Você está na página 1de 144

Coletânea de artigos publicados no

site agendagotsch.com

(até 21 de outubro de 2021)

Alto Paraíso de Goiás - GO, Brasil.

Outubro/2021
ÍNDICE

● GÖTSCH, Ernst: “‘TAO' para nossa compreensão da vida [alternativa ao nosso conceito
atual, no que diz respeito à vida”..…………………………………………………………….……….…...1

● GÖTSCH, Ernst: “Design para o mediterrânero - enriquecimento de um


olival”...................................................................................................................................................8

● GÖTSCH, Ernst: “Diferenças entre agricultura sintrópica e orgânica”..................................18

● GÖTSCH, Ernst: “PERENES PARTE 1”................................................................................23

● ANDRADE, Dayana: “A dignidade de cavar buracos. Como os valores


sociais afetam a motivação do agricultor”.........................................................................................59

● ANDRADE, Dayana: “A virada da agricultura convencional”................................................67

● ANDRADE, Dayana: “Agricultura: um problema de 10 mil anos”..........................................68

● ANDRADE, Dayana: “ÁGUA SE PLANTA!”...........................................................................72

● ANDRADE, Dayana: “Como plantar palma forrageira em sintropia (VÍDEO


+ TEXTO)”.........................................................................................................................................73

● ANDRADE, Dayana: “Composição de linha de árvores no mediterrâneo


(VÍDEO)”............................................................................................................................................76

● ANDRADE, Dayana: “Guia de Atividades para Hortas Sintrópicas


Escolares”..........................................................................................................................................77

● ANDRADE, Dayana: “Horta Sintrópica na Escola ganha 2º lugar em


concurso nacional de sustentabilidade”.............................................................................................82

● ANDRADE, Dayana: “MAIS DO QUE SOLO COBERTO - os benefícios de manter espécies


sempre em crescimento no seu plantio”............................................................................................86

● ANDRADE, Dayana: “Mais vida no solo”...............................................................................87

● ANDRADE, Dayana: “O melhor café do ano é da Agricultura Sintrópica”.............................88

● ANDRADE, Dayana: “O que é Agricultura Sintrópica?”.......................................................100


● ANDRADE, Dayana: “O que o gado come no mediterrâneo?”...........................................105

● ANDRADE, Dayana: “Os custos e objetivos velados da tecnologia”..................................107

● ANDRADE, Dayana: “Plantando Pedras”...........................................................................114

● ANDRADE, Dayana: “Uma revisão científica sobre a ideia de amor incondicional na


Agricultura Sintrópica”.....................................................................................................................116

● PASINI, Felipe: “A poda como adubo e irrigação”...............................................................125

● PASINI, Felipe: “Agricultura Sintrópica no sul da Espanha”................................................131

● PASINI, Felipe: “Colheitas ao redor da árvore”...................................................................133

● PASINI, Felipe: “Composição de consórcios complexos no sul da Espanha (La Loma


Viva)”...............................................................................................................................................134

● PASINI, Felipe: “Eucalipto: mais um bode expiatório da nossa


sociedade”.......................................................................................................................................135
Categories‌:‌ ‌E‌ rnst‌G
‌ ötsch‌‌   ‌

Data‌:‌2
‌ 6-03-2019‌‌   ‌

 ‌

Primeiro,‌s‌ obre‌o
‌ ‌c‌ onteúdo:‌  ‌

A‌fi
‌ gura‌a‌ ‌s‌ eguir,‌à‌ ‌q
‌ ual‌e‌ u‌d
‌ ei‌o
‌ ‌n
‌ ome‌d
‌ e‌1
‌ 5‌P
‌ RINCÍPIOS,‌N
‌ OMEADOS:‌  ‌

'TAO'‌P
‌ ARA‌N‌ OSSA‌C ‌ OMPREENSÃO‌D ‌ A‌V
‌ IDA‌[‌ ALTERNATIVA‌A
‌ O‌N
‌ OSSO‌C
‌ ONCEITO‌‌ 
ATUAL,‌N ‌ O‌Q
‌ UE‌D
‌ IZ‌R‌ ESPEITO‌À
‌ ‌V
‌ IDA]‌  ‌

é‌  ‌concebido‌  ‌sob‌  ‌a ‌ ‌forma‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌compêndio,‌  ‌composto‌  ‌por‌  ‌15‌  ‌princípios.‌‌ 
Proposições,‌  ‌conclusões,‌  ‌resultantes‌‌   de‌‌  décadas‌‌   de‌‌  questionamento‌‌   - ‌‌e ‌‌tentando‌‌ 
criar‌‌  alternativas‌‌   ao‌‌
  nosso‌‌
  conceito‌‌   atual,‌‌   sobre‌‌ a ‌‌vida‌‌ e ‌‌a ‌‌natureza.‌‌ Além‌‌ daquele‌‌ 
anterior,‌‌   algumas‌‌   reflexões,‌‌   e ‌‌também‌‌ como‌‌ agir,‌‌ para‌‌ que‌‌ a ‌‌nossa‌‌ participação‌‌ se‌‌ 
torne‌  ‌útil‌  ‌e ‌ ‌benéfica‌  ‌para‌  ‌todos‌  ‌os‌  ‌seres‌  ‌submetidos‌  ‌e ‌ ‌afetados‌  ‌por‌  ‌nossas‌‌ 
interações.‌  ‌

 ‌
 ‌
 ‌

1
Paralelamente‌  ‌a ‌ ‌isso,‌  ‌sempre‌  ‌me‌  ‌esforcei‌  ‌para‌  ‌pôr‌  ‌em‌  ‌prática‌  ‌o ‌ ‌conteúdo‌  ‌de‌‌ 
minhas‌  ‌conclusões,‌  ‌fazendo‌  ‌inúmeras‌  ‌experiências,‌  ‌a ‌ ‌fim‌  ‌de‌  ‌testar‌‌   a ‌‌validade‌‌
  de‌‌ 
minha‌  ‌hipótese:‌  ‌primeiro‌  ‌na‌  ‌Europa‌  ‌Central‌  ‌e,‌  ‌há‌  ‌quarenta‌  ‌anos,‌  ‌continuando,‌‌ 
fazendo‌o ‌ ‌m
‌ esmo,‌m ‌ as‌p ‌ rincipalmente‌n ‌ os‌t‌ rópicos.‌  ‌

Em‌  ‌1992,‌  ‌comecei‌  ‌a ‌ ‌escrever‌  ‌em‌  ‌palavras‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌projetar‌  ‌em‌  ‌numerosas‌  ‌figuras‌‌ 
aquelas‌‌ minhas‌‌ conclusões,‌‌ que‌‌ me‌‌ pareceram‌‌ significativas‌‌ para‌‌ nossa‌‌ questão.‌‌ A ‌‌
partir‌  ‌de‌  ‌então,‌  ‌- ‌ ‌há‌  ‌27‌  ‌anos‌  ‌- ‌ ‌esses‌  ‌princípios‌  ‌se‌  ‌transformaram‌  ‌em‌  ‌diretrizes‌‌ 
rígidas‌‌   para‌‌ todas‌‌ as‌‌ minhas‌‌ interações.‌‌ Isto‌‌ é,‌‌ como‌‌ agricultor,‌‌ trabalhando‌‌ com‌‌ o ‌‌
ciclo‌‌
  da‌‌  água,‌‌   solo,‌‌
  plantas‌‌   e ‌‌animais.‌‌   E ‌‌isso,‌‌
  aplicando-os,‌‌   realizando-os‌‌   nos‌‌ mais‌‌ 
diversos‌  ‌contextos,‌  ‌em‌  ‌relação‌  ‌à ‌ ‌vegetação,‌  ‌textura‌  ‌e ‌ ‌composição‌  ‌do‌  ‌solo,‌  ‌bem‌‌ 
como‌  ‌em‌  ‌termos‌  ‌de‌  ‌condições‌  ‌climáticas,‌  ‌nos‌  ‌lugares‌  ‌onde‌  ‌tenho‌  ‌ou‌  ‌tive‌  ‌o ‌‌
privilégio‌‌   de‌‌
  participar,‌‌   de‌‌
  lugares‌‌   áridos,‌‌   sub-desérticos,‌‌   a ‌‌floresta‌‌ tropical‌‌ úmida‌‌ 
e‌d
‌ o‌n‌ ível‌d ‌ o‌m‌ ar‌a‌ té‌á‌ reas‌e‌ m‌g‌ randes‌a‌ ltitudes.‌  ‌

O‌  ‌foco‌  ‌principal,‌  ‌durante‌  ‌meus‌  ‌mais‌  ‌de‌  ‌60‌  ‌anos‌  ‌de‌  ‌constante‌  ‌e ‌ ‌intenso‌‌ 
envolvimento‌  ‌profissional,‌  ‌sempre‌  ‌foi‌  ‌- ‌ ‌muitas‌  ‌vezes‌  ‌começando‌  ‌com‌  ‌os‌‌ 
chamados‌  ‌"solos‌  ‌pobres"‌  ‌a ‌ ‌alcançar,‌  ‌combinando‌  ‌alta‌  ‌produtividade‌  ‌dos‌‌   "meus"‌‌ 
ecossistemas‌  ‌agrícolas,‌  ‌com‌  ‌vigor‌  ‌e ‌ ‌saúde‌  ‌de‌  ‌' ‌ ‌minhas‌  ‌plantas‌  ‌e ‌ ‌animais‌  ‌e,‌  ‌ao‌‌ 
mesmo‌  ‌tempo,‌  ‌obter‌  ‌um‌  ‌equilíbrio‌  ‌positivo,‌  ‌considerando‌  ‌a ‌ ‌vida‌  ‌estabelecida,‌‌ 
bem‌c‌ omo‌e‌ nergicamente.‌  ‌

Questionando‌‌   e ‌‌testando,‌‌ de‌‌ novo‌‌ e ‌‌de‌‌ novo,‌‌ lutando‌‌ para‌‌ entender‌‌ o ‌‌"por‌‌ quê"‌‌ e ‌‌
o‌  ‌"como",‌  ‌e ‌ ‌para‌  ‌entrar‌  ‌em‌  ‌acordo‌  ‌com‌  ‌muitas‌  ‌contradições‌  ‌entre‌  ‌nosso‌‌ 
conhecimento‌‌   estabelecido‌‌   e ‌‌o ‌‌mundo‌‌
  real.‌‌
  E ‌‌então,‌‌
  traduzir‌‌  isso‌‌
  em‌‌
  ação,‌‌   e ‌‌isso‌‌ 
de‌  ‌certo‌  ‌modo,‌  ‌ser‌  ‌capaz‌  ‌de‌  ‌transformar‌  ‌nossa‌  ‌atividade‌  ‌de‌  ‌cultivar‌  ‌comida‌  ‌em‌‌ 
um‌  ‌empreendimento‌‌   alegre,‌‌  realizando-a,‌‌   movida‌‌   pelo‌‌  prazer‌‌  interno,‌‌
  e ‌‌chegar‌‌   a ‌‌
um‌  ‌ponto‌  ‌de‌  ‌tornarmos‌  ‌úteis‌  ‌para‌  ‌o ‌ ‌ecossistema‌  ‌no‌  ‌qual‌  ‌intervimos,‌  ‌e ‌ ‌sermos‌‌ 
benéficos‌p ‌ ara‌t‌ odos‌o ‌ s‌q
‌ ue‌s‌ ão‌s‌ ubmetidos‌e‌ ‌a‌ fetados‌p ‌ or‌n
‌ ossas‌i‌nterações.‌  ‌

Esses‌  ‌princípios,‌  ‌quando‌  ‌compreendidos‌  ‌e ‌ ‌depois‌  ‌postos‌  ‌em‌  ‌prática‌  ‌em‌  ‌nossos‌‌ 
esforços‌  ‌para‌  ‌obter‌  ‌alimentos‌  ‌abundantes‌  ‌e ‌ ‌de‌  ‌melhor‌  ‌qualidade,‌  ‌como‌  ‌um‌‌
  dos‌‌ 
efeitos‌d ‌ e‌n
‌ ossas‌i‌nterações‌c‌ om‌o ‌ ‌r‌ eino‌d
‌ as‌p
‌ lantas,‌n
‌ os‌p ‌ ermitem:‌  ‌

-‌O
‌ btê-lo‌a‌ ‌b
‌ aixo‌c‌ usto,‌m
‌ aterial‌e‌ ‌e‌ nergeticamente,‌  ‌

-‌F‌ azê-lo‌e‌ m‌h


‌ armonia‌c‌ om‌a‌ ‌n
‌ atureza‌e‌  ‌ ‌

2
-‌  ‌resultando,‌  ‌que‌  ‌nossa‌  ‌atividade‌  ‌realmente‌  ‌se‌  ‌torne‌  ‌benéfica,‌  ‌para‌  ‌o ‌‌agricultor,‌‌ 
para‌o ‌ ‌e‌ cossistema‌e‌ ‌p
‌ ara‌t‌ odos‌o‌ s‌d ‌ emais‌i‌nfluenciados‌p ‌ or‌n
‌ ossa‌o ‌ peração.‌  ‌

Além‌  ‌disso,‌  ‌adotando‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌eu‌  ‌sugiro‌  ‌em‌  ‌nossa‌  ‌prática,‌  ‌chegaremos‌  ‌a ‌ ‌uma‌‌ 
agricultura‌  ‌baseada‌  ‌em‌  ‌processos,‌  ‌na‌  ‌qual‌  ‌o ‌ ‌maior‌  ‌insumo‌  ‌externo‌  ‌necessário‌‌ 
para‌  ‌fazê-lo‌  ‌funcionar‌  ‌será‌  ‌o ‌ ‌conhecimento.‌  ‌Conhecimento‌  ‌em‌  ‌microbiologia,‌‌ 
micorriza,‌‌ biologia‌‌ do‌‌ solo,‌‌ ciclo‌‌ da‌‌ água,‌‌ propriedades‌‌ eco-fisiológicas‌‌ e ‌‌sociologia‌‌ 
de‌  ‌plantas‌  ‌e ‌ ‌animais‌  ‌tratados‌  ‌etc.,‌  ‌etc.‌  ‌...‌  ‌e,‌  ‌por‌  ‌último,‌  ‌mas‌  ‌não‌  ‌menos‌‌ 
importante,‌  ‌ética:‌  ‌ponha‌  ‌em‌  ‌prática,‌  ‌em‌  ‌toda‌‌  a ‌‌nossa‌‌   interação,‌‌   os‌‌
  princípios‌‌
  do‌‌ 
amor‌  ‌incondicional‌  ‌e ‌ ‌da‌  ‌cooperação‌  ‌e ‌ ‌vivendo‌  ‌de‌  ‌acordo‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌dito‌  ‌do‌‌ 
"imperativo‌c‌ ategórico".‌  ‌

O‌  ‌resultado‌  ‌de‌  ‌trabalhar‌‌   em‌‌  harmonia‌‌


  com‌‌   a ‌‌natureza,‌‌  voltando‌‌
  a ‌‌ser‌‌
  uma‌‌   parte‌‌ 
"útil"‌  ‌e ‌ ‌"co-criador"‌  ‌e,‌  ‌ao‌  ‌mesmo‌  ‌tempo,‌‌  não‌‌   mais‌‌
  “comandante-chefe”‌‌   gera‌‌   em‌‌ 
quem‌  ‌consegue‌  ‌colocá-lo‌  ‌em‌  ‌prática,‌  ‌uma‌  ‌sensação‌  ‌de‌  ‌alegria‌  ‌profunda.‌‌   Alegria‌‌ 
por‌t‌ er‌r‌ etornado‌a‌ os‌b ‌ raços‌e‌ ‌c‌ uidados‌d ‌ a‌m‌ ãe‌t‌ erra.‌  ‌

Em‌s‌ egundo‌l‌ugar,‌p
‌ ara‌o
‌ s‌e‌ ducadores:‌  ‌

O‌‌ conteúdo,‌‌ afirmações,‌‌ que‌‌ compõem‌‌ esses‌‌ princípios‌‌ mencionados‌‌ aqui,‌‌ podem‌‌ 
ter‌‌   propriedades‌‌   que‌‌
  para‌‌
  muitos‌‌   professores‌‌   podem‌‌ parecer‌‌ bastante‌‌ estranhos,‌‌ 
...‌  ‌ou‌  ‌pelo‌  ‌menos‌  ‌"incomuns",‌  ‌ou,‌  ‌digamos,‌  ‌derivados‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌universo‌‌   dissimilar‌‌ 
ao‌  ‌que‌  ‌somos‌  ‌parte.‌  ‌- ‌ ‌Apesar‌  ‌disso,‌‌   peço-lhe,‌‌   antes‌‌
  de‌‌
  rejeitar‌‌
  tudo‌‌
  de‌‌
  uma‌‌
  vez,‌‌ 
para‌  ‌tentar,‌  ‌pelo‌  ‌menos,‌  ‌compreender‌  ‌e ‌ ‌talvez‌  ‌- ‌ ‌mais‌  ‌tarde‌  ‌- ‌ ‌perceber‌  ‌toda‌  ‌a ‌‌
gama‌  ‌de‌‌   ideias‌‌
  e ‌‌deduções‌‌   que,‌‌
  afinal,‌‌
  me‌‌   trouxeram‌‌   para‌‌  este‌‌
  novo‌‌
  mundo:‌‌   um‌‌ 
mundo‌d ‌ e‌h ‌ armonia,‌d ‌ e‌p
‌ az.‌O‌ ‌m
‌ undo‌d ‌ a‌v‌ ida.‌  ‌

Eu‌  ‌recomendo‌  ‌considerar‌  ‌que‌  ‌nosso‌  ‌modo‌  ‌de‌  ‌perceber,‌  ‌muitas‌  ‌vezes,‌  ‌é ‌‌
fortemente‌  ‌influenciado,‌  ‌pelo‌  ‌que‌  ‌vemos,‌  ‌olhando‌  ‌em‌  ‌nosso‌  ‌espelho,‌  ‌e ‌ ‌menos‌‌ 
por‌  ‌aquilo‌  ‌que‌  ‌está‌  ‌presente‌  ‌em‌‌   nosso‌‌  redor,‌‌
  o ‌‌mundo‌‌
  real.‌‌
  Isto‌‌
  principalmente,‌‌ 
por‌‌
  acreditarmos‌‌   que‌‌   estamos‌‌   - ‌‌e ‌‌por‌‌
  nos‌‌ convencermos,‌‌ e ‌‌nos‌‌ comportarmos‌‌ de‌‌ 
acordo,‌  ‌como‌  ‌se‌  ‌fôssemos‌  ‌"espécies‌  ‌inteligentes".‌  ‌[ ‌ ‌Nós‌  ‌somos?‌  ‌Ou‌‌ 
modestamente‌  ‌somos‌  ‌apenas‌  ‌parte‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌sistema‌  ‌inteligente?].‌  ‌Essa‌  ‌crença‌‌ 
acima‌  ‌mencionada,‌  ‌e ‌ ‌em‌  ‌sua‌  ‌consequência,‌  ‌nosso‌  ‌comportamento‌  ‌resultante‌‌ 
disso,‌  ‌nos‌  ‌torna‌  ‌sujeitos‌  ‌a ‌ ‌comportarmos‌  ‌de‌  ‌maneira‌  ‌“autista”‌  ‌e,‌  ‌em‌‌ 
conseqüência,‌‌   compilamos‌‌   o ‌‌que‌‌   vemos,‌‌ olhando‌‌ em‌‌ nosso‌‌ espelho,‌‌ a ‌‌um‌‌ quadro‌‌ 

3
axiomático,‌‌ chamado‌‌ "verdades"‌‌ e ‌‌"fatos",‌‌ sobre‌‌ o ‌‌qual‌‌ não‌‌ raramente‌‌ se‌‌ baseiam‌‌ 
as‌c‌ renças‌e‌ ‌c‌ omportamentos‌d
‌ e‌s‌ ociedades‌i‌nteiras‌e‌ ‌c‌ ivilizações‌i‌nteiras.‌  ‌

Uma‌  ‌dessas‌  ‌"verdades",‌  ‌"fatos",‌‌   é ‌‌que‌‌  as‌‌


  relações‌‌   intra‌‌
  e ‌‌interespecíficas‌‌   da‌‌
  vida‌‌ 
são‌  ‌baseadas‌  ‌na‌  ‌concorrência‌  ‌e ‌ ‌na‌  ‌competição‌  ‌fria.‌  ‌...‌  ‌E ‌ ‌isso‌  ‌tudo,‌  ‌porque‌  ‌nós,‌‌ 
como‌  ‌indivíduos‌  ‌e ‌ ‌espécies,‌  ‌agimos‌  ‌principalmente‌  ‌seguindo‌  ‌esse‌  ‌padrão‌  ‌[de‌‌ 
competição‌  ‌e ‌ ‌concorrência‌  ‌fria].‌  ‌As‌  ‌consequências‌  ‌resultantes‌  ‌disso,‌  ‌"erro‌‌ 
cometido‌‌   em‌‌
  nossa‌‌   interpretação‌‌   das‌‌
  leis‌‌ naturais",‌‌ foram‌‌ razão‌‌ direta‌‌ e ‌‌indireta‌‌ - ‌‌
e‌  ‌ainda‌  ‌são!‌  ‌- ‌ ‌para‌  ‌muitos‌  ‌problemas,‌  ‌que‌  ‌muitas‌  ‌vezes‌  ‌causaram‌  ‌(e‌  ‌causam)‌‌ 
sofrimentos‌  ‌profundos,‌  ‌ou‌  ‌levam,‌‌   ou‌‌
  levaram‌‌   ao‌‌
  desaparecimento‌‌   de‌‌  civilizações‌‌ 
inteiras.‌  ‌

Nós‌  ‌realmente‌  ‌sabemos‌  ‌disso,‌  ‌mas‌  ‌por‌  ‌não‌  ‌estarmos‌  ‌prontos,‌  ‌ou‌  ‌- ‌ ‌talvez‌  ‌não‌‌ 
sendo‌  ‌capazes‌  ‌de‌  ‌querer‌  ‌[?]‌  ‌- ‌ ‌pagar‌  ‌o ‌ ‌preço‌  ‌sobre‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌sabemos,‌  ‌e ‌ ‌o ‌ ‌que‌‌ 
deveríamos‌f‌ azer,‌p ‌ referimos‌i‌gnorá-lo.‌  ‌

Críticas‌  ‌ou‌  ‌declarações‌  ‌de‌  ‌alguns‌  ‌membros‌  ‌sábios‌  ‌da‌  ‌nossa‌  ‌espécie,‌  ‌apontando‌‌ 
para‌  ‌este‌  ‌tipo‌  ‌de‌  ‌crenças,‌  ‌ou‌  ‌erros‌  ‌cometidos,‌  ‌normalmente‌  ‌são‌  ‌rejeitadas‌  ‌ou‌‌ 
interpretadas‌d ‌ e‌u‌ ma‌m ‌ aneira‌p ‌ ara‌q ‌ ue‌s‌ e‌e‌ nquadrem‌n‌ o‌p
‌ aradigma‌d ‌ ominante.‌  ‌

Em‌  ‌terceiro‌  ‌lugar,‌  ‌uma‌  ‌anotação‌  ‌sobre‌  ‌a ‌ ‌terminologia‌  ‌usada,‌  ‌pois‌  ‌algumas‌‌ 
palavras‌e‌ ‌e‌ xpressões‌p ‌ odem‌p ‌ arecer‌i‌ncomuns:‌  ‌

Para‌  ‌o ‌ ‌significado‌  ‌da‌  ‌maioria‌  ‌das‌  ‌expressões,‌  ‌o ‌ ‌leitor‌  ‌atento‌  ‌entenderá‌  ‌sozinho.‌‌ 
Outros,‌  ‌na‌  ‌verdade‌  ‌todos‌  ‌eles,‌  ‌também‌  ‌estão‌  ‌sendo‌  ‌usados‌  ‌em‌  ‌contextos,‌  ‌que‌‌ 
revelarão‌‌   seu‌‌
  significado‌‌  em‌‌
  uma‌‌   série‌‌
  de‌‌
  artigos‌‌   escritos‌‌   e ‌‌ainda‌‌ não‌‌ editados,‌‌ e ‌‌
figuras‌  ‌projetadas‌  ‌por‌  ‌mim.‌‌   [Sua‌‌  publicação‌‌   está‌‌  sendo‌‌   planejada‌‌   para‌‌   acontecer‌‌ 
nos‌p
‌ róximos‌m ‌ eses.]‌  ‌

15‌P
‌ RINCÍPIOS:‌  ‌

'TAO'‌‌ PARA‌‌ NOSSA‌‌ COMPREENSÃO‌‌ DA‌‌ VIDA‌‌ [ALTERNATIVA‌‌ AO‌‌ NOSSO‌‌ CONCEITO‌‌ 
ATUAL,‌N ‌ O‌Q‌ UE‌D
‌ IZ‌R
‌ ESPEITO‌À
‌ ‌V
‌ IDA]‌  ‌

I‌  ‌- ‌ ‌Estudando‌  ‌o ‌ ‌funcionamento‌  ‌e ‌ ‌o ‌ ‌comportamento‌  ‌da‌  ‌vida‌  ‌neste‌  ‌planeta,‌  ‌e ‌‌
também‌‌   a ‌‌vida‌‌
  em‌‌
  suas‌‌
  interações‌‌
  com‌‌   - ‌‌e ‌‌em‌‌
  sua‌‌
  relação‌‌
  com‌‌
  o ‌‌Planeta‌‌ Terra,‌‌ e ‌‌

4
este‌  ‌último,‌  ‌visto‌  ‌como‌  ‌um‌  ‌macroorganismo,‌  ‌podemos‌  ‌claramente‌  ‌atribuir-lhe‌‌ 
características‌  ‌funcionais,‌  ‌digamos,‌  ‌propriedades‌  ‌‘instrumentais’‌  ‌e,‌  ‌assim‌  ‌sendo,‌‌ 
como‌  ‌parte‌  ‌integrante‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌‘instrumentário’,‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌Planeta‌  ‌Terra‌  ‌criou‌  ‌para‌  ‌si‌‌ 
mesmo,‌a‌ ‌fi‌ m‌d ‌ e‌r‌ ealizar‌s‌ ua‌e‌ stratégia‌s‌ intrópica‌‘‌complexificadora’‌d ‌ e‌s‌ er.‌  ‌

II‌  ‌- ‌ ‌Percebendo‌  ‌a ‌ ‌vida‌  ‌da‌  ‌maneira‌  ‌supra‌  ‌descrita,‌  ‌observaremos‌  ‌o ‌ ‌conceito‌‌ 
instrumental‌  ‌e ‌ ‌funcional‌  ‌na‌  ‌existência‌  ‌de‌  ‌todas‌  ‌as‌  ‌espécies‌  ‌que‌  ‌já‌  ‌apareceram,‌‌ 
bem‌  ‌como‌  ‌nas‌  ‌que‌  ‌possam‌  ‌vir‌  ‌a ‌ ‌existir:‌  ‌cada‌  ‌espécie‌  ‌que‌  ‌aparece,‌  ‌o ‌ ‌faz‌  ‌para‌‌ 
realizar‌s‌ uas‌t‌ arefas‌e‌ specíficas‌e‌ ‌p ‌ ara‌c‌ umprir‌s‌ ua‌f‌ unção.‌  ‌

III‌  ‌- ‌ ‌Cada‌  ‌indivíduo,‌  ‌de‌  ‌cada‌  ‌geração,‌  ‌de‌  ‌cada‌  ‌espécie‌  ‌aparece‌  ‌precondicionado‌‌ 
pelo‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌precedeu.‌  ‌Com‌  ‌sua‌  ‌chegada,‌  ‌por‌‌   meio‌‌   de‌‌
  seu‌‌
  metabolismo,‌‌
  modifica‌‌ 
seu‌  ‌entorno‌  ‌e ‌ ‌codefine,‌  ‌e ‌ ‌nesse‌  ‌sentido‌  ‌compartilha,‌  ‌faz‌  ‌parte‌  ‌da‌  ‌definição‌‌ 
daquilo‌q ‌ ue‌o ‌ ‌i‌rá‌s‌ uceder.‌  ‌

IV‌  ‌- ‌ ‌O ‌ ‌aparecimento‌  ‌de‌  ‌novos‌  ‌genótipos‌  ‌de‌  ‌espécies‌  ‌já‌  ‌existentes‌  ‌acontece‌  ‌por‌ 
alteração‌  ‌nas‌  ‌condições‌  ‌de‌  ‌vida‌  ‌com‌  ‌as‌  ‌quais‌  ‌precisou‌  ‌lidar.‌  ‌O ‌ ‌surgimento‌  ‌de‌‌ 
novas‌  ‌espécies‌  ‌é ‌ ‌necessário‌  ‌quando‌  ‌surgem‌  ‌tarefas‌  ‌cujas‌  ‌realizações‌  ‌ainda‌  ‌não‌‌ 
estejam‌  ‌codificadas‌  ‌(não‌  ‌está‌  ‌incluída‌  ‌no‌  ‌código‌  ‌potencial‌  ‌das‌  ‌espécies‌‌ 
existentes).‌  ‌

V‌‌
  - ‌‌A ‌‌instrumentalidade‌‌   da‌‌
  vida‌‌
  com‌‌
  relação‌‌ ao‌‌ macroorganismo‌‌ Terra‌‌ se‌‌ mantém‌‌ 
a‌  ‌mesma;‌  ‌as‌  ‌tarefas‌  ‌a ‌ ‌serem‌  ‌realizadas,‌  ‌no‌  ‌entanto,‌  ‌estão‌  ‌sujeitas‌  ‌a ‌ ‌constantes‌‌ 
mudanças‌‌ devido‌‌ às‌‌ incessantes‌‌ alterações‌‌ nas‌‌ condições‌‌ de‌‌ vida.‌‌ Essas‌‌ mudanças‌‌ 
são‌c‌ ausadas‌p ‌ or‌f‌ atores‌e‌ ndógenos‌e‌ ‌b ‌ em‌c‌ omo‌e‌ xógenos.‌  ‌

VI‌  ‌- ‌ ‌A ‌ ‌regeneração‌  ‌periódica‌  ‌dos‌  ‌ecossistemas,‌  ‌bem‌  ‌como‌  ‌a ‌ ‌criação‌  ‌de‌  ‌novos,‌‌ 
acontecem‌  ‌parte‌  ‌a ‌ ‌parte,‌  ‌comparáveis‌  ‌às‌  ‌peças‌  ‌constituintes‌  ‌de‌  ‌um‌‌ 
quebra-cabeças.‌  ‌Esse‌  ‌processo‌  ‌segue‌  ‌padrões‌  ‌equivalentes‌  ‌à ‌ ‌reprodução‌‌ 
generativa‌  ‌no‌  ‌nível‌  ‌do‌  ‌indivíduo.‌  ‌No‌  ‌nível‌  ‌do‌  ‌ecossistema‌  ‌esse‌  ‌processo‌  ‌é ‌‌
chamado‌‌   de‌‌
  ‘sucessão‌‌  natural‌‌   das‌‌
  espécies’‌‌ que,‌‌ por‌‌ sua‌‌ vez,‌‌ é ‌‌o ‌‌meio‌‌ pelo‌‌ qual‌‌ a ‌‌
vida‌s‌ e‌m ‌ ove‌n ‌ o‌t‌ empo‌e‌ ‌n
‌ o‌e‌ spaço.‌  ‌

VII‌‌
  - ‌‌A ‌‌vida‌‌
  como‌‌   um‌‌ todo‌‌ no‌‌ nosso‌‌ planeta‌‌ constitui‌‌ um‌‌ grande‌‌ macroorganismo.‌‌ 
Todo‌‌   o ‌‌seu‌‌ funcionamento‌‌ corresponde‌‌ ao‌‌ de‌‌ um‌‌ organismo:‌‌ tudo‌‌ está‌‌ conectado‌‌ 
e‌é‌ ‌i‌nterdependente.‌  ‌

5
VIII‌‌ - ‌‌A ‌‌grande‌‌ rede‌‌ de‌‌ conexões‌‌ fúngicas,‌‌ proliferando‌‌ nas‌‌ camadas‌‌ superficiais‌‌ de‌‌ 
solo‌  ‌rico‌  ‌em‌  ‌matéria‌  ‌orgânica‌  ‌e ‌ ‌coberto‌  ‌por‌  ‌serapilheira‌  ‌abundante‌  ‌cria‌  ‌as‌‌ 
pré-condições‌  ‌para‌  ‌um‌  ‌forte‌  ‌sistema‌  ‌imunológico‌  ‌do‌  ‌solo‌  ‌que‌  ‌influencia‌‌ 
grandemente,‌f‌ ortifica‌a‌ ‌s‌ aúde‌e‌ ‌o ‌ ‌v‌ igor‌d
‌ as‌p
‌ lantas.‌  ‌

XIX‌  ‌- ‌ ‌‘Pestes’‌  ‌e ‌ ‌doenças,‌  ‌bem‌  ‌como‌  ‌os‌  ‌predadores,‌  ‌são‌  ‌integrantes‌  ‌do,‌‌
  digamos,‌‌ 
‘departamento‌  ‌de‌  ‌otimização‌  ‌dos‌  ‌processos‌  ‌de‌  ‌vida’.‌  ‌O ‌ ‌critério‌  ‌que‌  ‌usam‌  ‌para‌‌ 
intervir‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌otimização‌  ‌dos‌  ‌processos‌  ‌de‌  ‌vida‌  ‌realizada‌  ‌pelo‌  ‌objeto‌  ‌(potencial‌‌ 
presa)‌  ‌confiado‌  ‌aos‌  ‌cuidados‌  ‌deles‌  ‌(os‌  ‌predadores)‌  ‌por‌  ‌parte‌‌   do‌‌
  ecossistema‌‌   no‌‌ 
qual‌a‌ quela‌p ‌ resa‌i‌nterage.‌  ‌

X‌‌
  - ‌‌O ‌‌apetite‌‌ e ‌‌a ‌‌fome‌‌ são‌‌ meios,‌‌ usados‌‌ por‌‌ todos‌‌ os‌‌ seres‌‌ vivos‌‌ para‌‌ transformar‌‌ 
(também)‌  ‌aquele‌  ‌ato‌  ‌na‌  ‌realização‌  ‌de‌  ‌suas‌  ‌tarefas‌  ‌e ‌ ‌cumprimento‌  ‌de‌  ‌suas‌‌ 
funções,‌  ‌ligado‌  ‌– ‌ ‌direta‌  ‌ou‌  ‌indiretamente‌  ‌– ‌ ‌ao‌  ‌ato‌  ‌de‌  ‌comer‌  ‌– ‌ ‌ingerir‌  ‌– ‌ ‌ou‌‌ 
absorver‌s‌ ua‌‘‌comida’,‌p ‌ ara‌e‌ les‌u
‌ m‌e‌ vento‌a‌ paziguante‌e‌ ‌a‌ trativo.‌  ‌

XI‌  ‌- ‌ ‌Cada‌  ‌indivíduo,‌  ‌de‌‌


  cada‌‌   geração‌‌  de‌‌   todas‌‌
  as‌‌
  espécies‌‌
  aparece‌‌   equipado‌‌  para‌‌ 
realizar‌‌   sua(s)‌‌  tarefa(s)e‌‌  cumprir‌‌   sua(s)‌‌  função(ões)‌‌   movidos‌‌
  pelo‌‌ prazer‌‌ interno‌‌ e ‌‌
também‌‌   equipado‌‌   para‌‌
  se‌‌ comunicar‌‌ com‌‌ todos‌‌ os‌‌ outros‌‌ membros‌‌ constituintes,‌‌ 
‘células’‌d ‌ o‌m‌ acroorganismo‌‘‌ VIDA’‌d ‌ o‌q‌ ual‌f‌ az‌p
‌ arte.‌  ‌

XII‌‌
  - ‌‌As‌‌ relações‌‌ inter‌‌ e ‌‌intraespecíficas‌‌ - ‌‌com‌‌ a ‌‌exceção‌‌ do‌‌ ser‌‌ humano‌‌ moderno‌‌ e ‌‌
da‌  ‌maioria‌  ‌dos‌  ‌animais‌  ‌por‌  ‌ele‌  ‌domesticados‌  ‌e ‌ ‌deformados‌  ‌– ‌ ‌são‌  ‌baseadas‌  ‌nos‌‌ 
princípios‌d ‌ o‌a‌ mor‌i‌ncondicional‌e‌ ‌d ‌ a‌c‌ ooperação.‌  ‌

XIII‌‌
  - ‌‌Todas‌‌  as‌‌
  espécies‌‌
  - ‌‌com‌‌   a ‌‌exceção‌‌   do‌‌ ser‌‌ humano‌‌ moderno‌‌ e ‌‌da‌‌ maioria‌‌ dos‌‌ 
animais‌  ‌domesticados‌  ‌por‌  ‌ele‌  ‌adotados‌  ‌– ‌ ‌agem‌  ‌baseadas‌  ‌nos‌  ‌princípios‌  ‌do‌‌ 
“Imperativo‌  ‌Categórico”,‌  ‌formulado‌  ‌por‌  ‌Immanuel‌  ‌Kant‌  ‌(1724-1804)‌‌   que‌‌
  diz:‌‌   ‘Aja‌‌ 
de‌  ‌modo‌‌   que‌‌  você‌‌
  gostaria‌‌   que‌‌   os‌‌
  princípios‌‌   submetidos‌‌   a ‌‌suas‌‌
  interações‌‌   sejam‌‌ 
elevados‌‌   imediatamente‌‌   a ‌‌princípios‌‌   de‌‌
  leis‌‌
  universais’.‌‌
  (Ou‌‌   seja,‌‌
  aplicados‌‌   a ‌‌você‌‌ 
mesmo).‌  ‌

XIV‌  ‌- ‌ ‌‘As‌  ‌leis‌  ‌que‌  ‌regem‌  ‌o ‌ ‌macroorganismo,‌  ‌do‌  ‌qual‌  ‌você‌  ‌faz‌  ‌parte,‌  ‌são‌  ‌dadas’‌‌ 
(pré-estabelecidas).‌  ‌‘Nem‌  ‌a ‌ ‌nós,‌  ‌Deuses‌  ‌do‌  ‌Olimpo,‌  ‌nos‌  ‌é ‌ ‌incumbido‌  ‌fazer‌  ‌ou‌‌ 
modificar‌  ‌essas‌  ‌leis”.‌  ‌(Esopos‌  ‌700‌  ‌a.C,‌  ‌em‌‌
  Cronos‌‌   falando‌‌  ao‌‌  homem‌‌   em‌‌   uma‌‌   de‌‌ 
suas‌p ‌ arábolas).‌  ‌

6
XV‌‌ - ‌‌A ‌‌interferência‌‌ desarmônica‌‌ de‌‌ alguma‌‌ das‌‌ entidades‌‌ que‌‌ juntas‌‌ constituem‌‌ o ‌‌
macroorganismo‌  ‌induz‌  ‌a ‌ ‌modificações‌‌   neste‌‌
  último‌‌  que,‌‌
  por‌‌
  sua‌‌
  vez,‌‌
  terão‌‌
  como‌‌ 
resultado‌  ‌que‌  ‌a ‌ ‌presença‌  ‌do‌  ‌emissor‌  ‌daquelas‌  ‌interferências‌  ‌desarmônicas‌  ‌se‌‌ 
tornará‌i‌noportuna.”‌  ‌

Ernst‌G
‌ ötsch‌  ‌

 ‌

7
Autor‌:‌E‌ rnst‌G
‌ ötsch‌‌   ‌

Data‌:‌2
‌ 7-03-2018‌  ‌

 ‌

 ‌

Design‌‌para‌‌o‌‌mediterrânero‌-‌  ‌‌
enriquecimento‌‌de‌‌um‌‌olival‌  ‌
 ‌

 ‌

Trabalho‌‌realizado‌‌no‌‌workshop‌‌de‌‌Agricultura‌‌Sintrópica‌‌na‌‌Herdade‌‌do‌‌ 
Freixo‌‌do‌‌Meio,‌‌na‌‌região‌‌do‌‌Alentejo,‌‌em‌‌Portugal,‌‌em‌‌março‌‌de‌‌2018.‌ 

 ‌

 ‌

 ‌

8
Modelo‌1 ‌ :‌  ‌
 ‌
Exemplificação‌  ‌para‌  ‌a ‌ ‌transformação‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌olival‌  ‌de‌  ‌aproximadamente‌  ‌50‌  ‌anos‌‌ 
de‌  ‌idade‌  ‌para‌  ‌um‌  ‌sistema‌  ‌complexo,‌  ‌multiestrato,‌  ‌que‌  ‌se‌  ‌assemelhará‌  ‌ao‌‌ 
ecossistema‌  ‌natural‌  ‌e ‌ ‌original‌  ‌do‌  ‌local‌  ‌tanto‌  ‌em‌  ‌sua‌  ‌dinâmica,‌  ‌quanto‌  ‌em‌  ‌seu‌‌ 
funcionamento‌e‌ ‌e‌ stratificação.‌  ‌
 ‌
Uso‌a‌ tual:‌  ‌

 ‌

9
Vista‌  ‌superior‌  ‌do‌‌
  sistema‌‌
  em‌‌
  seu‌‌
  estado‌‌
  atual,‌‌
  considerando‌‌
  o ‌‌atual‌‌
  diâmetro‌‌
  da‌‌ 
copa:‌

 ‌

Passos‌p
‌ ara‌o
‌ ‌e
‌ nriquecimento‌d
‌ o‌s‌ istema‌  ‌

1‌-‌ ‌n
‌ a‌fi
‌ la‌d
‌ as‌o
‌ liveiras‌e‌ xistentes:‌  ‌

a)‌m
‌ odelo‌i‌lustrativo‌-‌ ‌e‌ stado‌a‌ tual‌  ‌

 ‌

 ‌

 ‌

 ‌

10
a')‌  ‌modelo‌  ‌esquemático‌  ‌- ‌ ‌estado‌  ‌atual:‌

 ‌

b)‌  ‌modelo‌  ‌ilustrativo‌  ‌- ‌ ‌intervenção‌  ‌passo‌  ‌1:‌  ‌enriquecimento‌  ‌de‌  ‌mais‌  ‌1 ‌ ‌estrato‌‌ 
agregando,‌  ‌a ‌ ‌cada‌  ‌intervalo‌  ‌de‌  ‌oliveiras,‌  ‌3 ‌ ‌pessegueiros‌  ‌ou‌  ‌pistaches.‌

 ‌

c)‌‌
  Modelo‌‌
  ilustrativo‌‌  - ‌‌intervenção‌‌
  passo‌‌
  2:‌‌
  agregando‌‌
  mais‌‌
  um‌‌
  estrato‌‌ composto‌‌ 
por‌n‌ ogueira‌e‌ ‌c‌ houpo.‌  ‌

 ‌

11
Trabalho‌r‌ ealizado‌d
‌ urante‌o
‌ ‌w
‌ orkshop‌  ‌

A‌  ‌fila‌  ‌das‌  ‌árvores‌  ‌foi‌  ‌transformada‌‌


  em‌‌
  um‌‌   canteiro‌‌  contínuo‌‌  em‌‌
  que‌‌
  agora‌‌
  estão‌‌ 
plantadas‌  ‌verduras,‌  ‌aromáticas,‌  ‌flores‌  ‌e ‌ ‌figo‌  ‌da‌  ‌índia,‌  ‌de‌  ‌modo‌  ‌adensado‌  ‌e ‌‌
considerando‌e‌ spaço,‌e‌ strato‌e‌ ‌t‌ empo‌d ‌ e‌v‌ ida‌d‌ e‌c‌ ada‌u‌ m‌d
‌ esses‌i‌ntegrantes.‌  ‌

Considerando‌  ‌os‌  ‌recursos‌  ‌(ainda‌  ‌escassos‌  ‌no‌  ‌momento‌  ‌da‌  ‌implantação),‌‌ 


decidimos‌  ‌por‌  ‌fazer‌  ‌os‌  ‌canteiros‌  ‌estreitos‌  ‌(aproximadamente‌  ‌40cm‌  ‌de‌  ‌largura)‌‌ 
proporcionais‌‌   em‌‌ sua‌‌ largura‌‌ à ‌‌quantidade‌‌ de‌‌ matéria‌‌ orgânica‌‌ que‌‌ tivemos‌‌ - ‌‌visto‌‌ 
a‌‌
  capacidade‌‌ produtiva‌‌ da‌‌ vegetação‌‌ rasteira‌‌ existente‌‌ atualmente‌‌ neste‌‌ olival.‌‌ Na‌ 
medida‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌tivermos‌  ‌trocado‌  ‌esta‌  ‌vegetação‌  ‌rasteira‌  ‌por‌  ‌uma‌  ‌outra‌  ‌mais‌‌ 
funcional‌  ‌para‌  ‌o ‌ ‌sistema,‌  ‌composta‌  ‌por‌  ‌gramíneas‌  ‌mais‌  ‌produtivas‌  ‌e ‌ ‌herbáceas‌‌ 
conhecidas‌  ‌por‌  ‌seu‌  ‌sistema‌  ‌radical‌  ‌bastante‌  ‌eficiente‌  ‌(como‌  ‌por‌  ‌exemplo‌‌ 
Verbascum,‌f‌ uncho,‌c‌ ardos,‌c‌ enoura‌b ‌ rava,‌e‌ tc)‌n
‌ ossos‌r‌ ecursos‌a‌ umentarão.‌  ‌

Mais‌‌  tarde,‌‌   com‌‌


  todas‌‌  as‌‌
  árvores‌‌  agregadas‌‌   - ‌‌sobretudo‌‌  aquelas‌‌
  plantadas‌‌   com‌‌   o ‌‌
intuito‌‌  de‌‌   produzir‌‌  matéria‌‌   orgânica,‌‌ tais‌‌ como‌‌ choupo,‌‌ sabugueiro,‌‌ Quercus,‌‌ etc‌‌ - ‌
poderemos‌  ‌aumentar‌  ‌a ‌ ‌largura‌  ‌daqueles‌  ‌canteiros‌  ‌e ‌ ‌usá-los‌  ‌para‌  ‌o ‌ ‌cultivo‌  ‌de‌‌ 
anuais‌  ‌de‌  ‌inverno‌  ‌e ‌ ‌da‌  ‌primavera,‌  ‌sem‌  ‌a ‌ ‌necessidade‌  ‌de‌  ‌capinar,‌  ‌afofar‌  ‌o ‌ ‌solo,‌‌ 
irrigar,‌e‌ ‌t‌ ambém‌s‌ em‌p ‌ recisar‌d ‌ o‌a‌ porte‌d
‌ e‌f‌ ertilizantes‌(‌ adubos)‌e‌ xternos.‌  ‌

2‌-‌ ‌C
‌ anteiros‌d
‌ o‌m
‌ eio:‌  ‌

(idênticos‌  ‌com‌  ‌relação‌  ‌à ‌ ‌posição‌  ‌entre‌  ‌as‌  ‌oliveiras,‌  ‌com‌  ‌os‌  ‌canteiros‌  ‌para‌  ‌as‌‌ 
hortaliças‌d‌ o‌“‌ modelo‌b‌ ”)‌ 

Espécies‌u
‌ sadas‌a‌ lém‌d
‌ as‌v‌ erduras:‌‌   ‌

a)‌  ‌Fruteiras‌  ‌ou‌  ‌noz‌  ‌arbórea,‌  ‌cítricos‌  ‌(limão,‌  ‌tangerina,‌  ‌laranja)‌  ‌ou‌  ‌pêssego‌  ‌ou‌‌ 
pistache.‌  ‌

Espaçamento:‌a‌ ‌c‌ ada‌3


‌ ‌m
‌ etros‌1
‌ ‌á‌ rvore‌(‌ estrato‌b
‌ aixo‌m
‌ édio)‌  ‌

12
b)‌  ‌Vines‌  ‌together‌  ‌with‌  ‌their‌‌
  future‌‌
  living‌‌
  tutors‌‌
  – ‌‌fig,‌‌
  Morus‌‌
  nigra,‌‌
  Schinus‌‌
  molle,‌‌ 
weeping‌w ‌ illow.‌  ‌

Plante‌  ‌juntas‌  ‌todas‌  ‌as‌  ‌5 ‌ ‌espécies‌  ‌em‌  ‌uma‌  ‌área‌  ‌linear‌  ‌de‌  ‌30‌  ‌cm‌  ‌(vide‌  ‌figura).‌‌ 
Planta-se‌u ‌ ma‌v‌ ideira‌e‌ m‌a‌ mbos‌o ‌ s‌l‌ados‌d ‌ o‌p
‌ lantio‌d ‌ os‌t‌ utores.‌  ‌

Em‌  ‌todos‌  ‌os‌  ‌canteiros,‌  ‌idênticos‌  ‌àqueles‌  ‌feitos‌  ‌nas‌  ‌filas‌  ‌das‌  ‌oliveiras,‌  ‌ocupar‌‌ 
plenamente‌c‌ om‌v‌ erduras,‌a‌ romáticas,‌fi ‌ go‌d
‌ a‌í‌ndia‌e‌ ‌fl
‌ ores.‌  ‌
 ‌
c)‌O
‌ rganização‌d ‌ os‌c‌ anteiros‌c‌ om‌a‌ s‌v‌ ideiras‌e‌ ‌e‌ spaçamento:‌  ‌
spacing:‌f‌ ruit‌t‌ rees‌w‌ ith‌p‌ istachio/vines‌a‌ long‌w ‌ ith‌t‌ rees‌f‌ or‌t‌ heir‌t‌ utorial‌s‌ tructure‌  ‌
 ‌
Complete‌b ‌ ed‌c‌ omposition:‌(‌ trees,‌v‌ ines‌a‌ nd‌v‌ egetables)‌  ‌

 ‌

 ‌

 ‌

13
d)‌d
‌ esenho‌d
‌ os‌m
‌ esmos‌c‌ anteiros‌c‌ om‌a‌ s‌á‌ rvores‌e‌ ‌a‌ s‌v‌ ideiras‌a‌ dultas:‌ 

 ‌

O‌‌
  sistema‌‌   é ‌‌composto,‌‌  em‌‌
  sua‌‌ maioria,‌‌ por‌‌ espécies‌‌ caducifólias‌‌ a ‌‌serem‌‌ podadas‌‌ 
(todas‌  ‌elas)‌  ‌anualmente‌  ‌no‌  ‌inverno.‌  ‌Com‌  ‌isso‌  ‌adquirimos‌  ‌matéria‌  ‌orgânica‌‌ 
abundante‌  ‌para‌  ‌poder‌  ‌criar‌  ‌canteiros‌  ‌largos,‌  ‌com‌  ‌uma‌  ‌rica‌  ‌camada‌  ‌de‌  ‌material‌‌ 
ramial.‌  ‌E,‌  ‌adicionalmente,‌  ‌com‌  ‌luz‌  ‌suficiente‌  ‌e ‌ ‌proteção‌  ‌de‌  ‌geadas‌  ‌para‌  ‌poder‌‌ 
cultivar‌‌
  um‌‌   amplo‌‌
  conjunto‌‌  de‌‌
  verduras‌‌  – ‌‌como,‌‌   por‌‌
  exemplo,‌‌   tomate,‌‌
  pimentão,‌‌ 
repolho‌e‌ tc,‌s‌ em‌n ‌ ecessidade‌d ‌ e‌a‌ porte‌d‌ e‌f‌ ertilizantes‌e‌ ‌s‌ em‌i‌rrigação.‌  ‌

3‌  ‌- ‌ ‌Secção‌  ‌transversal‌  ‌da‌  ‌mesma‌  ‌plantação‌  ‌(atual‌  ‌olival)‌‌


  em‌‌
  8 ‌‌ou‌‌
  10‌‌
  anos,‌‌
  com‌‌ 
árvores‌e ‌ ‌a‌ s‌v‌ ideiras‌a‌ gregadas‌a‌ dultas.‌  ‌

 ‌

14
 ‌

____________________________________________________‌  ‌

 ‌

Em‌n
‌ ome‌d
‌ o‌L‌ ife‌i‌n‌S‌ yntropy...‌  ‌

 ‌

 ‌

…‌‌
  we‌‌  want‌‌
  to‌‌
  express‌‌  our‌‌  deepest‌‌   gratitute‌‌ to‌‌ Herdade‌‌ do‌‌ Freixo‌‌ do‌‌ Meio,‌‌ represented‌‌ by‌‌ 
the‌  ‌competent‌  ‌farmer‌  ‌Alfredo‌  ‌Sandim‌  ‌and‌  ‌to‌  ‌Silvio‌  ‌Gouveia,‌  ‌who‌  ‌made‌  ‌our‌  ‌trip‌  ‌to‌‌ 
Portugal‌  ‌possible.‌  ‌We‌  ‌also‌  ‌want‌  ‌to‌  ‌thank‌  ‌all‌  ‌the‌  ‌amazing-hard-working‌‌   participants.‌‌
  Not‌‌ 
one‌r‌ an‌a‌ way‌ f‌ rom‌t‌ he‌r‌ ain‌a‌ nd‌t‌ he‌c‌ old,‌‌🙂 ‌ ‌

15
 ‌

 ‌

16
 ‌

 ‌

 ‌

AVISO‌  ‌

Todos‌o ‌ s‌d
‌ esenhos‌d ‌ e‌E‌ rnst‌G
‌ ötsch‌s‌ ão‌e ‌ specíficos‌p ‌ ara‌o ‌ ‌l‌ugar‌o‌ nde‌a‌ contece‌a‌  ‌‌
intervenção.‌A ‌ ‌A
‌ gricultura‌S‌ intrópica‌n ‌ ão‌s‌ egue‌n ‌ em‌p ‌ ropõem‌r‌ eceitas.‌É‌ ‌a‌ ‌p ‌ artir‌‌ 
de‌u‌ m‌c‌ onjunto‌d ‌ e‌c‌ ritérios‌é ‌ ticos‌e ‌ ‌a‌ valiativos‌q ‌ ue‌a‌ ‌A
‌ gricultura‌S‌ intrópica‌‌ 
instrumentaliza‌o ‌ ‌a‌ gricultor‌p ‌ ara‌p ‌ lanejar‌e ‌ ‌m
‌ anejar‌s‌ eu‌s‌ istema‌d ‌ e‌a‌ cordo‌à‌ s‌‌ 
suas‌c‌ ondições.‌H ‌ istórico‌d ‌ a‌á‌ rea,‌c‌ lima,‌s‌ olo,‌a‌ ltitude,‌p ‌ luviosidade,‌e ‌ xposição‌‌ 
solar,‌d‌ eclividade,‌a‌ cesso‌a‌ ‌i‌mplementos‌e ‌ ‌a‌ dubação‌(‌ entre‌o ‌ utros‌f‌ atores)‌‌ 
determinam‌a‌ s‌e ‌ spécies‌e ‌ ‌o‌ ‌e
‌ spaçamento‌u ‌ tilizado.‌P ‌ ortanto,‌o ‌ s‌m
‌ odelos‌‌ 
apresentados‌p ‌ or‌E‌ rnst‌G ‌ ötsch‌s‌ ão‌d ‌ emonstrativos,‌e ‌ ‌n
‌ ão‌d‌ evem‌s‌ er‌‌ 
indiscriminadamente‌c‌ opiados‌s‌ ob‌o ‌ ‌n
‌ ome‌d ‌ e‌A‌ gricultura‌S‌ intrópica.‌  ‌
 ‌

 ‌

 ‌

 ‌

17
Autor : Ernst Götsch

Data: 24-04-2018

Diferenças entre agricultura


sintrópica e orgânica

Uma pergunta que comumente nos fazem é “qual a diferença entre agricultura
sintrópica e agricultura orgânica?”. Já produzimos alguns materiais que abordam
o tema - e que, inclusive, procuram posicionar a agricultura sintrópica também
diante das outras nomenclaturas que compõem o universo das agriculturas
sustentáveis e regenera vas – mas resolvemos pedir para o próprio Ernst Götsch
dar a sua resposta, e é isso o que você confere agora!

18
Agricultura Orgânica e Sintrópica são duas irmãs, par ndo da mesma ideia, porém,
a abordagem para a solução dos problemas que encontram nos seus trajetos as
levou para diferentes esferas. A Agricultura Orgânica visa subs tuir a adubação
química (usual na agricultura convencional) por uma adubação primordialmente
orgânica (compostos feitos de restos orgânicos, adubação verde, esterco, caldos
etc.). Na Agricultura Sintrópica trabalha-se o desenho dos arranjos com diferentes
espécies, passando pela implantação e, depois, con nuando em cada passo na
condução das nossas plantações de modo que elas produzam o seu próprio adubo.
Para essa finalidade, planta-se numa alta densidade árvores, gramíneas e ervas
que têm em comum a caracterís ca de fácil e vigoroso rebrote após poda. E
maneja-as de acordo. O efeito daquela poda, periodicamente feita, resulta - além
da condução da oferta de luz para as nossas culturas - em matéria orgânica em
grandes quan dades que, colocada sobre o solo, cria vida próspera nele e,
indiretamente, adubo para as nossas plantas.

19
Um bene cio adicional, do tamanho dos primeiros dois - luz e adubo - se não
maior, é o efeito do rejuvenescimento do sistema todo que acontece após a poda:
informação de novo crescimento, vigor e saúde para o sistema inteiro, induzido
pelo rebrote dos nossos aliados.

Isto nos leva para a próxima diferença entre a Agricultura Orgânica e a nossa
Sintrópica: na agricultura orgânica é previsto um controle fitossanitário, ou seja, o
combate às doenças e pragas. Para isto há normas que definem o que é permi do
e o que não é permi do, e disponibilizam para o uso todo um arsenal de
preparados, caldos, misturas de minerais para fortalecer as plantas, ou para matar
ou afastar pragas e doenças, armadilhas para captar insetos não queridos, criação
e depois liberação dirigida de predadores etc. etc. No fundo, são ferramentas
desenvolvidas e usadas como consequência da divisão, da separação entre o bem
e o mal.

No nosso caso, na Agricultura Sintrópica, trabalha-se para obter vigor e saúde


próspera do sistema todo, e tratam-se aquelas consideradas pragas ou causadores

20
de doenças como indicadores de pontos fracos nas nossas plantações, causados
por erros come dos por nós mesmos. Erros come dos no desenho ou na
condução dos nossos agroecossistemas e, olhando assim para eles, são aliados
indiretos, integrantes do sistema imunológica do macro-organismo vida do planeta
Terra (do qual não escapamos de ser parte).

Olhando por essa perspec va, não existe bem e mal. Existe, sim, função. Aqueles
colegas, considerados pragas, podem indiretamente nos dar pistas de como
interagir de forma mais orgânica no sen do do macro-organismo, para que não
haja a necessidade de uma diligência de urgência pela parte dos bombeiros do
sistema. Por isso, mais uma vez, são aliados, integrantes do sistema imunológico,
igualmente aos glóbulos brancos no nosso corpo que entram em ação e se
proliferam quando os processos de vida nele (do macro-organismo) saem da dada
matriz.

Ou, escute o que Êsopos (700 a.C.) disse, ou o que ele deixou Cronos falar para o
homem que, segundo ele, nha criado os seres neste planeta, e assim também o
homem. “Homem, te ponho neste lugar, seja ele o seu paraíso! Viva bem! ocupe-o
e mul plique-se! Seja cria vo! Podes fazer o que quiseres. Te encante! Tem uma

21
condição só, um limite: as leis em que o macro-organismo, cujo parte tu és, gira,
funciona, dadas são (pré-estabelecidas). Nem a nós, deuses do Olimpo, cabe fazer
as nossas próprias leis!“. O homem viveu feliz. Um dia, no entanto, ele começou a
pensar “e se nós fizéssemos as nossas próprias leis? Mais poderosos que os deuses
do Olimpo ficaríamos.” E, fazendo isto, (as suas próprias leis), eles entraram em
conflito com aqueles deuses (do Olimpo) e começaram a fazer guerra contra eles.

Observando isto, Cronos começou a coçar os cabelos na sua cabeça, pensando: “o


que vou fazer com esta minha cria? Vou matá-los!” - decidiu, e desceu com o seu
machado no seu ombro do Olimpo. Quando, no entanto, chegou nos homens,
vendo eles, mudou de ideia: “Homem” - exclamou ele - “como cas go para a sua
desobediência vou rachar-lhes”. Pegou o seu machado e o fez. “E isto” - disse ele –
“tem como consequência que tentarão se reencontrar com a sua segunda metade
a sua vida inteira, e não a encontrarão. E mortal será isto para a sua espécie”.

E com isto dadas são as leis de Êsopos, e o fato de ter aceitado isto, e o agir de
acordo, chega-se a fechar o círculo, e nós voltaremos para o início da minha
resposta para sua pergunta: a abordagem para a solução dos problemas que
encontramos acabou por levar a agricultura sintrópica e orgânica para esferas
diferentes.

22
Perenes
Parte I

Ernst Götsch

1st Edição

Copyright © 2019 Ernst Götsch

23
Perenes

ÍNDICE

Prefácio ......................................................................................................................... iii


Parte I ............................................................................................................................. 4
Perenes no contexto histórico e cultural da região onde cresci: ................................. 5
Fatos ........................................................................................................................... 7
Perenes na dieta cotidiana de uma família de pequeno produtor no nordeste da
Suíça, no fim dos anos 40 e início dos anos 50 do século passado .......................... 23
As rainhas destronadas ............................................................................................. 33
Epílogo ..................................................................................................................... 36

Próximas publicações:

Parte II

- A importância das plantas perenes no design de agroecossistemas esquecidos.


- Consórcios anuais complexos e estratificados, desenvolvidos e utilizados por
nossos ancestrais em seus sofisticados sistemas de rotação de culturas.
- A integração de plantas anuais em sistemas com plantas perenes.
- Pera, freixo e choupo, salgueiro, etc. + grãos de inverno ou batatas.
- Como transformar o cultivo de batatas em uma operação perene, alcançando
alta produtividade sem o uso de fertilizantes e sem a necessidade de controlar pragas e
doenças.

Parte III

- Passos para a reintegração das plantas perenes em nossa agricultura moderna


mecanizada.
- Necessidade urgente de projeto e construção de máquinas e implementos que
possam se encaixar em nosso objetivo.
- Otimização de nossas operações usando efeitos benéficos, alcançados por um
emprego inteligente de micorrizas.

Parte IV
- Perspectivas para um - possível - futuro.
- Agricultura da paz (Peace-farming).
- Homem redesenhado para a natureza.
- Volta ao Paraíso.

Índice ii

24
Perenes

Prefácio

A ideia para a reflexão que segue ocorreu a partir de um pequeno


pedido feito a mim por um amigo, Felipe Pasini, sobre plantas
perenes em nossa dieta.

À primeira vista, uma questão de menor importância. Mas essa


impressão mudou quando comecei a examiná-la mais de perto, revisando
o impacto ecológico, social e econômico direto e indireto causado pelo
que as pessoas comem e comiam em diferentes épocas. Ao pensar sobre o
que comemos hoje em dia e comparando com o que era comum para mim,
como indivíduo, há 70 anos, na minha infância, ponderando sobre o que
era consumido na nossa família de pequeno agricultor, morando no
nordeste da Suíça, fiquei espantado e cheguei à conclusão de que nossa
mudança de hábitos em termos de alimentação, desde meados do século
passado, primeiro nas economias industrializadas do norte e depois
mundialmente, se transformou em algo mais do que apenas um pequeno
detalhe.
Nossa mudança de uma dieta fortemente baseada em plantas
perenes, direta e indiretamente, para nossa atual alimentação moderna,
que conta com, e depende predominantemente de 4 cultivos anuais (trigo,
arroz, milho, soja), olhando para isso sob muitos aspectos, talvez deveria
se tornar, - poderia se tornar - assunto para uma ponderada consideração.
Poderia? ou deveria? - De acordo com o nosso desejo em termos
de qualidade de vida -. Esta última (qualidade de vida), ainda mais,
considerando que a mudança de hábitos em relação à nossa dieta está
sendo fortemente submetida à dinâmica de fidelidade da essência de um
antigo provérbio romano que diz: “Tu és o que tu comes!”
Naquele momento, o que parecia ser um detalhe menor tornou-se
dominante e tomou a frente. O [inicialmente] transformador [homem], no
final tornou-se, - virou - o transformado.

Prefácio iii

25
PARTE I

26
Perenes

PERENES NO CONTEXTO HISTÓRICO E


CULTURAL DA REGIÃO ONDE CRESCI:

U ma vez, há não mais do que dois séculos e meio, a agricultura de


nossos ancestrais estava ancorada em perenes e era dominada por
perenes. Todos os seus agro-eco-sistemas eram movidos pelas
dinâmicas que eles alcançavam com a poda anual de seus sistemas de
múltiplos andares complexos e inteligentemente organizados. Perenes
também eram a principal fonte de alimentos.
Mesmo para nós, descendentes indiretos daqueles antigos, quase
duzentos anos depois, até a primeira década da minha vida, as perenes
compunham a maior parte de nossos cardápios do dia-a-dia.
Ainda no início dos anos 50 do século passado, restavam sobras,
embora poucas, mas, como mostrarei neste artigo, remanescentes
decisivos do fundamento para uma enorme riqueza, que nossos antigos
construíram durante centenas de anos. Tudo indica que aqueles eram um
tanto diferentes do conceito que nos é ensinado em nossas lições da
história, classificando-os como materialmente pobres e simplórios:

- Eles viveram uma vida modesta, mas decente;


- Não precisavam de ajuda para criar e educar seus filhos;
- Criaram economias infinitivas em termos de plantações complexas e
perenes que perduraram por séculos;
- Eles construíram uma infraestrutura sólida, extremamente bem-sucedida
e um forte fundamento cultural.

E, além disso, passaram grande parte de todo esse tesouro,


solidificado, na forma de um impressionante patrimônio material e
cultural para as gerações futuras;

- Eles tinham o espírito e o conhecimento para plantar pomares, que dois


ou três séculos depois ainda estavam produzindo enormes quantidades dos
frutos dos mais diversificados e de melhor qualidade;
- E eles também tinham tempo livre, artesanato e as condições materiais
para projetar e construir casas e celeiros, que duravam séculos. Os
melhores domicílios feitos do melhor material.

Parte I 5

27
Perenes

(Eu cresci em uma dessas casas). E - pensando que a pequena área


de meus pais (de aproximadamente 4 hectares) era a mesma e do mesmo
tamanho de 250 anos antes, quando a casa fora construída e paga com o
'lucro’ obtido com a ‘operação agricultura’ nesses 4 hectares por alguns de
nossos antepassados, talvez devêssemos tentar "mudar os óculos",
enquanto olhamos para aquelas pessoas e aquela época. Isto poderia
resultar que nós perceberíamos o mundo deles um pouco mais baseado em
fatos, ao invés de crenças, (o que por si poderia se tornar um assunto de
estudo interessante).

Parte I 6

28
Perenes

FATOS

M uitos remanescentes do design original para a paisagem agrícola


criada por esses ancestrais ainda estavam presentes na época em
que cresci em meados do século passado. Por si mesmos eles
contavam uma história, sua história:

- Mais da metade das áreas cultivadas foram organizadas em


faixas estreitas. E essas listras (de acordo com o homem mais velho de
nossa comunidade), "todas aquelas, antigamente, eram subdivididas por
cercas vivas (até o final da Primeira Guerra Mundial), e em partes
montanhosas em terraços - mesmo em pontos levemente inclinados".
- Na verdade, ainda havia terraços em algumas poucas partes.
Tinham uma largura de 20 a 30 metros e, em alguns pontos, uma fileira de
velhas árvores frutíferas no meio (pereira, macieira ou cerejeira), a cada
10 a 15 metros. *

* Relato de alguns idosos se referindo àquelas árvores antigas: “Aquelas


foram plantados no 'Landknechtszeit'**

** Antes da Revolução Francesa, numa época em que os nossos


antepassados eram chamados de "amarrados" à sua terra,
"Landknechte".

- Em alguns intervalos ainda existiam algumas cercas vivas


sobreviventes entre os terraços. Notável era a diversidade de
espécies plantadas e o número de variedades dessas últimas. E um
aspecto adicional muito interessante delas era que, apesar de sua
diversidade em termos de espécies empregadas e arranjo destas
entre si, peculiares para cada situação, todos elas tinham em
comum uma funcionalidade acentuada: Eco-fisiológica, e também
em relação ao seu potencial econômico. Todas elas seguiam um
padrão claro e extremamente funcional. Isso se torna
compreensível, quando tentamos olhar para o assunto,
considerando os recursos que aqueles ancestrais tinham, e também
o contexto político e social em que viviam:

- As áreas disponíveis para eles, de terra potencialmente cultivável,


eram pequenas e limitadas.

Parte I 7

29
Perenes

- Eles estavam "amarrados" à "sua" terra e

- O maior e quase único, [mas sem igual!] “input” externo que eles
tinham, para produzir em suas terras o que precisavam, era o seu
conhecimento. E esse último, habilidade profissional - tudo indica
- eles tinham.

(E eles se importavam com esse conhecimento, sabiam aplicá-lo,


sempre orgulhosamente aperfeiçoando e aumentando-o, criativamente, e -
movidos pelo seu prazer interno - realizando seus trabalhos diários). E,
adicionalmente, eles conseguiram potencializar os diferentes fatores
contribuintes pela:

a) Escolha de consórcios de espécies a serem plantadas, que melhor


se combinariam -, respectivamente, poderiam se encaixar nas
condições naturais de cada localidade.
b) Tudo indica, que eles incluíam em seus cálculos de escolha, em
termos de espécies a serem plantadas, também os potenciais que
eles ganhariam, como efeitos colaterais positivos de sua [por eles
prevista] gestão do sistema.
c) Eles nunca teriam esquecido de considerar e otimizar em seu
projeto para suas cercas vivas, para incluir também o potencial
econômico direto que cada espécie, ou consórcios de diferentes,
poderia trazer para eles. [Frutas comestíveis, nozes, forragem para
o gado etc.]

Para encaixar todos esses detalhes, em parte referidos acima,


como peças de um grande quebra-cabeças, juntas, e então todo o
complexo combinado, colocado em prática, por seu lado, pressupõe um
considerável grau de capital acumulado em termos de conhecimento,
habilidade profissional e experiência adquirida. “Know-how”, resultante
da grande e versátil prática pessoal e capacidade de observação, aliada a
boa parte da capacidade mental de traduzir a totalidade de todo aquele
tesouro elaborado por gerações, em sua prática cotidiana como agricultor,
de certa forma, criaria as pré-condições necessárias para obter, dia após
dia, ano após ano, geração após geração, tudo de que precisavam. Mas não
só isso, eles foram um pouco mais longe, no sentido de que:

Parte I 8

30
Perenes

- eles também conseguiram projetar e realizar sua operação de uma


maneira, para ser uma atividade alegre e compensatória, técnica e
economicamente.

E, aliás,

- eles conseguiram construir uma rede social harmoniosamente


funcional entre si, como uma comunidade de agricultores, bem
como conseguiram criar e manter boas relações de funcionamento
com o resto do seu ambiente humano. Eles não precisavam de
policiais para se protegerem de seus vizinhos, de prisões para
trancar seus membros difíceis de lidar, nem de "asilos" para
receber e "cuidar" de seus idosos e "não-normais".

- Sabiamente trataram os ecossistemas, nos quais viveram e


intervieram, com amor e estima interior.

[Este último aspecto de sua cultura teve sua expressão em muitos


de seus mais apreciados, sintonizados e harmoniosamente entoados e
queridos cantos, dirigindo-se com gratidão ao seu amado lar e mãe terra.
Peculiar cada um desses, especial e diferente para cada evento diário,
sazonal e anual. Cantavam solo, em dueto, em três ou quatro vozes,
conforme conteúdo e finalidade. Quase todos participavam, eram
membros de um ou mais de 'seu(s)' coro(s), começando nos primeiros da
escola, com a idade de seis a sete anos. Um grande evento era o momento,
entre os quatorze e os dezesseis anos de idade, quando seus adolescentes
podiam entrar em um coral de quatro a seis vozes!]

Além disso, o tempo para eles não era dinheiro. Olhando para
eles, para o que eles fizeram e o modo como o fizeram, chegaremos à
conclusão, que o tempo era considerado por eles como uma oportunidade,
para ser útil, aproveitável, para cumprir sua função. Ou, em outras
palavras, eles não faziam suas tarefas de forma alienada, tentando com
perícia alcançar as vantagens pessoais em primeiro lugar, como é comum
hoje em dia, e eles não faziam as coisas por dinheiro. E muito menos
ainda, eles poderiam ter imaginado considerar o dinheiro como um
equivalente à felicidade. Nosso slogan moderno "tempo é dinheiro" não
existia para eles. Apenas a hipótese de se adaptarem a algo assim como
diretriz para suas atividades cotidianas e para a vida, provavelmente teria
sido considerada por eles como um absurdo, um grave erro. Poderíamos
dizer como uma “sina”. Esse último termo, por sua vez, tinha para eles

Parte I 9

31
Perenes

uma forte conotação de “desligar-se do centro”. Eles agiam


atemporalmente, nas boas mãos do continuum, sobre-, e na estrada do
tempo.

*Sobre esta última questão, vamos ouvir dois dos nossos


antepassados que, por si mesmos, viveram em diferentes épocas e em
diferentes contextos culturais. Primeiro o mais antigo: “As coisas não
estão por fazer; elas estão sendo feitas”. (Lao Tse, 700 anos a.C.). ‘Sendo
feitas', movidas, motivadas para fazer as tarefas realizadas pelo prazer
interior. Presumido por ele, Lao Tse, que cada indivíduo de todas as
espécies ocorre equipado para realizar suas tarefas peculiares e cumprir
sua função, de modo que o ato realizar, sendo feito, acontecerá ‘movido
pelo prazer interior’. Ele, o indivíduo, faz isso com alegria, impulsionado
por seu motor interno. Aquele ‘sendo feito’, portanto, não é preguiça; está
‘cumprindo sua função’ com prazer e entusiasmo, realizando seu projeto
de vida! Ocorreu, digamos, - ocorrendo cada indivíduo - ocorrerá - para
fazê-lo. E equipado para fazer isso.

O conteúdo do provérbio do segundo autor que citarei está


indubitavelmente ligado à nossa questão, e pode nos ajudar a compreender
o princípio fundamental, sobre o qual eles (nossos antepassados)
procederam e a ideia em que o projeto de seus agro-eco-sistemas se
baseava: “E se eu soubesse, que morreria amanhã, hoje eu ainda plantaria
uma macieira.*” (Martinho Lutero, l483 - 1546 d.C.)

As árvores, naquela época, geralmente eram plantadas pelo uso do


método de 'plantio direto', colocando na terra no local escolhido várias
sementes de diferentes genótipos da mesma (escolhida) espécie, e aquelas
junto com sementes ou rizomas de outras espécies, que eles sabiam que
'protegeriam' aquelas por eles escolhidas. Isto, modestamente, é o que a
natureza desenvolveu e escolheu para, no curso de seus processos
evolutivos contínuos, executar da maneira mais eficiente a regeneração
indispensável a ser realizada periodicamente, de (quase) todo o seus eco-
sistemas. Esta estratégia posta em prática é algo como uma garantia, para
estabelecer (a custos extremamente baixos) as (nossas) previstas espécies
desejadas. E, tendo feito isso, e então uma vez estabelecidas nossas novas
plantas, isso nos dá o privilégio de receber como prêmio adicional, a
chance de escolher mais tarde os melhores genótipos adaptados às
condições dadas: Plantas vigorosas e saudáveis, com um forte sistema
radicular. Pré-condição, por seu lado, para atingir indivíduos
potencialmente produtivos e de vida longa.

Parte I 10

32
Perenes

Plantadas no campo diretamente de sementes, macieiras, pereiras,


ameixeiras, etc, levarão de cinco a vinte anos para colher seus primeiros
frutos. Tempo necessário, oportunidade para permitir que nossa jovem
planta crie seu fundamento necessário em termos de um forte sistema
radicular, condições favoráveis do solo em cooperação com inúmeros
membros dos micro e macro flora e fauna do solo, e para construir,
juntamente com centenas de milhares de espécies e miríades de indivíduos
de bactérias e fungos, uma eficiente rede de micorrizas para produzir
depois, durante séculos enormes quantidades de alimento sagrado.

Seguindo nossos padrões atualmente usuais e recomendados,


plantamos nossas macieiras e a maioria de nossas outras espécies
frutíferas enxertadas em mudas feitas de clones, clone sobre clone,
normalmente em monocultura. Depois nós as desbastamos, para produzir
o máximo possível de frutas a partir do segundo ano, depois ... nós as
removemos, arrancamos da terra, quando elas - depois de alguns anos
dolorosamente dando frutos de má qualidade - entram em colapso.

E isso de fato acontece (elas entram em colapso), apesar do fato


de que nós administramos, desde o início de nossa operação até que
entrem em colapso, o uso de todo o arsenal de truques técnicos
disponíveis para fazer-, para deixá-las crescer sem se incomodar com
concorrentes, e também apesar do fato de ter aplicado, de maneira
conscienciosa e tecnicamente correta, todas as previstas, e para esse fim
recomendadas, armas químicas e biológicas para eliminar quaisquer
pragas e doenças que pudessem as atacar.

Nós insistentemente estamos tentando maximizar nossa parte,


ignorando que somos apenas células de um grande macro-organismo,
chamado de "Planeta Terra", endobiontes dos ecossistemas nos quais
vivemos e interagimos. Estamos sujeitos às leis segundo as quais esse

Parte I 11

33
Perenes

macroorganismo, nosso universo, funciona. Nós as chamamos de "leis


naturais". Uma dessas leis da natureza diz que:

"A interferência desarmônica de alguma das entidades que juntas


constituem o macroorganismo induz a modificações neste último que, por
sua vez, terão como resultado que a presença do emissor daquelas
interferências desarmônicas se tornará inoportuna.” (15° princípio
descrito no ‘TAO para nossa compreensão da vida’, Ernst Götsch, 2019)

Atuando, no entanto, no caminho, como fizeram os nossos


antepassados, poderia ser descrito como uma estratégia adotada por eles
para otimizar todos os decisivos fatores contributivos:

- Seguir as estratégias desenvolvidas e testadas pela natureza


durante seus quase quatro bilhões de anos de existência, e
empregadas em todos os seus atos de regeneração.

- Incluir em seus projetos os efeitos colaterais positivos, os quais


conseguiriam por meio da, por eles prevista, gestão dos seus agro-
eco-sistemas.

- Conseguir o que eles precisavam a baixos custos materialmente,


para si próprios, bem como para o Planeta.

- Obter, por meio do emprego inteligente dos recursos disponíveis


para eles, efeitos colaterais positivos que, juntos, deram sua
contribuição para resultar em um equilíbrio energeticamente
positivo e também em termo de vida consolidada.

- Eles conseguiram agir, intervir no ecossistema, de uma forma que


a sua contribuição fora benéfica para -, e em consonância com o
ecossistema, e assim [eles] se tornam “seres queridos” para e no
lugar onde eles viviam.

- Tudo aquilo resumido e apontado acima, integrado em seu ser, os


trouxe àquele modo privilegiado de agir, para adquirir o que eles
precisavam para satisfazer seu metabolismo pelo “fazer pelo

Parte I 12

34
Perenes

prazer interior”, [e não, como de costume hoje em dia,


“trabalhando”, a fim de conseguir dinheiro].

Poderíamos dizer que a maior parte de suas interações como


agricultores no ecossistema submetido a suas atividades estava em
harmonia com-, e impulsionada pela dinâmica da sucessão natural de
espécies. E mais ainda: eles conseguiram potencializar os benefícios da
continuidade desses processos [sucessão natural de espécies] em grande
parte pelo que eles fizeram, como eles fizeram, e o momento durante o
ano em que eles o faziam, em termos de poda regularmente anual das - por
eles escolhidas e generosamente incluídas – árvores – e vegetação
arbustiva, bem como de muitos elementos de herbáceas perenes - e
gramíneas - em seus agro-eco-sistemas.

A própria organização de seus agro-eco-sistemas se encaixa


perfeitamente - como mostrarei mais adiante - no que foi dito acima. Mas
primeiro, vamos olhar os aspectos apontados. Pelo menos vamos tentar
ver a função-chave deles, para entender sua importância:

Em locais ensolarados, por exemplo, eles costumavam plantar em


suas cercas vivas – no que diz respeito às espécies de arbustos e árvores -,
uma imensa diversidade de espécies e variedades de frutos de caroço.
Muitos deles, quase todos os anos, ficavam carregados de frutas. Os
poucos que ainda resistiram até meados do século passado na região em
que eu cresci, eram principalmente variedades antigas não mais
cultivadas.

Lá, por exemplo, havia no pomar de nosso vizinho, densamente


plantado em uma fileira, e espaçado entre eles em 1,5 a 2 metros, um
grupo composto de dois genótipos de árvores antigas. Todas elas tinham
raízes grossas e cheias de cicatrizes. Eram uma variedade de "mirabelles",
popularmente chamadas de "Pflūmli". Amarelos e azuis, com minúsculos
frutos esféricos, não maiores que pequenas cerejas cultivadas. Estes
costumavam amadurecer entre o final de junho e o início de julho. Suas
sementes - também esféricas - eram menores que as de cerejas do mesmo
tamanho. Aquelas árvores, considerando a posição ocupada por elas no
campo, aparentemente eram um fragmento vivo de uma das várias - no
desenho original usual – cercas vivas de subdivisão.

Parte I 13

35
Perenes

Devido ao fato de que essas árvores floresciam e lançavam suas


folhas apenas no início de maio, mais tarde do que todas as suas irmãs,
elas não sofriam daquilo que ocasionalmente acontece e que para a
maioria de nossas árvores frutíferas é desastroso: as geadas mais fortes de
abril. Todos os anos, elas ficavam carregadas de frutas. A maior diferença
entre elas era a cor da fruta quando madura: umas azuis e outras amarelas.
Elas foram plantadas misturadas, formando uma cerca viva, com
aproximadamente 20 metros de comprimento. Não houve nenhum ano,
que eu possa me lembrar, em que seus incontáveis e finos galhos, na
época da colheita, final de junho, início de julho, não teriam ficado
curvados para o chão devido ao peso de seus frutos, que eram pequenos,
quase esféricos, com uma pele macia e fina. Eles eram excepcionalmente
doces e picantes e, este último, adicionalmente combinado com um toque
de acidez refrescante. (Delicioso ao nosso gosto! E por isso mesmo de
tudo amado por nós, crianças!)

Um outro exemplo, uma ameixa também, plantadas próximas


umas das outras em uma linha, de modo semelhante às anteriores, também
no que diz respeito à sua idade, olhando para suas raízes grossas e
marcadas, indicando que durante sua longa vida elas foram
periodicamente submetidas a um corte completo, e também os próprios
arbustos, submetidos à rotina de poda anual, normalmente administrada a
esse tipo de frutífera. Aquele último grupo de ameixeiras faziam parte das
cercas vivas limítrofes entre o pomar e o curral dos mesmos vizinhos, um
casal de velhos. [Apenas entre meados e final de outubro, elas estavam no
ponto para serem colhidos.]

A maior parte de suas pequenas, mas extraordinariamente doces


frutas, normalmente eram processadas [desidratadas ou colocadas em
conserva para bolos e tortas. Uma de suas notáveis propriedades era o fato
de que somente frutos sub-vitais caíam por si mesmos, isto é, eram
abortados, normalmente semanas antes da colheita. Os frutos vigorosos
permaneciam nas árvores. Para a colheita, eles tinham que ser colhidos a
mão ou ter os ramos sacudidos. Devido a uma peculiaridade do clima
predominante de nossa região no nordeste da Suíça, com suas chuvas
tipicamente escassas no outono e períodos com 'Föhn' [ventos secos

Parte I 14

36
Perenes

vindos dos Alpes], aquelas ameixas, enquanto amadureciam, encolhiam,


em um forte processo de desidratação, enquanto ainda permaneciam nas
árvores. Suas sementes eram muito pequenas, e seus frutos maduros, azul-
acinzentados, eram fáceis de dividir em metades e, sem grande esforço,
seu caroço podia ser removido. Seu sabor, textura e doçura eram
"celestiais". Todos os anos, do fim do verão até a época da colheita, os
galhos daquelas árvores ficavam curvados, parecendo-se com salgueiros,
devido ao peso de inúmeros frutos, o que dava a impressão de que eram
mais numerosos que suas próprias folhas.

Um ponto interessante, que vale a pena ser olhado, devido à


escolha inteligente, feita pelos nossos antepassados, por espécies que
melhor se adequavam às peculiaridades de cada local, era uma área que
tinha - devido à abundância de alimentos que oferecia, variando de ervas,
frutas, nozes a cogumelos - uma atração especial para mim, vou descrever
abaixo:

Era um lugar no lado oposto da encosta norte da colina, onde


morávamos, a uns vinte minutos de caminhada de nossa casa. A área, de
aproximadamente 1 hectare de tamanho e completamente cercada por uma
floresta com predominância de carvalhos e faias adultas, era dividida por
cercas vivas, em faixas com mais ou menos de 25 metros de largura, e
estas orientadas leste / oeste. O capim e as ervas cobriam seu solo marrom
/ cinza. Nas duas primeiras faixas, perto da fronteira sul da floresta ao
redor - e por isso sombreadas por esta, cresciam muitas ervas tipicamente
tolerantes à sombra. Suas lindas flores davam a esse lugar um toque
especial: assemelhava-se mais a uma reserva natural do que a um pasto
para fazer feno. As três faixas seguintes, que estavam fora do alcance da
sombra causada pelas árvores mais altas da parte sul da floresta
fronteiriça, tinham principalmente capim e trevo como camada herbácea e
uma fileira de velhas árvores frutíferas no meio. Vale a pena prestar uma
atenção especial a essa composição e arranjo. O último terraço,
parcialmente sombreado pela floresta limítrofe no lado norte da área,
mantinha alguma semelhança com o primeiro, em termos de baixa

Parte I 15

37
Perenes

produtividade de sua camada herbácea: sua vegetação, no entanto, era


mais dominada por espécies de gramíneas.

Mas antes, vamos nos ater às cercas vivas desta área, as espécies
nelas empregadas como elementos arbustivos e arbóreos, e então a
alocação destas últimas: Tudo indica, igualmente àquilo descrito com
relação aos critérios utilizados pelos nossos antepassados, que aquelas
florestas frutíferas complexas, funcionais e altamente produtivas eram
projetadas e plantadas e, como demonstram alguns dos exemplos acima,
eles empregavam os mesmos parâmetros para o desenho de todo o seu
agro-eco-sistema. E aquelas "suas" cercas vivas eram de importância
fundamental para o seu funcionamento e para a sua dinâmica. Isso em
diferentes sentidos:

1) O modo como eles as inseriam (as cercas vivas) em seus


desenhos de plantio, considerando posição e espaçamento.
2) Seus critérios em termos de alocação de cada uma das
espécies empregadas, suas variedades, em suas plantações e
3) Os diferentes efeitos colaterais positivos que eles alcançavam
com a regular poda anual dessas cercas vivas, que, sem
dúvida, faziam parte integrante do seus cálculos usados para
criar para cada um dos locais aquilo que nós poderíamos
chamar de arranjos “feitos sob medida”, nos quais eles
plantavam todos os seus sistemas complexos.

Na primeira cerca viva, anexa à margem da floresta limítrofe no


sul da área - e por isso na fronteira sul da área usada na agricultura e
completamente sombreada - havia uma linha densamente plantada de
“Taxus baccata”. [Árvore de estrato médio nas antigas florestas de
carvalho].

A cerca viva vizinha seguinte, distante da primeira


aproximadamente 25 metros, tinha a cereja-do-mato (ginja) [Prunus
cerasus], como espécie dominante e, entre elas, algumas espécies de
sabugueiro e freixo. [Cerejeira Morello: Árvore de estrato médio, tolerante
à meia sombra, ocorre geralmente próxima a cursos de água em locais
submetidos à manutenção regular em termos de poda de todas as espécies
de árvores companheiras, além do corte do estrato herbáceo].

Parte I 16

38
Perenes

As duas cercas vivas seguintes tinham principalmente avelã e


estas parcialmente sombreadas por algumas árvores de freixo e tília no
meio. Essas últimas, freixo e tília, deviam ser podadas todos os anos em
julho. Também deviam ser podadas as avelãs, mas estas em janeiro. A
última cerca viva, perto da fronteira norte, tinha sua peculiaridade até
então, pois havia duas espécies frutíferas combinadas que pertencem, em
relação à camada que ocupam, a diferentes estratos: Groselha, por baixo.
E ameixeiras, como elemento principal no estrato médio. Então,
adicionalmente, choupo branco, no conceito de espécie emergente daquele
arranjo. E esses últimos, a fim de dinamizar o sistema, anualmente
destopados e fortemente podados; normalmente em julho.

Toda a área era ligeiramente inclinada para o norte, talvez


aproximadamente 3 a 5%, e terraceada. As cercas vivas haviam sido
plantadas na parte mais baixa dos terraços, o que lhes dava um toque
particular de menor altura. Menos altura significa menos sombra para o
norte do terraço adjacente.

Somente a última cerca viva, a que ficava na borda norte do


campo, havia sido plantada perto da borda da encosta do terraço,
proporcionando assim condições favoráveis para as espécies de camada
inferior, groselha, pois perto do fundo da encosta não teria sido apropriado
para ela.

Manejo [poda] da borda florestal desse campo:

Atenção especial dedicava o dono da área para o lado sudeste, sul


e sudoeste da floresta fronteiriça de seu campo: Periodicamente, ele
costumava podar lá nos primeiros 20 metros as árvores mais altas. Como
eles costumavam dizer: "Para abaixar a cortina.”

Arranjo das diferentes espécies nas fileiras de árvores


frutíferas plantadas no meio dos terraços desse “prado-florestal:

Considerando as propriedades eco-fisiológicas das diferentes


espécies que compunham aquelas linhas, e a posição escolhida para cada
uma delas, tudo indica que o projeto para elas foi criado por um excelente
profissional. O primeiro, da primeira fileira [olhando do sul para o norte],
no lado sudoeste, era um marmelo. Este era seguido por duas enormes
cerejeiras. [Marmelo: Árvore de estrato médio, com preferência para
locais sombreados em tempo parcial. Neste caso, meia sombra de ambos

Parte I 17

39
Perenes

os lados: a borda oeste da floresta circundante - embora periodicamente


podada –, bem como de seus vizinhos em seu lado oriental, as duas
enormes cerejeiras. [Cereja: Árvore emergente; adora sol à tarde, margens
de florestas, normalmente em encostas voltadas para o sudoeste. As três
árvores seguintes eram peras. [Pera: árvore emergente; sol o dia inteiro.]
No extremo leste desta primeira fileira, três macieiras. [Maçã: estrato alto,
preferência por sol pela manhã]. Por baixo daquelas árvores frutíferas, em
toda a extensão da fileira, e no conceito de elemento de estrato baixo de
um sistema estratificado, havia uma fileira de [a cada aproximadamente
1,5 m] um arbusto de groselha branca, amarela ou vermelha. Aquelas
pareciam ser muito velhas. Pelos seus grossos e nodosas bases, pelo
menos, deixam essa impressão.

A sequência, em termos de espécies nas duas fileiras seguintes,


nas duas faixas vizinhas, tinha uma organização semelhante à primeira,
com uma diferença apenas, de menos 1 cerejeira na linha seguinte e
nenhuma na última. Em suas devidas posições, havia pereiras.

Em meados dos anos 50, aquele pomar, junto com milhares de


outros, naquela época declarados como "antiquados", foram eliminados,
arrancados pela raiz, árvores e cercas vivas, tudo junto, e os terraços
levados ao desaparecimento. Essa ação fez parte de uma grande campanha
lançada alguns anos antes, pela - então enaltecida – ‘modernização da
agricultura’, e que foi levada a cabo com rigor e grande eficiência.

Design para as áreas planas:

Em situações planas era similar em termos de conceito: lá


também, a terra era subdividida em faixas de 20 a 30 metros de largura.
Todas essas últimas, ligeiramente arqueadas ao meio, e a cada vez entre
elas uma pequena depressão. Em pontos mais úmidos, com um dreno
plano, respectivamente, aquele ampliado e se transformando em um brejo
de 3 a 5 metros de largura.

[Relato de um de nossos vizinhos mais antigos, referindo-se a


essas áreas: "Em todas essas divisões em depressões, até o final da

Parte I 18

40
Perenes

Primeira Guerra Mundial, havia cercas vivas, quilômetros delas,


compostas principalmente por salgueiros e amieiros nas partes mais
úmidas da área e freixo, bordo e aveleira nas partes mais secas ... Todos
nós podávamos - elas precisavam ser podadas todos os anos. Em julho, a
maioria delas, e a aveleira em janeiro ... Aqueles recortes de brejo,
somente após a remoção das árvores, começaram a ocorrer. A cada ano
que se passava, eles pareciam se tornar mais numerosos e maiores em
tamanho”]

A maioria dessas divisões tinha uma fileira de macieiras no meio


delas. As melhores da variedade “Bohnäpfel” eram lá colhidas. Essa
variedade de macieiras só floresce e perde suas folhas no final do outono,
o que permite cultivar - e alcançar excelentes resultados ao fazê-lo -
cereais de inverno em rotação com trevo vermelho e capim entre - e
parcialmente embaixo - delas. Ele apontou para um grupo de árvores
próximas: “Olhe para aquelas macieiras com seu fuste longo e robustos!
Elas são ‘Bohnäpfel’ também. Essas árvores devem ser muito antigas.
Observe o diâmetro dos caules e as numerosas cicatrizes nos galhos mais
grossos. Estas últimas, evidências de poda pesada periódica. A idade
delas? Nós não sabemos exatamente ... duzentos, trezentos anos. Elas, no
entanto, ainda eram quase do mesmo tamanho, quando eu tinha a sua
idade. Alguns dos nossos antepassados, a muito tempo atrás, plantaram-
nas. E a cada seis anos, em janeiro, antes do início de cada novo ciclo de
rotação de seis anos {nabo [1], trigo [2], espelta \ centeio [3], cevada \
trevo e capim [4], trevo e capim [5 \ 6]}, elas deviam ser podadas mais
drasticamente do que nos outros 5 anos intermediários. Isso tem que ser
feito, a fim de promover um novo crescimento, saúde e vigor em todo o
sistema".

Um olhar mais atento aos diferentes desenhos, criados e aplicados


por nossos antepassados, nos revelará, que a ordem em que cada um dos
elementos contribuintes, tais como: espécies escolhidas, bem como o
arranjo destas em seus agro-eco-sistemas, abrigo para si e para seus
animais, foi – e disso eu não tenho dúvida - baseados - como apontado
acima - em conceitos claros. Não apenas tecnicamente, mas também
eticamente, seguindo uma ideia geral, que combinados e intrinsecamente
entrelaçados uns com os outros, colocados em prática, resultaram no que

Parte I 19

41
Perenes

dificilmente poderíamos alcançar empregando nossos conceitos modernos


e suas amplamente utilizadas ferramentas:

- Eles produziram quantidades consideráveis da melhor qualidade e


da maior diversidade de alimentos e outras matérias-primas a
baixo custo.

- Conseguiram construir uma comunidade próxima e firmemente


estabelecida e viveram em paz com o seu ambiente social.

- Simultaneamente, o esforço que empenharam para conseguir o


que precisavam em termos de alimentos e matérias-primas do
reino animal e vegetal para a manutenção de seu metabolismo,
eles conseguiram transformar em um veículo de alegria, utilidade
e benéfico. Alegria e utilidade para si próprios, e benéfico para a
vida em nosso planeta, e utilidade e benéfico, também, para todo
o macroorganismo, nossa grande mãe, o próprio Planeta Terra.

- Produziram grandes quantidades de alimento de alta


qualidade sem a necessidade de controle de pragas e doenças, nem
de fertilizantes trazidos de fora para seus sistemas e, realizando
tudo isso, conseguiram um equilíbrio positivo energeticamente e
em termos de vida consolidada.

E tudo isso junto, apenas por olhar de um ângulo diferente para si e para o
mundo em que viviam. De uma maneira mais modesta, mais
compreensiva, do que aquela que muitos de nós estamos fazendo hoje em
relação a nós mesmos e à nossa posição no contexto da vida.

Poderíamos dizer que eles, ao agir da maneira acima descrita, produzindo


o que precisavam, conseguiram se aproximar do que poderia ser descrito
como: “Peace-farming” (“Agricultura da Paz”).

Muitos contos e provérbios antigos, passados de geração em geração (hoje


em dia não mais em uso), ainda retratam esse diferente mundo.
.

Parte I 20

42
Perenes

Profunda gratidão à Mãe Terra, que oferece a todas as suas


criaturas, a oportunidade de viver com alegria, de realizar suas tarefas e
cumprir suas funções movidas pelo prazer interno!

Profunda gratidão àqueles antepassados que construíram aqueles


agro-eco-sistemas acima descritos, oferecendo exemplos de como agir em
harmonia com a Mãe Terra, isto é, de se comportar de uma maneira que
sua - nós poderíamos fazê-lo também! - participação se tornasse - no
nosso caso se tornaria – algo útil a todos os submetidos e influenciados
por suas interações, e então passaram o conhecimento por eles adquirido
para as futuras gerações.

Uma imensa e calorosa gratidão também a minha mãe e ao meu


pai, que cresceram em um período de grandes problemas e escassez
material entre as duas guerras mundiais.

Eles não foram abençoados por heranças materiais. {Eles


compraram aquela pequena propriedade, onde eu cresci, em 1942, durante
a Segunda Guerra Mundial, com dinheiro que eles conseguiram poupar às
custas de grandes dificuldades como jovens profissionais no final dos anos
30, começo dos anos 40. Com isso e com alguns créditos [a serem pagos
mais tarde], eles conseguiram fazer aquela compra}. O recurso mais
importante que, no entanto, eles haviam adquirido - e sempre o utilizaram
com zelo, conscienciosa e perspicazmente - foi o seu conhecimento
prático e a sua disposição para realizar o que consideravam necessário,
correto, apropriado e digno, desafiando todos os obstáculos e dificuldades
que existiram.

… Orgulhosamente, eles criaram seus oito filhos. O dinheiro era


escasso; não era escassa, no entanto, a comida: alimento da melhor
qualidade e de uma imensa diversidade. Decentemente conquistado e,
principalmente, produzido por eles mesmos.

Parte I 21

43
Perenes

Parte I 22

44
Perenes

PERENES NA DIETA COTIDIANA DE UMA


FAMÍLIA DE PEQUENO PRODUTOR NO
NORDESTE DA SUÍÇA, NO FIM DOS ANOS 40 E
INÍCIO DOS ANOS 50 DO SÉCULO PASSADO

P ara este propósito, vamos considerar o que comíamos, a presença e


importância de plantas perenes em nossa nutrição, na rotina da
família de um pequeno agricultor no nordeste da Suíça em meados do
século passado::

ERVAS:

Ervas para saladas, espinafre, uso medicinal etc., etc.

Minha mãe tinha uma grande coleção daquelas ervas em seu


jardim cuidadosamente vedado na frente de nossa casa. Algumas outras
espécies ela havia plantado em alguns locais especialmente protegidos.
Em recuos, como por exemplo, em encostas ensolaradas, e nas bordas de
difícil acesso das plantações, etc. Muitas ervas silvestres também eram
muito apreciadas, cuidadas, colecionadas e cobiçadas: principalmente no
início da primavera, elas quase diariamente faziam parte de nossos pratos:

- Folhas jovens e botões de dente de leão (Taxacum), a partir de


fevereiro... Para saladas, as folhas tenras, e os botões para picles
picantes.

- Urtigas: Baldes de brotos frescos, nós colhíamos, para transformá-


los em espinafre, ou para serem integrados em omeletes.

- Cebolinha selvagem, [considerada uma erva de inverno], que


crescia formando manchas fortes, em locais ensolarados de um de
nossos pomares, entrava diariamente em nossas sopas como um
verde fresco [março, abril].

Parte I 23

45
Perenes

- Alho selvagem: Um dos destaques, em termos de saladas na


primavera, eram as tenras folhas jovens do alho selvagem
(Comíamos um monte de verduras deliciosas; mas as folhas
picantes, suculentas e tenras daqueles que cresciam no começo da
primavera sob antigas florestas de faias, não perdíamos por nada!)

Então, no período de verão, apesar da oferta diversificada e


generosa, e do consumo diário de saladas verdes, da melhor alface,
repolho de verão, folhas de rúcula etc., adorávamos colher e comer no
caminho para a escola as folhas e caules jovens de Rumex, que
prosperavam nas bordas ensolaradas de campos abertos. Também eram
apreciadas as flores e as folhas de Oxalis. Este último, abundante e uma
das que crescia sob os pinheiros antigos (Abies abies).

FRUTAS:

Frutas frescas em geral, mas mais ainda, a composição destas, em


termos de espécie, grau de sua presença e a importância dada a elas
popularmente. No alimento diário, poderiam ser usadas* como uma
ferramenta sensível, o que poderia nos permitir avaliar o estado de
intensidade e qualidade, existente numa comunidade ou sociedade, em
termos de proximidade com o ecossistema natural e original do local em
que viviam.

*[com pouquíssimas exceções, correspondentes às comunidades, vivendo


em regiões com tipos de clima de frios extremos]

BAGAS:

Bagas, bagas … Não havia um único dia do ano em que não as


comêssemos. Desfrutávamos, pelo menos uma vez por dia, frutas
vermelhas como um importante ingrediente da nossa alimentação: Frescas
entre Junho e Outubro. Outros secos, em conservas (geleias, etc). Ou
congelados, (para serem usados fora de temporada), como principal
componente de tortas e bolos.

Parte I 24

46
Perenes

Um dos focos no cultivo de plantas para comida de minha mãe,


eram as frutas vermelhas. Ela as amava e passou sua paixão por esse
grande presente do céu para sua família. Em sua coleção, ela tinha - além
daquelas variedades comumente plantadas naquela época - muitos
genótipos antigos, principalmente do gênero Ribes.

Frutas vermelhas frescas, nós colhíamos do final de maio em


diante. Os primeiros eram os morangos. Depois, durante quase toda a
estação das bagas, que normalmente durava até outubro, nós coletávamos
todos os dias, comendo-os frescos o quanto podíamos. As sobras
abundantes eram então processadas e armazenadas para uso posterior.

Além dos cultivados, havia aqueles de crescimento espontâneo,


ou, os mesmos, plantados em cercas vivas, eram muito apreciados
também, e pertenciam ao grupo de - vamos dizer – “componentes
integrantes” de nossa alimentação: Nós amávamos os grandes, belos
morangos do nosso jardim; no entanto, os selvagens, nós não perdíamos
por nada: em sua temporada, muitas vezes, dedicávamos horas para colher
seus frutos agradáveis, apetitosos, minúsculos e doces. No nosso tempo
livre, ou no nosso longo caminho para a escola.

Quando havia muitos deles, transformávamos nossas expedições


aos domingos em ações para coletar quantidades maiores dessas frutas
vermelhas. Era raro não voltarmos com os bolsos repletos! Feliz e
orgulhosamente, depois os transformávamos em geleias, ou decidíamos
por adicioná-los a cremes e tortas: Delicatessens, das melhores, feitas a
partir de nosso (!) “berries”.

Similarmente ao que contei sobre nossa atração por morangos


silvestres, era nossa relação com as framboesas e as amoras silvestres: -
Apesar do fato de que nossa mãe tinha em seu jardim uma área
considerável dessas espécies cultivadas, e normalmente conseguia
alcançar ano após ano, excelentes safras delas; nós nunca teríamos
desdenhado ou esquecido de participar da colheita das selvagens!

A nós crianças, parecia-nos que muitos dos adultos, de fato, não


gostavam muito delas [ouvindo seus comentários a respeito] daqueles
arbustos selvagens, que vigorosamente cresciam e ocupavam quase todos
os espaços, onde a floresta estivesse em sua fase inicial de regeneração,
causando trabalho para eles, para "controlá-los", a fim de evitar que eles
superassem as árvores jovens.

Parte I 25

47
Perenes

Todo verão, elas generosamente ofereciam suas enormes


quantidades das frutas mais agradáveis, amadas por nós, e apreciadas
também por muitas espécies de mamíferos e pássaros.

Outra fonte comum de frutinhas para nosso consumo, embora não


cultivada, mas cuidada, e popularmente apreciada, eram espécies como
mirtilos, arandos ou as suculentas frutas vermelhas do teixo (Taxus
baccata) etc. [Este último, uma árvore de estrato médio, constituinte
comum de antigas florestas de carvalho, ou muitos de nossos antepassados
os haviam integrado em suas cercas vivas em locais menos ensolarados. -
Nesse meio tempo, essas espécies se tornaram raras e, em muitas regiões,
chegou à extinção].

Todos os anos, a colheita desse grupo de frutas se estendia a algo


parecido com um “evento social”: quando alguém descobria lugares ou
árvores abundantes, comunicava isso a seus amigos e vizinhos. A colheita,
então, era realizada em conjunto.

… Bagas, bagas, e mais uma vez, bagas.

FRUTAS DE CAROÇO:

Cerejas, ameixas, etc., cultivadas e muitas selvagens também.


Estas últimas eram elementos integrantes de cercas vivas em locais secos
e ensolarados ou, sendo plantadas, respectivamente crescendo
espontaneamente em bordas de florestas nas encostas de colinas expostas
a sul e a sudoeste.

No começo da temporada de maturação das diferentes espécies e


variedades delas, cada espécie era notada com alegria, quando então nós
poderíamos colher os primeiros frutos maduros. A época das cerejas, um
dos nossos frutos mais amados, todos os anos era um evento
especialmente celebrado.

Em uma de nossas regiões vizinhas, havia muitos belos pomares


de cereja com muitas cerejeiras enormes e antigas. Todo começo de verão,
a maioria delas ficava carregada de frutas.

Parte I 26

48
Perenes

A maioria das variedades vermelhas e amarelas amadureciam


primeiro, seguidas por numerosas variedades pretas. As últimas destas
eram pequenas e extremamente doces.

Durante a estação das cerejas, todos os dias, pelo menos uma ou


duas vezes, visitávamos pelo menos uma daquelas árvores amadas,
colhíamos e comíamos as suas deliciosas frutas tanto quanto o nosso
estômago aguentasse. [Normalmente com permissão dos donos dessas
árvores, mas muitas vezes beliscadas também!]

Todos os anos, nossa mãe enchia pelo menos uma centena de


copos de dois litros, [conservas para os próximos 11 meses]. Outra fração,
ela processava em compotas e uma terceira parte, quantidade grande, ela
colocava no freezer, para lá ser armazenada para uso posterior, [a maioria
para fazer flans e tortas].

Logo após o fim da estação da cereja, algumas irmãs do mesmo


gênero começavam a aparecer: a primeira delas eram duas variedades
antigas, uma azul e uma amarela, minúsculas, não maiores que pequenas
cerejas cultivadas, e com frutas esféricas. As árvores faziam parte de uma
coleção - já naquela época! - de espécies não mais cultivadas, existentes
apenas na propriedade de um casal de idade, [mencionado acima], um de
nossos vizinhos próximos. Seus frutos tinham pequenos caroços e uma
pele fina e macia.

Quando chegava a altura em que aqueles que popularmente


conhecidos como “Pflümli”, ficavam maduros, e as árvores carregadas
com seus frutos amarelos, e respectivamente azuis, a velha senhora ou seu
marido nos chamavam, com expressões convidativas e um sorriso
caloroso no rosto: “Venham crianças, colham e comam o tanto que
puderem!” - [Existe algum dinheiro, ou supermercado chique e moderno,
que possa plantar nos corações de nossos jovens uma alegria e felicidade
tão profundas como essa de serem convidados a participar
incondicionalmente desse privilégio paradisíaco?]

O próximo grupo de frutos de caroço a amadurecer, eram as


“Reine Claudes” e, mais tarde, em setembro, as ameixas. Ameixas,
comidas frescas, ameixas para compotas, copos cheios, para serem
pasteurizados (conservas) ou congelados, para serem usados mais tarde
em tortas e sobremesas, etc.

Parte I 27

49
Perenes

Bastante comum em nossa dieta eram ameixas secas. De fato, elas


eram muito apreciadas como adoçantes, ou para serem comidas entre as
refeições. Variedades especiais para cada finalidade específica: Para
lanches, por exemplo, usávamos principalmente dois tipos, que
normalmente eram totalmente secas. Elas eram esféricas, pequenas,
extraordinariamente doces e se diluíam quase totalmente quando
mastigadas por um tempo em nossa boca, deixando apenas o pequeno
caroço. No lado oposto da gama de genótipos utilizados, [em termos de
tamanho e textura], havia uma que era grande. Sua polpa era firme e fácil
de ser removida de seu caroço. Reidratada, essa variedade [Fellenberg] era
a mais comumente usada para adoçar biscoitos, tortas, cremes, suflês etc.

Por último, mas não menos importante, em dezembro / janeiro,


após a primeira geada forte, os frutos pequenos, azul-escuros e deliciosos
de “Prunus spinosa” estavam prontos para comer. A geada, entretanto,
havia suavizado o fruto e tirado sua adstringência, assim como
transformava seu amido em açúcar. O que não podíamos comer fresco, eu
normalmente recolhia e trazia para casa. Sobre o nosso grande fogão de
cerâmica na nossa sala de estar, eu os desidratava, a fim de ter o que eu
mais apreciava para adoçar a boca. Mais saborosa e mais doce que
qualquer outra fruta seca!

MAÇÃS:

Nós tínhamos dezenas de variedades. Cada genótipo para seu uso


específico e, adicionalmente, cada um deles selecionado para estar pronto
para consumo em uma estação específica: imediatamente após a colheita,
os primeiros em julho, os últimos em novembro, ou mesmo depois, após
as primeiras geadas fortes. Outras variedades tiveram que ser submetidas a
um processo de pós-maturação, antes de ficarem agradáveis de comer:
Após algumas semanas ou meses, em condições específicas para cada uma
delas. E isso sendo feito na antiga adega tradicional, com seus muros de
pedra de 1 metro de espessura, piso de terra batida e um teto feito de
tábuas de madeira de carvalho de 15 a 20 cm de espessura. O último tipo
de variedade de maçãs, nós comíamos no início de setembro, ou seja, 11
meses após a sua colheita, e dois meses após os primeiros sinais das
primeiras cinco variedades da nova temporada.

Os frutos de algumas variedades eram desidratados e depois


integrados em bolos ou para fazer parte de lanches.

Parte I 28

50
Perenes

Maçãs tinham uma função de - digamos - um pilar principal em


nossa alimentação: era algo como um componente integrante de quase
todas as nossas refeições, desde a manhã até a noite, antes de ir para a
cama. Maçãs, durante todo o ano, para cada finalidade específica ou uso,
uma variedade particular. Maçãs como lanches, geralmente refrescantes,
suculentas. Algumas crocantes, para abrir o apetite para as principais
refeições, depois, no conceito de sobremesa, uma variedade delicada e
doce. Purê de maçã, bolos de maçã. … Maçãs para cem ou mais usos.

E então suco de maçã. Todo dia. Era um dos nossos principais


“saciadores de sede“.

E, claro, não podemos esquecer a nossa cidra altamente famosa,


manipulada em cada um dos lares da nossa comunidade rural como "o seu
tesouro". Cada um convencido da excelência de sua maneira de manejar,
primeiro cultivando suas árvores, segundo, que sua mistura particular de
suco de diferentes variedades de maçãs era a melhor, e terceiro, que sua
fermentação resultaria no mais delicioso vinho. Atenção especial era dada
em separar qualidades inferiores de frutos. O barril usado só poderia ser
feito de madeira de carvalho e deveria ser cuidadosamente limpo todos os
anos, antes de seu novo uso.

Vizinhos, visitantes e convidados, eram calorosamente e


generosamente convidados para desfrutar junto com eles "o vinho
deles/delas", ou para beberem junto em reuniões semanais. - Cidra, vinho
só para “caipiras”?

PERAS:

Estas, assim como as maçãs, desempenharam um papel


extremamente importante em nossa nutrição e eram onipresentes em nossa
alimentação cotidiana. A primeira desse grupo, chamada "pera de feno".
Em meados de julho, amadurecia: pequeno em tamanho, mas
absolutamente doce e suculenta. Muito amada por nós, crianças! Quando
elas estavam maduras, todos os dias, visitávamos "nossa" pereira,
enchíamos nosso estômago primeiro e depois nossos bolsos. Era uma
daquelas grandes e velhas, com um fuste de mais de um metro de
diâmetro. Segundo nossos anciãos, "plantados por nossos antepassados
antes da Revolução Francesa".

Parte I 29

51
Perenes

A última variedade - a ser consumida apenas em abril / maio - era


um genótipo que, colhido em outubro, precisava de 5 a 6 meses de
armazenamento na adega para a pós-maturação, até estar pronta para ser
consumida. Era extremamente suculenta, doce e deixava – ao comê-la -
uma sensação incrível de refrescância

Peras, comidas frescas, eram populares e altamente estimadas; a


principal importância, no entanto, atribuída a elas, era seu uso -
processado - como adoçante:

a) O suco de algumas variedades especiais submetidas a um


processo de desidratação (veja adiante), e
b) desidratada também, mas apenas cortada em metades ou a fruta
inteira. - Mas vamos nos ater agora no primeiro e mais sofisticadamente
processado, referenciado em (a):

Uma das variedades a ser usada para esse fim foi chamada de
"Sülibirne". Nós tínhamos apenas um único indivíduo dessa variedade,
mas - em compensação - era a maior árvore de pera que eu - até agora - já
vi e, ao mesmo tempo, também aquela que mais produzia e, era dito, que
nunca falhara em fazer isso. Ela florescia e estabelecia suas novas folhas
apenas no final de maio. … Isso era depois do período de floração do
dente-de-leão e dos cereais de inverno. E então, também como a última de
seu gênero, seus frutos amadureciam. Normalmente entre o começo e o
meio de novembro, isto é, depois das primeiras geadas mais fortes. Eles
eram pequenos, açucarados e com não mais de 4 cm de diâmetro. Para a
colheita eles tinham que ser chacoalhados, recolhidos e depois colocados
em sacos grandes, cada um deles com capacidade de 100 litros. Todo
outono, recebíamos daquela árvore uma quantidade de suas minúsculas
frutas, que enchiam de 25 a 30 unidades dessas sacolas.

Sem demora, os frutos eram levados para casa, cuidadosamente


lavados com água fresca, picados e prensados. O suco resultante era então
transferido para uma panela de cobre de dois metros de largura, plana e
aberta, e era lentamente cozido, para ser desidratado, até adquirir a textura
e cor de mel: nosso 'birnel'. - O adoçante mais importante usado pelos
nossos antepassados.

O segundo pilar, no que se refere aos adoçantes, eram as peras


secas. Mais uma vez, variedades especiais eram escolhidas para este fim, e
o processo de secagem realizado a temperaturas não superiores a 50 graus
Celsius no início, e depois abaixando após o primeiro choque de calor, e

Parte I 30

52
Perenes

permanecendo perto de 40 graus. Peras secas eram consumidas como


lanches, principalmente no inverno. Reidratadas, elas eram usadas no
conceito de adoçante em biscoitos, tortas, pães, etc.

[O açúcar hoje em dia vastamente consumido - e talvez não


extremamente saudável - não era procurado, nem muito apreciado.]

CASTANHAS:

Avelãs:
Cultivadas, bem como as selvagens, estas últimas prosperando nas
fronteiras leste e sudeste das florestas. De acordo com o nosso vizinho
mais velho, as avelãs tinham sido um dos constituintes amplamente
utilizados nas cercas vivas nas partes do sudeste, leste ou ligeiramente
setentrional das áreas cultivadas na nossa região. Variedades parcialmente
"welsh" (enxertadas); o grosso, no entanto, genótipos locais, ou seja,
árvores selecionadas por sua saúde, crescimento vigoroso, nozes grandes e
saborosas, bem como por sua alta produtividade.

Nozes:
Dentro da coleção de todas as árvores nos arredores de nossa
casa, as nogueiras tinham uma posição especial. A elas era atribuída algo
como uma personalidade independente. Tivemos muitos delas e eles
foram bem cuidadas, e por isso, ao seu lado, reforçavam sua tendência
natural, para ter uma coroa redonda geometricamente equilibrada, bonita e
também para a madeira fina. E em terceiro lugar, por último, mas não
menos importante, por suas nozes muito apreciadas, das quais elas davam
muito, a cada dois anos.

Tanto as nozes quanto as avelãs, após a colheita em setembro,


outubro, eram desidratadas até o ponto em que pudessem ser
armazenadas, mesmo por um período mais longo, sem perigo de ataque
bacteriano ou fúngico. Para isso, eram levados para uma treliça de
madeira, expostas ao sol ameno do outono e protegidas do orvalho à noite
e de chuvas ocasionais. Uma vez suficientemente secas, eram colocadas
em barris de madeira e depois guardadas no sótão para consumo posterior.

Nossa mãe tinha uma coleção considerável desses barris. Quase


todos os anos, conseguimos reabastecer todos eles. Então eles foram

Parte I 31

53
Perenes

selados e armazenados para o nosso consumo durante os próximos doze


meses.

Nozes só tínhamos as cultivadas; enquanto as avelãs eram comuns


em muitos lugares, especialmente nas bordas expostas ao sol das florestas,
e nesses lugares de preferência quando expostas ao sol da manhã.

O mesmo, como já descrito com relação ao e uso de morangos


silvestres, etc, pode ser dito sobre avelãs silvestres: Elas eram muito
apreciadas e sua colheita a cada ano, no final de setembro se transformava
em um evento popular.

Um dos ditos de meu pai era: "Enche os seus bolsos pela manhã
com avelãs, maçãs secas e peras, e você passará o dia sem fome, e terá
excedente suficiente, para dar uma boa parte aos seus amigos, e ainda
sobrará para alguns esquilos e pássaros!"

Parte I 32

54
Perenes

AS RAINHAS DESTRONADAS

FRUTO DA FAIA E BOLOTAS:

Desde que me lembro, ainda em minha mais tenra infância, eu


tinha - e mantinha isso! - um hábito de testar tudo o que eu achava que
poderia ser comestível. Observava antes, quem comia, colocava um
pequeno pedaço na minha boca, mastigava um pouquinho. E então cuspia
imediatamente. Se não houvesse sensações negativas, repetia a operação,
um dia, dois dias depois etc., e aumentava, em cada tentativa, o tempo e a
intensidade da mastigação. Pelo emprego do procedimento descrito acima,
eu consegui sistematizar dezenas de espécies selvagens, com relação a
seus aspectos em termos de ser comestível ou não, ter folhas saborosas ou
menos saborosas, sementes ou frutas, etc., e o mesmo fiz com milhares de
plantas, cada uma com suas propriedades particulares. Começando pelas
algas até as árvores. Nada escapou.

Isso, nosso planeta poderia ser lindo, se quiséssemos! Todo um


grande paraíso! Milhares de espécies comestíveis. Boa parte delas, no
entanto, completamente ignorada por nós, no que se refere ao seu
potencial como fonte de alimento para nós. Uma outra fração, embora
reconhecida como comestível e saborosa, mas não é usada. E então, ainda
um grande número de espécies, que já foram parte integrante e altamente
apreciada dos alimentos consumidos por alguns de nossos antepassados,
cuidada por aqueles; mas depois abandonado e deixada ao esquecimento.
Muitas dessas espécies, não poucas delas, são celestialmente saborosas, e
podiam facilmente ser adquiridas e - adotadas como partes constituintes
de nossa alimentação, ou re-adotadas - para enriquecer nossos cardápios!

Fora dessa fração, duas espécies de árvores tiveram para mim -


desde que me lembro em minha infância - e continuam tendo! -, uma
atração quase irresistível: Carvalho e Faia.

FRUTO DA FAIA [Fagus sylvatica]:

Nozes, sementes, de muitos genótipos, não só são comestíveis,


mas também extremamente deliciosas. Em seu período de floração,
curiosamente eu ia ver 'minhas' árvores, que eu visitava com frequência

Parte I 33

55
Perenes

durante o verão e, em setembro/outubro, quando suas sementes maduras


estavam caindo, sempre que eu podia, eu ia para a colheita. Recolhendo-
as. Para o meu paladar, as castanhas de faia pertencem às melhores nozes
que temos e que - potencialmente - com grande facilidade, poderiam ser
cultivadas em nosso clima frio-temperado do hemisfério norte.

Existe um espectro muito amplo de diferentes genótipos em


termos de sabor, tamanho, propriedades nutricionais, adaptabilidade a
diferentes condições climáticas e de solo, etc., bem como em termos de
seu vigor e produtividade. Material de genótipos selecionados e mais
desejáveis, poderíamos enxertar árvores adolescentes fortes e belas em
novas áreas de nossas florestas. [Coloque os enxertos no fundo dos galhos
maiores de sua coroa. Fazendo isso desta maneira, não perderemos seu
fuste valioso, reto e longo.]

Antes de decidir, no entanto, enxertar os que estão na floresta,


sem resistência e demora, enxerte quantos conseguir para obter um acordo
comum que possa ser feito, em árvores isoladas que façam parte da
arborização urbana [floresta urbana!]

Paralelamente ao esforço descrito acima, isto é, aumentando o


número dos nossos considerados 'melhores', poderíamos empregar
técnicas como cruzamentos, híbridos etc., etc. Um item, talvez, para
direcionar alguns de nossos esforços, no que diz respeito à melhoria da
planta acima referida.

CARVALHO; BOLOTA [Quercus]:

Essa [segunda] espécie, carvalho, foi - sem dúvida - uma espécie


amplamente cultivada, ou pelo menos coletada sistematicamente e usada
por muitas populações antigas em toda parte de seu habitat natural no
hemisfério norte. Da mesma forma, na região onde cresci.

No início dos anos 50 do século passado, esse fato ainda estava


presente na memória de nossa comunidade rural. Presente como partes do
conteúdo de alguns contos antigos, parcialmente passados verbalmente ou
escritos. Um palavrão para um pobre diabo em nossa região rural era
"Eichelfresser". [Um, que tem que comer, por falta de outro alimento,
bolota].

Parte I 34

56
Perenes

Isso era estranho para mim, porque no decorrer dos anos eu havia
identificado tantos genótipos maravilhosos com sementes extremamente
saborosas. Por exemplo: doces, sem qualquer adstringência, algumas com
aspecto de farinha, outras mais crocantes. Algumas dessas, quando
assadas, eram comparáveis com castanhas tostadas. Outros eram amargas
e / ou adstringentes. Mas mesmo essas, quando mantidas imersas por
algumas semanas e mudando a água de seu "banho" a cada um ou dois
dias, perdem seu amargor e adstringência. Em seguida, elas podem ser
comidas moídas ou maceradas como ingredientes para sopas, omeletes ou
até 50% para a massa do pão.

Com imensa simpatia, estou observando os esforços realizados e


as iniciativas tomadas por alguns movimentos populares na Espanha e em
Portugal para reavivar sua antiga tradição abandonada de consumo regular
em diferentes pratos, suas bolotas.

Parte I 35

57
Perenes

EPÍLOGO

Este pedido urgente em termos de revisão de alguns dos nossos


conceitos atuais, não é um apelo de retorno, para voltar atrás: Pelo
contrário: é um apelo para abrir a nossa mente, para aprender com os
nossos antepassados, adotar a partir deles e, em seguida, empregar ,
estratégias inteligentes, desenvolvidas por eles, e tentam evitar os erros
que eles tenham cometido.
É um apelo para ir adiante, à frente. Em frente, na direção de
uma reconciliação do homem moderno com sua única e única casa, o
Planeta Terra, a fim de escapar do destino da extinção e do esquecimento
de muitas das nossas antigas civilizações.
Uma característica típica da nossa civilização atual é a
tecnologia. Poderíamos tentar usá-la de uma maneira benéfica para a vida,
em vez do que estamos fazendo, destruindo-a. Isso, traduzido para o nosso
item em questão, poderia significar que, em vez de máquinas pesadas, que
junto com sua carga, muitas vezes trazem mais de 50.000 kg com suas 10
rodas sobre o solo, compactando-o e torturando-o, poderíamos trabalhar
com implementos menores e mais eficientes, feitos principalmente de
fibra de carbono e outros materiais leves, e, simultaneamente, projetados
para serem úteis para a vida. Pequenos robôs, pesando de quatro a seis
quilos cada, na maioria das operações básicas poderiam fazer um trabalho
mais inteligente: arar, subsolar, para soltar o solo, - o que somos obrigados
a fazer, porque brutalmente o compactamos antes, pelo uso do nosso
maquinário atualmente usado e por causa das, por nós desenvolvidas e
aplicadas, estratégias mortais de tratar a vida do solo.
Poderíamos desenvolver estratégias e construir máquinas,
pesquisas de tecnologias que, empregadas, favoreceriam a vida e os
processos de vida em todos os seus aspectos.

AGRICULTURA DE PAZ, AO INVÉS DE AGRICULTURA DE


GUERRA

Ernst Götsch

Parte I 36

58
Autora‌:‌D
‌ ayana‌A
‌ ndrade‌‌   ‌

Data‌:‌2
‌ 9-06-2019‌  ‌

 ‌

A‌‌dignidade‌‌de‌‌cavar‌b
‌ uracos.‌‌Como‌‌os‌‌valores‌‌sociais‌‌afetam‌‌a ‌‌
motivação‌d ‌ o‌‌agricultor.‌  ‌

 ‌

As‌  ‌vantagens‌  ‌de‌  ‌métodos‌  ‌agrícolas‌  ‌mais‌  ‌sustentáveis‌  ‌já‌  ‌foram‌  ‌amplamente‌‌ 
estudadas.‌  ‌Se‌  ‌formos‌  ‌falar‌  ‌apenas‌  ‌dos‌  ‌sistemas‌  ‌agroflorestais‌  ‌– ‌ ‌dentre‌  ‌os‌  ‌quais‌‌ 
está‌‌  a ‌‌agricultura‌‌  sintrópica‌‌
  - ‌‌podemos‌‌   elencar‌‌   inúmeras‌‌   pesquisas‌‌  em‌‌  diferentes‌ 
ecossistemas‌  ‌que‌  ‌atestam‌  ‌os‌  ‌benefícios‌  ‌que‌  ‌essas‌‌   práticas‌‌  oferecem,‌‌   seja‌‌
  para‌‌
  o ‌‌
agricultor‌  ‌(segurança‌  ‌alimentar,‌‌   resiliência‌‌   do‌‌
  plantio,‌‌   aumento‌‌   de‌‌
  produtividade,‌‌ 
diversificação‌  ‌da‌  ‌renda,‌  ‌etc)‌  ‌seja‌  ‌para‌  ‌o ‌ ‌meio‌  ‌ambiente‌  ‌(sequestro‌  ‌de‌  ‌carbono,‌‌ 
proteção‌d ‌ a‌á‌ gua,‌r‌ ecuperação‌d ‌ o‌s‌ olo,‌a‌ umento‌d ‌ a‌b‌ iodiversidade,‌e‌ tc).‌  ‌

Com‌  ‌tantos‌  ‌exemplos‌  ‌de‌  ‌casos‌  ‌de‌  ‌sucesso‌‌   e ‌‌reiteradas‌‌   comprovações‌‌   científicas,‌‌ 
era‌  ‌de‌  ‌se‌  ‌esperar‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌número‌  ‌de‌  ‌pessoas‌  ‌que‌  ‌adotam‌  ‌tais‌  ‌práticas‌  ‌também‌‌ 
registrasse‌‌   um‌‌
  crescimento‌‌   equivalente.‌‌   Mas‌‌  isso‌‌
  não‌‌ acontece.‌‌ Ao‌‌ menos‌‌ não‌‌ na‌‌ 
velocidade‌  ‌que‌  ‌gostaríamos.‌  ‌O ‌ ‌porquê‌  ‌de‌  ‌isso‌  ‌não‌  ‌acontecer‌  ‌é ‌ ‌o ‌ ‌que‌  ‌buscam‌‌ 
responder‌  ‌os‌  ‌estudos‌  ‌sobre‌  ‌adotabilidade‌  ‌na‌  ‌agricultura.‌  ‌A ‌‌resposta‌‌   ainda‌‌   não‌‌
  é ‌‌
unânime,‌  ‌porém,‌  ‌cada‌  ‌vez‌‌   mais‌‌
  se‌‌
  fortalece‌‌  a ‌‌suspeita‌‌   científica‌‌
  de‌‌
  que‌‌   aspectos‌‌ 
culturais,‌  ‌mais‌  ‌do‌  ‌que‌  ‌técnicos,‌  ‌impõem‌  ‌limitações‌  ‌à ‌ ‌adoção‌  ‌de‌  ‌novas‌  ‌práticas‌‌ 
agrícolas‌(‌ 5)(6).‌  ‌

Um‌  ‌caso‌  ‌que‌  ‌vivi‌  ‌recentemente‌  ‌pode‌  ‌ajudar‌  ‌a ‌ ‌ilustrar‌  ‌essa‌  ‌hipótese.‌  ‌Eu‌  ‌estava‌‌ 
com‌‌  o ‌‌Felipe‌‌   em‌‌  uma‌‌  das‌‌ ‌escolas‌‌ em‌‌ que‌‌ implantamos‌‌ hortas‌‌ sintrópicas‌, ‌‌quando‌‌ 
um‌‌
  senhor,‌‌   por‌‌
  volta‌‌
  de‌‌
  seus‌‌   70‌‌
  anos,‌‌
  se‌‌
  aproximou‌‌ para‌‌ puxar‌‌ conversa,‌‌ como‌‌ já‌‌ 
havia‌  ‌feito‌  ‌alguns‌  ‌outras‌  ‌vezes.‌  ‌A ‌ ‌conversa‌  ‌era‌  ‌sempre‌  ‌sobre‌  ‌amenidades‌  ‌e ‌‌
simpatias.‌  ‌A ‌ ‌diferença‌  ‌é ‌‌que,‌‌   dessa‌‌
  vez,‌‌
  nós‌‌
  estávamos‌‌  cavando‌‌   os‌‌
  ninhos‌‌
  para‌‌   o ‌‌
plantio‌  ‌de‌  ‌mudas‌  ‌de‌  ‌árvores,‌  ‌então‌  ‌o ‌ ‌trabalho‌  ‌era‌  ‌um‌  ‌pouco‌  ‌mais‌  ‌pesado‌  ‌e ‌ ‌as‌‌ 
pedras‌  ‌do‌  ‌terreno‌  ‌contribuíam‌  ‌para‌  ‌que,‌  ‌aos‌  ‌olhos‌  ‌de‌  ‌nosso‌  ‌interlocutor,‌‌   aquilo‌‌ 
fosse‌  ‌lido‌  ‌como‌  ‌uma‌  ‌cena‌  ‌de‌  ‌sofrimento.‌  ‌Ele‌  ‌chegou‌  ‌mesmo‌  ‌a ‌ ‌me‌  ‌dizer‌  ‌que‌  ‌se‌‌ 

59
fosse‌  ‌um‌  ‌filho‌  ‌dele‌  ‌a ‌ ‌fazer‌  ‌aquele‌  ‌serviço‌  ‌ele‌  ‌lhe‌  ‌perguntaria‌  ‌“para‌  ‌quê‌  ‌gastei‌‌ 
tanto‌c‌ om‌s‌ eus‌e‌ studos?”.‌‌   ‌

Eu‌  ‌poderia‌  ‌ter-lhe‌  ‌dado‌  ‌a ‌ ‌resposta‌  ‌imediata‌‌   e ‌‌básica‌‌   de‌‌


  que‌‌
  “nessa‌‌  agricultura‌‌
  é ‌‌
preciso‌‌   estudar‌‌   muito‌‌  para‌‌   saber‌‌   cavar‌‌
  um‌‌
  buraco‌‌   direito”,‌‌ mas‌‌ eu‌‌ me‌‌ compadeci‌‌ 
com‌  ‌a ‌ ‌angústia‌  ‌daquele‌  ‌senhor‌  ‌que‌  ‌começava‌  ‌a ‌ ‌ser‌  ‌nosso‌  ‌amigo‌  ‌e ‌ ‌que‌  ‌talvez,‌‌ 
estivesse‌  ‌querendo‌  ‌ser‌  ‌nosso‌  ‌cúmplice.‌  ‌Talvez‌  ‌ele‌  ‌esperasse‌  ‌que‌  ‌nós‌‌ 
compartilhássemos‌  ‌alguma‌  ‌reclamação‌  ‌sobre‌  ‌os‌  ‌nossos‌  ‌empregadores,‌  ‌ou‌  ‌uma‌‌ 
lamúria‌  ‌pelos‌  ‌salários‌  ‌baixos,‌  ‌ou‌  ‌a ‌ ‌maldição‌  ‌da‌  ‌nossa‌  ‌lide...‌  ‌o ‌ ‌inimigo‌  ‌comum...‌‌ 
aquela‌  ‌clássica‌  ‌e ‌ ‌primária‌  ‌(e‌  ‌nefasta)‌  ‌ligação‌  ‌que‌  ‌se‌  ‌estabelece‌  ‌entre‌  ‌duas‌‌ 
pessoas.‌‌   O ‌‌resultado‌‌   é ‌‌que‌‌  não‌‌  falei‌‌
  nada.‌‌
  Continuei‌‌   a ‌‌cavar‌‌
  por‌‌
  ter‌‌
  convicção‌‌  de‌‌ 
que‌‌   o ‌‌que‌‌   eu‌‌
  estava‌‌
  fazendo‌‌ era‌‌ o ‌‌certo.‌‌ Não‌‌ por‌‌ um‌‌ salário,‌‌ tampouco‌‌ por‌‌ status‌‌ 
social,‌m ‌ as‌p ‌ orque‌e‌ ra‌o ‌ ‌c‌ erto.‌  ‌

 ‌

 ‌

Na‌  ‌verdade,‌  ‌relacionei‌  ‌a ‌ ‌reação‌  ‌daquele‌  ‌senhor‌  ‌com‌  ‌outros‌  ‌casos‌  ‌derivados‌  ‌da‌‌ 
nossa‌‌   experiência‌‌  de‌‌
  ensinar‌‌   agricultura‌‌ sintrópica.‌‌ A ‌‌relação‌‌ parece‌‌ distante,‌‌ mas‌‌ 
não‌é‌ .‌A‌ companhe‌c‌ omigo.‌  ‌

60
Sempre‌  ‌refletimos,‌  ‌juntos‌  ‌com‌  ‌os‌  ‌muitos‌  ‌parceiros‌  ‌que‌  ‌ministram‌  ‌cursos,‌‌ 
vivências‌  ‌e ‌ ‌estágios,‌  ‌sobre‌  ‌as‌  ‌dificuldades‌  ‌da‌  ‌capacitação‌  ‌nessa‌‌   área.‌‌
  Muitas‌‌   das‌‌ 
pessoas‌  ‌que‌  ‌procuram‌  ‌aprender‌  ‌agricultura‌  ‌sintrópica‌  ‌dão‌  ‌muito‌  ‌mais‌  ‌voltas‌  ‌do‌‌ 
que‌  ‌aquele‌  ‌nosso‌  ‌recente‌  ‌amigo‌  ‌da‌  ‌horta.‌  ‌Elas‌  ‌geralmente‌  ‌são‌  ‌aquelas‌  ‌pessoas‌‌ 
que‌  ‌fazem‌  ‌muitas‌  ‌reflexões‌  ‌sobre‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌querem‌  ‌fazer‌  ‌de‌  ‌suas‌  ‌vidas‌  ‌e ‌ ‌estão‌  ‌em‌‌ 
busca‌‌   de‌‌
  um‌‌ propósito.‌‌ São‌‌ também‌‌ geralmente‌‌ aquelas‌‌ que‌‌ não‌‌ se‌‌ iludem‌‌ com‌‌ o ‌‌
pacote‌  ‌de‌  ‌sucesso‌  ‌imposto‌  ‌por‌  ‌nossa‌  ‌sociedade,‌  ‌pois‌  ‌o ‌ ‌percebem‌  ‌como‌  ‌uma‌‌ 
escravidão‌‌   pré-programada.‌‌   São‌‌
  enfim,‌‌
  de‌‌
  um‌‌
  modo‌‌   geral,‌‌
  aquelas‌‌ que‌‌ criticam‌‌ e ‌‌
questionam‌  ‌o ‌ ‌status‌  ‌quo‌  ‌e ‌ ‌o ‌ ‌sistema‌  ‌dominante.‌  ‌Mas...‌  ‌mesmo‌  ‌essas‌  ‌pessoas,‌‌ 
entra‌  ‌dia‌  ‌e ‌ ‌sai‌  ‌dia....‌  ‌em‌  ‌algum‌  ‌momento‌  ‌elas‌  ‌também‌  ‌se‌  ‌ressentem‌  ‌de‌  ‌cavar‌‌ 
buracos.‌  ‌E ‌ ‌isso‌  ‌quer‌  ‌dizer‌  ‌mais‌  ‌sobre‌  ‌nossa‌  ‌sociedade‌  ‌do‌  ‌que‌  ‌inicialmente‌‌ 
podemos‌i‌maginar.‌  ‌

Sugiro‌‌   aqui‌‌
  três‌‌
  interpretações‌‌   para‌‌ o ‌‌fato:‌‌ uma‌‌ fundamentada‌‌ em‌‌ uma‌‌ dimensão‌‌ 
mais‌‌  econômica,‌‌   outra‌‌
  mais‌‌
  social‌‌
  e,‌‌
  por‌‌  fim,‌‌
  uma‌‌ última‌‌ interpretação‌‌ (pasmem)‌‌ 
literária.‌  ‌

Na‌  ‌primeira‌  ‌interpretação‌  ‌poderíamos‌  ‌enveredar‌  ‌pelas‌  ‌discussões‌  ‌sobre‌  ‌o ‌‌


trabalho‌  ‌alienado‌  ‌que‌  ‌explicaria,‌  ‌por‌‌   exemplo,‌‌
  o ‌‌porquê‌‌
  o ‌‌buraco‌‌  fica‌‌
  mais‌‌  difícil‌‌ 
de‌  ‌se‌  ‌cavar‌  ‌quando‌  ‌não‌  ‌há‌  ‌o ‌ ‌entendimento‌  ‌do‌‌
  propósito‌‌  total‌‌
  daquela‌‌   ação.‌‌  Ou‌‌ 
poderíamos‌  ‌falar‌  ‌sobre‌  ‌os‌  ‌dilemas‌  ‌da‌  ‌propriedade‌  ‌privada,‌  ‌pois‌  ‌o ‌ ‌incômodo‌  ‌de‌ 
cavar‌  ‌buracos‌  ‌aumenta‌  ‌quando‌  ‌você‌  ‌não‌  ‌cava‌  ‌para‌  ‌seu‌  ‌único‌  ‌e ‌ ‌exclusivo‌‌ 
benefício/lucro.‌  ‌Há‌  ‌quem‌  ‌fale‌  ‌sobre‌  ‌isso‌  ‌de‌  ‌forma‌  ‌muito‌  ‌melhor‌  ‌do‌  ‌que‌  ‌eu‌‌ 
poderia‌a‌ qui‌s‌ umarizar.‌U ‌ m‌e‌ xemplo‌e‌ m‌i‌nglês‌a‌ qui‌‌e‌ ‌e‌ m‌p‌ ortuguês‌a‌ qui‌. ‌ ‌

Na‌  ‌segunda‌  ‌interpretação‌  ‌poderíamos‌  ‌ressaltar‌  ‌os‌  ‌símbolos‌  ‌compartilhados‌‌ 


socialmente‌‌   de‌‌
  sucesso‌‌  e ‌‌fracasso.‌‌  Dependemos‌‌   do‌‌
  olhar‌‌
  do‌‌
  outro‌‌   para‌‌
  construir‌‌ 
nossa‌  ‌identidade.‌‌   Então,‌‌
  por‌‌  mais‌‌
  antissistema‌‌
  que‌‌  você‌‌
  seja,‌‌
  fica‌‌
  difícil‌‌
  defender‌‌ 
o‌o
‌ rgulho‌d‌ e‌c‌ avar‌b ‌ uracos.‌  ‌

A‌‌ última‌‌ interpretação‌‌ chamei‌‌ de‌‌ “literária”‌‌ porque‌‌ foi‌‌ inspirada‌‌ por‌‌ um‌‌ estudo‌‌ da‌‌ 
literatura‌c‌ lássica‌d
‌ e‌H
‌ esíodo‌e‌ ‌d
‌ e‌V‌ irgílio,‌f‌ eito‌p
‌ or‌S‌ tephanie‌N
‌ elson‌(‌ 7).‌  ‌

61
 ‌

A‌  ‌partir‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌inovadora‌  ‌análise‌  ‌dos‌‌


  poemas‌‌   de‌‌
  Hesíodo‌‌   e ‌‌de‌‌
  Virgílio,‌‌
  a ‌‌autora‌‌ 
Stephanie‌  ‌Nelson‌  ‌sugere‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌lugar‌  ‌do‌  ‌ser‌  ‌humano‌  ‌na‌  ‌natureza‌  ‌e ‌ ‌sua‌  ‌relação‌‌ 
com‌o ‌ ‌d
‌ ivino‌c‌ ondicionam‌a‌ ‌v‌ isão‌d ‌ e‌a‌ gricultura‌d ‌ e‌u
‌ ma‌s‌ ociedade.‌  ‌

Por‌  ‌mais‌  ‌inesperado‌  ‌que‌  ‌isso‌  ‌possa‌  ‌parecer,‌  ‌foi‌  ‌ali‌  ‌que‌  ‌encontrei‌  ‌profundas‌‌ 
reflexões‌‌   sobre‌‌   a ‌‌relação‌‌   entre‌‌  o ‌‌fazer‌‌
  agrícola‌‌   e ‌‌a ‌‌visão‌‌ de‌‌ mundo‌‌ compartilhada‌‌ 
por‌  ‌um‌  ‌grupo‌  ‌em‌  ‌uma‌  ‌determinada‌  ‌época.‌  ‌Isso‌  ‌tem‌  ‌mais‌  ‌a ‌ ‌ver‌  ‌com‌  ‌uma‌‌ 
orientação‌  ‌ética‌  ‌e ‌ ‌com‌‌   valores‌‌   morais‌‌   ali‌‌
  descritos‌‌   do‌‌
  que‌‌   com‌‌  aspectos‌‌   técnicos‌‌ 
da‌‌
  agricultura.‌‌   Stephanie‌‌   Nelson‌‌   defende‌‌   a ‌‌ideia‌‌   de‌‌   que‌‌
  a ‌‌maneira‌‌ como‌‌ fazemos‌‌ 
agricultura‌‌   mantém‌‌   íntima‌‌   relação‌‌   com‌‌
  nosso‌‌ entendimento‌‌ sobre‌‌ se‌‌ vivemos‌‌ em‌‌ 
harmonia‌  ‌ou‌  ‌alienados‌  ‌dos‌  ‌mundos‌  ‌físico,‌  ‌moral‌  ‌e ‌ ‌espiritual‌  ‌que‌  ‌está‌  ‌ao‌  ‌nosso‌‌ 
redor.‌‌  Tanto‌‌   Virgílio‌‌   quanto‌‌   Hesíodo,‌‌ cada‌‌ um‌‌ a ‌‌sua‌‌ maneira,‌‌ demonstraram‌‌ como‌‌ 
o‌‌
  universo‌‌   da‌‌  agricultura‌‌   é ‌‌um‌‌
  microcosmos‌‌   e ‌‌um‌‌   reflexo‌‌   do‌‌
  papel‌‌  do‌‌ homem‌‌ no‌‌ 
mundo.‌  ‌

Isso‌  ‌é ‌ ‌ratificado‌  ‌na‌  ‌história‌  ‌do‌  ‌surgimento‌  ‌da‌  ‌própria‌  ‌agricultura,‌  ‌cujos‌  ‌achados‌‌ 
arqueológicos‌  ‌cada‌  ‌vez‌  ‌mais‌  ‌sugerem‌  ‌que‌  ‌fatores‌  ‌cognitivos,‌  ‌mudanças‌‌ 
socioculturais‌‌   e ‌‌simbólicas‌‌  coexistem‌‌   com‌‌
  as‌‌
  tradicionais‌‌   interpretações‌‌ baseadas‌‌ 

62
no‌  ‌aumento‌  ‌populacional‌  ‌e ‌ ‌na‌  ‌escassez‌  ‌de‌  ‌recursos‌  ‌para‌‌   explicar‌‌
  a ‌‌transição,‌‌   na‌‌ 
chamada‌  ‌Revolução‌  ‌Neolítica,‌  ‌para‌  ‌uma‌  ‌economia‌  ‌produtiva‌  ‌baseada‌  ‌na‌‌ 
agricultura‌  ‌(2)(3).‌‌  Um‌‌   novo‌‌   sistema‌‌   estrutural‌‌  de‌‌
  imagens‌‌
  mentais‌‌  compartilhado‌‌ 
coletivamente‌  ‌passa‌  ‌a ‌ ‌representar‌  ‌a ‌ ‌relação‌  ‌da‌  ‌sociedade‌  ‌humana‌  ‌com‌  ‌o ‌‌
ambiente‌  ‌no‌  ‌qual‌  ‌ela‌  ‌se‌  ‌encontra.‌  ‌Além‌  ‌disso,‌  ‌observa-se‌  ‌também‌  ‌junto‌  ‌com‌  ‌o ‌‌
surgimento‌  ‌da‌  ‌agricultura‌  ‌uma‌  ‌ocorrência‌  ‌repentina‌  ‌de‌  ‌padrões‌  ‌de‌  ‌práticas‌‌ 
religiosas‌  ‌cada‌  ‌vez‌  ‌mais‌  ‌transcendentais.‌  ‌Ou‌  ‌seja,‌  ‌objetos,‌  ‌animais‌  ‌e ‌ ‌fenômenos‌‌ 
naturais‌  ‌deixaram‌  ‌de‌  ‌ser‌  ‌reverenciados‌  ‌e ‌ ‌foram‌  ‌substituídos‌  ‌por‌  ‌divindades‌‌ 
etéreas.‌  ‌É ‌ ‌como‌  ‌se,‌  ‌a ‌ ‌partir‌  ‌da‌  ‌agricultura,‌  ‌nós‌  ‌tivéssemos‌  ‌passado‌  ‌a ‌ ‌viver‌  ‌uma‌‌ 
separação‌  ‌e ‌ ‌uma‌  ‌desconfiança‌  ‌da‌  ‌natureza‌  ‌e ‌ ‌isso‌  ‌teria‌  ‌nos‌  ‌levado‌  ‌a ‌ ‌imaginar‌‌ 
cultos‌a‌ ncestrais‌e‌ ‌d ‌ euses‌d ‌ o‌c‌ éu‌(‌ 4).‌  ‌

 ‌

Neste‌  ‌livro,‌  ‌o ‌ ‌arqueólogo‌  ‌francês‌  ‌Jacques‌  ‌Cauvin‌  ‌propõe‌  ‌um‌  ‌alternativa‌  ‌para‌  ‌a ‌‌
interpretação‌  ‌do‌  ‌surgimento‌  ‌da‌  ‌agricultura.‌  ‌A ‌ ‌ênfase‌  ‌se‌  ‌desloca‌  ‌dos‌  ‌motivos‌‌ 
ambientais‌p ‌ ara‌o ‌ s‌m
‌ otivos‌c‌ ulturais.‌  ‌

 ‌

63
O‌  ‌que‌  ‌isso‌  ‌tem‌  ‌a ‌ ‌ver‌  ‌com‌  ‌cavar‌  ‌buracos?‌  ‌Tudo.‌  ‌O ‌ ‌discernimento‌  ‌sobre‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌é ‌‌
bom,‌‌   o ‌‌que‌‌
  é ‌‌certo‌‌   e ‌‌até‌‌
  mesmo‌‌   o ‌‌que‌‌ é ‌‌belo‌‌ na‌‌ agricultura‌‌ implica‌‌ um‌‌ particular‌‌ 
entendimento‌  ‌da‌  ‌natureza,‌  ‌do‌  ‌cosmos‌  ‌e ‌ ‌da‌  ‌nossa‌‌   relação,‌‌
  como‌‌  seres‌‌
  humanos,‌‌ 
com‌‌ o ‌‌mundo‌‌ físico‌‌ e ‌‌com‌‌ os‌‌ outros‌‌ seres.‌‌ Enquanto‌‌ a ‌‌noção‌‌ de‌‌ agricultura‌‌ estiver‌‌ 
separada‌  ‌da‌  ‌noção‌  ‌de‌  ‌natureza,‌  ‌ao‌  ‌ser‌  ‌humano‌  ‌só‌  ‌restam‌  ‌as‌  ‌opções‌  ‌de‌‌ 
expectador‌  ‌ou‌  ‌de‌  ‌explorador.‌  ‌Nas‌  ‌duas‌  ‌condições,‌  ‌o ‌ ‌ato‌  ‌de‌  ‌cavar‌  ‌buracos‌  ‌só‌‌   vai‌‌ 
fazer‌‌  sentido‌‌   se‌‌
  eu‌‌  enxergar‌‌   um‌‌
  benefício‌‌ próprio,‌‌ a ‌‌curto‌‌ prazo‌‌ e,‌‌ de‌‌ preferência,‌‌ 
exclusivo.‌  ‌

Uma‌‌  transformação‌‌   da‌‌ atitude‌‌ ética‌‌ individual‌‌ e ‌‌social,‌‌ baseada‌‌ em‌‌ valores‌‌ morais‌‌ 


relacionados‌  ‌com‌  ‌uma‌  ‌justiça‌  ‌intergeracional‌  ‌(direito‌  ‌das‌  ‌futuras‌  ‌gerações‌  ‌de‌‌ 
terem‌  ‌acesso‌  ‌aos‌  ‌mesmos‌  ‌recursos‌  ‌naturais‌  ‌que‌  ‌hoje‌  ‌disfrutamos)‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌nova‌‌ 
dimensão‌  ‌da‌  ‌sustentabilidade‌  ‌defendida‌  ‌pelo‌  ‌pesquisador‌  ‌Scarano‌  ‌(8),‌  ‌e ‌‌da‌‌   qual‌‌ 
depende‌a‌ ‌p‌ rópria‌s‌ ustentação‌d ‌ a‌h
‌ umanidade‌n ‌ a‌T‌ erra.‌‌   ‌

Em‌  ‌última‌  ‌instância,‌  ‌podemos‌  ‌dizer‌  ‌que‌  ‌para‌  ‌que‌  ‌haja‌  ‌uma‌  ‌onda‌  ‌de‌  ‌adoção‌  ‌de‌‌ 
práticas‌  ‌agrícolas‌  ‌mais‌  ‌sustentáveis,‌  ‌temos‌  ‌que‌  ‌ser‌  ‌capazes‌  ‌de‌  ‌mudar‌  ‌os‌  ‌nossos‌‌ 
“quereres”.‌  ‌Precisamos‌  ‌encontrar‌  ‌na‌  ‌interação‌  ‌benéfica‌  ‌com‌‌   o ‌‌meio‌‌
  nossa‌‌
  razão,‌‌ 
nossa‌  ‌motivação‌  ‌e ‌ ‌nossa‌  ‌recompensa.‌  ‌É ‌ ‌preciso‌  ‌ver‌  ‌um‌  ‌solo‌  ‌descoberto,‌  ‌uma‌‌ 
árvore‌  ‌precisando‌  ‌de‌  ‌poda‌  ‌ou‌  ‌uma‌  ‌semente‌  ‌indo‌  ‌para‌  ‌o ‌ ‌lixo‌  ‌e ‌ ‌sentir‌  ‌a ‌ ‌mesma‌‌ 
aflição‌‌  de‌‌  se‌‌
  ver‌‌
  uma‌‌  criança‌‌   passando‌‌   fome,‌‌
  outra‌‌   sem‌‌ conseguir‌‌ respirar‌‌ direito‌‌ 
e‌‌
  outra‌‌   desperdiçando‌‌   o ‌‌seu‌‌
  futuro.‌‌  É ‌‌preciso‌‌ ter‌‌ o ‌‌mesmo‌‌ ímpeto‌‌ incontrolável‌‌ e ‌‌
a‌‌
  mesma‌‌   satisfação‌‌ de‌‌ poder‌‌ contribuir‌‌ para‌‌ a ‌‌diminuição‌‌ do‌‌ sofrimento‌‌ do‌‌ outro.‌‌ 
Seja‌  ‌com‌  ‌um‌  ‌prato‌  ‌de‌  ‌comida,‌  ‌seja‌  ‌cuidando‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌jardim,‌  ‌seja‌  ‌respeitando‌  ‌e ‌‌
dando‌  ‌valor‌  ‌à ‌ ‌continuidade‌‌   da‌‌  vida.‌‌
  É ‌‌uma‌‌  escolha‌‌   de‌‌
  conduta‌‌   que‌‌
  não‌‌
  pode‌‌  ser‌‌ 
imposta,‌é‌ ‌p ‌ reciso‌s‌ er‌s‌ entida.‌  ‌

64
 ‌

Na‌  ‌foto‌  ‌vemos‌  ‌Ernst‌  ‌Götsch‌  ‌cavando‌  ‌canais‌  ‌de‌  ‌drenagem‌  ‌em‌  ‌uma‌  ‌área‌  ‌alagada‌  ‌e ‌‌
degradada‌  ‌na‌  ‌Fazenda‌  ‌São‌  ‌Sebastião.‌  ‌A ‌ ‌visão‌  ‌da‌  ‌futura‌  ‌prosperidade‌  ‌do‌  ‌lugar‌  ‌é ‌ ‌sua‌‌ 
motivação.‌‌   O ‌‌resultado‌‌
  pode‌‌
  ser‌‌
  visto‌‌
  ‌aqui‌‌
  (português)‌‌   e ‌‌‌aqui‌‌
  (inglês).‌‌
  A ‌‌convivência‌‌ com‌‌ 
Ernst‌‌  e ‌‌seu‌‌
  exemplo‌‌ de‌‌ conduta‌‌ foram‌‌ o ‌‌estímulo‌‌ inicial‌‌ e ‌‌fundamental‌‌ das‌‌ reflexões‌‌ deste‌‌ 
texto.‌  ‌

 ‌

REFERÊNCIAS‌  ‌

(1)‌  ‌ABRAMOVAY,‌  ‌R.‌  ‌“Paradigmas‌  ‌do‌  ‌Capitalismo‌‌


  Agrário‌‌
  em‌‌
  Questão”.‌‌
  In:‌‌
  Seminário‌‌
  Nacional‌‌
  de‌‌
  Assistência‌‌
  Técnica‌‌
  e ‌‌
Extensão‌R ‌ ural.‌A
‌ nais:‌B ‌ rasília,‌1
‌ 997.‌  ‌

(2)‌‌
  BOWLES,‌‌
  S.;‌‌
  CHOI,‌‌   J.‌‌
  K.‌‌
  “Coevolution‌‌  of‌‌
  Farming‌‌
  and‌‌
  Private‌‌ Property‌‌ During‌‌ the‌‌ Early‌‌ Holocene”.‌‌ Proceedings‌‌ of‌‌ the‌‌ 
National‌A
‌ cademy‌o ‌ f‌S‌ ciences,‌2 ‌ 013.‌  ‌

(3)‌C
‌ AUVIN,‌J‌ .‌“‌ The‌B
‌ irth‌o
‌ f‌t‌ he‌G
‌ ods‌a‌ nd‌t‌ he‌O
‌ rigins‌o
‌ f‌A
‌ griculture”.‌C
‌ ambridge‌U
‌ niversity‌P
‌ ress:‌C
‌ ambridge,‌2
‌ 000.‌  ‌

(4)‌  ‌ISETT,‌  ‌C.;‌  ‌MILLER,‌‌


  S.‌‌
  “ The‌‌
  Social‌‌
  History‌‌
  of‌‌
  Agriculture:‌‌
  from‌‌
  the‌‌
  origins‌‌
  to‌‌
  the‌‌
  current‌‌
  crisis”.‌‌
  Rowman‌‌
  & ‌‌Littlefield‌‌ 
Publishers:‌M ‌ aryland,‌2 ‌ 016.‌  ‌

(5)‌‌
  MEIJER,‌‌
  S.‌‌
  S,‌‌
  et.‌‌
  al.‌‌
  “ The‌‌
  Role‌‌
  of‌‌ Knowledge,‌‌ Attitudes‌‌ and‌‌ Perceptions‌‌ in‌‌ the‌‌ Uptake‌‌ of‌‌ Agricultural‌‌ and‌‌ Agroforestry‌‌ 
Innovations‌A ‌ mong‌S‌ mallholder‌F‌ armers‌i‌n‌s‌ ub-Saharan‌A ‌ frica”.‌I‌ nternational‌J‌ ournal‌o ‌ f‌A
‌ gricultural‌S‌ ustainability,‌2 ‌ 005.‌  ‌

(6)‌M
‌ ERCER,‌D
‌ .‌“‌ Adoption‌o
‌ f‌A
‌ groforestry‌I‌ nnovations‌i‌n‌t‌ he‌T‌ ropics:‌a‌ ‌r‌ eview.‌A
‌ groforestry‌s‌ ystems,‌2
‌ 004.‌  ‌

(7)‌‌
  NELSON,‌‌   S.‌‌
  A.‌‌
  “God‌‌
  and‌‌
  the‌‌
  Land‌‌
  – ‌‌The‌‌
  Metaphysics‌‌
  of‌‌
  Farming‌‌
  in‌‌
  Hesiod‌‌
  and‌‌
  Vergil”.‌‌ Oxford‌‌ University‌‌ Press:‌‌ New‌‌ 
York,‌1
‌ 998.‌  ‌

65
(8)‌‌
  SCARANO,‌‌   F.‌‌
  R.‌‌
  “ The‌‌
  Emergence‌‌ of‌‌ Sustainability”‌‌ In:‌‌ Wegener,‌‌ L.;‌‌ Lüttge,‌‌ U.‌‌ (eds.).‌‌ Emergence‌‌ and‌‌ Modularity‌‌ in‌‌ Life‌‌ 
Sciences.‌S‌ pringer-Nature,‌C ‌ ham,‌2
‌ 019.‌  ‌

Talvez‌v‌ ocê‌t‌ ambém‌s‌ e‌i‌nteresse:‌  ‌

Agricultura:‌u
‌ m‌p
‌ roblema‌d
‌ e‌1
‌ 0‌m
‌ il‌a‌ nos‌  ‌
Dayana‌A
‌ ndrade‌  ‌

A‌‌ agricultura‌‌ é ‌‌de‌‌ longe‌‌ a ‌‌atividade‌‌ mais‌‌ inovadora‌‌ e ‌‌revolucionária‌‌ que‌‌ a ‌‌humanidade‌‌ já‌‌ testemunhou.‌‌ 
Ela‌‌ moldou‌‌ todos‌‌ os‌‌ aspectos‌‌ da‌‌ nossa‌‌ existência‌‌ e ‌‌definiu‌‌ como‌‌ percebemos‌‌ e ‌‌nos‌‌ relacionamos‌‌ com‌‌ o ‌‌
mundo‌‌natural.‌  ‌

 ‌

66
Autora: Dayana Andrade

Data: 20-09-2018

A virada da agricultura convencional

No centro do Brasil, no coração do agronegócio, encontramos um grupo de grandes


produtores nem tão convencional assim. O GAS - Grupo de Agricultura Sustentável -
é composto por pioneiros que decidiram inovar ao adaptar seus cultivos para uma
transição no sentido da sintropia.

Uma esperança em grande escala para recuperar os milhões de hectares


desmatados desse nosso país.

A continuação dessa história você vai poder acompanhar aqui no site. Publicaremos
todas as novidades que tivermos sobre:

● O desenho do sistema proposto por Ernst Götsch;


● O desenvolvimento de máquinas da parceira GAS+Götsch;
● Os dados que forem levantados sobre economia com insumos, etc.

Link do vídeo “A Virada do Convencional”: https://vimeo.com/290915615

67
Autora‌:‌‌Dayana‌‌Andrade‌‌
   ‌

Data‌:‌‌20-09-2018‌  ‌

 ‌

Agricultura:‌‌um‌‌problema‌‌de‌‌10‌‌mil‌‌anos‌  ‌

 ‌
A‌  ‌agricultura‌  ‌é ‌ ‌de‌  ‌longe‌  ‌a ‌ ‌atividade‌  ‌mais‌  ‌inovadora‌  ‌e ‌ ‌revolucionária‌  ‌que‌  ‌a ‌‌
humanidade‌  ‌já‌  ‌testemunhou.‌  ‌Ela‌  ‌moldou‌  ‌todos‌  ‌os‌  ‌aspectos‌  ‌da‌  ‌nossa‌  ‌existência‌  ‌e ‌‌
definiu‌  ‌como‌  ‌percebemos‌  ‌e ‌ ‌nos‌  ‌relacionamos‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌mundo‌  ‌natural.‌  ‌Através‌  ‌da‌‌  
agricultura,‌‌   nós‌‌  mudamos‌‌   o ‌‌planeta‌‌  de‌‌
 uma‌‌  forma‌‌  que‌‌  nenhuma‌‌  espécie‌‌  jamais‌‌ fez,‌ 
deixando‌‌nossos‌‌rastros‌‌desde‌‌a‌‌topo‌‌da‌‌atmosfera‌‌até‌‌o‌‌fundo‌‌do‌‌oceano.‌  ‌
 ‌
Nesse‌  ‌sentido,‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌sabemos‌  ‌sobre‌  ‌a ‌ ‌história‌  ‌da‌  ‌agricultura‌  ‌nos‌  ‌mostra‌  ‌que‌  ‌o ‌‌
polêmico‌  ‌debate‌  ‌em‌  ‌torno‌  ‌do‌  ‌que‌  ‌levou‌  ‌caçadores‌  ‌e ‌ ‌coletores‌  ‌à ‌ ‌cultivar‌  ‌a ‌ ‌terra‌  ‌é ‌‌
mais‌  ‌especulativo‌  ‌do‌‌   que‌‌
  concreto.‌‌   Há‌‌  teorias‌‌   que‌‌  sustentam‌‌   que‌‌  a ‌‌motivação‌‌   dos‌‌
 
primeiros‌  ‌agrupamentos‌  ‌agrícolas‌  ‌esteve‌  ‌relacionada‌  ‌com‌  ‌aspectos‌  ‌tão‌  ‌distintos‌‌  
quanto:‌‌   adaptação‌‌   às‌‌  mudanças‌‌   climáticas‌‌   após‌‌  a ‌‌última‌‌  glaciação;‌‌  necessidade‌‌  de‌‌ 
ter‌  ‌um‌  ‌meio‌  ‌mais‌  ‌eficiente‌  ‌de‌  ‌acesso‌  ‌à ‌ ‌comida;‌  ‌evolução‌  ‌inevitável‌  ‌do‌  ‌progresso‌‌  
técnico;‌  ‌limitações‌  ‌físicas‌  ‌como‌  ‌baixa‌  ‌estatura‌  ‌e ‌ ‌pouca‌  ‌força‌  ‌física‌  ‌de‌  ‌alguns‌  ‌que‌‌  
não‌  ‌seriam‌  ‌aptos‌  ‌à ‌ ‌caça‌  ‌e ‌ ‌à ‌ ‌coleta;‌  ‌ou‌  ‌ainda‌  ‌expansão‌  ‌demográfica‌  ‌(ora‌  ‌como‌‌  
motivo,‌  ‌ora‌  ‌como‌  ‌resultado);‌  ‌e ‌ ‌há‌‌   até‌‌
  quem‌‌   levante‌‌   a ‌‌hipótese‌‌   de‌‌
  que‌‌  o ‌‌desejo‌‌
  de‌ 
posse‌  ‌pode‌  ‌ter‌  ‌sido‌  ‌uma‌  ‌motivação‌  ‌para‌  ‌as‌  ‌comunidades‌  ‌começarem‌  ‌a ‌ ‌se‌‌  
estabelecer,‌  ‌cuidar‌  ‌e ‌ ‌proteger‌  ‌alguns‌  ‌bens.‌  ‌Naturalmente,‌  ‌predominam‌  ‌as‌‌  
abordagens‌  ‌que‌  ‌entendem‌  ‌este‌  ‌como‌‌   sendo‌‌   um‌‌  processo‌‌   composto‌‌   por‌‌
  diferentes‌‌ 
variáveis‌‌simultâneas,‌‌atuando‌‌em‌‌um‌‌longo‌‌intervalo‌‌de‌‌tempo.‌  ‌
 ‌

 ‌

68
 ‌
No‌  ‌Oriente,‌  ‌por‌  ‌exemplo,‌  ‌um‌  ‌dos‌  ‌mais‌  ‌antigos‌  ‌centros‌  ‌de‌‌   origem‌‌   da‌‌
  agricultura,‌‌   a ‌‌
fase‌‌  de‌‌
  transição‌‌   de‌‌
  caçadores‌‌   e ‌‌coletores‌‌   para‌‌  protoagricultores‌‌   teria‌‌   durado‌‌   mais‌‌  
de‌  ‌1.000‌  ‌anos.‌  ‌Os‌  ‌achados‌  ‌arqueológicos‌  ‌que‌  ‌nos‌  ‌contam‌  ‌essa‌  ‌história‌  ‌são‌‌  
compostos‌  ‌por‌  ‌vestígios‌  ‌de‌  ‌plantas‌  ‌e ‌ ‌animais‌‌   domesticados,‌‌   utensílios‌‌   de‌‌
  trabalho‌‌  
como‌  ‌foices,‌  ‌machados‌  ‌e ‌‌moendas,‌‌   cerâmicas‌‌   para‌‌  armazenamento,‌‌   além‌‌   de‌‌
  uma‌‌  
evidente‌  ‌evolução‌  ‌na‌  ‌constituição‌  ‌das‌  ‌habitações‌  ‌que‌  ‌se‌  ‌formaram‌  ‌entre‌  ‌9.500‌  ‌e ‌‌
9.000‌  ‌anos‌  ‌antes‌  ‌da‌  ‌Era‌  ‌presente.‌  ‌Um‌  ‌certo‌  ‌nível‌  ‌de‌  ‌exigência‌  ‌de‌  ‌complexidade‌‌  
social‌  ‌parece‌  ‌ser‌  ‌indissociável‌  ‌do‌  ‌surgimento‌  ‌da‌  ‌agricultura,não‌  ‌restando‌  ‌dúvidas,‌‌  
portanto,‌  ‌quanto‌  ‌à ‌ ‌correlação‌  ‌entre‌‌   esta‌‌
  atividade‌‌   produtiva‌‌   e ‌‌muitas‌‌   mudanças‌‌   de‌‌ 
ordem‌‌ecológica,‌‌social,‌‌econômica,‌‌cultural‌‌e‌‌tecnológica.‌  ‌

 ‌
 ‌
Outra‌  ‌explicação‌  ‌que‌  ‌as‌  ‌pesquisas‌  ‌arqueológicas‌  ‌buscam‌  ‌é ‌ ‌com‌  ‌relação‌  ‌ao‌  ‌que‌‌  
motivou‌  ‌a ‌ ‌transformação‌  ‌tecnológica‌  ‌seguinte‌  ‌da‌  ‌agricultura:‌  ‌aquela‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌se‌‌  
passou‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌sistema‌  ‌de‌  ‌produção‌  ‌itinerante‌  ‌para‌  ‌um‌  ‌sistema‌  ‌de‌  ‌produção‌‌  
permanente.‌‌   O ‌‌fato‌‌
  de‌‌
  o ‌‌novo‌‌
  modelo‌‌
  ser‌‌  mais‌‌  trabalhoso‌‌   e ‌‌menos‌‌
 rentável‌‌  parece‌‌  
sugerir‌  ‌que‌  ‌apenas‌  ‌uma‌  ‌forte‌  ‌restrição‌  ‌poderia‌  ‌impelir‌  ‌tal‌  ‌mudança.‌  ‌Nesse‌‌   caso‌‌
  a ‌‌
pressão‌  ‌demográfica‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌mais‌  ‌provável‌  ‌das‌  ‌hipóteses‌  ‌-‌  ‌mas‌  ‌não‌  ‌sem‌  ‌estar‌‌  
associada‌‌às‌‌limitações‌‌ecológicas‌‌e‌‌técnicas‌‌circunstanciais.‌  ‌
Enquanto‌  ‌que‌  ‌na‌  ‌agricultura‌  ‌itinerante‌  ‌a ‌ ‌base‌  ‌técnica‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌derrubada‌  ‌e ‌‌queima,‌‌
  na‌‌ 
agricultura‌  ‌permanente‌  ‌começa-se‌  ‌a ‌ ‌trabalhar‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌arado‌  ‌e ‌ ‌com‌  ‌o ‌ ‌pousio‌  ‌(para‌‌  
garantir‌  ‌a ‌ ‌recuperação‌  ‌das‌  ‌áreas‌  ‌exauridas).‌  ‌A‌  ‌vantagem,‌  ‌em‌  ‌comparação‌  ‌com‌  ‌a ‌‌

69
agricultura‌  ‌itinerante,‌  ‌seria‌  ‌a ‌ ‌da‌  ‌necessidade‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌menor‌  ‌área‌  ‌disponível‌  ‌para‌‌  
uma‌‌maior‌‌produção‌‌proporcionalmente.‌  ‌
 ‌
Para‌  ‌o ‌ ‌pesquisador‌  ‌David‌  ‌Montgomery,‌  ‌que‌  ‌estuda‌  ‌a ‌ ‌emergência‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌decadência‌‌  
das‌‌   civilizações‌‌   pelos‌‌   rastros‌‌  de‌‌  erosão‌‌  que‌‌ deixaram‌‌  no‌‌
 solo,‌‌  o ‌‌avanço‌‌  da‌‌ fronteira‌‌  
agrícola‌  ‌tem‌  ‌relação‌  ‌direta‌  ‌com‌  ‌as‌  ‌condições‌  ‌ecológicas‌  ‌cujas‌  ‌limitações‌  ‌foram,‌  ‌a ‌‌
cada‌  ‌passo,‌  ‌sendo‌  ‌colocadas‌  ‌apenas‌  ‌um‌  ‌pouco‌  ‌mais‌  ‌adiante.‌  ‌Ou‌  ‌seja,‌  ‌primeiro‌‌  
foram‌  ‌escolhidas‌  ‌as‌  ‌terras‌  ‌de‌  ‌boa‌  ‌qualidade‌  ‌em‌  ‌regiões‌  ‌com‌  ‌um‌  ‌bom‌  ‌regime‌  ‌de‌‌  
chuvas.‌  ‌Exauridas‌  ‌essas‌  ‌terras‌  ‌e ‌ ‌com‌  ‌o ‌ ‌desenvolvimento‌  ‌da‌  ‌irrigação,‌  ‌a ‌ ‌atividade‌‌  
agrícola‌  ‌pode‌  ‌migrar‌  ‌para‌  ‌as‌  ‌terras‌  ‌de‌  ‌boa‌  ‌qualidade,‌  ‌mas‌  ‌sem‌  ‌chuvas.‌  ‌Com‌  ‌a ‌‌
invenção‌‌   do‌‌  arado,‌‌   foi‌‌
  possível‌‌   também‌‌  expandir‌‌  para‌‌  as‌‌
 terras‌‌  nem‌‌  tão‌‌  boas‌‌  assim‌‌  
ou‌‌  voltar‌‌ àquelas‌‌  já‌‌
 desgastadas‌‌  pelo‌‌  uso.‌‌ O ‌‌resultado‌‌  direto‌‌  da‌‌  agricultura‌‌  intensiva‌‌  
e‌  ‌do‌  ‌pastoreio‌  ‌de‌  ‌cabras‌  ‌foi‌  ‌o ‌ ‌abandono‌  ‌de‌  ‌aldeias‌  ‌inteiras‌  ‌na‌  ‌região‌  ‌central‌  ‌da‌‌  
Jordânia‌  ‌cerca‌  ‌de‌  ‌6000‌‌   a.C,‌‌
  deixando‌‌   para‌‌
  trás‌‌
  um‌‌   rastro‌‌  de‌‌   erosão‌‌   e ‌‌degradação‌‌  
do‌‌solo..‌  ‌
 ‌
Um‌  ‌dos‌  ‌registros‌  ‌escritos‌  ‌mais‌  ‌antigos‌  ‌sobre‌  ‌agricultura‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌"A‌  ‌Instrução‌  ‌do‌‌  
Fazendeiro”,‌  ‌uma‌  ‌espécie‌  ‌de‌  ‌manual‌  ‌de‌  ‌técnicas‌  ‌agrícolas‌  ‌da‌  ‌Suméria.‌  ‌Escrito‌‌  
como‌‌   uma‌‌   carta‌‌  com‌‌   orientações‌‌   de‌‌
 um‌‌  agricultor‌‌  para‌‌ seu‌‌  filho,‌‌  nele‌‌ é ‌‌citado‌‌  o ‌‌uso‌‌  
do‌  ‌arado‌  ‌junto‌  ‌com‌‌   uma‌‌   espécie‌‌   de‌‌
  semeador,‌‌   a ‌‌técnica‌‌   de‌‌   pousio,‌‌   a ‌‌irrigação‌‌   e ‌‌a ‌‌
preocupação‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌salinização‌  ‌e,‌  ‌sobretudo,‌  ‌expressamente‌  ‌é ‌ ‌desencorajado‌‌  
qualquer‌‌  tipo‌‌  de‌‌
 experimento.‌‌  A‌‌
 inovação‌‌  na‌‌
 agricultura‌‌  é ‌‌vista‌‌  como‌‌  um‌‌  risco‌‌ com‌‌  o ‌‌
qual‌‌a‌‌atividade‌‌agrícola,‌‌simplesmente,‌‌não‌‌pode‌‌arcar.‌  ‌

 ‌
 ‌
Esses‌  ‌exemplos‌  ‌nos‌  ‌apontam‌  ‌duas‌‌  
condições‌  ‌intrínsecas‌  ‌da‌  ‌agricultura‌‌  
que,‌  ‌aparentemente,‌  ‌fizeram‌  ‌com‌  ‌que‌‌  
ela‌  ‌não‌‌
  fosse‌‌   um‌‌
  ambiente‌‌
  fértil‌‌
  para‌‌
  a ‌‌
inovação‌  ‌na‌  ‌remota‌  ‌realidade‌  ‌suméria‌‌  
e‌‌que‌‌se‌‌reproduzem‌‌até‌‌a‌‌atualidade.‌  ‌
Quais‌  ‌sejam,‌  ‌as‌  ‌ideias‌  ‌de‌  ‌que‌  ‌1)‌‌ 
estamos‌‌   no‌‌
  limite‌‌
 ecológico‌‌
 e ‌‌2)‌‌
 de‌‌ que‌‌
 
não‌  ‌podemos‌  ‌arriscar‌  ‌diminuir‌  ‌a ‌‌
produção‌  ‌sob‌  ‌o ‌ ‌risco‌  ‌da‌  ‌escassez‌‌  
alimentar.‌  ‌Ou‌  ‌seja,‌  ‌a ‌ ‌história‌  ‌da‌‌  
agricultura‌  ‌mostra‌  ‌que‌  ‌essa‌  ‌atividade‌‌  
está‌  ‌constantemente‌  ‌fugindo‌  ‌ou‌‌  
combatendo‌  ‌a ‌ ‌inexorabilidade‌  ‌da‌‌  
natureza‌  ‌e ‌ ‌sempre‌  ‌constrangida‌  ‌pelo‌‌  
conflito‌  ‌entre‌  ‌ter‌  ‌que‌  ‌atender‌  ‌as‌‌  
demandas‌  ‌do‌  ‌presente‌  ‌imediato‌  ‌ou‌‌  
ponderar‌  ‌a ‌ ‌responsabilidade‌  ‌com‌  ‌o ‌‌

70
futuro,‌‌o‌‌que‌‌significaria‌‌priorizar‌‌práticas‌‌mais‌‌sustentáveis.‌  ‌
 ‌
O‌‌
  fato‌‌   de‌‌
  termos,‌‌   ao‌‌   longo‌‌   desses‌‌  10‌‌  mil‌‌  anos,‌‌  superado‌‌  (ou‌‌ adiado)‌‌  as‌‌  imposições‌‌  
dos‌‌   limites‌‌   da‌‌  natureza,‌‌   induz‌‌   uma‌‌   certa‌‌   crença‌‌   ou‌‌  fé‌‌
  de‌‌ que‌‌  a ‌‌solução‌‌  para‌‌  a ‌‌crise‌‌
 
ambiental‌  ‌crônica‌  ‌virá‌  ‌exclusivamente‌  ‌pela‌  ‌via‌  ‌tecnológica.‌  ‌Inteligência‌  ‌artificial,‌‌  
robotização,‌  ‌nanotecnologia‌  ‌ou‌  ‌descoberta‌  ‌da‌  ‌água‌  ‌em‌  ‌Marte,‌  ‌surgem‌  ‌como‌‌  
esperanças‌  ‌que‌‌   um‌‌   ‌deus‌‌   ex‌‌   machina‌‌   resolva‌‌   todos‌‌   os‌‌  grandes‌‌   impasses,‌‌   sem‌‌   que‌‌
 
precisemos‌  ‌mudar‌  ‌significantemente‌  ‌nossas‌  ‌estruturas‌  ‌sociais‌  ‌e ‌ ‌modelos‌  ‌de‌‌  
produção‌  ‌e ‌ ‌consumo.‌  ‌Essa‌  ‌visão‌  ‌ignora‌  ‌o ‌ ‌fato‌  ‌de‌  ‌que,‌  ‌como‌  ‌disse‌‌   Lynn‌‌   Margulis,‌‌  
até‌  ‌agora‌  ‌a ‌‌única‌‌   forma‌‌   pela‌‌   qual‌‌  nós,‌‌   seres‌‌   humanos,‌‌   provamos‌‌   nossos‌‌   domínios‌‌  
foi‌  ‌pela‌  ‌expansão.‌  ‌“Continuamos‌  ‌a ‌ ‌ser‌  ‌atrevidos,‌  ‌broncos‌  ‌e ‌ ‌recentes,‌  ‌mesmo‌  ‌à ‌‌
medida‌  ‌que‌  ‌nos‌  ‌tornamos‌  ‌mais‌‌   numerosos”.‌‌   Não‌‌   podemos‌‌   reproduzir‌‌   mecanismos‌‌  
de‌  ‌vida‌  ‌e ‌ ‌de‌  ‌incremento‌  ‌do‌  ‌capital‌  ‌natural‌  ‌que‌  ‌ainda‌  ‌não‌  ‌conseguimos‌  ‌nem‌  ‌ao‌‌  
menos‌‌descrever‌‌completamente.‌  ‌
 ‌
No‌  ‌outro‌  ‌extremo,‌  ‌temos‌  ‌aqueles‌  ‌que‌  ‌advogam‌  ‌pelo‌  ‌retorno‌  ‌às‌  ‌agriculturas‌‌  
tradicionais,‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌uma‌  ‌natureza‌  ‌pristina‌  ‌mítica.‌  ‌No‌  ‌entanto,‌  ‌vivemos‌  ‌uma‌‌   época‌‌   em‌‌
 
que‌‌   as‌‌
 atividades‌‌  humanas‌‌  apesar‌‌  de‌‌  não‌‌  controlarem‌‌  a ‌‌natureza‌‌  (como‌‌  professado‌‌  
pelo‌‌  ideal‌‌ Iluminista)‌‌  de‌‌  fato‌‌  determinam‌‌  todas‌‌  as‌‌ dimensões‌‌  da‌‌  vida‌‌  ecológica.‌‌  E‌‌  os‌‌
 
movimentos‌‌   “back‌‌  to‌‌ land”‌‌  dos‌‌  anos‌‌  60‌‌  e ‌‌70‌‌
 apesar‌‌  de‌‌  terem‌‌  deixado‌‌  um‌‌  importante‌‌  
legado,‌‌também‌‌são‌‌um‌‌roteiro‌‌já‌‌conhecido‌‌de‌‌convicções‌‌e‌‌limites.‌  ‌
Quando‌  ‌estudamos‌  ‌a ‌ ‌história‌  ‌da‌  ‌agricultura‌  ‌tendo‌  ‌a ‌ ‌agricultura‌  ‌sintrópica‌  ‌como‌‌  
perspectiva,‌‌   suspeitamos‌‌   que‌‌  tampouco‌‌  uma‌‌  solução‌‌  conciliadora‌‌  entre‌‌  o ‌‌retorno‌‌  às‌‌
 
tradições‌  ‌associado‌  ‌às‌  ‌novas‌  ‌tecnologias‌  ‌pode‌  ‌ser‌  ‌suficiente‌  ‌pois,‌  ‌os‌  ‌paradigmas‌‌  
que‌  ‌as‌  ‌fundamentam‌  ‌foram‌  ‌justamente‌  ‌as‌  ‌racionalidades‌  ‌que‌  ‌nos‌  ‌trouxeram‌  ‌ao‌‌  
ponto‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌hoje‌  ‌nos‌  ‌encontramos,‌  ‌tanto‌  ‌de‌  ‌crise‌  ‌ecológica‌  ‌quanto‌  ‌de‌  ‌crise‌‌  
produtiva.‌  ‌
 ‌
Não‌  ‌mudaremos‌  ‌a ‌ ‌maneira‌  ‌pela‌  ‌qual‌  ‌interagimos‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌natureza‌  ‌enquanto‌  ‌um‌‌  
manejo‌  ‌mais‌  ‌“integrado”,‌  ‌ou‌  ‌“ecológico”,‌  ‌ou‌  ‌“sustentável”‌  ‌estiver‌  ‌condicionado‌  ‌a ‌‌
determinações‌  ‌biológicas,‌  ‌restrições‌  ‌tecnológicas,‌  ‌coerções‌  ‌legais‌  ‌ou‌  ‌punições‌‌  
sociais.‌‌   Por‌‌   outro‌‌  lado,‌‌   se‌‌   mudarmos‌‌   nossa‌‌   matriz‌‌   de‌‌  pensamento‌‌   e ‌‌pudermos‌‌  nos‌‌ 
reposicionar‌  ‌enquanto‌  ‌espécie‌  ‌no‌  ‌ecossistema‌  ‌-‌  ‌como‌  ‌a ‌ ‌agricultura‌  ‌sintrópica‌‌  
sugere‌‌e‌‌opera‌‌-‌‌ao‌‌menos‌‌uma‌‌luz‌‌no‌‌fim‌‌do‌‌túnel‌‌pode‌‌começar‌‌a‌‌aparecer.‌  ‌

 ‌
 ‌
 ‌
 ‌

71
Autora: Dayana Andrade

Data: 30-08-2018

ÁGUA SE PLANTA!

Ernst Götsch fez essa declaração em nossos vídeos e, desde então, o bordão
pegou! Mas será que isso foi só uma frase de efeito? Ou tem algum fundamento? O
que ele falou antes e depois disso? Qual era o contexto? No Life in Syntropy nós
temos a alegria de fazer justamente isso: revisitar nosso acervo e compartilhar com
vocês essas pérolas. Assista agora, definitivamente, o porque água se planta – e de
quebra conheça um exemplo de uma área degradada por sucessivos plantios de
cana de açúcar que foi recuperada para o plantio de grãos e madeira.

Ernst também abre caminho para discutirmos mais profundamente desenhos de


grande escala em transição para sistemas Sintrópicos. Aqui ele explica como a atual
demanda por grãos é respondida com práticas e pensamentos verdadeiramente
regenerativos, do plantio ao manejo.

* Este vídeo foi gravado no interior de São Paulo. Ernst atualmente assiste plantios
de larga escala em Goiás, Mato Grosso (no coração do agronegócio brasileiro) e na
Martinica. Em breve publicaremos aritigos, imagens e entrevistas gravadas em uma
viagem bastante produtiva e inspiradora.

If you can’t see the English subtitles, please click on the “CC” button to turn it on.

Link do vídeo: https://vimeo.com/287503052

72
Autora: Dayana Andrade

Data: 01-12-2018

Como plantar palma forrageira em sintropia (VÍDEO + TEXTO)

Neste vídeo Ernst Götsch explica e demonstra a formação de um ninho para plantio
de figo da índia (Opuntia ficus-indica). As explicações valem para qualquer uma das
várias espécies de cactáceas que têm o formato achatado típico da palma forrageira.

How to syntropically grow prickly pear: https://vimeo.com/303865075

Os usos dessa planta são inúmeros:

● comem-se os frutos, as flores e as raquetes (que não são folhas, mas sim
“cladódios”, ou caules modificados);
● é uma espécie muito resistente e rica em água, por isso costuma ser utilizada
para a alimentação animal em regiões sob condições severas de seca;
● tem apelo paisagístico e funciona como uma excelente cerca-viva;
● e ainda é possível extrair de suas sementes um óleo essencial com
propriedades cosméticas.

Na Agricultura Sintrópica a palma é vista como uma espécie chave para lidar com
características típicas de semiárido. Geralmente em consórcio com babosa, Aloe
vera, mamona (Ricinus communis) e sisal (Agave sisalana), essas plantas formam
uma cobertura vegetal capaz de continuar produzindo fotossíntese mesmo quando
outras espécies já não suportariam mais o calor e a seca. O resultado do seu
metabolismo, por sua vez, promove modificações sintrópicas no ambiente, criando
justamente as condições adequadas para que outras espécies mais exigentes
possam se estabelecer futuramente.

É curioso observar neste vídeo a escolha das espécies que vão funcionar como
placenta para a palma. Alhos, cebolas e rabanetes servirão como uma primeira
proteção para a palma recém-plantada. O pequeno aporte externo de esterco que foi
dado beneficiará todos ao mesmo tempo, pois o crescimento de um estimula o
crescimento do outro. Ao final, além da cobertura feita com capim seco disponível
naquele lugar, foi também plantada em toda a volta a futura fonte de matéria
orgânica para aquele ninho: ervilhaca, trigo ou cevada – não para serem colhidos,
mas sim para serem podados e incorporados no ninho.

73
Essas foram as espécies escolhidas neste caso porque esse ninho foi feito em
contexto mediterrânico durante o inverno. Mas elas poderiam, por exemplo, ser
substituídas no semiárido brasileiro por um conjunto de sementes composto por
feijão, milho, andu (Cajanus cajan), fava (Vicia faba) e também as frutas como caju
(Anacardium occidentale), umbu (Spondias tuberosa), abacaxi (Ananas comosus),
araticum (Annona montana), mamão (Carica papaya), etc. Para o fornecimento de
matéria orgânica teríamos aroeira (Schinus terebinthifolius), gliricídia (Gliricidia
sepium), sabiá (Mimosa caesalpiniaefoliaHá também experiências no semiárido
brasileiro de plantio de palma como tutor vivo para o maracujá.

O consórcio de palma com maracujá foi representado na telenovela “Velho Chico”


em cena inspirada em experiências reais de agricultura sintrópica.

Ou seja, a lógica é a mesma. São escolhidas espécies com crescimento rápido para
colheita inicial e para proteção inicial das sementes de árvores, além de espécies
que funcionem como nossa fábrica de adubo, com bom crescimento e que reagem
bem às podas. Considerando essas características e funções, a composição do
ninho pode ser traduzida e adaptada para qualquer outra condição específica local.

Sem exagero podemos dizer que a palma é uma espécie ao mesmo tempo guerreira
e generosa. Mesmo com pouca água e em solos considerados pobres ela é capaz
de produzir matéria orgânica que ajuda a criar outras espécies e ainda armazena
água e oferece seus frutos para animais de porte grande. Só que, como muitas
outras espécies também guerreiras, ela por vezes é interpretada como invasora ou
infestante. Na Austrália e no sul da África há muito essa discussão sobre a
introdução da palma pelos primeiros exploradores. Sob essa ótica da competição, a

74
falta de parasitas e de concorrentes naturais de seu local de origem promoveriam a
propagação descontrolada da espécie.

Por outro lado, através dos óculos da Agricultura Sintrópica o que vemos são áreas
tão degradadas pela ação inconveniente do ser humano que hoje apenas espécies
como a palma são capazes de prosperar. E o trabalho que elas realizam por meio de
seu metabolismo é o de modificar e incrementar aquelas condições, no sentido
sintrópico, como todas as outras espécies o fazem. O papel do agricultor sintrópico,
nesse caso, seria o de potencializar esse trabalho que ela já está fazendo, incluindo
as espécies que nos interessam e trabalhando para que todas prosperem.

75
Autora: Dayana Andrade

Data: 11-11-2018

Composição de linha de árvores no mediterrâneo (VÍDEO)

Neste vídeo Ernst Götsch descreve a dinâmica da estratificação em um exemplo de


plantio no Mediterrâneo. O foco dessa área, implantada na fazenda La Loma Viva no sul
da Espanha, é a produção de frutos com dependência mínima de irrigação. A figueira
tem papel de destaque nessa descrição, produzindo matéria orgânica, frutos e ainda
oferencedo o sombreamento ideal para o cítricos quando estes entrarem em fase de
produção. Com um rápido exemplo de poda de estratificação, vemos Ernst manejando a
figueira para harmonizar o crescimento do sistema.

As espécies mencionadas no vídeo e seus respectivos estratos são: choupo


(emergente); figueira (alto); citrus (médio); abacate (alto); pêssego (médio); pistache
(baixo) e uva (alto).

Link do vídeo “Tree line composition - Mediterranean” : https://vimeo.com/300166074

76
Autora: Dayana Andrade

Data: 25-11-2019

Guia de A vidades para Hortas Sintrópicas Escolares

Você já viu aqui no nosso site o relato da experiência que vemos com a
implantação de hortas escolares sintrópicas.Compar lhamos também a
fundamentação teórica que esteve por trás dessa inicia va e algumas reflexões
derivadas da prá ca.e.

Logo depois de finalizado o primeiro ano do projeto, começamos a desenvolver


um material que reúne as descrições de todas as a vidades realizadas, apontando
os aspectos posi vos observados bem como os desafios encontrados. A ideia
inicial era a de que essa coletânea serviria para nos guiar no ano le vo seguinte,
nos ajudando a replicar o que deu certo, corrigir o que teve falhas e nos inspirar
para sempre dar um passo além. Ou seja, é um guia em construção e que foi feito
para uso interno.

No entanto, conforme fomos conhecendo outras inicia vas de hortas com crianças
que, inspiradas no nosso caso, resolveram também colocar a mão na massa,
pensamos que faria muito mais sen do se esse material fosse público. Por isso,
compar lhamos aqui com vocês as 10 primeiras a vidades que desenvolvemos e
testamos nas hortas escolares sintrópicas.

77
Outra caracterís ca desse material é que ele nunca teve a pretensão de ser um
guia defini vo. Muito pelo contrário, ele é como um diário de experiências reais e,
justamente por isso, pode e deve ser sempre atualizado. Portanto, além de
compar lhar publicamente, convidamos aqueles que também aceitaram enfrentar
o desafio de traduzir a agricultura sintrópica para crianças para contribuir na
construção desse conteúdo. Então, a par r de agora, este é um material em
progresso e de construção cole va!

Como a agricultura sintrópica é a base técnica e filosófica de nossa atuação,


começaremos esse grupo com aqueles que par ciparam conosco de alguma
formação, de modo que possamos par r das mesmas premissas segundo as quais
fazemos a leitura da natureza e de seus processos.

78
No fundo, o que nos une é o fato de que assumimos a responsabilidade de
contribuir para a educação para o futuro da comunidade em que vivemos. E, ao
fazê-lo, nos deparamos com tantos pacotes pedagógicos desatualizados, mal
informados (ou mal-intencionados) que decidimos produzir nossas próprias
referências. Estas baseadas não apenas em ideias ou planos de como fazer, mas
sim em experiências reais, de como foi feito. Portanto, é pré-condição para a
contribuição no nosso guia realizar sua ideia em campo para só depois relatá-la, de
forma autên ca e sincera.

O potencial pedagógico das hortas como ambientes informais de aprendizagem é


imenso. Podem ser es muladas habilidades manuais e técnicas, mas também
habilidades emocionais e sociais imprescindíveis para todos nós.

Desenhe uma horta

Nas primeiras aulas, antes de iniciarmos os plan os, sugerimos que as crianças
fizessem o desenho de uma horta. Repe mos a mesma a vidade no final do ano e
a diferença foi bastante representa va. Enquanto que no começo as imagens eram
genéricas, abstratas ou reproduziam um padrão de monocul vo, na segunda vez a
horta passou a ter árvores e uma grande diversidade de espécies crescendo juntas.
O imaginário do que é uma horta se transformou pela experiência.

79
80
* Por enquanto, o guia está disponível apenas em português. Contribuições para a
tradução do conteúdo são muito bem-vindas!

81
Autora‌:‌D
‌ ayana‌A
‌ ndrade‌‌   ‌

Data‌:‌3
‌ 1-05-2019‌  ‌

 ‌
Horta‌  ‌Sintrópica‌  ‌na‌  ‌Escola‌  ‌ganha‌  ‌2º‌  ‌lugar‌  ‌em‌  ‌concurso‌‌
 
nacional‌‌de‌‌sustentabilidade‌  ‌
 ‌
 ‌
Com‌‌  muita‌‌   alegria‌‌ compartilhamos‌‌  com‌‌  vocês‌‌  a ‌‌notícia‌‌
 de‌‌
 que‌‌  o ‌‌projeto‌‌
 de‌‌
 
hortas‌  ‌sintrópicas‌  ‌nas‌  ‌escolas,‌  ‌que‌  ‌iniciamos‌  ‌há‌  ‌apenas‌  ‌seis‌  ‌meses,‌‌  
ganhou‌‌   o ‌‌concurso‌‌   de‌‌
  sustentabilidade‌‌   promovido‌‌  pela‌‌
 Fundação‌‌  Galp‌‌
 em‌‌ 
Portugal.‌  ‌Graças‌  ‌à ‌ ‌Professora‌  ‌Goretti‌  ‌que‌  ‌inscreveu‌  ‌a ‌‌horta‌‌  da‌‌
  escola‌‌  de‌‌
 
Santana‌  ‌de‌  ‌Cambas‌  ‌para‌  ‌concorrer‌  ‌ao‌  ‌prêmio,‌  ‌os‌  ‌alunos‌  ‌do‌  ‌1º‌  ‌ciclo‌‌  
puderam‌  ‌apresentar‌  ‌o ‌ ‌projeto‌  ‌diante‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌plateia‌  ‌de‌  ‌350‌  ‌pessoas‌  ‌no‌‌ 
evento‌  ‌"Energy‌  ‌BootCamp",‌  ‌em‌  ‌Matosinhos.‌  ‌Em‌  ‌um‌  ‌universo‌  ‌de‌  ‌1437‌‌  
escolas,‌  ‌foram‌  ‌analisados‌  ‌150‌  ‌projetos,‌  ‌dos‌  ‌quais‌  ‌nos‌  ‌destacamos‌  ‌em‌‌  
segundo‌‌   lugar‌‌   na‌‌
  categoria‌‌  "MissãoUP".‌‌   Assista‌‌  abaixo‌‌  ao‌‌
 vídeo‌‌  usado‌‌ na‌‌
 
apresentação.‌  ‌

Link‌‌do‌‌vídeo‌‌sobre‌‌o‌‌projeto:‌h
‌ ttps://vimeo.com/339432345‌  ‌
 ‌
 ‌

O‌‌COMEÇO‌  ‌
Quanto‌  ‌mais‌  ‌nós‌  ‌estudamos‌  ‌a ‌ ‌história‌  ‌da‌  ‌agricultura,‌  ‌mais‌  ‌se‌  ‌reforça‌  ‌a ‌‌
hipótese‌  ‌de‌  ‌que‌  ‌mudanças‌  ‌substantivas‌  ‌na‌  ‌maneira‌  ‌como‌  ‌produzimos‌‌  
alimentos‌  ‌sempre‌  ‌estiveram‌  ‌e ‌ ‌sempre‌  ‌estarão‌  ‌associadas‌  ‌a ‌ ‌importantes‌‌  
mudanças‌‌sociais.‌  ‌

Foi‌  ‌com‌  ‌essa‌  ‌ideia‌  ‌na‌  ‌cabeça‌  ‌que‌  ‌eu‌  ‌e ‌ ‌o ‌ ‌Felipe‌  ‌abraçamos‌  ‌de‌  ‌corpo‌  ‌e ‌‌
alma‌  ‌a ‌ ‌oportunidade‌  ‌de‌  ‌trabalhar‌  ‌com‌  ‌as‌  ‌crianças‌  ‌de‌  ‌todas‌  ‌as‌  ‌escolas‌‌  
municipais‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌pequena‌  ‌grande‌  ‌vila‌  ‌no‌  ‌interior‌  ‌de‌  ‌Portugal.‌  ‌Pequena‌‌  
porque‌‌   em‌‌  número‌‌   de‌‌
  habitantes‌‌   somos‌‌   poucos.‌‌   Grande‌‌ por‌‌ dois‌‌
 motivos:‌‌  
porque‌  ‌o ‌ ‌território‌  ‌abrange‌  ‌uma‌  ‌extensa‌  ‌área‌  ‌de‌  ‌terras,‌  ‌mas‌  ‌também‌‌  
porque‌‌   aqui‌‌  se‌‌
  encontram‌‌   pessoas‌‌   e ‌‌instituições‌‌   dispostas‌‌  a ‌‌assumir‌‌
  uma‌‌  
importante‌  ‌responsabilidade:‌  ‌a ‌ ‌de‌  ‌preparar‌  ‌as‌  ‌crianças‌  ‌de‌  ‌hoje‌  ‌para‌  ‌um‌‌  
futuro‌‌ambiental‌‌instável.‌  ‌

82
 ‌

Em‌  ‌termos‌  ‌de‌  ‌ecossistema‌  ‌e ‌ ‌paisagem,‌  ‌essa‌  ‌região‌  ‌se‌  ‌assemelha‌  ‌muito‌‌  
às‌  ‌condições‌  ‌do‌  ‌semiárido‌  ‌brasileiro,‌  ‌de‌  ‌todo‌  ‌o ‌ ‌mediterrâneo‌  ‌e ‌ ‌de‌  ‌partes‌‌  
da‌  ‌Califórnia,‌  ‌Chile,‌  ‌Austrália‌  ‌e ‌ ‌África‌  ‌do‌  ‌Sul.‌  ‌Todas‌  ‌áreas‌  ‌que‌  ‌não‌‌  
precisam‌‌   de‌‌
  relatórios‌‌  oficiais‌‌   ou‌‌ prospecções‌‌  climáticas‌‌  catastróficas‌‌  para‌‌
 
concluir‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌deserto‌  ‌já‌  ‌bate‌  ‌à ‌ ‌sua‌  ‌porta.‌  ‌Solo‌  ‌e ‌ ‌água‌  ‌são‌  ‌limitações‌‌
 
concretas‌  ‌e ‌ ‌cotidianas‌  ‌e ‌ ‌isso‌  ‌coloca‌  ‌a ‌ ‌discussão‌  ‌sobre‌  ‌novas‌  ‌formas‌  ‌de‌‌  
fazer‌‌agricultura‌‌no‌‌centro‌‌do‌‌debate.‌  ‌

 ‌

MAS‌  ‌QUAL‌  ‌É ‌ ‌PLANO?‌  ‌FAZER‌  ‌DE‌  ‌TODAS‌  ‌AS‌  ‌CRIANÇAS‌‌


 
FUTUROS‌‌AGRICULTORES?‌  ‌
 ‌
Até‌‌   que‌‌
  esta‌‌  não‌‌   seria‌‌   uma‌‌   má‌‌  ideia.‌‌  Cícero‌‌  já‌‌ discursava‌‌  na‌‌ Roma‌‌  antiga‌‌ 
que‌  ‌uma‌  ‌sociedade‌  ‌que‌  ‌não‌  ‌dá‌  ‌valor‌  ‌para‌  ‌seus‌  ‌agricultores‌  ‌é ‌ ‌uma‌‌  
sociedade‌  ‌fadada‌  ‌ao‌  ‌fracasso.‌  ‌Mas,‌  ‌saber‌  ‌produzir‌  ‌alimentos‌  ‌ao‌  ‌mesmo‌‌  
tempo‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌se‌  ‌recupera‌  ‌ecossistemas‌  ‌degradados‌  ‌se‌  ‌refere‌  ‌a ‌ ‌muito‌‌  
mais‌‌   do‌‌
  que‌‌  o ‌‌nosso‌‌   imaginário‌‌   costuma‌‌  associar‌‌  à ‌‌função‌‌  de‌‌ agricultor.‌‌  A ‌‌
regeneração‌  ‌pelo‌  ‌uso‌  ‌só‌  ‌é ‌ ‌possível‌  ‌com‌  ‌conhecimentos‌  ‌ecológicos‌‌  
profundos‌‌   aliados‌‌   a ‌‌técnicas‌‌   que‌‌  sejam‌‌  capazes‌‌  de‌‌  sincronizar‌‌  a ‌‌produção‌‌  
de‌  ‌alimentos‌  ‌às‌  ‌dinâmicas‌  ‌sucessionais‌  ‌dos‌  ‌ecossistemas.‌  ‌Por‌  ‌meio‌  ‌dos‌‌  
conceitos‌  ‌da‌  ‌agricultura‌‌   sintrópica‌‌   conseguimos‌‌   trabalhar‌‌   com‌‌   as‌‌  crianças‌‌  
competências‌  ‌que‌  ‌extrapolam‌  ‌a ‌ ‌habilidade‌  ‌técnica.‌  ‌A ‌ ‌horta‌  ‌é ‌ ‌um‌‌  
laboratório‌‌   vivo‌‌   que‌‌  estimula‌‌   a ‌‌observação‌‌   autônoma‌‌   da‌‌
  natureza,‌‌  na‌‌ qual‌‌  
as‌  ‌crianças‌  ‌plantam,‌  ‌cuidam,‌  ‌colhem‌‌   e ‌‌comem‌‌   o ‌‌resultado‌‌   de‌‌  seu‌‌   cultivo.‌‌
 
Os‌  ‌alunos‌  ‌não‌  ‌aprendem‌‌   a ‌‌fazer‌‌   uma‌‌   horta,‌‌  eles‌‌   aprendem‌‌   a ‌‌enfrentar‌‌   e,‌‌
 
sobretudo,‌  ‌a ‌ ‌reverter‌  ‌os‌  ‌impactos‌‌   ambientais‌‌   da‌‌   nossa‌‌   sociedade.‌‌   Essa‌‌  é ‌‌
uma‌  ‌oportunidade‌  ‌de‌  ‌promover‌  ‌uma‌  ‌educação‌  ‌à ‌ ‌serviço‌  ‌do‌‌  
desenvolvimento‌‌de‌‌comunidades‌‌humanas‌‌sustentáveis.‌  ‌

 ‌

83
O‌‌QUE‌‌JÁ‌‌COLHEMOS‌  ‌

 ‌
 ‌
Desde‌  ‌que‌  ‌iniciamos‌  ‌esse‌  ‌trabalho,‌  ‌há‌  ‌6 ‌ ‌meses,‌  ‌nossa‌  ‌horta‌  ‌já‌  ‌rendeu‌‌
 
muita‌‌
  alface,‌‌   brócolis,‌‌
  couve,‌‌  batata,‌‌
  cebola,‌‌  grãos‌‌
 e ‌‌diversas‌‌ hortaliças‌‌  da‌‌
 
temporada.‌‌Mas‌‌também‌‌fizemos‌‌outras‌‌importantes‌‌colheitas:‌  ‌

● Mais‌  ‌de‌  ‌50‌  ‌alunos‌  ‌envolvidos‌  ‌que‌‌   adotaram‌‌   a ‌‌horta‌‌   como‌‌  seu‌‌
  novo‌‌ 
espaço‌‌para,‌‌ao‌‌mesmo‌‌tempo,‌‌brincar‌‌e‌‌aprender;‌  ‌
 ‌
● Foram‌‌criados‌‌espaços‌‌de‌‌sociabilidade‌‌intergeracional;‌  ‌
 ‌
● Isso‌  ‌tudo‌  ‌alimenta‌  ‌vínculos‌  ‌e ‌ ‌relações‌  ‌de‌  ‌afeto‌  ‌na‌  ‌comunidade‌  ‌e ‌‌
com‌‌o‌‌território,‌‌o‌‌que‌‌diminui‌‌o‌‌êxodo‌‌dessas‌‌regiões;‌  ‌
 ‌
● As‌  ‌crianças‌  ‌puderam‌  ‌refletir‌  ‌sobre‌  ‌a ‌ ‌origem‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌sazonalidade‌  ‌dos‌‌  
alimentos‌‌   e ‌‌souberam‌‌   reconhecer‌‌   a ‌‌importância‌‌  de‌‌  um‌‌ alimento‌‌  livre‌‌
 
de‌‌agroquímicos;‌  ‌
 ‌
● As‌  ‌árvores‌  ‌plantadas‌  ‌junto‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌horta‌  ‌deixam‌  ‌como‌  ‌resultado‌‌  
permanente‌  ‌para‌  ‌a ‌ ‌escola‌  ‌novas‌  ‌áreas‌  ‌de‌  ‌sombreamento‌  ‌e ‌‌
drenagem‌‌de‌‌calor.‌  ‌

84
Agradecemos‌  ‌às‌  ‌pessoas‌  ‌dentro‌  ‌das‌  ‌instituições‌  ‌que‌  ‌tornaram‌  ‌esse‌‌  
trabalho‌  ‌possível.‌  ‌Somente‌  ‌com‌  ‌parcerias‌  ‌movidas‌  ‌por‌‌   um‌‌
  bem‌‌   comum‌‌   é ‌‌
que‌‌
  se‌‌
  torna‌‌
  viável‌‌  sonhar‌‌  e ‌‌concretizar‌‌
 as‌‌
 mudanças‌‌  sistêmicas‌‌  que‌‌
 tanto‌‌  
necessitamos.‌‌  Agradecemos‌‌  à ‌‌Câmara‌‌ Municipal‌‌  de‌‌
 Mértola,‌‌  Agrupamento‌‌  
Escolar‌‌  de‌‌
  Mértola,‌‌   Escola‌‌   Profissional‌‌ Alsud,‌‌  Associação‌‌  Terra‌‌  Sintrópica,‌‌  
Somincor,‌  ‌e ‌ ‌claro,‌  ‌às‌  ‌crianças,‌  ‌familiares‌  ‌e ‌ ‌funcionários‌  ‌das‌  ‌escolas‌  ‌que‌‌ 
tanto‌‌se‌‌envolvem‌‌com‌‌o‌‌projeto.‌  ‌

Esse‌  ‌é ‌ ‌um‌  ‌exemplo‌  ‌de‌  ‌projeto‌  ‌local,‌  ‌mas‌‌


  os‌‌
  desafios‌‌
  são‌‌
  compartilhados‌‌
 
globalmente.‌‌Onde‌‌há‌‌terra‌‌degradada‌‌há‌‌trabalho‌‌a‌‌ser‌‌feito.‌  ‌

 ‌

85
Autora‌:‌D
‌ ayana‌A
‌ ndrade‌‌   ‌

Data‌:‌0
‌ 5-01-2020‌  ‌

 ‌

MAIS‌‌DO‌‌QUE‌‌SOLO‌‌COBERTO‌‌-‌‌os‌‌benefícios‌‌de‌‌manter‌‌ 
espécies‌‌sempre‌‌em‌‌crescimento‌‌no‌‌seu‌‌plantio‌  ‌
 ‌
Mais‌‌
  do‌‌
  que‌‌
  cobertura‌‌   morta,‌‌ a ‌‌proposta‌‌ da‌‌ Agricultura‌‌ Sintrópica‌‌ é ‌‌de‌‌ que‌‌ o ‌‌solo‌‌ 
permaneça‌  ‌sempre‌  ‌ocupado‌  ‌por‌  ‌espécies‌  ‌em‌  ‌crescimento.‌  ‌As‌  ‌vantagens‌  ‌são‌‌ 
inúmeras:‌  ‌otimização‌  ‌da‌  ‌fotossíntese,‌  ‌estímulo‌  ‌da‌  ‌cadeia‌  ‌de‌  ‌vida‌  ‌do‌  ‌solo,‌‌ 
constante‌  ‌aporte‌  ‌de‌  ‌matéria‌  ‌orgânica‌  ‌e,‌  ‌sobretudo,‌  ‌a ‌ ‌total‌  ‌independência‌  ‌de‌‌ 
herbicidas.‌  ‌

Neste‌  ‌vídeo‌  ‌Fernando‌  ‌Rebello,‌  ‌do‌  ‌CEPEAS‌  ‌– ‌ ‌Centro‌  ‌de‌  ‌Pesquisa‌  ‌em‌  ‌Agricultura‌ 
Sintrópica,‌  ‌apresenta‌  ‌áreas‌  ‌experimentais‌  ‌implementadas‌  ‌sob‌  ‌a ‌ ‌orientação‌  ‌de‌‌ 
Ernst‌  ‌Götsch,‌  ‌nas‌  ‌quais‌  ‌árvores,‌  ‌grãos‌  ‌e ‌ ‌hortaliças‌  ‌crescem‌  ‌harmoniosamente.‌‌ 
Assim‌  ‌temos‌  ‌uma‌  ‌ocupação‌  ‌total‌  ‌do‌  ‌campo‌  ‌no‌  ‌tempo‌  ‌(s‌ ucessão‌  ‌natural‌) ‌ ‌e ‌ ‌no‌‌ 
espaço‌  ‌(estratificação).‌  ‌O ‌ ‌resultado‌  ‌é ‌ ‌um‌  ‌campo‌  ‌biodiverso,‌  ‌ecologicamente‌‌ 
resiliente‌e‌ ‌q
‌ ue‌g‌ arante‌fl
‌ exibilidade‌fi ‌ nanceira‌p ‌ ara‌o
‌ ‌a‌ gricultor.‌  ‌

LINK‌D
‌ O‌V
‌ ÍDEO:‌h
‌ ttps://vimeo.com/381884591‌  ‌

 ‌

 ‌

86
Autora: Dayana Andrade

Data: 13-01-2019

Mais vida no solo

No vídeo dessa semana, compartilhamos com vocês uma técnica que procura
simular o solo da floresta na composição de um canteiro em situação de alta
degradação. Pode parecer estranho, mas colocamos madeira triturada no fundo do
canteiro. A sugestão foi de Ernst Götsch, quando esteve aqui conosco em Mértola,
Portugal. No vídeo dá pra ver o passo-a-passo e a explicação da dinâmica que se
pretende impulsionar com esse “truque”. Juntos, lascas de madeira, esterco e plantio
adensado podem estimular a formação de solo.

Link do vídeo “Mais Vida no Solo | Adding Life to the Soil” :


h ps://vimeo.com/311058826

O solo cria a planta que cria o solo que cria a planta…


É na rizosfera, a área em volta das raízes das plantas, que a mágica acontece. Grande parte
dos açúcares que a planta produz é liberada nas raízes. Essa é a primeira “comida” de uma
intensa cadeia trófica de vida do solo. Uma vez a vada essa grande (apesar de minúscula)
rede de trocas e transformações, temos bactérias, micro artrópodes, fungos, nematoides,
anelídeos acessando direta ou indiretamente aquele material que acrescentamos na
super cie e no fundo do canteiro. O resultado do metabolismo de todos esses par cipantes
é a biodisponibilização de nutrientes para as plantas e a formação de compostos que
promovem a estruturação sica do solo, tornando-o mais permeável e com maior
capacidade de retenção de água.

A aplicação de compostos, o uso de microorganismos eficientes, ou de fermentados e


inoculações de cepas específicas, são técnicas bastante conhecidas e geralmente muito
eficientes. Basicamente, o que todas elas procuram fazer é recolonizar essa rede de vida do
solo. O caso ilustrado no vídeo pode ser uma alterna va de mais baixo custo, mas seu
sucesso depende do plan o diversificado e realmente adensado. Se pensarmos que a tal
mágica da biodisponibilização de nutrientes acontece primordialmente a cerca de 3 cm das
raízes das plantas, quanto mais raízes de diferentes espécies es verem crescendo juntas
melhor. Mas para isso é preciso incorporar defini vamente, na cabeça e no coração, o
conceito de cooperação e amor incondicional.

87
Autora‌:‌D
‌ ayana‌A
‌ ndrade‌‌   ‌

Data‌:‌2
‌ 2-12-2019‌  ‌

 ‌

O‌‌melhor‌‌café‌‌do‌‌ano‌‌é‌‌da‌‌Agricultura‌‌Sintrópica‌  ‌

 ‌

 ‌

Dentre‌‌   500‌‌  amostras‌‌   de‌‌


  café‌‌   de‌‌
  20‌‌
  regiões‌‌   brasileiras,‌‌  o ‌‌café‌‌
  do‌‌
  produtor‌‌   Wilians‌‌ 
Valério,‌  ‌do‌  ‌Recanto‌  ‌dos‌  ‌Tucanos‌  ‌recebeu‌  ‌o ‌ ‌prêmio‌  ‌de‌  ‌the‌  ‌Melhor‌  ‌Café‌  ‌do‌  ‌Ano‌‌ 
2019‌. ‌ ‌O ‌ ‌concurso‌  ‌é ‌ ‌um‌  ‌dos‌  ‌mais‌  ‌importantes‌  ‌no‌  ‌cenário‌  ‌brasileiro‌  ‌e ‌ ‌conta‌  ‌com‌‌ 
uma‌  ‌rigorosa‌  ‌seleção‌  ‌que‌  ‌passa‌  ‌pela‌  ‌apreciação‌  ‌por‌  ‌especialistas‌  ‌(café‌  ‌arábica‌‌ 
Q-Graders‌),‌  ‌mesas‌  ‌de‌  ‌cupping‌  ‌(prova‌  ‌e ‌ ‌classificação‌  ‌da‌  ‌bebida),‌  ‌degustação‌  ‌às‌‌ 
cegas‌  ‌e ‌ ‌voto‌  ‌público.‌  ‌No‌  ‌momento‌  ‌da‌  ‌revelação‌  ‌final,‌  ‌a ‌ ‌equipe‌  ‌do‌‌   Sítio‌‌
  Recanto‌‌ 
dos‌  ‌Tucanos‌  ‌subiu‌‌   ao‌‌  palco‌‌  levando‌‌   com‌‌  ela‌‌
  o ‌‌nome‌‌
  da‌‌  agricultura‌‌  sintrópica‌‌   e ‌‌a ‌‌
bela‌h ‌ istória‌q ‌ ue‌e‌ stá‌p ‌ or‌t‌ rás‌d ‌ esse‌c‌ afé‌c‌ ampeão.‌  ‌

88
 ‌

 ‌

 ‌

89
O‌‌  café‌‌
  do‌‌
  Recanto‌‌
  dos‌‌
  Tucanos‌‌  foi‌‌ avaliado‌‌ com‌‌ pontuação‌‌ acima‌‌ de‌‌ 88,3‌‌ durante‌‌ 
a‌  ‌Semana‌  ‌Internacional‌  ‌do‌  ‌Café‌, ‌ ‌que‌  ‌aconteceu‌  ‌em‌  ‌Belo‌  ‌Horizonte,‌  ‌Minas‌‌ 
Gerais/Brasil.‌‌   ‌

Conversamos‌‌   com‌‌
  Wilians‌‌   Valério‌‌
  Jr.‌‌
  que,‌‌
  seguindo‌‌ os‌‌ passos‌‌ de‌‌ seu‌‌ pai,‌‌ hoje‌‌ está‌‌ 
à‌  ‌frente‌  ‌dos‌  ‌plantios‌  ‌do‌  ‌Recanto‌  ‌dos‌  ‌Tucanos.‌  ‌O ‌‌histórico‌‌  do‌‌
  sítio‌‌
  é ‌‌um‌‌  exemplo‌‌ 
bastante‌  ‌representativo‌  ‌de‌  ‌como‌  ‌um‌  ‌plantio‌  ‌de‌‌   café‌‌
  já‌‌
  estabelecido‌‌   pode‌‌   passar‌‌ 
por‌u ‌ ma‌t‌ ransição‌r‌ umo‌à‌ ‌l‌ógica‌d ‌ e‌c‌ onsórcios‌e‌ ‌m
‌ anejo‌d ‌ a‌a‌ gricultura‌s‌ intrópica.‌  ‌

WILIANS:‌  ‌“M ‌ eu‌  ‌pai‌  ‌comprou‌  ‌a ‌ ‌propriedade‌  ‌quando‌  ‌eu‌‌   tinha‌‌  10‌‌
  anos‌‌   de‌‌  idade.‌‌ 
Havia‌  ‌uma‌  ‌área‌  ‌com‌  ‌3 ‌ ‌mil‌  ‌pés‌  ‌de‌  ‌café‌  ‌e ‌ ‌na‌  ‌outra‌  ‌parte‌  ‌era‌  ‌pasto.‌  ‌Ele‌  ‌plantou‌‌ 
café‌‌   em‌‌   tudo‌‌  só‌‌
  que‌‌   o ‌‌café‌‌
  não‌‌  dava‌‌
  muito‌‌   resultado‌‌   porque‌‌   era‌‌
  vendido‌‌ como‌‌ 
commodity.‌  ‌Não‌  ‌existia‌  ‌o ‌ ‌mercado‌  ‌de‌  ‌café‌  ‌especial‌‌   naquela‌‌   época,‌‌   portanto,‌‌   o ‌‌
preço‌‌   não‌‌   compensava.‌‌   Então‌‌  meu‌‌  pai‌‌ acabou‌‌ desistindo.‌‌ Foi‌‌ quando‌‌ ele‌‌ cortou‌‌ 
o‌  ‌café‌  ‌e ‌ ‌plantou‌  ‌frutas:‌  ‌pera,‌  ‌pêssego‌  ‌e ‌ ‌azeitona.‌  ‌Ele‌  ‌manteve‌  ‌o ‌ ‌café‌  ‌cortado‌‌ 
para‌d ‌ eixar‌a‌ s‌f‌ rutas‌c‌ rescerem.”‌  ‌

 ‌

90
 ‌

Conversamos‌  ‌também‌  ‌com‌  ‌Rômulo‌  ‌Araújo‌, ‌ ‌engenheiro‌  ‌agrônomo,‌  ‌amigo‌  ‌da‌‌ 


equipe‌e‌ ‌c‌ onsultor‌d
‌ o‌s‌ ítio.‌  ‌

RÔMULO:‌  ‌O ‌ ‌ecossistema‌  ‌ali‌  ‌é ‌ ‌uma‌  ‌Mata‌  ‌Atlântica‌  ‌de‌  ‌altitude.‌  ‌Tem‌  ‌araucária,‌‌ 
jabuticaba,‌  ‌juçara,‌  ‌ingá,‌  ‌tudo‌  ‌isso‌  ‌na‌  ‌mata.‌  ‌O ‌ ‌lugar‌  ‌já‌  ‌é ‌ ‌muito‌  ‌bonito‌  ‌e ‌ ‌os‌‌ 
plantios‌‌
  que‌‌ o ‌‌pai‌‌ do‌‌ Wilians‌‌ fez‌‌ são‌‌ lindos:‌‌ pereiras,‌‌ pessegueiros,‌‌ marmeleiros,‌‌ 
oliveiras.‌O
‌ ‌p
‌ ai‌d
‌ ele‌é
‌ ‌u
‌ m‌a‌ gricultor‌m
‌ uito‌b
‌ om,‌t‌ udo‌o
‌ ‌q
‌ ue‌e
‌ le‌c‌ uida‌p
‌ rospera.‌  ‌

Diante‌  ‌da‌  ‌volatilidade‌  ‌do‌  ‌preço‌  ‌do‌‌  café‌‌


  submetido‌‌   ao‌‌
  mercado‌‌   de‌‌
  comoddities‌‌   o ‌‌
Wilians‌  ‌pai‌  ‌tomou‌  ‌a ‌ ‌ousada‌  ‌decisão‌  ‌de‌  ‌trocar‌  ‌sua‌  ‌cultura‌  ‌principal.‌  ‌Como‌  ‌bom‌‌ 
agricultor‌  ‌que‌  ‌é,‌  ‌seguiu‌  ‌seus‌  ‌instintos‌  ‌e ‌ ‌investiu‌  ‌na‌  ‌fruticultura‌  ‌diversificada.‌  ‌Ao‌‌ 
manter‌  ‌os‌  ‌pés‌  ‌de‌  ‌café‌  ‌podados,‌  ‌Wilians‌  ‌pai‌  ‌criou‌  ‌a ‌ ‌oportunidade‌  ‌para‌  ‌as‌  ‌novas‌‌ 
árvores‌‌   se‌‌
  estabelecerem,‌‌   sincronizando,‌‌   de‌‌
  certa‌‌   forma,‌‌ o ‌‌crescimento‌‌ de‌‌ todo‌‌ o ‌‌
sistema‌s‌ em‌p ‌ recisar‌e‌ liminar‌o ‌ ‌p
‌ lantio‌i‌nicial‌d ‌ e‌c‌ afé.‌  ‌

 ‌

WILIANS:‌  ‌Foi‌  ‌essa‌  ‌área‌  ‌que,‌  ‌40‌  ‌anos‌  ‌depois,‌  ‌eu‌  ‌peguei‌  ‌para‌  ‌manejar‌  ‌com‌‌ 
agricultura‌s‌ intrópica‌e
‌ ‌é
‌ ‌d
‌ esse‌c‌ afé‌q
‌ ue‌e
‌ u‌e
‌ stou‌c‌ olhendo‌h
‌ oje.‌  ‌

RÔMULO:‌  ‌Quando‌  ‌o ‌ ‌Wilians‌  ‌começou‌  ‌a ‌ ‌tomar‌  ‌conta‌  ‌dos‌  ‌cafés‌  ‌para‌  ‌o ‌‌pai,‌‌
  eles‌‌ 
deixaram‌  ‌aquele‌  ‌café‌  ‌que‌  ‌havia‌  ‌sido‌  ‌cortado‌  ‌rebrotar.‌  ‌Esse‌  ‌café‌  ‌voltou‌‌ 
lindamente‌  ‌por‌  ‌baixo‌  ‌das‌  ‌árvores‌  ‌frutíferas.‌  ‌A ‌ ‌pera‌  ‌no‌  ‌estrato‌  ‌emergente,‌  ‌a ‌‌
oliveira‌  ‌no‌  ‌estrato‌  ‌médio‌  ‌alto,‌  ‌o ‌ ‌pêssego‌  ‌no‌  ‌estrato‌  ‌médio.‌  ‌Há‌  ‌muitas‌  ‌coisas‌‌ 
espalhadas,‌  ‌mas‌  ‌sem‌  ‌um‌  ‌desenho‌  ‌de‌  ‌estratificação‌  ‌intencional.‌  ‌Foram‌  ‌feitos‌‌ 
alguns‌  ‌raleamentos,‌  ‌mas‌  ‌o ‌ ‌gargalo‌  ‌ali‌  ‌ainda‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌produção‌  ‌de‌  ‌matéria‌  ‌orgânica‌‌ 
dentro‌  ‌das‌  ‌áreas.‌  ‌Não‌  ‌houve‌  ‌a ‌ ‌previsão‌  ‌de‌  ‌nenhum‌  ‌plantio‌  ‌no‌  ‌meio‌  ‌para‌  ‌ser‌‌ 
roçado‌  ‌e ‌ ‌alimentar‌  ‌as‌  ‌árvores.‌‌
  O ‌‌grande‌‌
  desafio‌‌
  dessa‌‌
  transição,‌‌
  portanto,‌‌
  está‌‌ 
sendo‌  ‌pegar‌  ‌um‌  ‌cafezal‌  ‌já‌  ‌implantado‌  ‌e ‌ ‌produzir‌  ‌biomassa‌  ‌no‌  ‌meio.‌  ‌Hoje‌‌ 

91
estamos‌  ‌colocando‌  ‌bastante‌  ‌bananeira‌  ‌no‌  ‌meio‌  ‌do‌  ‌café,‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌finalidade‌  ‌de‌ 
cortar‌e
‌ ‌s‌ uprir‌o
‌ ‌s‌ istema‌d
‌ e‌b
‌ iomassa.‌  ‌

 ‌

 ‌

 ‌

CAFÉ‌N
‌ O‌M
‌ UNDO‌  ‌

92
O‌‌
  café‌‌ é ‌‌um‌‌ importante‌‌ produto‌‌ agrícola‌‌ no‌‌ mercado‌‌ mundial,‌‌ com‌‌ uma‌‌ produção‌‌ 
de‌  ‌aproximadamente‌  ‌9 ‌ ‌milhões‌  ‌de‌  ‌toneladas‌  ‌por‌  ‌ano.‌  ‌Cerca‌  ‌de‌  ‌125‌  ‌milhões‌  ‌de‌‌ 
pessoas‌  ‌na‌  ‌América‌  ‌Latina,‌  ‌África‌  ‌e ‌ ‌Ásia‌  ‌dependem‌  ‌dessa‌  ‌cultura‌  ‌para‌  ‌sua‌‌ 
subsistência.‌  ‌Quarenta‌  ‌anos‌  ‌depois‌  ‌da‌  ‌instabilidade‌  ‌de‌  ‌preços‌  ‌vivenciada‌  ‌pelo‌‌ 
Wilians‌  ‌pai,‌  ‌as‌  ‌altas‌  ‌e ‌ ‌baixas‌  ‌do‌  ‌mercado‌  ‌continuam‌  ‌a ‌ ‌assombrar‌  ‌cafeicultores‌‌ 
mundo‌‌   afora‌‌  – ‌‌condição‌‌ que‌‌ hoje‌‌ em‌‌ dia‌‌ é ‌‌ainda‌‌ agravada‌‌ pelo‌‌ aumento‌‌ do‌‌ preço‌‌ 
dos‌  ‌insumos,‌  ‌maior‌  ‌incidência‌  ‌de‌  ‌pragas‌  ‌e ‌ ‌doenças,‌  ‌secas‌  ‌mais‌  ‌frequentes‌  ‌e ‌‌
padrões‌  ‌irregulares‌  ‌de‌  ‌precipitação‌  ‌e ‌ ‌clima.‌  ‌Por‌  ‌outro‌  ‌lado,‌  ‌a ‌ ‌demanda‌  ‌por‌  ‌café‌‌ 
especial‌‌   indica‌‌  uma‌‌   potencial‌‌   expansão‌‌   de‌‌
  cultivos‌‌   que‌‌
  prezam‌‌   pela‌‌ qualidade‌‌ do‌ 
produto‌  ‌final.‌  ‌A ‌ ‌pergunta‌  ‌central,‌  ‌portanto,‌  ‌passa‌  ‌a ‌ ‌ser:‌  ‌qual‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌condição‌  ‌ideal‌‌ 
para‌‌   a ‌‌produção‌‌   de‌‌
  café?‌‌
  Para‌‌  Ernst‌‌
  Götsch,‌‌   o ‌‌café‌‌ ocorre‌‌ natural‌‌ e ‌‌originalmente‌‌ 
em‌  ‌“florestas‌  ‌de‌  ‌distúrbio‌‌   semicaducifólias”‌‌   e,‌‌
  portanto,‌‌   são‌‌
  essas‌‌  condições‌‌   que‌‌ 
devemos‌r‌ eplicar‌e‌ m‌n ‌ ossos‌a‌ gro-eco-sistemas.‌  ‌

ERNST‌  ‌GÖTSCH:‌  ‌O ‌ ‌café‌  ‌é ‌ ‌de‌  ‌florestas‌  ‌de‌  ‌distúrbio‌  ‌semicaducifólia.‌‌ 
Semicaducifolia‌  ‌porque‌  ‌é ‌ ‌uma‌  ‌floresta‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌principalmente‌  ‌as‌  ‌espécies‌  ‌que‌‌ 
compõem‌  ‌os‌  ‌estratos‌  ‌alto‌  ‌e ‌ ‌emergente‌  ‌perdem‌  ‌parcialmente‌  ‌as‌  ‌suas‌  ‌folhas.‌‌ 
Floresta‌  ‌de‌  ‌distúrbio‌  ‌são‌  ‌florestas‌  ‌de‌  ‌abundância,‌  ‌ou‌  ‌seja,‌  ‌se‌  ‌transformam‌  ‌em‌‌ 
florestas‌  ‌de‌  ‌abundância‌  ‌e ‌ ‌cada‌  ‌distúrbio‌  ‌resulta‌  ‌no‌  ‌rejuvenescimento‌  ‌e ‌ ‌na‌‌ 
repetição‌  ‌do‌‌
  trabalho‌‌
  das‌‌
  espécies‌‌
  que‌‌
  ali‌‌
  crescem.‌‌
  Há‌‌
  muitas‌‌
  espécies‌‌
  que‌‌
  são‌‌ 
típicas‌  ‌de‌  ‌distúrbio:‌  ‌nas‌  ‌Américas‌  ‌temos‌  ‌o ‌ ‌cajá,‌  ‌certas‌  ‌bombacáceas‌  ‌também,‌‌ 
pupunha‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌jussara‌  ‌por‌  ‌exemplo.‌  ‌Nós‌  ‌podemos‌  ‌induzir‌  ‌essa‌  ‌dinâmica‌  ‌de‌‌ 
distúrbio.‌  ‌

As‌‌
  plantas‌‌
  classificadas‌‌   por‌‌   Ernst‌‌
  Götsch‌‌ como‌‌ típicas‌‌ de‌‌ florestas‌‌ de‌‌ distúrbio‌‌ são‌‌ 
aquelas‌‌   que‌‌  em‌‌
  suas‌‌
  condições‌‌   originais‌‌
  estão‌‌   naturalmente‌‌ sujeitas‌‌ a ‌‌constantes‌‌ 
distúrbios‌  ‌causados‌  ‌por‌  ‌ventos,‌  ‌furacões,‌  ‌etc.‌  ‌O ‌ ‌cacau‌  ‌seria‌  ‌outro‌  ‌importante‌‌ 
exemplo‌  ‌- ‌ ‌sobre‌  ‌ele‌  ‌já‌  ‌falamos‌  aqui‌  ‌e ‌ ‌aqui‌. ‌ ‌A ‌ ‌reprodução‌  ‌dessa‌  ‌dinâmica‌  ‌de‌‌ 
distúrbios‌  ‌dentro‌  ‌dos‌  ‌plantios‌  ‌sintrópicos‌  ‌acontece‌  ‌fundamentalmente‌  ‌por‌  ‌meio‌‌ 
das‌p ‌ odas.‌  ‌

ERNST‌‌
  GÖTSCH:‌‌ Eu‌‌ planto,‌‌ por‌‌ exemplo,‌‌ café‌‌ com‌‌ ingazeiras,‌‌ ou‌‌ com‌‌ mangueiras‌‌ 
ou‌  ‌jaqueiras‌  ‌ou‌  ‌outras‌  ‌espécies‌  ‌de‌  ‌rápido‌  ‌crescimento.‌  ‌Pode‌  ‌ser‌  ‌também‌  ‌com‌‌ 

93
siriguela,‌  ‌umbu-cajá‌  ‌etc.‌  ‌Enquanto‌  ‌essas‌  ‌árvores‌  ‌estão‌  ‌crescendo‌  ‌eu‌  ‌colho‌  ‌a ‌‌
mandioca,‌‌
  o ‌‌que‌‌
  em‌‌
  si‌‌
  também‌‌
  já‌‌
  é ‌‌um‌‌
  pequeno‌‌
  distúrbio,‌‌
  assim‌‌ como‌‌ quando‌‌ 
tiro‌‌
  o ‌‌abacaxi‌‌ ou‌‌ podo‌‌ o ‌‌guandu.‌‌ Quando‌‌ sobem‌‌ as‌‌ ingazeiras‌‌ ou‌‌ as‌‌ jaqueiras,‌‌ as‌‌ 
mangueiras,‌  ‌os‌  ‌citrinos,‌  ‌naquele‌  ‌momento‌  ‌ocorre‌  ‌um‌  ‌excelente‌  ‌efeito‌  ‌no‌‌
  café.‌‌ 
Mas,‌  ‌2 ‌ ‌ou‌  ‌3 ‌ ‌anos‌  ‌depois,‌  ‌o ‌ ‌produtor‌  ‌acaba‌  ‌chegando‌  ‌à ‌ ‌conclusão‌  ‌de‌  ‌que‌  ‌sua‌‌ 
produtividade‌e
‌ stá‌i‌ndo‌p
‌ or‌á‌ gua‌a‌ baixo.‌  ‌

A‌  ‌produção‌  ‌de‌  ‌café‌  ‌em‌  ‌sistemas‌  ‌sombreados‌  ‌não‌  ‌é ‌ ‌exatamente‌  ‌uma‌  ‌novidade.‌‌ 
Tradicionalmente,‌  ‌cultivos‌  ‌sombreados‌  ‌have‌  ‌always‌  ‌been‌  ‌practiced,‌  ‌especially‌  ‌in‌‌ 
northern‌  ‌Latin‌  ‌America.‌  ‌Despite‌  ‌the‌  ‌recognized‌  ‌ecological‌  ‌advantages,‌  ‌this‌‌ 
method‌  ‌is‌‌   generally‌‌   associated‌‌   with‌‌  low‌‌  productivity.‌‌  For‌‌
  Ernst‌‌
  Götsch,‌‌
  this‌‌
  effect‌‌ 
is‌  ‌mainly‌  ‌related‌  ‌to‌  ‌the‌  ‌aging‌  ‌of‌  ‌the‌‌
  system‌‌  as‌‌
  a ‌‌whole.‌‌
  But,‌‌
  this‌‌
  obstacle‌‌  can‌‌  be‌‌ 
overcome.‌  ‌

 ‌

94
 ‌

ERNST‌  ‌GÖTSCH:‌  ‌Quando‌  ‌isso‌  ‌acontece,‌  ‌o ‌ ‌agricultor‌  ‌tem‌  ‌que‌  ‌aprender,‌  ‌assim‌‌ 
como‌  ‌eu‌‌
  tive‌‌
  que‌‌
  aprender,‌‌
  a ‌‌podar‌‌
  esse‌‌
  sistema.‌‌
  Com‌‌
  a ‌‌poda,‌‌
  esse‌‌
  sistema‌‌
  vai‌‌ 
ter‌  ‌muita‌  ‌matéria‌  ‌orgânica,‌  ‌não‌  ‌só‌  ‌da‌  ‌queda‌  ‌das‌  ‌folhas,‌  ‌mas‌  ‌também‌  ‌muita‌‌ 
matéria‌  ‌oriunda‌  ‌de‌  ‌madeira,‌  ‌muita‌  ‌madeira‌  ‌de‌  ‌poda‌  ‌- ‌ ‌e ‌ ‌as‌  ‌espécies‌‌ 
mencionadas‌‌
  são‌‌ muito‌‌ boas‌‌ pois‌‌ aguentam‌‌ muito‌‌ bem‌‌ a ‌‌poda.‌‌ O ‌‌agricultor‌‌ tem‌‌ 
que‌‌
  fazer‌‌
  essa‌‌
  poda‌‌
  em‌‌
  um‌‌
  momento‌‌
  muito‌‌
  específico‌‌
  que‌‌
  é ‌‌quase‌‌ junto‌‌ com‌‌ a ‌‌
colheita‌  ‌– ‌ ‌seria‌  ‌em‌  ‌maio‌  ‌aqui‌  ‌no‌  ‌nosso‌  ‌subcontinente.‌  ‌Nesse‌‌
  momento‌‌
  ele‌‌
  faz‌‌ 
uma‌  ‌poda‌  ‌forte,‌  ‌se‌  ‌ele‌  ‌tiver‌  ‌pupunha‌  ‌ele‌  ‌tira‌  ‌o ‌ ‌excesso,‌  ‌poda‌  ‌as‌  ‌ingazeiras,‌‌
  se‌‌ 
tiver‌  ‌muitos‌  ‌jequitibás‌  ‌vai‌  ‌podá-los‌  ‌também,‌  ‌se‌  ‌tiver‌  ‌outras‌  ‌árvores,‌  ‌vai‌‌
  podar‌‌ 
também.‌‌
  Isso‌‌
  traz‌‌
  luz,‌‌
  imitando‌‌ a ‌‌fase‌‌ em‌‌ que‌‌ todos‌‌ do‌‌ estrato‌‌ alto‌‌ e ‌‌emergente‌‌ 
perdem‌  ‌as‌  ‌folhas.‌  ‌Depois‌  ‌também,‌  ‌nesse‌  ‌momento‌  ‌cortam-se‌  ‌todas‌  ‌as‌‌ 
bananeiras‌  ‌para‌  ‌ficar‌  ‌só‌  ‌o ‌ ‌filho-cifre.‌  ‌Assim,‌  ‌todo‌‌
  mundo‌‌
  começa‌‌
  a ‌‌rebrotar‌‌
  de‌‌ 
novo,‌‌
  em‌‌
  plena‌‌
  seca,‌‌
  no‌‌
  dia‌‌ curto,‌‌ tanto‌‌ a ‌‌transpiração‌‌ quanto‌‌ a ‌‌evaporação‌‌ são‌‌ 
bem‌‌
  menores.‌‌
  Ao‌‌
  mesmo‌‌
  tempo‌‌ acontece‌‌ um‌‌ crescimento‌‌ muito‌‌ forte‌‌ o ‌‌que‌‌ faz‌‌ 
com‌  ‌que‌  ‌a ‌ ‌própria‌  ‌vegetação‌  ‌consiga‌  ‌beber‌  ‌água‌  ‌da‌  ‌atmosfera‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌matéria‌‌ 
orgânica‌  ‌no‌  ‌chão‌  ‌retém‌  ‌água,‌  ‌protege‌  ‌da‌  ‌evaporação,‌  ‌e ‌ ‌os‌  ‌fungos‌  ‌que‌  ‌vão‌  ‌se‌‌ 
desenvolver‌  ‌também‌  ‌bebem‌  ‌água‌  ‌da‌  ‌atmosfera.‌  ‌Então,‌  ‌vai‌  ‌haver‌  ‌um‌‌ 
crescimento‌  ‌superforte.‌  ‌Assim,‌  ‌há‌  ‌um‌  ‌superforte‌  ‌crescimento‌  ‌no‌  ‌inverno,‌  ‌ou‌‌ 
seja,‌‌
  no‌‌
  momento‌‌
  atípico‌‌
  para‌‌ um‌‌ sistema‌‌ de‌‌ acumulação,‌‌ e ‌‌atípico‌‌ de‌‌ qualquer‌‌ 
forma‌  ‌também‌  ‌para‌  ‌uma‌  ‌floresta‌  ‌subúmida,‌  ‌que‌  ‌tem‌  ‌tendência‌  ‌para‌  ‌ficar‌‌ 
parada‌  ‌nessa‌  ‌fase.‌  ‌Mas‌  ‌se‌  ‌você‌  ‌observar‌  ‌bem,‌  ‌os‌‌
  estratos‌‌
  baixo‌‌
  e ‌‌médio‌‌
  estão‌‌ 
superativos‌  ‌naquele‌  ‌momento‌  ‌quando‌  ‌se‌  ‌trata‌  ‌de‌  ‌sistemas‌  ‌de‌  ‌abundância.‌‌ 
Portanto,‌  ‌a ‌ ‌gente‌  ‌vai‌  ‌favorecer‌‌
  essa‌‌
  dinâmica‌‌
  mediante‌‌
  a ‌‌poda.‌‌
  Dessa‌‌
  forma,‌‌
  o ‌‌
agricultor‌  ‌vai‌  ‌chegar‌  ‌mais‌  ‌rapidamente‌  ‌e ‌ ‌mais‌  ‌fortemente‌  ‌a ‌ ‌um‌  ‌saldo‌  ‌positivo‌‌ 
energeticamente,‌  ‌enquanto‌  ‌vida‌  ‌consolidada‌  ‌tanto‌  ‌no‌  ‌sublocal‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌ele‌‌ 
interage‌  ‌quanto‌  ‌no‌  ‌planeta‌  ‌por‌  ‌inteiro.‌  ‌Ou‌  ‌seja,‌  ‌o ‌ ‌agricultor‌  ‌chega‌  ‌para‌  ‌um‌‌ 
sistema‌  ‌verdadeiramente‌  ‌sintrópico.‌  ‌Para‌  ‌isso‌  ‌é ‌ ‌muito‌  ‌importante‌  ‌que‌  ‌as‌‌ 
árvores‌  ‌sejam‌  ‌plantadas‌  ‌em‌  ‌alta‌  ‌densidade‌  ‌e ‌‌não‌‌
  na‌‌
  densidade‌‌
  definitiva.‌‌
  Tem‌‌ 

95
que‌  ‌ser‌  ‌um‌  ‌plantio‌  ‌muito‌  ‌mais‌  ‌denso‌  ‌para‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌agricultor‌  ‌possa‌  ‌depois‌  ‌fazer‌‌ 
raleamento,‌  ‌escolher‌  ‌pelas‌  ‌melhores‌  ‌etc,‌  ‌e ‌ ‌porque‌  ‌na‌  ‌hora‌  ‌da‌‌
  poda‌‌
  as‌‌
  árvores‌‌ 
não‌‌
  podem‌‌
  estar‌‌
  muito‌‌
  afastadas‌‌
  umas‌‌
  das‌‌
  outras‌‌
  pois‌‌
  senão‌‌
  vai‌‌
  haver‌‌
  falta‌‌ de‌‌ 
material.‌  ‌Então,‌  ‌tem‌  ‌que‌  ‌ser‌  ‌muito‌  ‌mais‌  ‌denso‌  ‌do‌  ‌que‌  ‌em‌  ‌um‌  ‌sistema‌  ‌de‌‌ 
acumulação.‌  ‌

A‌‌
  diferença,‌‌   portanto,‌‌   na‌‌
  proposta‌‌   de‌‌ Ernst‌‌ Götsch‌‌ da‌‌ agricultura‌‌ sintrópica‌‌ reside‌‌ 
tanto‌  ‌no‌  ‌consórcio‌  ‌biodiverso‌  ‌e ‌ ‌em‌  ‌alta‌  ‌densidade‌  ‌quanto‌  ‌também‌  ‌no‌  ‌manejo‌‌ 
adequado.‌  ‌Isso‌  ‌é ‌ ‌o ‌ ‌que‌  ‌garante‌  ‌a ‌ ‌reprodução‌  ‌da‌  ‌dinâmica‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌floresta‌  ‌de‌‌ 
distúrbio‌e‌ ‌q ‌ ue‌v‌ ai‌i‌mpactar‌p ‌ ositivamente‌n ‌ a‌f‌ rutificação.‌  ‌

RÔMULO:‌‌
  Um‌‌
  café‌‌
  apenas‌‌
  sombreado‌‌ não‌‌ tem‌‌ essa‌‌ dinâmica.‌‌ Ele‌‌ é ‌‌um‌‌ café‌‌ que‌‌ 
fica‌‌
  sob‌‌
  árvores‌‌
  velhas,‌‌
  o ‌‌estrato‌‌ baixo‌‌ é ‌‌removido,‌‌ a ‌‌regeneração‌‌ que‌‌ garantiria‌‌ 
as‌  ‌árvores‌  ‌do‌  ‌futuro‌‌
  é ‌‌praticamente‌‌
  exterminada.‌‌
  Não‌‌
  é ‌‌feito‌‌
  um‌‌
  trabalho‌‌
  com‌‌ 
poda,‌‌
  não‌‌ é ‌‌feito‌‌ efetivamente‌‌ um‌‌ trabalho‌‌ com‌‌ estratificação,‌‌ ou‌‌ seja,‌‌ você‌‌ não‌‌ 
tem‌  ‌uma‌  ‌deposição‌  ‌de‌‌
  material,‌‌
  não‌‌
  tem‌‌
  uma‌‌
  abertura‌‌
  dos‌‌
  estratos‌‌
  superiores‌‌ 
para‌  ‌entrada‌  ‌de‌  ‌luz‌  ‌no‌  ‌estrato‌  ‌baixo‌  ‌no‌  ‌momento‌  ‌certo.‌  ‌Nada‌  ‌disso‌  ‌costuma‌‌ 
acontecer‌n
‌ os‌p
‌ lantios‌d
‌ e‌c‌ afé‌s‌ ombreado‌q
‌ ue‌v‌ emos‌p
‌ or‌a‌ í.‌  ‌

 ‌

 ‌

 ‌

 ‌

 ‌

96
TRANSIÇÃO‌P
‌ ARA‌A
‌ ‌A
‌ GRICULTURA‌S‌ INTRÓPICA‌  ‌

 ‌

 ‌

WILIANS:‌‌  Eu‌‌
  já‌‌
  estava‌‌  trabalhando‌‌ com‌‌ a ‌‌ideia‌‌ do‌‌ orgânico,‌‌ mas‌‌ conforme‌‌ eu‌‌ fui‌‌ 
ouvindo‌  ‌sobre‌  ‌a ‌ ‌agricultura‌  ‌sintrópica,‌  ‌vendo‌  ‌os‌  ‌vídeos,‌  ‌eu‌  ‌comecei‌  ‌a ‌ ‌fazer‌‌ 
alguns‌‌
  testes.‌‌  Aquilo‌‌  me‌‌  fez‌‌
  começar‌‌
  a ‌‌ver‌‌
  as‌‌
  coisas‌‌  de‌‌
  uma‌‌  forma‌‌ diferente,‌‌ só‌‌ 

97
que‌‌   eu‌‌
  ainda‌‌   não‌‌  entendia‌‌   muito‌‌   bem.‌‌ Quando‌‌ fiz‌‌ o ‌‌primeiro‌‌ curso‌‌ foi‌‌ que‌‌ eu‌‌ vi‌‌ 
o‌  ‌tanto‌  ‌que‌  ‌eu‌  ‌ainda‌  ‌tinha‌  ‌que‌  ‌aprender.‌  ‌O ‌ ‌maior‌  ‌desafio‌  ‌era‌  ‌mesmo‌  ‌eu‌‌ 
acreditar,‌  ‌porque‌  ‌eu‌  ‌nunca‌  ‌tinha‌  ‌visto‌  ‌ninguém‌  ‌fazendo‌  ‌aquilo‌  ‌aqui‌  ‌perto‌  ‌de‌‌ 
mim.‌  ‌Como‌  ‌que‌  ‌eu‌  ‌ia‌  ‌acreditar?‌  ‌Mas‌  ‌eu‌  ‌acreditei,‌  ‌fiz‌  ‌e ‌ ‌deu‌  ‌certo.‌‌   Na‌‌
  primeira‌‌ 
poda‌‌   que‌‌  eu‌‌   fiz‌‌
  nas‌‌  plantas‌‌  eu‌‌
  já‌‌
  vi‌‌
  a ‌‌diferença.‌‌  O ‌‌Ernst‌‌ fala‌‌ que‌‌ a ‌‌poda‌‌ é ‌‌o ‌‌pulo‌‌ 
do‌  ‌gato‌  ‌e,‌  ‌realmente,‌  ‌ele‌  ‌não‌  ‌está‌  ‌brincando‌  ‌quando‌  ‌fala‌  ‌isso.‌  ‌Ele‌  ‌não‌  ‌brinca‌‌ 
quando‌  ‌está‌  ‌falando‌  ‌de‌  ‌agricultura‌  ‌sintrópica.‌  ‌A ‌ ‌gente‌  ‌tem‌  ‌que‌  ‌aprender‌  ‌com‌‌ 
ele.‌  ‌Se‌  ‌você‌  ‌fizer‌  ‌de‌  ‌coração‌  ‌dá‌  ‌certo.‌  ‌Mas‌  ‌tem‌  ‌que‌  ‌fazer,‌  ‌senão‌  ‌não‌  ‌adianta‌‌ 
nada.‌  ‌Depois‌  ‌que‌  ‌eu‌  ‌entendi‌  ‌isso‌  ‌eu‌  ‌entendi‌  ‌que‌  ‌era‌  ‌mais‌  ‌simples‌  ‌do‌  ‌que‌  ‌eu‌‌ 
imaginava,‌‌   e ‌‌hoje‌‌  a ‌‌gente‌‌
  participa‌‌   do‌‌   sistema‌‌
  todo‌‌   dia.‌‌
  O ‌‌dia‌‌ que‌‌ não‌‌ participa‌‌ 
fica‌c‌ hateado.‌  ‌

 ‌

98
 ‌

 ‌

 ‌

99
Autora: Dayana Andrade

Data: 03-08-2019

O que é Agricultura Sintrópica?


Não existe uma resposta rápida. Temos que ser francos e, logo de cara,
avisar que aqui você não vai encontrar uma receita pronta para copiar e
colar. A agricultura sintrópica (também descrita como agrofloresta
sucessional) não é um pacote tecnológico que pode ser comprado, nem
um plano definitivo de design ajustável para todos os gostos. Ela é, antes
de tudo, uma mudança no olhar. É uma nova proposta de leitura dos
ecossistemas que abre caminho para que o agricultor aprenda a buscar
suas respostas usando outro raciocínio, bem diferente do que estamos
acostumados.

A Agricultura Sintrópica é constituída por um conjunto teórico e prático de


um modelo de agricultura desenvolvido por Ernst Götsch, no qual os
processos naturais são traduzidos para as práticas agrícolas tanto em sua
forma, quanto em sua função e dinâmica. Assim podemos falar em
regeneração pelo uso, uma vez que o estabelecimento de áreas agrícolas
altamente produtivas, e que tendem à independência de insumos e
irrigação, tem como consequência a oferta de serviços ecossistêmicos,
com especial destaque para a formação de solo, a regulação do microclima
e o favorecimento do ciclo da água. Ou seja, o plantio agrícola é
concomitante à regeneração de ecossistemas.

Link do vídeo “Ernst Sintropia” aqui: https://vimeo.com/297559905

Ao invés de receitas, há um conjunto de conceitos e técnicas que viabilizam o


acesso a suas caracterís cas fundamentais. O criador da Agricultura Sintrópica,
Ernst Götsch, baseia sua cosmovisão transdisciplinar em muita ciência e a prá ca

100
diária de mais de cinco décadas. A lógica que orienta sua tomada de decisão
percorre um trajeto que nasce na é ca de Kant e atravessa a sica, a filosofia grega
e a matemá ca. Ele também se apoia na biologia, química, ecologia e botânica, e
se abastece da cena tecnológica do momento, adaptando técnicas e ferramentas
de outras áreas. Portanto, a agricultura de Ernst Götsch se vale de um
encadeamento coerente e sistemá co de dados, livre de contradições internas,
que não somente percorre uma narra va lógica como também inclui uma
expressão concreta no fim do caminho. Do planejamento à execução do plan o,
há método, e há resultado prá co. Mais que uma boa ideia, a Agricultura
Sintrópica comprovadamente funciona, e pode responder aos maiores desafios
sociais e ambientais do nosso tempo. Leia abaixo o ar go onde Ernst descreve os
15 princípios nos quais baseia a Agricultura Sintrópica.

Peculiaridades da Agricultura Sintrópica

Na Agricultura Sintrópica cova passa a ser berço, sementes passam a ser genes, a
capina é a colheita, concorrência e compe ção dão lugar à cooperação e ao amor
incondicional e as pragas são, na verdade, os agentes-de-o mização-do-sistema.
Esses e outros termos não surgem por acaso, mas sim, derivam de uma mudança
na própria forma de ver, interpretar e se relacionar com a natureza.

Muitas das prá cas agrícolas preconizadas como sustentáveis baseiam-se na lógica
da subs tuição de insumos. Troca-se os químicos por orgânicos, plás co por
material biodegradável, defensivos por preparados. Porém, a forma de pensar
ainda está muito próxima daquela a quem fazem oposição. Em comum, combatem
as consequências da falta de condições adequadas para o crescimento saudável
das plantas. A Agricultura Sintrópica, por outro lado, capacita o agricultor a
replicar e acelerar os processos naturais de sucessão ecológica e estra ficação,
dando às plantas condições ideais para seu desenvolvimento, cada qual ocupando
sua posição natural no espaço (estra ficação) e no tempo (sucessão). É uma
agricultura baseada em processos, e não insumos. A colheita agrícola passa a ser
vista como um efeito colateral da regeneração de ecossistemas, ou vice-versa.

“O milho é emergente, com ciclo de vida curto, da placenta de Sistemas de


Abundância”. É comum ouvir quem trabalha com agricultura sintrópica se referir a
qualquer espécie mencionando ao menos essas quatro categorias. Elas se referem
a critérios fundamentais que devem ser observados na orquestração dos cul vos

101
sintrópicos. Há que se harmonizar o espaço (estra ficação) ao longo do tempo
(ciclo de vida), respeitando os passos sucessionais (Placentas, Secundárias e
Clímax) dentro de cada um dos Sistemas (Colonização, Acumulação e Abundância
ou Escoamento), segundo definições de Ernst Götsch. Uma agrofloresta sintrópica,
portanto, se desenvolve e se transforma ao longo do tempo e do espaço, sempre
“no sen do do incremento da quan dade e da qualidade de vida consolidada”, diz
Ernst.

O que é Sintropia?

É muito fácil dizer que se quer trabalhar com a natureza e não contra ela. Mas de
qual natureza estamos falando? Qual leitura e interpretação que fazemos dessa
natureza observada? Esse é um dos principais pontos diferenciadores da

102
agricultura sintrópica. E no centro desse entendimento está o conceito de
sintropia.

Estamos mais familiarizados com o conceito de entropia da Termodinâmica, que se


refere à função relacionada à desordem de um dado sistema, associada com a
degradação de energia. Tudo que se refere ao consumo e à degradação de energia
é, portanto, explicado pela Lei da Entropia que rege o mundo sico. Mas não é de
hoje que se discute a inaplicabilidade da Lei da Entropia para descrever o que
ocorre no mundo biológico. Ao tentar trazer o conceito de entropia para dialogar
com os sistemas vivos, grandes cien stas concluíram pela necessidade de se
descrever uma tendência que lhe fosse complementar. Para o matemá co
Fantappiè (1942), se por um lado a entropia trouxe o entendimento de que toda
energia no universo que se encontra concentrada tende a se dissipar, simplificar e
dissociar, a sintropia se manifesta pela formação de estruturas, pelo aumento de
diferenciação e complexidade, tal como acontece com a vida. Ou seja, enquanto a
entropia dispersa, a sintropia concentra. Sem usar o termo “sintropia”, o nobel de
sica Schrodinger também chega, na década de 40, a conclusão semelhante: “a
vida se alimenta de entropia nega va”. A ideia da existência de alguma força
oposta ou complementar à entropia - e que a vida no planeta Terra seria a
manifestação dessa força - intrigou cien stas de diversas áreas, como Albert
Szent-Györgyi (química), Nicholas Georgescu-Roegen (economia), Viktor
Schauberger (ciências naturais), Ulisse di Corpo & Antonella Vaninni (psicologia), e,
já nos anos 1970, viria compor as premissas da Teoria de Gaia, de Lovelock e
Margulis.

103
Sintropia e Agricultura

Representação proposta por Ernst Götsch de fluxos de energia tanto em sua fase de
dispersão (entropia) quanto na fase de complexificação (sintropia).

Ao trazer o conceito de sintropia para a agricultura, Ernst Götsch introduz uma


perspec va inédita associada a essa prá ca. A par r dela entende-se que, no
contexto do ecossistema, fazem parte do metabolismo dos organismos não apenas
os processos dissocia vos, mas também a reorganização de resíduos entrópicos.
Esse seria o mecanismo por meio do qual a vida prospera, gerando sempre,
segundo Götsch, um saldo energé co posi vo, tanto no sub-local da interação
quanto no planeta por inteiro. Portanto, quando dizemos que queremos trabalhar
a favor da natureza e não contra ela, é dessa natureza que estamos falando. Ter a
sintropia como matriz fundamental de interpretação e manejo dos sistemas
cul vados é o que dá suporte para a capacidade regenera va da agricultura
sintrópica e é assim que entendemos que toda nossa agricultura deveria ser.

104
Autora: Dayana Andrade

Data: 30-12-2018

O que o gado come no mediterrâneo?

Bois e vacas são animais de porte grande. Portanto, segundo as definições da


Agricultura Sintrópica, são animais de Sistemas de Abundância. Não por acaso,
esse sistema é também chamado por Ernst Götsch de “Sistemas de Escoamento”.
Isso porque esse seria o momento em que a estratégia do ecossistema deixa de ser
primordialmente a de acumular capital natural (tarefa realizada nos sistemas
anteriores), e passa a ser transportar e escoar recursos excedentes. O Fósforo
disponível e a relação estreita entre Carbono e Nitrogênio são sinais de que agora o
ecossistema já é capaz de dar suporte para animais de porte médio e grande. Nos
Sistemas de Abundância, a presença desses animais não só é possível como
apropriada. Além de encontrarem as condições ideais para o seu desenvolvimento,
eles também participam do manejo do ecossistema por meio de seu metabolismo e
de seu comportamento migratório.

No vídeo abaixo Ernst Götsch nos conta do quê os bois e as vacas deveriam se
alimentar em um contexto Mediterrânico: folhas de vinha, de freixo e de choupo,
além de luzerna (Medicago sativa), trevo subterrâneo (Trifolium subterraneum),
Dactylis glomerata, Festuca pratensis, Lolium L, entre outras.

Link do vídeo “O que o gado come no Mediterrâneo?”: https://vimeo.com/308913985

Essa paisagem descrita por Götsch deriva de sua percepção de que o Mediterrâneo
é um ecossistema preparado para “ficar verde o ano inteiro”, mesmo com as
variações de temperatura e umidade. Porém, o que atualmente nossos olhos
testemunham é uma realidade muito longe dessa floresta biodiversa, estratificada e
com intensa dinâmica natural visionada por Ernst Götsch. Hoje, ao invés desses
grandes ruminantes viverem em Sistemas de Abundância, a maioria das criações de
gado bovino se encontra em áreas que estão em condições de Sistemas de
Acumulação – passo sucessional em que não há alimentos, nem habitat, nem
funções adequadas para esses animais. O resultado é que, diante de pastagens
com baixa produtividade, torna-se comum a prática de recorrer cada vez mais à
suplementação alimentar por ração ou algum outro insumo externo, o que significa:

● Prejuízo econômico, já que a operação fica mais cara.

105
● Desvantagem ecológica, pois isso via de regra significa que outro
ecossistema está sendo minerado para a produção de grãos e fibras.
● Redução do bem estar animal que deixa de exercer o seu comportamento
habitual e saudável de forragear.

Mas então, como recuperar uma floresta mediterrânica abundante? A resposta de


Ernst Götsch é categórica: "transforme seu inimigo em seu aliado”.

Naquele caso a proposta foi a de usar justamente o cisto, malquisto por ocupar as
pastagens, para ajudar a estabelecer azinheiras, carrascos, oliveiras, medronheiros,
figueiras e videiras. A sugestão é específica para o local analisado, mas a lógica por
trás da explicação é a mesma de sempre: fazer a leitura sintrópica do ecossistema e
potencializar os processos de vida no sentido do aumento da quantidade e da
qualidade de vida consolidada. Para nós que acompanhamos o trabalho de Ernst
Götsch há anos foi como ouvir uma mesma velha e familiar história, mas agora
sendo contada com personagens diferentes. Independentemente das condições de
solo, do clima e da vegetação existentes, podemos, como diz Ernst, criar
agroecossistemas parecidos aos naturais e originais dos locais, tanto em sua forma,
quanto em sua dinâmica e função. Nós também somos animais de porte grande e,
portanto, também dependemos de Sistemas de Abundância para sobreviver. Nosso
papel, enquanto animais que se auto denominam sapiens sapiens, seria o de
entender e potencializar os processos sintrópicos da vida.

106
Autora‌:‌D
‌ ayana‌A
‌ ndrade‌‌   ‌

Data‌:‌0
‌ 9-06-2019‌  ‌

 ‌
Os‌‌custos‌‌e‌‌objetivos‌‌velados‌‌da‌‌tecnologia‌  ‌
 ‌
Desafios‌‌atuais‌  ‌

Atualmente,‌  ‌a ‌ ‌produção‌  ‌de‌  ‌alimentos,‌  ‌madeira‌  ‌e ‌ ‌fibras‌  ‌alterou‌  ‌a ‌‌
capacidade‌  ‌de‌  ‌suporte‌  ‌dos‌  ‌seres‌  ‌humanos‌  ‌no‌  ‌planeta,‌  ‌ao‌  ‌mesmo‌  ‌tempo‌‌  
em‌‌  que‌‌
  promoveu‌‌   um‌‌
  grande‌‌   impacto‌‌  no‌‌
  resto‌‌
  da‌‌
  diversidade‌‌   biológica.‌‌  A ‌‌
agricultura‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌maior‌  ‌causa‌  ‌do‌  ‌desmatamento‌  ‌nos‌  ‌trópicos‌  ‌e ‌ ‌já‌  ‌ocupou‌‌
 
70%‌  ‌das‌  ‌pradarias‌  ‌do‌  ‌mundo,‌  ‌50%‌  ‌das‌  ‌savanas‌  ‌e ‌ ‌45%‌  ‌das‌  ‌florestas‌‌  
temperadas.‌  ‌Por‌  ‌isso,‌  ‌é ‌ ‌uma‌  ‌das‌  ‌maiores‌  ‌responsáveis‌  ‌por‌  ‌poluição‌  ‌e ‌‌
alterações‌  ‌climáticas.‌  ‌Além‌  ‌de‌  ‌resolver‌  ‌todas‌  ‌essas‌  ‌questões‌  ‌atuais,‌‌  
urgentes‌  ‌e ‌ ‌fundamentais,‌  ‌a ‌ ‌agricultura‌  ‌precisa‌  ‌também‌  ‌dar‌  ‌conta‌  ‌de‌‌  
produzir‌‌duas‌‌vezes‌‌mais‌‌até‌‌2050‌‌devido‌‌ao‌‌aumento‌‌populacional.‌  ‌

O‌  ‌panorama‌  ‌descrito‌‌   acima‌‌   evidencia‌‌   que,‌‌


  embora‌‌   o ‌‌modelo‌‌  de‌‌  produção‌‌  
atual‌  ‌acumule‌  ‌vitórias‌  ‌na‌  ‌produtividade,‌  ‌as‌  ‌implicações‌  ‌ambientais,‌‌  
climáticas‌  ‌e ‌ ‌sociais‌  ‌que‌  ‌estão‌  ‌associadas‌  ‌ao‌  ‌seu‌‌   paradigma‌‌   impõem,‌‌   por‌‌ 
ora,‌  ‌barreiras‌  ‌instransponíveis‌  ‌à ‌ ‌sua‌  ‌própria‌  ‌continuidade.‌  ‌Quando‌‌  
somados,‌  ‌esses‌  ‌fatores‌  ‌deveriam‌  ‌criar‌  ‌um‌  ‌cenário‌  ‌propício‌  ‌à ‌ ‌inovação,‌‌  
afinal,‌  ‌a ‌ ‌mesma‌  ‌tecnologia‌  ‌que‌  ‌parece‌  ‌nos‌  ‌ter‌  ‌condenado‌  ‌a ‌‌um‌‌   modo‌‌   de‌‌
 
vida‌  ‌insustentável,‌  ‌bem‌  ‌ou‌  ‌mal,‌  ‌foi‌  ‌também‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌nos‌  ‌trouxe‌  ‌ate‌  ‌aqui‌  ‌e,‌‌
 
agora,‌  ‌nos‌  ‌dá‌  ‌uma‌  ‌janela‌  ‌de‌  ‌oportunidade‌  ‌para‌  ‌mudar.‌‌   Precisamos,‌‌   mais‌‌  
do‌  ‌que‌  ‌nunca,‌  ‌saber‌  ‌quais‌  ‌respostas‌  ‌queremos‌  ‌que‌  ‌a ‌ ‌tecnologia‌  ‌nos‌‌  
ofereça‌  ‌daqui‌  ‌para‌  ‌frente,‌  ‌e ‌ ‌quais‌  ‌desafios‌  ‌são‌  ‌merecedores‌  ‌de‌  ‌sua‌‌  
atenção.‌  ‌

Se‌  ‌mantemos‌  ‌nosso‌  ‌otimismo‌  ‌e ‌ ‌continuamos‌  ‌a ‌ ‌agendar‌  ‌férias‌  ‌com‌  ‌a ‌‌
família‌  ‌sem‌  ‌pensar‌  ‌nesses‌  ‌problemas‌  ‌gravíssimos‌  ‌é ‌ ‌porque‌  ‌temos‌  ‌fé‌  ‌de‌‌  
que‌  ‌a ‌ ‌tecnologia,‌  ‌tal‌  ‌qual‌  ‌um‌  ‌deus‌  ‌ex‌  ‌machina,‌  ‌surgirá‌  ‌com‌  ‌soluções‌‌  
inimagináveis.‌  ‌Pode‌  ‌até‌  ‌ser‌  ‌verdade.‌  ‌Mas‌  ‌corremos‌  ‌o ‌ ‌risco‌  ‌de‌  ‌isso‌  ‌ser‌‌ 
apenas‌‌   fruto‌‌
  de‌‌
  um‌‌
  instinto‌‌ de‌‌
 autopreservação‌‌  reconfortante‌‌  acionado‌‌  em‌‌
 
tempos‌  ‌de‌  ‌crise.‌  ‌Uma‌  ‌fuga‌  ‌pela‌  ‌fé.‌  ‌Mas‌  ‌afinal,‌  ‌a ‌ ‌tecnologia‌  ‌pode‌  ‌nos‌‌
 
salvar?‌‌  Nesse‌‌  texto,‌‌
 refletimos‌‌  sobre‌‌ os‌‌  valores‌‌
 abstratos‌‌  e ‌‌os‌‌
 usos‌‌
 sociais‌‌
 

107
do‌  ‌conceito‌  ‌de‌  ‌tecnologia,‌  ‌questionando‌  ‌sua‌  ‌suposta‌  ‌neutralidade‌  ‌e ‌‌
presumida‌‌autoridade‌‌na‌‌agricultura.‌  ‌

Por‌‌trás‌‌do‌‌conceito‌  ‌

A‌  ‌agricultura‌  ‌representa,‌  ‌por‌  ‌excelência,‌  ‌o ‌ ‌ambiente‌  ‌de‌  ‌interface‌  ‌do‌‌  
trinômio‌  ‌homem-natureza-tecnologia.‌  ‌O ‌ ‌que‌  ‌historicamente‌  ‌tem‌  ‌sido‌‌  
entendido‌  ‌como‌  ‌inovação‌  ‌na‌‌   agricultura‌‌   frequentemente‌‌   esteve‌‌   associado‌‌  
à‌  ‌criação,‌  ‌ao‌  ‌uso‌  ‌e ‌ ‌à ‌ ‌aplicação‌  ‌de‌  ‌tecnologias,‌  ‌sejam‌  ‌elas‌  ‌no‌  ‌âmbito‌  ‌da‌‌
 
produção‌‌ou‌‌da‌‌organização‌‌agrícola.‌  ‌

Para‌‌  o ‌‌pesquisador‌‌   Alf‌‌


  Hornborg,‌‌   a ‌‌tecnologia‌‌  seria‌‌  o ‌‌fetichismo‌‌  central‌‌ do‌‌ 
capitalismo‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌noção‌  ‌de‌  ‌progresso‌  ‌tecnológico‌  ‌um‌  ‌artigo‌  ‌de‌  ‌fé‌  ‌do‌‌  
neoliberalismo,‌  ‌mas‌  ‌também‌  ‌do‌  ‌marxismo‌  ‌e ‌ ‌do‌  ‌ambientalismo.‌  ‌Sua‌‌  
premissa‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌de‌  ‌que‌  ‌toda‌  ‌tecnologia‌  ‌depende‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌transferência‌‌  
assimétrica‌  ‌de‌  ‌trabalho‌  ‌e ‌ ‌terras,‌  ‌ao‌  ‌que‌  ‌chama‌  ‌de‌  ‌apropriação‌‌  
espaço-tempo.‌  ‌O ‌ ‌exemplo‌  ‌mais‌  ‌emblemático‌  ‌vem‌  ‌da‌  ‌própria‌  ‌Revolução‌‌  
Industrial,‌  ‌quando‌  ‌as‌  ‌elites‌  ‌europeias‌  ‌tiraram‌  ‌proveito‌  ‌de‌  ‌terras‌‌   (extensas‌‌  
áreas‌‌   com‌‌   nova‌‌
  fertilidade),‌‌   trabalho‌‌   (escravo‌‌  e/ou‌‌   servidão)‌‌   e ‌‌também‌‌  da‌‌ 
exploração‌  ‌das‌  ‌discrepâncias‌  ‌na‌  ‌própria‌  ‌produção‌  ‌(relações‌  ‌globais‌  ‌de‌‌  
preço)‌  ‌para‌  ‌sustentar‌  ‌sua‌  ‌revolução‌  ‌tecnológica.‌  ‌Evidenciar‌  ‌essa‌  ‌relação‌‌  
ajudaria‌  ‌a ‌ ‌desconstruir‌  ‌a ‌ ‌falaciosa‌‌   impressão‌‌   de‌‌
  neutralidade‌‌   associada‌‌   à ‌‌
tecnologia.‌‌   Para‌‌
  placas‌‌   solares‌‌  gerarem‌‌  energia‌‌  limpa,‌‌  são‌‌ necessários:‌‌  1)‌‌
 
grandes‌‌   espaços‌‌   para‌‌ instalação‌‌  em‌‌  países‌‌  como‌‌  Argélia;‌‌  2)‌‌
 mineração‌‌  do‌‌  
silício‌  ‌para‌  ‌matéria‌  ‌prima‌  ‌em‌‌   países‌‌   como‌‌  Brasil‌‌  e ‌‌China;‌‌   3)‌‌
  mão‌‌   de‌‌
  obra‌‌ 
proveniente‌  ‌dos‌  ‌países‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌ela‌  ‌estiver‌  ‌mais‌  ‌barata;‌  ‌para‌  ‌então‌  ‌4)‌  ‌a ‌‌
energia‌  ‌ser‌  ‌consumida‌  ‌nos‌  ‌países‌  ‌com‌  ‌maior‌  ‌poder‌  ‌de‌  ‌compra.‌  ‌Essa‌‌  
perniciosa‌  ‌situação‌  ‌em‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌capital‌  ‌travestido‌  ‌de‌  ‌tecnologia‌  ‌se‌  ‌torna‌‌  
politicamente‌  ‌inocente‌  ‌e ‌ ‌moralmente‌  ‌isento‌  ‌é ‌ ‌denunciada‌  ‌em‌  ‌diversas‌‌  
oportunidades‌  ‌pelo‌  ‌pesquisador.‌  ‌Nesse‌  ‌sentido,‌  ‌a ‌ ‌tecnologia‌  ‌seria‌‌  
fundamentalmente‌‌uma‌‌forma‌‌de‌‌organizar‌‌a‌‌sociedade‌‌humana‌‌global.‌  ‌

108
 ‌
 ‌
Muito‌  ‌antes‌  ‌de‌  ‌Hornborg‌  ‌– ‌ ‌e ‌ ‌partindo‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌perspectiva‌  ‌distinta‌  ‌- ‌ ‌o ‌‌
filósofo‌  ‌alemão‌  ‌Martin‌  ‌Heidegger‌  ‌(1889-1976),‌  ‌no‌  ‌ensaio‌  ‌intitulado‌  ‌“A‌‌  
Questão‌  ‌da‌  ‌Técnica”,‌  ‌de‌  ‌1949,‌  ‌já‌  ‌apontava‌  ‌haver‌  ‌uma‌  ‌diferença‌‌  
fundamental‌  ‌entre‌  ‌aquilo‌  ‌que‌  ‌concede‌  ‌possíveis‌  ‌sentidos‌  ‌à ‌ ‌tecnologia‌  ‌e ‌‌
aquilo‌‌   que‌‌  é ‌‌sua‌‌   essência.‌‌   Sob‌‌   essa‌‌   ótica,‌‌   estaríamos‌‌  apenas‌‌  arranhando‌‌  
a‌  ‌superfície‌  ‌dos‌  ‌instrumentos‌  ‌da‌  ‌tecnologia‌  ‌e ‌ ‌de‌  ‌suas‌  ‌finalidades,‌  ‌sem‌‌  
questionar‌  ‌ou‌  ‌repensar‌  ‌sua‌  ‌ontologia.‌  ‌Para‌  ‌o ‌ ‌filósofo‌  ‌alemão,‌  ‌na‌  ‌busca‌‌  
pela‌‌   essência‌‌   da‌‌  tecnologia‌‌   desvela-se‌‌   que‌‌   ela‌‌
  não‌‌  tem‌‌   nada‌‌  de‌‌  técnica‌‌  e ‌‌
tem‌  ‌muito‌  ‌da‌  ‌expressão‌‌   de‌‌   um‌‌   modo‌‌   de‌‌   ser‌‌   em‌‌  determinada‌‌   época.‌‌   Para‌‌  
Heidegger,‌  ‌a ‌ ‌tecnologia‌  ‌não‌  ‌é ‌ ‌nem‌  ‌um‌  ‌bem,‌  ‌nem‌  ‌um‌  ‌mal‌  ‌em‌  ‌si‌  ‌mesma.‌‌  
Tampouco‌  ‌é ‌ ‌neutra.‌‌   Ela‌‌  seria‌‌   um‌‌   desvelar‌‌   desafiador‌‌   (H
‌ erausfordern‌) ‌‌que‌‌  
impõe‌  ‌à ‌ ‌natureza‌  ‌a ‌ ‌não‌  ‌razoável‌  ‌demanda‌  ‌de‌  ‌fornecer‌  ‌energia‌  ‌que‌‌   pode‌‌  
ser‌  ‌extraída‌  ‌e ‌ ‌armazenada.‌  ‌O ‌‌grande‌‌   perigo‌‌   reside‌‌   no‌‌   que,‌‌   em‌‌   alemão,‌‌   o ‌‌
autor‌  ‌chamou‌  ‌de‌  ‌Bestand‌, ‌ ‌o ‌ ‌fundo‌  ‌de‌  ‌reserva‌  ‌exposto‌  ‌à ‌ ‌exploração‌  ‌- ‌‌
aquilo‌‌   de‌‌
  que‌‌   a ‌‌tecnologia‌‌   se‌‌   serve.‌‌   Não‌‌   apenas‌‌   como‌‌   um‌‌   estoque‌‌  ou‌‌ um‌‌  
armazém,‌  ‌mas‌  ‌como‌  ‌uma‌  ‌fonte‌  ‌completamente‌  ‌à ‌ ‌disposição‌‌   imediata,‌‌   tal‌‌
 
como‌  ‌– ‌ ‌em‌  ‌analogia‌  ‌utilizada‌  ‌pelo‌  ‌próprio‌  ‌filósofo‌  ‌- ‌ ‌um‌  ‌avião‌  ‌taxiando‌  ‌à ‌‌
espera‌  ‌da‌  ‌ordem‌  ‌de‌  ‌decolagem,‌  ‌com‌  ‌todas‌  ‌as‌  ‌suas‌  ‌operações‌  ‌em‌‌  
prontidão.‌‌   O ‌‌custo‌‌   de‌‌
  não‌‌  reconhecer‌‌  isso‌‌  seria‌‌  o ‌‌de‌‌
 restringir‌‌  nosso‌‌  olhar.‌‌  
Seria‌  ‌como‌‌   reduzir‌‌   um‌‌  rio‌‌  a ‌‌uma‌‌   barragem‌‌   à ‌‌serviço‌‌   da‌‌   usina‌‌   hidrelétrica,‌‌  
ou‌  ‌a ‌ ‌terra‌  ‌a ‌ ‌um‌  ‌depósito‌  ‌de‌  ‌minério‌  ‌a ‌ ‌ser‌  ‌extraído.‌  ‌Esse‌  ‌desvelar‌‌  
desafiador‌  ‌presente‌  ‌também‌  ‌na‌  ‌agricultura‌  ‌enquanto‌  ‌“indústria‌‌   de‌‌   comida‌‌  
mecanizada”,‌  ‌não‌  ‌aconteceria,‌  ‌no‌  ‌entanto,‌  ‌na‌  ‌terra‌  ‌cultivada‌  ‌pelo‌‌  
camponês‌  ‌que‌  ‌incorpora‌‌   no‌‌   trabalhar‌‌   a ‌‌terra‌‌   também‌‌   o ‌‌cuidar‌‌   e ‌‌o ‌‌manter.‌‌  
Em‌  ‌última‌  ‌instância,‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌ocorre‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌subordinação‌‌   do‌‌   homem‌‌   e ‌‌de‌‌  suas‌‌  

109
atividades‌  ‌ao‌  ‌mesmo‌  ‌desvelar‌  ‌desafiador,‌  ‌quer‌  ‌ele‌  ‌se‌  ‌dê‌  ‌conta‌  ‌disso‌  ‌ou‌‌
 
não.‌  ‌
 ‌

 ‌
 ‌
"Como‌  ‌você‌‌
  gostaria‌‌
  de‌‌
  ficar‌‌   conhecido,‌‌   como‌‌   o ‌‌descobridor‌‌
  do‌‌
  fogo‌‌
  ou‌‌
  o ‌‌
primeiro‌  ‌homem‌  ‌a ‌ ‌poluir‌  ‌a ‌ ‌atmosfera?"‌  ‌Fonte:‌‌  
https://sites.google.com/site/metmodule4/module-4-readings/heidegger‌  ‌

De‌  ‌modo‌  ‌geral,‌  ‌quando‌  ‌se‌  ‌fala‌  ‌em‌  ‌tecnologia‌  ‌na‌  ‌agricultura,‌  ‌pouco‌  ‌ou‌‌  
nada‌  ‌se‌  ‌reflete‌  ‌as‌  ‌implicações‌  ‌pensadas‌  ‌e ‌ ‌interpretadas‌  ‌por‌  ‌tais‌  ‌autores.‌‌
 
Geralmente,‌  ‌a ‌ ‌tecnologia‌  ‌é ‌ ‌simplesmente‌  ‌entendida‌  ‌como‌  ‌o ‌ ‌produto‌  ‌de‌‌  
novas‌‌   descobertas‌‌   e ‌‌invenções.‌‌   Essa‌‌
  epistemologia‌‌   tecnológica‌‌
 tem‌‌
 como‌‌ 
ícone‌  ‌fundador‌  ‌a ‌ ‌máquina‌  ‌a ‌ ‌vapor‌  ‌e ‌ ‌sua‌  ‌associada‌  ‌ideia‌  ‌de‌  ‌progresso.‌‌  
Derivam‌  ‌dessa‌  ‌mesma‌  ‌narrativa‌  ‌noções‌  ‌mais‌  ‌corriqueiras‌  ‌de‌  ‌eficiência‌  ‌e ‌‌
produtividade‌‌   (mesmo‌‌   que‌‌  atualmente‌‌   com‌‌  a ‌‌nova‌‌
 roupagem‌‌  da‌‌
 revolução‌‌ 
da‌‌
  informação).‌‌   É ‌‌nessa‌‌   tecnologia‌‌   que‌‌  são‌‌
  depositadas‌‌   grande‌‌
  parte‌‌
  das‌‌
 

110
esperanças‌‌   de‌‌  solução‌‌   para‌‌   os‌‌
 atuais‌‌  problemas‌‌  de‌‌ sustentabilidade.‌‌  Para‌‌
 
suprir‌  ‌a ‌ ‌necessidade‌  ‌de‌  ‌fontes‌  ‌exógenas‌  ‌de‌  ‌energia‌  ‌fia-se‌  ‌na‌  ‌promessa‌‌  
das‌‌   energias‌‌   renováveis‌‌   como‌‌   a ‌‌energia‌‌  solar‌‌  ou‌‌
 dos‌‌  ventos.‌‌
 Para‌‌  superar‌‌
 
limitações‌  ‌de‌  ‌solos‌  ‌férteis‌  ‌investe-se‌  ‌em‌  ‌pesquisa‌  ‌sobre‌  ‌hidroponia‌  ‌ou‌‌  
indoor‌‌   farms.‌‌
  Para‌‌   resolver‌‌   (pontualmente‌‌   e ‌‌sucessivamente)‌‌  a ‌‌resistência‌‌
 
e‌  ‌a ‌ ‌produtividade‌  ‌de‌  ‌determinadas‌  ‌espécies‌  ‌cultivadas,‌  ‌a ‌ ‌aposta‌  ‌é ‌ ‌na‌‌  
modificação‌  ‌e ‌ ‌na‌  ‌edição‌  ‌genética‌  ‌de‌  ‌organismos.‌  ‌Poderíamos‌  ‌nos‌  ‌deter‌‌  
aqui‌  ‌em‌  ‌analisar‌‌   as‌‌  contradições‌‌   internas‌‌   de‌‌  cada‌‌  uma‌‌
  dessas‌‌  propostas.‌‌
 
Mas,‌  ‌de‌  ‌maneira‌  ‌breve,‌  ‌podemos‌  ‌ao‌  ‌menos‌  ‌apontar‌  ‌que‌  ‌as‌  ‌tais‌‌  
“agriculturas‌  ‌de‌  ‌ambiente‌  ‌controlado”,‌  ‌grupo‌  ‌que‌  ‌congrega‌  ‌muitas‌‌   dessas‌‌
 
propostas,‌  ‌encontra‌  ‌inúmeras‌  ‌críticas‌  ‌com‌  ‌relação:‌  ‌ao‌  ‌custo‌  ‌de‌‌  
implantação‌  ‌e ‌ ‌manutenção,‌  ‌aos‌  ‌resíduos‌  ‌poluentes‌  ‌gerados‌  ‌(mesmo‌  ‌em‌‌  
sistemas‌  ‌circulares)‌  ‌e,‌  ‌acima‌  ‌de‌  ‌tudo,‌  ‌no‌  ‌que‌  ‌se‌  ‌refere‌  ‌ao‌  ‌impasse‌  ‌com‌‌  
relação‌  ‌à ‌ ‌alta‌  ‌demanda‌  ‌energética,‌  ‌para‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌as‌  ‌soluções‌  ‌de‌  ‌“energia‌‌  
limpa”‌  ‌levariam‌  ‌à ‌ ‌curiosa‌  ‌(senão‌  ‌embaraçosa)‌  ‌substituição‌  ‌do‌  ‌Sol‌  ‌por‌‌  
painéis‌‌de‌‌energia‌‌solar‌‌(J‌ onathan‌‌F ‌ oley‌).‌  ‌

 ‌
 ‌
 ‌
 ‌

111
O‌‌dilema‌‌da‌‌tecnologia‌  ‌

Mas,‌‌   a ‌‌reflexão‌‌   que‌‌   a ‌‌Agricultura‌‌   Sintrópica‌‌  de‌‌


 Ernst‌‌  Götsch‌‌  sugere‌‌  é ‌‌a ‌‌de‌‌
 
que‌  ‌todos‌  ‌esses‌  ‌modos‌  ‌de‌  ‌enfrentamento‌  ‌do‌  ‌problema‌  ‌têm‌‌   em‌‌   comum‌‌   o ‌‌
fato‌  ‌de‌  ‌não‌  ‌questionarem‌  ‌os‌  ‌outros‌  ‌dois‌  ‌eixos‌  ‌do‌  ‌citado‌  ‌trinômio‌  ‌que‌‌  
representa‌  ‌a ‌ ‌agricultura:‌  ‌a ‌ ‌relação‌  ‌do‌  ‌homem‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌natureza.‌‌   Perdemos‌‌  
nossa‌  ‌conexão‌  ‌há‌  ‌pouco‌  ‌tempo.‌  ‌Nossas‌  ‌sociedades‌  ‌agrícolas‌  ‌são‌‌  
recentes‌  ‌comparadas‌  ‌à ‌ ‌nossa‌  ‌existência‌  ‌como‌  ‌Homo‌  ‌sapiens‌  ‌(mais‌  ‌de‌‌  
200.000‌‌   anos).‌‌   A ‌‌agricultura‌‌   representa‌‌   nosso‌‌  domínio‌‌   sobre‌‌   a ‌‌natureza‌‌   e ‌‌
lentamente‌‌   substituiu‌‌   nossa‌‌
  tendência‌‌   natural‌‌  a ‌‌cuidar‌‌  de‌‌ outras‌‌  formas‌‌  de‌‌  
vida‌‌   por‌‌   uma‌‌   atitude‌‌  antropocêntrica‌‌  e ‌‌hostil.‌‌
 Nos‌‌  últimos‌‌  10.000‌‌  anos,‌‌  nos‌‌  
tornamos‌‌   os‌‌  donos‌‌  do‌‌  mundo,‌‌  fizemos‌‌  nossas‌‌  ferramentas‌‌  e ‌‌remodelamos‌‌  
o‌  ‌planeta‌  ‌de‌  ‌acordo‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌nossa‌  ‌vontade,‌  ‌aumentando‌  ‌a ‌ ‌cada‌  ‌passo‌  ‌a ‌‌
distância‌  ‌entre‌  ‌nós‌  ‌e ‌ ‌as‌  ‌dinâmicas‌  ‌naturais.‌  ‌A ‌ ‌essa‌  ‌altura‌  ‌dos‌‌  
acontecimentos,‌  ‌já‌‌   deveríamos‌‌   reconhecer‌‌   que‌‌  não‌‌   podemos‌‌   vencer‌‌   essa‌‌  
cruzada‌  ‌contra‌  ‌a ‌ ‌natureza.‌  ‌Como‌  ‌disse‌  ‌o ‌ ‌crítico/comediante‌  ‌americano‌‌  
George‌  ‌Carlin,‌  ‌não‌  ‌há‌  ‌nada‌  ‌mais‌  ‌pretensioso‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌slogan‌  ‌"salve‌  ‌o ‌
planeta".‌  ‌O ‌ ‌planeta‌  ‌está‌  ‌bem,‌  ‌já‌  ‌passou‌  ‌por‌  ‌traumas‌‌   muito‌‌   piores‌‌   do‌‌  que‌‌  
nós‌‌  em‌‌  seus‌‌  4,5‌‌  bilhões‌‌  de‌‌
 anos.‌‌  É ‌‌um‌‌  organismo‌‌  que‌‌  se‌‌
 autorregula,‌‌  e ‌‌irá‌‌ 
nos‌‌   expulsar‌‌   com‌‌   a ‌‌simplicidade‌‌  de‌‌ quem‌‌  sacode‌‌  a ‌‌poeira‌‌  do‌‌  corpo.‌‌  Nós‌‌  é ‌‌
que‌  ‌devíamos‌  ‌compreender‌  ‌e ‌ ‌nos‌  ‌adaptar‌  ‌às‌  ‌suas‌  ‌regras,‌  ‌e ‌ ‌não‌  ‌o ‌‌
contrário.‌  ‌Da‌  ‌mesma‌  ‌forma,‌  ‌nossa‌  ‌tecnologia‌  ‌deveria‌  ‌estar‌  ‌focada‌  ‌em‌‌  
entender‌‌e‌‌favorecer‌‌processos‌‌naturais,‌‌não‌‌o‌‌contrário.‌  ‌

Revive-se,‌  ‌como‌  ‌em‌  ‌um‌  ‌pesadelo‌  ‌cíclico,‌  ‌um‌  ‌mesmo‌  ‌padrão‌  ‌de‌‌  
comportamento:‌‌   a ‌‌ação‌‌
  é ‌‌a ‌‌de‌‌
  se‌‌
  extrair‌‌
  e ‌‌a ‌‌reação‌‌ é ‌‌a ‌‌de‌‌
 se‌‌
 combater‌‌ as‌‌
 
supostas‌  ‌limitações‌  ‌diagnosticadas‌  ‌de‌  ‌forma‌  ‌analítica,‌  ‌sem‌  ‌nunca‌‌  
questionar‌  ‌se‌  ‌essa‌  ‌é ‌ ‌a ‌ ‌única‌  ‌ou‌  ‌melhor‌  ‌maneira‌  ‌de‌  ‌garantir‌  ‌nossa‌‌  
sobrevivência,‌  ‌e ‌ ‌do‌  ‌mundo‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌qual‌  ‌interagimos.‌  ‌Celebramos‌  ‌e ‌‌
consideramos‌  ‌mais‌  ‌eficientes‌  ‌exatamente‌‌   aquelas‌‌   tecnologias‌‌   que‌‌
  melhor‌‌
 
e‌  ‌por‌  ‌mais‌  ‌tempo‌  ‌garantam‌  ‌a ‌ ‌manutenção‌  ‌de‌  ‌nossos‌  ‌atuais‌  ‌modos‌  ‌de‌‌  
vida,‌  ‌mesmo‌  ‌que‌  ‌esses‌  ‌sejam,‌  ‌fundamentalmente,‌  ‌as‌  ‌causas‌  ‌de‌  ‌nossos‌‌  
problemas.‌  ‌Precisamos‌  ‌desse‌  ‌questionamento‌  ‌para‌  ‌saber‌  ‌onde‌  ‌mirar‌‌  
nosso‌‌  esforço‌‌  tecnológico.‌‌  Isso‌‌
 define‌‌ não‌‌ apenas‌‌  frentes‌‌  de‌‌
 investimentos‌‌ 
concretos,‌  ‌mas‌  ‌também‌  ‌os‌  ‌valores‌  ‌éticos‌  ‌e ‌ ‌morais‌  ‌que‌  ‌abastecerão‌  ‌as‌‌  
futuras‌‌mentes‌‌inovadoras.‌  ‌

 ‌

112
Referências‌  ‌

FOLEY,‌  ‌J.‌  ‌“No,‌  ‌Vertical‌  ‌Farms‌  ‌Won’t‌  ‌Feed‌  ‌the‌  ‌World”.‌  ‌Disponível‌  ‌em:‌‌
 
<https://globalecoguy.org/no-vertical-farms-wont-feed-the-world-5313e3e961c0>‌  ‌Acesso‌  e ‌ m:‌‌
 
janeiro‌d
‌ e‌2
‌ 019.‌  ‌

FOLEY,‌  ‌J.‌  ‌A.,‌  ‌Ramankutty,‌  ‌N.,‌  ‌Brauman,‌  ‌K.‌  ‌A.,‌  ‌Cassidy,‌  ‌E.‌  ‌S.,‌  ‌Gerber,‌‌
  J.‌‌
  S.,‌‌
  Johnston,‌‌
  M.,‌‌
  … ‌‌
Zaks,‌  ‌D.‌  ‌P.‌  ‌M.‌  ‌(2011).‌  ‌Solutions‌  ‌for‌  ‌a ‌ ‌cultivated‌  ‌planet.‌  ‌Nature,‌  ‌478(7369),‌  ‌337–342.‌‌  
https://doi.org/10.1038/nature10452‌  ‌

ROJCEWICZ,‌  ‌R.‌  ‌“The‌  ‌Gods‌  ‌and‌  ‌Technology”.‌  ‌State‌  ‌University‌  ‌of‌  ‌New‌  ‌York‌  ‌Press:‌  ‌New‌  ‌York,‌‌
 
2006.‌  ‌

HEIDEGGER,‌  ‌M.‌  ‌“The‌  ‌Question‌  ‌Concerning‌  ‌Technology‌  ‌(and‌  ‌other‌  ‌essays)”.‌  ‌Tradução‌‌   para‌‌
  o ‌‌
inglês‌  ‌do‌  ‌original‌  ‌em‌  ‌alemão‌  ‌“Die‌‌
  Grage‌‌
  nach‌‌
  der‌‌
  Technik”‌‌
  (1949)‌‌
  por‌‌
  William‌‌
  Lovitt,‌‌
  Harper‌‌
  & ‌‌
Row:‌N‌ ova‌I‌orque,‌1 ‌ 977.‌  ‌

HORNBORG,‌  ‌A.‌  ‌“Footprints‌  ‌in‌  ‌the‌  ‌Cotton‌  ‌Fields:‌  ‌the‌  ‌industrial‌  ‌revolution‌  ‌as‌  ‌time-space‌‌
 
appropriation‌a
‌ nd‌e
‌ nvironmental‌l‌oad‌d ‌ isplacement.‌E ‌ col.‌E‌ con.‌5 ‌ 9(1),‌7‌ 4-81,‌2
‌ 006.‌  ‌

HORNBORG,‌  ‌A.‌  ‌“Global‌  ‌Ecology‌  ‌and‌  ‌Unequal‌  ‌Exchange:‌  ‌fetishism‌  ‌in‌  ‌a ‌ ‌zero-sum‌  ‌world”.‌‌
 
Routledge:‌L
‌ ondon,‌2
‌ 013.‌  ‌

HORNBORG,‌  ‌A.‌  ‌“Ecological‌  ‌Economics,‌  ‌Marxism,‌  ‌and‌  ‌Technological‌  ‌Progress:‌  ‌some‌‌  


explorations‌  ‌of‌  ‌the‌  ‌conceptual‌  ‌foundations‌  ‌of‌  ‌the‌  ‌theories‌  ‌of‌  ‌ecologically‌  ‌unequal‌  ‌exchange”.‌‌
 
Ecological‌E
‌ conomics‌J‌ ournal,‌S ‌ weden,‌1 ‌ 05,‌1‌ 1-18,‌2 ‌ 014.‌  ‌

ZAMORA,‌  ‌D.,‌  ‌& ‌ ‌Udawatta,‌  ‌R.‌  ‌P.‌  ‌(2016,‌  ‌October‌  ‌1).‌  ‌Agroforestry‌  ‌as‌  ‌a ‌ ‌catalyst‌  ‌for‌  ‌on-farm‌‌
 
conservation‌  ‌and‌  ‌diversification.‌  ‌Agroforestry‌  ‌Systems.‌  ‌Springer‌  ‌Netherlands.‌‌  
https://doi.org/10.1007/s10457-016-0013-1‌  ‌

 ​‌ ‌

 ‌

113
Autora‌:‌D
‌ ayana‌A
‌ ndrade‌‌   ‌

Data‌:‌1
‌ 0-11-2019‌  ‌

 ‌

 ‌

Plantando‌‌Pedras‌  ‌
 ‌
Pedras‌  ‌no‌  ‌campo‌  ‌costumam‌  ‌ser‌  ‌um‌  ‌problema‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌única‌  ‌solução‌  ‌é ‌‌
removê-las.‌‌Mas‌‌Ernst‌‌Götsch‌‌tem‌‌uma‌‌nova‌‌sugestão:‌‌plantar‌‌pedras!‌‌    ‌
 ‌
 ‌

 ‌
 ‌
 ‌
A‌  ‌ideia‌  ‌de‌  ‌enterrar‌  ‌as‌  ‌pedras‌  ‌está‌  ‌relacionada‌  ‌principalmente‌  ‌com‌  ‌três‌‌  
aspectos.‌  ‌Primeiro,‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌fato‌  ‌de‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌preparo‌  ‌da‌  ‌área‌  ‌na‌  ‌agricultura‌‌
 
sintrópica‌  ‌só‌  ‌acontece‌  ‌uma‌‌   única‌‌  vez‌, ‌‌portanto,‌‌  essa‌‌
  primeira‌‌   intervenção‌‌  
é‌  ‌nossa‌  ‌chance‌  ‌de‌  ‌organizar‌  ‌os‌‌   elementos‌‌   presentes‌‌  na‌‌
  área‌‌  da‌‌
  maneira‌‌
 
mais‌‌   eficiente‌‌   possível.‌‌   Pedra‌‌ na‌‌ superfície‌‌  é ‌‌um‌‌
 problema,‌‌  mas‌‌  pedra‌‌
 sob‌‌
 
o‌‌solo‌‌é‌‌um‌‌recurso.‌  ‌

114
 ‌
 ‌
Isso‌‌
  nos‌‌  leva‌‌
 ao‌‌  segundo‌‌  aspecto.‌‌  A ‌‌pedra‌‌  enterrada‌‌  se‌‌
 transforma‌‌  em‌‌  um‌‌
 
recurso‌‌   porque‌‌   a ‌‌dinâmica‌‌   de‌‌  vida‌‌   que‌‌  ali‌‌
  será‌‌   estabelecida‌‌   com‌‌
  o ‌‌plantio‌‌
 
será‌  ‌capaz‌  ‌de,‌  ‌aos‌  ‌poucos,‌  ‌“digerir”‌  ‌as‌  ‌pedras.‌  ‌O ‌ ‌plantio‌  ‌adensado,‌‌  
estratificado‌  ‌e ‌ ‌sucessional‌  ‌mantém‌  ‌íntima‌  ‌relação‌‌   com‌‌  processos‌‌   bióticos‌‌
 
e‌‌abióticos‌‌de‌‌formação‌‌de‌‌solo‌‌e‌‌de‌‌biodisponibilização‌‌de‌‌nutrientes.‌  ‌
 ‌
Isso,‌  ‌por‌  ‌sua‌  ‌vez,‌  ‌nos‌  ‌leva‌  ‌ao‌  ‌terceiro‌  ‌aspecto‌  ‌pois‌  ‌com‌  ‌isso‌  ‌um‌  ‌ciclo‌‌  
virtuoso‌  ‌se‌  ‌estabelece:‌  ‌quanto‌  ‌mais‌  ‌nutrientes‌  ‌e ‌ ‌melhor‌  ‌o ‌ ‌solo,‌  ‌mais‌‌  
saudáveis‌  ‌crescem‌  ‌as‌  ‌plantas‌  ‌e,‌  ‌cada‌  ‌vez‌  ‌mais,‌  ‌esse‌  ‌crescimento‌  ‌ativa‌‌  
processos‌  ‌de‌  ‌formação‌‌   de‌‌  solo‌‌  e ‌‌as‌‌
  pedras‌‌   inicialmente‌‌   “plantadas”‌‌   ficam‌‌
 
cada‌  ‌vez‌  ‌mais‌  ‌organizadas‌  ‌nas‌  ‌camadas‌  ‌mais‌  ‌profundas,‌  ‌e ‌ ‌nunca‌  ‌mais‌‌  
voltarão‌‌a‌‌ser‌‌um‌‌problema‌‌para‌‌o‌‌agricultor‌‌sintrópico.‌  ‌
 ‌

 ‌
115
Autora: Dayana Andrade

Data: 28-02-2019

Uma revisão científica sobre a ideia de amor incondicional na


Agricultura Sintrópica

No artigo dessa semana trazemos uma reflexão sobre alguns conceitos que
fazem parte do processo de decisão do agricultor sintrópico, e que
normalmente deixam margem para interpretações distintas.

Além das aplicações práticas que advém do entendimento da sucessão


natural, estratificação e a dinâmica funcional da vida, há também outras
importantes categorias sistematicamente referenciadas por Ernst Götsch em
seus textos, em suas aulas, cursos, conferências, consultorias e na sua
intensa vida profissional e pessoal (âmbitos absolutamente indistinguíveis
para ele). Uma dessas categorias seria a de amor incondicional que se junta à
ideia de cooperação para fazer o contraponto à competição. Para Ernst, na
natureza não há competição. Com exceção do ser humano moderno e dos

116
animais por ele domesticados, todas as relações inter e intraespecíficas
ocorrem, segundo sua perspectiva, unilateralmente movidas pelo amor
incondicional e pela cooperação. Muito além do senso comum do "amor
maternal", ou do "amor pelo semelhante" (da herança judaico-cristã), o amor
incondicional se expande no âmbito da Agricultura Sintrópica para um amor
entre diferentes espécies, um amor por sistemas abióticos e até mesmo um
amor por ciclos biogeoquímicos. Para os seres humanos, que têm o
expediente da deliberação de conduta, Ernst Götsch sugere, sempre
associado ao princípio do amor incondicional e da cooperação, a aplicação do
imperativo categórico de Kant, segundo o qual há que se agir de modo que as
suas ações possam ser elevadas imediatamente a leis universais – ou seja,
uma orientação ética intencionalista é a chave mestra e o fiel da balança das
atitudes do agricultor sintrópico.

Link do vídeo “Ecologia”: https://vimeo.com/88304873

Para Ernst essa diretriz é válida para todas as interações que mantém
enquanto agricultor, ou seja, na sua relação “com o solo, com as plantas, com
os animais, bem como com o ciclo da água e dos nutrientes”. A princípio, isso
seria semelhante à biofilia (amor pela vida e pelos sistemas vivos), conceito
proposto pelo psicologista Erich Fromm em 1964. Mas é divergente, no
entanto, especialmente daquilo que é elaborado na década de 80 pelo biólogo
e teórico Edward Wilson na "Hipótese da Biofilia", segundo a qual os seres
humanos teriam uma tendência psicológica de filiação a tudo que que seja
vivo, ou um amor inato pela natureza. Nesse último caso, o amor seria
explicado por uma herança genética que nos conectaria às outras formas de
vida. Ou seja, amaríamos não porque essas outras vidas teriam um valor em
si, mas porque uma conexão evolutiva justificaria e nos impeliria a tanto. Já o
amor a que Ernst Götsch se refere é bem menos antropocêntrico, e a conexão
é mais uma evidência do que uma explicação.

117
A suposta simplicidade semântica da ideia de amor incondicional, esconde um
grave deslocamento de uma categoria fundamental da cultura ocidental
moderna: a ideia de indivíduo. O indivíduo ou o interesse pessoal ficam
completamente suplantados sob a ótica do funcionamento do ecossistema.
Com a premissa da sintropia - esta não sujeita a negociações ou barganhas –
o amor é pautado pelo cumprimento da estratégia de incremento de energia
do sistema, mesmo que isso signifique, em determinada fase do
desenvolvimento, a supressão de um indivíduo - seja este uma erva, uma
jaqueira ou um veado.

O amor incondicional manifestado no ecossistema por sua dinâmica natural


significa que as espécies que já tenham “cumprido a sua função se retiram”.

A partir de seus escritos e de uma intensa convivência com Ernst, não é difícil
perceber que ele não dedica muita preocupação à explicação do amor
incondicional por conta de um outro axioma de seu pensamento: o
entendimento de que nós seres humanos seríamos apenas parte de um
macro-organismo inteligente. “[Nós agimos e nos comportamos como se]
fôssemos ‘a espécie inteligente’. Somos? Ou apenas, modestamente, somos
parte de um sistema inteligente?”, diz.

Essa linha de pensamento invariavelmente nos remete à Teoria de Gaia,


proposta pelo químico inglês James Lovelock (1979). Lovelock foi um dos
primeiros a afirmar, no início da década de 70, que a vida como um todo
otimiza o ambiente para seu próprio uso. Segundo a Teoria de Gaia, aspectos
dos gases atmosféricos, das rochas e das águas superficiais seriam
regulados pelo nascimento, morte, metabolismo e outras atividades dos
organismos vivos. Assim, temperatura, acidez e salinidade seriam mediadas
pela ação da vida, que agiria no controle homeostático do planeta como um
todo.

118
Porém, a ideia de que a Terra é um organismo único - atalho geralmente
frequentado tanto por aliados quanto por opositores da Teoria de Gaia - é na
verdade uma imprecisa redução, segundo Lynn Margulis (2001), colaboradora
de Lovelock na Teoria de Gaia e responsável pela Teoria da Endossimbiose
Sequencial - cujas implicações vão do entendimento do ecossistema
planetário aos processos evolutivos. Mais acurado, segundo ela, seria dizer
que “a Terra, no sentido biológico, tem um corpo mantido por complexos
processos fisiológicos”. Margulis também procurou alertar Lovelock para os
riscos de deificação que o uso do nome Gaia – deusa da Terra na mitologia
grega - poderia trazer a reboque. Se o conselho foi considerado, não o foi a
tempo de prevenir a incorporação do termo pela corrente mística do discurso
ambientalista do período que viu na personificação da “Mãe Terra” o álibi
perfeito para suas agendas. Essa leitura pode ter contribuído para a
desconfiança que a teoria levantou no meio acadêmico tradicional, quando de
seu surgimento, e pelo consequente atraso na apreciação mais cautelosa de
seu potencial. Atualmente, na iminência de uma crise global climática e
ambiental, essas discussões são revisitadas e ganham novo fôlego com
Bruno Latour, Bruno Clarke e Timothy Lenton. Muitas das críticas a essa
teoria se baseiam na interpretação da teoria darwiniana da seleção das
espécies baseada na competição. A sobrevivência do mais apto seria
incompatível com a ideia de que seres vivos, por seu metabolismo, modificam
o ambiente de tal modo que as condições para sua própria existência deixam
de existir e abrem espaço para novas espécies prosperarem. No entanto, há
exemplos exatamente disso desde a formação da atmosfera até a própria

119
sucessão ecológica. O fato é que a vida é um fenômeno planetário e,
contrariando as probabilidades, a superfície da Terra está viva há pelo menos
3.7 bilhões de anos, mantendo sua dinâmica com os sistemas abióticos.

Não por acaso, as colocações de Ernst Götsch sofrem da mesma


desconfiança e são vítimas das mesmas alegações que a Teoria de Gaia.
Segundo análise de Ian Enting , para amenizar os embaraços acadêmicos,
algumas análises propuseram um certo abrandamento da Teoria de Gaia, mas
isso só fez enfraquecê-la a ponto de torná-la pouco distinguível do que já é
reconhecido pelos estudos do Sistema Terra, desperdiçando seu potencial.
Por outro lado, sem constrangimentos institucionais, a visão de Ernst Götsch
aplicada à agricultura ousa ainda um pouco mais na apreciação das
dinâmicas da vida.

120
O quadro conceitual da Agricultura Sintrópica, portanto, exclui completamente
as ideias de concorrência e competição fria e as substitui pelas concepções
de cooperação e amor incondicional. Como se já não fosse árduo o bastante
para nosso sistema de pensamento científico incorporar, na interpretação de
ecossistemas, conceitos como o de amor, Ernst ainda propõe outra categoria:
a do prazer – que seria o resultado obtido por agir conforme esse
entendimento. “Cada indivíduo, de cada geração, de todas as espécies,
aparece equipado para realizar suas tarefas e cumprir suas funções movidos
pelo prazer interno (...)”. Sujeito a interpretações equivocadas, o prazer
interno pode e costuma ser tomado por hedonismo. Porém, mais uma vez,
como no caso do amor incondicional, o indivíduo não está no centro, mas sim
a tendência sintrópica da vida. A consequência desse descolamento é que o
prazer interno está mais relacionado com a ideia de pertencimento ao
macroorganismo do que com uma satisfação pessoal em si. Considerando
que a língua nativa de Ernst Götsch é o alemão, suspeitamos que ali
poderíamos encontrar pistas dos sentidos e das valorações subjetivas que,
normalmente, carregamos desde nossa matriz linguística. Quando perguntado
sobre qual seria a tradução de prazer interno para o alemão, Ernst indicou
Inneren Antrieb que, portanto, estaria mais próximo das ideias de motivação,
estímulo e impulso. Nesse sentido, o trabalho de um agricultor de manejar um

121
ecossistema mantendo ou favorecendo o fluxo sintrópico de energia lhe
proporcionaria esse sentimento de realização. Ao abordarem o conceito de
sintropia aplicado à psicologia, os pesquisadores italianos Ulisse di Corpo e
Antonella Vannini (2014) chegaram a semelhantes conclusões em seus
experimentos, mencionando as ideias de propósito e de sentimento de
realização em contraposição aos “sentimentos de vazio, dor emocional,
ansiedade e angústia” – estes experimentados como resultado de ações
contrárias à sintropia.

Deste breve apanhado de princípios inferimos alguns dos motivos pelos quais
a Agricultura Sintrópica, apesar de se mostrar agronomicamente eficiente,
ainda encontra dificuldade de reivindicar sua cidadania no universo da ciência.
Além dos conceitos até agora discutidos, há ainda o caráter teleológico,
muitas vezes apontado como um suposto ponto fraco da teoria da Agricultura
Sintrópica. Afirmações de Ernst Götsch tais como “a vida é uma estratégia
que o planeta Terra criou para cumprir a sua função”, podem parecer sugerir
uma predestinação imanente, uma finalidade causal, o que entraria em
conflito com todo o secular esforço de libertar a ciência (e o indivíduo) do
subjugo do pensamento cristão medieval. A mentalidade científica moderna
ou clássica se amparou, desde aquele momento, na racionalidade e na
objetividade como promessa definitiva de autonomia e liberdade (o que era
coerente com o cenário histórico das revoluções burguesas dos séculos XVII
e XVIII). Como em uma espécie de trauma, essa ruptura deixaria marcas
duradouras e, mesmo com o avanço das discussões sobre a
contemporaneidade e os sistemas complexos com pensadores como
Prigogine e Morin, o debate científico, nas ciências sociais e sobretudo nas
ciências naturais, ainda se ressente na presença de uma linguagem
teleológica por associá-la a ideias de propósito e de desígnio. Palavras tais
como “estratégia” e “tática”, por exemplo, foram expressamente
descredenciadas, inclusive em editoriais de revista científica: “Termos como
‘estratégia’ e ‘tática’ são filosoficamente questionáveis quando aplicados a
plantas e animais inferiores, sendo melhor deixá-los para os políticos, os
militares e os técnicos esportivos”, escreveu Kramer em 1984.

Por outro lado, importantes contribuições da filosofia têm influenciado uma


autorreflexão das ciências da natureza como um todo, com a retomada da
temática da teleologia. Não aquela de origem aristotélica, marcada por
contornos de uma teleologia totalizante, compatível com o ideal grego de um
cosmos finito e ordenado – que, inclusive, seria incorporada e distorcida pela

122
cultura cristã e árabe islâmica por meio de uma teleologia transcendental -
dando margem para mais tarde o compreensível ressentimento ilustrado pela
ironia do editorial de Kramer. Mas sim, uma tradição que recupera o
entendimento kantiano de que a finalidade aparece como um princípio
regulador do qual nos valemos para acessar o conhecimento sobre o mundo
natural. Ou seja, não seria um atributo constitutivo da natureza, mas uma
pressuposição adotada para resolver nossas questões práticas de
conhecimento.

Link do vídeo “Fundamentos 1”: https://vimeo.com/69042234

A teleologia identificável no conjunto de pensamento de Ernst Götsch nos


parece estar mais filiada a essa tradição que se afasta de uma metafísica
criacionista e adota a observação da natureza (ou o juízo reflexionante
kantiano) associada às relações de causa e efeito (determinismo empírico)
para propor o estabelecimento de hipóteses. Como a Agricultura Sintrópica
trabalha invariavelmente com policultivos (o que significa dizer interações
complexas) e, ao mesmo tempo, com espécies que possuem ciclos de vida
tão distintos quanto uma alface (curto) e um jequitibá (longo) o arremate
teleológico dado ao conjunto das observações podem sim sugerir uma
trajetória imperativa, mas esta poderia ser considerada, sem prejuízo da
operacionalidade, como um “tudo se passa como se”, como o operador na
finalidade do pensamento kantiano que, pelo histórico e pelo discurso atual de
Ernst Götsch, nos parece ter sido basilar em sua formação.

Há outras visões, especialmente na ecologia fisiológica e de reprodução, em


que termos como estratégia e tática têm amplo uso. Nos estudos sobre o
papel da cooperação nos mecanismos evolutivos também são consideradas
ideias como a de altruísmo ou de bem-estar do grupo. Todas elas, em maior
ou menor medida, encontram oponentes que questionam o caráter de
propósito final contido nessas teorias. Curioso é observar que o egoísmo e o
bem-estar individual presentes na Teoria da Evolução pela seleção natural
não são inquiridos da mesma forma.

Faz parte da nossa cultura acreditar que todas as espécies competem para
sobreviver. As pessoas tomam isso como um processo natural e uma lição
moral para carregar na vida. E se não for? E se nós reinterpretarmos o
propósito da vida na Terra desconsiderando esses conceitos? É possível, e

123
pode oferecer algumas ferramentas para repensar nosso comportamento e
impedir nosso relacionamento brutal com a natureza.

Link do vídeo “Exóticas”: https://vimeo.com/118802811

124
Autor:‌F
‌ elipe‌‌Pasini‌‌
   ‌

Data‌:‌‌12-02-2019‌  ‌

A‌‌poda‌‌como‌‌adubo‌‌e‌‌irrigação‌  ‌
 ‌
Para‌  ‌Ernst‌  ‌Götsch,‌  ‌a ‌ ‌poda‌  ‌é ‌ ‌o ‌ ‌combustível‌  ‌das‌  ‌transformações‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌chave‌  ‌para‌  ‌a ‌‌
aceleração‌  ‌da‌  ‌sucessão‌  ‌natural.‌  ‌Segundo‌  ‌a ‌‌ótica‌‌   da‌‌   Agricultura‌‌  Sintrópica,‌‌   o ‌‌papel‌‌   do‌‌
 
ser‌  ‌humano‌  ‌no‌  ‌planeta‌  ‌seria,‌  ‌tal‌  ‌como‌  ‌qualquer‌  ‌outra‌  ‌espécie,‌  ‌o ‌ ‌de‌  ‌manejar‌‌  
ecossistemas‌  ‌no‌  ‌sentido‌  ‌de‌  ‌favorecer‌  ‌dinâmicas‌  ‌de‌  ‌complexificação‌  ‌de‌  ‌vida,‌  ‌tendo‌‌  
como‌  ‌meio‌  ‌as‌  ‌relações‌  ‌simbióticas‌  ‌com‌  ‌outros‌  ‌organismos.‌  ‌Sob‌  ‌essa‌  ‌perspectiva,‌  ‌o ‌‌
agricultor‌  ‌sintrópico‌  ‌seria‌  ‌capaz‌  ‌de‌  ‌favorecer‌  ‌a ‌ ‌produção‌  ‌primária‌  ‌de‌  ‌biomassa,‌  ‌por‌‌  
meio‌  ‌da‌  ‌poda‌‌  das‌‌
  espécies‌‌   segundo‌‌   os‌‌
  critérios‌‌
  da‌‌   estratificação,‌‌   ciclo‌‌
  de‌‌
  vida‌‌   e ‌‌lugar‌‌
 
na‌‌
  sucessão.‌‌   Busca-se‌‌   assim‌‌  criar‌‌  um‌‌
 ambiente‌‌  de‌‌  constante‌‌  ciclagem‌‌  e ‌‌incremento‌‌  de‌‌
 
nutrientes‌  ‌orgânicos‌  ‌e ‌ ‌inorgânicos,‌  ‌maximizando‌  ‌a ‌ ‌fotossíntese‌  ‌e ‌ ‌acelerando‌  ‌a ‌‌
capacidade‌  ‌do‌  ‌sistema‌  ‌de‌  ‌metabolizar‌‌   e ‌‌converter‌‌   energia‌‌   em‌‌
  formas‌‌   mais‌‌   complexas‌‌  
de‌‌vida.‌  ‌
 ‌
 ‌

 ‌

 ‌
 ‌
Ernst‌  ‌Götsch‌  ‌se‌  ‌vale‌‌
  de‌‌  um‌‌
  exemplo‌‌   didático‌‌
  que‌‌  facilita‌‌
  a ‌‌compreensão‌‌   do‌‌  papel‌‌
  das‌‌ 
podas‌  ‌em‌‌  ecossistemas‌‌   naturais,‌‌  e ‌‌remete-se‌‌   ao‌‌
  conhecimento‌‌   tradicional‌‌
  indígena‌‌   da‌‌
 
região‌  ‌amazônica‌  ‌do‌  ‌Alto‌  ‌Beni,‌  ‌Bolívia,‌  ‌onde‌  ‌o ‌ ‌cacau‌  ‌(Theobroma‌  ‌cacao)‌  ‌é ‌ ‌nativo.‌‌  
Ainda‌‌  vivendo‌‌   de‌‌  caça‌‌ e ‌‌coleta,‌‌
 os‌‌ indígenas‌‌  desenvolveram‌‌  outras‌‌ percepções‌‌  sobre‌‌  o ‌‌

125
comportamento‌  ‌de‌  ‌espécies‌  ‌que‌  ‌lhes‌  ‌são‌  ‌úteis,‌  ‌construindo‌  ‌assim‌  ‌critérios‌  ‌de‌‌  
identificação‌  ‌de‌  ‌indivíduos‌  ‌altamente‌  ‌produtivos‌  ‌e ‌ ‌algumas‌  ‌relações‌  ‌relevantes‌  ‌com‌  ‌o ‌‌
ambiente‌‌   onde‌‌   estes‌‌
  estão‌‌ inseridos.‌‌  Nesses‌‌  lugares,‌‌
 o ‌‌cacau‌‌ ocorre‌‌  preferencialmente‌‌  
em‌  ‌beira‌  ‌de‌  ‌rios‌  ‌e ‌ ‌canais‌  ‌de‌  ‌vento,‌  ‌locais‌  ‌que‌  ‌são‌  ‌periodicamente‌  ‌submetidos‌  ‌a ‌‌
distúrbios,‌  ‌seja‌  ‌pelos‌  ‌pulsos‌  ‌de‌  ‌inundação‌  ‌fluvial,‌  ‌seja‌  ‌pelos‌  ‌fortes‌  ‌vendavais‌  ‌que‌‌  
normalmente‌  ‌fustigam‌  ‌os‌  ‌vales‌  ‌dos‌  ‌Andes.‌  ‌Os‌  ‌nativos‌  ‌daquela‌  ‌região‌  ‌reportaram‌  ‌ao‌‌  
Ernst‌  ‌que‌  ‌a ‌ ‌cada‌  ‌quatro‌  ‌anos‌  ‌o ‌ ‌vento‌  ‌é ‌ ‌especialmente‌  ‌forte‌‌
  e ‌‌que‌‌
  o ‌‌distúrbio‌‌
  é ‌‌muito‌‌
 
grande.‌  ‌De‌  ‌acordo‌  ‌com‌  ‌a ‌ ‌percepção‌  ‌dos‌  ‌moradores,‌  ‌isso‌  ‌coincide‌  ‌com‌  ‌os‌  ‌anos‌  ‌de‌‌  
maior‌‌produção‌‌de‌‌cacau.‌  ‌
 ‌

 ‌

 ‌

O‌  ‌que‌‌
  o ‌‌Ernst‌‌   fez‌‌
  foi‌‌
  traduzir‌‌  essa‌‌  observação‌‌   para‌‌  o ‌‌manejo‌‌   de‌‌
  seu‌‌   sistema‌‌   agrícola.‌‌  
Ou‌  ‌seja,‌  ‌ao‌  ‌trabalhar‌‌   com‌‌
  espécies‌‌   como‌‌  o ‌‌cacau,‌‌   que‌‌   coevoluiram‌‌   com‌‌   o ‌‌distúrbio,‌‌   a ‌‌
poda‌  ‌correta‌  ‌se‌  ‌torna‌  ‌imprescindível.‌  ‌Isso‌  ‌resulta‌  ‌tanto‌  ‌em‌‌   boa‌‌  frutificação‌‌   quanto‌‌   em‌‌ 
grande‌  ‌beneficio‌  ‌pro‌  ‌sistema‌  ‌inteiro‌  ‌devido‌  ‌ao‌‌   aporte‌‌   de‌‌   biomassa.‌‌   Diferentemente‌‌   de‌‌ 
outros‌‌   cultivos‌‌   agroflorestais‌‌   de‌‌
  cacau‌‌   (cacau‌‌   sombreado),‌‌   a ‌‌área‌‌   do‌‌ Ernst‌‌  é ‌‌manejada‌‌  
em‌  ‌todos‌  ‌os‌  ‌andares.‌  ‌O ‌ ‌segredo‌  ‌de‌  ‌sua‌  ‌grande‌  ‌produtividade‌  ‌e ‌ ‌qualidade‌  ‌em‌‌  
comparação‌‌   a ‌‌outros‌‌   produtores‌‌   da‌‌
  região‌‌  não‌‌   está‌‌
  na‌‌  adubação‌‌   e ‌‌na‌‌ irrigação,‌‌  já‌‌
 que‌‌  
ele‌  ‌prescinde‌  ‌de‌  ‌ambos.‌  ‌Além‌  ‌do‌  ‌zelo‌  ‌usual‌  ‌às‌  ‌árvores‌  ‌de‌  ‌cacau,‌  ‌sua‌  ‌produção‌‌  
depende‌  ‌do‌  ‌manejo‌  ‌e ‌ ‌poda‌  ‌de‌  ‌Erytrhinas,‌  ‌jaqueiras,‌  ‌bananeiras‌  ‌e ‌ ‌tantas‌  ‌outras‌‌  
espécies‌‌que‌‌estão‌‌presentes‌‌na‌‌área.‌  ‌

● O‌  ‌corte‌  ‌e ‌ ‌posicionamento‌  ‌sistemático‌  ‌da‌  ‌matéria‌  ‌orgânica‌  ‌sobre‌  ‌o ‌ ‌solo‌  ‌(nunca‌‌
 
dentro),‌‌estimula‌‌a‌‌ação‌‌de‌‌organismos‌‌e‌‌acelera‌‌a‌‌transformação.‌  ‌

126
● As‌‌  plantas‌‌
  podadas‌‌   investem‌‌  em‌‌
  novo‌‌
  crescimento‌‌
  tanto‌‌
  na‌‌
  parte‌‌
 aérea‌‌ (galhos‌‌
 
e‌‌folhas)‌‌quanto‌‌em‌‌suas‌‌raízes.‌ 
● A‌  ‌informação‌  ‌de‌  ‌crescimento‌  ‌também‌  ‌altera‌  ‌a ‌ ‌composição‌  ‌bioquímica‌  ‌de‌‌  
hormônios‌‌   e ‌‌enzimas‌‌ das‌‌
 raízes,‌‌
 o ‌‌que‌‌
 indiretamente‌‌  favorece‌‌  maior‌‌
 retenção‌‌
 de‌‌
 
água‌‌e‌‌nutrientes.‌  ‌

 ‌

 ‌

Ou‌‌  seja,‌‌
  a ‌‌poda‌‌
  funciona‌‌  como‌‌   uma‌‌
  adubação‌‌   e ‌‌irrigação,‌‌
  só‌‌
  que‌‌
 via‌‌  processos,‌‌  e ‌‌não‌‌
 
via‌  ‌insumos.‌‌   Dessa‌‌  forma,‌‌  o ‌‌agricultor‌‌
  deixa‌‌
  de‌‌
  ser‌‌  um‌‌
  mero‌‌  transportador‌‌   de‌‌
  adubo‌‌   e ‌‌
água,‌  ‌para‌  ‌atuar‌  ‌como‌  ‌um‌  ‌mediador‌  ‌entre‌  ‌a ‌ ‌vegetação‌  ‌e ‌ ‌o ‌ ‌solo,‌  ‌provendo‌  ‌a ‌ ‌este‌  ‌o ‌‌
máximo‌‌de‌‌"combustível"‌‌ao‌‌mesmo‌‌tempo‌‌em‌‌que‌‌mantém‌‌a‌‌saúde‌‌geral‌‌do‌‌plantio.‌  ‌

 ‌

127
Nas‌  ‌ilustrações‌  ‌abaixo,‌  ‌os‌  ‌benefícios‌  ‌que‌  ‌a ‌‌poda‌‌
  traz‌‌
  para‌‌
  o ‌‌crescimento‌‌
  das‌‌
  plantas,‌‌
 
extraído‌‌de‌‌um‌‌estudo‌‌realizado‌‌por‌‌Joachim‌‌Milz‌(‌ leia‌‌aqui).‌‌‌Livro‌‌em‌‌espanhol.‌  ‌

 ‌

Ilustração‌  ‌reproduzida‌  ‌a ‌ ‌partir‌  ‌do‌  ‌trabalho‌  ‌de‌  ‌Joachim‌  ‌Milz‌  ‌que‌  ‌representa‌  ‌o ‌ ‌impacto‌‌
 
que‌‌a‌‌senescência‌‌de‌‌plantas‌‌maduras‌‌traz‌‌para‌‌o‌‌crescimento‌‌das‌‌demais.‌  ‌

 ‌

 ‌

A‌‌poda‌‌no‌‌tempo‌‌correto‌‌mantém‌‌as‌‌plantas‌‌em‌‌um‌‌ótimo‌‌de‌‌crescimento‌  ‌

128
Em‌  ‌qualquer‌  ‌desenho,‌  ‌Ernst‌  ‌inclui‌  ‌espécies‌  ‌que‌  ‌possuem‌  ‌grande‌  ‌capacidade‌  ‌de‌‌  
produção‌  ‌de‌  ‌biomassa‌  ‌para‌  ‌que‌  ‌possam‌  ‌suprir‌  ‌uma‌  ‌quantidade‌  ‌de‌  ‌matéria‌  ‌orgânica‌‌  
similar‌  ‌ou‌  ‌maior‌  ‌que‌  ‌um‌  ‌ambiente‌  ‌natural,‌  ‌como‌  ‌o ‌ ‌“Eucalyptus‌  ‌sp”‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌“Acacia‌‌  
mangium”,‌  ‌por‌  ‌exemplo.‌  ‌Como‌  ‌são‌  ‌espécies‌  ‌de‌  ‌ecossistemas‌  ‌com‌  ‌pouca‌‌  
disponibilidade‌  ‌de‌  ‌água‌  ‌e ‌ ‌nutrientes,‌  ‌se‌  ‌adaptam‌  ‌aos‌  ‌solos‌  ‌pobres‌  ‌e ‌ ‌degradados‌  ‌de‌ 
outros‌  ‌biomas.‌  ‌O ‌ ‌metabolismo‌  ‌rápido‌  ‌dessas‌  ‌plantas‌  ‌permite‌  ‌o ‌ ‌processamento‌  ‌de‌‌  
grande‌‌   quantidade‌‌   de‌‌  energia‌‌
  em‌‌
  um‌‌
  período‌‌  de‌‌
  tempo‌‌   curto‌‌  e ‌‌em‌‌
  condições‌‌   de‌‌ solos‌‌
 
difíceis.‌‌
  Para‌‌  Ernst,‌‌   se‌‌  fossem‌‌
  avaliadas‌‌  pela‌‌
  quantidade‌‌   de‌‌
  biomassa‌‌   que‌‌ conseguem‌‌  
produzir‌  ‌e ‌ ‌pela‌  ‌sua‌  ‌capacidade‌  ‌impressionante‌  ‌de‌  ‌suportar‌  ‌podas‌  ‌drásticas,‌  ‌elas‌  ‌não‌‌  
seriam‌  ‌categorizadas‌  ‌como‌  ‌vilãs‌  ‌do‌  ‌meio‌  ‌ambiente.‌  ‌Agricultores‌  ‌sintrópicos‌  ‌as‌  ‌usam‌‌  
como‌  ‌estratégia‌  ‌de‌  ‌recuperação‌  ‌de‌  ‌solos,‌  ‌ou‌  ‌seja,‌  ‌de‌  ‌poda,‌  ‌para‌  ‌que‌  ‌outras‌  ‌árvores‌‌
 
mais‌‌exigentes‌‌consigam‌‌se‌‌estabelecer‌‌futuramente.‌  ‌

 ‌

A‌‌poda‌‌obedece‌‌a‌‌critérios‌‌de‌‌estratificação‌‌e‌‌ciclo‌‌de‌‌vida,‌‌mantendo‌‌a‌‌distribuição‌‌ideal‌‌de‌‌indivíduos‌‌e‌‌luz‌‌ao‌‌
 
longo‌‌dos‌‌andares‌‌da‌‌floresta‌‌(Fazenda‌‌Olhos‌‌D'Água)‌  ‌

A‌  ‌pulsão‌  ‌do‌  ‌sistema‌  ‌é ‌ ‌quando‌  ‌o ‌ ‌agricultor‌  ‌"segura"‌  ‌a ‌ ‌sucessão‌  ‌por‌  ‌meio‌  ‌de‌  ‌podas‌‌  
drásticas‌  ‌e ‌ ‌frequentes‌  ‌de‌  ‌todos‌  ‌os‌  ‌indivíduos.‌  ‌Essa‌  ‌prática‌  ‌é ‌ ‌adotada‌  ‌sobretudo‌  ‌por‌‌  
produtores‌‌   que‌‌   têm‌‌   foco‌‌
  em‌‌  espécies‌‌ de‌‌ ciclo‌‌ curto,‌‌
 como‌‌  hortaliças‌‌  (placenta‌‌  I,‌‌
 II‌‌
 e ‌‌III).‌‌
 
Por‌  ‌meio‌  ‌da‌  ‌pulsão‌  ‌do‌  ‌sistema‌  ‌é ‌ ‌possível‌  ‌repetir‌  ‌o ‌ ‌plantio‌  ‌nos‌‌   canteiros‌‌   duas‌‌   ou‌‌
  três‌‌ 
vezes‌  ‌(retornar‌‌   ao‌‌  estágio.de‌‌   placenta),‌‌
  até‌‌
  "soltá-lo"‌‌   para‌‌
  que‌‌   as‌‌  espécies‌‌   do‌‌
  próximo‌‌  
passo‌  ‌sucessional‌  ‌(secundárias‌  ‌I,‌  ‌II‌  ‌e ‌ ‌III)‌  ‌possam‌  ‌dominar.‌  ‌Essa‌  ‌técnica‌  ‌também‌  ‌é ‌‌
utilizada‌‌   para‌‌  sincronizar‌‌   espécies‌‌   implantadas‌‌   em‌‌
  diferentes‌‌   momentos‌‌   no‌‌  sistema‌‌   ou‌‌
 
para‌‌   enriquecê-lo‌‌   com‌‌   mais‌‌  diversidade.‌‌   Ernst‌‌   Götsch‌‌   sempre‌‌   lembra‌‌   que‌‌  não‌‌  se‌‌
 deve‌‌  
pulsar‌  ‌um‌  ‌sistema‌  ‌muitas‌  ‌vezes‌  ‌seguidas.‌  ‌Um‌  ‌ecossistema‌  ‌tem‌  ‌estágios‌  ‌de‌‌  
crescimento‌  ‌a ‌ ‌cumprir‌  ‌– ‌ ‌placenta,‌  ‌secundária‌  ‌e ‌ ‌clímax‌  ‌– ‌ ‌e ‌ ‌mantê-lo‌  ‌em‌  ‌estágio‌  ‌de‌‌  

129
placenta‌‌  promove,‌‌
  segundo‌‌
  Götsch,‌‌
  um‌‌   "aborto"‌‌
  da‌‌
  floresta,‌‌
  ou‌‌
  seja,‌‌
 o ‌‌solo‌‌
 degrada-se‌‌
 
pela‌‌interrupção‌‌da‌‌sucessão‌‌natural.‌  ‌

 ‌

A‌  ‌tabela‌  ‌acima‌  ‌ilustra‌  ‌a ‌ ‌sucessão‌  ‌natural‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌área‌  ‌de‌  ‌Mata‌  ‌Atlântica.‌  ‌Lista‌  ‌de‌‌
 
espécies:‌‌Ernst‌‌Götsch.‌‌Ilustração:‌‌Ursula‌‌Arztmann.‌  ‌

 ‌

Leitura‌‌adicional:‌  ‌

ANDRES,‌‌  C;‌‌
 COMOÉ,‌‌  H ‌‌.;‌‌
 BEERLI,‌‌
 A ‌‌.;‌‌
 SCHNEIDER,‌‌  M ‌‌.;‌‌
 RIST,‌‌
 S ‌‌.;‌‌
 JACOBI,‌‌
 J.‌‌
 ‌“Cacau‌‌
 
em‌‌
  monocultivo‌‌   e ‌‌agrofloresta‌‌ dinâmica”‌. ‌‌Em:‌‌
 Lichtfouse‌‌
 E.‌‌  (eds)‌‌
 Revisões‌‌ sustentáveis‌‌
 
da‌‌agricultura.,‌‌V‌‌(19).‌‌Springer,‌‌2016.‌  ‌

SCHNEIDER,‌‌   M ‌‌.;‌‌
  ANDRES,‌‌   C;‌‌
  TRUJILLO,‌‌   G ‌‌.;‌‌
  ALCON,‌‌ F ‌‌.;‌‌
 AMURRIO,‌‌  P ‌‌.;‌‌
 PEREZ,‌‌  E ‌‌
.;‌‌
  MILZ,‌‌ J.‌‌
 ‌“Cacau‌‌  e ‌‌rendimento‌‌
 total‌‌
 do‌‌
 sistema‌‌  de‌‌
 agrofloresta‌‌  orgânica‌‌
 e ‌‌convencional‌‌  
vs.‌‌  Sistemas‌‌   de‌‌
  monocultura‌‌   em‌‌  um‌‌
 experimento‌‌  de‌‌
 campo‌‌  de‌‌  longo‌‌
 prazo‌‌  na‌‌ Bolívia‌‌
 ”.‌ ‌‌
Agricultura‌‌Experimental,‌‌v.53‌(‌ 3),‌‌pp.‌‌351–374,‌‌2017.‌  ‌

130
Autor: Felipe Pasini

Data: 09-09-2018

Agricultura Sintrópica no sul da Espanha

Ernst Götsch foi ao La Loma Viva pela primeira vez no começo de 2016. Depois disso,
Ryan Botha veio até o Brasil para passar um tempo conosco, aprender mais sobre
agricultura sintrópica e para praticar em campo junto com outros agricultores. Ao voltar
para casa, Ryan e sua parceira Karen De Vries decidiram plantar novas áreas. Ernst
voltou à Espanha em 2017 para o primeiro workshop e para ajudar o casal a lidar com
as áridas condições do sul da Espanha.

Link do vídeo “Syntropic Farming at La Loma viva”: https://vimeo.com/288909874

La Loma Viva fica em uma localizacão estratégica, com potencial para passar uma
importante mensagem. Antes do belíssimo mar mediterrâneo, nossos olhos caem sobre
outro oceano, nada bonito, cobrindo 52 quilômetros quadrados de estufas de plástico
uma área tão grande que pode ser vista do espaço. Essas estufas não só são altamente
poluentes e insustentáveis como também submetem os agricultores a péssimas
condições de trabalho.

É neste cenário que encontramos a La Loma Viva, um oasis de esperança que nos
oferece um excelente exemplo de como é possível cultivar fora de estufas e sem
degradar o meio ambiente. Pelo contrário, ajudando a restaurar a fertilidade e a
capacidade de retenção de água do solo.

131
Estamos muito felizes com a já bonita e produtiva florestinha mediterrânea do Ryan e da
Karen. Em março, estive lá junto com Ursula Arztmann, para visitar as áreas e para
ministrar o workshop "Construindo uma linguagem comum para a Agricultura
Sintrópica." Embora ainda estivéssemos em um inverno tardio, ficamos impressionados
com a saúde das plantas e do solo. A propósito, agradecemos ao casal pelo envio de
imagens extras com o crescimento espantoso do sistema assim que a primavera
chegou.

Ficou interessado(a) em conhecer La Loma Viva? Conheça o trabalho e eventos em


www.lalomaviva.com.

Workshop "Construindo uma linguagem comum para a Agricultura Sintrópica", em marco de 2018 no La Loma
Viva

132
Autor: Felipe Pasini

Data: 30-01-2019

Colheitas ao redor da árvore

Você está cansado de capinar em torno de suas árvores? No vídeo desta semana,
mostramos como transformar uma área geralmente inútil em um canteiro de vegetais
que beneficia a árvore, o solo e o agricultor.

Em quase todos os quintais o espaço ao redor de uma árvore é exposto ao sol, sem
qualquer vegetação para proteger o solo. Na Agricultura Sintrópica, aprendemos que "o
solo exposto é como uma ferida aberta", então nossa abordagem é um pouco diferente.
Em vez de manter a área "limpa", semeamos o maior número de plantas possível.
Existem várias vantagens em fazer isso:

● Aumenta a taxa global de fotossíntese na área. Isso ajuda a estabilizar a


temperatura do solo e resfria o ambiente (nós precisamos disso, certo?)

● Adeus à capina. Como diz Ernst, se plantarmos corretamente, a capina se


transformará em colheitas. A espessa camada de matéria orgânica impedirá o
crescimento de plantas indesejáveis.

● Um solo mais fresco e protegido hospeda mais vida. Mais vida significa plantas
mais saudáveis e uma transformação mais rápida da biomassa.

● As árvores encontram espaço para expandir suas raízes, abrindo caminho para
oxigênio, água, nutrients e microrganismos benéficos.
All that combined results in fertile and good soil. Give it a try,

Link do vídeo “Colheita ao redor da árvore”: https://vimeo.com/314205951


l

133
Autor:‌F
‌ elipe‌‌Pasini‌‌
   ‌

Data‌:‌‌30-03-2019‌  ‌

 ‌
Composição‌‌de‌‌consórcios‌‌complexos‌‌no‌‌sul‌‌da‌‌Espanha‌‌(La‌‌Loma‌‌
 
Viva)‌  ‌
 ‌
Olá‌  ‌pessoal.‌  ‌Em‌  ‌março‌  ‌de‌  ‌2019,‌  ‌fizemos‌  ‌um‌  ‌workshop‌  ‌com‌  ‌Ryan‌  ‌Botha‌  ‌e ‌ ‌Karen‌  ‌De‌‌  
Vries‌  ‌no‌  ‌sul‌  ‌da‌  ‌Espanha.‌  ‌Eles‌  ‌administram‌  ‌uma‌  ‌pequena‌  ‌fazenda‌  ‌chamada‌  ‌La‌  ‌Loma‌‌  
Viva‌. ‌ ‌Graças‌  ‌à ‌ ‌persistência‌  ‌e ‌ ‌competência‌  ‌do‌  ‌casal,‌  ‌eles‌  ‌têm‌  ‌ajudado‌‌
  a ‌‌provar‌‌
  que‌‌
  é ‌‌
possível‌  ‌transformar‌  ‌a ‌ ‌região‌  ‌degradada‌  ‌quase‌  ‌desértica‌  ‌em‌  ‌uma‌  ‌floresta‌  ‌luxuosa‌‌  
sempre‌‌verde‌‌e‌‌produtiva.‌  ‌

Passei‌‌   dias‌‌
  maravilhosos‌‌   com‌‌  os‌‌
 queridos‌‌
 amigos‌‌  amigos‌‌  Ryan,‌‌  Karen‌‌ e ‌‌todo‌‌ o ‌‌time‌‌ do‌‌
 
La‌‌
  Loma,‌‌   sem‌‌
  mencionar‌‌   o ‌‌incrível‌‌
  grupo‌‌
 de‌‌ participantes.‌‌  Não‌‌  é ‌‌comum‌‌  ter‌‌
 uma‌‌  turma‌‌
 
tão‌  ‌focada‌  ‌e ‌ ‌que‌  ‌trabalhe‌  ‌de‌  ‌maneira‌  ‌tão‌  ‌colaborativa.‌  ‌Em‌  ‌apenas‌  ‌cinco‌  ‌dias,‌‌  
conseguimos‌  ‌cobrir‌  ‌toda‌  ‌a ‌ ‌teoria‌  ‌baseada‌  ‌nos‌  ‌15‌  ‌princípios‌  ‌recentemente‌  ‌publicados‌‌  
por‌‌Ernst‌‌Götsch,‌‌e‌‌também‌‌implementamos‌‌três‌‌áreas‌‌distintas.‌  ‌

Ernst‌‌  Götsch‌‌  trabalha‌‌   com‌‌


  a ‌‌equipe‌‌   do‌‌
  La‌‌
  Loma‌‌   ma‌‌
  há‌‌
  três‌‌
  anos,‌‌
  e ‌‌desde‌‌
 então‌‌
 estão‌‌
 
experimentando‌‌   agroecossistemas‌‌   concebidos‌‌   para‌‌
  enfrentar‌‌  as‌‌
 condições‌‌  de‌‌
 seca.‌‌
 No‌‌
 
ano‌  ‌passado,‌  ‌conseguiram‌  ‌colher‌  ‌durante‌  ‌todo‌  ‌o ‌ ‌ano‌  ‌com‌  ‌o ‌ ‌mínimo‌  ‌de‌  ‌irrigação.‌  ‌À ‌‌
medida‌‌   que‌‌
  o ‌‌sistema‌‌  evolui‌‌
 e ‌‌a ‌‌produção‌‌  de‌‌ biomassa‌‌  aumenta,‌‌  o ‌‌solo‌‌
 melhora,‌‌
 assim‌‌
 
como‌‌sua‌‌capacidade‌‌de‌‌reter‌‌água.‌  ‌

Durante‌‌a‌‌workshop,‌‌colocamos‌‌mais‌‌de‌‌1.000‌‌plantas‌‌no‌‌solo‌‌em‌‌três‌‌frentes.‌  ‌

● Em‌‌um‌‌canto‌‌onde‌‌as‌‌máquinas‌‌não‌‌podiam‌‌alcançar,‌‌fizemos‌‌vários‌‌"ninhos"‌ 
para‌‌construir‌‌uma‌‌parede‌‌de‌‌vegetação‌‌que‌‌funcionasse‌‌como‌‌um‌‌pomar‌‌  
produtivo‌‌e‌‌como‌‌um‌‌quebra-vento‌‌estratificado.‌  ‌
● Em‌‌um‌‌terraço,‌‌implementamos‌‌linhas‌‌fáceis‌‌de‌‌mecanizar.‌‌O‌‌design‌‌de‌‌Ernst‌‌
 
Götsch‌‌é‌‌focado‌‌em‌‌abacate‌‌e‌‌cítricos‌‌entre‌‌canteiros‌‌de‌‌hortaliças.‌  ‌
● Na‌‌borda‌‌do‌‌terraço,‌‌também‌‌montamos‌‌um‌‌quebra-vento‌‌desenhado‌‌por‌‌Ernst.‌  ‌

 ‌
Link‌‌do‌‌vídeo‌‌“La‌‌loma‌‌viva‌‌Workshop‌‌area”:‌h ‌ ttps://vimeo.com/327443610‌  ‌
 ‌
A‌  ‌cerca‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌ano‌  ‌atrás‌  ‌nós‌  ‌fizemos‌  ‌esse‌  ‌vídeo‌‌
  contando‌‌
  um‌‌
  pouco‌‌
  a ‌‌história‌‌
  do‌‌
  La‌‌
 
Loma‌‌Viva‌‌e‌‌sua‌‌posição‌‌estratégica‌‌no‌‌Mediterrâneo.‌  ‌

 ‌
‌ ttps://vimeo.com/288909874‌ 
Link‌‌do‌‌vídeo‌‌“Syntropic‌‌Farming‌‌at‌‌La‌‌Loma‌‌Viva”:‌h ‌

134
Autor:‌F
‌ elipe‌‌Pasini‌‌
   ‌

Data‌:‌‌18-07-2019‌  ‌

 ‌

Eucalipto:‌‌mais‌‌um‌‌bode‌‌expiatório‌‌da‌‌nossa‌‌sociedade‌  ‌

 ‌

Colaboração:‌‌Dayana‌‌Andrade‌  ‌

"Uma‌  ‌reconciliação‌  ‌paradoxal‌  ‌torna-se‌  ‌possível:‌  ‌se‌  ‌todos‌  ‌os‌  ‌homens‌‌   desejam‌‌   a ‌‌
mesma‌  ‌coisa‌  ‌e ‌ ‌nunca‌‌
  se‌‌
  entendem,‌‌   porém,‌‌   aqueles‌‌   que‌‌  odeiam‌‌  juntos‌‌  o ‌‌mesmo‌‌  
adversário‌  ‌se‌  ‌entendem‌  ‌com‌‌   muita‌‌
  facilidade.‌‌   De‌‌  certa‌‌
  forma,‌‌  essa‌‌
  harmonia‌‌   é ‌‌o ‌
que‌  ‌chamamos‌  ‌de‌  ‌política!‌  ‌Também‌  ‌é ‌ ‌o ‌ ‌que‌  ‌eu‌  ‌chamo‌  ‌de‌  ‌mecanismo‌  ‌da‌‌   vitima‌‌  
única,‌‌o‌‌mecanismo‌‌do‌‌bode‌‌expiatório"‌  ‌

René‌‌Girard‌  ‌

No‌  ‌artigo‌  ‌dessa‌  ‌semana‌  ‌vamos‌  ‌responder‌  ‌a ‌ ‌uma‌‌   das‌‌  perguntas‌‌   mais‌‌  recorrentes‌‌  que‌‌  
recebemos:‌‌   “por‌‌
  que‌‌
  vocês‌‌   gostam‌‌   tanto‌‌
 de‌‌
 eucalipto?”.‌‌  Para‌‌ começo‌‌  de‌‌
 conversa,‌‌  já‌‌ é ‌‌
bom‌  ‌dizer‌  ‌que‌  ‌não‌  ‌gostamos‌  ‌mais‌  ‌do‌  ‌eucalipto‌  ‌do‌  ‌que‌  ‌de‌  ‌qualquer‌  ‌outra‌  ‌das‌  ‌tantas‌‌  
espécies‌  ‌resilientes‌  ‌e ‌ ‌eficientes‌  ‌como‌  ‌ele.‌  ‌Mas,‌  ‌como‌  ‌para‌  ‌muita‌  ‌gente‌  ‌o ‌ ‌eucalipto‌  ‌é ‌‌
visto‌‌  como‌‌   um‌‌  vilão,‌‌
  o ‌‌fato‌‌
  de‌‌
  Ernst‌‌  Götsch‌‌
  incluí-lo‌‌
  como‌‌   uma‌‌  das‌‌  espécies‌‌   chave‌‌  de‌‌
 
muitos‌‌  dos‌‌ desenhos‌‌  de‌‌  agricultura‌‌ sintrópica‌‌  abre‌‌
 espaço‌‌  para‌‌ um‌‌  interessante‌‌  debate.‌‌  
O‌  ‌eucalipto‌  ‌se‌  ‌tornou‌  ‌o ‌ ‌bode‌  ‌expiatório‌  ‌para‌  ‌muitos‌  ‌danos‌  ‌ambientais,‌  ‌uma‌  ‌espécie‌‌  
condenada‌  ‌a ‌ ‌carregar‌  ‌a ‌ ‌culpa‌  ‌de‌  ‌outros.‌  ‌Por‌  ‌isso,‌  ‌é ‌ ‌importante‌  ‌ajudar‌  ‌a ‌ ‌esclarecer:‌‌  
afinal,‌‌por‌‌que‌‌usamos‌‌tanto‌‌o‌‌eucalipto?‌  ‌

CONTEXTO‌‌   | ‌‌Os‌‌  motivos‌‌   pelos‌‌   quais‌‌  nós‌‌  gostamos‌‌  do‌‌


 eucalipto‌‌ não‌‌
 são‌‌  tão‌‌
 diferentes‌‌  
daqueles‌‌   da‌‌
  indústria.‌‌   É ‌‌uma‌‌   planta‌‌  com‌‌   rápido‌‌  crescimento,‌‌   resistente‌‌   a ‌‌condições‌‌ de‌‌
 
solo‌‌
  adversas,‌‌  não‌‌ precisa‌‌  de‌‌ tantos‌‌ cuidados‌‌  e,‌‌
 é ‌‌claro,‌‌
 produz‌‌ muita‌‌ biomassa.‌‌  Para‌‌ a ‌‌
indústria,‌‌   essa‌‌   biomassa‌‌   vira‌‌ papel,‌‌ embalagens,‌‌  móveis,‌‌  casas,‌‌ cercas,‌‌  lápis,‌‌
 etc.‌‌
 Para‌‌
 
nós,‌  ‌vira‌  ‌adubo,‌  ‌madeira‌  ‌e ‌ ‌informação‌  ‌bioquímica.‌  ‌O ‌ ‌eucalipto‌  ‌tem‌  ‌um‌  ‌metabolismo‌‌  
acelerado,‌  ‌ou‌  ‌seja,‌  ‌é ‌ ‌uma‌  ‌máquina‌  ‌de‌  ‌fazer‌  ‌fotossíntese.‌  ‌Isso‌  ‌significa‌  ‌carbono‌‌  
sequestrado‌‌   e,‌‌   quando‌‌   bem‌‌   manejado,‌‌   pode‌‌  significar‌‌  também‌‌  a ‌‌melhoria‌‌  da‌‌
 fertilidade‌‌ 
do‌‌solo,‌‌e‌‌não‌‌o‌‌contrário.‌‌Mas‌‌vamos‌‌por‌‌partes.‌  ‌

Link‌‌do‌‌vídeo‌‌“Ernst‌‌Gotsch‌‌sobre‌‌Eucalipto”:‌h
‌ ttps://vimeo.com/342823801‌  ‌

ACUSAÇÕES‌  ‌| ‌ ‌Culpado‌  ‌por‌  ‌favorecer‌  ‌incêndios,‌  ‌degradar‌  ‌solo‌  ‌e ‌ ‌secar‌  ‌nascentes,‌  ‌o ‌‌
eucalipto‌‌
  é ‌‌réu‌‌
  de‌‌
  muitas‌‌
  acusações.‌‌
  Como‌‌   o ‌‌Ernst‌‌
  diz,‌‌
  uma‌‌
  planta‌‌   não‌‌
 pode‌‌  contratar‌‌ 

135
advogados,‌  ‌e ‌ ‌por‌  ‌isso‌  ‌não‌  ‌consegue‌  ‌se‌  ‌defender.‌‌   Mas,‌‌   o ‌‌problema‌‌   não‌‌
  é ‌‌o ‌‌eucalipto.‌‌
 
Todos‌  ‌esses‌  ‌efeitos‌  ‌negativos‌  ‌são‌  ‌consequência‌  ‌da‌  ‌forma‌  ‌como‌  ‌ele‌  ‌é ‌ ‌cultivado.‌  ‌A ‌‌
organização‌  ‌e ‌ ‌o ‌ ‌manejo‌  ‌dos‌  ‌eucaliptais‌  ‌monodominantes‌  ‌condena‌  ‌o ‌ ‌ecossistema‌  ‌à ‌‌
degradação.‌  ‌Não‌  ‌é ‌‌culpa‌‌   da‌‌  planta,‌‌
  mas‌‌   sim‌‌
  do‌‌
  nosso‌‌  sistema‌‌   de‌‌
  produção.‌‌   Qualquer‌‌  
outra‌  ‌espécie‌  ‌plantada‌  ‌nessas‌  ‌mesmas‌  ‌condições‌  ‌reproduziria‌  ‌os‌  ‌mesmos‌  ‌efeitos‌‌  
danosos‌  ‌daquilo‌  ‌que,‌  ‌com‌  ‌razão,‌  ‌ficou‌  ‌conhecido‌  ‌como‌  ‌“deserto‌  ‌verde”.‌  ‌As‌‌  
monoculturas‌  ‌de‌  ‌eucalipto‌  ‌(e‌  ‌de‌  ‌qualquer‌  ‌outra‌  ‌espécie‌  ‌arbórea)‌  ‌reproduzem‌  ‌a ‌‌
dinâmica,‌  ‌arquitetura‌  ‌e ‌ ‌os‌  ‌efeitos‌  ‌de‌  ‌uma‌  ‌floresta‌  ‌clímax‌‌   envelhecida,‌‌   pouco‌‌   antes‌‌
  da‌‌
 
formação‌  ‌da‌  ‌clareira.‌  ‌Ou‌  ‌seja,‌  ‌a ‌ ‌maior‌  ‌densidade‌  ‌de‌  ‌copa‌  ‌se‌  ‌concentra‌  ‌nos‌  ‌estratos‌‌  
mais‌  ‌altos,‌  ‌com‌  ‌pouca‌  ‌vegetação‌  ‌por‌  ‌baixo.‌  ‌Ou,‌  ‌pior‌  ‌ainda,‌  ‌nenhuma‌  ‌vegetação‌  ‌por‌‌  
baixo‌  ‌- ‌ ‌situação‌  ‌garantida‌  ‌pelas‌  ‌sucessivas‌  ‌aplicações‌  ‌de‌  ‌herbicida‌  ‌nos‌  ‌monocultivos‌‌  
convencionais.‌  ‌Isso‌  ‌sim‌  ‌degrada‌  ‌o ‌ ‌solo‌  ‌e ‌ ‌seca‌  ‌o ‌ ‌ambiente‌  ‌tornando-o‌  ‌vulnerável‌  ‌a ‌‌
incêndios.‌  ‌

 ‌

Link‌‌do‌‌vídeo‌‌“Ernst‌‌Gotsch‌‌sobre‌‌Eucalipto‌‌parte‌‌2”:‌h
‌ ttps://vimeo.com/342826870‌  ‌

 ‌

LÓGICA‌  ‌NATURAL‌  ‌DA‌  ‌CLAREIRA‌  ‌| ‌ ‌Quando‌  ‌as‌  ‌árvores‌‌   de‌‌  crescimento‌‌   mais‌‌   lento‌‌   de‌‌ 
uma‌‌  floresta‌‌   chegam‌‌   à ‌‌maturidade‌‌   e ‌‌começam‌‌   a ‌‌fechar‌‌   o ‌‌dossel,‌‌  é ‌‌sinal‌‌ de‌‌  que‌‌  aquele‌ 
sistema‌  ‌está‌  ‌se‌  ‌preparando‌  ‌para‌  ‌a ‌ ‌clareira.‌  ‌Essas‌  ‌são‌  ‌as‌  ‌espécies‌  ‌de‌  ‌estratos‌‌   alto‌‌  e ‌‌
emergente‌  ‌que‌  ‌compõem‌  ‌uma‌  ‌floresta‌  ‌clímax‌‌   e ‌‌esse‌‌   estágio‌‌   faz‌‌
  parte‌‌  do‌‌   ciclo‌‌   natural‌‌  
daquele‌  ‌ecossistema.‌  ‌Nesta‌  ‌fase,‌  ‌a ‌ ‌diminuição‌  ‌da‌  ‌incidência‌  ‌de‌  ‌luz‌  ‌nos‌  ‌estratos‌‌  
inferiores‌  ‌eventualmente‌  ‌faz‌  ‌com‌  ‌que‌  ‌eles‌  ‌diminuam‌  ‌sua‌  ‌densidade.‌  ‌A ‌ ‌ausência‌  ‌de‌‌  
vegetação‌‌   no‌‌   sub-bosque‌‌  significa‌‌  menor‌‌  produção‌‌  de‌‌
 biomassa‌‌  e,‌‌
 com‌‌  isso,‌‌  o ‌‌solo‌‌  fica‌‌ 
menos‌  ‌protegido.‌  ‌Isso‌  ‌permite‌  ‌a ‌ ‌entrada‌  ‌de‌  ‌vento‌  ‌seco‌  ‌que‌  ‌retira‌  ‌a ‌ ‌umidade‌‌   do‌‌   solo,‌‌  
aumenta‌  ‌a ‌ ‌temperatura‌  ‌e,‌  ‌consequentemente,‌  ‌causa‌  ‌mudanças‌  ‌drásticas‌  ‌das‌‌  
interações‌  ‌termodinâmicas.‌  ‌O ‌ ‌solo‌  ‌fica‌‌   mais‌‌   quente‌‌   que‌‌  a ‌‌água‌‌   da‌‌
  chuva,‌‌   e ‌‌isso‌‌   tanto‌‌  
impede‌  ‌que‌  ‌a ‌ ‌água‌‌   infiltre‌‌
  por‌‌
  diferença‌‌   de‌‌
  gradiente,‌‌   quanto‌‌   contribui‌‌   para‌‌   que‌‌   o ‌‌solo‌‌  
expulse‌  ‌umidade,‌  ‌o ‌ ‌que‌  ‌aumenta‌  ‌a ‌ ‌compactação‌  ‌e ‌ ‌a ‌ ‌degradação.‌  ‌Esse‌‌   é ‌‌o ‌‌ambiente‌‌  
ideal‌  ‌para‌  ‌vários‌  ‌tipos‌  ‌de‌  ‌cipós,‌  ‌lianas‌  ‌e ‌ ‌trepadeiras‌  ‌que,‌  ‌por‌  ‌sua‌  ‌vez,‌  ‌amarram‌  ‌as‌‌  
árvores‌  ‌altas‌  ‌umas‌  ‌às‌  ‌outras.‌  ‌Quando‌  ‌uma‌  ‌planta‌  ‌envelhecida‌  ‌cai,‌  ‌outras‌  ‌também‌‌  
caem.‌‌Eis‌‌como‌‌naturalmente‌‌surgem‌‌as‌‌clareiras.‌  ‌

CÓPIA‌  ‌MAL‌  ‌FEITA‌  ‌| ‌ ‌Um‌  ‌monocultivo‌  ‌de‌  ‌eucalipto‌  ‌(ou‌  ‌de‌  ‌outra‌  ‌espécie‌  ‌arbórea)‌‌  
reproduz‌‌   a ‌‌forma‌‌  e ‌‌a ‌‌função‌‌  dessa‌‌   fase‌‌  do‌‌
 desenvolvimento‌‌  de‌‌  uma‌‌  floresta,‌‌  ou‌‌
 seja,‌‌ o ‌‌
seu‌  ‌fim.‌  ‌A ‌ ‌diferença‌‌   é ‌‌que‌‌
  nos‌‌  ciclos‌‌  naturais‌‌
  os‌‌
  fins‌‌  se‌‌   ligam‌‌   aos‌‌   recomeços,‌‌   sempre‌‌  
com‌  ‌incremento‌  ‌de‌  ‌energia.‌  ‌O ‌ ‌saldo‌  ‌energético‌‌   de‌‌  uma‌‌   clareira‌‌   florestal‌‌   é ‌‌positivo,‌‌
  ou‌‌
 
seja,‌  ‌há‌  ‌aumento‌  ‌do‌  ‌capital‌  ‌natural‌  ‌entre‌  ‌o ‌ ‌início‌  ‌e ‌ ‌o ‌ ‌término‌  ‌de‌  ‌um‌  ‌ciclo.‌  ‌Quando‌  ‌o ‌‌
estrato‌  ‌baixo‌  ‌reduz‌  ‌sua‌  ‌densidade‌  ‌isso‌‌   acontece‌‌   sem‌‌   perda‌‌   de‌‌  reserva‌‌   genética.‌‌   Pelo‌‌ 
contrário,‌  ‌assim‌  ‌que‌  ‌a ‌ ‌clareira‌  ‌é ‌ ‌aberta,‌  ‌todo‌  ‌o ‌ ‌banco‌  ‌de‌  ‌sementes‌  ‌é ‌ ‌imediatamente‌‌  
acionado‌  ‌para‌  ‌começar‌  ‌um‌  ‌novo‌  ‌ciclo.‌  ‌Não‌  ‌apenas‌  ‌a ‌ ‌floresta‌  ‌cria‌  ‌condições‌  ‌físicas‌‌  

136
favoráveis‌  ‌à ‌ ‌vida,‌  ‌como‌  ‌transforma‌  ‌a ‌ ‌biomassa‌  ‌acumulada‌  ‌no‌  ‌ciclo‌  ‌atual‌  ‌em‌‌  
investimento‌  ‌para‌  ‌o ‌ ‌próximo‌  ‌ciclo,‌  ‌em‌  ‌um‌  ‌incremento‌  ‌exponencial‌  ‌de‌  ‌complexidade.‌‌
 
Não‌  ‌por‌  ‌acaso,‌  ‌a ‌ ‌fertilidade‌  ‌aumenta‌  ‌em‌  ‌qualquer‌  ‌ecossistema‌  ‌natural‌  ‌livre‌  ‌de‌‌
 
interferência‌‌humana.‌  ‌

 ‌

O‌  ‌paradigma‌  ‌agrícola‌  ‌atual‌  ‌reflete‌  ‌nosso‌  ‌pensamento‌  ‌técnico-mecânico.‌  ‌Perdemos‌‌  


capital‌  ‌natural‌  ‌em‌  ‌todas‌  ‌as‌  ‌etapas‌  ‌de‌  ‌nossos‌  ‌ciclos‌  ‌produtivos.‌  ‌Schauberger‌  ‌e ‌ ‌Ernst‌‌
 
Götsch‌  ‌chegaram‌  ‌à ‌ ‌mesma‌  ‌conclusão:‌  ‌devemos‌  ‌entender‌  ‌e ‌ ‌aplicar‌  ‌o ‌ ‌sistema‌‌  
econômico‌  ‌da‌  ‌Natureza‌  ‌em‌  ‌tudo,‌  ‌daí‌  ‌vem‌  ‌o ‌ ‌verdadeiro‌  ‌ganho‌  ‌de‌  ‌recursos.‌  ‌A ‌ ‌lógica‌‌
 
puramente‌‌   tecno-mecânica‌‌   busca‌‌  a ‌‌forma‌‌ mais‌‌
 eficiente‌‌  de‌‌
 explorar‌‌  recursos,‌‌
 enquanto‌‌  
os‌  ‌processos‌  ‌baseados‌  ‌na‌  ‌natureza‌  ‌concentram-se‌  ‌na‌  ‌melhor‌  ‌maneira‌  ‌de‌  ‌criá-los.‌‌  
Figura‌‌extraída‌‌do‌‌livro‌Living‌‌Energies‌“ ‌ ‌

 ‌

ESTRATIFICAÇÃO‌  ‌E ‌ ‌CONSÓRCIOS‌  ‌| ‌ ‌Todos‌  ‌os‌  ‌efeitos‌  ‌negativos‌  ‌atribuídos‌  ‌ao‌‌  
eucalipto‌  ‌não‌  ‌ocorreriam‌  ‌caso‌  ‌ele‌  ‌fosse‌  ‌plantado‌  ‌em‌  ‌consórcio‌  ‌com‌  ‌outras‌  ‌espécies.‌ 
Em‌  ‌sistemas‌  ‌estratificados‌  ‌e ‌ ‌biodiversos‌  ‌- ‌ ‌com‌  ‌vários‌  ‌andares‌  ‌ocupando‌  ‌diferentes‌‌  
faixas‌  ‌de‌  ‌captação‌  ‌de‌  ‌luz‌  ‌– ‌ ‌acontecem‌  ‌efeitos‌  ‌termodinâmicos‌  ‌que‌  ‌garantem‌  ‌um‌‌  
microclima‌  ‌favorável‌  ‌aos‌  ‌processos‌  ‌de‌  ‌vida.‌  ‌Por‌  ‌exemplo,‌  ‌o ‌ ‌desenho‌  ‌que‌  ‌o ‌ ‌Ernst‌‌  
implantou‌  ‌na‌  ‌Fazenda‌  ‌da‌  ‌Toca‌  ‌tinha‌  ‌capim‌  ‌mombaça‌  ‌por‌  ‌baixo,‌‌   fruteiras‌‌   nos‌‌
  estratos‌‌  
médio‌  ‌e ‌ ‌alto,‌  ‌e ‌ ‌eucalipto‌  ‌no‌  ‌estrato‌  ‌emergente.‌  ‌Seria‌  ‌de‌  ‌se‌  ‌esperar‌  ‌um‌  ‌resultado‌‌  
desastroso‌‌   ao‌‌
  combinar‌‌   duas‌‌   plantas‌‌
  famosas‌‌  por‌‌   “secar‌‌   o ‌‌solo”,‌‌
  como‌‌   o ‌‌eucalipto‌‌
  e ‌‌a ‌‌
bananeira.‌‌  Nada‌‌  disso.‌‌
 Esse‌‌  sistema‌‌  atravessou‌‌  a ‌‌famosa‌‌  crise‌‌ hídrica‌‌ do‌‌ estado‌‌  de‌‌
 SP‌‌  
em‌  ‌2014‌  ‌sem‌  ‌grandes‌  ‌danos.‌  ‌No‌  ‌pico‌  ‌da‌  ‌seca,‌  ‌víamos‌  ‌a ‌ ‌bananeira‌  ‌com‌  ‌as‌  ‌folhas‌‌  
abertas,‌‌   em‌‌   um‌‌  claro‌‌
 sinal‌‌
 de‌‌ ausência‌‌  de‌‌
 estresse.‌‌  A ‌‌estratificação‌‌  organiza‌‌  as‌‌
 plantas‌‌  

137
verticalmente‌  ‌de‌  ‌forma‌  ‌a ‌ ‌funcionar‌  ‌como‌  ‌uma‌  ‌estação‌  ‌de‌  ‌captação‌  ‌e ‌ ‌manutenção‌  ‌de‌‌
 
água.‌‌  Daí‌‌
  vem‌‌
  a ‌‌célebre‌‌   frase‌‌
  do‌‌
 Ernst,‌‌
 “água‌‌ se‌‌ planta”.‌‌ Não‌‌  porque‌‌
 onde‌‌  há‌‌
 água,‌‌
 há‌‌ 
vida.‌‌Mas‌‌o‌‌contrário.‌‌Para‌‌Götsch,‌‌onde‌‌há‌‌vida,‌‌há‌‌água.‌  ‌

 ‌

Quatro‌  ‌"andares"‌  ‌de‌  ‌vegetação‌  ‌significam‌  ‌mais‌  ‌fotossíntese‌  ‌e ‌ ‌mais‌  ‌água‌  ‌no‌  ‌sistema.‌‌
 
Capim‌‌mombaça,‌‌banana,‌‌cítricos‌‌e‌‌eucalipto‌‌na‌‌Fazenda‌‌da‌‌Toca.‌  ‌

 ‌

"Não‌‌é‌‌porque‌‌onde‌‌há‌‌água,‌‌há‌‌vida.‌‌Mas‌‌o‌‌contrário.‌‌Onde‌‌há‌‌vida,‌‌há‌‌água."‌  ‌

Ernst‌‌Götsch‌  ‌

138
 ‌

Um‌‌sistema‌‌estratificado‌‌regula‌‌temperatura‌‌e‌‌umidade.‌  ‌

 ‌

CHUVA‌  ‌QUE‌  ‌CAI,‌  ‌CHUVA‌  ‌QUE‌  ‌SE‌  ‌BEBE‌  ‌| ‌ ‌Viktor‌  ‌Schauberger‌  ‌demonstrou‌  ‌que‌  ‌em‌‌  
florestas‌‌  naturais‌‌   a ‌‌temperatura‌‌   do‌‌
  solo‌‌  costuma‌‌   ser‌‌
 poucos‌‌  graus‌‌  mais‌‌  fria‌‌
 que‌‌  a ‌‌água‌‌  
da‌  ‌chuva.‌  ‌Isso‌  ‌quer‌  ‌dizer‌  ‌que,‌  ‌além‌  ‌de‌  ‌a ‌ ‌chuva‌  ‌naturalmente‌  ‌chegar‌  ‌ao‌  ‌solo‌  ‌por‌‌  
gravidade,‌‌   também‌‌   é ‌‌verdade‌‌  que‌‌   o ‌‌solo‌‌  “bebe”‌‌   água‌‌   por‌‌  sucção.‌‌   Ou‌‌
 seja,‌‌  a ‌‌infiltração‌‌  
ocorre‌  ‌também‌  ‌por‌  ‌diferença‌  ‌de‌  ‌gradiente‌  ‌de‌  ‌temperaturas‌  ‌(do‌  ‌quente‌  ‌para‌  ‌o ‌ ‌frio).‌  ‌A ‌‌
fotossíntese‌  ‌em‌  ‌andares‌  ‌distintos‌  ‌contribui‌  ‌para‌  ‌isso,‌  ‌pois‌  ‌maior‌  ‌peso‌  ‌nos‌  ‌estratos‌‌  
inferiores‌‌   e ‌‌menor‌‌  ocupação‌‌   na‌‌  medida‌‌   que‌‌  alcança‌‌   as‌‌  árvores‌‌  mais‌‌  altas‌‌  permite‌‌  uma‌‌  
sobreposição‌  ‌gradual‌  ‌de‌  ‌faixas‌  ‌de‌  ‌captação‌  ‌de‌  ‌luz.‌‌   Mas‌‌   não‌‌  só‌‌
  isso.‌‌  A ‌‌fotossíntese‌‌   é ‌‌
um‌  ‌processo‌  ‌endotérmico‌  ‌(ao‌‌   invés‌‌   de‌‌
  emitir‌‌  calor,‌‌   esfria‌‌   o ‌‌ambiente).‌‌   Portanto,‌‌   essas‌‌  
camadas‌‌  graduais‌‌  funcionam,‌‌  segundo‌‌  Götsch‌‌  e ‌‌Schauberger,‌‌  como‌‌  biocondensadores,‌‌  
capazes‌‌de‌‌bombear‌‌água‌‌por‌‌meio‌‌de‌‌processos‌‌termodinâmicos.‌  ‌

139
 ‌

Sem‌‌sub-bosque,‌‌o‌‌solo‌‌aquece‌‌e‌‌resseca.‌  ‌

 ‌

EUCALIPTO‌  ‌AJUDA‌  ‌NATIVAS‌  ‌| ‌ ‌Incluir‌  ‌diferentes‌  ‌espécies‌  ‌em‌  ‌andares‌  ‌já‌  ‌seria‌  ‌bom.‌‌  
Mas,‌  ‌ainda‌  ‌não‌  ‌é ‌ ‌o ‌ ‌suficiente.‌  ‌Há‌  ‌que‌  ‌se‌  ‌incluir‌  ‌plantas‌  ‌de‌  ‌diferentes‌  ‌estágios‌‌  
sucessionais.‌‌   Na‌‌  classificação‌‌   do‌‌  Ernst,‌‌  o ‌‌eucalipto‌‌  é ‌‌uma‌‌  árvore‌‌  de‌‌ estrato‌‌  emergente,‌‌  
que‌  ‌se‌  ‌estabelece‌  ‌nos‌‌   estágios‌‌   iniciais‌‌   de‌‌  floresta‌‌   secundária‌‌   e ‌‌que‌‌   tem‌‌   a ‌‌capacidade‌‌  
de‌  ‌transitar‌  ‌até‌‌  o ‌‌clímax‌‌   se‌‌
  não‌‌  houver‌‌   outra‌‌   espécie‌‌   para‌‌   substituí-lo.‌‌   Ou‌‌   seja,‌‌   é ‌‌uma‌‌  
árvore‌  ‌de‌‌   rapidíssimo‌‌   crescimento‌‌   e ‌‌pode‌‌   viver‌‌   muito‌‌   tempo,‌‌   acompanhando‌‌   a ‌‌floresta‌‌  
até‌‌  sua‌‌  maturidade.‌‌   Por‌‌   exemplo,‌‌  em‌‌  nossa‌‌  fazenda‌‌  no‌‌  Rio‌‌  de‌‌  Janeiro,‌‌  o ‌‌Ernst‌‌  plantou,‌‌  
entre‌  ‌diversas‌  ‌outras‌  ‌espécies,‌  ‌eucalipto‌  ‌e ‌ ‌araribá,‌  ‌ambas‌‌   emergentes.‌‌   A ‌‌primeira,‌‌   de‌‌
 
rápido‌  ‌crescimento,‌  ‌ajudou‌  ‌a ‌ ‌criar‌  ‌a ‌ ‌segunda,‌  ‌espécie‌  ‌climáxica‌  ‌nativa‌  ‌de‌  ‌madeira‌ 
nobre.‌  ‌Se‌  ‌tivéssemos‌  ‌plantado‌  ‌o ‌ ‌araribá‌  ‌desde‌  ‌o ‌ ‌começo,‌  ‌as‌  ‌mudas‌  ‌não‌  ‌teriam‌‌  
suportado‌  ‌a ‌ ‌incidência‌  ‌do‌  ‌sol.‌  ‌O ‌ ‌eucalipto‌  ‌puxou‌  ‌o ‌ ‌crescimento‌  ‌do‌  ‌araribá‌  ‌com‌  ‌sua‌‌  
sombra,‌  ‌biomassa‌  ‌e ‌ ‌informação‌  ‌bioquímica.‌  ‌Podado‌  ‌duas‌  ‌vezes‌  ‌ao‌  ‌ano,‌  ‌o ‌ ‌eucalipto‌‌  
despeja‌  ‌para‌  ‌os‌  ‌vizinhos‌  ‌enzimas‌  ‌e ‌ ‌hormônios‌  ‌relativos‌  ‌ao‌  ‌crescimento,‌  ‌além‌  ‌de‌‌  
oferecer‌  ‌nutrientes‌‌   e ‌‌proteção‌‌   com‌‌   sua‌‌   biomassa‌‌   que‌‌   é ‌‌fragmentada‌‌   e ‌‌organizada‌‌   nas‌‌
 
linhas‌  ‌das‌  ‌árvores.‌  ‌Incontestavelmente,‌  ‌uma‌  ‌espécie‌  ‌exótica‌  ‌e ‌ ‌odiada‌  ‌ajudou‌  ‌a ‌‌
estabelecer‌  ‌uma‌  ‌espécie‌  ‌nativa‌  ‌mais‌  ‌exigente.‌  ‌No‌‌   lugar‌‌   do‌‌  eucalipto,‌‌   poderia‌‌   também‌‌  
ter‌  ‌sido‌  ‌utilizadas‌‌   outras‌‌   emergentes,‌‌   por‌‌
  exemplo,‌‌   o ‌‌guapuruvu‌‌   ou‌‌  a ‌‌trema‌‌   micanthra.‌‌  
Não‌‌   nos‌‌
  apegamos‌‌   a ‌‌uma‌‌  ou‌‌
 outra‌‌  espécie,‌‌  mas‌‌  na‌‌  organização‌‌  e ‌‌dinâmicas‌‌  do‌‌  plantio‌‌  

140
no‌  ‌espaço‌  ‌e ‌ ‌no‌  ‌tempo.‌  ‌Graças‌  ‌às‌  ‌suas‌  ‌características,‌  ‌o ‌ ‌eucalipto‌  ‌poderia‌  ‌ser‌  ‌um‌‌
 
grande‌‌aliado‌‌na‌‌recuperação‌‌de‌‌áreas‌‌degradadas.‌  ‌

 ‌

O‌‌araribá‌‌"Centrolobium‌‌tomentosum"‌‌cresce‌‌saudável‌‌sob‌‌o‌‌eucalipto.‌  ‌

 ‌

Por‌‌
  isso,‌‌  fica‌‌
  aqui‌‌
  o ‌‌convite:‌‌
  vamos‌‌
  fazer‌‌  nossos‌‌   próprios‌‌   testes‌‌   e ‌‌recontar‌‌
  a ‌‌história‌‌
  a ‌‌
partir‌‌  de‌‌
  nossa‌‌   experiência‌‌  real,‌‌
 sem‌‌  falsos‌‌ heróis,‌‌  mas‌‌  também‌‌  sem‌‌  bodes‌‌
 expiatórios.‌‌  
Ao‌  ‌focar‌  ‌nossas‌  ‌frustrações‌  ‌no‌  ‌eucalipto,‌  ‌e ‌ ‌não‌  ‌na‌  ‌lógica‌  ‌que‌  ‌alimenta‌  ‌seus‌  ‌cultivos,‌‌  
perdemos‌  ‌a ‌ ‌chance‌  ‌de‌  ‌identificar‌  ‌a ‌ ‌verdadeira‌  ‌origem‌  ‌do‌  ‌problema‌  ‌e ‌ ‌pouco‌  ‌fazemos‌‌  
para,‌‌de‌‌fato,‌‌resolvê-lo.‌  ‌

Link‌‌do‌‌vídeo‌‌“Exóticas”:‌h
‌ ttps://vimeo.com/118802811‌‌
   ‌

141

Você também pode gostar