direito
constitucional alemão, outorga-se ao princípio da proporcionalidade ou
ao princípio da proibição de excesso qualidade de norma constitucional
não escrita. A utilização do princípio da proporcionalidade ou da
proibição de excesso no direito constitucional envolve, como observado,
a apreciação da necessidade (Erforderlichkeit) e adequação (Geeignetheit)
da providência legislativa. Assim, em decisão proferida em março de
1971, o Bundesverfassungsgericht assentou que o princípio do Estado de
Direito proíbe leis restritivas inadequadas à consecução de seus fins,
acrescentando que uma providência legislativa não deve ser já considerada
inconstitucional por basear-se em um erro de prognóstico BverfGE,25:1
(12). O Tribunal Constitucional explicitou, posteriormente, que os
meios utilizados pelo legislador devem ser adequados e necessários à
consecução dos fins visados. O meio é adequado se, com a sua utilização,
o evento pretendido pode ser alcançado; é necessário se o legislador não
dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais.
A aferição da constitucionalidade da lei em face do princípio da
proporcionalidade ou da proibição de excesso contempla os próprios limites
do poder de conformação outorgado ao legislador. É o que se constata em
decisão do Bundesverfassungsgericht na qual, após discutir aspectos
relativos à eficácia e adequação de medidas econômicas consagradas em ato
legislativo, concluiu -se que o legislador não havia ultrapassado os limites
da discricionariedade que lhe fora outorgada. O Tribunal reconhece que o
estabelecimento de objetivos e a definição dos meios adequados pressupõem
uma decisão de índole política, econômica, social, ou político-jurídica.

FGV DIREITO RIO 32


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Esse juízo inerente à atividade política parece ter determinado uma


postura cautelosa do Tribunal no exame relativo à adequação das
medidas legislativas. A inconstitucionalidade de uma providência legal
por objetiva desconformidade ou inadequação aos fins somente pode
ser constatada em casos raros e especiais. Embora reflita a delicadeza da
aplicação desse princípio no juízo de constitucionalidade, tal orientação
não parece traduzir uma atitude demissionária quanto ao controle da
adequação das medidas legislativas aos fins constitucionalmente
perseguidos. Uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio
da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz a Corte
Constitucional alemã, se se puder constatar, inequivocamente, a
existência de outras medidas menos lesivas. No Direito português, o
princípio da proporcionalidade em sentido amplo foi erigido à dignidade
de princípio constitucional, consagrando-se, no art. 18º, 2, do Texto
Magno, que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias
nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições
limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos. O princípio da proibição de excesso,
tal como concebido pelo legislador português, afirma Canotilho, constitui
um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador.
Portanto, a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se
tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se
indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição
eventualmente fixada, mas também sobre a compatibilidade das restrições
estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. Essa orientação, que
permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no
princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen
Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos
fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios
para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade
de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). O subprincípio
da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas
adotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos. A Corte
Constitucional examina se o meio é simplesmente inadequado
(schlechthin ungeeignet), objetivamente inadequado (objetktiv
ungeeignet), manifestamente inadequado ou desnecessário (offenbar
ungeeignet oder unnötig), fundamentalmente inadequado (grundsätzlich
ungeeignet), ou se com sua utilização o resultado pretendido pode ser
estimulado (ob mit seiner Hilfe der gewunschte Erfolg gefördet werden
kann). O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder
Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo
revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos.

FGV DIREITO RIO 33


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado


puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo
adequada e menos onerosa. Ressalte-se que, na prática, adequação e
necessidade não têm o mesmo peso ou relevância no juízo de ponderação.
Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário
não pode ser inadequado. Pieroth e Schlink ressaltam que a prova da
necessidade tem maior relevância do que o teste da adequação. Positivo o
teste da necessidade, não há de ser negativo o teste da adequação. Por
outro lado, se o teste quanto à necessidade revelar-se negativo, o resultado
positivo do teste de adequação não mais poderá afetar o resultado
definitivo ou final. De qualquer forma, um juízo definitivo sobre a
proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do
possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os
objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido
estrito). É possível que a própria ordem constitucional forneça um
indicador sobre os critérios de avaliação ou de ponderação que devem ser
adotados. Pieroth e Schlink advertem, porém, que nem sempre a doutrina
e a jurisprudência se contentam com essas indicações fornecidas pela Lei
Fundamental, incorrendo no risco ou na tentação de substituir a decisão
legislativa pela avaliação subjetiva do juiz. Tendo em vista esses riscos,
procura-se solver a questão com base nos outros elementos do princípio
da proporcionalidade, enfatizando-se, especialmente, o significado do
subprincípio da necessidade. A proporcionalidade em sentido estrito
assumiria, assim, o papel de um controle de sintonia fina
(Stimmigkeitskontrolle), indicando a justeza da solução encontrada ou a
necessidade de sua revisão□. (MENDES, Gilmar Ferreira; e BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 223-226) Sem maiores delongas, in casu, o CMN
poderia ter optado por instituir autorização de cobrança de juros em
faixas, a depender do valor utilizado ou do limite exacerbado, todavia
escolheu modalidade de cobrança que se assemelha a tributo ou a
adiantamento de juros com alíquota única (0,25% ao mês, cerca de 3%
ao ano), por serviço não usufruído (empréstimo de capital próprio ou de
terceiro), em ambas as situações, aparentemente acoimadas de vícios de
inconstitucionalidade. Ante o exposto não considero adequada, necessária
e proporcional, em sentido estrito, a instituição de juros ou taxa, travestida
de □tarifa□, sobre a simples manutenção mensal de limite de cheque
especial. Ad argumentantum tantum, o art. 2º também ostenta contornos
de ilegitimidade por incidir sobre contratos em curso, na medida em que
retroage sua eficácia (a partir de 1º.6.2020) para alcançar pactos firmados
anteriormente que não previam qualquer custeio de manutenção do
limite disponível, em clara afronta ao inciso XXXVI do art. 5º da CF, a saber:

FGV DIREITO RIO 34


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

□XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito


e a coisa julgada□. Nesse sentido: □Código de Defesa do Consumidor
(CDC): contrato firmado entre instituição financeira e seus clientes
referente à caderneta de poupança: não obstante as normas veiculadas
pelo CDC alcancem as instituições financeiras (cf. ADI 2.591, 7-6-2006,
Pleno, Eros Grau), não é possível a sua aplicação retroativa, sob pena de
violação do art. 5º, XXXVI, da CF□. (RE 395.384 ED, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 22.6.2007) E, por fim, mais um
argumento de reforço: cumpre ressaltar que essa resolução somente atinge
pessoas físicas e microempreendedores individuais (art. 1º da Resolução
4.765/2019), deixando ao largo as empresas, em clara medida
intervencionista-regulatória anti-isonômica (art. 5º, caput, da CF). Ou o
serviço em si é cobrado, independentemente de quem seja mutuário, ou
não pode ser cobrado apenas de parcela dos consumidores dessa
modalidade de crédito, tendo em vista que, na sociedade atual, o dinheiro
e o tempo são cada vez mais escassos e valiosos. Por todos esses argumentos,
subsistem sérios indícios de contrariedade ao ordenamento jurídico-
constitucional, em relação ao art. 2º da Resolução CMN/Bacen
4.765/2019 (plausibilidade jurídica). Verifico, na hipótese, presentes os
requisitos ensejadores do deferimento da medida cautelar, tendo em vista
que a cobrança da tarifa, para os novos contratos, está em curso desde
6.1.2020 e, para os contratos antigos, entrará em vigor em 1º.6.2020
(perigo da demora). Por fim, considerando o atual cenário de pandemia,
considero oportuno registrar que o Banco Central poderia atuar
estrategicamente, seguindo a linha adotada por inúmeros países, mediante
intervenção na economia, para estimular as transações bancárias e, de
outro lado, desincentivar a circulação de dinheiro em papel físico,
evitando propagação do □Covid-19□ (Sars-CoV-2), de forma a isentar
temporariamente algumas tarifas de transferências e/ou pagamentos
durante o período em que perdurarem as consequências socioeconômicas
da moléstia. Cito como exemplo, Portugal, que incentivou o sistema
bancário a isentar tarifas bancárias em transferências realizadas por meios
digitais, procurando evitar o contato físico com dinheiro e máquinas
eletrônicas, tal como se colhe da seguinte reportagem: □(...) Todas as
transferências realizadas através dos canais digitais são agora gratuitas. A
CGD disponibiliza ainda linhas de crédito dirigida a empresas, no âmbito
do Capitalizar 2018 - Covid 19. O banco está a isentar, nos comerciantes,
a comissão mínima aplicada nas transações realizadas nos Terminais de
Pagamento Automático (TPA) através da rede multibanco, com o objetivo
de incentivar os comerciantes a aceitarem mais transações multibanco e
reduzir o manuseamento de moeda e notas. Suspendeu as comissões nas
transferências interbancárias, pagamentos de serviços, ‘cash-advance’ e

FGV DIREITO RIO 35


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

transferências MBWay e está a isentar de comissões os pagamentos de


serviços e os carregamentos de telemóveis. Isenta ainda da primeira
anuidade os novos cartões de débito e pré-pago ou substituições. Nos
comerciantes, isenta de custos fixos nas transações efetuadas através de
Terminal de Pagamento Automático (TAP). Está também a criar uma
linha de conta corrente destinada a apoiar os comerciantes e pequenos
negócios, com isenção de comissões nos primeiros seis meses e ainda
isenções no serviço de ‘homebanking’ para novos pedidos□. (Disponível
em: https://www.jn.pt/economia/vejaoqueoseu-banco-estaafazer-para-
reduzir-os-efeitos-do-covid-19-nas-empresasefamilias-11973514.html.
Acesso em 2.4.2020) É óbvio que o sistema protetivo-constitucional
incide em toda e qualquer circunstância. Já tive oportunidade de afirmar
que as salvaguardas constitucionais não são obstáculo, mas instrumento
de superação dessa crise. O momento exige grandeza para se buscarem
soluções viáveis do ponto de vista jurídico, político e econômico. As
consequências da pandemia se assemelham a um quadro de guerra e
devem ser enfrentadas com desprendimento, altivez e coragem, sob pena
de desaguarmos em quadro de convulsão social. 6) Decisão Ante o
exposto, presentes os requisitos legais, defiro a medida cautelar para
suspender a eficácia da integralidade do art. 2º da Resolução CMN/
Bacen 4.765/2019, até ulterior decisão e ad referendum do Plenário, com
fundamento no art. 10 da Lei 9.868/1999 c/c § 1º do art. 5º da Lei
9.882/1999. A Secretaria deverá autuar a presente demanda como ADI e
proceder à baixa desta ADPF. Publique-se. Brasília, 13 de abril de 2020.
Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

(STF - MC ADPF: 645 DF - DISTRITO FEDERAL 0085097-


78.2020.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de
Julgamento: 13/04/2020, Data de Publicação: DJe-091 17/04/2020)

FGV DIREITO RIO 36


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

TÓPICO 2: A FUNÇÃO SOCIAL DOS BENS DE PRODUÇÃO COMO


ELEMENTO DE LIGAÇÃO ENTRE O PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
E OS PROCESSOS ECONÔMICOS

1. OBJETIVO

Introduzir uma nova perspectiva para a análise de conceitos jurídicos


e econômicos tradicionais

2. LEITURA RECOMENDADA

COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens


de produção. In Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo:
Saraiva:1995, p. 3.

3. CASO GERADOR

Caso aplicativo AirBnb

FGV DIREITO RIO 37


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

TÓPICO 3: DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1. OBJETIVO

Identificar as funções que o direito pode exercer nas políticas públicas

2. LEITURA RECOMENDADA

COUTINHO, Diogo R.. O Direito nas Políticas Públicas. In: Carlos Ari
Sundfeld e Guilherme Jardim Jurksaitis. (Org.). Contratos Públicos
e Direito Administrativo. 1ed. São Paulo: Malheiros-SBDP, 2015,
v. 1, p. 447-480.

3. CASO GERADOR

Caso aplicativo AirBnb

FGV DIREITO RIO 38


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

TÓPICO 4: ANÁLISE JURÍDICA DA POLÍTICA ECONÔMICA

1. OBJETIVO

Introduzir a análise jurídica da política econômica

2. LEITURA RECOMENDADA

CASTRO, MARCUS FARO DE. Introdução: Perspectivas sobre as


relações entre direito e processos econômicos. In: Castro, Marcus
Faro de; Ferreira, Hugo L. Pena. (Org.). Análise Jurídica da Política
Econômica: A Efetividade dos Direitos na Economia Global. 1ed.
Curitiba: , 2018, v. , p. 15-40.

3. CASO GERADOR

Política Pública do Microempreendedor Individual – MEI

FGV DIREITO RIO 39


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

BLOCO 4 – PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ENTRE A


AUTENTICIDADE E IMPORTAÇÃO

TÓPICO 1: O BRASILEIRO DO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

1. OBJETIVO

Analisar as dificuldades e possibilidade da importação de conceitos


jurídicos

2. LEITURA RECOMENDADA

LEAL, Fernando A. R.; JORDAO, E. F. Quando a tradução também


importa: problemas linguísticos de direito comparado. Direitos
Fundamentais & Justiça, v. 8, p. 86-104, 2014.

RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Problemas na importação de


conceitos jurídicos. Disponível em: https://www.conjur.com.
br/2012-ago-08/direito-comparado-inadequada-importacao-
institutos-juridicos-pais. Data de acesso: 26/11/20.

3. CASO GERADOR

A “importação” da business judgement rule americana para o Brasil

FGV DIREITO RIO 40


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

TÓPICO 2: O NOVO E O VELHO NO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

1. OBJETIVO

Problematizar o avanço e a permanência na interpretação constitucional


brasileira

2. LEITURA RECOMENDADA

HORBACH, Carlos Bastide. A nova roupa do direito constitucional:


neo-constitucionalismo, pós-positivismo e outros modismos. In:
Clèmerson Merlin Clève. (Org.). Direito constitucional: novo
direito constitucional (Coleção Doutrinas Essenciais). 1ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, v. 7, p. 91-106.

FGV DIREITO RIO 41


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

BLOCO 5 – PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, DEMOCRACIA E


AUTORITARISMO

TÓPICO 1: PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E DITADURA

1. OBJETIVO

Analisar a relação entre o pensamento jurídico brasileiro e a defesa de


ideais democráticos

2. LEITURA RECOMENDADA

SEELAENDER, A. L. C. L.. Juristas e ditaduras: uma leitura brasileira.


In: SEELAENDER, Airton Lisle Cerqueira Leite: FONSECA,
Ricardo Marcelo. (Org.). História do direito em perspectiva. 1ed.
Curitiba: Juruá, 2008, v. 1, p. 415-432.

3. CASO GERADOR

Sobral Pinto . O último dos advogados?

Fonte: https://canalcienciascriminais.com.br/sobral-pinto-advocacia-covardes/

FGV DIREITO RIO 42


PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

TÓPICO 2: AUTORITARISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1. OBJETIVO

Compreender a relação entre pensamento jurídico, políticas públicas


e autoritarismo no Brasil

2. LEITURA RECOMENDADA

BATISTA, Vera Malaguti. Memória e medo: autoritarismo e controle


social no Brasil. Revista Sem Terra, São Paulo, v. 10, p. 80-84, 2000.

PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo e democracia: um paradoxo


brasileiro.. Revista Mediações (UEL), v. 10, p. 183-198, 2005.

3. CASO GERADOR

ADPF 635

EMENTA: REFERENDO EM MEDIDA INCIDENTAL EM


ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES POLICIAIS NAS
COMUNIDADES DO RIO DE JANEIRO DURANTE A PANDEMIA
MUNDIAL. MORA DO ESTADO NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO
DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.
PLAUSIBILIDADE JURÍDICA.CONTEXTO FÁTICO EM QUE OS
MORADORES PERMANECEM MAIS TEMPO EM CASA. RELATOS
DE OPERAÇÕES QUE REPETEM O PADRÃO DE VIOLAÇÃO JÁ
RECONHECIDO PELA CORTE INTERAMERICANA. PERICULUM
IN MORA. CONCESSÃO DA MEDIDA.
1. A mora no cumprimento de determinação exarada pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos é fundamento que empresa
plausibilidade à tese segundo a qual o Estado do Rio de Janeiro falha
em promover políticas públicas de redução da letalidade policial.
2. A permanência em casa dos moradores das comunidades do Rio de
Janeiro em decorrência da pandemia internacional, assim como os relatos
de novas operações que, aparentemente, repetem os padrões de violações
anteriores, fundamentam o receio de que a medida, caso concedida apenas
ao fim do processo, seja ineficaz.

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3. Medida cautelar deferida para determinar: (i) que, sob pena de


responsabilização civil e criminal, não se realizem operações policiais em
comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia do COVID-19, salvo
em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente
justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação
imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro responsável
pelo controle externo da atividade policial; e (ii) que, nos casos
extraordinários de realização dessas operações durante a pandemia, sejam
adotados cuidados excepcionais, devidamente identificados por escrito
pela autoridade competente, para não colocar em risco ainda maior
população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de
atividades de ajuda humanitária.

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JOÃO MANOEL DE LIMA JUNIOR


Doutor em Direito de Empresa e Atividades Econômicas pela UERJ,
com bolsa da CAPES/MEC. Mestre em Direito Econômico e Financeiro
pela USP, com bolsa do International Fellowship Programs/Ford
Foundation. Bacharel em Direito pelo IBMEC/RJ. Presidente da
Comissão de Direito Empresarial do IAB e membro da Comissão
de Direito Empresarial da OAB/RJ. Professor da Graduação da FGV
Direito Rio. Pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito e Economia
(CPDE). Foi professor substituto de direito comercial da FND/UFRJ e
pesquisador visitante na Georgetown Law, EUA.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Sérgio Guerra
DIRETOR
Antônio Maristrello Porto
VICE-DIRETOR
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO

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