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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP

ÍSOLA ANJOS SAGGIORO DE ALMEIDA

A BÍBLIA E O DIREITO: Jesus e as Leis

BARUERI
2013
ÍSOLA ANJOS SAGGIORO DE ALMEIDA

A BÍBLIA E O DIREITO: Jesus e as Leis

Trabalho de conclusão de curso para obtenção


do título de graduação em Direito apresentado
à Universidade Paulista - UNIP.

Orientadora: Profª. Fernanda Orsi B. Doretto.

BARUERI
2013
ÍSOLA ANJOS SAGGIORO DE ALMEIDA

A BÍBLIA E O DIREITO: Jesus e as Leis

Trabalho de conclusão de curso para obtenção


do título de graduação em Direito apresentado
à Universidade Paulista - UNIP.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

__________________________________/___/___
Prof.
Universidade Paulista - UNIP
__________________________________/___/___
Prof.
Universidade Paulista - UNIP
__________________________________/___/___
Prof.
Universidade Paulista - UNIP
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a DEUS, sem O qual eu nada seria.


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos mestres que, com sua sabedoria, nos transmitiram pouco do muito
conhecimento que possuem, com esforço, dedicação e empenho e, principalmente, vontade,
que é o que nos motiva;

A meus companheiros de curso que, juntos, partilharam desta longa jornada;

Também aos familiares e amigos, sempre presentes e apoiando, não obstante as muitas
vezes em que não lhes pude dar a atenção devida;

E, principalmente, ao ETERNO DEUS, a Quem dedico não apenas esta monografia,


como, também, minha vida.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.”
(Mateus 5:6 – Bíblia Sagrada)
RESUMO

Este estudo aborda assuntos referentes à ligação entre a Bíblia e o Direito, enfatizando os
princípios em comum neles encontrados, em especial no que se refere à vida de Jesus no
aspecto Jurídico, durante Seu ministério, prisão e julgamento. A justificativa para a escolha do
assunto repousa no fato de que muitos dos princípios encontrados no Direito se originaram ou
tem relação com a Bíblia, e não apenas foram seguidos no período e local em que Jesus viveu
como ainda o são por pessoas e países em todo o mundo. O objetivo da pesquisa é permitir ao
leitor um pouco de conhecimento quanto às bases da legislação à época, comparando-as com
a legislação e prática atuais, o que permite concluir que o Direito está em sintonia com a
Bíblia em diversos aspectos, inclusive atualmente.

Palavras-chave: Bíblia, Direito, Jesus, Princípios jurídicos.


ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

I Jo. João
II Cor. II Coríntios
II Cr. II Crônicas
Ampl. Ampliada
At. Atos
Atual. Atualizada
Dt. Deuteronômio
Ed. Edição
Êx. Êxodo
Gl. Gálatas
Gn. Genesis
Is. Isaías
Jo. João
Jun. Junho
Jz. Juízes
Lc. Lucas
Mai. Maio
Mc. Marcos
Mt. Mateus
NTLH Nova Tradução na Linguagem de Hoje

NVI Nova Versão Internacional

Pág. Página

RA Revista e Atualizada

Rev. Revista

Rm. Romanos

Zc. Zacarias
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11

2 A IMPORTÂNCIA DA BÍBLIA E DA RELIGIÃO NO DIREITO...................... 12

3 VIDA DE JESUS E SEU PARECER QUANTO ÀS LEIS VIGENTES............ 13


3.1 Aspectos Históricos e Sociais da Vida de Jesus....................................................... 13

4 JESUS E AS LEIS...................................................................................................... 1
4.1 Leis Civis e Penais..................................................................................................... 1
4.1.1 Homicídio e Crimes Contra a Honra...................................................................... 1
4.1.2 – Divórcio............................................................................................................... 1
4.1.3 – Pena de Morte...................................................................................................... 1
4.1.4 – Omissão de Socorro............................................................................................. 1
4.1.5 – Remissão.............................................................................................................. 1
4.2 Direito do Trabalho.................................................................................................... 1
4.2.1 Salário..................................................................................................................... 1
4.2.2 Descanso Semanal.................................................................................................. 1
4.3 Direito Tributário....................................................................................................... 1
4.4 Direito Internacional.................................................................................................. 1

5 O JULGAMENTO DE JESUS NO ASPECTO JURÍDICO............................... 1


5.1 A Prisão de Jesus............................................................................................. 1
5.1.1 Prisão em Domicílio...................................................................................... 1
5.1.2 Mandado de Prisão................................................................................................. 1
5.1.3 Prisão em Flagrante....................................................................................... 1
5.1.4 Legítima Defesa de Terceiro e Circunstância Atenuante................................... 30
5.1.5 Denúncia Formal.................................................................................................... 1
5.1.6 Condução Coercitiva.............................................................................................. 1
5.2 O Julgamento de Jesus..................................................................................... 1
5.2.1 Uso de “Algemas” ....................................................................................... 1
5.2.2 Testemunhas e Falso Testemunho......................................................................... 1
5.2.3 Acusações.............................................................................................................. 1
2

5.2.4 Interrogatório......................................................................................................... 2
5.2.5 “Direito ao Silêncio” – Não Produção de Provas Contra Si Mesmo..................... 2
5.2.6 Confissão............................................................................................................... 2
5.3 Júri Popular e Nulidades.......................................................................................... 2
5.3.1 Voto Secreto.......................................................................................................... 2
5.3.2 Ampla Defesa e Duplo Grau de Jurisdição........................................................... 2

6 SENTENÇA E TORTURA...................................................................................... 2
6.1 Pena.......................................................................................................................... 2
6.2 Escárnio, Tortura e Execução da Pena..................................................................... 2
6.3 Recursos................................................................................................................... 2

CONCLUSÃO.............................................................................................................. 2

REFERÊNCIAS........................................................................................................... 2
11

1 INTRODUÇÃO

A vida de Jesus foi pautada de grandes e importantes acontecimentos; para muitos,


inclusive, os mais importantes da história. Ao se fazer profunda análise, é possível perceber
que tudo o que os Evangelhos descrevem pode ser pautado pelo ponto de vista jurídico, e
tanto as ações quanto os ensinos de Jesus foram baseados nas Leis dadas por Seu DEUS e
Pai1, as quais foram transmitidas por Moisés e que em diversas áreas se assemelham às atuais.

Com relação ao Julgamento de Jesus, este se deu, em muitos aspectos, de modo


irregular e inclusive atroz, sendo diverso das leis atuais e, inclusive, às existentes em Sua
época, no que concerne à sua efetiva prática e execução.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, será utilizado o método comparativo, em


especial com relação ao Direito Brasileiro Moderno e referências ao Direito Hebraico, bem
como algumas equiparações ao Direito Romano, o qual afetou as legislações e nações da
época e o caso em si.

Desde antes do Getsêmani, Jesus já tinha noção daquilo que Lhe sobreviria. Mesmo
assim, não se opôs ao “julgamento” humano que lhe fora imputado, o qual se encontrava em
discrepância com as leis de Sua época em diversos aspectos. Não obstante, não Se utilizou dos
recursos que lhe seriam cabíveis; ainda que fosse sábio e autodidata, instruído nas leis e
costumes do povo que O sentenciava, abriu mão de muitos de Seus direitos em lugar daqueles
por quem foi julgado.

1
II Cor. 1:3 – “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda
consolação”.
12

2 A IMPORTÂNCIA DA BÍBLIA E DA RELIGIÃO NO DIREITO

Desde os primórdios da humanidade, as pessoas se baseavam nos costumes e na moral


para exercer a Justiça. Com o tempo, a religião passou a ter grande influência na vida em
sociedade, sendo responsável por grande parte das primeiras leis escritas encontradas.

Consoante descreve Wolkmer (2004, p. 21 e 22), “(...) Num tempo em que inexistiam
legislações escritas e códigos formais, as práticas primárias de controle são transmitidas
oralmente, marcadas por revelações sagradas e divinas”. “Tal é a influência da religião sobre
a sociedade e sobre as leis, que se torna intento pouco fácil estabelecer uma distinção entre o
preceito sobrenatural e o de natureza jurídica.” (pág. 24).

Nas sociedades antigas, tanto as leis quanto os códigos foram expressões da vontade
divina, revelada mediante a imposição de legislador-administradores, que
dispunham de privilégios dinásticos e de uma legitimidade garantida pela casa
sacerdotal (...) Este momento inicial de um direito sagrado e ritualizado, expressão
das divindades, desenvolve-se na direção de práticas normativas consuetudinárias
(...) É a época do direito consuetudinário, largo período em que não se conheceu a
invenção da escrita, em que uma casta, ou aristocracia, ‘investida do poder judicial
era o único meio que poderia conservar, com algum rigor, os costumes da raça ou da
tribo’ (Cf. SUMMER MAINE, Henry. El derecho antiguo: parte general. Madrid:
Alfredo Alonso, 1893, p.18-19). O costume aparece como expressão da legalidade,
de forma lenta e espontânea, instrumentalizada pela repetição de atos, usos e
práticas. Por ser objeto de respeito e veneração, e ser assegurado por sanções
sobrenaturais, dificilmente o homem primitivo questionava sua validez e sua
aplicabilidade2.
A inversão e a difusão da técnica da escritura, somada à compilação de costumes
tradicionais, proporcionam os primeiros códigos da Antiguidade, como o de
Hamurábi, o de Manu, o de Sólon e a Lei das XII Tábuas3.

Dentre os vários “códigos” da antiguidade, distingue-se ainda o Direito Hebreu, o qual


fora dado por DEUS a Moisés, líder do povo israelita e responsável pela transmissão da
legislação a Seus liderados e aos que deles foram gerados.

Este código atravessou gerações, saindo do deserto onde foi promulgado, chegando à
época dos juízes bíblicos e aos reis de Israel, sobrevivendo ao exílio babilônico e abarcando
os judeus da época do Império Romano, onde deu de encontro com Jesus e Seus seguidores e,
durante todo este período como também posteriormente, foi abrangida, total ou parcialmente,
por diversas outras legislações e constituições ao redor do mundo, até aos dias atuais.

2
WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito: O Direito nas Sociedades Primitivas. 2ª
Ed., 5ª tiragem – rev. e ampl. – Belo Horizonte: DelRey, 2004 – Pág. 22.
3
Ibid., p. 20
13

Tais ordenanças, que serviram de fundamento para muitas ainda hoje em vigor em
diversos países, podem ser encontradas em toda a Bíblia, especialmente na Torá, também
conhecida como Pentateuco, que são os cinco primeiros livros bíblicos, onde a maior parte da
legislação hebraica se encontra.

Nela, podem-se visualizar matérias de direito Constitucional, Civil, Penal, Tributário,


Internacional, Trabalhista, Administrativo, Ambiental e tantas outras quantas se podem
encontrar, em diversos temas, tais como: casamento e concubinato, adultério, divórcio,
obrigações alimentícias, dívidas, penhor, fraude, indenizações, posses e outros direitos de
propriedade, herança, aborto, abuso de incapazes, acidentes, assédio sexual, embriaguez,
calúnia, injúria e difamação, corrupção, estupro, extorsão, furto e roubo, homicídio, impostos,
incesto, procedimento processual, julgamento, maus tratos, pena de morte, perdão,
responsabilidades, salário, sequestro, tortura, princípios da igualdade, legalidade, devido
processo legal, prisão domiciliar, dano, apropriação indébita, corrupção, peculato e diversas
outras, as quais, se comentadas, não caberiam nestas singelas páginas.

3 VIDA DE JESUS E SEU PARECER QUANTO ÀS LEIS VIGENTES

Durante toda Sua vida, Jesus viveu como um cidadão judeu, seguindo os costumes de
Seu povo e obedecendo às leis por DEUS promulgadas.

No entanto, não se restringiu apenas a isto como, principalmente, esteve durante todo
Seu ministério terrestre ensinando meios de obedecê-las de modo mais justo e correto, sem
que se tornassem um peso sobre a sociedade e, especialmente, para fazer com que esta se
torne mais justa e igualitária, onde todos possam agir em conformidade com a vontade de Seu
DEUS e Pai, o que permite a todos conviverem em harmonia e união uns com os outros.

3.1 Aspectos Históricos e Sociais da Vida de Jesus

Desde Seu nascimento, Jesus foi vítima de perseguições por parte dos governantes e
autoridades de Seu povo. Quando ainda recém-nascido, foi furiosamente perseguido pelo rei
Herodes, o qual temeu perder sua soberania, após Jesus ter sido aclamado como “Rei dos
14

Judeus4” por parte dos magos do Oriente. Esta mesma nomenclatura fez-se presente não
apenas quando de Seu nascimento, mas também na ocasião de Sua morte, onde a perseguição
a que fora submetido se deu de forma ainda maior e mais profícua.

Enquanto Jesus era perseguido, Ele e Sua família moraram no Egito; no entanto, após
a morte do rei Herodes, retornaram ao Seu povo, ainda que não na mesma região, e Jesus
crescia em estatura, sabedoria e graça diante de DEUS e dos homens 5.

Em determinada ocasião, quando contava 12 (doze) anos de idade, durante a festa de


Pessach6 (Páscoa), uniu-se aos mestres e doutores da época e causou-lhes espanto, dado sua
inteligência e as sábias respostas que lhes proferia 7 quando interrogado, ou ainda no decorrer
do diálogo por eles realizado. Seus ensinos e Seu conhecimento com respeito às leis que os
regiam eram notórios e indubitáveis, a ponto de calar a muitos dos doutores da Lei8 que lhe
eram coexistentes, ainda que não tenha efetivamente estudado9.

Com o passar do tempo, Jesus foi-Se tornando mais e mais afamado, conhecido e
seguido pelo povo – fazia muitos sinais e prodígios, e curava tanto no aspecto físico quanto no
espiritual, levando as pessoas a tomarem novos rumos e metas e a mudarem seu modo de ser,
agir e viver; ademais, obedecia e ensinava as leis de DEUS e dos homens.

4 JESUS E AS LEIS

Este último aspecto foi vividamente enfatizado quando, após ter subido a determinado
Monte e ensinado às multidões sobre como se pode ser feliz e bem-aventurado10, pensando

4
Tal frase foi pronunciada nas citações bíblicas descritas em Mt. 2:2, na ocasião de seu nascimento, e Mt. 27:37,
Mc. 15:2, 9, 12, 18, 26, Lc. 23:3, 37, e Jo. 18:33, 19:3, 19 e 21, quando de Seu julgamento e crucifixão, sendo-
Lhe proferida como uma espécie de “acusação”.
5
Lc. 1:40 e 52.
6
Festa que comemora a saída dos israelitas, posteriormente denominados judeus, do Egito, quando deixaram de
ser escravos e obtiveram a tão almejada liberdade – “Deus ordenou que o povo de Israel celebrasse no deserto o
primeiro ato de sua liberdade, a festa de Pessach, conforme o ritual indicado no livro do Êxodo (...). Desde então
a festa de Pessach foi para o israelita o aniversário da libertação do jugo da escravidão, a qual devia guiá-lo a
libertação do espírito, a fé, a virtude, e para uma vida nobre e sagrada” – MELAMED, Rabino Meir Matzliah.
Torá, a Lei de Moisés. Rio de Janeiro: Sêfer, Setembro de 1962; atual. 2001.
7
Lc. 1:46 e 47
8
Mc. 11:33
9
Jo. 7:15
10
O denominado “Sermão do Monte”, localizado em Mt. 5:1-12.
15

nas eventuais alegações que contra Ele poderiam ser feitas, insinuando que teria posições
contrárias às Leis ensinadas por DEUS e transmitidas por Moisés, líder de seu povo e
responsável pela transmissão da legislação a este e às gerações posteriores, fez o seguinte
pronunciamento:

Não pensem que eu vim para acabar com a Lei de Moisés 11 ou com os ensinamentos
os Profetas. Não vim para acabar com eles, mas para dar o seu sentido completo. Eu
afirmo a vocês que isto é verdade: enquanto o céu e a terra durarem, nada será tirado
da Lei – nem a menor letra, nem qualquer acento. E assim será até o fim de todas as
coisas. Portanto, qualquer um que desobedecer ao menor mandamento e ensinar os
outros a fazerem o mesmo será considerado o menor no Reino do Céu. Por outro
lado, quem obedecer à Lei e ensinar os outros a fazerem o mesmo será considerado
grande no Reino do Céu12.
Se vocês acreditassem em Moisés, acreditariam também em mim, pois ele escreveu
a meu respeito. Mas, se vocês não acreditam no que ele escreveu, como vão
acreditar no que eu digo?13

Com tais afirmações, contidas no início das descrições referentes ao Seu ministério
terrestre, Jesus demonstrava claramente Sua aceitação e incentivo à obediência das leis
promulgadas, inclusive para tempos posteriores à sua estadia terrena (“enquanto o céu e a
terra durarem...”), o que posteriormente também foi reafirmado 14 por Seus discípulos.

4.1 Leis Civis e Penais

Na mesma ocasião em que transmitiu o “Sermão do Monte” e enfatizou a devida


observância às Leis, a necessidade da plena compreensão e da correta interpretação das
mesmas, dispôs, ainda, o que poderia ser equiparado às denominadas “Emendas15” em
algumas delas:

11
A “Lei de Moisés” refere-se, em especial, aos Dez Mandamentos e demais leis, além de outras regras e
preceitos, referidos na Torá, nomenclatura hebraica, também conhecida como Pentateuco no idioma grego, que
se refere aos cinco primeiros encontrados na Bíblia – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio -, nos
quais se encontra a maior parte da legislação Mosaica e Israelita ou judaica.
12
Mt. 5:17-20 – NTLH.
13
Jo. 5:46, 47 – NTLH.
14
Conforme Rm. 2:12 e 13: “Assim, pois, todos os que pecaram sem lei também sem lei perecerão; e todos os
que com lei pecaram mediante lei serão julgados. Porque os simples ouvidores da lei não são justos diante de
DEUS, mas os que praticam a lei hão de ser justificados”. Referente ao mesmo assunto, pode-se verificar os
versos a estes subsequentes, bem como, no versículo 31 do mesmo capítulo: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não,
de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei”; no capítulo 7, verso 12: “Por conseguinte, a lei é santa; e o
mandamento, santo, e justo, e bom”; em Gl. 3:21, “É, porventura, a lei contrária às promessas de DEUS? De
modo nenhum! Porque, se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente
de lei”, e ainda em At. 21:24, II Cor. 4:2, entre outros.
15
“Emenda. Por vezes, traz consigo o vocábulo não o sentido de corrigir, mas o de reformar, modificar ou
mesmo ampliar. Mostra-se, neste sentido, uma alteração. E, assim, se entende quando o autor emenda a sua
obra, não para corrigir erros ou enganos, mas para alterar ou ampliar o que está escrito. Emenda. No sentido
legislativo, a emenda possui significado de substitutivo, ou seja, a proposta para alterar ou modificar parte ou
16

Ouvistes o que foi dito16 aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a
julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que ((sem motivo)) se irar contra
seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará
sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno
de fogo17.
Se alguém fizer uma acusação contra você e levá-lo ao tribunal, entre em acordo
com essa pessoa enquanto ainda é tempo, antes de chegarem lá. Porque, depois de
chegarem ao tribunal, você será entregue ao juiz, o juiz o entregará ao carcereiro, e
você será jogado na cadeia. Eu afirmo a você que isto é verdade: você não sairá dali
enquanto não pagares o último centavo18.

Nos versos supra descritos, refere-se a leis e práticas atuais, como, por exemplo, ao
homicídio, ao julgamento que deve ser realizado contra quem comete um crime ou infração19,
à calúnia, injúria ou difamação etc., bem como dispõe quanto à preferência em se realizar
acordos antes de dirigir-se ao “judiciário”.

4.1.1 Homicídio e Crimes Contra a Honra

Com relação aos versos citados, Jesus menciona crimes como o Homicídio e outros
crimes contra a Honra.

Em termos gerais, Damásio de Jesus dá a seguinte definição ao Homicídio:


“Homicídio é a destruição da vida de um homem praticada por outro 20”.

Objetividade jurídica
Tutela-se com o dispositivo o mais importante bem jurídico, a vida humana, cuja
proteção é um imperativo jurídico de ordem constitucional (art. 5º, caput, da CF).
Tem a vida a primazia entre os bens jurídicos, sendo indispensável à existência de
todo direito individual porque “sem ela não há personalidade e sem esta não há
cogitar de direito individual”. Consta do art. 4º da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário:
“Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser
protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser
privado da vida arbitrariamente21”.

todo o teor de um projeto de lei” – PLÁCIDO E SILVA; Vocabulário Jurídico; 26ª Ed.; Rio de Janeiro:
ABPDEA, 2005.
16
No caso, o que foi dito anteriormente, tanto no Pentateuco quanto nos demais livros bíblicos e proféticos.
17
Mt. 5:21 e 22, RA.
18
Mt. 5:25 e 26a, NTLH, e 26b, RA.
19
Em termos gerais, Crime é “toda ação cometida com dolo, ou infração contrária aos costumes, à moral e à lei,
que é igualmente punida, ou que é reprovada pela consciência”, e Infração é o “fato que viole ou infrinja
disposição de lei, onde há cominação de pena” – PLÁCIDO E SILVA; Op. Cit.
20
JESUS; Damásio E. de. Direito Penal: Parte Especial – 2º volume, 32ª Ed., 2012 – p. 49
21
MIRABETE, Op. Cit., pág. 26.
17

O Direito à Vida é um direito fundamental, considerado por muitos como o principal


direito existente. Ainda hoje, e talvez até com maior ênfase, há diversas discussões com
respeito aos casos em que excepcionalmente a vida pode ser retirada sem que isto seja
considerado um crime. Casos como anencefalia22 e a eutanásia23 estão entre os mais
comentados, sendo alvo de grande dissensão tanto na Bioética quanto no Biodireito.

Também quanto à calúnia, difamação e injúria, dispõe Mirabete 24: “Calúnia é a falsa
imputação de fato criminoso a outrem”, “Difamação é a imputação a alguém de fato ofensivo
a sua reputação” e “injúria é a ofensa à dignidade ou decoro de outrem” Note-se que a
difamação difere da calúnia “porque nesta o fato imputado é previsto como crime, devendo
ser falsa a imputação, em regra, o que não ocorre quanto à difamação”.

4.1.2 – Divórcio

Nos mesmos versos, dispõe, ainda, com respeito ao adultério, cuja lei há pouco tempo
saiu de vigência, bem como ao divórcio, ainda atual:

Vocês ouviram o que foi dito: “Não cometa adultério”. Foi dito também: “Quem
mandar a sua esposa embora deverá dar a ela um documento de divórcio. Mas eu
lhes digo: todo homem que mandar a sua esposa embora, a não ser em caso de
adultério, será culpado de fazer com que ela se torne adúltera, se ela se casar de
novo. E o homem que casar com ela também cometerá adultério25.

Embora não fosse a favor do divórcio 26, Jesus concebeu que o divórcio fosse realizado
em casos de adultério, o que atualmente tem sido um dos principais motivos responsáveis pelo
aumento de casos de separações e divórcios.

22
Segundo Maria Helena Diniz (apud Victor Santos Queiroz. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/7111/reflexoes-acerca-da-equiparacao-da-anencefalia-a-morte-encefalica-como-
justificativa-para-a-interrupcao-da-gestacao-de-fetos-anencefalicos#ixzz2Vr19KBvI. Acesso em 10 jun 2013), o
anencéfalo "pode ser um embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação congênita, não possui uma parte
do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco
encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais). Como os centros de respiração e circulação
sanguínea situam-se no bulbo raquidiano, mantém suas funções vitais, logo o anencéfalo poderá nascer com
vida, vinda a falecer horas, dias ou semanas depois".
23
“É uma forma de apressar a morte de um doente incurável, sem que esse sinta dor ou sofrimento. A ação é
praticada por um médico com o consentimento do doente, ou da sua família.” EUTANÁSIA. Disponível em:
<http://www.brasilescola.com/sociologia/eutanasia.htm>. Acesso em: 10 jun. 2013
24
MIRABETE; Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal II: Parte Especial, arts. 121 a 234-B do CP até 5 de
Janeiro de 2010. 27ª Ed., Rev. e Atual.).
25
Mt. 5:27, 31 e 32.
26
Mt. 19:7 e 8 – “Replicaram-lhe: Por que mandou, então, Moisés dar carta de divórcio e repudiar? Respondeu-
lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher; entretanto,
não foi assim desde o princípio”.
18

4.1.3 – Pena de Morte

No que se refere à Lei de Talião 27, anteriormente observada por muitos povos, lhe
coube aprouver uma revogação tácita28: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho, dente
por dente’. Mas eu lhes digo: não se vinguem dos que fazem mal a vocês (...) 29”.

Ao contrário; Jesus se opôs veementemente à pena de morte, bem como outras formas
de violência e vingança. Em certa ocasião, pessoas de alta importância na sociedade da época
trouxeram-lhe uma mulher encontrada em flagrante adultério, a qual, segundo o costume da
época, deveria ser apedrejada. A intenção dos que a trouxeram seria a de ter motivo para
acusar Jesus, de modo que, caso este se fizesse contra o apedrejamento, seria também contra
os costumes e, se fosse a favor, seria contra o Mandamento que ordena a não matar 30. Então,
com sabedoria, expõe à consciência de todos os presentes acusadores o fato de que não há
humano perfeito, e que todos merecem segunda chance: “Se algum de vocês estiver sem
pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela.31”. Efetivamente, Sua tentativa de conscientização
obteve o resultado almejado, e a mulher não foi por isto condenada, sendo inclusive, por
assim dizer, “absolvida” por Jesus, o qual, apesar de não ter pecado, manteve Sua compaixão:
“Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais 32”.

4.1.4 – Omissão de Socorro

No que se refere à Omissão de Socorro, Jesus demonstrou Seu posicionamento ao


contar certa parábola33, na qual duas pessoas, reconhecidas pela sociedade, passavam próximo

27
A Lei de Talião “Era um antigo sistema de penas pelo qual o autor de um delito deveria sofrer castigo igual ao
dano por ele causado” – SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime – 2ª Ed. Rev., atual. e ampl., 2002 – Editora
Millennium.
28
“REVOGAÇÃO DA LEI. Em sentido genérico, e referentemente à lei, revogação entende-se a cessação da
obrigatoriedade da lei, supressão ou cassação da lei (...) Tácita, quando a revogação resulta da
incompatibilidade ou da divergência de norma entre a lei anterior e a lei nova” – PLÁCIDO E SILVA, Op. Cit.
29
Mt. 5:38, 39a.
30
“Não Matarás” – Êx. 20:13 – Torá.
31
Jo. 8:7, NVI.
32
Jo. 8:11, RA.
33
“parábola. (Do lat. Parábola < Gr. Parabolé.) S. f. Narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca,
por comparação, outras realidades de ordem superior (...)” – FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda - Novo
Aurélio Séc. XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa – 3ª Ed., total. rev. e ampl. – Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999 – 5ª reimpressão, 2003.
19

de certo homem, vítima de roubo e espancamento, o qual se encontrava à beira do caminho,


semimorto, e não lhe deram cuidado. Entretanto, outro homem, a quem muitos não davam
importância por não ser pertencente ao povo destes, ajudou-o, tratou seus ferimentos e ainda
deixou-o aos cuidados de alguém que lhe prestasse os atendimentos que porventura se
fizessem necessários34. Não difere disto a legislação atual, conforme nos ensina Mirabete:

O dever moral de solidariedade humana de amparar aqueles que necessitam de


socorro é convertido em dever legal geral pela regra do art. 135, que define o crime
de omissão de socorro: “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem
risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao
desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da
autoridade pública: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.” 35

Portanto, tal qual nos ensinamentos de Jesus e na Lei em vigor até nossos dias, é
mister o comprometimento e engajamento em auxiliar os indivíduos que disto estejam
necessitando.

4.1.5 – Remissão

Em duas ocasiões, Jesus incentivou Seus seguidores a serem complacentes e a


perdoarem não somente os pecados como também as dívidas 36 de seus próximos –
primeiramente, ao contar a história de um devedor que foi perdoado por seu credor, mas que,
quando seu codevedor veio solicitar que agisse da mesma forma, não aceitou (Mateus 18:23-
33); e também, ao ser questionado sobre quantas vezes se deve perdoar ao próximo, levou os
questionadores a refletir que devemos ser bons e generosos, deixando de lado aquilo que não
for efetivamente necessário, ajudando e perdoando sempre que possível, e contando também
uma história equiparada (Mateus 18:21-35). Tal pedido já era predito no Antigo Testamento,
no que concerne ao empréstimo 37 como modo agradar a DEUS por meio do auxílio àqueles
que disso necessitam.

34
Lc. 10:30-32
35
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte especial – Arts. 121 a 234-B do CP – 29ª Ed.
Rev. e Atual.; Editora Atlas, 2012; pag. 105.
36
“DÍVIDA. Derivado do latim debitum, de debere (dever, ser devedor), genericamente quer significar tudo que
se deve a alguém, ou todas as obrigações jurídicas, encaradas pelo seu lado passivo, ou consideradas como a
prestação da coisa ou do fato, a que se está obrigado para com alguém.” – PLÁCIDO E SILVA; Op. Cit.
37
“EMPRÉSTIMO. Derivado do latim promutuari (emprestar), é indicado para exprimir toda espécie de
cedência de uma coisa ou bem, para que outrem a use ou dela se utilize, com a obrigação de restituí-la, na forma
indicada, quando a pedir o seu dono ou quando terminado o prazo da concessão.” – PLÁCIDO E SILVA; Ibid.
20

Na esfera civil, este aspecto é conhecido como Remissão (também em Deuteronômio


15: 1 e 238), que Maria Helena Diniz define da seguinte forma:

Remissão advém do latim remissio, remittere, significando perdão. Remissão seria o


perdão da dívida pelo credor, colocando-se este na impossibilidade de reclamar o
adimplemento da obrigação.
A remissão de dívidas é a liberação graciosa do devedor pelo credor, que
voluntariamente abre mão de seus direitos creditórios, com o escopo de extinguir a
obrigação, mediante o consentimento inequívoco, expresso ou tácito, do devedor,
desde que não haja prejuízo a direitos de terceiro (CC, Art. 385). Logo, credor, que
deu um penhor em seu crédito, não poderá perdoá-lo se prejudicar credor
pignoratício.39

Também quanto a isto, aduz Venosa:


Ocorre a remissão de uma dívida quando o credor libera o devedor, no todo ou em
parte, sem receber pagamento. A remissão é o ato ou efeito de remitir, perdoar uma
dívida; não se confunde com remição, ato ou efeito de remir, resgatar, que era
instituto de direito processual, antes previstos nos arts. 787 a 790 do CPC, agora
revogados pela Lei 11.382, de 200640.

Portanto, a remissão de dívidas é a liberação do devedor quanto à obrigação anuída,


estando presente tão presente na legislação atual, especialmente através do Código Civil,
quanto na época e nas palavras de Jesus.

4.2 Direito do Trabalho

4.2.1 Salário

Contudo, nem sempre a remissão é uma necessidade, e por isso é importante que as
pessoas cumpram com suas responsabilidades, inclusive pagando suas dívidas. Neste sentido,
nada mais justo do que o trabalho e seu salário. Quanto a isto, também afirmou Jesus: “Digno
é o trabalhador do seu salário. Não andeis de casa em casa” (Lucas 10:7b).

38
“Ao fim de cada sete anos, farás remissão. Este, pois, é o modo da remissão: todo credor que emprestou ao seu
próximo alguma coisa remitirá o que havia emprestado; não o exigirá do seu próximo ou do seu irmão, pois a
remissão do SENHOR é proclamada.” - BÍBLIA Sagrada, RA.
39
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: 2. Teoria Geral das Obrigações – 27ª Ed., Editora
Saraiva, 2012; pág. 392 e 393.
40
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos - 12ª Ed.,
Editora Atlas, 2012; pag. 294 e 295.
21

Eis a definição de Salário por Amauri Mascaro:

Salário é o conjunto de percepções econômicas devidas pelo empregador ao


empregado não só como contraprestação do trabalho, mas, também, pelos períodos
em que estiver à disposição daquele aguardando ordens, pelos descansos
remunerados, pelas interrupções do contrato de trabalho ou por força de lei.41

Desde a Criação do mundo e antes mesmo do pecado, DEUS havia dado ao homem
atividades que pudesse realizar42. Após o pecado, tais atividades se intensificaram e tornaram-
se mais árduas, mas é através do trabalho que, desde os primórdios, se podem obter o
sustento43 e o suprimento das necessidades básicas do ser humano.

4.2.2 Descanso Semanal

Devido ao aumento de trabalho e à fadiga que então o homem passou a ter, DEUS
estabeleceu o Descanso Semanal44. A semana inicia-se no domingo, terminando no sétimo
dia, o sábado45, após o qual é dado o direito de descanso das atividades realizadas, a fim de
que a pessoa por ele beneficiada possa repor suas energias e recuperar-se para o início da
nova semana. Esta regra já era seguida 46 pelos israelitas, mas foi oficializada quando DEUS,
com SEU próprio dedo47, a escreveu e, junto aos outros nove Mandamentos48, em duas tábuas
de pedra, entregou ao povo hebreu.

No entanto, à época de Jesus, o descanso semanal, sabático, havia se tornado um


fardo, um peso sobre quem dele se utilizava, uma vez que as regras impostas quanto a este
Mandamento49 (Lei) eram enfadonhas e mal compreendidas, de modo que Jesus ensinou o
modo correto de obedecê-lo, em conformidade com a intenção de seu estabelecimento
original – em determinada ocasião, enquanto passavam por certa região agrícola, Seus
discípulos recolhiam espigas e as comiam. Ao ver isto, outras pessoas disseram que estavam

41
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho – 34ª Ed. – São Paulo: LTr, 2012; pág.
342.
42
Gn. 1:28.
43
Gn. 33:17-19.
44
Gn. 2:3 – “E abençoou DEUS o dia sétimo e o santificou (separou)”.
45
Em diversos idiomas, a palavra “sábado” e suas vertentes significam “repouso”.
46
Êx. 15:26.
47
Êx. 31:18; Dt. 5:22; 9:10; Zc. 1:6.
48
Êx. 20:1-17.
49
Êx. 20:8-11 – “Estejas lembrado do dia de sábado (Shabat) para santificá-lo. Seis dias trabalharás e farás toda
tua obra, e o sétimo dia é o sábado do Eterno, teu Deus; não farás nenhuma obra – tu, teu filho, tua filha, teu
servo, tua serva, teu animal e teu peregrino que estiver em tuas cidades; porque em seis dias fez o Eterno os céus
22

transgredindo o Mandamento. No entanto, como resposta à afirmação, Jesus enfatizou que “o


sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc.
2:27). Logo após, Jesus realizou um milagre, ainda no dia de sábado, Dia de Descanso;
novamente, os presentes questionaram se aquilo seria lícito; Jesus, porém, respondeu que “é
lícito, nos sábados, fazer o bem” (Mt. 12:12) 50.

Com isto, informou que devemos fazer coisas boas no dia de descanso, mas pôs em
evidência que existe a necessidade humana do descanso semanal, também previsto hoje em
nossa legislação, tal como disposto na Lei nº 605, de 5 de Janeiro de 1949, em especial no
Art. 4º:

É devido o repouso semanal remunerado, nos termos desta lei, aos trabalhadores das
autarquias e de empresas industriais, ou sob administração da União, dos Estados e
dos Municípios ou incorporadas nos seus patrimônios, que não estejam
subordinados ao regime do funcionalismo público51.

Referente à criação do Dia de Descanso (biblicamente, o sábado), Amauri descreve


sua trajetória:
As origens históricas do repouso semanal prendem-se aos costumes religiosos. Com
a Revolução Industrial do século XVIII e as leis trabalhistas, tornou-se repouso
semanal remunerado. (...)
Uma tradição de índole religiosa, dos hebreus, os levava a descansar aos sábados.
Segundo as Escrituras Sagradas, Deus, ao criar o Mundo, repousou no sétimo dia.
Em Moisés já é encontrada a determinação do descanso semanal: “Guarda o dia de
sábado, para o santificar, como te ordenou o Senhor teu Deus” (5, v. 12). “Seis dias
trabalharás e farás toda a tua obra” (5, v. 13). “Mas o sétimo dia é o sábado do
Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra nele, nem tu, nem teu filho, nem tua filha,
nem o estrangeiro que está dentro de tuas portas: para que o teu servo e tua serva
descansem como tu” (5, v. 20).
O descanso aos sábados subsistiu entre os hebreus e os primeiros cristãos, pelo
menos até a morte de Cristo, e a partir dessa época a celebração dos sábados,
proveniente da voz hebraica shabat, que significa descanso, foi substituída pela
Igreja Católica pelo descanso no domingo, do latim dies domini, que quer dizer
celebrar o dia do Senhor para recordar a Ressurreição de Jesus Cristo, ocorrida num
domingo.
O primeiro preceito civil que reconhece o descanso semanal provém, segundo os
historiadores, do Imperador Constantino, no ano de 321, ao proibir, aos domingos,
toda e qualquer espécie de trabalho, exceto as atividades agrícolas. “52
O Concílio de Laodicea, em 366, determinou que os cristãos deveriam trabalhar nos
sábados, sendo reservado o domingo para repouso (cânon 29).
As corporações de ofício determinavam que não deveria haver trabalho aos
domingos.53

e a terra, o mar e tudo o que há neles, e repousou no sétimo dia; portanto abençoou o Eterno o dia de sábado e
santificou-o” – MELAMED, Op. Cit.
50
A história completa se encontra em Mt. 12:1-12 e Mc. 2: 23-28 e 3:1-5.
51
LEI Nº 605, DE 5 DE JANEIRO DE 1949; Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm>. Acesso em: 2 jun. 2013.
52
NASCIMENTO, Op. Cit., pág. 324 a 326.
23

A Conferência Internacional da Organização Internacional do Trabalho, reunida em


Genebra, em 1921, aprovou a Convenção n. 14, dispondo, no art. 2º, que “todo
pessoal empregado em qualquer empresa industrial, pública ou privada, ou em suas
dependências, deverá desfrutar, no curso de cada período de sete dias, de um
descanso que compreenda como mínimo vinte e quatro horas consecutivas. Esse
descanso será concedido ao mesmo tempo, sempre que possível, a todo pessoal de
cada empresa. O descanso coincidirá, sempre que seja possível, com os dias
consagrados pela tradição ou os costumes do país ou da religião.54

Em suma, tem-se o conhecimento de que DEUS instituiu a observância do sábado


como dia de descanso e guarda, vigente também nos dias atuais, mas que, após a morte de
Jesus, foi, pelos homens, transferida aos poucos para o domingo, o que foi oficializado por
Constantino em 321, e no Concílio de Laodicea. Atualmente, o descanso semanal é obedecido
também por diversas legislações, variando entre o sábado e o domingo, sendo, no Brasil,
prioritário aos domingos, podendo ou não haver descanso no sábado, o que também está
sujeito à quantidade de horas trabalhadas.

4.3 Direito Tributário

Em determinada ocasião, certo homem, chamado Zaqueu, chefe dos publicanos55 (e


por isso mal visto pelos judeus, vez que era comum aos coletores de impostos agirem
mediante fraude56 e extorsão57), querendo conhecer a Jesus, de quem tanto diziam, subiu em
uma árvore, a fim de vê-lo entre a multidão, e qual não foi sua surpresa quando Este o
chamou para que almoçassem juntos. Em chegando à sua casa, já ciente dos comentários das
demais pessoas, e consciente da opinião e da justiça de Jesus, dispôs-se a, caso fosse

53
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho – 28ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2012; pág. 576.
54
NASCIMENTO, Op. Cit., pág. 324 a 326.
55
“Eram considerados publicanos os responsáveis pela arrecadação de taxas, tributos e impostos, no âmbito da
Antiga Roma Imperial. Eles eram detestados e rejeitados pelos judeus, que não admitiam a cobrança de
impostos, a qual, segundo os fariseus, que tinham como função zelar pela doutrina hebraica, ia contra a Lei de
Moisés” - PUBLICANOS; Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/publicanos/>. Acesso em: 2 jun.
2013.
56
“Desde os tempos em que o devedor já não respondia com o próprio corpo por suas dívidas, a garantia de seus
credores passou a residir em seu patrimônio (...) Esse patrimônio pode ser depauperado de vários modos pelo
próprio devedor para frustrar a garantia, seja pela alienação gratuita ou onerosa dos bens, seja pela remissão de
dívidas, pela renúncia da herança, pelo privilégio concedido a um dos credores e por tantos outros meios capazes
de diminuir a garantia do credor (...) É fraude contra credores qualquer ato praticado pelo devedor já insolvente
ou por esse ato levado a insolvência com prejuízo de seus credores.” – VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil:
Parte Geral – 10ª Ed., Editora Atlas, 2010; pág. 447 e 448.
57
“Define-se o delito de extorsão comum no art. 158: ‘Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se
faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.’ Ocorre o crime, portanto,
quando o agente obriga o sujeito passivo a entregar-lhe dinheiro, a não efetuar uma cobrança, a não impedir que
se lhe rasgue um título de crédito” – MIRABETE, Op. Cit., pág. 220
24

encontrado em falta e demonstrando haver defraudado a alguém, restituir quatro vezes o


montante em questão, além de ajudar aos pobres e necessitados que encontrasse.

Diante de tal confissão 58 e comprometimento quanto à restituição59, Jesus declarou que


a salvação havia chegado àquela casa, posto ter havido efetivo arrependimento60 e mudança, o
que por vezes ocorre sem que haja a necessidade de uma sanção, a qual é frequentemente
ineficaz61.

Apesar de ser contra algumas condutas e ensinamentos, não se opunha de modo direto
às autoridades humanas. Isto é provado quando, ao ser questionado quanto à cobrança de
impostos, Jesus respondeu: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”
(Mateus 22: 21). César era o imperador da época, e a explicação de tal atitude também se dá
por intermédio dos escritos dos apóstolos, os quais compartilhavam da mesma posição 62, não
se referindo apenas às autoridades políticas, mas a qualquer tipo de autoridade, inclusive no
âmbito jurídico63.

É do saber de todos que os tributos são regulamentados por lei específica, e devem ser
recolhidos, inclusive sendo passível de sanção a quem não o fizer.

58
“CONFISSÃO (...) em matéria civil, mais propriamente se diz o reconhecimento da verdade por outrem
alegada, feito por uma pessoa, mesmo que contrarie os seus interesses” – PLÁCIDO E SILVA; Op. Cit. – pág.
342.
59
“restituição, em acepção comum e ampla, quer exprimir a devolução da coisa ou o retorno dela ao estado
anterior. Desse modo, restituir é devolver, dar de volta, ou recolocar a coisa em mãos de seu legítimo
proprietário ou em poder de quem licitamente deve estar. Neste aspecto, a restituição funda um direito e gera
uma obrigação.” – PLÁCIDO E SILVA; Op. Cit.
60
“Arrependimento. No sentido penal, não tem outra acepção: é igualmente a desistência voluntária de praticar o
ato criminoso, não consumando o crime ou impedindo que o resultado dele se produza (...) Quando, por
arrependimento eficaz, o crime não se pratica ou se impede que se atinjam os resultados anteriormente
pretendidos, somente o agente responde pelos atos já praticados, não lhe imputando, assim, sanção pelo crime
que não chegou a executar” – PLÁCIDO E SILVA; Op. Cit. – pág. 141.
61 Lc. 19:1-10
62
“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e
as autoridades que existem foram por ele instituídas (...)”. (Rm.13:1).
63
“Porque os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal.
Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; porquanto ela é ministro de Deus para
teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador em
ira contra aquele que pratica o mal. Pelo que é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa da ira,
mas também por causa da consciência. Por esta razão também pagais tributo; porque são ministros de Deus, para
atenderem a isso mesmo. Dai a cada um o que lhe é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a
quem temor, temor; a quem honra, honra” – Rm. 13:3-7
25

No que concerne ao conceito de imposto, tem-se o que assinala Paulo de Barros


Carvalho 64:

Os tributos podem ser vinculados a uma atuação do Estado – taxas e contribuições


de melhoria – e não vinculados – impostos. (...)
Podemos definir imposto como o tributo que tem por hipótese de incidência
(confirmada pela base de cálculo) um fato alheio a qualquer atuação do Poder
Público. Tal enunciado concerta bem com a definição que o Código Tributário
Nacional nos oferece.
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação
independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

Uma vez que Tributo e Impostos são termos atrelados, cabe ressaltar que a melhor
definição para Tributo, de acordo com Geraldo Ataliba (apud Sacha Coêlho65), advém do
próprio Código Tributário Nacional, em seu Artigo 3º:

“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se


possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada”.

Quanto à obrigação de pagar impostos e tributos, afirma ainda Sacha Coêlho:

O devedor não tem escolha: seu ato, por isso que necessitado, consiste em dar
dinheiro, ou valor que nele se possa exprimir, a título de pagamento da obrigação
tributária, a qual, por definição, é pecuniária. (...) Alcidez Jorge Costa, com
brilhantismo, supera todas as teorias privatísticas que se demoram na natureza
jurídica do pagamento.
“O devedor não é livre para praticá-lo ou não; deve praticá-lo, sob pena de ser
coercitivamente conduzido a fazê-lo66.”

É dever, todavia, de se obedecer tanto às leis que nos regem quanto às autoridades que
nos são impostas – “Dai a César o que é de César” nos traduz a ideia de que devemos acatar
não somente às ordens superiores, como também às legislações impostas pelas autoridades
humanas.

Novamente, ao ser questionado sobre o pagamento de tributos, informou, ainda, ser


importante que se cumpram tais obrigações, a fim de evitar falácias e dissensões, pois, mesmo
que pareça injusto aos olhos de alguns, é um dever necessário 67.

64
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 24ª Ed. - Saraiva, 2012
65
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro – 12ª Ed. rev. e atual. – Rio de
Janeiro: Forense, 2012.
66
COÊLHO, Op. Cit., págs. 707 e 708.
67
Mt. 17:24-27.
26

4.4 Direito Internacional

Apesar de ser seguida de modo mais enfático por um povo restrito, que buscava
manter-se afastado das demais nações e povos, a Lei de Moisés requeria que os estrangeiros
fossem igualmente tratados: “A mesma lei se aplicará ao natural da terra e ao estrangeiro
residente68”.

Novamente, Jesus mostrou-se não apenas de acordo com tal lei, mas a favor da
convivência e comunicação com outros povos, quando, ao sentir sede, pediu que uma mulher
estrangeira lhe desse de beber da água, ainda que os povos de ambos não se misturassem69:
“Então, lhe disse a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou
mulher samaritana (porque os judeus não se dão com os samaritanos)?”; Jesus, então, falou
com a mulher e deu-lhe o auxílio necessário, vindo posteriormente a dialogar e se entrosar
com muitas outras pessoas do mesmo povo estrangeiro, que também O receberam.

Não Se restringindo a isto, depois de ressurreto e antes de Sua ascensão ao céu para
junto de DEUS, disse a Seus discípulos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações70”.
Posteriormente, esta questão foi levantada entre Seus discípulos, visto que muitos dentre eles
não eram favoráveis a que o Evangelho 71 fosse pregado aos de fora, mas apenas a Seus
conterrâneos. Não obstante, porém, tal afirmação foi taxativa no sentido de levar à percepção
de que não se deviam restringir a seu próprio povo, mas efetivamente buscar alcançar a todo o
mundo, sendo que hoje o resultado é perceptível.

Assim como nos diz Edgar Carlos de Amorim:

Na realidade, o homem não vive em sociedade apenas porque quer, mas tão-somente
por força das próprias circunstancias.
Não nasceu, destarte, para viver só, e sim em grupo.
Tem ele necessidades diversas tais como: alimentação, segurança, bem-estar
aprendizagem e outras tantas que somente se realizam com o seu relacionamento
com o próprio semelhante72.

Desta feita, percebe-se a importância em que se mantenham relacionamentos com


pessoas de diversos meios e em diversos países, tanto no aspecto social quanto no empresarial

68
Êx. 12:49
69
Jo. 4:9.
70
Mt. 28:19a.
71
Do grego, euangelion, ou “boas novas” (de Cristo e Sua Salvação)
72
AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado – 9ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2006
27

e demais áreas que se fizerem necessárias, a fim de que pontos em comum possam ser
encontrados e a comunicação, a convivência e as necessidades extraterritoriais, supridas.

5 O JULGAMENTO DE JESUS NO ASPECTO JURÍDICO

Por diversos motivos, muitos dentre as autoridades de Seu tempo perseguiram a Jesus;
eram visíveis os ciúmes e a inveja que causava nas autoridades 73, dado o amplo
reconhecimento que lhe era devotado, e foi esta perseguição que posteriormente culminou em
Seu julgamento. A mesma lei que ensinava e cumpria foi utilizada de forma indevida contra
Ele mesmo; mas estes motivos de fato não se encontravam nas leis que os regia, as quais por
toda Sua vida guardou, e que foram vilipendiadas; houve quebras de Mandamentos e de
muitas outras Mitzvá74, regras do povo judeu, que não apenas deixaram de ser seguidas, como
foram responsáveis pelo maior e mais conhecido julgamento que a humanidade já presenciou.

A fim de permitir uma melhor compreensão com respeito aos acontecimentos que
posteriormente serão mencionados, é importante ressaltar que o sistema jurídico do povo
judeu era composto por três fontes: o Talmud, série de ensinamentos transmitidos por meio
oral, de pai para filho; a Torá ou Pentateuco, que são os cinco primeiros livros bíblicos,
conforme já mencionado; e as Misnahs, que são espécies de súmulas editadas pelo Sinédrio 75.

5.1 A Prisão de Jesus

5.1.1 Prisão em Domicílio

Eram aproximadamente de 23 horas de uma sexta-feira de Pessach76, logo após


tomarem a Ceia77, quando estava Jesus junto a Seus discípulos no jardim do Getsêmani78,
localizado no monte das Oliveiras, conversando com Seu Pai através de oração, quando Judas,

73
Jo. 12:19
74
“Mitsvá é uma palavra hebraica que significa mandamento e conexão. Uma mitsvá é um mandamento (...).
Existem 248 Mitsvot Positivas e 365 Mitsvot Negativas, num total de 613.” - O QUE É UMA MITSVÁ?
Disponível em: <www.chabad.org.br/interativo/faq/mitsvas.html>. Acesso em: 30 mai. 2013.
75
Suprema Corte do Povo Judeu.
76
Vide nota de rodapé nº. 5
77
Última vez em que Jesus alimentou-se, “ceiou”, junto aos apóstolos.
28

o discípulo traidor, aproximou-se junto a uma “turba com espadas e porretes79” e, com um
beijo, O entregou, dando início a Seu martírio.

De acordo com a Misnah 4.1, da qual se acredita já estar vigente à época, é proibida a
formalização de qualquer ato judicial no período noturno 80, o que também está de acordo com
a legislação atual, conforme se verifica na Constituição Federal, em seu Art. 5º:

“XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”

Cabe ressaltar que, em conformidade com o Art. 150 do Código Penal Brasileiro, no
§4º, III, domicílio também é definido como “Compartilhamento não aberto ao público, onde
alguém exerce profissão ou atividade”.

O jardim das Oliveiras se situava em uma montanha arborizada e com manais de água,
local onde muitos trabalhavam na extração de frutas e recolhimento de águas e óleos,
servindo, portanto, para fins agrícolas. Apesar de haver nomeado doze apóstolos, Jesus era
constantemente seguido por ao menos 70 discípulos81, dos quais muitos trabalhavam no local,
fato que muitos desconhecem, mas que enquadra com maior propriedade a descrição supra
citada, referente ao domicílio.

Quanto a isto, preceitua ainda o Código de Processo Penal:

“Art. 283 – A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora,
respeitando as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.”

Desta forma, sacerdotes e policiais violaram o “domicílio” à noite, o que contradiz o


art. 245, CPP: “As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir
que se realizem à noite, e, antes de adentrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o
mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta”.

78
Do hebraico, “lugar do óleo”.
79
Mt. 26:47
80
Revista Visão Jurídica; Ed. Escala – Abril/2013.
81
Lc. 10:1
29

Cabe ressaltar que, do ponto de vista atual, há três detalhes que não podem fugir do
campo de visão: no caso da prisão de Jesus, não apenas houve violação de domicílio, como
não havia mandado de prisão e eram ausentes os institutos de prisão em flagrante, prisão
provisória ou ainda prisão preventiva de outras espécies, sendo que Seu caso sequer fora
investigado judicialmente.

5.1.2 Mandado de Prisão

De acordo com Capez82, Mandado de Prisão “É o instrumento escrito que corporifica a


ordem judicial de prisão”. Segundo o próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 285,
“A autoridade que ordenar a prisão fará expedir o respectivo mandado”. Ou seja, sem o
mandado, instrumento por escrito, não se poderia ordenar a prisão, e não há menções de que
este tenha sido utilizado e muito menos apresentado, o que, com base nos dias atuais,
caracterizaria nulidade, mas que, no caso em prática, não alterou a prisão ou o julgamento.

5.1.3 Prisão em Flagrante

Para suprir a necessidade do Mandado, poderia ter ocorrido prisão em flagrante; no


entanto, tal não houve, visto que, de acordo com José Frederico Marques, “flagrante delito é o
crime cuja prática é surpreendida por alguém no próprio instante em que o delinquente
executa a ação penal ilícita 83”, e Jesus não praticava qualquer crime ou mesmo ato ilícito no
momento de Sua prisão.

Não houve prisão preventiva, visto não existirem provas de efetivo crime, indícios
suficientes de autoria ou mesmo motivo que tornasse a prisão aceitável do ponto de vista
jurídico vigente no período, ou mesmo no atual.

“Art. 282 – À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em
virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, mediante ordem escrita da
autoridade competente.”

82
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal – 19ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 305.
83
CAPEZ, Op. Cit., p. 315.
30

Além disto, a prisão de Jesus se deu à noite, em data festiva, quando as famílias se
encontravam reunidas em banquetes domésticos festejando o Pessach, de modo que
dificilmente se encontrariam outras testemunhas imparciais que pudessem ter visualizado o
ocorrido.

5.1.4 Legítima Defesa de Terceiro e Circunstância Atenuante

Porém, antes que os soldados e demais presentes tomassem a Jesus, “um dos que
estavam por perto puxou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a
orelha84”. Em tal caso, em conformidade com a Legislação Brasileira atual, poder-se-ia alegar
Legítima Defesa de Terceiro, como bem explica Mirabete:

“O sujeito pode defender seu bem jurídico (legítima defesa própria) ou defender
direito alheio (legítima defesa de terceiro), pois a lei consagra o elevado sentimento da
solidariedade humana85”.

Vale ressaltar ainda que, eventualmente, algum promotor de Justiça que estivesse
atuando no caso em questão viesse a considerar Concurso de Pessoas, incriminando também a
Jesus, através de possível interpretação quanto à sua definição e prática:

Um crime pode ser praticado por uma ou várias pessoas em concurso. Pode o sujeito, isoladamente,
matar, subtrair (...), omitir socorro a pessoa ferida etc. Frequentemente, todavia, a infração penal é realizada por
duas ou mais pessoas que concorrem para o evento. Nessa hipótese, está=se diante de um caso de concurso de
pessoas, fenômeno conhecido como concurso de agentes, concurso de delinquentes, coautoria, codelinquência,
ou participação (...); basta que um dos delinquentes esteja ciente de que participa da conduta de outra para que se
esteja diante do concurso86.

Não obstante, ainda que tal ocorresse, Jesus poderia ter Sua pena atenuada, visto que,
logo após ferirem a orelha do servidor do sumo sacerdote, “tocando-lhe a orelha, o curou87”, o
que, como demonstração de ausência de dolo, poderia inclusive excluir a culpabilidade88.

84
Mc. 14:47; também em Lc. 22:50.
85
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP – 29ª Ed. Rev. e
Atual.; Editora Atlas, 2004; pág. 185.
86
Ibid., p. 225 e 226.
87
Lc. 22:51.
88
“a culpabilidade exige o dolo ou a culpa, que são elementos psicológicos presentes no autor, e a
reprovabilidade, um juízo sobre o fato (...)” – MIRABETE; Julio Fabbrini. Op. Cit., pág. 196.
31

É também circunstância atenuante ter o agente procurado por sua espontânea vontade e com eficiência,
logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano (art.
65, III, b). São casos de arrependimento ativo do agente que, espontaneamente e com resultados apreciáveis,
diminui os efeitos do crime ou repara o dano causado pelo delito. Na primeira hipótese, pode o réu reparar o
89
dano até o julgamento .

Em tal caso, poderia haver até mesmo nulidade da pena, visto não haver mais o objeto
razão da mesma; contudo, Jesus, ainda que presente no local e por terem agido de tal forma a
fim de livrá-Lo, não poderia por isto ser condenado, uma vez que não concorreu para a
efetuação do crime praticado.

5.1.5 Denúncia Formal

Apesar de ter consciência prévia, e ter informado que o traidor viria, Jesus fez-se de
rogado e questionou: “Amigo, para que vieste?”, demonstrando calma, humildade e paciência.
Ainda assim, aproximaram-se os que com Judas vieram e O prenderam, sem ao menos constar
denúncia formal, sequer sendo efetivamente informado do motivo pelo qual era acusado.

O conceituado Juiz da Suprema Corte de Israel Haim Cohn encontrou outra


ilegalidade na prisão de Jesus. Ele discorre:
“No Evangelho de João encontramos uma corroboração impressionante: os
patrocinadores judeus que efetuaram a prisão são ali apresentados como oficiais dos
sacerdotes, mas os únicos oficiais competentes para tal feito eram os oficiais da
polícia do Templo90”.

“Arquivos históricos lecionam que era terminantemente proibido aos judeus portarem
armas durante a Páscoa (Pessach) e na prisão de Jesus escravos e policiais judeus
empunhavam armas91”.

Portanto, além de estarem em pleno desacordo com as regras básicas para a efetuação
de prisões, pessoas diversas foram prendê-lo, tanto soldados romanos quanto sacerdotes e
escravos, anciões e muitos outros92.

89
Ibid., p. 308.
90
Revista Visão Jurídica; Ed. Escala – Abril/2013.
91
Revista Visão Jurídica, Op. Cit.
92
Mt. 26:55.
32

5.1.6 Condução Coercitiva

Tão logo se retiraram do Getsêmani, levaram Jesus à casa de Caifás, sumo sacerdote93,
onde se encontravam reunidas diversas pessoas94.

É assegurada, na legislação de nossos dias, a condução coercitiva, em que “pode a


vítima ser conduzida coercitivamente à presença do juiz para dar suas declarações, não
somente porque a sua oitiva, como já afirmado, é essencial para a busca da verdade real,
como, também, pelo fato de que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário (art.
201, §1º, CPP) 95”.

No entanto, supondo-se que fosse considerado o flagrante (o que não ocorreu,


conforme já mencionado), não é necessário grande saber jurídico para ter ciência de que a
residência de um indivíduo não é o local apropriado para se levar um preso a julgamento; a
pessoa deve ser conduzida ao distrito policial para que seja lavrado o auto de prisão em
flagrante, o que não ocorreu com Jesus.

5.2 O Julgamento de Jesus

5.2.1 Uso de “Algemas”

Obviamente, não existiam as algemas que hoje se conhece. No entanto, em casos de


alta periculosidade ou de grande clamor público, também era comum96, muitas vezes, a
utilização de cordas ou outros métodos para prender ou levar os indivíduos para outros
lugares, tal como ocorreu com Jesus: “(...) e, amarrando-o, levaram-no e o entregaram ao
governador Pilatos” (Mateus 27:2, RA).

A questão do uso de algemas ainda hoje tem sido objeto de debate:

A discussão acerca do emprego de algemas é bastante calorosa, por envolver a


colisão de interesses fundamentais para a sociedade, o que dificulta a chegada a um
consenso sobre o tema (...) O emprego de algemas, portanto, representa importante
instrumento na atuação prática policial, uma vez que possui tríplice função/;
93
Principal líder religioso dos judeus e presidente do Sinédrio..
94
Mt. 26:57
95
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal; 9ª Ed. rev., atual. e ampl. –
Revista dos Tribunais: 2012 – p. 458.
96
Jz. 15:10, 12 e 13; 16:7 e 21; II Cr. 33:11 e outros.
33

proteger a autoridade contra a reação do preso; garantir a ordem pública ao


obstaculizar a fuga do preso; e até mesmo tutelar a integridade física do próprio
preso, a qual poderia ser colocada em risco com a sua posterior captura pelos
policiais em caso de fuga (...). Muito embora essa tríplice função garanta a
segurança pública e individual, tal instrumento deve ser utilizado com reservas, pois,
se desviado de sua finalidade, pode constituir drástica medida, com caráter punitivo,
vexatório, ou seja, nefasto meio de execração pública, configurando grave atentado
ao princípio constitucional da dignidade humana97.

Jesus não oferecia perigo algum e, neste quesito, não haveria qualquer preocupação
que levasse aqueles que O prendiam a manietá-Lo, o que leva a supor que o motivo pelo qual
o fizeram tenha derivado da intenção vexatória a que estavam intencionados.

5.2.2 Testemunhas e Falso Testemunho

Encontravam-se no local os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio, conselho dos


principais líderes do povo judeu, os quais buscavam quem pudesse testemunhar falsamente
contra Jesus, a fim de condená-Lo à morte.

Após algum tempo, apresentaram-se duas falsas testemunhas98, as quais deveriam


estar em conformidade quanto ao mínimo constante na Lei Mosaica, descrita em
Deuteronômio 15:19 (NVI), que diz: “Uma só testemunha não é suficiente para condenar
alguém de algum crime ou delito. Qualquer acusação precisa ser confirmada pelo depoimento
de duas ou três testemunhas”.

O próprio Jesus, tempos antes, havia ratificado a necessidade de obedecer aos


Mandamentos, reiterando conjuntamente o dever de não apresentar falso testemunho:

Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre, que farei de bom
para ter a vida eterna?” Respondeu-lhe Jesus: “Por que você me pergunta sobre o
que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos
mandamentos”. “Quais?”, perguntou ele. Jesus respondeu: “Não matarás, não
adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho (...)”.

Hoje em dia, “Não prevalece mais, em nosso ordenamento, o princípio, segundo o


qual um único testemunho é considerado de nenhuma validade (testis unus testis nullus).
Tudo depende, portanto, da credibilidade que ele transmitir ao juiz, dentro do seu livre
convencimento fundamentado99”.

97
CAPEZ, Op. Cit., p. 305.
98
Mt. 26:59, 60; Mc. 14:55-57.
34

No entanto, a repulsa ao Falso Testemunho ainda persiste no corpo do Art. 342 do


Código Penal:

Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito,


contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito
policial, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

Isto posto, independente da quantidade de testemunhas arroladas, é de suma


importância que estas venham a arguir com a veracidade de suas afirmações.

5.2.3 Acusações

Jesus foi acusado de diversos100 crimes e infrações junto a Seu povo, como, por
exemplo: Possessão, blasfêmia, loucura, conduta duvidosa, devassidão, ser contra a lei e
outros101. Os mais destacados pelos acusadores foram o de subversão 102, recusa ao pagamento
de impostos103 e a autonomeação como Rei104, sendo este último, inclusive, grafado em
idiomas diversos na epígrafe de Sua cruz105.

No entanto, o real motivo de O terem entregado para julgamento se deveu ao fato de


que aqueles que eram considerados superiores entre o povo não Lhe podiam competir em
Seus ensinos, Sua vida, as boas novas da salvação, que traziam esperança aos até então
perdidos, as curas que realizava e o fato de ser o Messias, o que muitos, embora intimamente
admitissem106, não o afirmavam, temendo perder suas posições frente aos homens.

5.2.4 Interrogatório

O interrogatório é peça chave em um julgamento, sendo utilizado sempre que possível


e necessário; e o mesmo se deu no julgamento de Jesus.

99
NUCCI, op. Cit., p. 464.
100
Mc. 15:3.
101
Mt. 12:24-39; Mc. 3:20-22; 31-35; Mt. 26:63-65; Lc. 7: 36; 39; 40-50; Jo. 7:10; Jo. 7:12; Jo. 2:13-22; Mt.
11:16-19; Mt. 11:19; Mt. 12:1-8; Mc. 2:23-28.
102
Art. 2º, “IV - subverter, por meios violentos, a ordem política e social, com o fim de estabelecer ditadura de
classe social, de grupo ou de indivíduo”; LEI Nº 1.802, DE 5 DE JANEIRO DE 1953; Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm>. Acesso em: jun. 2013.
103
A este respeito, vide o Item 4.3
104
Lc. 23:2.
105
Lc. 23:38.
106
Jo. 19:38; Jo. 3:1, 2; Mc. 5:22.
35

“Há de se destacar que o interrogatório do réu, na presença dos jurados, enaltece o princípio da
oralidade e, via de consequência, os princípios da imediatidade e da identidade física do juiz, vigentes nesta fase
107
do julgamento pelo Tribunal do Júri. A sua ausência constitui nulidade absoluta ”.

Ao interrogar a Jesus, contudo, julgando com base no Direito Romano, sob o qual os
judeus também estavam, Pilatos não considerou como criminosas as imputações a Ele
dirigidas, declarando: “Não vejo neste homem crime algum 108”.

Receosos de que seus planos fossem frustrados, foi baseando-se ainda no Direito
Romano que O acusaram de induzir o povo ao não pagamento de impostos e Se
autodenominar rei, o que, mesmo tendo sido refutado por Pilatos, que novamente alegou não
ter encontrado crime algum, culminou na acusação de praticar rebelião com o povo.

5.2.5 “Direito ao Silêncio” – Não Produção de Provas Contra Si Mesmo

Durante os interrogatórios a que foi submetido, por diversas vezes Jesus utilizou-se do
“direito ao silêncio”, não se expondo a produzir eventuais provas contra Si mesmo, por
exemplo, quando o sumo sacerdote questionou: “Você não vai responder à acusação que estes
lhe fazem?” Posteriormente, utilizou-se do mesmo em outras ocasiões, como Mt. 26:62, 63a:
“E, levantando-se o sumo sacerdote, perguntou a Jesus: Nada respondes ao que estes depõem
contra ti? Jesus, porém, guardou silêncio”, ou Mt. 27:14: “Jesus não respondeu nem uma
palavra, vindo com isto a admirar-se grandemente o governador”.

Apesar da insistência em que Jesus, O acusado, respondesse às diversas questões que


eram feitas, Ele se negou. Hoje, tal direito é previsto em nossas leis.

A lei processual estabelece ao acusado a possibilidade de confessar, negar, silenciar


ou mentir. Conforme a nova redação do art. 186, determinada pela Lei n.
10.792/2003, “depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da
acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do
seu direito de permanecer calado e de não responder perguntar que lhe forem
formuladas”. O seu parágrafo único, acrescentado também pela referida lei, dispõe
que: “O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em
prejuízo da defesa109”.

Portanto, não se poderia interpretar como confissão a ausência de resposta.

107
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 784.
108
Lc. 23:4; vide ainda versos 14 e 20.
36

5.2.6 Confissão

Contudo, o sumo sacerdote, tal qual as demais autoridades de Seu povo, intentava pôr
fim à Sua vida, de modo que insistiu: “Exijo que você jure pelo Deus vivo: se você é o
Cristo110, o Filho de Deus, diga-nos”; ao que, a fim de eximir-se da confissão, respondeu-lhe:
“Tu o disseste111”. Em Sua resposta, porém, aduziu que, em breve, estaria à direita do
Poderoso, e viria sobre as nuvens do céu.

“(...) a possibilidade de ser levado em conta o silêncio do réu para a formação do convencimento do
magistrado, não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que, expressamente, conferiu ao réu a
112
possibilidade de manter-se calado (art. 5º, LXIII), sem estabelecer qualquer consequência dessa opção ”.

Apesar de não haver diretamente admitido, foi tido como blasfemo em Sua afirmação,
sendo condenado como se fora réu confesso.

5.3 Júri Popular e Nulidades

Em termos gerais, o Julgamento de Jesus em pouco se assemelhou ao júri popular


atualmente realizado, exceto pelo fato de que não foi um juiz quem O condenou, e sim os
“jurados” que lá se encontravam, de modo que, salvo em outras pequenas equiparações, não
foi realizado da forma devida. Comparativamente, não houve também a observância de
diversos procedimentos atualmente adotados.

Ao contrário, sequer a ordem e organização requeridas no Judiciário foram


observadas, e tamanhas eram a balbúrdia e a confusão, que levaram o próprio julgador a
abandonar o “plenário”, deixando o acusado nas mãos dos “jurados” e da plateia presente:

Então perguntou o governador: “Qual dos dois vocês querem que eu lhes solte?”
Responderam eles: “Barrabás!”. Perguntou Pilatos: “Que farei então com Jesus,
chamado Cristo?” Todos responderam: “Crucifica-o!”. “Por quê? Que crime ele
cometeu?”, perguntou Pilatos. Mas eles gritavam ainda mais: “Crucifica-o!”.
Quando Pilatos percebeu que não estava obtendo nenhum resultado, mas, ao
contrário, estava se iniciando um tumulto, mandou trazer água, lavou as mãos diante

109
CAPEZ, Op. Cit., p. 428
110
Pouco a pouco, a nomenclatura “Cristo” adquiriu o sentido de nome próprio. Unido a Jesus, deu a forma de
Jesus Cristo, ainda que inicialmente fosse apenas o equivalente ao hebraico Messias; Título derivado de uma
palavra grega que significa “ungido”, “consagrado”.
111
Mt. 26:64; ou em Lc. 22:70, “Vós dizeis que eu sou”.
112
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 452.
37

da multidão e disse: “Estou inocente do sangue deste homem; a responsabilidade é


de vocês113”.

“Se algum ato for praticado, desrespeitada a forma legal, desde que se trate de
formalidade essencial à sua existência e validade, a nulidade deve ser reconhecida 114”. O júri
realizado não apenas deveria ter sido considerado nulo, como sequer deveria ter-se iniciado,
visto que desde o início os procedimentos necessários não foram obedecidos.

Segundo a lei judaica, equiparar-se a DEUS era uma blasfêmia, e os blasfemos eram
réus de morte. Ainda que não houvesse Se equiparado a ELE, mas apenas houvesse Se
autonomeado SEU Filho, as afirmações alegadas, somadas à intenção daqueles que O
acusavam, fizeram com que o sumo sacerdote, conforme o costume judaico e em
demonstração de espanto e revolta, rasgasse suas vestes, dizendo: “Blasfemou! Por que
precisamos de mais testemunhas? Vocês acabaram de ouvir a blasfêmia”.

5.3.1 Voto Secreto

Vale ressaltar que outros dois preceitos hoje existentes no Júri Popular foram
demasiadamente desrespeitados: primeiramente, não houve votação secreta. O público arguia
a plenos pulmões o voto que acatavam, sem qualquer intercorrência. Em segundo lugar, não
apenas deixou de haver votação secreta e formal, como se ressalta o impedimento de os
jurados manifestarem ou demonstrarem suas opiniões durante o julgamento, o que não
ocorreu, visto que as autoridades não apenas o fizeram, como, desta forma, incentivaram os
demais a condenar ar Jesus e, apesar de tais autoridades serem respeitadas e reconhecidas
entre o povo, não eram os responsáveis pelo julgamento, sendo impedidas de condená-Lo ou
absolvê-Lo segundo suas vontades, mesmo porque, ainda que não o fossem e efetivamente
respondessem judicialmente pelo plenário, não há a utilização da livre convicção do juiz em
júris, no sentido de proceder com a condenação, à exceção da estipulação da pena.

Analisando-se o ocorrido, percebe-se que houve grande comoção popular em virtude


da influência que as autoridades exerceram sobre o povo115, tal como ocorre atualmente com
relação à mídia, que direciona o povo a determinado pensamento. Muitos opinaram em meio à

113
Mt. 27:21-24.
114
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 842.
115
Mt. 27:20.
38

balbúrdia, talvez sem ao menos saber de quais crimes estaria Jesus sendo acusado, ou mesmo
quem era O acusado, mas apenas manifestaram suas opiniões em conformidade com o que
alegavam, dando crédito às palavras daqueles que a seus ânimos atiçaram.

5.3.2 Ampla Defesa e Duplo Grau de Jurisdição

Jesus não tinha um advogado, ou quem, entre os homens, por Ele pudesse interceder.
Não Lhe foi possível utilizar-se, portanto, do Princípio da Ampla Defesa, que “assegura a toda
pessoa acusada de infração penal o direito de se defender pessoalmente e por meio de um
defensor constituído ou nomeado pela Justiça (...) 116”.

O direito à ampla defesa está previsto na Constituição Federal de 1988 no seu artigo
5º, LV, aduz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes”. Não obstante, a Jesus foi dada apenas a pena que sem maiores
formalidades Lhe imputaram, sem poder se defender, inclusive devido ao consenso 117 já
formado.

Também foi negada a possibilidade de revisão, por via de recurso, da causa julgada,
em que “Tem a parte o direito de buscar o reexame da causa por órgão jurisdicional superior
(...). A garantia do duplo grau de jurisdição 118 é, sem dúvida, princípio básico do processo
penal119”, que visaria impedir a tomada de uma decisão equivocada ou injusta, causadora de
danos à parte (Dt. 17:8-10).

Ainda que Jesus tenha sido enviado de Pilatos para Herodes, e posteriormente
retornado para Pilatos, isto não implicaria em alguma espécie de revisão criminal, pois foi
encaminhado de um para o outro120 por serem de jurisdições distintas, e por não quererem se
manifestar quanto ao caso, visto que gerava tanta polêmica que poderia ser prejudicial a
algum dos envolvidos. Em todo o tempo, tanto um quanto o outro não encontraram crime que
justificasse a morte, mas, ainda assim, O deixaram às mãos do povo, para ser crucificado.

116
CAPEZ, Fernando. Op. Cit., pág. 66.
117
Mt. 27:1.
118
Lc. 23:8-12.
119
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit., p. 107.
120
Mt. 27:2.
39

6 SENTENÇA E TORTURA

6.1 Pena

Enquanto atiçava a multidão, um dos acusadores questionou ao povo o que achavam:


“É réu de morte!121”, responderam eles; e, pela manhã, os chefes dos sacerdotes e líderes
religiosos do povo tomaram a decisão de condenar Jesus à morte.

Historiadores da época afirmam que o governo de Pilatos estava com baixa


popularidade, por este motivo Pilatos acabou cedendo ao clamor popular,
entregando Jesus para ser crucificado. Não obstante, Pilatos tinha deveres políticos e
devia manter a ordem social, sendo de sua alçada cuidar daqueles que eram uma
ameaça ao Império Romano122.

A sentença proferida não se reteve à simples Pena de Morte. Muito mais do que isto, a
morte decretada se daria por meio da Crucificação, o que era considerado como maldição
pelos judeus, conforme Deuteronômio 21:23: “(...) o que for pendurado no madeiro é maldito
de DEUS (...)”. Desta forma, agravou-se o desprezo por parte dos algozes de Jesus, que, de
modo desumano e perverso, O torturaram ao extremo.

6.2 Escárnio, Tortura e Execução da Pena

Jesus já tinha consciência do sofrimento a que seria submetido, o qual, por este
motivo, inicia-se antes mesmo de Sua prisão. O Dr. David Acuna123 o descreve do ponto de
vista clínico, tanto durante o período em que Jesus se encontrava no Getsêmani quanto rumo
ao Calvário 124, o que é confirmado pelo relato do médico francês e ex-cirurgião-chefe do
Hospital de São José, em Paris, Dr. Pierre Barbet125, o qual fornece descrições ainda mais
minuciosas quanto a todo o ocorrido.

121
Mt. 26:67
122
Revista Jurídica da UNIFIL – O Processo e Julgamento de Jesus Cristo – pág. 94
123
ACUNA, Dr. David - A CRUCIFICAÇÃO UMA PERPECTIVA MÉDICA; Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=z-8jYkNip9A#!>. Acesso em: 9 jun. 2013.
124
Do aramaico, “Gólgota”, “Lugar da Caveira”. Nome dado a uma coluna próxima ao local em que Jesus foi
crucificado.
125
SOFRIMENTO DE JESUS; Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=yV1Tn10YYTE>. Acesso
em: 9 jun. 2013.
40

Enquanto é levado à prisão, “alguns lhe cuspiram no rosto e lhe deram murros. Outros
lhe davam tapas e diziam: “Profetiza-nos, ó Cristo, quem é que te bateu!126”, escarnecendo
dEle.

ESCARNIO
Escarnecer é zombar, ridicularizar, achicalhar, de tal forma que se ofenda a uma
pessoa.
É necessário que a zombaria seja motivada por crença ou pelo exercício de função
religiosa. Crença religiosa é a fé, a convicção que a pessoa tem a respeito de uma
doutrina religiosa, acreditando em seus mistérios e aceitando seus ensinamentos.
Função religiosa é exercida por quem celebra cultos ou participa de organizações
religiosas. É a atividade de padres, freiras, rabinos, pastores, ou seja, a de pessoas
que executam missões religiosas.
O escárnio deve ser público, i. e., a zombaria deve ser praticada na presença de
várias pessoas ou com a utilização de meios que a divulguem (por meio de imprensa,
p. ex.). Exige-se, pois, a publicidade do ato, prescindindo-se da presença do
ofendido.
A ofensa deve ser dirigida a pessoa determinada e não a grupos religiosos. Dessa
forma, a zombaria dirigida a umbandistas ou a católicos em geral não configura o
crime. Do mesmo modo, se destinada a padres ou pastores em geral. É preciso que
seja formulada contra crente ou ministro em particular127.

Ainda antes de ser crucificado, a fim de aprofundarem Seu martírio e O


ridicularizarem, os soldados que por Ele responderam tiraram-Lhe as vestes e nEle puseram
um manto vermelho; em Sua cabeça, colocaram uma coroa de espinhos, e deram-Lhe uma
espécie de vara ou cajado na mão direita, a fim de escarnecerem 128 dEle, zombando: “Salve,
rei dos judeus!”; e, tirando a vara, davam com ela em Sua cabeça129. Assim dá-se continuação
à tortura já anteriormente mencionada.

A Lei Nº 9.455, de 7 de Abril de 1997, define os crimes de tortura:


Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental (...)
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

O art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU dispõe que


"ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante". Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José
de Costa Rica), em seu artigo 5º, afirma: "ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas

126
Mt. 26:67
127
JESUS, Damásio E. de. Op. Cit., pág. 427
128
Mc. 15:20.
41

ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada
com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano". No entanto, é a Convenção da
ONU sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, de
10.12.1984, em seu artigo 1º, que traz o efetivo conceito de tortura:

Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são
infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa,
informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa
tenha cometido, ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa
ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer
natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário
público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com
seu consentimento ou aquiescência.

Faz recordar o filme “Paixão de Cristo”, dirigido por Mel Gibson, a descrição do Dr.
Barbet quanto à tortura e aos sofrimentos físicos sofridos por Jesus, com base nas descrições
bíblicas e históricas. Através de sua leitura, ainda que seja extensa, é possível ter maior
compreensão quanto ao suplício enfrentado, conforme se verifica:

Jesus entrou em agonia no Getsêmani e seu suor tornou-se como gotas de sangue a
escorrer pela terra130. O único evangelista que relato o fato é um médico, Lucas. E o
faz com a decisão de um clínico. O suar sangue, ou "hematidrose", é um fenômeno
raríssimo. É produzido em condições excepcionais: para provocá-lo é necessário
uma fraqueza física, acompanhada de um abatimento moral violento causado por
uma profunda emoção, por um grande medo.
O terror, o susto, a angústia terrível de sentir-se carregando todos os pecados dos
homens devem ter esmagado Jesus 131. Tal tensão extrema produz o rompimento das
finíssimas veias capilares que estão sob as glândulas sudoríparas, o sangue se
mistura ao suor e se concentra sobre a pele, e então escorre por todo o corpo até a
terra (...) Pilatos cede (aos pedidos de condenação), e então ordena a flagelação132 de
Jesus133. Os soldados despojam Jesus e o prendem pelo pulso a uma coluna do pátio.
A flagelação se efetua com tiras de couro múltiplas sobre as quais são fixadas
bolinhas de chumbo e de pequenos ossos.
Os carrascos (...) Golpeiam com chibatadas a pele, já alterada por milhões de
microscópicas hemorragias do suor de sangue. A pele se dilacera e se rompe; o
sangue espirra. A cada golpe Jesus reage em um sobressalto de dor. As forças se
esvaem; um suor frio lhe impregna a fronte, a cabeça gira em uma vertigem de
náusea, calafrios lhe correm ao longo das costas. Se não estivesse preso no alto pelos
pulsos, cairia em uma poça de sangue (...) Com longos espinhos, mais duros que
aqueles da acácia, os algozes entrelaçam uma espécie de capacete134 e o aplicam
sobre a cabeça. Os espinhos penetram no couro cabeludo fazendo-o sangrar (...)
Colocam sobre os ombros de Jesus o grande braço horizontal da Cruz; pesa uns
cinquenta quilos. A estaca vertical já está plantada sobre o Calvário. Jesus caminha
com os pés descalços pelas ruas de terreno irregular, cheias de pedregulhos. Os
soldados o puxam com as cordas. O percurso, é de cerca de 600 metros. Jesus,
fatigado, arrasta um pé após o outro, e frequentemente cai sobre os joelhos. Os

129
Mt. 27:28-31.
130
Lc. 22:44.
131
Is. 53:4-7.
132
Dt. 25:2
133
Lc. 23:22; Mc. 15:15; Mt. 27:26.
134
Mc. 15:17.
42

ombros de Jesus estão cobertos de chagas. Quando ele cai por terra, a viga lhe
escapa, escorrega, e lhe esfola o dorso.
Sobre o Calvário tem início a crucificação. Os carrascos despojam o condenado, mas
a sua túnica está colada nas chagas e tirá-la é atroz (...) Cada fio de tecido adere à
carne viva: ao levarem a túnica, se laceram as terminações nervosas postas em
descoberto pelas chagas. Os carrascos dão um puxão violento (...)
O sangue começa a escorrer. Jesus é deitado de costas, as suas chagas se incrustam
de pedregulhos. Depositam-no sobre o braço horizontal da cruz. Os algozes tomam
as medidas. Com uma broca, é feito um furo na madeira para facilitar a penetração
dos pregos; horrível suplício! Os carrascos pegam um prego (um longo prego
pontudo e quadrado), o apoiam sobre o pulso de Jesus, com um golpe certeiro de
martelo o plantam e o rebatem sobre a madeira (...) No mesmo instante o seu pólice,
com um movimento violento se posicionou opostamente na palma da mão; o nervo
mediano foi lesado. Pode-se imaginar aquilo que Jesus deve ter provado; uma dor
lancinante, agudíssima, que se difundiu pelos dedos, e espalhou-se, como uma
língua de fogo, pelos ombros, lhe atingindo o cérebro. Uma dor mais insuportável
que um homem possa provar, ou seja, aquela produzida pela lesão dos grandes
troncos nervosos. De sólido provoca uma síncope e faz perder a consciência. Em
Jesus não (...) Ao contrário (...), o nervo foi destruído só em parte: a lesão do tronco
nervoso permanece em contato com o prego: quando o corpo for suspenso na cruz, o
nervo se esticará fortemente como uma corda de violino esticada sobre a cravelha. A
cada solavanco, a cada movimento, vibrará despertando dores dilacerantes. Um
suplício que durará três horas135.
O carrasco e seu ajudante empunham a extremidade da trava; elevam Jesus,
colocando-o primeiro sentado e depois em pé; consequentemente fazendo-o tombar
para trás, o encostam na estaca vertical. Depois rapidamente encaixam o braço
horizontal da cruz sobre a estaca vertical. Os ombros da vítima esfregaram
dolorosamente sobre a madeira áspera. As pontas cortantes da grande coroa de
espinhos o laceraram o crânio. A pobre cabeça de Jesus inclinou-se para frente, uma
vez que a espessura do capacete o impedia de apoiar-se na madeira. Cada vez que o
mártir levanta a cabeça, recomeçam pontadas agudíssimas.
Pregam-lhe os pés. Ao meio-dia Jesus tem sede136. Não bebeu desde a tarde anterior
(...) A garganta, seca, lhe queima, mas ele não pode engolir. Tem sede. Um soldado
lhe estende sobre a ponta de uma vara, uma esponja embebida em bebida ácida 137,
em uso entre os militares. Tudo aquilo é uma tortura atroz. Um estranho fenômeno
se produz no corpo de Jesus. Os músculos dos braços se enrijecem em uma
contração que vai se acentuando: os deltoides, os bíceps esticados e levantados, os
dedos se curvam. Se diria um ferido atingido de tétano, presa de uma horrível crise
que não se pode descrever. A isto que os médicos chamam tetania, quando os
sintomas se generalizam: os músculos do abdômen se enrijecem em ondas imóveis,
em seguida aqueles entre as costelas, os do pescoço, e os respiratórios. A respiração
se faz, pouco a pouco, mais curta. O ar entra com um sibilo, mas não consegue mais
sair. Jesus respira com o ápice dos pulmões. Tem sede de ar: como um asmático em
plena crise, seu rosto pálido pouco a pouco se torna vermelho, depois se transforma
num violeta purpúreo e enfim em cianótico.
Jesus atingido pela asfixia, sufoca. Os pulmões cheios de ar não podem mais
esvaziar-se. A fronte está impregnada de suor, os olhos saem de órbita. Que dores
atrozes devem ter martelado o seu crânio! Mas o que acontece? Lentamente com um
esforço sobre-humano, Jesus tomou um ponto de apoio sobre o prego dos pés.
Esforçando-se a pequenos golpes, se eleva aliviando a tração dos braços. Os
músculos do tórax se distendem. A respiração se torna mais ampla e profunda, os
pulmões se esvaziam e o rosto recupera a palidez inicial. Porque este esforço?
Porque Jesus quer falar: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” 138.

135
Lc. 23:44.
136
Jo. 19:28.
137
Jo. 19:29.
138
Lc. 23:34.
43

Logo em seguida o corpo começa afrouxar-se de novo, e a asfixia recomeça. Foram


transmitidas sete frases pronunciadas por ele na cruz: cada vez que quer falar, deverá
elevar-se tendo como apoio o prego dos pés, inimaginável!
Enxames de moscas, grandes moscas verdes e azuis, zunem ao redor do seu corpo;
irritam sobre o seu rosto, mas ele não pode enxotá-las. Pouco depois o céu
escurece139, o sol se esconde: de repente a temperatura se abaixa. Logo serão três da
tarde. Jesus luta sempre: de vez em quando se eleve para respirar. A asfixia
periódica do infeliz que está destroçado. Uma tortura que dura três horas. Todas as
suas dores, a sede, as cãibras, a asfixia, o latejar dos nervos medianos, lhe
arrancaram um lamento: "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?140". Jesus
grita: "Tudo está consumado!141". Em seguida num grande brado disse: "Pai, nas
tuas mãos entrego o meu espírito142"; e morre143.

6.3 Recursos

Para aqueles que se sentirem lesados de seus direitos, existe a possibilidade de recorrerem.
Conforme descreve Capez:

Recurso é a providência legal imposta ao juiz ou concedida à parte interessada,


consistente em um meio de se obter nova apreciação da decisão ou situação
processual, com o fim de corrigi-la, modificá-la ou confirmá-la. Trata-se do meio
pelo qual se obtém o reexame de uma decisão144.

Ainda assim, mesmo que houvesse diversos motivos para que recorressem da sentença
proferida contra Jesus, isto não se tornou viável ou mesmo possível, uma vez que tudo
ocorreu de modo rápido e repentino, além de não terem sido observados os preceitos
requeridos.

139
Lc. 23:44.
140
Mc.15:34.
141
Jo. 19:30.
142
Lc. 23:46.
143
COMO MORREU JESUS; Disponível em:
<http://www.istoe.com.br/reportagens/929_COMO+MORREU+JESUS>, e A MORTE DE JESUS; Disponível
em: <http://www.jesusvoltara.com.br/meditar/18_morte_jesus.html> . Acesso em 9 jun. 2013.
144
CAPEZ, Op. Cit., p. 741.
44

CONCLUSÃO

A religião é a base do ordenamento jurídico existente ainda em nossos dias, mesmo


que de modo indireto. Foi através dos primeiros códigos, dentre os quais grande parte adveio
de expressões da vontade divina, que chegamos às legislações atuais. Podemos encontrar, na
Bíblia, o direito hebreu, que contém as leis por DEUS concedidas, e a história da vida de
Jesus e Seu proceder quanto a essas, os quais, em conjunto, servem de base para o tema desta
monografia.
Jesus não somente viveu de acordo com as Leis apresentadas aos homens no Sinai,
como também as ensinou durante todo Seu ministério terrestre, as quais abrangem as mais
diversas áreas do Direito, e que em boa parte ainda vigoram, sendo também passivo das leis
romanas, que dominavam os povos de Sua época.
Em equiparação com o Direito Moderno Brasileiro, a presente obra demonstrou que
Jesus foi vítima do desprezo e da não utilização correta das referidas leis, as quais o levaram a
ser o alvo do principal julgamento de toda a história. O assassinato de Jesus não apenas foi
uma afronta à Sua vida e dignidade, pelo ponto de vista jurídico, como também uma falha
imperdoável cometida contra Si e contra a Sociedade, e que até hoje mancha ainda mais a já
tão conturbada imagem do Judiciário e dos demais mecanismos de defesa da Justiça em todas
as épocas.
Jesus, ainda que pudesse pedir a DEUS que O livrasse de tudo o que suportou, buscou
cumprir o que desde o princípio havia sido determinado145, permitindo-Se passar por todo este
martírio visando um bem maior, visto que não morreu para pagar por Seus próprios erros, mas
para conceder a absolvição a todos aqueles que O aceitassem.
A relação de Jesus com as Leis e a Justiça não terminou por aqui. “Agora, temos a
Jesus como nosso advogado junto ao Pai146”; e, por mais que se descrevesse tudo o que Jesus
viveu e passou, em harmonia com as Leis de Seu pai e por meio delas tomando sobre Si a
culpa e a consequência dos erros da humanidade, “creio eu que nem no mundo inteiro
caberiam os livros que seriam escritos147“.

145
Mt. 26:53 e 54 – “Você acha que eu não posso pedir a meu Pai, e ele não colocaria imediatamente à minha
disposição mais de doze legiões de anjos? Como então se cumpririam as Escrituras que dizem que as coisas
deveriam acontecer desta forma?” e Lc. 24:44 – “E disse-lhes: “Foi isso que eu lhes falei enquanto ainda estava
com vocês: Era necessário que se cumprisse tudo o que a meu respeito está escrito na Lei de Moisés, nos
Profetas e nos Salmos”.
146
I Jo. 2:1.
147
Jo. 21:25.
45

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