Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ISSN: 0874-4696
revista@sppsicossomatica.org
Sociedade Portuguesa de Psicossomática
Portugal
R E V I S TA P O RT U G U E S A D E P S I C O S S O M Á T I C A
142 MIGUEL G. ROCHA, RUI COELHO
O efeito placebo é considerável. Num estu- de conta determinados aspectos gerais; isto é,
do realizado na Universidade de Harvard1, tes- quando uma terapêutica é implementada a um
tou-se a sua eficácia numa ampla gama de per- paciente, esta pode ter vários efeitos. Alguns de-
turbações, incluindo dor, hipertensão arterial e les dependem directamente da terapêutica, por
asma. O resultado foi impressionante: cerca de ex., da acção farmacológica do medicamento.
30 a 40% dos pacientes obtiveram alívio com o Outros, porém, não estão vinculados directa-
uso do placebo! mente à terapêutica (à farmacologia do medica-
Este efeito não se limita a medicamentos, mento), mas também podem aparecer quando
podendo aparecer em qualquer procedimento se administra uma terapêutica inerte como por
médico. Numa pesquisa sobre o valor da cirur- ex., uma substância farmacologicamente inacti-
gia de bypass da artéria mamária interna – artéri- va. É o que denominamos por "efeito placebo".
as coronárias no tratamento da angina de peito, De um modo geral os efeitos de uma terapêutica
foi usado o placebo que consistia em anestesiar podem ser subdivididos em dois tipos, os especí-
o paciente e fazer uma incisão na pele – cirurgia ficos e os não específicos, encontrando-se o efei-
placebo. Os resultados foram surpreendentes: to placebo dentro dos efeitos não específicos. No
dos pacientes operados ficticiamente 80% me- Quadro 1 são apresentados alguns exemplos de
lhoraram, enquanto que os que foram operados efeitos de ambos os grupos.
de verdade apenas 40% revelaram melhoria2. Para fazermos a análise de uma terapêutica
Por outras palavras: o placebo funcionou me- (neste caso medicamentosa) existem pontos
lhor que a cirurgia! fulcrais que devemos respeitar, nomeadamente
os referidos no Quadro 2.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE Finalmente, antes de podermos estimar o
TERAPÊUTICA EM GERAL poder do efeito placebo, outra questão se levan-
ta, e prende-se com os possíveis factores de con-
Na análise do placebo devemos ter em linha fusão que frequentemente se encontram e os
Efeitos terapêuticos
Específicos Não específicos
*Via de administração – no sentido do seguinte exemplo: um dado placebo é menos eficaz por via oral do que por via injectável
(e ambos menos eficazes que uma cirurgia placebo).
V O L U M E 5, N º 2, JULHO/DEZEMBRO 2 0 0 3
PLACEBO – COMPREENDER A CURA PELO NADA 143
R E V I S TA P O RT U G U E S A D E P S I C O S S O M Á T I C A
144 MIGUEL G. ROCHA, RUI COELHO
Acetilcolina
V O L U M E 5, N º 2, JULHO/DEZEMBRO 2 0 0 3
PLACEBO – COMPREENDER A CURA PELO NADA 145
R E V I S TA P O RT U G U E S A D E P S I C O S S O M Á T I C A
146 MIGUEL G. ROCHA, RUI COELHO
V O L U M E 5, N º 2, JULHO/DEZEMBRO 2 0 0 3
PLACEBO – COMPREENDER A CURA PELO NADA 147
po de "coelhos mimados" e um grupo de contro- trolo (pb inerte) e uma substância activa mas
lo (sem os "mimos") e obtiveram o mesmo resul- não específica para a situação a tratar, observou-
tado. -se um efeito benéfico superior decorrente do
Trabalhos como os de H.Selye16 sobre os efei- uso da substância activa (pb activo).
tos do stress na variação hormonal vieram con- Alguns estudos sobre a eficácia dos anti-de-
tribuir para a componente endocrionológica da pressores versus placebo indicam que a maioria
PNIE. dos participantes são capazes de deduzir se fo-
Um estudo clínico publicado em 1989, que ram alocados ao tratamento activo ou ao place-
teve como objectivo avaliar quantitativamente bo. Isto poder-se-á explicar através da associa-
os benefícios da psicoterapia no co-tratamento ção que o doente faz a experiências prévias com
do cancro (da mama), demonstrou que os indi- medicação específica para a situação e pela mag-
víduos sujeitos à terapêutica "standard", associa- nitude da diferença entre os efeitos laterais do
da com psicoterapia, tinham ganhos em qualidade pb activo versus pb inerte.
de vida, assim como viram a sua esperança média de Como tal:
vida aumentada em cerca de 18 meses17. – experimentando mais efeitos laterais, os
Recentemente, Reichenberg et al.18 investi- pacientes da substância activa concluem
garam os efeitos de uma dose baixa de endoto- que estão no grupo de tratamento;
xemia (um modelo seguro e estabelecido para – experimentando menos efeitos laterais, os
activar a defesa do hospedeiro), sobre os parâ- pacientes do pb. concluem que estão no
metros emocionais, cognitivos, imunológicos e grupo placebo.
endócrinos, tendo demonstrado um efeito ne- Esta é uma das hipóteses apresentadas por
gativo nas funções emocionais e cognitivas. Kirsch & Sapirstein4 na sua meta-análise sobre a
eficácia dos anti-depressores versus placebo no
tratamento da depressão.
O PODER DO PLACEBO Como conclusão, podemos dizer que os efei-
tos laterais, ao provocarem um reforço positivo na cren-
São inúmeros os estudos que demonstram ça do doente em como este está a ser tratado, justificam
que a eficácia do placebos (pb.s) é extremamen- a eficácia superior do placebo activo face ao inerte.
te variável, não só entre os pb.s activos versus Do exposto sobressai um conceito interes-
inertes, entre as diversas formas terapêuticas sante:
(medicamentosa, cirúrgica,...) como também Todos os medicamentos (terapêuticas) para além do
entre pb.s iguais. efeito farmacológico (ou outros efeitos directos) têm
um efeito placebo, e estes são dificilmente separáveis.
Pb.s activos versus inertes
Das definições apresentadas anteriormente Placebos iguais ou diferentes
depreende-se que a única diferença entre activo Vários estudos foram feitos incluindo o pla-
e inerte reside na presença dos efeitos laterais cebo como termo de comparação e um dado que
induzidos. Posto isto, e sabendo do facto do pla- sobressai é que "...a resposta ao placebo é proporcio-
cebo activo ser mais "eficaz" do que o inerte poder-se- nal à resposta ao fármaco com o qual é comparado"
-á tentar compreender o porquê. Dado que "...a como concluíram Kirsch & Sapirstein4 no traba-
reacção total que se tem ao placebo está parcialmente lho já referido. Estes autores referem como pos-
sob influência de factores que não são fundamentais sível interpretação para esta correlação, as dife-
ao processo, e parcialmente sob a influência de factores renças de eficácia das várias substâncias dos es-
inerentes ao facto de tomar um comprimido que se es- tudos. Isto poderia acontecer "…se medicamentos
pera que produza uma alteração", como afirma mais eficazes induzissem maiores expectativas entre os
Beutler19, é de se esperar que a eficácia dos pla- doentes ou entre os médicos que os prescrevessem".
cebos activos seja superior. Esta justificação vai de encontro a outros estu-
Tomemos o seguinte exemplo num estudo dos elaborados por Frank20, Kirsch21 e Evans22
duplamente cego usando o placebo como con- sendo curioso salientar que o último destes au-
R E V I S TA P O RT U G U E S A D E P S I C O S S O M Á T I C A
148 MIGUEL G. ROCHA, RUI COELHO
tores referiu que o placebo-morfina era substan- os seus efeitos, não vai criar expectativas sobre
cialmente mais eficaz que o placebo-aspirina as possíveis alterações induzidas por estes e o pb
(embora fossem o mesmo composto inerte). neste caso seria ineficaz. Daí que recentemente
Também é conhecida a importância da for- se venha a discutir, no plano teórico-filosófico a
ma de apresentação do medicamento. Foi pedi- apropriação do termo Placebo e haja já autores,
do a um grupo de estudantes de Medicina para como Daniel E. Moerman e Wayne B.Jonas10
participarem num estudo sobre dois fármacos que sugeriram algo como resposta significativa
novos, um estimulante e um tranquilizante. A (‘meaning response’) para denominação alter-
cada um foram distribuídas uma ou duas pasti- nativa deste fenómeno.
lhas azuis ou vermelhas. As suas respostas ao
questionário elaborado no fim do estudo indica- Avaliação do poder do placebo
ram que: as pastilhas vermelhas actuaram como Para podermos avaliar o poder do placebo
estimulantes; as azuis como tranquilizantes; e deveríamos ser capazes de determinar o efeito
duas pastilhas tinham mais efeito do que uma placebo (vide supra). Para esta avaliação ser ho-
(independentemente da sua cor). O que é curio- nesta temos de ter em conta que a expressão
so é que, além de ambas serem o mesmo pb iner- latina "post hoc, ergo propter hoc" (depois de, logo
te, em altura alguma foi referido aos alunos qual por causa de) não está de todo correcta sendo
das pastilhas era estimulante/tranquilizante8. que são inúmeros os factores confundidores in-
Num outro estudo, 835 mulheres britânicas dependentes do placebo (ver Quadro 3) que po-
que regularmente usavam analgésicos para as dem enviesar a nossa análise.
cefaleias foram aleatoriamente distribuídas em Ora, tendo sido o placebo o "fármaco" mais
4 grupos. Um grupo recebeu aspirina com nome testado de todos os fármacos, poucos foram os
comercial bastante publicitado. Os outros gru- estudos que se preocuparam em avaliar o seu
pos receberam: um, a mesma aspirina mas em real poder.
branco (sem referência a nenhuma marca), um De entre estes salienta-se a meta-análise de
pb marcado com o mesmo nome comercial e o Kirsch & Sapirstein4.
último grupo recebeu não marcado. Neste estu- Estes autores, no seu estudo, tentaram esti-
do a aspirina marcada funcionou melhor que a mar o poder do placebo versus anti-depressores
aspirina não marcada, e esta melhor que o pb no tratamento da depressão e para tal conside-
marcado que por sua vez teve maior eficácia que raram os seguintes pressupostos:
o pb não marcado9. • efeito da substância = resposta à substân-
São de facto vários os estudos que apontam cia – resposta ao placebo
neste sentido: placebos iguais, mas diferentes. Para determinar o efeito da substância anali-
Outro aspecto interessante e de aceitação saram "scores" de depressão através de HRS-D
pacífica associa-se às diferentes eficácias das for- (Hamilton Rating Scale for Depression) e de BDI
mas terapêuticas placébicas (nas não placébicas (Beck Depression Inventory) pré-tratamento e pós-
verifica-se o mesmo). A cirurgia placebo é de -tratamento dos grupos com substância activa e
longe mais eficaz que a prescrição placébica e com placebo.
dentro desta uma injecção de soro fisiológico é • efeito placebo = resposta ao placebo – res-
mais eficaz que uma pastilha de amido. posta ao não tratamento
Uma ideia que ressalta do exposto é que o Para determinar o efeito do placebo analisa-
efeito do placebo não pode ser explicado como ram os mesmos "scores" (HRS-D e BDI) pré e
história natural, regressão à média ou entusias- pós-tratamento dos grupos com placebo e dos
mo dos investigadores, como alguns tentam ad- grupos com não tratamento de estudos de psi-
vogar. O efeito do placebo depende sim do significado coterapia na depressão*.
que o doente atribui à terapêutica implementada, às
associações e conotações que faz, e ao seu passado pes- Da análise comparativa entre os efeitos das
soal. Alguém que, por exemplo, nunca tenha diferentes terapêuticas obtiveram as seguintes
tido contacto com medicamentos, não conheça conclusões:
V O L U M E 5, N º 2, JULHO/DEZEMBRO 2 0 0 3
PLACEBO – COMPREENDER A CURA PELO NADA 149
• a eficácia do placebo é proporcional à efi- Por outro lado, é importante salientar que a
cácia do fármaco activo (Fig. 2); alocação dos participantes ao não-tratamento ou
• 75% da resposta às medicações examina- a uma lista de espera poderia afectar o curso da
das no estudo são uma resposta ao place- sua perturbação, como referem os autores na
bo; sua análise. Senão vejamos:
• 25% poderão ser devidos ao efeito do fár- • Como Frank20 argumentou "…a promes-
maco em si. sa de um tratamento é suficiente para de-
Isto significa que para o paciente típico, 75% sencadear uma resposta placebo".
do benefício obtido do fármaco activo também • Entretanto pode-se argumentar que ser
seja obtido de um placebo inactivo (ou, por ou- alocado ao não-tratamento poderia forta-
tras palavras, o placebo tem 75% da eficácia do lecer os sentimentos de desamparo e como
fármaco activo). tal aumentar a sintomatologia depressiva.
Os autores concluíram então que cerca de Outro achado interessante deste trabalho diz
25% do efeito do fármaco é devido a adminis- respeito à eficácia da própria substância ser vari-
tração de uma medicação activa, 50% ao efeito ável consoante o termo de comparação (a corre-
placebo e os restantes 25% devido a factores lação eficácia do placebo/eficácia do fármaco ser
inespecíficos (Fig. 3). bidireccional, matematicamente falando
biunívoca). Este dado vai de encontro a um es-
tudo de Greenberg e Fisher23 em que os autores
verificaram que a eficácia da medicação antide-
pressora era menor quando comparada com um
placebo activo do que quando comparada com
um placebo inerte.
O POLÉMICO PLACEBO
R E V I S TA P O RT U G U E S A D E P S I C O S S O M Á T I C A
150 MIGUEL G. ROCHA, RUI COELHO
V O L U M E 5, N º 2, JULHO/DEZEMBRO 2 0 0 3
PLACEBO – COMPREENDER A CURA PELO NADA 151
induzida por esta ou pelo placebo no grupo es- to que reconhecidamente afectasse a função ce-
tudado (seis doentes com doença de Parkin- rebral foram excluídos. Obtiveram os seguintes
son). Os resultados obtidos sugerem que: resultados:
• existe uma relação dose-dependente en- • não houve diferenças estatisticamente sig-
tre a libertação de dopamina endógena e a nificativas entre os dois estudos;
magnitude do efeito placebo; • 52% (13/25) dos que receberam trata-
• em alguns doentes a maior parte do bene- mento activo, e 38% (10/26) dos que re-
fício obtido do fármaco activo pode ser de- ceberam placebo responderam ao trata-
vido ao efeito placebo. mento. Entre estes não era possível distin-
Estes autores, salientando o facto do sistema gui-los quanto à gravidade da depressão
dopaminérgico estar envolvido na regulação de inicial ou final;
diversas funções cognitivas, comportamentais e • entre os grupos que responderam ao tra-
sensório-motoras e, particularmente, nos meca- tamento em ambos os grupos houve uma
nismos de recompensa concluíram que: diminuição precoce e sustentada dos scores
• a libertação endógena de dopamina no sis- de depressão, sendo a taxa de diminuição
tema nigroestriado está associada à expec- semelhante entre os dois grupos e acaban-
tativa de recompensa, neste caso de um do ambos com scores substancialmente in-
benefício terapêutico (todos os doentes co- feriores aos iniciais;
nheciam os efeitos de um fármaco activo - • as alterações verificadas nas QEEGs mais
levodopa); relevantes e consistentes situaram-se no
• o nível de expectativa determina a experi- lobo pré-frontal e foram mais proeminen-
ência (os doentes que se aperceberam dos tes no hemisfério direito;
benefícios tiveram maior libertação de do- • os indivíduos que responderam ao trata-
pamina). mento activo apresentaram um decréscimo
Posto isto, só faltavam provas tangíveis da significativo da cordance no córtex pré-fron-
existência do efeito placebo. Dois artigos publi- tal único nos quatro grupos;
cados no ‘American Journal of Psychiatry’ em • os indivíduos que responderam ao placebo
Janeiro e Maio de 2002 por grupos de investiga- apresentaram aumento significativo da
dores independentes e com metodologias dife- "cordance" no córtex pré-frontal também
rentes, vieram de algum modo fornecê-la. único nos quatro grupos.
Os autores do primeiro artigo, Andrew F. Saliente-se que, embora a melhoria sinto-
Leucher et al.29, utilizando as medidas tradicionais mática com o tratamento activo ou com o place-
da electroencefalografia quantitativa (QEEG) as- bo tenham sido semelhantes, os dois tratamentos
sim como a cordance*, sugeriram alterações da ac- não podem ser considerados equivalentes fisiologica-
tividade cerebral induzidas pelo placebo. Elabo- mente. Os dados mostrando diminuição da
raram dois ensaios clínicos, duplamente cegos cordance pré-frontal em doentes deprimidos a fa-
onde compararam a eficácia do placebo versus a zer tratamento activo são consistentes com ou-
fluoxetina (20 mg) e venlafaxina (150 mg) em tros estudos, demonstrando diminuição do me-
sujeitos com episódio depressivo major (DSM-IV) tabolismo ou da perfusão no córtex pré-frontal
e scores na HRS-D ≥ 16. Os indivíduos com ten- (independentemente do fármaco utilizado). O
dências suicidas, história de falência terapêutica aumento da cordance pré-frontal no grupo com
com os fármacos em estudo ou doença/tratamen- placebo pode explicar as heterogeneidades en-
contradas em estudos com PET Scan.
Neste estudo os doentes que responderam
ao placebo mostraram uma maior probabilidade
de terem uma resposta mais precoce ao trata-
mento, mas ambos os grupos apresentaram uma
* uma nova medida que demonstrou uma forte asso-
ciação com a perfusão cerebral36 e é sensível aos efei-
melhoria bem sustentada, ao contrário de ou-
tos da medicação antidepressora37,38. tros autores como Quitkin et al.30 que definiam a
R E V I S TA P O RT U G U E S A D E P S I C O S S O M Á T I C A
152 MIGUEL G. ROCHA, RUI COELHO
resposta ao placebo como precoce, abrupta e não a ideia de que a administração de um placebo não é
persistente. uma ausência de tratamento, mas apenas uma ausên-
Do exposto concluíram, então, que a adminis- cia de medicação activa. Os autores, em face da so-
tração de um medicamento inerte parece constituir um breposição de parte das alterações encontradas
tratamento activo, embora esta resposta ao placebo seja sugerem que, independentemente do método
fisiologicamente diferente da resposta ao fármaco activo. terapêutico, a facilitação de determinadas alte-
Dois outros ensaios clínicos vieram corrobo- rações adaptativas recíprocas córtex-sistema lím-
rar esta tese: bico sejam necessárias para a remissão da de-
• uma meta-análise31 sugeria que os doen- pressão.
tes não supressores no teste de supressão Face a uma pressão contínua, que veio au-
da dexametasona tinham menor probabi- mentar com a divulgação destes dados, a Assem-
lidade de responder ao placebo; bleia Geral da WMA reunida em Washington
• um estudo32 utilizando espectrometria de (em 2002), adicionou uma nota de clarificação
Ressonância Magnética Nuclear (RMN) ao tão polémico 29º artigo (o que estipula o uso
em indivíduos mostrando um padrão de do placebo). Desta forma o uso do placebo passa
resposta tipo fármaco-verdadeiro ou tipo a estar orientado pela Declaração de Helsinkia34
placebo (pela definição de Quitkin et al.30) nos seguintes termos:
durante um tratamento com fluoxetina "(...) 29º. Os benefícios, riscos, encargos e eficácias
demonstrou: aumento da relação colina- de um novo método devem ser testados face aos melho-
-creatina nos gânglios basais no primeiro, res métodos profilácticos, diagnósticos e terapêuticos.
e diminuição no segundo. Isto não exclui o uso do placebo, não- tratamento, em
estudos onde não existam métodos profilácticos, diag-
Num artigo intitulado "A neuroanatomia nósticos ou terapêuticos comprovados."
funcional do efeito placebo"33, publicado em
Maio de 2002 sugeriram novas provas, desta vez (...) Nota de clarificação ao parágrafo
fornecidas por Tomografia por Emissão de 29 da Declaração de Helsinkia da WMA
Positrões (PET Scan). O estudo envolvia a com- A WMA reafirma aqui a sua posição que deve ser
paração entre um tratamento com fluoxetina tomado extremo cuidado no uso de ensaios controlados
versus placebo em doentes com depressão. Os com placebo e que em geral esta metodologia deve ser
autores verificaram as seguintes alterações do usada unicamente na ausência de existência de tera-
metabolismo cerebral: pêutica comprovada. Contudo, um ensaio controlado
• em ambos os grupos, envolvendo aumen- com placebo pode ser eticamente aceitável, mesmo ha-
to nas áreas pré-frontal, cingulado anterior vendo terapêutica comprovada disponível, nas seguin-
e posterior, pré-motor, parietal e ínsula pos- tes circunstâncias:
terior e diminuição envolvendo cingulado • quando, por razões metodológicas, o seu uso seja
subgeniano, parahipocampo e tálamo; necessário para determinar a eficácia ou a se-
• adicionalmente, e apenas no grupo tratado gurança de um método profiláctico, diagnós-
com fluoxetina, alterações a nível do tron- tico ou terapêutico; ou,
co cerebral, estriado, hipocampo e ínsula; • quando um método profiláctico, diagnóstico ou
• em termos de evolução temporal: na 1ª terapêutico estiver a ser investigado para uma
semana houve uma diminuição da activi- situação clínica menos grave e os doentes que
dade cerebral no cingulado posterior mo- recebam placebo não fiquem sujeitos a qualquer
dificando-se para aumento no final do tra- risco adicional de dano grave ou irreversível.
tamento (à sexta semana) no grupo da Todas as outras provisões da Declaração de
fluoxetina, enquanto que no grupo place- Helsinkia devem ser atendidas, especialmente a neces-
bo houve um aumento desde início (à pri- sidade para uma revisão ética e cientifica apropria-
meira semana). da."
Em face destes dados, os autores enfatizaram Em Fevereiro de 2002 num artigo intitulado
V O L U M E 5, N º 2, JULHO/DEZEMBRO 2 0 0 3
PLACEBO – COMPREENDER A CURA PELO NADA 153
R E V I S TA P O RT U G U E S A D E P S I C O S S O M Á T I C A
154 MIGUEL G. ROCHA, RUI COELHO
V O L U M E 5, N º 2, JULHO/DEZEMBRO 2 0 0 3