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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PEQUENOS YOUTUBERS:
uma análise da colonização infantil no ambiente digital

Linha de pesquisa: ​“Competência midiática, Estética e Temporalidade”


Orientadoras Sugeridas: ​Prof.ª Dr.ª Gabriela Borges Martins Caravela e Prof.ª Dr.ª
Cláudia de Albuquerque Thomé

Juiz de Fora
Agosto de 2018
TEMA/PROBLEMA
O novo ambiente virtual vem causando impactos tão rápidos que nem sempre
as estruturas sociais, como áreas do Direito e da Educação e a academia em geral,
conseguem acompanhá-los ou entendê-los. Ou, como alerta McLuhan (1964), os modos
da interação social possuem uma tendência a progredir pela aceleração, enquanto a
velocidade acentua os problemas de forma e estrutura.
Este projeto de pesquisa visa apontar e discutir um desses pontos de impacto
social da Web 2.0, ao buscar compreender quais são e como acontecem os processos de
apropriação infantil do espaço do YouTube, a partir do ponto de vista comunicacional de
produção e disseminação do conteúdo nas redes.
Plataformas de interação como o YouTube alteraram drasticamente as formas
de produção e consumo de conteúdo. Qualquer usuário dotado de uma conexão à internet
e um login na rede pode realizar o upload de incontáveis horas de vídeos de temas que
julga relevantes e ser assistido por outros milhões de usuários também conectados. Cada
vídeo possui uma extrema capacidade de se tornar viral, fazendo com que o mais comum
dos humanos se torne uma celebridade da noite para o dia.
Esses vídeos estão submetido às políticas do site, que avaliam se o conteúdo é
adequado para ser veiculado ou não. No entanto, não é humanamente possível fiscalizar
as mais de 300 horas que são carregadas no YouTube por minuto, e, como ressalta Fred
McConnell em sua matéria especial de comemoração de 10 anos da plataforma para o ​The
Guardian1, nem todas elas valem ser assistidas, ou, ainda, poderiam ser assistidas durante
o período de uma vida inteira.
Tendo em vista que a qualidade do conteúdo ainda não pode ser assegurada
por mecanismos da própria plataforma, a responsabilidade dessa curadoria recai sobre os
usuários. Em Cultura da Conexão, Jenkins, Green e Ford (2014) discutem a forma com
que é feita essa avaliação no nível individual, afirmando que “os visitantes avaliam esse

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​ ouTube is 10 years old: the evolution of online video.​ Disponível em
Y
<​https://www.theguardian.com/technology/2015/feb/13/youtube-10-years-old-evolution-of-online-video?
CMP=fb_gu​> Acesso em 28 ago 2018.
conteúdo muitas vezes tentando descobrir quem está por trás da circulação deste e quais
são seus objetivos, à medida que os visitantes decidem a quais vídeos querem assistir e
quais propagar através de suas redes sociais" (JENKINS; GREEN; FORD, 2014).
Ou seja, não somente o conteúdo é utilizado para expressar uma ideia do
usuário que o publicou originalmente, mas também é útil para que os membros do público
utilizem esse texto de mídia para “estabelecer conexões entre si, mediar as relações
sociais e dar sentido ao mundo em torno deles” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014).
Esse fenômeno pode ocorrer de maneira consciente ou não;, nem sempre o
usuário tem a reflexão necessária sobre a sua responsabilidade no ato de
compartilhamento de textos de mídia, ou do seu papel de curador de conteúdo digital.
Ainda assim, os pesquisadores discutem ao longo do livro
argumentos para que todos nós assumamos uma responsabilidade maior pela
mídia que escolhemos para circulação, para evitar a postagem de informações
que não tenham sido examinadas com atenção, para ajudar a contestar os boatos
que sabemos terem sido desacreditados e para tentar ajudar a enquadrar
materiais que possam ser polêmicos ou perturbadores quando encontrados em
contextos inadequados. (JENKINS; GREEN; FORD, 2014)

Dentro desse aspecto, a colonização do espaço digital pelo público infantil


cria um problema importante a ser observado e discutido: como cobrar ou criar a
consciência dessa responsabilidade daqueles que ainda estão em processo de formação de
sua própria individualidade?
Originalmente, o YouTube não foi pensado como um espaço para crianças,
exigindo que seus usuários declaressem ser maiores de 18 anos. Tomaz (2017) recorre à
psicologia ambiental dos pesquisadores Christopher Spencer e Mark Blades (2005) para
delimitar a distinção proposta entre ambientes para as crianças e ambientes das crianças.
De acordo com a análise da autora, os “primeiros dizem respeito àqueles espaços
pensados e imaginados especialmente para elas; enquanto os outros tratam daqueles dos
quais se apropriam, mesmo que não tenham sido desenhados para elas” (TOMAZ, 2017,
p. 3). A proposta da presente pesquisa alinha-se à ideia retratada por Tomaz (2017) de
que, tão importante quanto pensar e planejar ambientes que supram as necessidades
infantis, é necessário entender e analisar como as crianças se valem dos espaços a que tem
acesso, mas não foram necessariamente projetados para elas.
A partir do momento em que colonizam o espaço do YouTube, as crianças
passam a construir realidades, afetando as estruturas sociais. A ocupação crescente
confere novos sentidos à utilização da plataforma e reflete características importantes para
compreender como se configura a infância contemporânea em meio à redes sociais.
O deslocamento da audiência infantil da TV para o YouTube é entendido por
Tomaz (2017) como um fenômeno ligado, em boa parte, à proibição de publicidade
dirigida ao público infantil, que tornou alguns programas integrantes da grade de
programação televisiva comercialmente inviáveis.
A consequência desse deslocamento pode ser observado no mapeamento
realizado pela ESPM Media Lab, que revelou que, no Brasil, dos 100 canais mais
visualizados no YouTube em 2016, 48 deles produziam conteúdo direcionado para
crianças de 0 a 12 anos (CORREA, 2016). A pesquisa dividiu os 230 principais canais
infantis em sete categorias: games (58), canais de youtubers mirins (61) e adolescentes
(14), programação infantil como desenhos e novelas (35), desenhos e musicais infantis
não disponíveis na TV (35), unboxing (26) e educativo (1).
O monitoramento realizado é capaz de levantar inúmeros problemas para
possíveis pesquisas, no entanto, o recorte aqui proposto são os canais de youtubers mirins,
por conceder voz ativa e independência às crianças na produção de um conteúdo feito por
crianças e para crianças. Assim, pretende-se analisar de que forma essa liberdade de
produção e consumo foi apropriada pelo universo infantil - ou, ainda, se essa liberdade
realmente existe ou dentro de quais termos se aplica.
Outros pesquisadores, por exemplo, analisam a recepção da publicidade pelo
público infantil no YouTube e os esforços necessários para compreender a percepção das
crianças sobre os modelos de publicidade a que estão sujeitas nos espaços digitais
(CORRÊA, 2016); ou ainda, mapeiam as características específicas dos conteúdos
publicados pelos canais mais populares de meninas youtubers e quais são suas
negociações identitárias na rede na construção e reflexão de infância (MARÔPO;
SAMPAIO; MIRANDA, 2017); indo até pesquisas que se propõem a compreender as
relações digitais originadas no YouTube como condições de possibilidade da transição
entre a infância moderna para uma infância contemporânea, no contexto brasileiro de
virada do século (TOMAZ, 2017).
A pesquisa aqui proposta pretende realizar uma análise empírica e contextual
de caráter exploratório dos vídeos mais populares dos canais dos youtubers mirins
(apresentado por crianças de até 12 anos) com o maior número de inscritos, que possuam
o recurso de comentários ativo em seus vídeos.
Para a construção deste projeto, foi realizado um levantamento prévio de 5
desses canais, de acordo com os dados disponíveis dos canais brasileiros com mais
inscritos na plataforma Social Blade2, são eles: o canal Planeta das Gêmeas, das irmãs
Melissa e Nicole de 10 anos (8.155.805 inscritos e 1.955.596.421 visualizações
acumuladas), Bela Bagunça, apresentado por Isabela Castro, de 10 anos, (7.163.525
inscritos e 1.427.947.610 visualizações acumuladas), Juliana Baltar, de 11 anos
(6.974.725 inscritos e 1.417.490.499 visualizações acumuladas), Fran Nina e Bel para
meninas, cuja protagonista é Isabel Peres, de 11 anos (6.524.067 inscritos e 1.988.143.726
de visuzaliações acumuladas) e Isaac do VINE, de 9 anos (5.085.931 inscritos e
409.865.170).
A análise proposta é dividida em duas etapas: a de produção e de consumo. A
primeira visa compreender os processos de produção do conteúdo, levantando questões
como a escolha dos temas e como cada um foi abordado, os tipo de infância retratados e a
interação publicitária, a fim de questionar os limites entre uma grande brincadeira e a
possibilidade do trabalho infantil desregulado.
A partir dessas respostas, objetiva-se entender as motivações que levam esses
pequenos consumidores a escolher reproduzir esses conteúdos, mapeando-os entre os

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Social Blade é uma plataforma de análise de dados, capaz de estimar os rendimentos dos canais do
YouTube. Os dados aqui citados foram atualizados em 17 de agosto. Disponível em
<​https://socialblade.com/youtube/top/country/br/mostsubscribed​>. Acesso em 30 ago 2018.
tipos de serviço que possam prestar, em uma espécie de cartografia cultural, com
categorias como: este conteúdo me faz rir, este sou eu, me ajuda a me conectar, me ajuda
a resolver um problema, me faz sentir alguma coisa, etc.
Esse mapeamento servirá como ponto de partida para entender como é
construída a comunidade infantil dentro do YouTube. A próxima etapa visa observar a
interação gerada a partir desses conteúdos, através da análise dos comentários mais
relevantes dos vídeos analisados. O objetivo é reportar os possíveis fenômenos dessa
comunidade, questionando quem consome, como avalia e como se relaciona ou se
identifica com o conteúdo retratado.
Esse mapeamento é um de esforço para atender a demanda levantada por
Jenkins, Green e Ford (2014) quando afirmam que, às vezes, pode não ser muito evidente
as razões pelas quais as pessoas fazem o que fazem, “mas esforçar-se para entender a
motivação e o interesse de uma pessoa ou de uma comunidade é fundamental para a
criação de textos cuja propagação seja mais provável” (JENKINS; GREEN, FORD,
2014).
Dentro de todo o escopo do projeto, ainda há espaço para, nessa incursão,
levantar os riscos perigosos a que esses youtubers mirins estão expostos como o trabalho
infantil, impactos negativos da exposição da vida privada de seus núcleos familiares,
exposição a conteúdo inadequado e reprodução de uma infância não saudável.
Analisando essa colonização infantil do espaço do YouTube, pretende-se
pensar, como afirma Corrêa (2016) a atual participação da criança na sociedade e em que
“medida é preciso regulamentar esses espaços de vídeo, garantir a liberdade de expressão
e voz da criança, ainda, acima de tudo pensar como protegê-las” (CORRÊA, 2016).
A partir do ponto de vista da Comunicação, será encaminhada a análise
levantada para possíveis soluções para que crianças sejam capazes de desenvolver as
competências necessárias para não só produzir conteúdo, mas estarem conscientes do que
se produz e o que se consome de maneira responsável, em conjunto com áreas da
Educação, propondo projetos em literacia midiática.
OBJETIVO
A presente proposta de pesquisa tem por objetivo principal explorar a
comunidade infantil construída no YouTube a partir da análise dos processos de
apropriação desse ambiente digital. Ou seja, a partir do levantamento de quais são os
temas abordados nestes vídeos, como são produzidos e como são recebidos dentro da
interatividade promovida pela plataforma através dos comentários, pretende-se entender
como as crianças utilizam o YouTube para suprir suas demandas sociais, criativas e
educacionais.
Entendendo as motivações para a produção e consumo dos textos de mídia
infantis disponíveis na plataforma, será possível delinear soluções para a construção de
uma sociedade que dê voz e participação às crianças, mas, também, ferramentas para
conscientizá-las da responsabilidade individual dentro do ambiente digital. Este projeto
busca a aproximação com a área da Educação, para propor reflexões e soluções em
literacia midiática.

ARTICULAÇÃO COM A LINHA DE PESQUISA “COMPETÊNCIA MIDIÁTICA,


ESTÉTICA E TEMPORALIDADE”

Entender a colonização do YouTube a partir do universo infantil é, ao


mesmo tempo, analisar se essas crianças nativas digitais já possuem as competências
cognitivas, emocionais e midiáticas para construir suas relações sociais em um ambiente
que, em uma primeira instância, não foi desenhado para elas.
Dessa forma, tendo em vista que a linha de pesquisa “Competência midiática,
Estética e Temporalidade” se propõe a estudar as habilidades dos sujeitos dentro do
ambiente digital, suas formas de produção e interações construídas, o presente projeto
dialoga com a investigação dessas relações, tendo por foco o universo infantil e seus
atuais rastros de ocupação na rede.
Aqui, se propõe discutir a literacia midiática a partir da comunicação, a fim de
munir comunicadores e educadores de reflexões e soluções para equipar as gerações
futuras com competências construtivas e responsáveis e, assim, tentar conter os impactos
negativos da integração tecnológica nos primeiros anos de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORRÊA, Luciana. ​Geração YouTube​: Um mapeamento sobre o consumo e produção


de vídeos por crianças - 0 a 12 anos - Brasil - 2015/2016. São Paulo: Espm Media Lab,
2016. Disponível em: <http://pesquisasmedialab.espm.br/criancas-e-tecnologia>. Acesso
em: 25 ago. 2018.

______. O que tem dentro da caixa?: Crianças hipnotizadas pelo YouTube Brasil, as
fronteiras entre entretenimento, conteúdo proprietário e publicidade.. In: VII PRÓ-PESQ.
– ENCONTRO DE PESQUISADORES EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA, 2016,
Rio de Janeiro. ​Anais...​ . Rio de Janeiro: Pró-pesq, 2016.

JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. ​Cultura da Conexão​: Criando valor e
significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

MARÔPO, Lídia Soares Barreto; SAMPAIO, Inês Silva Vitorino; MIRANDA, Nut
Pereira de. Youtubers mirins: negociações identitárias na rede. In: XXVI ENCONTRO
ANUAL DA COMPÓS, 2017, São Paulo. ​Anais... . São Paulo: Associação Nacional dos
Programas de Pós-graduação em Comunicação, 2017

MCLUHAN, Marshall. ​Os meios de comunicação como extensões do homem​. São


Paulo: Cultrix, 1964. Tradução: Décio Pignatari.

TOMAZ, Renata. ​Youtubers mirins​: o uso do YouTube pelas crianças e a produção


social da infância. In: XXVI ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 2017, São Paulo.
Anais..​. . São Paulo: Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em
Comunicação, 2017

______. YouTube, infância e subjetividades: o caso Julia Silva. ​ECCOM​: Revista de


Educação, Cultura e Comunicação, Lorena, v. 16, n. 8, p.35-46, dez. 2017. Disponível
em: <http://fatea.br/seer/index.php/eccom/article/viewFile/1898/1366>. Acesso em: 30
ago. 2018.

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