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DIREITO MARÍTIMO

AUTORES: GODOFREDO MENDES VIANNA, LUCAS LEITE MARQUES E LIVIA SANCHES SANCIO

GRADUAÇÃO
2020.1
DIREITO MARÍTMO

Todos os direitos reservados à Fundação Getulio Vargas.

Direito Marítimo – Atualidades e Tendências


Volume 1
Organizadores:
Professores: Godofredo Mendes Vianna,
Lucas Leite Marques e Livia Sanches Sancio
Atualizada em: janeiro de 2020.

Verificação de plágio pelo sistema EPHORUS 

Bibliografia, Editora FGV, Rio de Janeiro.

A presente apostila tem por intuito orientar o


estudo individual acerca do tema de que trata,
antecipando-se à aula que lhe é correspondente,
com a estrita finalidade de oferecer diretrizes
doutrinárias e indicações bibliográficas
relacionadas aos temas em análise. Nesse sentido,
este trabalho não corresponde necessariamente à
abordagem conferida pelo professor em sala de
aula, tampouco tenciona esgotar a temática sobre
a qual versa, prestando-se exclusivamente à função
de base para estudo preliminar e referência de
consulta.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

SUMÁRIO
Direito Marítimo

Aula I e II – Introdução ao Direito Marítimo: Origem, Fontes e Fundamentos

Aula III – Regramento Legislativo Nacional e Internacional; Convenções e Organizações

Aula IV - Embarcação e Sujeitos do Direito Marítimo

Aula V – Meio Ambiente e Direito Marítimo

Aula VI – Seguros Marítimos – P&I

Aula VII – Direito Portuário

Aula VIII – Capitania dos Portos, Tribunal Marítimo e Acidentes e Fatos da Navegação

Aula IX – Contratos Marítimos I

Aula X – Contratos Marítimos II

Aula XI – Responsabilidade Civil e Conflitos na Seara Marítima

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

AULA I e II – Introdução ao Direito Marítimo: Origem, Fontes e Fundamentos

1. Breve histórico do Direito Marítimo

As aventuras marítimas sempre foram, desde os primórdios, alvo de grande


interesse da humanidade, notadamente quanto às conquistas de novos e desconhecidos
territórios e às suas respectivas riquezas que poderiam oferecer, bem como quanto ao
rentável comércio marítimo de mercadorias valiosas entre localidades consideravelmente
longínquas.
Inicialmente, os empreendimentos relacionados à navegação eram regidos pelos
usos e costumes, consolidados geralmente pelos grandes povos navegadores. Entretanto,
com o passar do tempo e intensificação da atividade de navegação e do comércio
marítimo, principalmente em razão da evolução tecnológica, a qual reduzia continuamente
os riscos e perigos dos empreendedores, criava-se a necessidade de criação de normas
específicas destinadas à regulamentação das atividades.

Obra das Grandes Navegações exposta no Museu Het Scheepvaartmuseum Amsterdam

Ao longo dos tempos, surgiram importantes códigos e normas para suprir a


necessidade acima mencionada, os quais fincam o início da constituição do Direito

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Marítimo. A definição apresentada por Mircea Mateesco 1 é bem ilustrativa: “é o conjunto


de normas jurídicas que regulamentam as relações nascidas da utilização e exploração do
mar, tanto na superfície, quanto na profundidade”.
No intuito de exemplificar brevemente o histórico das normas positivadas
referentes ao Direito Marítimo, há que se fazer menção a algumas importantes obras,
então vejamos:

O Código de Hamurabi (XXIII séc. A.C.), rei da 1ª dinastia da Babilônia, já


estipulava normas sobre responsabilidade do fretador, abalroação e construção naval,
enquanto o Código de Manu (XIII séc. A.C.), elaborado por hindus, continha normas
sobre câmbio marítimo. Cite-se, outrossim, as Leis de Rodes, as quais já abordavam
questões relacionadas a naufrágios, espécies de fretamento, dentre outras, e exerceram
grande influência na Antiguidade, inclusive sobrepondo-se eventualmente às “leis” de
imperadores arbitrários.

Mais adiante, no século X, destaca-se a publicação dos Basílicos pelo Império


Bizantino, os quais tinham parte dedicada especificamente ao Direito Marítimo, o
Consulado do Mar. Consubstancia-se em uma coleção de usos e costumes, decisões de
tribunais e resumo de regras seguidas perante o Tribunal de Barcelona, os Rolos de
Oléron, coleção de sentenças proferidas nas Ilhas de Oléron que eram enroladas em
pergaminhos.
Prosseguindo com o célere desenvolvimento da navegação, a consolidação dos
usos e costumes compilados em diversas obras esparsas apresentava-se como uma
necessidade.
Considerada por muitos como o primeiro Código da Navegação, a França editava
em 1681 a Ordonnace touchant la marine, tendo Portugal adotado as Ordenanças
Francesas em 1769, por meio da Lei da Boa Razão, que determinava a aplicação da
legislação e jurisprudência dos países vizinhos nos casos omissos.
No século XIX, surgiam em quase todos os países da Europa os primeiros Códigos
Comerciais com um capítulo próprio dedicado ao Direito Marítimo, podendo ser divididos
em três principais grupos:

1
MATEESCO, Mircea. Le droit maritime sovietique face au droit occidental, 1996, p. 154 apud
LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. 3. ed. rev. e atual. por
Aurélio Pitanga Seixas Filho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984. p.18.
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(i) Países que seguiram as bases das Ordenanças Francesas e do Código Comercial
Francês (Espanha, Portugal, Itália, Brasil, Argentina, México etc.);
(ii) Países que seguiram as bases do Código Alemão de 1897 (Suécia, Dinamarca,
Noruega etc.); e
(iii) Países que seguiram as bases anglo-saxônicas, onde o Direito Marítimo não é
codificado (Inglaterra – Merchant Shipping Act e Estados Unidos – Harter Act).
Durante a primeira metade do século XX, com o crescimento do comércio
internacional e do cenário de guerras, notava-se que a regulamentação interna de cada país
era insuficiente para evitar conflitos de leis marítimas, sendo necessária a uniformização
das principais regras pelas nações mercantilistas.
A busca pela uniformização e harmonização das normas de direito marítimo levou
à criação de organismos internacionais, os quais buscam atingir o objetivo proposto
desenvolvendo convenções internacionais que são adotadas pelos mais diversos Países.
Ultrapassado este breve relato histórico, abordaremos as atuais fontes do Direito
Marítimo brasileiro.

2. Fontes e fundamentos atuais do Direito Marítimo no Brasil


O Direito Marítimo brasileiro é um conjunto de normas altamente complexo e de
extrema especialidade, sendo regulado pelo direito internacional, interno, público e
privado de diferentes épocas e hierarquias, o que requer dos operadores do direito grande
esforço de interpretação e hermenêutica.
Além das fontes imediatas do Direito Marítimo (leis, tratados, acordos e
convenções internacionais, decretos-lei, decretos, regulamentos, normas administrativas
etc.), são altamente relevantes as fontes mediatas: costumes, doutrina, jurisprudência,
princípios gerais de direito e regras de hermenêutica.
As normas mais relevantes para a aplicação do direito marítimo no Brasil são: o
Código Comercial Brasileiro (Lei n° 556/1850), parcialmente revogado (Art. 1º ao art.
456) pelo Código Civil de 2002, regulamenta em sua parte II questões acerca de
embarcação, propriedade, partes exploradoras da embarcação, obrigações e deveres dos
Comandantes, tripulação, contratos de fretamento por viagem, conhecimentos marítimos,
responsabilidade por transporte marítimo, créditos privilegiados com hipoteca tácita sobre
navio, avarias marítimas (particular e grossa), abalroação, dentre outros assuntos.

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DIREITO MARÍTMO

Note-se que a linguagem utilizada no Código Comercial deve ser interpretada


sempre levando em consideração a evolução do comércio marítimo, o que ocasionou
indubitavelmente uma série de mudanças em nomenclaturas e práticas. 2
O Código Civil, em seus artigos 730 a 756, dispõe sobre transporte de pessoas e
coisas, abordando, dentre outros aspectos, a responsabilidade do transportador e prazo de
decadência para reclamação por perda ou avaria, sendo certo que todas as disposições são
aplicáveis ao transporte marítimo de carga ou passageiros.
O Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 1.218, determinava que certos
dispositivos do código anterior permaneceriam vigentes, dentre eles, alguns relacionados
a protestos marítimos, vistoria de mercadorias transportadas, prazos decadenciais para
reclamação de danos e avaria grossa. Tais matérias foram incorporadas pelo Código de
Processo Civil de 2015.
Igualmente, a questão concernente à competência do judiciário brasileiro para
apreciar determinadas disputas marítimas também está prevista no Código de Processo
Civil de 2015 (competência internacional – art. 213 e art. 244). Registre-se que em razão
da universalidade do comércio marítimo, uma disputa marítima pode envolver partes de
várias nacionalidades, contratos celebrados no exterior, cláusulas de eleição de foro
pactuadas, bem como fatos e atos ocorridos em diversos locais.
A Lei n° 2.180/1954 rege o Tribunal Marítimo, 5 órgão administrativo responsável
por apreciar e julgar os acidentes e fatos da navegação, apurando responsabilidades e
aplicando sanções pecuniárias, advertências ou suspensões.

2
“E assim temos que ‘piloto’, no Código Comercial, é o prático de hoje em dia.” ANJOS, J. Haroldo dos.
Curso de Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 13.
3
“Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:
I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III - o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica
estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal.”
4
“Art. 24. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a
autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as
disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil. ”
5
“Art. 1º O Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, órgão, autônomo, auxiliar do
Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha no que se refere ao provimento de pessoal militar e
de recursos orçamentários para pessoal e material destinados ao seu funcionamento, tem como atribuições
julgar os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre e as questões relacionadas com tal
atividade, especificadas nesta Lei. ”
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O Decreto-Lei n° 116/1967, regulamentado pelo Decreto n° 64.387 de 22/04/1969,


dispõe regras sobre faltas e avarias, responsabilidade do transportador marítimo, 6 prazo
prescricional para ação em face do transportador,7 dentre outras questões.
A Lei n° 7.203/1984 versa sobre a Assistência e Salvamento de embarcação, coisa
ou bem em perigo no mar, nos portos e nas vias navegáveis interiores.
A Lei n° 7.652/1988 trata de aquisições de embarcações e registro de propriedade
marítima.
A Lei n° 8.617/1993 dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona
econômica exclusiva e a plataforma continental brasileira, além de dar outras
providências. Sobre este tema, destaca-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar, assinada em Montego Bay (Jamaica), em 10/12/1982, e promulgada pelo Decreto
nº 99.165/1990, que define conceitos de mar territorial, zona contígua, zona econômica
exclusiva, alto-mar, plataforma continental e outros.
A Lei n° 9.537/1997 dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas
nacionais, estando regulamentado pelo decreto n° 2.596/1998.
A Lei n° 9.432/1997, regulamentada pelo decreto n° 2.256 de 17/06/1997, define
as modalidades de navegação (cabotagem, longo curso, interior, apoio marítimo, apoio
portuário), bem como disciplina as espécies de afretamento de embarcações, criando ainda
o registro especial brasileiro.
A Lei n° 9.611/1998 disciplina o transporte multimodal, até hoje não efetivamente
implantado na prática, tendo em vista que ainda é realizada a emissão de um conhecimento
de embarque para cada etapa do transporte.
A Lei n° 9.605/1998, a Lei n° 9.966/2000 e sua respectiva regulamentação por
meio do Decreto n° 4.136/2002 lidam com questões de controle, fiscalização, prevenção
e sanções relacionadas às atividades lesivas ao meio ambiente, notadamente nestas
incluídas o vazamento de óleo ou substâncias nocivas ao mar por embarcações.
A Lei n° 12.815/2013, que dispõe precipuamente sobre a exploração direta e
indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas
pelos operadores portuários, regulamentada pelo Decreto 8.033/2013, que, além desta lei,

6
“Art. 3º A responsabilidade do navio ou embarcação transportadora começa com o recebimento da
mercadoria a bordo, e cessa com a sua entrega à entidade portuária, ou trapiche municipal, no porto de
destino, ao costado do navio. ”
7
“Art. 8º Prescrevem ao fim de um ano, contado da data do término da descarga do navio transportador, as
ações por falta de conteúdo, diminuição, perdas e avarias, ou danos à carga. ”
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regulamenta demais disposições legais que regulam a exploração dos portos organizados
e de instalações portuárias.
Vale abordar a definição de reclamação marítima, o que, segundo a Convenção
Internacional de Arresto de 1999 (não ratificada pelo Brasil), seria decorrente de um ou
mais dos seguintes eventos:
a) perdas ou danos causados pela operação marítima;
b) perda de vida ou danos pessoais que ocorram, em terra ou no mar, diretamente
resultantes da operação do navio;
c) operações de salvamento ou qualquer contrato de salvamento incluindo, onde
couber, remuneração especial relativa às operações de salvamento de um navio
que, por si ou por sua carga, constitui ameaça ao meio ambiente;
d) danos ou ameaça de danos causados pelo navio ao meio ambiente, ao litoral ou a
interesses a estes relacionados, medidas tomadas para prevenir, minimizar ou
remover tais danos, compensação por tais danos; custos de medidas razoáveis para
a recomposição do meio ambiente, efetivamente empreendidas ou a serem
empreendidas; perdas incorridas ou provavelmente a serem incorridas por
terceiros relativamente a tais danos; e danos, custos ou prejuízos de natureza
similar aos identificados neste subitem;
e) custos ou despesas relativas ao içamento, remoção, recuperação, destruição ou
com formas de tornar inofensivo um navio naufragado, destroçado, encalhado ou
abandonado, incluindo qualquer coisa que esteja ou tenha estado a bordo de tal
navio, e os custos e despesas relativos à preservação de um navio abandonado e à
manutenção de sua tripulação;
f) qualquer acordo relativo ao uso ou afretamento do navio, quer parte de um contrato
de afretamento, quer de outra forma acordado;
g) qualquer acordo relativo ao transporte de bens ou passageiros a bordo do navio,
quer parte de um contrato de afretamento quer de outra forma acordado;
h) perda ou dano àou em relação a bens (incluindo bagagem) transportados a bordo
do navio;
i) avaria grossa;
j) reboque;
k) praticagem;

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l) bens, materiais, suprimentos, combustível, equipamento (incluindo contêineres)


fornecido ou serviços prestados ao navio para sua operação, gestão, preservação
ou manutenção;
m) construção, reconstrução, reparo, conversão ou equipamento do navio;
n) taxas e encargos portuários, de uso de canais, berços, atracações e de outras vias
aquaviárias;
o) salários e outras quantias devidas ao Comandante, oficiais e outros tripulantes do
navio, relativamente a seus empregos a bordo do navio, incluindo custos de
repatriamento e contribuições de seguridade social, pagáveis em benefício dos
mesmos;
p) desembolsos incorridos em benefício do navio ou de seus armadores;
q) prêmios de seguros (incluindo chamadas de Clubes de P&I) referentes ao navio,
pagáveis por ou em nome do armador ou do afretador a casco nu;
r) quaisquer comissões, corretagens ou taxas de agenciamento pagáveis
relativamente ao navio ou por parte do armador ou afretador a casco nu;
s) qualquer disputa quanto à propriedade ou posse do navio;
t) qualquer disputa entre coproprietários quanto ao uso ou receita do navio;
u) hipoteca ou encargo de igual natureza sobre o navio;
v) qualquer disputa decorrente de um contrato para a venda do navio.

Há que se registrar ainda a importância das normas expedidas por órgãos


administrativos, como a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), a DPC
(Diretoria de Portos e Costas), a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),
dentre outros.
No que se refere à DPC, existe uma série de normas expedidas pelo referido órgão
denominada NORMAM8 (Normas da Autoridade Marítima), que regulamenta de forma
bem específica variados assuntos relacionados à segurança da navegação.
De outro lado, incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, estão relevantes
convenções internacionais, valendo ressaltar ainda que, apesar de alguns atos
internacionais não terem sido ratificados pelo Brasil, apresentam grande influência na
elaboração de normas e na prática comercial de empresas da área.

8
Para saber mais sobre as Normas da Autoridade Marítima, consultar o site: <
https://www.marinha.mil.br/dpc/normas >. Acesso em: 30 de janeiro 2020.
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Algumas das principais convenções ratificadas pelo Brasil são: Convenção para
Unificação de Certas Regras em Matéria de Abalroamento de 1910 (Bruxelas) –
promulgada pelo Decreto n° 10.773/1914, Convenção de Direito Internacional Privado
(Código Bustamante) de 1929 sobre a Lei do Pavilhão nas embarcações – promulgada
pelo Decreto n° 18.871/1929, Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras
Relativas à Limitação de Responsabilidade dos Proprietários de Embarcação Marítima de
1924 (Bruxelas) – promulgada pelo Decreto n° 350/1935, Convenção Internacional para
Unificação de Certas Regras relativas aos privilégios e hipotecas marítimas – promulgada
pelo Decreto n° 351/1935, Convenção Internacional para Prevenção de Poluição por
Navios (MARPOL) – promulgada pelo Decreto n° 2.508/1998, Convenção sobre
Regulamento Internacional para Evitar Abalroamento no Mar (RIPEAM) – promulgada
pelo Decreto n° 80.068, de 02/08/1977 e a Convenção Internacional sobre Salvamento
Marítimo, de 1989, internalizada pelo Decreto Legislativo n° 263/2009.
Por fim, note-se que diversas disposições da Constituição Federal, do Código
Civil, do Código Penal, da Consolidação das Leis Trabalhistas, Código de Defesa do
Consumidor – quando aplicável ao caso concreto – são diretamente aplicáveis no âmbito
do Direito Marítimo, uma vez que este se encontra interligado com questões relacionadas
ao meio ambiente, à responsabilidade civil, obrigações, contratos, seguros, sanções
criminais, administrativas sancionadoras e trabalhistas (acidente de trabalho).
Conclui-se, portanto, que diante da infinidade de normas e temas que interferem
no Direito Marítimo, surgem sempre conflitos acerca de hierarquia, especialidade e
temporalidade, o que, por via de consequência, gera um enorme desafio para os militantes
na área exercerem aconselhamento jurídico aos seus clientes e para o Judiciário aplicar o
melhor direito à espécie nos casos concretos.

AULA III - Regramento Legislativo Nacional e Internacional; Convenções e


Organizações

3. Principais Organismos Internacionais


No campo do transporte marítimo, a United Nations Conference on Trade and
Development – Unctad – ocupa-se dos aspectos econômicos, comerciais e legais,
enquanto a International Maritime Organization (IMO) se concentra nos problemas
técnicos, ambientais e de segurança no âmbito marítimo e no portuário.
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3.1 Organização Marítima Internacional (IMO)


A Organização Marítima Internacional (International Maritime Organization –
IMO)9 é uma agência especializada da Organização das Nações Unidas – ONU, que foi
criada em Genebra em 1948. Tem como escopo instituir um sistema de cooperação entre
os membros visando à elaboração e unificação de normas para a segurança da navegação
e para o comércio marítimo internacional. A IMO tem 172 Estados Membros e 3 Membros
Associados. O Brasil ratificou a Convenção da IMO de 1948, que foi promulgada pelo
Decreto n° 52.493, de 23.09.1963. A IMO é formada por várias subseções especializadas
em determinados assuntos que elaboram constantemente pesquisas e projetos a serem
implantados na comunidade marítima.
Dentre importantes convenções adotadas pela IMO, podemos destacar:
- Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, 1974, concluída
em Londres, em 1 de Novembro de 1974 (Solas 1974), e promulgada pelo Decreto 92.610,
de 02.05.1986. A SOLAS é a mais importante Convenção que regula matéria de segurança
dos navios mercantes, surgiu em 1914 e foi atualizada posteriormente ao acidente do navio
Titanic;
- Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, (International
Convention for the Prevention of Pollution from Ships, 1973) - (MARPOL),
posteriormente modificada pelo Protocolo de 1978, traz normas sobre prevenção da
poluição marinha causada por acidentes de navegação, tendo surgido após o acidente com
o navio Torrey Canyon;
- Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por
Poluição por Óleo (International Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage)
- (CLC), de 1969, promulgada no Brasil pelo Decreto n° 79.437 em 28.03.1977, que
regulou a responsabilidade sobre o derramamento de petróleo.
No quadro abaixo, podemos verificar os atos multilaterais assinados pelo Brasil
no âmbito da Organização Marítima Internacional (IMO), e o respectivo decreto de
promulgação:10

9
Para saber mais sobre a International Maritime Organization, consultar o site: <www.imo.org>.
10
Atos Multilaterais Assinados pelo Brasil no Âmbito da Organização Marítima Internacional, retirado do
site: <www2.mre.gov.br/dai/imo.htm> . Acesso em: 19 ago. 2011.
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DIREITO MARÍTMO

Promulgação

Título Data Decreto


Data

Convenção sobre a Organização Marítima Consultiva


Intergovernamental (IMCO) Atualmente Convenção
06/03/1948 52.493 23/09/1963
Relativa à Criação da Organização Marítima
Internacional (IMO)

Emendas aos Artigos 17 e 18 da Convenção sobre a


15/09/1964 64.988 13/08/1969
Organização Marítima Consultiva Intergovernamental

Convenção para a Facilitação do Tráfego Marítimo


09/04/1965 80.672 07/11/1977
Internacional. (FAL-65)

Emenda ao Artigo 28 da Convenção sobre a Organização


28/09/1965 64.989 13/08/1969
Marítima Consultiva Intergovernamental

Convenção Internacional sobre Linhas de Carga. (LL-66) 05/04/1966 66.103 22/01/1970

Protocolo de Emenda à Convenção para a Unificação de


Certas Regras em Matéria de Assistência e Salvamento 27/05/1967 87.975 22/12/1982
Marítimos de 1910

Convenção Internacional sobre Medida de Arqueamento


23/06/1969
de Navios, 1969. (TONNAGE-69)

Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil


em Danos Causados por Poluição por Óleo, 1969 (CLC- 29/11/1969 79.437 28/03/1977
69)

Convenção sobre o Regulamento Internacional para


Evitar Abalroamento no Mar, 1972. (COLREG-72) e 20/10/1972 80.068 02/08/1977
(RIPEAM-72)

Emenda ao Artigo VII da Convenção para Facilitação do


19/11/1973 89.957 12/07/1984
Tráfego Marítimo Internacional, 1965

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Emendas aos artigos 10, 16, 17, 18, 20, 28, 31 e 32 da


Convenção sobre a Organização Marítima Consultiva 17/10/1974 82.533 01/11/1978
Intergovernamental. (IMCO). Resolução A.315

Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida


01/11/1974 87.186 18/05/1982
Humana no Mar, 1974. (SOLAS-74)

Emendas à Convenção sobre a Organização Marítima


Consultiva Intergovernamental, de 1948. (A. 358 - IX).
14/11/1975 87.458 16/08/1982
(Convenção Relativa à Criação da Organização Marítima
Internacional - IMO)

Resolução A.400 - X. Emendas à Convenção da


Organização Marítima Consultiva Intergovernamental. 17/11/1977 144 14/06/1991
(OMCI)

Protocolo de 78 à Convenção Internacional para


Salvaguarda da Vida Humana no Mar, 1974. (SOLAS 17/02/1978 92.610 02/05/1986
PROT-78)

Convenção Internacional sobre Normas de Treinamento


de Marítimos, Expedição de Certificados e Serviço de 07/07/1978 89.822 20/06/1984
Quarto, para Marítimos, 1978 (STCW-78)

Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento


27/04/1979 85 11/04/1991
Marítimos, 1979. (SAR-79)

Emendas aos artigos 17, 18, 20 e 51 da Convenção sobre


a Organização Marítima Consultiva Intergovernamental. 15/11/1979 90.385 30/10/1984
(Resolução A.450 - XI)

Decreto
Emenda à Convenção Internacional de Linhas de Carga,
15/11/1979 Legisla- 28/06/1984
de 1966. (Resolução A.411 - XI)
tivo 32

Convenção Internacional sobre Salvamento Marítimo 28/04/1989 263 12/06/2009

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DIREITO MARÍTMO

Emendas ao Código Internacional para a Construção e o


Equipamento de Navios que Transportem Gases
11/12/1992
Liquefeitos a Granel. Convenção SOLAS-74. Código
IGC - Resolução MSC 30 (61)

Resolução A. 735(18). Emendas à Convenção Decreto


Constitutiva da Organização Marítima Internacional - 04/11/1993 Legisla- 16/07/1996
IMO tivo 69

3.2 Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional


A Comissão das Nações Unidas para o direito do comércio internacional (United
Nations Commission on International Trade Law) - (UNCITRAL), foi estabelecida em
1966, com o objetivo de reduzir ou remover os entraves ao comércio internacional por
meio da harmonização do direito comercial internacional.
Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela Uncitral sobre
transporte internacional de mercadorias podemos destacar:
- Regras de Hamburgo de 1978 (United Nations Convention on the Carriage of Goods by
Sea - the "Hamburg Rules"), assinada pelo Brasil em 31.03.1978, mas não foi ratificada;
- Unit of Account Provision and Provisions for the Adjustment of the Limit of Liability
in International Transport and Liability Conventions, 1982 (não ratificada pelo Brasil);
- United Nations Convention on the Liability of Operators of Transport Terminals in
International Trade, 1991 (não ratificada pelo Brasil).
- United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods – CISG,
Vienna 1980 (em vigor no Brasil desde abril de 2014).

3.3 Instituto para a unificação do direito privado – Unidroit11


O instituto surgiu em 1926 como órgão auxiliar da extinta Liga das Nações. É uma
organização intergovernamental independente, sediada em Roma. Tem como objetivo a
harmonização e coordenação do direito privado. O Brasil tornou-se um membro em 18 de
junho de 1940.

11
Para saber mais sobre a Unidroit, consultar o site: <http://www.unidroit.org/about-unidroit/overview >
Acesso em: 30 de janeiro de 2020.
15
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela Unidroit, podemos


destacar:
- Convenção Internacional relativa ao contrato de viagem (Bruxelas, 1970);
- Convention on Agency in the International Sale of Goods (Genebra, 1983);
- Convenção sobre contratos de compra e venda de mercadorias (Convention relating to a
Uniform Law on the International Sale of Goods).

3.4 Comitê Marítimo Internacional (CMI)12


O Comitê Marítimo Internacional (CMI) é uma organização privada internacional
que visa a uniformização internacional do Direito Marítimo. Foi fundada em 1897 na
Bélgica, e é a organização internacional mais antiga no campo do direito marítimo. Sua
criação foi precedida pela International Law Association – ILA.
Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela CMI, podemos
destacar:
- Regras Uniformes para o Conhecimento de Embarque;
- Regras para o Conhecimento de Embarque Eletrônico;
- Regras de Lisboa (Lisbon Rules);
- Diretrizes em danos causados por poluição por óleo (Guidelines on Oil Pollution
Damage);
- Implementação da Convenção Internacional sobre Salvamento (Salvage Convention
1989).

3.5 Organização Internacional do Trabalho (OIT)


A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi fundada em 1919 e é
responsável pela elaboração de diversas convenções sobre os trabalhadores marítimos,
desdobrando sua ação na elaboração de políticas e de programas internacionais que visam
a promover os Direitos Fundamentais do Homem, na melhoria das condições de vida e de
trabalho e no desenvolvimento das possibilidades de emprego. Também atua na
elaboração de normas internacionais do trabalho que se destinam a orientar a ação
nacional na aplicação desses princípios; na organização, no âmbito de um vasto programa
de cooperação técnica internacional; na execução de programas de formação, de ensino,

12
Para saber mais sobre o Comitê Marítimo Internacional, acesse o site: <www.comitemaritime.org/>.
Acesso em 20 jul. 2015.
16
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

de pesquisa e de publicações que servem de apoio às outras formas de ação. No Brasil já


existem cerca de 26 convenções ratificadas.

3.6 Baltic Maritime Council (BIMCO)13


A Baltic Maritime Council (BIMCO) é uma associação internacional de grande
prestígio que contém como membros armadores, agentes, brokers e Clubs P&I. Começou
no ano de 1905 em Copenhagen, Dinamarca, e hoje possui um alcance global. Oferece
suporte às questões comerciais, modelos de contratos padronizados por meio da
experiência e comunhão de diversos interesses do mercado do comércio marítimo e
decisões de tribunais, informações sobre o mercado, dentre outras ferramentas.

3.7. Outros institutos e sociedades classificadoras


O Institut du Droit International dês Transports (IDIT) é uma importante sociedade
internacional privada, a qual visa, sobretudo, analisar questões jurídicas, econômicas e
técnicas relativas aos transportes nos âmbitos nacional e internacional.
Têm-se ainda as Sociedades Classificadoras, as quais são pessoas jurídicas de
direito privado com a função de verificar, por meio de perícias e inspeções, se as
embarcações possuem condições ideais de navegabilidade, estanqueidade e robustez, para
fins de transporte e consequentemente de seguro.
Referidas sociedades emitem certificados de classificação caso os requisitos
estejam atendidos pelas embarcações, sendo que aqueles, via de regra, são indispensáveis
para a operação de qualquer embarcação em todos os portos do mundo.14
Dentre as várias convenções publicadas pelos institutos acima, destacamos as
seguintes abaixo.

13
Para saber mais sobre a Baltic Maritime Council, consultar o site: <www.bimco.org/>. Acesso em: 20
jul. 2015.
14
“Há, no mundo, diversas empresas que realizam o serviço de vistoria e classificação de navios, bem como
outros tipos de vistoria e classificação, como contêineres, mercadoria, etc. Elas costumam classificar os
navios em primeira classe, segunda classe, etc. Algumas das principais classificadoras de navios, entre as
muitas existentes, são as seguintes: American Bureau of Shipping – New York; Bureau Veritas – Paris; Det
Norske Ventas – Oslo; Germanisher Lloyd – Berlim; Lloyd’s Register of Shipping – Londres; Nippon Kaiji
Kyokaí – Tóquio; Polish Register of Shipping – Varsóvia; Registro Italiano – Roma.” KEEDI, Samir;
MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no Comércio Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.
p.86.
17
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

4 Regras de York-Antuérpia15
As regras de York-Antuérpia foram criadas no ano de 1864 na cidade de York, e
revisadas em 1877, em Antuérpia, passando a vigorar com o nome de York-Antuérpia.
Essas regras constituem um direito uniforme e são utilizadas no comércio internacional
para regulação de avaria comum no direito marítimo. Já sofreram várias revisões, sendo
que a última foi a versão 2016, aprovada no âmbito do Comitê Marítimo Internacional,
que podem ser incorporadas aos contratos de transporte marítimo e de políticas de seguros.

5 Regras de Haia16 e Regras de Haia-Visby17


A Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras de Direito
Concernentes aos Conhecimentos Marítimos, mais conhecida como Regras de Haia, de
25.08.1924, que foi alterada pelo Protocolo que emenda a convenção internacional,
denominado Regras de Haia-Visby, de 23.02.1968, e o último Protocolo de dezembro de
1979. Essas Regras são conhecidas como Regras de Haia e Regras de Haia-Visby,
aprovadas na Convenção de Bruxelas.18
As Regras de Haia19 representaram a primeira tentativa por parte da comunidade
internacional para encontrar um meio viável e uniforme de lidar com o problema dos
armadores que regularmente excluíam-se da responsabilidade por todas as perdas ou
danos à carga. Essa convenção foi ratificada por muitos Países transportadores e
incorporada no direito interno desses Países.
As Regras de Haia impuseram obrigações mínimas aos transportadores, tais como
o dever de diligenciar (due diligence) antes e no início de cada viagem, bem como em
relação às condições de navegabilidade (seaworthiness) da embarcação, dentre outras. Em
contrapartida, as Regras de Haia privilegiam os interesses dos transportadores marítimos,
impondo um regime legal suave ao isentar o transportador de culpa, por dezessete causas,
quais sejam: falta náutica; incêndio; perigos do mar; atos de guerra; culpa do embarcador;

15
O texto completo da revisão de 2004 das Regras de York e Antuérpia pode ser encontrado em: <
http://www.comitemaritime.org/Uploads/YAR%202004%20english.doc >. Acesso em: 20 jul. 2015.
16
Regras de Haia ou Convenção de Bruxelas em
<www.admiraltylawguide.com/conven/haguerules1924.html>. Acesso em: 20 jul. 2015.
17
Regras de Haia-Visby em <www.admiraltylawguide.com/conven/visbyrules1968.html>. Acesso em: 20
jul. 2015.
18
SANDRI, Luciana Aboudib. Regime jurídico aplicável aos corredores interoceânicos. Dissertação de
Mestrado em Direito das Relações Econômicas Internacionais, PUC/SP, São Paulo, 2002. p.173.
19
Países signatários das Regras de Haia em < http://www.comitemaritime.org/Uploads/pdf/CMI-
SRMC.pdf >. Acesso em: 20 jul. 2015.
18
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

greves; desvios de rota para salvamento; vício próprio da mercadoria; embalagem


inadequada e outras que não decorram de culpa do transportador ou seus agentes.
As Regras de Haia sofreram alterações com o Protocolo de 1968, passando a
Regras de Haia-Visby e pelo Protocolo DES de 1979, que incorporou os Direitos
Especiais de Saque (DES do FMI) para calcular os limites das indenizações que seriam
efetuadas pelo transportador marítimo.
Nas Regras de Haia-Visby foram majoradas substancialmente os limites de
indenização do transportador e o método de cálculo de limitação por unidade transportada,
criando hipótese de quebra da limitação em algumas situações. No entanto, as Regras de
Haia-Visby mantiveram as mesmas excludentes de responsabilidade das Regras de Haia,
o que a fez também extremamente interessante aos países com significante frota mercante.
As Regras de Haia e as Regras de Haia-Visby formam a base da legislação
nacional em quase todas as grandes nações do comércio marítimo, com as maiores frotas
mercantes. O Brasil não é signatário das Regras de Haia e das Regras de Haia-Visby.

6 Regras de Hamburgo20
As Regras de Hamburgo, de 31.03.1978, entraram em vigor em 01.11.1992. O
Brasil é signatário dessa convenção, mas não a ratificou até o presente momento.
Nenhuma das nações tradicionalmente marítimas ratificou essa convenção, pois a maioria
submete-se às Regras de Haia e às Regras de Haia-Visby. 21,22
Essas regras surgiram devido ao pleito dos países exportadores e em
desenvolvimento, no âmbito da ONU, para opor-se às Regras de Haia e às Regras de Haia-
Visby, que privilegiam os transportadores e armadores.
As Regras de Hamburgo incluíram o conceito da culpa presumida do
transportador, além de uma indenização por atraso na entrega das mercadorias.
Assim, as Regras de Hamburgo têm uma aplicação bem restrita.

20
Texto das “Regras de Hamburgo”, United Nations Convention on the Carriage of Goods by Sea, em <
http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/transport/hamburg/hamburg_rules_e.pdf >. Acesso em: 21 jul.
2015.
21
SANDRI, Luciana Aboudib. Regime jurídico aplicável aos corredores interoceânicos. Dissertação de
Mestrado em Direito das Relações Econômicas Internacionais, PUC/SP, São Paulo, 2002, p.173.
22
Países signatários das “Regras de Hamburgo” em:
< http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/transport_goods/Hamburg_status.html >. Acesso em:
21 jul. 2015.
19
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

7 Regras de Roterdã23
Trata-se da mais recente convenção criada sobre o transporte marítimo
internacional de mercadorias. Tal convenção, desde logo intitulada como Regras de
Roterdã, está disponível para assinaturas pelos Estados-Parte desde 23 de setembro de
2009, na Cidade de Roterdã, na Holanda.
Conforme expressamente referido em seu preâmbulo, as Regras de Roterdã tem
por objetivo atualizar as disposições das Regras de Haia (1924), Regras de Haia-Visby
(1968) e Regras de Hamburgo (1978), incorporando os novos conceitos, práticas e
costumes do comércio marítimo internacional “globalizado” e integrado com outros
modais, os quais nos últimos trinta anos sofreram forte influência e modificação com as
inovações tecnológicas introduzidas nas atividades mercantis, seja em relação à acelerada
modernização das embarcações, seja por força do avassalador impulso dos meios
eletrônicos de comunicação utilizados nas transações mercantis e na emissão de
documentos fiscais e de transporte, cobrindo ainda a circulação mundial de mercadorias.
O texto da convenção foi discutido, exaustivamente, por mais de 12 anos pela
UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law) e contou com a
participação ativa de representantes de algumas nações de grande influência, como
Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Japão, China, Índia, Rússia e Brasil.
Até o presente momento, a referida Convenção já conta com 25 países signatários,
os quais juntos representam mais de 25% do comércio marítimo global, de acordo com
dados estatísticos da ONU. Os países signatários até o mês de janeiro de 2018 são os
seguintes: Armênia, Camarões, Congo, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França,
Gabão, Gana, Grécia, Guiné, Guiné-Bissau, Holanda, Luxemburgo, Madagascar, Mali,
Niger, Nigéria, Noruega, Polônia, República Democrática do Congo, Senegal, Suécia,
Suíça e Togo24. No entanto, as Regras de Roterdã só passarão a ter eficácia após um ano
e um mês da data da 20ª ratificação pelos países signatários. 25

8. Convenções internacionais no âmbito do Comitê Marítimo Internacional (CMI) 26

23
Regras de Roterdã em: < http://www.rotterdamrules.com/sites/default/files/pdf/convention.pdf>. Acesso
em: 21 jun. 2016.
24
Status das ratificações das Regras de Roterdã em <
https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XI-D-
8&chapter=11&lang=en#EndDec >. Acesso em 20.jul.2015
25
Artigo 94, I das Regras de Roterdã.
26
Comite Maritime International. Status das ratificações das convenções marítimas internacionais de
Bruxelas em: < http://www.comitemaritime.org/Uploads/pdf/CMI-SRMC.pdf >. Acesso em: 20 jul. 2015.
20
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

- International convention for the unification of certain rules of law relating to Collision
between vessels and protocol of signature Brussels, 23 de setembro de 1910. Entrou em
vigor em: 01 de março de 1913. O Brasil ratificou.
- International convention for the unification of certain rules relating to the Limitation of
the liability of owners of sea-going vessels and protocol of signature Brussels, 2 5 de
agosto de 1924. Entrou em vigor em 02 de junho de 1931. O Brasil ratificou.
- International convention for the unification of certain rules of law relating to Bills of
lading and protocol of signature “Hague Rules 1924” Brussels, 25 de agosto de 1924.
Entrou em vigor em 02 de junho de 1931. O Brasil não ratificou.
- Protocol to amend the International Convention for the unification of certain rules of law
relating to bills of lading, Brussells, 25 de agosto, 1924. Visby Rules Brussels, 23 de
fevereiro de 1968. Entrou em vigor em 23 de junho de 1977. O Brasil não ratificou.
- Protocol to amend the International Convention for the unification of certain rules
relating to bills of lading as modified by the Amending Protocol of 23 rd February 1968.
SDR Protocol Brussels, 21 dezembro, 1979. Entrou em vigor 14 de fevereiro de 1984. O
Brasil não ratificou.
- International convention for the unification of certain rules relating to Maritime liens
and mortgages and protocol of signature Brussels, 10 de abril de 1926. Entrou em vigor
no dia 02 de junho de 1931. O Brasil ratificou.

CASO GERADOR
O navio Fast Dubay de propriedade da British Navigation Company (empresa
inglesa) e registrado sob a bandeira do Panamá, foi afretado por tempo (time charter de
12 meses sujeito à lei inglesa e à Alta Corte de Londres) em dezembro de 2007 à empresa
italiana IT Shipping Company, especializada em transporte marítimo de granéis sólidos,
a qual foi contratada pela empresa chinesa Daruma Steel Corporative para transportar
87.500 toneladas de minério de ferro do Porto de Xangai na China até o Porto de
Paranaguá/PR. Referida carga era objeto de contrato internacional de compra e venda
celebrado entre a Daruma e uma empresa brasileira de siderurgia.
Em que pese à conclusão da operação de carregamento no Porto de Xangai haver
transcorrido normalmente, o navio Fast Dubay, em razão de descumprimento de
determinadas exigências das Autoridades Marítimas Chinesas, já iniciou a expedição

21
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

marítima com destino ao Porto de Paranaguá/PR em lapso temporal considerável após o


programado.
Em 08 de março de 2008, após adentrar em águas jurisdicionais brasileiras, o Fast
Dubay encontrava-se posicionado no fundeadouro do Porto de Paranaguá, já com Prático
a bordo, rebocadores com cabos passados e iniciando manobra de atracação, quando se
abateu grande tempestade no local, com ondas consideráveis e fortes ventos (grau 8 da
escala Beaufort). Não obstante, a insistência do Comandante do Fast Dubay – preposto da
British Navigation Company – em abortar a manobra e aguardar melhores condições
meteorológicas, a empresa IT Shipping, responsável pela gestão comercial do navio e
sofrendo pressões da empresa Daruma em virtude de prazos contratuais acordados com a
empresa brasileira de siderurgia, emitiu instruções no sentido de que a atracação fosse
realizada imediatamente, o que foi prontamente acatado.
No decorrer da manobra de atracação, por orientações equivocadas do prático e
sempre levando em consideração as condições de tempo adversas, um dos 4 (quatro)
rebocadores auxiliares abalroou o navio Fast Dubay, o qual, por sua vez, perdeu o controle
de navegabilidade e ganhou seguimento, tendo posteriormente saído do canal de
navegação e encalhado por sua boreste em local de profundidade menor que seu calado.
Em razão do abalroamento e posterior encalhe, o Fast Dubay sofreu avarias
severas em seu casco, as quais geraram perda total da carga e vazamento de óleo
combustível de seus tanques, bem como houve o naufrágio do rebocador e tripulantes
arremessados ao mar, cujos corpos sequer foram encontrados.
Note-se que em virtude do acidente se fez necessária em caráter de urgência a
contratação de empresas (i) de tecnologia ambiental para monitoramento, contenção e
limpeza de poluição, (ii) de salvamento para desencalhar a embarcação, (iii) de rebocagem
para docar o navio avariado em estaleiro para reparos, (iv) de resgate para tentar localizar
tripulantes arremessados ao mar.
Diante do acidente acima exposto, quais seriam os danos e/ou prejuízos
eventualmente gerados, às eventuais partes Autoras e Rés e os possíveis litígios judiciais
e/ou procedimentos administrativos eventualmente instaurados? Quais seriam as
jurisdições e leis que eventualmente se aplicariam a cada um dos litígios? Quais ramos do
direito estariam envolvidos nas discussões judiciais/administrativas? Quais seriam as
discussões acerca de responsabilidade pelos danos e/ou prejuízos? Haveria
responsabilidade contratual e extracontratual envolvida? No caso de instauração de
22
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

litígios no Brasil e na Inglaterra, teria fundamento a parte que pleiteou a jurisdição inglesa
requerer a suspensão/extinção dos litígios no Brasil?

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO
1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando as partes
envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Qual seria a base das normas positivadas do Direito Marítimo?
3. Quais são as fontes do Direito Marítimo?
4. Indique quatro ramos do direito que guardam estreita relação com o Direito Marítimo
e fundamente.
5. Indique três reclamações que poderiam ser caracterizadas como disputas marítimas.
6. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
ANJOS, J. Haroldo dos; GOMES, Carlos R. C. Curso de Direito Marítimo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1992.
DANJON, Daniel. Tratado de Derecho Marítimo. Tomo I. Madrid: Réus, 1931.
FARINA, Francisco. Derecho Comercial Maritimo. Madrid: Departamento Editorial del
Comisariado Español Marítimo, 1948.
FERREIRA, W. M.. O Comércio Marítimo e o Navio. In: Revista da Faculdade de Direito
de São Paulo. São Paulo, 1930, v. 36.
GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. 2. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005.
LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. 3. ed.,
rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.
MATOS, Azevedo. Princípios de Direito Marítimo. Lisboa: Edições Ática, 1955.
KEEDI, Samir; MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no Comércio Exterior.
São Paulo: Aduaneiras, 2000.
PIMENTA, Matusalém Gonçalves. Responsabilidade Civil do Prático. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2007.
RIPERT, Georges. Précis de droit maritime. Dalloz: Paris, 1949.
23
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

SANDRI, Luciana Aboudib. Regime Jurídico Aplicável aos Corredores Interoceânicos.


Dissertação de Mestrado em Direito das Relações Econômicas Internacionais, PUC/SP,
São Paulo, 2002.
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1968.
SIMAS, Hugo. Compêndio de direito marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva & Cia
Editores, 1938.

Eletrônicas
Atos Multilaterais Assinados pelo Brasil no Âmbito da Organização Marítima
Internacional. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/imo.htm>.
BIMCO, Baltic Maritime Council. Disponível em: <http://www.bimco.org/>.
CMI, Comitê Marítimo Internacional. Disponível em:
<http://www.comitemaritime.org/>.
DPC, Diretoria de Portos e Costas. Disponível em:
<https://www.dpc.mar.mil.br/normam/tabela_normam.htm>.
IMO, International Maritime Organization. Disponível em: <http://www.imo.org/>.
REGRAS DE YORK E ANTUÉRPIA 2004. Disponível em: <http://
http://www.comitemaritime.org/Uploads/YAR%202004%20english.doc >.
REGRAS DE HAIA OU CONVENÇÃO DE BRUXELAS. Disponível em:
<http://www.admiraltylawguide.com/conven/haguerules1924.html>.
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UNCITRAL. Disponível em: <http://www.uncitral.org/uncitral/en/index.html>.
UNIDROIT. Disponível em: < http://www.unidroit.org/ >.
UNITED NATIONS. United Nations Convention on the Carriage of Goods by Sea.
Disponível em:
<http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/transport/hamburg/XI_d_3_e.pdf>.

Jurisprudenciais
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 302.212-RJ. Relator: Ministro Castro
Filho. In: DJU, de 27 de junho de 2005.

24
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 1.096.393-2. Relator:


Desembargador Edgard Jorge Lauand. Julgado em 20 de março de 2007.

Legislativas
BRASIL. Código Civil.
BRASIL. Código de Processo Civil.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor.
BRASIL. Decreto n° 10.773, de 19 de fevereiro de 1914.
BRASIL. Decreto n° 18.871, de 13 de agosto de 1929.
BRASIL. Decreto n° 350, de 25 de janeiro de 1935.
BRASIL. Decreto n° 351, de 01 de outubro de 1935.
BRASIL. Decreto n° 52.493, de 23 de setembro de 1963.
BRASIL. Decreto-Lei n° 116, de 25 de janeiro de 1967.
BRASIL. Decreto n° 64.387, de 22 de abril de 1969.
BRASIL. Decreto n° 64.988, de 13 de agosto de 1969.
BRASIL. Decreto n° 64.989, de 13 de agosto de 1969.
BRASIL. Decreto n° 66.103, de 22 de janeiro de 1970.
BRASIL. Decreto n° 79.437, de 28 de março de 1977.
BRASIL. Decreto n° 80.068, de 02 de agosto de 1977.
BRASIL. Decreto n° 80.672, de 07 de novembro de 1977.
BRASIL. Decreto n° 82.533, de 01 de novembro de 1978.
BRASIL. Decreto n° 87.186, de 18 de maio de 1982.
BRASIL. Decreto n° 87.458, de 16 de agosto de 1982.
BRASIL. Decreto n° 87.975, de 18 de agosto de 1982.
BRASIL. Decreto n° 89.817, de 20 de junho de 1984.
BRASIL. Decreto n° 89.822, de 20 de junho de 1984.
BRASIL. Decreto Legislativo nº 32, de 28 de junho de 1984
BRASIL. Decreto n° 90.385, de 30 de outubro de 1984.
BRASIL. Decreto n° 92.610, de 02 de maio de 1986.
BRASIL. Decreto n° 85, de 11 de abril de 1991.
BRASIL. Decreto n° 144, de 28 de junho de 1991.
BRASIL. Decreto Legislativo nº 69, de 16 de julho de 1996.
BRASIL. Decreto nº 2.256, de 19 de junho de 1997.
25
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

BRASIL. Decreto n° 2.508, de 04 de março de 1998.


BRASIL. Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998
BRASIL. Decreto n° 4.136, de 20 de fevereiro de 2002.
BRASIL. Decreto nº 263, de 26 de janeiro de 2009.
BRASIL. Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013.
BRASIL. Lei n° 556, de 25 de junho de 1850.
BRASIL. Lei n° 2.180, de 05 de fevereiro de 1954.
BRASIL. Lei n° 7.203, de 03 de julho de 1984.
BRASIL. Lei n° 7.652, de 03 de fevereiro de 1988.
BRASIL. Lei n° 8.617, de 04 de janeiro de 1993.
BRASIL. Lei n° 9.432, de 08 de janeiro de 1997.
BRASIL. Lei n° 9.537, de 11 de dezembro de 1997.
BRASIL. Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
BRASIL. Lei n° 9.611, de 19 de fevereiro de 1998.
BRASIL. Lei n° 9.966, de 28 de abril de 2000.
BRASIL. Lei n° 12.815, de 05 de junho de 2013.

AULA IV - Embarcação e Sujeitos do Direito Marítimo

1 Navio e embarcação
O Código Comercial Brasileiro não faz distinção entre as expressões embarcação
e navio. Entretanto, na esteira do entendimento manifestado por SIMAS 27, embarcação
significaria toda a construção destinada a correr sobre água, enquanto o navio seria “toda
construção náutica destinada à navegação de longo curso, de grande e pequena cabotagem,
apropriada ao transporte marítimo ou fluvial” 28 reservada à indústria da navegação.

27
SIMAS, Hugo. Compêndio de direito marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva & Cia Editores, 1938, p.
48.
28
Art. 3º do Decreto n° 15.788/22.
26
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O autor acima mencionado assim explana o assunto:

De fato, sob essa denominação genérica, correspondente a bâtiment de mer, dos


franceses, vessel dos ingleses, fahrzeng dos alemães, embarcacóm dos
espanhóis, tratamos de qualquer construção que, flutuando, sirva para
transportar, por água, pessoas ou coisas. O caiaque, o bote, a canoa, a draga são
embarcações, mas não são navios, reservada como está esta expressão a
grandes embarcações destinadas ao transporte de pessoas ou coisas [...].

No que se refere à embarcação, destaque-se a definição contida no inciso V do art.


2º da Lei n° 9.537/1997 (LESTA29), verbis:

V - Embarcação - qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e,


quando rebocadas, as fixas, sujeitas a inscrição na autoridade marítima e
suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando
pessoas ou cargas.

Navio de Cruzeiro Plataforma de exploração de petróleo

Assim, é correto afirmar que o navio é uma espécie cujo gênero é a embarcação.

1.1 Natureza jurídica


Nos termos do artigo 8230 do Código Civil Brasileiro e com respaldo na definição
de navio abordada acima, entende-se que o mesmo estaria inserido no conceito de bens
móveis31.
José Candido Sampaio de Lacerda assim discorre sobre a natureza jurídica do
navio, verbis:

29
Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário.
30
“Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia, sem
alteração da substância ou da destinação econômica social. ”
31
“[...] os navios, por força do art. 82 do Código Civil/1916, são considerados bens móveis. ” (STJ – Resp.
no. 792.444/RJ).
27
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Nos termos da noção dada pelo direito civil para os bens móveis e atendendo
ao conceito de navio supra-indicado, deve o navio figurar entre aqueles bens.
E assim tem sido considerado desde o direito romano até os dias presentes,
exceto na época medieval, em que o valor do navio, crescendo grandiosamente,
fez que se o admitisse imóvel, a fim de melhor explicar a necessidade de
aumentar o crédito aos senhores feudais32.

Não obstante a classificação do navio como bem móvel, o navio, em determinadas


conjunturas, se sujeita a algumas regras relacionadas aos bens imóveis. Estes casos
específicos se referem (i) à questão da propriedade33, a qual apenas se comprova através
de documento emitido por autoridade de registro competente, no caso do Brasil a
Capitania dos Portos ou Tribunal Marítimo e não pode ser transferida sem formalidade
cartorária34, e (ii) à hipoteca naval35.
Registre-se que as características de navio semelhantes aos bens imóveis estão
especificamente adstritas à previsão legal expressa.

1.2 Características do navio


1.2.1 Individualização do navio
São quatro os elementos que determinam a individualidade do navio, quais sejam,
(i) o seu nome, (ii) a sua classe, (iii) a sua tonelagem e (iv) a sua arqueação.

1.2.1.1 Nome do navio


Obrigatoriamente, todo navio deve ter um nome, que é considerado uma das
principais características no que concerne à individualização de um navio. Nas
embarcações empregadas na navegação de mar aberto, a determinação do nome deve ser
única no país de registro36.
Outrossim, não é admissível a escolha de um nome obsceno ou ofensivo, que cause
constrangimentos às pessoas ou instituições37.

32
LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1984, 3ª ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho, p.53.
33
Lei n° 7.652/1988.
34
Art. 478 do CCom – “Ainda que as embarcações sejam reputadas bens móveis, contudo, nas vendas
judiciais, se guardarão as regras que as leis prescrevem para as arrematações dos bens de raiz; devendo as
ditas vendas, além da afixação dos editais nos lugares públicos, e particularmente nas praças do comércio,
ser publicadas por três anúncios insertos, com o intervalo de 8 (oito) dias, nos jornais do lugar, que
habitualmente publicarem anúncios, e, não os havendo, nos do lugar mais vizinho. Nas mesmas vendas, as
custas judiciais do processo da execução e arrematação preferem a todos os créditos privilegiados.”
35
Decreto n° 15.788/22.
36
Item 0221 da NORMAM/DPC 1.
37
Item 0221 da NORMAM/DPC 1 e 2.
28
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

1.2.1.2 Classe
A classe é estabelecida de acordo com as condições de navegabilidade do navio.
Importante ressaltar que são as sociedades classificadoras as responsáveis por emitir o
certificado de classe, que significa que o navio se encontra dentro dos padrões
internacionais de navegabilidade.

1.2.1.2.1 Sociedades Classificadoras


As Sociedades Classificadoras são reconhecidas como empresas, entidades ou
organismos que atuam no controle, regularização e certificação dos navios no que
concerne à segurança da navegação.
José Candido Sampaio de Lacerda 38 muito bem define as Sociedades
Classificadoras, in verbis:

O hábito de classificar as embarcações não é recente. Serve para facilitar o valor


técnico do navio, facilitando assim e melhor garantindo a realização de
contratos que as ele diga respeito. Originou-se na Inglaterra, com a fundação
de uma sociedade especialmente destinada a esse fim: o “Lloyd’s Register”.
[...]
Os navios são, pois, inscritos e classificados conforme o estado em que se
encontram e o grau de confiança que merecem. O instituto determina as normas
a serem observadas na construção de um navio, fiscaliza essa construção,
examina os navios por meio de peritos, controlando a vida deles por meio de
agentes, mesmo no estrangeiro, fornecendo ao navio um certificado de
classificação e, permanentemente, com publicações periódicas, informa acerca
de tudo o que a ele diz respeito, ou dando notícias, nesse sentido, a quem quer
que esteja interessado em conhecer as condições e o valor técnico de um navio.

1.2.1.3 Tonelagem e Arqueação


A tonelagem refere-se ao tamanho do navio. A Arqueação, por sua vez, indica o
volume do navio.
A determinação da Arqueação é de suma importância para a aplicação de
determinadas normas, como nas matérias que envolvem a classificação do navio, a
capacidade para o transporte de passageiros, a aplicação das convenções internacionais, a
incidência de impostos, dentre outros.

38
LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1984, 3ª ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho, pp.55-56.
29
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Além disso, a Arqueação é levada em consideração para a elaboração de contratos


de afretamento, seguros, dentre outros, que envolvam a utilização do navio.
Nenhuma embarcação, no Brasil, por força da Normam 01- Capítulo 08 poderá
trafegar em mar aberto sem que antes tenha sido previamente arqueada, com exceção aos
navios de guerra.
A arqueação é dividida em arqueação bruta (AB) e arqueação líquida (AL).
A arqueação bruta leva em consideração o volume de todo o espaço interno de
uma embarcação, enquanto a arqueação líquida está relacionada aos espaços comerciáveis
do navio (carga e/ou passageiros).

1.3 Nacionalidades, registro e Bandeira


A nacionalidade do navio é determinada pelo registro de propriedade na
autoridade competente, o que culmina na habilitação de arvorar o pavilhão do Estado de
registro.
Os registros das embarcações são classificados em nacionais e abertos. Os
registros nacionais são baseados na legislação do Estado de Registro, no intuito de manter
o navio atrelado ao país em que foi registrado. Os registros abertos, por outro lado,
caracterizam-se pela não existência de vínculo entre o estado de registro e o navio.

1.3.1 Navios de Estado ou públicos


Os navios de Estado ou Públicos são os navios de guerra, navio-escola, navios
destinados à fiscalização costeira, entre outros. A Convenção de Bruxelas de 1926, que
unificou certas regras de Direito Marítimo, entre elas as relativas à imunidade de
jurisdição.

1.3.2 Navios mercantes (ou privados)


São aqueles pertencentes aos entes privados, como, por exemplo, os porta-
contêineres, os petroleiros, os de transporte de gás, entre outros, integrando o ramo civil
das atividades marítimas.

1.4 Classificação quanto ao tipo de navegação


A Lei nº 9.432/1997 define, nos incisos de seu art. 2º, os tipos de navegação que
um navio pode ser classificado. São eles:
30
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

VII - Navegação de apoio portuário: a realizada exclusivamente nos portos e


terminais aquaviários, para atendimento a embarcações e instalações portuárias;
VIII - Navegação de apoio marítimo: a realizada para o apoio logístico a
embarcações e instalações em águas territoriais nacionais e na Zona Econômica, que
atuem nas atividades de pesquisas e lavras de minerais e hidrocarbonetos;
IX - Navegação de cabotagem: a realizada entre portos ou pontos do território
brasileiro, utilizando a via marítima ou esta e as vias navegáveis interiores;
X - Navegação interior: a realizada em hidrovias interiores, em percurso nacional
ou internacional;
XI - Navegação de longo curso: a realizada entre portos brasileiros e estrangeiros.
XIV - Navegação de travessia: aquela realizada:
a) transversalmente aos cursos dos rios e canais;
b) entre 2 (dois) pontos das margens em lagos, lagoas, baías, angras e
enseadas;
c) entre ilhas e margens de rios, de lagos, de lagoas, de baías, de angras e
de enseadas, numa extensão inferior a 11 (onze) milhas náuticas;
d) entre 2 (dois) pontos de uma mesma rodovia ou ferrovia interceptada
por corpo de água.

1.5 Proprietário da embarcação


O proprietário da embarcação é o dono da embarcação, aquele que detém título de
sua propriedade. Referido título deverá ser registrado no Tribunal Marítimo para
embarcações com arqueação bruta superior a “cem toneladas”, sendo expedida em nome
do proprietário a competente provisão de registro de propriedade marítima ou o título de
inscrição, conforme dispõem os artigos 3º e 5° da Lei n° 7.652/1988, verbis:

Art. 3º. As embarcações brasileiras, exceto as da Marinha de Guerra, serão


inscritas na Capitania dos Portos ou órgão subordinado, em cuja jurisdição for
domiciliado o proprietário ou armador ou onde for operar a embarcação.
Parágrafo único. Será obrigatório o registro da propriedade no Tribunal
Marítimo, se a embarcação possuir arqueação bruta superior a cem toneladas,
para qualquer modalidade de navegação.

[...]

Art. 5°. Ao proprietário da embarcação será expedida a Provisão de Registro


da Propriedade Marítima ou Título de inscrição depois de ultimado o processo
de registro ou de inscrição.
31
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Parágrafo único. Presume-se proprietário a pessoa física ou jurídica em cujo


nome estiver registrada ou inscrita a embarcação, conforme o caso.

Para Embarcações com arqueação bruta inferior a “cem toneladas” não existe a
obrigação de registro de propriedade junto ao Tribunal Marítimo. Para tanto, necessário
se faz a inscrição junto à Capitania dos Portos. O Superior Tribunal de Justiça já se
manifestou sobre a questão. Vejamos:

[...] Embarcações com arqueação bruta inferior a cem toneladas não estão
obrigadas a realizar o registro de propriedade, seja no Tribunal Marítimo, seja
no Tabelião de Registro de Contrato Marítimo. Para essas embarcações, a
inscrição junto à Capitania dos Portos, obrigatória para qualquer tipo ou
tamanho de embarcação, é suficiente para comprovação de propriedade. 39

1.6 Armador
Armador é a pessoa física ou jurídica que arma a embarcação 40, colocando-a nas
condições de navegabilidade necessárias para seu emprego em sua finalidade comercial,
não devendo ser confundido com o proprietário da embarcação.
A definição de armador pode ser encontrada no artigo 2°, III da Lei n° 9.537/1997,
verbis:

Art. 2°. Para os efeitos desta Lei, ficam estabelecidos os seguintes conceitos e
definições:

[...]

III – Armador – pessoa física ou jurídica que, em seu nome e sob sua
responsabilidade, apresta a embarcação para fins comerciais, pondo-a ou não a
navegar por sua conta.

José Candido Sampaio de Lacerda assim se pronuncia sobre o conceito:

Denomina-se armador aquela pessoa que arma o navio, isto é, no sentido


jurídico, que providencia o provimento de uma embarcação e também a explora
comercialmente, seja em serviços de transportes, seja nos serviços de pesca, ou
nos de reboque, etc. 41

1.6.1 Armador–proprietário

39
REsp 864409 - Relator Ministro Luis Felipe Salomão - Órgão Julgador: 4ª Turma – Data do Julgamento:
23/06/2009 – Data da Publicação/Fonte: DJe 01/07/2009.
40
Armar uma embarcação significa prover-lhe dos materiais necessários para seu funcionamento e muitas
vezes significa, ainda, a colocação de toda a tripulação que irá seguir na expedição marítima.
41
LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1984, 3ª ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho, p. 69.
32
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Armador-proprietário nada mais é do que a figura do proprietário que arma e


explora comercialmente a embarcação que lhe pertence.

1.6.2 Armador-locatário
Constata-se a existência de proprietários de navios que, por determinado motivo,
não entendem ser conveniente explorar diretamente a embarcação e desenvolver
atividades econômicas na área marítima.
Dessa forma, esses proprietários simplesmente cedem seus navios, desarmados e
sem tripulação a terceiros, os quais assumem a posse e controle dos mesmos visando
exercer uma atividade econômica e tendo o encargo de armar e tripular a embarcação.
Em suma, os proprietários da embarcação abdicam da gestão náutica da
embarcação, bem como da atividade empresarial, deixando essas funções a cargo do outro
contratante, o qual se denomina armador-locatário.

1.7. Operador técnico de navio


Nas palavras de Carla Adriana Comitre Gibertoni,

[...] a figura do Operador Técnico surge quando o armador não possui estrutura
própria para suprir o navio com os itens operacionais (Tripulação, Material,
Reparos, etc.) ou mesmo não tem interesse em fazê-lo, e contrata empresa
especializada nesse ramo [...] que passa a agir em nome do Armador em troca
de uma taxa mensal.42

1.8 Fretador
Fretador é a pessoa que dá o navio em afretamento, figurando como parte
contratada nos contratos de afretamento. Pode ser o proprietário da embarcação ou não,
mas também pode ser um afretador que subafreta.

1.9 Afretador
Afretador é aquele que toma o navio em afretamento, figurando como parte
contratante nos contratos de afretamento.

1.10 NVOCC

42
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 122.
33
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A figura “Non Vessel Operating Common Carrier” é muito utilizada no ramo de


transporte marítimo internacional.
Samir Keedi e Paulo Mendonça tratam do referido contrato como sendo:

Esta sigla significa Non Vessel Operating Common Carrier (transportador


comum não-proprietário de navio). Trata-se de um armador sem navio, virtual,
e que se propõe a realizar transporte marítimo em navios de armadores
tradicionais constituídos43.

O NVOCC emite seu próprio conhecimento de embarque, entretanto, utiliza


espaço no navio de terceiros, responsabilizando-se integralmente pela movimentação da
carga ponto a ponto perante o contratante do transporte marítimo.
O escopo da operação do NVOCC é angariar diversas cargas de diferentes
embarcadores e consolidá-las em apenas um espaço do navio contratado junto ao armador
tradicional.
Diferentemente do armador tradicional, o NVOCC se responsabiliza pelo
recebimento do contêiner no Terminal Alfandegado do Porto de destino e pela posterior
desconsolidação do mesmo, ou seja, descarrega as mercadorias, separando-as e
entregando-as aos respectivos Consignatários, mediante a apresentação do correspondente
conhecimento de transporte por este emitido 44.

1.11 Operador portuário


O Operador Portuário é a “pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as
atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem de

43
KEEDI, Samir & MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no Comércio Exterior. São Paulo:
Aduaneiras, 2000.
44
“É possível, contudo, que o transporte marítimo de mercadorias envolva mais relações negociais.
Normalmente, quando o exportador tem apenas um pequeno lote de mercadorias a embarcar, ele busca um
transportador NVOCC (non vessel operator common carrier), que é uma empresa armadora sem navio, que
se propõe a realizar o transporte de mercadorias unitizando (reunindo) várias cargas em navios de armadores
tradicionais (com navio). Os chamados NVOCC são, portanto, transportadores marítimos não proprietários
de navios que, para realizar o transporte de mercadorias, utilizam espaço em navios de terceiros celebrando
com estes contratos de fretamento, cuja natureza jurídica (conforme já foi ressaltado) é de contrato de
transporte.
O NVOCC, então, ainda que não disponha de navio para realizar o transporte ao qual foi contratado, recebe
do embarcador a mercadoria a ser transportada emitindo conhecimento de embarque (Bill of Lading ou
B/L). E sendo assim, ele assume normalmente as obrigações inerentes à contratação responsabilizando-se
pela correta execução do transporte contratado. Em seguida, esse NVOCC buscará um armador com navio
para que este realize o efetivo transporte de todas essas pequenas cargas recebidas das empresas
exportadoras. Esse transportador, por sua vez, ao receber as mercadorias do NVOCC emitirá outro
conhecimento de embarque estabelecendo-se distinta relação negocial. Nesse contexto, importante verificar
que o NVOCC, na primeira relação negocial, figura como transportador contratado, e, na segunda, como
embarcador contratante. ” (TJRS – AC no. 70020843017 – julg. 29.11.07).
34
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, dentro da área do porto


organizado”45.
A responsabilidade do Operador Portuário é determinada por meio da Lei nº
12.815/2013 (Lei dos Portos), in verbis:

Art. 26. O operador portuário responderá perante:


I - a administração do porto pelos danos culposamente causados à infraestrutura,
às instalações e ao equipamento de que a administração do porto seja titular, que
se encontre a seu serviço ou sob sua guarda;
II - o proprietário ou consignatário da mercadoria pelas perdas e danos que
ocorrerem durante as operações que realizar ou em decorrência delas;
III - o armador pelas avarias ocorridas na embarcação ou na mercadoria dada a
transporte;
IV - o trabalhador portuário pela remuneração dos serviços prestados e
respectivos encargos;
V - o órgão local de gestão de mão de obra do trabalho avulso pelas
contribuições não recolhidas;
VI - os órgãos competentes pelo recolhimento dos tributos incidentes sobre o
trabalho portuário avulso; e
VII - a autoridade aduaneira pelas mercadorias sujeitas a controle aduaneiro, no
período em que lhe estejam confiadas ou quando tenha controle ou uso
exclusivo de área onde se encontrem depositadas ou devam transitar.
Parágrafo único. Compete à administração do porto responder pelas
mercadorias a que se referem os incisos II e VII do caput quando estiverem em
área por ela controlada e após o seu recebimento, conforme definido pelo
regulamento de exploração do porto.
[...]
Art. 27. As atividades do operador portuário estão sujeitas às normas
estabelecidas pela Antaq.
§ 1o O operador portuário é titular e responsável pela coordenação das
operações portuárias que efetuar.

O Operador Portuário deve ser responsabilizado pelas avarias à carga durante as


operações realizadas sob sua tutela, conforme reconhecido pela Jurisprudência pátria.
Vejamos:

DIREITO COMERCIAL. TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL.


RECEBIMENTO PELA AUTORIDADE PORTUÁRIA. TERMO DE
AVARIA LAVRADO NO DIA DA DESCARGA. VISTORIA A DESTEMPO.
INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA.
PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
I - Às entidades portuárias, em razão da legislação específica, em princípio
compete a responsabilidade pelos bens descarregados sujeitos à sua guarda, pelo
que a elas cumpre tomar oportunamente as cautelas previstas em lei.
II - A responsabilidade da transportadora cessa com a entrega da mercadoria à
entidade portuária, salvo se esta se resguarda nos termos da lei.
III - O termo da avaria não tem o condão de substituir a vistoria exigida pelo
DL nº 116/67.
(STJ, Resp 184572/SP, Min. Sávio F. Teixeira; DJ. 10.05.99)

45
Artigo 2°, inciso XIII da Lei nº 12.815/2013.
35
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

--- X ---

Responsabilidade Civil – Transporte Internacional de mercadorias – Via


marítima – Carga parcialmente extraviada – Entidades portuárias que recebem
a mercadoria sem reservas ou ressalvas – Indenização devida –
Responsabilidade do transportador afastada.
Tratando-se de transporte marítimo, cabe às entidades portuárias a
responsabilidade pelos bens descarregados à sua guarda. (...) Não há, pois, com
fundamentos em extravio de mercadorias pretender responsabilizar o
transportador que fez a entrega, sem ressalva ou vistoria, da entidade portuária.
(Ap. Sum. 644.472-6, j. 31.01. 96, J. Torres Jr. RT 733/237)

1.12 Auxiliares associados à navegação


1.12.1 Agenciamento marítimo
O agente marítimo atua como representante do armador perante determinado
porto46, sendo que a natureza jurídica do contrato em tela é de mandato, nos termos do
Código Civil.
As funções do agente marítimo são divididas em dois grupos:

a) auxiliar na armação, que engloba os serviços prestados ao navio, tais como


condução para navios fundeados ao largo; requisição de práticos, amarradores,
atracação, passagens aéreas ou terrestres para tripulantes que desembarcam,
embarque e desembarque de tripulantes, etc.; e

b) auxiliar no transporte marítimo, que envolve as atividades de contratação do


transporte de carga, bem como sua manipulação; o redespacho de mercadorias,
ou seja, o despacho de mercadorias em trânsito após a descarga do navio
naquele porto47.

Uma questão de bastante debate perante nossas Cortes refere-se à legitimidade


passiva dos agentes marítimos para responder por atos do transportador, tendo em vista
que constantemente aqueles são acionados em juízo ou autuados por autoridades
administrativas em razão de suposta dificuldade de citação e/ou execução de armadores
estrangeiros.
Confiram-se, a título ilustrativo, dois acórdãos acolhendo teses divergentes sobre
a matéria, verbis:

46
“O agente marítimo é o representante do armador durante a estada do navio no porto, atuando como seu
mandatário. Nessa condição, pode ser responsabilizado por infração sanitária decorrente de ato próprio. Não
responde, porém, por ato não relacionado com o objeto de seu mandato, praticado por terceiro. Precedentes
da 1ª e da 2ª Turma. (REsp 641.197/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 4.9.2006.)”
(STJ - AgRg no REsp 860149 / PB – julg. 06.11.07).
47
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 125.
36
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Com efeito, o agente marítimo é o representante do armador (pessoa que, em


qualquer porto, toma a seu cargo o equipamento de navio mercante, quer seja
o seu proprietário, quer não) durante a estada do navio no porto, atuando como
seu mandatário.

No entanto, embora o agente marítimo possa ser responsabilizado por ilícitos


decorrentes de atos próprios, não responde por ato não relacionado ao objeto
de seu mandato.

[...]

Tendo, no entanto, atuado como mero mandatário do armador no que toca aos
desembaraços portuários e outras providências adjacentes, forçoso é concluir
que sua responsabilidade se resume aos encargos efetivamente assumidos, até
porque não teve qualquer influência na escolha da empresa responsável pelas
operações de carga e descarga (fls. 135/139).

Desta feita, resta inafastável o reconhecimento da ilegitimidade passiva da


apelada, vez que se trata de mero agente marítimo na cidade de Santos, que
atuou como mandatário do armador. Contrariamente ao afirmado pela apelante,
não é a proprietária, armadora ou afretadora, subafretadora ou locadora da
embarcação. Apenas tomou as providências relativas à entrada, saída e
desembaraço do navio no Porto.

[...]

O mandatário age em nome e por conta do mandante e, em sendo assim, só


responderá pessoalmente perante terceiros por atos próprios. In casu, sua
inclusão no pólo passivo da relação processual se deu indevidamente, já que o
ato só poderia ser imputado ao armador mandante ou à empresa responsável
pelos serviços de estiva. O que até se poderia admitir, em tese, é que a apelada
recebesse citação em nome do armador, mas jamais que respondesse por ato ao
qual não deu causa48.

-X-

O agente marítimo, na condição de mandatário e único representante legal no


Brasil de transportadora estrangeira, assume, juntamente com esta, a obrigação
de transportar a mercadoria, devendo ambos responder pelo cumprimento do
contrato do transporte internacional celebrado. Com efeito, tendo o agente o
direito de receber todas as quantias devidas ao armador do navio, além do dever
de liquidar e de se responsabilizar por todos os encargos referentes ao navio ou
à carga, quando não exista ninguém no porto mais credenciado, é justo manter-
se na qualidade de representante do transportador estrangeiro face às ações
havidas por avaria ou outras consequências, pelas quais pode ser citado em
juízo como mandatário. Legitimidade passiva ad causam reconhecida49.

Recentemente, a Advocacia Geral da União proferiu a súmula nº 50, de 13 de


agosto de 201050, vejamos: "Não se atribui ao agente marítimo a responsabilidade por
infrações sanitárias ou administrativas praticadas no interior das embarcações".

48
TJSP – AC no. 1094775-0/9 – Des. Relator Carlos Nunes – julg. 29.07.08.
49
BRASIL. STJ – REsp 404745 / SP; Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJ 06.12.2004.
50
Publicado no Diário Oficial da União em 17 de agosto de 2010.
37
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

1.12.1.1 Funções do agente marítimo


O agente marítimo possui funções relacionadas à gestão das questões operacionais
do navio (contratação de prático, rebocadores, atracação/desatracação e suprimento),
gestão junto aos terminais e operadores portuários relacionados às operações de carga e
descarga, representação do transportador marítimo perante autoridades portuárias e
governamentais, recebimento do frete, emissão de conhecimentos de embarque,
elaboração de manifestos de carga do navio, e também pode atuar de forma distinta como
Agente comercial ou Agente operacional (agente do armador e agente do afretador).

1.12.2 Transitários
A Doutrina define transitários da seguinte forma:

Transitários são mandatários comerciais do embarcador ou do recebedor das


mercadorias, e atuam no sentido de executar as operações anteriores ou
posteriores ao transporte marítimo propriamente dito, que não incumbem ao
Comandante do navio ou aos agentes.51

1.12.3 Corretores de navios


São figuras que atuam na intermediação de operações de compra e venda de
navios, bem como nas operações de afretamento.
José Candido Sampaio de Lacerda assim apresenta sua definição:

Corretores, de um modo geral, são mediadores que se colocam entre duas


pessoas para facilitar a conclusão de um negócio jurídico, a ele permanecendo
estranhos. É instituição antiga e, segundo GOLDSCHMIDT, deriva dos
intérpretes que outrora se encarregavam de guiar os estrangeiros na língua e
nos usos locais. Entre estes figuravam os corretores do comércio marítimo,
quando, dadas as exigências administrativas e fiscais assaz numerosas nos
diversos portos, se tornou impossível aos capitães estrangeiros, principalmente,
redigirem várias declarações obrigatórias52.

No que se refere à intermediação nos afretamentos de navios, os Corretores não se


limitam ao fechamento do negócio, mas também auxiliam no contato entre as partes
contratantes durante a execução do mesmo.

51
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 126.
52
LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1984, 3ª ed., rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho, p.147.
38
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

1.12.4 Corretores de Carga


Intermediário que faz a ligação do armador/agente marítimo com o embarcador,
para reserva de espaço para carga, representando os interesses dos exportadores e
importadores.

1.12.5 Reboque
Atividade desempenhada por embarcação normalmente de pequeno porte com
máquinas de grande potência, no sentido de puxar ou empurrar embarcação que se
encontra impossibilitada de utilizar sua propulsão própria ou que não a apresenta.
A operação de reboque mais usual é realizada com cabos de reboque que são
conectados no rebocador e no navio rebocado, por meio dos quais é exercida a força de
tração.
O reboque igualmente pode ser realizado através da atividade de empurrar, sistema
que é mais utilizado no transporte fluvial de barcaças sem propulsão. O rebocador,
denominado empurrador, posiciona-se na popa do comboio formado por barcaças e
empurra as embarcações durante a travessia fluvial.
O reboque pode ser utilizado para auxílio em manobras de atracação/desatracação
em diques, terminais e portos ou para deslocamento de barcaças, plataformas e outros
navios em alto mar ou em hidrovias, sejam para fins de transporte ou para salvamento de
embarcação.
Classificam-se, portanto, os serviços de reboque como:
a) rebocadores para auxílio de manobras, ou reboque-manobra; e
b) rebocadores para reboque propriamente dito de embarcações ou reboque-transporte.
Importante destacar que nas operações de atracação, desatracação, amarração,
desamarração, entrada e saída de barras, o Comandante do navio auxiliado por
rebocadores sempre permanece responsável e comanda a manobra. Já nos serviços de
reboque-transporte, a responsabilidade e comando da manobra são do Comandante do
rebocador.
Atualmente, existem empresas altamente especializadas na prestação de serviços
de reboque, seja na operação de reboque-manobra, seja na operação de reboque-
transporte.

39
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Rebocadores operando

1.12.6 Praticagem
A praticagem53 é o serviço de assistência prestado por profissional devidamente
habilitado ao Comandante de navio em manobras nas quais é imprescindível expertise e
conhecimento específico sobre determinadas condições e características de determinadas
áreas, visando sempre a segurança da navegação.
A Doutrina aborda o assunto com clareza, verbis:

A praticagem consiste na atividade pela qual um profissional devidamente


habilitado embarca em um navio para prestar apoio ao Comandante durante a
navegação em zonas críticas, entradas e saídas de portos, manobras de
atracação e desatracação, fundear ou suspender. É a navegação que exige de
quem dirige perfeito conhecimento, adquirido pela prática, de particularidades
locais ou regionais, que dificultam a livre e segura movimentação das
embarcações de trechos da costa, em barras, em portos, em lagoas e rios.
[...]
O prático é o profissional habilitado que, tendo conhecimento de
posicionamento de rochas e rochedos submersos, bancos de areia, marés e
correntes de maré, e, normalmente autorizado pelo órgão governamental
competente, assessora os capitães de navios nos serviços de praticagem54.

Os deveres do prático estão estabelecidos no item 0218 da NORMAM/DPC 12,


verbis:
Ao Prático, no desempenho das suas funções, compete:
a) Assessorar o Comandante da embarcação na condução das fainas de
praticagem, atendendo com presteza e de forma eficiente as exigências das
atividades profissionais;

53
Decreto n° 2.596/1998.
“Art. 1º Os aquaviários constituem os seguintes grupos:
(omissis)
V - 5º Grupo - Práticos: aquaviários não-tripulantes que prestam serviços de praticagem embarcados; ”
54
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 133.
40
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

b) Manter-se apto a prestar com segurança os serviços de praticagem, em todos


os tipos de embarcações, em toda a extensão da ZP, exceto nos casos de
comprovada inexequibilidade de cumprimento previstos no item 0211, alínea
e), caso haja;
c) Transmitir, responder e acusar sinais, com segurança, a outras embarcações
que trafeguem na ZP ou demandarem ou saírem do porto, quando necessário;
d) Observar e fazer observar com frequência as profundidades e correntezas
dos rios, canais, barras e portos, principalmente, depois de fortes ventos,
grandes marés e chuvas prolongadas;
e) Comunicar as observações do item anterior, assim como qualquer outra
informação de interesse à segurança da navegação ao CP/DL/AG;
f) Comunicar ao CP/DL/AG qualquer alteração/irregularidade observada no
balizamento;
g) Na maior brevidade possível, comunicar ao Comandante da embarcação e
ao CP/DL/AG a existência de condições desfavoráveis ou insatisfatórias para a
realização da manobra e que implique risco elevado à segurança do tráfego
aquaviário, à salvaguarda da vida humana ou à preservação do meio ambiente;
h) Procurar conhecer as particularidades do governo e condições das
embarcações, a fim de prestar com segurança os serviços de praticagem;
i) Manter-se atualizado quanto às alterações de faróis, balizamentos e outras
mudanças possíveis, ocorridos na ZP;
j) Alertar o CP/DL/AG e o Comandante da embarcação, quando as condições
de tempo e mar não permitirem a praticagem com segurança;
l) Cooperar nas atividades de socorro e salvamento marítimo (SAR), patrulha
costeira ou fluvial e de levantamentos hidrográficos na sua ZP, quando
determinado pelo CP/DL/AG;
m) Atender a convocação do CP/DL/AG, para prestar quaisquer
esclarecimentos por ele julgados necessários, ou para integrar fainas de
assistência e salvamento marítimo em conformidade com o previsto na
NORMAM 16;
n) Manter atualizados os seus dados, endereço, telefone, etc junto à CP/DL/AG
da ZP a que pertence;
o) Integrar a Banca Examinadora destinada a realizar exame para Prático ou
Praticante de Prático, quando designado pelo Diretor de Portos e Costas ou
Capitão dos Portos;
p) Executar as atividades do serviço de praticagem, mesmo quando em
divergência com a empresa de navegação ou seu representante legal, devendo
os questionamentos serem debatidos nos foros competentes, sem qualquer
prejuízo para a continuidade do serviço. Divergências que contenham assuntos
técnicos-operacionais referentes a segurança da navegação, salvaguarda da
vida humana nas águas e prevenção da poluição hídrica terão como fórum a
Autoridade Marítima;
q) Manter a continuidade dos serviços permanentemente;
r) Cumprir a escala de rodízio estabelecida e/ou ratificada pelo CP/DL/AG;
s) Cumprir o número mínimo de manobras estabelecido pelo Diretor de Portos
e Costas ou Capitão dos Portos, para manter-se habilitado;
t) Submeter-se aos exames médicos e psicofísicos de rotina, estabelecidos na
Seção VIII destas normas;
u) Portar, obrigatoriamente, o colete salva-vidas na faina de transbordo
lancha/navio/lancha;
v) Cumprir as Normas da Autoridade Marítima (NORMAM) e comunicar ao
CP/DL/AG sempre que, no desempenho da função de Prático, observar o seu
descumprimento;
x) Manter-se em disponibilidade, na ZP, para atender a qualquer manobra
durante todo o período de Escala. Em caso de necessidade de afastamento, por
motivo de força maior, o Prático deverá ser substituído na escala e o fato
informado ao CP/DL/AG, na primeira oportunidade; e
z) Realizar Curso de Atualização para Práticos (ATPR).

41
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Em conjunto com o Comandante, o prático pode requisitar os rebocadores em


número e capacidade necessários para uma manobra segura, posicionar os rebocadores de
acordo com as suas especificações (capacidade de tração e dimensões), e planejar a
manobra levando em consideração as condições de mar e tempo, as características do
navio, rebocadores e todas as demais circunstâncias da manobra.
Registre-se que o prático se afigura, na teoria, como um assistente do Comandante,
permanecendo este último no comando da embarcação e responsável pelas manobras.
Matusalém Gonçalves Pimenta discorre sobre o tema, verbis:

[...] o comandante é responsável pelos acidentes e fatos da navegação causados


por erro técnico genérico de navegação ou manobra, ainda que seu navio esteja
sendo orientado por um prático, vez que ele, como gestor náutico e autoridade
máxima a bordo, deve dispensar a assessoria do prático, ao perceber que este
compromete a segurança do navio55.

Nesse sentido, há grande discussão sobre a responsabilidade civil do prático por


danos causados durante manobras em que aquele se encontra a bordo fornecendo
instruções específicas e peculiares do local.
Atualmente, a corrente majoritária inclina-se pelo entendimento de que o prático
não poderia ser responsabilizado civilmente, mas apenas administrativa e criminalmente.
Na questão administrativa, temos alguns julgados do Tribunal Marítimo atribuindo culpa
concorrente ao prático e ao comandante. Vejamos:

Colisão com cais. Erro de manobra. Imperícia do prático e negligência do


comandante. Condenação.
No dia 22/07/00, cerca de 11h40min, no cais da CADAM, Rio Jarí, Munguba,
PA, ocorreu a colisão do N/M ‘SANKO REJOICE’ com o cais, com danos
materiais, sem vítimas.
O laudo pericial concluiu que o navio empreendia velocidade superior ao que
era necessário para a manobra de atracação por responsabilidade do prático do
navio.
O encarregado do inquérito concluiu que de tudo quanto contêm os presentes
autos, conclui-se: 1) Fatores que contribuíram para o acidente da navegação: a)
Fator humano: não contribuiu; b) Fator material: não contribuiu; c) Fator
operacional: contribuiu, o fato de ter sido feita manobra de aproximação para
atracação com velocidade superior a recomendada pelas boas regras de
navegação e com ângulo de aproximação inadequado (fl. 28), não tendo sido
levado em consideração o fato segurança por parte do prático. 2) Que, em
consequência, houve a colisão do navio contra o cais, provocando avarias nos
dolfins de nos um (1) e três (3), inclusive tendo havido a queda n'água da
passarela que liga o dolfim de nº um (1) ao de nº dois (2). O navio não sofreu

55
PIMENTA, Matusalém Gonçalves. Responsabilidade Civil do Prático. Rio de Janeiro: Lúmen Júris:
2007, 1ª ed., p. 135.
42
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

avarias e não houve vítimas fatais, agressão ao meio ambiente e tampouco


ferido (fl. 26). 3) Considerar possíveis responsáveis diretos pelo acidente o
prático [...] e o [...], comandante do N/M ‘SANKO REJOICE’, por não ter
assumido a manobra do navio ao perceber que o prático estava manobrando
perigosamente, conforme preconiza o subitem d) do item 0225 da NORMAM-
12.
De tudo o que consta nos presentes autos, verifica-se que a causa determinante
da colisão foi o erro de manobra cometida pelo prático, responsável pela
atracação, corroborado pela omissão do comandante que a tudo assistia
passivamente, embora confessasse perceber as imperfeições praticadas pelo
prático.
A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: quanto as
preliminares e por maioria quanto ao mérito, nos termos do voto do Exmº Sr.
Juiz Relator; a) quanto à natureza e extensão do acidente: colisão de N/M com
o cais, com danos materiais de monta, sem vítimas; b) quanto à causa
determinante: erro de manobra, excesso de velocidade na aproximação; c)
decisão: julgar procedente a preliminar apresentada por [...]; e julgar
improcedente a preliminar apresentada pelo Comandante do NM ‘SANKO
REJOICE’. [..] Decisão por maioria nos termos do voto do Juiz-Relator: julgar
o acidente da navegação previsto no art. 14, letra ‘a’, da Lei nº 2.180/54, como
decorrente da imperícia do prático [...] e da negligência do comandante [...],
condenando cada um à pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) e custas [...]56.

-X-

Encalhe. Erro de navegação. Imperícia dos representados. Condenação.


No dia 23 de março de 2005, cerca de 12h, o N/M ‘COTSWOLD’ encalhou
nas proximidades da bóia nº. 28 do canal de acesso ao Terminal Portuário da
Ponta da Madeira, em São Luiz, MA, com danos materiais, sem vítimas.
O laudo pericial concluiu que o fator operacional contribuiu - erro na escolha
do rumo e na avaliação dos abatimentos adequados para as condições de maré,
corrente e ventos reinantes no momento do acidente.
A causa determinante do acidente da navegação foi um erro de navegação
decorrente do inadequado rumo 354º adotado para a saída do navio do terminal
da CVRD.
Conclusão: De tudo o que contém os presentes autos, conclui-se: I) fatores que
contribuíram para o acidente da navegação: a) fator humano não contribuiu; b)
fator material não contribuiu; e c) fator operacional - contribuiu - houve erro
de navegação por falha na escolha do rumo e na avaliação dos abatimentos
necessários para que o navio se mantivesse no canal.
Conclui-se, portanto, que o acidente da navegação se deu em decorrência de
um erro de navegação por falha na escolha do rumo e na avaliação dos
abatimentos necessários para manter o navio no canal.
Que em consequência, o N/M ‘COTSWOLD’ encalhou, sofreu avarias no
hélice e atrasou sua viagem, conforme consta às fls. 88 a 92.
O Comandante do N/M ‘COTSWOLD’, o CLC e o Prático são os possíveis
responsáveis diretos pelo acidente da navegação.
A Procuradoria Especial da Marinha - (PEM), em uniformidade de
entendimento com o relatório, ofereceu representação em face do prático, com
fulcro no art. 14, letra "a" (encalhe) da Lei nº. 2.180/54. Na sessão do dia 7 de
março de 2006, o Tribunal Marítimo decidiu pelo retorno dos autos à PEM para
que inclua na representação o Comandante do navio pelos mesmos argumentos
apresentados contra o prático, já que o mesmo reconheceu, em seu depoimento,
que participava da manobra, e corroborou todas as decisões do prático e já
esteve naquele porto por diversas vezes, havendo assim fortes indícios da
participação culposa do mesmo no acidente.

56
Processo nº 19.042/00.
43
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

De tudo o que consta nos presentes autos, verifica-se que a causa determinante
do encalhe, foi o erro de manobra realizada na desatracação do navio.
A unanimidade da prova produzida nos autos indicou que o navio não possuía
qualquer deficiência de máquinas ou governo, como também todas as ordens
indicadas pelo prático foram prontamente atendidas pelos rebocadores.
Também restou provado que as condições da batimetria e do posicionamento
das bóias eram normais, além de não existir qualquer anormalidade nas
condições ambientais.
O laudo de exame pericial deu conta de apurar que houve por parte dos
responsáveis pela manobra, prático e comandante, erro na escolha do rumo e
na avaliação dos abatimentos recomendados para as condições reinantes de
maré e corrente no momento do acidente.
Assim, deve ser julgado integralmente procedente a representação,
responsabilizando os representados pelo acidente.
Assim, acordam os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à
natureza e extensão do acidente: encalhe de N/M com danos de pequena monta,
sem vítimas; b) quanto à causa determinante: erro de manobra; c) decisão:
julgar o acidente da navegação previsto no art. 14, ‘a’, da Lei nº 2.180/1954,
como decorrente da imperícia dos representados, [...], prático, e [...],
comandante, condenando cada um à pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais)
e custas. [...]57.

1.13 Capitão ou comandante


O Capitão58 é a figura que comanda, e é responsável pela embarcação, carga,
tripulantes e todos os indivíduos a bordo, podendo subdividir suas atribuições sob as
seguintes premissas:

(i) Funções de ordem técnica


(ii) Funções de gestão comercial
(iii) Funções de ordem pública

As funções de ordem técnica do Comandante referem-se principalmente à gestão


náutica do navio, consubstanciada na atividade de navegação, bem como na manutenção
das características de estanqueidade e estabilidade, nas operações de carregamento e
estiva, na administração de pessoal e tripulação, manutenção de casco e máquinas, etc.
Quanto às funções de gestão comercial, destacam-se as obrigações oriundas de
contratos de afretamento e de transporte, execução de instruções fornecidas pelo armador

57
Processo nº 21.644/05.
58
CCom “Art. 497 - O capitão é o comandante da embarcação; toda a tripulação lhe está sujeita, e é obrigada
a obedecer e cumprir as suas ordens em tudo quanto for relativo ao serviço do navio. ”
44
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

ou afretador acerca da programação do navio, representar o armador comercialmente


perante terceiros, responsabilizar-se pela carga como depositário 59 etc.
No que pertine à função de ordem pública, o comandante afigura-se como maior
autoridade a bordo, sendo responsável pelo cumprimento das leis do pavilhão nacional
que o navio arvore, bem como das convenções internacionais. Nessa investidura, o
Comandante tem competência para lavrar termos, instaurar processos, funcionar como
notário público, celebrar casamentos, registrar nascimento e óbito, etc.
As atribuições do Comandante encontram-se previstas expressamente no item
0401 da NORMAM/DPC 13, dentre as quais se destacam as seguintes, verbis:
Ao Comandante, compete:

1) cumprir e fazer cumprir, por todos os subordinados, as leis e regulamentos


em vigor, mantendo a disciplina na sua embarcação, zelando pela execução dos
deveres dos tripulantes, de todas as categorias e funções, sob as suas ordens;
2) inspecionar ou fazer inspecionar a embarcação, diariamente, para verificar
as condições de asseio, higiene e segurança;
3) cumprir as disposições previstas nas instruções sobre os meios de
salvamento a bordo; assegurar a ordem e serventia das embarcações auxiliares
de salvamento; tomar todas as precauções para completa segurança da
embarcação, quer em viagem, quer no porto;
[...]
6) assumir pessoalmente a direção da embarcação sempre que necessário como:
por ocasião de travessias perigosas, entrada e saída de portos, atracação e
desatracação, fundear ou suspender, entrada e saída de diques, em temporais,
cerração ou outra qualquer manobra da embarcação em casos de emergência;
7) supervisionar o carregamento, a descarga, o lastro e deslastro da embarcação,
de forma eficiente, de acordo com as normas de segurança;
8) dar ciência às autoridades competentes, inclusive ao Armador, sempre que,
justificadamente, tiver que alterar os portos de escala da embarcação;
[...]
12) responder por quaisquer penalidades impostas à embarcação, por infração
da Legislação em vigor, resultantes de sua imperícia, omissão ou culpa, ou de
pessoas que lhe sejam subordinadas apontando, neste caso, o responsável;
[...]
14) cumprir e fazer cumprir o regulamento para evitar abalroamento no mar;
15) socorrer outra embarcação, em todos os casos de sinistro, prestando o
máximo auxílio, sem risco sério para sua embarcação, equipagem e
passageiros;
[...]
17) empregar a maior diligência para salvar os passageiros e tripulantes, os
efeitos da embarcação e carga, papéis e livros de bordo, dinheiro etc., devendo
ser o último a deixá-lo, quando julgar indispensável o seu abandono em virtude
de naufrágio;
18) lavrar, quando em viagem, termos de nascimento e de óbito ocorridos:
arrecadar e inventariar os bens de pessoa que falecer, fazendo entrega de tudo
à autoridade competente;
19) efetuar casamentos, escrever e aprovar testamentos "in extremis",
reconhecer firmas em documentos, nos casos de força maior;

59
CCom “Art. 519 - O capitão é considerado verdadeiro depositário da carga e de quaisquer efeitos que
receber a bordo, e como tal está obrigado à sua guarda, bom acondicionamento e conservação, e à sua pronta
entrega à vista dos conhecimentos (artigo nºs 586 e 587). ”
45
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

20) ratificar, dentro de 24 horas úteis, depois da entrada da embarcação no


porto, perante as autoridades competentes, e tendo presente o "Diário de
Navegação", todos os processos testemunháveis e protestos formados a bordo,
tendentes a provar sinistros, avarias, perdas ou arribadas;
21) dar conhecimento à Capitania do primeiro porto que demande e a outras
embarcações, pelo rádio, ou qualquer outro meio, de todas as ocorrências
concernentes à navegação, como sejam: cascos soçobrados ou em abandono,
baixios, recifes, funcionamento dos faróis e boias, balizas, derelitos etc.;
22) impor penas disciplinares aos que perturbarem a ordem da embarcação,
cometerem faltas disciplinares ou deixarem de fazer o serviço que lhes
compete, comunicando às autoridades competentes, na forma da legislação em
vigor;
23) fazer alijar carga por motivo de força maior, e no interesse geral, ou quando
se tratar de volume contendo materiais explosivos e perigosos, embarcados em
contravenção à lei e que esteja pondo em risco a embarcação, tripulantes, etc;
[...]
28) instaurar inquérito e demais atos de direito, para o que ocorrer a bordo;
29) superintender os serviços de abastecimento e reparos, manutenção,
docagem e reclassificação da embarcação. Visar às respectivas faturas,
relatórios de serviço e pedidos, assim como todos e quaisquer outros
documentos;
[...]
31) delegar poderes aos Subordinados para distribuição de serviços, visando ao
bom andamento dos trabalhos de bordo;
[...]
35) responder pelo fiel cumprimento das leis, convenções, acordos nacionais e
internacionais, e de todas as demais normas que regem o Transporte Marítimo,
devendo zelar pelo bom nome da Empresa, resguardando os interesses da
mesma e a boa apresentação da Marinha Mercante do Brasil, nos portos
nacionais e estrangeiros;
[...]
39) implantar e fazer cumprir a bordo um plano de prevenção e combate a
poluição.

Já os deveres do Comandante da embarcação, quando utilizando o serviço de


praticagem, encontram-se elencados no item 0220 da NORMAM/DPC 12, verbis:

a) Informar ao Prático sobre as condições de manobra do navio;


b) Fornecer ao Prático todos os elementos materiais e as informações
necessárias para o desempenho de seu serviço, particularmente o calado de
navegação;
c) Fiscalizar a execução dos serviços de praticagem, comunicando ao
CP/DL/AG, qualquer anormalidade constatada;
d) Dispensar a assessoria do Prático quando convencido que este esteja
orientando a manobra de forma perigosa, solicitando, imediatamente, um
substituto, e comunicar ao CP/DL/AG, formalmente, no prazo máximo de 24
horas após a ocorrência do fato, as razões de ordem técnica que o levaram a
essa decisão;
e) Alojar o Prático, a bordo, com regalias idênticas às dos seus Oficiais;
f) Cumprir as regras nacionais e internacionais de segurança, em especial
aquelas que tratam do embarque e desembarque de Práticos; e
g) Não dispensar o Prático antes do ponto de espera de Prático da respectiva
ZP, quando esta for de praticagem obrigatória.
Observação: A presença do Prático a bordo não desobriga o Comandante e a
equipe do passadiço (tripulação de serviço) de seus deveres e obrigações para

46
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

com a segurança do navio, devendo as ações do Prático serem monitoradas todo


o tempo.

Vale ressaltar decisões do Tribunal Marítimo atribuindo responsabilidade ao


Comandante por acidentes, verbis:

“[...] O inquérito deu conta de apurar que a causa determinante do abalroamento


foi a falha do comandante em perceber como os fatores ambientais
desfavoráveis agiriam sobre o seu navio e sua escolha inadequada de ângulo de
aproximação e velocidade ao aproximar-se da plataforma, além de sua
imprudência ao insistir em prosseguir com a manobra a despeito dos óbices que
indicavam a necessidade de abortar a aproximação, aguardando condições
favoráveis [...]
Assim, não pode ser acolhida a argumentação da defesa, uma vez que cabe ao
comandante da EAM a decisão final quanto à realização da operação de
transferência [...]
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à
natureza e extensão do acidente: abalroação de rebocador de apoio contra
plataforma, durante aproximação para transferência de carga, provocando
avarias em ambas as embarcações, sem ocorrência de vítimas ou de danos ao
meio ambiente; b) quanto à causa determinante: falha na manobra de
aproximação executada pelo comandante do rebocador de apoio em condições
de vento desfavoráveis; c) decisão: julgar o acidente da navegação, previsto no
art. 14, alínea “a”, da Lei nº 2.180/54, como decorrente de imprudência,
condenando Gilberto de Souza Nunes à pena de multa de R$ 500,00
(quinhentos reais), de acordo com o art. 121, inciso VII, § 5º, combinado com
o art. 124 e art. 127 e atenuado pelo art. 139, inciso IV, alínea “a”, da Lei nº
2.180/54, com a redação dada pela Lei nº 8.969/91 (...)”
(Tribunal Marítimo – Processo nº 25.318/2010 – Relator Juíz Sergio Cesar
Bokel – Julgado em 14.08.2012)

-X-

“[...] No relatório o encarregado do inquérito concluiu que devido o canal ser


estreito no local onde ocorreu o acidente conforme citado pelo depoimento do
comandante da embarcação “TREVO NORTE” mais cautela e segurança ao
realizar tal manobra naquele local, independente das circunstâncias do
momento, pois de acordo com o item 0401 das Normas da Autoridade Marítima
para Aquaviários – NORMAM-13, o comandante dever assumir pessoalmente
a direção da embarcação sempre que necessário como: por ocasião de
travessiasperigosas, entrada e saída de portos, atracação e desatracação,
fundear ou suspender, entrada e saída de diques, em temporais, cerração ou
outra qualquer manobra da embarcação em casos de emergência. Assim sendo
é de responsabilidade do comandante redobrar a cautela em locais
conhecidamente perigosos a navegação, no caso do referido acidente o
comandante previamente já sabia que o canal por onde passaria era estreito,
desta forma deveria tomar todas as providencias possíveis para fazer a referida
travessia com segurança. Caso o comandante não sinta segurança em sua
manobra deverá tomar providencias no sentido de parar a embarcação
fundeando ou reduzindo máquinas a fim de evitar qualquer tipo de acidente.
[...]
Ao contrário, diante de fatores adversos, o condutor representado deveria
resguardar-se assumindo pessoalmente a manobra, como determina a
NORMAM-13, item 0401, agindo com maior cautela e segurança. [...]
47
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto


à natureza e extensão do acidente: abalroação entre N/M, com danos materiais
de pequena monta;
b) quanto à causa determinante: erro de manobra; c) decisão: julgar o acidente
da navegação, previsto no art. 14, letra “a”, da Lei n º. 2.180/54, como
decorrente da imperícia do representado, condenando-o à pena de repreensão e
custas.
(Tribunal Marítimo – Processo nº 22.177/2006 – Relator Juíz Marcelo David
Gonçalves – Julgado em 31.07.2008)

1.14 Terminais de cargas e contêineres


Os terminais de cargas e contêineres exercem função preponderante na logística
do transporte marítimo, sendo um local especializado em armazenagem e movimentação
de carga (notadamente contêineres). Podem ser alfandegados ou não.
A Lei 12.815 de 5 de junho de 2013 (Lei dos Portos) encontra-se dividida em nove
capítulos e setenta e seis artigos, e introduziu novos conceitos em seu artigo 2º, senão
vejamos:

“I - porto organizado: bem público construído e aparelhado para atender a


necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de
movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações
portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária;

II - área do porto organizado: área delimitada por ato do Poder Executivo que
compreende as instalações portuárias e a infraestrutura de proteção e de acesso
ao porto organizado;

III - instalação portuária: instalação localizada dentro ou fora da área do porto


organizado e utilizada em movimentação de passageiros, em movimentação ou
armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte
aquaviário;

IV - terminal de uso privado: instalação portuária explorada mediante


autorização e localizada fora da área do porto organizado;

V - estação de transbordo de cargas: instalação portuária explorada mediante


autorização, localizada fora da área do porto organizado e utilizada
exclusivamente para operação de transbordo de mercadorias em embarcações
de navegação interior ou cabotagem;

VI - instalação portuária pública de pequeno porte: instalação portuária


explorada mediante autorização, localizada fora do porto organizado e utilizada
em movimentação de passageiros ou mercadorias em embarcações de
navegação interior;

VII - instalação portuária de turismo: instalação portuária explorada


mediante arrendamento ou autorização e utilizada em embarque, desembarque
e trânsito de passageiros, tripulantes e bagagens, e de insumos para o
provimento e abastecimento de embarcações de turismo;

VIII - (VETADO):

48
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

a) (VETADO);

b) (VETADO); e

c) (VETADO);

IX - concessão: cessão onerosa do porto organizado, com vistas à


administração e à exploração de sua infraestrutura por prazo determinado;

X - delegação: transferência, mediante convênio, da administração e da


exploração do porto organizado para Municípios ou Estados, ou a consórcio
público, nos termos da Lei nº 9.277, de 10 de maio de 1996;

XI - arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura públicas


localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo
determinado;

XII - autorização: outorga de direito à exploração de instalação portuária


localizada fora da área do porto organizado e formalizada mediante contrato de
adesão; e

XIII - operador portuário: pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as


atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem
de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, dentro da
área do porto organizado.”

Terminal de cargas MultiRio – Rio de Janeiro

1.14.1 Intermodalidade
É o transporte de mercadorias em duas ou mais modalidades em uma mesma
operação, na qual cada transportador emite seu próprio conhecimento de transporte,
responsabilizando-se individualmente pelo serviço prestado durante o seu respectivo
modal, que pode ser rodoviário, ferroviário, marítimo, aéreo, hidroviário ou dutoviário.

1.14.2 Multimodalidade
49
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Vincula o percurso da carga a um único conhecimento de transporte


(Conhecimento de Transporte Multimodal – “CTM”) independentemente das diferentes
combinações de meios de transporte, emitido pelo Operador de Transporte Multimodal
(“OTM”), o qual será o único responsável pela integralidade do serviço prestado.

1.15 Definição legal de operador de transporte multimodal (“OTM”)


A Lei nº 9.611/1998, também conhecida como a Lei de Transporte Multimodal,
define que:

Transporte Multimodal de Cargas é aquele que, regido por um único contrato,


utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e
é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte
Multimodal (art. 2º).

Por outro lado, o Transporte Multimodal de Cargas compreende, além do


transporte em si, os serviços de coleta, unitização, desunitização, movimentação,
armazenagem e entrega de carga ao destinatário, bem como a realização dos serviços
correlatos que forem contratados entre a origem e o destino, inclusive os de consolidação
e desconsolidação documental de cargas (art. 3º).

CASO GERADOR
A empresa “Montefiore”, com sede no Rio de Janeiro, adquiriu no exterior
diversas peças para produção de geladeiras em sua fábrica no Brasil.
Para o transporte marítimo de suas mercadorias, contratou o N.V.O.C.C. "Fast
Logistics", que emitiu o Conhecimento de Transporte (HB/L) nº FLGE0123.
O N.V.O.C.C, por sua vez, contratou o transportador marítimo grego “Anteros”,
que possui linhas regulares para o Brasil, o qual emitiu o seu próprio Conhecimento de
Transporte master (MB/L) nº SRN1111, atestando o recebimento da carga a bordo do seu
navio "Eros" em bom estado.
Sendo assim, a aludida mercadoria foi então embarcada no porto de origem,
acondicionada no contêiner nº GLEU5738 viagem 013N, com destino ao Porto de Itaguaí
- RJ.
Sucede que, durante a travessia marítima, o navio "Eros" enfrentou forte
tempestade, resultando em avarias nas mercadorias importadas pela "Montefiore".

50
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Tão logo constatadas as avarias na carga, a empresa importadora ajuizou ação


indenizatória no Rio de Janeiro, indicando como parte Ré o Agente Marítimo no Brasil
do transportador grego “Anteros".
Considerando a situação fática acima:
(i) O agente marítimo é parte legítima para responder a ação de indenização?
(ii) Quais são as funções do agente marítimo?
(iii) Em caso negativo, quem deveria figurar como parte legítima para responder a ação?
Justifique a sua resposta.
(iv) Quais seriam os possíveis pleitos da empresa “Montefiore”?
(v) Poderia o Operador Portuário do Porto de Itaguaí ser parte legítima para responder a
ação? Em qual situação?

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO
1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando as partes
envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Defina armador.
3. Defina NVOCC.
4. Quais são as funções do agente marítimo? O agente marítimo seria parte legítima para
responder por avaria de carga transportada por seu armador?
5. Qual é a função e importância do prático?
6. Discorra sobre as funções do Comandante.
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
ANJOS, J. Haroldo dos & GOMES, Carlos R. C. Curso de Direito Marítimo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1992.
FARINA, Francisco. Derecho Comercial Maritimo. Madrid: Departamento Editorial del
Comisariado Español Marítimo, 1948, 1ª ed.
FERREIRA, W. M. “O Commercio Marítimo e o Navio”. In Revista da Faculdade de
Direito de São Paulo. São Paulo, 1930, vol. 36.

51
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio de


Janeiro: Renovar, 2005, 2ª ed.
LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1984, 3ª ed., rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho.
MATOS, Azevedo. Princípios de Direito Marítimo. Lisboa: Edições Ática, 1955, 1ª ed.
KEEDI, Samir & MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no Comércio
Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.
KOVATS, L. J. The Law of Tugs and Towage. Londres: Barry Rose (Publishers) Ltd,
1980.
PIMENTA, Matusalém Gonçalves. Responsabilidade Civil do Prático. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2007,1ª ed.
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação. Rio de Janeiro: Forense, 1968,
2ª ed.
SIMAS, Hugo. Compêndio de direito marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva & Cia
Editores, 1938.

Jurisprudencial
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 864409. Relator: Ministro Luis Felipe
Salomão Quarta Turma. Julgado em 23 de junho de 2009. In: DJe, de 01 de julho de 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. REsp n. 792444 / RJ – J. 06/09/2007. In: DJ, 26
de setembro de 2007.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n. 860149-PB. Julgado em 06 de
novembro de 2007.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 404745-SP. Relator: Ministro Jorge
Scartezzini. In: DJ, de 06 de dezembro de 2004.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. AC n. 70020843017.
Julgado em 29 de novembro de 2007.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 1094775-0/9. Relator:
Desembargador Carlos Nunes. Julgado em 29 de julho de 2008.
Legislativa
BRASIL. Código Comercial
BRASIL. Código Civil
BRASIL. Decreto n° 15.788, de 08 de novembro de 1922.
52
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

BRASIL. Decreto n° 2.596, de 18 de maio de 1998.


BRASIL. Lei n° 7.652, de 03 de fevereiro de 1988.
BRASIL. Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.
BRASIL. Lei n° 9.537, de 11 de dezembro de 1997.

AULA V - Meio Ambiente e Direito Marítimo

ROTEIRO DE ESTUDO
A cadeira de meio ambiente marítimo pretende não só tratar das consequências
imediatas da poluição marinha, mas também alçar os pontos nodais ao tratamento legal
das questões ambientais de modo a que sejam compreendidos os princípios e os
instrumentos que lastreiam a política ambiental, inicialmente como gestora e, só após,
como fiscalizadora das condutas poluentes.
Tratar de poluição marinha sob o aspecto jurídico sem conhecer os princípios e as
políticas de meio ambiente, seria como imaginar que para o bom exercício da advocacia,
qualquer um, desde que vestido com um bom terno, pudesse exercer bem a profissão,
mesmo sem conhecê-la. É como imaginar que apenas o “bom senso” seria suficiente para
convencer o Judiciário ou o órgão fiscalizador. Precisa, antes de tudo, compreender que a
visão do Direito Ambiental não pode ser a mesma daquela do Direito Civil.
Hoje, o bom advogado/gestor, ao tratar de meio ambiente, precisa conhecer todos
os elos da cadeia. Desde a viabilização econômica (fontes de financiamento) do
empreendimento, passando pelo projeto, instalação e início da operação, a gestão
ambiental, os incidentes e o descomissionamento. Precisa também conhecer o “Negócio”
e aprender a língua do técnico ambiental, de modo a facilitar sua tarefa e encurtar o
caminho do seu cliente.
Considerando que a prevenção não é somente o mais correto como também o mais
econômico modo de tratar o meio ambiente, faz-se mister ao advogado/gestor
53
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

compreender primeiro os princípios que norteiam a política ambiental mundial e pátria


para melhor orientar: a) o planejamento, b) a gestão, c) o contingenciamento, d) a
mitigação e e) a compensação do dano ambiental. A multa, indenização ou prisão de seu
cliente só poderão ser bem tratadas pelo conhecedor destes princípios mui especiais e
interdisciplinares, sob pena de ser considerado o advogado um outsider pelos vários
julgadores.
Enfim, visa a cadeira estender ao aluno uma visão ,a mais holística possível, do
universo ambiental marítimo, já que inúmeros outros aspectos levam a imbricações nas
questões ambientais.

1 Breves considerações históricas


O desenvolvimento das nações é realizado à custa dos recursos naturais que,
utilizados indevidamente e em larga escala, provocaram a deterioração do meio ambiente
e a crescente escassez destes recursos em determinados pontos do planeta.
Foi em Estocolmo, em 1972, durante a “Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano”, realizada pela ONU,60 que se chamou atenção para o problema
ambiental de uma forma mais veemente. Isto porque as nações ricas e industrializadas
começavam a se conscientizar da vasta degradação ambiental decorrente do avanço
econômico e tecnológico.
Seguindo essa tendência de preocupação com o meio ambiente, diversas
organizações começam a se projetar em sua defesa, questionando, insistentemente, a
sociedade sobre os valores ambientais.
Assim, impulsionada pela necessidade de preservação dos recursos naturais, a
sociedade passa, então, a buscar formas alternativas de desenvolvimento, equilibrando o
desenvolvimento econômico e social com a utilização dos recursos naturais, ao que se
denomina de desenvolvimento sustentável.
Por oportuno, ressalte-se que a muito importante “Conferência da Terra” – ECO
92, realizada no Rio de Janeiro, adotou a “Declaração do Rio” e a “Agenda 21”,
estabelecendo o desenvolvimento sustentável como um objetivo a ser buscado por todos
os países. Os compromissos firmados através desses dois documentos foram renovados
na reunião de cúpula “Rio+20” ocorrida em junho de 2012, também conhecida como
“Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável”. Em seu

60
Organização das Nações Unidas.
54
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

documento final, intitulado “O Futuro que Queremos”61, consta uma parte destinada aos
mares e oceanos, destacando-se os artigos 158 -164 e mais em especial o artigo 163, que
abaixo destacamos como exemplo;
“163. We note with concern that the health of oceans and marine biodiversity
are negatively affected by marine pollution, including marine debris, especially
plastic, persistent organic pollutants, heavy metals and nitrogen-based
compounds, from a number of marine and land-based sources, including
shipping and land run-off. We commit to take action to reduce the incidence
and impacts of such pollution on marine ecosystems, including through the
effective implementation of relevant conventions adopted in the framework of
the International Maritime Organization, and the follow-up of relevant
initiatives such as the Global Programme of Action for the Protection of the
Marine Environment from Land-based Activities,42 as well as the adoption of
coordinated strategies to this end. We further commit to take action to, by 2025,
based on collected scientific data, achieve significant reductions in marine
debris to prevent harm to the coastal and marine environment.”

Assim, com a meta de implementação do desenvolvimento sustentável guiando o


avanço das nações, é preciso conscientizar-se de que a harmonia entre o meio ambiente e
o desenvolvimento significa considerar um contínuo processo de planejamento, não
devendo o meio ambiente ser obstáculo ao desenvolvimento, e nem o
desenvolvimento acarretar no extermínio dos recursos naturais ainda existentes.
Com efeito, evoluindo para um viés mais próximo de nossa aula,
especificamente no caso do transporte, a Organização para o Desenvolvimento
Econômico e Cooperação (OCDE), organização internacional de 34 países desenvolvidos
que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado,
adotou a seguinte definição:

Transporte que não coloque em risco a saúde pública ou ecossistema e que


atenda às necessidades de mobilidades de forma constante com (a) o uso de
recursos renováveis em níveis abaixo de suas taxas de regeneração e (b) uso de
recursos não renováveis em níveis abaixo do desenvolvimento de substitutos
renováveis. (Os grifos não estão no original)

O transporte de mercadorias, especialmente de óleo e derivados, além de minerais,


carrega o estereótipo de poluidor em potencial, vistas as adversidades intrínsecas desse
tipo de atividade. Nesse contexto alguns acidentes foram marcantes por suas
consequências. Percebamos, contudo, como no passado os volumes eram bem maiores
sem que houvesse uma comoção pública como hoje já acontece.

61
Documento disponível em: < www.uncsd2012.org/thefuturewewant.html >.
55
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Histórico de alguns dos principais acidentes (apenas em transporte)


 Março de 1975: vazam 5.800 toneladas (quase 6 milhões de litros)
de petróleo de um cargueiro iraniano na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
 Novembro de 1983: 1,5 milhão de litros de óleo vazam do oleoduto
da Rio-Santos no canal de Bertioga e em outras 17 praias.
 Março de 1990: cerca de 4 mil litros de óleo espalham-se por mais
de 30 km no mar, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro), depois do acidente entre
um rebocador e um navio petroleiro.
 Agosto de 1990: mais de 600 mil litros de petróleo vazam de um
duto em São Sebastião, que foi perfurado acidentalmente durante obras de
contenção de encosta da Serra do Mar.
 Janeiro de 2000: vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo
provocado por uma falha em um dos dutos da Refinaria Duque de Caxias, da
Petrobras, atinge a Baía de Guanabara (Rio de Janeiro).
 Setembro de 2000: vazam 4 mil litros de óleo bruto dos porões do
cargueiro Cantagalo, da Transpetro, que estava atracado no terminal da baía da
Ilha Grande, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro).
 18 de outubro de 2001: o navio petroleiro Norma da frota da
Transpetro, que carregava nafta, chocou-se em uma pedra na baía de Paranaguá,
litoral paranaense, vazando 392 mil litros do produto e atingindo uma área de 3
mil metros quadrados.
 20 de março de 2004: cerca de dois mil litros de petróleo vazaram
de um navio desativado, Meganar, pertencente a uma empresa privada, na Baía de
Guanabara, próximo a Niterói, no Rio de Janeiro.
 15 de novembro de 2004: o navio de bandeira chilena Vicunã,
carregado com 11 mil toneladas de metanol, explodiu três vezes e afundou
totalmente com pelo menos metade da carga em seu interior. Acredita-se que
possam ter vazado entre 3 e 4 milhões de litros de três tipos de combustíveis, sendo
considerado o maior vazamento em 20 anos na Baía de Paranaguá/PR. Além do
impacto no ambiente aquático causado pelas explosões, houve mortes dos
tripulantes e de muitas espécies da fauna marinha. Os pescadores locais foram
proibidos de pescar e, por esse motivo, o governo do Estado repassou cerca de 1,7
56
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

milhão às famílias dos pescadores. Cada pescador recebeu um salário mínimo


enquanto a pesca nos locais atingidos esteve proibida. A mancha de óleo atingiu
mais de 30 km e uma equipe de pessoas foi treinada para auxiliar na limpeza e
salvamento de espécies atingidas pelo óleo. A Cattalini, o P&I, a agência marítima
da embarcação e a Sociedad Naviera Ultragas, proprietária da embarcação, foram
multadas em R$ 250 mil diários, cada uma, na ocasião.
 16 de novembro de 2011: o navio plataforma FPSO Cidade de São
Paulo, de propriedade da empresa Modec, ao efetuar a troca de água de lastro
acabou ocasionando o vazamento de 10 mil litros de óleo na baía de Ilha Grande,
em Angra dos Reis/RJ. O INEA aplicou multa equivalente a R$ 10 milhões.
 27 de junho de 2012: o navio Mercante Seawind, de bandeira
panamenha, transportava granito para Itália quando teve de ancorar em Fortaleza
para abastecer o combustível. Em virtude de irregularidades detectadas pela
Capitania dos Portos e por questões relativas à Justiça do Trabalho, o navio ficou
retido no por 11 meses no porto, quando começou a afundar em 27/06/12. Em
consequência, houve um derramamento de 8 mil litros de óleo.
 05 de abril de 2013: durante o abastecimento de um navio, uma das
válvulas do Terminal TEBAR (Terminal Marítimo Almirante Barroso) da
TRANSPETRO em São Sebastião/SP apresentou um problema que ocasionou o
vazamento de 3.500 litros de óleo no mar. A empresa foi multada em R$ 10
milhões pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
 16 de março de 2015: durante a operação ship to ship entre os
navios Gothenburg e Buena Suerte, no píer do terminal marítimo da
TRANSPETRO, em Angra dos Reis, ocorreu o derramamento de 560 litros de
óleo na Baía da Ilha Grande, dentro da Área de Proteção Ambiental (APA)
Tamoios. O INEA autuou e multou a empresa em R$ 2,38 milhões pelo vazamento
de água de lastro contaminada com óleo. Cumpre destacar que no cálculo foram
levados em conta agravantes como a ocorrência em área protegida, e também
atenuantes, como a operação de contenção e retirada do óleo das imediações do
terminal.
 26 de julho de 2015: a Autoridade Marítima do Panamá procedeu à
detenção do navio-tanque, de bandeira 'Sunpower' do Panamá e Companhia
Grega, que provocou o vazamento de asfalto no Porto de Huelva, bem como
57
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

instaurou processo administrativo e obrigou os responsáveis a depositar garantias


suficientes para satisfazer a reintegração ambiental. O incidente ocorreu por uma
sequência de falhas operacionais durante o carregamento da embarcação
resultando no derramamento de mais de 20 toneladas de produto no convés do
navio, e a subsequente queda no mar. Cabe esclarecer que o asfalto é um produto
proveniente da destilação do petróleo bruto, mantido a 120ºC, classificado como
resíduo perigoso, que se solidifica a temperatura ambiente, assim o material que
não se solidificou no convés se depositou no fundo do terminal e as peças mais
leves afloraram a superfície.

2 Da legislação pertinente à poluição marítima


No tocante aos aspectos marítimos, a internacionalização das normas é a regra.
Isto se dá por ao menos duas razões: em face das correntes marinhas, há uma constante
movimentação da massa líquida entre perímetros de diversas nações e também
internacionais. Outra razão é necessidade de regular navios de diferentes bandeiras que
transitam em múltiplas águas e diferentes portos.

2.1 O Papel das Organizações Internacionais na Proteção do Meio Ambiente


No espírito de cooperações e intercâmbios internacionais no âmbito do
desenvolvimento sustentável, quando focado no meio ambiente, as Convenções, que são
acordos formais concluídos entre sujeitos de direito internacional público, destinados
a produzir efeitos jurídicos, assumem papel de extrema relevância.

2.2 Convenções Internacionais


Com a crescente preocupação de alguns setores com o meio ambiente a partir da
década de 1970, as convenções internacionais tratando sobre o tema tornaram-se mais
frequentes, além de indispensáveis a fim de unificar o tratamento de determinada
matéria/produto/atividade em âmbito global.
Nesse sentido, cabe destacar o papel da IMO62, como autoridade de normalização
global para a segurança e desempenho ambiental do transporte marítimo internacional,
em regular o setor de transporte implementando-o universalmente. Observa-se que o

62
Ver também: < http://www.imo.org/Pages/home.aspx>.
58
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

desenvolvimento do transporte sustentável no setor marítimo é uma das grandes


prioridades da IMO nos próximos anos.
Assim, sem a pretensão de esgotar o tema, a referência a algumas Convenções
mostra-se indispensável ao estudo da matéria de modo a dar uma ideia mais clara do
tratamento internacional ao tema, seja pelas matérias tratadas, seja pela forma como a
comunidade internacional o trata.

2.2.1 Montego Bay – CNUDM


A Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar - CNUDM, celebrada
em Montego Bay, na Jamaica, em 1982, é um tratado multilateral que define determinados
conceitos importantes às atividades marítimas, tais como mar territorial, zona contígua,
zona econômica exclusiva e outros, além de estabelecer princípios de exploração dos
recursos naturais do mar.
Foi por meio desta convenção que o Tribunal Internacional do Direito do Mar foi
criado. Esse Tribunal é competente para julgar as controvérsias relativas à interpretação e
à aplicação da convenção.
A Convenção das Nações Unidas foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº
1.530, de 22 de junho de 1995. Não obstante, a questão do mar territorial brasileiro foi
adequada já em 1993, por meio da Lei nº 8.617/1993 que revogou o Decreto – Lei nº
1.098/1970 que até então dispunha sobre as famosas 200 milhas.
Hoje o Brasil tem pleitos relevantes para que sua plataforma continental seja
considerada bem além das 200 milhas. Foi criado em 1988 o Comitê LEPLAC – Plano de
Levantamento da Plataforma Continental Brasileira visando justamente subsidiar o pleito
de um novo limite exterior da plataforma. Estudos foram apresentados requerendo um
aumento para 350 milhas (649 km). Tal demanda foi negada em 2007, sendo “sugerida”
uma diminuição de 35% deste pleito. Neste momento novo pleito está em estudo com
reais chances de sucesso e o Brasil poderá ser o primeiro país no mundo a ter sua proposta
de ampliação de limites da Plataforma Continental aceita pela ONU, sob a égide da
CNUDM III.

2.2.2 Convenção internacional para a prevenção da poluição causada por navios –


MARPOL 1973/1978

59
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, mais


conhecida como MARPOL, é a principal convenção internacional relacionada à
prevenção de poluição ambiental marinha por navios decorrente de causas
operacionais e acidentais. É uma combinação de dois tratados adotados em 1973 e 1978,
respectivamente, e atualizados por emendas ao passar dos anos. A MARPOL foi adotada
pela IMO em 2 de novembro de 1973 e cobria poluição por óleo, produtos
químicos/substâncias químicas, substâncias nocivas embaladas, esgoto, lixo e poluição do
ar causada por navios. O Protocolo de 1978 (Protocolo MARPOL 1978) adesivo à
MARPOL de 1973 foi adotado na Conferência de Segurança de Navios-Tanque e
Prevenção de Poluição em fevereiro de 1978 em resposta a uma grande quantidade de
acidentes com navios-tanque em 1976 e 1977.
Como a MARPOL 1973 não tinha iniciado sua vigência (percebam como muitas
vezes há uma demora significante para que uma convenção seja ratificada pelo quórum
mínimo de países), a MARPOL 1978 absorveu a Convenção a que se referia. O
instrumento combinado é mencionado como MARPOL 73/78 e entrou em vigência
internacional em 02 de outubro de 1983 – no Brasil sua vigência se dá através do Decreto-
Lei nº 2.508/1998.
Note-se que com o contínuo avanço tecnológico, as regras da MARPOL passam
por um processo dinâmico de aperfeiçoamento a fim de que sejam atualizadas e
correspondam às exigências globais.
O Decreto n° 2.508, de 04/03/98, promulgou a Convenção Internacional para a
Prevenção da Poluição Causada por Navios (MARPOL), concluída em Londres, em 2 de
novembro de 1973, seu Protocolo, concluído em Londres, em 17 de fevereiro de 1978,
suas Emendas de 1984 e seus Anexos opcionais I, II, III, IV , V e VI. No tangível ao
Anexo VI, até 14/08/2015, 84 países, representando 95,33% da Arqueação Bruta da frota
marítima mercante internacional, já o haviam ratificado.
Como principais regras de tal convenção, podemos citar:
 Importância de vistorias contínuas aos navios;
 Limitação de descarga de óleo ou misturas oleosas no mar;
 Iniciativas governamentais para a instalação de equipamentos e meios de
recebimento de descarga de resíduos de óleo e misturas oleosas como sobras de petroleiros
e de outros navios em portos e terminais;
 Obrigatoriedade de possuir o livro de registro de óleo;
60
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

 Delimitação de procedimentos para embalagem, marcação, etiquetagem,


documentação necessária e estivagem de substâncias prejudiciais transportadas por mar
na forma de embalagens.
 Delimitação de padrões mínimos para utilização de óleo combustível (01/01/2020:
redução de 3,5% para 0,5% do teor de enxofre dos combustíveis - IMO 2020)

Anexo I - Poluição derivada de hidrocarbonetos.


Anexo II - Contaminação marinha por substâncias nocivas líquidas
transportadas a granel.
Anexo III - Substâncias nocivas transportadas por via marítima em lastros,
tanques portáteis, contêineres, caminhões-cisterna e vagões.
Anexo IV - Contaminação por águas servidas provenientes das embarcações.
Anexo V - Contaminação por lixo dos navios.
Anexo VI - Contaminação atmosférica.

Exemplo dos detalhes de uma ratificação de norma internacional:


DECRETO LEGISLATIVO Nº 499, DE 2009 (DOU 11.08.09)
Convenção para a prevenção da poluição por navios
Aprova o texto consolidado da Convenção Internacional para a Prevenção da
Poluição por Navios, adotada pela Organização Marítima Internacional, em
Londres, em 2 de novembro de 1973, e o seu Protocolo de 1978, com as
Emendas adotadas em 4 de dezembro de 2003 a 1º de abril de 2004.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica aprovado o texto consolidado da Convenção Internacional para a
Prevenção da Poluição por Navios, adotada pela Organização Marítima
Internacional, em Londres, em 2 de novembro de 1973, e o seu Protocolo de
1978, com as Emendas adotadas em 4 de dezembro de 2003 a 1º de abril de
2004, efetuando-se as correções a seguir especificadas na tradução do texto
original para o Português, em consonância com o art. 4º 1 da Lei nº 9.966, de
28 de abril de 2000:
I – substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do Anexo II da
Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, MARPOL,
na alínea a do inciso I, a expressão "um grave risco" por "alto risco";
II – substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do Anexo II da
Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, MARPOL,
na alínea b do inciso I, a expressão genérica "um risco" por "médio risco";
III – substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do Anexo II da
Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, MARPOL,
na alínea c do inciso I, a expressão "pequeno risco" por "risco moderado";
IV – substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do Anexo II da
Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, MARPOL,
alínea d do inciso I, a expressão "reconhecível perigo" por "risco identificável".
Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer
atos que possam resultar em revisão da referida Convenção, seus Protocolos e
Anexos, bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do
inciso I2 do caput do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
Senado Federal, em 10 de agosto de 2009
Senador José Sarney
Presidente do Senado Federal

61
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

2.2.3 Convenção internacional de responsabilidade civil por poluição causada por


óleo – CLC/1969
A “Civil Liability Convention” - Convenção Internacional de Responsabilidade
Civil por Poluição causada por Óleo – CLC/1969, regulamentada pelo Decreto nº
79.437/1977, foi implementada para assegurar o limite de responsabilidade civil por
danos a terceiros no caso de poluição ambiental oriunda de navios-tanques de países
signatários. Não se aplica aos navios de guerra a outros navios operados pelo Estado,
desde que usados para fins não comerciais.
Ela também criou um mecanismo de caráter internacional capaz de assegurar
compensação adequada e acessível às vítimas de danos por poluição, resultantes de
escapamento ou descarga de óleo proveniente de navios. Assim, a conferência, que
aprovou a Convenção, determinou a criação de um Fundo Internacional para cobrir as
despesas excedentes da indenização, denominado FUND.
A Convenção considera como responsável pelos danos ambientais o dono da
embarcação poluidora. Entretanto, nos termos da Convenção, tal responsabilidade poderá
ser afastada caso determinadas circunstâncias sejam provadas, tais como:
 Que a poluição resultou de um ato de guerra, insurreição ou fenômeno natural
excepcional, inevitável e irresistível;
 De ação ou omissão intencional de terceiros a fim de causar dano;
 Negligência ou falha do Governo ou outra Autoridade responsável por manter as
luzes ou outras condições de navegação no exercício de tais funções.
Com vigência internacional desde 19/06/1975, o seu mais atual protocolo (1992)
encontra-se ratificado por 134 países que representam 96,69% da frota mundial até
14/08/2015. O Protocolo de 1992 expandiu o alcance da Convenção para abranger os
danos causados na zona econômica exclusiva dos Estados-membros.
O Brasil foi parte da Convenção de 69. As outras convenções subsequentes não
foram objeto de adesão pelo Brasil, nem seus FUNDs respectivos. O mais recente FUND
2003 foi negado pelo GI Brasil. O Brasil participa das reuniões dos FUNDs apenas como
observador, até a presente data.

62
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Vazamento de Petróleo no Golfo do México 2010

2.2.4 Convenção sobre a prevenção de poluição marinha por alijamento de resíduos


e outras matérias, 1972 (LC-72) + (Protocolo 1996)
A Convenção regulamenta o alijamento de resíduos e outras matérias no mar por
navios e plataformas bem como o alijamento dessas próprias estruturas em si.
Adotada em Londres, em 29/12/1972, teve sua vigência internacional iniciada em
30/08/1975 e em 14/08/2015 conta com 87 países contratantes. Sofreu Emendas em 1978,
1980, 1989 e 1993.
O Protocolo de 1996 a LC-72 foi adotado em 07/11/1996, tendo sua vigência
internacional iniciada em 24/03/2006, mantendo-se como partes contratantes 45 países.
Este Protocolo sofreu uma Emenda em 2006 e proíbe todo o tipo de alijamento, exceto de
alguns tipos específicos de resíduos descritos em seu Anexo.
No Brasil, foi internalizada pelos Decretos nº 87.566, de 16/09/1982 e nº 6.511,
de 17/07/2008 (referente às Emendas). O Brasil até hoje não ratificou o Protocolo de 1996.

2.2.5 Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de Lastro e


Sedimentos de Navios – BWM 2004
A Convenção estabelece que as Partes Contratantes se comprometem a cumprir
seus dispositivos visando a prevenir, minimizar e, por fim, eliminar a transferência de
Organismos Aquáticos Nocivos e Agentes Patogênicos por meio do controle e
gerenciamento da água de lastro dos navios e dos sedimentos nela contidos.
Adotada em Londres, em 13/02/2004, atualmente conta com 44 países
contratantes, representando 32,86% da Arqueação Bruta da Frota Marítima Mercante
Internacional (IMO.ORG em 14/08/2015).
A Convenção, no Artigo 18, dispõe que entrará em vigência 12 meses após ser
ratificada por 40 países que representem 30,25% da Arqueação Bruta da Frota Marítima

63
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Mercante Internacional, o que vai ocorrer em breve. No Brasil foi ratificada em


14/04/2010.
Lembre-se, por oportuno, de que a NORMAM 20- regulamenta o gerenciamento
de água de lastro nos portos, terminais brasileiros e águas jurisdicionais brasileiras.

2.2.6 Convenção Internacional relativa à Intervenção em Alto-Mar em caso de


Acidentes por Óleo – Intervention 69
A Convenção estabelece o direito de o Estado Costeiro tomar, em alto-mar, as
medidas necessárias para prevenir, atenuar ou eliminar os perigos graves e iminentes que
apresentem, para suas costas ou interesses conexos, uma poluição ou ameaça de poluição
das águas do mar por óleo, resultante de um acidente marítimo ou das ações relacionadas
a tal acidente, suscetíveis, segundo tudo indique, de ter graves consequências.
Adotada em 29/11/1969, em Bruxelas, tem vigência internacional desde
06/05/1975, contando com 88 países contratantes, representando 74,38% da Arqueação
Bruta da Frota Marítima Mercante Internacional (IMO.ORG 14/08/2015).
Foi assinada pelo Brasil na data de sua adoção, mas sua vigência no ordenamento
nacional teve início 10 de junho de 2009, com a publicação do Decreto nº 6.478/2008.
Este Decreto também contemplou o Protocolo relativo à Intervenção em Alto-Mar em
Casos de Poluição por Substâncias Outras que não Óleo.

2.2.7 Convenção Internacional sobre controle de Sistemas Anti-incrustantes


Danosos em Navios – AFS 2001
A Convenção foi concluída em Londres a 05 de outubro de 2001, tendo como
propósito maior a redução ou eliminação dos efeitos nocivos ao meio ambiente marinho
e à saúde humana, causados por sistemas anti-incrustantes.
Adotada em 05/10/2001, sua vigência internacional teve início em 17/09/2008.
Atualmente conta com 71 países contratantes, representando 84,86% AB da frota
mercante internacional (IMO.ORG em 14/08/2015).
Assinada na IMO pelo Brasil em 12/11/02 e aprovada pelo Decreto Legislativo
797/2010, encontra-se sujeita à ratificação.

2.2.8 Convenção Internacional Relativa à Preparação, Resposta e Cooperação em


casos de Poluição por Óleo - OPRC 90
64
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A Convenção estabelece, a nível internacional, que as Partes se comprometem,


conjunta ou individualmente, a tomar todas as medidas adequadas, em conformidade com
as disposições constantes dos seus Artigos e Anexos, para o preparo e a resposta em caso
de incidente de poluição por óleo.
Adotada em 30/11/1990, em Londres, iniciou sua vigência internacional em
13/05/1995, e atualmente conta com 108 países contratantes, representando 72,75% da
Arqueação Bruta da frota marítima mercante internacional (IMO.ORG em 14/08/2015).
Em 2000, sofreu Emenda pelo Protocolo OPRC-HNS que entrou em vigor em
14/06/07, ampliando o alcance da Convenção para substâncias nocivas e atividades
potencialmente perigosas. Atualmente possui 36 países contratantes, isto é, 48,84% da
frota mundial.
A despeito de a OPRC ter vigência no Brasil desde 11/12/1998 (Decreto nº
2.870/1998), o Brasil não ratificou o Protocolo de 2000.

2.2.9 Convenção Internacional para a Reciclagem de Navios Segura e


Ambientalmente Adequada – Hong Kong SRC 2009
Adotada em 15/05/2009, em Hong Kong, a Convenção do meio ambiente, da
saúde ocupacional e dos riscos com a segurança relacionados à reciclagem de navios, leva
em consideração as características particulares do transporte marítimo e a necessidade de
assegurar a retirada suave de navios que tenham chegado ao final de suas vidas
operacionais.
Foi aberta para assinaturas de setembro de 2009 a 31 de agosto de 2010, e terá
vigência internacional iniciada 24 meses após adesão por 15 estados que representem 40%
da Arqueação Bruta da frota marítima mercante internacional. E até a presente data,
apenas três países contrataram, quais sejam: Noruega; Congo e França, representando
1,86% da Arqueação Bruta mundial.

Posta a legislação internacional, adentremos na seara nacional.

2.3 Da Legislação nacional


2.3.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
65
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para


as presentes e futuras gerações.

2.3.2 Normas Infraconstitucionais mais relevantes


 Lei nº 6.938/1981 – Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

 Lei n° 9.537/1997: Dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob


jurisdição nacional e dá outras providências. A inspeção naval visa criar entraves às
embarcações que possam causar danos ao meio ambiente. Destaca-se a possibilidade de
aplicação de sanção antes de prolatada a decisão final do tribunal marítimo quando se
tratar de poluição das águas.

Art. 5° A embarcação estrangeira, submetida à inspeção naval, que apresente


irregularidades na documentação ou condições operacionais precárias,
representando ameaça de danos ao meio ambiente, à tripulação, a terceiros ou
à segurança do tráfego aquaviário, pode ser ordenada a:
I - não entrar no porto;
II - não sair do porto;
III - sair das águas jurisdicionais;
IV - arribar em porto nacional
Art. 33. Os acidentes e fatos da navegação, definidos em lei específica, aí
incluídos os ocorridos nas plataformas, serão apurados por meio de inquérito
administrativo instaurado pela autoridade marítima, para posterior julgamento
no Tribunal Marítimo.
Parágrafo único. Nos casos de que trata este artigo, é vedada a aplicação das
sanções previstas nesta Lei antes da decisão final do Tribunal Marítimo, sempre
que uma infração for constatada no curso de inquérito administrativo para
apurar fato ou acidente da navegação, com exceção da hipótese de poluição das
águas.

 Lei nº 9.605/1998 - Lei de Crimes Ambientais – Dispõe sobre as sanções penais e


administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras
providências.
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou
possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade
de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

 Lei 12.305/10 – Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que institui a


referida Política, altera a Lei 9.605/98 (alterou o art. 56 §1º, II e II ) e dá outras
providências. Como destaque, citaria o art. 47:

66
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Art. 47. São proibidas as seguintes formas de destinação ou disposição final de


resíduos sólidos ou rejeitos:
I - lançamento em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos;

Esta lei trouxe uma série de inovações entre elas a responsabilização de pessoas
jurídicas e físicas, autoras e coautoras da infração e o fato de que a punição poderá ser
extinta com a apresentação de laudo que comprove a recuperação do dano ambiental. No
entanto, para constatação do dano à fauna pelos vazamentos de óleo, por exemplo, é
necessário comprovar que houve dano, fato este que nem sempre é fácil de ser evidenciado
principalmente quando se trata da microfauna marinha. 63

 Lei Federal nº 9.966/2000 - Lei do óleo e de substâncias nocivas - Estabelece os


princípios básicos a serem obedecidos na movimentação de óleo e outras substâncias
nocivas ou perigosas em portos organizados, instalações portuárias, plataformas e navios
em águas sob jurisdição nacional. Aplica-se às embarcações e plataformas nacionais ou
estrangeiras, portos, instalações portuárias e dutos. É composta de seis capítulos, sendo
que o primeiro aborda definições e classificações. Os demais são sucintamente
apresentados a seguir:
O Capítulo II - Dos Sistemas de Prevenção, Controle e Combate da Poluição -
prevê que os estabelecimentos mencionados acima devem dispor obrigatoriamente de
instalações ou meios adequados para o recebimento e tratamento dos diversos tipos de
resíduos e para o combate da poluição. 64
Já o Capítulo III - Do Transporte de Óleo e Substâncias Nocivas ou Perigosas –
Dentre os seus aspectos, exige a utilização obrigatória do Livro de Registro de Óleo, nos
termos da Marpol 73/78, para anotações relativas a todas as movimentações de óleo, lastro
e misturas oleosas, inclusive as entregas efetuadas às instalações de recebimento e
tratamento de resíduos.
No Capítulo IV - Da Descarga de Óleo, Substâncias Nocivas ou Perigosas e Lixo 65
- trata, em síntese, das proibições de descarga em águas sob jurisdição nacional, de
substâncias nocivas ou perigosas, de água de lastro, resíduos de lavagem de tanques ou
outras misturas que contenham tais substâncias; bem como, estabelece o dever de reparar

63
Ver também: Lei 12.305/10 Artigos 7º ao 15; 23 e 54.
64
Ver também: Lei 9.966/20 Artigos 6º ao 9º.
65
Ver também: Lei 9.966/2000 Artigos 15 a 17; 21 e 23.
67
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

os danos causados ao meio ambiente e de indenizar as atividades econômicas e o


patrimônio público e privado pelos prejuízos decorrentes de descarga.
No seguinte, Capítulo V - Das Infrações e das Sanções – estabelece que as
infrações serão punidas com multa, multa diária, multa e retenção do navio até que a
situação seja regularizada, com multa e suspensão imediata das atividades da empresa
transportadora em situação irregular. 66
E, por fim, o Capítulo VI - Disposições Finais e Complementares 67
menciona
quem são os responsáveis pelo cumprimento desta lei e quais as suas atribuições.

 NORMAM – Normas da Autoridade Marítima - regulamentam as atividades


marítimas e fluviais em seus diversos segmentos.
Nesse sentido, destacamos como principais para o tema:
A Normam n° 4, que dispõe sobre as normas da autoridade marítima para operação
de embarcações estrangeiras em águas jurisdicionais brasileiras, no primeiro Capítulo
define Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), vejamos:

“Compreendem as águas interiores e os espaços marítimos, nos quais o Brasil


exerce jurisdição, em algum grau, sobre atividades, pessoas, instalações,
embarcações e recursos naturais vivos e não vivos, encontrados na massa
líquida, no leito ou no subsolo marinho, para os fins de controle e fiscalização,
dentro dos limites da legislação internacional e nacional. Esses espaços
marítimos compreendem a faixa de 200 milhas marítimas contadas a partir das
linhas de base, acrescida das águas sobrejacentes à extensão da Plataforma
Continental além das 200 milhas marítimas, onde ela ocorrer.”

A Normam nº 7, que institui normas da autoridade marítima para atividades de


inspeção, em seu Capítulo 4 dispõe sobre “lançamento de óleo e outras substâncias
nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional”, regulamentando as infrações que
contrariem as regras constantes da Lei nº 9.966/2000 e seu regulamento, o Decreto nº
4.136/2002, além daquelas previstas nos instrumentos internacionais ratificados pelo
Brasil.
A Normam nº 20 versa sobre o gerenciamento da água de lastro de navios, sendo
obrigatória para todos os navios que naveguem nas águas jurisdicionais brasileiras.
Ademais, nota-se que a NORMAM foi adotada em data anterior à ratificação da
Convenção BWM-2004/IMO, e que apesar da BWM ainda não ter entrado em vigor - não

66
Ver também: Lei 9.966/200 Artigo 25.
67
Ver também: Lei 9.966/200 Artigos 27; 28 e 32.
68
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

atingiu o percentual mínimo da frota mundial-, o Brasil já aplica a NORMAM 20, que
possui as mesmas diretrizes da Convenção.
Importante ressaltarmos que esta Normam disciplina a constatação das infrações,
a competência para sua apuração, lavratura do auto de infração, defesa e julgamento do
autuado, recurso contra decisão condenatória, pagamento da multa, responsabilidade civil
pelos danos causados pelo lançamento poluente e caução.
Destarte, existem embarcações que são isentas do cumprimento desta Norma
devendo operar de modo a evitar a contaminação do meio ambiente pelo deslastro da
Água de Lastro e seus sedimentos. Para tanto, é necessário solicitar à Diretoria de Portos
e Costas (DPC) a emissão do certificado de isenção, de forma previa e fundamenta, pelo
armador ou responsável pela embarcação.

 Decreto Federal nº 4.136/2002: Sanções às infrações previstas na Lei 9.966/2000


- Dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às infrações às regras de prevenção,
controle e fiscalização da poluição causada por lançamento do óleo e outras substâncias
nocivas e perigosas em águas sob jurisdição nacional prevista na Lei nº 9.966/2000.
Considera infração como a inobservância a qualquer determinação constante desta lei
federal. As sanções variam de advertência e multa simples à suspensão parcial, total das
atividades e restritiva de direitos. Ilustra quem são as pessoas físicas ou jurídicas que
respondem pela infração, quem são as autoridades competentes para lavrar os autos de
infração e dá outras providências a esse respeito.

 Resolução CONAMA nº 393 de 08/08/2007 - Dispõe sobre o descarte contínuo de


água de processo ou de produção em plataformas marítimas de petróleo e gás natural, e
dá outras providências.

 Resolução CONAMA nº 398 de 11/06/2008 - Dispõe sobre o conteúdo mínimo


do Plano de Emergência Individual para incidentes de poluição por óleo em águas sob
jurisdição nacional, originados em portos organizados, instalações portuárias, terminais,
dutos, sondas terrestres, plataformas e suas instalações de apoio, refinarias, estaleiros,
marinas, clubes náuticos e instalações similares, e orienta a sua elaboração.

69
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

 Resolução CONAMA nº 472 de 27/11/2015 - Dispersantes Químicos – Dispõe


sobre o uso de dispersantes químicos em incidentes de poluição por óleo no mar.

 Decreto nº 8.127, de 22 de outubro de 2013 - Institui o Plano Nacional de


Contingência (PNC) para incidentes de poluição por óleo em águas sob jurisdição
nacional. Ademais, determina responsabilidades de entes públicos e privados em caso de
desastres naturais com petróleo em acidentes de grandes proporções.

Este Decreto criou o Sistema de Informações sobre Incidentes de Poluição por


Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (SISNÓLEO), que deve funcionar como uma
fonte de informações capaz de disseminar dados sobre prevenção, preparação e resposta
aos incidentes através de uma célere e simplificada articulação dos órgãos e entidades
públicos.
O PNC apresenta uma multiplicidade de órgãos e entidades, que em síntese, é
formado por quatro grupos diferentes de controle e ação:

1. Autoridade Nacional - coordenador do PNC exercido pelo MMA;


2. Comitê Executivo - responsável pelas diretrizes para implementação do Plano e
composto pelo MMA, MME, Marinha, IBAMA, ANP, Ministério da Integração
Nacional e Ministério dos Transportes;
3. Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA) - responsável pelo
acompanhamento operacional de acidentes, independente do porte, composto pela
Marinha, IBAMA e ANP e, por fim;
4. Coordenador Operacional - designado pelo GAA para coordenar o
acompanhamento do acidente e, se necessário, propor o acionamento do PNC, que
somente será acionado em incidentes de poluição por óleo, julgados de
significância nacional pelo próprio GAA. Nota-se que a escolha do Coordenador
é realizada de acordo com o acidente, isto é, preferencialmente a Marinha assumirá
a coordenação em incidentes ocorridos em águas abertas; já o IBAMA na hipótese
de incidentes ocorridos em águas interiores e a ANP nos casos de poluição por
óleo, a partir de estruturas submarinas de perfuração e produção de petróleo.

70
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

 Lei Federal nº 7.347 de 24/07/85: Ação Civil Pública por Danos Causados ao Meio
Ambiente - Institui a Ação Civil Pública de Responsabilidade por Danos Causados ao
Meio Ambiente, ao Consumidor, a Bens e Direitos de Valor Artístico, Estético, Histórico
e Paisagístico. Estas ações objetivam responsabilizar e obrigar o poluidor a reparar o dano
gerado. A lei disciplina as Ações Civis Públicas que podem ser propostas pelo Ministério
Público, pela União, Estados e Municípios ou por autarquias, empresas públicas,
fundações, sociedades de economia mista ou associações de defesa ao meio ambiente.

3. Responsabilidade ambiental
A doutrina é fértil para propor conceitos ambientais. A Lei de Política Nacional
do Meio Ambiente nº 6.938/1981, em seu art. 3º, também prevê alguns conceitos
importantes, senão vejamos:
 Meio ambiente – conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas;
 Degradação da qualidade ambiental - alteração adversa das características do meio
ambiente;
 Poluição - degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta
ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
 Poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável,
direta ou indiretamente, por atividades causadoras de degradação ambiental;
 Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas,
os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera, a fauna
e a flora. (Redação dada pela lei 7.804/89).

3.1 Do Dano Ambiental

71
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O Direito Ambiental, ainda considerado pela maioria como um ramo do Direito


Privado, caracteriza-se por tutelar bem pertencente a uma pluralidade de sujeitos não
identificáveis, tendo também a proteção dos direitos difusos.
Em geral, só lembramos do meio ambiente natural, mas existem outras dimensões:
 O primeiro aspecto é o do meio ambiente propriamente dito, isto é, o natural,
isento de intervenção humana, que consiste nos recursos naturais existentes (ar,
água, flora, fauna etc.) dispostos no Art. 3°, inciso V da lei 6938/81, além da tutela
concedida pelo Art. 225 CRFB.
 O segundo é o do ambiente criado pelo homem, isto é, o ambiente artificial
eminentemente humano, tais como praças, ruas, edifícios, obras e outros, podem
ser vislumbrados no Art. 182 da CRFB. “O meio ambiente artificial é aquele
construído pelo ser humano, formado pelas edificações e pelos equipamentos
públicos. As edificações recebem o nome de espaço urbano fechado, ao passo que
os equipamentos públicos são chamados de espaço urbano aberto. ”68.
 O terceiro é o ambiente do trabalho, onde aspectos relacionados como iluminação,
ventilação, ruídos, temperatura, dentre outros, são importantes para que os
trabalhadores possam contar com garantias de inviolabilidade e segurança no meio
de trabalho. Podendo ser verificado no Art. 200, inciso VIII e Art. 7°, inciso XXII
da CRFB.
 O quarto, e último, é o ambiente cultural, que consiste numa construção humana
com objetivos específicos, ou seja, elementos identificadores de uma sociedade
com valor histórico; artístico; paisagístico; dentre outros. À título exemplificativo
o Art. 216 CRFB estabelece o patrimônio cultural brasileiro.
Assim, pode-se conceituar Direito Ambiental como: “O complexo de princípios e
normas reguladores das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a
sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando a sua sustentabilidade para as
presentes e futuras gerações” (Edis Milaré); e ainda, como “um conjunto de normas e
institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito reunidos por sua função
instrumental para a disciplina do comportamento humano em relação ao meio ambiente.”
(Toshio Mukai).

68
FIORILLO, 2010. p.72.
72
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

3.2 Princípios fundamentais


Admitir-se que existe um Direito Ambiental exige, no mínimo, que se conceitue e
se apresentem alguns dos princípios norteadores da aplicação da legislação ambiental.
Neste sentido, a Declaração do Rio, emitida por ocasião da famosa Conferência
Rio 92, chegou a estabelecer 27 princípios ambientas tamanha a amplitude do tema.
Abaixo, seguem os princípios mais importantes:
Primeiramente é importante já destacar a necessidade de não confundir os
conceitos de Prevenção e Precaução por haver diferenciação importante entre eles.
 Princípios da Prevenção: Este é o maior, mais importante e
discutido princípio inspirador do ordenamento jurídico ambiental considerando
que a prevenção é o grande objetivo de todas as normas ambientais, uma vez que
já conhecido o risco pelo empreendedor por estudos e pesquisas científicas ou pela
atividade já ter sido realizada anteriormente este possui a obrigação de adotar
medidas mitigadoras para reduzir ou eliminar os impactos ambientais. Até porque
uma vez desequilibrado o meio ambiente, a reparação é na maior parte das vezes
uma tarefa difícil e dispendiosa. Os instrumentos da Política Nacional do Meio
Ambiente (dispostos no art. 9º da Lei nº 6.938/1981, tais como licenciamento
ambiental, zoneamento ambiental e EIA) e o Estudo Prévio de Impacto Ambiental
apontado no Art. 225, inciso IV da CRFB estão fundados nesse princípio. Há,
inclusive, grande controvérsia quanto à diferenciação entre o principio da
Prevenção e o da Precaução que se segue.
 Princípio da Precaução: Este princípio difere do posterior por haver
um desconhecimento do risco que o empreendimento possa causar no meio
ambiente em decorrência da ausência de estudos científicos daquela atividade
específica ou quando está é inovadora, isto é, quando não foi executada
anteriormente. Nestes termos, medidas devem ser tomadas para não haver o
desequilíbrio do meio ambiente.
 Princípio da Cooperação: Significa dizer que todos, tanto o Estado
quanto a Sociedade, por meio de seus organismos, devem colaborar para a
implementação da legislação ambiental, pois não é só papel do governo ou das
autoridades, mas de cada um e de todos nós. Este princípio é conceituado
internacionalmente e encontra-se presente no rol da Declaração do Rio de 1992 no
segundo princípio.
73
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

 Princípio da Publicidade e da Participação Popular: Importa afirmar


que não se podem admitir segredos em questões ambientais, pois estes afetam a
vida de todos. Tudo deve ser feito, principalmente pelo Poder Público, com a
maior transparência possível, de modo a permitir a participação na discussão dos
projetos e problemas dos cidadãos de uma forma geral. O Art. 5° inciso XXXIII e
225, inciso IV da CRFB, além do décimo princípio da Declaração do Rio de 1992,
abordam sobre a disponibilidade de informações no âmbito ambiental.
 Princípio do Poluidor-pagador: impõe ao agente poluidor que
suporte os custos decorrentes da poluição que poderá causar ou que efetivamente
causou pela atividade que desenvolveu, isto é, na ocorrência de um dano surge a
obrigação de reparação conforme se verifica no Art. 4, inciso VII e Art. 14, §1° da
lei 6.938/81.
 Princípio in dúbio pro-natura: É uma regra fundamental da
legislação ambiental, que leva para a preponderância do interesse maior da
sociedade em detrimento do interesse individual e menor do empreendedor ou de
um dado projeto. Pode ser utilizado na interpretação e aplicação da lei: quando
houver mais de uma opção, aplica-se a mais restritiva e favorável ao meio
ambiente.

3.3 Poder de Polícia


O poder de polícia é a faculdade de limitar o exercício dos direitos individuais de
liberdade e propriedade em favor do coletivo, pressupondo-se que essa limitação seja
prevista em lei. Como todo poder administrativo, o poder de polícia subordina-se ao
ordenamento jurídico que rege as demais atividades da administração, sujeitando-se,
inclusive, ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário.
Na aplicabilidade do poder de polícia é imperioso que a discricionariedade seja
utilizada de forma responsável e não abusiva de modo a que não se distancie do seu
significado.
O poder de polícia exercido no mar e nas águas interiores é atribuído à autoridade
marítima, por ter sido delegada pela Lei Complementar n° 97/1999 a competência de
implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos em coordenação com
outros órgãos do Poder Executivo, Federal ou Estadual, quando se fizer necessária, em
razão de competências específicas.
74
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Nos termos do parágrafo único, do Art. 17 desta Lei Complementar, o termo


'autoridade marítima' é representada pelo Comandante da Marinha, no exercício de suas
atribuições subsidiárias da Força Armada, por força do expresso no artigo 142 da
CRFB/88. Verifica-se que o poder de polícia exercido pela autoridade marítima não é
considerado como uma atividade militar por ter fundamentos legais administrativos.
Nesse sentido, a lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, estabelece que cabe à
autoridade marítima promover a implementação e a execução da Lei de Segurança do
Tráfego Aquaviário, objetivando assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança
da navegação, no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental
por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.
Cumpre destacar que o Decreto nº 5.129/2004 atualizou a denominação da
Patrulha Costeira para Patrulha Naval, que dentre outras providências simplificou as
atribuições contidas na lei n° 2.419/55. O parágrafo único, do art. 1º confirma o acima
disposto:
“Art. 1, Parágrafo único. A Patrulha Naval, sob a responsabilidade do Comando
da Marinha, tem a finalidade de implementar e fiscalizar o cumprimento de leis
e regulamentos, em águas jurisdicionais brasileiras, na Plataforma Continental
brasileira e no alto-mar, respeitados os tratados, convenções e atos
internacionais ratificados pelo Brasil. ”

No mesmo sentido, a Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre sanções administrativas


e penais oriundas de atividades danosas aos meio ambiente, e a Lei nº 9.966/2000, que
dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento
de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional
também corrobora com a tarefa da autoridade marítima de implementar e fiscalizar o
cumprimento de leis e regulamentos no âmbito marítimo.

3.4 Responsabilidades
No tocante à responsabilidade ambiental, cumpre destacar que a responsabilidade
se subdivide em penal, civil e administrativa.
A responsabilidade pode ser individual ou coletiva. No caso da responsabilidade
coletiva, as pessoas jurídicas poderão ser responsabilizadas administrativa, civil e
penalmente, conforme o disposto na Lei nº 9.605/1998, nos casos em que a infração seja
cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado,
no interesse ou benefício da sua entidade.

75
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

3.4.1 Da responsabilidade penal ambiental


A responsabilidade penal individual não suscita grandes divergências, conforme
entendimento de Edis Milaré, citado por Toshio Mukai: 69

A doutrina tradicional acolhe somente a responsabilidade penal da pessoa


física, calcada no princípio da responsabilidade penal pessoal e na máxima
societas delinquere no postest. De acordo com o citado entendimento,
somente a pessoa física poderá ser sujeito ativo de crime. Dessa forma, poderão
ser responsabilizados o administrador, o diretor e o gerente da pessoa jurídica.

Nesse particular, o sujeito do crime poderá ser quem, de alguma forma, concorre
para a prática dos crimes previstos na Lei nº. 9.605/1998, incidindo nas penas a estes
cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o
membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário
de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua
prática, quando podia agir para evitá-la.
Quanto à responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas, não obstante
ainda muito discutida e menos ainda aplicada, foi uma tentativa de avanço a fim de que
se possa responsabilizar empresas, grandes conglomerados e grupos econômicos. Para a
culpabilidade da pessoa jurídica, será considerada a responsabilidade social, englobando
aí seu comportamento institucional, a exigibilidade de conduta diversa. Ressalte-se que a
responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras
ou partícipes do mesmo fato.
Os sujeitos ativos do crime estão previstos nos artigos 2º ao 4º da Lei nº 9.605/1998
e o sujeito passivo será sempre a coletividade conforme depreende o Art. 225 da CRFB
ao afirmar que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo.
As penas aplicáveis às pessoas jurídicas por responsabilidade ambiental no âmbito
penal estão dispostas no Art. 15 da lei 6.938/81, quais sejam:
 Multa;
 Restritivas de direitos:
 Suspensão parcial ou total de atividades: quando estas não estiverem obedecendo às
prescrições legais;
 Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

69
SILVA, Bruno Campos. Direito Ambiental – Enfoques variados. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004. p. 270.
76
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

 Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios,
subvenções ou doações.
 Prestação de serviços à comunidade:
 Custeio de programas e de projetos ambientais;
 Execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
 Manutenção de espaços públicos;
 Contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Desde 2002, portanto, passa a ser cabível a responsabilidade penal das pessoas
jurídicas.
A consciência ambiental pátria deve estar bem conjugada com os modernos
mecanismos empresariais e de grupos de sociedades, bem como se mostra cada vez mais
importante a noção de desenvolvimento sustentável/responsabilidade corporativa de
modo a juntos antever o futuro do direito penal caminhando para o exercício das medidas
várias também em face de pessoas jurídicas.

3.4.2 Da responsabilidade civil ambiental


O regime da responsabilidade civil extracontratual no Brasil é baseado na culpa
ou dolo do agente causador do dano. Entretanto, no que se refere ao Direito Ambiental, a
responsabilidade é objetiva, que independe de culpa ou dolo do agente, por meio da Lei
nº 6.938/1981 e dos artigos 21, XXIII, d, e 225, §§ 2º e 3º da CRFB/1988, assim como na
doutrina que encontra acolhida no Direito Ambiental Internacional e na legislação de um
número cada vez maior de países.
Assim, bastaria a demonstração do evento danoso (ou risco de dano) e do nexo
de causalidade, para que se configure a responsabilidade do agente. Nesse particular,
uma vez constatado o dano, este poderá ser mitigado ou até mesmo reparado, por meio da
atuação adequada do agente poluidor.
Cumpre esclarecer que a teoria da responsabilidade objetiva é adotada pelo fato
das normas ambientais terem como escopo a defesa e preservação da natureza, bem como
com a progressiva consciência ecológica mundial.
Não se pode confundir a responsabilidade por indenizar os danos no quanto for
impossível a sua recuperação, com a responsabilidade administrativa e sua multa. Na
prática ocorre a inversão do ônus da prova na defesa do poluidor ou daquele que se utilize
dos recursos da natureza, pois ainda que uma pessoa jurídica se encontre amplamente
77
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

adequada às normas ambientais, ainda terá que reparar os danos causados ao meio
ambiente, assim como a terceiros.
Da mesma forma, a doutrina mansa e pacífica considera que a responsabilidade é
solidária entre todos os agentes indicados, sendo o Ministério Público da União e dos
Estados legitimados para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos
causados ao meio ambiente, ficando a cargo do poluidor as custas e despesas processuais.

3.4.3 Da responsabilidade administrativa ambiental


As normas e sanções administrativas instituídas pelos entes federativos derivam
do poder de polícia da Administração Pública sobre as atividades e bens que afetem ou
possam afetar a coletividade.
Assim sendo, a responsabilidade administrativa ambiental até então aplicada de
forma objetiva, sujeita o transgressor ambiental às sanções administrativas, sem obstar
das reparações cíveis e criminais, independentemente da intenção do agente. Nesse
sentido, cabe colacionar o artigo 14 da lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, vejamos:
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal,
estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à
preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela
degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10
(dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme
dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido
aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.
II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder
Público;
III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em
estabelecimentos oficiais de crédito;
IV - à suspensão de sua atividade.
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para
propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio
ambiente.

Ademais, “Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão


que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio
ambiente”, nos termos do artigo 70 da Lei nº 9.605/1998.
Destaque-se, também, o Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre “as infrações e
sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal

78
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

para apuração destas infrações e dá outras providências”, destacando seus arts. 61 e 62,
que vem no mesmo sentido do art. 54 da lei 9.605/98.
Por fim, convém comentar que o STJ proferiu recentemente no AREsp 62584/RJ,
decisão que tende a ser um leading case, aplicando natureza subjetiva à responsabilidade
administrativa ambiental70.

3.4.3.1 Autoridades competentes para responsabilização administrativa ambiental


São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar
processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais (federal, estaduais e
municipais) integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados
para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do
Ministério da Marinha.
Convém realçar que a Marinha Brasileira é o único ente que não faz parte do
SISNAMA que também pode multar na esfera ambiental. Ademais, O Ministério Público
da União e o Ministério Público Estadual possuem legitimidade para propor ação de
responsabilidade cível e criminal por danos causados ao meio ambiente.

3.4.3.2 Competências
O Brasil, como uma República Federativa, pressupõe a ideia de cooperação mútua
para preservação e proteção do meio ambiente. Logo, nos diferentes âmbitos da federação
(federal, estadual ou municipal) importantes órgãos governamentais tratam da questão
ambiental, por meio da cooperação e da divisão de funções, senão vejamos:
 SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, instituído Lei nº
6.938/1981, e regulamentado pelo Decreto n° 99.274/1990, tem como órgão
superior o Conselho de Governo; órgão consultivo e deliberativo do

70
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DANO AMBIENTAL. ACIDENTE
NO TRANSPORTE DE ÓLEO DIESEL. IMPOSIÇÃO DE MULTA AO PROPRIETÁRIO DA CARGA.
IMPOSSIBILIDADE. TERCEIRO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
I - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral
e adequado, apenas não adotando a tese vertida pela parte ora Agravante. Inexistência de omissão.
II - A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa
ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde
subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador.
III - Agravo regimental provido.
(STJ, AgRg no AREsp 62584 - RJ, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, Primeira Turma, Julgado em 18
de junho de 2015)
79
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, como órgão central o


Ministério do Meio Ambiente – MMA e como órgão executor o IBAMA.
 CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão vinculado
ao SISNAMA. Note-se que o CONAMA é um colegiado representativo que
possui cinco setores: órgãos federais, estaduais e municipais, setor
empresarial e sociedade civil. Dentre outras funções cabe ao CONAMA
estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção
da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racional dos recursos
ambientais, principalmente os hídricos.
 IBAMA– Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis, criado pela Lei nº 7.735/1989, sob a forma de
autarquia federal; atualmente é subordinado ao Ministério do Meio
Ambiente.
Como parte de sua competência podemos citar: a execução das Políticas Nacionais
do Meio Ambiente no tocante a atribuições federais permanentes relativas à preservação,
à conservação e ao uso sustentável dos recursos ambientais e sua fiscalização, além do
estudo ambiental e a emissão de licenças ambientais de empreendimentos a nível nacional,
entre outros.
 ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL – No caso do Estado do Rio
de Janeiro, foi criado por meio da Lei nº 5.101, de 04 de outubro de 2007, o
Instituto Estadual do Ambiente (INEA) com a missão de proteger, conservar
e recuperar o meio ambiente para promover o desenvolvimento sustentável.
O novo instituto, instalado em 12 de janeiro de 2009, unifica e amplia a ação
dos três órgãos ambientais vinculados à Secretaria de Estado do Ambiente
(SEA): a Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema), a
Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de
Florestas (IEF).
 ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
- Criado dia 28 de agosto de 2007, pela Lei 11.516, o ICMBio é uma
autarquia em regime especial vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e
integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Possui o
encargo de executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (Lei 9.985 de 2000), podendo propor, implantar, gerir,
80
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

proteger, fiscalizar e monitorar as UCs instituídas pela União. Ademais,


fomenta e executa programas de pesquisa; proteção; preservação e
conservação da biodiversidade e exerce o poder de polícia ambiental para a
proteção das Unidades de Conservação Federais.
 OMMA – Órgão Municipal de Meio Ambiente (Secretaria de MA,
p.ex.) – o Município tem competência para proteger o meio ambiente, nos
termos do art. 23 da CRFB/1988. Assim, cabe ao Município exercer o poder
de polícia considerando o interesse local, mas respeitando as competências
dos Estados e da União Federal. A competência municipal para o
licenciamento ambiental foi legitimada pelo Art. 6° da Resolução nº
237/1997 do CONAMA, 71 já que cabe aos Municípios legislarem sobre o
interesse local nos termos do art. 30, I, da CRFB/1988.

3.4.3.3 Autoridade Marítima


A instituição responsável pela regulamentação e controle dos transportes
aquaviários, no que se refere à segurança da navegação e a proteção ao meio ambiente
marinho, é a Marinha do Brasil, na forma do art. 3º da “LESTA”, Lei 9.537/97.
Assim, dentro dessa estrutura cabe à Diretoria de Portos e Costas – DPC, vinculada
à Marinha do Brasil, acompanhar e fiscalizar as embarcações, no tocante à segurança e
proteção do meio ambiente marinho, assim como a capacitação de marítimos e a
composição das tripulações.
Por sua vez, as delegacias das Capitanias dos Portos estão subordinadas à Diretoria
de Portos e Costas, sendo certo que, inclusive as decisões das Capitanias dos Portos,
poderão ser revistas pela Diretoria de Portos e Costas, por meio da interposição de
competente recurso.

3.4.3.4 Modalidades de sanções administrativas


Encontram-se no Art. 72 da lei 9.605/98 e no art. 3º do Decreto 6.514/2008.
 Advertência;
 Multa simples;
 Multa diária;

71
Conselho Nacional do Meio Ambiente.
81
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

 Apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos,


petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
 Destruição ou inutilização do produto;
 Suspensão de venda e fabricação do produto;
 Embargo de obra ou atividade;
 Demolição de obra;
 Suspensão parcial ou total de atividades;
 Restritiva de direitos: que poderá ser suspensão de registro, licença ou autorização;
cancelamento de registro, licença ou autorização; perda ou restrição de incentivos
e benefícios fiscais; perda ou suspensão da participação em linhas de
financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; proibição de contratar com
a Administração Pública, pelo período de até três anos;
 Reparação dos danos causados.

3.4.3.5 Observações pertinentes às sanções administrativas


Artigo 72, § 3º da Lei nº 9.605/1998:
A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I - Advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-
las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania
dos Portos, do Ministério da Marinha;
II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou pela Capitania
dos Portos, do Ministério da Marinha.

Percebe-se, portanto, que a letra da lei pressupõe uma advertência anterior e,


somente se não sanada (intencionalmente ou por negligência), poderá receber multa.
A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra
medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado. E o valor da multa de que trata
este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base
nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 e o
máximo de R$ 50.000.000,00.
Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental serão
revertidos a vários fundos, conforme dispuser o órgão arrecadador.

82
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

3.4.3.6 O processo administrativo ambiental


A Lei nº 9.605/1998, em seu Capítulo VI – da Infração Administrativa, artigos 70
ao 76,72 prevê norma geral sobre as infrações administrativas ambientais. Tais infrações,
a depender do bem afetado e de localização, podem demandar competência tanto da
União, quanto Estados e Municípios na proteção do meio ambiente, respeitada a divisão
constitucional de competência de cada ente da federação.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão
que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação
do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e
instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais
integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados
para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos
Portos, do Ministério da Marinha.
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir
representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do
exercício do seu poder de polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é
obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo
administrativo próprio, sob pena de corresponsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio,
assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as
disposições desta Lei.

Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve


observar os seguintes prazos máximos:
I - vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de
infração, contados da data da ciência da autuação;
II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados
da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;
III - vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância
superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, ou à Diretoria
de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de
autuação;
IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento
da notificação.

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções,


observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora,
instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza
utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI - restritiva de direitos.

72
Lei nº 9.605/1998.
83
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-


ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e
da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das
demais sanções previstas neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou
dolo:
I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las,
no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos
Portos, do Ministério da Marinha;
II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania
dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria
e recuperação da qualidade do meio ambiente.
§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se
prolongar no tempo.
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão
ao disposto no art. 25 desta Lei.
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando
o produto, a obra, a atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo
às prescrições legais ou regulamentares.
§ 8º As sanções restritivas de direito são:
I - suspensão de registro, licença ou autorização;
II - cancelamento de registro, licença ou autorização;
III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em
estabelecimentos oficiais de crédito;
V - proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até
três anos.

Art. 73. Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração


ambiental serão revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela
Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, Fundo Naval, criado pelo Decreto nº
20.923, de 8 de janeiro de 1932, fundos estaduais ou municipais de meio
ambiente, ou correlatos, conforme dispuser o órgão arrecadador.

Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou
outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.

Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento
desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na
legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 e o máximo de R$
50.000.000,00.

Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito


Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de
incidência.

Nesse particular, conforme dispõe o art. 70 da Lei nº 9.605/1998, infração


administrativa será considerada toda ação ou omissão que viole as regras de uso, gozo,
promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Assim, em havendo infração administrativa ambiental, será lavrado auto de
infração, no qual deverá vir expressa a norma jurídica violada.

84
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Com efeito, as infrações administrativas serão apuradas em processos


administrativos próprios, sempre observando os princípios constitucionais de ampla
defesa e contraditório, cujos prazos máximos para apresentação de defesa, recurso etc.
estão previstos em lei, vejamos:
 20 dias para apresentar defesa ao auto de infração;
 30 dias para a autoridade julgar o auto de infração;
 20 dias para recurso da decisão;
 5 dias para pagamento da multa.
Ressalte-se que tais prazos podem ser alterados segundo a lei local, conforme
leciona o Prof. Paulo Afonso Leme Machado:73

A lei estabeleceu prazos máximos para apuração da infração ambiental. Vinte


dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração;
30 dias para a autoridade julgar o auto de infração e 20 dias para o infrator
recorrer da decisão condenatória à instância superior, e 5 dias para pagamento
de multa. Como a finalidade do estabelecimento de “prazos máximos” (art. 71,
caput) é não permitir o retardamento do processo, parece-nos que Estados e
Municípios poderão suplementar a lei prazos menores, e não maiores.

No que se refere, especificamente, aos recursos, estes podem ser dirigidos ao


SISNAMA74 ou à DPC – Diretoria de Portos e Costas, dependendo do tipo de autuação.
Quanto às sanções administrativas, cumpre destacar as seguintes:
 Advertência;
 Multa simples ou diária;
 Embargo de obra ou atividade;
 Suspensão parcial ou total de atividade.
Dentre as sanções acima citadas, cumpre esclarecer que apesar da responsabilidade
civil ambiental ser, em regra, objetiva, o requisito culpa será considerado no caso da
imposição de multa diária. A multa na poluição das águas por óleo, nos termos do §2° do
Art. 25 da Lei nº 9.966/2000, poderá variar de R$ 7.000,00 a R$ 50.000.000,00.
Por fim, convém notar que qualquer acidente que possa causar poluição das águas,
ocorrido em portos organizados, instalações portuárias, dutos, navios, plataformas e suas

73
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 294.
74
Sistema Nacional do Meio Ambiente.
85
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

instalações de apoio,75 deve ser comunicado ao órgão ambiental competente, bem como à
Capitania dos Portos e à ANP.76

3.4.3.7 A importância do laudo ambiental para a autuação pela Autoridade


Marítima
A autuação deve ter como base, tanto a existência do fato em si e suas
peculiaridades, como também a análise criteriosa e técnica da extensão e gravidade do
dano.
A Autoridade Marítima, antes mesmo de constatado o efetivo dano, autua o
suposto causador sem a devida aferição do nível de sua gravidade ou mesmo sem
conhecimento da extensão de suas consequências.
Despiciendo realçar que a mesma quantidade de poluentes causa efeitos (extensão
e gravidade) muito diferentes a depender do sítio e biomas em que ocorre a descarga. Seria
o caso, por exemplo, da simples comparação entre os efeitos de um vazamento no meio
do mar, em ambiente sem vida marinha fixa e onde o solo marinho se encontra a mais de
1,5 km de profundidade com fundo de areia em comparação ao lançamento na Baía de
Ilha Grande (Mangaratiba/Angra dos Reis) ou em Arraial do Cabo.
Entretanto, tal só virá a ser constada após a apresentação de defesa pelo suposto
poluidor, demonstrando os resultados dos trabalhos de contingência, mitigação e/ou
reparação, com as consequências dali advindas. Nesse particular, caso não apresente
defesa, o autuado arcará com o ônus da arbitrária penalidade aplicada pela Autoridade
Marítima, pois eventual multa aplicada não terá por escopo as consequências ambientais
advindas do incidente, mas meramente a ocorrência do incidente por si só.
Importante destacar que o processo é regido pela NORMAM n° 09 (Portaria nº
261 de 23/12/2011), que estabelece o procedimento de inquéritos administrativos sobre
acidentes e fatos da navegação.

3.5. Outros aspectos relativos à poluição marítima


3.5.1 Da Prevenção/Mitigação/Redução/Compensação dos Danos Ambientais

75
Lei nº 9.966/2000 – “Art. 22. Qualquer incidente ocorrido em portos organizados, instalações portuárias,
dutos, navios, plataformas e suas instalações de apoio, que possa provocar poluição das águas sob jurisdição
nacional, deverá ser imediatamente comunicado ao órgão ambiental competente, à Capitania dos Portos e
ao órgão regulador da indústria do petróleo, independentemente das medidas tomadas para seu controle.”.
76
Agência Nacional do Petróleo.
86
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A preservação do meio ambiente possui três formas de atuação: prevenção,


mitigação e reparação. A prevenção é a mais importante, já que o dano sequer ocorreu,
havendo mero risco de dano, sendo, portanto, a mais econômica; após a ocorrência do
dano, há a mitigação e a reparação, conforme a seguir:
 Prevenção: a fim de se prevenir os danos ambientais é preciso ter exata
delimitação de seus riscos. Neste caso a ação é inibitória e as atitudes são
acauteladoras.
 Mitigação: a mitigação é a redução do dano ainda em momento relativamente
próximo ao evento/sinistro. As ações de mitigação poderão ser identificadas
também através do EIA,77 por exemplo.
 Reparação: a reparação é a reconstituição daquilo que foi destruído, sempre que
possível. Procura-se por meio da reparação o retorno ao equilíbrio ecológico.
Neste caso tem-se, usualmente, o ressarcimento, sendo, contudo, que tal
indenização será a opção tão somente quando a reconstituição não for possível, já
que a meta principal é o retorno ao status quo ante.

3.5.2 Lugares de Refúgio


No intuito de buscar meios para a efetiva proteção ambiental, além de métodos
eficientes de contenção de danos, a IMO – Organização Marítima Internacional clama por
atenção para a necessidade de criação dos “lugares de refúgio”.
Os acidentes com os navios “Prestige” e “Castor” são exemplos dessa necessidade.
No primeiro caso, o navio “Prestige”, de bandeira das Bahamas, causou enormes estragos
nas águas da Galícia, onde as comunidades dependem do mar para a subsistência; sem ter
autorização para atracar e providenciar os devidos e urgentes reparos vagou por várias
costas nacionais, até que, em face do mau tempo, seu casco abriu um rombo, derramando
toneladas de óleo naquelas águas e atingindo várias praias da região.
Já no segundo caso, o navio “Castor”, de bandeira cipriota, teve um final mais
feliz. Após sofrer com o mau tempo, apresentou uma rachadura em seu convés e, mesmo
após seis semanas, banido dos portos dos países da costa do Mediterrâneo, a Tunísia
concedeu-lhe um lugar de refúgio, o que permitiu que a carga do navio fosse transportada
para outro, podendo então sofrer os reparos devidos, sem que qualquer dano ambiental
tenha sido causado.

77
Estudo de Impacto Ambiental.
87
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

No caso do navio “Castor”, certamente, os danos ambientais foram evitados pela


possibilidade de atracação e consecução dos reparos devidos, uma vez encontrado um
lugar de refúgio. Portanto, a regulamentação dos chamados “lugares de refúgio” tem como
uma de suas razões fundamentais a preocupação com o meio ambiente marinho e a
necessidade de sua preservação.
Com efeito, devem-se entender “locais de refúgio” como sítios – aí entendidos no
sentido amplo, e não apenas portos, mas também baías e outros espaços – onde navios
necessitados de reparos poderão ser atendidos, estabilizando ou reduzindo os perigos da
navegação, tanto para a vida humana quanto para o meio ambiente marinho regional.
O grande problema na regulamentação dos lugares de refúgio é a sua força
coercitiva, já que os Estados costeiros têm direito à preservação de sua costa e do seu meio
marinho. Ademais, a princípio, só há obrigatoriedade no oferecimento de ajuda pelo
Estado costeiro no caso em que estiver em perigo a vida humana, pois nestes casos aplicar-
se-ia o convênio SOLAS 78 de 1974. Ressalte-se que no caso de não haver vida humana
envolvida, poderá o armador negociar com o Estado costeiro o oferecimento do lugar de
refúgio mediante uma contraprestação financeira, inclusive para a reparação de eventual
dano causado pela embarcação.
No Brasil a Lei Federal 7.203/84 dispõe sobre a assistência e salvamento de
embarcação, coisa ou bem em perigo no mar, nos portos e nas vias navegáveis interiores.
De acordo com a Lei 9.537/97 compete à autoridade marítima:

Art. 4° São atribuições da autoridade marítima:


VIII - definir áreas marítimas e interiores para constituir refúgios provisórios,
onde as embarcações possam fundear ou varar, para execução de reparos;

É possível ainda conjugar com o art. 5º da lei em epígrafe:

Art. 5ºA embarcação estrangeira, submetida à inspeção naval, que apresente


irregularidades na documentação ou condições operacionais precárias,
representando ameaça de danos ao meio ambiente, à tripulação, a terceiros ou
à segurança do tráfego aquaviário, pode ser ordenada a:
I - não entrar no porto;
II - não sair do porto;
III - sair das águas jurisdicionais;
IV - arribar em porto nacional.

78
International Convention for the Safety of Life at Sea, ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 87.186/1982.
88
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Assim, é preciso analisar caso a caso a necessidade de oferecimento do lugar de


refúgio, balanceando os interesses dos armadores e os interesses do Estado costeiro em
preservar seu meio marinho.

3.5.3 Seguros para riscos ambientais


Considerando-se a importância do tema, já que a poluição ambiental vem
ganhando relevância, as empresas, a fim de proteger-se contra riscos de danos ambientais,
além de garantirem maior segurança aos negócios e valorização acionária, providenciam
que eventuais danos ao meio ambiente estejam cobertos por seguros.
Com efeito, os danos ambientais têm se tornado, frequentemente, um risco aos
seguradores e resseguradores, ensejando a criação de uma apólice específica denominada
EIL – Environmental Impairment Liability. Em tais casos, as subscrições vêm
acompanhadas de estudos específicos do local a ser segurado e com avaliação dos riscos.
Mas outras maneiras de segurar dos riscos merecem destaque, dentre elas a
cobertura securitária do P&I, formado por clubes que atuam como seguradores.
A Lei 8.374/91 dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados
por embarcações ou por sua carga e dá outras providências.

3.5.4 P&I (Protection & Indemnity)


O P&I (Protection and Indemnity) é constituído de clubes que funcionam como
seguradores independentes, sem finalidades lucrativas, os quais cobrem os armadores e
seus afretadores contra responsabilidades decorrentes dos transportes marítimos por seus
navios, oferece cobertura de indenização em riscos variados; promove vistorias de cargas,
avarias, condições de navegabilidade; presta fiança em caso de arresto; oferece proteção
e orientação aos armadores em qualquer porto do mundo, além de prestar assistência aos
associados em litígios.

3.5.4.1 Cobertura P&I para poluição


Com a crescente exposição dos armadores a danos ambientais, especialmente no
caso dos navios-tanques transportadores de petróleo e seus derivados ou de minérios,
surge a necessidade para os armadores de segurarem suas embarcações, caso venham a
causar dano ambiental e sejam compelidos a reparar tal dano, sempre muito vultoso.

89
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Nesse contexto, os clubes seguradores passam a cobrir a responsabilidade por dano


ambiental, mas limitam a indenização por poluição por óleo, em geral, mas a depender de
cada caso, ao patamar de US$ 1,000,000,000.00 sem franquia por incidente. Ademais, há
a previsão de que no caso de vazamento persistente de óleo dos navios-tanques, a
cobertura será conforme o patamar da Convenção Internacional de Responsabilidade Civil
por Óleo (CLC).
Muito relevante ressaltar que a grande dificuldade para ambas as partes é a
impossibilidade de pré-aquilatar o prejuízo a ser eventualmente ressarcido, deixando os
clubes em uma situação de risco muito grande. Um acidente ambiental, dependendo do
local, das marés, do produto, do tempo e etc., pode variar enormemente o dano e, por
consequência, a indenização a ser paga.
Os principais riscos cobertos pelo P&I são os seguintes:
 Responsabilidade Civil de prejuízos, danos ou
contaminações causadas pelo derrame ou emanação de
qualquer substância, não apenas de óleo, mas também
gases, produtos químicos, esgotos e lixos;
 Despesas com limpeza de áreas poluídas ou
contaminadas;
 Custos com medidas impostas por normas
governamentais para prevenção ou minimização do dano
ambiental;
 Responsabilidade Civil por medidas tomadas por
empresa de salvatagem com a finalidade de prevenir a
ocorrência de um acidente de poluição.
A lavagem de tanques, e o bombeamento de água oleosa no mar, não são
considerados acidentes, razão pela qual não ensejam a cobertura do P&I.

4 Direito Portuário Ambiental


As questões do Direito Marítimo guardam proximidade com os temas de Direito
Portuário, razão pela qual contribuiremos com uma breve digressão sobre alguns aspectos
importantes e que com o novo marco portuário, precisam ser revisitados e estudados
melhor pelos interessados.

90
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O transporte marítimo desde os tempos arcaicos sempre foi o meio mais utilizado
pelo comércio global. Com a globalização e a intensificação das transações internacionais,
nos últimos tempos, aumentou drasticamente o fluxo de bens, exigindo cada vez mais
ampliação e modernização das instalações portuárias por todo o mundo.
De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD) estima-se que o transporte marítimo lida com mais de 80%
do comércio mundial em volume 79, muito a frente dos transportes aéreos e terrestres, e a
porcentagem é ainda maior para a maioria dos países em desenvolvimento.
Atualmente, o transporte marítimo/portuário está enfrentando um novo e
complexo momento, o que envolve tanto desafios como oportunidades.
Na busca soluções para esta problemática e em razão da necessidade de proteger
o meio ambiente costeiro e marinho sem impedir o desenvolvimento econômico, os portos
devem se adequar às normas ambientais preventivas, mitigatórias ou compensatórias para
evitar e/ou reduzir os impactos gerados por suas próprias instalações e pelas embarcações.
Observa-se que os empreendimentos portuários são implantados em locais que
podem guardar imensa importância ambiental por sua variedade de fauna e flora, sendo
estes altamente sensíveis aos impactos negativos provocados pelo homem.
Os portos, na maioria das vezes, são construídos em localidades de natureza
favorável e abrigados, como regiões de estuários e baías, onde a ação das ondas é mínima
possibilitando atividades de atracação, carga e descarga, dentre outros. Quando instalados
fora dessa área, os riscos ambientais já são potencializados e iminentes, pois é necessária
a construção de quebra-mares, alargam-se ou dragam-se rios e canais, etc.
Sendo assim, as estruturas organizacionais desses empreendimentos devem ser
capazes de atender aos cuidados e demandas ambientais. E por tal motivo são necessárias
ações diversas, como, por exemplo, a educação ambiental dos agentes portuários, que
geralmente é definida como uma condicionante no processo de licenciamento. 80

4.1 Aspectos Gerais do setor portuário brasileiro

79
Disponível em: <http://unctad.org/en/Pages/Publications/Review-of-Maritime-Transport-(Series).aspx>.
Acesso em: 19/08/2015.
80
ALVES, Marina. O que as Mudanças Climáticas, a Sustentabilidade, o Princípio da Precaução e do
Poluidor-Pagador, as Evidências e Outras Questões Ambientais se Relacionaram de Forma Simples com a
Atividade Portuária. In: Direito Portuário: contratos, regulação e mercado. (Conclusões do III
Seminário sobre Direito Portuário). Brasília: IP. 2011, p. 153.
91
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O Brasil possui cerca de 8.500 km de litoral, onde há 34 portos organizados 81 e


cerca de 120 terminais de uso privado, com grande variação nos tipos e volumes de carga
movimentada e de capacidade. Como se pode imaginar, há uma enorme variedade de tipos
de carga e terminais, públicos ou privados equipados e especializados em movimentar
produtos muitas das vezes muito poluentes ou nocivos ao meio ambiente.
A grande parte destes terminais são especializados em uma pequena série de
produtos, como o minério de ferro, combustível e óleos minerais, potencialmente
poluentes.
Com a promulgação recente da lei 12.815/2013, um novo panorama no setor
portuário instaurou-se, tendo como principal objetivo a reformulação da legislação
possibilitando a ampliação do setor à iniciativa privada.
Nota-se que no Brasil, as cargas são transportadas soltas ou conteinerizadas, além
da divisão de granéis sólidos, granéis líquidos e de carga em geral. A título
exemplificativo, os principais produtos sólidos são o minério de ferro; farelo de soja;
bauxita; milho; fertilizantes; carvão; dentre outros. Já os principais granéis líquidos são
os combustíveis e óleos minerais. E as principais cargas soltas são produtos de aço;
plástico; aves congeladas; equipamentos eletrônicos e produtos químicos orgânicos. 82
Cabe ressaltar que somente no 1º semestre de 2015 o Brasil movimentou cerca de
479 milhões de toneladas de carga nos portos, isto significa dizer que o país teve um
aumento de 3%, comparado com o mesmo período do ano passado, de acordo com a
ANTAQ, tendo o Sudeste do país o maior destaque.
De acordo com o órgão, em seu Relatório Estatístico Semestral de 2015, esse
aumento se deve ao investimento em maiores navios e profundidades, além de um melhor
aproveitamento das embarcações, o que gera o aumento direto da produtividade.

4.2 Licenciamento e Gestão Ambiental Portuária


O meio ambiente como um bem difuso carece de ferramentas para exercer seu
papel, e de acordo com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente foi criado o
Licenciamento Ambiental, objetivando o controle prévio à construção; instalação e

81
Ver também: Principais Portos do Brasil. Disponível em:
< http://www.antaq.gov.br/Portal/Portos_PrincipaisPortos.asp>.
82
GÓIS SOBRINHO, Ednaldo Moreno. Análise dos Impactos Econômicos dos Investimentos no Porto de
Suape – Parte I Disponível em:
< http://www.fipe.org.br/publicacoes/downloads/bif/2014/3_17-25-edn.pdf >.
92
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

operação de estabelecimentos ou atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras


do meio ambiente.

O licenciamento ambiental é o instrumento capaz de garantir ao empreendedor


o reconhecimento público de que suas atividades estão sendo desenvolvidas em
conformidade com a legislação ambiental, em observância à qualidade
ambiental dos recursos naturais e à sua sustentabilidade. 83

Cumpre destacar que de acordo com o Anexo 1 da Resolução CONAMA 237/97,


os empreendimentos portuários são sujeitos ao licenciamento ambiental. Quando esses
empreendimentos abrangem o litoral de vários estados, a regulação é realizada pelo
IBAMA. Ademais, quando o licenciamento envolve áreas dos portos públicos, TUP e
obras de acesso terrestre e marítimo, a Secretaria de Portos (SEP) acompanha e coordena
os processos de licenciamento ambiental.
O processo de licenciamento ambiental, em geral84, é classificado três etapas, quais
sejam: Licença Prévia (LP); Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO), como
previsto no artigo 8° da Resolução CONAMA n° 237/97; vejamos:

Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle,


expedirá as seguintes licenças:
I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do
empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção,
atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e
condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou
atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e
projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais
condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou
empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das
licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes
determinados para a operação.
Parágrafo único - As licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou
sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do
empreendimento ou atividade.85

83
Disponível em: < http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/meio-ambiente>.
84
O art. 12 da Resolução CONAMA n° 237/97 admite que o órgão ambiental competente definirá, caso
necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais. É admissível, por exemplo, a tramitação
de processo de licenciamento único para pequenos empreendimentos, como versa o § 2º do mesmo
dispositivo.
85
BRASIL. Resolução CONAMA n° 237 de 19 de dezembro de 1997. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/port/conama/legiano.cfm?codlegitipo=3.
93
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Esta classificação proporcionou um tratamento mais meticuloso e seguro no


processo de concessão de licenças; concedendo uma maior atenção aos estudos técnicos
elaborados e um maior acompanhamento cumprimento das condicionantes ambientais.
Inicialmente, o empreendedor deve coletar informações básicas do
empreendimento, como a localização do empreendimento; particularidades do bioma da
área diretamente afetada pelo empreendimento ou atividade; características da carga a ser
movimentada; dentre outros elementos.
De posse deste dossier com os variados elementos, o Órgão Ambiental emite um
documento chamado Termo de Referência com as indicações dos estudos e necessidades
prévias para o processo de licenciamento. E nesse sentido, a nova Lei dos Portos (Lei
12.815/2013) ao mencionar os requisitos para a instalação dos portos e instalações
portuárias aponta em seu Art.14, inciso III a necessidade de elaboração do Termo de
Referência.
Para cada etapa do processo de licenciamento, o empreendedor possui diversas
exigências que são norteadas pelo Termo de Referência e a partir das orientações do órgão
ambiental competente são exigidos estudos específicos, elaborados e custeados pelo
empreendedor, para a coleta de dados, como: oceânicos e atmosféricos; uso e
comparativos com dados anteriores; subsídios que comprovem os benefícios e malefícios;
dentre outros.
Na obtenção da LP é indispensável à elaboração do Estudo de Impactos
Ambientais e um Relatório de Impacto do Meio Ambiente (EIA-RIMA), produzidos com
base nas orientações do órgão ambiental licenciador; são os mais importantes documentos
que particularizam o impacto e a viabilidade ambiental do empreendimento ou atividade.
Para alcançar a LI, que autoriza o início das obras de instalação do
empreendimento, é obrigatória a elaboração de estudos específicos, como o Relatório de
Controle Ambiental e Plano Básico Ambiental (RCA/PBA), que possuem o escopo de
detalhar as ações para minimizar os impactos do empreendimento. Além desses, também
é obrigatória a apresentação do Programa de Gerenciamento Ambiental.
Já com a LO, o órgão ambiental autoriza a atividade portuária a ser exercida
plenamente, desde que o empreendedor elabore o Plano Básico Ambiental, que especifica
os programas ambientais para mitigação dos impactos negativos e maximização dos
impactos positivos causados pelo empreendimento ou atividade.

94
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A parte legal do processo de Licenciamento Ambiental inicia na CRFB/88; e tem


como base a Lei n°. 6.938/81 com as alterações constantes a Lei Complementar nº
140/2011; a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n°
01/1986, que estabeleceu diretrizes gerais para a elaboração do Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA); e a Resolução
CONAMA n° 237/1997, que estabeleceu procedimentos e critérios, e reafirmou os
princípios de descentralização presentes na Política Nacional de Meio Ambiente e na
Constituição da República.
Nota-se, portanto, que o licenciamento é essencial para o desenvolvimento das
atividades portuárias, permitindo que sejam estabelecidas condicionantes para mitigar os
impactos ambientais gerados, evitando a degradação do ecossistema. A partir disso, os
portos devem adotar um processo de gestão ambiental para alcançar a sustentabilidade do
empreendimento.
A Resolução CONAMA 306/02 define Gestão Ambiental como “condução,
direção e controle do uso dos recursos naturais, dos riscos ambientais e das emissões para
o meio ambiente, por intermédio do sistema de gestão ambiental.”.
Em relação aos portos, a gestão ambiental é a implantação contínua de processos,
tecnologias, procedimentos e métodos operacionais para eliminar ou controlar os
impactos ambientais decorrentes de sua operação e desenvolvimento.
Cumpre ressaltar que na ocorrência de danos ao meio ambiente, o licenciamento,
que é continuamente analisado, poderá ser regularizado mediante Termo de Compromisso
(TC), nos termos da Lei n° 9.605/98 alterada pela Medida Provisória nº 2.163-41, de
23.8.2001, a seguir:

Art. 79-A. Para o cumprimento do disposto nesta Lei, os órgãos ambientais


integrantes do SISNAMA, responsáveis pela execução de programas e projetos
e pelo controle e fiscalização dos estabelecimentos e das atividades suscetíveis
de degradarem a qualidade ambiental, ficam autorizados a celebrar, com força
de título executivo extrajudicial, termo de compromisso com pessoas físicas ou
jurídicas responsáveis pela construção, instalação, ampliação e funcionamento
de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais,
considerados efetiva ou potencialmente poluidores.
§ 1o O termo de compromisso a que se refere este artigo destinar-se-á,
exclusivamente, a permitir que as pessoas físicas e jurídicas mencionadas no
caput possam promover as necessárias correções de suas atividades, para o
atendimento das exigências impostas pelas autoridades ambientais
competentes, sendo obrigatório que o respectivo instrumento disponha sobre:
I - o nome, a qualificação e o endereço das partes compromissadas e dos
respectivos representantes legais;

95
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

II - o prazo de vigência do compromisso, que, em função da complexidade das


obrigações nele fixadas, poderá variar entre o mínimo de noventa dias e o
máximo de três anos, com possibilidade de prorrogação por igual período;
III - a descrição detalhada de seu objeto, o valor do investimento previsto e o
cronograma físico de execução e de implantação das obras e serviços exigidos,
com metas trimestrais a serem atingidas;
IV - as multas que podem ser aplicadas à pessoa física ou jurídica
compromissada e os casos de rescisão, em decorrência do não cumprimento
das obrigações nele pactuadas;
V - o valor da multa de que trata o inciso IV não poderá ser superior ao valor
do investimento previsto;
VI - o foro competente para dirimir litígios entre as partes.
§ 2o No tocante aos empreendimentos em curso até o dia 30 de março de 1998,
envolvendo construção, instalação, ampliação e funcionamento de
estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais,
considerados efetiva ou potencialmente poluidores, a assinatura do termo de
compromisso deverá ser requerida pelas pessoas físicas e jurídicas interessadas,
até o dia 31 de dezembro de 1998, mediante requerimento escrito protocolizado
junto aos órgãos competentes do SISNAMA, devendo ser firmado pelo
dirigente máximo do estabelecimento.
§ 3o Da data da protocolização do requerimento previsto no § 2o e enquanto
perdurar a vigência do correspondente termo de compromisso, ficarão
suspensas, em relação aos fatos que deram causa à celebração do instrumento,
a aplicação de sanções administrativas contra a pessoa física ou jurídica que o
houver firmado. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.163-41, de 23.8.2001)
§ 4o A celebração do termo de compromisso de que trata este artigo não
impede a execução de eventuais multas aplicadas antes da protocolização do
requerimento.
§ 5o Considera-se rescindido de pleno direito o termo de compromisso, quando
descumprida qualquer de suas cláusulas, ressalvado o caso fortuito ou de força
maior.
§ 6o O termo de compromisso deverá ser firmado em até noventa dias, contados
da protocolização do requerimento.
§ 7o O requerimento de celebração do termo de compromisso deverá conter as
informações necessárias à verificação da sua viabilidade técnica e jurídica, sob
pena de indeferimento do plano.
§ 8o Sob pena de ineficácia, os termos de compromisso deverão ser publicados
no órgão oficial competente, mediante extrato.

Curioso observar que existe a inclusão de 1% de recursos (pelo menos) nos


Projetos de Obras Federais para prevenção e correção de prejuízos de natureza ambiental,
conforme estabelecido pelo Decreto nº 95.733 de 198886, ainda em vigor, com a seguinte
redação:
DECRETO Nº 95.733, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1988.
Dispõe sobre a inclusão, no orçamento dos projetos e obras federais, de
recursos destinados a prevenir ou corrigir os prejuízos de natureza ambiental,
cultural e social decorrente da execução desses projetos e obras.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere
o artigo 81, item III, da Constituição, e
[...]
Art. 1° No planejamento de projetos e obras, de médio e grande porte,
executados total ou parcialmente com recursos federais, serão considerados os

86
BRASIL. Decreto nº 95.733, de 12 de fevereiro de 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D95733.htm >.
96
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

efeitos de caráter ambiental, cultural e social, que esses empreendimentos


possam causar ao meio considerado.
Parágrafo único. Identificados efeitos negativos de natureza ambiental,
cultural e social, os órgãos e entidades federais incluirão, no orçamento de cada
projeto ou obra, dotações correspondentes, no mínimo, a 1 % (um por cento)
do mesmo orçamento destinadas à prevenção ou à correção desses efeitos.

4.3 Transporte de Cargas Perigosas


Entendem-se como cargas perigosas aquelas que são explosivas, inflamáveis,
oxidantes, venenosas, infectantes, radioativas, corrosivas ou contaminantes que podem
apresentar riscos à tripulação, ao navio, às instalações portuárias ou ao meio ambiente
aquático (NORMAM 29).
Regulamentos nacionais e internacionais disciplinam as operações de
identificação, acondicionamento, etiquetagem, empacotamento e documentação de cargas
perigosas nas instalações portuárias, entre os quais: IMDG Code (International Maritime
Dangerous Goods); "Revision of the Recommendations on the Safe Transport of
Dangerous Cargoes and Related Activities in Port Areas" da IMO; a Norma
Regulamentadora 29 (NR - 29) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Na legislação brasileira, como o transporte aquaviário de cargas especiais e
perigosas é de competência da ANTAQ, conforme o disposto no art. 23 da lei 10.233/01,
e assim sendo, a agência publicou a Resolução 2.239, de 15 de setembro de 2011,
estimulando a integridade das instalações, protegendo o meio ambiente e garantindo o
trânsito seguro dessas cargas pelas instalações dos portos.
Ademais, importante destacar a existência da Convenção Internacional sobre
Responsabilidade e Compensação por Danos Conexos com o Transporte de Substâncias
Nocivas e Perigosas por Mar (HNS), a qual foi negociada no ano de 1996, em Londres,
porém sua adesão pelo Brasil ainda está sendo estudada.

4.4 Dragagem
A dragagem é uma das operações essenciais para a construção e manutenção dos
portos, pois permite a continuidade operacional e das condições de navegabilidade através
da remoção, limpeza, desobstrução, derrocamento ou escavação de material do fundo do
mar.
Pode ser realizada no momento da implantação do porto para aumentar ou manter
a profundidade do canal de navegação, no cais de atracação e na bacia de evolução, sendo

97
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

também realizada periodicamente para manter ou alcançar as profundidades necessárias


para a passagem de embarcações maiores. Contudo, a dragagem sempre foi um desafio
para empresas e órgãos ambientais ante a dificuldade de estabelecer regras que ajustassem
o respeito aos parâmetros ambientais e a expansão das atividades econômicas.
Em 2003, a NORMAM 11 87 estabeleceu algumas normas e procedimentos para
padronizar a autorização para as atividades de dragagem e de emissão de parecer atinente
a aterros, em águas jurisdicionais brasileiras (AJB), no que concerne ao ordenamento do
espaço aquaviário e à segurança da navegação.
Porém, foi apenas em 2004 que o CONAMA estabeleceu a Resolução 344/04 a
nível federal devido à ausência de padrões ambientais nacionais para sedimentos, a qual
estabelece as diretrizes gerais e procedimentos mínimos para avaliação do material a ser
dragado em águas jurisdicionais brasileiras, em conformidade com a Convenção de
Londres.

Obras de Dragagem no Porto do Rio de Janeiro

4.5 Outros Institutos

Por fim, cumpre pontuar que outros institutos reforçam a preocupação ambiental
no setor marítimo e portuário como, por exemplo, a Agenda Ambiental Portuária (APP),
Índice de Desempenho Ambiental Portuário (IDA) e Auditoria Ambiental.

87
DPC. NORMAM 11. Disponível em:
< https://www.dpc.mar.mil.br/normam/N_11/normam11.pdf>.
98
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

SUGESTÃO DE CASO GERADOR


No dia 01/01/2007, durante uma operação de transferência de nafta do navio NT
Jerry’n Gonsa para um terminal em Cubalatão, nove litros de produto foram ao mar.
Apurou-se que o fato foi originado por despressurização na conexão entre os
mangotes de transferência do navio para o terminal.
A Capitania dos Portos, em rápida inspeção no local, lavrou, no mesmo dia, auto
de infração em face da embarcação, enquadrando a conduta no art. 17 da Lei nº 9.966/2000
c/c art. 36 do Decreto nº 4.136/2002, oferecendo prazo de 20 dias para a autuada
apresentar defesa ou impugnação e aplicando a multa de R$ 70.000,00.
O que o advogado da proprietária da embarcação poderia alegar em sua defesa?

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2008.
MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 4º Edição. Volume I –
Teoria Geral. São Paulo: Manole, 2013.
MILARÉ, Edis. Direito do Meio Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
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Eletrônicas
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas: < http://www.abnt.org.br/>.
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Agência Nacional de Águas: < http://www2.ana.gov.br/Paginas/default.aspx>.
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Cais do Porto: < http://www.caisdoporto.com/v2/index.php>.
Comissão Coordenadora dos Assuntos da Organização Marítima Internacional (CCA-
IMO): <https://www.ccaimo.mar.mil.br>.
Diretoria de Portos e Costas: <https://www.dpc.mar.mil.br/pagina.html>.
ESPO - European Sea Ports Organisation: < http://www.espo.be/ >.
100
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

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http://www.ibama.gov.br/>.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: < http://www.ibge.gov.br/home/>.
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: < http://www.ipea.gov.br/portal/>.
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Secretaria de Portos: < http://www.portosdobrasil.gov.br/>.
Tribunal Marítimo: < https://www.mar.mil.br/tm/>.
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http://unctad.org/en/Pages/Home.aspx>.

101
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Legislativas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Decreto – Lei nº 1.098, de 25 de março de 1970.

BRASIL. Decreto Federal nº 4.871, de 06 de novembro de 2003.

BRASIL. Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995.

BRASIL. Decreto nº 2.870, de 10 de dezembro de 1998.

BRASIL. Decreto nº 20.923, de 08 de janeiro de 1932.

BRASIL. Decreto nº 4.136, de 20 de fevereiro de 2002.

BRASIL. Decreto nº 5.129, de 6 de julho de 2004.

BRASIL. Decreto nº 6.478, de 09 de junho de 2008.

BRASIL. Decreto nº 6.511, de 17 de julho de 2008.

BRASIL. Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008.

BRASIL. Decreto nº 8.127, de 22 de outubro de 2013

BRASIL. Decreto nº 79.437, de 28 de março de 1977.

BRASIL. Decreto nº 87.566, de 16 de setembro de 1982.

BRASIL. Decreto nº 95.733, de 12 de fevereiro de1988.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.508, de 04 de março de 1998.

BRASIL. Lei Complementar n° 104, de 10 de janeiro de 2001.

BRASIL. Lei Estadual n° 1.898, de 26 de novembro de 1991.

BRASIL. Lei Federal n° 7.203, de 03 de setembro de 1984.

BRASIL. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.

BRASIL. Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

BRASIL. Lei Federal nº 7.542, de 26 de setembro de 1986.

BRASIL. Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

BRASIL. Lei Federal nº 9.966, de 28 de abril de 2000.

BRASIL. Lei n° 10.166, de 27 de dezembro de 2000.

BRASIL. Lei n° 2.419, de 10 de fevereiro de 1955.

BRASIL. Lei n° 8.374, de 30 de dezembro de 1991.

BRASIL. Lei n° 9.866, de 9 de novembro de 1999.

BRASIL. Lei n° 9.966, de 28 de abril de 2000.

BRASIL. Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001.

BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010.

BRASIL. Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013.

BRASIL. Lei nº 5.101, de 04 de outubro de 2007.

BRASIL. Lei nº 7.542, de 26 de setembro de 1986.

BRASIL. Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989.

BRASIL. Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989.

BRASIL. Lei nº 8.617, de 04 de janeiro de 1993.

BRASIL. Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997.

BRASIL. Medida Provisória no 2.163-41, de 23 de agosto 2001.

BRASIL. Normam – Normas da Autoridade Marítima.

102
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

BRASIL. Portaria MMA n° 319, de 18 de 09 de 2003.

BRASIL. Portaria nº 24, de 04 de abril de 2007.

BRASIL. Resolução ABNT NBR 10.004/2004, de 31 de maio de 2004.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 2190, de 28 de julho de 2011.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 2239, de 15 de setembro de 2011.

BRASIL. Resolução ANTAQ nº 2239-, de 15 de setembro de 2011.

BRASIL. Resolução ANVISA RDC 56/2008, de 06 de agosto de 2008.

BRASIL. Resolução ANVISA RDC 72/2009, de 29 de dezembro de 2009.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 001, de 23 de janeiro de 1986.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 005, de 31 de agosto de 1993.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 293, de 12 de dezembro de 2001.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 306, de 5 de julho de 2002.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 344, de 7 de maio de 2004.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 393, de 08 de agosto de 2007.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 398, de 11 e junho de 2008.

BRASIL. Resolução CONAMA nº 472, de 27 de novembro de 2015.

103
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

AULA VI - Seguros Marítimos – P&I

ROTEIRO DE ESTUDO
1 Seguros Marítimos
1.1 Aspectos gerais do contrato de seguro
A indústria da navegação e do transporte marítimo, bem como outras diversas
operações comerciais relacionadas à área, envolve vultoso capital econômico, o que, por
um lado, pode significar considerável retorno aos grandes investimentos realizados e, por
outro, grandes prejuízos.
Isto porque as atividades em comento, notadamente o transporte marítimo,
normalmente estão submetidas a grandes riscos, os quais, caso materializados, podem
resultar em prejuízos extraordinários que nem sempre são passíveis de absorção pelas
reservas financeiras das empresas envolvidas.
Nesse sentido, inclusive, emprega-se a expressão “Aventura Marítima” à
navegação sobre o mar, em razão da dificuldade de controlar ou suportar as imprevisíveis,
irresistíveis e inevitáveis intempéries da natureza.88
Em virtude dos riscos e probabilidades de ocorrência de grandes prejuízos para os
players da área marítima, ainda que presente a adoção de medidas de prevenção rigorosas
e teoricamente eficazes, insurge a necessidade de obtenção de garantias de forma a
conceder a segurança imprescindível ao desempenho das atividades econômicas.
Trata-se do relevante instituto do seguro, segundo o qual se opera a transferência
de risco para terceiro, o segurador. Sobre o assunto, registre-se, inclusive, que o primeiro
ramo do seguro a ser praticado era relacionado exatamente à área marítima.
Nos termos da definição legal, “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga,
mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à
pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. ” (Art. 757 do Código Civil).

A definição do contrato de seguro, nas palavras de César Fiúza, 89 afigura-se


pertinente, verbis: “É o contrato pelo qual uma das partes, o segurador, se obriga para com

88
Registre-se que atualmente, com a significativa evolução tecnológica, há corrente doutrinária e
jurisprudencial que rechaça o referido conceito.
89
FIÚZA, César. Direito Civil – Curso Completo. 5. ed. Rio de Janeiro: Del Rey, 2002.
____________________________________________________ 104
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

a outra, o segurado, mediante recebimento de prêmio, a indenizá-la, ou a terceiros, de


prejuízos resultantes de riscos futuros e incertos, mas previsíveis. ”
Trata-se de um contrato aleatório, uma vez que suas prestações poderão variar de
acordo com o bem segurado; bilateral, pois gera direitos e obrigações tanto para o
segurado como para o segurador; oneroso, já que a prestação do segurado corresponde
uma contraprestação do segurador, visando sempre a uma vantagem econômica; e solene,
pois exige a forma escrita.
O seguro tem como fundamento a garantia prestada pelo segurador no sentido de
suportar (indenizar/ressarcir) prejuízos advindos de riscos predeterminados no contrato
(apólice) e efetivamente materializados na realidade (sinistros).
Neste aspecto, note-se que a interpretação da cobertura securitária sempre deve ser
levada a efeito de maneira restritiva, de forma a evitar o desequilíbrio entre a relação
prêmio – riscos cobertos, a qual é obtida por meio de complexos cálculos atuariais. 90
Importante registrar que algumas apólices preveem a participação do segurado em
um percentual previamente fixado sobre o prejuízo. Referida participação denomina-se
franquia, a qual normalmente é deduzida no pagamento da indenização securitária.
O contrato de seguro é regulamentado de forma geral no Código Civil de 2002, do
artigo 757 a 802, havendo disposição específica sobre seguros marítimos no Código
Comercial de 1850, do artigo 666 a 730, normas esparsas (Decreto-Lei n° 73/1966, entre
outras) e normas administrativas expedidas pela Superintendência de Seguros Privados
(SUSEP) e Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgãos que regulamentam e
fiscalizam o setor.
O Seguro Marítimo é definido pelo Código Comercial Brasileiro como o contrato:

[...] pelo qual o segurador, tomando sobre si a fortuna e riscos do mar, se obriga
a indenizar ao segurado da perda ou dano que possa sobrevir ao objeto do
seguro, mediante um prêmio ou soma determinada, equivalente ao risco
tomado, só pode provar-se por escrito, a cujo instrumento se chama apólice;
contudo julga-se subsistente para obrigar reciprocamente ao segurador e ao
segurado desde o momento em que as partes se convierem, assinando ambas a
minuta, a qual deve conter todas as declarações, cláusulas e condições da
apólice. (art. 666)

90
Nesse sentido: “Majoração do risco coberto, descompasso existente entre a realidade resultante do risco
atual e do valor do prêmio. ” BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n.
2007.001.56739. Julgado em 05 de dezembro de 2007. Vide também: BRASIL. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro. AC n. 55760/2007. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n.
983625-0/1.
____________________________________________________ 105
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

1.2 Princípios básicos da operação de seguro


1.2.1 Princípio da boa fé
Em geral, para contratar o seguro de um determinado bem, o interessado deverá
fornecer à empresa seguradora uma descrição completa do mesmo, especificando sua
natureza, seu valor, peso bruto e líquido, riscos a serem cobertos, a fim de que o segurador
possa calcular o valor do prêmio e da franquia a ser fixada na apólice.
Por isso, é indispensável que, ao fazer suas declarações, o segurado proceda com
estrita boa-fé, agindo de maneira transparente com o segurador, não omitindo fatos que
possam influir na avaliação do risco e na aceitação do seguro.

1.2.2 Princípio da veracidade


Corolário óbvio do princípio da boa fé, o princípio da veracidade sustenta que as
declarações e informações prestadas pelo segurado correspondam exatamente à estrita
verdade dos fatos, sendo certo que a eventual constatação de informações errôneas, feitas
de má-fé, poderá ensejar a anulação do contrato e consequente perda do direito ao
seguro.91

1.2.3 Princípio do mutualismo


Sob a ótica do princípio do mutualismo, é mais fácil suportar coletivamente as
consequências danosas de acontecimentos individuais do que deixar o indivíduo, só e
isolado, às voltas de tais consequências. Dessa forma, o seguro representa a divisão entre
um grande número de pessoas do prejuízo experimentado por elas em decorrência de um
sinistro.

1.3 Elementos fundamentais do contrato de seguro


O elemento fundamental do seguro é o risco. Trata-se da possibilidade de um
acontecimento danoso, capaz de perturbar um equilíbrio econômico, de um “evento
incerto ou de data incerta que independe da vontade das partes contratantes e contra o qual
é feito o seguro. O risco é a expectativa de sinistro. ”92

91
Art. 766 do Código Civil: “Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou
omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à
garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.
Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador
terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio. ”
92
Dicionário de seguros do IRB, p. 123.
____________________________________________________ 106
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

De acordo com a Commission of Insurance Terminology da American Risk and


Insurance Association “risco é a incerteza que se tem no resultado de um evento, quando
existem duas ou mais possibilidades. ”
Contudo, é importante frisar que o risco aqui considerado como acontecimento
danoso incerto não se confunde com a condição ou o termo, uma vez que estes dependem
da vontade humana, enquanto aquele é independente da vontade do contratante.
O risco definirá a modalidade de seguro a ser contratada, sendo certo que, em
nenhuma hipótese, o contrato de seguro poderá ter como objeto um risco impossível de
ocorrer.
Outra ferramenta do contrato de seguro é o cálculo das probabilidades. Por meio
desse cálculo prevê-se com grande aproximação o número de sinistros (acontecimentos
de um mesmo gênero) que se deverão verificar em prazo determinado, em uma certa
região e em um dado número de casos.
Este cálculo de probabilidades aliado à espécie de risco que o segurado estará
sujeito a enfrentar permitem a fixação do prêmio de seguro devido pelo segurado.

1.4 Resseguro
O resseguro é um mecanismo de transferência de riscos garantidos por uma
seguradora (que passa a ser denominada cedente ou ressegurada neste processo), cuja
retenção não é financeiramente viável e/ou estrategicamente interessante, para outra
seguradora (então ressegurador).
O resseguro é um tipo de pulverização em que o segurador transfere a outrem, total
ou parcialmente, o risco assumido, sendo, em resumo, um seguro da seguradora.
Entretanto, há que se observar que a seguradora, independentemente das cessões
de resseguro que realizar, permanece integralmente responsável, perante o segurado, pela
garantia dos riscos cobertos pela apólice emitida, bem como pelo pagamento de eventual
indenização securitária. Após mais de 60 anos de monopólio do IRB – Instituto de
Resseguros do Brasil – nas operações de resseguro e retrocessão, ocorreu a abertura do
mercado no ano de 2007/2008. A Lei Complementar n° 126/2007 e a Resolução CNSP
n° 168/2007 dispõem que as operações de resseguro e retrocessão passam a ser realizadas
por resseguradoras locais, admitidas e eventuais.

____________________________________________________ 107
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A regulamentação traz, dentre outras inovações, os critérios para as resseguradoras


se registrarem junto à SUSEP, regras sobre a participação e operações das mesmas no
mercado, etc.

1.5 Retrocessão
Operação feita pelo ressegurador e que consiste na cessão de parte das
responsabilidades por ele aceitas a outro ou outros resseguradores. Em outro enfoque: é o
seguro de um ressegurador.
Os contratos de retrocessão são, basicamente, da mesma natureza dos utilizados
em operações de resseguro, deles diferindo apenas na condição dos participantes, pois
enquanto o segurador direto faz cessões em resseguro, o ressegurador faz retrocessões a
outros resseguradores.
Em qualquer caso, tanto nas operações de resseguro quanto nas de retrocessão, o
ressegurador e o retrocessionário, como regra geral, obrigam-se apenas com as entidades
que lhes fizeram cessões ou retrocessões, e não diretamente com os segurados ou com os
cedentes anteriores.

1.6 Mercado internacional de seguros


1.6.1 O LLOYD’S
Em 1678 foi fundada, em Londres, uma das primeiras sociedades de socorro mútuo
do mundo, o Lloyd’s. Esta sociedade nasceu em um bar, de propriedade do comerciante
Edward Lloyds, onde era comum o encontro de navegadores e pessoas interessadas nos
negócios envolvendo os riscos da expedição marítima.
A partir desses encontros, a atividade seguradora que, até então, era realizada de
forma individualizada, por meio de banqueiros ou de simples emprestadores de dinheiro,
passou a ser também concretizada por meio de duas companhias inglesas de seguro, que
mantiveram o monopólio dessa atividade até o início do século XIX.
Atualmente, o Lloyd’s tornou-se uma verdadeira bolsa de seguros e resseguros,
sendo composto por companhias de seguros, ressegures e corretores.

____________________________________________________ 108
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Lloyd’s atualmente

1.7 Mercado segurador brasileiro


O mercado segurador encontra-se atualmente muito aquecido e em franca
expansão, particularmente considerando crescimento de renda e a ascensão social de 50
milhões de brasileiros, bem como o ingresso de grandes empresas multinacionais após a
quebra do monopólio estatal do resseguro.
Em 2014 o mercado de seguros brasileiro atingiu R$ 322 bilhões em prêmios,
alcançando uma participação de 7% no Produto Interno Bruto (PIB). Em 2015, de acordo
com a SUSEP, o primeiro trimestre do mercado de seguros brasileiro apresentou
crescimento de 22,4% em relação ao mesmo período de 2014, atingindo R$ 42,5 bilhões
em prêmios, contra R$ 34,7 bilhões no primeiro trimestre de 2014.

1.8 Seguro Casco e Máquinas


O Seguro Casco e Máquinas93 visa, sobretudo, a fornecer ao Segurado ou
Beneficiário garantia de indenização aos prejuízos que atinjam a embarcação segurada,
no que concerne ao casco, suas máquinas e todos os seus aparelhos, motores, instalações,
equipamentos, peças, provisões, suprimentos e demais pertences ou parte dos mesmos94
e/ou a outro interesse em risco abrangido por este seguro, em viagem ou não, em quaisquer
serviços e tráfegos no mar ou em rios, canais ou outra via navegável, em portos ou
ancoradouros, ou em diques, estaleiros, carreiras ou rampas.
Inicialmente, cumpre observar que o Código Comercial contém disposições
relacionadas ao seguro de navios, sendo certo que algumas foram, inclusive, inseridas na
Circular SUSEP n° 001/1985 (alterada pelas Circulares SUSEP n°s. 08/1985, 40/1985 e

93
Hull & Machinery Insurance.
94
Art. 690 do Código Comercial: Declarando-se genericamente na apólice, que se segura o navio sem outra
alguma especificação, entende-se que o seguro compreende o casco e todos os pertences da embarcação,
aprestos, aparelhos, mastreação e velame, lanchas, escaleres, botes, utensílios e virtualhas ou provisões; mas
em nenhum caso os fretes nem o carregamento, ainda que este seja por conta do capitão, dono ou armador
do navio.
____________________________________________________ 109
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

27/1987), a qual regulamenta a Apólice de Casco e Máquinas, definindo condições gerais,


cláusulas básicas e adicionais de cobertura e outras questões atinentes.
O seguro pode ser pactuado por viagem ou por prazo determinado. Sendo que os
riscos segurados são, via de regra, relacionados à fortuna do mar, incêndio, raio,
terremoto, intempérie, ou alijamento, ou barataria, ou rebeldia do capitão e/ou de
tripulantes (inclusive motim a bordo, pilhagem, predação, detenção, retenção, desvio,
encalhe, varação e afundamento da embarcação), e por todos os outros riscos e perigos de
tipo e natureza semelhantes, acidentes no carregamento, na descarga, no manuseio ou na
movimentação da carga, ou no abastecimento da embarcação, acidentes na entrada, saída
ou durante a permanência em diques, estaleiros, carreiras ou rampas, explosões a bordo
ou fora, pane de geradores, motores ou de outra maquinaria elétrica, estouro de caldeiras,
quebras de eixos ou qualquer defeito latente na maquinaria ou no casco (excluindo-se o
custo de reposição ou de reparação da parte defeituosa), pane ou acidentes com instalações
ou reatores nucleares a bordo ou fora, negligência do capitão, de oficiais, de tripulantes
ou de práticos, negligência de afretadores e/ou reparadores; contato com aeronave,
foguete ou míssil similar; contato com qualquer transportadora ou movimentadora
terrestre, com equipamento ou instalação do cais ou do porto, erupção vulcânica.
No âmbito das Condições Gerais estabelecidas pela Circular SUSEP,95 restou
definido que, salvo estipulação expressa em contrário na apólice, os seguintes riscos não

95
Circular SUSEP n° 001/85
6 – RISCOS NÃO COBERTOS
6.1 – Falta de Condições de Navegabilidade – A Seguradora não responderá por qualquer prejuízo nem
indenizará qualquer perda ou dano proximamente causado ou atribuível à inavegabilidade da embarcação
coberta por esta apólice:
a) nos seguros por viagem, se a embarcação não tiver, ao início do risco, condições satisfatórias de
navegabilidade para levá-la a bom termo; e, se a viagem compreender etapas distintas que demandem
equipamento ou aprestamento especial, se não tiver tais condições em cada etapa de per si;
b) nos seguros a prazo quando, em qualquer tempo e com o conhecimento e tácito assentimento do segurado,
seu proprietário/armador ou administrador, a embarcação se fizer ao mar ou outra via navegável, iniciando
ou prosseguindo viagem ou operação, sem que para tanto tenha condições satisfatórias de navegabilidade e
segurança.
6.2 – Vício Próprio – Esta apólice não cobre o vício próprio, o uso e desgaste, ou a deterioração do objeto
segurado ou de parte do mesmo, nem as despesas necessárias à sua eliminação; e a Seguradora não
indenizará qualquer perda ou dano proximamente causado ou atribuível a quaisquer daqueles fatores, salvo
na hipótese de “Vício Oculto” admitido pela Seguradora ou pelo Tribunal Marítimo, ou pela autoridade
judicial competente, em decisão final.
6.3 – Fato do Segurado – A Seguradora não responderá por qualquer prejuízo proximamente causado ou
atribuível a fato do Segurado, mas, salvo disposição em contrário nesta apólice, responderá por qualquer
prejuízo proximamente causado por risco objeto da cobertura, ainda que tal prejuízo não devesse ter
ocorrido senão por falta ou negligência do Capitão, dos Oficiais, do prático ou da tripulação. Para os fins
deste item, a palavra “Segurado” compreende também o proprietário, armador ou administrador que detiver
o efetivo controle e gerência da embarcação Segurada.
____________________________________________________ 110
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

estão cobertos: 1. Falta de Condições de Navegabilidade; 2. Vício Próprio; 3. Fato do


Segurado; 4. Operações Ilícitas; 5. Roeduras por Vermes; 6. Quarentena ou Estadia em

6.4 – Operações Ilícitas – Esta apólice não dá qualquer cobertura, seja a que título for, aos riscos diretamente
resultantes do emprego da embarcação no contrabando ou em outra operação, tráfego ou comércio ilícito
ou clandestino, ou em violação de bloqueio, e a Seguradora não admitirá qualquer pedido de indenização
de prejuízos proximamente causados ou atribuíveis àqueles riscos, quer tal emprego ocorra com a
conivência do Segurado, armador ou administrador da embarcação, quer decorra de sua negligência
caracterizada ou omissão culposa (subitem 5.2.1) em relação ao disposto na alínea “c” do item 5.2 da
Cláusula 5.
6.5 – Desvio de Rota – Nos seguros por viagem, a agravação dos riscos resultante do desvio ou
prolongamento voluntário da rota originalmente prevista na apólice e os prejuízos daí decorrentes só terão
cobertura mediante o cumprimento do disposto no item 1.2 da Cláusula 1 (COBERTURA); salvo em caso
de força maior, como medida de segurança para o navio e/ou sua carga, ou para prestação de socorro ou
assistência a outra embarcação em apuros e/ou visando ao salvamento de vida humana em perigo.
6.6 – Roeduras por Vermes, etc. – Esta apólice não cobre os danos causados a embarcação ou seus pertences
por roeduras ou perfurações por vermes, insetos ou outros bichos, nem as despesas de substituição das partes
afetadas; quanto aos prejuízos consequentes daqueles danos e apenas quando caracterizado o “vício oculto”,
aplica-se o disposto no item 6.2.
6.7 – Quarentena e Estadia em Porto – Nenhuma reclamação ou indenização será admitida sob esta apólice
com base em despesas de invernada ou quarentena por motivos sanitários ou regulamentares. Em caso de
sinistro coberto por esta apólice, as despesas de estadia só serão indenizáveis quando e na medida em que
compreendidas em condição particular anexa à presente apólice. Em nenhuma outra hipótese caberá
qualquer indenização a título de demora ou estadia da embarcação no porto.
6.8 – Lucros Cessantes – Acham-se excluídos da cobertura concedida por esta apólice os lucros cessantes,
ou perdas equivalentes sofridas pelo Segurado ou beneficiário deste seguro, seja qual for sua causa, origem
ou conceituação e ainda que decorrentes de sinistro coberto por esta apólice.
6.9 – Poluição – A poluição que venha a ser causada pela embarcação segurada, ou que dela se origine, bem
como as multas, prejuízos, danos e responsabilidades que dela resultarem, acham-se totalmente excluídas
da cobertura concedida por esta apólice.
6.10 – Riscos de Radioatividade – Ressalvado o disposto na alínea “e” do item 1.3 da Cláusula 1, a presente
apólice não dá qualquer cobertura aos riscos de radioatividades e às responsabilidades decorrentes.
6.11 – Roubo e Furto – Não estão compreendidos na cobertura, nem equiparados à pilhagem e a predação,
para fins desta apólice, o roubo e/ou furto de peças, pertences ou provisões da embarcação ou de sua
tripulação, nem o da própria embarcação, praticado por tripulantes ou por outrem.
6.12 – Riscos de Guerra, Greves e Correlatos – Acham-se igualmente excluídos da cobertura, salvo
disposição expressa em contrário nas cláusulas ou condições particulares anexas a esta apólice ou que a ela
venham a incorporadas por endosso e apenas na medida em que tais cláusulas ou condições particulares
revoguem e prevaleçam sobre as exclusões objeto desta cláusula e unicamente enquanto permaneçam em
vigor.
I – qualquer perdas, danos ou despesas proximamente causados por, resultantes de, ou incorridas em
consequência de:
a) captura, sequestro, arresto, retenção ou detenção ou qualquer tentativa nesse sentido;
b) hostilidade ou operações bélicas ou equivalentes tenha ou não havido uma declaração de guerra;
ressalvado que estas exclusões não se aplicam em casos de abalroação ou de contato com aeronaves,
foguetes ou mísseis similares, ou com quaisquer objetos fixos ou flutuantes que não minas, torpedos ou
engenhos de guerra semelhantes, de mau tempo, de encalhe, incêndio ou explosão que não causados
diretamente por ato hostil de ou contra uma potência beligerante e independentemente da natureza da
viagem ou do serviço que a embarcação segurada ou qualquer outra embarcação nela envolvida esteja
executando; e ressalvando ainda que a expressão “potência”, na forma aqui empregada inclui qualquer
autoridade mantendo força naval, terrestre ou aérea em associação com uma potência;
II – qualquer perda, dano, responsabilidade ou despesa causada por qualquer pessoa agindo maliciosamente
ou por motivação política e que se origine:
a) de detonação de um explosivo;
b) de qualquer arma de guerra.
III - qualquer perda, dano, responsabilidade ou despesa que se origine de qualquer arma de guerra
empregando fissão e/ou fusão atômica ou nuclear ou outra reação semelhante ou força ou matéria-radioativa.
____________________________________________________ 111
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Porto; 7. Lucros Cessantes; 8. Poluição; 9. Riscos de Radioatividade; 10. Roubo e Furto;


11. Riscos de Guerra; 12. Greve ou Correlatos.
Em conformidade com os riscos predeterminados nas Condições Gerais, foram
estabelecidas três coberturas básicas para o Seguro de Casco e Máquinas: Cobertura 1 –
Perda Total (PT), Assistência e Salvamento (AS), Avaria Grossa (AG); Cobertura Básica
2 – Perda Total (PT), Assistência e Salvamento (AS), Avaria Grossa (AG),
Responsabilidade Civil por Abalroação (RCA); Cobertura Básica 3 – Perda Total (PT),
Assistência e Salvamento (AS), Avaria Grossa (AG), Responsabilidade Civil por
Abalroação (RCA), Avaria Particular (AP);
Depreende-se da análise do sumário das Coberturas Básicas que a Cobertura
Básica 1 é a garantia mínima a ser concedida, sendo que há ampliações nas outras duas.

1.8.1 Perda Total (PT)


A Perda Total da embarcação, para fins do Seguro Casco e Máquinas, pode ser
considerada Real ou Construtiva.
A Perda Total Real ocorre quando: a) o objeto segurado é destruído ou tão
extensamente danificado que deixa de ter as características da coisa segurada; b) o
Segurado fica irremediavelmente privado do objeto ou interesse segurado; ou c) o objeto
segurado é dado como desaparecido após um período razoável de efetivas buscas e
pesquisas sem resultados positivos. 96
A Perda Total Construtiva ocorre quando o custo da preservação, recuperação,
reparação e/ou reconstrução do objeto segurado for igual ou superior a 75% de seu valor
ajustado.
No cálculo do percentual de 75% acima mencionado não deve ser considerado o
valor que possa ter o objeto segurado ou o que dele restar após o sinistro, nem a
contribuição que se tornaria exigível de terceiros a título de Avaria Grossa, porém, deve-
se computar os custos das operações de salvamento ou remoção que se fariam necessárias
e a contribuição que caberia à embarcação em caso de Avaria Grossa.

1.8.2 Assistência e Salvamento (AS)

96
Incumbe ao Segurado, ao reclamar a indenização por Perda Total Real na hipótese em comento, fornecer
ao Segurador indícios convincentes de que o desaparecimento do objeto segurado teve lugar durante a
vigência desta apólice.
____________________________________________________ 112
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DIREITO MARÍTMO

A cobertura de Assistência e Salvamento refere-se: a) à remuneração ou


recompensa devida pelo Segurado a quem atuando por iniciativa própria ou mediante
acordo firmado em termos usualmente aceitos pelos seguradores tenha salvado ou
participado do salvamento da embarcação ou do objeto segurado quando em situação de
grave perigo real de se perder totalmente ou quando na iminência de sofrer ou gerar outros
prejuízos indenizáveis sob apólice pactuada; b) às despesas razoáveis e necessárias,
inerentes a tais operações, bem como aos danos por elas causados à embarcação ou objeto
segurado.97
Importante destacar que se os serviços de salvamento, reboque ou outra
assistência, forem prestados por embarcação pertencente, no todo ou em parte, ao mesmo
armador, ou que seja por este administrada, o valor de tais serviços e a responsabilidade
da Seguradora serão igualmente apurados por arbitramento, como se as embarcações
fossem de inteira propriedade e administração de armadores diferentes.

1.8.3 Avaria Grossa (AG)


A cobertura de Avaria Grossa abrange a quota de contribuição da embarcação
segurada e do frete (este quando em risco e objeto de seguro específico) que for apurada
na repartição da Avaria Grossa.
Saliente-se que, em nenhuma hipótese, haverá cobertura securitária para despesas
e prejuízos quando feitos ou suportados visando exclusivamente ao salvamento e
preservação da carga e somente a esta beneficiarem.
Importante destacar que a cobertura concedida a título de Avaria Grossa

[...] entende-se absolutamente livre de reclamação por Avaria Particular e de


danos ao casco da embarcação segurada por ato de Avaria Grossa, porém a
contribuição da embarcação em Avaria Grossa será indenizável quando esta se
originar da perda de, ou de dano ao equipamento, túneis de amarras, caldeiras,
maquinaria, máquinas e motores auxiliares e de refrigeração, revestimentos
térmicos, instalações elétricas, controles de direção (excluído o leme), âncoras,
amarras, cabos, mastros, guindastes, vergas, velas, botes e respectivas
conexões, bem como de qualquer dano causado à embarcação ou a seu
equipamento para extinção de incêndio a bordo, ou por contatos com outras

97
Circular SUSEP n° 001/1985.
2.7 – Se a embarcação tiver carga a bordo e os serviços de Assistência e Salvamento, prestados ou aceitos
sob acordo formal e no interesse da preservação comum, forem reconhecidos como Avaria Grossa, a
responsabilidade da Seguradora pelas despesas e demais prejuízos deles decorrentes será limitada à
contribuição proporcional atribuível à embarcação na regulação da Avaria Grossa, ainda que o Segurado
renuncie à contribuição da carga; porém, se a embarcação estiver segurada por importância inferior ao seu
justo valor, a indenização ao Segurado será reduzida na medida da insuficiência da importância segurada.
____________________________________________________ 113
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embarcações que lhe estejam prestando assistência ou participando de seu


salvamento.98

1.8.4 Responsabilidade Civil por Abalroação (RCA)


A cobertura de Responsabilidade Civil por Abalroação prevista no Seguro de
Casco e Máquinas garante o reembolso de 3/4 (três quartos) das indenizações que, em
razão de abalroação ocorrida entre a embarcação segurada e outra ou outras embarcações,
o Segurado seja condenado, por força de decisão proferida por autoridade competente
(judicial ou arbitral) a pagar a terceiros, por perdas ou danos materiais, lucros cessantes
e/ou outros prejuízos e despesas.
Observe-se, por outro lado, que de acordo com o item 3.1 da Circular SUSEP n°
001/1985 a cobertura em questão não abrange a prestação de qualquer fiança ou garantia,
nem qualquer quantia que o Segurado custear relacionado à:
a) remoção ou eliminação de obstáculos à navegação, destroços ou cargas ou qualquer
outra coisa, por imposição de lei ou de regulamento;
b) perda ou dano real ou potencial causados a qualquer objeto, bem ou propriedade, que
não seja outra embarcação ou bem a bordo desta;
c) poluição ou contaminação de qualquer objeto, bem, propriedade, área ou local, seja
qual for, excetuadas unicamente, a poluição ou contaminação da outra embarcação (e de
bens a bordo desta) com a qual a embarcação segurada tenha abalroado;
d) carga ou outro bem a bordo da embarcação segurada;
e) perdas de vidas ou danos às pessoas a bordo da embarcação segurada ou em qualquer
outra embarcação ou local;
Caso a responsabilidade pela abalroação não seja imputável a apenas uma das
embarcações envolvidas, mas haja uma concorrência de culpa, o Segurador apenas será
responsável por reembolsar 3/4 do percentual (grau de culpabilidade da embarcação
segurada definido por autoridade competente) do prejuízo sofrido pela outra embarcação.
Em qualquer hipótese, o reembolso não excederá a 3/4 (três quartos) do valor
segurado ou do valor da embarcação segurada, qual seja o menor.
Note-se que na hipótese de outra ou outras embarcações envolvidas na abalroação
também serem seguradas sob esta apólice, ou pertencerem no todo ou em parte ao

98
Item 2.8 da Circular SUSEP n° 001/1985.
____________________________________________________ 114
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Segurado ou ao mesmo armador, ou forem por ele afretadas e administradas, a cobertura


de RCA será aplicada como se as embarcações estivessem seguradas sob apólices
distintas, ou fossem de inteira propriedade e responsabilidade de diferentes armadores ou
administradores.
Encontra-se compreendido ainda na cobertura de RCA o reembolso de 3/4 das
despesas incorridas na defesa dos interesses da embarcação segurada no que for pertinente
à rejeição e/ou limitação de responsabilidade pelo abalroamento, sendo necessária,
entretanto, a prévia concordância da Seguradora.
Destaque-se, por oportuno, que é absolutamente vedado ao segurado, sob pena de
perda de direito à indenização, reconhecer sua responsabilidade por abalroação ou
indenizar diretamente terceiro sem decisão judicial ou arbitral determinando tal
providência, salvo em caso de anuência expressa do segurador.99,100
Caso reconhecida a configuração de caso fortuito ou força maior pela autoridade
competente, o segurado não será obrigado a indenizar terceiro, motivo pelo qual, por
óbvio, não há que se falar em reembolso pelo segurador.

1.8.5 Avaria Particular (AP)


Nos termos da Circular SUSEP n° 001/1985, a “cobertura de Avaria Particular diz
respeito a perdas ou avarias sofridas pelo objeto segurado que não constituam prejuízo
por Avaria Grossa e não sejam tratadas como Perda Total Construtiva. ”
Admite-se para fins de Avaria Particular: a) os custos razoáveis dos reparos e/ou
substituições recomendados ou reconhecidos como necessário por peritos vistoriadores
indicados ou aceitos pela Seguradora, comprovados, por faturas quitadas ou documentos
equivalentes; b) as despesas em que o Segurado tenha incorrido em consequência da perda
ou avaria e necessária à execução dos reparos e/ou substituições, na medida em que forem
assim reconhecidos como parte integrante da Avaria Particular e tidas como razoáveis nas
circunstâncias; c) os honorários e despesas de regulação de avaria; d) outros custos e
despesas admitidos pelo árbitro Regulador e pelo Segurador.
Via de regra, os reparos e/ou substituições devem ter caráter definitivo, aprovando-
se excepcionalmente provisórios quando: a) expressamente recomendados pelo perito da

99
Art. 787, § 2º do Código Civil: É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a
ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa
do segurador.
100
Item 3.6 da Circular SUSEP n° 001/1985.
____________________________________________________ 115
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Seguradora; ou, b) indispensáveis à boa execução posterior dos reparos definitivos; ou, c)
proporcionarem uma redução compensadora nos custos e despesas com os reparos
definitivos.
Necessário salientar que a cobertura de AP não engloba: a) reparos ou
substituições de partes ou peças que apresentem defeitos de construção, fabricação,
reparação ou instalação, vício próprio conhecido ou oculto ou afetadas pelo uso e desgaste
natural ou por deterioração gradual; b) despesas de raspagem e/ou pintura do fundo do
casco, salvo quando tais despesas constituírem parte do reparo da avaria parcial
indenizável do fundo do casco e limitadas à parte assim preparada; c) despesas com rancho
e soldadas do Capitão, Oficiais e demais tripulantes, ou de qualquer deles, exceto quando
for necessário remover a embarcação de um para outro porto onde as avarias devam ser
reparadas, ou durante viagem de experiência para testar os reparos efetuados, casos em
que tais despesas serão admitidas em Avaria Particular exclusivamente pelo tempo em
que a embarcação estiver efetivamente sendo removida ou em viagem de experiência e na
medida em que não sejam, no todo ou em parte recuperáveis em Avaria Grossa; d)
despesas de ratificação de Protesto Marítimo, feitas no exclusivo interesse da cobertura
de Avaria Particular concedida sob esta cláusula; e) perdas ou avarias parciais que não
tiverem sido substituídas ou reparadas, quando, ainda durante a vigência desta apólice,
ocorrer a Perda Total do objeto segurado, ou quando esta Perda Total tiver ocorrido após
o vencimento desta apólice e o objeto segurado não houver sido vendido.

1.9 Clube P&I (Protection and Indemnity)


Os Clubes P&I são associações formadas pelos próprios armadores/operadores e
afretadores que têm como escopo o seguro mútuo dos riscos não abrangidos pelas apólices
securitárias convencionais, tendo sido inicialmente formados para suprir a lacuna de 25%
dos danos causados a outra embarcação em razão de abalroação (Cobertura RCA) que o
seguro de Casco e Máquinas não garantia. Posteriormente, a cobertura oferecida pelos
Clubes P&I foi sendo estendida para diversos outros riscos.
Em linhas gerais, os Clubes P&I visam proteger os interesses e responsabilidades
das empresas envolvidas na exploração dos navios, não contendo qualquer fim lucrativo,
sendo importante notar que os prêmios recebidos dos Armadores somados aos
investimentos devem corresponder exatamente às indenizações pagas, despesas incorridas
e custos administrativos.
____________________________________________________ 116
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Importante salientar que a proteção concedida pelos Clubes P&I, em princípio,


não se confunde com um contrato de seguro, tendo em vista que o instituto consiste na
contribuição de todos os membros em determinado prejuízo suportado por apenas um,
não havendo o pagamento de indenização propriamente dita pelo Clube ao membro. O
Clube P&I funciona basicamente como um administrador/gerenciador do fundo destinado
à garantia de determinados riscos.
Nesse sentido, a 6ª Câmara Cível do TJRJ proferiu relevante Acórdão 101 que faz
tal diferenciação, inclusive, para fins de solidariedade de obrigações para com o segurado.
Transcreva-se, por oportuno, doutrina inglesa, verbis:

[…] a person may belong to a society (such as a P. & I. Club) whose rules do
not entitle him to an indemnity but only to contributions from other members
towards his loss. Since the essence of a contract of insurance is that the insured
should be entitled to an indemnity, it seems that in such a case there cannot be
a contract of insurance.102

Atualmente, os Clubes P&I de maior tradição e com maior representatividade de


cobertura de riscos (90% da frota mundial) pertencem a uma associação denominada
“International Group of P&I Clubs”. São eles: Britannia, Shipowners, West of England,
North of England, London Club Swedish Club, Liverpool & London, Standard Club,
Skuld, Gard, Steamship Mutual, American Club, Japan Club.
Todos os Clubes P&I encontram-se sediados no exterior e têm como órgão
máximo um Conselho de Diretores que são formados por representantes dos membros e
definem a política, o planejamento estratégico e nomeiam os gerentes (managers) que
serão responsáveis pela administração e condução das atividades.
Os managers basicamente podem ser divididos em três principais setores de
atuação: underwriting (especialistas em subscrição de riscos), financing e claims
handling.
Por outro lado, ainda que sediados no exterior, os Clubes P&I possuem
correspondentes em praticamente todos os portos do mundo para prestar o suporte
necessário aos seus membros.
As empresas que pretendem se tornar membro de um Clube P&I e segurar
determinada embarcação devem preencher um formulário de aplicação denominado Entry

101
Apelação Cível nº 0189045-59.2016.8.19.0001 – Rel. Des. Teresa de Andrade Castro Neves – Sexta
Câmara Cível – Data do julgamento: 23/05/2018
102
MCGILLIVRAY; PARKINGTON. Insurance Law. 8th ed. Londres: [s.d.], 1998.
____________________________________________________ 117
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Form contendo, principalmente, as seguintes informações: nome do navio, país de


registro, porto de registro, idade do navio, tipo de navio, tonelagem, nome do membro,
posição do membro (armador, operador, afretador etc.), endereço do membro, sociedade
classificadora, trade da embarcação (liner, tramp, tanker etc.), data de início dos riscos,
nacionalidade da tripulação, nome e endereço dos administradores, agentes, operadores e
brokers, detalhes do Seguro Casco e Máquinas etc.
Note-se que, nesta fase, deve-se observar amplamente o princípio geral do seguro
no que se refere ao fornecimento irrestrito de todas as informações, documentos e
circunstâncias que impactam no risco a ser assumido pelo P&I, o qual, por sua vez, é
lastreado na inafastável boa-fé contratual.
Não obstante a existência de certificados emitidos por Sociedades Classificados
sobre as embarcações cujos riscos pretende-se segurar por um Clube P&I, é praxe a
realização de vistorias por peritos nomeados pelo Clube, tendo em vista que o escopo das
classificadoras é atestar, sobretudo, a observância dos critérios de seaworthiness, ao passo
que o intuito da vistoria designada pelo Clube é avaliar os potenciais focos de
riscos/sinistros, notadamente no que se refere ao transporte de carga, passageiros e
tripulantes.
Note-se, entretanto, que a vistoria por perito nomeado pelo Clube P&I não
necessita ocorrer necessariamente a bordo, podendo ser realizada por meio da análise de
laudos de vistoria recentes.
Com base nas informações e documentos coletados, o formulário de aplicação será
aceito ou rejeitado. Por outro lado, ressalte-se que existe a possibilidade de aceitação de
aplicação ainda que a embarcação apresente grave defeito, sendo certo que será efetuada
ressalva quanto à inexistência de cobertura de prejuízos advindos da referida circunstância
(Defects Warranty).
Destaque-se que a contraprestação dos membros é o pagamento de um prêmio, o
qual é calculado por meio da avaliação dos riscos de sinistro da embarcação segurada.
Nesse aspecto, algumas circunstâncias certamente são levadas em consideração pelos
subscritores tais como: qualidade de gerenciamento dos navios, experiência do armador,
certificados, características da embarcação, áreas de operação, tipo de carga, escopo da
cobertura, solidez financeira do membro etc.
Os Clubes P&I não emitem uma apólice formal para os membros aceitos, sendo
que as coberturas, detalhes de associação, obrigações e condições são definidas e
____________________________________________________ 118
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

estabelecidas pelas Regras do Clube (Club Rules), as quais devem ser lidas e interpretadas
em conjunto com o formulário de aplicação, com os atos constitutivos do Clube P&I
(regulam a relação entre Membros e o Clube), e outras informações e documentos
trocados.
Dentre as coberturas fornecidas pelos Clubes P&I, que, sobretudo, relacionam-se
com responsabilidade civil, vale destacar:
a) despesas de arribada;
b) avarias à propriedade de terceiros, em terra ou no mar, fixa ou flutuante;
c) responsabilidade por avaria, perda ou falta de carga;
d) avarias a outra embarcação decorrentes de abalroação, desde que não cobertas por
apólice de Casco e Máquinas;
e) custos e despesas com remoção de destroços (wreck removal);
f) responsabilidade por perda de vida ou acidente pessoal causado à tripulante, passageiro
ou terceiro;
g) despesas e custos com desertores, clandestinos e refugiados;
h) despesas de salvamento e avaria grossa, desde que não cobertas por apólice de Casco e
Máquinas;
i) multas e indenizações relacionadas à poluição por óleo;
j) despesas incorridas para mitigação de prejuízos que teriam cobertura;

Uma cobertura especial oferecida pelos Clubes P&I denomina-se Freight,


Demurrage & Defense (FD&D), a qual concede cobertura para questões relacionadas a
frete, sobre-estadia e despesas de assistência na condução de reclamações (ex.:
assistência jurídica e de peritos).
Como a cobertura fornecida pelos Clubes P&I trata-se, principalmente, de
responsabilidade civil perante terceiros, o membro é obrigado a notificar imediatamente
a ocorrência de um sinistro e/ou reclamação (Prompt Notice) para que as medidas cabíveis
e adequadas possam ser tomadas em tempo hábil de forma a resguardar os interesses de
ambas as partes (perícias, vistorias, protestos, intervenção de advogados etc.).
Ainda nesse sentido, o membro é obrigado a tomar todas as medidas necessárias
para mitigar eventuais prejuízos cobertos (Sue and Labor), sendo-lhe ainda vedado
reconhecer quaisquer responsabilidades sem a prévia anuência do Clube P&I, sob pena
de perda de direito ao ressarcimento.
____________________________________________________ 119
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1.10 DPEM
O seguro obrigatório DPEM, instituído pela Lei nº 8.374/1991 e regulado pela
Resolução CNSP n° 128/2005 (alterada pelas Resoluções CNSP n°s 152/2006 e
237/2011), tem por finalidade dar cobertura aos danos pessoais causados por embarcações
ou por sua carga às pessoas embarcadas, transportadas ou não transportadas, inclusive aos
proprietários, tripulantes e condutores das embarcações, independentemente da
embarcação estar ou não em operação.
A obrigatoriedade de contratar o DPEM atinge todos os proprietários ou armadores
em geral, de embarcações nacionais ou estrangeiras sujeitas à inscrição nas Capitanias dos
Portos ou repartições a estas subordinadas.
Os danos pessoais cuja cobertura é fornecida pelo referido seguro compreendem
as indenizações por morte (R$ 13.500,00), invalidez permanente (até R$ 13.500,00) e
despesas de assistência médica e suplementares (até R$ 2.700,00).

1.11 Seguro de Transporte Marítimo (Carga)


Conforme anteriormente mencionado, as atividades desenvolvidas no âmbito da
navegação, nestas incluído o transporte marítimo, apresentam consideráveis riscos para
as partes envolvidas.
Nesse sentido, proprietários, armadores, operadores, afretadores e transportadores
procuram o amparo do instituto das coberturas fornecidas pelos seguros de Casco e
Máquinas e pelos Clubes P&I.
No que se refere aos interesses da carga transportada via marítima tampouco há
distinção. Os players (importadores, exportadores, trading companies etc.) deste ramo
específico normalmente contratam seguro de transporte para não suportar riscos de
eventuais prejuízos relacionados à avaria, perda ou falta de suas cargas ocorridas durante
a operação de transporte.
Importante registrar que a responsabilidade pela contratação do seguro é
estabelecida entre as partes no contrato comercial de compra e venda da carga, utilizando-
se para a questão, via de regra, os INCOTERMS,103 os quais definem qual será a parte que
suportará os riscos do transporte marítimo.

103
International Commercial Terms – Câmara Internacional do Comércio.
____________________________________________________ 120
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O seguro do transporte marítimo, de acordo com o tipo de navegação, pode ser


classificado em:
a) seguro marítimo de cabotagem;
b) seguro fluvial, lacustre e no mesmo porto;
c) seguro de viagens internacionais (longo curso – importação ou exportação).
As apólices de seguro relacionadas ao transporte são reguladas pela Circular
SUSEP n° 354/2007, a qual se aplica aos bens segurados em viagens aquaviárias,
terrestres e aéreas, nos percursos nacionais e internacionais e apresenta condições
contratuais padronizadas.104
O Segurado, conforme sua conveniência, pode contratar apólice avulsa (destina-
se a cobrir um único embarque/viagem), apólice de averbação/aberta (destina-se a cobrir
diversos embarques, sendo estes comunicados à Seguradora por meio de formulário ou
meio eletrônico, denominado averbação) ou apólice anual com prêmio fracionado
(destinada a cobrir diversos embarques, com prêmio fixo ou ajustável), sendo que as duas
últimas afiguram-se mais comuns para uma empresa que possui um fluxo considerável e
continuado de negócios que demandam a utilização de transporte.
As condições padronizadas da Circular SUSEP n° 354/2007 apresentam três tipos
de coberturas básicas (A, B e C), as quais podem ser ampliadas com a inserção de
cláusulas adicionais.
A cobertura básica ampla (A – All Risks) oferece a garantia mais abrangente para
eventuais prejuízos à mercadoria objeto do seguro sem enumerar/limitar os riscos, sendo
plenamente indenizáveis as avarias particulares (dano ou perda parcial).
A cobertura básica restrita B abrange uma garantia intermediária sem cobrir tantos
riscos com a All Risks. Referida cobertura garante ao segurado os danos causados ao
objeto segurado exclusivamente por a) incêndio, raio ou explosão; b) encalhe, naufrágio
ou soçobramento do navio ou embarcação; c) capotagem, colisão, tombamento ou
descarrilamento de veículo terrestre; d) abalroamento, colisão ou contato do navio ou
embarcação com qualquer objeto externo que não seja água; e) colisão, queda e/ou
aterrissagem forçada da aeronave, devidamente comprovada; f) descarga da carga em
porto de arribada; g) carga lançada ao mar; h) perda total de qualquer volume, durante as

104
Art. 3º da Circular SUSEP n° 354/2007: “É permitida a inclusão de coberturas não previstas nestas
condições padronizadas, bem como eventuais alterações, observadas as demais disposições desta norma e
de outros normativos específicos.”
____________________________________________________ 121
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
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operações de carga e descarga do navio; e i) perda total decorrente de fortuna do mar e/ou
de arrebatamento pelo mar; j) inundação, transbordamento de cursos d’água, represas,
lagos ou lagoas, durante a viagem terrestre; k) desmoronamento ou queda de pedras,
terras, obras de arte de qualquer natureza ou outros objetos, durante a viagem terrestre; l)
terremoto ou erupção vulcânica; e m) entrada de água do mar, lago ou rio, na embarcação
ou no navio, veículo, “container”, furgão (“liftvan”) ou local de armazenagem.
A cobertura básica restrita C apresenta amplitude de cobertura similar à básica
restrita B, com exclusão dos riscos cobertos descritos nos itens j a m acima.
Importante observar que todas as três coberturas básicas apresentam características
em comum, tais como cobertura para avaria grossa e despesas de salvamento incorridas
pelo Segurado e/ou Beneficiário e excludentes de indenização por perdas, danos ou
despesas decorrentes direta ou indiretamente por atos ilícitos do Segurado e/ou
Beneficiário, inadequação ou insuficiência de embalagem, vício próprio da mercadoria,
atos terroristas, greve etc.
A importância segurada normalmente deve corresponder ao valor da mercadoria
segurada, contudo, é possível que outras verbas como frete, despesas, lucros esperados e
tributos sejam abrangidas, desde que haja cobertura adicional pactuada. 105
Para a contratação do seguro, o segurado deve fornecer as seguintes informações
básicas ao segurador viabilizando a avaliação do risco: descrição e natureza da carga, peso
bruto e líquido, cubagem, embalagem, valor total da mercadoria, local de embarque e
desembarque, transbordo (se houver), modal de transporte, identificação do veículo de
transporte, etc.

1.12 Seguro Obrigatório RCA-C


O Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil do Transportador Aquaviário –
Carga (RCA-C), instituído pelo art. 20, m do Decreto-lei 73/66 e regulado pela Resolução
CNSP nº 182/2008, tem como objetivo garantir o transportador marítimo (segurado), até
o valor da Importância Segurada, o pagamento das reparações pecuniárias, pelas quais,
por disposição de lei, for ele responsável, em virtude de danos materiais sofridos pelos
bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido entregues para
transporte, em viagem aquaviária, nacional, contra conhecimento de transporte aquaviário

105
Dentre outras coberturas adicionais, podem-se citar ainda as específicas para riscos de greve e de guerra.
____________________________________________________ 122
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de carga, ou ainda outro documento hábil, desde que aqueles danos materiais ocorram
durante o transporte e sejam causados diretamente por:
I – encalhe, varação, naufrágio ou soçobramento, do navio ou embarcação;
II – incêndio ou explosão, no navio ou embarcação;
III – abalroação ou colisão, ou contato, do navio ou embarcação com qualquer
corpo fixo ou móvel;
IV – incêndio ou explosão, nos depósitos, armazéns ou pátios usados pelo
Segurado nas localidades de início, pernoite, baldeação e destino da viagem, ainda que os
referidos bens e mercadorias se encontrem fora do navio ou embarcação.
Nos termos da Resolução, o Segurado será exclusivamente empresa brasileira de
navegação autorizada pela ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários a
operar no transporte aquaviário de cargas.
A Resolução CNSP nº 182/2008 prevê, ainda, que o pagamento poderá realizado
pela Seguradora diretamente em favor de terceiro, mediante anuência do segurado.
A Resolução CNSP nº 182/2008 prevê, ainda, extenso rol de riscos não cobertos
pelo Seguro Obrigatório RCA-C, caracterizados por danos às mercadorias decorrentes de
vício próprio, diminuição natural de peso, furto, roubo, extravio, má arrumação e/ou mau
acondicionamento, entre outros.
Estão expressamente excluídos da cobertura danos morais, lucros cessantes e
multas, assim como obrigações fiscais, tributárias e/ou judiciárias, à exceção do valor dos
impostos suspensos e/ou benefícios internos relativos aos bens ou mercadorias
transportadas, desde que contratada a Cobertura Adicional específica.
A importância segurada corresponderá ao valor integral declarado no
conhecimento de embarque e o limite máximo de garantia deverá ser fixado na apólice.

2 Sub-rogação e ressarcimento
Trata-se a sub-rogação de um instituto que, no âmbito do seguro, transfere ao
segurador todos os direitos e ações do segurado, operando-se por meio do pagamento da
indenização securitária.
Dessa forma, ao efetuar o pagamento de indenização securitária decorrente de
sinistro com cobertura prevista na apólice, o segurador sub-roga-se automaticamente até
o montante desembolsado em todos os direitos e ações em face de terceiros causadores do
dano.
____________________________________________________ 123
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A sub-rogação securitária é matéria regulada pelo Código Civil, 106 pelo Código
Comercial107 e, inclusive, já teve sua eficácia pacificada por meio do enunciado n° 188 da
Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 108
Atualmente, ainda há controvérsia acerca de quais direitos e/ou obrigações seriam
transmitidas para o segurador por meio da sub-rogação, particularmente quanto à questão
do Código de Defesa do Consumidor109 (caso aplicável ao segurado), das cláusulas de
eleição de foro110 e das cláusulas compromissórias.111

106
Código Civil
Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
(omissis)
III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.
Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do
primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.
Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações
que competirem ao segurado contra o autor do dano.
107
Art. 728 do Código Comercial: “Pagando o segurador um dano acontecido à coisa segura, ficará sub-
rogado em todos os direitos e ações que ao segurado competirem contra terceiro; e o segurado não pode
praticar ato algum em prejuízo do direito adquirido dos seguradores. ”
108
“O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite
previsto no contrato de seguro. ”
109
“TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIA. SEGURADORA. COBRANÇA. […] Como
cediço, ao efetuar o pagamento da indenização ao segurado em decorrência de danos causados por terceiro,
a seguradora sub-roga-se nos direitos daquele, podendo, dentro do prazo prescricional aplicável à relação
jurídica originária, buscar o ressarcimento do que despendeu, nos mesmos termos e limites que assistiam
ao segurado. Não se desconhece, outrossim, que a seguradora ao sub-rogar-se nos direitos e ações que
competiriam ao segurado contra o autor do dano, faz jus à aplicação de todos os institutos do CDC,
evidentemente, quando no caso da relação originária ser configurada como de consumo. ” BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. AgRg noResp n. 1169418/RJ. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.
Julgado em 06.02.2014.
110
“RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO – AÇÃO DE REGRESSO –
SUB-ROGAÇÃO – CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DO FORO – MATÉRIA PROCESSUAL –
INOPONIBILIDADE AO SUB-ROGADO – AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA EM RELAÇÃO A TODOS
OS FUNDAMENTOS DO V. ACÓRDÃO RECORRIDO – INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DO
ENUNCIADO N. 283 DA SÚMULA/STF – RECURSO NÃO CONHECIDO.
I - O instituto da sub-rogação transfere o crédito apenas com suas características de direito material. A
cláusula de eleição do foro estabelecida no contrato entre segurado e transportador não opera efeitos com
relação ao agente segurador sub-rogado.
II - Acórdão assentado em mais de um fundamento, sem que todos tenham sido objeto de impugnação.
Aplicação, por analogia, da Súmula n. 283/STF.
III - Recurso especial não conhecido. ” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 1038607/SP.
“PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA RELATIVA. FORO DE ELEIÇÃO. DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO. CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO. SUB-ROGAÇÃO DE
EMPRESA SEGURADORA. Válida é a cláusula de eleição de foro fixada em contrato de transporte
marítimo. Precedentes do STJ (RESP 379949). Transfere-se à empresa seguradora, por sub-rogação, a
relação jurídica contratual intacta, incluindo os créditos e suas peculiaridades contratuais. ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento 130439-2, acordam os
Desembargadores componentes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco,
na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas respectivas, à unanimidade de votos, em
dar provimento ao recurso, determinando o envio dos autos do processo originário ao juízo de direito da
Comarca do Rio de Janeiro. Recife, 13 de julho de 2006.” BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.
AI n. 130439-2.
111
“SEGURO – Transporte marítimo de mercadorias – Ação regressiva – Cláusula compromissória
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

De qualquer forma, efetuado o pagamento, o segurador tem legitimidade para


acionar o real causador do dano (transportador, navio abalroador etc.) para ressarcir-se do
valor da indenização, por meio de demanda regressiva de ressarcimento.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO
1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando as partes
envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Qual é o principal objetivo do seguro? Discorra sobre a importância no referido
instituto, notadamente na área marítima.
3. Quais são as coberturas oferecidas na Apólice de Casco e Máquinas de acordo com a
Circular SUSEP n° 085/2001?
4. Identifique três riscos excluídos da cobertura da Apólice de Casco e Máquinas de
acordo com a Circular SUSEP n° 085/2001.
5. A negligência do comandante ou da tripulação da embarcação segurada configura
excludente de cobertura na Apólice de Casco e Máquinas de acordo com a Circular
SUSEP n° 085/2001?
6. Defina Clube P&I e discorra sobre as principais coberturas oferecidas.
7. Discorra sobre a cláusula Sue & Labor.
8. De acordo com a Circular SUSEP n° 354/2007, quais são as coberturas básicas do
seguro de transporte, suas diferenças e similaridades?
9. Discorra sobre sub-rogação securitária e ação regressiva de ressarcimento.

assumida entre a beneficiária dona da carga transportada e a responsável pelo transporte – Eficácia também
em face da empresa seguradora dada a subrogação não somente dos direitos mas também dos deveres
contratualmente assumidos por sua segurada [...] Entre as obrigações assumidas pela segurada, está a
cristalizada naquela cláusula compromissória [...] a segurada não poderia deixar de cumpri-la, acaso, ela
própria, exercitasse [...] ação direta de cobrança [...] Sem sombra de dúvida o ajuste da cláusula
compromissória é do cerne do contrato, isto é, decorreu também do acordo de vontades que desaguou no
conjunto dos pontos assumidos pelas partes contratantes. [...] tendo ajustado a cláusula compromissória,
‘ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência’ (REsp 606.345-RS citado),
vinculação a que se deve sujeitar também a apelada, subrogada tanto nos direitos como nos deveres de sua
segurada. ” BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 7307457000.
“[...] Ação regressiva decorrente de contrato de seguro. Cláusula arbitral instituída com a segurada e não
com as seguradoras. Hipótese em que a resolução de conflitos por arbitragem só obriga as partes contratantes
e não terceiros. Aplicação da legislação estrangeira, por esse mesmo motivo, que só poderia ser reconhecida
em demanda própria entre aqueles que figuram no primitivo contrato de prestação de serviços. Extinção do
processo inadmissível. Impossibilidade de se negar a incidência de lei nacional. [...] As seguradoras vieram
a juízo pleitear direito próprio decorrente do contrato de seguro e não do contrato de prestação de serviços
firmado pela ARACRUZ com a agravante e a co-ré A.B.B. LTDA. A sub-rogação da seguradora não é do
mesmo direito material, por óbvio, porque a origem do seu direito de regresso é o contrato de seguro,
enquanto que o direito da segurada resulta do descumprimento do contrato de prestação de serviços [...]”
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI no. 1.257.807-7.
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

SUGESTÃO DE CASO GERADOR


O navio “Fast Dubay”, após terminar manobra de desatracação, navegava pelo
canal próximo ao cais quando perdeu máquinas e acabou por abalroar o navio “Eagle”, o
qual se encontrava atracado no Porto de Santos em operação de carga/descarga de
containers.
Em virtude do acidente, ambos os navios sofreram avarias estruturais, sendo que
o navio “Eagle” também teve vazamento de óleo combustível ao mar e alguns de seus
containers (bem como as cargas estufadas) foram avariados.

Levando em consideração o cenário acima, responda:

(i) Quais espécies de seguros marítimos poderiam estar envolvidas?

(ii) O Seguro Casco e Máquinas cobriria as avarias estruturais sofridas pelos


navios? Em que hipótese?

(iii) Quais medidas devem ser tomadas pelos Armadores, na condição de


segurados?

(iv) Quais seriam as possíveis ações regressivas de ressarcimento?

(v) Em face de qual parte a seguradora que indenizou os interesses das cargas
avariadas poderia ajuizar ação regressiva de ressarcimento?

REFERÊNCIAS
Bibliográficas Utilizadas
ALVIM, Pedro. Política Brasileira de Seguros. São Paulo: Manuais Técnicos de Seguros,
1980.
ANJOS, J. Haroldo dos; GOMES, Carlos R. C. Curso de Direito Marítimo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1992.

____________________________________________________ 126
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

AZUA, Daniel E. Real de. Transportes e Seguros Marítimo para o exportador. São Paulo:
Aduaneiras, 1987.
BURANELLO, Renato Macedo. Do Contrato de Seguro. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
FIUZA, César. Direito Civil – Curso Completo. 5. ed. Rio de Janeiro: Del Rey, 2002.
GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. 2. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005.
GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Seguros Privados: doutrina, legislação e
jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
HAZELWOOD, Steven J. P&I Clubs: law and practice. Londres: Lloyd’s of London Press
Ltda, 1989.
HUDSON, N. G. ALLEN, J.C. Marine Claims Handbook. Londres: Lloyd’s of London
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LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. 3. ed.
rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.
KEEDI, Samir; MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no Comércio Exterior.
São Paulo: Aduaneiras, 2000.
MARQUES, Fernando José. Direito do Seguro Marítimo: doutrina e jurisprudência. Rio
de Janeiro: FEMAR, 1998.
MCGILLIVRAY; PARKINGTON. Insurance Law. 8th ed. Londres: [s.d.], 1998.
OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Teoria Geral do Contrato de Seguro. V. 1. Campinas:
LZN, 2005.
PEREIRA, Rucemah Leonardo Gomes. Avaria Grossa e Perigo: regras de York e
Antuérpia. 2. ed. Rio de Janeiro: FEMAR, 1998.
SANTOS, Ricardo Bechara. Direito de seguro no novo Código civil e a legislação
própria. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
SILVA, Claudio Ferreira da. Transportes, Seguros e Distribuição Física Internacional
das Mercadorias. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2003.
SIMAS, Hugo. Compêndio de direito marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva & Cia
Editores, 1938.
TZIRULNIK, Ernesto. O contrato de seguro: de acordo com o novo código civil
brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Jurisprudenciais
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 302212/RJ.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 1038607/SP.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. AI n. 130439-2.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n. 55760/2007.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n. 2007.001.56739.
Julgado em 05 de dezembro de 2007.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 983625-0/1.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI n. 1333155-8. Relator:
Desembargador Encinas Manfre. Julgado em 22 de fevereiro de 2005.

Legislativas
BRASIL. Código Civil.
BRASIL. Código Comercial.
BRASIL. Decreto-Lei n° 73, de 21 de novembro de 1966.
BRASIL. Lei nº 8.374, de 30 de dezembro de 1991.
BRASIL. Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996.
BRASIL. Lei Complementar n° 126, de 29 de novembro de 2007.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

AULA VII - Direito Portuário

ROTEIRO DE ESTUDO
1 Histórico / Introdução
A atividade portuária vem sofrendo impactantes alterações legislativas desde
dezembro de 2012 quando a Presidência da República editou a Medida Provisória nº 595
visando alterar o regime jurídico da antiga Lei dos Portos de nº 8.630 de 1993, até então
conhecida pelo meio portuário como um grande marco legislativo e amplamente aclamada
como a Lei de Modernização dos Portos.
A Medida Provisória nº 595 teve a sua vigência iniciada em 06 de Dezembro de
2012 e trouxe à baila muitas polêmicas em razão das enormes alterações no Regime
Jurídico de Exploração dos Portos.
Na exposição de Motivos da referida Medida Provisória, percebe-se o desejo de
mudanças na exploração da atividade portuária, conforme se verifica na transcrição
abaixo, de um trecho da exposição:

1. “Submetemos à apreciação de Vossa Excelência, a proposta de Medida


Provisória que dispõe sobre novo regime de exploração dos portos organizados
e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores
portuários.

2. Os portos brasileiros são responsáveis por 95% (noventa e cinco por


cento) do fluxo de comércio exterior do país, o que demonstra a importância
estratégica do setor. Para fazer frente às necessidades ensejadas pela expansão
da economia brasileira, com ganhos de eficiência, propõe-se modelo baseado
na ampliação da infraestrutura e da modernização da gestão portuária, no
estímulo à expansão dos investimentos do setor privado e no aumento da
movimentação de cargas com redução dos custos e eliminação de barreiras à
entrada.

3. Para a consecução dos objetivos do modelo, faz-se necessário


retomar a capacidade de planejamento no setor portuário, redefinir
competências institucionais da Secretaria de Portos e da Agência Nacional
de Transportes Aquaviários – ANTAQ.”

4. Além disso, é importante aprimorar o marco regulatório, a fim de


garantir maior segurança jurídica e, sobretudo, maior competição no setor.
Nesse sentido, a Medida Provisória proposta altera as Leis nº 10.233, de 5 de
junho de 2001 e nº 10.683, de 28 de maio de 2003, e revoga as Leis nº 8.630,
de 25 de fevereiro de 1993, e nº 11.610, de 12 de dezembro de 2007, lançando
novas bases para o desenvolvimento do setor portuário nacional, calcadas em
regras claras e precisas, que promovam a participação da iniciativa privada com
o Estado, da operação dos terminais portuários.

5. Propomos a adoção do conceito de concessão de uso de bem público


para as instalações portuárias dentro do porto organizado, formalizado em
____________________________________________________ 129
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

contratos de concessão e de arrendamento. Adicionalmente, é proposta a


adoção do regime de autorização para a exploração de instalações portuárias
fora do porto organizado. Serão dois regimes diferentes, um associado a uma
infraestrutura pública (concessão e arrendamento) e outro a uma infraestrutura
privada (autorização).

6. O regime de exploração dentro do porto organizado terá como condição


de exploração – tanto para concessão quanto para o arrendamento – a
participação em processo de licitação, no qual poderá ser adotada a modalidade
leilão. O critério de licitação, nesses casos, será, dentre outros requisitos, a
maior movimentação de carga com a menor tarifa. Pretende-se, com isso,
garantir o aumento da oferta com os menores custos possíveis. O prazo de
exploração do porto organizado e da instalação portuária nele localizada será
de 25 anos, prorrogável por no máximo igual período. Ao final do prazo
contratual, os bens e instalações reverterão ao poder concedente para nova
licitação.

7. A exploração fora do porto organizado será mediante autorização,


formalizada em contrato de adesão a ser celebrado entre o interessado e a
SEP. O prazo das autorizações também será de 25 anos, mas passível de
sucessivas prorrogações, desde que o autorizatário se comprometa com
investimentos e dê continuidade às atividades de operação portuária na
instalação. Como regra geral – e para garantir publicidade e transparência ao
setor –, todas as autorizações serão precedidas de chamada pública. O objetivo
das chamadas públicas será divulgar a existência de interesse na obtenção de
autorização para construção e exploração de instalação portuária. Sempre que
houver necessidade, esta será promovido processo de seleção público, a ser
disciplinado por ato do Poder Executivo.

8. O novo marco proposto elimina a distinção entre movimentação de


carga própria e carga de terceiros como elemento essencial para a
exploração das instalações portuárias autorizadas. Nada obstante a
existência de dois regimes – um dentro do porto e outro fora dele – a
exploração dos portos organizados e instalações será por conta e risco dos
investidores.112”

Nos últimos 20 anos tivemos um histórico de crescentes mutações na atividade


portuária e em seu marco regulatório: em 1993 o regime jurídico da atividade portuária
foi completamente alterado com a edição da Lei de Modernização dos Portos (Lei nº
8.630/1993); nos anos seguintes, a criação da ANTAQ em 2001 (Lei nº 10.233) e da
Secretaria de Portos - SEP em 2007 (Lei nº 11.518); em 2008 adveio a publicação do
Decreto nº 6.620 e, finalmente, em 2012 a publicação da Medida Provisória nº 595.
A partir de fevereiro de 2013, com a Medida Provisória 595 em vigência e
tramitando junto ao Congresso Nacional para apreciação pela Comissão Mista, formada
por Deputados e Senadores, a atividade portuária tornou-se matéria quase que diária na
mídia nacional.

112
EM Interministerial nº 00012-A - SEP-PR /MF/MT/AGU.
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Às vésperas de perder a sua validade, a Medida Provisória nº 595 foi aprovada


pela Câmara dos Deputados após 40 horas de votação - a mais longa dos últimos 40 anos
da história política do país. 113 Apesar dos debates polêmicos, a medida foi aprovada nas
duas casas do Congresso em Maio de 2013.
No dia 05 de Junho de 2013, a Presidente da República sancionou a Medida
Provisória dos Portos, com 13 vetos, iniciando assim a vigência da nova Lei dos Portos,
a Lei 12.815/2013.
Um dos principais vetos presidenciais em relação à medida provisória aprovada
no Congresso Nacional referia-se a um dispositivo que tratava da criação do terminal-
indústria.
Na justificativa, o governo alegava que o conceito do terminal indústria retomaria
a distinção entre a movimentação de carga própria e de terceiros, "cuja eliminação era
uma das principais finalidades do novo marco legal para o setor portuário.".
A Nova Lei dos Portos se apresentou como uma forma de garantir a abertura e a
competitividade do setor e afastar qualquer insegurança jurídica dos investidores,
permitindo que os antigos terminais privativos, agora denominados terminais privados,
pudessem movimentar cargas de terceiros, e não apenas escoar eventual produção própria,
em livre concorrência com os terminais públicos licitados.
Entretanto, há que se destacar que, nos últimos vinte anos, a geração de
investimentos em infraestrutura e a modernização da operação por meio da aquisição pelo
setor privado de equipamentos mais modernos e eficientes, permitindo operações mais
ágeis e a consequente redução do tempo de permanência dos navios no porto, foram
decorrências diretas da antiga Lei dos Portos (Lei nº 8.630 de 1993).
É sabido que até o ano de 1993 o Estado detinha não apenas a administração dos
portos como também a operação direta. Porém este formato não se mostrava adequado às
necessidades do mercado, tanto que os portos ficaram sucateados e ineficientes por muitos
anos quer seja pela falta de investimento como pela pequena participação do capital
privado.

113
Mais detalhes sobre a votação podem ser encontrados em: Câmara dos Deputados. Henrique Alves
comemora aprovação de MP dos Portos, após 40 horas de votações. 15/05/13. Disponível em
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/442611-HENRIQUE-ALVES-
COMEMORA-APROVACAO-DE-MP-DOS-PORTOS,-APOS-40-HORAS-DE-VOTACOES.html>.
Acesso em 05/08/2013
____________________________________________________ 131
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Com o advento do Regime Jurídico preconizado na Lei nº 8.630/93, as


Companhias Docas de todo o Brasil (em geral sociedades de economia mista com
participação da União) passaram a administrar a atividade portuária, como autoridades
portuárias, arrendantes de terminais públicos, através de licitação, onde as vencedoras —
empresas privadas — passaram a realizar diretamente a operação portuária, sempre
respeitando as regras do contrato de arrendamento de caráter publico.
Além dos terminais públicos, o cenário portuário contava também com a operação
dos terminais de uso privativos exclusivos que movimentavam carga própria e os
terminais de uso privativos mistos que movimentavam cargas próprias e de terceiros.
A ruptura com o antigo regime, onde o Estado detinha o controle praticamente
absoluto da atividade portuária, foi um grande passo para a modernização dos portos.
No entanto, com o passar dos anos, este modelo inicialmente festejado pelo setor,
se mostrou inadequado frente ao aumento de demandas do mercado mundial, gerando os
chamados “gargalos logísticos”, fato que exigia nova solução regulatória.
É previsível que mudanças regulatórias nunca ocorram de forma pacífica e a
atividade portuária não foi exceção, principalmente com as mudanças radicais ocorridas
no setor após a Lei de Modernização dos Portos de 1993.
Com a edição do Decreto nº 6.620 em 2008, os terminais privativos sofreram
restrições para movimentar cargas de terceiros, e, portanto, ficaram impedidos de explorar
a atividade portuária em concorrência com os terminais de uso público.
Este modelo foi amplamente modificado pela já citada Medida Provisória nº 595
de 2012, aprovada no Congresso Nacional e Convertida na Lei nº 12.815 de 5 de Junho
de 2013 (sancionada pela Presidente da República com vetos a alguns dispositivos
acrescentados e alterados pelo poder Legislativo).
Não se pode deixar de observar que as mudanças regulatórias do setor portuário
ocorreram por meio de mecanismos legislativos inerentes ao Poder Executivo, primeiro
através de Decreto em 2008 que limitou a participação do capital privado e,
posteriormente, com a Medida Provisória n. 595 de 2012 que permitiu um maior
protagonismo dos terminais privados.
Destarte, em quatro anos vimos o setor alterar substancialmente o seu regramento
jurídico, de início preservando o mercado para os terminais públicos, e em seguida
ampliando a possibilidade de concorrência dos terminais privados.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

É certo que essa nova legislação, ainda em fase prematura de implantação, tem
sido alvo de muitos debates pelo setor e farta regulamentação.

2 A Nova Legislação Portuária - Lei nº 12.815/2013


A Lei 12.815 de 5 de Junho de 2013 encontra-se dividida em nove capítulos e
setenta e seis artigos, e introduziu novos conceitos em seu artigo 2º, senão vejamos:

“I - porto organizado: bem público construído e aparelhado para atender a


necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de
movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações
portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária;

II - área do porto organizado: área delimitada por ato do Poder Executivo que
compreende as instalações portuárias e a infraestrutura de proteção e de acesso
ao porto organizado;

III - instalação portuária: instalação localizada dentro ou fora da área do porto


organizado e utilizada em movimentação de passageiros, em movimentação ou
armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte
aquaviário;

IV - terminal de uso privado: instalação portuária explorada mediante


autorização e localizada fora da área do porto organizado;

V - estação de transbordo de cargas: instalação portuária explorada mediante


autorização, localizada fora da área do porto organizado e utilizada
exclusivamente para operação de transbordo de mercadorias em embarcações
de navegação interior ou cabotagem;

VI - instalação portuária pública de pequeno porte: instalação portuária


explorada mediante autorização, localizada fora do porto organizado e utilizada
em movimentação de passageiros ou mercadorias em embarcações de
navegação interior;

VII - instalação portuária de turismo: instalação portuária explorada


mediante arrendamento ou autorização e utilizada em embarque, desembarque
e trânsito de passageiros, tripulantes e bagagens, e de insumos para o
provimento e abastecimento de embarcações de turismo;

VIII - (VETADO):

a) (VETADO);

b) (VETADO); e

c) (VETADO);

IX - concessão: cessão onerosa do porto organizado, com vistas à


administração e à exploração de sua infraestrutura por prazo determinado;

X - delegação: transferência, mediante convênio, da administração e da


exploração do porto organizado para Municípios ou Estados, ou a consórcio
público, nos termos da Lei nº 9.277, de 10 de maio de 1996;

____________________________________________________ 133
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

XI - arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura públicas


localizadas dentro do porto organizado, para exploração por prazo
determinado;

XII - autorização: outorga de direito à exploração de instalação portuária


localizada fora da área do porto organizado e formalizada mediante contrato de
adesão; e

XIII - operador portuário: pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as


atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem
de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, dentro da
área do porto organizado.”

2.1 Terminais de Uso Privado


A grande distinção conceitual que separa o novo do antigo marco regulatório
reside na definição e nomenclatura atinentes aos antigos terminais privativos, que hoje
são denominados Terminais de Uso Privado (TUP) e não estão mais sujeitos à
obrigatoriedade de movimentação de carga própria (carga produzida pela própria empresa
como parte da cadeia de produção). Cabe destacar ainda que, a Nova Lei designou como
terminal de uso privado apenas as instalações portuárias localizadas fora da área do porto
organizado.

Portanto, instalação portuária de propriedade do particular localizada fora da área


do porto organizado poderá ser explorada mediante simples autorização da SEP a ser

____________________________________________________ 134
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

obtida mediante requerimento pelo interessado junto à ANTAQ. Após o cumprimento de


todo o trâmite legal exigido,114 a Secretaria de Portos, na qualidade de Poder Concedente,
com interveniência da ANTAQ, poderá então celebrar o contrato de adesão com o
requerente.
A nova lei também determinou em seu artigo 8º que serão exploradas mediante
autorização, além do terminal de uso privado, as seguintes instalações localizadas fora do
porto organizado: a) estação de transbordo de carga; b) instalação portuária pública de
pequeno porte e c) instalação portuária de turismo.
De acordo com informações da SEP 115e da ANTAQ116, desde a publicação da Lei
12.815 em 06/06/13 até 31/03/16 foram autorizados pela SEP um total de 51 instalações
portuárias, sendo 35 terminais de uso privado, 14 estações de transbordo de carga e 2
instalações portuárias de turismo. 117 Da leitura dos contratos de adesão celebrados em
relação aos terminais de uso privado observam-se alguns aspectos limitadores, tais
como:118
- cada contrato prevê expressamente o tipo de carga a ser movimentada e/ou
armazenada;
- alterações quanto ao tipo de carga movimentada ou capacidade de sua
movimentação e armazenagem devem ser autorizadas pela SEP;
- para iniciar a operação da instalação portuária é necessária a emissão do "Termo
de Liberação de Operação" (TLO)119 pela ANTAQ.
- a operação deve ser iniciada dentro do prazo previsto em cronograma, sob pena
de aplicação de penalidades pela ANTAQ;
- a autorizada deve enviar relatórios periódicos à ANTAQ informando o estágio
das obras;
- o uso da infraestrutura do porto organizado deve ser devidamente remunerado;

114
A Resolução da ANTAQ nº 3.290 de 14 de fevereiro de 2014 dispõe sobre procedimento para obtenção
da autorização referente à terminais de uso privado, estação de transbordo de carga, instalação portuária
pública de pequeno porte e de instalação portuária de turismo. No anexo da referida Resolução consta um
modelo de requerimento de autorização.
115
Informações detalhadas podem ser encontradas em tabela disponibilizada pela SEP em <
http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/investimentos/itens/tabela-de-tups-31-03-
2016_atualizada.pdf/view > . Acesso em 27/06/2016
116
A relação e visualização de todos os contratos está disponível no sítio eletrônico da ANTAQ em <
http://www.antaq.gov.br/Portal/Instalacoes_Portuarias.asp >. Acesso em 27/06/2016
118
Idem.
119
O Termo de Liberação de Operação só é emitido após o cumprimento das etapas descritas no artigo 27
da Resolução da ANTAQ 3.290 de 14 de fevereiro de 2014.
____________________________________________________ 135
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

- deve ser prestada garantia de execução contratual no percentual de 2% do valor


global do investimento pela autorizada. Desse valor, 80% serão devolvidos a partir da
emissão do TLO e 20% quando ocorrer o termo do contrato;
Ainda, é possível notar que à ANTAQ caberá, em síntese, fiscalizar a realização
das obras, a operação e prestação dos serviços pela instalação portuária, podendo exigir a
observância das cláusulas contratuais e aplicar sanções quando for preciso, conforme
Resolução n. 3274 de 2014 publicada pela ANTAQ. 120

2.2 Concessão e Arrendamento


Importante ressaltar ainda a distinção que a lei trouxe em relação aos conceitos de
concessão e arrendamento, deixando claro que a concessão é cessão onerosa do próprio
porto organizado (administração e exploração de sua infraestrutura), enquanto que o
arrendamento é a cessão onerosa de área localizada dentro do porto organizado, portanto,
cessão de apenas uma parcela do porto que pode ser denominada como instalação
portuária ou terminal de uso público, ambas cedidas à iniciativa privada mediante
procedimento licitatório.
De acordo com o artigo 17 da nova lei dos portos, a administração do porto poderá
ser exercida diretamente pela: i) União; ii) pela delegatária (transferência através de
convenio para Municípios, Estados ou Consórcios Públicos) ou iii) pela entidade
concessionária do porto organizado (por meio de licitação).

2.3 Operador Portuário


Cabe destacar ainda que, as operações portuárias dentro do porto organizado
devem ser realizadas por intermédio de operadores portuários. O operador portuário se
constitui em empresa criada especialmente para a exploração da atividade portuária, mas
que não detém um terminal arrendado, ou seja, não possui uma área fixa para atuar, mas
se pré-qualifica junto à autoridade portuária para exercer as atividades de movimentação
de passageiros ou mercadorias (embarque, desembarque e armazenagem) em área de cais
público, que em geral são administradas pela concessionária do porto organizado, mas

120
Ver art. 11 da Resolução nº 3274 da ANTAQ de 6 de fevereiro de 2014. Ainda, de acordo com o art. 3º
da Resolução nº 3259 da ANTAQ de 30 de janeiro de 2014 "Cabe à ANTAQ fiscalizar e regular a prestação
de serviços de transportes aquaviários e a exploração da infraestrutura aquaviária e portuária, de ofício ou
mediante Ação Fiscalizadora, zelando pelo cumprimento de todos os dispositivos legais, regulamentares e
instrumentos contratuais sob sua regulação, em especial a adequada prestação do serviço ou exercício da
atividade.".
____________________________________________________ 136
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

que por alguma razão operacional, econômica ou estratégica, não foram arrendadas e por
isso podem ser utilizadas por qualquer operador portuário.
A qualificação dos operadores portuários, anteriormente à edição da Lei 12.815,
seguia norma editada por cada Companhia Docas em seu porto respectivo, hoje,
entretanto, há uma regra geral, a Portaria da SEP n. 111 de 07 de Agosto de 2013.

2.4 OGMO – Órgão Gestor de Mão de Obra e o Trabalho Portuário


Os OGMOs foram introduzidos pela Lei 8.630 de 1993, como alternativa ao
fornecimento de mão de obra avulsa por meio dos Sindicatos, modalidade até então
praticada pelo setor. Portanto, a antiga lei dos portos foi responsável pela criação destas
entidades sem fins lucrativos e de utilidade pública.121
Cada porto organizado passou a ter o seu próprio OGMO, constituído por meio da
união dos trabalhadores portuários daquela localidade, ficando o referido órgão
responsável pela gestão da mão de obra portuária. 122

A nova lei dos portos, Lei nº 12.815 de 2013 praticamente repete o modelo
aplicado a partir de 1993 e em seu artigo 32 prevê que, os operadores portuários deverão
constituir, em cada porto organizado, um órgão de gestão de mão de obra do trabalho
portuário destinado a:

 manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e o registro


do trabalhador portuário avulso;

 treinar e habilitar profissionalmente o trabalhador portuário, inscrevendo-


o no cadastro;

 selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso;

 estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso ao


registro do trabalhador portuário avulso;

 expedir os documentos de identificação do trabalhador portuário; e

 arrecadar e repassar aos beneficiários os valores devidos pelos operadores


portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso.

121
Conforme disposto na Lei nº 8.630/1993, art. 25 e hoje tratado na Lei nº 12.815/2013 em seu art. 32 e
seguintes.
122
O órgão gestor de mão de obra possui uma diretoria executiva e um conselho de supervisão, cuja
composição deve observar o disposto no art. 38, §1º e §2º do Decreto nº 8.033 de 27 de junho de 2013, bem
como na Portaria nº 252 de 6 de dezembro de 2013 da Secretaria de Portos.
____________________________________________________ 137
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

 Aplicar aos TPAs, quando couber: a) repreensão verbal ou por escrito; b)


suspensão do registro pelo período de 10 (dez) a 30 (trinta) dias; ou c)
cancelamento do registro;

 Formar profissionalmente o trabalhador portuário e o trabalhador portuário


avulso;

 Promover treinamento multifuncional do trabalhador portuário e do


trabalhador portuário avulso; e

 zelar pelas normas de saúde, higiene e segurança no trabalho portuário


avulso; e

 responder, solidariamente com os operadores portuários, pela remuneração


devida ao trabalhador portuário avulso e pelas indenizações decorrentes de
acidente de trabalho.

Por ser considerado como dotado de utilidade pública 123, o OGMO não pode ter
fins lucrativos, prestar serviços a terceiros ou exercer atividades não vinculadas às suas
finalidades. 124
No que diz respeito ao pagamento da remuneração devida ao trabalhador portuário
avulso, a mesma deve ser recolhida pelo operador portuário ao OGMO, cabendo a este
último efetuar o pagamento ao trabalhador. Destaque-se que o operador portuário e o
OGMO são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos encargos trabalhistas, das
contribuições previdenciárias e demais obrigações. 125
Em resumo, o escopo precípuo da criação dos OGMOs foi contribuir para a
modernização do sistema portuário brasileiro, garantindo mão de obra especializada aos
operadores portuários e zelando pela melhoria da qualidade do treinamento e vida do
trabalhador.
Importante destacar que, a adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro de um
sistema de gestão unificada de mão de obra portuária avulsa – OGMOs - facilita a
observância das normas estabelecidas na Convenção nº 137 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT).

123
Sobre a utilidade pública do OGMO, que já era reconhecida desde a antiga lei, ver TRT-2. Recurso
Ordinário 323200844202002/SP. Rel. Des. Rovirso Aparecido Boldo, 8ª Turma, julgado em 28/05/2010.
Na ementa do julgado lê-se que "[...] O OGMO é entidade civil de utilidade pública, sem fins lucrativos,
constituída por operadores portuários, e tem como finalidade administrar o fornecimento de mão de obra
do trabalhador avulso portuário. [...].".
124
Lei nº 12.815/2013, art. 39.
125
Lei nº 12.815/2013, Artigo 33, inciso , § 2º; Lei Lei nº 9.719/1998, art. 2º,I e §4º.
____________________________________________________ 138
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

2.5 O Trabalho Portuário e suas categorias


As várias atividades do trabalho portuário nos portos organizados permanecem
divididas em seis categorias distintas denominadas: (i) capatazia; (ii) estiva; (iii)
conferência de carga; (iv) conserto de carga; (v) vigilância de embarcações e (vi) bloco.
As atividades desenvolvidas por cada uma dessas categorias encontram-se
descritas no artigo 40, § 1º, da Lei nº 12.815/2013 da seguinte forma:
I - capatazia: atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro
do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de
volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o
carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento
portuário;
II - estiva: atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões
das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o transbordo, arrumação, peação e
despeação, bem como o carregamento e a descarga, quando realizados com equipamentos
de bordo;
III - conferência de carga: contagem de volumes, anotação de suas características,
procedência ou destino, verificação do estado das mercadorias, assistência à pesagem,
conferência do manifesto e demais serviços correlatos, nas operações de carregamento e
descarga de embarcações;
IV - conserto de carga: reparo e restauração das embalagens de mercadorias, nas
operações de carregamento e descarga de embarcações, reembalagem, marcação,
remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura de volumes para vistoria e posterior
recomposição;
V - vigilância de embarcações: atividade de fiscalização da entrada e saída de
pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo, bem como da
movimentação de mercadorias nos portalós, rampas, porões, conveses, plataformas e em
outros locais da embarcação; e
VI - bloco: atividade de limpeza e conservação de embarcações mercantes e de
seus tanques, incluindo batimento de ferrugem, pintura, reparos de pequena monta e
serviços correlatos.
Conforme o disposto no artigo 40 da Lei nº Lei 12.815 de 2013, o trabalho
portuário desenvolvido pelas categorias listadas acima, nos portos organizados, poderá

____________________________________________________ 139
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

ser realizado por trabalhadores portuários com vínculo empregatício a prazo


indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos.
O trabalho portuário na modalidade avulsa é desenvolvido por trabalhadores
registrados nos OGMOs e complementarmente pelos cadastrados,126 que se candidatam
ao trabalho no local de escalação do porto (conhecido como parede), concorrendo com
outros trabalhadores de sua categoria aos serviços disponíveis naquele momento.
Essa escalação é de responsabilidade OGMO e feita por meio de um sistema de
rodízio,127 de modo a garantir o acesso ao trabalho, de maneira igualitária, a todos os
trabalhadores que se apresentem para a escalação.
Por sua vez, o trabalho das categorias de capatazia, bloco, estiva, conferência de
carga, conserto de carga e vigilância de embarcações, realizado por trabalhadores com
vínculo empregatício a prazo indeterminado — regulado pelo Parágrafo Segundo do
artigo 40, da Lei nº 12.815 de 2013 — terá que ser feito exclusivamente dentre
trabalhadores portuários avulsos registrados.128
Sobre o tema, o TST já se pronunciou no sentido de que cabe ao operador
portuário, de modo discricionário, decidir qual forma de trabalho - com vínculo
empregatício a prazo indeterminado ou por trabalhador avulso- é mais benéfica aos seus
interesses, posto que a lei não estabelece nenhuma ordem de preferência entre elas.
Note-se que, a nova lei trouxe relevante modificação quanto ao artigo 40,
acrescentando exclusividade para a contratação a vínculo empregatício, também em
relação às categorias de capatazia e bloco, que na antiga lei haviam sido expressamente
excepcionadas.
Sobre a contratação a vínculo de trabalhadores portuários, há algumas
interpretações: (i) os trabalhadores que possuam apenas o cadastro no OGMO não
poderiam ser contratados com vínculo empregatício a prazo indeterminado, a
exclusividade se daria apenas aos trabalhadores registrados; e (ii) não poderia haver a
contratação a vínculo, de trabalhadores fora do sistema portuário, ou seja, que não fossem
registrados no OGMO; (iii) que lançado edital para contratação a vinculo empregatício,
não havendo trabalhadores portuários avulsos registrados e nem cadastrados interessados

126
Lei nº 9.719/1998, art. 4º.
127
Lei nº 9.719/1998, art. 5º.
128
Sobre a taxatividade das categorias elencadas no artigo 40,§2º da nova lei dos portos, ver o julgado:
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Segunda Região. RO n. 00020823120125020445. Sexta Turma.
Julgado em 11 de fevereiro de 2014.
____________________________________________________ 140
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

na contratação a vínculo, poderia o empregador contratar trabalhadores fora do sistema


do OGMO.
Quanto à contratação fora do sistema OGMO, há jurisprudência pacífica no TST
no sentido de que a contratação deve ser feita prioritariamente com trabalhadores avulsos
registrados e cadastrados, de forma que apenas quando as vagas ofertadas não forem
preenchidas será lícita a contratação fora do OGMO. 129
A dificuldade de empregar mão de obra avulsa se dá em grande parte em razão da
ausência de subordinação, de vinculação direta, pois a cada operação, em turno de seis
horas, há a escalação de trabalhadores diferentes para a execução dos serviços. Logo, não
há uma vinculação pautada na confiança e comprometimento que se pretende obter na
relação de trabalho, no relacionamento entre o empregador e empregado.
Ademais, para cada operação de seis horas, o operador portuário fica obrigado a
requisitar junto ao OGMO um terno de trabalhadores de cada categoria. A expressão
“terno” é a designação histórica para equipe de trabalhadores, cujo número de
componentes não é pré-definido na lei, pois esta optou por tratar a matéria como parte da
negociação coletiva entre os interessados (trabalhador portuário avulso e operador
portuário),.No entanto, o consenso acerca do número adequado de trabalhadores a compor
o terno para cada operação não é tarefa fácil.
No passado a adoção do regime de trabalho avulso se justificava pela pouca
frequência de navios e operações realizadas, mas com o crescimento e desenvolvimento
da atividade portuária, esta modalidade de contratação passou a ter menor relevância.
Atualmente, alguns operadores portuários vêm optando por desenvolver o trabalho
portuário utilizando exclusivamente trabalhadores com vínculo empregatício, deixando
de utilizar o trabalho portuário na modalidade avulsa.
Essa opção tem causado a insatisfação de várias das categorias de trabalhadores
portuários, que por meio dos seus Sindicatos e também em ações individuais, vêm
discutindo perante o Judiciário a possibilidade, ou não, da utilização da mão de obra
apenas de trabalhadores com vínculo empregatício, dispensada a utilização de mão de
obra avulsa. 130

129
Ver: TST. AIRR 232-07.2010.5.01.0067. Rel. Min. Fernando Eizo Ono, julgado em 10/06/2015, 4ª
Turma, publicado em DEJT 03/07/2015.; TST. AIRR 24400-33.2010.5.17.0001. Rel. Min. Fernando Eizo
Ono, julgado em 01/10/2014, 4ª Turma, plubicado em DEJT 10/10/2014.;
130
Neste sentido verificar os seguintes julgados: BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Sexta Região.
Tribunal Pleno. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Sexta Região. 00185-2004-000-06-00-1. Julgado
em 20 de janeiro de 2005. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Primeira Região. Seção Especializada
____________________________________________________ 141
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

2.6 Administração Portuária


De acordo com a Nova Lei dos Portos a administração dos portos deverá ser
exercida atraves de algumas modalidades: i) diretamente pela União; ii) pela delegatária
ou iii) por entidade concessionária do porto organizado.
A administração do porto organizado é também denominada autoridade portuária,
e anteriormente detinha a competência para realizar as licitações de terminais de uso
público e celebrar os contratos de arrendamento, hoje tais competencias foram transferidas
respectivamente para Antaq e SEP.
Apesar de ter perdido algumas de suas competências típicas, conforme disposto no
art. 17,§1º da L. 12815/13 a administração do porto ainda esta obrigada a:
I - cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos e os contratos de concessão;
II - assegurar o gozo das vantagens decorrentes do melhoramento e aparelhamento
do porto ao comércio e à navegação;
III - pré-qualificar os operadores portuários, de acordo com as normas estabelecidas
pelo poder concedente;
IV - arrecadar os valores das tarifas relativas às suas atividades;
V - fiscalizar ou executar as obras de construção, reforma, ampliação,
melhoramento e conservação das instalações portuárias;
VI - fiscalizar a operação portuária, zelando pela realização das atividades com
regularidade, eficiência, segurança e respeito ao meio ambiente;

VII - promover a remoção de embarcações ou cascos de embarcações que possam


prejudicar o acesso ao porto;

VIII - autorizar a entrada e saída, inclusive atracação e desatracação, o fundeio e o


tráfego de embarcação na área do porto, ouvidas as demais autoridades do porto;
IX - autorizar a movimentação de carga das embarcações, ressalvada a competência
da autoridade marítima em situações de assistência e salvamento de embarcação, ouvidas
as demais autoridades do porto;
X - suspender operações portuárias que prejudiquem o funcionamento do porto,
ressalvados os aspectos de interesse da autoridade marítima responsável pela segurança
do tráfego aquaviário;

em Dissídios Individuais. Mandado de Segurança n. 07038-2008-000-01-00-3. Julgado em 02 de abril de


2009.

____________________________________________________ 142
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

XI - reportar infrações e representar perante a ANTAQ, visando à instauração de


processo administrativo e aplicação das penalidades previstas em lei, em regulamento e
nos contratos;
XII - adotar as medidas solicitadas pelas demais autoridades no porto;
XIII - prestar apoio técnico e administrativo ao conselho de autoridade portuária e
ao órgão de gestão de mão de obra;
XIV - estabelecer o horário de funcionamento do porto, observadas as diretrizes da
Secretaria de Portos da Presidência da República, e as jornadas de trabalho no cais de uso
público; e
XV - organizar a guarda portuária, em conformidade com a regulamentação
expedida pelo poder concedente.
A administração do porto tem como órgão consultivo o Conselho de Autoridade
Portuária (CAP), o qual deve ser instituído em cada porto organizado.

2.7 Planejamento Portuário


Existem dois mecanismos distintos de planejamento portuário: em âmbito nacional
temos o Plano Geral de Outorgas - PGO e em âmbito regional (em cada porto), o Plano
de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto, o chamado PDZ, este plano era
anteriormente elaborado pela autoridade portuária local (Companhias Docas) e submetido
a aprovação do Conselho de Autoridade Portuária. Com o novo marco regulatório, a
competência para elaborar o PDZ continua sendo das autoridades portuárias, porém a
aprovação deverá ser submetida à Secretaria de Portos.131
A Portaria da SEP nº 3 de 7 de janeiro de 2014132 estabelece as diretrizes para
elaboração e revisão do PDZ e PGO, trazendo o seu conceito no art. 1º, III e IV :
Art. 1º - São instrumentos de planejamento do setor portuário nacional, de
caráter contínuo:

II - O Plano de Desenvolvimento e Zoneamento - PDZ - instrumento de


planejamento operacional da Administração Portuária, que compatibiliza as
políticas de desenvolvimento urbano dos municípios, do estado e da região
onde se localiza o porto, visando, no horizonte temporal, o estabelecimento de
ações e de metas para a expansão racional e a otimização do uso de áreas e
instalações do porto, com aderência ao Plano Nacional de Logística Portuária -
PNLP e respectivo Plano Mestre.

131
Lei 12.815/2013, Art 17º §2º. A competência para elaborar o plano Geral de Outorgas - PGO é da
Secretaria de Portos da Presidência da República conforme Decreto nº 8.033/2013, Art. 2º, I.
132
A Portaria SEP nº 206/2014 alterou o Anexo I da Portaria SEP 03/2014. Já a Portaria SEP nº 499/2014
além de modificar o Anexo I alterou também a redação do art. 2º,PÚ, art. 3º,PÚ e art. 9º,§1º.
____________________________________________________ 143
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

IV - O Plano Geral de Outorgas - PGO - instrumento de planejamento de Estado


que consiste em um plano de ação para a execução das outorgas de novos portos
ou terminais públicos e privados, reunindo a relação de áreas a serem
destinadas à exploração portuária nas modalidades de arrendamento,
concessão, autorização e delegação, com respectivos horizontes de
implantação, tomando como base o planejamento do Poder Concedente, das
Administrações Portuárias e da iniciativa privada.

Ainda, de acordo com o art. 11 da portaria supracitada, o PDZ tem como objetivo
geral promover a modernização do porto e sua integração com os demais meios de
transporte.
Dentro dos portos organizados, a autoridade portuária interage com outras
autoridades, quais sejam: autoridade marítima (Capitania dos Portos) e autoridade
aduaneira (Receita Federal), esta interação está expressamente prevista na Lei, nos
seguintes termos:

Art. 18. Dentro dos limites da área do porto organizado, compete à


administração do porto:

I - sob coordenação da autoridade marítima:

a) estabelecer, manter e operar o balizamento do canal de acesso e da bacia de


evolução do porto;

b) delimitar as áreas de fundeadouro, de fundeio para carga e descarga, de


inspeção sanitária e de polícia marítima;

c) delimitar as áreas destinadas a navios de guerra e submarinos, plataformas e


demais embarcações especiais, navios em reparo ou aguardando atracação e
navios com cargas inflamáveis ou explosivas;

d) estabelecer e divulgar o calado máximo de operação dos navios, em função


dos levantamentos batimétricos efetuados sob sua responsabilidade; e

e) estabelecer e divulgar o porte bruto máximo e as dimensões máximas dos


navios que trafegarão, em função das limitações e características físicas do cais
do porto;

II - sob coordenação da autoridade aduaneira:

a) delimitar a área de alfandegamento; e

b) organizar e sinalizar os fluxos de mercadorias, veículos, unidades de cargas


e de pessoas.

A Lei prevê ainda que, a entrada ou a saída de mercadorias procedentes do exterior


ou a ele destinadas somente poderá efetuar-se em portos ou instalações portuárias
alfandegados. O alfandegamento destas áreas depende de efetivo cumprimento dos
requisitos previstos na legislação específica.

____________________________________________________ 144
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

As repartições aduaneiras têm suas competências previstas no artigo 24 da nova Lei


dos Portos, senão vejamos:

Art. 24. Compete ao Ministério da Fazenda, por intermédio das repartições


aduaneiras:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação que regula a entrada, a permanência e


a saída de quaisquer bens ou mercadorias do País;

II - fiscalizar a entrada, a permanência, a movimentação e a saída de pessoas,


veículos, unidades de carga e mercadorias, sem prejuízo das atribuições das
outras autoridades no porto;

III - exercer a vigilância aduaneira e reprimir o contrabando e o descaminho,


sem prejuízo das atribuições de outros órgãos;

IV - arrecadar os tributos incidentes sobre o comércio exterior;

V - proceder ao despacho aduaneiro na importação e na exportação;

VI - proceder à apreensão de mercadoria em situação irregular, nos termos da


legislação fiscal;

VII - autorizar a remoção de mercadorias da área portuária para outros locais,


alfandegados ou não, nos casos e na forma prevista na legislação aduaneira;

VIII - administrar a aplicação de regimes suspensivos, exonerativos ou


devolutivos de tributos às mercadorias importadas ou a exportar;

IX - assegurar o cumprimento de tratados, acordos ou convenções


internacionais no plano aduaneiro; e

X - zelar pela observância da legislação aduaneira e pela defesa dos interesses


fazendários nacionais.

§ 1o No exercício de suas atribuições, a autoridade aduaneira terá livre acesso


a quaisquer dependências do porto ou instalação portuária, às embarcações
atracadas ou não e aos locais onde se encontrem mercadorias procedentes do
exterior ou a ele destinadas.

§ 2o No exercício de suas atribuições, a autoridade aduaneira poderá, sempre


que julgar necessário, requisitar documentos e informações e o apoio de força
pública federal, estadual ou municipal.

Ademais, a Secretaria de Portos da Presidência da República terá que realizar a


coordenação da atuação integrada dos órgãos e entidades públicas nos portos organizados
e instalações portuárias, com a finalidade de garantir a eficiência e a qualidade de suas
atividades.

2.8 CAP – Conselho de Autoridade Portuária


A antiga Lei dos Portos (8.630 de 1993) criou o Conselho da Autoridade Portuária
(CAP) constituído por quatro blocos: (i) bloco do Poder Público (governo federal, estadual
____________________________________________________ 145
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

e municipal), (ii) bloco de Operadores Portuários (representante da administração


portuária, armadores e das instalações portuárias privadas localizadas dentro da área do
porto), (iii) bloco da classe dos Trabalhadores Portuários e (iv) bloco dos Usuários dos
Serviços Portuários e afins.
O CAP possuía, à época, dentre outras, as seguintes atribuições:
 Aprovar o PDZ – Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto;
 Homologar o horário de funcionamento do porto;
 Opinar sobre a proposta de orçamento do porto;
 Zelar pelo cumprimento das normas de defesa da concorrência;
 Homologar os valores das tarifas portuárias;
 Manifestar-se sobre os programas de obras, aquisições e melhoramentos da
infraestrutura portuária; e
 Assegurar o cumprimento das normas de proteção ao meio-ambiente e estimular
a competitividade nos portos.

2.8.1 O Novo CAP


A nova Lei dos Portos, Lei nº 12.815 de 2013, através do seu artigo 20, alterou de
forma substancial a competência do CAP, pois antes o Conselho detinha poderes de
deliberação, mas com a nova lei, passou a ser apenas um órgão consultivo da
administração do porto.
Ademais, a lei reservou para regulamento próprio a previsão das atribuições, o
funcionamento, bem como a composição dos conselhos de autoridade portuária.
A competência atual do CAP está prevista no art. 36, §1º do Decreto 8.033/13, de
onde se extrai que cabe ao CAP sugerir:
I - alterações do regulamento de exploração do porto;
II - alterações no plano de desenvolvimento e zoneamento do porto;
III - ações para promover a racionalização e a otimização do uso das instalações
portuárias;
IV - medidas para fomentar a ação industrial e comercial do porto;
V - ações com objetivo de desenvolver mecanismos para atração de cargas;
VI - medidas que visem estimular a competitividade; e
VII - outras medidas e ações de interesse do porto.
Quanto a sua composição, o CAP deixou de ser formado por quatro blocos para
ter assegurada a participação apenas da classe empresarial, dos trabalhadores portuários e

____________________________________________________ 146
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

do poder público, ficando excluída a participação dos usuários (os clientes, empresas que
necessitam dos portos para escoar ou receber as suas cargas) como bloco próprio.
A composição dos novos CAPs deve observar o regramento previsto no Parágrafo
Terceiro, do artigo, 20 da nova Lei dos Portos que dispõe da seguinte forma:
§ 3o A distribuição das vagas no conselho a que alude o caput observará a
seguinte proporção:
I - 50% (cinquenta por cento) de representantes do poder público;
II - 25% (vinte e cinco por cento) de representantes da classe empresarial; e
III - 25% (vinte e cinco por cento) de representantes da classe trabalhadora.

O artigo 37 do Decreto 8.033/13 dispõe de forma mais detalhada sobre a


composição do conselho, devendo o mesmo ser analisado em conjunto com a Portaria nº
244 da SEP, de 26 de novembro de 2013 (alterada pela Portaria nº 25 da SEP, de 7 de
fevereiro de 2014), a qual define os procedimentos e autoridades responsáveis pela
escolha dos representates no CAP e seus suplentes. Vejamos o teor do artigo 37
supracitdado:

Art. 37. Cada conselho de autoridade portuária será constituído pelos membros
titulares e seus suplentes:

I - do Poder Público, sendo:

a) quatro representantes da União, dentre os quais será escolhido o presidente


do conselho;

b) um representante da autoridade marítima;

c) um representante da administração do porto;

d) um representante do Estado onde se localiza o porto; e

e) um representante dos Municípios onde se localizam o porto ou os portos


organizados abrangidos pela concessão;

II - da classe empresarial, sendo:

a) dois representantes dos titulares de arrendamentos de instalações portuárias;

b) um representante dos operadores portuários; e

c) um representante dos usuários; e

III - da classe dos trabalhadores portuários, sendo:


a) dois representantes dos trabalhadores portuários avulsos; e

b) dois representante dos demais trabalhadores portuários.

(Grifamos)

Conclui-se que, além de retirar o poder de decisão dos Conselhos de Autoridade


Portuária, a nova legislação diminuiu a representatividade do Conselho, esvaziando a
____________________________________________________ 147
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

participação dos usuários - cuja representação passou a fazer parte da classe empresarial,
conforme se infere do art. 37, II,c transcrito -, dando maior peso à participação do poder
público.

3 ANTAQ – Agência Nacional de Transporte Aquaviário


A Agência Nacional de Transportes Aquaviários, mais conhecida como ANTAQ,
foi criada por meio da Lei nº 10.233 de 2001, com o objetivo de regulamentar e fiscalizar
as atividades de transportes aquaviários, bem como a atividade portuária. 133
A ANTAQ tem desempenhado importante papel na regulamentação da legislação
portuária por meio da edição de resoluções que tratam dos serviços de transporte
aquaviário e de exploração portuária, bem como por meio da fiscalização das companhias
docas, arrendatários, autorizatários e usuários. 134

3.1 A Competência da ANTAQ nas Concessões e Arrendamentos

Com a edição da nova Lei dos Portos, a realização dos procedimentos licitatórios
(não apenas de concessões como também de arrendamentos, até então realizados pelas
Companhias Docas de cada Porto) passou a ser de competência da ANTAQ, respeitadas
as diretrizes do poder concedente.
Portanto, a competencia para elaborar os editais de todas as licitações passou a ser
da Agência Reguladora.
As licitações dos contratos de concessão e arrendamento passaram a ter como
critérios para julgamento, conjunta ou isoladamente, a maior capacidade de
movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de carga, bem como
outros critérios extras estabelecidos no edital, tudo conforme regulamento. 135
No entanto, o § 5o do artigo 6o da nova Lei prevê que, o poder concedente poderá
determinar a transferência das competências de elaboração do edital e a realização dos
procedimentos licitatórios à Administração do Porto, delegado ou não.

133
Sobre a regulamentação das atividades de fiscalização da ANTAQ, ver a Resolução da ANTAQ nº 3259
de 30 de janeiro de 2014. Em relação ao regimento interno da ANTAQ ver a Resolução da ANTAQ nº 3585
de 18 de agosto de 2014.
134
Sobre a fiscalização da prestação dos serviços portuários e infrações e sanções administrativas, ver a
Resolução da ANTAQ nº 3.274 de 6 de fevereiro de 2014.
135
Ver Decreto nº 8.033/2013, art. 6º.
____________________________________________________ 148
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Cabe destacar que, o arrendamento de áreas e instalações portuárias será sempre


precedido de um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) 136 que
funcionará como base para a licitação, conforme estabelecido no art. 3º da Resolução da
ANTAQ nº 3220 de 8 de janeiro de 2014.

3.2 A Competência da ANTAQ nas Autorizações


A ANTAQ tem ainda a competência de apreciar os requerimentos de autorização
para a exploração de terminais privados. Assim, os interessados em obter a autorização
de instalação portuária privada poderão requerê-la à ANTAQ a qualquer tempo, na forma
prevista em regulamento137.
Recebido o requerimento de autorização de instalação portuária, a ANTAQ deverá:
I - publicar em até 5 (cinco) dias o extrato do requerimento, inclusive na internet; e II -
promover em até 10 (dez) dias a abertura de processo de anúncio público, com prazo de
30 (trinta) dias, para identificar a existência de outros interessados na obtenção de
autorização de instalação portuária na mesma região e com características semelhantes. 138
De acordo com o art. 8º,§2º da nova lei, a autorização de instalação portuária terá
prazo de até 25 (vinte e cinco) anos, prorrogável por períodos sucessivos, desde que: I - a
atividade portuária seja mantida; e II - o autorizatário promova os investimentos
necessários para a expansão e modernização das instalações portuárias, na forma do
regulamento.
A ANTAQ deverá adotar medidas para assegurar o cumprimento dos cronogramas
de investimento previstos nas autorizações e poderá exigir garantias ou aplicar sanções,
inclusive a cassação da autorização.139
Em consonância com as diretrizes do planejamento e das políticas do setor
portuário, a ANTAQ poderá, a qualquer momento, em razão de determinação do poder
concedente, realizar a abertura de processo de chamada pública para identificar a

136
A Portaria nº 38 da Secretaria dos Portos de 14 de março de 2013 autorizou a Estruturadora Brasileira
de Projetos (EBP) a desenvolver projetos e/ou os EVTA dos novos contratos de concessão e arrendamento.
137
Para as regras de autorização de instalações portuárias, ver :Decreto nº 8.033/2013 – Art. 26 a 35 e
Portaria da Secretaria de Portos nº 110, de 2 de agosto de 2013. Sobre o procedimento para autorização de
instalações portuárias, ver Resolução da ANTAQ n 3.290 de 14 de fevereiro de 2014.
138
Decreto nº 8.033/2013, art. 27,parágrafo único.
139
Em relação ao procedimento sancionador de competência da ANTAQ, ver a Resolução da ANTAQ nº
3259 de 30 de janeiro de 2014.
____________________________________________________ 149
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

existência de interessados na obtenção de autorização de instalação portuária privada,


localizadas fora da área do porto organizado.
O instrumento da abertura de chamada ou anúncio público indicará
obrigatoriamente os seguintes parâmetros:
I - a região geográfica na qual será implantada a instalação portuária;
II - o perfil das cargas a serem movimentadas; e
III - a estimativa do volume de cargas ou de passageiros a ser movimentado nas
instalações portuárias.
É preciso destacar que, o interessado em obter autorização de instalação portuária
deverá apresentar título de propriedade, inscrição de ocupação, certidão de aforamento,
cessão de direito real ou outro instrumento jurídico que assegure o direito de uso e fruição
do respectivo terreno, além de outros documentos previstos no instrumento de abertura.
Encerrado o processo de chamada ou anúncio público, o poder concedente deverá
analisar a viabilidade locacional das propostas e sua adequação às diretrizes do
planejamento e das políticas do setor portuário.
Ademais, poderão ser expedidas diretamente as autorizações de instalação portuária
quando: I - o processo de chamada ou anúncio público seja concluído com a participação
de um único interessado; ou II - havendo mais de uma proposta, não haja impedimento
locacional à implantação de todas elas de maneira concomitante.
Havendo mais de uma proposta e impedimento locacional que inviabilize sua
implantação de maneira concomitante, a ANTAQ deverá promover processo seletivo
público, observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência.
O processo seletivo público deverá atender o disposto em regulamento e
considerará como critério de julgamento, de forma isolada ou combinada, a maior
capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de
carga, e outros estabelecidos no edital. 140
Em qualquer caso, somente poderão ser autorizadas as instalações portuárias
compatíveis com as diretrizes do planejamento e das políticas do setor portuário.

4 Secretaria de Portos da Presidência da República - SEP

140
Sobre o procedimento referente ao processo seletivo público, ver artigos 13 e seguintes da Resolução nº
3290 da ANTAQ de 13 de fevereiro de 2014.
____________________________________________________ 150
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP) foi criada por meio da


Medida Provisória n° 369 de 07 de maio de 2007. Após aprovação pelo Congresso
Nacional, o Presidente sancionou, em setembro daquele mesmo ano, a Lei nº 11.518/07
que consolidou o funcionamento da SEP e o novo modelo de gestão do setor portuário
com a revogação das leis, decretos-lei e dispositivos legais diversos.
Ressalta-se que, antes da criação da SEP, a competência para tratar dos portos em
geral (marítimos, lacustres e fluviais) era do Ministério dos Transportes. Com a criação
dessa Secretaria com status de Ministério, a competência para tratar dos Portos Marítimos
e dos portos outorgados às Companhias Docas passou a ser da SEP, ficando para o
Ministério dos Transportes, em um primeiro momento, a competência para tratar dos
Portos fluviais e lacustres. 141
Porém, com a publicação da nova Lei dos Portos, o art. 24-A da Lei nº 10.683, de
28 de maio de 2003, referente à competência da Secretaria de Portos,142 passou a vigorar
com as seguintes alterações:

Art. 24-A. À Secretaria de Portos compete assessorar direta e imediatamente


o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes para o
desenvolvimento e o fomento do setor de portos e instalações portuárias
marítimos, fluviais e lacustres e, especialmente, promover a execução e
a avaliação de medidas, programas e projetos de apoio ao desenvolvimento da
infraestrutura e da superestrutura dos portos e instalações portuárias
marítimos, fluviais e lacustres.
[...]
§ 2o
[...]
III - a elaboração dos planos gerais de outorgas;
[...]
V - o desenvolvimento da infraestrutura e da superestrutura aquaviária dos
portos e instalações portuárias sob sua esfera de atuação, com a finalidade de
promover a segurança e a eficiência do transporte aquaviário de cargas e de
passageiros.
[...] (NR)

Portanto, a competência para tratar dos portos fluviais e lacustres passou também
a ser da Secretaria de Portos, juntamente com a competência para tratar dos portos
marítimos143.

141
Conforme o parágrafo único do art. 6º da L. 11.518/07.
142
A Portaria da SEP nº 408, de 27 de novembro de 2014 dispõe sobre os regimentos internos de cada
órgão da SEP.
143
Sobre a competência da Secretaria de Portos da Presidência ver Lei nº 12.185/2013, Art. 16 e Decreto nº
8.033/2013, art. 2º.
____________________________________________________ 151
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Ademais, a elaboração dos Planos Gerais de Outorga que antes da nova lei eram
de competência da ANTAQ passaram a ser da SEP, ampliando, portanto, as competências
da Secretaria que anteriormente apenas aprovava os PGOs.
Entre as atribuições e competência da Secretaria, verifica-se a formulação de
políticas e diretrizes para o fomento do setor, além da execução de medidas, programas e
projetos de apoio ao desenvolvimento da infraestrutura portuária.
Compete, ainda, à SEP, a participação no planejamento estratégico e na elaboração
dos planos de outorgas, visando a assegurar eficiência e segurança ao transporte de cargas
e passageiros no país.
O artigo 16 da nova Lei dos Portos ampliou consideravelmente as competências
da SEP, considerada para todos os fins como o Poder Concedente.
Portanto, conforme art. 16,II da nova lei, a SEP passou a definir as diretrizes para
a realização dos procedimentos licitatórios e respectivos editais e instrumentos
convocatórios, o que antes era de competência da ANTAQ.
A partir de agora a SEP deverá celebrar os contratos de arrendamento, bem como
os contratos de concessão e expedir as autorizações de instalação portuária, antes
competências exclusivas das Companhias Docas e ANTAQ.
As normas para a pré-qualificação dos operadores portuários que eram
estabelecidas pelas Companhias Docas com a aprovação dos Conselhos de Autoridade
Portuária, hoje passaram a ser de competência da SEP, de acordo com o art. 16, IV da Lei
12.815/13.144
Assim, a criação de uma secretaria específica voltada para a atividade portuária
demonstrou a conscientização da relevância desta atividade no cenário econômico
brasileiro e a centralização de competências nesta Secretaria a partir do novo marco
regulatório demonstra o desejo de fortalecimento e centralização das estratégias para o
setor portuário.

5 Regulamentação da Nova Lei dos Portos


No dia 27 de junho de 2013 foi publicado no diário oficial o Decreto nº 8.033 para
regulamentar o disposto na Lei no 12.815, de 5 de junho de 2013 (Nova Lei dos Portos),

144
Sobre o procedimento para pré qualificação ver: Portaria nº 111, de 7 de agosto de 2013 da Secretaria de
Portos.
____________________________________________________ 152
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

bem como as demais disposições legais que regulam a exploração de portos organizados
e de instalações portuárias.
O mencionado Decreto revogou expressamente os Decretos nº 4.391 de 2002 e nº
6.620 de 2008. Este último era alvo de amplo debate por conta de sua total
incompatibilidade com o novo modelo regulatório, pois tratava de forma completamente
diversa a exploração da atividade portuária nas Instalações Portuárias de Uso Privado,
apesar de não ter sido revogado pela nova lei dos postos.
O Decreto nº 8.033/2013 veio dispondo de sete capítulos, e em seu primeiro
capítulo esclareceu que, na atividade portuária o poder concedente seria exercido por
intermédio da Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP), dando a esta a
competência para elaborar o Plano Geral de Outorgas - PGO do setor portuário e
disciplinar o conteúdo, forma e periodicidade de atualização dos Planos de
Desenvolvimento e Zoneamento dos portos - PDZ. Assim, houve uma concentração da,
definição da política portuária nacional e regional em apenas uma entidade.
Este Decreto também transferiu para a SEP competências que anteriormente eram
das Companhias Docas, tais como: a) definir as diretrizes para a elaboração dos
regulamentos de exploração dos portos; b) aprovar a transferência do controle societário
ou de titularidade dos contratos de arrendamento;145 c) aprovação de investimentos não
previstos no contrato de arrendamento.
Das competências da ANTAQ transferidas para a SEP podemos destacar a
condução e aprovação dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental do
objeto da concessão ou do arrendamento.
Obviamente, com transferência da competência para celebrar contratos de
arrendamento para a SEP e de realização do procedimento licitatório pela ANTAQ, 146 não
há mais o risco de termos uma administradora privada no porto organizado tendo que
licitar uma instalação portuária de uso público, através de contrato de arrendamento, pois
isto seria inviável pela total incompatibilidade dos regimes jurídicos de direito privado e
público.
O Decreto prevê ainda itens indispensáveis a serem considerados no edital de
licitação, estabelece o procedimento a ser observado, alguns critérios de julgamento e suas

145
Sobre o procedimento para transferência de titularidade de autorizações, ver a Portaria nº 249, de 29 de
novembro de 2013 da Secretaria de Portos.
146
Em relação às regras de licitação, ver Seção II da Resolução ANTAQ nº 3708 de 17 de outubro de 2014,
a qual aprova norma reguladora da exploração de áreas e instaçaões portuárias nos portos organizados.
____________________________________________________ 153
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

definições, de modo a permitir maior transparência e objetividade na realização do


certame licitatório.147
Os critérios de julgamento nas licitações de concessão e arrendamento, previstos
no art. 9º, foram recentemente alterados pelo Decreto 8.464/2015, o qual prevê o uso
combinado ou isolado dos seguintes:
I - maior capacidade de movimentação;
II - menor tarifa;
III - menor tempo de movimentação de carga;
IV - maior valor de investimento;
V - menor contraprestação do poder concedente;
VI - melhor proposta técnica, conforme critérios objetivos estabelecidos pelo
poder concedente;
VII - maior valor de outorga.

Destarte, o rol do art. 9º do Decreto 8.033/2013 foi ampliado, pois anteriormente


contemplava apenas os critérios de maior capacidade de movimentação, menor tarifa e
menor tempo de movimentação da carga.
Ademais, o Decreto regulamenta o procedimento para a obtenção da autorização
de exploração de instalação portuária de uso privado, prevendo de que forma serão
realizados os processos de anúncio público (quando há pedido de algum interessado) e
chamada pública (quando o poder concedente pretende identificar a existência de
interessados na obtenção de autorização).148
Há também, por meio do Decreto, a previsão das competências dos Conselhos de
Autoridade Portuária que poderão alterar o regulamento de exploração do porto, alterar o
PDZ, adotar ações para otimizar o uso das instalações portuárias e adotar medidas para
fomentar a ação industrial e comercial do porto, com a atração de cargas e estímulo da
competitividade. 149
Como visto anteriormente, os novos CAPs deverão ser constituídos por oito
representantes do poder público, quatro da classe empresarial e quatro da classe dos
trabalhadores, com mandato de dois anos, admitida a recondução uma única vez, sendo
considerada prestação de serviço público relevante não remunerada, onde cada
representante terá direito a um voto e o Presidente do Conselho terá o voto de qualidade.
O Decreto dispõe em seu capítulo IV sobre a forma de composição do Conselho
de Supervisão e da Diretoria Executiva dos OGMOs. Cria ainda o fórum permanente para

147
Decreto nº 8.033/2013, Arts. 8º a 18º.
148
Decreto nº 8.033/2013, Arts. 26 a 35 e Portaria da Secretaria de Portos nº 110, de 2 de agosto de 2013.
149
Decreto nº 8.033/2013, Art. 36 e seguintes.
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

qualificação do Trabalhador Portuário, para debate permanente sobre a qualificação e


formação do trabalhador portuário avulso e sua adequação aos modernos processos de
movimentação de carga, bem como prevê a criação do Sine-Porto a ser instituído pelo
Ministério do Trabalho e Emprego com o objetivo de identificar e organizar a oferta de
mão de obra qualificada para o setor portuário. 150
Portanto, diante de tantas modificações no cenário portuário, haverá ainda a
necessidade de empenho, estudo e avaliação do impacto deste novo marco regulatório do
setor e as suas diferentes implicações.

6 Óbices aos Arrendamentos.


Em virtude da demora na aprovação e das mudanças operadas pelo novo marco
regulatório, as licitações de 159 instalações e terminais portuários brasileiros veem
levando um tempo considerável para serem concluídas. [1]
Os mencionados terminais foram, originalmente, divididos em quatro blocos a
serem licitados, conforme definido pela Portaria SEP/PR nº 15/2013. [2] As fases para
licitar os empreendimentos compreendem a elaboração de estudos de viabilidade
(EVTEA), a análise dos estudos por comissão mista da SEP/ANTAQ [3], a consulta e a
audiência pública, o envio de estudos e documentações ao Tribunal de Contas da União
(TCU), a publicação do edital e, por fim, o leilão.
Os editais de licitação do primeiro bloco (que compreende áreas nos estados de
São Paulo e Pará) ficaram, por muito tempo, paralisados em virtude de problemas
encontrados na análise do TCU no processo nº 029.083/2013-3.
De início, o TCU havia apresentado no Acórdão nº 3.661/2013 um total de 19
contestações em relação aos estudos preparatórios para a licitação, os quais compreendem
critérios ambientais, econômico-financeiros e de viabilidade técnica.

150
Decreto nº 8.033/2013, Art. 36 e seguintes.
[1]
Sobre AS 159 áreas a serem licitadas e a divisão por blocos, ver a tabela elaborada pela SEP constante
em <http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/investimentos/arrendamentos-1/blocos-de-
arrendamentos-e-cronograma-de-licitacoes>. Acesso em 27/06/2016.
[2]
Informações sobre quais áreas serão licitadas e seus blocos podem ser encontradas no sítio eletrônico da
SEP: <http://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/investimentos/arrendamentos-1/areas-passiveis-de-
arrendamento-definidas-pela-portaria-sep-pr-15>. Acesso em 05/08/2015.
[3]
A Comissão Mista SEP/ANTAQ foi criada através da Portaria Conjunta SEP/ANTAQ nº 91/2013 para
avaliar e selecionar os projetos e estudos de viabilidade econômica, técnica, ambiental e operacional.
____________________________________________________ 155
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Dentre as críticas levantadas por aquele órgão, destacam-se a ausência de fixação


de tetos tarifários máximos para alguns terminais, inexistência de estudos sobre
concorrência, projetos de engenharia pouco detalhados, informações insuficientes nas
audiências públicas, necessidade de inventário dos equipamentos e de diálogo com a
legislação local, entre outras. [4]
Ainda, o TCU determinou que a ANTAQ elaborasse um banco de dados com
informações sobre os terminais em operação, promovesse estudos para indicar um nível
de eficiência mínimo a ser exigido dos terminais e que, nos próximos estudos, a agência
indicasse claramente as datas e fontes utilizadas. Quanto à SEP, recomendou-se que esta
interagisse com os municípios durante a elaboração dos estudos de viabilidade.
Diante desse quadro, a SEP recorreu de 4 contestações e prestou esclarecimentos
quantos aos outros pontos. Ocorre que o Ministro Raimundo Carneiro pediu vistas do
processo, fazendo com que a conclusão da análise do TCU e consequente liberação dos
editais fossem postergadas mais uma vez.
Desse modo, somente em 06/05/2015 foi prolatado o Acórdão nº 1.077/2015
referente ao pedido de reexame apresentado pela SEP um ano e meio antes, dando-lhe
provimento parcial.
No mencionado acórdão, ficou decidido que a SEP poderia licitar qualquer
terminal previsto no primeiro bloco, desde que fossem atendidas as condicionantes
específicas consignadas no Acórdão nº 3.661/2013. Este posicionamento foi favorável ao
pleito da SEP que havia argumentado no sentido de ser possível licitar as instalações que
já estivessem regulares, não sendo necessário licitar todos os empreendimentos
concomitantemente. Assim, apenas fica impedida a licitação de terminais que não
observarem as exigências do Acórdão nº 3.661/2013.
O ponto de destaque da decisão diz respeito às tarifas-teto. No acórdão de 2013, o
TCU havia determinado que fossem estabelecidas tarifas-teto para os serviços prestados
nos arrendamentos, imposição contra a qual a SEP recorreu.
No Acórdão nº 1.077/2015, o tribunal decidiu retirar esta exigência, ponderando
que a tarifa-teto é uma dentre as opções de metodologia de regulação tarifárias que podem
ser escolhidas pela SEP. O TCU frisou, contudo, que a SEP e a ANTAQ devem remeter

[4]
Para acesso à análise detalhada do TCU, ver TCU, Acórdão 3.361/2013. Rel. Ana Arraes, Plenário,
julgado em 10/12/2013.
____________________________________________________ 156
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

para sua análise os critérios utilizados para fundamentar a política tarifária de cada
arrendamento.
Ao final do processo, o TCU manteve válidos os itens do Acórdão nº 3.661/2013
que não foram alterados. Desse modo, a partir dessa última decisão as licitações do
primeiro dos quatro blocos seriam iniciadas.[5]
Em 26 de outubro de 2015 e em 22 de janeiro de 2016, a ANTAQ publicou os
Avisos de Licitação dos Leilões referentes, respectivamente a 3 e 6 áreas para
arrendamentos de terminais em São Paulo e Pará. Tais ofertas eram relativas a
determinados terminais portuários dos Blocos de Concessões 1 e 2, respectivamente.
Sendo que, em ambos os processos licitatórios, o resultado do leilão foi aquém do
esperado pelo governo que, no momento, visa a arrecadação de altos valores de outorga.
A adoção do critério de maior outorga para seleção do licitante vencedor, apesar
de o TCU reconhecer que reduz a competitividade dos processos licitatório, de acordo
com o Tribunal, não encontra obstáculos legais e é de livre escolha do poder licitante. Esta
escolha, porém, demonstrou-se a mais adequada para o governo que vislumbrava
aproveitar os leilões para aumentar sua arrecadação, dada a crise econômica que o país
vem enfrentando.
Atualmente, portanto, os principais óbices aos arrendamentos são econômicos,
tendo em vista que a iniciativa privada não tem mostrado capacidade de atingir os valores
exigidos pelo governo em seus editais de licitação. Conclusão, algumas áreas colocadas a
leilão não foram arrecadadas por falta de ofertantes.
Cabe, finalmente, mencionar que, em 02 de junho de 2016, a ANTAQ publicou a
Resolução Normativa nº 7, que regula a exploração de áreas e instalações portuárias sob
gestão da Administração do Porto no âmbito dos Portos Organizados, adaptando sua
regulamentação à mencionada Lei dos Portos.
Essa resolução é o resultado da Audiência Pública nº 4/2014 aberta pela ANTAQ
para recolher contribuições relativas a esta matéria, que foi, anteriormente, regulamentada
pela Resolução da ANTAQ nº 2.240/2011. Dentre as mudanças trazidas pela
regulamentação, destacam-se:

[5]
Ministério do Planejamento e Gestão. Ministros consultam TCU sobre licitação de áreas portuárias
do bloco 1 por outorga. 16/06/2015. Disponível em <http://www.planejamento.gov.br/assuntos/logistica-
e-tecnologia-da-informacao/noticias/ministros-consultam-tcu-sobre-licitacao-de-areas-portuarias-do-
bloco-um-por-outorga>. Acesso em 27/06/2016.
____________________________________________________ 157
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

1. Possibilidade de unificação de contratos de arrendamento independentes


firmados com o mesmo arrendatário;
2. A regulação quanto ao uso temporário de áreas e instalações portuárias
disponíveis, contidas na poligonal do porto organizado;
3. Alterações em disposições relativas a passagem em área de uso comum ou
já ocupada por terceiros no âmbito da poligonal do porto organizado.
4. Inclusão de um capítulo específico sobre a regularização temporária de
área ou instalação portuária que preste serviço de interesse público do Porto
Organizado ou de sua região de influência.
5. Alterações nas regras de áreas e instalações portuárias não operacionais.
6. Possibilidade de que a ANTAQ determine, em caráter emergencial, a
movimentação ou armazenagem de cargas ou a movimentação de passageiros
na instalação portuária arrendada, de acordo com as hipóteses previstas.

7 Conclusão
Foram inúmeras as polêmicas decorrentes do novo marco regulatório dos portos,
ora envolvendo discussões encabeçadas pelos arrendatários dos terminais públicos que
vislumbravam uma abertura excessiva da exploração portuária, com concorrência
desigual e predatória por parte dos terminais privados, ora sob o prisma dos terminais
privados, que viram na nova lei interferências excessivas em sua atividade com a
necessidade de realização de anúncio público, chamada pública e oferecimento de
garantias contratuais.
Entre outros pontos, vimos surgir também questionamentos no aspecto trabalhista
da legislação que recebeu pequenas, mas impactantes modificações realizadas de última
hora.
Entretanto, apesar de tantas divergências, é inegável a tentativa de avanço do setor
com a nova legislação, a abertura para participação dos terminais privados não se deu de
forma simples e os entraves burocráticos enfrentados pelos terminais de uso público não
foram sanados de modo a permitir uma equidade nas relações concorrenciais.
Perdeu-se também uma grande oportunidade de modernização da legislação
trabalhista portuária que ainda permanece sob os moldes e os anseios do passado, tendo
sido ultrapassada pela nova demanda do mercado.

____________________________________________________ 158
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Cabe agora acompanhar a regulamentação do novo marco regulatório para que a


nova legislação represente um avanço no setor e seja positivamente implantada, afinal a
carência de infraestrutura portuária brasileira exige céleres medidas de modernização.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO
1. Após ler o material, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando as partes
envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. O interessado em obter a autorização de instalação portuária deverá protocolizar o seu
pedido perante qual órgão? Autoridade Portuária, ANTAQ ou SEP?
3. De acordo com o novo Marco Regulatório de Portos, quem é considerado a Autoridade
Portuária e quem é considerado o Poder Concedente?
4. Nas licitações de concessão e de arrendamento quais serão os critérios utilizados para
julgamento?
5. São os Sindicatos que representam as várias categorias de trabalhadores portuários
quem administra a mão de obra avulsa nos portos brasileiros?
6. É possível a contratação de mão de obra de capatazia fora dos quadros dos trabalhadores
registrados no OGMO? Em caso negativo, esse tipo de contratação já foi possível? Por
quê?
7. De quem é a competência para aprovar o Plano Geral de Outorgas – PGO do Setor
Portuário?
8. De quem é a competência para aprovar o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do
Porto – PDZ?
9. Existe algum erro ou imprecisão na frase “De acordo com a Nova Lei dos Portos os
Conselhos de Autoridade Portuária - CAPs passaram a atuar como órgão deliberativos da
administração do porto”.
10. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

REFERÊNCIAS
BibliográficasBOTELHO, Martinho Martins. Coletânea de Legislação Brasileira de
Direito Marítimo e Portuário. São Paulo: Lex, 2007.
CASTRO JR., Osvaldo Agripino de. Direito Portuário, Regulação e Desenvolvimento.
Belo Horizonte: Fórum, 2010.
____________________________________________________ 159
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

COLLYER, Wesley O. Lei dos Portos O Conselho de Autoridade Portuária e a Busca da


Eficiência. São Paulo: Lex, 2008.
GIBERTONI, Carla Comitre Adriana. A lei de modernização dos portos. In: PASOLD,
César Luiz. Lições preliminares de direito portuário. Florianópolis: Conceito, 2007.

Jurisprudenciais
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 139, em Trâmite
Perante o Supremo Tribunal Federal.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 964417/SP. Primeira Turma.
Julgado em 08 de outubro de 2013
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Pedido de Reexame AC 1077/15. Plenário.
Julgado em 10 de dezembro de 2013.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acompanhamento de Desestatização AC
3661/2013. Plenário. Julgado em 06 de maio de 2015.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Seção Especializada de dissídios coletivos. DC
n. 1746116-74.2006.5.00.0000. Julgado em 16 de agosto de 2007.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 24400-33.2010.5.17.0001. Quarta
Turma. Julgado em 10 de outubro de 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 122000-96.2009.5.01.0013. Sexta
Turma. Julgado em 27 de fevereiro de 2015.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 232-07.2010.5.01.0067. Quarta Turma.
Julgado em 03 de julho de 2015.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Sexta Região. Mandado de Segurança n. 00185-
2004-000-06-00-1. Julgado em 20 de janeiro de 2005.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Primeira Região. RO n. 00020-2006-027-01-
00-8. Oitava Turma. Julgado em 14 de agosto de 2007.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Primeira Região. Seção Especializada em
Dissídios Individuais. Mandado de Segurança n. 07038-2008-000-01-00-3. Julgado em
02 de abril de 2009.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Segunda Região. RO n. 323200844202002.
Oitava Turma. Julgado em 28 de maio de 2010.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Segunda Região. RO n.


00020823120125020445. Sexta Turma. Julgado em 11 de fevereiro de 2014.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Sexta Região. Tribunal Pleno.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Quarta Câmara Cível.
Apelação n. 20.116/02. Julgado em 15 de outubro de 2002.

NormativasBRASIL. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


BRASIL. Decreto nº 4.391, de 26 de setembro de 2002.
BRASIL. Decreto nº 6.620, de 29 de outubro de 2008.
BRASIL. Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013.
BRASIL. Decreto nº 8.464, de 08 de junho de 2015.
BRASIL. Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.
BRASIL. Lei nº 9.719, de 27 de novembro de 1998.
BRASIL. Lei nº 10.233, de 05 de junho de 2001.
BRASIL. Lei nº 11.518, de 05 de setembro de 2007.
BRASIL.Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013.
BRASIL. Medida Provisória n° 369, de 07 de maio de 2007.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 55 de 2003.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 1.660 de 2010 rerratificada pela Resolução ANTAQ nº
1.695/2010.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 1.695, de 10 de maio de 2010.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.259, de 30 de janeiro de 2014.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.274, de 6 de fevereiro de 2014.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.290, de 14 de fevereiro de 2014.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.585, de 18 de agosto de 2014.
.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 38, de 14 de março de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 110, de 2 de agosto de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 111, de 7 de agosto de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 244, de 26 de novembro de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 249, de 29 de novembro de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 252, de 6 de dezembro de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 3, de 7 de janeiro de 2014
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 25, de 7 de fevereiro de 2014


BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 206, de 11 de julho de 2014
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 408, de 27 de novembro de 2014
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 499, de 30 de dezembro de 2014
BRASIL. Portaria Conjunta da Secretaria de Portos/ ANTAQ nº 91, de 24 de junho de
2013

Sítios Eletrônicos
Câmara dos Deputados. Henrique Alves comemora aprovação de MP dos Portos, após 40
horas de votações. 15/05/13. Disponível em
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/442611-HENRIQUE-
ALVES-COMEMORA-APROVACAO-DE-MP-DOS-PORTOS,-APOS-40-HORAS-
DE-VOTACOES.html>. Acesso em 05/08/2013MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E
GESTÃO. Ministros consultam TCU sobre licitação de áreas portuárias do bloco 1 por
outorga. 16/06/2015. Disponível em <
http://www.planejamento.gov.br/assuntos/logistica-e-tecnologia-da-
informacao/noticias/ministros-consultam-tcu-sobre-licitacao-de-areas-portuarias-do-
bloco-um-por-outorga>. Acesso em 05/08/2015.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
AULA VIII - Capitania os Portos, Tribunal Marítimo e Acidentes e Fatos da
Navegação

ROTEIRO DE ESTUDO

1 Do Tribunal Marítimo
Durante a Revolução de 1930, com os ânimos acirrados e na iminência de
um golpe de Estado, um navio a vapor alemão chamado "BADEN", registrado em
Hamburgo, zarpou do porto do Rio de Janeiro ao anoitecer transportando
mercadorias e numerosa tripulação em direção ao porto de Buenos Aires. Ignorando
a sinalização da Fortaleza Santa Cruz para retornar ao porto, o BADEN, no jargão
da navegação, "forçou a barra" da Baía de Guanabara, recebendo dois tiros de
advertência, disparados do Forte do Leme, na praia de Copacabana. Ao insistir na
manobra e aumentar a velocidade, o BADEN foi então alvejado por um tiro de
canhão que destroçou o mastro principal, obrigando-o a retornar. O incidente, que
causou repercussão internacional à época, deixou 15 tripulantes mortos e diversos
feridos.
Na ausência de um Tribunal administrativo especializado no Brasil, o
incidente foi processado e julgado perante o Tribunal Marítimo da Alemanha. O
Tribunal alemão, após ouvir o depoimento do comandante do BADEN, atribuiu a
responsabilidade principal do incidente à Fortaleza de Santa Cruz, que não teria
feito uso da sinalização internacional, impedindo que o comandante do BADEN
interpretasse adequadamente a ordem de retorno ao porto. O Tribunal também
responsabilizou a guarnição do Forte do Leme, por não ter tentado contato via rádio
antes de efetuar os disparos que atingiram o navio. Ao comandante alemão, foi
atribuída apenas responsabilidade subsidiária pelo incidente, por não ter parado o
navio ao receber sinalização cujo significado ignorava.
A decisão do Tribunal Marítimo alemão foi vista como tendenciosa pelas
autoridades brasileiras à época e, no ano seguinte, foi editado o decreto 20.829/31,
que instituiu o Tribunal Marítimo no Rio de Janeiro, com competência
administrativa para apreciação dos incidentes e fatos da navegação em todo o
território nacional. Mas foi o Decreto n. 24.585 de 5 de julho de 1934, que criou o
tribunal marítimo administrativo que, posteriormente, passou a obedecer aos termos
da lei 2.180/1954.
DIREITO MARÍTMO

O Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, é um


órgão autônomo da Administração Direta da União, auxiliar do Poder Judiciário,
vinculado ao Ministério da Defesa apenas para o provimento de pessoal e material.
Dentre suas atribuições podemos citar: julgar os acidentes e fatos da navegação
marítima, fluvial e lacustre, em todo território nacional (não importando a
nacionalidade da embarcação envolvida) ou no exterior para os navios de bandeira
brasileira, bem como manter o registro da propriedade marítima e demais ônus reais
sobre embarcações, além do registro dos armadores brasileiros e registro especial
brasileiro (REB).

2 Composição do Tribunal Marítimo


O Tribunal Marítimo, conforme determina o art. 2º da Lei nº 2.180/1954,
modificado pela Lei nº 5.056, de 29 de junho de 1966, é composto de sete juízes na
seguinte ordem: um Presidente, que é obrigatoriamente um oficial general da
armada; dois juízes militares, oficiais superiores da Marinha, sendo um do corpo da
armada e outro do corpo de engenheiros e técnicos navais subespecializados em
máquinas ou casco; dois juízes bacharéis em Direito, especializados, um deles em
Direito Marítimo e o outro em Direito Internacional Público; um juiz especialista
em armação de navios e navegação comercial; e um juiz capitão de longo curso, da
marinha mercante.
Nesse contexto, o Tribunal Marítimo julga os fatos e acidentes da
navegação, em processo contencioso, com aplicação de normas técnicas e jurídicas
compatíveis à solução do conflito e aplicabilidade subsidiária dos códigos de
processo, e adota o mesmo procedimento de qualquer outro tribunal. Contudo,
poderá, também, aplicar, subsidiariamente, os usos e costumes, analogia ou
equidade, o direito comparado, e os princípios gerais do direito, consubstanciados
pela prática internacional referente ao tráfego marítimo em geral.

_______________________________________________________________ 164
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

3. Da competência do Tribunal Marítimo


Segundo a lição de José Haroldo dos Anjos e Carlos Rubens Caminha
Gomes,151 a competência do Tribunal Marítimo é estabelecida da seguinte forma:
 Competência Administrativa Exclusiva – ocorre quando são
verificados fatos ligados exclusivamente à navegação, sem qualquer
repercussão na esfera do direito administrativo, civil, comercial, criminal,
trabalhista, dentre outros ramos do direito.
 Competência Concorrente – quando verificadas situações de
natureza civil, comercial, criminal, trabalhista, ou outros interesses conexos.
Nesse caso, o Tribunal Marítimo fica restrito à matéria de sua competência
e atribuição, concorrendo, no mais, com órgão do Judiciário.
Segundo a Lei nº 2.180/1954, o Tribunal Marítimo exerce a jurisdição
contenciosa e a voluntária ou graciosa, sendo os processos divididos da seguinte
forma: jurisdição contenciosa – processo administrativo punitivo ou processo
administrativo disciplinar; jurisdição voluntária ou graciosa – processo
administrativo de expediente ou processo de controle administrativo.
No que se refere à jurisdição contenciosa, que abrange processos
administrativos punitivos e/ou disciplinares, o Tribunal Marítimo atua como órgão
judicante dos acidentes e fatos da navegação, definindo-lhes a natureza, as causas,
as circunstâncias e extensão do ilícito administrativo, além de processar e julgar os

151
ANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1992. p. 111.
_______________________________________________________________ 165
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

responsáveis nos limites das suas atribuições, podendo, inclusive, propor medidas
de segurança e preventivas, visando a resguardar as peculiaridades da navegação e
do acidente ou fato ocorrido, evitando com isso que aconteçam fatos correlatos.
Nesse particular, é importante observar que, a fim de se evitar eventual prescrição
em desfavor de alguma parte, não correrá prescrição até a prolação de decisão
definitiva pelo Tribunal Marítimo. 152
Já com relação à jurisdição voluntária, que envolve os processos
administrativos de expediente, o Tribunal Marítimo se restringe à expedição de
certidões, autuações, despachos de mero expediente etc. No que tange aos processos
de controle administrativo, suas atribuições são mais extensivas, abrangendo as
diversas atividades que dispõem sobre o registro da propriedade naval, os direitos
reais que incidem sobre as embarcações, as atividades relacionadas à armação
nacional e os registros marítimos, previstos na Lei nº 9.432/1997, regulamentada
pelo Decreto nº 2.256, de junho de 1997.
Por oportuno, destaque-se que o Tribunal Marítimo poderá funcionar como
tribunal arbitral caso escolhido pelas partes.

4. Valor dos Julgados do Tribunal Marítimo

152
Lei n° 2.180/1954 - “Art. 20. Não corre a prescrição contra qualquer dos interessados na apuração
e nas consequências dos acidentes e fatos da navegação por água enquanto não houver decisão
definitiva do Tribunal Marítimo.”
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Quando há uma explosão em um navio, com sérios danos materiais, a perda


total da embarcação e vítimas fatais, ocorrerá uma competência concorrente entre
o Tribunal Marítimo, no deslinde técnico do acidente da navegação, com a justiça
civil (indenização às famílias das vítimas, por exemplo) e criminal (morte dos
tripulantes).
Nesta situação o Tribunal Marítimo julgará o acidente da navegação,
definindo-lhe a natureza e consequências, suas causas determinantes, seus
responsáveis, além de propor medidas preventivas e de segurança, enviando de
imediato seu acórdão àquele que deve auxiliar: o Poder Judiciário.
No excelente modelo criado pelo legislador pátrio, a decisão técnica da
Corte Marítima – auxiliar do Judiciário – é enviada ao Poder Judiciário, que não
domina as peculiaridades da matéria, para que sirva como alicerce técnico e
científico nas suas sentenças.
A análise sobre os reflexos dos julgados do Tribunal Marítimo no Poder
Judiciário pode ser dividida em dois aspectos: a) a necessidade de os órgãos do
Poder Judiciário aguardarem o acórdão do Tribunal; e b) o valor, dentro da ciência
jurídica, dos julgados.

4.1 Deve o Poder Judiciário esperar o Julgamento do Tribunal Marítimo?


A presente questão encontra-se positivada no art. 19 da Lei nº 2.180/1954:

Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de matéria da


competência do Tribunal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-
administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada aos autos
a sua decisão definitiva.

A jurisprudência não é uniforme, identificando-se três posições distintas


para o problema:
a) O acórdão do Tribunal Marítimo é uma condição da ação no Poder Judiciário,
não sendo possível iniciar-se o processo ou seu prosseguimento até que seja juntada
a decisão definitiva do Tribunal auxiliar do Poder Judiciário (RE nº 7446-BA do
STF);
b) O Poder Judiciário não está obrigado a esperar a decisão do Tribunal Marítimo,
estando desobrigado de aguardar o julgamento, podendo instruir e julgar suas lides
independentemente da juntada do acórdão do Tribunal Marítimo (AC nº 46.271-RJ
do TRF);

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

c) O acórdão do Tribunal Marítimo é imprescindível para o julgamento do Poder


Judiciário, contudo como o art. 19 da Lei nº 2.180/1954 não define o momento da
juntada da decisão, o juiz não interrompe a ação, senão antes do julgamento (AC nº
29682-GB, TRF).
Debruçando-se sobre o tema o renomado e experiente advogado maritimista
Pedro Calmon Filho, em artigo especialmente dedicado ao tema e publicado na
revista do Tribunal Marítimo comemorativa de seus 50 anos, com maestria apontou
a posição intermediária (letra “c”) como a ideal:

[...] diante do mandamento contido no art.19 da Lei 2.180, não pode o


juiz considerar desnecessária a referida decisão. Poderá reexaminá-la,
e mesmo rejeitá-la, mas não prescindir dela para o seu julgamento. E
como a lei, de fato, não menciona à época em que tal decisão deverá ser
produzida, é de se aceitar que o juiz poderá aceitar a ação proposta, e
prosseguir na instrução, até o ponto em que terá de suspender o curso
do processo, para antes da decisão, aguardar a juntada da aludida
decisão do TM. O que, sem dúvida, é claro indicativo do valor das
decisões do TM perante o Judiciário.

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o entendimento da


segunda corrente (letra ‘b”) está totalmente afastado, seguindo-se o disposto no
artigo 313, inciso VII:

“Art. 313. Suspende-se o processo:[...]


VII - quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos
da navegação de competência do Tribunal Marítimo;”

Desta forma, a posição intermediária (letra “c”) é a que melhor se adapta à


necessidade do Poder Judiciário, desconhecedor dos complexos meandros da
navegação e do Direito Marítimo, suas regras internacionais e códigos
consuetudinários. Agindo por economia processual, inicia o processo e preenche a
instrução, contudo, suspende seu andamento antes da sentença.
Assim, o Judiciário poderá apoiar-se na decisão profundamente técnica do
Tribunal Marítimo (por isso auxiliar do Poder Judiciário) no momento de definir
responsabilidades cíveis ou criminais em processos de competência concorrente.
Bem como, evitar-se-á a natural ação rescisória caso decida sem levar em conta
prova fundamental (decisão da Corte especializada) para o deslinde do litígio.

4.2 As decisões do Tribunal Marítimo: competência quase jurisdicional –


provas de maior valia

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O art. 18, da Lei nº 2.180/1954 prescreve:

As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente


aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem
certas, sendo, porém, suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário.

Da simples leitura da lei, vê-se que os acórdãos do Tribunal Marítimo não


vinculam as decisões do Poder Judiciário, até porque do contrário, estaria sendo
invertida a definição de órgão auxiliar e órgão auxiliado e desrespeitada a
Constituição Federal em seu art. 5º, XXXV (princípio da inafastabilidade de
apreciação do Poder Judiciário).
As decisões do Tribunal Marítimo, como já dito, são definitivas para o Poder
Executivo – “coisa julgada administrativa” – e valem como prova técnica altamente
especializada, com presunção de certeza, para o Poder Judiciário.
Assim, o Poder Judiciário só pode revê-las em arguição de ilegalidade no
processo do Tribunal Marítimo, na existência de vícios formais ou no desrespeito
aos princípios do devido processo legal.
MS n. 24.803/DF do STF:

Remansosa é a jurisprudência desta Corte no sentido de que, se o ato


impugnado em mandado de segurança decorre de fatos apurados em
processo administrativo, a competência do Poder Judiciário
circunscreve-se ao exame da legalidade do ato coator, dos possíveis
vícios de caráter formal ou dos que atentem contra os postulados
constitucionais da ampla defesa e do due process of law).

Neste diapasão, o advogado maritimista Matusalém Gonçalves Pimenta, em


recente e brilhante obra – Processo Marítimo – (Editora Lumen Juris, Rio, 2010),
com maestria analisou a questão da validade e da eficácia das decisões do Tribunal
Marítimo:
Haveria total desnecessidade de se abordar este tópico não fosse o fato
de ser ele mal compreendido por parte de alguns poucos profissionais
do direito. Os que militam no especializado ramo do direito marítimo,
muitas vezes, veem suas lides sobrestatas, aguardando decisão do
Tribunal Marítimo, no sentido de robustecer o convencimento do
magistrado. Para alguns advogados da área, tal fato ganha status de
irritabilidade. Exemplificando, destaca-se extrato do texto de coautoria
do Dr. Paulo Henrique Cremoneze
(http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6856):
Na verdade, os “julgados” do Tribunal Marítimo são pareceres técnicos,
ora de maior, ora de menor importância, mas sempre e tão-só, pareceres
técnicos, donde se infere que as decisões do aludido órgão são
extremamente limitadas [...] A decisão do Tribunal Marítimo não pode,
salvo casos específicos, influenciar diretamente e exclusivamente o
convencimento do Estado-juiz sob pena de, conforme o caso concreto,

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

ferir os princípios básicos da responsabilidade civil que regem o


ordenamento jurídico.
Com todo respeito ao ilustre professor, as decisões finais do Tribunal
Marítimo não têm natureza jurídica de pareceres técnicos, mas de coisa
julgada administrativa, sendo, portanto, decisões definitivas no
âmbito administrativo, com força para apontar responsáveis, aplicando-
lhes penalidades cominadas em lei. Parecer técnico não tem força para
julgar, muito menos para punir, conforme se depreende da dedução
lógica extraída pelo simples conhecimento etimológico dos vocábulos
usados pelos articulistas.
[...] quanto à afirmação de que a decisão do Tribunal Marítimo não pode
influenciar o convencimento do Estado-juiz, é completamente
descabida e não guarda relação de pertinência com o próprio texto da
Lei Orgânica do Tribunal [...]
Ora, como não influenciar a decisão do Poder Judiciário se o Tribunal
Marítimo é órgão auxiliar deste Poder; se suas decisões têm valor de
prova técnica, produzida em tribunal especializado e, mais, presumem-
se corretas? Assim, o magistrado, usando o princípio do livre
convencimento, apreciará a decisão do Tribunal Marítimo, consoante
seu estimado valor de prova expresso em lei.
Resumindo, as decisões do TM fazem coisa julgada administrativa,
podendo ser, por força de sua própria lei orgânica, reexaminadas pelo
Poder Judiciário. Este reexame não diminui, tampouco torna apoucada,
a decisão do Colegiado do Mar, eis que é garantia constitucional, no
âmbito intangível da Carta Política. Entretanto, aquele que quiser
modificar uma decisão do Tribunal Marítimo, na esfera do Judiciário,
terá a herculana tarefa de ilidir prova robusta, vez que produzida perante
tribunal especializado que goza de respeito tanto na comunidade
marítima brasileira, quando na internacional.
Em consonância com este pensamento, encontra-se o caudal da
jurisprudência:
Resp 38082 / PR, Relator Ministro Ari Pargendler, terceira turma –
20/05/1999.
Ementa: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRIBUNAL
MARÍTIMO. As decisões do Tribunal Marítimo podem ser revistas
pelo Poder Judiciário; quando fundadas em perícia técnica, todavia, elas
só não subsistirão se esta for cabalmente contrariada pela prova judicial.
Recurso especial conhecido e provido.153

No mesmo sentido: a decisão do Tribunal Marítimo é prova com presunção


de certeza, tem-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial
n. 811.769, publicado em fevereiro de 2010.
Dentro da Jurisprudência, foi exatamente a principal corte do país –
Supremo Tribunal Federal – quem mais se aprofundou na análise da posição e valor
dos julgados do Tribunal Marítimo, colocando assim uma “pá de cal” sobre o
assunto. Em suma o processo original foi movido pelos armadores do navio
“NAVISUL”, que naufragou quando rebocado entre Manaus e Belém, contra os
seguradores-casco e o IRB. À época a decisão do Tribunal Marítimo deu como
causa do acidente fortuna do mar, contudo, os seguradores se recusaram a pagar,

153
PIMENTA, Matusalém Gonçalves. Processo Marítimo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
_______________________________________________________________ 170
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

alegando que o naufrágio teria sido fraudulento. Apesar do enorme esforço dos
advogados dos seguradores em tentar provar que a decisão do Tribunal Marítimo
não deveria prevalecer, por ter sido incompatível com a prova dos autos, o STF
rejeitou o recurso, valorando sobremaneira a decisão do Tribunal Marítimo.
Diante de sua importância para o atual estudo, faz-se necessária à
transcrição dos seus pontos principais:

AI 62811-RJ, Ministro Bilac Pinto.


Ementa: SEGURO MARÍTIMO. NAUFRÁGIO DE NAVIO. Ação de
cobrança da indenização correspondente a sua perda total.
Legitimidade da utilização da prova, das conclusões técnicas e da
decisão do Tribunal Marítimo Administrativo no julgamento da
ação no TRF. Tendência do Estado Moderno de atribuir o exercício
de funções quase jurisdicionais a órgãos da administração,
aliviando os órgãos do Poder Judiciário do exame de matérias
puramente técnicas. Inviabilidade do extraordinário para o reexame
das provas. Agravo de Instrumento desprovido.
[...] a questão sub judice é de natureza eminentemente técnica e o
pronunciamento do Tribunal Marítimo vale como a melhor das
perícias. [...] quando se trata de caso eminentemente técnico, a
conclusão deve ser a de fato declarado e logicamente deduzido pela
maioria dos que, imparcialmente, tem conhecimentos
especializados sobre o objeto de seu pronunciamento.
A primeira arguição do recorrente é a de que o acórdão recorrido teria
se apoiado, quanto à prova do sinistro, da decisão do Tribunal
Marítimo, órgão administrativo que exerce funções jurisdicionais na
matéria específica sobre que versa a demanda. Essa alegação da
recorrente está fundada numa velha concepção da separação dos
poderes, sobretudo no que diz respeito ao exercício da função
jurisdicional.
A Constituição brasileira mantém, sem dúvida, o princípio da unidade
de jurisdição, que corresponde à supremacia do Judiciário. A
interpretação dessa regra fundamental, entretanto, deve ser feita à luz
das transformações sofridas pelo Estado em razão de sua crescente
intervenção no domínio econômico e na ordem social.
A palavra oracular de um juiz inglês, Lord Campbell, entretanto, já nos
antecipava o advento das modernas agências administrativas com
funções jurisdicionais, quando proclamou, perante a House of Lordes,
por ocasião da discussão do Railway and Canal Traffic Act, que aquele
projeto continha um Código que os juízes não poderiam interpretar e
que, afinal, procurava transformá-los em diretores de ferrovias. [...] Os
juízes, entre os quais se incluía, sentiam-se incompetentes para decidir
a respeito de tais assuntos. Ele havia devotado grande parte de sua vida
ao estudo do direito, mas confessava-se inteiramente desfamiliarizado
com a administração da ferroviária.
[...] O século XX presenciou notável desenvolvimento nas atividades
legislativas e jurisdicionais da Administração. Com frequência cada vez
maior, tendo-se permitido, ou mesmo exigido, que as autoridades
administrativas expeçam normas gerais ou regulamentares. Essa atitude
constitui legislação administrativa. [...] Mais frequentemente ainda, têm
essas autoridades de resolver questões concernentes a certos direitos.
Quando a atividade administrativa, em tal caso, dá margem a
controvérsia dirimível por autoridade administrativa, com competência
jurisdicional, essa decisão é realmente judicial por natureza. [...] Os
mais ortodoxos autores foram forçados a reconhecer a existência de

_______________________________________________________________ 171
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

funções que denominam de quase legislativas ou quase judiciais,


desenhadas como parte da atividade administrativa. Atualmente, nos
EUA, as regulamentações e as decisões emanadas de autoridades
administrativas são tão numerosas, tão importantes e de tão largo
alcance, que a vida particular de cada cidadão está sob a sua influência.
A legislação e a jurisdição administrativas tornaram-se características
significativas da função governamental.
[...] Essa ampliação da atividade estatal provocou efeitos profundos na
Administração. Em primeiro lugar, resultou em confirmar-se um ramo
administrativo do governo grande variedade de funções nem sequer
imaginadas há bem poucos anos. Esses novos encargos exigiram a
criação de novos serviços, redistribuição do trabalho, a alteração das
relações entre os diferentes órgãos, a seleção de pessoal mais numeroso
e melhor aparelhado, o estabelecimento de novos métodos para o
controle do pessoal e a idealização de novas normas, métodos ou
processos para a melhor execução do trabalho. Mas, não é tudo. O
grande aumento da atividade do Governo, especialmente reguladora e
controladora, obriga a Administração a proferir decisões muito
semelhantes às jurisdicionais, quanto à natureza. Tão grande é o seu
número, tão técnicos são os conhecimentos exigidos para proferi-las,
tão misturadas podem elas estar com o processo administrativo, tão
importante é que elas sejam proferidas com rapidez, que os tribunais
judiciais não são obviamente as autoridades ideais para elaborá-las. A
tarefa de pronunciar tais decisões deve caber a certas autoridades
administrativas, sejam elas da própria administração ativa ou
tribunais administrativos.
[...] A criação do Tribunal Marítimo, órgão administrativo
integrado por técnicos, a que se atribui competência quase
jurisdicional para o deslinde de questões de direito marítimo se
insere na tendência do Estado Moderno de aliviar as instituições
judiciais de encargos puramente técnicos, para os quais não estão
elas preparadas.
[...] As conclusões de natureza técnica do Tribunal Marítimo
inscrevem-se, entretanto no particular, entre as provas de maior
valia, devendo merecer a mais destacada consideração, de juízes e
tribunais, por tratar-se de órgão oficial e especializado. Sem prova
mais convincente em contrário, nada autoriza se desprezarem as
conclusões técnicas do Tribunal Marítimo.

5 Dos Processos no Tribunal Marítimo


5.1 Apuração Administrativa Preliminar – NORMAM nº 9
O Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN)
será instaurado conforme as regras das Normas da Autoridade Marítima nº 9
(NORMAM 9), que regulamenta a instauração e instrução do Inquérito.
O IAFN será instaurado sempre que chegar ao conhecimento de uma
Agência da Autoridade Marítima a ocorrência de acidente ou fato da navegação,
como dispõe o art. 33 da Lei n° 2.180/1954.154

154
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 33. Sempre que chegar ao conhecimento de uma Capitania dos Portos
qualquer acidente ou fato da navegação será instaurado inquérito.”
_______________________________________________________________ 172
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O órgão competente para instaurar o inquérito é a Capitania do Porto ou a


Delegacia em cuja jurisdição ocorreu o evento, a capitania do primeiro porto de
escala ou arribada do navio, a capitania do porto de inscrição do navio, ou em
qualquer outra designada pelo Tribunal Marítimo.
Somente as Capitanias dos Portos e Delegacias poderão instaurar o inquérito
administrativo. Assim, quando uma agência da capitania dos portos toma
conhecimento da ocorrência de um acidente ou fato da navegação, deve comunicar,
imediatamente, à capitania que estiver subordinada, a fim de que esta instaure o
IAFN. Note-se que na ocorrência de sinistro com uma embarcação brasileira em
águas estrangeiras, o inquérito deve ser instaurado pela autoridade consular da zona.
No caso de acidente ou fato da navegação envolvendo navio da marinha do
Brasil, exceto se empregado em atividade comercial, não cabe instauração de IAFN,
mas a abertura de sindicância e/ou inquérito policial militar. 155
Durante a fase de instrução do IAFN são colhidas, pelo encarregado do
inquérito, prova testemunhal, pericial e documental em busca da causa
determinante e do responsável pelo evento.156 Dessa maneira, são partes integrantes
do inquérito: os depoimentos do capitão, do prático, dos tripulantes e dos
passageiros; exame pericial com o respectivo laudo; cópias dos diários de bordo e
de máquinas; termos de vistorias; certificados de sociedades classificadoras;
manifesto de carga; rol de equipagem; cartas náuticas utilizadas; croqui explicativo
acerca da dinâmica do acidente etc.
A conclusão do inquérito deverá ocorrer em noventa dias contados da
instauração até a ciência e o de acordo do capitão dos portos ou delegado.157
Encerrada a coleta de provas, o encarregado do inquérito deve elaborar um
relatório claro expondo os resultados colhidos, concluindo de modo coerente com
as provas dos autos e de forma imparcial, apenas apontando possíveis responsáveis,
se houver.
Quando um acidente ou fato da navegação for decorrente de culpa ou dolo
devido à imprudência, imperícia ou negligência, o encarregado do inquérito deve
indicar os possíveis responsáveis, sendo indispensável a notificação destes para o

155
NORMAM 9, item 0107, alínea a.
156
NORMAM 9, item 0108, alínea a.
157
NORMAM 9, item 0111, alínea a.
_______________________________________________________________ 173
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

oferecimento de defesa prévia no prazo de dez dias. 158 Contudo, o encarregado do


inquérito poderá concluir que o acidente ou fato da navegação se deu por força
maior, caso fortuito ou fortuna do mar.
Por fim, ao término do relatório, a autoridade que conduziu o IAFN deverá
encaminhá-lo ao capitão dos portos ou delegado para apreciação e posterior
despacho final. O capitão dos portos ou delegado, ao apreciar o relatório, poderá
concordar ou não com a conclusão a que chegou o encarregado do inquérito. Caso
não concorde deverá devolver os autos para execução de novas diligências, com a
consequente elaboração de um novo relatório.
O IAFN não pode ser cancelado, senão por decisão do Tribunal Marítimo,
mesmo na hipótese de ter havido acordo entre as partes envolvidas no acidente ou
fato da navegação, ou ainda se durante a fase inicial de investigação for constatado
que o evento não se caracterizou como tal.
Após a apreciação do relatório do inquérito, os autos serão encaminhados
ao Tribunal Marítimo por meio de um ofício especial de remessa.

5.2 Do Rito Processual


5.2.1 Instauração
A instauração do processo administrativo pode ocorrer por iniciativa
pública, privada ou por decisão do próprio Tribunal, 159 conforme o disposto no
artigo 41 da Lei nº 2.180/1954, sendo instaurado por exposição escrita e
circunstanciada por meio de portaria, representação, auto de infração, petição e
despacho da autoridade competente.
Provocado por iniciativa pública, o processo inicia-se com a representação
da Procuradoria Especial da Marinha, ou por meio da decisão do próprio Tribunal
Marítimo. Pela iniciativa privada, o processo inicia-se por requerimento ou petição
do interessado. Nesse particular, caso a PEM entenda pelo arquivamento dos autos,
poderá a parte interessada requerer a instauração do processo.160

158
NORMAM 9, item 0111, alínea a.
159
Lei n° 2.180/1954 – “Art 41. O processo perante o Tribunal Marítimo se inicia:
a) em virtude de representação do interessado;
b) por iniciativa da Procuradoria;
c) por decisão do próprio Tribunal.”
160
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 41. O processo perante o Tribunal Marítimo se inicia:
I - por iniciativa da Procuradoria;
II - por iniciativa da parte interessada;
_______________________________________________________________ 174
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Uma vez instaurado o processo por recebimento da denúncia ou sendo


negado o arquivamento do inquérito a pedido da Procuradoria Especial da Marinha,
se procederá a citação do acusado, conforme previsto no art. 42 da Lei nº
2.180/1954.161

5.2.2 Defesa
Respeitando-se o devido processo legal, a defesa nos autos do processo
administrativo está prevista no art. 56 da Lei nº 2.180/1954,162 devendo ser
interposta de forma escrita, especificando os meios de provas que se pretende
produzir, no prazo de quinze dias contados a partir da notificação, sendo
obrigatoriamente subscrita por advogado constituído nos autos, conforme
determina o art. 31 da mesma lei. 163

5.2.3 Instrução
A instrução, assim como em qualquer procedimento judicial, é a fase
comprobatória que visa a elucidar os fatos. É nesta fase que se dará o depoimento
pessoal do representado, as inquirições das testemunhas envolvidas no caso, todas
as inspeções e perícias técnicas necessárias, juntada de documentos, dentre outras
diligências inerentes à instrução do processo.

5.2.4 Relatório

III - por decisão do próprio Tribunal.


§ 1º O caso do número II dar-se-á:
a) por meio de representação, devidamente instruída, quando se tratar de acidente ou fato da
navegação, no decorrer dos 30 dias subsequentes ao prazo de 180 dias da sua ocorrência, se até o
final deste, não houver entrado no Tribunal o inquérito respectivo;
b) Por meio de representação, nos autos de inquérito, dentro do prazo de dois meses, contado do dia
em que os autos voltarem da Procuradoria, quando a promoção for pelo arquivamento, ou ainda no
curso do processo dentro do prazo de três meses, contado do dia da abertura da instrução, ou até a
data de seu encerramento, se menor for a sua duração. [...]
161
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 42. Recebido o inquérito ou a representação de que trata o artigo
precedente será imediatamente feita a sua distribuição, cabendo ao relator designado ordenar, em
seguida a notificação, por edital, de todos os possíveis interessados no acidente ou fato em
apuração.”
162
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 56. Dentro em quinze dias da notificação poderá o notificado oferecer
defesa escrita, juntando e indicando os meios de prova que entender convenientes.
Parágrafo único. A decisão do Tribunal Marítimo só poderá versar sobre os fatos constantes da
representação ou da defesa.”
163
Lei n° 2.180 – “Art. 31. O patrocínio das causas no Tribunal Marítimo é privativo dos advogados
e solicitadores provisionados, inscritos em qualquer seção da Ordem dos Advogados do Brasil.
Parágrafo único. As proibições e impedimentos de advocacia no Tribunal Marítimo regem-se pelo
disposto no Regulamento da Ordem dos Advogados do Brasil.”
_______________________________________________________________ 175
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O relatório é a fase que sucede à instrução do feito. Assim, após as alegações


finais das partes, no prazo de dez dias sucessivos, iniciando-se pela acusação e, em
seguida, com vista dos autos à defesa do representado, conforme determina o art.
65 da Lei nº 2.180/1954,164 os autos serão conclusos ao juiz relator, que terá, então,
o prazo de dez dias para a elaboração do relatório e o pedido de inclusão do
processo em pauta para julgamento, nos termos do art. 67 da Lei nº 2.180/1954,165
devendo sanar, nesta oportunidade, qualquer irregularidade ou omissão processual,
bem como ordenar diligências necessárias ao esclarecimento da causa sob análise.
Em observância aos limites objetivos da coisa julgada administrativa, a
conclusão dos fatos estabelecidos na fundamentação do relatório e os motivos
determinantes para a conclusão da decisão, bem como as questões prejudiciais
decididas incidentalmente no curso processual não farão coisa julgada
administrativa, uma vez que se aplica, subsidiariamente, a regra do art. 469 do
Código de Processo Civil. 166

5.2.5 Julgamento
O julgamento é a decisão proferida pelo órgão judicante, nos limites
objetivos da causa, não possuindo qualquer vinculação com o relatório elaborado
pelo juiz relator, que servirá tão somente como fundamento para o julgamento da
causa, devendo, conforme determina do art. 68 da Lei nº 2.180/1954,167 obedecer
às seguintes normas:
 Relatório;
 Sustentação das alegações finais pelas partes;

164
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 65. Finda a instrução, será aberta vista dos autos por dez dias,
sucessivamente, ao autor e ao representando para que aduzam, por escrito, alegações finais, e em
seguida serão os autos conclusos ao relator para pedido de julgamento.”
165
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 67. O relator terá dez dias a fim de estudar os autos que lhe forem
conclusos para pedido de julgamento afora o tempo consumido nos atos a que se refere o artigo
precedente.”
166
Código de Processo Civil – “Art. 469. Não fazem coisa julgada:
I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;
II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.”
167
Lei n° 2.180/54 – “Art. 68. O julgamento do processo obedecerá às seguintes normas:
a) relatório;
b) sustentação das alegações finais, sucessivamente, pelas partes;
c) conhecimento das preliminares suscitadas e dos agravos;
d) discussão da matéria em julgamento;
e) decisão, iniciando-se a votação pelo relator, e seguido este pelos demais juízes, a partir do mais
moderno no cargo.”
_______________________________________________________________ 176
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

 Apreciação das questões preliminares e dos agravos retidos nos autos;


 Discussão da matéria em julgamento pelo colegiado;
 Decisão, iniciando-se a votação pela leitura do voto do relator, prosseguindo
com os votos dos demais juízes.
Nesta fase, o Tribunal Marítimo não diverge da ordem processual de
qualquer outro órgão colegiado. A condição de validade e eficácia jurídica da
decisão depende da regularidade em todas as demais fases processuais,
notadamente, por ocasião do julgamento, na forma estabelecida nos arts. 68 e
seguintes da Lei nº 2.180/1954 e no Regimento Interno, que dispõe sobre a ordem
processual dos procedimentos no Tribunal Marítimo.

5.2.6 Dos Recursos no Tribunal Marítimo


Diante da decisão exarada pelo órgão judicante são cabíveis três espécies de
recursos, previstos no Título IV da Lei nº 2.180/1954:
 Embargos Infringentes;
 Agravo, por simples petição;
 Embargos Declaratórios.
A respeito do referido tema, a irretocável lição do professor Theophilo de
Azeredo Santos:168

a) Embargos de nulidade ou infringentes de decisão final sobre o mérito


do processo, versando os embargos exclusivamente matéria nova, ou
baseando-se em prova posterior ao encerramento da fase probatória, ou
ainda, quando não unânime a decisão, e, neste caso, serão os embargos
restritos à matéria objeto da divergência. Devem ser opostos nos 10 dias
seguintes ao da publicação do acórdão no órgão oficial.
b) Agravo, por simples petição: dos despachos e decisões dos juízes que
não admitirem a intervenção de terceiro na causa como litisconsorte ou
assistente; que concederem ou denegarem inquirição e outros meios de
prova; que concederem grandes ou pequenas dilações para dentro ou
fora do País e que deferirem, denegarem ou renovarem o benefício da
gratuidade. Também é cabível agravar dos despachos e decisões do
presidente que admitirem ou não o recurso ou apenas o fizerem em
parte; que julgarem ou não reformados autos perdidos em que não havia
ainda decisão final; sobre erros de contas ou custas e que o concederem
ou denegarem registro.
O prazo para a interposição do agravo, assim como para o
preparo do recurso, será de 48 horas169, contadas do despacho que
mantiver a decisão, sob pena de deserção.

168
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação (Marítima e Aérea). Rio de Janeiro:
Forense, 1964. p. 429.
169
Cumpre salientar que, com o advento da Lei n° 5.056, de 29 de junho de 1966, que alterou, dentre
outros, o parágrafo 2º do art. 112 da Lei n° 2.180/1954, o prazo para a interposição do agravo passou
_______________________________________________________________ 177
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

c) Embargos de Declaração, no prazo de 48 horas, contadas da


publicação da decisão no órgão oficial, quando apresentar ambiguidade,
obscuridade, contradição ou omissão.

É de ser notar certa peculiaridade entre os prazos e procedimentos


estabelecidos aos recursos supracitados, com os prazos previstos no Código de
Processo Civil. Todavia, a Lei nº 2.180/1954 possui caráter específico e especial, e,
portanto, deverão ser aplicadas em caráter imediato e, subsidiariamente, as demais
regras processuais vigentes. Quando expresso na lei, o efeito da interposição de
recursos será sempre meramente devolutivo. Por outro lado, sendo a lei omissa, o
recurso será recebido no seu duplo efeito, ou seja, devolutivo e suspensivo, por esta
ser a regra geral do direito processual.
Cumpre salientar que, a despeito do que ocorre nos órgãos jurisdicionais,
admite-se no Tribunal Marítimo a reformatio in pejus (reforma da decisão com
prejuízo do recorrente, como, por exemplo, ampliar o prazo de suspensão), uma vez
que o Tribunal Marítimo, no reexame da decisão recorrida, poderá concluir de
modo contrário ao interesse do recorrente na busca da verdade real ou material.
Observe-se, neste contexto, que os recursos serão apreciados pelo órgão julgador
que prolatou a decisão de mérito.

5.2.7 Do processo de execução


Uma vez proferida a decisão administrativa, o Tribunal Marítimo encerra
sua atividade cognitiva, tal como ocorre no processo de conhecimento comum,
passando à fase de execução do julgado, com previsão no art. 115 e seguintes da
Lei nº 2.180/1954. Nesse contexto, pela natureza da condenação administrativa
divide-se o processo executório da seguinte forma:
 Execução de fazer – A decisão condena o acusado a uma determinada
obrigação de fazer, isto é, ao cumprimento de uma certa prestação.
 Execução de não fazer – Quando a penalidade implica na abstenção da prática
de um ato.
 Execução por quantia certa – No caso de aplicação de multa e o pagamento
das custas pelo vencido e, nesse caso, a guia de sentença será remetida à repartição
competente, cobrada em execução fiscal.

de 48 horas para cinco dias, sendo o seu processamento na forma dos arts. 522 e seguintes do Código
de Processo Civil.
_______________________________________________________________ 178
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A guia de sentença é título constitutivo originário da instauração do processo


de execução, com a finalidade prática assemelhada às cartas de sentença extraídas
pelos tribunais da justiça comum, devendo conter os requisitos previstos no art. 115
da Lei nº 2.180/1954,170 sendo aí incluídas, ainda, as custas processuais vencidas.
Ressalte-se que o não pagamento da multa permite ao Tribunal Marítimo inscrever
o nome do devedor na dívida ativa do Estado.

5.2.8 - Das penalidades no Tribunal Marítimo


O Tribunal Marítimo em âmbito administrativo, observando os antecedentes
e a personalidade do responsável, a existência de dolo ou grau de culpa, além das
circunstâncias que levaram à ocorrência da infração e suas consequências, poderá
aplicar diferentes penalidades.
As penalidades aplicadas pelo Tribunal marítimo são as seguintes:
• repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação ou
ambas;
• suspensão de pessoal marítimo;171
• interdição para o exercício de determinada função;
• cancelamento da matrícula profissional e da carteira de amador;

170
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 115 – Para cumprimento de decisão do Tribunal Marítimo será
expedida guia com os seguintes requisitos:
a) o nome da autoridade que a manda cumprir;
b) a indicação da autoridade incumbida do seu cumprimento;”
171
“Art. 124. O Tribunal poderá aplicar a pena de suspensão ou multa, ou ambas cumulativamente,
às pessoas que lhe estão jurisdicionadas, quando ficar provado que o acidente ou fato da navegação
ocorreu por:
I - erro da navegação, de manobra ou de ambos;
II - deficiência da tripulação;
III - má estivação da carga;
IV - haver carga no convés, impedindo manobras de emergência, ou prejudicando a estabilidade da
embarcação;
V - avarias ou vícios próprios conhecidos e não revelados à autoridade, no casco, máquinas,
instrumentos e aparelhos;
VI - recusa de assistência, sem motivo, à embarcação em perigo iminente, do qual tenha resultado
sinistro;
VII - inexistência de aparelhagem de socorro, ou de luzes destinadas a prevenir o risco de
abalroações;
VIII - ausência de recursos destinados a garantir a vida dos passageiros ou tripulantes;
IX - prática do que, geralmente, se deva omitir ou omissão do que, geralmente, se deva praticar.
§ 1º O Tribunal poderá aplicar, até o décuplo, a pena de multa ao proprietário, armador, operador,
locatário, afretador ou carregador, convencido da responsabilidade, direta ou indireta, nos casos a
que se referem este artigo e o anterior, bem como na inobservância dos deveres que a sua qualidade
lhe impõe em relação à navegação e atividades conexas.
§ 2º Essa responsabilidade não exclui a do pessoal marítimo que transigir com os armadores na
prática daquelas infrações.
_______________________________________________________________ 179
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

• proibição ou suspensão do tráfego da embarcação;


• cancelamento do registro de armador;
• multa, cumulativamente ou não, com qualquer das penas anteriores.
Dentre as penalidades supra, é importante ressaltar que no caso da multa seu
montante deverá atender às condições financeiras do infrator, podendo ser
convertida em repreensão ou suspensão (a análise deverá ser feita caso a caso), e
deverá ser paga em 10 dias contados da ciência da guia de sentença, podendo tal
prazo ser dilatado.
Ademais, a Lei estipula em seu art. 121, § 5° que multa aplicada pelo
Tribunal pode variar de onze a quinhentas e quarenta e três Unidades Fiscais de
Referência (UFIR), ressalvada a elevação do valor máximo nos casos previstos na
lei, podendo ainda tal multa ser aumentada em 10 vezes caso trate-se de pessoa
jurídica. Por fim, cumpre-se observar que o valor da UFIR foi congelado no valor
de R$ 1,604.

6 Órgãos auxiliares do Tribunal Marítimo


6.1 Procuradoria Especial da Marinha
A Procuradoria Especial da Marinha – PEM , composta por procuradores,
oficiais do quadro técnico da Marinha do Brasil, é responsável perante o Tribunal
Marítimo pela fiel observância da CRFB/1988, 172 das leis e dos atos emanados dos
poderes públicos, referentes às atividades marítimas, fluviais e lacustres.
A competência da PEM está prevista no art. 5º da Lei nº 7.642/1987173 que,
dentre outras funções, deve atuar nos processos da competência do Tribunal
Marítimo, em todas as suas fases. Segue, abaixo, um rol de atribuições da PEM:

172
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
173
“Art. 5º Compete à Procuradoria Especial da Marinha - PEM:
I - assessorar, juridicamente, o Ministro da Marinha, o Estado-Maior da Armada, a Secretaria-Geral
da Marinha e a Diretoria-Geral de Navegação, nas consultas concernentes ao Direito Marítimo
Administrativo e ao Direito Marítimo Internacional, bem como naquelas atinentes a acidentes ou
fatos da navegação;
II - atuar nos processos da competência do Tribunal Marítimo, em todas as suas fases;
III - oficiar em todas as consultas feitas ao Tribunal Marítimo;
IV - requerer, perante o Tribunal Marítimo, o arquivamento dos inquéritos provenientes de órgão
competente;
V - oficiar à autoridade competente, solicitando a instauração de inquérito, sempre que lhe chegar
ao conhecimento qualquer acidente ou fato da navegação;
VI - oficiar nos processos promovidos mediante representação de interessados ou por decisão do
Tribunal Marítimo, acompanhando-os em todas as fases;
VII - oficiar em todos os processos de registro de propriedade marítima, de armador, de hipoteca e
demais ônus reais sobre embarcação;
_______________________________________________________________ 180
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

1. Assessorar, juridicamente, o Comandante da Marinha, o Estado-


Maior da Armada, a Secretaria-Geral da Marinha e a Diretoria-Geral de
Navegação, nas consultas concernentes ao Direito Marítimo
Administrativo, ao Direito Marítimo Internacional, bem como naquelas
atinentes a acidentes e fatos da navegação;
2. atuar nos processos da competência do Tribunal Marítimo, em todas
as suas fases;
3. oficiar em todas as consultas feitas ao Tribunal Marítimo;
4. requerer, perante o Tribunal Marítimo, o arquivamento dos inquéritos
provenientes dos órgãos competentes, bem como formular
representação ou outra promoção, relativa aos referidos inquéritos;
5. oficiar à autoridade competente, solicitando a instauração de
inquérito, sempre que lhe chegar ao conhecimento qualquer acidente ou
fato da navegação;
6. oficiar nos processos promovidos mediante representação dos
interessados ou por decisão do Tribunal Marítimo, acompanhando-os
em todas as fases;
7. oficiar em todos os processos de Registro de Propriedade Marítima,
de Armador, de hipoteca e demais ônus reais sobre embarcações e nos
processos do Registro Especial Brasileiro (REB);e
8. orientar juridicamente às Capitanias dos Portos, Delegacias e
Agências, como necessário, na condução de inquéritos de acidentes e
fatos da navegação e aspectos correlatos.

O cargo de Diretor da PEM é exercido por um Oficial Superior, ou, quando


a necessidade de serviço não o permitir, será nomeado pelo alvedrio do delegante,
como cargo de provimento em comissão, pelo critério de confiança, consoante
dispõe o art. 3º e parágrafo único da Lei nº 7.642/1987.

6.1.1 Da atuação da PEM em processos administrativos relativos aos Acidentes


e /ou Fatos da Navegação
Após despacho do juiz Relator para a PEM se manifestar, os autos do
inquérito relativos aos acidentes e fatos da navegação são enviados à Procuradoria
Especial da Marinha, sendo distribuídos a um dos Procuradores, para
pronunciamento inicial, o qual pode consistir em:
a) Pedido de realização de diligências complementares;
b) Pedido de arquivamento do inquérito;
c) Arguição de Incompetência do Tribunal Marítimo; ou

VIII - promover a assistência judiciária gratuita aos acusados que não disponham de recursos para
constituir advogado, aos revés, ausentes ou foragidos, assim declarados, e aos que o Tribunal
Marítimo considere indefesos;
IX - servir de curadoria, nos casos previstos em lei; e
X - promover e manter estágio forense perante o Tribunal Marítimo.”

_______________________________________________________________ 181
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

d) Oferecimento de representação.
O pedido de realização de diligências complementares tem lugar,
basicamente, quando as provas carreadas aos autos do inquérito mostram-se
insuficientes para a imediata formação do convencimento da PEM com relação às
causas, circunstâncias e extensão dos acidentes e/ou fatos da navegação, bem como
no tocante aos eventuais responsáveis por tais incidentes da navegação.
O pronunciamento da PEM, pugnando pelo arquivamento do inquérito, por
seu turno, ocorre em resumo quando:
a) o acidente e/ou fato da navegação se deu por força maior, caso fortuito
ou fortuna do mar; ou
b) não foi possível esclarecer, com precisão, as causas determinantes
do acidente e /ou fato da navegação, a despeito dos esforços de investigação
levados a efeito pela autoridade encarregada da elaboração do inquérito.
A arguição de incompetência do Tribunal Marítimo dispensa maiores
comentários e, por óbvio, tem lugar quando falece competência ao Tribunal
Marítimo para o exame do caso.
Por outro lado, o oferecimento de representação pela PEM ocorre quando
existentes no inquérito elementos probatórios que indiquem as causas,
circunstâncias e extensão dos acidentes e/ou fatos da navegação e que denunciem
culpa ou dolo de seus causadores.
Para melhor compreensão da figura da representação, pode-se dizer que ela
tem para o processo administrativo sobre acidente e/ou fato da navegação papel
similar ao da denúncia para o processo penal.
Também compete à PEM:
a) a interposição de recursos contra as decisões emanadas do colegiado
(embargos infringentes e embargos de declaração), bem como contra as
singularmente proferidas (agravo e embargos de declaração); e
b) manifestar-se acerca da regularidade formal de eventual
representação privada ofertada por administrado possuidor de legítimo
interesse econômico ou moral no julgamento do acidente ou fato da
navegação (arts. 41, inciso II, c/c 42, letra a, c/c 45, todos da Lei nº
2.180/1954), acompanhando e intervindo em todas as fases (instrução,
alegações finais escritas e sustentação oral) de processo administrativo

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DIREITO MARÍTMO

instaurado em decorrência de ter sido a representação privada recebida


pela Corte Marítima.
Conveniente ressaltar que a atuação da PEM nos processos administrativos
sobre acidentes e/ou fatos da navegação opera-se em prol da salvaguarda da vida
humana nas águas e da segurança do tráfego aquaviário.

6.1.2 Da atuação da PEM em Processos Administrativos relativo aos Registros


disciplinados na Lei nº 7.652/1988
Conforme salientado anteriormente, cabe ao Tribunal Marítimo manter os
registros de armador de embarcações brasileiras e de propriedade marítima de
embarcações que possuam arqueação bruta superior a cem toneladas, bem como o
registro de direitos reais e de outros ônus que gravem embarcações brasileiras em
geral, incluindo penhoras judiciais (art. 13, inciso II, letras a, b e c, da Lei
nº 2.180/1954 c/c arts. 4º, 12 e 14 da Lei nº 7.652/1988).
Destaque-se que os pedidos para a obtenção dos registros anteriormente
citados, bem como os de seus respectivos cancelamentos, darão ensejo a instauração
de processos administrativos específicos, a serem instruídos com variados
documentos pertinentes aos pedidos, cumprindo ressaltar que tais processos são
enviados à Procuradoria Especial da Marinha para manifestação acerca do
preenchimento ou não, pelos requerentes, dos requisitos legais exigidos para o
deferimento dos pedidos formulados pelos administrados (art. 5º, inciso VII, da Lei
nº 7.642/1988, c/c art. 19-A Lei nº 9.028/1995, c/c art. 131 da Constituição
Federal).
Imperioso sublinhar que, de acordo com o estatuído no art. 12 da Lei nº
7.652/1988, o registro de direitos reais e de outros ônus que incidam sobre
embarcações brasileiras deverá ser feito no Tribunal Marítimo, sob pena de não
valer contra terceiros.
De se registrar, outrossim, que compete à PEM a interposição de recurso
contra a decisão de primeiro grau proferida pelo Juiz Presidente, em matéria de
registro (art. 22, letra “g” c/c art. 111, inciso II, letra “d”, da Lei nº 2.180/1954), o
qual será submetido a julgamento pelo colegiado da Corte Marítima.

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DIREITO MARÍTMO

6.1.3 Da atuação da PEM em Processos Administrativos relativos ao Registro


Especial Brasileiro (REB), disciplinado na Lei nº 9.432/1997
Finalmente, como destacado anteriormente, compete ao Tribunal Marítimo
manter o chamado Registro Especial Brasileiro, instituído pelo art. 11 da Lei
n.º 9.432/1997, com o propósito específico de promover o desenvolvimento da
Marinha Mercante brasileira, por meio de uma série de incentivos.
Destaque-se que os pedidos de inscrição no Registro Especial Brasileiro,
bem como os de cancelamento, darão ensejo a instauração de processos
administrativos específicos, a serem instruídos com documentos diversos,
cumprindo-nos ressaltar que tais processos são enviados à Procuradoria Especial
da Marinha para pronunciamento acerca do preenchimento ou não, pelos
requerentes, dos requisitos legais exigidos para o deferimento dos pedidos
formulados pelos administrados.

6.2 Advogados e solicitadores


O patrocínio das causas no Tribunal Marítimo é privativo de advogados e
solicitadores inscritos na OAB – Ordem dos Advogados do Brasil (art. 31 da Lei
2.180/1954).

6.3 Secretaria
É por meio da secretaria que os serviços processuais, técnicos e
administrativos decorrentes das atribuições do Tribunal serão exercidos. A
secretaria é dirigida por um bacharel em Direito que exerce o cargo de Diretor-
Geral.

7 Acidentes e fatos da navegação


Os Acidentes e Fatos da Navegação são definidos pela Lei n° 2.180/1954,
sendo o Tribunal Marítimo órgão competente para julgá-los.
Conforme determina a Lei nº 2.180/1954 no seu art. 14, alínea “a”,174 são
considerados Acidentes da Navegação: o naufrágio, o encalhe, a colisão, a

174
“Art. 14. Consideram-se acidentes da navegação:
a) naufrágio, encalhe, colisão, abalroação, água-aberta, explosão, incêndio, varação, arribada e
alijamento;”

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abalroação, a água-aberta, a explosão, o incêndio, a varação, o alijamento e a


arribada.
O naufrágio ocorre quando uma embarcação afunda nas águas, sem que
esta possa emergir por meios próprios, devido à entrada de água na embarcação,
adernamento, emborcamento, alagamento etc. O encalhe significa o contato do
fundo da embarcação com o fundo do mar, dificultando a movimentação da
embarcação. A colisão é o choque da embarcação contra qualquer objeto que não
seja outra embarcação. Já a abalroação é o choque de uma embarcação com outra
embarcação. O acidente denominado água-aberta decorre de abertura abaixo da
linha d’água permitindo a entrada de água nos espaços internos da embarcação,
provocada por quaisquer falhas que comprometam a vedação da embarcação.
Considera-se explosão a combustão brusca ocasionando abrupta pressão. Quanto
ao incêndio, diz-se de destruição causada por fogo decorrente, por exemplo, de
combustão de materiais a bordo. A varação significa fazer encalhar,
intencionalmente, embarcação que apresenta quaisquer falhas técnicas /
operacionais que comprometam sua locomoção, visando a evitar maiores danos à
mesma, tais como o naufrágio. Denomina-se alijamento o ato de lançar ao mar
objetos carregados pela embarcação a fim de melhorar seu deslocamento ou
beneficiar sua estabilidade. Finalmente, a arribada significa levar a embarcação a
um porto ou lugar que não seja de escala ou de destino, que não tenha sido previsto
no planejamento da viagem.
Em sua apuração e julgamento, o Tribunal Marítimo avalia se o acidente
ocorreu por uma razão “justificada”, como caso fortuito decorrente de força maior;
se decorrente de causa “injustificada”, isto é, ocasionada por defeito na embarcação
ou por negligência de tripulante; ou, ainda, se resultou de ato voluntário, devido à
vontade ou interesse do Capitão, dos tripulantes ou do armador.
Consideram-se também acidentes da navegação quaisquer avarias ou
defeitos no navio, ou nas suas instalações, que ponham em risco a embarcação, as
vidas, as mercadorias e os bens transportados, conforme o artigo 14, alínea “b” da
Lei n° 2.180/1954.175

175
“Art. 14. Consideram-se acidentes da navegação:
b) avaria ou defeito no navio, nas suas instalações, que ponha em risco a embarcação, as vidas e
fazendas a bordo.”
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Ressalte-se que, embora defeito ou avaria não provoque um acidente (como


um naufrágio ou um incêndio), o mesmo já é considerado como um acidente da
navegação, devendo, portanto, ser processado e julgado pelo Tribunal Marítimo.
Enquanto na ocorrência de um acidente da navegação configura-se um
acontecimento material relacionado a um dano, os fatos da navegação se
caracterizam por uma ocorrência de natureza formal, vinculada à ideia de risco.
Conforme alínea “a” do art. 15 da Lei n° 2.180/1954,176 são considerados
“fatos da navegação”: a deficiência de equipagem, mau emparelhamento da
embarcação, impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada.
Ressalte-se que a falta ou deficiência quanto à quantidade e à qualificação de
tripulantes, em desacordo com as exigências regulamentares, é caracterizada como
deficiência de equipagem.
A impropriedade, a falta ou a deficiência de funcionamento de aparelhos,
equipamentos, peças sobressalentes, acessórios e materiais, quando em desacordo
com as exigências dos regulamentos, denomina-se mau aparelhamento da
embarcação. Denomina-se, por sua vez, a impropriedade da embarcação para o
serviço em que é utilizada quando esta é usada em desacordo com sua destinação,
ou em desacordo com a área de atuação estabelecida em sua classificação.
Faz-se mister ressaltar que, muitas vezes, os “fatos da navegação” são
considerados apenas infrações à Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (LESTA),
com sanções administrativas aplicadas diretamente pela Capitania dos Portos.
As causas mais comuns dos acidentes e fatos da navegação podem ser
classificadas por:
 Ação do meio ambiente, ou seja, decorrente de fenômenos da natureza, os
quais se convencionou chamar de decorrentes de “fortuna do mar”.
 Deficiência dos auxílios à navegação, causa que ocorre, não tão
frequentemente, por mau posicionamento de boias, incorreções cartográficas etc.
 Deficiência do material, devido a avarias, defeitos, mau funcionamento,
ruptura e deformações excessivas de estruturas, equipamentos, máquinas e material,
relacionados com o desempenho de casco, das máquinas, acessórios etc.

176
“Art. 15. Consideram-se fatos da navegação:
a) mau aparelhamento ou impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada e a
deficiência da equipagem;”

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Ademais, o fator operacional também contribui para a ocorrência de


acidentes, devido às falhas na atuação dos responsáveis pela operação da
embarcação e de seus equipamentos, podendo-se enumerar tais falhas como:
 Erro de manobra em decorrência de falha na aproximação, por velocidade
indevida, deficiência de vigilância ou não cumprimento de ação recomendada para
evitar abalroamento etc.;
 Erro da navegação por equívocos na escolha de rumos ou velocidades, na
interpretação de cartas ou auxílios à navegação, na condução da embarcação sob
mau tempo etc.;
 Erro de operação ou de condução de equipamentos por falhas devido ao
acionamento inoportuno de aparelhos e utensílios, utilização de meio inadequado
para acesso, operação indevida de equipamento apresentando indícios de mau
funcionamento etc.;
 Erro de manutenção de equipamentos e estruturas que decorram da falha na
revisão, previsão de estoque, no controle de qualidade de materiais utilizados a
bordo etc.;
 Erro de projeção ou construção que ocorre por falhas na construção da
embarcação, como, por exemplo, devido à deficiência de estabilidade, por falha na
reserva de flutuabilidade etc.;
É importante destacar que a ação intencional do Comandante, de tripulantes
ou até mesmo do armador, é fator determinante para a ocorrência de acidentes, tais
como arribadas, varação, abandono e alijamento de carga, causados na maior parte
das vezes com a intenção de evitar um mal maior.

7.1 Das Avarias


De acordo com o artigo 761 do Código Comercial, 177 avaria é todo dano
causado ao navio ou à carga ou qualquer despesa extraordinária que se faça em
benefício de um ou de outro, ou comum a ambos, desde o embarque e partida até
seu retorno e desembarque.
Considera-se como avaria os danos, as perdas e as despesas de caráter
excepcional que o navio ou sua carga sofrem durante a expedição marítima, desde

177
Código Comercial – “Art 761. Todas as despesas extraordinárias feitas à bem do navio ou da
carga, conjunta ou separadamente, ou todos os danos acontecidos àquela ou a esta, desde o embarque
até a sua volta e desembarque, são reputadas avarias.”
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o embarque e partida até a sua chegada e desembarque. São, portanto, todos os


danos e perdas ocorridos durante o percurso da viagem, e que tenham afetado total
ou parcialmente as mercadorias, o navio ou ambos.
Com efeito, a classificação mais importante das avarias é a que as divide
em: simples ou particulares e grossas ou comuns. Pois, o montante das avarias
simples ou particulares é suportado, ou só pelo navio, ou só pela coisa afetada,
enquanto o das avarias grossas é repartido proporcionalmente entre o navio, o frete
e a carga.

7.2 Abalroação e Colisão


Entende-se por abalroação, abalroamento ou abalroada o choque entre duas
embarcações. Já a colisão é considerada como o choque de determinado navio com
um corpo fixo (recife, cais, barragem, estacada) ou contra um corpo flutuante
insuscetível de navegar, como um iceberg (monte de gelo), um banco de areia, uma
boia, ou até mesmo uma embarcação desativada transformada em um hotel
flutuante, uma vez que, neste caso, a mesma não estaria em condições de navegar.
Portanto, a colisão se distingue da abalroação por se tratar de choque entre
o navio e um objeto qualquer, já que a abalroação é o choque entre navios.

7.3 Da Arribada
Segundo ensina João Vicente Campos,178 “arribada é a entrada do navio em
porto ou lugar diferente dos determinados na viagem projetada”.
Quando a arribada independe do desejo do capitão, ela denomina-se arribada
forçada; enquanto a que decorre de um ato de vontade do mesmo, é uma arribada
voluntária.

7.4 Naufrágio, assistência e salvamento no mar


Haverá naufrágio não só quando o navio é destruído pelas ondas ou
emborca, mas, também, quando se verifica o abalroamento ou colisão com objeto
flutuante ou submerso, ou desaparece, sem notícias, por mais de um ano. O
afundamento do navio determina também seu naufrágio. A jurisprudência, porém,

178
CAMPOS, João Vicente. Dos Sinistros Marítimos. Rio de Janeiro: Forense, 1961. p. 139.
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

exige que a submersão dure certo tempo, pois se a emersão é logo possível, não se
pode sustentar ter havido naufrágio.
No que se refere à “assistência e salvamento” podemos conceituar, de
acordo com a Lei n° 7.203/1984, que é todo ato ou atividade efetuado para assistir
e salvar uma embarcação, coisa ou bem em perigo no mar e nas vias navegáveis
interiores.
Nesse particular, cumpre destacar que quando a “assistência e salvamento”
envolvem embarcação brasileira e ocorre em águas sob jurisdição nacional, aplica-
se a Lei n° 7.203/1984.
Nos demais casos, o documento legal cabível é a Convenção Internacional
de Bruxelas.

7.5 Alijamento, encalhe, varação, água-aberta, explosão e incêndio


Considera-se alijamento lançar à água as coisas de bordo, inclusive a carga.
O alijamento é sempre um ato voluntário e pode constituir ou não avaria grossa.
Com efeito, existem duas possibilidades de a carga ser alijada, ou seja,
jogada ao mar, pelo capitão:
 quando, em caso de perigo iminente, é feito com fim de salvar o
navio e o restante das mercadorias transportadas;
 quando, por si só, representarem risco à segurança do navio e das
outras cargas, ou descritas de modo fraudulento pelo embarcador,
forem estivadas de maneira a representar algum risco.
O encalhe é considerado juridicamente como o fato de o navio dar em seco,
ficando, desta forma, impedido de navegar, momentânea ou permanentemente, não
sendo provocado intencionalmente pelo capitão. Quando o navio é colocado em
seco intencionalmente pelo capitão chama-se “varação”.
“Dar em seco” não significa permanecer fora da água, mas quer dizer que o
calado do navio é maior que a profundidade do local, e, consequentemente, o fundo
da embarcação repousa no fundo do mar.
A “água aberta”, outro acidente elencado na Lei n° 2.180/1954, trata-se da
entrada de água por meio do casco abaixo da linha de flutuação.
Os incêndios e as explosões também são considerados acidentes da
navegação de acordo com a Lei n° 2.180/1954.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO
1. Após ler o material, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando as
partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Defina o Tribunal Marítimo.
3. Conceitue e diferencie os acidentes e fatos da navegação.
4. Quais as principais etapas dos processos administrativos no Tribunal Marítimo?
5. Quais as penalidades aplicadas pelo Tribunal Marítimo?
6. Com o não pagamento da multa aplicada, é possível a inscrição do devedor na
dívida ativa da União?
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

SUGESTÃO DE CASO GERADOR


O navio N/M “Santiago” encalhou quando navegava pelo canal de acesso
ao Porto de Paranaguá.
No passadiço do N/M “Santiago”, a manobra estava sendo conduzida pelo
Prático José Alfredo, devidamente habilitado pela autoridade marítima, com 23
anos de experiência naquela zona de praticagem, e assistido pelo comandante Júlio
Veiga.
Cientificada a autoridade marítima da ocorrência do acidente, foi instaurado
Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação, pela Capitania dos
Portos, tendo o Encarregado do Inquérito, após a coleta de diversos depoimentos e
realização de prova pericial, concluído pela responsabilidade do comandante do
N/M “Santiago”, por ter cometido erro de navegação na condução do navio, que
deu ensejo ao encalhe, e pela responsabilidade do prático que orientou
erroneamente a manobra do comandante do N/M “Santiago”, tendo em vista a
hipótese de o balizamento estar deficiente (boia demarcatória do canal fora de sua
posição original).
Enviado o inquérito ao Tribunal Marítimo, a Procuradoria Especial da
Marinha, ao se manifestar, formulou representação em face do prático, tão somente.
Nesse contexto, responda:
1. Quais são as medidas que podem ser tomadas pelo Tribunal Marítimo na sessão
de recebimento da representação?

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

2. Qual seria a medida cabível a ser tomada por uma das partes interessadas para a
responsabilização administrativa de um dos envolvidos no acidente, na hipótese de
o Tribunal ter recebido a representação apenas contra o prático?
3. Poderia o Tribunal Marítimo desconsiderar a representação e determinar o
arquivamento dos autos?
4. A decisão do Tribunal Marítimo vincularia eventual julgamento na esfera
judicial?

REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
ANJOS, José Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito
marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.
CAMPOS, João Vicente. Dos Sinistros Marítimos. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
______. Da avaria particular direito nacional e internacional. Rio de Janeiro:
Revista Forense, 1952.
FERREIRA, Waldemar Martins. Instituições de Direito Comercial. São Paulo:
Max Limonad, 1955.
GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. Rio
de Janeiro: Renovar, 1998.
LACERDA, Jozé Cândido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação –
Direito Marítimo. 3. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1984.
MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de direito marítimo. 1. v. Barueri:
Malone, 2005.
MELLO, Celso Duvivier de Alburquerque. Direito Internacional Público: Tratados
e convenções. Rio de Janeiro: Renovar, 1986.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Revista Forense, 1959.
PAYNE; IVAMY´S. Carriage of Goods By Sea. 30. ed. London: Butterworths,
1989.
PIMENTA, Matusalém Gonçalves. Processo Marítimo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010.
RODIÊRE, René. Droit Maritime. 7. ed. Paris: Dalloz, 1977.

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SANTOS, J. M. de Carvalho. Código de Processo Civil Interpretado. 2. ed. Rio de


Janeiro: Freitas Bastos, 1941.
______. Prática do Processo Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1947.
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação (Marítima e Aérea). Rio
de Janeiro: Forense, 1964.
SCIALOJA, Antonio. Sistema Del derecho de la navegacion. Tradução Española.
Buenos Aires: Bosch y Cia Cia.-Editores, 1950.
SIMAS, Hugo. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1960.

Eletrônicas
Site da AMERICAN Club: <http: www.american-club.com>.

Jurisprudenciais
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 811.769.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI n. 62811-RJ. Relator: Ministro Bilac Pinto.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS n. 24.803.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.7446-BA.
BRASIL. Tribunal Regional Federal. AC n.29682-GB.
BRASIL. Tribunal Regional Federal. AC-46.271-RJ.

Legislativas
BRASIL. Decreto nº 2.256, de 17 de junho de 1997.
BRASIL. Decreto nº 20.829, de 21 de dezembro de 1931.
BRASIL. Decreto nº 24.585, de 05 de julho de 1934.
BRASIL. Lei nº 2.180, de 05 de fevereiro de 1954.
BRASIL. Lei nº 5.056 de 29 de junho de 1966.
BRASIL. Lei n° 7.203/1984.
BRASIL. Lei nº 7.642, de 18 de dezembro de 1987.
BRASIL. Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995.
BRASIL. Lei nº 9.432, de 08 de janeiro de 1997.
BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994.
BRASIL. NORMAM 9 – Diretoria de Portos e Costas.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

AULA IX - Contratos Marítimos I

1 Tipos de Contratos
A indústria internacional de transporte marítimo opera através de diversos
tipos de contrato.
Os contratos mais praticados são:
a) Contratos de afretamento por viagem;
b) Contratos de afretamento por período;
c) Contratos de afretamento a casco nu;
d) Contrato de tonelagem; e
e) Contrato de transporte.
Antes de conceituar tais contratos, é oportuno lembrar que recaem sobre
uma embarcação os atributos da propriedade de coisas, a saber: os direitos de usar,
fruir e dispor.
O direito de usar se associa ao direito de ter a posse da embarcação, e,
consequentemente, o direito de exercer a gestão náutica. A gestão náutica do navio
consiste em dotar o navio com comando, tripulação adequada, combustível,
provisões e todas as demais providências necessárias para que o navio se lance ao
mar.
O direito de fruir a embarcação consiste na obtenção dos benefícios
decorrentes do emprego comercial do navio, o qual se dá através de contratos de
afretamento ou transporte.
O direito de dispor da embarcação é aquele que dá ao proprietário o direito
de alienar a embarcação a terceiros, ou até mesmo alterá-la ou desmanchá-la.
A partir destes conceitos, podemos definir os contratos de afretamento como
sendo aqueles em que o fretador transfere ao afretador, por certo período, o direito
de fruir e, no caso do afretamento a casco nu, é transferido, também, o direito de
usar a embarcação.
No afretamento por viagem, a duração do contrato é delimitada pela rota
que o navio irá cumprir, começando no porto de carga e terminando no porto de
descarga. Em inglês, este tipo de contrato é conhecido como Voyage Charter Party
(VCP).

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

No afretamento por período, a duração do contrato é definida por um


período medido cronologicamente (meses ou anos). Em inglês, este contrato é
conhecido como Time Charter Party (TCP).
Os direitos de fruir a embarcação são, na prática, concedidos de forma mais
ampla nos afretamentos por período do que nos afretamentos por viagem.
No contrato de afretamento a casco nu, é transferido para o afretador, além
do direito de fruir, o direito de usar a embarcação. Por esta razão, neste tipo de
contrato, o afretador toma posse da embarcação sendo, portanto, contratualmente
responsável pela gestão náutica do navio, diferentemente dos afretamentos por
viagem e período, que em sentido inverso, a posse e gestão náutica do navio
permanecem com o fretador. Ressalte-se que, por razões de ordem econômica e
prática, a duração de um contrato de afretamento a casco nu é sempre em anos. Em
inglês, estes contratos são conhecidos como Bareboat Charter Party (BCP ou
BBC).
Contrato de tonelagem é aquele em que o fretador (ou transportador) se
obriga a transportar determinado volume de carga, em um determinado período, em
navios previamente nomeados no contrato. Em inglês, este contrato é conhecido
como Contract of Afreightment (COA). Cada viagem do COA é tratada como um
VCP. Desse modo, um COA é um conjunto de VCPs que tem entre si um vínculo
comum.
O contrato de transporte tem como objeto o transporte de mercadorias de
um porto a outro. Estes diferem dos contratos de afretamento, pois neste último o
objeto não é transporte, mas sim a disponibilidade do navio para o exercício de suas
funções. Vale destacar que o contrato de afretamento por viagem é comumente
empregado no transporte de mercadorias, sendo, por esta razão, que há o
entendimento de que a sua natureza jurídica é a mesma do contrato de transporte.

2 Formação dos Contratos


A dinâmica dos negócios faz com que o tempo disponibilizado para se
negociar um afretamento seja exíguo demais, não havendo assim, tempo suficiente
para se negociar cada cláusula e seu respectivo texto. Por esta razão a indústria
lança mão de formulários ou contratos-padrão, os quais servirão de base para a
celebração do contrato.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Os termos dos formulários já são de amplo conhecimento e aceitação dos


players do mercado, não havendo, por isso, necessidade de negociá-los. Além disso,
os formulários, por serem muito usados, já tiveram diversas de suas cláusulas
discutidas nas principais cortes, sobretudo a inglesa e americana, que são os
principais foros adotados nos contratos de afretamento. As decisões sobre estes
casos formam uma extensa base jurisprudencial, que traz ampla segurança jurídica
sobre a aplicação das cláusulas nos mais variados casos in concreto.
Os formulários são especializados para os diversos setores da indústria,
sendo que para um mesmo setor pode haver mais de um formulário adotado. Na
indústria do transporte de petróleo e derivados, por exemplo, existem, entre outros,
os formulários Shellvoy, Exxonvoy, BPvoy e Asbatankvoy para os afretamentos
por viagem e os formulários Shelltime, BPTime e Exxontime para o afretamento
por período.
Em regra, quem escolhe o formulário é o afretador. A adequada escolha do
formulário deverá levar em conta os seguintes aspectos:
a) Aspecto comercial: o formulário deverá ter ampla aceitação pelos
fretadores;
b) Aspecto técnico-operacional: o formulário deverá preencher as práticas
operacionais (técnica e comercial) do afretador;
c) Aspectos jurídicos: o formulário deverá ter tradição nas cortes e arbitragens.
É comum os contratantes negociarem cláusulas adicionais específicas de
suas empresas, chamadas de riders.
Quando um contrato é formado, primeiro emite-se um documento chamado
RECAP (vem de recapitulação), que é a descrição de todos os termos do formulário
padrão que foram preenchidos ou alterados, assim como a aceitação e negociação
dos termos do “rider” (cláusulas adicionais). A emissão do instrumento contratual
completo, com assinaturas, nem sempre é feita. Muitas empresas aceitam somente
o RECAP, não havendo necessidade de mais esta formalização.
É oportuno citar que, nos contratos de afretamento, são largamente usadas
abreviaturas para representar palavras e, até mesmo, longas expressões. Estas
abreviaturas são aceitas e reconhecidas como expressões válidas no direito inglês.
Como exemplo de abreviatura cita-se: NDFOCAPMQS, que significa: non
deadfreight on charterers account provided minimum quantity supplied.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

3 Contratos e a Lei
Todo contrato deve ser regido por um sistema legal. Quando o contrato não
mencionar o sistema legal regente haverá disputa sobre esta definição. Este
problema se agrava quando o contrato tem natureza internacional.
É oportuno citar que a lei brasileira de arbitragem (Lei 9.307/1996) admite
a eleição de lei estrangeira para reger contratos que envolvam empresas brasileiras.
As funções da lei no contrato são:
a) Assegurar o pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes). Este
importante princípio contratual é o que traz a necessária segurança jurídica para que
os negócios possam prosperar;
b) Orientar o modo de interpretar os contratos;
c) Suprir as lacunas do texto contratual, uma vez que não existe contrato com
redação perfeita;
d) Garantir a execução de sentenças judiciais ou laudos arbitrais que
determinem a uma parte contratante prestar obrigação a outra.
O contrato também deve definir de que forma as disputas contratuais serão
resolvidas.
As disputas podem ser resolvidas pelo Poder Judiciário (poder estatal) ou
por Arbitragem (sistema privado).
Em qualquer dos casos, deve-se especificar o nome da corte que solucionará
a disputa.
Quando o contrato não mencionar o foro (se estatal ou privado), haverá
disputa sobre esta definição, devendo-se observar que não há presunção de
arbitragem.
Em geral o foro (estatal ou arbitral) tem a mesma nacionalidade da lei, mas
nem sempre.
Pelas razões expostas acima, as cláusulas de lei e foro são as pedras
fundamentais dos contratos de afretamento e transporte.
A lei inglesa é a mais adotada nos contratos de afretamento e transporte do
mundo inteiro, tendo em vista o vasto arcabouço legal que aborda o tema. Além
disso, há nas cortes inglesas varas especializadas em assuntos marítimos. O sistema

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

de arbitragem inglês também é largamente usado nos contratos, por haver tradição,
competência e eficiência no julgamento das lides.
Outros países, igualmente, dispõem de juízos e arbitragens especializados
em causas marítimas (Estados Unidos, Cingapura, Panamá etc.).

4 Contratos de Afretamento por Viagem


Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os
principais formulários e a lei inglesa.

4.1 Descrição do Navio


Nesta cláusula devem ser informadas, de modo detalhado, as características
principais do navio que afetam a execução do contrato. As principais informações
utilizadas são: nome do navio, porte bruto, capacidade volumétrica, capacidade de
descarga, velocidade etc. É comum a utilização de questionários a respeito de
diversos outros dados técnicos e operacionais do navio, tais como sua tripulação e
administração em terra.

4.2 Condições do Navio


A prática do mercado é exigir que o navio tenha boas condições de
navegabilidade (seaworthiness) e adequação à carga (cargoworthiness).
Em relação a tais obrigações, a primeira questão que se observa é qual a sua
duração – se durante toda a vigência do contrato ou se apenas no momento da
apresentação para iniciar a execução do contrato – e quanto a esta questão a maioria
dos formulários exige que a obrigação seja apenas no momento da apresentação do
navio.
Outra questão que se abre é quanto à natureza destas obrigações, se
obrigação de resultados (obrigação absoluta) ou obrigação de meios (envidar todos
os esforços para que assim aconteça, mas sem haver obrigação de obter o resultado
desejado). A indústria de transporte marítimo consagra a prática de fazer com que
o fretador tenha de exercer a devida diligência (due diligence) para fazer com que
o navio tenha seaworthiness e cargoworthiness.
Deve-se ressalvar que um navio pode estar em boas condições de
navegabilidade, sem, contudo, estar completamente aderente às condições

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

assumidas no questionário. Alguns formulários tentam estender as obrigações de


condição do navio, de forma a incluir também os termos do questionário.
Em relação à condução do navio pela tripulação, a obrigação assumida pelo
fretador é que a tripulação esteja na quantidade adequada, tenha a qualificação
exigida e que exerça a devida diligência para carregar, transportar e descarregar a
mercadoria transportada pelo navio.
É conveniente lembrar que, quando um navio sai ao mar, há o que a doutrina
chama de aventura marítima. Os riscos do fretador são grandes, e a ocorrência de
um sinistro que cause danos à carga costuma ter elevado impacto econômico. A
forma como as obrigações são estabelecidas no contrato faz com que haja
compartilhamento de riscos, favorecendo o oferecimento de um frete menor ao
afretador, já que os riscos absorvidos pelo fretador nessa formulação contratual são
compartilhados.

4.3 Viagem
Os afretamentos por viagem contêm cláusula estabelecendo que o navio
deva cumprir a programação de viagem dada pelo afretador, devendo estar em
conformidade com o contrato. Há previsão para que o navio fique fundeado e
aguarde ordens para operar.
Uma vez nomeados os portos da viagem, o afretador não tem mais o direito
de alterá-los. Todavia, alguns contratos dão ao afretador o direito de alterar a
programação do navio, tendo a contrapartida de remunerar o fretador pelo desvio
efetuado.

4.4 Portos
Os contratos estabelecem para o afretador a obrigação de nomear portos e
berços seguros, a serem visitados pelo navio (safe berth/port). O porto ou berço é
considerado seguro quando o navio específico pode entrar, usar e sair do mesmo,
sem estar exposto a perigo que não possa ser evitado por meio de boas práticas de
navegação e marinharia, desde que na ausência de ocorrências anormais.
A obrigação do afretador de nomear o safe port/berth pode ser de due
diligence ou absoluta, dependendo do formulário.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

4.5 Frete
O pagamento do frete é uma obrigação precípua do afretador. A cláusula de
frete define o critério de preço: lumpsum; US$/t. Também define a data devida para
pagamento: na carga; emissão de B/L; descarga. Quando a formação do frete se dá
a partir de um preço unitário, a cláusula deve definir qual a quantidade da carga que
servirá de referência para a apuração: B/L, bordo origem; bordo destino.
A lei inglesa considera ilegal que se faça deduções no frete, sendo admitidas
algumas exceções, tais como adiantamento de verbas para despesas do navio, e
outras previstas no contrato.
Em relação às taxas do porto, o contrato deve estipular quais as que são do
encargo do fretador e do afretador.
A cláusula também estabelece que o fretador tenha direito ao pagamento de
frete morto, se a quantidade mínima no contrato não for embarcada.

4.6 Faixa de Carga (laydays) e Cancelamento de Contrato


Nesta cláusula está estipulada a faixa de datas (laydays) que o navio deverá
chegar ao porto de carregamento.
Se o navio chegar antes da data inicial do laydays, a sua chegada não será
considerada, não havendo início da contagem do tempo de estadia.
Se o navio chegar fora da faixa, o afretador poderá cancelar o contrato, ou
alterá-la, a seu critério.

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O fretador deverá informar antecipadamente o seu atraso, e o afretador


deverá decidir por uma nova faixa ou cancelar o contrato.
O atraso na chegada pode ensejar indenização se houver má-fé.

4.7 Sobrestadia
Os contratos de afretamento estipulam o tempo máximo de estadia que o
navio poderá ter para carregar e descarregar. Em inglês este tempo é denominado
laytime.
O afretador deverá indenizar o excesso de estadia que o navio teve devido à
inadimplência do afretador. Este excesso de tempo é denominado sobrestadia ou
demurrage.
A sobrestadia é determinada pela seguinte expressão:
Demurrage = (Estadia real - Estadia permitida) x taxa demurrage
A sobrestadia tem natureza jurídica de indenização por inadimplência
contratual com liquidação prevista em contrato.
A estadia real é calculada deduzindo-se do tempo total do navio no porto, o
tempo em que o navio estava em situações específicas previstas no contrato. Na
seção seguinte serão detalhadas diversas situações em que o tempo de estadia não
é contado.
A estadia permitida pode ser um tempo já previamente determinado no
contrato, como é típico na indústria de petróleo e derivados, mas também pode ser
calculada a partir de fórmulas previstas no contrato, que relacionam a estadia
permitida ao volume carregado, sua forma de carregamento, a existência de dias
úteis etc, tal como acontece no trade de granéis sólidos.
A taxa de demurrage é diária, sendo que ao calcular a sobrestadia a sua
apuração é pro-rata.
Alguns contratos limitam a quantidade máxima de sobrestadia. Sendo
assim, a partir desta quantidade, a sobrestadia precisa se tornar líquida. A liquidação
é feita em juízo ou arbitragem, conforme previsto no contrato, aplicando-se o valor
de mercado da data da ocorrência da sobrestadia.
As exceções de responsabilidade previstas no contrato para o afretador não
excluem este de pagar pela sobrestadia causada.
Em situações de força maior nos portos, os contratos estipulam um
tratamento especial na apuração da sobrestadia (meia taxa).
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O contrato ainda estabelece um prazo máximo para que seja comunicada a


ocorrência de sobrestadia, e outro prazo para que o fretador apresente a
documentação de cobrança (timebar).
Os contratos não estipulam quando a sobrestadia deve ser paga. Presume-se
que seja imediatamente.
Tal como dito anteriormente, a sobrestadia ocorre quando um navio tem
estadia em excesso nos portos do contrato. Todavia, pode ocorrer que o navio tenha
a viagem interrompida, por culpa do afretador, tendo este fato ocorrido fora dos
portos do contrato. Nesta situação ocorre o que se denomina detenção. Como
exemplo de detenção pode-se citar o caso em que o afretador pede para o navio
aguardar, no meio da viagem, a definição de onde será o porto de descarga.
Nada impede que o contrato estipule a forma de se fazer líquida a detenção,
tal como ocorre com a sobrestadia. O contrato SHELLVOY 6, por exemplo,
estipula que a detenção deve ser tratada da mesma forma que a sobrestadia.
Alguns contratos admitem a possibilidade do fretador pagar ao afretador o
dispatch (contraestadia), quando este consegue carregar e descarregar o navio em
tempo inferior à estadia permitida, criando assim um ganho econômico para o
fretador, que passa a ter seu navio liberado do contrato mais cedo.
É importante destacar que a sobrestadia aqui discutida é aquela referente aos
contratos de afretamento. Todavia este instituto contratual também ocorre nos
contratos de compra e venda dos produtos e nos contratos de aluguel de containers,
associados aos contratos de transporte.
Há diferenças nas regras de apuração nestes outros contratos, porém,
diversos dos princípios aqui apresentados também se aplicarão.

4.8 Estadia Permitida, NOR e Contagem da Estadia


A estadia permitida pode ser discriminada separando-se a parcela referente
ao(s) porto(s) de carga e aquela referente ao(s) portos de descarga, ou pode ser
contada como um todo referente a os portos de carga e descarga.
A primeira é conhecida como estadia irreversível, enquanto a outra é
denominada estadia reversível. O uso de um tipo ou outro depende do trade
empregado. A área de petróleo e derivados pratica o uso das estadias reversíveis,
ao passo que em granéis sólidos costuma ser não reversível.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A fim de permitir a apuração da sobrestadia é necessário apurar o tempo real


de estadia, observando as regras do contrato para determinação do início e do
término da contagem do tempo, bem como das deduções previstas.
Sempre que um navio chega a um porto, ele deve comunicar a sua chegada
ao afretador ou ao seu agente. Este aviso é denominado em inglês como Notice of
Readiness (NOR). O contrato deve definir se o NOR deve ser escrito, pois de outra
forma o aviso verbal será válido. Ao emitir o NOR o navio deverá estar nas
condições estabelecidas no contrato, o que inclui o local adequado para sua emissão
(fundeadouro do porto), certificado de livre prática emitido pelas autoridades
competentes (free pratique), caso contrário o NOR será considerado inválido.
As regras básicas da contagem de tempo da estadia são:
a) A estadia se inicia com a emissão do NOR;
b) O NOR deve ser emitido dentro do laydays. A contagem do tempo começa
com o navio atracado ou NOR+ 6 horas (turn time), o que vier primeiro.
c) A contagem do tempo de estadia não se interrompe, salvo as exceções,
dentre as quais destacamos:

i. Deslocamento do ancoradouro ao berço;


ii. Feriados, sábados e domingos;
iii. Bombeio deficiente, no caso de petroleiros, ou tempo de
carga ou descarga em navios dotado e contratado com
equipamentos para tais fainas (carga geral, containers etc.);
iv. Inoperância do navio para a operação em curso.
d) Se o navio já estiver em sobrestadia, as exceções previstas no item anterior
não se aplicam (once on demurrage, always on demurrage), a não ser que o contrato
estipule o contrário.
e) A estadia termina na desconexão dos magotes ou na desatracação.
Vale observar que algumas das regras acima só se aplicam a navios
petroleiros.
A contagem da estadia é baseada em documentos operacionais emitidos pelo
navio, terminal etc., assinados pelas partes envolvidas. Os principais documentos
usados na apuração da estadia são: time-sheet; pumping log; cartas protesto.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

4.9 Subafretamento
O afretador poderá subfretar o navio para terceiros, independente de
autorização do fretador original. Todavia o afretador deve manter-se responsável
pelo adimplemento das obrigações assumidas no primeiro contrato.
Esta cláusula é que faz do transporte marítimo uma commodity.

4.10 Liberdade de desviar-se


Como regra geral o fretador não pode desviar-se do compromisso
contratado. Isso inclui o desvio geográfico da rota e/ou o da atividade corrente.
As Regras de Haia-Visby estabelecem as hipóteses de desvios justificados,
incluindo o salvamento de pessoas e embarcações em risco.
Em geral se aceita o direito de fazer bunkering durante a viagem.
Alguns contratos estabelecem limites para este direito do fretador.

4.11 Responsabilidade do Fretador


A responsabilidade civil contratual ocorre quando há dano decorrente de
inadimplência contratual. Os danos comuns mais comuns de responsabilidade do
fretador são: danos à carga, acidentes com prepostos do afretador, colisões com
píeres ou dolfins e atrasos. O afretador pode ser responsabilizado por conta de danos
ou atrasos ocorridos nos portos por ele indicados.
Alguns formulários, ao invés de conter uma cláusula com o título
“Responsabilidades do Fretador” (Liabilities), possuem uma cláusula que
denominam de “Exclusão de Responsabilidade” (Exceptions) que além de
estabelecer as hipóteses de exclusão de responsabilidade do fretador, tratam
também das regras de definição de responsabilidades.
A exclusão de responsabilidade se aplica quando, havendo incidência de
responsabilidade, a parte infratora tem sua responsabilidade excluída por força da
aplicação desta cláusula.
A) Danos à carga
Os danos à carga costumam ter um regime específico de responsabilidade
(Regras de Haia-Visby e Regras de Hamburgo). Estas regras, apesar de não se
aplicarem a contratos de afretamento, são incorporadas aos contratos por meio de
cláusulas específicas.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

As Regras de Haia foram criadas em 1924 e revisadas em 1968 e 1979,


passando a se denominar Regras de Haia-Visby. É o regime de responsabilidade
mais adotado no transporte marítimo internacional. Dentre os países que
incorporaram as ditas regras ao seu ordenamento jurídico estão: Estados Unidos,
quase toda a Europa, China Japão etc.
As Regras de Hamburgo foram criadas em 1978, sendo uma tentativa de
reduzir os privilégios concedidos aos transportadores no Regime de Haia-Visby.
Tal regime, entretanto, encontrou pouca adesão, tendo sido adotado somente em 29
países, destacando-se entre este Chile e Egito.
As inquietações da comunidade do transporte marítimo internacional
fizeram com que se discutisse sobre a criação de um novo regime de
responsabilidades, de modo a melhor equilibrar os interesses dos transportadores e
embarcadores. Após 16 anos de negociações, em 2009 foram criadas as Regras de
Rotterdam. A convenção que a criou recebeu a assinatura de 22 países, destacando-
se dentre Estados Unidos, diversos países da Europa e África. No momento,
somente a Espanha adotou a Convenção. As Regras de Rotterdam entrarão em vigor
quando 20 países a tiverem adotado.
Para melhor conhecer o regime de responsabilidade de cada uma destas
regras, apresentamos a seguir como funcionam as suas disposições de ônus da
prova.

4.12 Bills of Lading (Conhecimentos de Embarque)


O comandante do navio está sob as ordens do afretador e deve assinar os
Bs/L tal como solicitado, não sendo obrigado a assinar Bs/L ilícitos.
O afretador deve indenizar o comandante no caso deste ser responsabilizado.
O BL deve incorporar os termos contratuais previstos no contrato.
O contrato costuma estabelecer algumas hipóteses em que o navio
descarregue a carga sem a apresentação do BL, devendo para tanto o afretador
oferecer ao fretador uma carta de garantia de indenização. Esta carta, denominada
Letter of indemnity – LOI, é emitida nas seguintes hipóteses:
A. Entregar a carga sem BL;
B. Porto de descarga diferente do BL.
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Deve-se ter cautela ao se aceitar a emissão de LOI para situação em que a


quantidade descarregada difere da do BL.
A LOI em geral é válida por 36 meses.
Conflitos com a LOI são habitualmente julgados pela corte inglesa, e não
por arbitragem.

4.13 Cláusulas que discutam a exposição do Navio a áreas em Guerra


No direito inglês, o direito de cancelamento do contrato está sujeito a regras
estritas, oriundas do princípio da frustração da aventura convencionada. Neste
sentido, está previsto que o contrato pode ser rescindido de acordo com a regra de
que comercializar com o inimigo é ilegal.
Alguns sistemas legais contêm estipulação expressa, dando direito a ambas
as partes de cancelar o contrato de afretamento no caso de guerra.
Entretanto, geralmente, as disposições legais dão orientação insuficiente aos
problemas originários de uma situação de guerra, sendo comum inserir nos
contratos a chamada “war clause”. Esta cláusula estabelece as regras que as partes
devem seguir, se a execução do contrato é afetada por guerra ou conflito similar.
Na Voywar 1950, procura-se conceituar os riscos de guerra tratados pela
mesma, os quais incluem bloqueio e diversas outras ações tomadas por nações
beligerantes.
É dado ao fretador o direito de cancelar o contrato se o navio ou sua
tripulação estiverem sujeitos a riscos de guerra. Se a viagem tiver sido iniciada, e
após for constatado risco de guerra, o navio deverá ser desviado para outro porto,
segundo orientação do afretador, ou, na sua falta, pelo próprio fretador. Todas as
despesas decorrentes do risco de guerra, tais como seguros, descarga não prevista,
deverão ser arcadas pelo afretador.

4.14 Cláusula Both to Blame


Esta cláusula só se aplica nas situações em que a lei americana rege o
contrato, ou atrai competência para jurisdicionar determinadas situações.
Pela lei americana os danos à carga, ocorridos no abalroamento entre dois
navios, são indenizados inteiramente.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Imagine-se a seguinte situação: o navio “A” com carga “A” abalroa navio
“B” com carga “B”, havendo danos em ambas as cargas. A contribuição da culpa
de cada um dos navios em relação ao acidente foi definida em juízo ou regulação.
Pelo USCOGSA, lei americana que incorpora as Regras de Haia-Visby, há
excludente de responsabilidade do navio A em relação à carga A em caso de
negligência da navegação.
Assim, para que a carga “A” seja indenizada na totalidade, o navio “B” teria
que pagar pela sua parcela de culpa, e também pela parcela do navio “A”.
O navio B, por sua vez, cobraria do navio “A”, através de direito de regresso,
a parcela que deveria ser paga pelo navio “A”.
No fim das contas, o navio “A” teria que arcar com os danos da carga “A”,
apesar de sua exclusão de responsabilidade, dada pelo USCOGSA.
A cláusula Both to blame visa a restituir a direção do USCOGSA, operando
no sentido de fazer com que o dono da carga “A” restitua ao navio “A” a parcela
em que não caberia indenização.

4.15 Cláusula de Avaria Grossa


A avaria grossa é um instituto típico do direito marítimo, definida no
ordenamento jurídico de vários países, inclusive do Brasil.
A avaria grossa ocorre quando um sacrifício ou despesa extraordinária e
voluntária é efetuado, de modo razoável, com o propósito de preservar as
propriedades envolvidas na aventura marítima que estejam em perigo.
Normalmente, as propriedades envolvidas em uma aventura marítima são:
o navio, a carga e o frete, mas também podem estar envolvidos o combustível e os
pertences pessoais de passageiros.
Os proprietários de quaisquer das propriedades em risco, as quais
completam a aventura marítima em segurança, devem contribuir em relação à perda
por sacrifício ou a despesa extraordinária, na proporção dos valores dos bens que
sobreviveram.
Os contratos devem estipular qual o sistema que regulará a avaria grossa,
podendo ser a lei do contrato qualquer outra lei ou regra pactuada pelas partes.
Comumente os contratos adotam as Regras de York e Antuérpia para regular
os processos de avaria grossa. Estas regras foram criadas pela comunidade

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

internacional com o propósito de unificar as disposições sobre o tema, sendo estas


de grande aceitação pela indústria.

4.16 Cláusula Paramount


A legislação de muitos países estabelece que a emissão de BL gere entre o
navio (transportador) e o embarcador da carga (não sendo este último,
necessariamente, o afretador) um contrato de transporte inteiramente distinto do
contrato de afretamento.
A cláusula Paramount visa a estipular que esta relação contratual formada
a partir do BL é regulada pelas Regras de Haia-Visby, ressalvando que jurisdições
que atraem competência para regular a matéria substituem o efeito das Regras de
Haia-Visby.
O objetivo desta cláusula é fazer com que o sistema de responsabilidades do
contrato de transporte em relação à carga seja o mesmo do contrato de afretamento.

4.17 Cláusula de Lien


A história do transporte marítimo está repleta de casos em que os afretadores
não adimpliram suas obrigações de pagamento. Devido a estes fatos o direito de
retenção sobre a carga (“lien”) é um importante instrumento para dar ao negócio
jurídico a necessária estabilidade.
O direito de retenção sobre a carga pode ser definido como uma garantia, de
origem legal ou contratual, para forçar o afretador a cumprir suas obrigações para
com o fretador.
Os contratos costumam conter cláusula que assegura ao fretador o direito de
reter a carga, não a entregando ao seu consignatário, até que o afretador pague as
reclamações por frete, por contribuição de avaria grossa devida em razão da carga
e também as despesas de preservação dos bens.
Por conseguinte, o fretador não tem o direito, a não ser por acordo expresso,
de reter as mercadorias para assegurar o pagamento de reclamações que ele possa
ter por sobrestadia, detenção ou por frete-morto. O escopo deste direito pode ser
alterado por disposição contratual para incluir também outros tipos de reclamações.

4.18 Cláusula de Lei e Foro

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Tal como mencionado anteriormente, o contrato deve informar qual a lei


que irá regê-lo e o foro de solução de disputas, que poderá ser por meio de
arbitragem.

5 Contratos de Afretamento por Período


Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os
principais formulários e a lei inglesa.

5.1 Cláusulas Análogas aos Afretamentos por Viagem


Os contratos de afretamento por viagem têm diversas cláusulas semelhantes
aos afretamentos por período. Estas, por sua vez, têm seus termos adaptados tendo
em conta que se trata de um afretamento por período, e não para apenas uma
viagem. São elas:
a) Descrição do navio;
b) Condições do navio;
c) Portos;
d) Laydays e Laycan;
e) Agente;
f) Subafretamento;
g) Bills of Lading;
h) Exclusões de responsabilidade;
i) Exposição do navio a áreas de guerra;
j) Both to blame;
k) Avaria grossa;
l) Paramount;
m) Lien; e
n) Lei e foro.

5.2 Direito de direcionar o Navio


Os contratos dispõem de cláusulas que estipulam as áreas em que o navio
pode operar.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Em geral o navio pode operar em todo o mundo, restringindo-se apenas


áreas de águas que se congelam, áreas de risco de guerra e países que têm situações
diplomáticas delicadas.
Nos afretamentos por período, o afretador tem direito de direcionar o navio
para cumprir programações de viagem entre quaisquer portos em que não há
restrição de acesso.

5.3 Duração do Contrato


O período de afretamento normalmente é estipulado em “mês calendário”
ou “em anos”, durante o qual o afretador terá o navio a sua disposição. A contagem
se inicia quando o navio e sua tripulação são colocados à disposição do afretador.
O término do contrato se dá quando o afretador libera o navio de volta para o
fretador (reentrega), guardando este interregno relação com o período contratado.
Ocorre que, na prática, é impossível programar as viagens do navio para
que, exatamente ao término da última viagem, o contrato chegue ao seu termo final.
Sendo assim, surge um overlap ou um underlap, se o término da última viagem se
dá depois, ou antes, do aprazado, respectivamente.
Geralmente certa margem é concedida ao afretador em relação à sua
obrigação de reentregar o navio ao término do período, através da inserção da
palavra about antes do período declarado. A determinação da margem razoável
dependerá do período contratual previsto.
Para se analisar a última viagem e a relação com o término do contrato, o
direito inglês utiliza o conceito de ordem de viagem válida ou legítima. A ordem é
válida ou legítima se for razoável estimar que a viagem final e a consequente
reentrega do navio ocorra dentro do período contratual. A validade da ordem é
medida no momento em que ela começa a ser executada, e não no momento em que
ela é transmitida.
Em primeiro momento as cortes entendiam que se a ordem para a viagem
final fosse legítima não haveria que se falar em quebra contratual do afretador. Esta
compreensão se alterou, passando-se a entender que haverá quebra se a reentrega
do navio ocorrer após o período contratual adicionado a uma margem razoável.
Quando ocorre tal quebra o fretador passa a fazer jus a receber, a partir do
termo final do contrato, até a efetiva reentrega:

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

a) o valor de mercado, se este for superior ao valor do aluguel;


b) o valor do aluguel, se este for superior ao valor do mercado.
Para regular a questão do termo final do contrato, diversos formulários
fazem uso de cláusulas que regulam em detalhes a viagem final, ou que definem
com exatidão a margem a ser admitida, para mais ou para menos, em relação ao
período contratual.
O contrato define os locais de início do contrato, o qual poderá ser definido
pelo fretador ou afretador, conforme convencionado, e, de modo semelhante, os
locais possíveis para término do contrato. O contrato não será considerado iniciado
ou terminado fora destes locais.
O navio deverá iniciar o contrato dentro do laydays, sob pena do afretador
usar da sua faculdade de cancelar o contrato.

5.4 Distribuição dos Encargos


O fretador é responsável pelos seguintes encargos: salários e encargos da
tripulação, seguros do navio, provisões, docagem, manutenção do casco e dos
equipamentos do navio, água para consumo e caldeiras, sobressalentes e seu
desembaraço etc. (gestão náutica).
O afretador é responsável pelos seguintes encargos: combustíveis,
rebocadores, práticos, agentes da carga, tarifas portuárias e outros encargos da
carga.
Quando o navio está off-hire (indisponível para o serviço) o afretador deixa
de ter seus encargos.

5.5 Aluguel e Forma de Pagamento


O aluguel (“hire”) pode ser definido em valor diário ou mensal. Em qualquer
dos casos as deduções são pró-rata em horas e minutos. Os preços costumam ser
fixos durante toda a vigência do contrato, todavia, há contratos que estruturam uma
fórmula de preços, fazendo com que o valor do aluguel varie na vigência do
contrato, guardando paridade com o mercado ou mesmo prevendo reajuste do preço
pactuado segundo variação econômica de indicadores definidos no contrato.
O pagamento é mensal e feito antecipadamente.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Se o pagamento não for feito no dia devido, o fretador poderá rescindir o


contrato, não cabendo ao afretador qualquer reclamação. Se o aluguel for fixado em
cenário de mercado baixo e depois de vigente o contrato, o mercado fica aquecido,
esta disposição se torna uma brecha para o fretador terminar o contrato.
Salvo exceções (legais ou contratuais), o aluguel não pode sofrer deduções.

5.6 Combustíveis
O afretador está obrigado a fornecer combustíveis para propulsão e geração
de energia em conformidade com o previsto na especificação do navio.
O afretador deverá comprar os combustíveis existentes a bordo no início do
contrato. O fretador deverá comprar os combustíveis existentes a bordo no término
do contrato.
Alguns formulários definem que o afretador deverá reentregar o navio com
as mesmas quantidades existentes na entrega.

5.7 Off-Hire
O afretador poderá deduzir do aluguel a ser pago, os períodos em que o
navio deixou de estar disponível ao afretador, desde que tenha ocorrido perda de
tempo por tal fato.
Os contratos devem relacionar os motivos que podem causar tal situação,
tais como: quebra ou deficiência de equipamentos, falta de tripulantes, quarentena
etc.

5.8 Desempenho Operacional (Performance)


O fretador se obriga a navegar em velocidade(s) previamente pactuada(s).
Caso a velocidade efetiva do navio seja inferior a do desempenho compromissado,
o afretador poderá deduzir do aluguel a perda de tempo ocorrida entre o tempo real
e o tempo ideal.
O fretador assume compromisso de consumir uma quantidade máxima de
combustível por dia para a(s) velocidade(s) pactuada(s). O consumo a maior enseja
desconto no aluguel a ser pago.
Os contratos possuem regras detalhadas de cálculo da avaliação do
desempenho operacional.

_______________________________________________________________ 211
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Possibilidade de incluir outros itens de compromisso em desempenho


operacional: bombeio, self-unloading etc.

6 Contratos de Afretamento a Casco Nu


Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os
principais formulários e a lei inglesa.

6.1 Cláusulas Análogas aos Afretamentos por Período


Os contratos de afretamento por viagem têm diversas cláusulas semelhantes
aos afretamentos por período e a casco nu, tendo seus termos adaptados, levando-
se em conta que se trata de um afretamento a casco nu. São elas:
a) Descrição do navio;
b) Laydays e Laycan;
c) Prazo;
d) Locais de entrega e reentrega;
e) Áreas de atuação do navio;
f) Aluguel e forma de pagamento;
g) Lien;
h) Bills of Lading;
i) Riscos de guerra;
j) Lei e foro.

6.2 Direitos de Inspeção


O contrato dispõe de cláusula que autoriza o fretador a inspecionar o navio
em qualquer ocasião.

6.3 Reentrega
O contrato dispõe de cláusula que obriga o afretador a restituir o navio nas
mesmas condições recebidas, salvo o desgaste natural que equipamentos, acessórios
e casco sofrem com o decorrer do tempo do contrato.

6.4 Estoques
Na ocasião da entrega, será feito um inventário em conjunto pelas partes
contratantes para se determinar os estoques de sobressalentes, consumíveis e
_______________________________________________________________ 212
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

combustíveis, os quais serão adquiridos pelo afretador a valores de mercado. Na


reentrega, o mesmo procedimento será adotado, sendo a compra feita pelo fretador.

6.5 Manutenção e Operação do Navio


O afretador deverá manter às suas próprias expensas, o navio conservado e
em classe, arcando inclusive com as despesas de docagem. O afretador não poderá,
sem autorização do fretador, alterar o nome do navio, a sua bandeira e sociedade
classificadora.

6.6 Seguros
O afretador deverá, na vigência do contrato, manter o navio com seguro
casco, proteção contra guerra e seguro P&I.

6.7 Navios em Construção


Existem cláusulas a serem observadas se o navio que estiver sendo afretado
estiver em construção.

7 Contratos de Tonelagem (COA)


Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas.

7.1 Carga a ser Transportada


O contrato deverá informar a especificação da carga a ser transportada e o
volume por período. É importante observar que este não precisa ser fixo, podendo
variar em grande escala, dentro de faixa estipulada no contrato.
Quanto mais precisão houver no volume menor o preço, pois menos o
fretador absorve menos incertezas na apuração dos seus custos.

7.2 Portos
O contrato deverá informar os possíveis portos de carga e descarga
envolvidos nas viagens.

_______________________________________________________________ 213
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

7.3 Frete e Forma de Pagamento


O frete pode ser fixo ou variável, proporcional ao volume ou não. Poderá
haver cláusula de reajuste se o prazo do contrato for muito longo, sendo comum o
uso da cláusula de bunker escalation.
Em geral os pagamentos são feitos antes ou depois de cada viagem.

7.4 Navios Nomeados


O contrato deverá nomear e descrever os navios que poderão ser usados no
contrato, sendo que a definição do navio a ser usado é do fretador. Os contratos
costumam estipular regras para que outros navios não listados no contrato sejam
utilizados.

7.5 Programação
A programação do navio consiste na definição do navio, da quantidade de
carga a ser transportada, da data de carregamento, do porto de carga e descarga.
Os contratos devem conter cláusulas que estabeleçam a antecedência
mínima necessária para que o afretador defina as informações da carga, datas e
portos, e para que o fretador nomeie o navio.
Deve haver também regras para definir direitos de cancelamentos.
Esta cláusula é de vital importância para o sucesso do contrato.

7.6 Formulário
O contrato deve estipular qual será o formulário que apresentará os termos
que suportarão cada uma das viagens. Os termos deste formulário devem ser
adaptados para se compatibilizar com os termos do COA.

8 Contratos de Transporte

_______________________________________________________________ 214
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Os contratos de transporte se evidenciam pelo conhecimento de embarque


(Bill of lading). Relacionamos a seguir os principais termos que devem figurar em
um B/L.

8.1 Carga
O BL deverá conter a descrição da carga pormenorizada, incluindo a sua
especificação e quantidade e seu estado de conservação, apurado pelo comandante
do navio, na ocasião do embarque.

8.2 Navio
O BL deverá informar o nome do navio em que a carga embarcou e o seu
comandante.

8.3 Portos
O BL deverá informar o nome do porto de embarque e o porto em que a
carga será desembarcada.

8.4 Frete
O BL deverá informar o valor do frete e sua forma de pagamento.

_______________________________________________________________ 215
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

8.5 Vínculo ao Contrato de Afretamento


Sempre que aplicável, o BL deverá mencionar seu vínculo ao contrato de
afretamento de origem. A omissão desta cláusula poderá acarretar sérios problemas
em caso de conflitos com o embarcador ou consignatário da carga.
8.6 Cláusulas Jurídicas
O BL deverá conter os termos das seguintes cláusulas jurídicas: lien,
paramount, incorporação das Regras de Haia ou outra aplicável, exceptions,
cláusula de guerra etc.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila você é capaz de responder as questões formuladas no caso


gerador para um afretamento por viagem?
Que obrigações o fretador assume no contrato?
b) Que obrigações o afretador assume no contrato?
c) Em caso de acidentes, tais como danos a carga, danos ao píer e poluição,
provocados pelo navio, que responsabilidade o fretador assume?
Por que o contrato é regido pela Legislação inglesa? É possível adotar a legislação
brasileira?
Há expectativa de greve na produção de petróleo, tendo risco de o navio chegar à
plataforma e não haver carga disponível. Que cuidados devem ser tomados nesta
situação?
2. Você é capaz de responder às perguntas abaixo para um afretamento por período?
a) Que obrigações o fretador assume no contrato?
b) Que obrigações o afretador assume no contrato?
c) O que acontece se no meio da viagem o navio tem avarias no motor e passa
a navegar em velocidade correspondente a 60% da contratada?
d) O que acontece se o navio for reentregue ao armador antes do prazo
estipulado no contrato? E se for após?
3. O que acontece se em um contrato de tonelagem, a carga total mencionada no
contrato não for disponibilizada para transporte?
4. Qual a relação entre um contrato de afretamento e um de transporte?

_______________________________________________________________ 216
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

5. Quais são as vantagens e desvantagens de se repartir um contrato de afretamento


por período em um contrato de serviços e outro de afretamento?

CASO GERADOR
Estamos em 2020, a produção de petróleo no Brasil é superior a 4 milhões
de barris por dia. Desta produção, mais de 500 mil barris diários são produzidos e
comercializados por diversas empresas que não a Petrobras.
O Brasil, como um dos grandes produtores mundiais, tem ativa participação
no mercado internacional de petróleo, já que boa parte da produção é exportada,
participando neste comércio inúmeras empresas, além da própria Petrobras.
Uma empresa brasileira denominada CRUDETRADE, recém-criada,
adquiriu um lote de petróleo de 1 milhão de barris, tendo em seguida vendido este
mesmo lote para uma refinaria localizada na América Central. O negócio foi
fechado na modalidade CIF, devendo, portanto, o vendedor afretar o navio que fará
o transporte da carga de petróleo.
Tendo em vista que a lei brasileira exige que as exportações de petróleo
produzido no país sejam feitas por empresas brasileiras de navegação, a
CRUDETRADE contratou a empresa brasileira BRASTANKERS, que lhe
ofereceu um navio de bandeira liberiana para fazer o transporte.
A proposta da BRASTANKERS incluiu uma minuta do contrato a ser
celebrado, porém os traders da CRUDETRADE não possuem experiência em
afretamento de navios, tendo grande dificuldade de compreender os termos do
contrato.
O tempo urge, e uma decisão precisa ser tomada dentro de poucas horas.
Sendo assim, os traders procuram o departamento jurídico da empresa, solicitando
as seguintes informações:
a) Que obrigações a BRASTANKERS assume no contrato?
b) Que obrigações a CRUDETRADE assume no contrato?
c) Em caso de acidentes, tais como danos a carga, danos ao píer e poluição,
provocados pelo navio, que responsabilidade a BRASTANKERS assume?
d) Por que o contrato é regido pela legislação inglesa? É possível adotar a
legislação brasileira?

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

e) Há expectativa de greve na produção de petróleo, tendo risco de o navio


chegar à plataforma e não haver carga disponível. Que cuidados devem ser tomados
nesta situação?
Você é o advogado da CRUDETRADE, tendo o encargo de responder a
consulta dos traders. Suas repostas devem ser todas fundamentadas tendo por
base o contrato.

REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
COOK, Julian et all. Voyage Charters. Londres: Lloyd’s of London Press, 2001.
FERNANDES, Paulo e Leitão, Walter. Contratos de Afretamento à Luz dos
Direitos Inglês e Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007.
FERNANDES, Paulo e Leitão, Walter. Responsabilidades no Transporte
Marítimo. São Paulo: Editora Aduaneiras, 2010.
WILFORD, Michael et all. Time Charters. Londres: Lloyd’s of London Press,
1995.

_______________________________________________________________ 218
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

AULA X - Contratos Marítimos II

ROTEIRO DE ESTUDO
1 Introdução
O Contrato de transporte marítimo é o instrumento pelo qual um empresário
transportador se obriga, mediante remuneração, a transportar por mar, de um porto
para outro, certa quantidade de mercadoria que lhe foi entregue pelo embarcador e
a entregá-la a um destinatário.179
Nesse tipo de contrato, figuram como principais partes contratantes:
a) o transportador ou condutor – é a parte que, contra pagamento do frete, realiza o
transporte da mercadoria, conforme convencionado no contrato. O transportador
nem sempre será o proprietário ou armador do navio.
b) o embarcador ou expedidor – é a parte que contrata o transporte de mercadorias
e as fornece para o transportador.
c) o consignatário - é aquele que recebe as mercadorias transportadas.
É importante destacar também a figura do armador que é a pessoa ou
empresa que explora comercialmente as capacidades do navio.
Ressalte-se que, muito embora seja uma espécie de contrato de utilização de
navio, o contrato de transporte marítimo não se confunde com o contrato de
fretamento.
A diferença entre esses contratos reside essencialmente no objeto de cada
um deles. O primeiro tem como objeto o transporte da carga de um ponto ao outro,
enquanto o segundo visa à exploração comercial e utilização do próprio navio, ou
seja, tem como finalidade a disponibilidade do navio para exercer determinada
função.
Em geral, os contratos de transporte marítimo são regidos pelas regras
comuns aos contratos de transporte de mercadoria (Código Civil e Código
Comercial) e por algumas regras especiais quando no plano internacional, dentre as
quais se destacam as Regras de Haia, Regras de Haia-Visby e as Regras de
Hamburgo, que serão oportunamente estudadas.

179
CALABUIG, Rosário Espinosa. El contrato internacional de transporte marítimo de
mercancías: questiones de ley aplicable. Granada: Comares, 1999. p. 304.
_______________________________________________________________ 219
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

2 Modalidades do contrato de transporte marítimo de mercadorias


2.1 Contrato de transporte por viagem
O Contrato de Transporte por Viagem (Voyage Charterparty) é aquele em
que o transportador se obriga a pôr à disposição do embarcador um navio, ou parte
dele, para que este o utilize numa ou mais viagens, única ou consecutivas,
previamente fixadas para o transporte de determinadas mercadorias.
Trata-se de um verdadeiro contrato de depósito, sendo facultado ao
contratante fretar todo o navio (full cargo), parte do navio (part cargo) ou apenas
um espaço do navio (space charter).
Neste caso, tanto a gestão náutica, quanto a gestão comercial do navio
ficarão a cargo do transportador. Todavia, cabe observar que a contratação do
transporte por viagem não implica arrendamento do navio pelo afretador.
Muito embora figure como a modalidade menos utilizada, o transporte por
viagem representa algumas vantagens comerciais para o embarcador, na medida em
que este não ficará sujeito às instabilidades do mercado.

2.2 Contrato de transporte por conhecimento


Por meio do contrato de transporte por conhecimento, o embarcador inicia
uma relação jurídica com o transportador marítimo, para o transporte de uma
mercadoria de um porto a outro. Esta relação será evidenciada por meio de um
Conhecimento de Embarque (Bill of Lading - BL), também chamado de
Conhecimento de Transporte ou de Carga.
No cenário do transporte marítimo mundial destacam-se três tipos de
contratos-padrão: Conlinebill, Bimco e Viscombill.
Vale dizer que, diferentemente do que ocorre nos contratos de transporte por
viagem, aqui o embarcador não contrata toda ou parte da capacidade do navio, mas
sim, apenas, o transporte de sua mercadoria de um porto a outro.
Em geral, neste tipo de contrato, a carga poderá ser transportada solta no
porão do navio, como carga geral, ou unitizada em contêineres, cujo frete será
calculado com base no peso ou volume da carga transportada (ad rem), podendo,
ainda, ser calculado com base no valor declarado da mercadoria transportada (ad
valorem).

_______________________________________________________________ 220
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O Conhecimento de Transporte é um documento emitido pelo transportador


e assinado pelo comandante do navio ou pela agência marítima responsável pelo
transporte, que confirma o recebimento da mercadoria a bordo.
Por ocasião do embarque das mercadorias, é realizada normalmente a
emissão de três vias do Conhecimento de Transporte, que acobertará a carga
transportada e contém as cláusulas que regerão o transporte contratado, sendo a
primeira entregue ao Embarcador, a segunda permanece com o Transportador e a
terceira via original é remetida pelo Embarcador ao Consignatário da mercadoria,
para que este possa apresentá-la e receber sua carga no porto de destino.
Este documento, portanto, faz prova não somente do recebimento da
mercadoria a bordo do navio pelo Capitão, como também constitui a própria
evidência do contrato de transporte, cabendo ao transportador, conforme determina
o artigo 754 do Código Civil, a obrigação de entregar a carga ao consignatário no
porto de destino, mediante a apresentação de sua respectiva via original do
conhecimento de transporte a ele consignado ou endossado.
É comum que, antes da emissão do conhecimento do transporte, seja emitido
outros documentos, geralmente o mate’s receipt, o booking note e o tally clerk’s
receipt. O mate’s receipt é o recibo provisório do embarque da mercadoria. O
_______________________________________________________________ 221
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

booking note é conhecido como a reserva de espaço em uma determinada


embarcação para o transporte de mercadoria. Já o tally clerk’s receipt tem a função
de documentar o carregamento e o descarregamento da mercadoria na embarcação.
Assim, o conhecimento de transporte adquire características de evidência do
contrato, recibo e de título de crédito, já que a sua posse e apresentação por parte
do Consignatário o legitima junto ao Capitão do navio como proprietário da
mercadoria nele descrita.
Neste sentido, o ilustre maritimista Theóphilo de Azeredo Santos ensina que
“o conhecimento tem dupla natureza: inicialmente, consubstancia a prova do
contrato de transporte e, uma vez criado, passa a valer como título de crédito”. 180

2.2.1 O conhecimento de transporte como evidência do contrato


O contrato de transporte de mercadorias é, via de regra, concluído antes da
emissão do conhecimento de transporte. Por este motivo, o conhecimento de
transporte serve como evidência do contrato de transporte estabelecido entre as
partes.
O consagrado maritimista inglês Stephen Girvin aduz que “os termos no
verso do conhecimento de transporte não constituem o contrato em si, mas mera
evidência do mesmo. Assim, o contrato de transporte é concluído antes da emissão
do conhecimento de transporte, o que não permite ao transportador, de forma
unilateral, alterar os termos do contrato”.181 (tradução livre)
Quando o conhecimento de transporte é transferido ao terceiro de boa-fé por
meio do endosso, é reconhecida a presunção absoluta (conclusive evidence) dos
termos do contrato e das informações pertinentes à carga transportada.

2.2.2 O conhecimento de transporte como recibo


O conhecimento de transporte serve como prova documental ao
transportador do recibo da mercadoria para transporte em sua embarcação. Assim,
a responsabilidade do transportador quando recebe a mercadoria tem início no
momento de recebimento da mesma, e persiste até a entrega ao consignatário.

180
SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Direito da Navegação Marítima e Aérea. São Paulo: Forense,
1964.
181
GIRVIN, Stephen. Carriage of Goods by Sea. Birmingham: Oxford University Press, 2007. p.
76.
_______________________________________________________________ 222
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

O ilustre maritimista John Wilson conceitua uma das funções do


conhecimento de transporte como “um mero recibo de depósito, que vai ser
requerido para obter a entrega da mercadoria no porto de desembarque.
Normalmente, serão incluídas informações quanto à quantidade e descrição da
mercadoria embarcada, em conjunto com as condições em que tais mercadorias
foram recebidas pelo transportador”.182 (tradução livre)
Para se resguardar, é facultado ao transportador inserir cláusulas no
conhecimento de transporte, conhecidas como said to contain, said to be, dentre
outras.183 Tais cláusulas são extremamente importantes para uma eventual defesa
em reclamação por faltas à mercadoria embarcadaImportante ressaltar que,
inexistindo dúvidas quanto à veracidade das informações prestadas pelo
embarcador em relação às mercadorias embarcadas (quantidade, qualidade, estado
da carga, embalagem etc.), o conhecimento de transporte é emitido “limpo”, isto é,
sem reservas ou ressalvas.184 No entanto, quando se verifica que a mercadoria
embarcada não corresponde com a descrita pelo embarcador, serão ressalvadas no
conhecimento de transporte tais impropriedades. 185
Como se vê, as informações constantes no conhecimento de transporte são
extremamente importantes para demandas relacionadas à carga, tanto em face do
transportador, quanto em face do embarcador.

2.2.3 O conhecimento de transporte como título de crédito


A terceira função do conhecimento de transporte é servir como título de
crédito a quem o detém. Isto ocorre em razão do conhecimento de transporte ser o
documento que representa a mercadoria perante o transportador.
O Mestre alemão Schmitthoff, ao conceituar o conhecimento de transporte
como título de crédito aduz que se trata de

182
WILSON, John. Carriage of Goods by Sea. 6. ed. [S.l.]: Person Longman, 2007. p. 116.
183
“Responsabilidade civil – Danos materiais – Transporte – Ação regressiva da seguradora –
Situação dos autos onde a empresa transportadora se desincumbiu do mister de entregar incólume o
volume recebido, não podendo ser responsabilizado pelo conteúdo do ‘container’ ao qual não teve
acesso – Hipótese de manutenção íntegra da sentença atacada, inclusive quanto à fixação dos
honorários advocatícios, posto que inexiste condenação – Apelos desprovidos”. BRASIL. Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 1.151.058-8.
184
Usualmente chamado de clean on board bill of lading.
185
Usualmente chamado de unclean bill of lading ou claused bill of lading.
_______________________________________________________________ 223
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

[...] um documento que permite ao detentor do conhecimento de


transporte ‘dispor’ da mercadoria enquanto a mesma estiver em
trânsito. Na prática mercantil, posse do conhecimento de transporte
equivale à posse da mercadoria, e a transferência do conhecimento de
transporte tem, normalmente, o mesmo efeito da entrega da mercadoria.
O conhecimento de transporte é, portanto, o símbolo da mercadoria.186
(tradução livre)

Trata-se de um título de crédito perante terceiros, que pode ser emitido “à


ordem”, “não à ordem” e “ao portador”.
Quando o conhecimento de transporte é emitido “à ordem”, o mesmo pode
ser transferido por meio do endosso. Trata-se da forma mais utilizada de
conhecimento de transporte, em razão da possibilidade de transferência.
Quanto ao conhecimento de transporte consignado “não à ordem”, o mesmo
só pode ser transferido por cessão. Quando o conhecimento de transporte é emitido
“ao portador”, não é indicado o nome do destinatário. Pode ser transferido por
tradição.

3 Legislação aplicável
O notável crescimento das relações econômicas internacionais, alinhado ao
fenômeno da globalização, vem contribuindo de forma significativa para o aumento
do comércio internacional de mercadorias.
Nesse contexto mundial, o modal marítimo vem assumindo um papel de
destaque no comércio internacional, representando 90% do transporte internacional
de mercadorias.
Por tudo isso, tem-se buscado uma constante sistematização do direito
marítimo, por meio da uniformização, em nível mundial, das inúmeras normas que
envolvem a matéria.
Uma das primeiras iniciativas de sistematização das normas internacionais
de direito marítimo ocorreu em 1921, na Holanda, onde foram promulgadas as
Regras da Convenção de Haia, posteriormente ratificadas por mais de 80 países.
As Regras de Haia sofreram algumas modificações, introduzidas pelo
protocolo de Visby (Convenção de Bruxelas em 1968), passando a figurar no
cenário mundial como Regras de Haia-Visby.

186
SCHMITTHOFF. Export Trade: The Law and Practice of International Trade. 11. ed. [S.l]: Sweet
& Maxwell, 2007. p. 325.
_______________________________________________________________ 224
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Em geral, as Regras de Haia-Visby preveem um regime de responsabilidade


moderada do transportador marítimo. Para tanto, consagraram dezessete causas de
exoneração da responsabilidade do transportador.
Mais tarde, em 1978, foi realizada a Convenção das Nações Unidas sobre o
Transporte Marítimo (a United Nations Convention on the Carriage of Goods by
Sea), conhecida como Regras de Hamburgo.
Contrariando os interesses dos transportadores, as Regras de Hamburgo
aplicam o princípio da presunção da culpa daquele, instituindo, inclusive, uma
indenização por atraso na entrega de mercadoria, cujo valor ultrapassa aquele
previsto nas Regras de Haia-Visby.
Com efeito, as Regras de Hamburgo entraram em vigor apenas a partir de
1992, sendo certo que sua aplicabilidade se afigura ainda limitada.
Com o objetivo, mais uma vez, de buscar uma uniformização das normas
que envolvem o direito marítimo, no dia 23 de setembro de 2009 foi realizada a
cerimônia para assinatura das Regras de Roterdã (nome dado em homenagem à
cidade sede da cerimônia de assinatura), as quais versam sobre os direitos e
obrigações envolvidas no transporte internacional de mercadorias no todo ou em
parte por via marítima.
As Regras de Roterdã objetivam atualizar as disposições das Regras de Haia
e o respectivo Protocolo de Haia-Visby e as Regras de Hamburgo, incorporando os
novos conceitos, práticas e costumes do comércio marítimo internacional e
integrado com outros modais.
Os dispositivos das Regras de Roterdã procuram atender tanto aos interesses
da “carga” como dos “armadores”, servindo como instrumento de regulamentação
para uma maior harmonia no mundo globalizado e estabelecendo regras
contemporâneas e uniformes para o transporte de mercadorias pelo mar, conectando
ao transporte terrestre, assim como para o desenvolvimento do comércio eletrônico
no transporte marítimo.
No entanto, é importante ressaltar que, apesar de ter sido signatário das
regras de Hamburgo, o Brasil não ratificou nenhuma convenção internacional neste
sentido, prevalecendo as normas internas comuns aos contratos de transporte em
geral.

_______________________________________________________________ 225
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Em vista disso, percebe-se que não obstante o esforço desempenhado por


diversos países na busca pela uniformização das normas atinentes aos contratos de
transporte marítimo, até hoje não se vislumbra a total sistematização da
regulamentação desses contratos no cenário mundial.

4 Direitos e obrigações
4.1 Transportador
Nos termos do artigo 749 do Código Civil, “o transportador conduzirá a
coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom
estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto”.
A regra contida no diploma acima encerra a principal responsabilidade do
transportador marítimo, por meio da consagração da obrigação de entrega incólume
da carga que lhe é confiada inerente aos contratos de transporte.
Ainda nos termos do artigo 750 do nosso Código Civil, a responsabilidade
do transportador se inicia no momento em que recebe a mercadoria, tornando-se ele
um depositário da coisa, e termina no momento em que a carga é entregue ao seu
destinatário.
A ideia da devida diligência (due diligence) no transporte de mercadorias
foi incutida de forma tão expressiva que ao transportador é concedido inclusive o
direito de recusar a mercadoria recebida do embarcador quando verificar que esta
não foi embalada de forma adequada (art. 476 do CC) ou que se encontra avariada,
bem como de exigir sua reestiva a fim de resguardar a segurança do transporte
contratado.
Há casos, ainda, em que o transportador marítimo terá mesmo a obrigação
de recusar a mercadoria. Isso ocorre quando o transporte de determinada
mercadoria não é permitido por lei ou quando a carga não está acompanhada dos
devidos documentos que lhes são exigidos.
Ainda dentre as obrigações do transportador, o art. 3º do Decreto-Lei nº 116,
de 25/01/1967, que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte marítimo de
mercadorias nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tratando
das faltas e avarias, prevê que “os volumes em falta, avariados, sem embalagem ou
embalagem inadequada ao transporte por água, serão desde logo ressalvados pelo
recebedor e vistoriados no ato da entrega, na presença dos interessados”.

_______________________________________________________________ 226
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Além disso, incumbirá também ao transportador a fiscalização das


operações de carga e descarga de mercadorias, visando mais uma vez a garantir a
entrega incólume da carga transportada.
Importante ressaltar que por se tratar de obrigação de resultado,187 a
responsabilidade civil do transportador por perdas e avarias na mercadoria é
objetiva perante o Embarcador.
Vale dizer que o ônus da prova será sempre do transportador, cabendo a
este, portanto, a demonstração de ocorrência de uma das causas excludentes de
culpabilidade (caso fortuito, força maior, vício da carga, culpa exclusiva da vítima
e fato de terceiro), a fim de exonerar-se de sua responsabilidade.188

4.2 Embarcador
O pagamento do frete acordado na celebração do contrato de transporte é a
principal obrigação do embarcador. Em determinados casos, porém, é possível que
a dita obrigação seja suportada pelo consignatário da carga, se o contrato
estabelecer, por exemplo, o pagamento do frete antes da descarga ou no local do
destino.
Fora algumas excludentes, se o embarcador ou o consignatário não pagarem
o frete devido, o transportador poderá acioná-los judicialmente por meio de Ação
de Cobrança, sendo certo que, em geral, a responsabilidade tanto do embarcador
quanto do consignatário da mercadoria poderá ser solidária. 189
Além da obrigação de pagamento do frete, compete ainda ao embarcador
acondicionar a mercadoria de maneira correta, sob pena de ser facultada a recusa
do transportador, ou mesmo a isenção de responsabilidade do transportador por
qualquer dano à carga. Deve o embarcador, ainda, entregar a carga devidamente
“caracterizada por sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for

187
Nesse sentido: VENOSA, Silvio. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos. 3. ed. V. 2. São Paulo: Atlas, 2003; e MOURA, Geraldo Bezerra de. Direito de navegação
em comércio exterior. São Paulo: Aduaneiras, 1991.
188
“[...] Tanto o transporte, como o acondicionamento e depósito de mercadorias, são atividades
empresariais de risco e, portanto, a responsabilidade dessas empresas sobre as cargas a elas
confiadas, em realidade, é objetiva, independente da comprovação de culpa. Somente podem ver
excluída sua responsabilidade sobre danos, avarias ou desvios de carga, se comprovarem a
inexistência do dano, o fato exclusivo de terceiro, ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior.
[...]” BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n. 04659/2007.
189
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ap. Civil n. 885.59-8. Julgado em 19 de
outubro de 2005.
_______________________________________________________________ 227
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser
indicado ao menos pelo nome e endereço”, conforme preceitua o art. 743 do Código
Civil.
Na hipótese de serem prestadas informações falsas ou inexatas pelo
embarcador, será cabível indenização ao transportador se este experimentar
eventuais prejuízos oriundos de tais informações, na forma do artigo 745 do Código
Civil.

4.3 Destinatário
O destinatário é aquele que deverá receber as mercadorias descarregadas
pelo transportador de acordo com as condições previstas no Conhecimento de
Transporte.
Conforme já destacado acima, nos contratos em que houver estipulação de
cláusula freight payable at destination collect (frete pagável no destino) ou freight
to be paid before breaking bulk (frete pagável antes da descarga) a obrigação do
pagamento de frete caberá ao destinatário, e não ao embarcador, como de costume.
Outra obrigação contratual atribuída ao Consignatário no caso de cargas
unitizadas é aquela oriunda da sobrestadia de contêineres (demurrage/ detention).
Assim, nos contratos de transportes em que houver cláusula determinando o
pagamento de taxa em razão da não devolução da unidade de carga no prazo
estipulado, salvo se houver disposição em contrário, caberá ao destinatário que o
retirar, arcar com essa prestação.
Além das obrigações contratuais, o Consignatário também possui
responsabilidades impostas por lei, dentre as quais se destaca a responsabilidade
pela conferência da mercadoria descarregada pelo transportador. Daí decorre outra
importante obrigação do destinatário: a consignação de protesto, caso se verifique,
no ato da descarga, a existência de alguma avaria ou perda da carga recebida.
Este protesto poderá ser feito no próprio BL ou em documento apartado por
escrito, devendo conter as indicações das avarias ou faltas constatadas pelo
consignatário, bem como a solicitação de vistoria, caso este entenda necessária.
Registre-se que, nessas hipóteses, a vistoria da carga afigura-se necessária
para a verificação da causa e da extensão da avaria suscitada pelo consignatário,

_______________________________________________________________ 228
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

servindo, ainda, como prova relevante para o ajuizamento de eventual Ação


Indenizatória em face do causador do dano.
Por fim, dentre os valores que são devidos pelo destinatário no momento da
retirada de suas mercadorias, cabe destacar a contribuição denominada Adicional
ao Frete para Renovação da Marinha Mercante.
Trata-se de contribuição parafiscal, atualmente regulada pela Lei nº
10.893/2004, incidente sobre o frete cobrado pelas empresas de navegação que
operam em portos brasileiros (art. 5º), cuja finalidade principal é angariar recursos
para o desenvolvimento da Marinha Mercante Brasileira.

5 Cláusulas especiais
Nos contratos de transporte marítimo de mercadorias poderão ainda ser
encontradas algumas cláusulas especiais, tais como, as cláusulas de não indenizar e
as cláusulas que exoneram ou limitam a responsabilidade do transportador.
No que tange às cláusulas exonerativas e de não indenizar, é importante
atentar-se para o fato de serem as mesmas inoperantes nos contratos de transporte
executados no Brasil, sendo tal entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal
Federal. 190
Contudo, a cláusula de limitação de responsabilidade do transportador vem
sendo amplamente utilizada nos contratos de transporte de mercadorias, por causa
das enormes vantagens que, a princípio, representam para os transportadores.
Em contrapartida a esta limitação, quando da negociação do transporte da
carga, o embarcador terá a opção de não declarar o valor da mercadoria no
Conhecimento de Transporte, limitando-se a descrevê-la e indicar o seu peso total,
pagando um frete menor, calculado sobre a dimensão da carga (ad rem) e não sobre
o valor total do bem transportado (frete ad valorem).
Na medida em que a cláusula limitadora estabelece um valor máximo para
pagamento de eventual indenização, que será calculada por unidade de volume ou
peso da carga, esta representa uma significativa redução da responsabilidade do
transportador perante o embarcador pela carga transportada.
Por sua vez, a inteligência da cláusula diz que, caso o embarcador pretenda
ser indenizado pelo valor total de sua carga no caso de uma eventual avaria ocorrida

190
Súmula nº 161: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar.”
_______________________________________________________________ 229
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

durante o transporte marítimo, este deverá optar pelo pagamento do frete com base
no valor declarado da mercadoria, o que é pouco utilizada tendo em vista que
encarece em muito o custo do embarque.
Entretanto, há parte da doutrina que não reconhece a validade desta cláusula
por entender que a redução do valor da indenização a parte muito inferior ao
prejuízo verificado (valor da carga) implicaria a negação do princípio que assegura
a reparação do dano, restando a mesma caracterizada como cláusula de não
indenizar.
Certo é que a jurisprudência nacional vem caminhando para o
reconhecimento da validade e eficácia da cláusula de limitação de responsabilidade,
exceto quando tiverem como objetivo disfarçar uma exoneração de
responsabilidade.191

6 Avarias
6.1 Conceito e classificação
De acordo com o art. 761 do Código Comercial, consideram-se avarias
“todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ou
separadamente, ou todos os danos acontecidos àquela ou a esta, desde o embarque
até a sua volta e desembarque”.
Nas palavras de Ávio Brasil, avaria “é o prejuízo material, extraordinário e
imprevisto, resultante de transporte, e que os proprietários do navio ou da sua carga
suportam conjunta ou separadamente.”192

191
“Transporte marítimo. Cláusula limitativa de responsabilidade. É válida a cláusula limitativa da
responsabilidade de indenizar inserta em contrato de transporte marítimo. Precedentes. Recurso
Especial conhecido e provido”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 153.787-SP. Quarta
Turma. Relator: Ministro Barros Monteiro. In: DJ, de 06 de abril de 1998. p. 136.
“Recurso Especial - Contrato de transporte marítimo - Opção por frete de valor reduzido - Cláusula
limitativa de responsabilidade da transportadora - Validade - Decreto-lei nº 19.473/30 -
Inaplicabilidade, na espécie - Precedentes do STJ - Aferição acerca de eventual pagamento integral
do valor do frete e de sobretaxa reputada ilegal - reexame de provas e análise de cláusulas contratuais
- Impossibilidade - Incidência dos enunciados nºs 5 e 7 da súmula/STJ - Recurso não conhecido”.
(STJ, REsp n. 233.023/SP, j. 25/03/2008).
192
BRASIL, Ávio. Transportes e Seguros Marítimos e Aéreos. In: Oficinas Gráficas do Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 1955.
_______________________________________________________________ 230
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Como se vê, a acepção jurídica do termo avaria é bem mais ampla do que o
seu significado comum, pois compreende não só o dano causado à carga ou ao
navio, como também as despesas extraordinárias realizadas durante a expedição
marítima.
Não obstante as inúmeras classificações doutrinárias, chamamos de avarias
simples ou particulares as avarias comumente incorridas apenas na carga.
Em geral, as avarias simples encontram-se enumeradas no artigo 766 do
Código Comercial.

6.2 Titularidade do direito de reclamar


Depois de constatadas as avarias e apurada sua responsabilidade por meio
de vistoria, aquele que se sentir lesado terá o direito de ser ressarcido daquele que
causou o dano.
No entanto, tendo em vista que grande parte das mercadorias transportadas
via mar encontra-se sob o abrigo de cobertura securitária, muitas vezes será o
próprio Segurador da carga, que após o pagamento da indenização à sua cliente
(embarcadora ou destinatária), ficará sub-rogado no direito de reclamar os danos
originados pela avaria.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

6.3 Prescrição
O prazo prescricional para ajuizamento da Ação Indenizatória com vistas ao
ressarcimento, pelo embarcador ou consignatário, dos prejuízos sofridos em virtude
de falta ou avaria de mercadorias decorrentes do transporte marítimo ainda é
debatido na doutrina e jurisprudência brasileira.
O Código Comercial Brasileiro estabelecia o prazo prescricional de um ano
em seu Art. 449, o qual foi revogado pela Lei no 10.406/ 2002, O Código de
Processo Civil, que não estipulou prazo específico.
Por essa razão, parte da doutrina sustenta que o prazo prescricional seria de
3 anos, seguindo o prazo do art. 206, §3° do Código Civil, prazo estipulado para a
pretensão de reparação civil em geral.
No entanto, a legislação especial continua a regulamentar o prazo
prescricional de um ano para tais ações, como disposto no Decreto-Lei n° 116/1967,
a Lei de Transporte Multimodal (Lei 9611/98), a Lei de Transporte Rodoviário (Lei
11.442/07) e a Súmula 151 do STF.
Algumas discussões vinham sendo travadas nos Tribunais acerca da
aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor para efeito de incidência do
prazo de cinco anos (artigo 27 do CDC), sendo tal posição sustentada por
seguradores e interesses da carga. Contudo, em 19/08/2018 o Superior Tribunal de
Justiça sedimentou entendimento pela inexistência de relação consumerista em
contrato de transporte destinado a viabilizar atividade comercial 193.
Outrossim, o preceito contido na Lei n° 2.180/52, que estabelece a
suspensão do prazo prescricional em casos que estejam sob julgamento no Tribunal
Marítimo, também é uma relevante disposição legal no Direito Marítimo brasileiro.
Já nas Regras de Haia e nas Regras de Haia-Visby, o prazo é de um ano para
ajuizar ações relacionadas às perdas e avarias à carga, ou a atrasos na entrega da
mesma.194 Nas Regras de Hamburgo e nas Regras de Roterdã, o prazo é de dois
anos.195 A prescrição constante nessas Convenções não tem qualquer aplicabilidade
no Brasil, uma vez que o país não as ratificou.

193
Recurso Especial nº 1.669.938/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi.
194
Artigo III, 6, das Regras de Haia e das Regras de Haia-Visby.
195
Artigo 20, 1, das Regras de Hamburgo e Artigo 62 das Regras de Roterdã.
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando as


partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Defina o contrato de transporte marítimo e suas modalidades.
3. Discorra acerca dos limites da responsabilidade do transportador marítimo no
contrato de transporte.
4. Discorra sobre as obrigações e direitos do embarcador e do transportador
marítimo.
5. Discorra sobre a validade da cláusula de limitação de responsabilidade.
6. Defina a sua posição acerca da incidência do CDC nos contratos de transporte
marítimo, justificando-a.
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

CASO GERADOR
A empresa Shipper contratou a empresa Carrier para o transporte de
mercadorias da Inglaterra ao Brasil. Para tanto, Shipper embarcou 1.000 rádios e
5.000 CDs no navio Essence, da empresa Carrier, para o transporte marítimo do
Porto de Southampton ao Porto do Rio de Janeiro. A carga foi acondicionada em
dois contêineres. O primeiro conhecimento de transporte descreveu a mercadoria
como “1 container contendo 1.000 rádios”, e o segundo conhecimento de transporte
descreveu a mercadoria como “1 container ‘said to contain’ 5.000 CDs”.
Shipper vendeu os rádios e os CDs para Consignee e enviou-lhe a
correspondente via do conhecimento de transporte para a retirada da carga no Porto
do Rio de Janeiro. Durante a travessia oceânica, o navio Essence se deparou com
uma tempestade violenta. Em decorrência, algumas avarias ocorreram a bordo,
sendo que o primeiro contêiner, contendo 1.000 rádios, foi severamente avariado, e
o outro contêiner, contendo os CDs, nada sofreu.
Ao atracar no porto do Rio de Janeiro, Consignee constatou na conferência
final do manifesto realizado pela Inspetoria da Receita Federal no primeiro
contêiner que os rádios estavam, em sua maioria, avariados. Quanto ao segundo
contêiner, foi constatado nesta mesma conferência que a carga chegou intacta,
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

porém faltando cerca de 1.000 CDs. Foi constatado também que os lacres dos
contêineres estavam intactos.
Na qualidade de advogado da Carrier, empresa responsável pelo transporte
marítimo das mercadorias, oriente seu cliente sobre que medidas legais poderão ser
adotadas contra reclamação formulada pelo Consignatário.

REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
ANJOS, J. Haroldo dos; GOMES, Carlos R. C. Curso de Direito Marítimo. Rio de
Janeiro: Renovar, 1992.
BRASIL, Ávio. Transportes e Seguros Marítimos e Aéreos. In: Oficinas Gráficas
do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1955.
CALABUIG, Rosário Espinosa. El contrato internacional de transporte marítimo
de mercancías: questiones de ley aplicable. Granada: Comares, 1999.
GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo. 2.
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
GIRVIN, Stephen. Carriage of Goods by Sea. Birmingham: Oxford University
Press, 2007.
LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação. 3.
ed., rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1984.
MOURA, Geraldo Bezerra de. Direito de navegação em comércio exterior. São
Paulo: Aduaneiras, 1991.
KEEDI, Samir; MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no Comércio
Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação. 2. ed. São Paulo: Forense,
1968.
SCHMITTHOFF. Export Trade: The Law and Practice of International Trade. 11.
ed. [S.l.]: Sweet & Maxwell, 2007.
VENOSA, Silvio. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos. 3. ed. V. 2. São Paulo: Atlas, 2003.

_______________________________________________________________ 234
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

WILSON, John. Carriage of Goods by Sea. 6. ed. Person Longman, 2007.

Eletrônicas
REGRAS DE YORK E ANTUÉRPIA 2004. Disponível em:
<http://www.comitemaritime.org/cmidocs/yar.html>. Acesso em: 20 ago. 2008.
REGRAS DE HAIA OU CONVENÇÃO DE BRUXELAS. Disponível em:
<http://www.admiraltylawguide.com/conven/haguerules1924.html>. Acesso em:
20 ago. 2008.
REGRAS DE HAIA-VISBY. Disponível em:
<http://www.admiraltylawguide.com/conven/visbyrules1968.html >. Acesso em:
20 ago. 2008.

Jurisprudenciais
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 153.787-SP. Quarta Turma.
Relator: Ministro Barros Monteiro. In: DJ, de 06 de abril de 1998. p. 136.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº 233.023-SP. Relator: Ministro
Relator Massami Uyeda. In: DJU, de 16 de junho de 2008.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n° 885.59-8. Julgado em
19 de outubro de 2005.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 1.151.058-8.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n. 04659/2007.

Legislativas
BRASIL. Código Civil.
BRASIL. Código Comercial.
BRASIL. Código de Processo Civil.
BRASIL. Decreto n° 2.681, de 07 de dezembro de 1912.
BRASIL. Decreto-Lei nº 116, de 25 de janeiro de 1967.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
BRASIL. Lei n° 10.893, de 13 de julho de 2004.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

AULA XI - Responsabilidade Civil e Conflitos na Seara Marítima

1 Disputa marítima
1.1 Conceito
A primeira definição internacional unificada de reclamação de natureza
marítima surgiu com o advento da Convenção de Bruxelas de 1926, que arrola os
créditos marítimos de natureza privilegiada em um rol semelhante ao do artigo 470
do nosso Código Comercial. 196
O conceito legal de disputa marítima atualmente em vigor foi delineado pela
Convenção de Arresto de 1999197 (não ratificada pelo Brasil).
A Convenção de arresto de 1999 traz em seu artigo primeiro a definição de
reclamação marítima:

Reclamação marítima (maritime claim) significa uma reclamação


decorrente de um ou mais dos seguintes eventos:
(a) perda ou dano causados pela operação do navio;
(b) perda de vida ou danos pessoais que ocorram, em terra ou no mar,
diretamente resultantes da operação do navio;
(c) operações de salvamento ou qualquer contrato de salvamento
incluindo, onde couber, remuneração especial relativa a operações de
salvamento de um navio que, por si ou por sua carga constitui ameaça
ao meio ambiente;
(d) danos ou ameaça de danos causados pelo navio ao meio ambiente,
ao litoral ou a interesses a estes relacionados, medidas empreendidas
para prevenir, minimizar ou remover tais danos, compensação por tais
danos; custos de medidas razoáveis para a recomposição do meio

196
“Art. 470 - No caso de venda voluntária, a propriedade da embarcação passa para o comprador
com todos os seus encargos; salvo os direitos dos credores privilegiados que nela tiverem hipoteca
tácita. Tais são:
1 - os salários devidos por serviços prestados ao navio, compreendidos os de salvados e pilotagem;
2 - todos os direitos de porto e impostos de navegação;
3 - os vencimentos de depositários e despesas necessárias feitas na guarda do navio, compreendido
o aluguel dos armazéns de depósito dos aprestos e aparelhos do mesmo navio;
4 - todas as despesas do custeio do navio e seus pertences, que houverem sido feitas para sua guarda
e conservação depois da última viagem e durante a sua estadia no porto da venda;
5 - as soldadas do capitão, oficiais e gente da tripulação, vencidas na última viagem;
6 - o principal e prêmio das letras de risco tomadas pelo capitão sobre o casco e aparelho ou sobre
os fretes (Art. 651) durante a última viagem, sendo o contrato celebrado e assinado antes do navio
partir do porto onde tais obrigações forem contraídas;
7 - o principal e prêmio de letras de risco, tomadas sobre o casco e aparelhos, ou fretes, antes de
começar a última viagem, no porto da carga (Art. 515);
8 - as quantias emprestadas ao capitão, ou dívidas por ele contraídas para o conserto e custeio do
navio, durante a última viagem, com os respectivos prêmios de seguro, quando em virtude de tais
empréstimos o capitão houver evitado firmar letras de risco (Art. 515);
9 - faltas na entrega da carga, prêmios de seguro sobre o navio ou fretes, e avarias ordinárias, e tudo
o que respeitar à última viagem somente.”
197
O texto completo da United Nations/International Maritime Organization Diplomatic Conference
On Arrest Of Ships, 1999. A/CONF.188/6 pode ser encontrado em:
<http://www.unctad.org/en/docs/imo99d6.pdf>. Acesso em: 20 de junho de 2014.
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

ambiente efetivamente empreendidas ou a serem empreendidas; perdas


incorridas ou provavelmente a serem incorridas por terceiros
relativamente a tais danos; e danos, custos ou prejuízos de natureza
similar aos identificados neste subitem (d);
(e) custos ou despesas relativos ao içamento, remoção, recuperação,
destruição ou com tornar inofensivo um navio naufragado, destroçado,
encalhado ou abandonado, incluindo qualquer coisa que esteja ou tenha
estado a bordo de tal navio, e os custos e despesas relativos à
preservação de um navio abandonado e à manutenção de sua tripulação;
(f) qualquer acordo relativo ao uso ou afretamento do navio, quer parte
de um contrato de afretamento quer de outra forma acordado;
(g) qualquer acordo relativamente ao transporte de bens ou passageiros
a bordo do navio, quer parte de um contrato de afretamento quer de
outra forma acordado;
(h) perda ou dano a ou em relação a bens (incluindo bagagem)
transportados a bordo do navio;
(i) avaria grossa;
(j) reboque;
(k) praticagem;
(l) bens, materiais, suprimentos, combustível, equipamento (incluindo
containers) fornecidos ou serviços prestados ao navio para sua
operação, gestão, preservação ou manutenção;
(m) construção, reconstrução, reparo, conversão ou equipamento do
navio;
(n) taxas e encargos portuários, de uso de canais, berços, atracações e
de outras vias aquaviárias;
(o) salários e outras quantias devidas ao comandante, oficiais e outros
tripulantes do navio, relativamente a seus empregos a bordo do navio,
incluindo custos de repatriamento e contribuições de seguridade social
pagáveis em benefício dos mesmos;
(p) desembolsos incorridos em benefício do navio ou de seus
armadores;
(q) prêmios de seguros (incluindo chamadas de clubes de P&I)
referentes ao navio, pagáveis por ou em nome do armador ou do
afretador a casco nu.
(r) quaisquer comissões, corretagens ou taxas de agenciamento
pagáveis relativamente ao navio ou por parte do armador ou afretador a
casco nu;
(s) qualquer disputa quanto à propriedade ou posse do navio;
(t) qualquer disputa entre coproprietários quanto ao uso ou receita do
navio;
(u) hipoteca ou "hypothèque" ou encargo de igual natureza sobre o
navio;
(v) qualquer disputa decorrente de um contrato para a venda do navio.

As partes que podem integrar uma disputa marítima são múltiplas:


– proprietários;
– fretadores (disponent owners);
– operadores (Non Vessel Operating Common Carrier - NVOCC);
– afretadores;
– subafretadores;
– embarcadores;
– consignatários;

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

– agentes marítimos;
– corretores de navios;
– fornecedores de combustível (bunker);
– estaleiros;
– bancos (hipotecas e arrestos);
– seguradores (ações regressivas);
– sociedades classificadoras;
– tripulantes;
– práticos;
– estivadores;
– operadores portuários;
– container leasing;
– terceiros;
– Estados e autoridades (ex: marinha, fisco e ambiental).

1.2 Conflitos contratuais típicos do direito marítimo


Conhecimento de Embarque (Bill of Lading):
• avaria;
• faltas (quebra do granel);
• atrasos (ex: deviation) ou não entrega da carga e inexecução do contrato de
transporte;
• inadimplemento do frete e sobrestadias (contêiner);
• entrega do conhecimento e endossos fraudulentos;
• cláusulas clean on board;
• cautelares do exportador para busca e apreensão dos conhecimentos limpos;
• embargo da carga por dívidas de frete.

Contratos de afretamento:
• navegabilidade (seaworthiness);
• atrasos no delivery ou redelivey;
• bad performance (velocidade e/ou consumo);
• inadimplementos contratuais (ex: não pagamento das taxas de afretamento
x off-hire);

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

• disputas contratuais (ex: cobrança de alegado excesso de combustível nas


embarcações pelo Afretador);
• desequilíbrios contratuais (hardship & force majeure) e rescisão antecipada.

Contratos de compra e venda de embarcações:


• navegabilidade (seaworthiness);
• atrasos no delivery;
• cancelamentos;
• inadimplementos contratuais (pagamento do preço);
• credores antigos exercendo ação superveniente na venda voluntária (os
créditos são transferidos ao novo proprietário).

Contratos de construção e reparos:


• atrasos na entrega da obra e defeitos durante a construção;
• vício oculto;
• garantia técnica;
• desequilíbrios econômicos.

Contratos de seguro: negativa de cobertura por falta do segurado (manutenção dos


certificados, manutenção da embarcação em estado de navegabilidade usualmente
aceito e due diligence da administração do armador/segurado).
Contratos de financiamento: inadimplemento das prestações e execução do
crédito hipotecário; arresto de navio.
Contratos de salvamento (LOF): a questão controvertida inerente ao arbitramento
do prêmio de salvamento.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Contratos de fornecimento de combustível: baixa qualidade ou fornecimento fora


da especificação ou inadimplemento.
Há, ainda, o contencioso marítimo decorrente de relações extracontratuais (Tort
Actions), os quais decorrem de acidentes e fatos da navegação, os quais podem ser
deflagrados em virtude das situações abaixo arroladas:
 Colisão;
 Encalhe;
 Varação;
 Incêndio;
 Naufrágio;
 Poluição no mar.

1.3 Peculiaridades do contencioso marítimo


As disputas marítimas podem atrair diversas jurisdições e legislações
aplicáveis – exemplo típico: colisão com perdas de vidas humanas e poluição de
um navio afretado a casco nu – (i) disputa privada entre fretador e afretador e seus
seguradores no foro do contrato – culpabilidade e indenizações e (ii) interesses
difusos, lei de ordem pública do País onde ocorreu o acidente (familiares das
vítimas, MP, autoridades ambientais, município, pescadores).
Casos marítimos demandam grande especialidade, atendimento imediato
dos advogados e técnicos (engenheiro naval ou comandante), produção de provas
in loco (vistorias conjuntas - judiciais); relevância da matéria de fato nas disputas
envolvendo acidentes e outras matérias marítimas.
As medidas cautelares para obtenção de garantias – como arrestos – são
procedimentos usuais no contencioso marítimo. As medidas assecuratórias são
procedimentos essenciais para o êxito de uma reclamação marítima, isto porque
muitas vezes os devedores não possuem bens no território em que os procedimentos
judiciais são ajuizados.
Cláusula de solução de conflitos – mediação e arbitragem pela LMAA
(London Maritime Arbitrators’ Association - Londres) ou SMA198 (Society of

198
Para mais informações acesse: <http://www.smany.org/>. Acesso em: 20 de junho de 2014.

_______________________________________________________________ 240
Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Maritime Arbitrators - Nova Iorque) - padrão dos contratos BIMCO (cláusula


cheia):
(a) este contrato será regido e interpretado pelas leis da Inglaterra, e
qualquer disputa dele decorrente ou a ele relacionado será
submetida a arbitragem em Londres, em conformidade com a lei de
arbitragem (Arbitration Act) de 1996, ou qualquer alteração
estatutária ou reedição da mesma, exceto até onde for necessário
conferir efeito às disposições desta cláusula.
A arbitragem será conduzida em conformidade com as regras da
associação dos árbitros marítimos de Londres (London Maritime
Arbitrators’ Association) – LMAA em vigor quando do início do
processo de arbitragem.
Serão nomeados três árbitros. Uma parte que deseje submeter uma
disputa a arbitragem nomeará seu árbitro e notificará a outra parte de
tal nomeação por escrito, solicitando a outra parte que nomeie seu
próprio árbitro dentro de 14 dias corridos a partir de tal notificação, e
informando que nomeará seu árbitro como árbitro único salvo se a outra
parte nomear seu próprio árbitro notificar tê-lo nomeado dentro dos 14
dias acima especificados. Se a outra parte não nomear seu próprio
árbitro e assim notificar dentro dos 14 dias especificados, a parte que
estiver submetendo uma disputa a arbitragem poderá, sem necessidade
de qualquer notificação adicional à outra parte, nomear seu árbitro
como árbitro único e assim avisará a outra parte. A decisão de um
árbitro único obrigará ambas as partes como se tivesse sido nomeado
de comum acordo.
Nada contido nesta cláusula impedirá as partes de acordar por escrito
em variar estas disposições, para determinarem a nomeação de um
único árbitro.
Nos casos em que nem a reclamação nem a reconvenção excederem o
valor de US$50,000 (ou qualquer outro valor que vier a ser acordado
pelas partes) a arbitragem será conduzida em conformidade com os
procedimentos para pequenas causas (small claims procedure) da
LMAA em vigor quando do início do processo de arbitragem.
(b) não obstante (a) acima, as partes poderão acordar a qualquer tempo
a submeter a mediação qualquer divergência e/ou disputa resultante
deste contrato ou a ele relacionado.
No caso de uma disputa relativamente à qual arbitragem tenha sido
iniciada sob (a), acima, o seguinte se aplicará:
(i) qualquer uma das partes poderá a qualquer tempo e de tempos em
tempos optar por submeter a disputa ou parte da disputa a mediação
através de notificação por escrito à outra parte (a “notificação de
mediação”), intimando a outra parte a concordar com mediação.
(ii) a outra parte então confirmará, dentro de 14 dias corridos a partir do
recebimento da notificação de mediação, que concorda com a
mediação, caso em que as partes então concordarão quanto a um
mediador dentro de 14 dias corridos adicionais. Caso não haja tal
concordância, mediante solicitação de qualquer uma das partes o
tribunal arbitral (“o tribunal”) ou qualquer pessoa que o tribunal indicar
para tal fim, prontamente nomeará um mediador. A mediação será
conduzida em local e de acordo com o procedimento e sob termos
acordados pelas partes ou, no caso de desacordo entre as partes, as que
vierem a ser estabelecidas pelo mediador.
(iii) caso a outra parte não concordar com a mediação, este fato poderá
ser trazido à atenção do tribunal e poderá ser levado em consideração
pelo tribunal quando da alocação de custos da arbitragem entre as
partes.

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DIREITO MARÍTMO

(iv) a mediação não afetará o direito de qualquer das partes de buscar o


auxílio ou tomar as medidas que julgar necessários para proteger seus
interesses.
(v) qualquer uma das partes poderá avisar o tribunal que concordaram
com a mediação. O procedimento de arbitragem prosseguirá durante a
condução da mediação, mas o tribunal poderá levar em conta o
cronograma da mediação ao estabelecer o cronograma dos passos da
arbitragem.
(vi) salvo acordo ou especificação em contrário nas condições da
mediação, cada uma das partes arcará com seus próprios custos
incorridos na mediação e as partes compartilharão igualmente os custos
e as despesas do mediador.
(vii) o processo de mediação será realizado sem prejuízo do
procedimento arbitral e correrão de forma confidencial, e nenhuma
informação e nenhum documento serão divulgados ao tribunal durante
o processo, salvo até onde sejam divulgáveis por lei e pelos
procedimentos que governam a arbitragem.
Cláusula similar e alternativa submetendo as disputas à arbitragem em
Nova Iorque, com base nas regras da SMA.
Exceção a essas jurisdições de adesão: conhecimentos marítimos
(geralmente foro judicial e lei do domicílio do armador/carrier – adesão
– controvérsia nos tribunais nacionais e estrangeiros).

1.4 Disputas marítimas no Brasil


No Brasil, tradicionalmente as disputas marítimas sempre foram objeto de
solução judicial originando vasta jurisprudência desde o extinto Tribunal Federal
de Recursos – memorável acórdão do STF do início do século passado “San
Lorenzo” - 1908 - sobre a inconstitucionalidade do artigo 482 do Código Comercial
com relação à proibição de arresto de navio estrangeiro por dívidas não contraídas
no território nacional.
Com relação à competência judiciária brasileira, a lei permite que as partes
elejam o foro competente para dirimir questões decorrentes do contrato
internacional. O Novo Código de Processo Civil dispõe sobre essa matéria nos
artigos 21, 22 e 23.
Os artigos 21 e 22 do CPC regula, a competência concorrente da justiça
brasileira. A jurisdição brasileira poderá apreciar questões decorrentes dos
contratos quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver
domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação
se originar de fato ocorrido ou de fato praticado no Brasil; IV – ação de alimentos;
V – decorrentes de relação de consumo; VI - em que as partes se submeterem à
jurisdição nacional.
Já o artigo 23 do CPC estabelece a competência exclusiva da jurisdição
brasileira, ou seja, casos em que não se admite outra jurisdição para conhecer e
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DIREITO MARÍTMO

julgar ações relativas a imóveis situados no Brasil; nem para proceder ao inventário
e a partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro
e tenha residido fora do território nacional.
Segundo a regra do artigo 24 do CPC: “A ação intentada perante tribunal
estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária
brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas.”
A jurisprudência brasileira contempla disputas decorrentes dos contratos de
transporte (avarias, fretes, sobre estadias, ações regressivas) e alguns acórdãos
isolados sobre os contratos internacionais, afretamentos, colisão, arresto e
acidentes.
Vale registrar, ademais, a obrigatoriedade de ratificação judicial dos
protestos formados a bordo no prazo de 24 horas da chegada do navio no primeiro
porto brasileiro (arts. 766 a 770, do Código de Processo
Código de Processo Civil:

Seção XII - Da Ratificação dos Protestos Marítimos e dos Processos


Testemunháveis Formados a Bordo

Art. 766. Todos os protestos e os processos testemunháveis formados


a bordo e lançados no livro Diário da Navegação deverão ser
apresentados pelo comandante ao juiz de direito do primeiro porto, nas
primeiras 24 (vinte e quatro) horas de chegada da embarcação, para sua
ratificação judicial.

Art. 767. A petição inicial conterá a transcrição dos termos lançados


no livro Diário da Navegação e deverá ser instruída com cópias das
páginas que contenham os termos que serão ratificados, dos
documentos de identificação do comandante e das testemunhas
arroladas, do rol de tripulantes, do documento de registro da
embarcação e, quando for o caso, do manifesto das cargas sinistradas e
a qualificação de seus consignatários, traduzidos, quando for o caso, de
forma livre para o português.

Art. 768. A petição inicial deverá ser distribuída com urgência e


encaminhada ao juiz, que ouvirá, sob compromisso a ser prestado no
mesmo dia, o comandante e as testemunhas em número mínimo de 2
(duas) e máximo de 4 (quatro), que deverão comparecer ao ato
independentemente de intimação.

§ 1o Tratando-se de estrangeiros que não dominem a língua portuguesa,


o autor deverá fazer-se acompanhar por tradutor, que prestará
compromisso em audiência.

§ 2o Caso o autor não se faça acompanhar por tradutor, o juiz deverá


nomear outro que preste compromisso em audiência.

Art. 769. Aberta a audiência, o juiz mandará apregoar os consignatários


das cargas indicados na petição inicial e outros eventuais interessados,
nomeando para os ausentes curador para o ato.

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DIREITO MARÍTMO

Art. 770. Inquiridos o comandante e as testemunhas, o juiz, convencido


da veracidade dos termos lançados no Diário da Navegação, em
audiência, ratificará por sentença o protesto ou o processo
testemunhável lavrado a bordo, dispensado o relatório.

Parágrafo único. Independentemente do trânsito em julgado, o juiz


determinará a entrega dos autos ao autor ou ao seu advogado, mediante
a apresentação de traslado.

Assinale-se a inexistência de cortes especializadas em direito marítimo


(exceção das Varas Empresarias do Rio de Janeiro, que padece de 2ª. instância
especializada) no Brasil, diferentemente da Inglaterra, Estados Unidos e outras
nações com vocação marítima.
Embora ainda não sedimentada em nosso ordenamento, pode ser
considerada uma tendência no Brasil a adoção da alternativa arbitral para as
disputas marítimas privadas (por motivo de celeridade e especialidade da matéria).
Uma ressalva importante a ser observada para os armadores estrangeiros
(navegação mercante) é que a solução dos conflitos por meio da jurisdição brasileira
pode não ser a melhor opção, já que o Brasil não ratificou as regras da Convenção
de Bruxelas 1924 – Visby 1968 – limitação de responsabilidade do armador – per
package (Brasil - jurisdição favorável aos interesses da carga) – questão controversa
– aplicação da lei consumerista.

1.5 Arbitragem no Brasil – linhas gerais


1.5.1 Fontes de procedimentos arbitrais

Lei Brasileira:
Lei de Arbitragem (LA n° 9.307/1996) – regras sobre procedimentos, execução e
reconhecimento de decisões brasileiras e estrangeiras. Regras e procedimentos
similares aos da convenção de Nova Iorque e da UNCITRAL. Anteriormente à LA,
arbitragens eram reguladas por poucas disposições inseridas no Código de Processo
Civil, de modo que poucos conflitos brasileiros eram resolvidos através de
arbitragem e a cultura de litígio judicial era muito forte.
A LA permaneceu sob discussão no Supremo Tribunal Federal durante 5
anos. Em 2001, o Supremo finalmente declarou a constitucionalidade da lei de
arbitragem que hoje está em pleno vigor. O uso da arbitragem é hoje bastante
comum no Brasil. As partes estão optando por arbitragem principalmente devido à

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DIREITO MARÍTMO

grande demora nos processos judiciais – muitos recursos – que podem levar mais
de 5 anos até a sua decisão final e também por conta do aumento considerável do
valor da causa por conta da aplicação da taxa de juros e correção monetária.
A Emenda Constitucional nº. 45, de 30 de dezembro de 2004, transferiu a
competência para reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras do Supremo
Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, em 2015 foram promulgadas a nova Lei de Arbitragem e a Lei
Brasileira de Mediação. A reforma da Lei de Arbitragem prevê que a arbitragem
possa ser aplicada para contratos firmados por empresas com a Administração
Pública, o que deve gerar confiança em investidores estrangeiros, bem como a
arbitragem será permitido também para dirimir conflitos societários, com cláusula
a ser instituída por assembleia de acionistas, ficando assegurado o direito de retirada
dos sócios minoritários.
A Lei de Mediação por sua vez, regulamentou o procedimento feito
extrajudicialmente com a finalidade de desafogar o judiciário, eis que qualquer tipo
de conflito poderá ser submetido à mediação.

Convenção de Nova Iorque (ratificada pelo Congresso Nacional em 2002).


O Brasil também é Estado contratante das:
 Convenção Interamericana de Arbitragem Internacional (Panamá) desde
1995;
 Convenção Interamericana Sobre Validade e Eficácia Extra-Territorial de
Sentenças Estrangeiras (Montevideo) desde 1997;
 Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul (desde
2003).
Convém ressaltar que o Brasil não assinou quaisquer acordos bilaterais
relativos à arbitragem, mas assinou vários acordos bilaterais de cooperação
judiciária, incluindo algumas regras envolvendo arbitragem: Espanha, França,
Argentina, Itália e Uruguai.

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DIREITO MARÍTMO

1.6 Disputas marítimas no exterior


Inglaterra - Londres:
– Importante centro do comércio marítimo mundial;
– Atividade marítima altamente segurada - mercado securitário do Lloyds –
P&I Clubs, seguros e resseguros de casco e máquinas, trade disruption;
– O grupo internacional de P&I – relevância e influência na escolha da
jurisdição inglesa. Cobertura defence;
– Universidades tradicionais em direito marítimo (ex: Southampton, UCL,
Swansea, Cardiff, dentre outras);
– LMAA – respeitada câmara arbitral – small claims procedures (até US$
50.000,00);
– Decisões das cortes inglesas (authorities) sobre matéria marítima retroagem
ao século XIX – grande acervo jurisprudencial. Case law system;
– Exemplo: 120 decisões sobre colisão – recente pesquisa;
– Côrtes especializadas em 1ª e 2ª instância - notória especialização - London
High Court – custos semelhantes à arbitragem e maior celeridade;
– Mediação (ADR) – adotada para situações de contratos de longo prazo e
durante a própria vigência dos mesmos e durante o processo arbitral (vide: cláusula
LMAA) – breves notas sobre a mediação;
– Merchant Shipping Act 1855 (início de operação do primeiro P&I) e o
Arbitration Act 1996;
– 70% das arbitragens marítimas são realizadas em Londres (conferência da
IBA - março de 2007 – Hamburgo);
– Pontos negativos da arbitragem em Londres: altos custos – decisão é
apelável – irregularidade processual, violação à lei matéria de interesse público
(art.67/69 a.a.);
– Outras jurisdições arbitrais reconhecidas: Nova Iorque (SMA – publicidade
das decisões), Hamburgo, Paris (Chambre Arbitrale Maritime de Paris - Camp) e,
mais recentemente, Cingapura. Curiosidade: Chile (arbitragem compulsória) -
breves considerações sobre outras jurisdições. Conferência de Hamburgo-IBA.
Competição. Forum shopping.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

2 Arresto de navios
2.1 Fontes de direito nacional

As fontes de direito processual relativas ao arresto de navios e


alienações marítimas atualmente em vigor no Brasil são basicamente o Código
Comercial Brasileiro (CCB), a Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas
Regras Relativas à Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926 e o Código de
Processo Civil (CPC).

2.1.1 O Código Comercial Brasileiro, 1850 (CCB)


O CCB foi promulgado em 1850, baseado no Código Comercial Português.
Esta é a única lei nacional brasileira que lida especificamente com o arresto de
embarcações. Foi alterado pelo novo Código Civil Brasileiro (de 10 de janeiro de
2002). No entanto, as disposições que tratam de direito marítimo não foram
atualizadas.
O mencionado CCB rege questões marítimas relevantes, tais como os
efeitos da venda voluntária e judicial de embarcações, créditos privilegiados e a
ordem de credores marítimos, o seguro marítimo, responsabilidade por colisão e
avaria grossa, direitos sobre a carga como garantia de frete, entre outras. Algumas
dessas disposições já foram revogadas por legislação específica superveniente,
enquanto outras permanecem em vigor e/ou devem ser cuidadosamente
interpretadas para harmonizarem com o atual passo dinâmico do comércio marítimo
internacional. O CCB aborda especificamente o arresto de navios nos seus Artigos
479 a 483 e 607 a 609, que serão examinados abaixo.
Vale a ressalva de que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
nº. 1.572/2011 e no Senado Projeto de Lei nº. 487/2013 com o objetivo de instituir
o novo Código Comercial Brasileiro, trazendo um capítulo destinado ao Direito
Comercial Marítimo. Dentre as regras ali previstas, tem-se algumas destinadas ao
arresto de embarcações com os seguintes destaques:
 Possibilidade de arrestar embarcação estrangeira independentemente do
local de cumprimento da obrigação, ainda que esta não se origine de fato
ocorrido ou de ato praticado no Brasil;

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DIREITO MARÍTMO

 Comprovada a existência do crédito privilegiado, o juiz decretará


liminarmente o arresto da embarcação, independentemente de contra caução
e sem ouvir a parte contrária;
 Possibilidade de arresto de embarcações irmãs (sister ships);
 Provisão específica sobre o arresto de combustível para garantia de dívidas
dos afretadores; e,
 Provisão específica sobre as consequências do arresto desfavorável.
Possibilidade de a indenização ser liquidada nos mesmos autos em que a
medida tiver sido concedida.

2.1.2 A Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras Relativas


a Alienações e Hipotecas Marítimas (1926)
Embora o Brasil não tenha ratificado nenhuma convenção que trate
especificamente sobre o tema de arresto de embarcações, não se pode deixar de
mencionar a Convenção de Bruxelas de 1926, “Convenção Internacional para
Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marítimas”,
promulgada por meio do Decreto nº 351, de 1 de outubro de 1935.
Inobstante a referida Convenção não trazer em seus artigos nenhuma
menção ao arresto de embarcações, sua importância para o instituto é notável
quando se verifica a atualização significativa do rol dos créditos privilegiados, os
quais, conforme já visto, poderiam ser considerados pressuposto para o arresto de
embarcação, fato esse já superado pela jurisprudência pátria.
Assim, a Convenção de Bruxelas de 1926 serviu para estender as hipóteses
de cabimento do arresto de embarcações, até então limitados aos créditos
privilegiados elencados nos artigos 470, 471 e 474 do Código Comercial de 1850.
Para fins exemplificativos, destaca-se o artigo 2º da referida Convenção,
merecendo especial destaque a inovação para configuração como crédito
privilegiado, no que tange as remunerações devidas pelo socorro e assistência e a
contribuição do navio às avarias comuns, bem como a indenização devida resultante
de colisões ou qualquer outro acidente marítimo.
Artigo 2º - São Privilegiados sobre o navio, sobre o frete da viagem durante a qual se
origine o credito privilegiado e sobre os accessorios do navio e frete adquirido desde o
inicio da viagem:
1 - As custas judiciaes devidas ao Estado e despesas feitas no interesse commum dos
credores, para a conservação do navio ou para conseguir sua venda e bem assim a

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distribuição do respectivo preço; os direitos de tonelagem,de pharol ou de porto e outras


taxas e impostos publicos da mesma especie; os gastos de pilotagem; as despesas de
guarda e conservação desde a entrada do navio no ultimo porto;
2 - Os creditos resultantes do contracto de engajamento do capitão, da tripulação e de
outras pessoas engajadas a bordo;
3 - As remunerações devidas pelo socorro e assistencia e a contribuição do navio ás
avarias communs;
4 - As indemnizacões pela abordagem ou outros accidentes de navegação, assim como
pelos dannos causados as obras de arte dos portos, docas e vias navegaveis; as
indemnizações por lesões corporaes aos passageiros e aos tripulantes; as indemnizações
por perdas ou avarias carregamento e bagagens;
5 - Os creditos provenientes de contractos lavrados ou de operações realizadas pelo
capitão fóra do porto de registro, em virtude de seus poderes legaes, para as necessidades
reaes da conservação do navio ou do proseguimento da viagem, sem levar em conta si o
capitão é ou não, ao mesmo tempo, proprietario do navio e si o credito é seu ou dos
fornecedores, dos reparadores, àos prestamistas ou de outros contractantes.

Em que pese alguns créditos privilegiados elencados acima já constarem no


Código Comercial de 1850, sua repetição é relevante para a jurisdição interna tendo
em vista que, ao estarem presentes na referida Convenção, a eles foi atribuída uma
categoria de preferência daqueles listados tão somente no CCom. Aliás, a
Convenção de 1926 ressalva expressamente que as leis nacionais dos Estados
signatários poderão estabelecer outros créditos de natureza privilegiada, não
estando assim, revogados os créditos privilegiados tratados em legislação interna e
não mencionados pela Convenção199.
Assim, a lista final do ranking do crédito privilegiado deve ser interpretada
de forma harmônica. Contudo, caso o mesmo privilégio seja ranqueado de forma
distinta em ambos os diplomas, deve ser aplicado critério cronológico de solução
de antinomias, prevalecendo a qualificação atribuída pela norma mais recente, ou
seja, a Convenção.
Também importa notar que no Brasil os créditos privilegiados constituem
hipotecas tácitas sobre o navio, abrangendo, a Convenção de Bruxelas de 1926,
apenas os créditos motivadores do arresto “in rem”. A critério de esclarecimento,
cumpre relembrar que esse tipo de arresto se oriunda de dívida contraída pela
própria embarcação, devida esta que adere ao bem e o acompanha, sendo

199
Artigo 3º - As hypothecas, amortizações, cauções sobre navios previstas no artigo 1º são
admittidas imediatamente depois dos creditos privilegiados, mencionados, no artigo precedente.
As leis nacionaes podem conceder privilegio a outros creditos além dos previstos no dito artigo,
sem modificar, porém, a categoria reservada aos creditos garantidos por hypotheca, amortização
e caução e aos privilegios que sobre elles têm precedencia.
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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

transferida, inclusive, para o novo proprietário da embarcação, a não ser em caso


de alienação judicial.
Outro ponto que merece destaque é o fato da Convenção de Bruxelas de
1926, diante de sua promulgação ser posterior ao Código Comercial de 1850, servir
como fundamento para superar as exigências e restrições do CCom, até porque a
Convenção traz especificamente no seu artigo 11 a previsão de que os créditos
privilegiados não estão sujeitos a nenhuma formalidade.
Em julgado no qual se debatia a validade de exigência do artigo 479 do
Código Comercial, mais especificamente a proibição legal de arresto quando o
navio está carregado com mais de 25% (vinte e cinco por cento) de sua carga, o i.
Ministro Antonio Carlos Ferreira, citou doutrina especializada, para reconhecer
que, diante da ausência da referida obrigatoriedade na Convenção de Bruxelas de
1926, o arresto no aludido caso não necessitaria cumprir tal pressuposto, superando
esta questão antiquada do CCom.
Verifica-se, portanto, que tanto a doutrina quanto a jurisprudência tendem a
se valer das Convenções Internacionais para superar as desatualizações normativas
internas.

2.1.3 O Código de Processo Civil de 2015 (CPC)


O novo Código de Processo Civil simplificou a questão das cautelares e
tutelas antecipadas.
Nesse sentido foi criado o instituto da Tutela Provisória, intitulada no Livro
V do referido código. Conforme se verifica pelo artigo 294 do CPC/15, a tutela
provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Podendo esta primeira
ser concedida em caráter antecedente, ou seja, antes da citação do réu, ou incidental,
ao longo do processo.
A principal diferença entre essas duas categorias ocorre pelos requisitos
específicos para suas concessões. Enquanto a tutela de urgência, descrita nos artigos
300 a 310 do Código de Processo Civil de 2015, será concedida quando houver
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco
ao resultado útil do processo, na tutela de evidência, expressa no artigo 311 do
CPC/15, não será necessária tal demonstração.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Assim, o fundamento para sua aplicação é justamente evitar o


prolongamento desnecessário do processo, sendo possível quando: (i) ficar
caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da
parte, (ii) as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente
e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante,
(iii) se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do
contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto
custodiado, sob cominação de multa, ou, por fim, (iv) a petição inicial for instruída
com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que
o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Tendo em vista que o instituto do arresto encontra respaldo na tutela de
urgência, iremos nos atentar mais para tal modalidade, a qual pode ser dividida em
antecipada, pelos artigos 303 e 304 do CPC/15, ou cautelar, pelos artigos 305 a 310
do mesmo código.
A fim de realizar tal distinção, o que se deve ter em mente é justamente a
natureza satisfativa que a concessão de eventual tutela irá gerar perante o pedido
principal.
Na tutela de urgência antecipada, a sua própria concessão satisfaz o pedido
da demanda principal, sendo, contudo, uma vez deferida, ainda necessária a
complementação da argumentação no prazo de quinze dias sob pena de extinção do
processo sem resolução do mérito.
Já na tutela de urgência cautelar, que abrange o arresto, a sua concessão não
satisfaz a pretensão principal. Nesse sentido, inobstante o artigo 301 mencionar
expressamente o arresto como tutela de urgência de natureza cautelar, tal
classificação se faz possível por própria dedução lógica.
Conforme visto anteriormente, o arresto de embarcações visa assegurar o
pagamento de eventual dívida e, assim, não se pretende deter ou possuir a própria
embarcação arrestada, como aconteceria no instituto do sequestro . O arresto de
embarcações se insere na tutela de urgência cautelar sendo o pedido principal o
pagamento do crédito, não estando, portanto, satisfeita a pretensão pelo próprio
arresto.
A tutela cautelar, conforme visto acima, poderá ser realizada em caráter
antecedente ou incidental. A respeito desta primeira, os artigos 305 a 310 do novo

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

Código de Processo Civil, detalham o novo procedimento a ser adotado para sua
aplicação.
Considerando que o arresto de embarcações é, na maior parte das vezes,
requerido em caráter antecedente, torna-se oportuno verificar os aspectos
processuais para sua concessão e sua manutenção.
Nesse sentido, observa-se que o artigo 305 já expressa a necessidade da
exposição sumária do direito, comumente denominado “fumus boni iuris”, bem
como da necessidade de comprovar o perigo de dano ou risco ao resultado útil do
processo, o conhecido “periculum in mora”.
Contudo, tal questão foi mais organizada no novo Código de Processo Civil,
estando, inclusive, expressa no próprio artigo que trata da tutela de urgência, a
possibilidade do Magistrado exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir
os danos que a outra parte possa vir a sofrer.
Além disso, o Código de Processo Civil de 2015, apresentou nova questão
que não constava no CPC/73 quando mencionadas as possibilidades de extinção da
cautelar em seu artigo 808. O que no setor internacional é conhecido como
“wrongful arrest”, ou seja, arresto equivocado, evidentemente gera um dano reverso
à parte arrestada, motivo pelo qual o CPC/15 tratou de normatizar a devida
indenização dentro dos próprios autos, incluindo junto dos requisitos para
concessão da tutela de urgência. Dessa maneira, o artigo 302 estabelece que:
“Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte
responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte
adversa, se:
I - a sentença lhe for desfavorável;
II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os
meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;
IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do
autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida
tiver sido concedida, sempre que possível.”

Tem-se em vista que, diante da possibilidade processual de se conseguir


arrestar uma embarcação é necessária uma proteção mais expressa ao réu que venha
a sofrer, porventura, um arresto indevido.
Uma das principais inovações trazidas pelo CPC/15 a respeito da
substituição da medida cautelar foi a desnecessidade de propositura de ação

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

principal autônoma. Pelo artigo 308 do referido código, uma vez efetivada a tutela
cautelar, o pedido principal será formulado no prazo de 30 dias, e será apresentado
nos próprios autos em que foi deduzido o pedido de tutela cautelar, não sendo
necessário o adiantamento de novas custas processuais.
Tal instrução processual é relevante, considerando que o processo passa a
ser mais organizado, o que gera uma agilidade em seu deslinde, bem como
economia significativa para o autor a respeito da desnecessidade de recolher
novamente custas processuais.
Convém ressaltar que antes ou após a decisão do arresto, é possível ao
Magistrado designar uma audiência especial ou conciliatória entre as partes,
sobretudo considerando que deve ser de interesse de ambas as partes que se faça
cessar os riscos que existem ao se arrestar uma embarcação.
Como afirmado anteriormente, para o autor da ação não é interessante que
a embarcação fique indefinidamente atracada ao porto, seja porque (i) sua
deterioração reduz o valor garantido, (ii) o custo fixo oriundo do trabalho para
conservação do navio poderia estar sendo destinado para quitação da dívida, (iii) a
embarcação pode estar propensa a riscos e outras despesas inclusive de cunho
privilegiado, que pode até afetar o crédito da parte arrestante, ou, ainda, (iv) os
prejuízos causados ao réu, caso a sentença seja improcedente, poderia gerar dívida
significativa para o autor em sede de dano reverso.
Sobre esse ponto, atenta-se que o arresto de embarcações se torna complexo
quando se trata da conservação trabalhosa do navio arrestado, sendo, muitas vezes,
necessário nomear depositário responsável pela manutenção do navio, o qual,
obviamente, deverá receber por isso, aumentando o valor da dívida contraída.
Considerando a hipótese de eventual deterioração da embarcação diante do
arresto, que, por si só, iria gradativamente desvalorizar o bem arrestado, reduzindo
o valor econômico da garantia de pagamento do crédito, o Código de Processo Civil
de 2015 em seu artigo 852, tratou de questão que já era adotada pelo antigo código,
qual seja, a possibilidade de alienar antecipadamente o bem móvel sujeito a
depreciação ou à deterioração.
Assim, pode-se concluir que as inovações trazidas pelo Novo Código de
Processo Civil são pontuais, mas de relevante impacto para o instituto de arresto,
como a extinção da seção sobre Arresto, no capítulo de Procedimentos Cautelares

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Específicos (art. 813 a 821, CPC/73), bem como a previsão do arresto como uma
das tutelas provisórias de urgência, a ser requerida em caráter cautelar ou, ainda, a
extinção na propositura da Ação Principal apartada da cautelar.

2.2 Convenções internacionais aplicáveis


As convenções internacionais somente são aplicáveis no Brasil quando
promulgadas pelo Congresso e sancionadas pelo Presidente da República. Sob
nosso sistema jurídico, Convenções Internacionais não têm precedência sobre a
legislação doméstica, mas são tão executáveis quanto qualquer outra lei federal
brasileira. Assim, ao entrar em vigor, uma Convenção revoga leis anteriores que
conflitem com suas disposições e pode igualmente ser revogada por uma lei
nacional conflitante subsequente. Esta foi a posição adotada pelo Supremo Tribunal
Federal em um julgamento de 1977.
Assim, no caso de conflito entre quaisquer disposições da Convenção de
Bruxelas de 1926 e do CCB, a Convenção deverá prevalecer, não devido a um status
mais elevado, mas simplesmente porque a Convenção foi aprovada e sancionada
em data posterior à do CCB.
A única Convenção Internacional que possui relação com o arresto de navios
ratificada pelo Brasil é a Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras
Relativas a Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926, que rege a execução de
hipotecas marítimas, foi ratificada e promulgada pelo Governo Brasileiro no
Decreto n° 351 de 1º de outubro de 1935.
O Governo Brasileiro não possui tradição de ratificar Convenções de
Arresto. O Brasil não ratificou as Convenções de Arresto de 1952 nem a de 1999,
apesar de ter assinado esta última. Na verdade, parece ser muito pouco provável
que o Brasil ratificará tais Convenções já que em 2001, o Consultor Jurídico do
Ministério das Relações Exteriores recomendou contra a ratificação, argumentando
que o arresto disposto nas Convenções violava a ordem pública interna e as
exigências processuais gerais para arrestos contidas no CPC e no Código Comercial
Brasileiro. A recomendação do Consultor Jurídico invocou conceitos totalmente
superados incluindo o disposto no art. 482 do Código Comercial há muito declarado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

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Direito Marítimo – Atualidades e Tendências
DIREITO MARÍTMO

A falha do Brasil em ratificar a Convenção de Arresto de 1999 é um


retrocesso, já que nossa legislação processual sobre o arresto de navios está
ultrapassada e esta seria uma boa oportunidade para atualizá-la. Além disso, se o
Brasil adotasse a Regra nº 2 da Convenção de Arresto de 1999, seria um importante
avanço para o Direito Marítimo Brasileiro já que, como veremos mais adiante,
atualmente é extremamente difícil arrestar uma embarcação no Brasil como
garantia de reclamação ou arbitragem a ser submetida à jurisdição de outro país.

2.3 Competência dos Tribunais ou de outras autoridades


Os processos de arresto no Brasil quer in rem quer in personam, estão
sujeitos à jurisdição dos juízes cíveis em geral nos respectivos Tribunais Estaduais.
À exceção do Tribunal Estadual do Rio de Janeiro que desde 2001 mantém Varas
especializadas em Direito Marítimo, os demais estados não possuem esta jurisdição
separada, e os processos marítimos ficam a cargo de juízes cíveis com
conhecimentos gerais de Direito Comercial e Civil. Os Tribunais Federais têm
competência para decidir assuntos marítimos apenas no caso de envolvimento de
embarcação da Marinha Brasileira.
Deve ser observado que o Tribunal marítimo, localizado no Rio de Janeiro,
é uma entidade administrativa do Ministério da Defesa e rege apenas casos
envolvendo acidentes e questões marítimas, emitindo penalidades aos oficiais e/ou
tripulantes responsáveis. O Tribunal Marítimo não é parte integrante do nosso
Sistema Judiciário, não é competente para arrestar navios nem para reclamações
cautelares.
A decisão quanto ao arresto de um navio no Brasil deve ser cuidadosamente
estudada com antecedência, já que o Brasil é um país muito extenso, com 27 estados
e jurisdições locais diferentes. A ação de arresto geralmente deve ocorrer na
jurisdição da cidade onde o porto é localizado. Não obstante, em situações urgentes
é possível obter medida cautelar em uma das jurisdições portuárias locais e executá-
la no próximo porto de escala.
Para que uma ação seja processada pela jurisdição brasileira, uma das
circunstâncias a seguir deve obrigatoriamente existir:
a) O Réu, independentemente de sua nacionalidade, deve ser domiciliado no
Brasil;

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DIREITO MARÍTMO

b) A obrigação deve ser executada no Brasil;


c) O fato que originou a reclamação deve resultar de fato ocorrido ou de ato
realizado no Brasil.

Entretanto, é preciso observar que a legislação brasileira de arbitragem


permite a eleição da lei e arbitragem brasileiras, com ressalvas. Assim, se o processo
estrangeiro for fundamentado em cláusula de comprometimento entre as partes
contratantes, o Judiciário brasileiro aceitará a decisão estrangeira, desde que não
haja violação dos bons costumes e nem da ordem pública (Lei nº 9.307/96, art. 2º).
Como é possível observar, a lei brasileira não atribui jurisdição a seus
Tribunais quando algum fato ou ato tenha ocorrido em território estrangeiro, de
modo que será de competência da jurisdição brasileira quando houver de cláusula
de foro e jurisdição ou em virtude de fato ocorrido no Brasil. Há, portanto, poucas
possibilidades de arrestar embarcações estrangeiras no Brasil quando o contrato de
transporte ou a disputa comercial não forem de alguma forma ligados ao Brasil ou
a partes estabelecidas no Brasil.
Uma vez iniciada uma ação de arresto, Autores e Réus terão, em tese, dois
caminhos recursais a seguir: o Tribunal de Justiça Estadual e o Superior Tribunal
de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal. Este último é sujeito a procedimentos
extremamente restritos, já que o recurso terá que seguir diversas exigências
jurídicas para ser admitido, tais como clara violação de lei federal e discrepâncias
com a jurisprudência sobre a matéria conforme decisão do Tribunal Estadual.
Por fim, deve-se observar que o CPC não dispõe que os Tribunais brasileiros
possam ser escolhidos para solucionar conflitos entre estrangeiros sob condições de
forum shopping.

2.4 Imunidade de embarcações estatais


Em uma abordagem genérica e mais ampla, sob os termos do CPC, não há
possibilidade de obter, junto a um Tribunal brasileiro, ordem de arresto de uma
embarcação pertencente ao Estado por dois motivos. O primeiro é que não será
possível equiparar a dívida do Estado sob as exigências do CPC, quer como medida
de pré-execução, quer como medida cautelar. Segundo, de acordo com o CPC existe

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procedimento específico para obter o pagamento de uma dívida do Estado (art. 910
do CPC).
Sob este procedimento, o credor deve primeiro ter seu crédito adjudicado;
subsequentemente será colocado em uma fila em que aguardará até que o Estado
providencie um orçamento específico para pagamento daquela dívida. Leva muitos
anos para receber este crédito.
Da mesma forma, se a embarcação for um navio de guerra ou embarcação
utilizada no serviço público ela será, via de regra, imune a arresto, conforme
disposto no artigo 15 da Convenção de Bruxelas de 1926.

2.5 Tipos de Reclamações para as quais um arresto pode ser solicitado


2.5.1 Conceito clássico de arresto
É uma tutela cautelar de garantia da futura execução por quantia certa,
através da qual se apreendem (“embargam-se”) judicialmente bens do devedor.
Pressupõe um pedido principal (ação na qual o mérito causal será decidido),
podendo ser preparatória ou incidental. Se for preparatória o pedido principal
deverá ser apresentado em 30 dias da efetivação da medida.

2.5.2 Introdução
Existem duas classes de arresto no Brasil:
– Arrestos in rem, baseados no CCB e na Convenção de Bruxelas de 1926;
– Arrestos in personam, baseados no CPC.
Arrestos in rem são aplicáveis quando o proprietário do navio não é
pessoalmente responsável na reclamação, mas existe crédito privilegiado pendente
sobre a embarcação.
Arrestos in personam se aplicam quando o proprietário do navio é
pessoalmente responsável pelo débito, e, assim, responde com todos os seus bens.
Nestes casos, qualquer embarcação pertencente àquele proprietário pode ser
arrestada por qualquer tipo de reclamação cível.
Ambos os tipos de arresto podem ser realizados como medida de pré-
execução (título de crédito legal e executável) ou sob a forma de tutela de urgência.

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DIREITO MARÍTMO

2.5.3 Arrestos in rem


Nos casos em que se aplica a Convenção de Bruxelas para a Unificação de
Certas Regras Relativas a Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926, as
reclamações listadas nos artigos 1 a 4 darão ao credor o direito de solicitar um
arresto. Se a Convenção não for aplicável, o credor do crédito marítimo poderá
solicitar o arresto nos termos dos artigos 479 a 483 do Código Comercial (CCB),
que estabelece a seguinte ordem de preferência:
a) Remuneração devida por serviços prestados à embarcação, incluindo aquela
resultante de salvamento e praticagem;
b) Despesas portuárias e impostos de navegação;
c) Honorários de depositários e despesas necessárias incorridas com a custódia
da embarcação, incluindo armazenagem da aparelhagem e equipamento do navio;
d) Todas as despesas relacionadas à manutenção do navio incorridas para fins
de custódia e guarda do mesmo após a última viagem e durante a permanência do
navio no porto de venda;
e) Remuneração do Comandante, oficiais e tripulantes devidos pela última
viagem;
f) Principal e juros dos empréstimos contraídos pelo Comandante sobre o
casco e equipamentos ou fretes (artigo 651) durante a última viagem, o contrato
tendo sido celebrado e assinado antes do navio zarpar do porto onde tais obrigações
foram assumidas;
g) Principal e juros dos empréstimos tomados sobre o casco e equipamentos
ou frete, antes do início da última viagem no porto de carregamento;
h) Valores emprestados ao Comandante, ou dívidas contraídas pelo
Comandante para reparos e manutenção da embarcação durante a última viagem,
juntamente com os respectivos prêmios de seguro, quando devido a tais
empréstimos o Comandante tenha evitado assinar empréstimos comerciais;
i) Faltas na entrega da carga, prêmios de seguro sobre a embarcação ou frete
e danos comuns e tudo que for incorrido referente apenas à última viagem;
j) Dívidas resultantes do contrato de construção naval e respectivos juros por
um período de três anos, a contar da data de conclusão da construção da
embarcação;

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k) Despesas relacionadas ao reparo da embarcação e seus equipamentos, por


um período de dois anos a contar da data de conclusão de tais reparos;
l) Valor pendente do preço de aquisição da embarcação e respectivos juros,
por um período de três anos, a contar da data do instrumento contratual.

2.5.4 Arrestos in personam


Os arrestos in personam se aplicam quando o proprietário do navio é
pessoalmente responsável em uma reclamação e, devido a isto, qualquer tipo de
reclamação cível está sujeita a este procedimento.

2.5.5 Tipos de procedimento para arrestos (in rem ou in personam)


Arrestos podem ser solicitados como medida de pré-execução ou medida
cautelar sob procedimentos específicos e não específicos.

2.5.5.1 O arresto como medida de pré-execução – título de crédito legal e


executável
Em casos de execução de título judicial ou extrajudicial, não há mais
discussão do mérito ou da interpretação do contrato, já que a dívida efetivamente
existe e o juiz determina a penhora dos ativos do devedor através de um arresto. O
arresto será convertido em alienação para a futura venda judicial dos ativos.
Portanto, este tipo de arresto não diz respeito a uma medida cautelar para garantir
uma eventual reclamação ou arbitragem ainda sujeita à contestação do réu, os
méritos da qual ainda serão analisados e decididos pelos Tribunais.
Consoante o procedimento deste tipo de arresto, antes que o arresto seja
concretizado o Réu terá um prazo para designar os ativos que prefere apresentar
como garantia de execução, observada a seguinte sequência de preferência: (i)
dinheiro, (ii) títulos de créditos do governo, (iii) papéis comerciais, (iv) veículos,
(v) imóveis, (vi) móveis e utensílios, (vii) semoventes, (viii) navios e aeronaves;
(ix) ações e cotas de sociedades simples e empresárias; (x) percentual do
faturamento de empresa devedora; (xi) pedras e metais preciosos; (xii) direitos
aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em
garantia. Navios e aeronaves estão em 8º lugar nesta lista de prioridades.

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DIREITO MARÍTMO

No que tange ao arresto na forma cautelar, há, na verdade, considerável


controvérsia na doutrina e jurisprudência brasileiras, já que a maioria considera que
as exigências para o arresto de um navio consoante o CCB são cumulativas com as
exigências da lei processual.

2.6 Venda forçada no procedimento de arresto: Prioridade de créditos in rem


A venda judicial de embarcações no Brasil segue as mesmas regras gerais
para leilão de ativos. Os leilões são conduzidos por um leiloeiro público que cobra
entre 2 (dois) e 5 (cinco) por cento do preço de venda. Sua comissão será deduzida
do pagamento feito pelo arrematador. O leiloeiro adotará todas as formalidades
necessárias à condução do leilão, incluindo publicidade.
O leilão é geralmente realizado em uma sala do Tribunal ou nas
dependências do leiloeiro. Antes do leilão, entretanto, o juiz nomeará um perito
contador para avaliar o ativo.
Um lance mínimo inicial é indicado pelo juiz com base na avaliação do
perito. O CPC determina que a embarcação não pode ser vendida em primeiro leilão
por valor menor que o de sua avaliação oficial. No segundo leilão, entretanto, que
ocorrerá entre 10 e 20 dias após o primeiro, a embarcação poderá ser vendida por
qualquer preço, desde que não seja considerado um montante vil pelo Tribunal. Não
há definição deste “montante vil”, já que varia dependendo das circunstâncias. Não
obstante existe certa jurisprudência estabelecendo o limite em 40% do valor
avaliado.
A ordem de venda geralmente exige que o maior lance deposite 20 por cento
do lance em dinheiro ou em cheque visado imediatamente após o leilão, o saldo a
ser pago dentro de determinado número de dias úteis. Se o valor residual não for
pago, o leilão pode ser anulado e a embarcação oferecida ao segundo maior lance.
Uma vez devidamente realizada a venda, o juiz emitirá uma ordem de venda
e o vencedor registrará a propriedade da embarcação junto ao Tribunal Marítimo.
Quando diferentes credores privilegiados disputam o produto da venda judicial, a
liberação do valor depositado pelo lance vencedor respeitará a ordem de preferência
e a cronologia das respectivas penhoras judiciais. A ordem das prioridades, baseada

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DIREITO MARÍTMO

na aplicação harmoniosa do Código Comercial e da Convenção de Bruxelas de


1926 é como segue:
1. Impostos Federais;
2. Custas e despesas judiciais;
3. Reclamações resultantes da contratação do Comandante, tripulação e
pessoal de bordo;
4. Indenizações devidas por salvamento;
5. Contribuições de avaria grossa;
6. Obrigações assumidas pelo Comandante fora do porto de registro para
necessidades reis de manutenção ou para prosseguimento da viagem;
7. Indenizações resultantes de colisões ou de qualquer outro acidente
marítimo;
8. Hipotecas marítimas;
9. Despesas portuárias que não impostos;
10. Pagamentos pendentes devidos a depositários, aluguéis de armazéns e
armazenagem, equipamentos do navio;
11. Despesas com a manutenção do navio e de seus equipamentos, despesas de
manutenção no porto de venda;
12. Faltas e perdas de carga;
13. Dívidas resultantes da construção da embarcação;
14. Despesas incorridas para reparos da embarcação e de seus equipamentos;
15. Preço pendente da embarcação.

Sobre o ranking, ponto muito relevante diz respeito a recente


posicionamento do STJ sobre a validade de hipotecas marítimas constituídas no
exterior. O Artigo 12 da Lei nº 7.652/1988 prevê que eventuais garantias reais que
gravem embarcações brasileiras devem ser registradas no Tribunal Marítimo, sob
pena de lhes faltar validade perante terceiros 200. Veja que o dispositivo restringe o
registro das garantias reais no país às embarcações brasileiras, o que significa que
eventuais garantias gravadas em embarcações estrangeiras não seriam válidas no
país, eis que constituídas apenas no exterior.

200
Artigo 12 da Lei nº 7.652/1988: Art. 12. O registro de direitos reais e de outros ônus que
gravem embarcações brasileiras deverá ser feito no Tribunal Marítimo, sob pena de não valer
contra terceiros.
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DIREITO MARÍTMO

Tal previsão gerava grande insegurança, sobretudo a credores hipotecários


que, mesmo, em tese, possuindo crédito privilegiado sobre a embarcação, não
gozariam da preferência sobre credores quirografários em eventual leilão do bem
no país. Visualizando a problemática em análise casuística 201, o STJ entendeu pela
extraterritorialidade de hipotecas constituídas em país estrangeiro e reconheceu sua
validade no Brasil.
O Tribunal emitirá uma decisão juntamente com a ordem final a ser
respeitada para pagamentos a credores.
No Brasil, a venda judicial encerra qualquer reclamação existente sobre a
embarcação na data de venda, consoante artigo 477 do Código Comercial
Brasileiro.
Deve ser observado que a embarcação não está proibida de operar em águas
territoriais brasileiras até o leilão mas deve manter todos seguros de casco e
máquinas e os certificados de classe em pleno efeito e vigor. É muito pouco
provável que um juiz conceda autorização para navegar em águas internacionais
sem que tenha sido prestada alguma garantia.
Um fiel depositário, que é uma pessoa física brasileira e representante dos
interesses da embarcação, será nomeado e pessoalmente responsabilizado pela
manutenção e custódia da embarcação até que esta seja leiloada e, se a embarcação
eventualmente fugir para águas internacionais de má fé, poderá ser indiciado e
condenado pela Justiça Criminal.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO
1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando as
partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Indique a Convenção Internacional que arrolou e conceituou mais recentemente
as reclamações marítimas.
3. Enumere cinco espécies de reclamações marítimas.
4. Enumere cinco espécies de créditos marítimos privilegiados.
5. Qual o principal atributo do crédito marítimo privilegiado?
6. Indique as fontes aplicáveis ao procedimento de arresto de embarcações no
Brasil.

201
Recurso Especial nº 1705222/SP – Min. Luis Felipe Salomão – Quarta Turma
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DIREITO MARÍTMO

7. Na utilização do arresto como medida cautelar específica quais são os requisitos


essenciais para que o juiz conceda a ordem de arresto da embarcação?
8. Quais as dificuldades encontradas para arrestar uma embarcação com
fundamento no Código Comercial Brasileiro?
9. O que são os requisitos do fumus bonis iuris e do periculum in mora?
10. Pense e descreva, mentalmente, outras alternativas para a solução do caso
gerador.

SUGESTÃO DE CASO GERADOR


O armador panamenho DREIFUS, afretador do navio de bandeira cipriota
“Argos” contendo carga geral (contêineres), contratou a agência marítima PECUS
com sede no Rio de Janeiro para atender à embarcação no porto do Rio de Janeiro,
na qualidade de agente consignatário. O contrato de agenciamento imposto pelo
armador, em formulário padrão, estabeleceu o foro da Cidade do Panamá como
próprio para as disputas entre as partes.
Cumprindo tal mister, a PECUS providenciou a contratação de estiva para
descarga e carga da embarcação, adiantando diversas despesas e suprimentos para
a mesma. Tendo solicitado o reembolso de tais despesas e o pagamento da
remuneração contratada, o referido armador não providenciou o pagamento,
estando próxima a data de partida da referida embarcação.

Considerando que o armador inadimplente não possui bens no Brasil, seria possível
arrestar a embarcação no Porto do Rio de Janeiro?
Seria possível questionar a validade da cláusula de eleição de foro constante do
contrato de agenciamento?
Quais seriam os fundamentos da ação de arresto?
Como seria procedida a citação do devedor em território brasileiro?
O crédito em questão seria de natureza privilegiada?
Quais os desdobramentos processuais necessários após o ajuizamento do arresto?

REFERÊNCIAS
Bibliográficas
1 Utilizadas
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DIREITO MARÍTMO

ANJOS, José Haroldo dos & GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito
marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.
FERNANDES, Paulo Campos & MENDES VIANNA, Godofredo. “Arrest of
Vessels. Part I”. In Maritime Law Handbook. BREITZKE, Christian; LUX,
Jonathan & VERLAAN, Philomene. Ed. Kluwer Law, sup. 31 out. 2007.
FARINA, Francisco. Derecho Comercial Maritimo. Madrid: Departamento
Editorial del Comisariado Español Marítimo, 1948, 1ª ed.
PEREIRA, Rucemah Leonardo Gomes. Arbitragem marítima: uma visão global
Rio de Janeiro. Fundação de Estudos do Mar: FEMAR, 1997.
RAPOSO, Mário. Estudos sobre arbitragem comercial e direito marítimo.
Coimbra: Almedina 2006.
RIPERT, Georges. Précis de droit maritime. Dalloz: Paris, 1949.
RODIÊRE, René. Droit Maritime. Paris: Dalloz, 1977, 7ª ed.
SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação (Marítima e Aérea). Rio
de Janeiro: Forense, 1964, 1ª ed.

Legislativas
Lei n° 9.307/1996
Constituição Federal de 1988
Código de Processo Civil
Código Comercial
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
Emendas 55 e 56 ao Projeto de Lei nº. 1.572/2011
DIREITO MARÍTMO

GODOFREDO MENDES VIANNA


Graduado em Direito pela PUC-RJ. Presidente da Comissão de Direito
Marítimo, Portuário e do Mar da OAB-RJ para o triênio 2016 — 2018. Vice-
presidente do Comitê de Transport and Maritime Law da International Bar
Association — IBA. Membro do IAB — Instituto dos Advogados Brasileiros.
Palestrante em seminários e eventos no Brasil e no exterior em suas áreas de
atuação. Autor de diversos artigos publicados em jornais e revistas
especializadas no Brasil e no exterior. Sócio sênior do escritório Kincaid
|Mendes Vianna Adv. Associados.

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TCC II — ELABORAÇÃO
FINANÇASDEPÚBLICAS
PROJETO

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Joaquim
Sérgio Falcão
Guerra
DIRETOR
Sérgio Guerra
Antônio Maristrello Porto
VICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
RodrigoBottino
Thiago Viannado Amaral
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
ThiagoPacheco
André BottinoTeixeira
do AmaralMendes
COORDENADOR DA
DO GRADUAÇÃO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
André Pacheco
Cristina Teixeira Mendes
Nacif Alves
COORDENADOR DODENÚCLEO
COORDENADORA ENSINODE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO
Marília Araújo
COORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO

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FGV DIREITO RIO 214
97

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