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Projeto Sabores
Boletim Sabores - Edição 5 - Agosto 2022
Paulo Robson de Souza

A famosa bocaiuva, tão conhecida em Mato Gros-


so do Sul (MS), é o fruto nativo mais aproveitado na
dieta por moradores de comunidades ribeirinhas do
rio Paraguai em Corumbá (MS). Ela tem outros no-
mes populares, como coquinho, macaúba, macaúva,
coco-de-espinho. São várias espécies de bocaiúva
com frutos e plantas tão parecidos que, geralmente,
é preciso um especialista local ou botânico para di-
ferenciá-los (leia entrevista a seguir). A espécie mais
comum em nosso estado é chamada pelos cientistas
de Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart.

A bocaiuva pertence à família das palmeiras, as are-


cáceas, e ocorre do México ao Paraguai. No Brasil
tem ampla distribuição - do Pará a São Paulo - e
é comum em áreas abertas no Cerrado, em flores-
tas que perdem parte das folhas na seca (semide-
Paulo Robson de Souza

ciduais) e também ao longo das rodovias, ferrovias


e nas áreas próximas às residências. Suas plantas
são altas, alcançam até 20 metros, têm caule sem
ramos e revestido por “espinhos”. No topo das pal-
meiras saem folhas e “cachos” (inflorescências) de
pequenas flores de cor creme. Os frutos imaturos
permanecem na palmeira quase o ano todo (9-10
meses), amadurecendo e caindo de setembro/ou-
tubro a dezembro/janeiro.

As inflorescências são grandes e formadas por ra-


mos pendentes de onde saem as flores “femininas”
e “masculinas” que quando abertas, dão aspecto de
escova. As flores abrem à noite, quando liberam odor
que atrai besouros, seus principais polinizadores, em-
bora possam ser polinizadas também pelo vento. A
florada dura de 5 a 6 meses (julho/agosto-dezem-
bro/janeiro), com pico na estação chuvosa (outubro-
-novembro) no Pantanal e áreas de Cerrado.
Paulo Robson de Souza

Boletim Sabores - Edição 5 - Agosto 2022


Ilustração do fruto
A bocaiuva tem enorme potencial econômico, pelo da bocaiúva que
uso dos frutos e sementes para fins alimentícios. O evidencia a sua
coloração e textura
caule fornece amido e o palmito também pode ser
consumido, se bem manejado. Além disso, os frutos
integram a dieta de animais como a capivara, a anta,

Rafaella Moura
a ema, araras, pequenos roedores que podem dis-
persar suas sementes. Tem potencial na produção
de biodiesel e pode ser utilizada na restauração eco-
lógica, em sistemas agroflorestais e programas de
conservação como o da arara-azul, espécie símbolo
na conservação do Pantanal, e que se alimenta dos
seus frutos na seca.

Como produzem frutos abundantes, nutritivos e


muito apreciados pelas pessoas, as espécies de bo-
caiuva são estratégicas para a soberania e seguran-
ça alimentar e nutricional, tanto nas cidades quanto
no campo. A polpa apresenta todos os aminoácidos
essenciais, é rica em vitamina A e alguns minerais,
por exemplo, ferro, cálcio, zinco presentes
também na amêndoa, além de ser rica
em fibras. Seu consumo é estratégi-
co para combater a “fome ocul-
ta”, que se refere às deficiên-
cias de micronutrientes na
população. Recomenda-
-se, portanto, sua uti-
lização em produ-
tos alimentícios.

Boletim Sabores - Edição 5 - Agosto 2022


Acervo Pessoal Suelen Alves
Confira nossa conversa com a engenheira
agrônoma Suelen Alves Vianna, mestre em
Biologia Vegetal/UFMS e doutora em Agricultura
Tropical e Subtropical - Genética, Melhoramento
e Biotecnologia Vegetal/IAC, sobre os tipos de
bocaiuva no estado de Mato Grosso do Sul.
bate-papo

O que a motivou a estudar as espécies


de bocaiUva em Mato Grosso do Sul?
Sabendo que comunidades do Pantanal utilizavam os frutos para
consumo ou processamento em diferentes produtos, resolvemos
estudá-las. Notamos que mulheres extrativistas escolhiam os frutos pela
coloração, textura e “teor de óleo” da polpa de acordo com a finalidade
de uso, seja para consumo direto, fabricação de sorvetes ou para
produção de farinha. Nossos estudos mostraram que polpas de cores
diferentes são nutricionalmente semelhantes e podem ser igualmente
utilizadas em diferentes tipos de processamento.

Nessa época eram aceitas a ocorrência de duas espécies para o Brasil:


Acrocomia aculeata, de porte arbóreo e A. hassleri, acaulescente [de
caule reduzido], sendo as populações do Pantanal identificadas como A.
aculeata. Notamos que as plantas do Pantanal apresentavam morfologia
diferenciada, incluindo o tamanho e teor de óleo dos frutos. Iniciei então
trabalho taxonômico que resultou na identificação das populações locais
como A. totai e a descoberta de nova espécie para o gênero, que chamei
de Acrocomia corumbaensis em homenagem a Corumbá.

você poderia dar dicas práticas para que


estudantes ou pessoas das comunidades
possam diferenciar a Acrocomia
corumbaensis das demais?
Acrocomia corumbaensis, carinhosamente chamada pelas extrativistas
que me acompanharam durante o trabalho como “bocaiuvinha”, foi
assim batizada pelo diminuto tamanho de seus frutos (em média cerca
de 1,5 cm). A planta apresenta estipe liso, com maior diâmetro e folhas
e pinas maiores comparativamente a A.totai.

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A bocaiuva apresenta grande potencial de uso como produto
da sociobiodiversidade nas comunidades rurais: é um dos fru-
tos nativos mais explorados comercialmente em MS, na forma
de farinha, sorvetes e milk shakes, geleias e recheio de bom-
bons. E mais, a castanha, ainda pouco explorada, e a variação
da cor da polpa ampliam as possibilidades de comercialização.

É importante desenvolver estratégias e inovações em proces-


sos, produtos e serviços para viabilizar sistemas alimentares al-

Paulo Robson de Souza


ternativos. Uma rede de apoio à cadeia produtiva deste e de
outros frutos aliando pesquisa, extensão e inovação, permitirá
ações para implementá-la de forma integrada e sustentável. A
conservação e o melhor conhecimento da agroindustrialização
como geração de renda podem promover a soberania e segu-
rança alimentar e nutricional, valorizando os conhecimentos lo-
cais e também o seu uso em sistemas agroflorestais.

LIÇÕES PRÁTICAS
Maria Ana Farinaccio

Os frutos podem ser colhidos do chão ou


do “cacho”, após completarem o desenvol-
vimento. Quando maduros, a casca quebra
ao ser comprimida, expondo a polpa geral-
mente amarelada.

O armazenamento sob refrigeração au-


menta a vida útil dos frutos. Ao natural, po-
dem ser utilizados para produção de sor-
vetes, doces, mingaus e geleias, enquanto
a secagem favorece o despolpamento para
produção da farinha utilizada na produção
de pães, bolos, biscoitos e massas.

As amêndoas podem ser aproveitadas para


cocada e leite de amêndoas, dentre outras
preparações culinárias, e extração de óleo.

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Importante também separar os frutos sadios dos frutos danificados, ra-
chados ou podres. Frutos secos e marrons devem ser descartados. Os
catadores de frutos possuem muita vivência e comentam que os frutos
“Produzir
alimentos de bons são aqueles cujo “olho” ainda tem uma coloração alaranjada.
boa qualidade
exige atenção Os frutos podem ficar armazenados por até uma semana antes do pro-
às técnicas de
cessamento. Devem ser colocados em recipientes de boca larga, como
higienização”
bacias, baldes, caixas plásticas ou cubas, e sempre cobertos com uma
tela. Jamais deixar os frutos em recipientes fechados, pois isso acele-
DICA 1 ra o apodrecimento. Armazenar frutos em local coberto, ventilado e à
sombra. A sanitização tem como objetivo diminuir ou eliminar os mi-
crorganismos presentes nas cascas dos frutos e dessa forma evitar a
contaminação da polpa que será processada. A limpeza inicial deve ser
realizada com água corrente para a retirada da terra e sujeiras.
“Os frutos bons
são aqueles
cujo “olho” A sanitização é realizada em seguida colocando os frutos em um re-
ainda tem cipiente com água clorada como indicado na tabela abaixo. Para a
a coloração
correta ação do sanitizante, deixar os frutos imersos por 10 minutos
alaranjada”
em temperatura ambiente.

Obtenção da polpa
DICA 2

Os frutos selecionados, lavados, higienizados e descascados terão a sua polpa


removida e embalada em sacos plásticos a vácuo identificados com o nome
“Imersão em do produto, a data de fabricação e o prazo de validade. Quando congelada a
água auxilia 18 graus negativos, dura seis meses.
na seleção de
frutos, pois os

Fabricação da farinha de bocaiuva


coquinhos que
boiam não
estão bons para
o consumo” Caso as polpas estejam congeladas, mantê-las em geladeira de um dia para o
outro. Após o descongelamento, as polpas devem ser espalhadas em quadros de
telas tipo “peneira” cobertas com tela “mosquiteira” e expostas ao sol. As polpas
secas devem ser colocadas em caixas plásticas com tampas. A farinha é obtida
DICA 3 por trituração em moinho (equipamento apropriado) ou em pilão e depois pe-
neirada. Devido ao alto teor de gordura, esta farinha deve ser embalada a vácuo
para evitar a rancificação. As embalagens devem ser identificadas com o nome do
produto, a data de fabricação e o prazo de validade, neste caso 90 dias.

VOLUME DE ÁGUA VOLUME DE HIPOCLORITO DE SÓDIO *

05 litros 01 xícara de café ou 5 colheres de sopa ou 50 mL

Preparo de água 10 litros 02 xícaras de café ou 10 colheres de sopa ou 100 mL

clorada para a 20 litros 04 xícaras de café ou 15 colheres de sopa ou 150 mL


sanitização
40 litros 08 xícaras de café ou 20 colheres de sopa ou 200 mL
dos frutos
OBSERVAÇÃO:
Na compra do sanitizante verificar a recomendação para uso em alimentos (2,5% de cloro ativo).
* Hipoclorito de sódio também é conhecido como água sanitária ou simplesmente “cloro”.

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BROWNIE DE CHOCOLATE COM BOCAIUVA

INGREDIENTES:
3 ovos;
3/4 de xícara de açúcar mascavo;
3/4 de xícara de suco de laranja;
1 xícara de farinha de bocaiuva;
1 xícara de farinha de trigo;
100 g de manteiga;
150 g de chocolate (em barra meio
amargo);
1 xícara de castanha-do-pará picada;
1 colher de fermento químico.

MODO DE PREPARO:
Pré-aqueça o forno a 180O e unte
uma assadeira retangular (média)
com manteiga e polvilhe com
farinha de bocaiuva.

DE “AGUAR” A BOCA!!! Numa tigela, misture os ovos, o


Enviada por Eluiza Bortolotto Ghizzi açúcar mascavo e o suco de laranja
usando uma espátula ou colher.
Acrescente as farinhas e mexa bem.
Junte o chocolate com a manteiga
(previamente derretidos em banho-
maria) e em seguida as castanhas e o
fermento, mexendo delicadamente.

Coloque na assadeira untada e


polvilhada e leve ao forno a 180O C
por 20 minutos.

DICA:
Você pode substituir a castanha-do-
pará pela castanha-de-baru ou por
outra de sua preferência.

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Programa de Apoio a Programa de


Extensão Universitária Bolsa de Extensão
(PAEXT/UFMS) (PBEXT/UFMS)

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Edição nº 2 - Outubro 2021
Edição nº 3 - Dezembro 2021
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Fotografias:
Facebook CPA | Instagram CPA
Maria Ana Farinaccio (CPAN/UFMS)
Paulo Robson de Souza (INBIO/UFMS)
aqui tem mais conhecimento! Conteúdo:
HIANE, P. A.; BALDASSO, P. A.; MARANGONI, S.; MACEDO, M. Ieda Maria Bortolotto (PPGBV/UFMS)
L. R. Chemical and nutrition evaluation of kernels of bocaiuva,
Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. Ciência e Tecnologia de Maria Rosângela Sigrist (INBIO/UFMS)
Alimentos, Campinas, v. 26, n. 3, p. 683-689, 2006.
Luciana Miyagusku (FACFAN/UFMS)
RAMOS, M. I. L.; RAMOS FILHO, M. M.; HIANE, P. A.; BRAGA
NETO, J. A.; SIQUEIRA, E. M. de A. Qualidade nutricional da Paulo Robson de Souza (INBIO/UFMS)
polpa de bocaiúva Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. Ciência
e Tecnologia de Alimentos, Campinas, 28(Supl.): 90-94, dez. Maria Ana Farinaccio (CPAN/UFMS)
2008.
Ângela Christina Conte Theodoro (FAMED/UFMS)
MUNHOZ, C. L.; GUIMARAES, R. C. A.; NOZAKI, V. T.; SAN-
JINEZ-ARGANDOÑA, E. J.; HIANE, P. A.; MACEDO, M. L. R. Juliana Rodrigues Donadon (FACFAN/UFMS)
Preparation of a cereal bar containing bocaiuva: physical, nu-
tritional, microbiological and sensory evaluation. Acta Scien-
Bruno Henrique dos Santos (INBIO/UFMS)
tiarum. Technology, Maringá, v. 36, n. 3, p. 553-560, 2014.
Raquel Pires Campos (FACFAN/UFMS)
DA SILVA, V. M.; GUIMARÃES, R. DE C. A.; CAMPOS, R. P.;
BORSATO, A. V.; HIANE, P. A.; DONADON, J. R. Secagem e
armazenamento de frutos de macaúba: estabilidade química Coordenação Geral:
e oxidativa. Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 41, n. 3, p.
865-878, maio/jun. 2020. Maria Rosângela Sigrist (INBIO/UFMS)

Coordenação Editorial:
Katarini Giroldo Miguel (FAALC/UFMS)

Diagramação e Ilustrações:
Rafaella Moura Teixeira (FAALC/UFMS)

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