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1. Notas Apologéticas I
2. Notas Apologéticas II
3. Sobre a Igreja
4. Velho Testamento na Igreja
5. Comunhão com os Santos
6. O Mundo Espiritual
7. A Glorificação de Santos
8. Colaboradores de Deus
Notas Apologéticas
Parte 1.
Arquipresbítero Padre Michael Pomazansky
Conteúdo: Sinais do alto. A alma estende-se para Deus. Religião — alegria. Deus —
um assunto não para debate. Fé. Lobos mentais. Quando não há ninguém a quem
agradecer. A vida existe? Integridade da vida e visão do mundo. Mistério na experiência
da vida. Sobriedade da alma. Forças da natureza. Chama de uma chama. Ateísmo. O
mundo — reflexo da Graça de Deus. Vida. O que o maligno enuncia no mundo. Além
da cortina do que é visível. Julgamentos de Deus. Triuno, Deus Trinitário. Então a fé é a
base da vida. Para aqueles que dizem: "Eu não vejo Deus."
Sinais do alto.
"Minha alma tem sede de Ti; minha carne anseia por Ti numa terra seca
e sedenta onde não há água: sem Ti, uma sede espiritual me tortura."
"Minha alma anseia, sim, até desfalece pelas cortes do Senhor; meu
coração e minha carne gritam pelo Deus vivo."
Religião — alegria.
Em qualquer sistema filosófico, pode sempre existir algum pessimismo em sua base.
No entanto, na base religiosa, sempre existiu e existirá um sentimento de alegria. Não
importa quão distorcidas certas religiões são (tendo mudado a verdade de Deus com
mentiras — reverenciando criaturas ao invés de Deus), elas, no entanto, foram todas
expressões de alegria pela vida. Foi a natureza decaída do homem que, com freqüência
que a arrastou para formas cruas e básicas de expressão. É totalmente natural que o
contentamento puro pela beleza da natureza, por pessoas sensíveis, evoque hinos de
louvor a Deus.
Essa é a razão pela qual uma discussão sobre Deus em Si deve ser breve. O que
podemos dizer da natureza de Deus e de Seus atributos? Nossa conversa sobre Deus
deve ser elevada, extremamente prudente, modesta, direta, breve e sem filosofar. A
piedade nos chama para evitar o uso freqüente do nome de Deus nas conversas do dia-a-
dia: "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão:" (Ex. 20:7). Nos tempos antigos
os judeus evitavam até mesmo escrever o nome principal de Deus — Jeová —
substituindo-o por símbolos, ou se referindo a Ele com um nome comum, Senhor. Essa
atitude estava em total harmonia com os Mandamentos, e tendo nossa mente e todo ser
espiritual preenchidos com veneráveis pensamentos a respeito de Deus.
Mas mesmo assim é requerida fé. Assim como é requerida fé para se conhecer Deus,
Sua grandeza, e Sua incompreensível natureza, também é requerida fé para se ver e
reconhecer Deus em Sua brandura, humildade e degradação terrestre. "Bem-aventurados
os puros de coração, porque eles verão a Deus" (Mt. 5:8). Com pureza de coração a fé
atinge tal firmeza e força, e concede tal estado abençoado, que é equivalente a visão
celeste. Tal é a fé dos santos.
Fé.
"Desfaleceu a minha alma, esperando por tua salvação; mas confiei na tua palavra." (Sl
118[119]:81) lamenta o antigo salmista. "Senhor e Mestre de minha vida, afasta de mim
o espírito de preguiça, de dissipação, de domínio e de vã loquacidade" — nós oramos,
na Grande Quaresma, com as palavras do asceta Ortodoxo São Efrém. Todos os que
estão cansados falam de possíveis visitas do espírito de depressão, e conseqüentemente
suas orações contém súplicas freqüentes para que sejam libertados desse espírito. Esse
sentimento é um estado ímpio e agonizante, como se a alma estivesse cega — até que
esse sentimento seja substituído com uma onda fresca de fé cheia de graça e um esforço
de oração. As orações corretas: "Desvenda os meus olhos, para que veja as maravilhas
da Tua lei." (Sl. 118 [119]:18) "Ilumina com entendimento os olhos do meu coração, ó
Cristo, para que eu não adormeça na morte...Pelos Teus anjos afasta de mim o desânimo
demoníaco" (Orações antes de dormir).
Porém no domínio da fé, dificuldades e confusões que surgem na mente, nem sempre
são sem benefício. Qualquer tipo de realização somente ocorre através da superação de
obstáculos. Com um aumento da força, uma pessoa se torna capaz de sobrepujar
grandes impedimentos — algumas vezes, colocando-os diante de si próprio — e
conquistando-os, subindo então para um nível mais alto. O mesmo ocorre na esfera
religiosa, na esfera da fé. E que sentimento espiritual triunfante essa pessoa sente
quando um pensamento novo e luminoso ilumina sua alma e supera a barreira mental!
Quão agradavelmente pronunciamos a palavra "obrigado." Para cada bom desejo, para
cada favor nós temos a necessidade de dizer: obrigado (em russo a palavra para
obrigado, "spasibo" é derivada de "spasi Bozhe" — Deus salve). Essas palavras
expressam sentimentos internos—elas não são simplesmente uma indicação de boa
educação, com se fossem ditadas por instinto. Quando uma pessoa está numa multidão,
e um personagem não visto mostra-lhe uma pequena consideração, essa pessoa começa
a procurar com seus olhos a quem agradecer. Com que freqüência as pessoas utilizam a
imprensa para expressar agradecimentos para indivíduos conhecidos e anônimos por
condolências pelos seus pesares, por participação em seus tempos difíceis! Sentimentos
de gratidão não são limitados a palavras, eles esforçam-se por serem expressos em atos,
e a posteriori eles continuem a viver como grata memória na alma.
Mas se nós somos gratos nas pequenas coisas, como poderemos nós não expressar nossa
gratidão pelas coisas maiores — pela alegria de se estar vivo, pela habilidade de pensar,
de amar os outros, por nossa visão e audição que abrem nossos olhos para a vida na
terra, pela oportunidade de nos comunicarmos com pessoas, pelos dons da natureza dos
quais gostamos? Como poderemos não agradecer quando somos libertados do perigo,
ou quando nós somos visitados por aquilo que é chamado de "boa-sorte"? Mas quão
desafortunada é a pessoa que agradece por um copo de água, mas, no entanto, "não tem
ninguém a quem agradecer" pelas coisas mais elevadas, maiores, pela mais importante.
A vida existe?
Vida! É tudo que tenho, que eu valorizo, e sem a qual — eu não existo! No entanto,
parece que em nossa era há uma tendência em responder essa questão proposta com
uma negativa — ostensivamente em nome da ciência. Existiram e ainda existem,
indivíduos preparados que estão engajados através de reações químicas, em reproduzir
uma "célula viva" como o começo de toda vida. Laboratórios, estudando a fisiologia da
matéria viva, estão tentando ganhar acesso ao "mecanismo de crescimento na matéria
viva." O cenário é provar que no cerne de nosso ser existe um mecanismo, e o que nós
chamamos vida, é uma aparição, simplesmente uma forma de nossa percepção. Como
um exemplo, há menção na imprensa à descoberta de um novo elemento nas plantas —
cloroplasto, ou um enigma mais fundamental — fotossíntese (a absorção pela planta da
energia do sol). Isso é explicado como uma reação química comum, onde há a ausência
de qualquer força viva e que poderia ser produzida em série em laboratório. Porém,
seria possível explicar todos os mecanismos do mundo através dessa aproximação
científica?
Num conto curto "Euthemia" escrito por Veresaev durante a era soviética, uma mulher
doente, sentindo a lenta aproximação da morte, fica em êxtase com o filósofo
materialista grego Demócrito; foi há mais de 2000 anos atrás, que ele expôs que todas
as coisas são feitas de matéria, enquanto sentidos e pensamentos — simplesmente uma
alteração no corpo... No entanto, parece que sendo ela uma esteta por natureza, ela
amava poesia, ávida leitora de Tiutchev — um poeta que sugere que a natureza não é
uma face sem vida, ela tem uma alma, ela tem liberdade, tem amor, tem linguagem...
Conseqüentemente, à parte de desejos, uma discórdia entre o entendimento materialista
e os sentimentos naturais interiores estava aberta na pessoa soviética: os sentimentos
emergiram da cobertura do materialismo, como um remendo mostra-se num saco. Não
se consegue esconder um remendo num saco.
Por certo não se pode dogmatizar essas palavras. Aqui, é possível retrucar contra todos
os pronunciamentos: perpetuidade do mundo não é a mesma que a de Deus; a vida
humana é efêmera, mas a vida da alma não é efêmera; o mundo ama deliberações
desviadas, mas ele só acredita em Deus. No entanto essa quadra contém uma expressão
poética excelente de uma idéia profunda: que a plenitude da vida consiste na aceitação
do mundo como uma criação do Boníssimo Deus. Aceitando a vida como um dom de
Deus, uma pessoa vive com uma visão otimista e harmoniosa do mundo, criando um
mundo espiritual e um panorama arrojado e brilhante da vida.
Uma pessoa tem contentamento interior quando ela não tem qualquer discórdia
espiritual. Esse é o significado da stanza de Polonsky:
O significado óbvio dessas palavras é que, uma pessoa contemporânea vive uma plena e
substantiva vida, quando sua voz interior (seja uma inspiração poética ou filosófica, ou
simplesmente uma visão geral da vida) combina com a plenitude da tradição, e com a fé
religiosa que foi entremeada nela.
Tem que ser reconhecido que a poesia russa do século dourado para a literatura que foi
o XIX° século possuiu em si essa qualidade e por isso foi inspirado, ideal e inteiramente
louvável.
Mistério na experiência da vida.
Dificilmente existiria uma pessoa, mesmo entre as descrentes, que não tivesse
experimentado um fenômeno misterioso, pelo menos uma vez na vida — como um
sonho profético, ou um evento inexplicável, no qual sua vida tivesse sido preservada.
Mas, com freqüência, as pessoas não olham para trás e daí se esquecem, ou até mesmo
tentam não notar. Muitos de nós, quando estamos perto de nosso curso terrestre,
podemos e devemos clamar sobre nós mesmos nas palavras do salmista:
Observação da sua própria vida é uma das razões pelas quais pessoas, indiferentes à
religião em sua juventude, mas tendo experimentado pessoalmente ao longo do caminho
o poder da mão direita de Deus, crescem para se tornarem profunda e genuinamente
religiosos em sua idade mais avançada. Apesar de antes terem sido insensíveis, elas se
tornam agora pias, tementes a Deus, orantes. Piedade não é um indício de idade
avançada. Está presente em pessoas de todas as idades, e seu fervor é naturalmente
maior em idades mais jovens. No entanto "piedade de idade avançada" é uma indicação
de experiência de vida não perdida, não negligenciada — um sinal de recordação das
manifestações da graça de Deus.
Sobriedade da alma.
Forças da natureza.
A natureza vive sua própria vida interior, desconhecida para nós e praticamente
inacessível para a ciência. As assustadoras forças escondidas dentro dela, mesmo nas
menores partes de sua substância —foram mostradas no estudo dos átomos e sua
liberação, ou em sua divisão. Ao mesmo tempo, quão macia e docilmente essas força
funcionam na forma de vida do mundo. Que consonância na atividade dos elementos da
natureza, e que colaboração, que mútua assistência! Considerem os ventos e as nuvens.
Eles não têm sequer uma existência individual, não têm seu próprio vigor vivo, que está
presente numa insignificante folha de grama. Eles são manifestações passageiras: o
vento veio e foi, a nuvem se engrossou e foi lavada com chuva — foi-se. Porém notem
como eles trabalham inteligentemente com o sol e um com o outro, especialmente por
darem vida para as plantas. a nuvem lhes dá umidade e protege contra os raios
causticantes do sol. No entanto, a nuvem não tem energia própria para se mover no ar,
então essa tarefa é assumida pelo vento. Ele dirige a nuvem trazendo-a e levando-a. O
vento então seca a terra, protegendo o solo de se tornar ácido, o que seria prejudicial
para as plantas, e ao mesmo tempo evitando o efeito dos raios diretos do sol. Onde
estais escondidos, vós poderes benignos, inteligentes, que estão ativos nessas
manifestações? Aqui nós temos um bosque de árvores, não tocadas pelo homem e
deixadas sozinhas. Se a mão do homem não interfere com a vida da floresta, seu arranjo
será organicamente completo como uma coleção de organismos. Ela se cerca com uma
orla de moitas de espinhos para proteção, permite o desenvolvimento de uma cobertura
de solo que é mais benéfica para ela, coleta e armazena os reservatórios de água
necessários para si, regula a penetração dos raios do sol em sua mata, preservando
dentro dela as plantas menos robustas, os tipos menos resistentes delas. Por isso é que
não é surpreendente que imagens panteístas tenham surgido na humanidade, idéias da
presença de floresta, água e outros deuses. Transbordamento de sentimentos pela
natureza por artistas, é parente do panteísmo, por exemplo, de Tiutchev: "Não é o que tu
imaginas sobre a natureza—ela não é cega, não é uma imagem sem vida, ela tem uma
alma, ela tem liberdade, ela tem amor, ela tem uma linguagem."Ele promove uma
censura direta contra o então reinante materialismo.
Mas nesse caso, não teríamos chegado no panteísmo? Não, nossa mente deve elevar-se
acima disso. Não é o átomo que é divino, ele que as pessoas dividem e forçam a servi-
las. Aquilo que está sobre nosso total controle, e os animais não são divindades — mas
somente parte disso. Quando o mesmo poeta apresenta o mundo como vestimenta de
Deus, ele não está pensando panteisticamente: "A natureza faz a vestimenta universal de
Deus, talvez." Essa imagem é muito próxima àquela dos Salmos que é mais clara: "Tu
Te revestes de luz, como de um manto" (Sl. 103[104]).
A sabedoria escondida da natureza desperta nossos pensamentos. Ela instila em nós que
fora a matéria e forças, existe algo mais elevado: a natureza tem sua própria audição
como se fosse para realizar as diretivas de Deus: "Produza a terra...Produzam as
águas... " (Gen. 1: 11 e 20). A figueira sucumbe com as palavras do Salvador: "Nunca
mais nasça fruto de ti."(Mt. 21:19); e a tempestade do mar cumpre a diretiva Dele:
"Cala-te, aquieta-te" (Mc. 3:39). A natureza é permeada com vontade de cumprir os
objetivos dirigidos do alto; ela louva Deus com todo o seu ser, e cumpre as diretivas das
hostes celestes: Principados, Domínios e Poderes. E nós confessamos nas orações
(bênção das águas): Diante de Ti tremem os poderes espirituais; o sol canta louvores
para Ti; a lua Te glorifica; as estrelas suplicam diante de Ti; a luz Te obedece; as
profundezas temem a Tua presença; as fontes são Tuas servas...."
No primeiro capítulo da Epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos, nós lemos: "Que a
justiça de Deus é revelada de fé em fé." Isso é parecido com de chama em chama, e
como nós deveríamos guardar essa chama! Sem ela nós somos como velas apagadas. A
centelha da chama deve ser preservada. Nós devemos prestar atenção nos ventos
contrários, isto é, na sociedade que é contrária à fé, livros que detratam a fé e
pensamentos pessoais errantes.
De fé em fé. Portanto em sucessão. Nós apreendemos fé dos Apóstolos, de seus escritos
que mantém perpetuamente em si a fonte viva da fé. Aqui a fé é concedida para o
mundo. Nós apreendemos de Santos contemporâneos: aqui a fé é transferida por sua
proximidade com nós, pela chama do poder da fé deles. Nós apreendemos na Igreja e da
Igreja face a face com ela. Assim o Apóstolo João escreveu para seus filhos espirituais:
"Tinha muito que escrever, mas não quero escrever-te com tinta e pena. Espero, porém,
ver-te brevemente, e falaremos de boca a boca" (3Jo. 13-14).
De fé para fé. Ao longo de uma longa fila de décadas, a fé é transferida de uma geração
de igreja para outra geração de igreja, dos pais para seus filhos, de Mártires,
Confessores, Santos e Ascetas para pessoas que os viram, que apreenderam com eles,
que viveram por pouco tempo conosco, mas de quem mantivemos santa memória. Essa
é uma transferência santa, a transferência da fé. Eis porque nós valorizamos
especialmente o conhecimento e instruções que recebemos de santos que viveram pouco
tempo antes de nós: nós podemos acender nossa fé entrando em contato com a fé deles.
E assim a corrente continua: "fé pela fé," dos tempos Apostólicos até nossa época
contemporânea.
Ateísmo.
No seu livro, "Estudo dos Humanos" , o Professor Nesmelov expressou o seguinte: "O
ateísmo é um conhecimento construído baseado na falta de conhecimento." O escrito é
bastante acurado. Os ateus não vêem Deus, não O conhecem, e por isso não reconhecem
Sua existência. Os mais cautelosos entre eles se chamam de "agnósticos," isto é, não
conhecedores (seguidores do filósofo inglês Spencer), e logicamente, "não conhecendo"
não têm a guia das leis religiosas. Pessoas de pensamento menos refinado raciocinam,
lógica, mas erradamente, "Eu não conheço Deus, então Ele não existe."
Nós não podemos negar a existência da razão na natureza, mesmo que para nós ela
seja de forma desconhecida. Nós testemunhamos como uma planta assegura para si o
espaço necessário para sua existência, procura e encontra no mesmo solo a variedade de
nutrientes necessários para esse tipo de planta, que são tão variados para cada tipo de
planta, obtendo-os através de uma eficiente decomposição química do solo. Da mesma
forma, nós não podemos negar a existência no reino animal e vegetal de princípios
estéticos e artísticos, que são revelados na variedade e harmonia de cores e formas.
Testemunhando a amizade, colaboração e vontade de servir, nós temos dificuldade de
rejeitar a presença de nada menos do que algo parecido com princípio moral na
Natureza — quando uma folha de grama está preparada para servir de forragem para um
animal, ou quando uma árvore se esforça para produzir uma melhor colheita para o
conforto do homem; uma vontade que algumas vezes é próxima do auto-sacrifício.
Alguns dirão que nós não podemos chamar isso de atributo moral, porque moralidade
sugere uma vontade inteligente e livre. De fato, mas se é assim, então é necessário
procurar a fonte de sensibilidade e sabedoria para essa insensibilidade. Os pensamentos
se elevam para o Criador e para o poder da Providência do Espírito de Deus,
concedendo à todas as coisas existentes "vida, respiração e tudo" (palavras do Apóstolo
Paulo no Aerópago de Atenas segundo o Livro dos Atos).
Nesse sentido, o mundo, criação de Deus é um reflexo — seja ele fraco e pálido — dos
atributos do seu Criador, e é para esse Primordial e Original que nossos pensamentos
são dirigidos. Expressemos aqui as palavras de São João de Kronstadt em seu "Minha
Vida em Cristo." "O mundo todo Céu e terra e tudo que está neles, o mar e tudo que está
nele é a ilimitada efusão da bondade de Deus, Seu intelecto e eterno poder, bondade
para com a criação, que Ele criou por alegria e felicidade, especialmente — alegria para
a raça humana. O mundo é um espelho da bondade, intelecto, sabedoria e poder de
Deus. Desse modo nós deveríamos nos ligar com Deus e não com o mundo. "Quem está
lá no céu para mim?E conTigo eu não quero nada na terra. Minha carne e coração
estão exaustos: Deus — é o firmamento do meu coração e é parte de mim para
sempre."
Vida.
O que pode estar mais próximo dos nossos olhos ouvidos, mente — do nosso ser todo,
do que a vida? Tudo vive, há vida em toda parte. Ao mesmo tempo, o que pode ser mais
enigmático para nós do que a vida? Até os dias de hoje, as pessoas não chegaram a um
acordo sobre se a vida é um começo inicial ou uma aparição secundária. É uma origem
ou uma segunda colheita? A raiz da existência ou sua flor? Para aqueles que acreditam
em Deus, não há dúvidas. O princípio vital está na base de todos os seres, e é
implantado pelo Criador.
Assim que a vida deixa a matéria, esta se torna morta. Como a vida parte é inexplicável.
Por mais que se queira capturá-la nesse momento, ele escapa como mercúrio escorrendo
pelos dedos. Sem vida, cortada, grama ceifada — e a forma de vida dada a ela por Deus,
a deixou. Uma pessoa morre e sua vida deixa o corpo. No entanto, ela não pereceu. No
corpo destruído que foi entregue ao solo, o lugar dela será, devagar, ocupada por formas
bem mais inferiores de vida. Porém seu princípio portador-de-vida, intelectual,
consciente, que nós assumimos conscientemente, sua alma não morre. Antes de tudo,
ela parte levando consigo o que ele trouxera para o corpo. Ela trouxera para a pessoa
uma consciência em forma individual, pessoal — e ela a leva embora, tendo a
preenchido com substâncias dignas de eternidade (e talvez não tão dignas).
Junto com o que emerge à nossa volta da Natureza com razão, harmonia e beleza, nós
também vemos o aparecimento de uma contraposição. Nós observamos catástrofes
assustadoras na Natureza, que infligem sofrimento e morte para a matéria viva, e nós
vemos a cegueira e falsidade do instinto no reino animal: hostilidade, o devorar do fraco
pelo forte, e finalmente doença e morte. Essas manifestações abrem os nossos olhos
para o verdadeiro caráter da Natureza, e não permitem que a deifiquemos. Graças a elas,
nós reconhecemos a falsidade do panteísmo. É inerente a uma pessoa procurar um
princípio superior e adorá-lo. No entanto, apesar dele ver a atividade e presença desse
princípio em toda sua volta, a Natureza em si não pode ser tomada como esse princípio
superior: ela tem o positivo e o negativo, ela tem razão e irracionalidade, ela tem o bem
e o mal. Por isso, a própria Natureza nos sugere que há outro Princípio acima dela que é
perfeito e completo. E como nós podemos reconhecer a divindade da Natureza, se o
próprio homem se torna o seu mestre? O poeta Alexei Konstantinovich Tolstoy
expressou a dualidade da Natureza — bem e mal — de forma artística.
Fundido em Si
A separação da criação
Desfigurando e pervertendo
A Divindade estabeleceu
A eternidade da criação,
E sua continuação
É duvidoso que qualquer um de nós não tenha memórias do passado, sobre fatos que
falem de laços com o mundo espiritual — fatos que não podem ser explicados num
sentido corporal, que dão testemunho de que existe um Olho Que Não Dorme nos
vigiando. Ocorre que muitas pessoas fecham seus olhos e ouvidos para esses fatos,
assim elas não vêem nem ouvem. No entanto, é mais do que freqüente que enquanto
elas estão se lembrando desses fatos, elas não são capazes de reconciliar suas vidas com
o que os fatos estão dizendo. Durante momentos de reflexão espiritual, esse mistério
aflora —só para retornar aos recessos secretos de suas mentes. É raro que as pessoas
vocalizem tais experiências. Isso pode acontecer porque a pessoa é modesta e não tem
vontade de aparecer na imprensa, ou por causa de dúvida — se acreditarão nele —
interpretarão como invenção ou como o produto de uma instabilidade espiritual? Apesar
disso, alguns desses fatos encontram seu caminho para a imprensa. Esses fatos
acumulados em um ano, eles formariam facilmente material para um livro. No entanto,
reinando o materialismo, esse livro alcançaria seu objetivo? "...porque eles, vendo não
vêem; e ouvindo não ouvem nem compreendem" (Mt. 13:13) e eles não querem se virar
para Ele, Que está pronto para curá-los — essas pessoas cegas que declaram que se
recusam a acreditar em milagres por princípio.
Julgamentos de Deus.
É perfeitamente claro para um Cristão que ele não deveria esperar por uma
recompensa mundana ou uma vida agradável, por sua fé e piedade. O Salvador não
prometeu abundância terrestre para Seus fíéis. Não é à toa que o símbolo do
Cristianismo é a Cruz e a Crucificação. Todavia, sentimentos humanos não são
estranhos para uma pessoa e o coração pergunta: porque os blasfemos estão rejubilando
e prosperando — onde está a veracidade de Deus?
Esse tema tem sido colocado desde tempos imemoriais. Entre as primeiras localizações
estão escritos antiqüíssimos, particularmente no Saltério. O Saltério apresenta o tema
apaixonadamente, em exclamações muito audaciosas e ousadas: "Ó Senhor Deus, a
quem a vingança pertence, ó Deus, a quem a vingança pertence, mostra-te
resplandecente! Exalta-te, tu, que és juiz da terra; dá o pago aos soberbos. Até quando
os ímpios, Senhor, até quando os ímpios saltarão de prazer? Até quando proferirão e
dirão coisas duras e se gloriarão todos os que praticam a iniqüidade? Reduzem a
pedaços o teu povo, Senhor, e afligem a tua herança" (Sl. 93[94]). "Quanto a mim, os
meus pés quase que se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus
passos. Pois eu tinha inveja dos soberbos, ao ver a prosperidade dos ímpios. Porque
não há apertos na sua morte, mas firme está a sua força. Não se acham em trabalhos
como outra gente, nem são afligidos como outros homens. Pelo que a soberba os cerca
como um colar;... E dizem: Como o sabe Deus? Ou: Há conhecimento no Altíssimo?
(Sl. 72[73]).
E nesse mesmo Salmo, o salmista responde às suas queixas e frustrações, assim como
ao seu desespero com o mal reinante. Não, as escalas de justiça existem e a retribuição
vem no tempo apropriado. "Certamente, tu os puseste em lugares escorregadios; tu os
lanças em destruição. Como caem na desolação, quase num momento! Ficam
totalmente consumidos de terrores.E o salmista se arrepende de sua anterior falta de fé.
"Assim, me embruteci e nada sabia; era como animal perante ti." Agora seus olhos
foram abertos. "A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem eu deseje
além de ti" (Sl. 72[73]).
O saltério não fala só da retribuição para os iníqüos, mas também conforta aqueles que
são verdadeiros para com Deus e que colocam sua fé Nele. De outro lado seus
pensamentos podem ser resumidos nas palavras de um Salmo: "Muitas são as aflições
do justo, mas o Senhor o livra de todas" (Sl. 33[34]). Isto é, existirão aflições, mas elas
serão transientes. Deus concede Sua bondade ao coração tranqüilo daqueles que são
fiéis a Ele. "Oh! Quão grande é a tua bondade, que guardaste para os que te temem, e
que tu mostraste àqueles que em ti confiam na presença dos filhos dos homens! Tu os
esconderás, no secreto da tua presença, das intrigas dos homens; oculta-los-ás, em um
pavilhão, da contenda das línguas" (Sl. 30[31]:19-20). As mesmas palavras alegres
enchem o renomado Salmo 90[91]): "Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo."
E existem tão poucos entre nós que após termos suportado vários eventos em nossas
vidas, não repetiriam de todo coração as palavras do salmista no Salmo 123[124]
inteiro:
"Se não fora o Senhor, que esteve ao nosso lado, ora, diga Israel: Se não
fora o Senhor, que esteve ao nosso lado, quando os homens se
levantaram contra nós, eles, então, nos teriam engolido vivos, quando a
sua ira se acendeu contra nós; então, as águas teriam trasbordado sobre
nós, e a corrente teria passado sobre a nossa alma; então, as águas
altivas teriam passado sobre a nossa alma. Bendito seja o Senhor, que
não nos deu por presa aos seus dentes. A nossa alma escapou, como um
pássaro do laço dos passarinheiros; o laço quebrou-se, e nós
escapamos. O nosso socorro está em o nome do Senhor, que fez o céu e a
terra."
Sobre nós está o Deus Pai — Fonte eternamente fluente, de acordo com as orações da
Igreja, a Base de toda existência, nosso Pai, nosso Amor e nós somos Seus filhos,
criações de Suas mãos.
Conosco está o Deus Filho — Seu nascimento deve-se ao Seu divino amor, para que Ele
pudesse aparecer para as pessoas como um Humano, para que nós pudéssemos ver e
reconhecer que Deus está conosco, numa imagem perfeita, "genuinamente" unido
conosco.
Em nós e em toda a criação está o Deus Espírito Santo — enchendo todas as coisas:
Que cumpre tudo, Doador-de-vida Que vive em tudo e em todos com Seu providencial
poder, derramando Sua bênção de santidade sobre a Igreja do Filho de Deus, sobre os
fiéis para os elevar e fazê-los dignos da comunhão com Deus nesse mundo, e fazê-los
dignos da vida eterna em Deus.
O Apóstolo Paulo nos ensina: "Um só Deus e Pai de todos, o Qual é sobre todos (como
os Santos Padres interpretam: Deus Pai), por todos (Deus o Filho) e em todos" (Deus, o
Espírito Santo Efes. 4:6).
Durante a Festa de Pentecostes nossa Igreja canta: "Uma Essência, um Poder, uma
Divindade, Que nós todos adoramos, dizendo: Deus Santo, Que criaste todas as coisas
através do Filho, com a cooperação do Espírito Santo. Santo Poder, através de Quem
nós conhecemos o Pai, e através de Quem o Espírito Santo veio para o mundo. Santo
Imortal, ó Espírito Confortador, Que procede do Pai e descansa no Filho. Ó Santíssima
Trindade, glória a Ti."
O que é necessário para que a fé se torne firme, não vacilante, para que ela nos
controle, dirija nossas ações, seja ativa, salutar, curativa, confortadora? O que é
necessário para que as questões da vida não nos agonizem, não nos dirijam para fora de
nosso equilíbrio espiritual? O que é necessário para que não sejamos como junco que
balançam com qualquer vento?
Para isso, nós devemos pertencer a Igreja — em espírito e corpo — e viver uma vida
com Ela. Um indivíduo sozinho no campo de batalha não é uma força significativa.
Enquanto na Igreja — um por todos e todos por um, sob a direção de Cristo e na graça
do Espírito Santo — a situação é completamente diferente. Na Igreja — como crianças
nas casa de seus pais—nós estamos protegidos de todos os lados, há preocupação
conosco, nutrição espiritual, calor e luz espiritual. Nós levamos nossas aflições para Ela,
e nós encontramos cura para nossas doenças físicas e espirituais Nela.
Vós gostaríeis de conhecer uma pessoa que nunca pediu para si nada da vida e estava
sempre feliz com o que tinha; que nunca se preocupou com sua saúde — mas estava
sempre cheio de energia, e estava sempre vigoroso mesmo quando estivera quase sem
qualquer repouso; não tinha riquezas, mas distribuiu milhares; tratou os gravemente
doentes sem qualquer recurso a qualquer remédio; nunca procurou glória, mas era
conhecido de todas as pessoas; nunca procurou qualquer prazer, mas estava sempre
contente; que sempre teve paz em seu coração, predisposição para as pessoas, sem
malícia, inveja, animosidade, sentimentos de aparências; cheio de humildade ainda que
realizasse grandes feitos; cuja mente era lúcida e cujo coração era aberto para todos; que
viveu sua própria profunda vida interna e ao mesmo tempo, cheio de amor por aqueles
que eram próximos ou distantes dele?
Tal pessoa foi São João de Kronstadt, um contemporâneo de bem poucas gerações atrás.
De onde o pastor de Kronstadt tirava sua força? O Padre João responde a essa questão
numerosas vezes em seu diário com uma e a mesma expressão: "O Senhor é tudo para
mim." Aqui estão suas palavras:
"O Senhor é tudo para mim: Ele é a força do meu coração e a luz da minha mente; Ele
dirige meu coração para tudo que é bom, Ele o reforça; e Ele me dá pensamentos justos;
Ele é minha tranqüilidade e alegria; Ele é minha fé, esperança e amor; Ele é meu
alimento, minha bebida, meu atavio; Ele é minha morada. Assim como uma mãe é para
uma criança: a vontade, a visão, audição, paladar, olfato, tato, e comida, bebida, atavio,
mãos e pernas — assim é o Senhor tudo isso para mim, quando eu me submeto
totalmente a Ele.
O Senhor é mais perfeito que toda bondade, que eu penso, sinto ou faço. Ó quão
ilimitadamente grande é a graça ativa do Senhor dentro de mim! O Senhor é tudo para
mim, e tão claro, tão constante. Minha — é só minha iniqüidade. Meus — são só meus
pecados.
O Senhor é meu ser, o Senhor é a libertação da morte eterna, o Senhor é minha vida
eterna, o Senhor é a purificação e libertação de muitos pecados e minha iluminação, o
Senhor é a força contra minha fraqueza, em minha pusilanimidade e desesperança, o
Senhor é o fogo doador-de-vida no frio, o Senhor é a luz nas minhas trevas, a serenidade
em minhas apreensões, o Senhor é o protetor em minhas tentações. Ele é meus
pensamentos, minhas aspirações, minha atividade — amo e agradeço ao Senhor
incessantemente! Louvai ao Senhor, ó minha alma e não esqueça dos Seus benefícios,
que purificam todas vossas iniqüidades, curam todas vossas enfermidades e vos dota de
benevolência e generosidade, que preenche todas vossas requisições.
O Senhor é tudo para nós, e por nós mesmos nós podemos fazer muito pouco."
Essa é a fonte de força, felicidade e vida que São João aponta para ele próprio, e que ele
está apontando para nós.
"Aqui está uma pessoa viva diante de nós: seus olhos estão focados em nós, seus
ouvidos estão alertas e atentos; diante de nós estão seu corpo e alma, dos quais nós
vemos o corpo mas não a alma. Enquanto isso, nós não vemos seus pensamentos,
desejos e intenções, não há um só instante em que sua alma não esteja pensando e
vivendo de acordo com seu estilo de vida. Precisamente da mesma maneira, há uma
natureza visível diante, perto e dentro de nós, o completo e maravilhoso mundo de
Deus; nele nós vemos vida em todo lugar, ordem harmoniosa, atividade — porém nós
não vemos a Causa da vida e da ordem, nós não vemos o Artista. Mas no intervalo, Ele
está ali, todo tempo e em todo lugar, assim como uma alma no corpo, só que não
confinada por ele. Não existe um curto momento em que Ele, o Completíssimo Espírito,
Sapientíssimo, Onipotente, Onipresente, não pense, não derrame bênçãos e sabedoria
sobre Sua criação. Não há sequer uma fração de segundo em que Ele não aplique Sua
sabedoria e onipotência, porque Deus é um auto-ativador que está eternamente
produzindo. Por isso, ao verem o mundo, notai sua Fonte — Deus, como estando em
todo lugar nele, como o cumpridor, ativador e arranjador de tudo."
"A onipresença de Deus é espacial e mental, isto é, Deus está em todo lugar — em
relação a espaço e pensamento; onde quer que eu vá, física ou mentalmente, eu
encontrarei Deus, e Ele estará diante de mim em todos os lugares."
Não são essas magnificentes palavras promulgadas por São João, suficientes para
convencer as mentes que duvidam?
Folheto Missionário número P077c
Notas Apologéticas
Parte II
Reverendíssimo Padre Michael Pomazansky
Conteúdo:
A Fé como um Dogma.
Vida na Fé.
Luz e trevas.
Porque? — Como? — Essas duas questões são inerentes a cada um de nós desde a
infância, desde o momento em que nós nos damos conta de nós mesmos, e que
começamos a usar a linguagem. "Para que propósito?" e "Porque razão?"
Todos nossos pensamentos diários também podem ser definidos como "questões
eternas." "Razões" ou "propósitos" são as origens de toda existência.
Essa visão é totalmente inaceitável para nós. Ao lado das teorias "científicas,"
deveríamos providenciar terreno sólido para nossa posição Cristã nesse assunto, não
duvidando que ela é verdade para nosso povo. Toda nossa mentalidade será determinada
por esse princípio.
E quão oportuno acontece ser, que a natureza morta é imutável em suas "leis de causa!"
E quão facilmente os elementos vivos são capazes de usar os mortos!
O homem.
O homem é um ocupante da terra e diretor dela. Mas ele é também um filho da terra. Ele
é, num sentido, mais do que os outros seres uma parte do elemento vivo. Ao mesmo
tempo ele está ligado ao seu corpo, que foi tomado da natureza morta, governada por
precisas leis da casualidade matemática. Ele requer o conforto fornecido pela
regularidade das leis do corpo. Ele também é capaz de limitar essa "pressão pela
necessidade" exercida pelo corpo.
Animais também possuem propósito, mas com o homem esse propósito atinge um nível
muito maior como um mecanismo geral, dirigindo, regulando e protegendo suas ações.
A liberdade do espírito de vida às vezes só complica sua situação quando dois impulsos,
vindo de duas fontes: corpo e alma, colidem.
Além disso, nós temos nossas próprias "razões espirituais," que entram em conflito com
nossa oportunidade geral. Tudo isso cria uma complexidade assim como uma riqueza de
nossa vida interior.
Sociedade.
A vida social é feita de vidas individuais, eis porque ela contém tudo que pertence a
cada pessoa individualmente. No entanto, a situação aqui é mais complexa. Cada pessoa
tem seu caminho próprio de vida, seus planos próprios para amanhã, sua própria
liberdade e sua própria submissão às necessidades. Quando possível isso tudo pode ser
objeto de acordo, mas às vezes pode surgir um conflito.
Nós reconhecemos que os humanos diferem dos animais pela altura de seus objetivos.
Se nós aplicamos a mesma medida para a sociedade como um todo, pode-se realmente
quantificar o esforço para limitar a vida do homem dentro da esfera da existência
puramente prática, apesar de confortável e conveniente, se baseando na assunção que
essa existência — de um individuo assim como da sociedade —é puramente "racional,"
terrena, de curto-prazo e, com efeito, sem sentido, "verdadeiro progresso" ? Mas tal
progresso é o que hoje em dia é reconhecido como verdadeiramente científico.
O universo.
Nós nos inclinamos diante da grandeza daquele panorama Bíblico que é descrito a partir
da segunda linha do primeiro capítulo da Gênesis e que é escolhido em forma
condensada e oferecido para nossa audição nas leituras do Velho testamento de três das
maiores festas da Igreja: Nascimento de Cristo, Epifania e Grande e Santo Sábado.
Apresentamos o começo e o fim dessa leitura da Igreja. Gen. 1:1-13.
"No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e
vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se
movia sobre a face das águas... E disse Deus: Produza a terra erva verde,
erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo sua espécie,
cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi... E foi a tarde e a manhã,
o dia terceiro."
"E disse Deus."
A criação inteira do mundo foi realizada dentro de seis dias, como é relatado no
primeiro capítulo do livro da Gênesis. Os atos separados são expressos em três palavras:
"E disse Deus." Claramente, a palavra "disse," repetida nove vezes, simboliza a vontade
de Deus e sua realização de maneira desimpedida e absoluta. A primeira vez que ele é
dita, de acordo com o texto, as massas mortas foram preenchidas com luz doadora-de-
vida, necessária para a existência dos futuros elementos vivos. Na curta afirmação de
Deus que se segue algo como "sementes ou raios de vida" são enviados para o mundo.
Eles não são puramente físicos, mas possuidores de propriedades espirituais, sem peso,
e instrumentalmente incomensuráveis. Tais grãos de vida atrairão e vivificarão as partes
da matéria e energia terrestres, enchendo assim o mundo de seres vivos. O homem nessa
esfera terrestre é a criação mais elevada de Deus, sua alma carregando o "sopro de Deus
em sua face."
"E disse Deus...e foi a tarde e a manhã..." Essa palavras foram ditas pela primeira vez
no terceiro dia, e foram repetidas nos demais dias. Cada tarde e manhã eram o começo e
o fim do "período noturno," quando em cada ser vivo na terra, inclusos cada um de nós,
o invisível e intangível processo de crescimento está ocorrendo, quando força está sendo
recuperada, e todos os poderes são refrescados e renovados. Na manhã nós levantamos e
vemos algo novo na natureza: uma flor se abriu, ou um novo ser apareceu. Não é o
processo que nós encontramos na narrativa bíblica? Depois de cada verso, "e assim foi"
— nós lemos a confirmação: "e viu Deus que era bom." Essa percepção é muito
parecida com aquela do ser humano.
Moises escreveu sua narrativa para o povo da terra, para sua nação, para a instrução
espiritual deles e nossa. Por essa razão é limitada ao tema da terra e da humanidade. Nós
não somos proibidos de considerar a possibilidade de que em outros lugares do
universo, condições similares as que existem na Terra também possam existir.
Os céus foram
estabelecidos pelo Verbo de Deus.
"No princípio era o Verbo... Todas as coisas foram feitas por Ele,
e sem Ele nada do que foi feito se fez" (Jo. 1:1 e 3).
No conjunto todo dos livros do Novo Testamento onde se pode tentar estabelecer uma
ligação entre as verdades Cristãs e a filosofia grega? O Apóstolo Paulo não fala sobre a
sabedoria dessa época: "Ninguém se engane a si mesmo... Porque a sabedoria desse
mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria
astúcia." "...: o Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são vãos" (I Co. 3:18 a,
19-20). A quem o Apóstolo censura por cegueira e estreiteza mental? E a respeito do
Apóstolo João devemos dizer: era necessário que se voltasse para filosofia mundana
justo ele que declarou com toda força de espírito: "... e esta é a vitória que vence o
mundo, a nossa fé. Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o
Filho de Deus? ( I Jo. 5:4 b-5).
Se o Apóstolo João tivesse tido, em sua mente, uma certa misteriosa imagem de um
"Logos" pela qual ele estivesse escrevendo o Evangelho, ele teria continuado a usar esse
nome para o Senhor em seus escritos. Mas isso não acontece. Esse mesmo primeiro
capítulo de seu Evangelho está cheio de outros nomes para o Salvador: Vida, Luz, Filho
Unigênito, que está no seio do Pai, Cordeiro de Deus, Messias, Filho de Deus, Rei de
Israel, Rabi, Filho do homem. E somente no 14° versículo desse capítulo nós lemos: "E
o verbo Se fez carne, e habitou entre nós..." Mas isso está muito longe de qualquer
imagem filosófica, porque nós lemos depois, no mesmo versículo: "...e vimos a sua
glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade."
Sim, o Evangelho de João é verdadeiramente o Evangelho do "Verbo," mas do "Verbo
de Deus," pois ele consiste quase que completamente nas palavras do próprio Senhor
Jesus Cristo, e, além disso, o próprio Senhor testemunha: "A Minha doutrina não é
Minha, mas Daquele Que Me enviou" (Jo. 7:16). O Evangelho de João é verdadeira
"Teologia." É o quarto Evangelho escrito em ordem de tempo. Mas na consciência da
Igreja e na prática dos ofícios da Igreja é o "primeiro." O ciclo das leituras Litúrgicas
começa precisamente com a leitura do primeiro capítulo: "No princípio era o Verbo..."
Por conta dessa honra, o autor do Evangelho é chamado de "o Teólogo" na Igreja
Ortodoxa.
Isso já é bastante atenção para com o artigo. Mas a questão ainda permanece não-clara:
porque o Evangelista se referiu ao Senhor Jesus Cristo como "Verbo" e "Palavra," ou
"Logos" nas primeiras linhas de seu Evangelho? E ao mesmo tempo, porque nós
encontramos o nome Logos, ou Verbo ou Palavra, somente nessa linhas do Novo
Testamento? Que o Santo Apóstolo nos perdoe por tentarmos invadir seu sagrado
pensamento, que não está muito claro para nós, com nossas mentes estreitas e
pecadoras, e por entrarmos naquela região da alma, que é usualmente chamada de "o
subconsciente."
A atenção de cada Cristão familiar com a Bíblia é atraída pelos paralelos que se pode
notar entre o começo do livro Gênesis do Velho Testamento e o começo do Evangelho
de São João desde as primeiras palavras. Nós iremos revisar esses paralelos.
"En arhi" — "no princípio" — são as primeiras palavras de ambos os santos escritos. O
grego "arkhi" tem três significados fundamentais: a) o princípio de um evento ou tarefa,
no significado usual e comum da palavra; b) liderança, domínio ou poder; c) histórico,
passado, antigo, no sentido religioso—ilimitado e eterno.
Na linguagem original do livro, Moises usa essa palavra em seu sentido usual, primário:
Deus, antes de qualquer de Suas ações fora de Si mesmo, criou o céu e a terra. A mesma
palavra esta em primeiro lugar no Evangelho de João, mas o Santo Apóstolo eleva a
idéia da palavra grega "arkhi": "No princípio era o Verbo" — Verbo, como a existência
Divina pessoal, "era no começo" — antes de qualquer outra existência, além disso:
antes de qualquer tempo, em eternidade ilimitada. Nesse mesmo Evangelho essa palavra
é repetida, com o mesmo significado: apresentamos o versículo aqui. Quando os judeus
perguntam ao Senhor: "Quem és Tu?" —Jesus respondeu para eles: "Isso mesmo que já
desde o princípio vos disse" (Jo. 8:25) — Tin arkhin, oti ke lalo imim. Assim o primeiro
livro de cada Testamento, Velho e Novo, começa com a mesma palavra expressiva; mas
no livro do Novo Testamento tem um significado mais elevado do que na Gênesis.
Mais adiante nos textos de ambos os livros, especialmente nos cinco primeiros
versículos de cada um, nós notamos essa conexão interna. Talvez ela não tenha sido
feita de propósito pelo Evangelista, já que a seqüência não coincide exatamente. Essa
conexão pode ter sido o resultado natural da essência dos dois assuntos. Aqui nós
notamos a superioridade dos eventos do Novo Testamento quando comparados com
aqueles do Velho Testamento. Iremos comparar os lugares paralelos na Gênesis e no
Evangelho.
2. "E a terra era sem forma e vazia" e sem Ele nada do que foi feito se fez."
3. "E disse Deus: Haja luz."— isso é dito a os homens...." O assunto do pensamento é
imensamente elevado, apesar de usar a mesma
respeito de luz física. palavra."
4. "... e havia trevas sobre a face do A respeito do Verbo, o Filho de Deus: Estava no
abismo;... " mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não
O conheceu ."
Nas linhas seguintes:
6. As palavras de João Batista: "E eu não O
5. Sobre o Espírito Santo: "E o Espírito conhecia; mas, para que Ele fosse manifestado a
de Deus Se movia sobre a face das águas." Israel, vim eu, por isso, batizando com água. E
João testificou, dizendo: Eu vi o Espírito descer do
céu como uma pomba, e repousar sobre Ele" (cap.
1:31-32).
6. "E disse Deus:Façamos o homem à
Nossa imagem, conforme a Nossa 7. A respeito do Verbo adotando natureza humana:
semelhança...E criou Deus o homem à Sua "E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, e
imagem;... " vimos a Sua glória; e vimos a Sua glória, como a
glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de
verdade" (cap. 1:14).
7. "...Ele descansou no sétimo dia de toda 8. A Vinda do Verbo para a terra. A glória do
a Sua obra, que tinha feito," (Gen. 2:2). Salvador: "... daqui em diante vereis o céu aberto,
e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o
Filho do homem" (Jo.1:51).
Mas a conversação final do Senhor com Seus discípulos é uma fonte ainda maior de
iluminação para nós: "...; ora, a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai Que Me
enviou" (Jo. 14:24).
"... porque tudo quanto ouvi de Meu Pai vos tenho feito conhecer" (15:15) "Tudo
quanto o Pai tem é Meu" (16:15). Esse é o assunto básico daquela grande conversação,
assim como da oração que se seguiu falada pelo Senhor (Jo. 17).
A Fé como um Dogma.
Nosso professor de fé viva, o santo padre São João de Kronstadt, em seu livro "Minha
vida em Cristo," nota: "Fé é uma chave para o tesouro de Deus." Essa é uma definição
da fé, muito valiosa e muito sábia. A fé concede acesso às riquezas do tesouro de Deus
de vida e eternidade. Ele continua: "Ela (a fé) reside em um coração simples e amoroso.
Se tu podes crer de fato, tudo é possível para o crente."
Ele também escreve: "A fé é como se fosse uma boca espiritual: quanto mais
livremente ela se abre, maior o fluxo de fontes Divinas que entra em nós; que essa boca
se abra (em oração) tão livremente quanto a nossa boca corporal; que ela não seja
trancada por dúvidas ou falta de fé: se ela for trancada por dúvidas ou falta de fé, então
o tesouro de bênçãos de Deus estará fechado para nós. Quanto mais de coração aberto
nós pudermos acreditar no Total-poder de Deus — maior será a generosidade do
coração de Deus será revelada para nós. Quando nós pedimos em oração, acreditai, isso
nós receberemos: e será dado a nós" (Minha vida em Cristo, vol. 1, pg. 242).
Por essa razão a fé pode ser chamada o primeiro dogma do Cristianismo. O Novo
Testamento inteiro é cheio de pregação de fé.
É difícil explicar a noção de fé. O Apóstolo Paulo diz o seguinte: "Fé é a substância de
coisas esperadas, a evidência de coisas não-vistas." "Substância de coisas esperadas" —
é a admissão de que indubitavelmente há, ouve e haverá Ele, em Quem nós esperamos;
há uma confirmação interna, misteriosa notificação, de que isso é como é. "Evidência de
coisas não-vistas" — ainda que não possa vê-la, ainda que ela não seja revelada através
de experiência externa, mesmo assim o invisível é revelado através de experiência
interna: na expansão de horizontes espirituais, através de alegria ou de outra maneira –
através de oração.
A fé só é válida e ativa numa pessoa quando seu objeto é real, e não somente
imaginário.
A verdadeira fé eleva, dá asas, torna invencível, purifica, conduz para o céu. Essa é a fé
Cristã.
Mas se nós fazemos de algo falso o objeto de nossa fé, ela só resultará na destruição dos
bons elementos da alma; ela não será duradoura e se renderá facilmente para um objeto
de fé similarmente falso.
Quando as pessoas se ligam por fé com aquilo que, apesar de real, é baixo ou maligno,
então essa fé rebaixa a moral dessas pessoas, e lãs são pegas nas redes de poderes
malignos.
Fé religiosa traz substância e significado para a vida de uma pessoa. Ela cria uma
plenitude de vida espiritual. Ela, ainda que temporária ou parcialmente, separa a pessoa
de interesses baixos e terrenos, conduzindo-a para a região de emoções elevadas,
moralmente puras, santas. Essa fé é adquirida facilmente? — Depende do estado
espiritual da pessoa, do conteúdo dos seus pensamentos, hábitos e desejos. Quanto mais
pura a alma, mais facilmente ela aceitará o bem. Quanto mais ela for sensível à
bondade, mais facilmente ela responderá ao chamado do alto. Mas fé é mais exigente
que credulidade, porque ela sempre demanda sacrifícios. Mas de outro lado, esse
sacrifício, suportado com fé, torna-se mais fácil, e nos casos mais elevados, mais raros,
conduz até para auto-sacrificios jubilosos. Essa fé requer quase nenhuma prova visível
ou mental. É por isso que o Evangelho diz: "... bem-aventurados os que não viram e
creram" (Jo. 20:29),
Há às vezes uma descrença não-pecaminosa: "Eu creio Senhor, ajuda minha descrença."
Essa confissão não impede a cura da pouca fé possuída. Houve a fé do Apóstolo Tomé,
ligada com uma sede pelo complemento e reforço da fé, expresso nas palavras: "Se eu
não vir... de maneira nenhuma o crerei" (Jo. 20:25). Isso significa, ele não terá aquela
alegria, que ele teria tido "vendo," como os outros Apóstolos tinham tido. Às vezes,
dúvidas ou "suspeitas" em relação a boas novas da verdade só mostram como é
tremendamente importante essa nova para a pessoa, assim como é pura e grande sua
alma, como nós vemos no caso do Apóstolo Tomé.
Fé religiosa não é como acreditar no próprio poder. Algumas seitas religiosas estão em
erro muito grave, quando elas ensinam que os benefícios e dignidade da fé "como ela
é," estão no que é desejado: convencendo as pessoas de sua própria saúde, sucesso,
bem-estar. Tal fé é auto-engano e é um inimigo do Cristianismo.
De acordo com Santo Irineu de Lion, fé é o vaso para coletar água vivificante, e essa
água vivificante é a graça de Deus.
"É impossível agradar Deus sem fé, pois é demandado que uma pessoa acredite que
Deus existe, e que recompensa aqueles que O buscam."
É por isso que somos comandados: "Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé;
provai-vos a vós mesmos." — confira a ti mesmo, se tens fé (2 Co. 13:5), ensina o
Apóstolo.
Parcialmente, o objeto de nossa fé está contido em nossa mente. Porém, isso é mais do
que conhecimento ou uma "suposição confirmada" que com freqüência pode ser vista
em nossas vidas. A fé possui uma única força motivadora.
Ela não pode ser chamada de um "fenômeno da vontade" porque, apesar da fé poder
mover montanhas, um Cristão recusa sua vontade própria, entregando-se para a vontade
de Deus: "Seja feita Tua vontade em mim, um pecador."
A fé só é ativa quando a alma está unida com a graça de Deus. E isso acontece em
grande extensão quando a alma está embelezada e unificada por amor. Como diz o
Apóstolo Paulo: "Fé que opera por amor.," que o eslavônico da Igreja expressa tão bem
com as palavras: "Fé acompanhada com amor," como se os dois estivessem andando
juntos suportando um ao outro em sua atividade (Ga. 5:6).
O Cristo da Igreja é fundado na fé como numa rocha, numa base sólida. "Os quais pela
fé venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas, fecharam as bocas
dos leões. Apagaram a força do fogo, escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram
forças, na batalha se esforçaram, puseram em fugida os exércitos dos estranhos" (Hb.
11:33-34).
Por certo absolutamente não. O grão de mostarda, não importa quão minúsculo, tem em
si próprio a plenitude de vida. Contendo vida no menor pedaço de "matéria," ele
prossegue para seu propósito e o atinge sem o menor desvio, sem, por assim dizer,
pecado pessoal. O Senhor falou de uma perfeição definitiva pela qual todos os Cristãos
devem se esforçar. Ele falou do ápice da santidade, na qual o crente é unificado com
Deus, Cuja força é ilimitada. Os Apóstolos e todos os realizadores de milagres que os
sucederam sempre realizaram curas e outros atos miraculosos no nome do Senhor Jesus
Cristo, através do poder da fé Nele e do poder da oração para Ele, ou no nome da
Santíssima Trindade, realizando a profecia: "... aquele que crê em mim também fará as
obras que eu faço, e as fará maiores do que estas" (Jo. 14:12). Quando as pessoas,
atônitas porque o Apóstolo Pedro tinha curado uma pessoa que era coxa de nascimento,
correram para os Apóstolos, Pedro disse a elas: "Varões israelitas, porque vos
maravilhais disto? Ou, porque olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude
ou santidade fizéssemos andar esse homem?... E pela fé no Seu nome fez o Seu nome
fortalecera este que vedes e conheceis; e a fé que é por Ele deu a este, na presença de
todos vós, esta perfeita saúde" (Atos, capít. 3).
A entrada de Ortodoxos nesse movimento esquece e até mesmo sacrifica certos pontos
de sua fé Ortodoxa. O mais importante na fé é esquecido e perdido. Todos o
Cristianismo não-Ortodoxo perdeu a Igreja. E os Ortodoxos entrando nesse
"movimento," o ecumenismo, não entendem que eles estão deixando a Igreja. A Igreja
não é um ajuntamento ou união de pequenos-crentes e pecadores, conduzidos por
"teólogos estudados." A Igreja é uma existência ou um mundo unificado
espiritualmente, um organismo Céu-e-terra, cuja Cabeça é o próprio Cristo. A Igreja
possui completa santidade e unidade. Os Apóstolos são seus líderes espirituais. Ela é
verdadeiramente universal, porque ela envolve o Céu e a terra. E nós, na terra, vivemos
nela, respiramos seu espírito, mas nela nós ainda somos "chamados." Sendo aceitos na
Igreja, nós somos os escolhidos, mas nós ainda não temos as vestes para entrar na
Câmara de Cristo. "Na verdade, eu contemplo Tua câmara adornada, e não possuo
manto para nela entrar." Nós ainda estamos em perigo de nos desviarmos do caminho,
como muitos e muitos já perderam esse caminho. Nós estamos na Igreja, mas nós
estamos entre aqueles "sendo salvos," não entre aqueles já salvos. E assim nós devemos
ser particularmente fiéis para com a Igreja, onde nós podemos receber ajuda dos
professores e irmãos celestes.
Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, que foi, é e será até o final do mundo.
Nós usualmente usamos dons da natureza para satisfazer nossas necessidades diárias.
Ao mesmo tempo, às vezes, nós devemos nos defender contra as forças da natureza, e
até mesmo lutar contra elas. A ciência aplica toda a sua força no estudo da natureza.
Essa análise é quase que inteiramente dedicada à aplicação dos poderes e recursos da
natureza em uma maneira prática e utilitária. A melhoria estética das plantas também é
motivada pelo desejo egoísta de decorar nossos ambientes. O estudo da vida animal
parece não-lucrativo na maioria dos casos, com suas observações e testes científicos,
mas geralmente ele contém uma visão e aproximação materialista. Esse caráter utilitário
e terrestre de acessar a natureza em sua totalidade é olhado hoje em dia como completo,
inteligente e racional.
Mas, por certo, muitas pessoas não concordam com essa visão estreita e egoísta, nem
com sua influência insalubre na alam humana. Se a humanidade como um todo declara:
"Tudo é nosso," a moralidade individual tira sua própria conclusão: "Tudo à minha
frente é para mim," — e essa já é a razão para a violação de leis sociais e crimes. Essa é
uma conclusão simples e natural.
Nós, ao contrário, vivemos segundo noções Cristãs que são independentes dessa retórica
prática. A natureza em sua grandeza e plenitude permanece diante de nosso intelecto.
Ela é cheia de mistérios não resolvidos. Ela é cheia de razões, que em boa parte parecem
ser totalmente inacessíveis à mente humana. Até nos dias presentes, forças
desconhecidas são reveladas nos eventos mais comuns da natureza. O universo inteiro,
assim como suas partes, têm sua própria direção, coordenação e propósito. Está cheio de
razões.
Só resta para nós admitir que o universo não precisa dos humanos para tomar conta
dele. Ainda mais, nossas atividades são, com freqüência, uma violação dos seus direitos.
Em vastas áreas da terra áreas mortas ou construções sem vida tomaram o lugar de
vegetação viva.
Mas a grandeza da mão criativa de Deus vista na natureza, não é diminuída por isso.
"Os céus manifestam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de Suas mãos"
(Sl. 19:1). Por essa razão os mentores, padres e professores da Igreja, desde os tempos
antigos até tempos recentes, com freqüência dirigem nossa atenção para a natureza —
uma pregadora do poder, bondade e grandeza de Deus. Assim São Basílio em sua obra
"Seis Dias" descreve o nascimento do universo em toda sua diversidade, de acordo com
a descrição da Gênesis. Seu irmão, São Gregório, o Bispo de Nissa, seguiu no mesmo
assunto, de alguma forma suplementando e esclarecendo as palavras de Basílio, e em
parte, dando especial atenção à origem da humanidade. O Venerável João Damasceno
em sua obra dogmática "Exposição sobre a Fé Ortodoxa" incluiu até mesmo um
capítulo sobre os movimentos dos corpos celestes e sua formação geral, de acordo com
as idéias científicas de seu tempo. E o justo São João de Kronstadt não chamou-nos para
ver Deus na natureza em seu diário "Minha vida em Cristo," como também fez uma
longa série de sermões para seus paroquianos sobre a vida na natureza, de acordo com a
descrição dos seis dias da criação nas Escrituras.
Nós citaremos agora, como exemplo, várias passagens a respeito de vida de plantas e do
organismo humano do trabalho de São Gregório de Nissa "Sobre o Sistema Humano."
A respeito da natureza.
O santo bispo vê em tudo isso o miraculoso respirar da vida. Ele chama de ou "força da
vida," "mente," ou num certo sentido "alma." Essa última noção ele divide em três
categorias: "a alma nutridora de crescimento" no mundo das plantas, "alma sensitiva" no
mundo animal, e "alam racional" no homem. Há três estágios consecutivos
estreitamente ligados. E o homem, desde seu nascimento, passa através dos estágios
iniciais, antes que sua alma racional seja revelada completamente, ela que desde o início
já era parte de seu potencial.
Isso que foi dito há mais de 1500 anos atrás implora para ser suplementado pelo
conhecimento moderno. Hoje em dia temos a nossa disposição os resultados de tais
invenções do século XX, ou mais precisamente — das últimas décadas, que aparentam
ultrapassar os poderes da natureza: os humanos ultrapassaram a sabedoria escondida na
natureza e aperfeiçoaram suas bênçãos. Assim parece, ao menos superficialmente. Mas,
só precisamos olhar profundamente para dentro de nós mesmos para vermos que todas
as conquistas da cultura, incluindo o computador, se conformam aos dons iniciais de
Deus que nós carregamos dentro de nós e dos quais fazemos largo uso. Assim, em nosso
cérebro, nesse caso muito simples, nós temos um inumerável número de câmaras, onde
temos nossos próprios dicionários de várias línguas, se nós as tivermos apreendido;
livrarias em miniatura, formadas pelas notas de nossa memória; arquivos cheios com
material de nossa vida inteira; trabalhos vocais ou musicais memorizados ou gravados
em nossas almas; há um dispositivo fotográfico onde são guardadas inumeráveis fotos;
quando estamos sozinhos, temos em nós mesmos uma audiência e uma classe para auto-
instrução. O aparato de nosso cérebro nos dá a habilidade de reproduzir a qualquer
momento o conteúdo do discurso que nós tenhamos ouvido, ou obras vocais ou imagens
visuais que foram impressas lá. Nós mantemos em nossos cérebros as nossas riquezas
espirituais, mas também lá deixamos com freqüência lixo desnecessário. Tudo isso
pertence à nossa alma eterna, e o senhor e gerente dessa riqueza é nossa mente, nossa
razão, que é também a avaliadora de nossa coleção. Seu trabalho é controlar nosso
conteúdo espiritual, que é protegido de uma maneira inexplicável dentro do cérebro, um
órgão físico, com toda a vida circundante, com a ajuda de uma série de outros órgãos
físicos.
São Gregório sugere que suas leituras colocam mentalmente uma pessoa, como criação
de Deus, próxima da escultura ou pintura dessa pessoa: que diferença entre o poder
criativo de Deus e criatividade imitadora dos humanos! Então nós podemos perguntar,
junto com o santo, se todas as conquistas modernas de nossa mente podem ser
comparadas com a estrutura espiritual e física de nosso ser? Podemos comparar os atos
abundantes-de-vida do Deus incompreensível, o Uno Criador e Provedor, com as muitas
vezes sem vida, falsas e até mesmo mortas conquistas do gênio humano?
São Gregório nota que em seu tempo a questão se a alma ou o corpo tinha sido criado
primeiro foi objeto de "confusão nas igrejas." Em resposta a isso, ele nega o próprio
palavreado da questão. Nem o corpo sem a alma, nem a alma sem o corpo podem
existir: eles são simultâneos em origem. As outras duas opiniões são fábulas tanto
quanto o ensinamento sobre a transição da alma.
Todas três forças agem na natureza humana, como mencionado antes: o crescimento, o
sentimento, e o raciocínio. "Mas não são três almas. A verdadeira e perfeita alma é, em
essência, uma, inteligente e imaterial, unida através dos sentidos coma essência
material." "Como a perfeição da alma consiste no poder da mente e no dom da palavra,
então tudo que não é assim (na natureza) somente pode ser algo similar à alma, mas não
uma alma verdadeira, mas somente alguma atividade viva, comparável à alma."
"Onde se poderia supor que resida a parte controladora da alma? Alguns dizem que o
centro controlador da alma (a mente — Editor) está no coração. Outros alegam que a
mente habita no cérebro." Os primeiros argumentam que o coração é o centro do corpo
inteiro, razão pela qual o movimento voluntário é facilmente espalhado pelo corpo todo.
Os outros vêem o templo do raciocínio no cérebro, dizendo que a cabeça é construída
por natureza como uma fortaleza do corpo todo, com a mente residindo nela como um
rei, cercada pelas áreas dos sentidos nas camadas exteriores do cérebro, como seus
arautos e protetores.
"Eu também aceito que os sentimentos estão baseados nas camadas exteriores do
cérebro, ficando sobre o cérebro dentro da cabeça, de acordo com os cientistas. Por essa
razão o poder do pensamento da alma freqüentemente torna-se confuso; eu não nego
tais assertivas depois de ouvir aqueles que fizeram pesquisa anatômica... Nós também
não minimizamos o significado do coração... Mas paremos com o vazio falatório
daqueles que querem confinar a atividade pensante dentro de qualquer parte do corpo
como numa caixa... A alma e a mente pertencem ao corpo inteiro, à todos os seus
membros; as duas comandam o corpo também...Mas como o corpo é construído como
um instrumento musical, então, como com freqüência acontece na música, que os
profissionais não possam mostrar sua habilidade devido a falta de mérito dos
instrumentos — assim a mente, agindo ou no instrumento inteiro — o corpo, ou em
membros individuais, só consegue resultados quando os membros são encontrados em
seu próprio estado natural; mas se os membros do corpo não estão em seu estado
natural, então a mente fica sem sucesso e inativa."
O corpo e a alma, de acordo com a lei maior colocada pelo comando de Deus, possuem
um mútuo "ponto-de-partida," "de maneira que a pessoa não seja mais velha nem mais
nova do que si própria...."
Como dizemos que uma semente de trigo ou qualquer outra semente potencialmente
contém dentro de si tudo relativo ao seu futuro amadurecimento: folhas verdes, talo,
galhos e sementes, assim também podemos assumir que ambos elementos de um
organismo, o corpo e a alma, já estão presentes quando tudo está sendo esquadrinhado
para o início de vida de uma pessoa, com todas as suas características. A aparência
única de um indivíduo é baseada em suas qualidades iniciais. "Nós assumimos que o
que o (organismo) vivo procura dentro de si para servir para o início de sua vida não é
algo morto ou inanimado. O estado de morte resulta da perda da alma."
"Como o corpo cresce de sua menor para a sua altura total, assim a atividade espiritual
se desenvolve e é revelada numa pessoa, de acordo com o desenvolvimento do corpo.
No desenvolvimento inicial do corpo, há somente poder de crescimento na própria alma,
como alguma raiz escondida no solo... Mais tarde, quando essa planta vem para a luz e
mostra seu crescimento para o sol, o dom dos sentidos floresce. Quando essa planta
amadurece e atinge a altura apropriada, então ela começa a mostrar poderes de
raciocínio, como uma fruta, nem tudo ao mesmo tempo, mas crescendo rapidamente
com o crescimento de sua casca física, dando seu fruto de acordo com os poderes
individuais da pessoa."
Esse assunto é muito pertinente em nosso tempo, pelo fato de que, para alguns
representantes do pensamento teológico e filosófico russo, ele está ligado com as idéias
sofiológicas a respeito de uma presença feminina em Deus. Isso resulta de uma singular
interpretação de Gênesis 1:27: "E criou Deus o homem à Sua imagem; à imagem de
Deus o criou; macho e fêmea os criou." Aplicando o método de dedução reversa,
contrário às leis da lógica, para esse versículo da Escritura, algumas pessoas encontram
suporte para a idéia de uma misteriosa "Sofia," como faceta feminina em Deus.
"O que a palavra "imagem" significa? E como macho e fêmea coexistem nessa imagem,
quando eles não estão presentes em Deus como a Imagem Primária?" — lê-se no
cabeçalho do capítulo 16 do escrito acima mencionado do santo. Relataremos o
conteúdo desse e de capítulos seguintes em forma condensada.
O que a palavra "imagem" significa? Somente a Verdade pode explicar isso claramente.
Mas nós, tanto quanto podemos, pensamos nisso por conjectura e suposição.
De um lado, a patética pobreza da essência humana não pode ser comparada com a
abençoada impassividade da vida Divina; de outro lado, — o Verbo, dizendo essas
palavras a respeito da imagem de Deus no homem, não está mentindo. Porque a
essência Divina é abençoada, enquanto a humana é calamitosa, se no Santo Escrito o
humano é considerado comparável ao Divino? Examinemos precisamente as palavras. É
dito: "Façamos o homem à Nossa imagem, conforme à Nossa semelhança;... E criou
Deus o homem à Sua imagem; à imagem de Deus o criou." A criação é completada de
acordo com a imagem de Deus. Então essas palavras são repetidas, dizendo "macho e
fêmea os criou," o que parece ser singular em relação à noção usual de Deus. Por essa
razão a estrutura de nossa natureza é, de certa forma, dupla: uma é comparável à
natureza de Deus, e a outra é diferente, sendo dividida em dois sexos... "Pois eu penso,
que algum dogma grande e elevado está relacionado através das Sagradas Escrituras
com o que é dito, e é o seguinte: a natureza humana está posicionada no meio das duas
naturezas extremas, a natureza Divina — incorporal, e a vida silenciosa — muda e
bestial; da Divina — verbosidade e raciocínio; da muda — a estrutura física, com a
divisão entre macho e fêmea..." "Que ninguém fique bravo comigo pelo pensamento
que se segue. Deus, por Sua essência, contem todo o bem que pode ser imaginado ou
compreendido. Ele só criou o homem porque Ele é bom..., e o provê com graças que
não faltam. E a palavra de Deus, unificando todo o bem dado para o homem, indica isso
sucintamente: o homem foi criado "na imagem de Deus." Se a Divindade é a plenitude
das bênçãos, e o homem é a Sua imagem, então somos capazes de tudo que é
maravilhoso, de qualquer virtude e sabedoria; e uma dessas bênçãos é liberdade, porque
virtude é algo que não pode ser subjugado, mas permanece livre sempre." Toda a
humanidade tem essas excelentes qualidades, apesar de chamada coletivamente, na
pessoa do primeiro homem, "Adão" ("alguém tomado da terra"). O que é forçado e
compelido não pode ser virtuoso.
O santo responde a pergunta seguinte com grande cautela: porque o presente método de
reprodução foi escolhido para a humanidade, e não um que "teria nos assemelhado aos
anjos?" "Nossa opinião é a seguinte," responde ele, dando a seguinte razão: "Como o
Criador viu com Sua "visão-percebedora-de-tudo" que a escolha humana não conduziria
a humanidade para sua predestinada perfeição por um caminho reto, e por conseqüência
ela se afastaria da vida Angélica, então, para que o número de almas humanas não
permanecesse pequeno pela perda daquela habilidade pela qual os anjos crescem em
número, — o Criador proveu o homem com outro método de reprodução, uma que se
adaptasse melhor aos pecadores, fazendo esse método de sucessão mais parecido com o
das bestas e sem sentido. É por essa razão, me parece, que o grande Davi, se apiedando
da pobreza do homem, clama sobre a natureza humana com as seguintes palavras: "O
homem que está em honra, e não tem entendimento, é semelhante aos animais, que
perecem" (Sl. 48-20).
"Eu penso," — continua São Gregório, — que todas as paixões brotam dessa fonte,
inundando nossa vida inteira... Amor pelo prazer, tendo um início como animal, ganhou
poder na vida humana através da assistência dos pensamentos. Daí vieram, vingança,
inveja, falsidade, más intenções, hipocrisia. Todos esses, rebentos das más intenções da
mente. Mas, ao contrário, se a razão toma poder sobre esses movimentos, então cada um
deles se torna em uma virtude. Assim, irritabilidade se torna coragem, timidez —
cautela, medo — obediência, ódio—repugnância pelos vícios, poder do amor —desejo
pelo verdadeiramente dignificado, e grandeza de disposição (conhecimento do próprio
valor) —eleva acima das paixões... Assim o grande Apóstolo nos ordena a estarmos
continuamente "pensando nas coisas de cima" (Coloss. 3:2). Então a elevação dos
pensamentos se ajustará à beleza daquilo que é a imagem de Deus. Aqueles em quem a
beleza inicial não desvaneceu são uma confirmação viva da verdade do que foi dito, que
o homem foi criado com a semelhança de Deus."
Deus, Que governa tudo, também previu que a raça humana conquistaria algum dia uma
certa plenitude, e então esse método de regeneração terminará. O tempo terminará
também, e o universo inteiro será renovado. Com essa mudança, a humanidade passará
de finita e terrestre para vida livre de paixões e eterna quando as trombetas da
ressurreição soarão.
Assim, apesar do homem pecar depois da queda do céu, ele ainda mantém a imagem de
Deus. Sua mente ainda tem os traços de sua Imagem Original. "Como Deus é mais
maravilhoso que e superior a todo bem possível, a mente é decorada com a semelhança
da beleza prototípica, como um espelho refletindo o que está diante dele. Então a
natureza espiritual inteira adere à mente e é ela mesma embelezada por similar beleza,
tornando-se como um espelho refletindo outro espelho; dessa maneira o lado material
também é protegido e mantido. Assim, "enquanto um mantém o outro, a verdadeira
beleza é comensuravelmente refletida em tudo; o que decora o mais alto imediatamente
embeleza o mais baixo. Mas quando essa boa união é anulada, ou quando o mais alto
segue o mais baixo, então, quando essa matéria mais baixa parte de sua norma, sua não-
imagem é revelada (porque a matéria sozinha não tem imagem e nem estrutura). Então,
através dessa falta de imagem a beleza da natureza, previamente realçada pela mente, é
estragada. Então a impureza é transferida para a própria mente, de modo que a imagem
de Deus não pode mais ser vista nos traços da criação (homem). A mente,
permanecendo em si uma imagem da divindade, agora como um espelho estilhaçado,
não reflete mais os belos traços da divindade, mas reflete a feiúra da matéria. Assim,
pelo cancelamento do adorável, o maligno é introduzido."
"Nós, de outro lado, temendo tal desastroso resultado," — conclui o santo, — "ouvindo
o chamado do Apóstolo Paulo: "... pois que já vos despistes do velho homem com os
seus feitos. E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a
imagem Daquele Que o criou" (Coloss. 3:9-10), — retornemos para aquela divindade
como a de Deus, com a qual Deus criou o homem no início, dizendo: "Façamos o
homem à Nossa imagem, conforme à Nossa semelhança."
Quando nos familiarizamos com as obras dos santos padres, particularmente com os dos
séculos IV e V, nós só podemos nos inclinar diante da maneira pela qual os padres da
Igreja conheciam perfeitamente e empregavam seu conhecimento das Sagradas
Escrituras. De outro lado, só podemos nos maravilhar com o grande conhecimento das
ciências de seu tempo que eles possuíam, incluindo história, ciências naturais (como no
exemplo acima), filosofia e até mesmo mitologia pagã (como São Gregório o Teólogo),
na extensão que elas contribuíam para a formação da visão Cristã do mundo. Os curtos
excertos dados do trabalho de São Gregório de Nissa, por certo, não mostram em que
detalhe ele examinou a estrutura anatômica do organismo humano e todos os seus
órgãos, correspondendo ao conhecimento de seu tempo. Ele fez isso para mostrar as
condições favoráveis que se tem para atender ao chamado de "ser um amigo de Deus,"
como o profeta Davi é chamado na Gênesis, e para manter sua régia posição na terra.
O presente é muito diferente. Os diretores modernos da consciência humana se
aproximam da psique de uma pessoa da mesma maneira que a natureza é tratada hoje
em dia — com uma mente prática e de negócios. O presente estado é aceito como o
requerido, norma perfeita, só capaz de desvio para um lado ou para outro. A psicologia
experimental moderna foca o estudo dos vários desvios, subnormais e, talvez, estados
espirituais artificiais. Daí o estudo da psicologia do subconsciente, suas fontes obscuras,
esferas sombrias, expresso em sonhos ou tendências psicossomáticas semiconscientes.
Não há menção de psicologia como uma ferramenta educacional para elevação moral
dos humanos. A história manteve a memória de gênios humanos, fornecendo um rico
material para a psicologia, assim como para a análise e esclarecimento da boa ou má
condição da perfeição espiritual de uma pessoa. Uma ligação da psicologia moderna
com a religião seria ainda menos provável que existisse. A literatura artística moderna
está conduzindo para o mesmo caminho decadente.
Nossa época já se revelou totalmente. Não virá logo uma nova época, revelando poderes
espirituais para reinstalar a união do conhecimento científico com a fé Cristã para criar
uma visão unificada do mundo, os primeiros passos para a qual foram dados pelos
padres da Igreja? Ou fé e ciência continuarão seus caminhos separados?
Como deveríamos entender a expressão "A Igreja ensina." Eu fui batizado, eu sou um
membro e parte da Igreja. Isso significa que eu também participo na autoconsciência da
Igreja? E ainda mais, "nós," tomados juntos, participando nos ofícios, apreendendo a
Lei de Deus, não somos os locutores da consciência geral da Igreja? Onde está essa
Igreja "que ensina," na qual nós deveríamos procurar instrução?
Para isso, consideremos o que é a Igreja de Cristo em sua plenitude. Não esqueçamos
que a Igreja é uma santa parte do mundo de Deus. Nós não podemos sequer imaginar a
vastidão da Igreja e a profundidade de seu conteúdo espiritual. Nós não somos mais do
que partes temporárias da Igreja terrestre, com freqüência desviadas por cuidados
mundanos. Poderíamos nós facilmente atingir o nível espiritual que nos capacitaria
perceber a plenitude da vida da Igreja? Por essa razão nós procuramos orientação dos
santos padres da Igreja de todas as épocas. Todos esses santos padres tiveram um
consenso geral com relação à fé. E nós vemos que nenhum deles ensinou nada sobre fé
que fosse diretamente deles, mas participaram da fonte da Igreja. O que é essa fonte?
Ela consiste de duas partes: 1) as Escrituras do Velho Testamento e 2) o Novo
Testamento, o Evangelho de Cristo e Seus santos apóstolos.
Cada um de nós é um cidadão de seu pais, mas cada um de nós conhece todo território
de seu pais, seu conteúdo, suas necessidades, todas as suas leis? Nem nós deveríamos
simplificar nossa visão da Igreja, a catolicidade da qual é expressa não só na unidade de
seus membros celestes e terrestres, mas também na plenitude de seus mistérios, alguns
dos quais são abertos e acessíveis para nós, e alguns são completamente desconhecidos.
Nós devemos admitir que quando pessoas, muito seguras de si, consideram-se com
poderes para acrescentar aos ensinamentos da Igreja, através de suas considerações
filosóficas ou pessoais, isso só mostra que eles não conhecem a Igreja. Ou eles não
admitem que a Igreja tem uma resposta pronta para o que eles estão procurando, ou eles
estão invadindo áreas em que até os anjos temem se intrometer.
Nós ainda temos que considerar a imagem da sabedoria do Velho Testamento mais
atentamente, porque a época presente tenta introduzir algo novo, também sob o nome de
"Sabedoria," na fé Ortodoxa.
Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo
conheces.
Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta, que não a posso
atingir.
Para onde me irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face?
Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali
estás também;
Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe, e no teu livro todas
estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas,
quando nem ainda uma delas havia.
Alegoria está presente em nosso falar o tempo todo: o clima está "enganoso," a vista
está "falhando," os feriados estão "se aproximando" e assim por diante. Personificação é
a técnica artística geral. "Porque, obscuros bosques, porque estais pensativos?
Escurecidos com tristeza?" "Nuvens do céu, eternas peregrinas! Correndo pelas estepes
azuladas como uma cadeia de pérolas, o mesmo que eu, desterradas, do amado norte
para as terras do sul" (M. Lermontov) " Minhas campânulas, flores das estepes? Porque
vós, azuladas, olhais para mim? (Canção folclórica russa).
Em adição, o autor do livro de Provérbios faz um alerta nas primeiras palavras de que
ele está escrevendo principalmente para os "jovens" e para os "simples," esperando que
p leitor seja capaz de "compreender as parábolas ali," isto é, alegoria, "discurso
intrincado com seus enigmas."
Ao mesmo tempo o autor definitivamente afirma que ele está falando da Divina fonte da
Providência presente no mundo. Assim nós temos o direito de relatar excertos separados
dos dois livros mencionados para outros, onde o pensamento do Velho Testamento
eleva-se para a vinda do Salvador para o mundo como a mais alta expressão da
Providência de Deus.
A sabedoria humana também é louvada nesses livros, se ela está unida com a
sensitividade moral, porque então ela também tem a Divina Sabedoria como sua fonte.
Cada objeto e cada ser vivo tem seu próprio e grande numero de características,
atributos e diferenças. Sabedoria em si é só um atributo, ela pode ser completa, como a
sabedoria de Deus, ou limitada, como na criação. Ambas as formas são apresentadas no
Livro de Provérbios. Se sabedoria tem certo número de atributos ligados a ela, isso não
significa que ela é a única proprietária deles, ela é só uma entre outros, cada um deles
tendo seu próprio nome, enquanto o grupo todo de atributos tem seu próprio
carregador geral sob seu próprio nome. Talvez por isso os sofiologistas acrescentam
o nome "Sofia" a "Sabedoria," como se a primeira carregasse a segunda como um
atributo. Mas isso, de fato, é pura tautologia (redundância), quando coisas idênticas são
nomeadas com duas palavras. O nome não eleva o conteúdo daquilo no qual é aplicado.
Qual é a questão então? Não estão os sofiologistas usando nomes das Escrituras para
introduzir conceitos substanciais e concretos estranhos às verdades das Escrituras e
Cristãs?
Como tudo isso é contrário à própria idéia monoteísta das Escrituras! Não há nada em
comum entre monoteísmo e politeísmo na própria essência deles, assim como entre fé e
ateísmo. A essência toda da religião do uma vez escolhido povo de Deus, o inteiro ardor
dos discursos proféticos, das exortações, das ameaças, dos gritos de dor espiritual,
foram feitos direta e precisamente na batalha com esse "culto de vida" pagão, com o
culto do "inicio ancestral da vida," em sua forma mais baixa, e foi isto que formou o
espírito do politeísmo em diferentes variações. A religião das Escrituras é
completamente livre desse elemento. Ela vê todas as tragédias das pessoas e a história
toda delas do ponto-de-vista de sua queda por conta das idéias básicas pagãs e por conta
das orgias desses cultos conectadas com eles. Os profetas previram e explicaram a
destruição do estado, os problemas das nações, como uma direta punição pelo
afastamento da pura moral do monoteísmo, pela traição à Deus.
Em resposta nós temos oferecida a seguinte citação do primeiro capítulo das Escrituras:
"... à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou." Disso deriva uma conclusão
reversa: que o que foi estabelecido na natureza humana, é também característica da
natureza Divina. Mas tal conclusão é uma violação da lei elementar da lógica — uma
conclusão reversa por analogia. Eu vejo claramente num espelho polido: mas eu não
posso deduzir daí que minha face também é polida e brilhante, como o espelho. O
Apóstolo escreve dos pagãos: "... em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração
insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória
do Deus incorruptível em semelhança do homem corruptível, e de aves, e de
quadrúpedes, e de répteis (Rom. 1:21-23). Temos que imitá-los?
Só podemos louvar Deus pela sábia ordem sobre a terra. Pela Sabedoria de Deus, pela
corrente de inumeráveis nascimentos, pela junção dos elementos macho e fêmea da
criação, incontáveis variações de formas, tipos e aparências foram realizadas na terra.
Uma mudança de gerações é criada através dessas condições, uma plenitude e harmonia
do todo, e tal riqueza de individualidades que não existem, não existiram nem existirão
duas pessoas completamente iguais, nem mesmo duas árvores são iguais como duas
gotas de água. Mas a sabedoria de Deus colocou a lei de reprodução através da união
física de duas criaturas de um só tipo, dando a elas as correspondentes variações na
estrutura corporal. E não somente diferenças na forma foram realizadas. Ainda mais:
uma família foi formada, a célula básica da sociedade humana. Mas, ai de mim! Eles
estão agora até mesmo tentando destruir a família... Mas somente na família, desde a
infância, as pessoas apreendem a amar e não egoisticamente servir uns aos outros!
Quando os sofiologistas usam uma linguagem mais simples, eles nos revelam que eles
significam que a "alma do mundo" é a carregadora da sabedoria.
Essa é outra questão inteiramente. Deve-se reconhecer desde o início que a idéia de
alma do mundo é completamente estranha ao Cristianismo e às Escrituras. Os
sofiologistas deveriam parar suas tentativas de encontrar apoio nas Escrituras e, ao
invés, Cristianizar suas idéias.
A alma é o próprio cerne de qualquer coisa, inerente e incorporada num ser. Daí segue,
então, que todas as ocorrências negativas na vida do mundo, dos humanos, de todos os
seres conscientes, todo o mal que existe, seria falta ou culpa da alma do mundo. De
outra forma, que tipo de alma do mundo ela seria, se só tivesse responsabilidade pelos
elementos positivos do mundo? Não, ela sofreria sob o grande peso do mal, impotente
para reviver seu corpo todo-abarcante. A humanidade precisa dela talvez, para que as
pessoas possam por ao largo suas responsabilidades pessoais? Tal tentação é desonesta,
vã, e, na verdade, fútil!
Se essa alma é para ser imaginada uma criação Divina, ideal, pura, um "anjo-protetor"
do mundo (existe esse ponto-de-vista também), então, na presença da Divina
Providência, o que ela dá para o mundo?
E aqui, ao invés de uma resposta, nós encontramos outro, um mais profundo oculto
motivo do sofianismo. Eles dizem que há algo que está faltando no ensinamento da
Igreja sobre o mundo, nomeadamente, falta o elemento feminino largamente encontrado
na natureza. Aqui a discussão reverte para o próprio início da existência. Nós podemos
também ver claramente a queda da moderna visão do mundo Cristã no pântano de
antigas idéias e cultos politeístas pagãos. Tendo sido estudados nos tempos modernos
em detalhes, os antigos cultos estão completamente revelados para nós, falando
abertamente, tão claramente obscenos e nefandos, atraindo em parte a atenção e sendo
cultivado por escritores modernos. Por certo, só a idéia pura é extraída deles pelos
sofiologistas: a idéia da plenitude da estrutura do mundo, a "plenitude de vida,"
expressa pela presença dos dois componentes principais do mundo vivo: o macho e a
fêmea. E já que, de acordo com visões modernas não da Igreja, o Cristianismo é
somente um dos numerosos sistemas religiosos, então, por seu papel de liderança do
Cristianismo, a idéia é suplementar o ensinamento da Igreja com a idéia purificada da
"fonte feminina" como um poder ativo no mundo.
Mas nós ousamos não aplicar as leis da vida, implementadas somente na terra, para o
reino da Divindade e do celeste, para o reino dos anjos e outros seres incorporais!
Se imaginamos ser ela uma faceta da Una Divindade, então não há lugar para ela no
Cristianismo, mesmo nas formas Cristãs completamente afastadas da Ortodoxia. Há
Cristãos que não confessam a Santíssima Trindade, mas não há nenhum que confesse
um Quarteto.
E ainda que ela fosse uma "faceta física," "então ela só poderia ser a primeira, dando
inicio para um incontável número de outros seres físicos, em outras palavras: faces,
indivíduos. Eles não podem pretender que a existência dela absorva todas as
personalidades abaixo dela, incluindo nós!?
E de fato toda "a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa
do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da
servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus" (Rom. 8: 20-21).
Mas a misericórdia, bondade, amor, caridade, e amor pelo homem de Deus não têm
limites. Nem no Verbo de Deus, nem na fé da Igreja Ortodoxa há a mais leve insinuação
de alguma coletiva, unificadora, e ao mesmo tempo individual, "alma do mundo."
"Toda alma, todo ser que respira, é vivificado pelo Espírito Santo." O salmo 50(51), um
produto do Velho Testamento, um companheiro perpétuo das orações Cristãs,
testemunha a eterna fé no Santo Espírito de Deus, presente no mundo e o fiel diz: "Não
me lances fora da Tua presença e não retires de mim o Teu Espírito Santo. Torna a
dar-me a alegria da Tua salvação, e sustem-me com um espírito voluntário." Nós
oramos com essas palavras desse salmo.
O autor do livro "A Sabedoria de Salomão" assim confessa a sua fé: "E o Teu projeto,
quem poderia conhecê-lo, se não lhes desses sabedoria e se das alturas não enviasses o
Teu Espírito Santo? (9:17) Por isso orei, e a prudência me foi dada; implorei ( à Deus)
e me veio o espírito de sabedoria....(7:7) Tudo o que está oculto e tudo que se vê eu
conheço, pois a sabedoria, artífice de todas as coisas me ensinou. Pois há nela um
espírito inteligente e santo, único, múltiplo(não como "espírito"—criação, mas como o
"sopro do poder de Deus," como reflexo da eterna luze o puro espelho das ações de
Deus e a imagem da Sua graça—páginas seguintes), sutil, vivo, claro, sem mancha,
invulnerável, amante do bem, penetrante, benfazejo, humanitário, constante, seguro,
sem inquietações, que tudo pode, que tudo supervisiona, e penetra todos os espíritos, os
inteligentes, os puros, os mais sutis." "E o Teu projeto, quem poderia conhecê-lo, se
não lhes desses sabedoria e se das alturas não enviasses Teu Santo Espírito? (7: 21-23;
9-17). "Teu Espírito incorruptível está em todas as coisas" (12:1).
Não há diferença por conta do gênero gramatical que é usado para expressar as noções
da fé Cristã. Isso só tem a ver com as características de uma língua ou outra. Por
exemplo, a palavra "Espírito" na língua grega é do gênero neutro. E na Rússia, todos os
nomes "qualitativos," não relacionados com objetos concretos, são expressos no gênero
feminino.
A Igreja nos ensina essa visão do mundo. A Igreja vive no Espírito Santo, e o Espírito
Santo a preside. Os pensamentos em forma de oração sobre o Espírito são construídos
de modo tal que nós venhamos a compreender essa constante presença do Espírito nos
fiéis e entre os fiéis. Nós sempre pedimos por uma renovação de Sua proximidade
conosco.
Vida na Fé.
D
" eus é luz, e não há Nele trevas nenhumas" (1 Jo. 1:5). Porque Deus é chamado de
Luz? Claramente, ela representa a perfeição de Deus: perfeita Benevolência, em
perfeita Pureza, perfeita Santidade, perfeita Verdade, perfeita Bondade e Amor, unidos
com Bem-aventurança, perfeito Poder criativo, perfeita Contemplação, perfeita
Consideração e Liderança para o mundo.
De acordo com os Padres da Igreja, Luz não é a essência de Deus, é a plenitude de Seus
atributos e a expressão deles. E o cantor-de-Salmos expressa a manifestação desses
atributos no salmo 103(104), com as palavras: "Tu Te revestes de luz como de um
manto."
É importante lembrar que as palavras "luz de fé" não são meramente um "símbolo" da
experiência da fé. Elas expressam a genuína iluminação ou brilho da alma. O mesmo
São Gregório o Teólogo nos dá os seguintes exemplos dessa fé, expressos nos salmos
do Velho Testamento, em suas palavras sobre a festa da Epifania ("a Festa das Luzes"):
"... alumia os meus olhos para que eu não adormeça na morte; (Sl. 12[13]: 3).
"A luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração (Sl. 96[97]: 11).
"Tu és mais ilustre e glorioso do que os montes de presa (Sl. 75[76]: 4).
"O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? (Sl. 26[27]: 1).
"Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem (Sl 42[43]: 3).
"... Senhor, exalta sobre nós a luz do teu rosto (Sl. 4: 6).
Na Igreja do Novo Testamento essa luz é mais forte e mais abundante. Ela foi
profetizada pelo profeta Isaias: " E será a luz da lua como a luz do sol, e a luz do sol
sete vezes maior, como a luz de sete dias, no dia em que o Senhor ligar a quebradura de
Seu povo, e curar a chaga de sua ferida" (30: 26)... E também: "Levanta-Te,
resplandece, porque já vem a tua luz, e a glória do Senhor vai nascendo sobre ti... E as
nações caminharão à tua luz (60: 1 e 3).
Não podemos prosseguir sem mencionar as cartas Apostólicas aos novos convertidos,
pelo menos brevemente.
O Apóstolo Pedro assim descreve o significado da entrada na Igreja de Cristo: "Mas vos
sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que
anuncieis as virtudes Daquele Que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz"
(1 Pe. 2: 9).
O Apóstolo João o Teólogo: "Porque a Vida foi manifestada, e nós a vimos, e
testificamos dela, e vos anunciamos a Vida eterna que estava com o Pai, e nos foi
manifestada... Deus é luz... se andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão
uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o
pecado" (1 Jo. 1:2 -7).
"Porque Deus Que disse que das trevas resplandecesse a luz, é Quem resplandeceu em
nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus
Cristo" (2 Cor. 4:6).
"Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo como um espelho a glória do Senhor,
somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do
Senhor (2 Cor. 3:18).
"As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do
homem, são as que Deus preparou para os que O amam (1 Cor. 2:9).
Junto com essa iluminação da alma, essa elevada iluminação da razão, a Palavra das
Escrituras nos ensina, uma alegria, ou sopro de bem-aventurança, é introduzido na
alma.
"A luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração (Sl. 96[97]: 11).
São João o Precursor diz de si próprio: "... o amigo do esposo... alegra-se muito...
Assim, pois esse meu gozo está cumprido. É necessário que Ele cresça e que eu
diminua" (Jo. 3:29-30). O Apóstolo Paulo, quando confessando de si: "Já estou
crucificado com Cristo" (Gal. 2:20) (tais eram os problemas causados pelos inimigos de
sua pregação), está cheio de alegria Cristã e passa isso para seus filhos espirituais:
"Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez vos digo, regozijai-vos" (Filip. 4:4). "...
meus amados e mui queridos irmãos, minha alegria e minha coroa.." (Filip. 4:1). Essa
mensagem de sua epístola aos Filipenses está presente também em suas outras santas
epístolas. Confidente de Cristo, o Apóstolo João, expressa isso mais fortemente: "Estas
coisas vos escrevemos para que o vosso gozo se cumpra" (1 Jo. 1:4). Nós vemos aqui a
verdade que uma crescente perfeição moral é acompanhada por um alegre estado da
alma. Ao mesmo tempo, como vemos mesmo nesses curtos excertos das epístolas, há
um crescimento do amor, de uma amorosa, branda e afável atitude para com todos.
Acrescente-se que esse esforço para a Luz mostra claramente os defeitos de quem o faz,
e ainda mais mostra suas quedas, de modo que eles não ficam enamorados de seus atos.
Isso produz uma humildade natural e nobre, e particularmente é instilado o temor de
Deus, o que é expresso no Salmo 85[86] assim como nas orações do padre durante o
ofício de vésperas: "une o meu coração ao temor do teu nome." Tal é o aspecto de
estados espirituais Cristãos. Isso é o que "Viver na Luz" significa. Assim a Luz de
Deus é derramada no mundo.
Não obstante todas as violações no campo da religião, parece óbvio que a parte positiva
da cultura prática ocidental cresceu de uma base Cristã, — seja a imprensa (Gutenberg,
para livros da Igreja e principalmente as Escrituras), literatura artística, "novelas"
(brotando da hagiografia do período escolástico romano), os trabalhos dos grandes
compositores (escritos inicialmente para serem executados nos ofícios da Igreja), arte
(da arte da Igreja), ou arquitetura (dos intrincados projetos da arquitetura de Igreja).
De outro lado, nós estamos conscientes que a fé Cristã não rejeita a cultura secular e as
necessidades diárias, o que é atestado pelas próprias Escrituras. Assim, nós lemos no
Evangelho no quadragésimo dia da Ressurreição de Cristo, os discípulos do Senhor
foram para seu turno noturno de pesca. O Apóstolo Paulo, completamente devotado à
pregação da Ressurreição de Cristo e aos ensinamentos Dele, também gastava tempo
fazendo tendas, para que os outros não tivessem que se preocupar em mantê-lo. O
Evangelista Lucas foi um médico e também artista, além de ser o autor de dois livros
importantíssimos: o Evangelho e o Livro dos Atos dos Apóstolos.
Mas, pela palavra do Senhor: "Nem só de pão vive o homem." E nossa autoconsciência
pessoal nos ensina, que nosso escopo, e, portanto nosso propósito está acima das
demandas da simples existência, e nos limitarmos a esse lado físico significa nos privar
da plenitude da vida. Mas nós diremos de um ponto-de-vista Cristão: é mais do que uma
privação das alegrias da terra, mas também das bênçãos da vida eterna em Deus, e isso
significa morte espiritual!
Luz e trevas.
Mas a visão Cristã do mundo é diferente, e dito simplificadamente: tem "fé." O Senhor
Jesus Cristo ensinou os Seus discípulos e outras pessoas no Sermão da Montanha: "Mas
ajuntai tesouros no céu... pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso
coração." "A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se teus olhos forem bons,
(em Eslavo "prosto" ou "simples," isto é, diretos, em condição saudável), todo o teu
corpo terá luz ( Nós veremos claramente nossos passos, nossos atos, nós mesmos).
"Porém, se os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto a luz que
em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas! (Em eslavônico, a tradução é:
quantas vezes maior ela él —Mt 6:20-23). Que tipo de trevas espera uma pessoa no
futuro, se ele já se retirou da luz de Deus aqui na Terra... Protegei-vos, humanos, para
que não vos declareis descrentes, ateístas e predetermineis assim vossa destinação para
as trevas "absolutas" (Em eslavônico, a palavra, "kromeshniy" para absoluto deriva de
"krome," ou "sem," "fora da" luz de Deus), externas em relação ao onipresente Deus...
O autor do não-canônico, porém reverenciado livro "A Sabedoria de Salomão," nos seus
últimos dois capítulos, dá uma assustadora imagem da absoluta "trevas egípcias" que
aconteceu no Egito antes do êxodo dos judeus. Essa é um símbolo da outra, das "trevas
eternas."
Para a pessoa que crê, para o Cristão, "E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a
compreenderam" (Jo. 1:5). E em complemento às palavras do Sermão da Montanha
citado acima, o Evangelista Lucas acrescenta as seguintes palavras do Senhor: "Se, pois,
todo o teu corpo é luminoso, não tendo trevas em parte alguma, todo será luminoso,
como quando a candeia te alumia com o seu resplendor" (Lc. 11:36).
Em tais candeias de fé a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica teve seu início e foi
estabelecida.
A Igreja de Cristo
de acordo com os ensinamentos de São Simeão, o Novo Teólogo.
Por certo, os laços dentro da Igreja são expressos em certas ações e atividades; porém
esse aspecto é somente derivativo, tendo a oração como sua fonte original.
É esse entendimento também mantido nos ensinamentos dos santos padres da Igreja?
Sim, os pensamentos dos santos padres estão plenos dele. Nós apresentamos um
exemplo dos trabalhos de São Simeão, o Novo Teólogo, que viveu no tempo entre o
primeiro e o segundo milênio (ele repousou cerca de 1020 AD). Nós consideraremos
seus pensamentos sobre a vida interior da Igreja de Cristo como um corpo celeste e
terrestre, expressos na 24ª "Palavra." Nos pensamentos apresentados, o santo nem faz
uma distinção entre as duas condições possíveis de membros da Igreja — terrestre e
celeste, — não porque ele os rejeite, mas para tornar claro que a Igreja é "um Corpo
sob Uma Cabeça," uma "plenitude do Um Que cumpre tudo em todos."
Sobre a Igreja
Pelo Protopresbítero Michael Pomazansky
No entanto, foi por alguma razão que nosso Divino Salvador nos deixou parábolas: a
parábola da rede que traz para a praia não só peixes bons, mas também maus; a parábola
do campo no qual o proprietário deixa o joio crescer com o bom trigo até a colheita. Os
Apóstolos fundaram a Igreja através do Mistério visível do Batismo de todos os que
declararam para eles sua fé em Cristo. E a Igreja foi, como permanece, uma rede ou um
campo para "todos aqueles que querem ser salvos e chegar ao conhecimento da
verdade." Para aqueles que querem a vida eterna, apesar de ainda estarem vivendo "na
esperança," não tendo ainda entrado no repouso celeste.
Por isso, a Igreja Apostólica Ortodoxa responde: tal igreja invisível que, no meio de
muitas divisões confessionais, ou acima delas, escolheria as pessoas dignas dentre elas,
e as uniria todas — não existe.
Porém iso nem de longe significa que nós Cristãos Ortodoxos não acreditamos numa
Igreja Invisível. Se nós não acreditássemos, nós não pronunciaríamos no Credo
diariamente, ou mesmo várias vezes por dia, tanto nos ofícios Divinos quanto nas
orações em casa, "Creio" com respeito à Igreja. Fé, na definição do Apóstolo é "a prova
das coisas que se não vêem" (Hb. 11: 1). Nos três últimos parágrafos do Credo nós
aplicamos as palavras "Eu confesso" e "Eu espero...." Isso significa que em nosso
ensinamento sobre a Igreja nós reconhecemos também sua esfera invisível. Onde é e o
que é ela?
Quando nós falamos sobre a Igreja, e nas discussões escritas sobre ela, com freqüência,
como se fosse, nós esquecemos essa esfera, e por esse fato nós enfraquecemos o poder
espiritual, nós perdemos a semente doadora-de-vida que está contida no entendimento
Ortodoxo do ser e essência da Igreja. E por isso, nossa conversa sobre Igreja, sobre a
Igreja terrestre, no período presente que é tão difícil para a fé, com freqüência traz pesar
e não consolação. Restringindo nossas idéias sobre fé somente sobre a esfera terrestre,
nós nos empobrecemos. Isso pode ser sentido especialmente agora. De um lado, as
Igrejas ortodoxas Locais estão ficando isoladas (umas das outras) nas suas relações
terrestres, e possivelmente divisões mais profundas estão à frente. De outro lado,
tentativas estão sendo feitas de formar "uma igreja" na terra com princípios totalmente
estranhos à consciência Ortodoxa. Não é de um reconhecimento frio e abstrato da
invisível Igreja Celestial que nós precisamos. Ao contrário, precisamos com toda nossa
alma pensarmos e nos sentir sermos membros da "Igreja dos Chamados" em viva e ativa
comunhão com a "Igreja dos Escolhidos." Pois é nisso também que é para ser em parte
encontrada nossa escolha — não nossa escolha pessoal, individual, mas a escolha da
Ortodoxia entre as confissões Cristãs.
A questão da Igreja tornou-se realmente uma questão também nos dias de hoje, mas
agora tem um escopo mais amplo. Apesar do "movimento ecumênico" dos tempos
recentes estar ocupado não com a questão da unidade da fé, mas com o objetivo de
participar no plano proposto de uma reconstrução da sociedade humana — ainda assim,
mais cedo ou mais tarde, a questão das bases e escopo da Fé Cristã nessa tentativa de
união terá que aparecer. É nossa obrigação mostrar porque esse movimento não pode ser
justificado. Mas nós mesmos não estaremos completamente justificados se nós
descermos da amplitude da visão-de-mundo Ortodoxa, com sua plenitude, para a
estreita plataforma de concepções, e mais importante, para as concepções ocidentais de
Igreja.
Houve um tempo em que foi permissível e não danoso para os representantes de história
e teologia da Igreja da nossa Igreja, quando entrando em dialogo com o protestantismo,
descer para essa plataforma estreita; mas nas circunstâncias presentes, isso não é mais
justificado.
Ainda que nós não sejamos forçados a responder a um movimento que está passando
por nós, isto é ao nosso lado — mesmo assim, é mais consolador para nós
reconhecermos que estamos sob a proteção de um grande coro celestial de santos, do
que esquecer disso.
Com a passagem de décadas e séculos o celeiro de Cristo começou a ficar cheio, com os
Apóstolos, com as fileiras de mártires, confessores, hierarcas, ascetas e justos. A Igreja
dos santos vive uma vida de bem-aventurança em Deus, com orações de louvor e
agradecimento; e desde que "o amor nunca falha" (I Co. 13:8), eles se juntam em
orações pelos irmãos na terra. E nós também pedimos as orações deles por nós e por
nossos próximos que já partiram. Essas orações, como uma expressão da proximidade
espiritual, são entrelaçadas em todas as direções, puxando o céu para perto da terra. Na
verdade, como poderíamos nós não sentir a proximidade das coisas celestes e terrestres,
se nós desejamos tanto a vida bem-aventurada para nossos próximos que partiram e
suplicamos ao Salvador em orações por eles?
Além do mais, o Cristão Ortodoxo, se tem uma ligação viva com sua Igreja,
constantemente vê e ouve na Igreja e em casa lembranças da Igreja Invisível dos santos,
e sua alma estão em contato constante com pensamentos sobre isso. Ele recebeu na
infância, no seu batismo, um nome Cristão, o nome de um santo, e ele se sente
especialmente próximo desse santo e em suas orações pessoais ele suplica a esse santo a
orar para Deus por ele. Ele olha no seu calendário pessoal, e diante dos seus olhos está
uma lista mensal de santos, preenchida com os nomes dos santos de todos períodos do
Cristianismo. Ele entra na Igreja, e diante de seus olhos aparece um outro mundo, o
mundo celestial fixado em imagens nos ícones, na iconostase, nas paredes, e com
freqüência até no ponto mais alto do domo.
Quando mandando uma prósfora para comemoração no altar antes da Liturgia, o Cristão
que já ouviu uma explicação sobre a Liturgia sabe que as partículas tiradas dessa
prósfora serão colocadas na santa patena no meio das partículas "para os vivos e os
mortos" abaixo do conjunto das partículas que representam simbolicamente a Igreja
toda de Cristo. No centro, o Cordeiro de Deus, de um lado uma partícula em honra da
Theotokos, do outro lado partículas em memória de todos os santos em nove
classificações. Tão perto de nós está a Igreja Celestial, que nós confiamos a ela todas as
nossa angustias, fraquezas, quedas, pesares e alegrias e nós expressamos amor por ela;
nós pedimos a ela suas orações e sua ajuda para nós.
Esse é o mundo espiritual que está acessível para nós mesmo que nós vivamos em uma
igreja paroquial comum. Multipliquem essa possibilidade para aqueles que vivem em
mosteiro, e especialmente para padres e diáconos que servem freqüentemente no altar,
ou para aqueles que são designados para o kliros. Conclui-se que na Igreja Ortodoxa a
comunhão com os santos, com a Igreja Invisível, pode ser mais íntima do que com o
mundo que nos cerca fora dos muros da Igreja; para muitos é realmente isso.
Mas uma real comunhão terrestre com toda Igreja terrestre, dispersada por todas as
nações e estados, é possível para nós? De fato, dentro de uma e mesma igreja paroquial,
qualquer comunhão religiosa espiritual ocorre fora do prédio da igreja? Em vão as
pessoas se iludem, com sonhos de "plenitude" de comunhão e unidade de todo mundo
Cristão na terra.
Mas nossa comunhão com a Igreja Celestial não é unilateral? Dá ela benefício para a
alma? Os santos nos ouvem do mesmo modo que uma alma ouve a outra. E ainda mais:
na terra o contato entre as pessoas através dos orgãos corporais dos sentidos de alguma
forma impede e esconde a imediata comunhão das almas, mas na esfera terra-céu essa
comunhão é livre. Nessa esfera nossa voz, nossas palavras, leituras e cantos no trabalho
de oração são necessários para nós, para unir dois ou três de nós ou uma igreja inteira
em uma única alma comum, "para que com uma única alma possamos cantar hinos"
para Deus e Seus santos.
É dito sobre as relações terrestres: "diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és." "um
homem apreende com suas companhias"—seja o bem ou o mal. Não é assim também na
esfera puramente espiritual? O Apóstolo João nos explica na sua epístola católica, que é
para todos os Cristãos, inclusos ai nós mesmos: "O que vimos e ouvimos isso vos
anunciamos (o Evangelho, as epístolas e o Apocalipse), para que também tenhais
comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo" (1
Jo. 1:3). Ele escreveu isso, já sendo bem velho, dando-nos seu testamento de que os
homens vivem em amor comum. O chefe dos Apóstolos escreve: "E tenho por justo,
enquanto estiver neste tabernáculo, despertar-vos com admoestações. Sabendo que
brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como também nosso Senhor Jesus
Cristo mo tem revelado. Mas também eu procurarei em toda ocasião que depois da
minha morte tenhais lembranças destas coisas. (II Pe. 1:13-15).
Porém, falando de única Igreja cesleste-terrestre, nós não confundimos duas esferas
distintas?
Se amamos a Igreja, se ela é querida para nós, então como pode, cada um de nós servi-
la? E se alguém te perguntasse: "Como tu a serviste? De que atividades podes tu te
gloriar?"
Quando essa questão foi posta para o Apóstolo Paulo e ele teve que defender sua
autoridade perante os Cristãos de Corinto, ele respondeu dessa forma: "gloriar-me-ei no
que diz respeito à minha fraqueza" (II Co. 11:30). Glória na fraqueza? Sem dúvida, a
humilde realização de nossas fraquezas é benéfica para cada um de nós, mas como
podemos servir a Igreja dessa maneira? Ao mesmo tempo, o santo Apóstolo insiste em
sua resposta e explica: "Porque quando estou fraco então sou forte" (II Co. 12:10).
Porém isso não e um paradoxo, nem jogo de palavras, nem contradição. O Apóstolo não
mostra traços de ser "imaginativo" ou "mordaz." Ele escreve da plenitude de seu
coração, de uma profunda convicção. Seu significado é direto. Ele fala do princípio
Cristão de vida.
E assim, duas leis contraditórias de vida põem-se uma contra a outra, dois reinos: o
reino dos mansos e o reino do poder. O reino dos mansos é obrigado a fazer guerra
contra o reino do poder, por estar localizado no meio e cercado por todos os lados pelo
reino do poder e força.
A Igreja é mansa. Por essa razão ela tem necessidade de proteção e defesa. Só que os
meios de defesa dela devem ser bons. No passado, tanto a Igreja de Bizâncio quanto a
da Rússia tiveram defensores externos: um sistema de governo, os imperadores, os
czares... Os tempos mudaram. Agora o cuidar da Igreja foi confiado pelo Senhor ao
próprio povo da Igreja, ou seja, para cada Cristão Ortodoxo. A esse respeito, nós
estamos retornando aos tempos dos primeiros Cristãos. Nossos tempos nos chamam
todos para um padrão de sacrifício consciente e constante pela Igreja, cada um com seus
talentos e meios. Porém o principal poder do serviço não está em nosso conhecimento
ou habilidades e chamados. O principal poder está naquela "fraqueza através da qual o
poder de Deus vem habitar." Isto é, em nossa moralidade, em nosso viver de acordo
com a lei do Evangelho, com a lei da Igreja...
Cada um de nós tem um lugar nas fileiras dos soldados da Igreja, e a forma de
participação no serviço da Igreja é variada. O Apóstolo escreve: "Cada um fique na
vocação em que foi chamado." Traduzindo essa citação em conceito contemporâneo,
nós podemos dizer que não existe uma profissão boa construtiva, e uma posição social
na qual a pessoa boa não possa de tempos em tempos com seu bom bocadinho para o
trabalho da Igreja...
Deve-se ver a Igreja como o Corpo único de Cristo, um organismo único, uma única
substância. A individualidade de cada pessoa é o plano confiado a ela. Para ela
trabalhar, purificar e produzir frutos. Trabalhando em nós mesmos, nós trabalhamos
para o todo, para a Igreja inteira, para sua Cabeça, o Salvador sem ser. Deixando-se o
plano fora de controle, negligenciado-o, condenando-o, nós trazemos dano não só para
nós mesmos, mas também para a Igreja. Não juntando o que é da nossa alma, nós
espalhamos o que é da Igreja.
Nosso serviço para a Igreja consiste nisso: que através da nossa vida Cristã pessoal, o
espírito dos valores do Evangelho flua para a vida do mundo, envergonhando assim os
inimigos da Igreja. Nas nossas qualidades pessoais está a garantia ou a unidade interna
da Igreja como um todo e da paróquia em particular, e é dessa fonte que vem o
entendimento mutuo, obediência, unanimidade de objetivos, trabalho fraterno pela
glória de Deus e a glória da Igreja. Assim uma atmosfera de Igreja completamente
especial é estabelecida. Em tal atmosfera a pessoa sente que está num mundo especial,
que dá paz e alegria para a alma, refrescando-a e renovando-a. Esforça-se para chegar
nessa atmosfera como em uma nova terra, a terra dos mansos. Nela sente-se o poder
benéfico da Igreja dentro de si. É mais fácil, nessas circunstâncias a alma se abrir para a
recepção do sopro da graça de Deus que habita na Igreja. Mas se esse espírito está
ausente; se entre os grupos da Igreja há divisões, discórdia, luta por ambição e amor-
próprio, pode-se então, em tais circunstâncias, se falar do poder da Igreja?
Assim, para a questão de como se pode servir a Igreja, a resposta é simples: por
obediência ativa para ela. Ativa obediência para ela é uma vida de acordo com as regras
da Igreja, com observação das leis morais, com atendimento zeloso aos ofícios da igreja,
com oração em casa e com uma base e direção Cristã na vida de casa. Podemos dizer
então, de modo geral, que para nós isso consiste na alegria de pertencer a Igreja Russa
no Exílio como uma verdadeira confessora da fé Católica Ortodoxa e uma arauta da
justiça, e na paz de nossa vida pessoal, correspondente a essa participação.
Conteúdo:
Prefácio.
A Criação do Mundo.
O Amanhecer do Homem.
O Pecado Original.
O Problema do Mal.
Prefácio.
Uma grande distância de séculos nos separa dos tempos em que foram escritos os
primeiros livros do Velho Testamento. E não é fácil hoje se deixar transportar para
aquele estado de alma e aquelas circunstâncias em que eram escritos estes livros
inspirador por Deus e que são demonstrados por estes livros. Daí nascem as
perplexidades, que perturbam a nossa mente. Estas perplexidades acontecem
principalmente, quando queremos conciliar os pontos de vista científicos de hoje com a
simplicidade de concepção do mundo nos tempos bíblicos. Também acontecem
perguntas sobre até que ponto correspondem os conceitos do Velho Testamento aos
conceitos do Novo Testamento. E muitos perguntam: Para que serve o Velho
Testamento? Será que os ensinamentos e as Escrituras do Novo Testamento não são
suficientes?
Nesta curta resenha das Escrituras do Velho Testamento não há resposta para todas as
perguntas que porventura aparecem, mas, achamos, que ela mostrará o caminho pelo
qual será possível evitar más interpretações.
A Igreja dos primeiros tempos do cristianismo era toda virada para a cidade celestial,
procurando o futuro, porém ao mesmo tempo ela construía também o lado terrestre e em
particular, guardava os valores materiais da fé. Isto eram, em primeiro lugar, as
escrituras sobre a fé. O mais importante de todas as Escrituras eram os Evangelhos,
como registros e testemunhas da vida terrestre e dos ensinamento do Nosso Senhor
Jesus Cristo. Em seguida, eram as epístolas dos Apóstolos. Depois seguiram-se os livros
sagrados dos judeus, as quais a Igreja guarda como as escrituras sagradas.
Por que as escrituras do Velho Testamento são tão importantes para a Igreja? Elas
ensinam crer em um único e verdadeiro Deus e cumprir os mandamentos Dele e
também se referem ao Salvador. O próprio Jesus Cristo disse aos escribas judeus:
"Examinem as Escrituras, pois achais ter a vida eterna através delas, e elas
testemunham sobre Mim." Na parábola sobre o rico avarento e o pobre Lázaro, Abraão
diz o seguinte sobre os irmãos do rico: "Eles têm Moisés e os Profetas: que dêem
ouvidos a estes." Moisés — isto são os cinco primeiros livros da Bíblia do Velho
Testamento, e os profetas — os dezesseis últimos livros. Nosso Senhor disse ainda aos
discípulos sobre o Saltério: "há de se cumprir tudo, o que foi dito sobre Mim na lei de
Moisés, nos profetas e nos salmos." Após a ceia pascal, "Jesus saiu com seus discípulos
cantando para o Monte das Oliveiras" disse apóstolo Mateus: isto indica que eles
entoavam os salmos. As palavras do Salvador e Seu exemplo é suficiente para que a
Igreja se refira aos livros acima mencionados com toda reverência — a lei de Moisés, os
profetas e os salmos, para que ela os guardasse e os estudasse.
Entre os livros sagrados, admitidos pelos judeus, além do Pentateuco e dos Profetas, há
ainda duas categorias distintas de livros: os livros de ensinamentos e livros históricos. A
Igreja os aceitou porque assim estabeleceram os apóstolos. O apóstolo Paulo escreve ao
Timóteo: "E desde a infância conheces as sagradas letras. Elas te podem dar a sabedoria
que conduz à salvação por meio da fé no Cristo Jesus." Isto significa que, se leres estes
livros com sabedoria, encontrarás neles o caminho para te firmar no cristianismo. O
apóstolo se refere a todos os livros do Velho Testamento, como veremos nas seguintes
palavras: "Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, convencer,
corrigir e educar na justiça" (Segundo os mandamentos do Salvador e dos Apóstolos; 2
Timóteo 3:15-16).
A Igreja aceitou os livros sagrados judeus na sua tradução para o grego dos 72
tradutores, que foi feito bem antes do nascimento de Jesus Cristo. Os apóstolos também
usavam esta tradução e suas epístolas eram escritas em grego. Entre estes livros se
encontram também livros sagrados de procedência judia, que eram conhecidos em
grego, pois eram escritos após a lista estabelecida pela Grande Sinagoga. Na Igreja
Cristã estes livros são conhecidos como livros não canônicos. Os hebreus não usam
estes livros para fins religiosos.
Mesmo admitindo todas as virtudes dos livros do Velho Testamento, a Igreja cristã
praticamente não tinha possibilidade de usa-las todas, sempre e em todo lugar. Isto já dá
para perceber, porque estes livros são muito numerosos e na Bíblia ocupam o lugar
quatro vezes maior do que os livros do Novo Testamento. Enquanto os livros eram
copiados manualmente, isto é, durante 1500 anos da história da Igreja, tais manuscritos
eram raros e foi muito difícil de obte-los. Nem toda comunidade poderia se dar o luxo
de ter todos eles, e muito menos eles podiam ser encontrados numa família.
Logicamente, como uma fonte de instrução, como um manual da vida cristã, eram
usados livros do Novo Testamento. Somente o Saltério é usado pela Igreja
constantemente na sua integridade, nas missas e na vida cotidiana dos cristãos. Isto vem
do tempo dos apóstolos e assim será até o final do mundo. No que se refere à outros
livros, de alguns deles são usados trechos. Sobre a Igreja Russa em particular sabemos,
que ela resplandecia plenamente já nos séculos 12-13, antes mesmo do jugo tártaro, mas
mesmo lá não havia tradução de todos os livros do Velho Testamento, mas somente de
alguns, os mais importantes. Somente no final do séculos XV o arcebispo Guennadi de
Novgorod, com grandes dificuldades, conseguiu reunir todas as traduções dos livros do
Velho Testamento, feitas para a língua eslava. E esta aquisição pertencia somente à uma
cátedra de Novgorod. Somente o começo da arte de imprimir os livros nos deu a
primeira completa Bíblia: esta era a Bíblia de Ostrog, em língua eslava, imprimida no
século XVI. Porém, na prática, o uso dos livros do Velho Testamento ficou tão restrito
como era nos primeiros séculos da Igreja.
De acordo com o livro dos Atos dos Apóstolos, o apóstolo Felipe encontrou no
caminho dele o eunuco da rainha de Kandaquia, que estava segurando na mão o livro do
profeta Isaías. Ele perguntou ao eunuco: "Compreendes o que estás lendo?" O eunuco
respondeu: "Como posso compreender, se ninguém me esclareceu?" O apóstolo Felipe
lhe esclareceu a compreensão cristã a tal ponto, que logo em seguida, nas águas que
estavam perto da estrada, se deu o batismo do eunuco. O apóstolo lhe esclareceu o livro
de acordo com os ensinamentos cristãos. Assim também nós, tendo como ponto de
partida o ensinamento cristão, devemos ler os livros do Velho Testamento. O Velho
Testamento precisa ser iluminado pela compreensão irradiada pelo Novo Testamento,
que emana da Igreja. Para tanto, a Igreja nos dá os ensinamentos dos doutores da Igreja,
para melhor compreender o conteúdo destes livros. Devemos lembrar, que o Velho
Testamento "é a sombra dos bens vindouros." De outra forma, o apóstolo Paulo adverte,
que o leitor não pode receber a compreensão, do que está lendo. Ele escreve sobre os
judeus: "Quando, porém, convertem-se ao Senhor, será tirado o véu" (2 Cor. 3:15-16).
Assim, nos também devemos ler estes livros sob o ponto de vista cristão, lembrando-nos
das palavras do Nosso Senhor: "Eles testemunham sobre Mim." Estes livros precisam
ser não só lidos, mas também investigados. Lá estão incluídas as preparações para a
vinda do Messias, promessas, profecias, protótipos e sinais sobre Cristo.
Também as leituras do Velho Testamento para as missas estão escolhidas segundo este
mesmo princípio. E se a Igreja nos oferece ensinamentos morais, ela os escolhe de
acordo com os ensinamentos do Evangelho, aqueles que, por exemplo, falam sobre "a
vida eterna" dos justos, sobre "justiça de acordo com a fé," sobre a bem-aventurança.
Este uso dos livros do Velho Testamento dá aos nós, cristãos, um enorme tesouro de
ensinamentos. Assim como as gotas de orvalho refletem o sol, assim estas Escrituras
refletem aquilo que deverá acontecer no futuro — fatos, atos e ensinamentos do
Evangelho. Mas quando o sol se põe, as gotas permanecem as mesmas, porém já nos
alegram mais. Isto mesmo sucede com as Escrituras do Velho Testamento. Sem o sol do
Evangelho, elas se tornam antiquadas, assim como disse o apóstolo Paulo (Hebreus
8:13), como os denominou a Igreja: "Assim falando da Aliança, ab-rogou a Antiga. E o
que é antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer." O reino do povo eleito
terminou, chegou o Reino de Cristo: "as leis e os profetas até João: desde esta época o
Reino de Deus é anunciado."
Eis porque todos, e não só os adultos, devem conhecer o Velho Testamento; dando
aulas do Velho Testamento aos nossos filhos, nos os preparamos para uma participação
consciente e para a compreensão das nossas missas. Mas ainda tem uma coisa mais
importante. Nas palavras do Salvador, bem como nas escrituras dos Apóstolos, há
muitas referências a pessoas e acontecimentos do Velho Testamento: Moisés, Elias,
Jonas, às profecias do profeta Isaias, etc.
No Velho Testamento foram dadas as causas, porque era necessária a vinda do Salvador
para a salvação da humanidade.
Nos também usamos este ensinamento. A Igreja nos lembra constantemente dos três
jovens no forno de Babilônia.
Na igreja, tudo fica no seu devido lugar, tudo é corretamente explicado. Isto se refere
também às Escrituras do Velho Testamento. Conhecemos de cor os dez mandamentos
do legislador, que os recebeu no monte Sinai, mas temos uma maior profundidade na
sua compreensão, do que os judeus, porque os mandamentos são iluminados com a luz
do Sermão da Montanha do Nosso Senhor, da bem-aventurança. Na legislação de
Moisés há muitas leis que se referem a rituais e a moral, mas há lá também o sublime
chamamento: "Ame a teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, e com
todo o seu pensamento, e ame ao teu próximo assim, como a si mesmo" — estas
palavras resplandeceram para nos somente através do Evangelho. O templo de
Salomão não existe mais: mas nos ainda aprendemos como era constituído, porque nele
existem muitos símbolos do Novo Testamento. As velhas profecias são lidas na Igreja,
porque há nelas profecias sobre Cristo e sobre os acontecimentos descritos no
Evangelho, e não para conhecer a história dos povos antigos da Palestina.
Mas aconteceu, que no século XVI uma grande parte de cristãos renegou a orientação
da Igreja, se desligou de toda a riqueza da Igreja Antiga, e ficou tão somente com as
Escrituras — a Bíblia, em suas duas partes — o Velho e o Novo Testamentos. Isto
fizeram os protestantes. Vamos falar a verdade: eles procuravam a palavra viva de Deus
e apaixonaram-se pela Bíblia. Mas eles não compreenderam, que as Escrituras foram
juntadas pela Igreja e pertencem a ela na sua histórica e apostólica continuidade. Eles
não tomaram em conta que assim como a fé da Igreja é iluminada pela Bíblia, assim,
por seu turno, a Bíblia é iluminada pela Igreja. Uma coisa precisa da outra e uma se
apoia noutra. Os protestantes se concentraram unicamente no estudo da Escritura
Sagrada na esperança de que, seguindo-a ao pé da letra, eles verão o caminho tão
distinto, que não haverá mais lugar para divergências na fé. A Bíblia, onde três quartos
consistem do Velho Testamento, virou para eles o livro de cabeçalho. Eles estudaram a
Bíblia até os seus mínimos detalhes, conferiram pelos textos hebreus, mas com isto
perderam a correlação entre os valores do Velho e do Novo Testamento. Eles acharam,
que estas são as duas fontes da mesma fé, onde uma fonte completa a outra, como dois
lados iguais. Alguns dos protestantes até acharam, que uma vez que existem mais livros
do Velho Testamento do que do Novo, este é predominante. Assim apareceram seitas
com tendência para judaísmo. Eles começaram colocar a fé em Deus Único do Velho
Testamento acima do monoteísmo do Novo Testamento com o seu ensinamento sobre o
Único Deus na Sua Santíssima Trindade; eles acham os mandamentos do monte Sinai
mais importantes, que os ensinamentos do Evangelho; o sábado acima do domingo
(ressurreição).
Os outros, mesmo que não seguiram o caminho do judaísmo, não souberam distinguir o
espírito do Velho Testamento do Novo, o espírito da servidão da filiação, do espírito da
lei da liberdade. Sob a influência de alguns textos nas Escrituras do Velho Testamento,
eles se recusaram a aceitar a plenitude de adoração de Deus, aquela que faz parte da
Igreja cristã. Eles se recusaram a aceitar as formas externas da adoração espiritual-
corporal, e em particular eliminaram o símbolo cristão — a cruz e outras representações
sacras. Com isto, eles foram condenados pelo apóstolo: "Tu que abominas os ídolos e
despojas sacrilegamente o Templo!" (Romanos 2:22)
Os terceiros, perturbados pela simplicidade dos antigos relatos, ou talvez pelo caráter
rigoroso da antigüidade, que é particularmente visível nas guerras, no nacionalismo
judaico ou outros traços da época pre-cristã, começaram a referir-se com bastante crítica
a restes relatos, e mais tarde, à própria Bíblia em si.
Assim como não podemos subsistir com o pão sem água, apesar de que o pão é
essencial para o organismo, assim não podemos aceitar as Escrituras Sagradas sem a
benéfica influencia, que nos proporciona a vida da Igreja. As faculdades teológicas
protestantes, que foram predestinados a guardar o cristianismo e suas fontes, ao estudar
a Bíblia, ficaram até um certo ponto enfadonhos. No seu fervor de análise crítico dos
textos do Velho e do Novo Testamentos, eles aos poucos deixaram de sentir a sua força
espiritual, e começaram a encarar os livros sagrados como simples documentos da
antigüidade valendo-se do positivismo do século XIX. Alguns destes teólogos
começaram a rivalizar entre si, inventando teorias de origem de vários livros, e isto tudo
apesar da sagrada tradição. Para explicar os fatos de várias profecias dos futuros
acontecimentos, eles começaram a datar estes livros com datas posteriores a estes
acontecimentos. Este método minou a autoridade das Escrituras Sagradas e da própria fé
cristã. A verdade seja dita, que os simples seguidores do protestantismo, parcialmente
até hoje, ignoraram e ignoram esta chamada crítica bíblica. Mas, como os pastores
estudavam nestas escolas teológicas, eles muitas vezes se tornavam condutores deste
pensamento dentro de suas comunidades. O período da crítica bíblica diminuiu, mas isto
trouxe a perda da fé dogmática em muitas seitas. Eles começaram a aceitar somente os
ensinamentos do caráter moral, esquecendo-se de que tais ensinamentos não podem
existir sem os ensinamentos dogmáticos.
Porém, muitas vezes até boas iniciativas têm seus lados negativos.
Assim, a tradução da Bíblia para todas as línguas contemporâneas significou muito para
a cultura cristã. Uma grande parte desta tarefa foi cumprida pelo protestantismo. Porém,
as línguas contemporâneas dificilmente conseguem mostrar a grande antigüidade e nem
todos conseguem compreender e valorizar a simplicidade dos velhos relatos bíblicos.
Não é atoa que os judeus guardam com grande zelo a língua antiga das suas Escrituras,
nas sinagogas e nas orações evitam Bíblia impressa e usam exemplares de pergaminhos
do Velho Testamento.
A Bíblia foi difundida em todo o mundo em milhões de tiragens, mas será que não
diminuiu a atitude piedosa nas massas? Isto se refere a atividade interna do cristianismo.
Nestas condições precisamos crer na santidade da Bíblia, na sua verdade, nos seus
valores, na sua magnitude, como o livro dos livros, o verdadeiro livro da humanidade.
Nos precisamos nós mesmos nos guardar de perturbação. As Escrituras do Velho
Testamento entram em contato com as teorias da ciência moderna. Por isso, vejamos as
Escrituras do Velho Testamento em sua essência. No que diz respeito à ciência, então a
verdadeira ciência, objetiva e imparcial, ela própria, nas suas deduções será testemunha
da verdade da Bíblia. O padre são João de Kronstadt diz: "Quando começas duvidar de
algum personagem ou algum acontecimento, descrito nas Escrituras Sagradas, lembra-te
de que ‘as Escrituras foram inspiradas por Deus,’" como diz o Apóstolo, isto quer
dizer, que é verdadeiro, que lá não existem personagens ou acontecimentos fictícios, e
apesar de que lá há parábolas, lá não há contos fictícios, que são fáceis de perceber.
Toda a palavra de Deus é uma única verdade, completa e indivisível e se você achar que
um único acontecimento, uma única palavra, é mentira, você peca contra toda a verdade
de todas as Escrituras Sagradas, e o começo da verdade é o próprio Deus."
O que faz as Escrituras inspiradas por Deus? Os escritores sagrados eram guiados e em
momentos culminantes iluminados por Deus. "Foi-me revelado por Deus" — dizem os
profetas, os apóstolos Paulo e João (no Apocalipse). Mas mesmo assim, os autores se
valem de costumeiros meios de conhecimento. Falando sobre o passado, eles usam as
tradições orais. "Ouvimos com os nossos ouvidos, ó Deus e nossos pais nos contaram o
que operaste nos seus dias, nos tempos de outrora..." "Quanto ouvimos e conhecemos,
quanto nos narraram os nossos pais, não o ocultaremos a seus filhos, mas à nova
geração o contaremos, os feitos gloriosos de Javé, Seu poder e as maravilhas que fez"
(Salmo 43[44]:1, Salmo 77[78]:2-3). O apóstolo Lucas que não fazia parte dos doze
discípulos de Cristo, descreve os acontecimentos "também a mim, pareceu-me bem,
tendo investigado tudo diligentemente desde o princípio, escrever-te em ordem" (Lucas
1:3). Depois, os autores sagrados usam documentos escritos, relações de homens e suas
famílias, relatórios oficiais com diversas indicações, como por exemplo nos livros dos
Reis e do Paralipomenon "o restante sobre Ocosia... está escrito nos anais dos Reis
Israelitas," "o restante sobre Ioafam... nos anais dos reis judeus." Também lá achamos
os documentos verdadeiros, como no primeiro livro de Ezdra, onde há bastante ordens e
relatórios textuais, ligados à reconstrução do templo de Jerusalém.
A inspiração por Deus pertence tanto às Escrituras Sagradas, como à Tradição Sagrada.
A Igreja as reconhece ambas como fontes igualmente fidedignas, porque aquela
tradição, que reflete a voz de toda a Igreja, é também a voz do Espírito Santo, que mora
na Igreja. Da mesma forma, todas as nossas missas são inspiradas por Deus, como é dito
numa das orações: "Reverenciaremos os testemunhas da verdade e os pregadores da
devoção em nossas orações." A Liturgia dos Santos Mistérios, que também é chamada
de "Liturgia Divina," é particularmente inspirada por Deus.
A Criação do Mundo.
No livro de Gênesis, a criação do mundo está em primeiro lugar. Moisés, que viu
Deus, conta sobre a criação do mundo numa maneira bem concisa. Toda a sua narração
cabe numa página só. Mas, junto com isto, ele abraçou tudo com um único olhar. Nesta
brevidade há muita sabedoria, pois qual grandiloqüência poderia abranger todas as
grandes obras de Deus? Na realidade, esta página é por si só um livro completo, e foi
necessária uma grande enlevação de espírito e inspiração do céu para escreve-la. E não
é atoa que Moisés termina o relato sobre a criação com as seguintes palavras, como se
terminasse a sua obra inteira: "Tal foi a história do céu e da terra ao serem criados, no
dia em que Javé fez a terra e o céu."
Esta era uma enorme tarefa — falar sobre a criação do mundo e de tudo que está no
mundo. Esta tarefa requeria uma grande variedade de expressões, de um dicionário
técnico e filosófico. Mas, o que tinha Moisés? Ele tinha uma língua quase primitiva com
algumas centenas de palavras. Lá quase não existiam palavras abstratas, que hoje nos
facilitam tanto a expressão de nossos pensamentos. O pensamento antigo consiste de
imagens e todas as palavras transmitem aquilo que é visto ou ouvido. Mas Moisés tem
um enorme cuidado no uso das palavras do seu tempo, para não mergulhar o
pensamento sobre Deus em imagens puramente terrestres. Ele precisa dizer: "Deus fez,
Deus pegou, Deus viu, Deus disse — e até Deus andou." Mas as primeiras palavras de
Gênesis: "No começo Deus criou" e mais adiante "o Espírito de Deus pairava sobre as
águas" já nos falam claramente sobre o Deus Espírito Santo, mostrando a metáfora das
expressões humanas. No Saltério, que é um livro posterior, esta metáfora está sendo
largamente usada, e ainda com maior clareza: no Saltério nos lemos sobre a face de
Deus, sobre as mãos, os olhos, os pés, os ombros, o ventre. "Levanta, tira a Tua
espada..." clama Davi a Deus. São João Crisóstomo, nas suas palestras sobre o livro de
Gênesis, a respeito das palavras: "escutaram o rumor dos passos de Javé Deus que
passeava no Jardim à hora da brisa do dia," nos diz:
"Meus queridos, não passaremos sem a devida atenção por aquilo que foi dito nas
Escrituras Sagradas, e não nos deteremos nas palavras, mas refletiremos, que palavras
tão simples são usadas por causa da nossa fragilidade, e tudo é feito de maneira
adequada para a nossa salvação. Pois, me diga, se quisermos entender as palavras no seu
sentido exato, e não no seu sentido de inspiração por Deus, será que muitas coisas não
nos parecerão estranhas? Vejamos bem o começo da nossa leitura. — "Escutaram o
rumor dos passos de Javé Deus que passeava no Jardim à hora da brisa do dia e
tiveram medo." O que dizes? Deus passeia? Será que vamos muni-lo de pernas? Não
subentenderemos nada mais elevado? Não, Deus não anda — não! Como seria possível
que Aquele, Que se encontra em todo lugar, Cujo Trono é o céu e o pedestal de Seus
pés é a terra, anda pelo jardim de Éden? Que pessoa de insensata poderia dizer isto? O
que significa: ouviu a voz de Deus que passeava pelo jardim à hora da brisa do dia? Ele
queria excitar neles o sentimento de Sua proximidade, para que eles sentissem uma
intranqüilidade, o que realmente aconteceu: eles sentiram isto e tentaram se esconder de
Deus, que estava se aproximando. Aconteceu o pecado — o crime, e eles sentiram
medo, eles sentiram vergonha. O juiz imparcial — a sua consciência — se elevou,
clamando em voz alta, lhes acusava, lhes mostrava diante de seus olhos como era
grande o crime. O Senhor no começo criou o homem e lhe deu a consciência, como um
incessante acusador, que não pode ser iludido ou enganado..."
A tarefa de Moisés não consistia em estudo do mundo físico. Porém, convém dizer e
agradecer a Moisés que ele deu à humanidade a primeira e elementar história da criação
do mundo; que ele foi o primeiro a dar-nos a história do homem primitivo; que, enfim,
no livro de Gênesis ele deu o início à história dos povos; tudo isto mostra a sua
magnitude. A criação do mundo, o passado do mundo inteiro são nos dados numa só
página da Bíblia; este relato conciso já, por si só, nos mostra porque ele não se
aprofundou no grande abismo do passado e antes nos mostrou tudo como numa
superfície plana., como num quadro geral.
Mas a finalidade deste relato de Moisés — através do narração da criação — era incutir
ao seu povo, bem como aos outros povos, as básicas verdades religiosas.
A verdade principal é sobre Deus, como o Ser Uno Espiritual, que não depende do
mundo. Esta verdade foi guardada naquele ramo da humanidade, que nos capítulos 5 e 6
da Bíblia é chamada de "filhos de Deus," a fé em Deus Único foi transmitida por eles ao
Abraão e seus descendentes. No tempo de Moisés, os outros povos já perderam esta fé
há muito tempo. Ela foi ofuscada até no povo de Israel, que estava rodeado por povos
com politeísmo, e durante a escravidão no Egito já começou a se apagar. A grandeza do
Deus-Espírito Único foi revelada a Moisés ante a sarja que ardia sem ser consumida,
quando ele perguntava perplexo: "Eis que eu irei aos filhos de Israel e dir-lhes-ei: O
Deus de vossos pais enviou-me a vós; se eles me perguntarem: Qual é o Seu nome? Que
lhes hei de responder?" Daí, numa voz misteriosa, Moisés ouviu o nome do Próprio
Criador do mundo: "Eu Sou Aquele Que Sou! Assim dirás aos filhos de Israel: Aquele
Que me disse ‘Eu Sou’ enviou-me a vós." Esta sublime apresentação de Deus foi dita
por Moisés com as primeiras palavras do livro de Gênesis: "No começo Deus criou o
céu e a terra." Quando ainda não existia nada material, já existia o Único Deus Espírito,
Que é fora do tempo, fora do espaço, Cuja existência não é ligada ao céu, pois o céu foi
criado junto com o tempo e junto com a terra. Na primeira linha do livro de Gênesis está
escrita a palavra "Deus," sem qualquer explicação ou determinação ou delimitação, pois
a única coisa que pode ser dita sobre Deus é que Ele é, que Ele é existência única,
verdadeira, Fonte de toda existência, que Ele É Aquele Que É.
Esta verdade está ligada a várias outras verdades sobre Deus, sobre o mundo, sobre o
homem, que emanam da narração sobre a criação, a saber:
• Deus não deu nada de Si, nada perdeu, nada recebeu para Si mesmo com a
criação do mundo
• Deus criou o mundo por Sua livre vontade, pois Ele não tinha necessidade disto
• O mundo como tal não tem a natureza divina, ele não nasceu de Deus, ele não é
nenhuma parte de Deus, ele não é o corpo de Deus
• O mundo é o espelho da sabedoria, da força e da benevolência de Deus
• Na criação do mundo "tudo assim era bom": o mundo na sua integridade é
harmônico, maravilhoso, constituído de uma maneira sábia e boa
• O homem é uma criatura terrestre, criado a partir da terra e destinado a ser o
auge de todos os seres criados
• O homem é criado segundo a imagem de Deus e tem em si o sopro da vida de
Deus
O livro de Sabedoria do Rei Salomão nos mostra como era a concepção de Deus no
Velho Testamento: "O mundo inteiro diante de Ti é grão de pó na balança, gota de
orvalho matinal sobre o chão" (Sabedoria 11:22).
Este é o sentido desta curta narração. Se todo livro de Gênesis consistisse somente desta
primeira página sobre o mundo e a humanidade, mesmo assim ele seria um grande livro,
a magnífica expressão da revelação Divina, da iluminação Divina do raciocínio do
homem.
O Amanhecer do Homem.
O segundo e o terceiro capítulo de Gênesis abrem outro tema, começam, por assim
dizer, outro livro: a história da humanidade. É compreensível que Moisés fala duas
vezes sobre a criação do homem. Ele tinha de falar obrigatoriamente sobre o homem
como a obra-prima da criação, ainda no primeiro capítulo. Agora, fechando o primeiro
tema com as palavras: "Tal foi a história do céu e da terra ao serem criados," Moisés
por necessidade recomeça a história da humanidade a partir da criação do primeiro
homem e sua mulher, o que é narrado no segundo capítulo; também aqui é mostrado
como era a vida no Éden (paraíso). O terceiro capítulo narra sobre o pecado original e a
perda do paraíso. Nestas narrações, além do sentido direto, temos ainda um sentido
oculto e hoje somos incapazes de saber, onde é narrado aquilo que realmente aconteceu
e onde a narração é simbólica. Por isso, não temos direito de modificar estes relatos de
Moisés a nosso bel-prazer. Sabemos somente, que estes acontecimentos têm um enorme
significado.
Precisamos dividir o símbolo bíblico, a figura bíblica, com o seu sentido oculto do mito.
Na Bíblia não existe a mitologia. A mitologia compreende politeísmo, muitos deuses, a
personificação dos fenômenos da natureza e nesta base cria narrações fantasiosas.
Temos o direito de dizer que a Bíblia desmistifica tudo, ela é dirigida contra os mitos.
Algumas pessoas podem dizer que na mitologia também existem símbolos. Sim,
realmente, existem. Mas a contradição está no fato de que Moisés usa os símbolos para
falar da verdade, muitas vezes profundamente mística; as narrações mitológicas
representam fantasias, sugeridas pelos fenômenos da natureza. Aqui temos o símbolo da
verdade, lá — os símbolos de pura fantasia. Para o cristão ortodoxo, esta é a diferença
entre um ícone e um ídolo: o ícone representa aquilo que realmente existe; ídolo —
representação de um ser fantasioso.
Lá, onde precisa ser descoberta a verdade, existem mais símbolos. Assim, por exemplo,
é a narração da criação da mulher da costela de Adão.
São João Crisóstomo diz: "E tirou, dizem, uma de suas costelas." Não entendas estas
palavras ao pé da letra, mas saiba, que estas palavras vulgares são adaptadas à fraqueza
humana. Se as Escrituras não tivessem usado estas palavras, como poderíamos conhecer
o mistério? Não vamos nos deter só nas palavras, mas aceitaremos tudo com o devido
respeito a Deus. A palavra "tirou" e outras parecidas foram usados por causa da nossa
fraqueza."
Nós compreendemos a conclusão moral desta narração, indicada pelo apóstolo Paulo,
que a mulher foi chamada para se submeter ao marido: "a cabeça da mulher é o
homem; a cabeça do homem é Cristo...; não foi o homem criado da mulher, mas a
mulher criada do homem." Mas porque Moisés se detêm no modo da criação da
mulher? Com certeza, ele visa defender a consciência dos judeus das fantasias de
mitologia, e em particular da mitologia da Mesopotamia, a antiga pátria dos hebreus.
Estes contos são sujos e tentadores no sentido moral, dizendo que o mundo dos deuses,
o mundo dos homens e o mundo dos animais se misturam: os deuses e as deusas se
juntam aos homens e aos animais. Vemos a alusão a isto nas representações de touros e
leões com cabeças humanas, tão difundidas na escultura caldéia, mesopotamica e
egípcia. A narração da Bíblia sobre o modo de como foi criada a mulher fortalece o
pensamento de que a humanidade tem o seu começo completamente independente e
guarda pura a natureza física do homem, que é diferente tanto dos seres do mundo
superior, tanto do mundo inferior, animal. Isto é comprovado pelas seguintes palavras:
"Não é bom que o homem esteja só. Vamos fazer-lhe um auxiliar que lhe convenha." E
conduziu à presença de Adão todos os animais, e Adão lhes deu os nomes, — "para o
homem, todavia, não se achou um auxiliar que lhe conviesse." Aí, Deus mandou sono
para Adão e de sua costela criou-lhe a mulher.
Ao mesmo tempo, no mundo animal, que é inferior ao do homem, temos tantos animais
e aves agradáveis, harmoniosamente criados, mostrando a sua beleza e graciosidade, e
ao mesmo tempo, tão meigos, preparados para afeição, ao apego, à confiança e,
principalmente, prontos ao nos servir desinteressadamente; então porque, se no mundo
vegetal temos tanta harmonia e beleza, podemos dizer até competição em servir ao
homem com os seus frutos — porque somente o homem da antigüidade é representado
sem tudo aquilo belo e atraente que temos no mundo animal e vegetal?
O Pecado Original.
A bem-aventurança do homem e a sua proximidade a Deus são inseparáveis. Deus é
meu manto e minha proteção — de quem posso ter medo?
Deus "passeava no paraíso," tão próximo era Ele ao Adão. Mas, para sentir a
proximidade de Deus e reconhecer a Sua proteção, o homem precisa ter a consciência
limpa. Nos perdemos a consciência limpa e o sentido de proteção. Os primeiros homens
pecaram e já se escondem de Deus. "Adão, onde estás?" — "Ouvindo o rumor de Teus
passos no Jardim, tive medo, porque estava nu, e me escondi."
Deus é onisciente e Ele é sempre perto de nós, — diz a palavra de Deus, — somente a
sensação desta proximidade é obscurecida por nossos pecados. Porém ela não se
extingue por completo; durante todos os séculos da humanidade esta sensação vivia e
vive nos homens santos. Sobre Moisés sabemos, que Deus falava com ele "de frente
para frente," como com algum amigo. "Senhor, estás perto" lemos nos salmos. "A
minha alma está em Deus como um peixe na água, ou uma ave no ar, de todos os lados
e sempre está rodeada por Ele; vive Nele, se movimenta por Ele, Nele descansa, Nele
tem a sua amplidão," diz são João de Kronstadt. E num outro lugar ele raciocina: "O que
significa a aparição de três Peregrinos ao Abraão? Isto significa que Nosso Senhor, na
Sua Trindade, como que constantemente peregrina pelo mundo e vigia tudo, que lá
acontece, e aos Seus servos, que são vigilantes e atenciosos para com a sua salvação e
procuram por Ele, vem Ele mesmo, os visita e conversa com eles, como com os Seus
amigos: "e viremos a ele e nele estabeleceremos morada" (João 14:23); os maus
homens serão queimados com fogo.
Quando foi perdida a proximidade, foi perdida também a beatitude. Com a perda da
beatitude veio o sofrimento. A essência da narração de Moisés sobre o pecado original é
a mesma que na parábola sobre o filho pródigo. O filho se afastou do pai, se escondeu
dos olhos dele, tentado pelo deleite da vida em liberdade. Mas no lugar de deleite,
recebeu um pouco de vagens, comida dos animais. Isto mesmo aconteceu com Adão e
Eva: como conseqüência do pecado veio o sofrimento. "Tornarei penosa a tua gravidez,
e entre penas darás à luz teus filhos..." "Produzirá para ti espinhos e abrolhos, e
viverás das ervas do campo; com o suor de teu rosto, comerás o pão; até que voltes ao
solo, donde foste tirado. Porque és pó e em pó tornarás" (Gênesis cap. III)
A mais simples observação das coisas nos mostra que os vícios levam ao sofrimento e
que o homem se castiga a si mesmo. Mesmo que a morte e outras dificuldades são
enviados por Deus, devemos reconhecer, que a maioria dos sofrimentos do homem é
criada pela própria humanidade. Assim, temos as mais cruéis guerras, com a maneira
mais desumana de tratamento dos vencidos, a qual, na realidade, constitui toda a
historia da humanidade, e as maiores atrocidades durante os tempos da paz, infligidos
pelo homem ao homem: isto inclui a escravidão, o jugo dos forasteiros e a mais variada
violência, que são a conseqüência não só do egoísmo e da cobiça, mas de um prazer
demoníaco em ver o sofrimento dos outros — enfim tudo, que um ditado antigo diz: o
homem é como um lobo para o homem.
Se não tivesse o pecado original, será que o homem seria absolutamente feliz na terra?
Será que não existiria nada de desagradável, nenhuma infelicidade, nenhum acaso? Pelo
que podemos perceber, a Bíblia não nos fala disto. Onde há luz, há também as sombras,
onde há alegria, deve haver tristeza. Mas que tristeza pode demorar por muito tempo,
quando Deus é perto? Se Ele manda os Seus anjos guardar a Sua melhor criação, que
leva o Seu semblante? A Igreja diz, que o homem no paraíso era predestinado para
imortalidade, não só espiritual, como também material. Mas, mesmo se materialmente
ele fosse mortal, onde estaria a dor da perda, se ele sentisse com toda a sua alma a sua
eternidade espiritual, se ele soubesse e sentisse, que isto seria somente uma passagem
para uma vida melhor e mais perfeita?
O Problema do Mal.
Esta é a mais ampla pergunta, com o mais difícil problema do ponto de vista religioso
— o sofrimento no mundo. Porque a lei da constante renovação da vida — a
maravilhosa lei da vida do mundo — é ligada aos sofrimentos? Será que é inevitável a
aniquilação mútua das espécies, será que é inevitável que uns são devorados pelos
outros para o sustento da vida, o medo dos fracos diante dos fortes, a vitória da força
bruta no mundo animal? Será que a luta mútua é a eterna lei da vida?
A Bíblia não nos dá nenhuma resposta direta. Porém, podemos achar algumas respostas
indiretas. Eis o que ela diz sobre a primeira lei da nutrição, dada por Deus aos homens.
Deus destinou aos homens os frutos e as sementes de plantas (Gênesis 1:29). E sobre os
animais Ele diz: "E também a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a tudo
que se move sobre a terra, na qual existe sopro de vida, dou, para que se alimentem, as
plantas verdes. Deus viu tudo o que fizera, e eis que estava muito bom" (Gênesis 1: 30-
31).
Mas, aconteceu o pecado no mundo. Aconteceu uma plena degradação do homem antes
do dilúvio. Isto se deu também no mundo animal. "Viu Javé que grande era a maldade
do homem sobre a terra e que no seu coração não formava, a todo instante, senão maus
desejos." A lei da colaboração deu lugar à lei da luta. E o apóstolo Paulo diz: "Em
contínuos anelos a criação aguarda por esta manifestação dos filhos de Deus. Pois, as
criaturas ficaram sujeitas à degredação, não por sua vontade, mas em razão de quem
as sujeitou, na esperança de serem libertadas, também elas, da escravidão da
corrupção, para participarem da liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Bem sabemos
que a criação inteira geme até agora, suspirando, transida de dor, por novo
nascimento. Mas não somente ela, senão também nós mesmos, que possuímos as
primícias do Espírito, gememos em nosso interior, esperando a filiação adotiva, a
redenção de nosso corpo" (Romanos 8:19-23) Isto significa, que a nossa lamentação
não é eterna e sendo assim, a lei do mais forte e a lei da luta também não o são. Será que
a lei da vida é incontestável? Será que não percebemos, que no mundo animal tudo que
é feroz, bestial, terrível na sua força some mais cedo do mundo do que aqueles animais
dóceis, indefesas, que continuam vivendo e se multiplicando? Será que isto não indica
também ao homem não contar com a lei da força? O santo profeta Isaías nos fala sobre
o futuro desta lei, profetizando sobre o futuro — sem dúvida referindo-se ao mundo que
não seja mais pecaminoso — quando "pastarão junto lobo com o cordeiro e o lince
dormirá junto com o bode."
O autor da "Sabedoria de Salomão" diz: "Deus não fez a morte, nem se alegra com a
ruína dos vivos. Criou tudo para que tudo subsista: as criaturas do mundo são
salutares, nelas não há mortífero veneno, nem domínio da morte na terra" (Sabedoria
1:13-14) "Deus criou o homem para a vida eterna e fê-lo a Sua própria imagem: pela
inveja do diabo a morte entrou no mundo; provam-na os que são do partido dele"
(Sabedoria 2:23-24).
Mas a lei moral não é destruída pela queda do homem. Ela continua acesa, e a diferença
entre o bem e o mal não foi perdida. O homem tem a possibilidade de voltar à riqueza
perdida. O caminho é aquele relatado no terceiro capítulo da Gênesis, onde é relatado o
banimento do paraíso, a tristeza, que leva à purificação moral e ao renascimento. Daí, a
partir dos últimos versículos do terceiro capítulo de Gênesis se abre, à distância, o
radiante horizonte da salvação do homem, através da vinda de Salvador, do mal moral e
com ele do sofrimento e da morte.
O livro de Gênesis nos fala muito pouco sobre o começo da vida humana. O período
até o dilúvio, após a história de Caim e Abel, é quase limitada a genealogia, a nomes.
Computando os anos de vida dos patriarcas, recebemos um período de uns 1600 anos.
Esta história de tantos séculos é toda relatada somente no capítulo 4. Isto nos demonstra
de como Moisés é cauteloso, como ele protege o seu relato das narrativas populares e
mitológicas. É óbvio, que a fonte da relação genealógica eram as inscrições da
Mesopotamia. A humanidade, desde a sua alvorada, protegeu com grande zelo a sua
história. As tribos guardavam a memória de seus antepassados, mas isto só se dava
através uma relação de nomes e anos de vida! Hoje nas escavações da Mesopotamia são
achados inscrições cuneiformes, que remontam até terceiro milênio ante Cristo, o que
quer dizer, alguns séculos antes de Abraão. Mas a antigüidade visava preservar a
memória sobre os grandes antepassados também além de inscrições, erigindo para isso
magníficos túmulos e outros monumentos. Após o minucioso relato sobre o dilúvio, o
livro de Gênesis continua a relação da genealogia, novamente de uns 2.000 anos. A
relação dos patriarcas até Abraão, de acordo com fontes para nos desconhecidas, é
também rigorosa. Estes esquemas são interrompidos por duas narrações: 1) sobre o
dilúvio e Noé e seus filhos, e 2) sobre a construção da torre de Babel e a dispersão dos
povos.
Se Moisés se deteve na história do dilúvio, evidentemente ele tinha dados para isso. O
dado principal era a tradição do dilúvio entre o povo hebreu daquela época. Ela foi
trazida pelos hebreus até o Egito e lá cuidadosamente guardada. Ao mesmo tempo, entre
o povo egípcio o relato sobre o dilúvio já foi perdido. Porém podemos encontra-lo, com
detalhes mitológicos, nas tabuinhas da Mesopotamia (Suméria, um povo não hebreu, na
biblioteca de Assurbanipal). Em linhas gerais, este fato confirma a memória sobre o
dilúvio na Mesopotamia. Levando em conta a língua daquela época, a limitação da
compreensão das palavras "o mundo inteiro," podemos admitir que a expressão "o
mundo inteiro... todos os animais" têm como limite o país habitado. Naquela época tudo
aquilo, que estava diante dos olhos, era tido como "tudo, todos," no sentido relativo. Até
na época do Império Romano e do começo do cristianismo, "o mundo inteiro"
significava aquela parte do mundo, que era conhecida e explorada. Porém isto é
somente uma das hipóteses sobre o dilúvio.
O relato de Moisés sobre o dilúvio era sujeito a três idéias mestres, evidentes em toda a
Bíblia: a) a permanência do mundo sob a vontade de Deus, b) as tragédias dos povos
como castigo por sua depravação e c) escolha de uma tribo, mais tarde, um povo, como
guardião da verdadeira fé.
A narrativa sobre uma língua única entre os povos, sobre a construção da torre de Babel
e sobre a dispersão dos povos é um outro pormenor entre o curto esquema da
genealogia. A arqueologia moderna confirma a existência da torre de Babel.
Os livros históricos do Velho Testamento, bem como os cinco livros de Moisés sobre as
leis, demonstram a conexão entre a vida piedosa de um povo e o seu bem-estar, por
outras palavras, de que as calamidades são sempre a conseqüência da apostasia e da
degradação moral. Por isso, até na época de cristianismo a historia do Velho Testamento
permanece atual e a Igreja usa muitos materiais de lá para mostrar exemplos. Porém
aqueles livros históricos, onde o elemento nacional judeu ofusca a idéia religiosa (Ester,
Judite), não são usados pela Igreja durante as missas. Assim, o material histórico do
Velho Testamento não tem valor como tal, pois "passou o que era antigo" (2 Cor. 5:17),
mas tem valor como moralizador.
Os livros sapienciais são repletos de conselhos práticos de como levar a sua vida
particular e a vida de toda a família sabiamente, temendo a Deus, na verdade, na
honestidade, no trabalho, na moderação e como ser útil na vida social. Estes conselhos
são muito instrutivos, práticos de verdadeiros. Na construção das frases há muitas
metáforas, vivacidade e perspicácia, apesar de que algumas opiniões foram dadas num
tempo muito remoto e não correspondem aos nossos costumes. A tendência prática da
vida constitui o traço característico da sabedoria sapiencial do Velho Testamento.
Porém seria um grande erro pensar que a sabedoria bíblica é a sabedoria do bem-estar
terreno. A Bíblia vê a verdadeira sabedoria na devoção a Deus mesmo nos sofrimentos
mais atrozes, nos sofrimentos sem culpa, a sabedoria na aceitação dos caminhos
desconhecidos de Deus. "Nu sai do ventre da minha mãe, nu a ele retornei para além.
Javé deu, Javé tirou: bendito seja o nome de Javé,... se recebemos o bem de Deus, como
não receber igualmente a desgraça?" (Jô 1:21, 2:10). Esta é a sabedoria do justo Jô.
Mas não há sabedoria nas palavras dialéticas e lógicas de seus amigos, e não há
justamente porque eles orgulhosamente acham que compreendem os caminhos de Deus;
elas contêm aquilo que podemos chamar de racionalismo sobre o fundo religioso. Eles
foram aconselhados através Jô de pedir perdão a Deus.
O bem-estar, a riqueza, a fama, a glória são muito atrativos, mas não faz sentido se
prender a isto, eis a sabedoria final de Salomão. A morte espera por todos nós, e aqui se
verifica que tudo isto não passa de aparências, de vaidades — "Vaidade das vaidades!
Tudo é vaidade!" (Eclesiastes 1:2)
Na vida existe algo mais precioso, mais sublime, mais digno de louvor, que emana da
sabedoria. Isto é a tendência de conhecer as obras de Deus, o conhecimento da natureza,
o conhecimento puro: "Ele me deu ciência exata do que é que me fez conhecer a
estrutura do universo e a força dos elementos, o começo, o fim e o meio dos tempos o
alternar-se dos solstícios e a mudança das estações, os ciclos dos anos e as posições
dos astros, as distintas naturezas dos animais e os instintos das feras, o poder dos
espíritos e os pensamentos humanos, a variedade das plantas e as virtudes das raízes"
(Sabedoria 7:17-20). "Ama alguém a justiça? As virtudes são fruto de seus esforços, ela
ensina temperança e prudência, como também justiça e fortaleza, os bens mais úteis na
vida humana. Deseja alguém uma rica experiência: ela conhece o passado, presume o
futuro, penetra as máximas, resolve enigmas, prevê sinais e prodígios, a sucessão das
épocas e dos tempos" (Sabedoria 8:7-8). Nestas palavras vemos a aceitação dos direitos
da ciência em suas muitas ramificações.
A posse desta sabedoria não é um mérito pessoal, mas é uma dádiva de Deus. "Eu rezei"
— diz o autor da Sabedoria de Salomão: "Ele me deu a ciência exata. O que há de
oculto e manifesto, eu o conheci; artesã de todas as coisas, ensinou-me a sabedoria.
Nela há um espírito inteligente, santo, único em seu gênero, múltiplo, sutil, ágil,
perspicaz, puro, claro, impassível, amante do bem, penetrante, incoercível, benfazejo,
amigo dos homens, firme, seguro, despreocupado, tudo pode e abrange, com o olhar,
penetra todos os espíritos, os inteligentes, puros e sutis... Ela é reflexo da luz eterna,
espelho sem mancha do agir de Deus, a imagem de Sua bondade. Sendo uma só, tudo
pode; sempre a mesma, tudo renova. Passa, através dos séculos, para as almas santas,
fazendo-as amigas de Deus e dos profetas: Deus ama a quem vive em sabedoria"
(Sabedoria 7:21-23; 26-28).
Não é de se admirar, que tal exemplo de Sabedoria perfeita como nos livros sapienciais
do Velho Testamento é atual também na época de cristianismo, principalmente lá, onde
ela é demonstrada como "presidindo a próprio Deus." "Criou-me Javé no início de suas
vias, no prelúdio de Suas obras, desde sempre. Desde a eternidade fui fundamentada,
desde o começo, antes da origem da terra. Quando ainda não existiam os abismos, no
entanto, eu já tinha sido concebida. Antes de serem implantados os montes e antes das
colinas, eu já fôra gerada, antes de haver a terra e as campinas e os primeiros
elementos do pó do mundo. Ao firmar Ele os céus: estava eu lá; ao traçar Ele um
círculo à face do abismo e ao condensar as nuvens nas alturas e quando determinou as
fontes do abismo e quando assinalou limites aos mares e as águas não ultrapassavam
as bordas, estava ao Seu lado, como arquiteto, fazendo Suas delícias, dias após dias,
folgando-me todo o tempo em Sua presença, divertindo-me sobre a face da terra,
achando o meu prazer nos filhos dos homens..." "Quem me encontra, acha a vida e há
de obter o benefício de Javé" (Provérbios 8:22-35).
Aqui a Sabedoria é representada como um ente Divino; podemos achar também outras
expressões parecidas quando se trata de Sabedoria. Sob a influencia desta imagem na
filosofia religiosa, tanto no começo do cristianismo, como na idade média e agora, na
idade moderna, surgiu o pensamento que tentava penetrar na teologia, de que sob a
palavra "sabedoria" é entendida uma força Divina pessoal, hipostase, criada ou não,
talvez a alma do mundo, a "Divina Sofia." Os ensinamentos sobre a Sofia se acham nas
obras de Vladimir Soloviev e do padre Paulo Florenski, do padre S. Bulgakov. Eles têm
a sua própria filosofia e querendo justifica-la pelas Escrituras, não tomam em conta o
fato de que no Velho Testamento é comum personificar as idéias. O autor dos
Provérbios adverte que ao lê-las será necessário "entender as máximas, frases obscuras
e os ditos dos sábios e seus enigmas" (Provérbios 1:6), isto é, não interpretá-las ao pé da
letra.
Porém lá, onde a Sabedoria é representada muito expressivamente, como ente pessoal,
como Sabedoria hipostásica, O Novo Testamento a representa como o Filho de Deus
Jesus Cristo, "Força Divina e Sabedoria Divina," como o diz o apóstolo Paulo (1 Cor.
1:24). Este significado é dado, por exemplo, à leitura do livro de Sabedoria: "Erigiu a
Sabedoria sua casa e construiu suas sete colunas" (Sabedoria 9:1). Assim o autor
transporta o nosso pensamento diretamente para o Novo Testamento, à pregação do
Evangelho, ao mistério da Eucaristia e para a edificação da Igreja de Cristo; aqui o
Velho Testamento entra direto no Novo Testamento.
Alguns salmos têm umas expressões confusas, não só nas nossas traduções, mas até no
texto hebreu e na sua tradução para o grego, mas contêm também versículos
maravilhosos na sua expressão. Mas quantos salmos existem que são absolutamente
compreensíveis, espelham o nosso estado espiritual e dão a plena interpretação dele, são
uma oração que parece ter sido criada nos nossos tempos e para nós, e não nos tempos
tão remotos!
Entre os livros sapienciais há um livro sobre o amor. Este é o "Cântico dos Cânticos"
sobre o amado e a amada. A primeira vista este Cântico pode parecer tão somente uma
canção lírica e assim ele é interpretado por pessoas liberais, que não seguem a
interpretação dos Doutores da Igreja. Primeiro precisamos ler os profetas para entender,
que no Velho Testamento a palavra "amado — amada" se refere à ligação entre Deus e
o seu povo eleito e se este livro foi aceito entre as escrituras sagradas dos judeus, isto
foi porque — seja qual fôr a sua primeira significação — a tradição do Velho
Testamento a entendia no seu sentido sublime simbólico. No Novo Testamento o
apóstolo Paulo usa este mesmo símbolo, porém sem a sua forma poética, quando fala
sobre o amor de homem e mulher e o compara com o amor de Cristo para com a Igreja.
Nos hinos da Igreja muitas vezes ouvimos as palavras sobre o noivo e a noiva, como o
símbolo de um amor ardente para com o nosso Salvador: "Jesus, a Tua cordeira está
clamando em voz alta: amo Te, meu Esposo e ao procurar-Te, sofro e me crucifico..."
ouvimos no tropário à mártir. Este mesmo sublime arrebatamento de alma ao Cristo
podemos encontrar nas obras de ascetas cristãos.
O profeta Jeremias chora a queda do povo com as palavras ainda mais fortes: "Não
depositeis confiança em palavras falazes proclamando: ‘Lá está o Santuário de Javé,’...
Como! Roubar, matar, cometer adultério, perjura, queimar o incenso a Baal, seguir
deuses estranhos que desconheceis, depois apresentar-se ante Mim, nesse Santuário, que
leva Meu Nome e dizer: "Nós estamos salvos!’ para continuar realizando todas essas
abominações! Aos vossos olhos este Templo que traz Meu Nome é uma caverna de
ladrões?" (Jeremias capítulo 7).
"Quem mudará minha cabeça em águas e meus olhos em fonte de lágrimas? Dia e noite
eu choraria os mortos da filha de meu povo! Quem me proverá no deserto um local onde
pernoitar? Abandonaria Meu povo e afastar-Me-ia dele. São todos adúlteros, uma súcia
de desleais... cada amigo espalha calúnias. Um logra contra o outro e mentem:
habituaram sua língua a mentir e cansaram-se de fazer mal... Não os punirei por isso?
Eis oráculo de Javé... Farei de Jerusalém um monte de pedras, um covil de chacais; das
cidades de Judá, farei solidão onde ninguém habitará. Que sábio entenderá isso?...
Assim fala Javé Sabaot: ‘Eia, chamai as carpideiras! Venham!... Entoem rápido uma
elegia sobre nos! Corram lágrimas dos nossos olhos! Que nossas pálpebras jorram
água!’" (Jeremias, capítulo 9).
"Gritam-me de Seir: ‘Sentinela, que horas da noite? Sentinela, que horas da noite?’
Responde o vigia: ‘Vem a manhã, depois da noite" (Isaías 21:11-12).
Passando a noite, passa a ira de Deus. "Exultem deserto e terra árida, alegre-se e
floresça a estepe, tenha flores como junquilhos, rejubile e grite de alegria... Fortalecei as
mãos fatigadas, revigorai os joelhos vacilantes. Dizei aos corações pusilânimes:
Coragem! Não temais! Vede! É vosso Deus, a vingança que vem, a retribuição de Deus,
Ele é que vem vos salvar. Os olhos dos cegos se abrirão, os ouvidos dos surdos se
desobstruirão, o coxo saltará como cervo, e a língua do mudo gritará de alegria. A água
jorrará no deserto, a torrente na estepe... por ela voltarão os libertos de Javé. Chegarão
em Sião, exultantes, com feliz e eterno brilho na face; com eles a alegria e júbilo, dor e
pranto já não haverá" (Isaías 35:1-10).
O que é que anima os profetas e lhes dá estas esperanças nas longínquas visões do
futuro? Será que eles prevêem a futura grandiosidade do seu povo, suas vitórias e seus
triunfos? Ou a futura riqueza e fartura? Não, não é este bem-estar material que lhes
chama a atenção. Será que estes homens, que levavam uma vida cheia de sacrifício e
mesmo uma morte cruel (o profeta Isaías foi serrado com uma serra de madeira),
poderiam desejar ao seu povo somente bem-estar material? Eles previam uma outra
revelação Divina: um renascimento espiritual sem igual, os tempos da verdade,
brandura e paz quando "o pais está cheio do saber de Javé" (Isaías 11:9). Eles
prenunciavam a vinda do Novo Testamento.
"Eis que virão dias — oráculo de Javé — quando concluirei com a casa de Israel e de
Judá uma nova aliança: não à guisa que concluí com os seus pais, no dia que os tomei
pela mão, para os tirar do Egito, aliança Minha que violaram, embora Eu fosse seu
senhor — eis oráculo de Javé. Mas esta será a aliança que concluirei com a casa de
Israel depois desses dias,- eis oráculo de Javé; imprimirei Minha Lei no seu interior, no
seu coração e escreverei; então, serei seu Deus e serão Meu povo. E já não deverão
estimular-se uns aos outros, nestes termos: ‘Reconhecei a Javé’, pois todos desde o
menor ao maior deles Me reconhecerão — eis oráculo de Javé -, pois perdoarei sua
culpa e do seu pecado já não Me lembrarei." Assim profetisa Jeremias (Jeremias 31:32-
34).
Os profetas falam muito sobre o castigo para outros povos, inimigos de Israel, povos
pagãos, que eram instrumento de ira de Deus sobre Israel. Eles também receberão a sua
taça de ira. Mas a futura benção de Israel será uma luz também para eles. "Nesse dia, a
raiz de Jessé erguer-se-á como o sinal dos povos. Será procurada pelas nações e sua
habitação será gloriosa" Isaías 11:10).
O cumprimento destas esperanças está ligado à promessa de um eterno Rei para Israel.
"Meu servo Davi reinará sobre eles e haverá para todos um só pastor. Viverão segundo
Meus mandamentos... e Meu servo Davi será seu príncipe, para sempre. Concluirei com
eles uma aliança de paz, que será uma aliança eterna" (Ezequiel 37:24-26).
Os profetas que consolam o povo direcionam todos os olhares dos seus contemporâneos
para este Rei. E eis, como Ele aparece diante dos olhos deles: dócil, bondoso, humilde,
justo. "Eis Meu servo eu sustenho, Meu eleito, preferido de Minh’alma. Pus sobre ele o
Meu espírito para levar o direito às nações. Ele não grita nem eleva o tom, nem faz
ouvir sua voz nas ruas. O caniço tenso não se quebra nem se apaga a chama vacilante.
Proclamará com firmeza o direito" (Isaías 42:1-3).
Assim, nestas palavras, foi mostrada nos profetas a vinda do Salvador do mundo. Diante
de nos está demonstrada — dispersa em vários lugares das escrituras proféticas, mas
muito rica no seu todo — representação dos futuros acontecimentos evangélicos e a
própria imagem evangélica do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo.
Isaías se refere a Galiléia como o primeiro lugar onde Nosso Senhor habitou o se
revelou aos homens: "No passado Ele humilhou o país de Zabulon e o país de Neftali
mas no futuro Ele glorificará o caminho do mar, além do Jordão, e o distrito das nações.
O povo que ia nas trevas, viu uma grande luz; sobre os habitantes do sombrio país uma
luz resplandeceu... Pois um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado; Ele
recebeu o império sobre os ombros e foi-Lhe dado este nome: Conselheiro Admirável,
Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz" (Isaías 9:1-6).
Eis uma referencia sobre como Deus glorificará Jerusalém: "De pé! Brilha! Eis tua luz!
Sobre ti está a glória de Javé enquanto as trevas cobrem a terra e a escuridão, o seu
povo! Acima de ti: Javé; Sua glória acima de ti! As nações caminham para tua luz e os
reis, para teu clarão nascente" (Isaías 60:1-3).
Eis a profecia do mesmo profeta sobre Cristo, com o qual o Próprio Cristo começou o
seu Evangelho na sinagoga em Nazaré: "O espírito do Senhor Javé está sobre Mim,
porque Javé Me ungiu. Enviou-Me dar a boa-nova aos pobres e curar os corações
aflitos, para anunciar anistia aos cativos e liberdade aos prisioneiros, para anunciar
um ano de graça de Javé" (Isaías 61:1-3).
Será, que o profeta prevê, que o Salvador do Mundo não será reconhecido pelos lideres
do povo hebreu e também por uma parte do povo? Sim, ele se refere indiretamente a
isto no grande capítulo sobre a paixão de Cristo, no capítulo 53 do seu livro, numa das
maiores profecias, ou talvez a maior de todas:
"A quem crerá no que ouvimos? A quem foi revelado o braço de Javé
Ele cresceu ante nós como rebento, como raiz em terra ressequida.
Traspassado pelos nossos pecados, ferido por causa de nossos crimes. O
castigo caiu sobre Ele para nossa salvação, nós fomos curados pelas Suas
chagas. Andamos desgarrados como ovelhas, cada um seguindo seu
caminho: Javé fez recair sobre Ele a iniqüidade de nós todos. Maltratado,
Ele se submeteu e não abriu a boca. Como cordeiro levado a matadouro,
como ovelha calada ante o tosquiador, Ele não abriu sua boca.
Foi arrebatado por sentença violenta: quem se importa pela sua causa?
Foi eliminado da terra dos viventes e ferido de morte por nossos pecados.
Deram-Lhe sepultura entre os ímpios e seu túmulo entre os ricos. Mas
não cometeu violência alguma, nem houve falsidade na Sua boca" (Isaías
53:1-9).
"Deus, porém, para manifestar a Sua ira e dar conhecer o Seu poder,
suportou com muita longanimidade os objetos da ira votados à perdição.
E, para ostentar a riqueza de Sua glória, em objetos de misericórdia, a
estes predestinou para a glória, a saber, a nós a quem Ele chamou, não só
dentre os judeus, senão também dentre os gentios? Como Ele diz por
Oséias: ‘Chamarei de Meu povo a quem não era Meu povo e de amada a
que não era amada.’ ‘E onde lhes foi dito: Não sóis o Meu povo, aí serão
chamados Filhos de Deus Vivo’. Isaías exclama, referindo-se a Israel:
‘Se o número dos filhos de Israel fôr como a areia do mar, salvar-se-á só
o resto,’... Que se segue daí? Que os gentios, apesar de não buscar a
justiça, alcançaram a justificação pela fé, ao passo que Israel, colimando
uma norma de justificação, não atingiu esta norma. Por que não? Porque
pretendiam atingi-la, não pelo caminho da fé, mas pelo das obras.
Tropeçaram na pedra de obstáculo, conforme está escrito: ‘Eis que ponho
em Sião uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo. Mas quem crer
Nele, não será confundido’... Mas, pergunto: porventura não chegaram
eles a ouvir? Certamente, que sim. ‘Por toda a terra se difundiu a vez
deles, e até os confins da terra as suas palavras.’ Entretanto, pergunto:
Israel acaso não o compreendeu? Já Moisés lhe havia dito: ‘Eu vos
tornarei ciumentos de um povo que não é povo; provocarei vossa ira
contra um povo insensato.’ E Isaías se atreve a dizer: ‘Fui achado pelos
que não Me procuravam; manifestei-Me aos que não perguntavam por
Mim.’ A Israel por seu turno diz: ‘Todo o dia estendi Minhas mãos a um
povo desobediente e rebelde’" (Romanos 9:22-27. 30-33. 10:18-21).
Isto poderia parecer um destino muito cruel e um veredicto demais rigoroso para um
povo que antes era eleito. Mas o próprio apóstolo Paulo se transforma num consolador
do seu povo dizendo: "Com efeito não quero, irmãos, que ignoreis o seguinte mistério
para não presumirdes aos vossos olhos de sábios: a cegueira abateu-se sobre uma parte
de Israel, até ao tempo em que o número completo dos gentios tiver ingressado no
Reino de Deus. E então Israel em peso será salvo, como está escrito: ‘De Sião virá o
Salvador e desterrará a impiedade de Jacó.’... Deus, com efeito, os fez cair em rebeldia;
envolveu todos na desobediência afim de usar misericórdia para com todos. Ó
profundidade das riquezas, e da sabedoria e da ciência de Deus! Quão insondáveis são
os Seus juízos e imperscrutáveis os Seus Caminhos!" (Romanos 11:25-26. 32-33).
P
" assou a sombra da lei pois veio a bem-aventurança" (cântico da Igreja); passou o
protótipo, quando veio a Verdade; a sombra do começo do dia se dissipou, quando raiou
o sol. Não há mais o sacrifício do Velho Testamento: não só no sentido de que o
sacrifício perdeu o seu significado, mas não o há de fato. Não existe mais o sacrossanto,
não há mais o velho templo de Jerusalém; não há mais sumos e legais sacerdotes nos
judeus.
E não obstante de tudo isso o Velho Testamento permanece como aquele fundamento,
enterrado no solo, sobre o qual a Igreja de Cristo se fixa e se eleva até aos céus. Os
livros da Velha Bíblia são a pedra angular deste fundamento: os livros sobre as leis, os
livros históricos, os livros sapienciais e os livros proféticos. Eles contêm grandes
profecias sobre Cristo e uma infinidade de protótipos, presságios, reflexos do futuro
Novo Testamento. Lá ouvimos as primeiras chamadas à penitencia, à humildade, à
bondade que depois foram anunciadas com toda a força pela pregação do Evangelho, lá
encontramos inúmeros exemplos de uma vida justa e inúmeras edificações morais. Aqui
foram reveladas ao homem as eternas verdades sobre Deus, sobre o mundo, sobre o
homem, sobre o pecado, sobre a necessidade de redenção e sobre o vindouro e tão
desejado Redentor.
Comunhão
com os Santos
Pelo Protopresbítero Michael Pomazansky
A IGREJA ORA por todos aqueles que morreram na fé, e pede perdão pelos pecados
deles, pois não há um só homem sem pecado, "ainda que tivesse vivido um só dia" (Jó
14:5 Septuaginta). "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos,
e não há verdade em nós" (1 Jo. 1:8). Por isso, não importa quão justo um homem possa
ser, quando ele parte desse mundo, a Igreja acompanha sua partida com orações por ele
para o Senhor. "Irmãos, orai por nós.", pede o santo Apóstolo Paulo aos seus filhos
espirituais (1 Tess. 5: 25).
Ao mesmo tempo, quando a Igreja testemunha a justeza de uma pessoa que partiu, os
Cristãos, além de orar por ela, são ensinados pelo bom exemplo de sua vida e a colocam
em um lugar para ser imitada.
E quando, além disso, a convicção comum sobre a santidade da pessoa que partiu é
confirmada por testemunhos oficiais tais como martírio, destemida confissão, serviços
com auto-sacrifício para a Igreja, dom de cura, e especialmente quando o Senhor
confirma a santidade da pessoa que partiu com milagres depois da sua morte quando ele
é lembrado em orações, então a Igreja a glorifica de maneira especial. Como a Igreja
poderia não glorificar aqueles a quem o próprio Senhor chama de "Seus amigos"? "Vós
sereis meus amigos... tenho-vos chamado amigos" (Jo. 15:14-15), a quem Ele recebeu
em Suas mansões celestes em cumprimento das palavras, "para que onde Eu estiver
estejais vós também" (Jo. 14:3). Quando isso acontece, orações para o perdão dos
pecados daquele que partiu e para o seu repouso cessam; elas dão lugar a outra forma de
comunhão da Igreja com ele, nomeadamente: primeiro, o louvor de suas lutas em
Cristo, "pois nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador,
e dá luz a todos que estão na casa" (Mt. 5:15); segundo, são feitas petições para ele
para que ele possa orar por nós, pela remissão dos nossos pecados, e pelo nosso avanço
moral, e para que ele possa nos ajudar em nossas necessidades espirituais e em nossas
angustias.
O apóstolo João escreveu para seus companheiros Cristãos: "O que vimos e ouvimos
isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa
comunhão é com o Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo" (I Jo. 1:3). E na Igreja essa
comunhão com os apóstolos não é interrompida; e ela segue em frente com eles para o
outro reino da existência deles, o reino celeste.
A proximidade dos santos do Trono do Cordeiro e a elevação por eles de orações pela
Igreja na terra são descritas no livro do Apocalipse de São João o Teólogo: E olhei, e
ouvi a voz de muitos anjos ao redor do Trono, e dos animais e dos anciãos; e era o
número deles de milhões de milhões e milhares de milhares.", que louvavam o Senhor
(Apoc. 5:11).
Da parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro (Lc. 16:19-31) nós sabemos que
Abrahão, estando no céu, pôde ouvir o grito do homem rico que estava sofrendo no
Inferno, apesar do "grande abismo" que os separava. As palavras de Abrahão sobre os
irmãos do homem rico, "Têm Moises e os profetas; ouçam-nos." indicam claramente
que Abrahão conhecia a vida do povo hebreu que estava acontecendo depois de sua
morte; ele sabe de Moises e da lei, dos profetas e seus escritos. A visão espiritual das
almas dos justos no céu, sem nenhuma dúvida, é maior do que era na terra. O Apóstolo
escreve: "Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face:
agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido" (I Co.
13:12).
O Mundo Espiritual
Protopresbítero Michael Pomazansky
Tradutor para o português: José Valério Lopes dos Santos Júnior
Conteúdo:
Por toda o Novo Testamento das Sagradas Escrituras aparece o mandamento da oração
incessante "Orai sem parar" (1 Tess. 5:17); "com orações e súplicas de toda a sorte,
orai em todo tempo, no Espírito" (Efe. 6:18); "Contou-lhes ainda uma parábola para
mostrar a necessidade de orar sempre, sem jamais esmorecer" (Lucas 18:1).
O exemplo perfeito de oração pessoal nos foi dado por Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele
deixou como exemplo a oração "Pai-Nosso — a oração do Senhor. A oração é (a) forma
da vida da Igreja, (b) um instrumento ou meio de sua atividade, e (c) sua força de
superação.
A oração pode ser para si próprio ou para outros. A oração para outra pessoa expressa o
amor mútuo entre os membros da Igreja. Assim, de acordo com os Apóstolos, o amor
nunca falha (1 Cor. 13:8), os membros terrenos da Igreja não só rezam uns para os
outros, mas também, de acordo com a lei do amor cristão, rezam para aqueles que
partiram (os membros celestiais); e, igualmente, os membros celestiais rezam para
aqueles na terra, assim como para o descanso de seus irmãos que estão necessitados da
ajuda da oração. Finalmente, nós mesmos apelamos para aqueles no céu com a súplica
para rezar por nós e para nossos irmãos. Acima deste vínculo do celestial com o
mundano encontra-se a preocupação dos anjos para conosco e nossas orações para eles.
eu o farei a fim de que o Pai seja glorificado no Filho" (João 14, 13).
Portanto, o vínculo da oração com eles por parte da Igreja peregrina (na terra) não cessa.
"Pois estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os
principados, nem o presente nem o futuro... poderá nos separar do amor de Deus
manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rom. 8: 38). Os mortos necessitam
somente de um tipo de ajuda dos seus irmãos: oração e súplica pela remissão dos seus
pecados.
"Esta é a confiança que temos em Deus: se lhe pedimos alguma coisa segundo a Sua
vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que Ele nos ouve em tudo o que Lhe pedimos,
sabemos que possuímos o que havíamos pedido. Se alguém vê que seu irmão cometeu
um pecado que não conduz à morte, que ele ore e Deus dará a vida a este irmão, se, de
fato, o pecado cometido não conduz à morte. Existe um pecado que conduz à morte,
mas não é a respeito desse que digo que se ore" (1 João 5: 14-16).
Correspondendo a esta instrução do Apóstolo, a Igreja reza por todas as crianças que
morreram com arrependimento verdadeiro. A Igreja segue as palavras do Apóstolo
rezando para eles e para aqueles que estão vivos; "Se vivemos, é para o Senhor que
vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer morramos,
pertencemos ao Senhor. Cristo morreu e voltou à vida para ser o Senhor dos vivos e
dos mortos" (Rom. 14: 8-9). Aqueles, entretanto, que morreram sem se arrepender dos
pecados, fora da comunhão com a Igreja, não são nem dignos de orações, como segue
das palavras acima mencionadas do Apóstolo João: "Eu não digo que ele deva rezar
para isso," porque essas orações não teriam propósito. Na Igreja do Antigo Testamento
também existe o hábito de se rezar pelos mortos. Há o testemunho da história sagrada
sobre isso. Assim, nos dias do líder piedoso dos Judeus, Judas Macabeus, quando após
uma inspeção daqueles que caíram no campo de batalha, foi encontrado em seus
vestuários objetos consagrados aos ídolos, todos os judeus "tendo bendito o modo de
proceder do Senhor, justo Juiz que torna manifestas as coisas escondidas, puseram-se
em oração para pedir que o pecado cometido fosse completamente cancelado." O
próprio Judas Macabeus foi enviado à Jerusalém "a fim de que se oferecesse um
sacrifício pelo pecado: agiu assim absolutamente bem e nobremente, com pensamento
na ressurreição" (2 Mac. 12:39-46).
Que a remissão dos pecados daqueles que não haviam pecado na morte possa ser dada
na presente vida e depois da morte é concluída naturalmente das palavras do próprio
Senhor: "Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado,
mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no
vindouro" (Mateus 12:32). Igualmente, da palavra de Deus, sabemos que o Senhor Jesus
tem "as chaves da Morte e do Hades (Inferno)" (Apo. 1:18); e, conseqüentemente, Ele
tem poder para abrir as portas do inferno pelas orações da Igreja e pelo poder do
Sacrifício sem derramamento de sangue conciliatório que é oferecido aos mortos.
Sobre o bom efeito da comunhão piedosa em nome do Senhor Jesus Cristo entre aqueles
que vivem na terra e os mortos, Efrein, o Sírio, por exemplo, assim fundamenta: "para
os mortos, a lembrança conduzida pelos santos durante sua vida é benéfica. Vemos um
exemplo disso em um grande número dos atos de Deus. Por exemplo, num vinhedo há
as uvas amadurecidas no campo, e o vinho já espremido dentro dos recipientes; quando
as uvas amadurecem na videira, então o vinho que está intacto na casa começa a
espumar e a se agitar, como se quisesse escapar. A mesma coisa acontece,
aparentemente, com outra planta, a cebola; porque assim que a cebola que foi plantada
na terra começa a amadurecer, a cebola que está na casa também começa a dar broto.
Então, se mesmo coisas que crescem têm entre si tal sentimento-associativo, não serão
as petições de orações mais sentidas pelos mortos? E quando você concordar
sensivelmente que isto ocorre de acordo com a natureza das criaturas, então apenas
imagine que você é a primeira das criaturas de Deus."
Rezando para os mortos, a Igreja intercede por eles assim como para os vivos, não em
seu próprio nome, mas em nome do Senhor Jesus Cristo (João 14: 13-14), e pelo poder
de Seu Sacrifício na Cruz, que foi oferecido pela salvação de todos. Essas orações
fervorosas ajudam as sementes da nova vida que nossos mortos levaram consigo - se
essas sementes não foram capazes de se abrir suficientemente aqui na terra - para
abrirem-se gradualmente e desenvolverem-se sob a influência das orações e com a
piedade de Deus, assim como uma semente boa se desenvolve na terra sob os raios
vitais da luz do sol, com o clima favorável. Mas não pode receber sementes podres as
quais perderam o verdadeiro princípio da vida vegetativa. Similarmente, as orações não
teriam poder para os mortos que morreram na impiedade e sem arrependimento, que
secaram em si o Espírito de Cristo (1 Tess. 5:19). É precisamente relativo a tais
pecadores que se deve lembrar as palavras do Salvador na parábola do homem rico e de
Lázaro: que não há libertação para eles das profundezas do inferno, e nem transferência
deles para junto de Abraão (Lucas 16: 26). E, de fato, normalmente, tais pessoas não
deixam para trás na terra outros que possam rezar sinceramente para Deus por elas, e do
mesmo modo, não adquiriram para si amigos nos céus entre os santos, os quais, quando
eles caírem (quer dizer, morrerem), possam recebê-los nas habitações eternas — isto é,
que possam rezar por eles (Lucas 16: 9).
Obviamente, não se sabe após a morte por qual sina cada um foi sujeitado na terra. Mas
a oração do amor nunca é sem proveito. Se nossos mortos, que nos são queridos, foram
dignos do Reino dos Céus, eles respondem à oração feita para eles com uma oração em
resposta por nós. E se nossas orações não tem poder para ajudá-los, em qualquer caso
elas não são prejudiciais a nós, de acordo com a palavra do Salmista: "minha oração
voltará para meu peito" (Salmos 35 (34): 13), e, de acordo, com a palavra do Salvador:
"volte a vós a vossa paz" (Mateus 10: 13). Mas, certamente, são úteis para nós. São João
Damasceno observa: "Se alguém deseja ungir um homem doente com mirra ou outro
óleo sagrado, primeiro ele deve tomar-se parte da unção e, então, ungir o doente. E
também, qualquer um que batalhe para a salvação de seu próximo, primeiro que ele
receba benefício, e depois então, ofereça a seu próximo; porque Deus não é injusto para
esquecer as obras, de acordo com as palavras do Apóstolo Divino."
A Igreja reza por todos que morreram em fé, e pede pelo perdão de seus pecados,
porque não há nenhum homem sem pecado, "Se ele já viveu apenas um único dia na
terra" (Jô 14:5, Septuagint). "Se dissermos: ´não temos pecado’, enganamo-nos a nós
mesmos e a Verdade não está em nós" (1 João 1: 8). Assim, não importa quão justo seja
um homem, quando ele parte deste mundo, a Igreja acompanha sua partida com orações
por ele para o Senhor. "Orai por nós, irmãos," o Santo Apóstolo Paulo pede de seus
filhos espirituais (1 Tess. 5:25).
É dito: "Bendito os mortos, os que desde agora morrem no Senhor" (Apo. 14: 13) e nós
realmente os bendizemos. É dito: "eu lhes dei a glória que me deste" (João 17: 22), e
nós realmente damos a eles esta glória de acordo com o mandamento do Salvador.
O Apóstolo João escreve aos seus irmãos cristãos: "O que vimos e ouvimos vo-lo
anunciaremos para que estejais também em comunhão conosco. E a nossa comunhão é
com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo" (1 João 1:3). E dentro da Igreja, essa
comunhão com os Apóstolos não é interrompida; atravessa para dentro do outro
domínio de suas existências, o domínio celestial.
A proximidade dos santos do Trono do Cordeiro e a elevação deles das orações para a
Igreja na terra é representada no livro do Apocalipse de São João, o Teólogo: "em
minha visão, ouvi ainda o clamor de uma multidão de anjos que circundavam o trono,
os Seres vivos e dos Anciãos — seu número era de milhões de milhões e milhares de
milhares," que louvaram o Senhor (ver 5:11).
As Sagradas Escrituras apresentam inúmeros exemplos do fato de, enquanto ainda vivos
na terra, os justos poderem ver, ouvir e saber muito do que é inacessível à compreensão
comum. Cada vez mais esses dons estão presentes com eles, quando eles deixam o
corpo e vão para os céus. O santo Apóstolo Pedro viu no coração de Ananias, de acordo
com o livros dos Atos (5: 3). Foi revelado para Eliseu o ato ilegal do servo Giezi (2 Reis
4), e o que é mais notável é que foi revelado à ele todas as intenções secretas da corte
siríaca, as quais ele comunicou ao rei de Israel (2 Reis 6:12). Enquanto em vida, os
santos penetraram em espírito no mundo de cima; alguns deles viram coros de anjos,
outros foram dignos de ver a imagem de Deus (Isaias e Ezequiel), e outros ainda foram
levados ao Terceiro Céu e ouviram lá as palavras místicas, indizíveis. Quão mais
permanecerem nos céus, mais eles serão capazes de saber o que está acontecendo na
terra e de ouvir aqueles que chamam por eles porque os santos nos céus são semelhantes
aos anjos (Lucas 20:36).
Sabemos, da parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro (Lucas 16:19-31), que
Abraão, estando no céu, pôde ouvir o grito do rico que estava sofrendo no inferno,
apesar do "grande abismo" que os separavam. As palavras de Abraão para os irmãos do
homem rico, "Eles têm Moisés e os profetas; que os ouçam!" (Lucas 16:29), claramente
indica que Abraão sabe sobre a vida do povo hebreu que ocorreu depois de sua morte;
ele sabe sobre Moisés e as Leis, sobre os profetas e seus escritos. A visão espiritual das
almas dos justos no céu, sem qualquer dúvida, é maior do que era quando na terra. O
Apóstolo escreve: "E agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois,
veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei
como sou conhecido" (1 Cor. 13:12).
A MORTE É A SINA COMUM DOS HOMENS. Porém não é uma aniquilação para o
homem, mas somente a separação da alma do corpo. A verdade sobre a imortalidade da
alma humana é uma das verdades fundamentais do Cristianismo. "Ele não é Deus dos
mortos, mas sim dos vivos; todos, com efeito, vivem para Ele" (Mateus 22:32; Lucas
20:38). No Novo Testamento das Sagradas Escrituras a morte é chamada de "declínio
(partida) da alma" ("Assim, farei tudo para que, depois da minha partida, vos lembrei
sempre delas" (2 Pedro 1:15)). É chamada a liberdade da alma da prisão (2Cor. 5:1-4);
o despojar-se do corpo, ("sabendo que em breve hei de despojar-me dela, 2 Pedro 1:14);
uma dissolução ("o meu desejo é partir e estar com Cristo, pois isso me é muito
melhor," Filipenses 1: 23)); uma partida ("e chegou o tempo de minha partida," 2 Tim.
4:6); uma dormição, (Davi "adormeceu," Atos 13:36).
O estado da alma após a morte, de acordo com o testemunho claro da palavra de Deus,
não é inconsciente, mas consciente (por exemplo, de acordo com a parábola do homem
rico e Lázaro, Lucas 16:19-31). Após a morte o homem é sujeitado a um julgamento
chamado "particular" para distinguí-lo do último julgamento geral. Aos olhos do Senhor
é fácil recompensar um homem "na hora da morte conforme sua conduta," diz o mais
sábio filho de Sirach (Eclesi. 11:26). O mesmo pensamento é expresso pelo Apóstolo
Paulo "e como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem
um julgamento" (Hebreus 9:27). O Apóstolo apresenta o julgamento como algo que se
segue imediatamente após a morte de um homem, e, evidentemente, entende isto não
como o julgamento geral, mas como o julgamento particular, assim como os Santos
Padres da Igreja têm interpretado esta passagem. "Hoje estarás comigo no Paraíso"
(Lucas 23:43), o Senhor revelou ao ladrão arrependido.
Nas Sagradas Escrituras não nos é dado saber como ocorre o julgamento particular após
a morte de um homem. Podemos concluir acerca disto somente em partes pelas
expressões separadas que são encontradas na palavra de Deus. Assim, também é natural
pensar que no julgamento particular uma grande parte do destino de um homem após a
morte é determinado por ambos, anjos bons e maus: os primeiros são implementos da
misericórdia de Deus e os segundos pela permissão de Deus — são implementos da
Justiça de Deus. Na parábola do homem rico e Lázaro, é dito que "Lazaro foi levado
pelos anjos ao seio de Abraão" (Lucas 16:22). Na parábola do homem rico louco, à ele
é dito: "Insensato! Nessa mesma noite, ser-te-á reclamada a alma! (lit. "eles levarão,"
Lucas 12:20); evidentemente são as forças do mal que serão "tiradas" *** (São João
Crisóstomos). Porque, de um lado, os anjos destes "pequeninos," nas próprias palavras
do Senhor, sempre sustentaram a face do Pai Celestial (Mateus 18:10), e do mesmo
modo no fim do mundo o Senhor enviará Seus anjos, que "separarão os maus dentre os
justos. E lançarão os maus na fornalha de fogo" (Mateus 13: 49); e, por outro lado, "eis
que o vosso adversário, o diabo, vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem
devorar" (1Pedro 5: 8), e o ar, assim como era, é preenchido de espíritos do diabo sob
os céus, e o seu príncipe é chamado de "príncipe do poder do ar" (Ef. 6:12, 2:2).
O desenvolvimento mais detalhado dessas idéias é feito por São Círilo de Alexandria
em sua "Homilia sobre a Partida da Alma," a qual é comumente impressa no Saltério
Seqüencial (o Saltério com adições dos Serviços Divinos). Uma descrição ilustrada
deste caminho é apresentado na vida de São Basílio, o Novo (26 de Março), onde a
partida da abençoada Teodora, numa visão durante o sono comunicada ao discípulo de
Basílio, relata o que ela viu e experimentou após a separação de sua alma do corpo e
durante a ascensão da alma às mansões celestiais.
Com relação ao estado da alma após o Julgamento Particular, a Igreja Ortodoxa ensina
assim: "Nós acreditamos que as almas dos mortos estão em um estado de bem-
aventurança ou tormento de acordo com suas ações. Depois de estarem separados do
corpo, imediatamente, elas atravessam ou na alegria ou em aflição e tristeza, entretanto,
elas não sentem nem bem-aventurança completa, nem tormento completo. Porque bem-
aventurança completa ou tormento completo cada um recebe após a Ressurreição Geral,
quando a alma é reunida com o corpo no qual viveu em virtude ou em vício (A Epístola
dos Patriarcas Orientais sobre Fé Ortodoxa, parágrafo 18). Assim, a Igreja Ortodoxa
distinguir duas condições diferentes depois do Julgamento Particular: aquele para os
justos, e outro para os pecadores; em outras palavras, paraíso e inferno. A Igreja não
reconhece o ensinamento católico Romano de três condições: 1) bem-aventurança, 2)
purgatório, e 3) Geena (inferno). O próprio nome "geena" os Padres da Igreja
comumente referem-se à condição "após" o último Julgamento, quando ambos morte e
inferno serão lançados no "lago de fogo" (Apo. 20: 15). Os Padres da Igreja, baseando-
se na palavra de Deus, supõem que os tormentos dos pecadores antes do Último
Julgamento têm um caráter preparatório. Esses tormentos podem ser afrouxados e
mesmo retirados pelas orações da Igreja (Epístola dos Patriarcas Orientais, parágrafo
18). Do mesmo modo, os espíritos caídos são "lançados nos abismos tenebrosos do
Tártaro" (no inferno) "onde serão guardados à espera do Julgamento" (2 Pedro 2:4;
Judas 1:6).
NOSSA VIDA ENTRE uma população que, embora nominalmente seja cristã, em
muitas considerações tem concepções e visões diferentes da nossa no campo da fé.
Algumas vezes isto nos inspira a responder questões sobre nossa Fé quando são
levantadas e discutidas por pontos de vista não-ortodoxos por pessoas de outras
confissões, e algumas vezes por cristãos ortodoxos que não possuem mais uma base
ortodoxa firme sob seus pés.
Assim, é essencial que haja comunhão constante entre aqueles na Igreja terrena e na
Igreja Celestial. Todos os seus membros são interativos no corpo de Cristo. No Senhor,
Pastor da Igreja, há, assim como houve, dois rebanhos: o celestial e o divino (Epístola
dos Patriarcas Orientais, Século XVII). "Se um membro sofre, todos os membros
compartilham o seu sofrimento; se um membro é honrado, todos os membros
compartilham a sua alegria" (1 Cor. 12:26). A Igreja Celestial regozija-se, mas ao
mesmo tempo simpatiza com os semelhantes membros na terra. São Gregório, o
Teólogo, deu o nome "a Ortodoxia sofredora" à Igreja terrena; e assim permaneceu até
hoje. Esta interação é valiosa e indispensável para o objetivo comum de "cresceremos
em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo, cujo Corpo, em sua inteireza, bem
ajustado e unido por meio de toda junta e ligadura, com a operação harmoniosa de
cada uma de suas partes, realiza o seu crescimento para a sua própria edificação no
amor" (Efe. 4: 15-16).
O fim de tudo isso é deificação no Senhor, para que "Deus seja tudo em todos" (1 Cor
15:28). A vida terrena do cristão deve ser um lugar de crescimento espiritual, progresso,
ascensão da alma em direção ao céu. Sofremos profundamente, com exceção de alguns
de nós, mesmo que saibamos nosso caminho, desviamo-nos para longe por causa de
nossa ligação àquilo que é exclusivamente terreno. E, mesmo que estejamos prontos
para nos arrepender, ainda assim continuamos a viver negligentemente. Entretanto, não
há em nossa alma a chamada "paz da alma" a qual está presente na psicologia cristã
oriental, e que é baseada em um tipo de "moral mínima," isto é, tendo cumprido minha
obrigação que supre uma disposição conveniente da alma para, então, ocupar a si
próprio com interesses mundanos.
Portanto, é precisamente ai, onde a "paz da alma" acaba, que está aberto o campo de
perfeição para o trabalho interno dos cristãos. "Pois, se pecarmos voluntariamente e
com pleno conhecimento da verdade, já não há sacrifício pelos pecados. Aguarda-nos
apenas um julgamento tremendo e o ardor de um fogo que consumirá os adversários...
quão terrível é cair nas mãos do Deus vivo" (Hebreus 10:26-31). Passividade e
descuido são estranhos à alma; por sermos passivos e descuidados, humilhamos a nós
mesmos. Entretanto, para reergue-se é necessário vigilância constante da alma e, mais
que isso, o combate.
Com quem é este combate? Consigo próprio apenas? "Pois o nosso combate não é
contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades,
contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam
as regiões celestiais" (Ef. 6:12).
NÃO É POR ACASO, que a Oração do Senhor termina com as palavras: "e não nos
deixei cair em tentação, mas livrai-nos do Mal." A respeito deste mal, em outro de Seus
discursos, o Senhor disse a seus discípulos: "Eu via Satanás cair do céu como um
relâmpago" (Lucas 10: 18). Subjugado do Céu, ele se tornou assim um residente da
esfera mais baixa, o príncipe do poder do ar, o príncipe da legião dos espíritos impuros.
Quando um espírito impuro sai de um homem, mas não encontra repouso para si, ele
retorna para casa da qual ele partiu e, encontrando-a desocupada, limpa e em ordem,
"diante disso, vai e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele, e vêm habitar
ai. E, com isso, a condição final daquele homem torna-se pior do que antes. Eis o que
vai acontecer a esta geração má" (Mat. 12:43-45).
Isto só a uma geração? Sobre a mulher subjugada que foi curada no dia do Sabá, o
Senhor responde: "E esta filha de Abraão que Satanás prendeu há dezoito anos, não
convinha soltá-la no dia de sábado?" (Lucas 13:16).
Os apóstolos não esquecem em suas instruções dos nossos inimigos espirituais. São
Paulo escreve aos Efésios: "Neles vivíeis outrora, conforme a índole deste mundo,
conforme o Príncipe do poder do ar, o espírito que agora opera nos filhos da
desobediência" (Efe. 2: 2). Portanto, agora "revesti-vos da armadura de Deus, para
poderdes resistir às insídias do diabo" (Efe 6: 11), "eis que o vosso adversário, o diabo,
vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar" (1 Ped. 5, 8). Sendo
cristãos, devemos chamar estas qüotações das Escrituras de "mitologia"?
Nos tempos dos Apóstolos e dos primeiros cristãos, quando os cristãos eram mais
inspirados, quando as diferenças entre o mundo dos pagãos e o mundo dos cristãos eram
mais distintas, quando o sofrimento dos mártires era uma luz para a Cristandade, havia
menos interesse em auxiliar o espírito dos cristãos somente pela pregação. Mas o
Evangelho é todo cingido! As demandas do Sermão na Montanha não foram só
intencionadas para os Apóstolos! E, portanto, nos escritos dos Apóstolos nós já lemos
não apenas simples instruções, mas também advertências sobre o futuro, quando
deveremos prestar contas.
Assim era na Era Apostólica. Mas quando a Igreja, após ter recebido a liberdade,
começou a ser preenchida com massas de pessoas, quando a inspiração geral da fé
começou a enfraquecer-se, houve mais uma necessidade crítica por palavras poderosas,
por denúncias, por chamada para a vigilância espiritual, para o temor de Deus e o temor
pelo destino de cada um. Na coleção das instruções pastorais dos mais zelosos
arciprestes lemos homilias severas dando o quadro do julgamento futuro que nos espera
após a morte. Essas homilias tinham a intenção de trazer pecadores aos seus sentidos, e,
evidentemente, eram proferidos durante períodos de arrependimento cristão geral, antes
da Grande Quaresma. Nelas estava a verdade da retidão de Deus, a verdade de que nada
impuro entraria no reino da santidade; esta verdade estava vestida de imagens terrenas
vívidas, parcialmente figurativas, as quais eram conhecidas por todos na vida diária. As
próprias hierarquias deste período chamaram estas imagens do julgamento que ocorrem
após a morte de pedágios. As tabelas dos publicanos, os cobradores de taxas e impostos
eram evidentemente pontos para deixar que alguém seguisse no caminho mais além
dentro da parte central da cidade. Com certeza, a palavra "pedágio" por si mesma não
nos indica nenhum significado religioso em particular. Em linguagem patrística
significa aquele curto período após a morte quando a alma cristã deve prestar contas
pelo seu estado moral.
São Basílio escreve, "Que ninguém se deixe ser enganado com palavras vãs, ‘então,
lhes sobrevirá repentina destruição’ (1 Tess. 5: 3) e causará um transtorno como uma
tempestade. Um anjo severo virá, ele liderará forçosamente sua alma, amarrada pelos
pecados. Ocupe-se, portanto, com a reflexão sobre o último dia... Imagine para si a
confusão, a brevidade da respiração, e a hora da morte, a sentença de Deus se
aproximando, os anjos apressando-se na sua direção, a confusão terrível da alma
tormentada por sua consciência, com seu lamentável olhar pasmo no que está
acontecendo, e finalmente, a translação inevitável para um lugar distante" (São Basílio o
Grande, citado na ""Essay in a Historical Exposition of Orthodox Theology," do Bishop
Sylvester, Vol. 5, página 89).
São Gregório, o Teólogo, que guiou um imenso rebanho por períodos curtos, limitou-se
a palavras gerais, dizendo que "cada um é um juiz sincero de si próprio, por causa do
assento do julgamento que o espera."
É perfeitamente estimada por alguém que imagens puramente terrenas são usadas para
um assunto espiritual de modo que a imagem, sendo impressa na memória, pode acordar
a alma de um homem. "Olhe o Noivo que veio à noite, e abençoado é o servo o qual Ele
encontrará assistindo." Ao mesmo tempo, nessas ilustrações a pecabilidade que está
presente no homem caído é revelada em vários tipos e formas, e isto inspira o homem a
analisar seu próprio estado de alma. Nas instruções dos Ascetas Ortodoxos os tipos e
formas de pecabilidade possuem uma marca própria; nas Vidas dos Santos há também
uma característica de marca.
Devido à disponibilidade das Vidas dos Santos, os relatos dos pedágios da Justa
Teodora, descrito por ela em detalhes por São Basílio, o Novo, em seus sonhos,
tornaram-se especialmente bem conhecidos. Os sonhos geralmente expressam o estado
da alma de um determinado homem, e em casos especiais também são autênticas visões
das almas dos que partiram de suas formas terrenas. O relato de Teodora possui
característica de ambos. A idéia de que bons espíritos, nossos anjos-da-guarda, assim
como os espíritos do mal sob o céu, participam do destino do homem (após a morte)
encontra confirmação na parábola do homem rico e Lázaro. Imediatamente após a
morte, Lázaro foi levado por anjos ao âmago de Abraão. Em outra parábola o homem
injusto escuta estas palavras: "Insensato, nessa mesma noite, ser-te-á reclamada a
alma" (Lucas 12:20); e, evidentemente, aqueles que "reclamam" não são ninguém mais
do que os mesmos "espíritos de maldade sob os céus."
De acordo com a simples lógica e também como confirmado pela Palavra de Deus, a
alma, imediatamente após sua separação do corpo, entra numa esfera onde seu destino
futuro é definido. "E como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois
da que vem um julgamento," lemos no Apóstolo Paulo (Hebreus 9:27). Este é o
Julgamento Particular, que é independente do Último Julgamento Universal.
Para a alma não existe a morte. A vida em Cristo é um mundo de oração. Penetra em
todo o corpo da Igreja, unifica cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros
da Igreja terrena entre si, e os membros da Igreja terrena com os da Igreja Celestial. As
orações são as fibras da fábrica viva do corpo da Igreja, porque "a oração do justo tem
muita força" (Tiago 5:16). Os vinte e quatro anciãos no trono de Deus prosternaram-se
diante do Cordeiro, cada um tendo cítaras e taças cheias de incenso, "que são as
orações dos santos" (Apo. 5:8); isto é, eles ofereceram orações na terra para o trono
divino.
As ameaças são necessárias, elas podem e devem nos alertar, nos reter das ações
malignas. A mesma Igreja nos persuade que o Senhor é compassivo e misericordioso,
paciente e repleto de piedade, e que está angustiado pelas ações malignas dos homens,
tomando para Si nossas fraquezas. Na Igreja Celestial estão também nossos
intercessores, nossos ajudantes, aqueles que rezam por nós. A Mais Pura Mãe de Deus é
nossa protetora. Nossas orações genuínas são as orações dos santos, escritas por eles, as
quais vieram de sua contrição de coração durante os dias de suas vidas terrenas. Aqueles
que rezam podem sentir isso, e assim, os próprios santos tornam-se próximos de nós.
Tais são nossas orações diárias; igual também é todo o ciclo dos serviços divinos da
Igreja, os diários, os semanais e das comemorações.
Toda esta literatura litúrgica não foi concebida como um exercício acadêmico. Os
inimigos do ar são impotentes contra tal ajuda. Mas temos que ter fé, e nossas orações
devem ser fervorosas e sinceras. Há mais alegria nos céus sobre um que se arrepende,
do que sobre outros que não necessitam de arrependimento. Quão insistentemente a
Igreja nos ensina (em suas litanias) a passar "o resto de nossas vidas em paz e
arrependimento," e a morrer assim! Nos ensina a chamar à lembrança nossa mais Santa,
Pura, e sempre Abençoada Virgem Mãe de Deus (Theotokos) e todos os santos, e então
a confiarmo-nos uns aos outros e em Cristo nosso Deus.
Ao mesmo tempo, com toda essa imensidão de protetores divinos, somos alegrados pela
proximidade especial de nossos Anjos da Guarda. Eles são meigos, regojizam-se sobre
nós, e também sofrem com nossas faltas. Somos preenchidos com esperança neles, no
estado que estaremos quando nossa alma se separar do corpo, quando devemos entrar
numa nova vida: será esta de luz ou na escuridão, na alegria ou na tristeza? Portanto,
cada dia rezamos aos nossos anjos pelo presente dia: "Livrai-nos de cada astúcia do
inimigo." Em cânones especiais do arrependimento suplicamos a eles que não nos deixe
agora nem depois de nossa morte: "Eu vos vejo com meu olhar espiritual fixo, Vós que
permaneceste comigo, meu conservador companheiro, Santo Anjo, observando,
acompanhando e permanecendo comigo e sempre me oferecendo aquilo que é para a
salvação." "Quando minha humilde alma for desligada de meu corpo, que cubrai-la, Ô
meu Instrutor, com seu brilho e suas mais sagradas asas." "Quando o som temível dos
trompetes ressurgirem-me no julgamento, coloque-se ao meu lado, em silêncio e alegre,
e com esperança da salvação leve de mim meu medo." "Porque estais formoso em
virtude, doce e alegre, uma mente brilhante como o sol; brilhantemente interceda por
mim com semblante alegre e olhar radiante quando eu for ser levado da terra." "Que eu
possa então vê-lo de pé do lado direito de minha pobre alma, brilhante e em silêncio,
vós que intercedereis e rezareis para mim quando meu espírito será tirado por força; que
eu o observe banindo aqueles que me perseguem, meus inimigos cruéis" (do Cânone do
Anjo Guardião do Monge João, no Livro de Orações para Padres).
Assim, a Santa Igreja através dos graus de seus edificadores: os Apóstolos, os grandes
hierarcas, os santos ascetas, tendo como seu Pastor Chefe nosso Salvador e Senhor
Jesus Cristo criou e nos deu todos os meios para ao nosso aperfeiçoamento espiritual e a
obtenção da abençoada vida eterna em Deus, superando nossa negligência e pequena
disposição ao medo e aos rigorosos avisos, e ao mesmo tempo introduzindo em nós um
espírito vigilante e uma esperança acesa, nos envolvendo com guias e ajudante santos e
celestiais. No Typicon dos serviços Divinos da Igreja, nos é dado um caminho direto
para a obtenção do Reino da Glória.
Editor e Tradutor para o português: José Valério Lopes dos Santos Júnior
A Glorificação
de Santos
pelo Protopresbítero Michael Pomazansky
Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.
Conteúdo:
Introdução.
Testemunho da
Igreja Primitiva.
Mártires e Ascetas.
Prática Russa.
Conclusão.
Introdução.
O QUE, EM ESSÊNCIA, é a glorificação formal de santos na Igreja? Na Igreja Santa
Católica Ortodoxa, a piedosa memória de cada um de seus membros que partiu na fé,
esperança e arrependimento é cuidada. Essa comemoração da maioria dos que partiram
é limitada, comparativamente, ao círculo estreito da "Igreja do lar," ou, em geral, a
pessoas de relação sanguínea próxima ou de amizades com os partidos. Ela é expressa
por orações pelos partidos, orações pela remissão dos pecados, para que "sua alma seja
contada entre os justos," para que "seu repouso seja entre os santos." Essa é uma malha
espiritual e piedosa que liga aqueles na terra aos que partiram; ela é uma expressão do
amor que é benéfica tanto para os partidos quanto para aqueles que oram por eles. Se,
depois da morte, ele não é privado da visão da glória de Deus por conta dos seus
pecados, ele responde com sua própria oração para aqueles próximos a ele na terra.
Pessoas que são grandes em seu espírito Cristão, gloriosas em seu serviço à Igreja,
faróis iluminando o mundo, deixam atrás de si uma memória que não é confinada a um
estreito círculo de pessoas, mas que é conhecida por toda a Igreja, local ou universal. A
confiança em que elas tenham atingido a glória do Senhor e no poder das orações delas,
mesmo depois da morte, torna-se tão forte e inquestionável que o pensamento dos
irmãos delas na terra não é mais dirigido nas orações para a remissão dos pecados delas
(já que elas são santas diante do Senhor sem isso), mas para a louvação de suas lutas, na
aceitação de suas vidas como modelos para as nossas, e pedindo suas orações por nós.
Em testemunho em profunda certeza da Igreja que o homem justo que repousa está com
o Senhor, no coro dos santos na Igreja do céu, ela compõe um ato de "numerá-lo entre
os santos," ou de "glorificação." Com isso a Igreja dá a sua benção para a mudança de
orações pelo que repousa por orações pedindo para nós a piedosa assistência dele diante
do trono de Deus. A voz unânime da Igreja expressada pelos lábios de seus hierarcas, a
voz conciliatória, confirma a convicção de seus membros comuns sobre a santidade do
homem justo. Esse é, em essência, o ato de glorificação em si. Nada na Igreja deve ser
arbitrário, mas "apropriado e ordenado." A preocupação da Igreja com relação a isso é
expressa pelo oferecimento de uma oração de súplica uniforme para o justo.
Em tempos de comemoração da partida de um justo alguns não vão além dos imites de
uma província particular. Outros santos de Deus tornam-se famosos e renomados por
toda a Igreja ainda durante sua atividade terrestre; eles são a glória da Igreja e mostram
serem os pilares dela. Uma resolução eclesiástica de sua glorificação confirma essa
comemoração para sempre no domínio apropriado, isto é, na Igreja local que fez a
resolução, ou em toda Igreja universal.
Como ocorreu e ocorre a glorificação dos grandes e gloriosos hierarcas, ascetas e outros
reconhecidos com santos da Igreja? Na base de que princípios, com que critérios, e com
que rito — nos casos gerais e individuais? Pesquisa feita pelo Professor Golubinsky, "A
Historia da Canonização de Santos na Igreja Russa" (2ª Edição, Moscou, University
Press, 1903), é dedicada a essa questão. Na exposição que se segue nós iremos, na
maior parte, fazer uso do tratado do Professor Golubinsky.
É conhecido pela história que encontros de oração ocorriam em honra de mártires tão
cedo como no primeiro quarto do segundo século (conforme São Inácio de Antioquia).
Com toda probabilidade elas começaram imediatamente após a primeira perseguição de
Cristãos — a de Nero. É aparente que não foi necessário nenhum decreto eclesiástico
especial para a veneração deste ou daquele mártir particular. A morte do mártir em si
testemunhava a recepção de coroa celeste. Mas a enumeração dos hierarcas e ascetas
que haviam partido para o coro dos santos era feita individualmente, e era levada em
conta naturalmente a dignidade pessoal de cada um.
É impossível dar uma resposta geral sobre que critério a Igreja empregou para o
reconhecimento dos santos pertencentes a essa terceira categoria. Com respeito aos
ascetas em particular, sem dúvida a base geral, fundamental de sua glorificação foi e
ainda é a realização de milagres. Isso porque a evidência sobrenatural é livre de
caprichos ou induções humanas. O Professor Golubinsky considera essa a única base
para a glorificação de ascetas na história da canonização eclesiástica. Apesar de sua
opinião, no entanto, pode-se concluir que a comemoração dos grandes Cristãos
moradores no deserto do passado, os líderes e guias do monasticismo foram mantidos
pela Igreja, por seus dons didáticos e seus elevados resultados espirituais alcançados, à
parte da estrita dependência deles terem realizado milagres ou não para serem
glorificados. Eles foram enumerados entre o coro dos santos estritamente por suas vidas
ascéticas, sem nenhuma referência ao critério de terem feito milagres.
A antiga glorificação da Igreja de santos hierarcas deve ser vista de modo um pouco
diferente. Os elevados serviços deles em si formaram a base para sua glorificação, assim
como a morte em martírio era para os mártires. No Calendário de Cartago, que data do
século sétimo, há uma inscrição: "Aqui estão marcados os dias de nascimento (isto é,
data do martírio) dos mártires e os dias de repouso dos bispos cuja comemoração anual
a Igreja de Cartago celebra." Assim, julgando pelos antigos calendários litúrgicos
gregos, pode-se suspeitar que na Igreja Grega todos os bispos Ortodoxos que não se
maculavam de modo algum, eram enumerados entre o coro dos santos locais da diocese
deles, na base da crença de que como intercessores diante de Deus nesse mundo por
suas vocações, eles continuariam como tais mesmo na vida depois do túmulo. Nos
calendários eclesiásticos do Patriarcado de Constantinopla, todos os patriarcas que
ocuparam aquela sé de 315 a.D. (S. Mitrophan) até 1025 (S. Eustatius), com exceção
daqueles que foram heréticos ou por uma ou outra razão canônica foram depostos, são
registrados na lista de santos. Essa compilação, no entanto, quase não levou em
consideração a seqüência em que os patriarcas ocuparam a sé. Com toda probabilidade,
os bispos mais renomados foram reconhecidos como santos logo após seu repouso; nos
outros casos a inclusão foi feita algum tempo depois.
Os nomes de todos os bispos deram entrada em dípticos locais—a lista dos que partiram
que era lida alta nos ofícios divinos, e todo ano, na data do repouso de cada um deles,
era celebrada a sua comemoração com especial solenidade. Sozomen, o historiador de
Igreja, afirma que em igrejas ou dioceses individuais, a celebração dos mártires locais e
a comemoração dos sacerdotes anteriores (isto é, hierarcas) eram realizadas. Aqui o uso
do termo "celebração" com referência a memória dos mártires, mas "comemoração"
com referência aos hierarcas, dá margem a ser entendido que na Igreja primitiva esses
últimos eventos (se se deve falar de um plano geral e não de casos individuais) eram de
menor estatura que os primeiros. O Professor Golubinsky conjectura que, com respeito
a hierarcas, depois de alguns anos de fervorosas orações por eles, a celebração anual de
sua memória era transformada em um dia de orações para eles. De acordo com o
testemunho de Simeão de Tessalônica, desde os primeiros tempos em Constantinopla,
os hierarcas eram enterrados dentro do santuário da maior das igrejas, a dos Apóstolos,
como as relíquias dos santos, por conta da Graça do divino sacerdócio.
Na Igreja Grega, até o século onze, muito poucos do coro dos hierarcas eram santos
universalmente venerados pela Igreja toda. A maior parte dos hierarcas permaneceu
santo só em suas próprias Igrejas individuais (isto é, dioceses) e cada diocese individual
/ Igreja celebrava somente seus hierarcas locais, com um número pequeno de hierarcas
venerado universalmente por toda Igreja. No século onze a transformação do coro dos
hierarcas de local para universal chegou, com o resultado que há um grande número de
nomes. Essa foi provavelmente a razão pela qual, desse século em diante, a enumeração
de hierarcas no coro de santos foi feita mais estritamente, e como critério para a
enumeração de qualquer patriarca de Constantinopla entre os santos foi declarado
necessário haver evidência irrefutável de milagre dele, e isso também foi requerido para
a glorificação de ascetas.
Quando Simeão o Pio, ancião e orientador de São Simeão o Novo Teólogo, repousou
no Senhor após quarenta e cinco anos de trabalhos ascéticos, São Simeão, sabendo da
intensidade de suas lutas, da sua pureza de coração, de sua proximidade com Deus e da
Graça do Espírito Santo que o envolvia, compôs para sua honra um elogio, assim como
hinos e cânones, e celebrou anualmente a sua memória com grande solenidade, tendo
pintado um ícone dele como santo. Outros, talvez, dentro e fora do mosteiro, seguiram
o seu exemplo, pois ele tinha muitos discípulos e admiradores entre monásticos e
leigos. São Sérgio II, então Patriarca de Constantinopla (reinou de 999 a 1019), ouvindo
sobre isso, convocou São Simeão a aparecer diante dele, e o questionou sobre a festa e
sobre o santo que estava sendo tão honrado. Mas descobrindo que Simeão o Pio tinha
levado uma vida tão exaltada, ele não proibiu a veneração de sua memória, e inclusive
enviou lamparinas e incenso em memória de Simeão. Dezesseis anos se passaram sem
incidente. Mas depois, um certo influente metropolita aposentado que residia em
Constantinopla objetou a qualquer veneração conduzida por iniciativa privada. Tal
coisa parecia a ele blasfema e contrária à ordem da igreja. Alguns poucos padres
paroquiais e alguns leigos concordaram com ele, e perturbações começaram sobre esse
ponto, durando cerca de dois anos. Para atingir seu objetivo os oponentes de São
Simeão não pararam na calunia e difamação, dirigidas contra o santo e seu ancião. São
Simeão recebeu ordem de se apresentar diante do patriarca e seu sínodo para dar
explicações. Sua resposta foi que, seguindo os preceitos dos apóstolos e dos santos
padres, ele não podia se refrear em honrar seu ancião, mas ele não compelia outros a
fazer isso, que ele estava agindo de acordo com sua consciência, e que os outros podiam
fazer como lhes parecesse melhor. Satisfeitos com essa apologia, eles, no entanto,
ordenaram São Simeão que daí para a frente celebrasse a memória de seu ancião da
maneira mais modesta possível, sem nenhuma solenidade. A controvérsia continuou por
aproximadamente seis anos, no entanto, uma vingança completa foi lançada contra o
ícone de Simeão o Pio, no qual ele estava pintado na companhia de outros santos, com
uma inscrição que se referia a ele como "santo," e encoberto por Cristo o Senhor em
atitude de bênção. O resultado disso foi que, para a paz da mente e estabelecimento da
paz, São Simeão decidiu deixar Constantinopla e se instalar num local remoto perto da
antiga igreja de Santa Marina, onde mais tarde construiu um mosteiro. A respeito da
questão da veneração em si, o decreto prévio permaneceu valendo, ou seja, a celebração
era permitida desde que não fosse feita com solenidade. (cf. "Vida de São Simeão o
Novo Teólogo, nos Discourses do Bispo Teófano, 2 volumes [Moscou: Ephimou Press,
1892] Vol. 1, pgs. 3-20).
Mártires e Ascetas.
SOB O DOMÍNIO TURCO, a Igreja Grega teve um não pequeno número de mártires
que foram mortos pelo seu excepcional zelo pela fé Cristã e pela denúncia pública do
Islamismo. A Igreja Grega menos antiga, e a Igreja universal com ela, encarou e
continua a aceitar seus mártires como a Igreja primitiva encarava seus mártires no inicio
da era Cristã, reconhecendo o martírio como base suficiente para a glorificação,
independente do dom de realizar milagres, apesar de milagres terem tido o seu lugar
muitas vezes. Um grande número de mártires gregos não foi proclamado como santos
de nenhuma maneira oficial, e com freqüência foram honrados como "zelotes," sem
nenhum interrogatório deliberado ou proclamação por parte da Grande Igreja de
Constantinopla, pois tais coisas teriam sido difíceis de serem conduzidas nas condições
do Jugo Turco. São Nicéforo de Chios, que compôs um "Ofício Geral para Qualquer
Novo Mártir," explicando a necessidade de tal ofício, afirma: "Desde que a maioria dos
novos mártires não tem um ofício para ser celebrado, e porque muitas pessoas estão
desejosas de tal ofício — algumas, para homenagear os seus companheiros
compatriotas, outras para homenagear alguém conhecido pessoalmente; outras ainda
para homenagear alguém que as ajudou em alguma necessidade, eu compus um ofício
geral para qualquer novo mártir. Que aquele que quiser possa cantar tal oficio por quem
ele tem veneração." O autor da "A História da Canonização dos Santos na Igreja
Russa" acredita que geralmente mártires honrados sem glorificação oficial também
eram comprometidos no caso acima. Se sua suposição é ou não acurada é difícil de
determinar.
Como anteriormente, na Igreja Oriental o critério que tinha que ser atendido para a
glorificação de ascetas fossem hierarcas ou monásticos, era o dom de realizar milagres.
O Patriarca Nectário de Jerusalém (reinou de 1661-1669), dá um lúcido testemunho
sobre isso. Ele escreve: "Três coisas testemunham para a verdadeira santidade em
pessoas: 1) Ortodoxia irrepreensível, 2) perfeição em todas as virtudes, que são
coroadas por permanecer firme na fé, até mesmo com derramamento de sangue, e
finalmente 3) a manifestação por Deus de sinais e milagres sobrenaturais." Em
acréscimo a isso, o Patriarca Nectário indica que naquele tempo, quando abusos em
relatar milagres e virtudes eram ocorrências comuns, com freqüência ainda outros sinais
eram requeridos, tais como incorrupção dos corpos ou uma fragrância emanando dos
ossos.
Chegou até nós um documento do século quatorze do Patriarca João XIV (reinou de
1333-1347) dirigido a Theognostus, Metropolita de Kiev e Toda a Rússia (reinou de
1328-1353 residindo em Moscou), datado de julho de 1339, a respeito da enumeração
de seu predecessor São Pedro, Metropolita de Moscou reinou de 1308-(1326), entre os
santos: "Nos recebemos a carta de Tua Santidade, junto com a notificação e atestado a
respeito do hierarca da santa Igreja que foi antes de ti, que depois da morte ele foi
glorificado por Deus e mostrou ser um dos Seus verdadeiros favoritos, e que grandes
milagres são feitos por ele e todas as doenças são curadas. E nós rejubilamos a respeito
disso e ficamos inexcedivelmente alegres em espírito, e prestamos a Deus adequada
glorificação. E como Tua Santidade procurou nossa orientação em como agir com tais
santas relíquias, nós respondemos: Tua Santidade deve conhecer nem é ignorante do
modo do ritual e costume que a Igreja mantém em tais casos. Tendo recebido um."
firme e incontestável atestado a respeito desse Santo, que Tua Santidade aja no presente
evento de acordo com o rito da Igreja. Honra e bendiz esse favorito de Deus com hinos
e doxologias sagradas, e lega isso para os séculos futuros, para o louvor e glória de
Deus, Que glorifica aqueles que O glorificam."
O ato de enumerar no coro dos santos é, na sua maior parte, combinado com a abertura
das relíquias do justo que está sendo glorificado. Nesses casos devem ser distinguidos
três atos específicos. O exame das relíquias pode ser considerado como um dos atos que
precedem o ato de glorificação, em paralelo com a verificação dos relatos dos seus
milagres. A seguir segue-se a decisão sinodal a respeito da glorificação. Em nossos dias
a solene remoção das relíquias é um dos primeiros atos sagrados na realização do ato de
glorificação que irá acontecer. Com a remoção das relíquias e sua colocação num
relicário posto num local especialmente preparado dentro da igreja, a piedosa
comemoração do novo glorificado favorito de Deus tem início. Porém, a presença de
relíquias e a sua abertura não são absolutamente essenciais para uma glorificação. As
relíquias de muitos santos não foram preservadas. A respeito das relíquias de um
número considerável de santos antigos, algumas delas são constituídas por corpos
inteiros — ossos com carne, outras — ossos sem carne.
Prática Russa.
A REMOÇÃO DE CORPOS do solo começou em tempos remotos da Igreja. Como é
sabido por documentos do segundo século. Como é conhecido por documentos do
segundo século, Cristãos se reuniam anualmente nos túmulos dos mártires nos dias de
seus repousos para celebrar esses dias com solenidade. São Basílio o Grande e São
Gregório o Teólogo mencionam a exumação das relíquias dos santos. Na Vida e Obras
de Santo Antão(Antonio) (existe em português), Santo Atanásio relata a extraordinária
reverência que os Cristãos do Egito tinham pelos restos dos mártires. É bem conhecido
que o Imperador Constancio (reinou de 336 a 361), filho de Constantino o Grande,
guardou em relicários os remanescentes dos Apóstolos André, Lucas e Timóteo, na
Igreja dos Santos Apóstolos nos anos 356 e 357.
Dos tempos passados até o presente a glorificação foi conduzida da mesma maneira na
Igreja Russa. Por essa razão não existiram períodos em sua história que possam ter
dependido de uma mudança de condição ou de método pelo qual a glorificação foi
realizada. Independentes de uma glorificação oficial, e em alguns casos antes da
glorificação, às vezes existiram "venerações" dos ascetas virtuosos partidos. Em muitos
casos foi erigida uma capela sobre o túmulo do partido, e nela foi colocado uma laje
sepulcral ou relicário (se o que partiu estivesse enterrado dentro da igreja, o relicário era
posicionado sobre o local de sepultamento; normalmente esse "cenotaph" era um
sarcófago vazio que não continha corpo, já que o corpo estava embaixo da terra).
Panikidas eram cantadas no túmulo e, às vezes, até molebens para o partido. Essa
caprichosa declaração de tal pessoa como "santa" pelo canto de molebens foi proibida
pelas autoridades eclesiásticas como ilícita. Existiram casos na vida da Igreja Russa em
que ofícios foram compostos para santos ainda não glorificados por uma decisão sinodal
especial; esses ofícios passaram para uso privado. Assim, no século dezesseis, Photius,
um monge do Mosteiro de Volokolamsk, compôs um oficio para o partido José de
Volotsk e o submeteu ao Metropolita Macário de Moscou (reinou 1543- 1564). "O
grande farol e professor do mundo todo, Sua Eminência o Metropolita Macário," coloca
o cabeçalho do oficio, "tendo recebido esse serviço, abençoa o Ancião Photius a usá-lo
em orações em sua cela até a celebração de uma decisão sinodal." Ocasiões similares de
bênçãos por autoridades eclesiásticas mais altas de serviços para ascetas ainda não
glorificados por decisões sinodais foram muito pouco freqüentes. Em um dos sborniki
(antologias) de São Cirilo do Mosteiro do Lago Branco é encontrado um artigo "Sobre a
Vanglória de Jovens Monges que Compõem Novos Cânones e Vidas de Santos" O
anônimo autor do artigo se opõe a monges que "lutando por glória terrestre e atraindo a
atenção daqueles com autoridade, compõem cânones para, e vidas de partidos que ainda
não foram glorificados." Em sua conclusão, o autor admoesta compiladores de cânones
e vidas, dizendo: "Ó vós infantis, não componhais cânones e vidas para serem cantadas
por indivíduos em casa ou em celas monásticas, sem a bênção da Igreja."
Em essência não há distinção entre santos celebrados pela Igreja toda e santos locais.
Santos de ambas as classes são glorificados por uma resolução de autoridade
hierárquica. Os fiéis viram para ambos com suas orações de súplica por assistência. A
Igreja chama ambos de "santos." Na Igreja Russa, como entre as Igrejas Ortodoxas do
Oriente, santos locais, em muitos casos, passam para a categoria de santos da Igreja
Universal. Uma das marcas distinguindo santos venerados universalmente de santos
locais, é que os nomes dos santos reverenciados por toda parte são incluídos nos livros
de ofícios divinos. É bem verdade que, até meados do século dezesseis, em geral não
havia nenhum nome de santos russos nas listas oficiais, mas depois do século dezesseis
eles começaram a aparecer. No Livro das Epístolas (Apostol) publicado em Moscou no
final do século dezesseis, são encontrados sete santos russos: São Sergio de Radonezh,
São Pedro, Metropolita de Moscou, Santo Aléxis Metropolita de Moscou, São Leôncio
Bispo de Rostov, São Cirilo Bispo de Byelozersk, o Santo Grande Príncipe Vladimir, e
os Santos Portadores-de-Paixão Boris e Gleb. Mas começando com a primeira
impressão do Liturgicon (Sluzhebnik) em 1602, uma lista requerida de santos celebrados
por toda parte foi introduzida nas listas mensais no Typicon e em listas de outros livros
litúrgicos. Durante o período Sinodal, nas resoluções do Santo Sínodo a respeito de
glorificações eclesiásticas gerais, a seguinte indicação é encontrada inúmeras vezes: ."..
e nos livros impressos da Igreja é requerida permissão para a inserção de nomes nas
listas com os em repouso."
Na Igreja russa, os primeiros a serem enumerados entre o coro dos santos foram os
santos príncipes Boris e Gleb (chamados de Romam e David em seus batismos); depois
seguiu São Theodosius do Lavra das Cavernas de Kiev; depois, talvez, São Nicetas
Bispo de Novgorod, e a Santa Grande Princesa Olga. Ao todo, até o século dezesseis
havia cerca de setenta nomes de santos russos glorificados, dos quais vinte e dois eram
celebrados por toda a Igreja Russa. Os Concílios de 1547 e 1549, convocados sobre a
presidência do Metropolita Macário, instituiu a celebração de muitos novos santos, e
elevou a classificação de outros adicionando trinta e nove nomes aos vinte e dois que já
estavam recebendo veneração geral, elevando o número desses santos para sessenta e
um. Entre esses Concílios e o estabelecimento do Santo Sínodo, o número de cento e
cinqüenta novas glorificações teve lugar na Rússia Moscovita, dos quais a data exata de
cerca de um terço é conhecida; dos restantes, referências indiretas, tais como a
construção de igrejas ou altares laterais dedicados a eles, e algumas passagens em
literatura do período, nos forneceram evidência de alguns sancionamentos oficiais de
veneração deles.
Os nomes dos santos do sudoeste da Rússia deveriam ser colocados numa categoria
própria, encabeçados pelos santos do Lavra das Cavernas de Kiev. Circunstâncias
históricas, particularmente subjugação por poderes estrangeiros (Lituânia e Polônia),
resultaram em muitas glorificações a menos naquela região. Um ofício geral para os
santos das Cavernas de Kiev foi sancionado pelo Metropolita Pedro Moghila (governou
1633-1647) a quem ele foi apresentado em 1643. Antes disso, mas também sob Pedro
Moghila, o Patericon das Cavernas foi compilado, assim como um relato dos milagres
acontecidos no Lavra e em suas cavernas durante os quarenta e quatro anos que
antecederam a compilação do livro.
Da vida de São Job de Pochaev, escrita por seu discípulo e assistente no governo do
Mosteiro de Pochaev, nós conhecemos como a glorificação do venerável ocorreu, cuja
memória é especialmente reverenciada na Rússia da diáspora. A abertura de suas
relíquias foi realizada sete anos depois do seu repouso, pelo Metropolita Dionísio
(Balaban) de Kiev (reinou 1657-1663). A causa imediata disso foi uma tripla aparição
do venerável Job para o Metropolita enquanto esse dormia, informando que agradaria a
Deus que suas relíquias fossem abertas. Depois da terceira aparição, o Metropolita (que
aparentemente conhecia São Job e o Mosteiro de Pochaev de sua época de titular como
Bispo de Lutsk) "assim compreendeu que essa questão estava de acordo com a
Providência de Deus e sem se atrasar, se apressou para o Mosteiro de Pochaev, levando
com ele Kyr Theophanes (Krekhovetsky) arquimandrita do Mosteiro de Obruchsky, que
acontecia estar com ele naquele tempo. Chegando no Mosteiro com todo seu clero, ele
inquiriu seriamente sobre a honorável e pura vida de São Job em detalhe. Se
assegurando que esse era um bom trabalho e agradável a Deus, ele imediatamente
comandou, com o consentimento dos irmãos, que o túmulo do santo fosse aberto. Ali,
em estado de incorrupção, como se fosse na hora do seu sepultamento, eles abriram as
relíquias do venerável, que estava cheia de uma inconcebível fragrância doce. Na
companhia de uma multidão de pessoas, eles levaram as relíquias com grande honra
para a grande Igreja da Vivificante Trindade, e lá, no nartex, posicionaram o relicário,
no ano do Senhor de 1659, no vigésimo nono dia de agosto. Então uma vasta multidão
de pessoas afligidas com diversas dores recebeu cura, pois São Job foi, nessa vida,
adornado com todas as virtudes; e assim, depois da morte, não cessou de fazer o bem
para aqueles que se aproximavam dele com fé." (Cf. Ofício do Venerável Job e sua
Vida, Jordanville, NY).
Após a unificação das Rússias Moscovita e de Kiev, os santos da Rússia deveriam então
ser chamados de "santos de toda Rússia" — tanto os da Rússia do Norte quanto os da do
Oeste. Essa foi, de fato, a prática apesar de só no ano de 1762 um decreto publicado
pelo Santo Sínodo ter permitido a inserção de nomes de santos de Kiev nas listas gerais
mensais de Moscou, e a publicação de seus ofícios no Menaion. Esse decreto foi
repetido duas vezes depois.
No período Sinodal, os seguintes santos foram glorificados para a veneração por toda a
Igreja (eles são apresentados em ordem cronológica, segundo as datas das respectivas
glorificações): São Demétrio Metropolita de Rostov; Santo Inocente primeiro Bispo de
Irkutsk; São Metrofanes primeiro Bispo de Voronezh; São Tikon de Zadonsk Bispo de
Voronezh; São Theodosio Arcebispo de Chernigov; São Serafim de Sarov; São Josapha
Bispo de Belgorod; Santo Hermógenes Patriarca de Moscou; São Pitirim Bispo de
Tambov; São João Metropolita de Tobolsk; São José Bispo de Astrakhan.
Existiram também glorificações de santos locais no período Sinodal, mas também para
esses não há listas acuradas ou fatos confiáveis a respeito das circunstâncias e datas de
suas glorificações, como as decisões sobre glorificação local que foram feitas sem
proclamação formal no registro geral dos decretos do Santo Sínodo — The Church
Register e The Diocesan Registers — esses não foram de modo algum publicados.
Como exemplos de como execuções sinodais de assuntos pertinentes aos justos partidos
aconteciam, citaremos vários extratos de atas relacionadas com a glorificação de santos
"de toda Rússia."
Com relação a instituição da celebração eclesiástica geral da memória de São José de
Volotsk, as seguintes afirmações são encontradas em uma das antologias de
Volokolamsk: "Por ordem do crente-correto e amante-de-Cristo Soberano Autocrata,
Tsar, e Grande Príncipe Feodor Ivanovich de toda Rússia, e com a bênção de seu pai,
Sua Santidade Job, primeiro Patriarca de Moscou e toda Rússia, os tropários,
kondákions, estiquérios e cânones, e o serviço todo para a Liturgia do nosso venerável
pai e abade José de Volotsk, foram corrigidos sob o Abade Josafa em primeiro de junho
de 7099 (isto é, 1591). E o Soberano Autocrata, Tsar e Grande Príncipe Feodor
Ivanovich de toda Rússia, e Sua Santidade Job Patriarca de Moscou e toda Rússia, e o
Concílio todo, testemunharam em assembléia geral o canto dos tropários, kondákions,
estiquérios, o Cânon e o ofício da Liturgia do venerável José. Por conselho do Concílio
todo, o Tsar e o Patriarca ordenaram que o ofício seja cantado e celebrado em todos os
lugares em 9 de setembro, o dia de repouso do nosso venerável pai, José o Taumaturgo,
que é o dia da comemoração dos santos e justos antepassados do Senhor Joaquim e Ana.
O Soberano, Tsar e Grande Príncipe Feodor Ivanovich ordenou que no menaion
impresso e em todos os menaions no mesmo dia, os tropários, kondákions, estiquérios e
Cânon e todo ofício para o venerável José seja impresso, junto com o da festa da
Natividade da Santíssima Theotokos e da festa dos antepassados de Deus, assim
instituindo e confirmando que essa festa seja celebrada dessa maneira, imutável, em
todos os lugares, para sempre. Amém." A veneração de São José foi instituída três vezes
— duas localmente, uma geralmente. Suas relíquias não foram abertas e permanecem
até hoje embaixo de uma laje.
O decreto de glorificação de São Tikhon de Zadonsk diz: "A memória de Sua Graça
Tikhon Bispo de Voronezh ... foi honrada com reverência entre o povo Ortodoxo russo
que fluiu para o Mosteiro de Zadonsk e para o túmulo do Hierarca de lugares muito
distantes em grande multidão, orando pelo repouso da alma desse hierarca e
esperançosos em sua piedosa intercessão diante de Deus. Memória das elevadas virtudes
Cristãs com as quais ele brilhou nessa vida terrena, notícias de sabedoria evangélica
remanescente em seus escritos divinamente iluminados, e as milagrosas curas de
diversas dores realizadas em seu túmulo, levaram muitos fiéis à veneração do Santo
Hierarca. Por tudo isso, desenvolveu-se uma pia esperança que esse Hierarca tenha sido
glorificado por Deus e enumerado no coro dos santos. Até o fim do último século
(XVIII) tal esperança foi expressa em petições submetidas a Sua Alteza Imperial e ao
Santíssimo Sínodo." O Arcebispo Antonio de Voronezh, no próprio dia de repouso de
São Tikhon, escreveu uma carta para o Imperador Nicolas a respeito do desejo
fervoroso universal de inumeráveis peregrinos de que "esse grande farol da fé e de bons
trabalhos, que agora jaz debaixo de um aparador, seja posto diante dos olhos de todos."
O Sínodo em seu relato para o Soberano, anunciou sua decisão, começando-a com as
seguintes palavras: "Reconhecendo o passado Bispo Tikhon de Voronezh como estando
entre o coro dos santos que foram glorificados pela Graça de Deus através da fragrância
da santidade, e seu corpo incorrupto como santas relíquias..."
Como é bem conhecido, e ainda lembrado por algumas pessoas, nas últimas décadas
antes da queda da Rússia, a glorificação de santos da Igreja Russa, como São Theodosio
de Chernigov, São Serafim de Sarov, e outros posteriores, foram grandes festividades
religiosas nacionais, no centro das quais estava a abertura de relíquias desses santos de
Deus. Geralmente a glorificação dos santos russos, do século dezoito até o século vinte
foi marcada pela abertura das santas relíquias deles. Isso mostra que esses dois atos
estavam intimamente ligados, apesar de, como já foi dito, a abertura das relíquias não
ser absolutamente condição essencial e nem sempre seguiu imediatamente ao ato de
glorificação.
Conclusão.
DE TUDO QUE FOI DITO, podemos tirar várias conclusões. Essencialmente, de
acordo com o entendimento da Igreja e de acordo com os princípios de glorificação de
santos, a glorificação de santos sempre foi a mesma na Igreja Ortodoxa. Nessa questão
as Igrejas Ortodoxas do Oriente do segundo milênio seguiram a tradição da Igreja do
primeiro milênio e do período antigo. A Igreja Russa da era pré-Petrina seguiu o
caminho da Igreja Grega; enquanto a Igreja Russa da era pós-Petrina permaneceu fiel
aos costumes da Igreja da era pré-Petrina. A glorificação dos santos consistiu e consiste
numa afirmação geral de fé pela Igreja de que Deus uniu os partidos a Si próprio na
assembléia de Seus santos. Essa fé é baseada no fato de uma morte por martírio, ou
numa vida justa que é aparente para toda a Igreja, ou pela glorificação de um santo de
Deus por razão de milagres durante a sua vida ou no seu túmulo. Glorificação é
usualmente uma expressão da voz do povo da igreja, para quem a autoridade
eclesiástica mais alta, após a devida verificação, da sinodalmente a palavra final,
estabelecendo o reconhecimento, confirmação e sanção da Igreja.
Colaboradores
de Deus
Sobre o sacerdócio e a hierarquia eclesiástica.
Conteúdo:
A instituição divina do sacerdócio. A sucessão apostólica e a impossibilidade de
apagar a marca do sacerdócio.. Degraus de sacerdócio e as particularidades do
episcopado.. As qualidades espirituais dos servidores eclesiásticos.
_____________________________________________________________
(1Cor 3:6-11).
Uma particularidade que diferencia a Igreja Ortodoxa, assim como todas as igrejas
antiquíssimas (a Armênia, a Católico-romana, a Copta, Nestoriana e outras), vem a ser a
existência do sacerdócio e de missas. Apesar das sociedades cristãs surgidas após
Lutero (1520) não reconhecerem nem um nem outro, o sacerdócio e as missas surgiram
não por força de quaisquer motivos externos, humanos, mas foram instituídos pelo
próprio Deus.
Claro que no plano espiritual-moral todos os homens são iguais perante Deus, Que com
imparcialidade julga e perdoa a todos como Seus filhos. No entanto, de acordo com o
apóstolo Paulo, de forma semelhante como diversas partes do corpo desempenham
diversas funções de acordo com a sua finalidade, dentro da Igreja, há também
necessidade de diversas funções. Não foram os homens, mas o próprio Jesus Cristo que
"a uns constituiu Apóstolos; a outros profetas; a outros Evangelistas, pastores e
mestres, para o aperfeiçoamento dos santos, para o desempenho da tarefa que visa a
construção do corpo de Cristo (Igreja)," porque "assim como em um só corpo temos
muitos membros e cada um dos nossos membros tem diferente função, assim nós,
embora sejamos muitos, formamos um só corpo em Cristo" (Ef 4:11-13).
Pouco a pouco ocorria a seleção e o preparo dos primeiros servidores da Igreja. A partir
de praticamente primeiros dias do seu trabalho social, o Senhor Jesus Cristo selecionava
alguns do meio dos ouvintes, que Ele preparava para serem os Seus enviados e
continuadores da Sua obra. A eles, Ele determinou por meio de ensinamento e batismo
(Mt 28:19), atrair novos discípulos, celebrar a Eucaristia (Lc 22:19), perdoar os pecados
(João 20:21-23), divulgar e fortalecer a Igreja fundada por Ele. "Como o Pai Me enviou,
assim também Eu vos envio a vós. Depois dessas palavras, soprou sobre eles, dizendo-
lhes: Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (João 20:22-23) e um
pouco mais tarde: "Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi" (Mateus
28:19-20). Aqui, Jesus Cristo não apenas encarregou Seus discípulos eleitos para o
sacrifício de serviço apostólico, mas também os reforçou com o dom especial de
Espírito Santo. Esse dom em toda a sua plenitude eles receberam, após a Ascensão do
Senhor ao Céu, no dia de Pentecostes (Atos, cap. 2).
Tudo que ocorreu com eles, os apóstolos aceitaram como orientação superior. Não foi
sua própria decisão, nem a sociedade e nem as circunstâncias externas, mas foi Deus
quem os encarregou da missão de serviço apostólico. "Tudo isso vem de Deus, que nos
reconciliou Consigo por Cristo e nos confiou o ministério desta reconciliação" —
escreveu o apóstolo Paulo sobre a sua vocação (2 Cor 5:18).
Dessa forma, não importam as qualidades morais elevadas ou úteis que a pessoa
detenha, ela não pode, sem ser especialmente escolhida e ordenada pelas pessoas
encarregadas da Igreja, dirigir os outros e nem exercer sacerdócio. O Apóstolo Paulo
escreve sobre si mesmo que "não da parte de homens, nem por meio de algum homem,
mas por Jesus Cristo e por Deus Pai [ele tornou-se] Apóstolo" (Gal 1:1). "Que os
homens nos considerem pois, como servidores de Cristo e administradores dos
mistérios de Deus. Ora, o que se exige dos administradores é que sejam fiéis" (1 Cor
4:1-2).
Comparando diversos textos das Escrituras Sagradas que falam sobre a seleção e a
ordenação nas funções eclesiásticas, vê-se que nesse processo dois momentos
entrelaçam-se intimamente: de um lado — a escolha de Deus, e outro — a
concretização da escolha e uma ordenação especial do candidato por servidores
autorizados da Igreja.
Como é visto do Evangelho e dos antigos documentos cristãos, a ordenação para servir
na Igreja — seja bispo, presbítero ou diácono — sempre foi realizada por imposição das
mãos (em russo — "rukoplojenie"), isto é pela formal colocação das mãos dos que
ordenam sobre a cabeça do ordenado. Assim, lemos no livro de Atos dos Apóstolos
sobre a ordenação de sete diáconos: "Apresentaram-nos aos apóstolos e estes, orando,
impuseram-lhes as mãos" (At 6:6). A respeito da ordenação dos presbíteros em Listra,
Iconio e Antioquia, o Santo Lucas escreve: Paulo e Barnabé "em cada igreja ordenaram
presbíteros e após orações com jejuns, encomendaram-nos ao Senhor, em Quem eles
tinham fé" (At 14:23). O apóstolo Paulo lembra ao seu discípulo Tito, instituído como
bispo da Ilha de Creta: "Eu te deixei em Creta para acabardes de organizar tudo e
estabelecer presbíteros em cada cidade, de acordo com as normas que te tracei" (Tito
1:5), mas "a ninguém imponhas as mãos inconsideradamente para que não venhas
tornar-te cúmplice dos pecados alheios" (1 Tim 5:22) — evidentemente porque o que
ordena tem a responsabilidade pelo que é ordenado.
É importante notar que a imposição das mãos dos apóstolos era tido não apenas como
um sinal visível de designação para uma outra função na Igreja, mas era considerado
como condutor da força divina real e perceptível, apesar de invisível. Apenas nesse
plano tornam-se compreensíveis as palavras do apóstolo Paulo dirigidas ao Timóteo que
ele ordenou bispo da cidade de Efeso: "Não negligencies o dom de Deus que está em ti
e que te foi dado por profecia quando a assembléia dos presbíteros te impôs as mãos" (1
Tim 4:14) e um pouco mais tarde: "eu te exorto a reavivar a chama do dom de Deus
que recebeste pela imposição das minhas mãos" (2 Tim 1:6).
Além disso, ordenando pessoas escolhidas por eles para um determinado cargo na
igreja, os apóstolos tinham a consciência que a causa primeira da eleição e da ordenação
vem a ser não eles, mas o Senhor. "Que os homens nos considerem pois como servos de
Cristo e administradores dos mistérios da fé" (1 Cor 4:1). Dirigindo-se aos pastores de
Efeso, o apóstolo Paulo diz: "Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o
Espírito Santo vos constituiu bispos para pastorear a Igreja do Senhor e Deus, que Ele
adquiriu com o Seu próprio sangue" (At 20:28).
Desde os tempos mais antigos, a Igreja Ortodoxa zelava com muita severidade pela
continuidade da sucessão apostólica, isto é, que cada novo bispo recebesse a sua
ordenação dos bispos legítimos, cuja ordenação levasse ininterruptamente até os
apóstolos. Sabemos da "História da Igreja" do bispo Eusedio do Cesarea (início do
século IV), que todas as igrejas cristãs antigas locais conservam a lista de seus bispos,
na sua seqüência ininterrupta. Isso dava a possibilidade de rejeitar os impostores.
"Nós podemos, — escreve o Santo Irineu do Lyon (meados do século III), — enumerar
aqueles, que foram colocados como bispos nas igrejas, desde apóstolos até nós" e
realmente cita na seqüência de sucessão os bispos da Igreja Romana até quase o final do
século II. Também Tertulian (século III), manifestou-se a favor da importância da
sucessão. Ele escreve sobre os hereges do seu tempo: "Que eles mostrem a origem de
suas igrejas e anunciem a seqüência de seus bispos, tal que o primeiro de seus bispos
tivesse antes dele algum dos apóstolos, ou homens apostólicos, que tenham tido muito
contato com os apóstolos. Pois, as igrejas apostólicas mantém as suas listas de bispos
exatamente assim: a smirna, por exemplo, apresenta Policarpo (início do século II), que
foi colocado por João; a romana — Clemente, que foi ordenado por Pedro; assim
também outras igrejas apresentam os homens que foram elevados a bispos a partir dos
próprios apóstolos, tinham brotos da semente apostólica."
Já que Cristo é o Primeiro Sacerdote (Heb 7:26-27), deve-se concluir que Ele deve ter
sacerdotes. [Textos sobre esse assunto: Mt 18:17; Mt 28:19-20; Jo 20:21-23; At 8:14-
17; At 14:23; At 20:28; Tg 5:14; 1 Pe 5:1-5; Rom 10:15; 1 Cor 3:9-12; 1 Cor 4:1-2; 1
Cor 4:15; 1 Cor 12:12-31; Gal 1:1; Ef 4:11-16; 1 Tes 5:12-13; 1 Tim 4:14; 1 Tim 5:17-
18; 1 Tim 5:22, 2 Tim 1:6-7; 2 Tim 4:13; Tit 1:5-10; Heb 5:4; Heb 10:25; Heb 13:7 e
17.]
Sobre os presbíteros, lemos no livro Atos dos apóstolos. Apóstolo Paulo diz: "Tendo
ordenado os presbíteros de cada igreja (para os cristãos de Listra, Iconio e Antioquia),
orou em jejum e encomendou-os ao Senhor ao Qual eles tinham dado a sua fé" (At
14:23). O apóstolo Tiago encarregou os presbíteros de realizar o sacramento de unção
dos enfermos: "Está alguém enfermo? Chame os presbíteros da Igreja e estes façam
orações sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor" (Tg 5:14).
O bispo, em primeiro lugar, é o principal mestre da sua igreja para os crentes comuns e
também para os pastores. Isto é mostrado por:a) a epístola para Timóteo do apóstolo
Paulo, onde o apóstolo com especial vigor, recomenda: "Olha por ti e pela instrução
dos outros.." "Prega a palavra, insiste oportuna e importuntamente, repreende,
ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir" (1 Tim 4:16; 2 Tim 4:2-5).
O apóstolo encarrega o Timóteo do trabalho de preparo de futuros bispos (2 Tim 2:2),
que ele observasse os presbíteros em seu trabalho de ensino e os que pregam com fervor
sejam muito honrados (1 Tim 5:17). A regra nr.58 dos apóstolos diz: "Bispo, que não é
dedicado ao clero e às pessoas, que não as ensina a vida na devoção a Deus, que seja
excomungado; caso permaneça nesta falta de dedicação e na pregiça — que seja
expulso. "As orientações dos apóstolos, onde é dito ao bispo para observar que na Igreja
se conserve a pureza da verdade e as regras dos Concílios que sucederam regem que os
primazes das igrejas devem todos os dias e principalmente aos domingos ensinar o clero
e o povo com palavras de devoção." Eis porque os antigos apologistas do cristianismo
afirmavam contra os hereges que a tradição verdadeira e o ensinamento de Cristo se
conservou na Igreja a partir dos apóstolos e exatamente através da ininterrupta sucessão
dos bispos.
Em segundo lugar, o bispo, pela força do Espírito é quem primeiro atua nos ritos
sagrados e quem oficia os sacramentos na sua diocese. Alguns ritos sagrados são
exclusivos dele, hoje e na Antigüidade. Assim, somente o bispo tem o direito de ordenar
sacerdote e outras funções baseado na Palavra de Deus (Tit 15; 1 Tim 5:22), nas regras
dos santos apóstolos e dos santos Concílios, e segundo o ensinamento unânime dos
santos mestres da Igreja, que chamavam a essa regra o privilégio mais importante do
bispo sobre o presbítero e diziam: "O cargo de bispo foi criado principalmente para o
nascimento de pais: pois a ele compete aumentar o número de pais espirituais na Igreja.
O outro cargo (presbítero), faz nascer para a Igreja filhos pelo batismo, mas não pais
nem mestres. Como é possível que presbítero ordene presbítero quando não tem
nenhum direito de imposição das mãos? Ou de que maneira um presbítero pode ser
chamado de igual a um bispo? Apenas o bispo tem o direito de benzer o óleo da crisma
(miro), e o altar ou "antimenso," o que se vê das regras dos Concílios e dos
ensinamentos da Igreja Ortodoxa."
O bispo, afinal, é o dirigente principal da sua igreja (At 20:28; 1 Tim 5:19). Ele deve
zelar pelo cumprimento dos mandamentos de Deus e das leis da igreja, dirigir a vida das
igrejas que se encontram na sua diocese, nomear os presbíteros para as igrejas.
Em suas epístolas "aos pastores" o apóstolo Paulo diversas vezes se depara com o tema
sobre quais qualidades devem distinguir os servidores eclesiásticos. Por exemplo: "O
bispo deve ser irrepreensível... firmemente apegado à doutrina da fé tal como foi
ensinada, para poder ser forte e exortar segundo sã doutrina e rebater os que a
contradizem" (Tit 1:9). Apóstolo Pedro instrui da seguinte forma os bispos e os
sacerdotes:
"Eis a exortação que dirijo aos pastores que estão entre vós; porque sou pastor como
eles, fui testemunha dos sofrimentos de Cristo e serei participante com eles daquela
glória que se há de manifestar: velai sobre o rebanho de Deus que vos é confiado. Tende
cuidado dele, não constrangidos, mas espontaneamente; não por amor de interesse
sórdido, mas com dedicação; não como dominadores absolutos sobre as comunidades
que vos são confiadas, mas como modelos de vossos rebanhos; e quando aparecer o
Supremo Pastor, recebereis a coroa imperecível da glória" (1 Pe 5:1-5).
Apóstolo Paulo instrui Tito que o presbítero [ou bispo] nomeado por ele deve ser:
"irrepreensível, casado uma só vez, tenha filhos fiéis e não acusados de má conduta ou
insubordinação. Porquanto é mister que o bispo seja irrepreensível como administrador
que é posto por Deus. Não arrogante, nem colérico, nem intemperante, nem insolente,
nem cobiçoso. Ao contrário, seja hospitaleiro, amigo do bem, prudente, justo, piedoso,
continente, firmemente apegado à doutrina tal como foi ensinada, para poder ser forte e
exortar segundo a sã doutrina e rebater os que a contradizem" (Tit 1:5-10).
O Senhor e Seus apóstolos não recomendavam aos fiéis tornarem-se juízes de seus
pastores porque eles são responsáveis perante Deus. "A quem muito foi dado, muito
será cobrado." Por isso o Santo João Taumaturgo (século IV), dizia: "Eu não penso que
muitos pastores vão se salvar."
Quando tão poucos estão dispostos a sacrificar-se pelo bem espiritual do próximo, deve-
se pelo menos valorizar os que aceitam o encargo de servir a Deus e ao próximo.
Assim, vamos valorizar o fato que a nossa Igreja conservou não somente o ensinamento
de Cristo na sua pureza inicial, mas também o sacerdócio e os mistérios que foram
passados à Igreja pelos santos apóstolos. A maioria das "igrejas" modernas já perdeu
tudo isso faz muito tempo. Rezemos por aqueles que oficiam as missas na Igreja e nos
ajudam a renovar-nos e fortalecer-nos espiritualmente.
Folheto Missionário número P30