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Ensaios

Padre Michael Pomazansky

1. Notas Apologéticas I
2. Notas Apologéticas II
3. Sobre a Igreja
4. Velho Testamento na Igreja
5. Comunhão com os Santos
6. O Mundo Espiritual
7. A Glorificação de Santos
8. Colaboradores de Deus
Notas Apologéticas
Parte 1.
Arquipresbítero Padre Michael Pomazansky

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

Conteúdo: Sinais do alto. A alma estende-se para Deus. Religião — alegria. Deus —
um assunto não para debate. Fé. Lobos mentais. Quando não há ninguém a quem
agradecer. A vida existe? Integridade da vida e visão do mundo. Mistério na experiência
da vida. Sobriedade da alma. Forças da natureza. Chama de uma chama. Ateísmo. O
mundo — reflexo da Graça de Deus. Vida. O que o maligno enuncia no mundo. Além
da cortina do que é visível. Julgamentos de Deus. Triuno, Deus Trinitário. Então a fé é a
base da vida. Para aqueles que dizem: "Eu não vejo Deus."

Sinais do alto.

Noticia de um fenômeno extraordinário em março de 1960 — o derramamento de


lágrimas dos olhos de um ícone da Mãe de Deus, localizado na casa de um jovem casal
Ortodoxo Grego em Long Island, não longe de Nova York — impactou na parte
vespertina da imprensa americana. Quando o ícone estava sendo triunfalmente
comboiado para a Catedral Grega, três pombas planaram sobre o veículo que estava
transportando o ícone, e não deixaram a procissão até que o ícone fosse levado para
dentro da igreja. Um mês depois um similar derramamento de lágrimas ocorreu de um
outro ícone da Santa Virgem na mesma localização. Quando esse ícone foi levado para
a catedral, um terceiro ícone tomou seu lugar na casa, e este também derramou
lágrimas. Como a experiência da Igreja atesta, a tríplice ocorrência desse fenômeno foi
um inerente sinal enviado do alto.

Lágrimas da Mãe de Deus! Manifestação que conduz à trepidação e reverência. Ela dá


testemunho da proximidade da terra da Mãe de Deus. No entanto, seria melhor se essas
lágrimas não existissem! Se não há maior tristeza numa família do que as crianças
verem sua mãe chorando, então quão forte e assustador é o choque para os Cristãos
saber que por causa deles, a Mãe de Deus está vertendo lágrimas!

Estariam elas nos falando da deterioração espiritual geral da humanidade — e em parte,


sobre o nosso próprio declínio espiritual? Estariam elas gritando sobre os sofrimentos e
infortúnios já experimentados pelo mundo? Estariam elas predizendo novas provas
severas? Estariam elas dando testemunho de que os Céus vêem nossas amarguras e
ouvem nossos gritos de pesar, e que as lágrimas da Mãe de Deus estão dando um aviso
consolador: "Eu estou convosco!"?

A alma estende-se para Deus.


A alma estende-se naturalmente para Deus assim como uma planta estende-se para o
sol. O Saltério —um livro da era pré-Cristã — dá total ênfase sobre o caráter natural e
inerente dessa propensão.

"Minha alma tem sede de Ti; minha carne anseia por Ti numa terra seca
e sedenta onde não há água: sem Ti, uma sede espiritual me tortura."

"Minha alma anseia por Ti como terra sedenta."

"Minha alma anseia, sim, até desfalece pelas cortes do Senhor; meu
coração e minha carne gritam pelo Deus vivo."

"Tu escondeste a Tua face, e eu fiquei perturbado."

"Eu te amarei do coração, ó Senhor, fortaleza minha. O Senhor é o meu


rochedo, e o meu lugar forte, e o meu libertador; o meu Deus, a minha
fortaleza, em quem confio; o meu escudo, a força da minha salvação e o
meu alto refúgio."

Uma coisa pedi ao Senhor e a buscarei: que possa morar na Casa do


Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a formosura do
Senhor e aprender no seu templo.

Desejando ardentemente Deus, a necessidade de orar para Ele e a procura do caminho


para a união com Deus, sempre pertenceram à melhor parte da humanidade. Mas esse
desejo nunca foi expresso com tanta força quanto no Cristianismo, que produziu uma
multidão de pessoas castíssimas, brilhantes e elevadas espiritualmente, completamente
dedicadas a Deus e que alegremente sacrificaram todas as coisas terrestres pelas
celestes. Nisso está a afirmação psicológica da verdade da essência de nossa religião, a
testemunha da verdade da fé Cristã.

Religião — alegria.
Em qualquer sistema filosófico, pode sempre existir algum pessimismo em sua base.
No entanto, na base religiosa, sempre existiu e existirá um sentimento de alegria. Não
importa quão distorcidas certas religiões são (tendo mudado a verdade de Deus com
mentiras — reverenciando criaturas ao invés de Deus), elas, no entanto, foram todas
expressões de alegria pela vida. Foi a natureza decaída do homem que, com freqüência
que a arrastou para formas cruas e básicas de expressão. É totalmente natural que o
contentamento puro pela beleza da natureza, por pessoas sensíveis, evoque hinos de
louvor a Deus.

O Cristianismo é uma religião verdadeira e pura, e é a fonte de elevada e santa alegria.


As provas severas Cristãs aparecem como prova da base indomáveis e brilhantes do
Cristianismo, mostrando que nenhuma quantidade de privações e constrangimentos é
capaz de eclipsar a bênção da vida em Cristo. "Regozijai-vos sempre. Orai sem cessar"
— (1 Tessal. 5:16-17) como o Apóstolo indica. "Bem-aventurado aquele que teme o
Senhor e anda nos seus caminhos." (Sl. 127[128]:1) — é repetido em orações e salmos.
"Que despertemos em alegria espiritual para Te louvar." E o mais enfático e
angustiadamente arrependido dos salmos, o 50[51]: "Tem misericórdia de mim, ó
Deus...," anuncia triplamente a alegria, pedindo pelo retorno de uma alma que tenha
pecado.

Deus — um assunto não para debate.

É nosso assunto provar a existência de Deus, procurar novas controvérsias, defender a


verdade divina e justificar as obras de Deus?

Nossa tarefa é nos resguardarmos de pensamentos ímpios e reforçar nosso caminho


mental. É nossa tarefa também resguardar os outros como fazemos conosco. Temos que
encontrar antídotos contra as nossas dúvidas, obscuros e estranhos pensamentos que são
hostis à nossa fé, e que invadem a nossa mente.Nossa época é uma era de
racionalização, e racionalização é inimiga da religião. Nós somos obrigados a repudiá-la
com uma arma — a lógica — que é somente uma ajuda. Nós temos um armamento
muito mais poderoso — a fé "e esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé" (1 Jo.
5:4).

Essa é a razão pela qual uma discussão sobre Deus em Si deve ser breve. O que
podemos dizer da natureza de Deus e de Seus atributos? Nossa conversa sobre Deus
deve ser elevada, extremamente prudente, modesta, direta, breve e sem filosofar. A
piedade nos chama para evitar o uso freqüente do nome de Deus nas conversas do dia-a-
dia: "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão:" (Ex. 20:7). Nos tempos antigos
os judeus evitavam até mesmo escrever o nome principal de Deus — Jeová —
substituindo-o por símbolos, ou se referindo a Ele com um nome comum, Senhor. Essa
atitude estava em total harmonia com os Mandamentos, e tendo nossa mente e todo ser
espiritual preenchidos com veneráveis pensamentos a respeito de Deus.

"Porque nós andamos por fé, não por visão?"


Porque Deus, Ele próprio, não aparece para nós de maneira tal que nós não tivéssemos
nenhuma dúvida nem incerteza? Isso é porque é impossível para nós mortais chegarmos
perto de Deus. Aqui vai uma comparação: como qualquer coisa viva na terra, nossa vida
é nutrida pelo sol. No entanto, se nós chegássemos perto do sol, seríamos incinerados
imediatamente. No entanto, como cresce suave e ternamente uma folha de grama sob
ele! E nós somos protegidos pela mesma natureza dos muitos raios causticantes que são
irradiados dele. Assim como há uma cortina aérea entre nós e o sol, há uma cortina
invisível entre nossa natureza e a de Deus — não obstante Sua proximidade de nós — e
é nossa fé que permite que nossa alma penetre nessa cortina. "Não poderás ver a minha
face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá" (Ex. 33: 20), diz o Senhor
a Moises. E as imagens de Deus, que apareceram para o povo são essencialmente essas
— somente "imagens" porque "Deus é um fogo consumidor." Porém Deus permitiu que
Ele fosse visto através da aparição do Filho de Deus, numa verdadeira forma física. "Ele
mesmo tomou nossas enfermidades e carregou nossas doenças." Ele não é como um
fogo consumidor, mas uma quieta Luz, e nós O exaltamos com as palavras: "Ó Luz
jubilosa da santa glória do Pai Celeste, Imortal: Santo e Bem-aventurado Senhor Jesus
Cristo"(oração das vésperas).

Mas mesmo assim é requerida fé. Assim como é requerida fé para se conhecer Deus,
Sua grandeza, e Sua incompreensível natureza, também é requerida fé para se ver e
reconhecer Deus em Sua brandura, humildade e degradação terrestre. "Bem-aventurados
os puros de coração, porque eles verão a Deus" (Mt. 5:8). Com pureza de coração a fé
atinge tal firmeza e força, e concede tal estado abençoado, que é equivalente a visão
celeste. Tal é a fé dos santos.

Fé.

Fé religiosa, fé Cristã, é um especial estado da alma ou habilidade da alam,


simultaneamente penetrando a mente, coração e vontade, um poder ativo, iniciador,
capaz de dominar totalmente a vida espiritual, o inicio, revigorante, condutor. Fé é a
chama, se levantando acima da vida interior, a testemunha do "espírito," isto é, a
estrutura mais elevada da alma. Uma pessoa crente "sente" que ela tem alguma
vantagem em relação a uma pessoa descrente. Fé é o poder, a chave para o poder, mas é
melhor exprimi-la através da maravilhosa e figurativa expressão de São João de
Kronstadt: "fé é a chave para a graça." O Apóstolo Paulo escreve: .".. temos entrada
pela fé a esta graça..." (Rom. 5: 2) no Cristianismo através da fé. O Apóstolo Pedro se
refere à fé como "fé preciosa" (2 Pe. 1: 1). De acordo com as expressões figurativas dos
antigos padres, fé é uma escada que conduz à fonte Divina. Ela faz tais conquistas —
que seriam completamente impossíveis sem fé — elas são manifestadas nos dons de
realização de milagres. Cristo prometeu: "Em meu nome expulsarão os demônios;
falarão novas línguas; Pegarão nas serpentes; e se beberem alguma coisa mortífera,
não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão" (Mc.
16:17) — e isso foi confirmado milhares de vezes na história da Igreja Cristã. Assim, a
fé provê os meios para a fé humana penetrar no domínio misterioso, espiritual e não-
visto o que "é a revelação (isto é, exposição das atividades dos poderes) das coisas não-
vistas."
Lobos mentais.

A alma humana é cheia de influências cruzadas e de diversas correntes mentais. É


através da mente que os pensamentos se originam — como o Apóstolo coloca, "... seus
pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os" (Rom. 2:15), pensamentos
luminosos ou obscuros, elevados ou básicos, afirmativos ou reprimíveis. As mentes
vivem em uma alternância de vigor e sonolência, visão aguda e cegueira. Certa vez um
noviço se queixou para o seu "staretz" (ancião) que pensamentos doentios ficavam
entrando em sua mente. "Abre tua capa e captures o vento" — respondeu o "staretz" —
tu não consegues? Da mesma forma tu não podes te esconder daquilo que voa à tua
volta na atmosfera espiritual." Acontece que durante algumas dessas rajadas, e por
causa de sua intensidade, a alma encontra dificuldade em lutar contra elas: elas são
"lobos mentais," nós deveríamos nos resguardar contra eles,assim como nós nos
resguardamos contra umidade portadora de doenças e correntes de ar frio. Nós lutamos
contra outras com dificuldade, por causa de nossas letargias temporárias, apatias, quedas
do espírito, isto é, aquilo que os Padres chamam de depressão.

"Desfaleceu a minha alma, esperando por tua salvação; mas confiei na tua palavra." (Sl
118[119]:81) lamenta o antigo salmista. "Senhor e Mestre de minha vida, afasta de mim
o espírito de preguiça, de dissipação, de domínio e de vã loquacidade" — nós oramos,
na Grande Quaresma, com as palavras do asceta Ortodoxo São Efrém. Todos os que
estão cansados falam de possíveis visitas do espírito de depressão, e conseqüentemente
suas orações contém súplicas freqüentes para que sejam libertados desse espírito. Esse
sentimento é um estado ímpio e agonizante, como se a alma estivesse cega — até que
esse sentimento seja substituído com uma onda fresca de fé cheia de graça e um esforço
de oração. As orações corretas: "Desvenda os meus olhos, para que veja as maravilhas
da Tua lei." (Sl. 118 [119]:18) "Ilumina com entendimento os olhos do meu coração, ó
Cristo, para que eu não adormeça na morte...Pelos Teus anjos afasta de mim o desânimo
demoníaco" (Orações antes de dormir).

Porém no domínio da fé, dificuldades e confusões que surgem na mente, nem sempre
são sem benefício. Qualquer tipo de realização somente ocorre através da superação de
obstáculos. Com um aumento da força, uma pessoa se torna capaz de sobrepujar
grandes impedimentos — algumas vezes, colocando-os diante de si próprio — e
conquistando-os, subindo então para um nível mais alto. O mesmo ocorre na esfera
religiosa, na esfera da fé. E que sentimento espiritual triunfante essa pessoa sente
quando um pensamento novo e luminoso ilumina sua alma e supera a barreira mental!

Quando não há ninguém a quem agradecer.

Quão agradavelmente pronunciamos a palavra "obrigado." Para cada bom desejo, para
cada favor nós temos a necessidade de dizer: obrigado (em russo a palavra para
obrigado, "spasibo" é derivada de "spasi Bozhe" — Deus salve). Essas palavras
expressam sentimentos internos—elas não são simplesmente uma indicação de boa
educação, com se fossem ditadas por instinto. Quando uma pessoa está numa multidão,
e um personagem não visto mostra-lhe uma pequena consideração, essa pessoa começa
a procurar com seus olhos a quem agradecer. Com que freqüência as pessoas utilizam a
imprensa para expressar agradecimentos para indivíduos conhecidos e anônimos por
condolências pelos seus pesares, por participação em seus tempos difíceis! Sentimentos
de gratidão não são limitados a palavras, eles esforçam-se por serem expressos em atos,
e a posteriori eles continuem a viver como grata memória na alma.

Mas se nós somos gratos nas pequenas coisas, como poderemos nós não expressar nossa
gratidão pelas coisas maiores — pela alegria de se estar vivo, pela habilidade de pensar,
de amar os outros, por nossa visão e audição que abrem nossos olhos para a vida na
terra, pela oportunidade de nos comunicarmos com pessoas, pelos dons da natureza dos
quais gostamos? Como poderemos não agradecer quando somos libertados do perigo,
ou quando nós somos visitados por aquilo que é chamado de "boa-sorte"? Mas quão
desafortunada é a pessoa que agradece por um copo de água, mas, no entanto, "não tem
ninguém a quem agradecer" pelas coisas mais elevadas, maiores, pela mais importante.

A vida existe?

Vida! É tudo que tenho, que eu valorizo, e sem a qual — eu não existo! No entanto,
parece que em nossa era há uma tendência em responder essa questão proposta com
uma negativa — ostensivamente em nome da ciência. Existiram e ainda existem,
indivíduos preparados que estão engajados através de reações químicas, em reproduzir
uma "célula viva" como o começo de toda vida. Laboratórios, estudando a fisiologia da
matéria viva, estão tentando ganhar acesso ao "mecanismo de crescimento na matéria
viva." O cenário é provar que no cerne de nosso ser existe um mecanismo, e o que nós
chamamos vida, é uma aparição, simplesmente uma forma de nossa percepção. Como
um exemplo, há menção na imprensa à descoberta de um novo elemento nas plantas —
cloroplasto, ou um enigma mais fundamental — fotossíntese (a absorção pela planta da
energia do sol). Isso é explicado como uma reação química comum, onde há a ausência
de qualquer força viva e que poderia ser produzida em série em laboratório. Porém,
seria possível explicar todos os mecanismos do mundo através dessa aproximação
científica?

Reluta-se em acreditar que tal tendência caracterize a aproximação da ciência sobre


natureza como um todo. Não é possível que o espírito do materialismo grosseiro possa
capturar a natureza real de maneira que, seja sem o entendimento de "vida" a explicação
dos mistérios da natureza. É espantoso como a mecanização da vida prática em nossa
existência, impacta a mentalidade das pessoas, instilando que a vida na terra é só um
mecanismo, aparentado com uma máquina inanimada.

Primeiro: "não há Deus." A seguir: "não há alma." Finalmente: "não há vida!"

Num conto curto "Euthemia" escrito por Veresaev durante a era soviética, uma mulher
doente, sentindo a lenta aproximação da morte, fica em êxtase com o filósofo
materialista grego Demócrito; foi há mais de 2000 anos atrás, que ele expôs que todas
as coisas são feitas de matéria, enquanto sentidos e pensamentos — simplesmente uma
alteração no corpo... No entanto, parece que sendo ela uma esteta por natureza, ela
amava poesia, ávida leitora de Tiutchev — um poeta que sugere que a natureza não é
uma face sem vida, ela tem uma alma, ela tem liberdade, tem amor, tem linguagem...
Conseqüentemente, à parte de desejos, uma discórdia entre o entendimento materialista
e os sentimentos naturais interiores estava aberta na pessoa soviética: os sentimentos
emergiram da cobertura do materialismo, como um remendo mostra-se num saco. Não
se consegue esconder um remendo num saco.

Integridade da vida e visão do mundo.

A quadra de Gumilev é excelente:


Existe Deus, existe o mundo. Eles existem eternamente.

Enquanto as vidas das pessoas são efêmeras e desventuradas.

Porém, uma pessoa pode acomodar tudo,

Quem ama o mundo e acredita em Deus.

Por certo não se pode dogmatizar essas palavras. Aqui, é possível retrucar contra todos
os pronunciamentos: perpetuidade do mundo não é a mesma que a de Deus; a vida
humana é efêmera, mas a vida da alma não é efêmera; o mundo ama deliberações
desviadas, mas ele só acredita em Deus. No entanto essa quadra contém uma expressão
poética excelente de uma idéia profunda: que a plenitude da vida consiste na aceitação
do mundo como uma criação do Boníssimo Deus. Aceitando a vida como um dom de
Deus, uma pessoa vive com uma visão otimista e harmoniosa do mundo, criando um
mundo espiritual e um panorama arrojado e brilhante da vida.

Uma pessoa tem contentamento interior quando ela não tem qualquer discórdia
espiritual. Esse é o significado da stanza de Polonsky:

"Bendito é aquele a quem foram dados dois tipos de audição":

O que ouve os sinos da Igreja tocando

E ouve a voz profética do Espírito."

O significado óbvio dessas palavras é que, uma pessoa contemporânea vive uma plena e
substantiva vida, quando sua voz interior (seja uma inspiração poética ou filosófica, ou
simplesmente uma visão geral da vida) combina com a plenitude da tradição, e com a fé
religiosa que foi entremeada nela.

Tem que ser reconhecido que a poesia russa do século dourado para a literatura que foi
o XIX° século possuiu em si essa qualidade e por isso foi inspirado, ideal e inteiramente
louvável.
Mistério na experiência da vida.

Dificilmente existiria uma pessoa, mesmo entre as descrentes, que não tivesse
experimentado um fenômeno misterioso, pelo menos uma vez na vida — como um
sonho profético, ou um evento inexplicável, no qual sua vida tivesse sido preservada.
Mas, com freqüência, as pessoas não olham para trás e daí se esquecem, ou até mesmo
tentam não notar. Muitos de nós, quando estamos perto de nosso curso terrestre,
podemos e devemos clamar sobre nós mesmos nas palavras do salmista:

"Pois Tu és a minha esperança, Senhor Deus; Tu és a minha confiança desde a minha


mocidade. Por Ti tenho sido sustentado desde o ventre; Tu és aquele que me tiraste do
ventre de minha mãe; o meu louvor será para Ti constantemente... Ensinaste-me, ó
Deus, desde a minha mocidade; e até aqui tenho anunciado as Tuas maravilhas. Agora,
também, quando estou velho e de cabelos brancos, não me desampares, ó Deus, até que
tenha anunciado a Tua força a esta geração, e o Teu poder a todos os vindouros.
Também a tua justiça, ó Deus, está muito alta, pois fizeste grandes coisas; ó Deus, quem
é semelhante a ti? Tu, que me tens feito ver muitos males e angústias, me darás ainda a
vida e me tirarás dos abismos da terra. Aumentarás a minha grandeza e de novo me
consolarás" (Sl. 70[71]).

Observação da sua própria vida é uma das razões pelas quais pessoas, indiferentes à
religião em sua juventude, mas tendo experimentado pessoalmente ao longo do caminho
o poder da mão direita de Deus, crescem para se tornarem profunda e genuinamente
religiosos em sua idade mais avançada. Apesar de antes terem sido insensíveis, elas se
tornam agora pias, tementes a Deus, orantes. Piedade não é um indício de idade
avançada. Está presente em pessoas de todas as idades, e seu fervor é naturalmente
maior em idades mais jovens. No entanto "piedade de idade avançada" é uma indicação
de experiência de vida não perdida, não negligenciada — um sinal de recordação das
manifestações da graça de Deus.

Sobriedade da alma.

A fé Cristã é um estado de brilho, "diurno." Crenças em Deus, no mundo espiritual


invisível, em vida após a morte física — são bastante realistas, porque a experiência as
confirmou através de manifestações recebidas, ocorrências e revelações espirituais, que
os Santos da Santa Igreja foram honrados com, assim como a beneficência da fé, sentida
pelos membros da Igreja. Eis porque misticismo deve ser estranho a um Cristão, porque
ele difere por seu afastamento da realidade, por sua convicção sobre sua extraordinária
proximidade com o mundo espiritual e em sua habilidade em entrar nele. Nesse estado
da mente, é fácil ser dominado por ilusões e perder a correta constituição ortodoxa da
mente. Assim, os trabalhos de imaginação num estado de penumbra são capazes de
apresentar para uma pessoa, imagens que estão muito afastadas da realidade.
A autêntica fé é sóbria, e todos orientadores para uma genuína vida Cristã, colocam a
"sobriedade espiritual" como base de trabalhos espirituais. Sobriedade da alma
salvaguarda uma pessoa de auto-ilusão, de ter opinião própria, de ficar desanimado e de
ter uma auto-avaliação sobre sua falta de esperança. Essa é uma visão simples e direta
da vida, e de todos à volta — uma visão que é iluminada com a luz da fé. A Igreja pede,
em suas orações pelos fiéis, a concessão de "sobriedade da alma, perdão dos pecados e
comunhão com o Espírito Santo." O Padre João de Kronstadt chamou o seu diário de
"Minha vida em Cristo, ou, minutos sobre sobriedade e contemplações espirituais,
sentimentos reverendos, e reforma espiritual e serenidade em Deus."

Forças da natureza.

A natureza vive sua própria vida interior, desconhecida para nós e praticamente
inacessível para a ciência. As assustadoras forças escondidas dentro dela, mesmo nas
menores partes de sua substância —foram mostradas no estudo dos átomos e sua
liberação, ou em sua divisão. Ao mesmo tempo, quão macia e docilmente essas força
funcionam na forma de vida do mundo. Que consonância na atividade dos elementos da
natureza, e que colaboração, que mútua assistência! Considerem os ventos e as nuvens.
Eles não têm sequer uma existência individual, não têm seu próprio vigor vivo, que está
presente numa insignificante folha de grama. Eles são manifestações passageiras: o
vento veio e foi, a nuvem se engrossou e foi lavada com chuva — foi-se. Porém notem
como eles trabalham inteligentemente com o sol e um com o outro, especialmente por
darem vida para as plantas. a nuvem lhes dá umidade e protege contra os raios
causticantes do sol. No entanto, a nuvem não tem energia própria para se mover no ar,
então essa tarefa é assumida pelo vento. Ele dirige a nuvem trazendo-a e levando-a. O
vento então seca a terra, protegendo o solo de se tornar ácido, o que seria prejudicial
para as plantas, e ao mesmo tempo evitando o efeito dos raios diretos do sol. Onde
estais escondidos, vós poderes benignos, inteligentes, que estão ativos nessas
manifestações? Aqui nós temos um bosque de árvores, não tocadas pelo homem e
deixadas sozinhas. Se a mão do homem não interfere com a vida da floresta, seu arranjo
será organicamente completo como uma coleção de organismos. Ela se cerca com uma
orla de moitas de espinhos para proteção, permite o desenvolvimento de uma cobertura
de solo que é mais benéfica para ela, coleta e armazena os reservatórios de água
necessários para si, regula a penetração dos raios do sol em sua mata, preservando
dentro dela as plantas menos robustas, os tipos menos resistentes delas. Por isso é que
não é surpreendente que imagens panteístas tenham surgido na humanidade, idéias da
presença de floresta, água e outros deuses. Transbordamento de sentimentos pela
natureza por artistas, é parente do panteísmo, por exemplo, de Tiutchev: "Não é o que tu
imaginas sobre a natureza—ela não é cega, não é uma imagem sem vida, ela tem uma
alma, ela tem liberdade, ela tem amor, ela tem uma linguagem."Ele promove uma
censura direta contra o então reinante materialismo.

"Eles não vêem e não ouvem,

eles moram no mundo como se fosse nas trevas,

para eles não há sol,


nem vida nas ondas do oceano.

Os raios nunca desceram em suas almas,

a primavera nunca brotou em seus peitos,

as florestas nunca falaram na presença deles,

e a noite estrelada estava muda.

E com uma língua não terrestre,

perturbando rios e florestas

o trovão não se aconselha com eles,

numa conversa amigável..."

Mas nesse caso, não teríamos chegado no panteísmo? Não, nossa mente deve elevar-se
acima disso. Não é o átomo que é divino, ele que as pessoas dividem e forçam a servi-
las. Aquilo que está sobre nosso total controle, e os animais não são divindades — mas
somente parte disso. Quando o mesmo poeta apresenta o mundo como vestimenta de
Deus, ele não está pensando panteisticamente: "A natureza faz a vestimenta universal de
Deus, talvez." Essa imagem é muito próxima àquela dos Salmos que é mais clara: "Tu
Te revestes de luz, como de um manto" (Sl. 103[104]).

A sabedoria escondida da natureza desperta nossos pensamentos. Ela instila em nós que
fora a matéria e forças, existe algo mais elevado: a natureza tem sua própria audição
como se fosse para realizar as diretivas de Deus: "Produza a terra...Produzam as
águas... " (Gen. 1: 11 e 20). A figueira sucumbe com as palavras do Salvador: "Nunca
mais nasça fruto de ti."(Mt. 21:19); e a tempestade do mar cumpre a diretiva Dele:
"Cala-te, aquieta-te" (Mc. 3:39). A natureza é permeada com vontade de cumprir os
objetivos dirigidos do alto; ela louva Deus com todo o seu ser, e cumpre as diretivas das
hostes celestes: Principados, Domínios e Poderes. E nós confessamos nas orações
(bênção das águas): Diante de Ti tremem os poderes espirituais; o sol canta louvores
para Ti; a lua Te glorifica; as estrelas suplicam diante de Ti; a luz Te obedece; as
profundezas temem a Tua presença; as fontes são Tuas servas...."

Chama de uma chama.

No primeiro capítulo da Epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos, nós lemos: "Que a
justiça de Deus é revelada de fé em fé." Isso é parecido com de chama em chama, e
como nós deveríamos guardar essa chama! Sem ela nós somos como velas apagadas. A
centelha da chama deve ser preservada. Nós devemos prestar atenção nos ventos
contrários, isto é, na sociedade que é contrária à fé, livros que detratam a fé e
pensamentos pessoais errantes.
De fé em fé. Portanto em sucessão. Nós apreendemos fé dos Apóstolos, de seus escritos
que mantém perpetuamente em si a fonte viva da fé. Aqui a fé é concedida para o
mundo. Nós apreendemos de Santos contemporâneos: aqui a fé é transferida por sua
proximidade com nós, pela chama do poder da fé deles. Nós apreendemos na Igreja e da
Igreja face a face com ela. Assim o Apóstolo João escreveu para seus filhos espirituais:
"Tinha muito que escrever, mas não quero escrever-te com tinta e pena. Espero, porém,
ver-te brevemente, e falaremos de boca a boca" (3Jo. 13-14).

De fé para fé. Ao longo de uma longa fila de décadas, a fé é transferida de uma geração
de igreja para outra geração de igreja, dos pais para seus filhos, de Mártires,
Confessores, Santos e Ascetas para pessoas que os viram, que apreenderam com eles,
que viveram por pouco tempo conosco, mas de quem mantivemos santa memória. Essa
é uma transferência santa, a transferência da fé. Eis porque nós valorizamos
especialmente o conhecimento e instruções que recebemos de santos que viveram pouco
tempo antes de nós: nós podemos acender nossa fé entrando em contato com a fé deles.
E assim a corrente continua: "fé pela fé," dos tempos Apostólicos até nossa época
contemporânea.

Ateísmo.

No seu livro, "Estudo dos Humanos" , o Professor Nesmelov expressou o seguinte: "O
ateísmo é um conhecimento construído baseado na falta de conhecimento." O escrito é
bastante acurado. Os ateus não vêem Deus, não O conhecem, e por isso não reconhecem
Sua existência. Os mais cautelosos entre eles se chamam de "agnósticos," isto é, não
conhecedores (seguidores do filósofo inglês Spencer), e logicamente, "não conhecendo"
não têm a guia das leis religiosas. Pessoas de pensamento menos refinado raciocinam,
lógica, mas erradamente, "Eu não conheço Deus, então Ele não existe."

O mundo — reflexo da Graça de Deus.

Nós não podemos negar a existência da razão na natureza, mesmo que para nós ela
seja de forma desconhecida. Nós testemunhamos como uma planta assegura para si o
espaço necessário para sua existência, procura e encontra no mesmo solo a variedade de
nutrientes necessários para esse tipo de planta, que são tão variados para cada tipo de
planta, obtendo-os através de uma eficiente decomposição química do solo. Da mesma
forma, nós não podemos negar a existência no reino animal e vegetal de princípios
estéticos e artísticos, que são revelados na variedade e harmonia de cores e formas.
Testemunhando a amizade, colaboração e vontade de servir, nós temos dificuldade de
rejeitar a presença de nada menos do que algo parecido com princípio moral na
Natureza — quando uma folha de grama está preparada para servir de forragem para um
animal, ou quando uma árvore se esforça para produzir uma melhor colheita para o
conforto do homem; uma vontade que algumas vezes é próxima do auto-sacrifício.
Alguns dirão que nós não podemos chamar isso de atributo moral, porque moralidade
sugere uma vontade inteligente e livre. De fato, mas se é assim, então é necessário
procurar a fonte de sensibilidade e sabedoria para essa insensibilidade. Os pensamentos
se elevam para o Criador e para o poder da Providência do Espírito de Deus,
concedendo à todas as coisas existentes "vida, respiração e tudo" (palavras do Apóstolo
Paulo no Aerópago de Atenas segundo o Livro dos Atos).

Nesse sentido, o mundo, criação de Deus é um reflexo — seja ele fraco e pálido — dos
atributos do seu Criador, e é para esse Primordial e Original que nossos pensamentos
são dirigidos. Expressemos aqui as palavras de São João de Kronstadt em seu "Minha
Vida em Cristo." "O mundo todo Céu e terra e tudo que está neles, o mar e tudo que está
nele é a ilimitada efusão da bondade de Deus, Seu intelecto e eterno poder, bondade
para com a criação, que Ele criou por alegria e felicidade, especialmente — alegria para
a raça humana. O mundo é um espelho da bondade, intelecto, sabedoria e poder de
Deus. Desse modo nós deveríamos nos ligar com Deus e não com o mundo. "Quem está
lá no céu para mim?E conTigo eu não quero nada na terra. Minha carne e coração
estão exaustos: Deus — é o firmamento do meu coração e é parte de mim para
sempre."

Vida.

O que pode estar mais próximo dos nossos olhos ouvidos, mente — do nosso ser todo,
do que a vida? Tudo vive, há vida em toda parte. Ao mesmo tempo, o que pode ser mais
enigmático para nós do que a vida? Até os dias de hoje, as pessoas não chegaram a um
acordo sobre se a vida é um começo inicial ou uma aparição secundária. É uma origem
ou uma segunda colheita? A raiz da existência ou sua flor? Para aqueles que acreditam
em Deus, não há dúvidas. O princípio vital está na base de todos os seres, e é
implantado pelo Criador.

Assim que a vida deixa a matéria, esta se torna morta. Como a vida parte é inexplicável.
Por mais que se queira capturá-la nesse momento, ele escapa como mercúrio escorrendo
pelos dedos. Sem vida, cortada, grama ceifada — e a forma de vida dada a ela por Deus,
a deixou. Uma pessoa morre e sua vida deixa o corpo. No entanto, ela não pereceu. No
corpo destruído que foi entregue ao solo, o lugar dela será, devagar, ocupada por formas
bem mais inferiores de vida. Porém seu princípio portador-de-vida, intelectual,
consciente, que nós assumimos conscientemente, sua alma não morre. Antes de tudo,
ela parte levando consigo o que ele trouxera para o corpo. Ela trouxera para a pessoa
uma consciência em forma individual, pessoal — e ela a leva embora, tendo a
preenchido com substâncias dignas de eternidade (e talvez não tão dignas).

Assim suspeita a razão. Mas, a fé Cristã dá testemunho firme e claro da imortalidade da


alma. "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o
fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente"(Gen. 2:7). O sopro de Deus não pode
perecer nunca! O corpo perece "E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a
Deus, que o deu" (Ecles. 12:7). Essa é a nossa verdade revelada por Deus, essa é a nossa
fé.
O que o maligno enuncia no mundo.

Junto com o que emerge à nossa volta da Natureza com razão, harmonia e beleza, nós
também vemos o aparecimento de uma contraposição. Nós observamos catástrofes
assustadoras na Natureza, que infligem sofrimento e morte para a matéria viva, e nós
vemos a cegueira e falsidade do instinto no reino animal: hostilidade, o devorar do fraco
pelo forte, e finalmente doença e morte. Essas manifestações abrem os nossos olhos
para o verdadeiro caráter da Natureza, e não permitem que a deifiquemos. Graças a elas,
nós reconhecemos a falsidade do panteísmo. É inerente a uma pessoa procurar um
princípio superior e adorá-lo. No entanto, apesar dele ver a atividade e presença desse
princípio em toda sua volta, a Natureza em si não pode ser tomada como esse princípio
superior: ela tem o positivo e o negativo, ela tem razão e irracionalidade, ela tem o bem
e o mal. Por isso, a própria Natureza nos sugere que há outro Princípio acima dela que é
perfeito e completo. E como nós podemos reconhecer a divindade da Natureza, se o
próprio homem se torna o seu mestre? O poeta Alexei Konstantinovich Tolstoy
expressou a dualidade da Natureza — bem e mal — de forma artística.

"Só Deus é luz sem sombra

Fundido em Si

É a indivisível unidade de todas as manifestações

A plenitude do brilho de todo mundo;

Mas o poder radiante de Deus

Batalha com as trevas;

E ao Seu redor em tempos de alarme

Está a majestade da paz

A separação da criação

O vingativo caos não dorme

Desfigurando e pervertendo

a imagem de Deus em seus tremores:

E sempre cheio de engodos.

Contra a bondade de Deus

Ele tenta levantar

turvas ondas de lama


E os esforços do espírito maligno

Para quem o Todo Poderoso deu uma vontade

E o conflito dos princípios hostis

Está novamente ordenado

Na luta de morte e nascimento,

A Divindade estabeleceu

A eternidade da criação,

E sua continuação

pela glória da vida eterna."

Além da cortina do que é visível.

É duvidoso que qualquer um de nós não tenha memórias do passado, sobre fatos que
falem de laços com o mundo espiritual — fatos que não podem ser explicados num
sentido corporal, que dão testemunho de que existe um Olho Que Não Dorme nos
vigiando. Ocorre que muitas pessoas fecham seus olhos e ouvidos para esses fatos,
assim elas não vêem nem ouvem. No entanto, é mais do que freqüente que enquanto
elas estão se lembrando desses fatos, elas não são capazes de reconciliar suas vidas com
o que os fatos estão dizendo. Durante momentos de reflexão espiritual, esse mistério
aflora —só para retornar aos recessos secretos de suas mentes. É raro que as pessoas
vocalizem tais experiências. Isso pode acontecer porque a pessoa é modesta e não tem
vontade de aparecer na imprensa, ou por causa de dúvida — se acreditarão nele —
interpretarão como invenção ou como o produto de uma instabilidade espiritual? Apesar
disso, alguns desses fatos encontram seu caminho para a imprensa. Esses fatos
acumulados em um ano, eles formariam facilmente material para um livro. No entanto,
reinando o materialismo, esse livro alcançaria seu objetivo? "...porque eles, vendo não
vêem; e ouvindo não ouvem nem compreendem" (Mt. 13:13) e eles não querem se virar
para Ele, Que está pronto para curá-los — essas pessoas cegas que declaram que se
recusam a acreditar em milagres por princípio.

Julgamentos de Deus.

É perfeitamente claro para um Cristão que ele não deveria esperar por uma
recompensa mundana ou uma vida agradável, por sua fé e piedade. O Salvador não
prometeu abundância terrestre para Seus fíéis. Não é à toa que o símbolo do
Cristianismo é a Cruz e a Crucificação. Todavia, sentimentos humanos não são
estranhos para uma pessoa e o coração pergunta: porque os blasfemos estão rejubilando
e prosperando — onde está a veracidade de Deus?

Esse tema tem sido colocado desde tempos imemoriais. Entre as primeiras localizações
estão escritos antiqüíssimos, particularmente no Saltério. O Saltério apresenta o tema
apaixonadamente, em exclamações muito audaciosas e ousadas: "Ó Senhor Deus, a
quem a vingança pertence, ó Deus, a quem a vingança pertence, mostra-te
resplandecente! Exalta-te, tu, que és juiz da terra; dá o pago aos soberbos. Até quando
os ímpios, Senhor, até quando os ímpios saltarão de prazer? Até quando proferirão e
dirão coisas duras e se gloriarão todos os que praticam a iniqüidade? Reduzem a
pedaços o teu povo, Senhor, e afligem a tua herança" (Sl. 93[94]). "Quanto a mim, os
meus pés quase que se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus
passos. Pois eu tinha inveja dos soberbos, ao ver a prosperidade dos ímpios. Porque
não há apertos na sua morte, mas firme está a sua força. Não se acham em trabalhos
como outra gente, nem são afligidos como outros homens. Pelo que a soberba os cerca
como um colar;... E dizem: Como o sabe Deus? Ou: Há conhecimento no Altíssimo?
(Sl. 72[73]).

E nesse mesmo Salmo, o salmista responde às suas queixas e frustrações, assim como
ao seu desespero com o mal reinante. Não, as escalas de justiça existem e a retribuição
vem no tempo apropriado. "Certamente, tu os puseste em lugares escorregadios; tu os
lanças em destruição. Como caem na desolação, quase num momento! Ficam
totalmente consumidos de terrores.E o salmista se arrepende de sua anterior falta de fé.
"Assim, me embruteci e nada sabia; era como animal perante ti." Agora seus olhos
foram abertos. "A quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem eu deseje
além de ti" (Sl. 72[73]).

O saltério não fala só da retribuição para os iníqüos, mas também conforta aqueles que
são verdadeiros para com Deus e que colocam sua fé Nele. De outro lado seus
pensamentos podem ser resumidos nas palavras de um Salmo: "Muitas são as aflições
do justo, mas o Senhor o livra de todas" (Sl. 33[34]). Isto é, existirão aflições, mas elas
serão transientes. Deus concede Sua bondade ao coração tranqüilo daqueles que são
fiéis a Ele. "Oh! Quão grande é a tua bondade, que guardaste para os que te temem, e
que tu mostraste àqueles que em ti confiam na presença dos filhos dos homens! Tu os
esconderás, no secreto da tua presença, das intrigas dos homens; oculta-los-ás, em um
pavilhão, da contenda das línguas" (Sl. 30[31]:19-20). As mesmas palavras alegres
enchem o renomado Salmo 90[91]): "Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo."

E existem tão poucos entre nós que após termos suportado vários eventos em nossas
vidas, não repetiriam de todo coração as palavras do salmista no Salmo 123[124]
inteiro:

"Se não fora o Senhor, que esteve ao nosso lado, ora, diga Israel: Se não
fora o Senhor, que esteve ao nosso lado, quando os homens se
levantaram contra nós, eles, então, nos teriam engolido vivos, quando a
sua ira se acendeu contra nós; então, as águas teriam trasbordado sobre
nós, e a corrente teria passado sobre a nossa alma; então, as águas
altivas teriam passado sobre a nossa alma. Bendito seja o Senhor, que
não nos deu por presa aos seus dentes. A nossa alma escapou, como um
pássaro do laço dos passarinheiros; o laço quebrou-se, e nós
escapamos. O nosso socorro está em o nome do Senhor, que fez o céu e a
terra."

Triuno, Deus Trinitário.

Nós professamos Deus sendo uma "inexprimível, invisível incompreensível,


Santíssima Trindade em Um." Deus é uma Trindade em três Pessoas, e não há Pessoa
junior ou sênior entre Elas. Sua totalidade é expressa na Trindade; Deus está sobre nós,
Deus está conosco, Deus está em toda criação e em nós.

Sobre nós está o Deus Pai — Fonte eternamente fluente, de acordo com as orações da
Igreja, a Base de toda existência, nosso Pai, nosso Amor e nós somos Seus filhos,
criações de Suas mãos.

Conosco está o Deus Filho — Seu nascimento deve-se ao Seu divino amor, para que Ele
pudesse aparecer para as pessoas como um Humano, para que nós pudéssemos ver e
reconhecer que Deus está conosco, numa imagem perfeita, "genuinamente" unido
conosco.

Em nós e em toda a criação está o Deus Espírito Santo — enchendo todas as coisas:
Que cumpre tudo, Doador-de-vida Que vive em tudo e em todos com Seu providencial
poder, derramando Sua bênção de santidade sobre a Igreja do Filho de Deus, sobre os
fiéis para os elevar e fazê-los dignos da comunhão com Deus nesse mundo, e fazê-los
dignos da vida eterna em Deus.

O Apóstolo Paulo nos ensina: "Um só Deus e Pai de todos, o Qual é sobre todos (como
os Santos Padres interpretam: Deus Pai), por todos (Deus o Filho) e em todos" (Deus, o
Espírito Santo Efes. 4:6).

Durante a Festa de Pentecostes nossa Igreja canta: "Uma Essência, um Poder, uma
Divindade, Que nós todos adoramos, dizendo: Deus Santo, Que criaste todas as coisas
através do Filho, com a cooperação do Espírito Santo. Santo Poder, através de Quem
nós conhecemos o Pai, e através de Quem o Espírito Santo veio para o mundo. Santo
Imortal, ó Espírito Confortador, Que procede do Pai e descansa no Filho. Ó Santíssima
Trindade, glória a Ti."

Então a fé é a base da vida.

O que é necessário para que a fé se torne firme, não vacilante, para que ela nos
controle, dirija nossas ações, seja ativa, salutar, curativa, confortadora? O que é
necessário para que as questões da vida não nos agonizem, não nos dirijam para fora de
nosso equilíbrio espiritual? O que é necessário para que não sejamos como junco que
balançam com qualquer vento?

Para isso, nós devemos pertencer a Igreja — em espírito e corpo — e viver uma vida
com Ela. Um indivíduo sozinho no campo de batalha não é uma força significativa.
Enquanto na Igreja — um por todos e todos por um, sob a direção de Cristo e na graça
do Espírito Santo — a situação é completamente diferente. Na Igreja — como crianças
nas casa de seus pais—nós estamos protegidos de todos os lados, há preocupação
conosco, nutrição espiritual, calor e luz espiritual. Nós levamos nossas aflições para Ela,
e nós encontramos cura para nossas doenças físicas e espirituais Nela.

Nós encontramos a plenitude da vida na Igreja no templo. Nesse santo lugar de


louvação, nós nascemos através do batismo para a vida eterna, e nessa casa nós teremos
nossa despedida final da vida terrestre. Será nela que nossa memória será preservada, e
após a nossa morte, orações serão elevadas para o céu por nós.

Para aqueles que dizem: "Eu não vejo Deus."

Vós gostaríeis de conhecer uma pessoa que nunca pediu para si nada da vida e estava
sempre feliz com o que tinha; que nunca se preocupou com sua saúde — mas estava
sempre cheio de energia, e estava sempre vigoroso mesmo quando estivera quase sem
qualquer repouso; não tinha riquezas, mas distribuiu milhares; tratou os gravemente
doentes sem qualquer recurso a qualquer remédio; nunca procurou glória, mas era
conhecido de todas as pessoas; nunca procurou qualquer prazer, mas estava sempre
contente; que sempre teve paz em seu coração, predisposição para as pessoas, sem
malícia, inveja, animosidade, sentimentos de aparências; cheio de humildade ainda que
realizasse grandes feitos; cuja mente era lúcida e cujo coração era aberto para todos; que
viveu sua própria profunda vida interna e ao mesmo tempo, cheio de amor por aqueles
que eram próximos ou distantes dele?

Tal pessoa foi São João de Kronstadt, um contemporâneo de bem poucas gerações atrás.
De onde o pastor de Kronstadt tirava sua força? O Padre João responde a essa questão
numerosas vezes em seu diário com uma e a mesma expressão: "O Senhor é tudo para
mim." Aqui estão suas palavras:

"Qualquer coisa que acalme meus pensamentos e meu coração, é submetido


graficamente à minha memória para a contínua tranqüilidade de meu coração, entre as
preocupações e alaridos da vida. Então, o que é isso? Isso é o poder calmante da
afirmação Cristã, cheia de confiança viva e maravilhamento: o Senhor é tudo para mim.
Aqui está o tesouro sem preço! Aqui está a preciosidade com a qual é possível se estar
calmo em qualquer situação, com a qual é possível se estar rico na pobreza, e com a
aquisição de riqueza — ser generoso e afável com as pessoas, com a qual mesmo após
ter pecado não se perde a esperança. O Senhor é tudo para mim."

"O Senhor é tudo para mim: Ele é a força do meu coração e a luz da minha mente; Ele
dirige meu coração para tudo que é bom, Ele o reforça; e Ele me dá pensamentos justos;
Ele é minha tranqüilidade e alegria; Ele é minha fé, esperança e amor; Ele é meu
alimento, minha bebida, meu atavio; Ele é minha morada. Assim como uma mãe é para
uma criança: a vontade, a visão, audição, paladar, olfato, tato, e comida, bebida, atavio,
mãos e pernas — assim é o Senhor tudo isso para mim, quando eu me submeto
totalmente a Ele.

O Senhor é mais perfeito que toda bondade, que eu penso, sinto ou faço. Ó quão
ilimitadamente grande é a graça ativa do Senhor dentro de mim! O Senhor é tudo para
mim, e tão claro, tão constante. Minha — é só minha iniqüidade. Meus — são só meus
pecados.

O Senhor é meu ser, o Senhor é a libertação da morte eterna, o Senhor é minha vida
eterna, o Senhor é a purificação e libertação de muitos pecados e minha iluminação, o
Senhor é a força contra minha fraqueza, em minha pusilanimidade e desesperança, o
Senhor é o fogo doador-de-vida no frio, o Senhor é a luz nas minhas trevas, a serenidade
em minhas apreensões, o Senhor é o protetor em minhas tentações. Ele é meus
pensamentos, minhas aspirações, minha atividade — amo e agradeço ao Senhor
incessantemente! Louvai ao Senhor, ó minha alma e não esqueça dos Seus benefícios,
que purificam todas vossas iniqüidades, curam todas vossas enfermidades e vos dota de
benevolência e generosidade, que preenche todas vossas requisições.

O Senhor é tudo para nós, e por nós mesmos nós podemos fazer muito pouco."

Essa é a fonte de força, felicidade e vida que São João aponta para ele próprio, e que ele
está apontando para nós.

"Aqui está uma pessoa viva diante de nós: seus olhos estão focados em nós, seus
ouvidos estão alertas e atentos; diante de nós estão seu corpo e alma, dos quais nós
vemos o corpo mas não a alma. Enquanto isso, nós não vemos seus pensamentos,
desejos e intenções, não há um só instante em que sua alma não esteja pensando e
vivendo de acordo com seu estilo de vida. Precisamente da mesma maneira, há uma
natureza visível diante, perto e dentro de nós, o completo e maravilhoso mundo de
Deus; nele nós vemos vida em todo lugar, ordem harmoniosa, atividade — porém nós
não vemos a Causa da vida e da ordem, nós não vemos o Artista. Mas no intervalo, Ele
está ali, todo tempo e em todo lugar, assim como uma alma no corpo, só que não
confinada por ele. Não existe um curto momento em que Ele, o Completíssimo Espírito,
Sapientíssimo, Onipotente, Onipresente, não pense, não derrame bênçãos e sabedoria
sobre Sua criação. Não há sequer uma fração de segundo em que Ele não aplique Sua
sabedoria e onipotência, porque Deus é um auto-ativador que está eternamente
produzindo. Por isso, ao verem o mundo, notai sua Fonte — Deus, como estando em
todo lugar nele, como o cumpridor, ativador e arranjador de tudo."

"A onipresença de Deus é espacial e mental, isto é, Deus está em todo lugar — em
relação a espaço e pensamento; onde quer que eu vá, física ou mentalmente, eu
encontrarei Deus, e Ele estará diante de mim em todos os lugares."

Não são essas magnificentes palavras promulgadas por São João, suficientes para
convencer as mentes que duvidam?
Folheto Missionário número P077c

Copyright © 2004 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

Notas Apologéticas
Parte II
Reverendíssimo Padre Michael Pomazansky

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

Conteúdo:

Nosso Deus... fez tudo que Lhe agradou (Sl.115:3).

Os céus foram estabelecidos pelo Verbo de Deus.

A Fé como um Dogma.

Do conhecimento ao conhecimento de Deus.

A Igreja na Sabedoria Providencial.

Vida na Fé.

Nós vimos a verdadeira Luz.

Dois Tipos de Iluminação.

Luz e trevas.

A Igreja de Cristo de acordo com os ensinamentos de São Simeão, o Novo


Teólogo
Nosso Deus... fez tudo
que Lhe agradou (Sl.115:3).
O princípio do propósito da lei da casualidade.

Porque? — Como? — Essas duas questões são inerentes a cada um de nós desde a
infância, desde o momento em que nós nos damos conta de nós mesmos, e que
começamos a usar a linguagem. "Para que propósito?" e "Porque razão?"

A questão "Porque?" sugere a idéia de um resultado depois de um dado evento ou


ocorrência. O ponto de vista religioso está associado com essa questão.

Na questão "Como?" expressa-se a idéia de alguma coisa precedendo e dando causa


para um dado evento ou objeto. O ensinamento do positivismo como visão do mundo é
fortemente associado com essa questão.

Todos nossos pensamentos diários também podem ser definidos como "questões
eternas." "Razões" ou "propósitos" são as origens de toda existência.

O pensamento moderno se declarando científico, se esforçando em se separar da idéia


religiosa e confiando no princípio do materialismo, ignora as questões dos "propósitos."
Ele nega o papel preponderante delas nas principais questões da existência do mundo.
Na vida cotidiana todos os propósitos são reduzidos a um mínimo. Tende-se a se estar
convencido de que todos os nossos atos, sociais e privados, que parecem ser feitos por
livre vontade, são de fato tão determinados por eventos passados que nossa vontade
pessoal é sujeita somente à "lei da casualidade." Nessa visão, a propositalidade de
nossos atos é somente imaginária, e em qualquer caso é predeterminada por
movimentos "sociais." Então, por esse ponto-de-vista, nós não nos tornamos simples
brinquedos nas mãos do destino?

Essa visão é totalmente inaceitável para nós. Ao lado das teorias "científicas,"
deveríamos providenciar terreno sólido para nossa posição Cristã nesse assunto, não
duvidando que ela é verdade para nosso povo. Toda nossa mentalidade será determinada
por esse princípio.

Dois elementos no mundo. Natureza morta.

O universo consiste de dois elementos: o morto e o vivo. Leis estritas de física


governam o elemento morto. A essência da atividade dele é reduzida à fórmula: "causa
e efeito." Ele contém massas de "matéria," principalmente na sua forma grosseira, quase
selvagem, e "energia" física. Ambas estão em constante movimento, com uma pletora
de elementos, a união e divisão dos quais automaticamente produz resultados estritos e
precisos. Esses resultados podem ser precisamente definidos. De fato quase todos eles
têm sido estudados por ciência precisa, e a humanidade usa esse conhecimento em seus
próprios interesses e necessidades, às vezes em seu próprio detrimento. Matemática é a
governadora nessa esfera. matemática é, em si, uma perfeita acurácia. Regras
matemáticas são estritas e imutáveis. Em sua aplicação para a natureza morta, para a
determinação das causas e efeitos, a matemática revela e ilumina a estrita uniformidade
no ir da causa para o efeito. Nesse elemento mundano as leis são automáticas.

Leis da razão e objetivos.

O elemento vivo é outra questão completamente. A vida em si é uma misteriosa


essência e existência. Nos seres mais elementares, começando com as bactérias
invisíveis ao olho, automatismo e mecanicidade estão visivelmente superadas. Seres
vivos, das mais baixas formas em diante, revelam sua vontade própria em movimento,
no desejo de comer, em alguns elementos de orientação, na habilidade de sentir, em
compreensão, e então em uma forma de razão e "propósito." Esse propósito pode ter
várias direções. Por certo, aqui a lei da "causa" está ativa, mas é regulada por desejos
"pessoais": uma planta sabe quando é saudável se virar para a luz, quando deve se
esconder ou abrir seu botão de flor. No pequeno planeta Terra — que riqueza de formas
de seres vivos no mundo vegetal e animal! E a fonte da nutrição deles todos é matéria
morta: terra, ar, água e assim por diante.

E quão oportuno acontece ser, que a natureza morta é imutável em suas "leis de causa!"
E quão facilmente os elementos vivos são capazes de usar os mortos!

E que incompreensível Sabedoria ativa nos é revelada em sua união e coordenação!

A vida é surpreendentemente capaz de se coordenar em relação à natureza morta. Não


obstante, liberdade é inerente para a vida também. Ela não pode ser trancada dentro da
caixa de ferro da necessidade. Ele tem a força interna para quebrar as amarras da
natureza morta. Claramente, a vida tem um começo particular, especial no mundo, que é
espiritual em qualidade. Razão, vontade, habilidade para sentir e reagir são contidas
inerentemente na vida.

Que grandeza de concepção! Que plenitude de existência nessa coordenação da morte


com a vida: um domínio onde só as leis de causa e efeito têm o que dizer, com outro
domínio, onde liberdade e oportunidade são as governadoras!

O homem.

O homem é um ocupante da terra e diretor dela. Mas ele é também um filho da terra. Ele
é, num sentido, mais do que os outros seres uma parte do elemento vivo. Ao mesmo
tempo ele está ligado ao seu corpo, que foi tomado da natureza morta, governada por
precisas leis da casualidade matemática. Ele requer o conforto fornecido pela
regularidade das leis do corpo. Ele também é capaz de limitar essa "pressão pela
necessidade" exercida pelo corpo.

Animais também possuem propósito, mas com o homem esse propósito atinge um nível
muito maior como um mecanismo geral, dirigindo, regulando e protegendo suas ações.
A liberdade do espírito de vida às vezes só complica sua situação quando dois impulsos,
vindo de duas fontes: corpo e alma, colidem.
Além disso, nós temos nossas próprias "razões espirituais," que entram em conflito com
nossa oportunidade geral. Tudo isso cria uma complexidade assim como uma riqueza de
nossa vida interior.

Sociedade.

A vida social é feita de vidas individuais, eis porque ela contém tudo que pertence a
cada pessoa individualmente. No entanto, a situação aqui é mais complexa. Cada pessoa
tem seu caminho próprio de vida, seus planos próprios para amanhã, sua própria
liberdade e sua própria submissão às necessidades. Quando possível isso tudo pode ser
objeto de acordo, mas às vezes pode surgir um conflito.

Nós reconhecemos que os humanos diferem dos animais pela altura de seus objetivos.
Se nós aplicamos a mesma medida para a sociedade como um todo, pode-se realmente
quantificar o esforço para limitar a vida do homem dentro da esfera da existência
puramente prática, apesar de confortável e conveniente, se baseando na assunção que
essa existência — de um individuo assim como da sociedade —é puramente "racional,"
terrena, de curto-prazo e, com efeito, sem sentido, "verdadeiro progresso" ? Mas tal
progresso é o que hoje em dia é reconhecido como verdadeiramente científico.

O universo.

Pode-se dizer, de um ponto-de-vista materialista ou agnóstico: "Tu te esqueces que o


planeta Terra é como um grão de areia no universo, e tu te vês como centro da criação, e
nisso tu constrói tuas idéias religiosas, relacionando tuas conclusões do específico com
o geral." Respondamos a essa possível observação. Em discussões a respeito de Deus,
só se pode falar do Criador e Provedor do universo inteiro e nosso Salvador. A argüição
volta para a sua fonte, quando se ouve o anuncio, supostamente de natureza científica,
mas com uma qualidade misteriosa, de que existe um elemento na terra que, combinado
apropriadamente com outros elementos, fornece um começo e uma centelha inicial de
vida; é só requerido que a combinação ocorra, e a semente de vida surgirá.Mas ninguém
revelou ainda tal lei entre a precisa regularidade qualitativa de todo material terrestre.
Teremos que esperar por um inesperado "acidente"? De outro lado, se a terra é um grão
de areia no universo, como realmente é, e se imagina um acidente e faz dele um
exemplo para a possível aparição da vida no universo, então tal imagem da origem da
vida não aparecerá como uma brincadeira de criança? De fato, nós vemos que, em todos
os tipos e gêneros de seres vivos, vida vem da vida. Essa é sua lei.

Nós nos inclinamos diante da grandeza daquele panorama Bíblico que é descrito a partir
da segunda linha do primeiro capítulo da Gênesis e que é escolhido em forma
condensada e oferecido para nossa audição nas leituras do Velho testamento de três das
maiores festas da Igreja: Nascimento de Cristo, Epifania e Grande e Santo Sábado.
Apresentamos o começo e o fim dessa leitura da Igreja. Gen. 1:1-13.

"No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e
vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se
movia sobre a face das águas... E disse Deus: Produza a terra erva verde,
erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo sua espécie,
cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi... E foi a tarde e a manhã,
o dia terceiro."
"E disse Deus."

A criação inteira do mundo foi realizada dentro de seis dias, como é relatado no
primeiro capítulo do livro da Gênesis. Os atos separados são expressos em três palavras:
"E disse Deus." Claramente, a palavra "disse," repetida nove vezes, simboliza a vontade
de Deus e sua realização de maneira desimpedida e absoluta. A primeira vez que ele é
dita, de acordo com o texto, as massas mortas foram preenchidas com luz doadora-de-
vida, necessária para a existência dos futuros elementos vivos. Na curta afirmação de
Deus que se segue algo como "sementes ou raios de vida" são enviados para o mundo.
Eles não são puramente físicos, mas possuidores de propriedades espirituais, sem peso,
e instrumentalmente incomensuráveis. Tais grãos de vida atrairão e vivificarão as partes
da matéria e energia terrestres, enchendo assim o mundo de seres vivos. O homem nessa
esfera terrestre é a criação mais elevada de Deus, sua alma carregando o "sopro de Deus
em sua face."

"E disse Deus...e foi a tarde e a manhã..." Essa palavras foram ditas pela primeira vez
no terceiro dia, e foram repetidas nos demais dias. Cada tarde e manhã eram o começo e
o fim do "período noturno," quando em cada ser vivo na terra, inclusos cada um de nós,
o invisível e intangível processo de crescimento está ocorrendo, quando força está sendo
recuperada, e todos os poderes são refrescados e renovados. Na manhã nós levantamos e
vemos algo novo na natureza: uma flor se abriu, ou um novo ser apareceu. Não é o
processo que nós encontramos na narrativa bíblica? Depois de cada verso, "e assim foi"
— nós lemos a confirmação: "e viu Deus que era bom." Essa percepção é muito
parecida com aquela do ser humano.

Moises escreveu sua narrativa para o povo da terra, para sua nação, para a instrução
espiritual deles e nossa. Por essa razão é limitada ao tema da terra e da humanidade. Nós
não somos proibidos de considerar a possibilidade de que em outros lugares do
universo, condições similares as que existem na Terra também possam existir.

Nosso pensamento é golpeado por outra coisa: a elevação de espírito e pensamento do


profeta Moises, sua ousadia, por medida humana, mas inspirado por Deus, em aceitar a
seguinte tarefa: dar uma imagem geral da criação da Terra, da aparição da humanidade
na Terra; sua primeira história; a história da nação dele, como escolhida de Deus;
afirmar o monoteísmo nesse povo e começar a história da Igreja de Deus no Velho
Testamento. Sua língua nacional era primitiva e, idéias abstratas eram estranhas para
ela. As habilidades do escritor eram primitivas também. Mas a tarefa foi realizada, e
isso quatro mil e quinhentos anos atrás!

Se o princípio do "resultado" claramente age na esfera do nosso mundo, se a harmonia


na coordenação com as leis da natureza inanimada é expressa em suas partes mais
vitais, sendo os elementos inanimados de utilidade para os seres vivos, se vemos
profunda inteligência e ordem em tudo isso, — disso nós somos preenchidos com uma
consciência da bênção e bondade de Deus, — nós só podemos rejubilar com a
grandeza da criação do universo e de nossa terra; devemos pensar e agir para
sermos dignos da bondade de Deus e dos dons Dele, inimitavelmente gravados nas
palavras do Apóstolo Paulo aos Romanos:
"Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus!... Porque
Dele e por Ele, e para Ele, são todas as coisas; glória, pois, a Ele eternamente. Amém"
(Rom. 11:33 e 36).

Os céus foram
estabelecidos pelo Verbo de Deus.
"No princípio era o Verbo... Todas as coisas foram feitas por Ele,
e sem Ele nada do que foi feito se fez" (Jo. 1:1 e 3).

"Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército


deles pelo espírito da Sua boca" (Sl. 33:6).

Um artigo em um dos periódicos de nossa igreja falou orgulhosamente da altura e


profundidade do ponto-de-vista Cristão expresso nos quatro Evangelhos. Ao mesmo
tempo, ele expressou a inaceitável e falsa noção de que nas primeiras frases do
Evangelho de São João, onde o Senhor Jesus Cristo é chamado de "Logos" no texto
grego e de "Verbo" no texto eslavo, esse nome teria sido, supostamente, tomado pelo
Evangelista da filosofia grega, especificamente das concepções judeu-helênicas de
Philon, o filósofo judeu da antiga Alexandria. "Ainda que sua visão não coincida
inteiramente com o Evangelho de São João, muito permanecerá não-claro sem nos
tornarmos familiar com sua teoria filosófica," alega o artigo.

Uma alma Cristã não pode concordar com isso.

No conjunto todo dos livros do Novo Testamento onde se pode tentar estabelecer uma
ligação entre as verdades Cristãs e a filosofia grega? O Apóstolo Paulo não fala sobre a
sabedoria dessa época: "Ninguém se engane a si mesmo... Porque a sabedoria desse
mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria
astúcia." "...: o Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são vãos" (I Co. 3:18 a,
19-20). A quem o Apóstolo censura por cegueira e estreiteza mental? E a respeito do
Apóstolo João devemos dizer: era necessário que se voltasse para filosofia mundana
justo ele que declarou com toda força de espírito: "... e esta é a vitória que vence o
mundo, a nossa fé. Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o
Filho de Deus? ( I Jo. 5:4 b-5).

Se o Apóstolo João tivesse tido, em sua mente, uma certa misteriosa imagem de um
"Logos" pela qual ele estivesse escrevendo o Evangelho, ele teria continuado a usar esse
nome para o Senhor em seus escritos. Mas isso não acontece. Esse mesmo primeiro
capítulo de seu Evangelho está cheio de outros nomes para o Salvador: Vida, Luz, Filho
Unigênito, que está no seio do Pai, Cordeiro de Deus, Messias, Filho de Deus, Rei de
Israel, Rabi, Filho do homem. E somente no 14° versículo desse capítulo nós lemos: "E
o verbo Se fez carne, e habitou entre nós..." Mas isso está muito longe de qualquer
imagem filosófica, porque nós lemos depois, no mesmo versículo: "...e vimos a sua
glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade."
Sim, o Evangelho de João é verdadeiramente o Evangelho do "Verbo," mas do "Verbo
de Deus," pois ele consiste quase que completamente nas palavras do próprio Senhor
Jesus Cristo, e, além disso, o próprio Senhor testemunha: "A Minha doutrina não é
Minha, mas Daquele Que Me enviou" (Jo. 7:16). O Evangelho de João é verdadeira
"Teologia." É o quarto Evangelho escrito em ordem de tempo. Mas na consciência da
Igreja e na prática dos ofícios da Igreja é o "primeiro." O ciclo das leituras Litúrgicas
começa precisamente com a leitura do primeiro capítulo: "No princípio era o Verbo..."
Por conta dessa honra, o autor do Evangelho é chamado de "o Teólogo" na Igreja
Ortodoxa.

Nós devemos rejeitar definitivamente a afirmação do mencionado artigo e de outros


artigos similares, tais como: "João usou o conceito de Logos, aplicando-o ao nome de
Jesus Cristo, e deu a esse conceito um novo significado."

Foi o Apóstolo João algum pensador de gabinete, mantendo traços do espírito da


filosofia, em sua variedade verdadeiramente grega ou judaico-helênica? O seu interesse
estava virado para papiros ou rolos de couro com idéias filosóficas em uma antiga
livraria? Ou usaria ele idéias acidentais ou passageiras para seu grande propósito?

Há só mais um lugar, dentro dos textos do Novo Testamento, onde o Salvador é


chamado de "a Palavra": no 19º capítulo do Apocalipse de São João o Teólogo: "E vi o
céu aberto, e eis um cavalo branco; e O que estava assentado sobre ele... e tinha um
nome escrito, que ninguém sabia senão Ele mesmo. E estava vestido de uma veste
salpicada de sangue; e o nome pelo qual Se chama é a Palavra de Deus" A exegese
bíblica vê uma direta ligação entre essa imagem e como se fosse a realização da visão
descrita pelo Profeta Isaias no capítulo 63 de seu livro: "Quem é este, que vem de Edon,
de Bozra, com vestes tintas... Porque está vermelha a tua vestidura, e as tuas roupas
como as daquele que pisa no lagar? – Eu sozinho pisei no lagar... e o ano dos meus
remidos é chegado... Tu, ó Senhor és nosso Pai; nosso Redentor desde a antigüidade é
o Teu Nome" (cap. 63:1-4, 16).

A coerência desses dois lugares no Evangelho e no Apocalipse, além de seu significado


espiritual, é importante para nós porque confirma que o Apóstolo João escreveu o
Apocalipse, sendo inspirado do alto. É importante também porque o Senhor é chamado
de Palavra de "Deus," o que nega qualquer idéia filosófica de "Logos" como um Ser
independente, um mediador entre Deus e a Criação, ou um "Paráclito" (como o autor do
citado artigo se refere ao Logos). O Senhor chama o Espírito Santo de Paráclito, ou
"Confortador," em Sua discussão final com Seus discípulos.

Isso já é bastante atenção para com o artigo. Mas a questão ainda permanece não-clara:
porque o Evangelista se referiu ao Senhor Jesus Cristo como "Verbo" e "Palavra," ou
"Logos" nas primeiras linhas de seu Evangelho? E ao mesmo tempo, porque nós
encontramos o nome Logos, ou Verbo ou Palavra, somente nessa linhas do Novo
Testamento? Que o Santo Apóstolo nos perdoe por tentarmos invadir seu sagrado
pensamento, que não está muito claro para nós, com nossas mentes estreitas e
pecadoras, e por entrarmos naquela região da alma, que é usualmente chamada de "o
subconsciente."
A atenção de cada Cristão familiar com a Bíblia é atraída pelos paralelos que se pode
notar entre o começo do livro Gênesis do Velho Testamento e o começo do Evangelho
de São João desde as primeiras palavras. Nós iremos revisar esses paralelos.

"En arhi" — "no princípio" — são as primeiras palavras de ambos os santos escritos. O
grego "arkhi" tem três significados fundamentais: a) o princípio de um evento ou tarefa,
no significado usual e comum da palavra; b) liderança, domínio ou poder; c) histórico,
passado, antigo, no sentido religioso—ilimitado e eterno.

Na linguagem original do livro, Moises usa essa palavra em seu sentido usual, primário:
Deus, antes de qualquer de Suas ações fora de Si mesmo, criou o céu e a terra. A mesma
palavra esta em primeiro lugar no Evangelho de João, mas o Santo Apóstolo eleva a
idéia da palavra grega "arkhi": "No princípio era o Verbo" — Verbo, como a existência
Divina pessoal, "era no começo" — antes de qualquer outra existência, além disso:
antes de qualquer tempo, em eternidade ilimitada. Nesse mesmo Evangelho essa palavra
é repetida, com o mesmo significado: apresentamos o versículo aqui. Quando os judeus
perguntam ao Senhor: "Quem és Tu?" —Jesus respondeu para eles: "Isso mesmo que já
desde o princípio vos disse" (Jo. 8:25) — Tin arkhin, oti ke lalo imim. Assim o primeiro
livro de cada Testamento, Velho e Novo, começa com a mesma palavra expressiva; mas
no livro do Novo Testamento tem um significado mais elevado do que na Gênesis.

Mais adiante nos textos de ambos os livros, especialmente nos cinco primeiros
versículos de cada um, nós notamos essa conexão interna. Talvez ela não tenha sido
feita de propósito pelo Evangelista, já que a seqüência não coincide exatamente. Essa
conexão pode ter sido o resultado natural da essência dos dois assuntos. Aqui nós
notamos a superioridade dos eventos do Novo Testamento quando comparados com
aqueles do Velho Testamento. Iremos comparar os lugares paralelos na Gênesis e no
Evangelho.

1. "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava


com Deus, e o Verbo era Deus."
1."No princípio criou Deus..." "E disse
Deus: Aqui a verdade do Monoteísmo é elevada através

Haja..." da revelação da segunda Pessoa — o Filho — em

Deus. A expressão "estava com Deus" é


esclarecida

mais tarde, no versículo 18: " ...o Filho unigênito

que está no seio do Pai..."

2. "Todas as coisas foram feitas por Ele (o


Verbo),"

2. "E a terra era sem forma e vazia" e sem Ele nada do que foi feito se fez."

(sem vida)... O verbo "fez" é esclarecido com as palavras "por

Ele(o Verbo)," o que demonstra a participação da

segunda Pessoa Divina, o Criador do mundo todo,

o executor da vontade do Pai.

3. "Nele (o Verbo) estava a vida.

4. "Ali estava a Luz verdadeira, que ilumina todos

3. "E disse Deus: Haja luz."— isso é dito a os homens...." O assunto do pensamento é
imensamente elevado, apesar de usar a mesma
respeito de luz física. palavra."

4. "... e havia trevas sobre a face do A respeito do Verbo, o Filho de Deus: Estava no
abismo;... " mundo, e o mundo foi feito por Ele, e o mundo não
O conheceu ."
Nas linhas seguintes:
6. As palavras de João Batista: "E eu não O
5. Sobre o Espírito Santo: "E o Espírito conhecia; mas, para que Ele fosse manifestado a
de Deus Se movia sobre a face das águas." Israel, vim eu, por isso, batizando com água. E
João testificou, dizendo: Eu vi o Espírito descer do
céu como uma pomba, e repousar sobre Ele" (cap.
1:31-32).
6. "E disse Deus:Façamos o homem à
Nossa imagem, conforme a Nossa 7. A respeito do Verbo adotando natureza humana:
semelhança...E criou Deus o homem à Sua "E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, e
imagem;... " vimos a Sua glória; e vimos a Sua glória, como a
glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de
verdade" (cap. 1:14).

7. "...Ele descansou no sétimo dia de toda 8. A Vinda do Verbo para a terra. A glória do
a Sua obra, que tinha feito," (Gen. 2:2). Salvador: "... daqui em diante vereis o céu aberto,
e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o
Filho do homem" (Jo.1:51).

Essa coerência de pensamentos e expressões entre os dois livros santos do Velho e do


Novo Testamento, essa luz do Evangelho, considerado ser o primeiro pela
autoconsciência da Igreja, que se derrama sobre o primeiro livro de Moises, o que é
confirmado pelas próprias palavras do Apóstolo no primeiro capítulo de seu Evangelho:
"E todos nós recebemos também da Sua plenitude, e graça por graça. Porque a Lei foi
dada por Moises; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo" (16-17).

E não há necessidade de se procurar por uma fonte do nome "Logos-Verbo ou Palavra,"


que se tornou uma parte integrante da tradição Cristã. E esse nome ou noção, não é de
modo nenhum estranho ao Velho Testamento: "Pela palavra do Senhor foram feitos os
céus, e todo o exército deles pelo espírito de Sua boca" (Sl. 33:6), — é dito no Saltério,
que era parte da leitura diária dos hebreus. Essas palavras são idênticas no velho texto
hebreu e na "Tradução dos Setenta." O mesmo é encontrado no Salmo 119:89: "Para
sempre, ó Senhor, a Tua palavra permanece no céu;" o mesmo no Salmo 107:20.

Mas a conversação final do Senhor com Seus discípulos é uma fonte ainda maior de
iluminação para nós: "...; ora, a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai Que Me
enviou" (Jo. 14:24).

"... porque tudo quanto ouvi de Meu Pai vos tenho feito conhecer" (15:15) "Tudo
quanto o Pai tem é Meu" (16:15). Esse é o assunto básico daquela grande conversação,
assim como da oração que se seguiu falada pelo Senhor (Jo. 17).

A Igreja Ortodoxa amorosamente aceitou o nome do Filho de Deus como "Verbo" e


usa-o freqüentemente, mas nunca só ele, mas sempre com algum outro de seus
atributos: "... Deste à luz o Verbo de Deus..."(oração à Virgem), "Ó Filho Único e
Verbo de Deus" (na Liturgia); "Ó regulador de tudo, Verbo do Pai"(orações antes de
dormir).

A Fé como um Dogma.

Nosso professor de fé viva, o santo padre São João de Kronstadt, em seu livro "Minha
vida em Cristo," nota: "Fé é uma chave para o tesouro de Deus." Essa é uma definição
da fé, muito valiosa e muito sábia. A fé concede acesso às riquezas do tesouro de Deus
de vida e eternidade. Ele continua: "Ela (a fé) reside em um coração simples e amoroso.
Se tu podes crer de fato, tudo é possível para o crente."

Ele também escreve: "A fé é como se fosse uma boca espiritual: quanto mais
livremente ela se abre, maior o fluxo de fontes Divinas que entra em nós; que essa boca
se abra (em oração) tão livremente quanto a nossa boca corporal; que ela não seja
trancada por dúvidas ou falta de fé: se ela for trancada por dúvidas ou falta de fé, então
o tesouro de bênçãos de Deus estará fechado para nós. Quanto mais de coração aberto
nós pudermos acreditar no Total-poder de Deus — maior será a generosidade do
coração de Deus será revelada para nós. Quando nós pedimos em oração, acreditai, isso
nós receberemos: e será dado a nós" (Minha vida em Cristo, vol. 1, pg. 242).

Por essa razão a fé pode ser chamada o primeiro dogma do Cristianismo. O Novo
Testamento inteiro é cheio de pregação de fé.

É difícil explicar a noção de fé. O Apóstolo Paulo diz o seguinte: "Fé é a substância de
coisas esperadas, a evidência de coisas não-vistas." "Substância de coisas esperadas" —
é a admissão de que indubitavelmente há, ouve e haverá Ele, em Quem nós esperamos;
há uma confirmação interna, misteriosa notificação, de que isso é como é. "Evidência de
coisas não-vistas" — ainda que não possa vê-la, ainda que ela não seja revelada através
de experiência externa, mesmo assim o invisível é revelado através de experiência
interna: na expansão de horizontes espirituais, através de alegria ou de outra maneira –
através de oração.

A fé só é válida e ativa numa pessoa quando seu objeto é real, e não somente
imaginário.

A fé une alguém com aquilo em quem ou no que esse alguém acredita.

A fé só pode ser forte se o objeto da fé é forte ou procede de um Poder mais alto.

A fé é alegre, porém só quando nós acreditamos em algo perfeito, genuíno e elevado.

A verdadeira fé eleva, dá asas, torna invencível, purifica, conduz para o céu. Essa é a fé
Cristã.

Mas se nós fazemos de algo falso o objeto de nossa fé, ela só resultará na destruição dos
bons elementos da alma; ela não será duradoura e se renderá facilmente para um objeto
de fé similarmente falso.

Quando as pessoas se ligam por fé com aquilo que, apesar de real, é baixo ou maligno,
então essa fé rebaixa a moral dessas pessoas, e lãs são pegas nas redes de poderes
malignos.

Credulidade não é fé. Credulidade é uma expressão de frivolidade, uma aceitação


superficial daquilo que acabou de ser ouvido. Credulidade revela uma preguiça e
ingenuidade da alma e da mente. O que é aceito facilmente, é perdido também
facilmente.

Fé religiosa traz substância e significado para a vida de uma pessoa. Ela cria uma
plenitude de vida espiritual. Ela, ainda que temporária ou parcialmente, separa a pessoa
de interesses baixos e terrenos, conduzindo-a para a região de emoções elevadas,
moralmente puras, santas. Essa fé é adquirida facilmente? — Depende do estado
espiritual da pessoa, do conteúdo dos seus pensamentos, hábitos e desejos. Quanto mais
pura a alma, mais facilmente ela aceitará o bem. Quanto mais ela for sensível à
bondade, mais facilmente ela responderá ao chamado do alto. Mas fé é mais exigente
que credulidade, porque ela sempre demanda sacrifícios. Mas de outro lado, esse
sacrifício, suportado com fé, torna-se mais fácil, e nos casos mais elevados, mais raros,
conduz até para auto-sacrificios jubilosos. Essa fé requer quase nenhuma prova visível
ou mental. É por isso que o Evangelho diz: "... bem-aventurados os que não viram e
creram" (Jo. 20:29),

Há às vezes uma descrença não-pecaminosa: "Eu creio Senhor, ajuda minha descrença."
Essa confissão não impede a cura da pouca fé possuída. Houve a fé do Apóstolo Tomé,
ligada com uma sede pelo complemento e reforço da fé, expresso nas palavras: "Se eu
não vir... de maneira nenhuma o crerei" (Jo. 20:25). Isso significa, ele não terá aquela
alegria, que ele teria tido "vendo," como os outros Apóstolos tinham tido. Às vezes,
dúvidas ou "suspeitas" em relação a boas novas da verdade só mostram como é
tremendamente importante essa nova para a pessoa, assim como é pura e grande sua
alma, como nós vemos no caso do Apóstolo Tomé.

Fé religiosa não é como acreditar no próprio poder. Algumas seitas religiosas estão em
erro muito grave, quando elas ensinam que os benefícios e dignidade da fé "como ela
é," estão no que é desejado: convencendo as pessoas de sua própria saúde, sucesso,
bem-estar. Tal fé é auto-engano e é um inimigo do Cristianismo.

Nós podemos chamar firmemente nossa fé Cristã o primeiro dogma do Cristianismo.


Nós começamos nossa confissão diária de nossos fundamentos Cristãos com essa
afirmação: "Creio em um só Deus ..." do Credo de Nicéia.

De acordo com Santo Irineu de Lion, fé é o vaso para coletar água vivificante, e essa
água vivificante é a graça de Deus.

"É impossível agradar Deus sem fé, pois é demandado que uma pessoa acredite que
Deus existe, e que recompensa aqueles que O buscam."

É por isso que somos comandados: "Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé;
provai-vos a vós mesmos." — confira a ti mesmo, se tens fé (2 Co. 13:5), ensina o
Apóstolo.

À qual capacidade da alma pertence a fé: à mente,à vontade ou ao sentimento?

Parcialmente, o objeto de nossa fé está contido em nossa mente. Porém, isso é mais do
que conhecimento ou uma "suposição confirmada" que com freqüência pode ser vista
em nossas vidas. A fé possui uma única força motivadora.

Ela não pode ser chamada de um "fenômeno da vontade" porque, apesar da fé poder
mover montanhas, um Cristão recusa sua vontade própria, entregando-se para a vontade
de Deus: "Seja feita Tua vontade em mim, um pecador."

Pertence a fé ao reino do sentimento? Ela é mais complexa do que os sentimentos de um


indivíduo: ela tem elementos de temor, honra, reverência, humildade. Por isso, ela se
infiltra na alma toda.

A fé só é ativa quando a alma está unida com a graça de Deus. E isso acontece em
grande extensão quando a alma está embelezada e unificada por amor. Como diz o
Apóstolo Paulo: "Fé que opera por amor.," que o eslavônico da Igreja expressa tão bem
com as palavras: "Fé acompanhada com amor," como se os dois estivessem andando
juntos suportando um ao outro em sua atividade (Ga. 5:6).

Fé é um poder ativo. Mas não age através do poder de imaginação ou auto-hipnose,


como algumas seitas a definem, mas estando ligada com a fonte de toda força — Deus.
"Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios d’água viva correrão do seu ventre"
disse o Senhor (Jo. 7:38).

O Cristo da Igreja é fundado na fé como numa rocha, numa base sólida. "Os quais pela
fé venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas, fecharam as bocas
dos leões. Apagaram a força do fogo, escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram
forças, na batalha se esforçaram, puseram em fugida os exércitos dos estranhos" (Hb.
11:33-34).

Como deveríamos entender as palavras do Senhor para os Apóstolos: "... se tiverdes fé


como um grão de mostarda, direis a esse monte: passa daqui para acolá — e há de
passar; e nada vos será impossível"? (Mt. 17:20) Não fala o Senhor sobre a
possibilidade da fé ser desenvolvida em alguém pelo seus próprios poderes?

Por certo absolutamente não. O grão de mostarda, não importa quão minúsculo, tem em
si próprio a plenitude de vida. Contendo vida no menor pedaço de "matéria," ele
prossegue para seu propósito e o atinge sem o menor desvio, sem, por assim dizer,
pecado pessoal. O Senhor falou de uma perfeição definitiva pela qual todos os Cristãos
devem se esforçar. Ele falou do ápice da santidade, na qual o crente é unificado com
Deus, Cuja força é ilimitada. Os Apóstolos e todos os realizadores de milagres que os
sucederam sempre realizaram curas e outros atos miraculosos no nome do Senhor Jesus
Cristo, através do poder da fé Nele e do poder da oração para Ele, ou no nome da
Santíssima Trindade, realizando a profecia: "... aquele que crê em mim também fará as
obras que eu faço, e as fará maiores do que estas" (Jo. 14:12). Quando as pessoas,
atônitas porque o Apóstolo Pedro tinha curado uma pessoa que era coxa de nascimento,
correram para os Apóstolos, Pedro disse a elas: "Varões israelitas, porque vos
maravilhais disto? Ou, porque olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude
ou santidade fizéssemos andar esse homem?... E pela fé no Seu nome fez o Seu nome
fortalecera este que vedes e conheceis; e a fé que é por Ele deu a este, na presença de
todos vós, esta perfeita saúde" (Atos, capít. 3).

A essência do Cristianismo é fé no Filho de Deus, o Unigênito, Que veio na carne para a


salvação das pessoas, para conceder a elas vida eterna em Deus. O objetivo de todos os
Escritos do Novo Testamento é estabelecer firmemente fé naqueles que são chamados
por Deus e respondem ao chamado, como nós lemos no último capítulo do Evangelho
de São João. A princípio todo Cristianismo histórico, Cristianismo no sentido lato da
palavra, baseia-se nesse ponto básico da fé. Com o passar do tempo ele se despedaçou
em muitos grupos que estão dissociados uns dos outros. Não é surpresa que os Cristãos
mais sensíveis tenham ponderado sobre como superar as divisões e diferenças em
pensamento. Essa idéia veio do Protestantismo. Eles querem entrar no "movimento" das
igrejas antigas históricas, não obstante a "ortodoxia" e conservadorismo exterior dessas
últimas que são tão estranhos ao Protestantismo. Os representantes das igrejas
Ortodoxas, por outro lado, encontrando-se em situação difícil, esperam encontrar
alguma proteção nesse movimento e assim respondem as propostas dos Protestantes.

As esperanças de uns são fracas, e as esperanças dos outros são lamentáveis. É


significativo que o ateísmo organizado não é hostil para com esse movimento e até
ajuda-o.

A entrada de Ortodoxos nesse movimento esquece e até mesmo sacrifica certos pontos
de sua fé Ortodoxa. O mais importante na fé é esquecido e perdido. Todos o
Cristianismo não-Ortodoxo perdeu a Igreja. E os Ortodoxos entrando nesse
"movimento," o ecumenismo, não entendem que eles estão deixando a Igreja. A Igreja
não é um ajuntamento ou união de pequenos-crentes e pecadores, conduzidos por
"teólogos estudados." A Igreja é uma existência ou um mundo unificado
espiritualmente, um organismo Céu-e-terra, cuja Cabeça é o próprio Cristo. A Igreja
possui completa santidade e unidade. Os Apóstolos são seus líderes espirituais. Ela é
verdadeiramente universal, porque ela envolve o Céu e a terra. E nós, na terra, vivemos
nela, respiramos seu espírito, mas nela nós ainda somos "chamados." Sendo aceitos na
Igreja, nós somos os escolhidos, mas nós ainda não temos as vestes para entrar na
Câmara de Cristo. "Na verdade, eu contemplo Tua câmara adornada, e não possuo
manto para nela entrar." Nós ainda estamos em perigo de nos desviarmos do caminho,
como muitos e muitos já perderam esse caminho. Nós estamos na Igreja, mas nós
estamos entre aqueles "sendo salvos," não entre aqueles já salvos. E assim nós devemos
ser particularmente fiéis para com a Igreja, onde nós podemos receber ajuda dos
professores e irmãos celestes.

Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, que foi, é e será até o final do mundo.

Do conhecimento ao conhecimento de Deus.


"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem: não
trabalham nem fiam; E Eu vos digo que nem mesmo
Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer
deles" (Mt. 6:28-29).

"Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se


manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas
coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu
eterno poder como a sua divindade, se entendem, e
claramente se vêem pelas coisas que estão criadas"
(Rom. 1:19-20).

Nós usualmente usamos dons da natureza para satisfazer nossas necessidades diárias.
Ao mesmo tempo, às vezes, nós devemos nos defender contra as forças da natureza, e
até mesmo lutar contra elas. A ciência aplica toda a sua força no estudo da natureza.
Essa análise é quase que inteiramente dedicada à aplicação dos poderes e recursos da
natureza em uma maneira prática e utilitária. A melhoria estética das plantas também é
motivada pelo desejo egoísta de decorar nossos ambientes. O estudo da vida animal
parece não-lucrativo na maioria dos casos, com suas observações e testes científicos,
mas geralmente ele contém uma visão e aproximação materialista. Esse caráter utilitário
e terrestre de acessar a natureza em sua totalidade é olhado hoje em dia como completo,
inteligente e racional.

Mas, por certo, muitas pessoas não concordam com essa visão estreita e egoísta, nem
com sua influência insalubre na alam humana. Se a humanidade como um todo declara:
"Tudo é nosso," a moralidade individual tira sua própria conclusão: "Tudo à minha
frente é para mim," — e essa já é a razão para a violação de leis sociais e crimes. Essa é
uma conclusão simples e natural.

Nós, ao contrário, vivemos segundo noções Cristãs que são independentes dessa retórica
prática. A natureza em sua grandeza e plenitude permanece diante de nosso intelecto.
Ela é cheia de mistérios não resolvidos. Ela é cheia de razões, que em boa parte parecem
ser totalmente inacessíveis à mente humana. Até nos dias presentes, forças
desconhecidas são reveladas nos eventos mais comuns da natureza. O universo inteiro,
assim como suas partes, têm sua própria direção, coordenação e propósito. Está cheio de
razões.

Só resta para nós admitir que o universo não precisa dos humanos para tomar conta
dele. Ainda mais, nossas atividades são, com freqüência, uma violação dos seus direitos.
Em vastas áreas da terra áreas mortas ou construções sem vida tomaram o lugar de
vegetação viva.

Mas a grandeza da mão criativa de Deus vista na natureza, não é diminuída por isso.
"Os céus manifestam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de Suas mãos"
(Sl. 19:1). Por essa razão os mentores, padres e professores da Igreja, desde os tempos
antigos até tempos recentes, com freqüência dirigem nossa atenção para a natureza —
uma pregadora do poder, bondade e grandeza de Deus. Assim São Basílio em sua obra
"Seis Dias" descreve o nascimento do universo em toda sua diversidade, de acordo com
a descrição da Gênesis. Seu irmão, São Gregório, o Bispo de Nissa, seguiu no mesmo
assunto, de alguma forma suplementando e esclarecendo as palavras de Basílio, e em
parte, dando especial atenção à origem da humanidade. O Venerável João Damasceno
em sua obra dogmática "Exposição sobre a Fé Ortodoxa" incluiu até mesmo um
capítulo sobre os movimentos dos corpos celestes e sua formação geral, de acordo com
as idéias científicas de seu tempo. E o justo São João de Kronstadt não chamou-nos para
ver Deus na natureza em seu diário "Minha vida em Cristo," como também fez uma
longa série de sermões para seus paroquianos sobre a vida na natureza, de acordo com a
descrição dos seis dias da criação nas Escrituras.

Nós citaremos agora, como exemplo, várias passagens a respeito de vida de plantas e do
organismo humano do trabalho de São Gregório de Nissa "Sobre o Sistema Humano."

A respeito da natureza.

"Imaginemos um jardim. Um milhar de diferentes árvores e vários tipos de plantas


crescem ali, cada uma delas diferente em aparência, cor e qualidade de crescimento.
Tantas plantas em um só lugar, todas nutridas pela mesma mistura! Apesar da força da
mistura, enchendo cada uma delas ser a mesma em essência, ainda assim as plantas
usam a mistura de acordo com suas diferentes necessidades. Em absinto, a mistura
torna-se rançosa; em cicuta aquática, ela se torna um sumo venenoso; em outras —
açafrão, bálsamo, papoula — ela desenvolve outras qualidades: em uma — ela aquece,
em outra — ela refresca, numa terceira fica em algum lugar no meio... em louro, cravo e
plantas similares — ela é fragrante; no figo e na pêra — doce; na vinha ela torna-se uva
e vinho. O gosto da maçã, o vermelho da rosa, a brancura dos lírios, o azulado das
violetas, o púrpura do jacinto, e tudo que pode ser visto na terra, crescendo de uma e a
mesma mistura, difere em tantas variedades de aparência, construção e qualidades."

O santo bispo vê em tudo isso o miraculoso respirar da vida. Ele chama de ou "força da
vida," "mente," ou num certo sentido "alma." Essa última noção ele divide em três
categorias: "a alma nutridora de crescimento" no mundo das plantas, "alma sensitiva" no
mundo animal, e "alam racional" no homem. Há três estágios consecutivos
estreitamente ligados. E o homem, desde seu nascimento, passa através dos estágios
iniciais, antes que sua alma racional seja revelada completamente, ela que desde o início
já era parte de seu potencial.

Seguindo o pensamento do santo bispo, podemos acrescentar que as plantas têm os


elementos iniciais da "sensibilidade," por exemplo, para a luz, para calor, até para toque
estranho. Elas podem até ter a habilidade de reagir ao que elas "sentem," e também o
instinto de atrair atenção para si através de lado estético. Os botânicos podem, por certo,
nos contar muito sobre isso!

São Gregório então escreve sobre o homem:

"Um milagre similar é realizado pela natureza, ou melhor, pelo Senhor


da natureza, a nosso respeito como seres animados. Ossos, cartilagens,
vasos pulsantes de sangue, fibras musculares, ligamentos, o corpo em si,
pele, gorduras, cabelo, glândulas, unhas, sobrancelhas, ouvidos, e tudo
que é similar e, além disso, milhares de outras conexões diferindo umas
das outras por várias características — todas essas são nutridas pelo tipo
de alimento característico para a natureza delas, para que o alimento,
aproximando-se de cada um de seus membros se modifique
apropriadamente. Se for perto do olho, ele se dissolve nesse órgão de
visão e, de acordo com as características de cada parte do olho, se separa
para nutrir cada uma delas. Se se aproxima dos órgãos de audição, ele se
mistura com habilidade de ouvir; nos lábios, torna-se o lábio; nos ossos
ele se endurece; no tutano ele se amacia; ele muda para tensão nos
músculos, estica-se sobre a superfície na forma de pele, torna-se unha,
torna-se refinado o suficiente para produzir cabelo ondulado ou crespo se
ele vai na direção dos ventos, ou reto e longo se se move numa linha
reta."

Isso que foi dito há mais de 1500 anos atrás implora para ser suplementado pelo
conhecimento moderno. Hoje em dia temos a nossa disposição os resultados de tais
invenções do século XX, ou mais precisamente — das últimas décadas, que aparentam
ultrapassar os poderes da natureza: os humanos ultrapassaram a sabedoria escondida na
natureza e aperfeiçoaram suas bênçãos. Assim parece, ao menos superficialmente. Mas,
só precisamos olhar profundamente para dentro de nós mesmos para vermos que todas
as conquistas da cultura, incluindo o computador, se conformam aos dons iniciais de
Deus que nós carregamos dentro de nós e dos quais fazemos largo uso. Assim, em nosso
cérebro, nesse caso muito simples, nós temos um inumerável número de câmaras, onde
temos nossos próprios dicionários de várias línguas, se nós as tivermos apreendido;
livrarias em miniatura, formadas pelas notas de nossa memória; arquivos cheios com
material de nossa vida inteira; trabalhos vocais ou musicais memorizados ou gravados
em nossas almas; há um dispositivo fotográfico onde são guardadas inumeráveis fotos;
quando estamos sozinhos, temos em nós mesmos uma audiência e uma classe para auto-
instrução. O aparato de nosso cérebro nos dá a habilidade de reproduzir a qualquer
momento o conteúdo do discurso que nós tenhamos ouvido, ou obras vocais ou imagens
visuais que foram impressas lá. Nós mantemos em nossos cérebros as nossas riquezas
espirituais, mas também lá deixamos com freqüência lixo desnecessário. Tudo isso
pertence à nossa alma eterna, e o senhor e gerente dessa riqueza é nossa mente, nossa
razão, que é também a avaliadora de nossa coleção. Seu trabalho é controlar nosso
conteúdo espiritual, que é protegido de uma maneira inexplicável dentro do cérebro, um
órgão físico, com toda a vida circundante, com a ajuda de uma série de outros órgãos
físicos.

São Gregório sugere que suas leituras colocam mentalmente uma pessoa, como criação
de Deus, próxima da escultura ou pintura dessa pessoa: que diferença entre o poder
criativo de Deus e criatividade imitadora dos humanos! Então nós podemos perguntar,
junto com o santo, se todas as conquistas modernas de nossa mente podem ser
comparadas com a estrutura espiritual e física de nosso ser? Podemos comparar os atos
abundantes-de-vida do Deus incompreensível, o Uno Criador e Provedor, com as muitas
vezes sem vida, falsas e até mesmo mortas conquistas do gênio humano?

Sobre a composição e propósito do homem.

São Gregório nota que em seu tempo a questão se a alma ou o corpo tinha sido criado
primeiro foi objeto de "confusão nas igrejas." Em resposta a isso, ele nega o próprio
palavreado da questão. Nem o corpo sem a alma, nem a alma sem o corpo podem
existir: eles são simultâneos em origem. As outras duas opiniões são fábulas tanto
quanto o ensinamento sobre a transição da alma.

Todas três forças agem na natureza humana, como mencionado antes: o crescimento, o
sentimento, e o raciocínio. "Mas não são três almas. A verdadeira e perfeita alma é, em
essência, uma, inteligente e imaterial, unida através dos sentidos coma essência
material." "Como a perfeição da alma consiste no poder da mente e no dom da palavra,
então tudo que não é assim (na natureza) somente pode ser algo similar à alma, mas não
uma alma verdadeira, mas somente alguma atividade viva, comparável à alma."

"Onde se poderia supor que resida a parte controladora da alma? Alguns dizem que o
centro controlador da alma (a mente — Editor) está no coração. Outros alegam que a
mente habita no cérebro." Os primeiros argumentam que o coração é o centro do corpo
inteiro, razão pela qual o movimento voluntário é facilmente espalhado pelo corpo todo.
Os outros vêem o templo do raciocínio no cérebro, dizendo que a cabeça é construída
por natureza como uma fortaleza do corpo todo, com a mente residindo nela como um
rei, cercada pelas áreas dos sentidos nas camadas exteriores do cérebro, como seus
arautos e protetores.

"Eu também aceito que os sentimentos estão baseados nas camadas exteriores do
cérebro, ficando sobre o cérebro dentro da cabeça, de acordo com os cientistas. Por essa
razão o poder do pensamento da alma freqüentemente torna-se confuso; eu não nego
tais assertivas depois de ouvir aqueles que fizeram pesquisa anatômica... Nós também
não minimizamos o significado do coração... Mas paremos com o vazio falatório
daqueles que querem confinar a atividade pensante dentro de qualquer parte do corpo
como numa caixa... A alma e a mente pertencem ao corpo inteiro, à todos os seus
membros; as duas comandam o corpo também...Mas como o corpo é construído como
um instrumento musical, então, como com freqüência acontece na música, que os
profissionais não possam mostrar sua habilidade devido a falta de mérito dos
instrumentos — assim a mente, agindo ou no instrumento inteiro — o corpo, ou em
membros individuais, só consegue resultados quando os membros são encontrados em
seu próprio estado natural; mas se os membros do corpo não estão em seu estado
natural, então a mente fica sem sucesso e inativa."
O corpo e a alma, de acordo com a lei maior colocada pelo comando de Deus, possuem
um mútuo "ponto-de-partida," "de maneira que a pessoa não seja mais velha nem mais
nova do que si própria...."

Como dizemos que uma semente de trigo ou qualquer outra semente potencialmente
contém dentro de si tudo relativo ao seu futuro amadurecimento: folhas verdes, talo,
galhos e sementes, assim também podemos assumir que ambos elementos de um
organismo, o corpo e a alma, já estão presentes quando tudo está sendo esquadrinhado
para o início de vida de uma pessoa, com todas as suas características. A aparência
única de um indivíduo é baseada em suas qualidades iniciais. "Nós assumimos que o
que o (organismo) vivo procura dentro de si para servir para o início de sua vida não é
algo morto ou inanimado. O estado de morte resulta da perda da alma."

"Como o corpo cresce de sua menor para a sua altura total, assim a atividade espiritual
se desenvolve e é revelada numa pessoa, de acordo com o desenvolvimento do corpo.
No desenvolvimento inicial do corpo, há somente poder de crescimento na própria alma,
como alguma raiz escondida no solo... Mais tarde, quando essa planta vem para a luz e
mostra seu crescimento para o sol, o dom dos sentidos floresce. Quando essa planta
amadurece e atinge a altura apropriada, então ela começa a mostrar poderes de
raciocínio, como uma fruta, nem tudo ao mesmo tempo, mas crescendo rapidamente
com o crescimento de sua casca física, dando seu fruto de acordo com os poderes
individuais da pessoa."

A Imagem de Deus no homem.

Esse assunto é muito pertinente em nosso tempo, pelo fato de que, para alguns
representantes do pensamento teológico e filosófico russo, ele está ligado com as idéias
sofiológicas a respeito de uma presença feminina em Deus. Isso resulta de uma singular
interpretação de Gênesis 1:27: "E criou Deus o homem à Sua imagem; à imagem de
Deus o criou; macho e fêmea os criou." Aplicando o método de dedução reversa,
contrário às leis da lógica, para esse versículo da Escritura, algumas pessoas encontram
suporte para a idéia de uma misteriosa "Sofia," como faceta feminina em Deus.

"O que a palavra "imagem" significa? E como macho e fêmea coexistem nessa imagem,
quando eles não estão presentes em Deus como a Imagem Primária?" — lê-se no
cabeçalho do capítulo 16 do escrito acima mencionado do santo. Relataremos o
conteúdo desse e de capítulos seguintes em forma condensada.

Os pagãos costumavam dizer: "O homem é um pequeno mundo," consistindo dos


mesmos elementos que o universo. Mas usando esse grande nome eles não notavam que
estavam honrando o homem com as características do mosquito e do rato... Porque é tão
importante honrar o homem com a imagem e semelhança do mundo, quando o céu e
tudo no mundo passam com o tempo? De acordo com os ensinamentos da Igreja, a
grandeza do homem não está em sua semelhança com o mundo, mas sim em ser a
imagem do Criador de tudo.

O que a palavra "imagem" significa? Somente a Verdade pode explicar isso claramente.
Mas nós, tanto quanto podemos, pensamos nisso por conjectura e suposição.
De um lado, a patética pobreza da essência humana não pode ser comparada com a
abençoada impassividade da vida Divina; de outro lado, — o Verbo, dizendo essas
palavras a respeito da imagem de Deus no homem, não está mentindo. Porque a
essência Divina é abençoada, enquanto a humana é calamitosa, se no Santo Escrito o
humano é considerado comparável ao Divino? Examinemos precisamente as palavras. É
dito: "Façamos o homem à Nossa imagem, conforme à Nossa semelhança;... E criou
Deus o homem à Sua imagem; à imagem de Deus o criou." A criação é completada de
acordo com a imagem de Deus. Então essas palavras são repetidas, dizendo "macho e
fêmea os criou," o que parece ser singular em relação à noção usual de Deus. Por essa
razão a estrutura de nossa natureza é, de certa forma, dupla: uma é comparável à
natureza de Deus, e a outra é diferente, sendo dividida em dois sexos... "Pois eu penso,
que algum dogma grande e elevado está relacionado através das Sagradas Escrituras
com o que é dito, e é o seguinte: a natureza humana está posicionada no meio das duas
naturezas extremas, a natureza Divina — incorporal, e a vida silenciosa — muda e
bestial; da Divina — verbosidade e raciocínio; da muda — a estrutura física, com a
divisão entre macho e fêmea..." "Que ninguém fique bravo comigo pelo pensamento
que se segue. Deus, por Sua essência, contem todo o bem que pode ser imaginado ou
compreendido. Ele só criou o homem porque Ele é bom..., e o provê com graças que
não faltam. E a palavra de Deus, unificando todo o bem dado para o homem, indica isso
sucintamente: o homem foi criado "na imagem de Deus." Se a Divindade é a plenitude
das bênçãos, e o homem é a Sua imagem, então somos capazes de tudo que é
maravilhoso, de qualquer virtude e sabedoria; e uma dessas bênçãos é liberdade, porque
virtude é algo que não pode ser subjugado, mas permanece livre sempre." Toda a
humanidade tem essas excelentes qualidades, apesar de chamada coletivamente, na
pessoa do primeiro homem, "Adão" ("alguém tomado da terra"). O que é forçado e
compelido não pode ser virtuoso.

O santo responde a pergunta seguinte com grande cautela: porque o presente método de
reprodução foi escolhido para a humanidade, e não um que "teria nos assemelhado aos
anjos?" "Nossa opinião é a seguinte," responde ele, dando a seguinte razão: "Como o
Criador viu com Sua "visão-percebedora-de-tudo" que a escolha humana não conduziria
a humanidade para sua predestinada perfeição por um caminho reto, e por conseqüência
ela se afastaria da vida Angélica, então, para que o número de almas humanas não
permanecesse pequeno pela perda daquela habilidade pela qual os anjos crescem em
número, — o Criador proveu o homem com outro método de reprodução, uma que se
adaptasse melhor aos pecadores, fazendo esse método de sucessão mais parecido com o
das bestas e sem sentido. É por essa razão, me parece, que o grande Davi, se apiedando
da pobreza do homem, clama sobre a natureza humana com as seguintes palavras: "O
homem que está em honra, e não tem entendimento, é semelhante aos animais, que
perecem" (Sl. 48-20).

"Eu penso," — continua São Gregório, — que todas as paixões brotam dessa fonte,
inundando nossa vida inteira... Amor pelo prazer, tendo um início como animal, ganhou
poder na vida humana através da assistência dos pensamentos. Daí vieram, vingança,
inveja, falsidade, más intenções, hipocrisia. Todos esses, rebentos das más intenções da
mente. Mas, ao contrário, se a razão toma poder sobre esses movimentos, então cada um
deles se torna em uma virtude. Assim, irritabilidade se torna coragem, timidez —
cautela, medo — obediência, ódio—repugnância pelos vícios, poder do amor —desejo
pelo verdadeiramente dignificado, e grandeza de disposição (conhecimento do próprio
valor) —eleva acima das paixões... Assim o grande Apóstolo nos ordena a estarmos
continuamente "pensando nas coisas de cima" (Coloss. 3:2). Então a elevação dos
pensamentos se ajustará à beleza daquilo que é a imagem de Deus. Aqueles em quem a
beleza inicial não desvaneceu são uma confirmação viva da verdade do que foi dito, que
o homem foi criado com a semelhança de Deus."

Deus, Que governa tudo, também previu que a raça humana conquistaria algum dia uma
certa plenitude, e então esse método de regeneração terminará. O tempo terminará
também, e o universo inteiro será renovado. Com essa mudança, a humanidade passará
de finita e terrestre para vida livre de paixões e eterna quando as trombetas da
ressurreição soarão.

Assim, apesar do homem pecar depois da queda do céu, ele ainda mantém a imagem de
Deus. Sua mente ainda tem os traços de sua Imagem Original. "Como Deus é mais
maravilhoso que e superior a todo bem possível, a mente é decorada com a semelhança
da beleza prototípica, como um espelho refletindo o que está diante dele. Então a
natureza espiritual inteira adere à mente e é ela mesma embelezada por similar beleza,
tornando-se como um espelho refletindo outro espelho; dessa maneira o lado material
também é protegido e mantido. Assim, "enquanto um mantém o outro, a verdadeira
beleza é comensuravelmente refletida em tudo; o que decora o mais alto imediatamente
embeleza o mais baixo. Mas quando essa boa união é anulada, ou quando o mais alto
segue o mais baixo, então, quando essa matéria mais baixa parte de sua norma, sua não-
imagem é revelada (porque a matéria sozinha não tem imagem e nem estrutura). Então,
através dessa falta de imagem a beleza da natureza, previamente realçada pela mente, é
estragada. Então a impureza é transferida para a própria mente, de modo que a imagem
de Deus não pode mais ser vista nos traços da criação (homem). A mente,
permanecendo em si uma imagem da divindade, agora como um espelho estilhaçado,
não reflete mais os belos traços da divindade, mas reflete a feiúra da matéria. Assim,
pelo cancelamento do adorável, o maligno é introduzido."

"Nós, de outro lado, temendo tal desastroso resultado," — conclui o santo, — "ouvindo
o chamado do Apóstolo Paulo: "... pois que já vos despistes do velho homem com os
seus feitos. E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a
imagem Daquele Que o criou" (Coloss. 3:9-10), — retornemos para aquela divindade
como a de Deus, com a qual Deus criou o homem no início, dizendo: "Façamos o
homem à Nossa imagem, conforme à Nossa semelhança."

Quando nos familiarizamos com as obras dos santos padres, particularmente com os dos
séculos IV e V, nós só podemos nos inclinar diante da maneira pela qual os padres da
Igreja conheciam perfeitamente e empregavam seu conhecimento das Sagradas
Escrituras. De outro lado, só podemos nos maravilhar com o grande conhecimento das
ciências de seu tempo que eles possuíam, incluindo história, ciências naturais (como no
exemplo acima), filosofia e até mesmo mitologia pagã (como São Gregório o Teólogo),
na extensão que elas contribuíam para a formação da visão Cristã do mundo. Os curtos
excertos dados do trabalho de São Gregório de Nissa, por certo, não mostram em que
detalhe ele examinou a estrutura anatômica do organismo humano e todos os seus
órgãos, correspondendo ao conhecimento de seu tempo. Ele fez isso para mostrar as
condições favoráveis que se tem para atender ao chamado de "ser um amigo de Deus,"
como o profeta Davi é chamado na Gênesis, e para manter sua régia posição na terra.
O presente é muito diferente. Os diretores modernos da consciência humana se
aproximam da psique de uma pessoa da mesma maneira que a natureza é tratada hoje
em dia — com uma mente prática e de negócios. O presente estado é aceito como o
requerido, norma perfeita, só capaz de desvio para um lado ou para outro. A psicologia
experimental moderna foca o estudo dos vários desvios, subnormais e, talvez, estados
espirituais artificiais. Daí o estudo da psicologia do subconsciente, suas fontes obscuras,
esferas sombrias, expresso em sonhos ou tendências psicossomáticas semiconscientes.
Não há menção de psicologia como uma ferramenta educacional para elevação moral
dos humanos. A história manteve a memória de gênios humanos, fornecendo um rico
material para a psicologia, assim como para a análise e esclarecimento da boa ou má
condição da perfeição espiritual de uma pessoa. Uma ligação da psicologia moderna
com a religião seria ainda menos provável que existisse. A literatura artística moderna
está conduzindo para o mesmo caminho decadente.

Nossa época já se revelou totalmente. Não virá logo uma nova época, revelando poderes
espirituais para reinstalar a união do conhecimento científico com a fé Cristã para criar
uma visão unificada do mundo, os primeiros passos para a qual foram dados pelos
padres da Igreja? Ou fé e ciência continuarão seus caminhos separados?

A Igreja na Sabedoria Providencial.


1. "A Igreja nos ensina" — o que isso significa?

Como deveríamos entender a expressão "A Igreja ensina." Eu fui batizado, eu sou um
membro e parte da Igreja. Isso significa que eu também participo na autoconsciência da
Igreja? E ainda mais, "nós," tomados juntos, participando nos ofícios, apreendendo a
Lei de Deus, não somos os locutores da consciência geral da Igreja? Onde está essa
Igreja "que ensina," na qual nós deveríamos procurar instrução?

Tentemos responder essa questão.

Para isso, consideremos o que é a Igreja de Cristo em sua plenitude. Não esqueçamos
que a Igreja é uma santa parte do mundo de Deus. Nós não podemos sequer imaginar a
vastidão da Igreja e a profundidade de seu conteúdo espiritual. Nós não somos mais do
que partes temporárias da Igreja terrestre, com freqüência desviadas por cuidados
mundanos. Poderíamos nós facilmente atingir o nível espiritual que nos capacitaria
perceber a plenitude da vida da Igreja? Por essa razão nós procuramos orientação dos
santos padres da Igreja de todas as épocas. Todos esses santos padres tiveram um
consenso geral com relação à fé. E nós vemos que nenhum deles ensinou nada sobre fé
que fosse diretamente deles, mas participaram da fonte da Igreja. O que é essa fonte?
Ela consiste de duas partes: 1) as Escrituras do Velho Testamento e 2) o Novo
Testamento, o Evangelho de Cristo e Seus santos apóstolos.

Cada um de nós é um cidadão de seu pais, mas cada um de nós conhece todo território
de seu pais, seu conteúdo, suas necessidades, todas as suas leis? Nem nós deveríamos
simplificar nossa visão da Igreja, a catolicidade da qual é expressa não só na unidade de
seus membros celestes e terrestres, mas também na plenitude de seus mistérios, alguns
dos quais são abertos e acessíveis para nós, e alguns são completamente desconhecidos.
Nós devemos admitir que quando pessoas, muito seguras de si, consideram-se com
poderes para acrescentar aos ensinamentos da Igreja, através de suas considerações
filosóficas ou pessoais, isso só mostra que eles não conhecem a Igreja. Ou eles não
admitem que a Igreja tem uma resposta pronta para o que eles estão procurando, ou eles
estão invadindo áreas em que até os anjos temem se intrometer.

Um exemplo dessa injustificável autoconfiança, ligada com uma falta de conhecimento


dos ensinamentos da Igreja, pode ser visto nos inaceitáveis ensinamentos de um grupo
de filósofos russos sobre "Sofia — a Sabedoria de Deus," considerada como uma
mediadora entre Deus e o mundo nos atos providenciais de Deus. Nós deveríamos estar
cientes, portanto, do verdadeiro ensinamento sobre a Sapientíssima Providência de
Deus.

2. A Sábia e Toda-Abarcante Providência de Deus.

A majestosa plenitude dos atos providenciais de Deus nesse mundo é revelada


seqüencialmente de duas formas: 1) O Velho Testamento afirma que o universo inteiro
é preservado na "mão direita" de Deus; 2) O Novo Testamento mostra a mais alta e mais
perfeita expressão da sabedoria e amor de Deus na Encarnação do Filho de Deus para a
salvação do mundo e sua transfiguração no Reino de Glória.

Nesse conclusivo significado, expressamente do Novo Testamento, Sabedoria é o


nome dado para o Senhor Jesus Cristo. "... e os gregos buscam sabedoria; — escreve o
Apóstolo Paulo — Mas nós pregamos a Cristo crucificado... Cristo, poder de Deus, e
sabedoria de Deus."— "Todavia falamos sabedoria entre os perfeitos; não porém a
sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo que se aniquilam. Mas falamos
a sabedoria de Deus oculta em mistério,... a qual nenhum dos príncipes desse mundo
conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam o Senhor da glória. Mas
como está escrito: as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao
coração do homem, são as que Deus preparou para os que O amam (I Cor. trechos
capítulos 1 e 2). Desse modo aparente, aberto, ou de modo misterioso e escondido, tudo
está unido dentro de uma todo-abarcante Sabedoria de Deus. E a Igreja firme e
diretamente prega ser nosso Salvador a Sabedoria Personificada: "Nem de sabedoria ou
poder ou riqueza nós nos orgulhamos, mas de Ti, a faceta de sabedoria do Pai, ó
Cristo!" (Irmos 3, Cânon do tom IV).

Nós ainda temos que considerar a imagem da sabedoria do Velho Testamento mais
atentamente, porque a época presente tenta introduzir algo novo, também sob o nome de
"Sabedoria," na fé Ortodoxa.

A primeira página da Gênesis, relatando a criação do mundo, nos oferece o suficiente


para pararmos de procurar por alguma independente sabedoria mundana fora da Tri-
facetada sabedoria de Deus. O salmo 103(104) seria suficiente, mesmo que só nas
primeiras linhas e última linha: "Senhor meu Deus, Tu és infinitamente grande! De
majestade e esplendor Tu Te revestes... Feitas todas com sabedoria!"

O salmo 138(139) apresenta maravilhosamente a consciência de um simples homem de


fé, cuja alma está inteiramente imersa na providência de Deus:

Senhor, tu me sondaste e me conheces.


Tu conheces o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu
pensamento.

Cercas o meu andar e o meu deitar; e conheces todos os meus caminhos.

Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo
conheces.

Tu me cercaste em volta e puseste sobre mim a tua mão.

Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta, que não a posso
atingir.

Para onde me irei do teu Espírito ou para onde fugirei da tua face?

Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali
estás também;

se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar,

até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá.

Se disser: decerto que as trevas me encobrirão; então, a noite será luz à


roda de mim.

Nem ainda as trevas me escondem de ti; mas a noite resplandece como o


dia; as trevas e a luz são para ti a mesma coisa.

Pois possuíste o meu interior; entreteceste-me no ventre de minha mãe.

Eu te louvarei, porque de um modo terrível e tão maravilhoso fui


formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito
bem.

Os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e


entretecido como nas profundezas da terra.

Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe, e no teu livro todas
estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas,
quando nem ainda uma delas havia.

E quão preciosos são para mim, ó Deus, os teus pensamentos! Quão


grande é a soma deles!

A representação da Providência de Deus no Velho Testamento é universalmente Cristã.


E deve-se admitir que esses sentimentos são antigos, genuínos e percebidos com
frescor. A Providência de Deus nos escritos do Velho Testamento é freqüentemente
apresentada através de imagens vivas, através de alegorias e personificações, porque a
própria vida é o assunto. Os mesmos métodos são usados em literatura artística, e até
mesmo em nossa conversa normal. .
Entre os livros do Velho Testamento, dois em particular se referem com abundância à
sabedoria. Esses livros são o de Provérbios e o da Sabedoria de Salomão. Personificação
é largamente aplicada neles, dando ao leitor a oportunidade de imaginar a sabedoria das
Escrituras como personificada. Mas, de fato, imaginário é o método mais comum de se
expressar os pensamentos.

Alegoria está presente em nosso falar o tempo todo: o clima está "enganoso," a vista
está "falhando," os feriados estão "se aproximando" e assim por diante. Personificação é
a técnica artística geral. "Porque, obscuros bosques, porque estais pensativos?
Escurecidos com tristeza?" "Nuvens do céu, eternas peregrinas! Correndo pelas estepes
azuladas como uma cadeia de pérolas, o mesmo que eu, desterradas, do amado norte
para as terras do sul" (M. Lermontov) " Minhas campânulas, flores das estepes? Porque
vós, azuladas, olhais para mim? (Canção folclórica russa).

Em adição, o autor do livro de Provérbios faz um alerta nas primeiras palavras de que
ele está escrevendo principalmente para os "jovens" e para os "simples," esperando que
p leitor seja capaz de "compreender as parábolas ali," isto é, alegoria, "discurso
intrincado com seus enigmas."

Ao mesmo tempo o autor definitivamente afirma que ele está falando da Divina fonte da
Providência presente no mundo. Assim nós temos o direito de relatar excertos separados
dos dois livros mencionados para outros, onde o pensamento do Velho Testamento
eleva-se para a vinda do Salvador para o mundo como a mais alta expressão da
Providência de Deus.

A sabedoria humana também é louvada nesses livros, se ela está unida com a
sensitividade moral, porque então ela também tem a Divina Sabedoria como sua fonte.

3. Sabedoria não é um ser pessoal.

Sabedoria é uma qualidade, um atributo da personalidade, em outras palavras — uma


noção abstrata. A qualidade não é um objeto ou entidade real. A gramática escolar nos
ensina, que somente aquelas palavras que na sua origem são substantivos, denotam
objetos reais: o mar, o céu, a terra, a árvore, a colina. mas aquelas que historicamente
derivaram de adjetivos, verbos ou números: uma viagem, um descanso, uma limpeza,
uma década, um século — são idéias sem existência pessoal, requerendo outras palavras
que as carreguem. Nós chamamos essas palavras de abstratas, em contraste com as
palavras do primeiro tipo — as concretas, que representam objetos ou pessoas
específicas, ao menos em nossa imaginação. Os sofiologistas provavelmente conhecem
isso tudo melhor do que nós. Dessas idéias e palavras abstratas, derivadas de adjetivos e
verbos, o politeísmo criou todo um mundo imaginário. Sabedoria, amor, coragem,
beleza masculina, feminilidade, comércio, fertilidade — tornaram-se deuses e deusas.
Existe algo real ou pessoal por detrás dessas idéias? Nada e ninguém, somente vazio.
Tal foi a religião do mundo greco-romano.

Cada objeto e cada ser vivo tem seu próprio e grande numero de características,
atributos e diferenças. Sabedoria em si é só um atributo, ela pode ser completa, como a
sabedoria de Deus, ou limitada, como na criação. Ambas as formas são apresentadas no
Livro de Provérbios. Se sabedoria tem certo número de atributos ligados a ela, isso não
significa que ela é a única proprietária deles, ela é só uma entre outros, cada um deles
tendo seu próprio nome, enquanto o grupo todo de atributos tem seu próprio
carregador geral sob seu próprio nome. Talvez por isso os sofiologistas acrescentam
o nome "Sofia" a "Sabedoria," como se a primeira carregasse a segunda como um
atributo. Mas isso, de fato, é pura tautologia (redundância), quando coisas idênticas são
nomeadas com duas palavras. O nome não eleva o conteúdo daquilo no qual é aplicado.

Qual é a questão então? Não estão os sofiologistas usando nomes das Escrituras para
introduzir conceitos substanciais e concretos estranhos às verdades das Escrituras e
Cristãs?

Que afastamento da visão Cristã do mundo!

Como tudo isso é contrário à própria idéia monoteísta das Escrituras! Não há nada em
comum entre monoteísmo e politeísmo na própria essência deles, assim como entre fé e
ateísmo. A essência toda da religião do uma vez escolhido povo de Deus, o inteiro ardor
dos discursos proféticos, das exortações, das ameaças, dos gritos de dor espiritual,
foram feitos direta e precisamente na batalha com esse "culto de vida" pagão, com o
culto do "inicio ancestral da vida," em sua forma mais baixa, e foi isto que formou o
espírito do politeísmo em diferentes variações. A religião das Escrituras é
completamente livre desse elemento. Ela vê todas as tragédias das pessoas e a história
toda delas do ponto-de-vista de sua queda por conta das idéias básicas pagãs e por conta
das orgias desses cultos conectadas com eles. Os profetas previram e explicaram a
destruição do estado, os problemas das nações, como uma direta punição pelo
afastamento da pura moral do monoteísmo, pela traição à Deus.

Devemos falar desse tema em conexão com o Cristianismo?

O primeiro nascimento de uma pessoa, isto é, a criação de Eva da costela de Adão, de


acordo com o livro da Gênesis, não foi um nascimento "sem uma esposa" sem
propósito. O Cristianismo recebeu seu começo do mesmo modo: a encarnação do Filho
de Deus "sem marido."

Em resposta nós temos oferecida a seguinte citação do primeiro capítulo das Escrituras:
"... à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou." Disso deriva uma conclusão
reversa: que o que foi estabelecido na natureza humana, é também característica da
natureza Divina. Mas tal conclusão é uma violação da lei elementar da lógica — uma
conclusão reversa por analogia. Eu vejo claramente num espelho polido: mas eu não
posso deduzir daí que minha face também é polida e brilhante, como o espelho. O
Apóstolo escreve dos pagãos: "... em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração
insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória
do Deus incorruptível em semelhança do homem corruptível, e de aves, e de
quadrúpedes, e de répteis (Rom. 1:21-23). Temos que imitá-los?

Só podemos louvar Deus pela sábia ordem sobre a terra. Pela Sabedoria de Deus, pela
corrente de inumeráveis nascimentos, pela junção dos elementos macho e fêmea da
criação, incontáveis variações de formas, tipos e aparências foram realizadas na terra.
Uma mudança de gerações é criada através dessas condições, uma plenitude e harmonia
do todo, e tal riqueza de individualidades que não existem, não existiram nem existirão
duas pessoas completamente iguais, nem mesmo duas árvores são iguais como duas
gotas de água. Mas a sabedoria de Deus colocou a lei de reprodução através da união
física de duas criaturas de um só tipo, dando a elas as correspondentes variações na
estrutura corporal. E não somente diferenças na forma foram realizadas. Ainda mais:
uma família foi formada, a célula básica da sociedade humana. Mas, ai de mim! Eles
estão agora até mesmo tentando destruir a família... Mas somente na família, desde a
infância, as pessoas apreendem a amar e não egoisticamente servir uns aos outros!

4. Sofia como "a alma do mundo"? Um "elemento feminino" em Deus?

Quando os sofiologistas usam uma linguagem mais simples, eles nos revelam que eles
significam que a "alma do mundo" é a carregadora da sabedoria.

Essa é outra questão inteiramente. Deve-se reconhecer desde o início que a idéia de
alma do mundo é completamente estranha ao Cristianismo e às Escrituras. Os
sofiologistas deveriam parar suas tentativas de encontrar apoio nas Escrituras e, ao
invés, Cristianizar suas idéias.

Na realidade, os perpetradores da idéia de uma alma do mundo seguem diferentes


caminhos: ou eles terminam com a filosofia pré-Cristã, ou emprestam a idéia do
Gnosticismo ou diretamente do paganismo.

O Cristianismo rejeitou abertamente esse ensinamento, bem como o Gnosticismo, há


muito tempo atrás, depois de tentativas de introduzi-lo na consciência Cristã.

Porque essa idéia existiu no Cristianismo em algum tempo?

A alma é o próprio cerne de qualquer coisa, inerente e incorporada num ser. Daí segue,
então, que todas as ocorrências negativas na vida do mundo, dos humanos, de todos os
seres conscientes, todo o mal que existe, seria falta ou culpa da alma do mundo. De
outra forma, que tipo de alma do mundo ela seria, se só tivesse responsabilidade pelos
elementos positivos do mundo? Não, ela sofreria sob o grande peso do mal, impotente
para reviver seu corpo todo-abarcante. A humanidade precisa dela talvez, para que as
pessoas possam por ao largo suas responsabilidades pessoais? Tal tentação é desonesta,
vã, e, na verdade, fútil!

Se essa alma é para ser imaginada uma criação Divina, ideal, pura, um "anjo-protetor"
do mundo (existe esse ponto-de-vista também), então, na presença da Divina
Providência, o que ela dá para o mundo?

E aqui, ao invés de uma resposta, nós encontramos outro, um mais profundo oculto
motivo do sofianismo. Eles dizem que há algo que está faltando no ensinamento da
Igreja sobre o mundo, nomeadamente, falta o elemento feminino largamente encontrado
na natureza. Aqui a discussão reverte para o próprio início da existência. Nós podemos
também ver claramente a queda da moderna visão do mundo Cristã no pântano de
antigas idéias e cultos politeístas pagãos. Tendo sido estudados nos tempos modernos
em detalhes, os antigos cultos estão completamente revelados para nós, falando
abertamente, tão claramente obscenos e nefandos, atraindo em parte a atenção e sendo
cultivado por escritores modernos. Por certo, só a idéia pura é extraída deles pelos
sofiologistas: a idéia da plenitude da estrutura do mundo, a "plenitude de vida,"
expressa pela presença dos dois componentes principais do mundo vivo: o macho e a
fêmea. E já que, de acordo com visões modernas não da Igreja, o Cristianismo é
somente um dos numerosos sistemas religiosos, então, por seu papel de liderança do
Cristianismo, a idéia é suplementar o ensinamento da Igreja com a idéia purificada da
"fonte feminina" como um poder ativo no mundo.

Mas nós ousamos não aplicar as leis da vida, implementadas somente na terra, para o
reino da Divindade e do celeste, para o reino dos anjos e outros seres incorporais!

Sofia como "A Quarta Faceta"? Responderemos curtamente.

Se imaginamos ser ela uma faceta da Una Divindade, então não há lugar para ela no
Cristianismo, mesmo nas formas Cristãs completamente afastadas da Ortodoxia. Há
Cristãos que não confessam a Santíssima Trindade, mas não há nenhum que confesse
um Quarteto.

E ainda que ela fosse uma "faceta física," "então ela só poderia ser a primeira, dando
inicio para um incontável número de outros seres físicos, em outras palavras: faces,
indivíduos. Eles não podem pretender que a existência dela absorva todas as
personalidades abaixo dela, incluindo nós!?

5. A vida do Mundo no Espírito Santo.

O mundo humano vive num estado de pecado.

E de fato toda "a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa
do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da
servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus" (Rom. 8: 20-21).

Mas a misericórdia, bondade, amor, caridade, e amor pelo homem de Deus não têm
limites. Nem no Verbo de Deus, nem na fé da Igreja Ortodoxa há a mais leve insinuação
de alguma coletiva, unificadora, e ao mesmo tempo individual, "alma do mundo."
"Toda alma, todo ser que respira, é vivificado pelo Espírito Santo." O salmo 50(51), um
produto do Velho Testamento, um companheiro perpétuo das orações Cristãs,
testemunha a eterna fé no Santo Espírito de Deus, presente no mundo e o fiel diz: "Não
me lances fora da Tua presença e não retires de mim o Teu Espírito Santo. Torna a
dar-me a alegria da Tua salvação, e sustem-me com um espírito voluntário." Nós
oramos com essas palavras desse salmo.

O autor do livro "A Sabedoria de Salomão" assim confessa a sua fé: "E o Teu projeto,
quem poderia conhecê-lo, se não lhes desses sabedoria e se das alturas não enviasses o
Teu Espírito Santo? (9:17) Por isso orei, e a prudência me foi dada; implorei ( à Deus)
e me veio o espírito de sabedoria....(7:7) Tudo o que está oculto e tudo que se vê eu
conheço, pois a sabedoria, artífice de todas as coisas me ensinou. Pois há nela um
espírito inteligente e santo, único, múltiplo(não como "espírito"—criação, mas como o
"sopro do poder de Deus," como reflexo da eterna luze o puro espelho das ações de
Deus e a imagem da Sua graça—páginas seguintes), sutil, vivo, claro, sem mancha,
invulnerável, amante do bem, penetrante, benfazejo, humanitário, constante, seguro,
sem inquietações, que tudo pode, que tudo supervisiona, e penetra todos os espíritos, os
inteligentes, os puros, os mais sutis." "E o Teu projeto, quem poderia conhecê-lo, se
não lhes desses sabedoria e se das alturas não enviasses Teu Santo Espírito? (7: 21-23;
9-17). "Teu Espírito incorruptível está em todas as coisas" (12:1).

Protegendo-se e à sua nação de idéias politeístas diabólicas, os lideres espirituais da


nação hebraica mantiveram firmemente as idéias do monoteísmo> Porém mesmo no
Velho Testamento a idéia da mística Existência do Verbo no Pai, a noção do Espírito
Santo como o Doador-de-vida, assim como a idéia da Trindade apareceram entre o povo
escolhido.

A sabedoria é inerente em todas as três Facetas da Santíssima Trindade. O Cristianismo


prega "Cristo — Poder e Sabedoria De Deus." Porém a sabedoria é contemplada no
Espírito Santo como doadora-de-vida, poder ativo eternamente no mundo, e como a
fonte da Divina graça e santidade.

Não há diferença por conta do gênero gramatical que é usado para expressar as noções
da fé Cristã. Isso só tem a ver com as características de uma língua ou outra. Por
exemplo, a palavra "Espírito" na língua grega é do gênero neutro. E na Rússia, todos os
nomes "qualitativos," não relacionados com objetos concretos, são expressos no gênero
feminino.

O autor do livro do Velho Testamento "Sabedoria de Salomão," como ele mesmo


testemunhou, amou a sabedoria que emana do Espírito Santo, "mais do que a saúde e
beleza" (7:10). Porque não deveríamos nós, membros da Igreja de Cristo, reconhecer o
Espírito Santo como a Fonte de vida Universal: "Porquanto, partindo da grandeza e da
beleza das criaturas, chega-se a contemplar, por analogia, Aquele Que lhes deu origem"
(13:5).

Os ofícios da Igreja Ortodoxa são cheios de glorificação do Pai e do Filho e do Espírito


Santo em uma Essência. A glorificação é encontrada na exclamação que conclui todas
as litanias, e na conclusão de quase todas as orações. Todos os mistérios da são
realizados pelo poder do Espírito Santo. Começamos nossas orações endereçando-nos
ao Espírito Santo. Imediatamente após o batismo nós recebemos o selo do Espírito
Santo. A Igreja canta o poder doador-de-vida do Espírito Santo em curtos hinos nas
Matinas de domingo, que são parte da Vigília de toda noite, nas assim chamadas
antífonas anavatmi (ou hinos de ascensão). "Pelo Espírito Santo toda santidade e
sabedoria é observada...." "Na verdade glória e honra tornam-se o Espírito Santo," "Na
verdade, todas as riquezas de honra são do Espírito Santo. E Dele é também a graça e a
vida por toda criação. Por isso, Ele deve ser louvado..." "Na verdade, toda a criação é
regenerada pelo Espírito Santo" "Na verdade, pelo Espírito Santo todo ser divino vê e
profere coisas a acontecer, e realiza maravilhas celestes" "Na verdade, todos viverão"
"Na verdade, o Espírito Santo flui com correntes de graça, e irriga toda criação com
vida refrescante" "No Espírito Santo está a fonte de tesouros divinos; pois Dele vem a
sabedoria, temor e compreensão" " Pelo Espírito Santo toda criação visível e invisível é
preservada, pois Ele é o Criador de toda essência da criação" "Nele toda a criação vive e
se move" — "pois através Dele toda coisa viva respira" " Na verdade, através do
Espírito Santo todos são feitos divinos; e Nele está o prazer, compreensão, segurança e
bênção" "Na verdade, o Espírito Santo tem poder sobre tudo; a Ele todas as hostes
celestes adoram, assim como tudo que respira aqui embaixo. Para Ele, portanto seja a
glória, poder e honra." " Pela abundância dos dons, pelas riquezas da glória, e
profundidade das grandes prescrições — na verdade, o Espírito Santo é a Causa de tudo,
e contém em Si a harmonia da segurança. E o Espírito, Que igual a Eles em aparência e
no trono, Se mostrou do Pai da mesma forma."

Não há brecha! Não há espaço para uma "alma do mundo"!

A Igreja nos ensina essa visão do mundo. A Igreja vive no Espírito Santo, e o Espírito
Santo a preside. Os pensamentos em forma de oração sobre o Espírito são construídos
de modo tal que nós venhamos a compreender essa constante presença do Espírito nos
fiéis e entre os fiéis. Nós sempre pedimos por uma renovação de Sua proximidade
conosco.

Vida na Fé.

D
" eus é luz, e não há Nele trevas nenhumas" (1 Jo. 1:5). Porque Deus é chamado de
Luz? Claramente, ela representa a perfeição de Deus: perfeita Benevolência, em
perfeita Pureza, perfeita Santidade, perfeita Verdade, perfeita Bondade e Amor, unidos
com Bem-aventurança, perfeito Poder criativo, perfeita Contemplação, perfeita
Consideração e Liderança para o mundo.

De acordo com os Padres da Igreja, Luz não é a essência de Deus, é a plenitude de Seus
atributos e a expressão deles. E o cantor-de-Salmos expressa a manifestação desses
atributos no salmo 103(104), com as palavras: "Tu Te revestes de luz como de um
manto."

São Gregório o Teólogo ensina:

"Deus é Luz, o Altíssimo, Inaproximável, Indescritível, e


Incompreensível para a mente e inexprimível em palavras" (Palavras
sobre a Santa Epifania). "Portanto Divindade por Sua essência é
inominável... Os mais sábios e mais antigos dos judeus não podiam
tolerar ter o nome de Deus e os nomes das criaturas escritos se usando o
mesmo alfabeto. Nem eles ousavam pronunciar o próprio nome do Ser
preeterno e uno. Somente de alguns modos pode-se aplicar a palavra
"Sou" para Ele, não só porque Ele Que falou para Moises Se chamou
assim, e porque Ele ordenou a Moises a contar para o povo: Eu
Sou(Jehovah) me enviou a vós" (Êxodo 3:14)... mas também porque não
houve e não haverá nenhum limite ou fim para Ele (Palavra 30, 4ª sobre
teologia).

Nós vimos a verdadeira Luz.


O brilho de Deus emana sobre o mundo. Ele desce e penetra nas almas humanas. Nós
ousamos pensar que ele penetra não só nas almas dos Cristãos, mas também nas almas
daqueles que desejam ardentemente pelo alto, que têm sede pelo conhecimento de Deus.

É importante lembrar que as palavras "luz de fé" não são meramente um "símbolo" da
experiência da fé. Elas expressam a genuína iluminação ou brilho da alma. O mesmo
São Gregório o Teólogo nos dá os seguintes exemplos dessa fé, expressos nos salmos
do Velho Testamento, em suas palavras sobre a festa da Epifania ("a Festa das Luzes"):

"... alumia os meus olhos para que eu não adormeça na morte; (Sl. 12[13]: 3).

"A luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração (Sl. 96[97]: 11).

"Tu és mais ilustre e glorioso do que os montes de presa (Sl. 75[76]: 4).

"O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? (Sl. 26[27]: 1).

"Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem (Sl 42[43]: 3).

"... Senhor, exalta sobre nós a luz do teu rosto (Sl. 4: 6).

"...na tua luz veremos a luz (Sl. 36[37]: 9).

Na Igreja do Novo Testamento essa luz é mais forte e mais abundante. Ela foi
profetizada pelo profeta Isaias: " E será a luz da lua como a luz do sol, e a luz do sol
sete vezes maior, como a luz de sete dias, no dia em que o Senhor ligar a quebradura de
Seu povo, e curar a chaga de sua ferida" (30: 26)... E também: "Levanta-Te,
resplandece, porque já vem a tua luz, e a glória do Senhor vai nascendo sobre ti... E as
nações caminharão à tua luz (60: 1 e 3).

A realização da profecia de Isaias é notada nas primeiras linhas do Evangelho,


particularmente no Evangelho de São João, na primeira leitura da Páscoa, que é o início
das leituras Litúrgicas Anuais do Evangelho. Nessa leitura, as palavras sobre o
aparecimento da Luz no mundo são repetidas seis vezes, como que proclamando a luz
do amor de Deus para o mundo inteiro (1, 4, 5, 7, 9).

O Salvador ensinou à Seus discípulos: "Vós sois a luz do mundo:...Assim resplandeça a


vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras.." (Mt. 5: 14 e 16). E
a respeito Dele mesmo para os Fariseus: "Eu sou a luz do mundo; quem me segue não
andará em trevas, mas terá a luz da vida" (Jo. 8: 12).

Não podemos prosseguir sem mencionar as cartas Apostólicas aos novos convertidos,
pelo menos brevemente.

O Apóstolo Pedro assim descreve o significado da entrada na Igreja de Cristo: "Mas vos
sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que
anuncieis as virtudes Daquele Que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz"
(1 Pe. 2: 9).
O Apóstolo João o Teólogo: "Porque a Vida foi manifestada, e nós a vimos, e
testificamos dela, e vos anunciamos a Vida eterna que estava com o Pai, e nos foi
manifestada... Deus é luz... se andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão
uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o
pecado" (1 Jo. 1:2 -7).

O Apóstolo Paulo: "vós resplandeceis como astros no mundo" (Filip. 2:15).

"Porque Deus Que disse que das trevas resplandecesse a luz, é Quem resplandeceu em
nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus
Cristo" (2 Cor. 4:6).

"Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo como um espelho a glória do Senhor,
somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do
Senhor (2 Cor. 3:18).

"As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do
homem, são as que Deus preparou para os que O amam (1 Cor. 2:9).

Junto com essa iluminação da alma, essa elevada iluminação da razão, a Palavra das
Escrituras nos ensina, uma alegria, ou sopro de bem-aventurança, é introduzido na
alma.

"A luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração (Sl. 96[97]: 11).

São João o Precursor diz de si próprio: "... o amigo do esposo... alegra-se muito...
Assim, pois esse meu gozo está cumprido. É necessário que Ele cresça e que eu
diminua" (Jo. 3:29-30). O Apóstolo Paulo, quando confessando de si: "Já estou
crucificado com Cristo" (Gal. 2:20) (tais eram os problemas causados pelos inimigos de
sua pregação), está cheio de alegria Cristã e passa isso para seus filhos espirituais:
"Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez vos digo, regozijai-vos" (Filip. 4:4). "...
meus amados e mui queridos irmãos, minha alegria e minha coroa.." (Filip. 4:1). Essa
mensagem de sua epístola aos Filipenses está presente também em suas outras santas
epístolas. Confidente de Cristo, o Apóstolo João, expressa isso mais fortemente: "Estas
coisas vos escrevemos para que o vosso gozo se cumpra" (1 Jo. 1:4). Nós vemos aqui a
verdade que uma crescente perfeição moral é acompanhada por um alegre estado da
alma. Ao mesmo tempo, como vemos mesmo nesses curtos excertos das epístolas, há
um crescimento do amor, de uma amorosa, branda e afável atitude para com todos.
Acrescente-se que esse esforço para a Luz mostra claramente os defeitos de quem o faz,
e ainda mais mostra suas quedas, de modo que eles não ficam enamorados de seus atos.
Isso produz uma humildade natural e nobre, e particularmente é instilado o temor de
Deus, o que é expresso no Salmo 85[86] assim como nas orações do padre durante o
ofício de vésperas: "une o meu coração ao temor do teu nome." Tal é o aspecto de
estados espirituais Cristãos. Isso é o que "Viver na Luz" significa. Assim a Luz de
Deus é derramada no mundo.

Dois Tipos de Iluminação.


Nós, as pessoas modernas da assim chamada "cultura Ocidental," vivemos por
necessidade em dois ciclos espirituais: a) o ciclo atemporal da Iluminação Cristã e b) a
época do "iluminismo" começou na Europa Ocidental no final da Idade Média. Nós
vivemos na era do racionalismo, ou pensamento prático, que tem se afastou
gradualmente dos princípios religiosos, particularmente na era do "Voltairianismo." No
nosso tempo se transformou em uma perseguição direta do Cristianismo, principalmente
da Igreja Ortodoxa, e particularmente da Igreja Russa. De acordo com os objetivos
dessa época geral, somente certos objetivos seculares são dignos de atenção social e até
mesmo de existência. A preocupação com a vida eterna ou com uma vida de acordo
com o espírito do Evangelho não tem espaço aqui agora. E para proteção da "ética
social" e ordem, ensinamento comum e vigilância do tipo policial, complementadas por
instalações de detenção são consideradas perfeitamente suficientes. Tais são os valores
dessa era. Mas suas realidades estão todas diante de todos: milhões mortos por sua
firmeza na fé, milhares nas prisões ou em exílio por protestarem contra a pressão física
e moral, uma onda de guerras civis e internacionais, crescimento do crime, colapso da
moralidade, e uma abundância de sofrimentos morais e físicos.

Não obstante todas as violações no campo da religião, parece óbvio que a parte positiva
da cultura prática ocidental cresceu de uma base Cristã, — seja a imprensa (Gutenberg,
para livros da Igreja e principalmente as Escrituras), literatura artística, "novelas"
(brotando da hagiografia do período escolástico romano), os trabalhos dos grandes
compositores (escritos inicialmente para serem executados nos ofícios da Igreja), arte
(da arte da Igreja), ou arquitetura (dos intrincados projetos da arquitetura de Igreja).

De outro lado, nós estamos conscientes que a fé Cristã não rejeita a cultura secular e as
necessidades diárias, o que é atestado pelas próprias Escrituras. Assim, nós lemos no
Evangelho no quadragésimo dia da Ressurreição de Cristo, os discípulos do Senhor
foram para seu turno noturno de pesca. O Apóstolo Paulo, completamente devotado à
pregação da Ressurreição de Cristo e aos ensinamentos Dele, também gastava tempo
fazendo tendas, para que os outros não tivessem que se preocupar em mantê-lo. O
Evangelista Lucas foi um médico e também artista, além de ser o autor de dois livros
importantíssimos: o Evangelho e o Livro dos Atos dos Apóstolos.

Mas, pela palavra do Senhor: "Nem só de pão vive o homem." E nossa autoconsciência
pessoal nos ensina, que nosso escopo, e, portanto nosso propósito está acima das
demandas da simples existência, e nos limitarmos a esse lado físico significa nos privar
da plenitude da vida. Mas nós diremos de um ponto-de-vista Cristão: é mais do que uma
privação das alegrias da terra, mas também das bênçãos da vida eterna em Deus, e isso
significa morte espiritual!

Luz e trevas.

Tanto quanto o conhecimento moderno penetrou na história passada da humanidade,


fica aparente que duas grandes idéias foram, desde o início, inerentes ao homem: fé em
Deus e uma noção de eternidade (nas Escrituras — da "árvore da vida" celeste. Foi
sempre entendido que se não há eternidade em Deus, então para todo homem no futuro,
depois de um curto e sempre incerto, apesar de às vezes até mesmo "feliz" curso de
vida, a morte virá, significando colapso, vazio, trevas. E esse desesperado último
resultado — morte apaga completamente o significado da vida terrena. Na própria
"visão do mundo" da pessoa sem fé o final é vazio e trevas.

Mas a visão Cristã do mundo é diferente, e dito simplificadamente: tem "fé." O Senhor
Jesus Cristo ensinou os Seus discípulos e outras pessoas no Sermão da Montanha: "Mas
ajuntai tesouros no céu... pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso
coração." "A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se teus olhos forem bons,
(em Eslavo "prosto" ou "simples," isto é, diretos, em condição saudável), todo o teu
corpo terá luz ( Nós veremos claramente nossos passos, nossos atos, nós mesmos).
"Porém, se os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto a luz que
em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas! (Em eslavônico, a tradução é:
quantas vezes maior ela él —Mt 6:20-23). Que tipo de trevas espera uma pessoa no
futuro, se ele já se retirou da luz de Deus aqui na Terra... Protegei-vos, humanos, para
que não vos declareis descrentes, ateístas e predetermineis assim vossa destinação para
as trevas "absolutas" (Em eslavônico, a palavra, "kromeshniy" para absoluto deriva de
"krome," ou "sem," "fora da" luz de Deus), externas em relação ao onipresente Deus...

O autor do não-canônico, porém reverenciado livro "A Sabedoria de Salomão," nos seus
últimos dois capítulos, dá uma assustadora imagem da absoluta "trevas egípcias" que
aconteceu no Egito antes do êxodo dos judeus. Essa é um símbolo da outra, das "trevas
eternas."

Para a pessoa que crê, para o Cristão, "E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a
compreenderam" (Jo. 1:5). E em complemento às palavras do Sermão da Montanha
citado acima, o Evangelista Lucas acrescenta as seguintes palavras do Senhor: "Se, pois,
todo o teu corpo é luminoso, não tendo trevas em parte alguma, todo será luminoso,
como quando a candeia te alumia com o seu resplendor" (Lc. 11:36).

Em tais candeias de fé a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica teve seu início e foi
estabelecida.

A Igreja de Cristo
de acordo com os ensinamentos de São Simeão, o Novo Teólogo.

O santo Apóstolo Paulo, em uma de suas epístolas, dá o mais elevado e completo


entendimento sobre a Igreja. Ele escreveu para a comunidade de Éfeso nos dias do
início do Cristianismo, quando esse tinha meramente 30 ou 40 anos e era representado
por pequenas comunidades espalhadas ao redor do Império Romano. O Apóstolo estava
carregando correntes, como se fosse uma coroa, por suas boas novas a respeito de
Cristo, e nesse isolamento estava especialmente iluminado por luz divina. Ele escreveu
que a Igreja é o Corpo de Cristo, isto é, um organismo celeste-terrestre vivo. Esse
entendimento da Igreja tem sido cuidadosamente mantido pela consciência Ortodoxa
universal. Essa visão majestosa da Igreja é apresentada como a "plenitude Daquele Que
cumpre tudo em todos" (Efes. 1:23). Ela é descrita como uma nova existência, a
essência da qual é a "ligação de amor," uma existência unindo "céu e terra" com fortes
e constantes laços. A epístola diz: "... Naquele Que é a cabeça, Cristo. Do Qual todo
corpo bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação
de cada parte, faz o aumento do corpo, para a sua edificação em amor" (Efes. 4:15b-
16). Para esse objetivo, escreve o Apóstolo, Cristo estabeleceu na parte terrestre da
Igreja "alguns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e
outros para pastores e doutores" (Efes. 4:11). Mas o que são esses laços, unindo as
partes do Corpo "segundo a justa operação de cada parte"? O que são esses "ativos"
laços, produzindo o "desenvolvimento" de cada parte individual da Igreja, e ao mesmo
tempo, um crescimento, uma perfeição, e uma plenitude do corpo inteiro celeste-
terrestre da Igreja, unida sob Cristo como sua única Cabeça? Por certo, a ligação
universal que une o corpo da Igreja é oração. Pois o que é a Igreja em si, senão um
"mundo de oração" ? Nós podemos chamar a oração de ar, de respiração, de vida da
Igreja. Como os fios num tear de tecelão, os fios da oração vão a todas as direções; eles
unem cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros da Igreja terrestre uns
com os outros, e os membros terrestres com os celestes. O mesmo ocorre nos céus, nas
regiões dos anjos e santos, somente num nível mais elevado e mais perfeito. Os mortais
oram uns pelos outros, e, conduzidos pela lei do amor, pelos falecidos. Os que agora
estão no céu oram pelos mortais, e igualmente pelos falecidos, quando esses precisam
de ajuda. Louvores e agradecimentos viajam por esses fios de oração em ambos os
reinos da Igreja. Aqui na terra eles são acompanhados por pensamentos e sentimentos
penitentes.

Por certo, os laços dentro da Igreja são expressos em certas ações e atividades; porém
esse aspecto é somente derivativo, tendo a oração como sua fonte original.

Tal entendimento é mantido completo somente pela Igreja Ortodoxa, correspondendo a


própria estrutura e vida diária dela. Nossos ofícios de Igreja são um indicador direto
desse entendimento da vida da Igreja.

É esse entendimento também mantido nos ensinamentos dos santos padres da Igreja?
Sim, os pensamentos dos santos padres estão plenos dele. Nós apresentamos um
exemplo dos trabalhos de São Simeão, o Novo Teólogo, que viveu no tempo entre o
primeiro e o segundo milênio (ele repousou cerca de 1020 AD). Nós consideraremos
seus pensamentos sobre a vida interior da Igreja de Cristo como um corpo celeste e
terrestre, expressos na 24ª "Palavra." Nos pensamentos apresentados, o santo nem faz
uma distinção entre as duas condições possíveis de membros da Igreja — terrestre e
celeste, — não porque ele os rejeite, mas para tornar claro que a Igreja é "um Corpo
sob Uma Cabeça," uma "plenitude do Um Que cumpre tudo em todos."

Isso é o que São Simeão ensina:

"Todos os santos são verdadeiramente membros de Cristo, Nosso Deus.


Como membros eles estão unidos com Ele e conectados com Seu Corpo,
assim que Cristo é a Cabeça, e todos os santos, do início até o último dia,
são Seus membros, e todos eles juntos fazem um corpo, e de certo modo,
uma pessoa. Alguns são como mãos, trabalhando todo dia, cumprindo
Sua santa vontade, transformando o indigno em digno e apresentando-os
para Ele. Outros são os ombros do corpo de Cristo, que carregam o fardo
dos outros, ou, carregando a ovelha perdida que foi recuperada depois de
ter se perdido nas colinas e ravinas, levando-a para Cristo, cumprindo
assim Sua lei. Outros são como o peito, do qual flui a pura água da
sabedoria e razão para aqueles que tem fome e sede da verdade de Deus,
já que ensinam a esses a palavra de Deus e dão a eles o pão espiritual,
que os anjos comem, isto é, teologia verdadeira, como confidentes de
Cristo e Seus amados. Outros são como o coração, no qual, através de
amor, eles abarcam todos os humanos, aceitando dentro deles o espírito
de salvação e servindo como os vasos dos inefáveis e escondidos
Mistérios de Cristo. Outros são como os órgãos internos, que têm em si
"o poder doador-de-vida dos pensamentos Divinos da misteriosa
teologia," e através das palavras de seu ensinamento semeiam a semente
da piedade no coração dos homens. Outros, finalmente, são como ossos e
pés, que mostram coragem e paciência em tentação, como Jó, e são
imóveis na sua posição de bondade, e não evitam as dificuldades que
pressionam, mas alegremente as aceitam e alegremente as levam até o
fim. Dessa forma a Igreja Corpo de Cristo é feita de maneira ordenada de
todos os Seus santos desde o início, e existe completa e perfeitíssima,
para que todos os filhos de Deus sejam um, renascidos, escritos nos céus.

Eu provarei que todos os santos são membros de Cristo e são um corpo


através das Santas Escrituras. Primeiro de tudo, ouçam ao próprio nosso
Salvador, o Senhor Cristo, quando Ele apresenta a indivisível união, que
os santos têm com Ele, nas palavras de Seus apóstolos: "Crede-Me que
estou no Pai, e o Pai em Mim.." (Jo. 14:11a). "Naquele dia conhecereis
que estou em Meu Pai, e vós em Mim, e Eu em vós" (Jo. 14:20, também
17:20-26).

Como a divindade, concedida à nós através da associação com o Senhor,


é indivisível, então é necessário para nós, que fiquemos verdadeiramente
em comunhão com essa Divindade, para sermos inseparáveis de Cristo,
sendo um corpo em um espírito (Gal. 3:28; Coloss. 3:11; 1Cor. 12:1-14).
Como Deus dá a cada santo seu lugar próprio nas moradas eternas, como
dissemos antes, assim no corpo da Igreja cada pessoa é designada para o
tipo de membro de Cristo que melhor se adapta a ela. O Apóstolo Paulo
mostra isso na mesma epístola dizendo: "Mas agora Deus colocou os
membros no corpo, cada um deles como quis."(1 Cor. 12:18). Assim, há
muitos membros, mas um só corpo. Desejando mostrar as diferenças
desses membros, e o que esses membros são, ele diz: "Ora vós sois o
corpo de Cristo, e seus membros em particular. E a uns pôs Deus na
Igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro
doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos,
variedades de línguas" (1 Cor. 12:27-28).

"Grande é esse mistério: digo-o porém, a respeito de Cristo e da Igreja"


(Efes. 5:32). E verdadeiramente esse mistério é e será grande, e grande
acima de todas as coisas. Nosso Senhor, o Criador de Tudo, tem a
mesma unidade, associação e relação coma Igreja toda, como com uma
esposa, e é um com ela, e é sempre inseparável dela, como de Sua
amada. Mas essa unidade é conveniente a Deus, como é conveniente a
Deus ser um com a Igreja, o que é incompreensível e inexprimível. De
novo, a Igreja também se une com seu amado Deus, e se inclina para Ele
como o corpo para sua cabeça. Pois como o corpo não pode viver sem
sua cabeça, assim a Igreja, uma coleção de fiéis, isto é, os filhos de Deus,
escritos nos céus, não pode ser um completo e perfeito corpo sem sua
cabeça — Nosso Deus Cristo, e não pode viver uma vida verdadeira e
eterna, se não for nutrida por Ele diariamente com o pão necessário, do
Qual todos que O amam recebem vida verdadeira, e crescem para um
homem perfeito, pela medida crescente de Sua plenitude.

Como a Igreja é o corpo de Cristo, e a noiva de Cristo, e um grande


mundo, e templo de Deus, assim os membros de Seu corpo são todos
santos. Ao mesmo tempo, nem todos eles já nasceram de novo ou se
mostraram dignos. É claro, então, que o corpo de Cristo não está ainda
completamente pronto, que o mundo mais elevado ainda não está cheio,
que as hostes inteiras de indivíduos ainda não entraram na Igreja de
Deus. Mas hoje em dia ainda existem muitos descrentes no mundo que
vão se tornar crentes em Cristo, existem muitos pecadores cuja obrigação
é se arrepender, existem muitos insubordinados, que se submeterão a
Cristo. Muitos ainda nascerão de novo, e servirão Deus, antes que a
última trombeta soe. E assim, todos os previstos por Deus devem nascer
de novo, e o Primogênito da Igreja deve encher a Jerusalém celeste,
imensuravelmente mais elevada que esse mundo. Então a plenitude do
Corpo de Cristo ocorrerá, e aqueles preconhecidos por Deus serão
conformados à imagem de Seu Filho, tornando-se os filhos da luz e do
dia" (As Palavras de São Simeão, o Novo Teólogo, traduzidas pelo Bispo
Teófano, 1ª impressão, Moscou, 1892, pgs. 383-391).

Folheto Missionário número P077d

Copyright © 2004 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

Sobre a Igreja
Pelo Protopresbítero Michael Pomazansky

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.


Conteúdo:

Há uma Igreja Invisível?

A esfera é a Igreja Celeste.

Como Podemos Servir a Igreja.

Há uma Igreja Invisível?

O Protestantismo Ocidental dividido em centenas de seitas e denominações,


naturalmente teve que se aproximar da questão: onde está a Igreja verdadeira no meio
dessas divisões confessionais? E ele não foi capaz de inventar outra maneira de explicar
isso, a não ser através da "igreja invisível" que misteriosamente existe no meio de todas
as diferenças e erros e pecados dos homens — uma igreja que é santa, cujos
participantes são conhecidos somente por Deus, e que consiste somente daqueles que
são dignos de estar nela.

No entanto, foi por alguma razão que nosso Divino Salvador nos deixou parábolas: a
parábola da rede que traz para a praia não só peixes bons, mas também maus; a parábola
do campo no qual o proprietário deixa o joio crescer com o bom trigo até a colheita. Os
Apóstolos fundaram a Igreja através do Mistério visível do Batismo de todos os que
declararam para eles sua fé em Cristo. E a Igreja foi, como permanece, uma rede ou um
campo para "todos aqueles que querem ser salvos e chegar ao conhecimento da
verdade." Para aqueles que querem a vida eterna, apesar de ainda estarem vivendo "na
esperança," não tendo ainda entrado no repouso celeste.

Os Apóstolos fundaram comunidades "visíveis" externamente, com uma participação


definida, uma em alma apesar de externamente separadas, e todas essas comunidades
eram a única Igreja de Cristo. Assim a Igreja permanecerá para sempre. Seu objetivo é
chamar e preparar homens para a vida eterna em Cristo.

Por isso, a Igreja Apostólica Ortodoxa responde: tal igreja invisível que, no meio de
muitas divisões confessionais, ou acima delas, escolheria as pessoas dignas dentre elas,
e as uniria todas — não existe.

Porém iso nem de longe significa que nós Cristãos Ortodoxos não acreditamos numa
Igreja Invisível. Se nós não acreditássemos, nós não pronunciaríamos no Credo
diariamente, ou mesmo várias vezes por dia, tanto nos ofícios Divinos quanto nas
orações em casa, "Creio" com respeito à Igreja. Fé, na definição do Apóstolo é "a prova
das coisas que se não vêem" (Hb. 11: 1). Nos três últimos parágrafos do Credo nós
aplicamos as palavras "Eu confesso" e "Eu espero...." Isso significa que em nosso
ensinamento sobre a Igreja nós reconhecemos também sua esfera invisível. Onde é e o
que é ela?

A esfera é a Igreja Celeste.

Quando nós falamos sobre a Igreja, e nas discussões escritas sobre ela, com freqüência,
como se fosse, nós esquecemos essa esfera, e por esse fato nós enfraquecemos o poder
espiritual, nós perdemos a semente doadora-de-vida que está contida no entendimento
Ortodoxo do ser e essência da Igreja. E por isso, nossa conversa sobre Igreja, sobre a
Igreja terrestre, no período presente que é tão difícil para a fé, com freqüência traz pesar
e não consolação. Restringindo nossas idéias sobre fé somente sobre a esfera terrestre,
nós nos empobrecemos. Isso pode ser sentido especialmente agora. De um lado, as
Igrejas ortodoxas Locais estão ficando isoladas (umas das outras) nas suas relações
terrestres, e possivelmente divisões mais profundas estão à frente. De outro lado,
tentativas estão sendo feitas de formar "uma igreja" na terra com princípios totalmente
estranhos à consciência Ortodoxa. Não é de um reconhecimento frio e abstrato da
invisível Igreja Celestial que nós precisamos. Ao contrário, precisamos com toda nossa
alma pensarmos e nos sentir sermos membros da "Igreja dos Chamados" em viva e ativa
comunhão com a "Igreja dos Escolhidos." Pois é nisso também que é para ser em parte
encontrada nossa escolha — não nossa escolha pessoal, individual, mas a escolha da
Ortodoxia entre as confissões Cristãs.

No século dezenove o espírito protestante começou a penetrar na sociedade russa, e em


alguns lugares também entre o povo simples. Nossos escritores da igreja colocaram
diante de si o objetivo de oporem a acima mencionada visão estrangeira de Igreja, o
ensinamento Ortodoxo de que no meio de toda divisão do Cristianismo a Igreja na terra
é uma e única. Eles explicaram que os atributos essenciais, logicamente claros e naturais
da Igreja tem que ser, e foi, a ininterruptibilidade da hierarquia vinda dos Santos
Apóstolos, e o ensinamento da fé, confessada e mantida sem mudança. Esses são os
sinais exteriores que são compreensíveis para todo mundo; essa é a Igreja Ortodoxa
Oriental. Assim a questão foi limitada e respondida pelo ensinamento sobre a Igreja na
terra.

A questão da Igreja tornou-se realmente uma questão também nos dias de hoje, mas
agora tem um escopo mais amplo. Apesar do "movimento ecumênico" dos tempos
recentes estar ocupado não com a questão da unidade da fé, mas com o objetivo de
participar no plano proposto de uma reconstrução da sociedade humana — ainda assim,
mais cedo ou mais tarde, a questão das bases e escopo da Fé Cristã nessa tentativa de
união terá que aparecer. É nossa obrigação mostrar porque esse movimento não pode ser
justificado. Mas nós mesmos não estaremos completamente justificados se nós
descermos da amplitude da visão-de-mundo Ortodoxa, com sua plenitude, para a
estreita plataforma de concepções, e mais importante, para as concepções ocidentais de
Igreja.

Houve um tempo em que foi permissível e não danoso para os representantes de história
e teologia da Igreja da nossa Igreja, quando entrando em dialogo com o protestantismo,
descer para essa plataforma estreita; mas nas circunstâncias presentes, isso não é mais
justificado.

Ainda que nós não sejamos forçados a responder a um movimento que está passando
por nós, isto é ao nosso lado — mesmo assim, é mais consolador para nós
reconhecermos que estamos sob a proteção de um grande coro celestial de santos, do
que esquecer disso.

"Hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc. 23:43) — as santas palavras pronunciadas no


Gólgota. Paraíso! Não é essa, uma palavra esquecida? Segundo o terceiro capítulo da
Gênesis não é. Ouvido no Velho Testamento, um querubim, com uma espada
inflamada, foi posto para guardar a entrada do Paraíso. Mas no dia do Gólgota, os
portões foram abertos. "O querubim afastou-se da árvore da vida, e espada inflamada
pôs-se a voar." Os justos do Velho Testamento os primeiros mártires Cristãos que
partiram, entraram no Reino de Cristo nos céus.

Com a passagem de décadas e séculos o celeiro de Cristo começou a ficar cheio, com os
Apóstolos, com as fileiras de mártires, confessores, hierarcas, ascetas e justos. A Igreja
dos santos vive uma vida de bem-aventurança em Deus, com orações de louvor e
agradecimento; e desde que "o amor nunca falha" (I Co. 13:8), eles se juntam em
orações pelos irmãos na terra. E nós também pedimos as orações deles por nós e por
nossos próximos que já partiram. Essas orações, como uma expressão da proximidade
espiritual, são entrelaçadas em todas as direções, puxando o céu para perto da terra. Na
verdade, como poderíamos nós não sentir a proximidade das coisas celestes e terrestres,
se nós desejamos tanto a vida bem-aventurada para nossos próximos que partiram e
suplicamos ao Salvador em orações por eles?

Além do mais, o Cristão Ortodoxo, se tem uma ligação viva com sua Igreja,
constantemente vê e ouve na Igreja e em casa lembranças da Igreja Invisível dos santos,
e sua alma estão em contato constante com pensamentos sobre isso. Ele recebeu na
infância, no seu batismo, um nome Cristão, o nome de um santo, e ele se sente
especialmente próximo desse santo e em suas orações pessoais ele suplica a esse santo a
orar para Deus por ele. Ele olha no seu calendário pessoal, e diante dos seus olhos está
uma lista mensal de santos, preenchida com os nomes dos santos de todos períodos do
Cristianismo. Ele entra na Igreja, e diante de seus olhos aparece um outro mundo, o
mundo celestial fixado em imagens nos ícones, na iconostase, nas paredes, e com
freqüência até no ponto mais alto do domo.

O ofício de Vigília, começando com a glorificação da Santíssima Trindade, dirige


imediatamente seus pensamentos para o Reino de Cristo, pela chamada para chegar
junto e adorar Sua Cabeça "o próprio Cristo, nosso Rei e nosso Deus." Dai para frente o
ofício é penetrado pela lembrança de santos, especialmente da Santíssima Theotokos.
Na pequena litania, "De novo..." — que é cantada perto de dez vezes numa Vigília
festiva—nós somos lembrados de "invocar a Toda Santa, Toda Pura, Bendita e Gloriosa
Soberana, a Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria, com todos os santos," e em tal
consciência entregarmo-nos todos e cada um de nós a Cristo nosso Deus.

Quando mandando uma prósfora para comemoração no altar antes da Liturgia, o Cristão
que já ouviu uma explicação sobre a Liturgia sabe que as partículas tiradas dessa
prósfora serão colocadas na santa patena no meio das partículas "para os vivos e os
mortos" abaixo do conjunto das partículas que representam simbolicamente a Igreja
toda de Cristo. No centro, o Cordeiro de Deus, de um lado uma partícula em honra da
Theotokos, do outro lado partículas em memória de todos os santos em nove
classificações. Tão perto de nós está a Igreja Celestial, que nós confiamos a ela todas as
nossa angustias, fraquezas, quedas, pesares e alegrias e nós expressamos amor por ela;
nós pedimos a ela suas orações e sua ajuda para nós.

Esse é o mundo espiritual que está acessível para nós mesmo que nós vivamos em uma
igreja paroquial comum. Multipliquem essa possibilidade para aqueles que vivem em
mosteiro, e especialmente para padres e diáconos que servem freqüentemente no altar,
ou para aqueles que são designados para o kliros. Conclui-se que na Igreja Ortodoxa a
comunhão com os santos, com a Igreja Invisível, pode ser mais íntima do que com o
mundo que nos cerca fora dos muros da Igreja; para muitos é realmente isso.

Mas uma real comunhão terrestre com toda Igreja terrestre, dispersada por todas as
nações e estados, é possível para nós? De fato, dentro de uma e mesma igreja paroquial,
qualquer comunhão religiosa espiritual ocorre fora do prédio da igreja? Em vão as
pessoas se iludem, com sonhos de "plenitude" de comunhão e unidade de todo mundo
Cristão na terra.

No entanto, em nossa Igreja Ortodoxa, comunhão de alma e mente, todo nosso


empenho, tudo é dirigido para a Igreja Celestial, de modo que ela, sendo invisível, se
torna quase visível, e da distância das alturas celestes torna-se a coisa mais próxima de
nós. Terra e Céu são uma única Igreja de Cristo. Essa é a Igreja mais completa que pode
ser organizada, ainda que se possa chamar junto e ligar com um só nome todas as
variedades de sociedades e igrejas de hoje que pertençam ao Cristianismo histórico fora
da Igreja, fora da Ortodoxia.

Mas nossa comunhão com a Igreja Celestial não é unilateral? Dá ela benefício para a
alma? Os santos nos ouvem do mesmo modo que uma alma ouve a outra. E ainda mais:
na terra o contato entre as pessoas através dos orgãos corporais dos sentidos de alguma
forma impede e esconde a imediata comunhão das almas, mas na esfera terra-céu essa
comunhão é livre. Nessa esfera nossa voz, nossas palavras, leituras e cantos no trabalho
de oração são necessários para nós, para unir dois ou três de nós ou uma igreja inteira
em uma única alma comum, "para que com uma única alma possamos cantar hinos"
para Deus e Seus santos.

É dito sobre as relações terrestres: "diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és." "um
homem apreende com suas companhias"—seja o bem ou o mal. Não é assim também na
esfera puramente espiritual? O Apóstolo João nos explica na sua epístola católica, que é
para todos os Cristãos, inclusos ai nós mesmos: "O que vimos e ouvimos isso vos
anunciamos (o Evangelho, as epístolas e o Apocalipse), para que também tenhais
comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo" (1
Jo. 1:3). Ele escreveu isso, já sendo bem velho, dando-nos seu testamento de que os
homens vivem em amor comum. O chefe dos Apóstolos escreve: "E tenho por justo,
enquanto estiver neste tabernáculo, despertar-vos com admoestações. Sabendo que
brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como também nosso Senhor Jesus
Cristo mo tem revelado. Mas também eu procurarei em toda ocasião que depois da
minha morte tenhais lembranças destas coisas. (II Pe. 1:13-15).

Porém, falando de única Igreja cesleste-terrestre, nós não confundimos duas esferas
distintas?

Nós não as confundimos, simplesmente confessamos a união delas: "Quando Tu


completaste Tua dispensação por nós, unindo coisas da terra com os Céus, Tu
ascendeste em glória, ó Cristo nosso Deus, não partindo daqui, mas permanecendo
inseparável de nós e falando alto para aqueles que Te amam: Eu estou convosco, e
ninguém pode ser contra vós." (Kondakion da Ascensão). A Epístola Canônica dos
patriarcas orientais no século XVII expressa a verdade da unidade da Igreja com as
palavras: "Dois rebanhos de um único Pastor." E assim nós acreditamos.
Mas porque os Padres da Igreja nos Concílios não levantaram a questão da Igreja
Celestial, mas pela palavra "Igreja" sempre tiveram em mente a existência na terra? E
porque em seus trabalhos deve-se "procurar" por passagens nas quais eles ascendem
para pensamentos sobre a esfera celeste, dando a ela o nome de "Igreja"?

Isso é porque eles estavam encarregados de pastorear o rebanho terrestre de Cristo:


todos os seus pensamentos, todos os seus esforços e cuidados se referiam a arrumação e
serviços do que havia sido confiado para eles — a preservação da fé e a ordenação da
esfera terrestre da Igreja. Mas seus serviços eram iluminados e recebiam poder pela
constante consciência de estar no único e ecumênico Reino celeste-terrestre ou Corpo de
Cristo.

Como Podemos Servir a Igreja.

Se amamos a Igreja, se ela é querida para nós, então como pode, cada um de nós servi-
la? E se alguém te perguntasse: "Como tu a serviste? De que atividades podes tu te
gloriar?"

Quando essa questão foi posta para o Apóstolo Paulo e ele teve que defender sua
autoridade perante os Cristãos de Corinto, ele respondeu dessa forma: "gloriar-me-ei no
que diz respeito à minha fraqueza" (II Co. 11:30). Glória na fraqueza? Sem dúvida, a
humilde realização de nossas fraquezas é benéfica para cada um de nós, mas como
podemos servir a Igreja dessa maneira? Ao mesmo tempo, o santo Apóstolo insiste em
sua resposta e explica: "Porque quando estou fraco então sou forte" (II Co. 12:10).

Porém isso não e um paradoxo, nem jogo de palavras, nem contradição. O Apóstolo não
mostra traços de ser "imaginativo" ou "mordaz." Ele escreve da plenitude de seu
coração, de uma profunda convicção. Seu significado é direto. Ele fala do princípio
Cristão de vida.

O Cristianismo transtorna os conceitos usuais dominantes no mundo, e em particular o


conceito de poder. No Cristianismo poder é o que "parece para o mundo ser impotência,
o que aparece para a visão míope do mundo como sendo uma desprezível fraqueza.
Fraqueza é a lei da nova vida e ação, sob a qual bandeira o Evangelho declara guerra ao
mundo. "Bem aventurados são os pobres de espírito. Bem aventurados os que choram.
Bem aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra."

E assim, duas leis contraditórias de vida põem-se uma contra a outra, dois reinos: o
reino dos mansos e o reino do poder. O reino dos mansos é obrigado a fazer guerra
contra o reino do poder, por estar localizado no meio e cercado por todos os lados pelo
reino do poder e força.

A Igreja é mansa. Por essa razão ela tem necessidade de proteção e defesa. Só que os
meios de defesa dela devem ser bons. No passado, tanto a Igreja de Bizâncio quanto a
da Rússia tiveram defensores externos: um sistema de governo, os imperadores, os
czares... Os tempos mudaram. Agora o cuidar da Igreja foi confiado pelo Senhor ao
próprio povo da Igreja, ou seja, para cada Cristão Ortodoxo. A esse respeito, nós
estamos retornando aos tempos dos primeiros Cristãos. Nossos tempos nos chamam
todos para um padrão de sacrifício consciente e constante pela Igreja, cada um com seus
talentos e meios. Porém o principal poder do serviço não está em nosso conhecimento
ou habilidades e chamados. O principal poder está naquela "fraqueza através da qual o
poder de Deus vem habitar." Isto é, em nossa moralidade, em nosso viver de acordo
com a lei do Evangelho, com a lei da Igreja...

Cada um de nós tem um lugar nas fileiras dos soldados da Igreja, e a forma de
participação no serviço da Igreja é variada. O Apóstolo escreve: "Cada um fique na
vocação em que foi chamado." Traduzindo essa citação em conceito contemporâneo,
nós podemos dizer que não existe uma profissão boa construtiva, e uma posição social
na qual a pessoa boa não possa de tempos em tempos com seu bom bocadinho para o
trabalho da Igreja...

Deve-se ver a Igreja como o Corpo único de Cristo, um organismo único, uma única
substância. A individualidade de cada pessoa é o plano confiado a ela. Para ela
trabalhar, purificar e produzir frutos. Trabalhando em nós mesmos, nós trabalhamos
para o todo, para a Igreja inteira, para sua Cabeça, o Salvador sem ser. Deixando-se o
plano fora de controle, negligenciado-o, condenando-o, nós trazemos dano não só para
nós mesmos, mas também para a Igreja. Não juntando o que é da nossa alma, nós
espalhamos o que é da Igreja.

Nosso serviço para a Igreja consiste nisso: que através da nossa vida Cristã pessoal, o
espírito dos valores do Evangelho flua para a vida do mundo, envergonhando assim os
inimigos da Igreja. Nas nossas qualidades pessoais está a garantia ou a unidade interna
da Igreja como um todo e da paróquia em particular, e é dessa fonte que vem o
entendimento mutuo, obediência, unanimidade de objetivos, trabalho fraterno pela
glória de Deus e a glória da Igreja. Assim uma atmosfera de Igreja completamente
especial é estabelecida. Em tal atmosfera a pessoa sente que está num mundo especial,
que dá paz e alegria para a alma, refrescando-a e renovando-a. Esforça-se para chegar
nessa atmosfera como em uma nova terra, a terra dos mansos. Nela sente-se o poder
benéfico da Igreja dentro de si. É mais fácil, nessas circunstâncias a alma se abrir para a
recepção do sopro da graça de Deus que habita na Igreja. Mas se esse espírito está
ausente; se entre os grupos da Igreja há divisões, discórdia, luta por ambição e amor-
próprio, pode-se então, em tais circunstâncias, se falar do poder da Igreja?

Assim, para a questão de como se pode servir a Igreja, a resposta é simples: por
obediência ativa para ela. Ativa obediência para ela é uma vida de acordo com as regras
da Igreja, com observação das leis morais, com atendimento zeloso aos ofícios da igreja,
com oração em casa e com uma base e direção Cristã na vida de casa. Podemos dizer
então, de modo geral, que para nós isso consiste na alegria de pertencer a Igreja Russa
no Exílio como uma verdadeira confessora da fé Católica Ortodoxa e uma arauta da
justiça, e na paz de nossa vida pessoal, correspondente a essa participação.

Folheto Missionário número P077j

Copyright © 2004 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant


Velho Testamento
na Igreja do Novo Testamento
Padre Miguel Pomazanski

Traduzido por Tatiana Zyromski

Conteúdo:

Prefácio.

Em Concordância com o Mandamento

do Salvador e dos Apóstolos.

Até Que Ponto

Devemos Usar o Velho Testamento.

Será que Compreendes Aquilo que Estás Lendo?

Porque Devemos Conhecer o Velho Testamento?

Sob a Orientação da Igreja.

As Escrituras São Inspiradas por Deus.

A Criação do Mundo.

O Amanhecer do Homem.

O Pecado Original.

O Problema do Mal.

A História e a Arqueologia da Bíblia.

A Sabedoria do Velho Testamento.

A Oração e o Hino do Velho Testamento.

Os Precursores do Novo Testamento.


O Patrimônio Inalienável da Igreja.

Prefácio.

Uma grande distância de séculos nos separa dos tempos em que foram escritos os
primeiros livros do Velho Testamento. E não é fácil hoje se deixar transportar para
aquele estado de alma e aquelas circunstâncias em que eram escritos estes livros
inspirador por Deus e que são demonstrados por estes livros. Daí nascem as
perplexidades, que perturbam a nossa mente. Estas perplexidades acontecem
principalmente, quando queremos conciliar os pontos de vista científicos de hoje com a
simplicidade de concepção do mundo nos tempos bíblicos. Também acontecem
perguntas sobre até que ponto correspondem os conceitos do Velho Testamento aos
conceitos do Novo Testamento. E muitos perguntam: Para que serve o Velho
Testamento? Será que os ensinamentos e as Escrituras do Novo Testamento não são
suficientes?

No que se refere aos inimigos do cristianismo, as investidas contra o cristianismo


começam com as investidas contra o Velho Testamento. E o ateísmo militante atual
acha que aquilo que está dito no Velho Testamento é o alvo mais fácil para esta
finalidade. Aqueles que já passaram pelas dúvidas sobre religião, talvez até pela
negação da fé, principalmente aqueles, que passaram pela propaganda anti-religiosa
soviética, dizem que o primeiro obstáculo para a fé deles foi erguido nesta esfera.

Nesta curta resenha das Escrituras do Velho Testamento não há resposta para todas as
perguntas que porventura aparecem, mas, achamos, que ela mostrará o caminho pelo
qual será possível evitar más interpretações.

Em Concordância com o Mandamento


do Salvador e dos Apóstolos.

A Igreja dos primeiros tempos do cristianismo era toda virada para a cidade celestial,
procurando o futuro, porém ao mesmo tempo ela construía também o lado terrestre e em
particular, guardava os valores materiais da fé. Isto eram, em primeiro lugar, as
escrituras sobre a fé. O mais importante de todas as Escrituras eram os Evangelhos,
como registros e testemunhas da vida terrestre e dos ensinamento do Nosso Senhor
Jesus Cristo. Em seguida, eram as epístolas dos Apóstolos. Depois seguiram-se os livros
sagrados dos judeus, as quais a Igreja guarda como as escrituras sagradas.

Por que as escrituras do Velho Testamento são tão importantes para a Igreja? Elas
ensinam crer em um único e verdadeiro Deus e cumprir os mandamentos Dele e
também se referem ao Salvador. O próprio Jesus Cristo disse aos escribas judeus:
"Examinem as Escrituras, pois achais ter a vida eterna através delas, e elas
testemunham sobre Mim." Na parábola sobre o rico avarento e o pobre Lázaro, Abraão
diz o seguinte sobre os irmãos do rico: "Eles têm Moisés e os Profetas: que dêem
ouvidos a estes." Moisés — isto são os cinco primeiros livros da Bíblia do Velho
Testamento, e os profetas — os dezesseis últimos livros. Nosso Senhor disse ainda aos
discípulos sobre o Saltério: "há de se cumprir tudo, o que foi dito sobre Mim na lei de
Moisés, nos profetas e nos salmos." Após a ceia pascal, "Jesus saiu com seus discípulos
cantando para o Monte das Oliveiras" disse apóstolo Mateus: isto indica que eles
entoavam os salmos. As palavras do Salvador e Seu exemplo é suficiente para que a
Igreja se refira aos livros acima mencionados com toda reverência — a lei de Moisés, os
profetas e os salmos, para que ela os guardasse e os estudasse.

Entre os livros sagrados, admitidos pelos judeus, além do Pentateuco e dos Profetas, há
ainda duas categorias distintas de livros: os livros de ensinamentos e livros históricos. A
Igreja os aceitou porque assim estabeleceram os apóstolos. O apóstolo Paulo escreve ao
Timóteo: "E desde a infância conheces as sagradas letras. Elas te podem dar a sabedoria
que conduz à salvação por meio da fé no Cristo Jesus." Isto significa que, se leres estes
livros com sabedoria, encontrarás neles o caminho para te firmar no cristianismo. O
apóstolo se refere a todos os livros do Velho Testamento, como veremos nas seguintes
palavras: "Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, convencer,
corrigir e educar na justiça" (Segundo os mandamentos do Salvador e dos Apóstolos; 2
Timóteo 3:15-16).

A Igreja aceitou os livros sagrados judeus na sua tradução para o grego dos 72
tradutores, que foi feito bem antes do nascimento de Jesus Cristo. Os apóstolos também
usavam esta tradução e suas epístolas eram escritas em grego. Entre estes livros se
encontram também livros sagrados de procedência judia, que eram conhecidos em
grego, pois eram escritos após a lista estabelecida pela Grande Sinagoga. Na Igreja
Cristã estes livros são conhecidos como livros não canônicos. Os hebreus não usam
estes livros para fins religiosos.

Ao aceitar as Escrituras Sagradas do Velho Testamento a Igreja mostrou que ela é


herdeira da Antiga Igreja extinta: não da nacionalidade judia, mas do conteúdo religioso
do Velho Testamento. Nesta herança, umas coisas têm valores eternos, outras coisas já
se extinguiram e têm valor exclusivamente como lembrança e ensinamento, como por
exemplo o estatuto do templo, das oferendas, e vida cotidiana dos judeus. Por isso e
Igreja administra esta herança do Velho Testamento com toda independência, conforme
a concepção mais ampla e elevada.

Até que Ponto


Devemos Usar o Velho Testamento.

Mesmo admitindo todas as virtudes dos livros do Velho Testamento, a Igreja cristã
praticamente não tinha possibilidade de usa-las todas, sempre e em todo lugar. Isto já dá
para perceber, porque estes livros são muito numerosos e na Bíblia ocupam o lugar
quatro vezes maior do que os livros do Novo Testamento. Enquanto os livros eram
copiados manualmente, isto é, durante 1500 anos da história da Igreja, tais manuscritos
eram raros e foi muito difícil de obte-los. Nem toda comunidade poderia se dar o luxo
de ter todos eles, e muito menos eles podiam ser encontrados numa família.
Logicamente, como uma fonte de instrução, como um manual da vida cristã, eram
usados livros do Novo Testamento. Somente o Saltério é usado pela Igreja
constantemente na sua integridade, nas missas e na vida cotidiana dos cristãos. Isto vem
do tempo dos apóstolos e assim será até o final do mundo. No que se refere à outros
livros, de alguns deles são usados trechos. Sobre a Igreja Russa em particular sabemos,
que ela resplandecia plenamente já nos séculos 12-13, antes mesmo do jugo tártaro, mas
mesmo lá não havia tradução de todos os livros do Velho Testamento, mas somente de
alguns, os mais importantes. Somente no final do séculos XV o arcebispo Guennadi de
Novgorod, com grandes dificuldades, conseguiu reunir todas as traduções dos livros do
Velho Testamento, feitas para a língua eslava. E esta aquisição pertencia somente à uma
cátedra de Novgorod. Somente o começo da arte de imprimir os livros nos deu a
primeira completa Bíblia: esta era a Bíblia de Ostrog, em língua eslava, imprimida no
século XVI. Porém, na prática, o uso dos livros do Velho Testamento ficou tão restrito
como era nos primeiros séculos da Igreja.

Será que Compreendes Aquilo que Estás Lendo?

De acordo com o livro dos Atos dos Apóstolos, o apóstolo Felipe encontrou no
caminho dele o eunuco da rainha de Kandaquia, que estava segurando na mão o livro do
profeta Isaías. Ele perguntou ao eunuco: "Compreendes o que estás lendo?" O eunuco
respondeu: "Como posso compreender, se ninguém me esclareceu?" O apóstolo Felipe
lhe esclareceu a compreensão cristã a tal ponto, que logo em seguida, nas águas que
estavam perto da estrada, se deu o batismo do eunuco. O apóstolo lhe esclareceu o livro
de acordo com os ensinamentos cristãos. Assim também nós, tendo como ponto de
partida o ensinamento cristão, devemos ler os livros do Velho Testamento. O Velho
Testamento precisa ser iluminado pela compreensão irradiada pelo Novo Testamento,
que emana da Igreja. Para tanto, a Igreja nos dá os ensinamentos dos doutores da Igreja,
para melhor compreender o conteúdo destes livros. Devemos lembrar, que o Velho
Testamento "é a sombra dos bens vindouros." De outra forma, o apóstolo Paulo adverte,
que o leitor não pode receber a compreensão, do que está lendo. Ele escreve sobre os
judeus: "Quando, porém, convertem-se ao Senhor, será tirado o véu" (2 Cor. 3:15-16).
Assim, nos também devemos ler estes livros sob o ponto de vista cristão, lembrando-nos
das palavras do Nosso Senhor: "Eles testemunham sobre Mim." Estes livros precisam
ser não só lidos, mas também investigados. Lá estão incluídas as preparações para a
vinda do Messias, promessas, profecias, protótipos e sinais sobre Cristo.

Também as leituras do Velho Testamento para as missas estão escolhidas segundo este
mesmo princípio. E se a Igreja nos oferece ensinamentos morais, ela os escolhe de
acordo com os ensinamentos do Evangelho, aqueles que, por exemplo, falam sobre "a
vida eterna" dos justos, sobre "justiça de acordo com a fé," sobre a bem-aventurança.
Este uso dos livros do Velho Testamento dá aos nós, cristãos, um enorme tesouro de
ensinamentos. Assim como as gotas de orvalho refletem o sol, assim estas Escrituras
refletem aquilo que deverá acontecer no futuro — fatos, atos e ensinamentos do
Evangelho. Mas quando o sol se põe, as gotas permanecem as mesmas, porém já nos
alegram mais. Isto mesmo sucede com as Escrituras do Velho Testamento. Sem o sol do
Evangelho, elas se tornam antiquadas, assim como disse o apóstolo Paulo (Hebreus
8:13), como os denominou a Igreja: "Assim falando da Aliança, ab-rogou a Antiga. E o
que é antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer." O reino do povo eleito
terminou, chegou o Reino de Cristo: "as leis e os profetas até João: desde esta época o
Reino de Deus é anunciado."

Porque Devemos Conhecer o Velho Testamento?

Os hinos e as leituras da Igreja nos revelam dois tipos de acontecimentos: O Velho


Testamento, como um protótipo, como uma sombra, e o Novo Testamento, como um
exemplo, a verdade, como uma aquisição. Nas missas nos vemos uma constante
comparação: Adão — e Cristo, Eva — e a Mãe de Deus. Lá — o paraíso terrestre, aqui
— o paraíso celeste. Através da mulher veio o pecado, através da Virgem — a salvação.
Lá comer a fruta trouxe a morte, aqui a Comunhão dá vida. Lá a árvore proibida, aqui a
Cruz da salvação. Lá foi dito: morrerás, aqui — hoje estarás comigo no paraíso. Lá a
serpente tentadora, aqui — o arcanjo Gabriel, que traz a anunciação. Lá foi dito à
mulher: serás triste, aqui, no sepulcro — alegrem-se. Durante todos os dois Testamentos
vemos estes paralelos. A salvação do dilúvio — na arca, a salvação — na Igreja. Três
peregrinos visitam Abraão — e a verdade evangélica da Trindade. A escada que Jacó
viu em sonho — e a Mãe de Deus, a escada da descida do Filho de Deus para a terra. A
venda de José por seus irmãos — e a traição de Cristo por Judas. A escravidão no Egito
— e a escravidão espiritual do diabo. O êxodo do Egito — e a salvação em Cristo. O
arbusto que queimava sem ser consumido — e a sempre virgindade da Mãe de Deus.
Sábado — domingo (ressurreição). O ritual de circuncisão — e o mistério de Batismo.
Maná — e a Última Ceia de Cristo. A lei de Moisés — e a lei do Evangelho. Sinai — e
o Monte da Bem-aventurança. O templo — e a Igreja do Novo Testamento. A Arca — e
a Mãe de Deus. A serpente na haste — e a crucificação por Cristo dos nossos pecados.
O cajado de Aarão que floresceu — e o renascimento em Cristo. Tais contraposições
podem continuar e continuar.

A compreensão do Novo Testamento, expressa nos hinos, aprofunda o sentido dos


acontecimentos no Velho Testamento. Com que força Moisés dividiu o mar? — Com o
sinal da Cruz: "Traçando a Cruz, Moisés cortou com o bastão, diante de si, o Mar
Vermelho." Quem conduziu os israelitas através do Mar Vermelho? — Cristo: "O
cavalo e o cavalheiro no Mar Vermelho... Cristo lançou, salvando Israel." Que
protótipo era esta incessante corrente do mar após a passagem de Israel? — O protótipo
da eterna pureza da Mãe de Deus: "No Mar Vermelho foi imprimida a imagem da Noiva
Não Desposada..."

Na Quinta semana da Grande Quaresma rezamos na Igreja o maravilhoso Grande


Cânone do santo André de Creta. Como uma longa corrente ouvimos os exemplos de
justiça e dos pecados durante o Velho Testamento, que depois se substituem por
exemplos do Novo Testamento. Mas, somente conhecendo o Velho Testamento
podemos nos compreender o conteúdo do grande cânone e nos enriquecer com os seus
ensinamentos.

Eis porque todos, e não só os adultos, devem conhecer o Velho Testamento; dando
aulas do Velho Testamento aos nossos filhos, nos os preparamos para uma participação
consciente e para a compreensão das nossas missas. Mas ainda tem uma coisa mais
importante. Nas palavras do Salvador, bem como nas escrituras dos Apóstolos, há
muitas referências a pessoas e acontecimentos do Velho Testamento: Moisés, Elias,
Jonas, às profecias do profeta Isaias, etc.

No Velho Testamento foram dadas as causas, porque era necessária a vinda do Salvador
para a salvação da humanidade.

Não podemos deixar fora o ensinamento direto. O apóstolo Paulo diz:

"Que direi ainda? Faltar-me-ia o tempo, caso eu quisesse falar sobre


Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e os profetas. Homens que
pela fé conquistaram reinos, taparam a boca dos leões, extinguiram a
violência do fogo, escaparam do fio da espada, convalesceram das suas
enfermidades, mostraram-se valorosos na guerra e afugentaram exércitos
estrangeiros. Mulheres houve que viram recobrados os seus mortos pela
ressurreição. Uns sofreram torturas, recusando a libertação, para assim
alcançar um bem melhor, a ressurreição. Outros sofreram ludíbrios,
açoites e, além disso, cadeias e prisões. Foram apedrejados, torturados,
serrados, passados ao fio da espada, andaram ao acaso, vestidos com
peles de ovelhas e de cabras, necessitados, oprimidos, maltratados,
vagueando por desertos, montes, cavernas e antros, dos quais o mundo
não era digno" (Hebreus 11:32-38).

Nos também usamos este ensinamento. A Igreja nos lembra constantemente dos três
jovens no forno de Babilônia.

Sob a Orientação da Igreja.

Na igreja, tudo fica no seu devido lugar, tudo é corretamente explicado. Isto se refere
também às Escrituras do Velho Testamento. Conhecemos de cor os dez mandamentos
do legislador, que os recebeu no monte Sinai, mas temos uma maior profundidade na
sua compreensão, do que os judeus, porque os mandamentos são iluminados com a luz
do Sermão da Montanha do Nosso Senhor, da bem-aventurança. Na legislação de
Moisés há muitas leis que se referem a rituais e a moral, mas há lá também o sublime
chamamento: "Ame a teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, e com
todo o seu pensamento, e ame ao teu próximo assim, como a si mesmo" — estas
palavras resplandeceram para nos somente através do Evangelho. O templo de
Salomão não existe mais: mas nos ainda aprendemos como era constituído, porque nele
existem muitos símbolos do Novo Testamento. As velhas profecias são lidas na Igreja,
porque há nelas profecias sobre Cristo e sobre os acontecimentos descritos no
Evangelho, e não para conhecer a história dos povos antigos da Palestina.
Mas aconteceu, que no século XVI uma grande parte de cristãos renegou a orientação
da Igreja, se desligou de toda a riqueza da Igreja Antiga, e ficou tão somente com as
Escrituras — a Bíblia, em suas duas partes — o Velho e o Novo Testamentos. Isto
fizeram os protestantes. Vamos falar a verdade: eles procuravam a palavra viva de Deus
e apaixonaram-se pela Bíblia. Mas eles não compreenderam, que as Escrituras foram
juntadas pela Igreja e pertencem a ela na sua histórica e apostólica continuidade. Eles
não tomaram em conta que assim como a fé da Igreja é iluminada pela Bíblia, assim,
por seu turno, a Bíblia é iluminada pela Igreja. Uma coisa precisa da outra e uma se
apoia noutra. Os protestantes se concentraram unicamente no estudo da Escritura
Sagrada na esperança de que, seguindo-a ao pé da letra, eles verão o caminho tão
distinto, que não haverá mais lugar para divergências na fé. A Bíblia, onde três quartos
consistem do Velho Testamento, virou para eles o livro de cabeçalho. Eles estudaram a
Bíblia até os seus mínimos detalhes, conferiram pelos textos hebreus, mas com isto
perderam a correlação entre os valores do Velho e do Novo Testamento. Eles acharam,
que estas são as duas fontes da mesma fé, onde uma fonte completa a outra, como dois
lados iguais. Alguns dos protestantes até acharam, que uma vez que existem mais livros
do Velho Testamento do que do Novo, este é predominante. Assim apareceram seitas
com tendência para judaísmo. Eles começaram colocar a fé em Deus Único do Velho
Testamento acima do monoteísmo do Novo Testamento com o seu ensinamento sobre o
Único Deus na Sua Santíssima Trindade; eles acham os mandamentos do monte Sinai
mais importantes, que os ensinamentos do Evangelho; o sábado acima do domingo
(ressurreição).

Os outros, mesmo que não seguiram o caminho do judaísmo, não souberam distinguir o
espírito do Velho Testamento do Novo, o espírito da servidão da filiação, do espírito da
lei da liberdade. Sob a influência de alguns textos nas Escrituras do Velho Testamento,
eles se recusaram a aceitar a plenitude de adoração de Deus, aquela que faz parte da
Igreja cristã. Eles se recusaram a aceitar as formas externas da adoração espiritual-
corporal, e em particular eliminaram o símbolo cristão — a cruz e outras representações
sacras. Com isto, eles foram condenados pelo apóstolo: "Tu que abominas os ídolos e
despojas sacrilegamente o Templo!" (Romanos 2:22)

Os terceiros, perturbados pela simplicidade dos antigos relatos, ou talvez pelo caráter
rigoroso da antigüidade, que é particularmente visível nas guerras, no nacionalismo
judaico ou outros traços da época pre-cristã, começaram a referir-se com bastante crítica
a restes relatos, e mais tarde, à própria Bíblia em si.

Assim como não podemos subsistir com o pão sem água, apesar de que o pão é
essencial para o organismo, assim não podemos aceitar as Escrituras Sagradas sem a
benéfica influencia, que nos proporciona a vida da Igreja. As faculdades teológicas
protestantes, que foram predestinados a guardar o cristianismo e suas fontes, ao estudar
a Bíblia, ficaram até um certo ponto enfadonhos. No seu fervor de análise crítico dos
textos do Velho e do Novo Testamentos, eles aos poucos deixaram de sentir a sua força
espiritual, e começaram a encarar os livros sagrados como simples documentos da
antigüidade valendo-se do positivismo do século XIX. Alguns destes teólogos
começaram a rivalizar entre si, inventando teorias de origem de vários livros, e isto tudo
apesar da sagrada tradição. Para explicar os fatos de várias profecias dos futuros
acontecimentos, eles começaram a datar estes livros com datas posteriores a estes
acontecimentos. Este método minou a autoridade das Escrituras Sagradas e da própria fé
cristã. A verdade seja dita, que os simples seguidores do protestantismo, parcialmente
até hoje, ignoraram e ignoram esta chamada crítica bíblica. Mas, como os pastores
estudavam nestas escolas teológicas, eles muitas vezes se tornavam condutores deste
pensamento dentro de suas comunidades. O período da crítica bíblica diminuiu, mas isto
trouxe a perda da fé dogmática em muitas seitas. Eles começaram a aceitar somente os
ensinamentos do caráter moral, esquecendo-se de que tais ensinamentos não podem
existir sem os ensinamentos dogmáticos.

Porém, muitas vezes até boas iniciativas têm seus lados negativos.

Assim, a tradução da Bíblia para todas as línguas contemporâneas significou muito para
a cultura cristã. Uma grande parte desta tarefa foi cumprida pelo protestantismo. Porém,
as línguas contemporâneas dificilmente conseguem mostrar a grande antigüidade e nem
todos conseguem compreender e valorizar a simplicidade dos velhos relatos bíblicos.
Não é atoa que os judeus guardam com grande zelo a língua antiga das suas Escrituras,
nas sinagogas e nas orações evitam Bíblia impressa e usam exemplares de pergaminhos
do Velho Testamento.

A Bíblia foi difundida em todo o mundo em milhões de tiragens, mas será que não
diminuiu a atitude piedosa nas massas? Isto se refere a atividade interna do cristianismo.

Apareceram novas circunstancias externas. Bíblia é confrontada com dados geológicos,


paleontológicos e arqueológicos. Das entranhas da terra surgiu um novo mundo do
passado, até agora desconhecido e que na ciência é datado com milhares e milhares de
anos. Os inimigos da Bíblia logo usaram isto contra a própria Bíblia. Ela foi levada ao
tribunal com estas palavras de Pilatos: "Ouve de quantas coisas te acusam!"

Nestas condições precisamos crer na santidade da Bíblia, na sua verdade, nos seus
valores, na sua magnitude, como o livro dos livros, o verdadeiro livro da humanidade.
Nos precisamos nós mesmos nos guardar de perturbação. As Escrituras do Velho
Testamento entram em contato com as teorias da ciência moderna. Por isso, vejamos as
Escrituras do Velho Testamento em sua essência. No que diz respeito à ciência, então a
verdadeira ciência, objetiva e imparcial, ela própria, nas suas deduções será testemunha
da verdade da Bíblia. O padre são João de Kronstadt diz: "Quando começas duvidar de
algum personagem ou algum acontecimento, descrito nas Escrituras Sagradas, lembra-te
de que ‘as Escrituras foram inspiradas por Deus,’" como diz o Apóstolo, isto quer
dizer, que é verdadeiro, que lá não existem personagens ou acontecimentos fictícios, e
apesar de que lá há parábolas, lá não há contos fictícios, que são fáceis de perceber.
Toda a palavra de Deus é uma única verdade, completa e indivisível e se você achar que
um único acontecimento, uma única palavra, é mentira, você peca contra toda a verdade
de todas as Escrituras Sagradas, e o começo da verdade é o próprio Deus."

As Escrituras São Inspiradas por Deus.

Na nossa língua russa, bem como na língua eslava, geralmente referimo-nos às


Escrituras como "sagradas," o que significa que têm a bem-aventurança, que são a
emanação do Espírito Santo. Somente o Evangelho é denominado de "santo" e antes de
ouvi-lo pedimos faze-lo dignamente: "E pedimos ao Senhor Deus que sejamos dignos
de ouvir o santo Evangelho." Nos temos obrigação de ouvi-lo de pé: "De pé ouviremos
a leitura de santo Evangelho." No entanto, durante a leitura das Escrituras do Velho
Testamento ("paremias"), se ela não for lida como uma oração, mas tão somente para
ensinamentos, a Igreja permite ouvi-las sentadas. As palavras do apóstolo Paulo, que "as
estrelas são diferentes na sua gloria," podem ser atribuídas aos livros sagrados. Todas as
Escrituras foram inspiradas por Deus, porém o seu conteúdo os faz diferentes, lá —
judeus e a lei do Velho Testamento, aqui — o Novo Testamento com o próprio
Salvador Jesus Cristo e Seu Divino ensinamento.

O que faz as Escrituras inspiradas por Deus? Os escritores sagrados eram guiados e em
momentos culminantes iluminados por Deus. "Foi-me revelado por Deus" — dizem os
profetas, os apóstolos Paulo e João (no Apocalipse). Mas mesmo assim, os autores se
valem de costumeiros meios de conhecimento. Falando sobre o passado, eles usam as
tradições orais. "Ouvimos com os nossos ouvidos, ó Deus e nossos pais nos contaram o
que operaste nos seus dias, nos tempos de outrora..." "Quanto ouvimos e conhecemos,
quanto nos narraram os nossos pais, não o ocultaremos a seus filhos, mas à nova
geração o contaremos, os feitos gloriosos de Javé, Seu poder e as maravilhas que fez"
(Salmo 43[44]:1, Salmo 77[78]:2-3). O apóstolo Lucas que não fazia parte dos doze
discípulos de Cristo, descreve os acontecimentos "também a mim, pareceu-me bem,
tendo investigado tudo diligentemente desde o princípio, escrever-te em ordem" (Lucas
1:3). Depois, os autores sagrados usam documentos escritos, relações de homens e suas
famílias, relatórios oficiais com diversas indicações, como por exemplo nos livros dos
Reis e do Paralipomenon "o restante sobre Ocosia... está escrito nos anais dos Reis
Israelitas," "o restante sobre Ioafam... nos anais dos reis judeus." Também lá achamos
os documentos verdadeiros, como no primeiro livro de Ezdra, onde há bastante ordens e
relatórios textuais, ligados à reconstrução do templo de Jerusalém.

Os autores sagrados não eram donos de onisciência, a qual pertence exclusivamente a


Deus. Mas eles eram santos. "Os filhos de Israel não podiam fitar o rosto de Moisés por
causa do esplendor do seu semblante, que fora transitório" (2 Coríntios 3:7) Esta sua
santidade, a pureza de sua mente, a pureza do seu coração, o reconhecimento da altura e
responsabilidade de sua vocação está impressa nas suas escrituras: na verdade de seus
pensamentos, na verdade de suas palavras, na exata diferenciação entre a verdade e a
mentira. Eles começavam as suas escritas sob a inspiração superior e as cumpriram. As
vezes o espírito deles era iluminado por revelações e misteriosas penetrações no
passado, como no livro de Gênesis do profeta Moisés, ou no futuro, como nos profetas
posteriores e nos apóstolos de Cristo. Isto lhes era revelado como através de uma
cortina. "Agora vemos por espelho, de maneira confusa, mas então será face a face.
Agora conheço de modo imperfeito, mas então conhecerei como sou conhecido" (1
Coríntios 13:12).

Tanto referindo-se ao passado, como ao futuro, nesta clarividência o tempo não é


computado — os profetas vêem "longínquo como o que está perto." Por isso, os
evangelistas retratam dois acontecimentos futuros: a devastação de Jerusalém e o fim do
mundo, ambos preditos pelo Nosso Senhor, da forma que estes acontecimentos quase se
fundem numa só perspectiva do futuro. "Não vos compete saber o tempo e o momento
que o Pai fixou por sua própria autoridade" disse o Senhor (Atos 1:7).

A inspiração por Deus pertence tanto às Escrituras Sagradas, como à Tradição Sagrada.
A Igreja as reconhece ambas como fontes igualmente fidedignas, porque aquela
tradição, que reflete a voz de toda a Igreja, é também a voz do Espírito Santo, que mora
na Igreja. Da mesma forma, todas as nossas missas são inspiradas por Deus, como é dito
numa das orações: "Reverenciaremos os testemunhas da verdade e os pregadores da
devoção em nossas orações." A Liturgia dos Santos Mistérios, que também é chamada
de "Liturgia Divina," é particularmente inspirada por Deus.

A Criação do Mundo.

No livro de Gênesis, a criação do mundo está em primeiro lugar. Moisés, que viu
Deus, conta sobre a criação do mundo numa maneira bem concisa. Toda a sua narração
cabe numa página só. Mas, junto com isto, ele abraçou tudo com um único olhar. Nesta
brevidade há muita sabedoria, pois qual grandiloqüência poderia abranger todas as
grandes obras de Deus? Na realidade, esta página é por si só um livro completo, e foi
necessária uma grande enlevação de espírito e inspiração do céu para escreve-la. E não
é atoa que Moisés termina o relato sobre a criação com as seguintes palavras, como se
terminasse a sua obra inteira: "Tal foi a história do céu e da terra ao serem criados, no
dia em que Javé fez a terra e o céu."

Esta era uma enorme tarefa — falar sobre a criação do mundo e de tudo que está no
mundo. Esta tarefa requeria uma grande variedade de expressões, de um dicionário
técnico e filosófico. Mas, o que tinha Moisés? Ele tinha uma língua quase primitiva com
algumas centenas de palavras. Lá quase não existiam palavras abstratas, que hoje nos
facilitam tanto a expressão de nossos pensamentos. O pensamento antigo consiste de
imagens e todas as palavras transmitem aquilo que é visto ou ouvido. Mas Moisés tem
um enorme cuidado no uso das palavras do seu tempo, para não mergulhar o
pensamento sobre Deus em imagens puramente terrestres. Ele precisa dizer: "Deus fez,
Deus pegou, Deus viu, Deus disse — e até Deus andou." Mas as primeiras palavras de
Gênesis: "No começo Deus criou" e mais adiante "o Espírito de Deus pairava sobre as
águas" já nos falam claramente sobre o Deus Espírito Santo, mostrando a metáfora das
expressões humanas. No Saltério, que é um livro posterior, esta metáfora está sendo
largamente usada, e ainda com maior clareza: no Saltério nos lemos sobre a face de
Deus, sobre as mãos, os olhos, os pés, os ombros, o ventre. "Levanta, tira a Tua
espada..." clama Davi a Deus. São João Crisóstomo, nas suas palestras sobre o livro de
Gênesis, a respeito das palavras: "escutaram o rumor dos passos de Javé Deus que
passeava no Jardim à hora da brisa do dia," nos diz:

"Meus queridos, não passaremos sem a devida atenção por aquilo que foi dito nas
Escrituras Sagradas, e não nos deteremos nas palavras, mas refletiremos, que palavras
tão simples são usadas por causa da nossa fragilidade, e tudo é feito de maneira
adequada para a nossa salvação. Pois, me diga, se quisermos entender as palavras no seu
sentido exato, e não no seu sentido de inspiração por Deus, será que muitas coisas não
nos parecerão estranhas? Vejamos bem o começo da nossa leitura. — "Escutaram o
rumor dos passos de Javé Deus que passeava no Jardim à hora da brisa do dia e
tiveram medo." O que dizes? Deus passeia? Será que vamos muni-lo de pernas? Não
subentenderemos nada mais elevado? Não, Deus não anda — não! Como seria possível
que Aquele, Que se encontra em todo lugar, Cujo Trono é o céu e o pedestal de Seus
pés é a terra, anda pelo jardim de Éden? Que pessoa de insensata poderia dizer isto? O
que significa: ouviu a voz de Deus que passeava pelo jardim à hora da brisa do dia? Ele
queria excitar neles o sentimento de Sua proximidade, para que eles sentissem uma
intranqüilidade, o que realmente aconteceu: eles sentiram isto e tentaram se esconder de
Deus, que estava se aproximando. Aconteceu o pecado — o crime, e eles sentiram
medo, eles sentiram vergonha. O juiz imparcial — a sua consciência — se elevou,
clamando em voz alta, lhes acusava, lhes mostrava diante de seus olhos como era
grande o crime. O Senhor no começo criou o homem e lhe deu a consciência, como um
incessante acusador, que não pode ser iludido ou enganado..."

Na nossa época de pesquisas e descobertas geológicas, paleontológicas e outras, o


mundo antigo nos parece muito antigo no tempo; o aparecimento do homem é cotado
por muitos e muitos míticos milênios; a ciência que trata da criação do mundo anda pelo
seu próprio caminho. Mas nos não precisamos tentar conciliar os relatos da Bíblia com a
ciência de hoje em todos os seus aspectos. Não precisamos nos aprofundar na geologia e
paleontologia por causa da Bíblia. Nos estamos certos, de que no fim os dados da Bíblia
e os dados da ciência não cairão em contradição, mesmo se, nos dias de hoje, a sua
coincidência não é muito clara para nós. Em alguns casos, os dados da ciência nos
poderão mostrar como devemos compreender os dados da Bíblia. Alguns aspectos
destas duas fontes são incomparáveis, pois têm diferentes finalidades, são até
contraditórias na sua concepção do mundo.

A tarefa de Moisés não consistia em estudo do mundo físico. Porém, convém dizer e
agradecer a Moisés que ele deu à humanidade a primeira e elementar história da criação
do mundo; que ele foi o primeiro a dar-nos a história do homem primitivo; que, enfim,
no livro de Gênesis ele deu o início à história dos povos; tudo isto mostra a sua
magnitude. A criação do mundo, o passado do mundo inteiro são nos dados numa só
página da Bíblia; este relato conciso já, por si só, nos mostra porque ele não se
aprofundou no grande abismo do passado e antes nos mostrou tudo como numa
superfície plana., como num quadro geral.

Mas a finalidade deste relato de Moisés — através do narração da criação — era incutir
ao seu povo, bem como aos outros povos, as básicas verdades religiosas.

A verdade principal é sobre Deus, como o Ser Uno Espiritual, que não depende do
mundo. Esta verdade foi guardada naquele ramo da humanidade, que nos capítulos 5 e 6
da Bíblia é chamada de "filhos de Deus," a fé em Deus Único foi transmitida por eles ao
Abraão e seus descendentes. No tempo de Moisés, os outros povos já perderam esta fé
há muito tempo. Ela foi ofuscada até no povo de Israel, que estava rodeado por povos
com politeísmo, e durante a escravidão no Egito já começou a se apagar. A grandeza do
Deus-Espírito Único foi revelada a Moisés ante a sarja que ardia sem ser consumida,
quando ele perguntava perplexo: "Eis que eu irei aos filhos de Israel e dir-lhes-ei: O
Deus de vossos pais enviou-me a vós; se eles me perguntarem: Qual é o Seu nome? Que
lhes hei de responder?" Daí, numa voz misteriosa, Moisés ouviu o nome do Próprio
Criador do mundo: "Eu Sou Aquele Que Sou! Assim dirás aos filhos de Israel: Aquele
Que me disse ‘Eu Sou’ enviou-me a vós." Esta sublime apresentação de Deus foi dita
por Moisés com as primeiras palavras do livro de Gênesis: "No começo Deus criou o
céu e a terra." Quando ainda não existia nada material, já existia o Único Deus Espírito,
Que é fora do tempo, fora do espaço, Cuja existência não é ligada ao céu, pois o céu foi
criado junto com o tempo e junto com a terra. Na primeira linha do livro de Gênesis está
escrita a palavra "Deus," sem qualquer explicação ou determinação ou delimitação, pois
a única coisa que pode ser dita sobre Deus é que Ele é, que Ele é existência única,
verdadeira, Fonte de toda existência, que Ele É Aquele Que É.
Esta verdade está ligada a várias outras verdades sobre Deus, sobre o mundo, sobre o
homem, que emanam da narração sobre a criação, a saber:

• Deus não deu nada de Si, nada perdeu, nada recebeu para Si mesmo com a
criação do mundo
• Deus criou o mundo por Sua livre vontade, pois Ele não tinha necessidade disto
• O mundo como tal não tem a natureza divina, ele não nasceu de Deus, ele não é
nenhuma parte de Deus, ele não é o corpo de Deus
• O mundo é o espelho da sabedoria, da força e da benevolência de Deus
• Na criação do mundo "tudo assim era bom": o mundo na sua integridade é
harmônico, maravilhoso, constituído de uma maneira sábia e boa
• O homem é uma criatura terrestre, criado a partir da terra e destinado a ser o
auge de todos os seres criados
• O homem é criado segundo a imagem de Deus e tem em si o sopro da vida de
Deus

A conclusão de todas estas verdades é lógica: o homem é obrigado a aspirar a pureza e


altura moral, para não sujar e perder a imagem de Deus e para ser digno de encabeçar
toda a criação terrestre.

Naturalmente, com a revelação da criação do mundo foram banidos das cabeças do


povo hebreus todos os relatos sobre os muitos deuses e deusas, que o circundavam, os
quais: a) eles mesmos dependem da existência do mundo e na realidade não podem
fazer nada, b) eles mesmos são cheios de fraquezas, paixões, inimizade e são eles os
portadores do mal moral, e por isso c) mesmo se existissem, seriam incapazes de elevar
moralmente os homens. A história da criação do mundo, tendo o seu próprio valor da
verdade inspirada por Deus, ainda desfecha um golpe sobre religiões pagãs, politeístas e
mitológicas.

O livro de Sabedoria do Rei Salomão nos mostra como era a concepção de Deus no
Velho Testamento: "O mundo inteiro diante de Ti é grão de pó na balança, gota de
orvalho matinal sobre o chão" (Sabedoria 11:22).

O livro de Gênesis professa o monoteísmo puro e imaculado. Mas o cristianismo revela


nesta narração do Velho Testamento uma grande verdade: a verdade da unidade da
existência e a trindade de Hypóstasis, quando lemos: "Façamos o homem à Nossa
imagem... Eis que o homem se tornou como um de Nós"; mais tarde, Deus apareceu ao
Abraão nas figuras de três Peregrinos.

Este é o sentido desta curta narração. Se todo livro de Gênesis consistisse somente desta
primeira página sobre o mundo e a humanidade, mesmo assim ele seria um grande livro,
a magnífica expressão da revelação Divina, da iluminação Divina do raciocínio do
homem.

O Amanhecer do Homem.
O segundo e o terceiro capítulo de Gênesis abrem outro tema, começam, por assim
dizer, outro livro: a história da humanidade. É compreensível que Moisés fala duas
vezes sobre a criação do homem. Ele tinha de falar obrigatoriamente sobre o homem
como a obra-prima da criação, ainda no primeiro capítulo. Agora, fechando o primeiro
tema com as palavras: "Tal foi a história do céu e da terra ao serem criados," Moisés
por necessidade recomeça a história da humanidade a partir da criação do primeiro
homem e sua mulher, o que é narrado no segundo capítulo; também aqui é mostrado
como era a vida no Éden (paraíso). O terceiro capítulo narra sobre o pecado original e a
perda do paraíso. Nestas narrações, além do sentido direto, temos ainda um sentido
oculto e hoje somos incapazes de saber, onde é narrado aquilo que realmente aconteceu
e onde a narração é simbólica. Por isso, não temos direito de modificar estes relatos de
Moisés a nosso bel-prazer. Sabemos somente, que estes acontecimentos têm um enorme
significado.

O símbolo é uma expressão condicional, conveniente porque é pitoresco e por isso


facilmente lembrado e não necessita de muitas palavras para expressar o pensamento; ao
mesmo tempo fica gravada a idéia do acontecimento. O símbolo nos dá a possibilidade
de maior aprofundamento no significado. Assim, são João de Kronstadt, ao citar do
salmo as palavras "as Tuas mãos me criaram" explica: "Tuas mãos — O Filho e o
Espírito Santo." A palavra "as mãos" nos lembram da Santíssima Trindade. Um
pensamento parecido lemos no santo Irineu de Lion (século II): "O Filho e o Espírito
Santo são como as mãos do Pai."

Precisamos dividir o símbolo bíblico, a figura bíblica, com o seu sentido oculto do mito.
Na Bíblia não existe a mitologia. A mitologia compreende politeísmo, muitos deuses, a
personificação dos fenômenos da natureza e nesta base cria narrações fantasiosas.
Temos o direito de dizer que a Bíblia desmistifica tudo, ela é dirigida contra os mitos.

Algumas pessoas podem dizer que na mitologia também existem símbolos. Sim,
realmente, existem. Mas a contradição está no fato de que Moisés usa os símbolos para
falar da verdade, muitas vezes profundamente mística; as narrações mitológicas
representam fantasias, sugeridas pelos fenômenos da natureza. Aqui temos o símbolo da
verdade, lá — os símbolos de pura fantasia. Para o cristão ortodoxo, esta é a diferença
entre um ícone e um ídolo: o ícone representa aquilo que realmente existe; ídolo —
representação de um ser fantasioso.

Lá, onde precisa ser descoberta a verdade, existem mais símbolos. Assim, por exemplo,
é a narração da criação da mulher da costela de Adão.

São João Crisóstomo diz: "E tirou, dizem, uma de suas costelas." Não entendas estas
palavras ao pé da letra, mas saiba, que estas palavras vulgares são adaptadas à fraqueza
humana. Se as Escrituras não tivessem usado estas palavras, como poderíamos conhecer
o mistério? Não vamos nos deter só nas palavras, mas aceitaremos tudo com o devido
respeito a Deus. A palavra "tirou" e outras parecidas foram usados por causa da nossa
fraqueza."

Nós compreendemos a conclusão moral desta narração, indicada pelo apóstolo Paulo,
que a mulher foi chamada para se submeter ao marido: "a cabeça da mulher é o
homem; a cabeça do homem é Cristo...; não foi o homem criado da mulher, mas a
mulher criada do homem." Mas porque Moisés se detêm no modo da criação da
mulher? Com certeza, ele visa defender a consciência dos judeus das fantasias de
mitologia, e em particular da mitologia da Mesopotamia, a antiga pátria dos hebreus.
Estes contos são sujos e tentadores no sentido moral, dizendo que o mundo dos deuses,
o mundo dos homens e o mundo dos animais se misturam: os deuses e as deusas se
juntam aos homens e aos animais. Vemos a alusão a isto nas representações de touros e
leões com cabeças humanas, tão difundidas na escultura caldéia, mesopotamica e
egípcia. A narração da Bíblia sobre o modo de como foi criada a mulher fortalece o
pensamento de que a humanidade tem o seu começo completamente independente e
guarda pura a natureza física do homem, que é diferente tanto dos seres do mundo
superior, tanto do mundo inferior, animal. Isto é comprovado pelas seguintes palavras:
"Não é bom que o homem esteja só. Vamos fazer-lhe um auxiliar que lhe convenha." E
conduziu à presença de Adão todos os animais, e Adão lhes deu os nomes, — "para o
homem, todavia, não se achou um auxiliar que lhe conviesse." Aí, Deus mandou sono
para Adão e de sua costela criou-lhe a mulher.

Assim, seguindo a verdade de unidade de Deus, foi estabelecida a unidade e a


independência, originalidade do gênero humano. O Apóstolo Paulo começa a sua
pregação no areópago de Atenas com as seguintes palavras: Deus é único — e "Se de
um só indivíduo Ele fez todo o gênero humano para que os homens povoassem toda a
face da terra, e fixou aos povos os tempos que lhes eram destinados e os limites de suas
moradas" (Atos 17:26). A narração sobre a criação do homem no livro de Gênesis é um
golpe duro sobre as imagens politeístas e mitológicas, igual ao golpe referente à criação
do mundo.

Os primeiros homens viveram no paraíso, no Éden, num jardim maravilhoso. O


despertar do homem, na narração de Moisés, é iluminado com os abençoados raios do
sol. Agora, sob a influencia dos achados nas grutas, o homem antigo é representado
como nas trevas, que nos deixa com uma impressão repulsiva de sua aparência, parecida
com as feras, com o maxilar inferior proeminente, com ameaça ou medo nos olhos, com
um porrete nas mãos, caçando a carne crua. Porém, a Bíblia nos mostra o homem como
uma criação Divina nobre, mesmo que no seu aspecto espiritual ainda infantil, com o
rosto claro e límpido, e não escuro e sombrio. O intelecto dele era sempre superior ao
resto das criações. O dom da palavra lhe deu a possibilidade de um maior
desenvolvimento de sua natureza espiritual. A riqueza das plantas e ervas lhe deu uma
farta comida. A vida num clima favorável não representava muito trabalho. A pureza
moral lhe proporcionava uma paz interior. O processo do desenvolvimento poderia
tomar um rumo mais alto, desconhecido por nos.

Ao mesmo tempo, no mundo animal, que é inferior ao do homem, temos tantos animais
e aves agradáveis, harmoniosamente criados, mostrando a sua beleza e graciosidade, e
ao mesmo tempo, tão meigos, preparados para afeição, ao apego, à confiança e,
principalmente, prontos ao nos servir desinteressadamente; então porque, se no mundo
vegetal temos tanta harmonia e beleza, podemos dizer até competição em servir ao
homem com os seus frutos — porque somente o homem da antigüidade é representado
sem tudo aquilo belo e atraente que temos no mundo animal e vegetal?

O Pecado Original.
A bem-aventurança do homem e a sua proximidade a Deus são inseparáveis. Deus é
meu manto e minha proteção — de quem posso ter medo?

Deus "passeava no paraíso," tão próximo era Ele ao Adão. Mas, para sentir a
proximidade de Deus e reconhecer a Sua proteção, o homem precisa ter a consciência
limpa. Nos perdemos a consciência limpa e o sentido de proteção. Os primeiros homens
pecaram e já se escondem de Deus. "Adão, onde estás?" — "Ouvindo o rumor de Teus
passos no Jardim, tive medo, porque estava nu, e me escondi."

Deus é onisciente e Ele é sempre perto de nós, — diz a palavra de Deus, — somente a
sensação desta proximidade é obscurecida por nossos pecados. Porém ela não se
extingue por completo; durante todos os séculos da humanidade esta sensação vivia e
vive nos homens santos. Sobre Moisés sabemos, que Deus falava com ele "de frente
para frente," como com algum amigo. "Senhor, estás perto" lemos nos salmos. "A
minha alma está em Deus como um peixe na água, ou uma ave no ar, de todos os lados
e sempre está rodeada por Ele; vive Nele, se movimenta por Ele, Nele descansa, Nele
tem a sua amplidão," diz são João de Kronstadt. E num outro lugar ele raciocina: "O que
significa a aparição de três Peregrinos ao Abraão? Isto significa que Nosso Senhor, na
Sua Trindade, como que constantemente peregrina pelo mundo e vigia tudo, que lá
acontece, e aos Seus servos, que são vigilantes e atenciosos para com a sua salvação e
procuram por Ele, vem Ele mesmo, os visita e conversa com eles, como com os Seus
amigos: "e viremos a ele e nele estabeleceremos morada" (João 14:23); os maus
homens serão queimados com fogo.

Quando foi perdida a proximidade, foi perdida também a beatitude. Com a perda da
beatitude veio o sofrimento. A essência da narração de Moisés sobre o pecado original é
a mesma que na parábola sobre o filho pródigo. O filho se afastou do pai, se escondeu
dos olhos dele, tentado pelo deleite da vida em liberdade. Mas no lugar de deleite,
recebeu um pouco de vagens, comida dos animais. Isto mesmo aconteceu com Adão e
Eva: como conseqüência do pecado veio o sofrimento. "Tornarei penosa a tua gravidez,
e entre penas darás à luz teus filhos..." "Produzirá para ti espinhos e abrolhos, e
viverás das ervas do campo; com o suor de teu rosto, comerás o pão; até que voltes ao
solo, donde foste tirado. Porque és pó e em pó tornarás" (Gênesis cap. III)

Comer do fruto proibido — parece uma coisa tão insignificante — e quais as


conseqüências e qual o castigo? Mas, na vida tudo começa sempre assim: de uma coisa
insignificante e pequena cresce uma coisa grande. O desmoronamento da neve nas
montanhas começa com um pequeno empurrão. O rio Volga começa como uma
pequena fonte, e o rio Hudson — um rio muito largo, tem o início numa pequena
"Lágrima das nuvens" nas montanhas.

A mais simples observação das coisas nos mostra que os vícios levam ao sofrimento e
que o homem se castiga a si mesmo. Mesmo que a morte e outras dificuldades são
enviados por Deus, devemos reconhecer, que a maioria dos sofrimentos do homem é
criada pela própria humanidade. Assim, temos as mais cruéis guerras, com a maneira
mais desumana de tratamento dos vencidos, a qual, na realidade, constitui toda a
historia da humanidade, e as maiores atrocidades durante os tempos da paz, infligidos
pelo homem ao homem: isto inclui a escravidão, o jugo dos forasteiros e a mais variada
violência, que são a conseqüência não só do egoísmo e da cobiça, mas de um prazer
demoníaco em ver o sofrimento dos outros — enfim tudo, que um ditado antigo diz: o
homem é como um lobo para o homem.

Se não tivesse o pecado original, será que o homem seria absolutamente feliz na terra?
Será que não existiria nada de desagradável, nenhuma infelicidade, nenhum acaso? Pelo
que podemos perceber, a Bíblia não nos fala disto. Onde há luz, há também as sombras,
onde há alegria, deve haver tristeza. Mas que tristeza pode demorar por muito tempo,
quando Deus é perto? Se Ele manda os Seus anjos guardar a Sua melhor criação, que
leva o Seu semblante? A Igreja diz, que o homem no paraíso era predestinado para
imortalidade, não só espiritual, como também material. Mas, mesmo se materialmente
ele fosse mortal, onde estaria a dor da perda, se ele sentisse com toda a sua alma a sua
eternidade espiritual, se ele soubesse e sentisse, que isto seria somente uma passagem
para uma vida melhor e mais perfeita?

O Problema do Mal.

Esta é a mais ampla pergunta, com o mais difícil problema do ponto de vista religioso
— o sofrimento no mundo. Porque a lei da constante renovação da vida — a
maravilhosa lei da vida do mundo — é ligada aos sofrimentos? Será que é inevitável a
aniquilação mútua das espécies, será que é inevitável que uns são devorados pelos
outros para o sustento da vida, o medo dos fracos diante dos fortes, a vitória da força
bruta no mundo animal? Será que a luta mútua é a eterna lei da vida?

A Bíblia não nos dá nenhuma resposta direta. Porém, podemos achar algumas respostas
indiretas. Eis o que ela diz sobre a primeira lei da nutrição, dada por Deus aos homens.
Deus destinou aos homens os frutos e as sementes de plantas (Gênesis 1:29). E sobre os
animais Ele diz: "E também a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a tudo
que se move sobre a terra, na qual existe sopro de vida, dou, para que se alimentem, as
plantas verdes. Deus viu tudo o que fizera, e eis que estava muito bom" (Gênesis 1: 30-
31).

Mas, aconteceu o pecado no mundo. Aconteceu uma plena degradação do homem antes
do dilúvio. Isto se deu também no mundo animal. "Viu Javé que grande era a maldade
do homem sobre a terra e que no seu coração não formava, a todo instante, senão maus
desejos." A lei da colaboração deu lugar à lei da luta. E o apóstolo Paulo diz: "Em
contínuos anelos a criação aguarda por esta manifestação dos filhos de Deus. Pois, as
criaturas ficaram sujeitas à degredação, não por sua vontade, mas em razão de quem
as sujeitou, na esperança de serem libertadas, também elas, da escravidão da
corrupção, para participarem da liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Bem sabemos
que a criação inteira geme até agora, suspirando, transida de dor, por novo
nascimento. Mas não somente ela, senão também nós mesmos, que possuímos as
primícias do Espírito, gememos em nosso interior, esperando a filiação adotiva, a
redenção de nosso corpo" (Romanos 8:19-23) Isto significa, que a nossa lamentação
não é eterna e sendo assim, a lei do mais forte e a lei da luta também não o são. Será que
a lei da vida é incontestável? Será que não percebemos, que no mundo animal tudo que
é feroz, bestial, terrível na sua força some mais cedo do mundo do que aqueles animais
dóceis, indefesas, que continuam vivendo e se multiplicando? Será que isto não indica
também ao homem não contar com a lei da força? O santo profeta Isaías nos fala sobre
o futuro desta lei, profetizando sobre o futuro — sem dúvida referindo-se ao mundo que
não seja mais pecaminoso — quando "pastarão junto lobo com o cordeiro e o lince
dormirá junto com o bode."

A história do aparecimento do mal no mundo — do mal moral e sofrimentos espirituais


e físicos, descrita no terceiro capítulo da Gênesis desfere um novo, terceiro golpe na
mitologia pagã. Conforme a mitologia, as paixões e os vícios, e junto com eles o
sofrimento, são inerentes aos deuses; eles lutam entre si, traem, matam; existe uma
religião que afirma que há deus do bem e deus do mal; mas, seja como for, o mal existe
desde o começo; e daí o sofrimento é a lei normal da vida; e não há caminho para uma
verdadeira perfeição moral. Mas não é isto que a Bíblia diz. Deus não fez o mal. Tudo
que Ele fez, por sua natureza "era bom." O pecado entrou na vida através da tentação:
por isso, ele se chama de pecado, isto é, erro na direção, perda do rumo, desvio da
vontade para o lado errado. Junto com o pecado entrou o sofrimento.

O autor da "Sabedoria de Salomão" diz: "Deus não fez a morte, nem se alegra com a
ruína dos vivos. Criou tudo para que tudo subsista: as criaturas do mundo são
salutares, nelas não há mortífero veneno, nem domínio da morte na terra" (Sabedoria
1:13-14) "Deus criou o homem para a vida eterna e fê-lo a Sua própria imagem: pela
inveja do diabo a morte entrou no mundo; provam-na os que são do partido dele"
(Sabedoria 2:23-24).

Mas a lei moral não é destruída pela queda do homem. Ela continua acesa, e a diferença
entre o bem e o mal não foi perdida. O homem tem a possibilidade de voltar à riqueza
perdida. O caminho é aquele relatado no terceiro capítulo da Gênesis, onde é relatado o
banimento do paraíso, a tristeza, que leva à purificação moral e ao renascimento. Daí, a
partir dos últimos versículos do terceiro capítulo de Gênesis se abre, à distância, o
radiante horizonte da salvação do homem, através da vinda de Salvador, do mal moral e
com ele do sofrimento e da morte.

Assim, a história do pecado original tem um significado muito importante para a


compreensão de toda historia da humanidade, pois ela se encontra em contato direto
com o Novo Testamento. Aqui temos um paralelo entre dois acontecimento — o pecado
do Adão e a vinda do Filho de Deus para a terra; ela é sempre presente no pensamento
cristão, tanto na sua totalidade, como nas particularidades. Cristo é chamado de
Segundo Adão, a cruz é contraposta à arvore do pecado. Até as tentações de Cristo pelo
diabo no deserto nos lembram parcialmente a tentação da serpente; lá — comam a fruta
e sejam como deuses; aqui — se és Filho de Deus, manda as pedras se transformarem
em pão. Para a história do pecado original os padres preferem a compreensão ao pé da
letra. Mas até aqui o elemento real da compreensão direta se entrelaçou com o elemento
místico espiritual a tal ponto, que ficou indivisível. Assim são, por exemplo, as
denominações místicas da "arvore da vida" e da "arvore da ciência do bem e do mal." E
a Igreja, alegrando-se, olha para aquele mesmo "Paraíso antigo," contempla o querubim,
colocado lá na porta do Paraíso no banimento de Adão, que já deixou de guardar a
árvore da vida e a espada ardente já não impede a entrada no paraíso. E o ladrão que se
arrependeu na cruz ouve as palavras de Cristo Crucificado: "Hoje estarás Comigo no
Paraíso."
A História e a Arqueologia da Bíblia.

O livro de Gênesis nos fala muito pouco sobre o começo da vida humana. O período
até o dilúvio, após a história de Caim e Abel, é quase limitada a genealogia, a nomes.
Computando os anos de vida dos patriarcas, recebemos um período de uns 1600 anos.
Esta história de tantos séculos é toda relatada somente no capítulo 4. Isto nos demonstra
de como Moisés é cauteloso, como ele protege o seu relato das narrativas populares e
mitológicas. É óbvio, que a fonte da relação genealógica eram as inscrições da
Mesopotamia. A humanidade, desde a sua alvorada, protegeu com grande zelo a sua
história. As tribos guardavam a memória de seus antepassados, mas isto só se dava
através uma relação de nomes e anos de vida! Hoje nas escavações da Mesopotamia são
achados inscrições cuneiformes, que remontam até terceiro milênio ante Cristo, o que
quer dizer, alguns séculos antes de Abraão. Mas a antigüidade visava preservar a
memória sobre os grandes antepassados também além de inscrições, erigindo para isso
magníficos túmulos e outros monumentos. Após o minucioso relato sobre o dilúvio, o
livro de Gênesis continua a relação da genealogia, novamente de uns 2.000 anos. A
relação dos patriarcas até Abraão, de acordo com fontes para nos desconhecidas, é
também rigorosa. Estes esquemas são interrompidos por duas narrações: 1) sobre o
dilúvio e Noé e seus filhos, e 2) sobre a construção da torre de Babel e a dispersão dos
povos.

Se Moisés se deteve na história do dilúvio, evidentemente ele tinha dados para isso. O
dado principal era a tradição do dilúvio entre o povo hebreu daquela época. Ela foi
trazida pelos hebreus até o Egito e lá cuidadosamente guardada. Ao mesmo tempo, entre
o povo egípcio o relato sobre o dilúvio já foi perdido. Porém podemos encontra-lo, com
detalhes mitológicos, nas tabuinhas da Mesopotamia (Suméria, um povo não hebreu, na
biblioteca de Assurbanipal). Em linhas gerais, este fato confirma a memória sobre o
dilúvio na Mesopotamia. Levando em conta a língua daquela época, a limitação da
compreensão das palavras "o mundo inteiro," podemos admitir que a expressão "o
mundo inteiro... todos os animais" têm como limite o país habitado. Naquela época tudo
aquilo, que estava diante dos olhos, era tido como "tudo, todos," no sentido relativo. Até
na época do Império Romano e do começo do cristianismo, "o mundo inteiro"
significava aquela parte do mundo, que era conhecida e explorada. Porém isto é
somente uma das hipóteses sobre o dilúvio.

O relato de Moisés sobre o dilúvio era sujeito a três idéias mestres, evidentes em toda a
Bíblia: a) a permanência do mundo sob a vontade de Deus, b) as tragédias dos povos
como castigo por sua depravação e c) escolha de uma tribo, mais tarde, um povo, como
guardião da verdadeira fé.

A narrativa sobre uma língua única entre os povos, sobre a construção da torre de Babel
e sobre a dispersão dos povos é um outro pormenor entre o curto esquema da
genealogia. A arqueologia moderna confirma a existência da torre de Babel.

A partir do tempo de Abraão, o livro de Gênesis começa um sistemático histórico relato.


Aqui começa a história do povo hebreu. Ela continua nos outros quatro livros do
Pentateuco, e depois nos livros históricos do Velho Testamento, parcialmente nos livros
dos profetas e no fim se aproxima aos tempos do Novo Testamento.
A arqueologia nos proporciona um rico material paralelamente com a história bíblica, a
partir do tempo de Abraão. Ainda umas poucas décadas atrás a crítica bíblica achava
que a Gênesis não passava de uma coletânea de piedosas lendas. As escavações
contemporâneas demonstram a veracidade da Gênesis. As escavações, uma após a outra,
revelam a veracidade das narrativas bíblicas. Elas demonstram a antigüidade dos nomes
e dos costumes, mencionados por Moisés. Assim são os nomes de Abraão (Abam-ram),
Jacó (Jacó-El): eles são encontrados como nomes próprios na antiga Mesopotâmia. Os
nomes dos ancestrais e familiares de Abraão figuram como nomes das cidades, pois as
cidades recebiam nomes de seus fundadores. Das cidades, por sua vez, eles eram
transferidos para as pessoas descendentes delas. Assim, entre os nomes das cidades
temos: Farra (pai de Abraão), Seruc (avô de Farra), Falec (seu ancestral), Nahor e Aran
(irmãos de Abraão), e Harran — lugar na Mesopotâmia, de onde eles saíram.

As "tabuinhas de Nuza" encontradas na Mesopotâmia vertem a luz sobre os costumes


daqueles tempos, por exemplo, o fato de que Abraão, antes do nascimento de Isaac,
queria adotar uma pessoa da família — Eliazar. Outros fatos: a venda de primogenitura
pelo Esau, a benção dos patriarcas antes da morte, a história com os ídolos (levados pela
Raquel da casa do seu pai Labão). Naturalmente, as épocas mais recentes dão mais
material arqueológico. Também, são lógicas as perplexidades na coordenação dos
detalhes. Porém verifica-se que "A Bíblia tinha razão" (nome de um livro alemão). Um
dos arqueólogos americanos, que estudam a Bíblia disse: "Sem dúvida alguma, agora a
arqueologia vai comprovar a veracidade histórica do Velho Testamento."

Os livros históricos do Velho Testamento, bem como os cinco livros de Moisés sobre as
leis, demonstram a conexão entre a vida piedosa de um povo e o seu bem-estar, por
outras palavras, de que as calamidades são sempre a conseqüência da apostasia e da
degradação moral. Por isso, até na época de cristianismo a historia do Velho Testamento
permanece atual e a Igreja usa muitos materiais de lá para mostrar exemplos. Porém
aqueles livros históricos, onde o elemento nacional judeu ofusca a idéia religiosa (Ester,
Judite), não são usados pela Igreja durante as missas. Assim, o material histórico do
Velho Testamento não tem valor como tal, pois "passou o que era antigo" (2 Cor. 5:17),
mas tem valor como moralizador.

O profeta Moisés e os outros escritores sagrados falam sobre os inúmeros milagrosos


acontecimentos, que demonstravam a força de Deus. Mas raramente eles usam a palavra
"milagre." Eles demonstram, que toda a história se passa diante dos olhos de Deus, que
todos os acontecimentos somente nos parecem divididos entre fenômenos comuns e
incomuns, naturais e milagrosos. Para uma pessoa fiel, todo milagre é somente como
um rasgo na cortina, atrás da qual acontece o constante milagre da providência Divina e
é escrito o texto do destino de cada um de nós.

A Sabedoria do Velho Testamento.

Os livros sapienciais constituem o terceiro grupo dos livros do Velho Testamento.


Eles ensinam ao homem construir a sua vida terrena de tal forma, que ela seja bendita
por Deus e por homens, que ela proporcione bem-estar e paz de espírito. Esta vida vem
da sabedoria, que emana de Deus.
Quando Salomão, começando o seu reinado, rezou e fez as suas oblações, Deus lhe
apareceu durante a noite e disse: "Peça o que queres receber." Salomão pediu a Deus só
uma coisa: sabedoria e conhecimento, para dirigir o povo de Deus. E Deus disse ao
Salomão: porque não pediste riqueza, bens, gloria, vitorias, uma vida longa, e pediste a
sabedoria e o conhecimento, receberás a sabedoria e o conhecimento, e as riquezas, os
bens e a glória te darei tão grandes, como ainda nenhum rei tinha e nunca mais terá
depois de ti

Os livros sapienciais são repletos de conselhos práticos de como levar a sua vida
particular e a vida de toda a família sabiamente, temendo a Deus, na verdade, na
honestidade, no trabalho, na moderação e como ser útil na vida social. Estes conselhos
são muito instrutivos, práticos de verdadeiros. Na construção das frases há muitas
metáforas, vivacidade e perspicácia, apesar de que algumas opiniões foram dadas num
tempo muito remoto e não correspondem aos nossos costumes. A tendência prática da
vida constitui o traço característico da sabedoria sapiencial do Velho Testamento.

Porém seria um grande erro pensar que a sabedoria bíblica é a sabedoria do bem-estar
terreno. A Bíblia vê a verdadeira sabedoria na devoção a Deus mesmo nos sofrimentos
mais atrozes, nos sofrimentos sem culpa, a sabedoria na aceitação dos caminhos
desconhecidos de Deus. "Nu sai do ventre da minha mãe, nu a ele retornei para além.
Javé deu, Javé tirou: bendito seja o nome de Javé,... se recebemos o bem de Deus, como
não receber igualmente a desgraça?" (Jô 1:21, 2:10). Esta é a sabedoria do justo Jô.
Mas não há sabedoria nas palavras dialéticas e lógicas de seus amigos, e não há
justamente porque eles orgulhosamente acham que compreendem os caminhos de Deus;
elas contêm aquilo que podemos chamar de racionalismo sobre o fundo religioso. Eles
foram aconselhados através Jô de pedir perdão a Deus.

O bem-estar, a riqueza, a fama, a glória são muito atrativos, mas não faz sentido se
prender a isto, eis a sabedoria final de Salomão. A morte espera por todos nós, e aqui se
verifica que tudo isto não passa de aparências, de vaidades — "Vaidade das vaidades!
Tudo é vaidade!" (Eclesiastes 1:2)

Na vida existe algo mais precioso, mais sublime, mais digno de louvor, que emana da
sabedoria. Isto é a tendência de conhecer as obras de Deus, o conhecimento da natureza,
o conhecimento puro: "Ele me deu ciência exata do que é que me fez conhecer a
estrutura do universo e a força dos elementos, o começo, o fim e o meio dos tempos o
alternar-se dos solstícios e a mudança das estações, os ciclos dos anos e as posições
dos astros, as distintas naturezas dos animais e os instintos das feras, o poder dos
espíritos e os pensamentos humanos, a variedade das plantas e as virtudes das raízes"
(Sabedoria 7:17-20). "Ama alguém a justiça? As virtudes são fruto de seus esforços, ela
ensina temperança e prudência, como também justiça e fortaleza, os bens mais úteis na
vida humana. Deseja alguém uma rica experiência: ela conhece o passado, presume o
futuro, penetra as máximas, resolve enigmas, prevê sinais e prodígios, a sucessão das
épocas e dos tempos" (Sabedoria 8:7-8). Nestas palavras vemos a aceitação dos direitos
da ciência em suas muitas ramificações.

A posse desta sabedoria não é um mérito pessoal, mas é uma dádiva de Deus. "Eu rezei"
— diz o autor da Sabedoria de Salomão: "Ele me deu a ciência exata. O que há de
oculto e manifesto, eu o conheci; artesã de todas as coisas, ensinou-me a sabedoria.
Nela há um espírito inteligente, santo, único em seu gênero, múltiplo, sutil, ágil,
perspicaz, puro, claro, impassível, amante do bem, penetrante, incoercível, benfazejo,
amigo dos homens, firme, seguro, despreocupado, tudo pode e abrange, com o olhar,
penetra todos os espíritos, os inteligentes, puros e sutis... Ela é reflexo da luz eterna,
espelho sem mancha do agir de Deus, a imagem de Sua bondade. Sendo uma só, tudo
pode; sempre a mesma, tudo renova. Passa, através dos séculos, para as almas santas,
fazendo-as amigas de Deus e dos profetas: Deus ama a quem vive em sabedoria"
(Sabedoria 7:21-23; 26-28).

Não é de se admirar, que tal exemplo de Sabedoria perfeita como nos livros sapienciais
do Velho Testamento é atual também na época de cristianismo, principalmente lá, onde
ela é demonstrada como "presidindo a próprio Deus." "Criou-me Javé no início de suas
vias, no prelúdio de Suas obras, desde sempre. Desde a eternidade fui fundamentada,
desde o começo, antes da origem da terra. Quando ainda não existiam os abismos, no
entanto, eu já tinha sido concebida. Antes de serem implantados os montes e antes das
colinas, eu já fôra gerada, antes de haver a terra e as campinas e os primeiros
elementos do pó do mundo. Ao firmar Ele os céus: estava eu lá; ao traçar Ele um
círculo à face do abismo e ao condensar as nuvens nas alturas e quando determinou as
fontes do abismo e quando assinalou limites aos mares e as águas não ultrapassavam
as bordas, estava ao Seu lado, como arquiteto, fazendo Suas delícias, dias após dias,
folgando-me todo o tempo em Sua presença, divertindo-me sobre a face da terra,
achando o meu prazer nos filhos dos homens..." "Quem me encontra, acha a vida e há
de obter o benefício de Javé" (Provérbios 8:22-35).

Aqui a Sabedoria é representada como um ente Divino; podemos achar também outras
expressões parecidas quando se trata de Sabedoria. Sob a influencia desta imagem na
filosofia religiosa, tanto no começo do cristianismo, como na idade média e agora, na
idade moderna, surgiu o pensamento que tentava penetrar na teologia, de que sob a
palavra "sabedoria" é entendida uma força Divina pessoal, hipostase, criada ou não,
talvez a alma do mundo, a "Divina Sofia." Os ensinamentos sobre a Sofia se acham nas
obras de Vladimir Soloviev e do padre Paulo Florenski, do padre S. Bulgakov. Eles têm
a sua própria filosofia e querendo justifica-la pelas Escrituras, não tomam em conta o
fato de que no Velho Testamento é comum personificar as idéias. O autor dos
Provérbios adverte que ao lê-las será necessário "entender as máximas, frases obscuras
e os ditos dos sábios e seus enigmas" (Provérbios 1:6), isto é, não interpretá-las ao pé da
letra.

Porém lá, onde a Sabedoria é representada muito expressivamente, como ente pessoal,
como Sabedoria hipostásica, O Novo Testamento a representa como o Filho de Deus
Jesus Cristo, "Força Divina e Sabedoria Divina," como o diz o apóstolo Paulo (1 Cor.
1:24). Este significado é dado, por exemplo, à leitura do livro de Sabedoria: "Erigiu a
Sabedoria sua casa e construiu suas sete colunas" (Sabedoria 9:1). Assim o autor
transporta o nosso pensamento diretamente para o Novo Testamento, à pregação do
Evangelho, ao mistério da Eucaristia e para a edificação da Igreja de Cristo; aqui o
Velho Testamento entra direto no Novo Testamento.

A Oração e o Hino do Velho Testamento.


Entre os livros sapienciais temos um livro todo especial, que é o livro das orações.
Quem dos cristãos, não só ortodoxos, mas de qualquer religião ou seita não conhece o
Livro dos Salmos e não conhece pelo menos um salmo, de penitencia, o salmo 50? Eis o
livro para todos, para todo tipo de oração, em todos os casos da vida: na tristeza, num
estado sem saída, na enfermidade, nas calamidades pessoais e de todo povo, nas
lágrimas de penitencia depois de uma queda, e na alegria após termos recebido o que
pedimos e na necessidade de agradecimento, como testemunha de fé, na devoção, no
fortalecimento da esperança e na pura glorificação de Deus. Os salmos contêm muitas
meditações, muitas referências à própria alma, muitos consolos. Por isso não é de se
admirar que este livro é tão usado na Igreja de Cristo. Não há nenhuma missa sem
salmos, alguns são lidos várias vezes ao dia. Além disso, o livro inteiro é lido na igreja
na forma de "kafismas," um salmo após o outro, pelo menos uma vez por semana. E
ainda, nas missas ortodoxas há muitos versículos dos salmos, como "prokimenons," nos
aleluias, versículos no "Deus Senhor"("Bog Gospod"), como partes de "stikhiras" e
outros: nos quais pedimos, nos arrependemos e glorificamos. As orações cristãs contêm
muitos expressões tiradas dos salmos. O Livro dos Salmos é completamente
cristianizado. Isto significa, que a Igreja interpreta tudo no sentido cristão, e sentido do
Velho Testamento é delegado ao plano posterior. As palavras "Levanta, ressuscita,
Senhor" se referem à ressurreição de Cristo; as palavras sobre o cativeiro são entendidos
no sentido de cativeiro do pecado, os povos inimigos de Israel — no sentido de
inimigos espirituais, e a palavra Israel — no sentido de povo da Igreja; o apelo à
matança dos inimigos — no sentido de luta contra as paixões; a salvação do Egito e da
Babilônia — como salvação em Cristo. Quase que em cada versículo dos salmos a
Igreja acha o reflexo do Novo Testamento, algum acontecimento ou pensamento, a
profissão da fé, da esperança e do amor. Isto nos foi ensinado pelos próprios Apóstolos,
pois nas suas epístolas eles usavam os versículos dos salmos no sentido do Novo
Testamento.

Alguns salmos têm umas expressões confusas, não só nas nossas traduções, mas até no
texto hebreu e na sua tradução para o grego, mas contêm também versículos
maravilhosos na sua expressão. Mas quantos salmos existem que são absolutamente
compreensíveis, espelham o nosso estado espiritual e dão a plena interpretação dele, são
uma oração que parece ter sido criada nos nossos tempos e para nós, e não nos tempos
tão remotos!

Entre os livros sapienciais há um livro sobre o amor. Este é o "Cântico dos Cânticos"
sobre o amado e a amada. A primeira vista este Cântico pode parecer tão somente uma
canção lírica e assim ele é interpretado por pessoas liberais, que não seguem a
interpretação dos Doutores da Igreja. Primeiro precisamos ler os profetas para entender,
que no Velho Testamento a palavra "amado — amada" se refere à ligação entre Deus e
o seu povo eleito e se este livro foi aceito entre as escrituras sagradas dos judeus, isto
foi porque — seja qual fôr a sua primeira significação — a tradição do Velho
Testamento a entendia no seu sentido sublime simbólico. No Novo Testamento o
apóstolo Paulo usa este mesmo símbolo, porém sem a sua forma poética, quando fala
sobre o amor de homem e mulher e o compara com o amor de Cristo para com a Igreja.
Nos hinos da Igreja muitas vezes ouvimos as palavras sobre o noivo e a noiva, como o
símbolo de um amor ardente para com o nosso Salvador: "Jesus, a Tua cordeira está
clamando em voz alta: amo Te, meu Esposo e ao procurar-Te, sofro e me crucifico..."
ouvimos no tropário à mártir. Este mesmo sublime arrebatamento de alma ao Cristo
podemos encontrar nas obras de ascetas cristãos.

Os Precursores do Novo Testamento.

A queda dos reinos de Israel e Judéia, e principalmente a destruição de Jerusalém e a


escravidão da Babilônia eram golpes terríveis para o povo hebreu, abalo sem igual. Este
era o juízo de Deus pela traição das leis e pela profunda corrupção. Para o povo hebreu
começou uma noite longa e, parecia, sem esperança e sem fim. E justamente neste
período aparece uma plêiade de consoladores nestes seus sofrimentos.
Desmascaramento e consolo — eis duas coisas de suas palavras e de seus livros
proféticos, que formam um grupo separado, último, dos livros do Velho Testamento.

Os desmascaramentos proféticos precedem os últimos golpes sobre o destino do povo


hebreu, quando ainda havia restos de prosperidade e a consciência do povo ainda
dormia. As palavras dos profetas são incomparáveis por sua força e por sua veracidade
sem piedade.

"Ah! nação pecadora, povo cheio de crimes, geração malfeitora, filhos


pervertidos! Abandonaram Javé, desprezaram o Santo de Israel,
desviaram-se d’Ele. Onde vos ferir ainda? Por que acumulais traições?
Toda a cabeça enferma, todo o coração abatido, da planta dos pés à
cabeça, nada intato: feridas, contusões, chagas abertas, nem curativos,
nem bandagens, nem medicamentos com óleo... Cessai de trazer-Me
oferendas inúteis: a fumaça Me horroriza. Novilúnios, sábados,
assembléias, festa e solenidade, já não suporto nada. Vossas luas novas e
peregrinações abomino com toda a alma. Para Mim são um peso,
cansado estou de suportá-las!.. Lavai-as (vossas mãos), purificai-vos.
Afastai vossa maldade de Minha vista, cessai de fazer o mal! Aprendei a
fazer o bem, procurai o direito, socorrei o oprimido, sede justos para com
o órfão, defendei a viúva. ‘Vinde e discutamos’, diz Javé. ‘Vossos
pecados, embora escarlates, branquearão como neve; embora rubros
como púrpura, tornar-se-ão como lã." — assim clama o profeta Isaías
(Isaías 1:4-6, 13-14, 16-18).

O profeta Jeremias chora a queda do povo com as palavras ainda mais fortes: "Não
depositeis confiança em palavras falazes proclamando: ‘Lá está o Santuário de Javé,’...
Como! Roubar, matar, cometer adultério, perjura, queimar o incenso a Baal, seguir
deuses estranhos que desconheceis, depois apresentar-se ante Mim, nesse Santuário, que
leva Meu Nome e dizer: "Nós estamos salvos!’ para continuar realizando todas essas
abominações! Aos vossos olhos este Templo que traz Meu Nome é uma caverna de
ladrões?" (Jeremias capítulo 7).

"Quem mudará minha cabeça em águas e meus olhos em fonte de lágrimas? Dia e noite
eu choraria os mortos da filha de meu povo! Quem me proverá no deserto um local onde
pernoitar? Abandonaria Meu povo e afastar-Me-ia dele. São todos adúlteros, uma súcia
de desleais... cada amigo espalha calúnias. Um logra contra o outro e mentem:
habituaram sua língua a mentir e cansaram-se de fazer mal... Não os punirei por isso?
Eis oráculo de Javé... Farei de Jerusalém um monte de pedras, um covil de chacais; das
cidades de Judá, farei solidão onde ninguém habitará. Que sábio entenderá isso?...
Assim fala Javé Sabaot: ‘Eia, chamai as carpideiras! Venham!... Entoem rápido uma
elegia sobre nos! Corram lágrimas dos nossos olhos! Que nossas pálpebras jorram
água!’" (Jeremias, capítulo 9).

Quando aconteceram as desgraças, vieram terríveis calamidades, veio a escravidão de


Babilônia e não houve mais nenhum conforto, — estes mesmos profetas se tornaram o
único apoio do povo.

"Consolai, consolai Meu povo!’ diz vosso Deus. ‘Falai ao coração de


Jerusalém e gritai-lhe: terminou vosso serviço! Foi expiado vosso
pecado! Recebeste da mão de Javé dupla punição pelos vossos crimes!’...
Sobe uma alta montanha, mensageira auspiciosa de Sião! Eleva
fortemente a vez, mensageira auspiciosa de Jerusalém! Eleva a voz sem
temer e dize às cidades de Judá: ‘Eis vosso Deus!’ Eis o Senhor Javé que
vem com poder: Seu braço dominará tudo! O preço de Sua vitória O
acompanha e Seus troféus O precedem. É como o pastor pascendo o
rebanho, recolhendo os cordeiros nos braços, colocando-os no regaço,
conduzindo ao repouso de suas mães" (Isaías 40:1-2, 9-11).

Assim consola o profeta Isaías, transformando-se, no dias de lágrimas, no profeta da


futura libertação e da futura benção de Deus.

"Gritam-me de Seir: ‘Sentinela, que horas da noite? Sentinela, que horas da noite?’
Responde o vigia: ‘Vem a manhã, depois da noite" (Isaías 21:11-12).

Passando a noite, passa a ira de Deus. "Exultem deserto e terra árida, alegre-se e
floresça a estepe, tenha flores como junquilhos, rejubile e grite de alegria... Fortalecei as
mãos fatigadas, revigorai os joelhos vacilantes. Dizei aos corações pusilânimes:
Coragem! Não temais! Vede! É vosso Deus, a vingança que vem, a retribuição de Deus,
Ele é que vem vos salvar. Os olhos dos cegos se abrirão, os ouvidos dos surdos se
desobstruirão, o coxo saltará como cervo, e a língua do mudo gritará de alegria. A água
jorrará no deserto, a torrente na estepe... por ela voltarão os libertos de Javé. Chegarão
em Sião, exultantes, com feliz e eterno brilho na face; com eles a alegria e júbilo, dor e
pranto já não haverá" (Isaías 35:1-10).

O que é que anima os profetas e lhes dá estas esperanças nas longínquas visões do
futuro? Será que eles prevêem a futura grandiosidade do seu povo, suas vitórias e seus
triunfos? Ou a futura riqueza e fartura? Não, não é este bem-estar material que lhes
chama a atenção. Será que estes homens, que levavam uma vida cheia de sacrifício e
mesmo uma morte cruel (o profeta Isaías foi serrado com uma serra de madeira),
poderiam desejar ao seu povo somente bem-estar material? Eles previam uma outra
revelação Divina: um renascimento espiritual sem igual, os tempos da verdade,
brandura e paz quando "o pais está cheio do saber de Javé" (Isaías 11:9). Eles
prenunciavam a vinda do Novo Testamento.

"Eis que virão dias — oráculo de Javé — quando concluirei com a casa de Israel e de
Judá uma nova aliança: não à guisa que concluí com os seus pais, no dia que os tomei
pela mão, para os tirar do Egito, aliança Minha que violaram, embora Eu fosse seu
senhor — eis oráculo de Javé. Mas esta será a aliança que concluirei com a casa de
Israel depois desses dias,- eis oráculo de Javé; imprimirei Minha Lei no seu interior, no
seu coração e escreverei; então, serei seu Deus e serão Meu povo. E já não deverão
estimular-se uns aos outros, nestes termos: ‘Reconhecei a Javé’, pois todos desde o
menor ao maior deles Me reconhecerão — eis oráculo de Javé -, pois perdoarei sua
culpa e do seu pecado já não Me lembrarei." Assim profetisa Jeremias (Jeremias 31:32-
34).

A mesma coisa diz o profeta Ezequiel: "Dar-lhes-ei um outro coração e porei um


espírito novo no seu interior; tirarei seu coração de pedra e lhes darei um coração novo.
Assim, obedecerão às Minhas Leis e Minhas prescrições e as porão em prática. Serão
Meu povo e serei para eles seu Deus."

Os profetas falam muito sobre o castigo para outros povos, inimigos de Israel, povos
pagãos, que eram instrumento de ira de Deus sobre Israel. Eles também receberão a sua
taça de ira. Mas a futura benção de Israel será uma luz também para eles. "Nesse dia, a
raiz de Jessé erguer-se-á como o sinal dos povos. Será procurada pelas nações e sua
habitação será gloriosa" Isaías 11:10).

O cumprimento destas esperanças está ligado à promessa de um eterno Rei para Israel.
"Meu servo Davi reinará sobre eles e haverá para todos um só pastor. Viverão segundo
Meus mandamentos... e Meu servo Davi será seu príncipe, para sempre. Concluirei com
eles uma aliança de paz, que será uma aliança eterna" (Ezequiel 37:24-26).

Os profetas que consolam o povo direcionam todos os olhares dos seus contemporâneos
para este Rei. E eis, como Ele aparece diante dos olhos deles: dócil, bondoso, humilde,
justo. "Eis Meu servo eu sustenho, Meu eleito, preferido de Minh’alma. Pus sobre ele o
Meu espírito para levar o direito às nações. Ele não grita nem eleva o tom, nem faz
ouvir sua voz nas ruas. O caniço tenso não se quebra nem se apaga a chama vacilante.
Proclamará com firmeza o direito" (Isaías 42:1-3).

Assim, nestas palavras, foi mostrada nos profetas a vinda do Salvador do mundo. Diante
de nos está demonstrada — dispersa em vários lugares das escrituras proféticas, mas
muito rica no seu todo — representação dos futuros acontecimentos evangélicos e a
própria imagem evangélica do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo.

Isaías se refere a Galiléia como o primeiro lugar onde Nosso Senhor habitou o se
revelou aos homens: "No passado Ele humilhou o país de Zabulon e o país de Neftali
mas no futuro Ele glorificará o caminho do mar, além do Jordão, e o distrito das nações.
O povo que ia nas trevas, viu uma grande luz; sobre os habitantes do sombrio país uma
luz resplandeceu... Pois um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado; Ele
recebeu o império sobre os ombros e foi-Lhe dado este nome: Conselheiro Admirável,
Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz" (Isaías 9:1-6).

Eis uma referencia sobre como Deus glorificará Jerusalém: "De pé! Brilha! Eis tua luz!
Sobre ti está a glória de Javé enquanto as trevas cobrem a terra e a escuridão, o seu
povo! Acima de ti: Javé; Sua glória acima de ti! As nações caminham para tua luz e os
reis, para teu clarão nascente" (Isaías 60:1-3).
Eis a profecia do mesmo profeta sobre Cristo, com o qual o Próprio Cristo começou o
seu Evangelho na sinagoga em Nazaré: "O espírito do Senhor Javé está sobre Mim,
porque Javé Me ungiu. Enviou-Me dar a boa-nova aos pobres e curar os corações
aflitos, para anunciar anistia aos cativos e liberdade aos prisioneiros, para anunciar
um ano de graça de Javé" (Isaías 61:1-3).

Será, que o profeta prevê, que o Salvador do Mundo não será reconhecido pelos lideres
do povo hebreu e também por uma parte do povo? Sim, ele se refere indiretamente a
isto no grande capítulo sobre a paixão de Cristo, no capítulo 53 do seu livro, numa das
maiores profecias, ou talvez a maior de todas:

"A quem crerá no que ouvimos? A quem foi revelado o braço de Javé
Ele cresceu ante nós como rebento, como raiz em terra ressequida.
Traspassado pelos nossos pecados, ferido por causa de nossos crimes. O
castigo caiu sobre Ele para nossa salvação, nós fomos curados pelas Suas
chagas. Andamos desgarrados como ovelhas, cada um seguindo seu
caminho: Javé fez recair sobre Ele a iniqüidade de nós todos. Maltratado,
Ele se submeteu e não abriu a boca. Como cordeiro levado a matadouro,
como ovelha calada ante o tosquiador, Ele não abriu sua boca.

Foi arrebatado por sentença violenta: quem se importa pela sua causa?
Foi eliminado da terra dos viventes e ferido de morte por nossos pecados.
Deram-Lhe sepultura entre os ímpios e seu túmulo entre os ricos. Mas
não cometeu violência alguma, nem houve falsidade na Sua boca" (Isaías
53:1-9).

Os fatos contados no Evangelho comprovam, que o povo hebreu não reconheceu o


tempo de sua visitação. Porém, não podemos dizer, que a profecia de consolo não se
cumpriu. Pois ninguém pode tirar do povo hebreu a glória que dele nasceu a Santíssima
Virgem Maria e que Jesus Cristo era a semente de Davi e que os Apóstolos eram do
mesmo povo, e que Jerusalém se transformou para sempre no lugar da glória do Cristo
Ressuscitado. De Jerusalém saiu a pregação do Evangelho para toda a terra e é sobre ele
que a Igreja canta: "Alegra-te, santo Sião, a mãe de todas as igrejas, morada de Deus:
foste o primeiro a aceitar a remissão dos pecados pela ressurreição."

Porém, uma plena explicação porque na Igreja de Cristo entraram principalmente os


pagãos, e os judeus permaneceram fora nos dá o apóstolo Paulo em escrituras do Novo
Testamento. Lá nos encontramos os esclarecimentos das antigas profecias, e estes
esclarecimentos não precisam ser complementados. O apóstolo diz:

"Deus, porém, para manifestar a Sua ira e dar conhecer o Seu poder,
suportou com muita longanimidade os objetos da ira votados à perdição.
E, para ostentar a riqueza de Sua glória, em objetos de misericórdia, a
estes predestinou para a glória, a saber, a nós a quem Ele chamou, não só
dentre os judeus, senão também dentre os gentios? Como Ele diz por
Oséias: ‘Chamarei de Meu povo a quem não era Meu povo e de amada a
que não era amada.’ ‘E onde lhes foi dito: Não sóis o Meu povo, aí serão
chamados Filhos de Deus Vivo’. Isaías exclama, referindo-se a Israel:
‘Se o número dos filhos de Israel fôr como a areia do mar, salvar-se-á só
o resto,’... Que se segue daí? Que os gentios, apesar de não buscar a
justiça, alcançaram a justificação pela fé, ao passo que Israel, colimando
uma norma de justificação, não atingiu esta norma. Por que não? Porque
pretendiam atingi-la, não pelo caminho da fé, mas pelo das obras.
Tropeçaram na pedra de obstáculo, conforme está escrito: ‘Eis que ponho
em Sião uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo. Mas quem crer
Nele, não será confundido’... Mas, pergunto: porventura não chegaram
eles a ouvir? Certamente, que sim. ‘Por toda a terra se difundiu a vez
deles, e até os confins da terra as suas palavras.’ Entretanto, pergunto:
Israel acaso não o compreendeu? Já Moisés lhe havia dito: ‘Eu vos
tornarei ciumentos de um povo que não é povo; provocarei vossa ira
contra um povo insensato.’ E Isaías se atreve a dizer: ‘Fui achado pelos
que não Me procuravam; manifestei-Me aos que não perguntavam por
Mim.’ A Israel por seu turno diz: ‘Todo o dia estendi Minhas mãos a um
povo desobediente e rebelde’" (Romanos 9:22-27. 30-33. 10:18-21).

Isto poderia parecer um destino muito cruel e um veredicto demais rigoroso para um
povo que antes era eleito. Mas o próprio apóstolo Paulo se transforma num consolador
do seu povo dizendo: "Com efeito não quero, irmãos, que ignoreis o seguinte mistério
para não presumirdes aos vossos olhos de sábios: a cegueira abateu-se sobre uma parte
de Israel, até ao tempo em que o número completo dos gentios tiver ingressado no
Reino de Deus. E então Israel em peso será salvo, como está escrito: ‘De Sião virá o
Salvador e desterrará a impiedade de Jacó.’... Deus, com efeito, os fez cair em rebeldia;
envolveu todos na desobediência afim de usar misericórdia para com todos. Ó
profundidade das riquezas, e da sabedoria e da ciência de Deus! Quão insondáveis são
os Seus juízos e imperscrutáveis os Seus Caminhos!" (Romanos 11:25-26. 32-33).

O Patrimônio Inalienável da Igreja.

P
" assou a sombra da lei pois veio a bem-aventurança" (cântico da Igreja); passou o
protótipo, quando veio a Verdade; a sombra do começo do dia se dissipou, quando raiou
o sol. Não há mais o sacrifício do Velho Testamento: não só no sentido de que o
sacrifício perdeu o seu significado, mas não o há de fato. Não existe mais o sacrossanto,
não há mais o velho templo de Jerusalém; não há mais sumos e legais sacerdotes nos
judeus.

E veio o Reino de Deus. E o próprio ponto principal da lei do Velho Testamento — os


dez mandamentos que foram dados por Deus no monte Sinai, cedem o seu lugar às
bem-aventuranças, proferidas num outro monte.

Porém dois antigos mandamentos permanecem inalterados: o primeiro sobre o amor a


Deus, com todo o coração, pensamento e alma, e o outro — sobre o amor ao próximo
igual ao amor a si mesmo. Eles formam a essência do Velho Testamento; Nosso Senhor
disse, que sobre eles foram baseados a Lei e os Profetas. Porém, referindo-se ao amor ao
próximo durante a Sua última reunião com os Seus discípulos, Nosso Senhor o elevou
num lugar ainda mais alto: "Um novo mandamento vos dou..." Agora, este antigo
mandamento foi aumentado pelo amor até a abnegação de si mesmo, até um amor maior
aos outros do que a si mesmo.
Durante a Última Ceia Nosso Senhor revelou a verdade misteriosa da constituição do
Novo Testamento: "Esta Taça é o Novo Testamento no Meu Sangue." Esta verdade se
tornou o ponto principal da sermão dos Apóstolos.

E não obstante de tudo isso o Velho Testamento permanece como aquele fundamento,
enterrado no solo, sobre o qual a Igreja de Cristo se fixa e se eleva até aos céus. Os
livros da Velha Bíblia são a pedra angular deste fundamento: os livros sobre as leis, os
livros históricos, os livros sapienciais e os livros proféticos. Eles contêm grandes
profecias sobre Cristo e uma infinidade de protótipos, presságios, reflexos do futuro
Novo Testamento. Lá ouvimos as primeiras chamadas à penitencia, à humildade, à
bondade que depois foram anunciadas com toda a força pela pregação do Evangelho, lá
encontramos inúmeros exemplos de uma vida justa e inúmeras edificações morais. Aqui
foram reveladas ao homem as eternas verdades sobre Deus, sobre o mundo, sobre o
homem, sobre o pecado, sobre a necessidade de redenção e sobre o vindouro e tão
desejado Redentor.

A Bíblia do Velho Testamento, iluminada pela luz do Evangelho e revelada em todo o


seu sentido pela Igreja do Novo Testamento, esta Bíblia permanece como patrimônio
inalienável e inabalável do Cristianismo.

Folheto Missionário número P77h

Copyright © 2003 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

Comunhão
com os Santos
Pelo Protopresbítero Michael Pomazansky

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

A IGREJA ORA por todos aqueles que morreram na fé, e pede perdão pelos pecados
deles, pois não há um só homem sem pecado, "ainda que tivesse vivido um só dia" (Jó
14:5 Septuaginta). "Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos,
e não há verdade em nós" (1 Jo. 1:8). Por isso, não importa quão justo um homem possa
ser, quando ele parte desse mundo, a Igreja acompanha sua partida com orações por ele
para o Senhor. "Irmãos, orai por nós.", pede o santo Apóstolo Paulo aos seus filhos
espirituais (1 Tess. 5: 25).

Ao mesmo tempo, quando a Igreja testemunha a justeza de uma pessoa que partiu, os
Cristãos, além de orar por ela, são ensinados pelo bom exemplo de sua vida e a colocam
em um lugar para ser imitada.

E quando, além disso, a convicção comum sobre a santidade da pessoa que partiu é
confirmada por testemunhos oficiais tais como martírio, destemida confissão, serviços
com auto-sacrifício para a Igreja, dom de cura, e especialmente quando o Senhor
confirma a santidade da pessoa que partiu com milagres depois da sua morte quando ele
é lembrado em orações, então a Igreja a glorifica de maneira especial. Como a Igreja
poderia não glorificar aqueles a quem o próprio Senhor chama de "Seus amigos"? "Vós
sereis meus amigos... tenho-vos chamado amigos" (Jo. 15:14-15), a quem Ele recebeu
em Suas mansões celestes em cumprimento das palavras, "para que onde Eu estiver
estejais vós também" (Jo. 14:3). Quando isso acontece, orações para o perdão dos
pecados daquele que partiu e para o seu repouso cessam; elas dão lugar a outra forma de
comunhão da Igreja com ele, nomeadamente: primeiro, o louvor de suas lutas em
Cristo, "pois nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador,
e dá luz a todos que estão na casa" (Mt. 5:15); segundo, são feitas petições para ele
para que ele possa orar por nós, pela remissão dos nossos pecados, e pelo nosso avanço
moral, e para que ele possa nos ajudar em nossas necessidades espirituais e em nossas
angustias.

É dito: "Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor" (Apoc.


14:13) e na verdade nós os bendizemos. É dito: "Eu dei-lhes a glória que a Mim Me
deste" (Jo 17:22), e na verdade, nós damos a ele essa glória de acordo com o comando
do Salvador.

Da mesma forma o Salvador disse: "Quem recebe um profeta em qualidade de profeta,


receberá galardão de profeta; e quem recebe um justo na qualidade de justo, receberá
galardão de justo" (Mt. 10:41). "Porque, qualquer que fizer a vontade de Meu Pai Que
está nos céus, este é Meu irmão e irmã e mãe" (Mt. 12:50). Por isso, nós também
deveríamos receber um homem justo como um homem justo. Se ele é irmão do Senhor,
então ele também será tal para nós. Os santos são nossos irmãos espirituais, irmãs e
mães e pais, e nosso amor por eles é expresso por nossa comunhão em oração com eles.

O apóstolo João escreveu para seus companheiros Cristãos: "O que vimos e ouvimos
isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa
comunhão é com o Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo" (I Jo. 1:3). E na Igreja essa
comunhão com os apóstolos não é interrompida; e ela segue em frente com eles para o
outro reino da existência deles, o reino celeste.

A proximidade dos santos do Trono do Cordeiro e a elevação por eles de orações pela
Igreja na terra são descritas no livro do Apocalipse de São João o Teólogo: E olhei, e
ouvi a voz de muitos anjos ao redor do Trono, e dos animais e dos anciãos; e era o
número deles de milhões de milhões e milhares de milhares.", que louvavam o Senhor
(Apoc. 5:11).

Comunhão em oração é a concretização em fato real da ligação entre os Cristãos na


terra e a Igreja Celeste da qual o Apóstolo fala: "Mas chegastes ao monte de Sião, e à
cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal
assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de
todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoado" (Hb. 12: 22-23).

A Sagrada Escritura apresenta numerosos exemplos do fato que, enquanto ainda


vivendo na terra, os justos podem ver, ouvir e saber muito mais do que é acessível ao
conhecimento comum. Mais ainda, esses dons estão presentes com eles quando eles
tiram a carne e estão no céu. O santo Apóstolo Pedro viu no coração de Ananias de
acordo com o livro de Atos (5:3). Para Eliseu foi revelado o ato ilegal do servo Geazi (II
Reis 5), e o que foi ainda mais notável, para ele foram reveladas todas as intenções
secretas da corte síria, que ele então comunicou ao Rei de Israel (II Reis 6). Quando
ainda estão na terra, os santos penetram em espírito no mundo acima; alguns deles
viram coros de anjos, a outros foi concedido contemplara a imagem de Deus (Isaias e
Ezequiel), e ainda outros foram exaltados ao terceiro céu e lá ouviram palavras místicas
impronunciáveis. Além disso, quando eles estão no céu eles são capazes de saber o que
está acontecendo na terra e de ouvir as petições daqueles que apelam a eles porque os
santos no céu, pois são iguais aos anjos (Lc. 20:36).

Da parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro (Lc. 16:19-31) nós sabemos que
Abrahão, estando no céu, pôde ouvir o grito do homem rico que estava sofrendo no
Inferno, apesar do "grande abismo" que os separava. As palavras de Abrahão sobre os
irmãos do homem rico, "Têm Moises e os profetas; ouçam-nos." indicam claramente
que Abrahão conhecia a vida do povo hebreu que estava acontecendo depois de sua
morte; ele sabe de Moises e da lei, dos profetas e seus escritos. A visão espiritual das
almas dos justos no céu, sem nenhuma dúvida, é maior do que era na terra. O Apóstolo
escreve: "Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face:
agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido" (I Co.
13:12).

A santa Igreja sempre manteve o ensinamento da invocação dos santos, estando


inteiramente convencida de que eles intercedem por nós diante de Deus no céu. Isso nós
vemos nas antigas Liturgias. Na Liturgia do santo Apóstolo Tiago é dito:
"Especialmente nós celebramos o memorial da Santa e Gloriosa Sempre Virgem, a
Bendita Theotokos. Lembra-Te Dela, ó Senhor Deus, e por Suas puras e santas orações
preserva-nos e tem piedade de nós." São Cirilo de Jerusalém, explicando a Liturgia da
Igreja de Jerusalém, destaca, "Então nós também comemoramos (oferecendo o
Sacrifício sem Sangue) aqueles que partiram previamente em primeiro lugar: antes de
todos, os patriarcas, profetas,apóstolos, mártires, para que por suas orações e
intercessões Deus possa receber nossas petições."

Numerosos são os testemunhos dos Padres e professores da Igreja, especialmente do


quarto século para diante, a respeito da veneração de santos pela Igreja. Mas já no
começo do segundo século há indicações diretas na literatura Cristã antiga a respeito da
fé na oração pelos santos do céu por seus irmãos na terra. O testemunho da martírica
morte de São Inácio o Teóforo ( no inicio do segundo século) diz: "Tendo retornado
para casa em lágrimas, nós tivemos a vigília de noite inteira ... A seguir, depois de
dormir um pouco, alguns de nós subitamente vimos o abençoado Inácio em pé e nos
abraçando, e outros o viram orando por nós." Relatos similares, mencionando as orações
e intercessões por nós de mártires, são encontrados em outros relatos das épocas de
perseguições contra os Cristãos.

Folheto Missionário número P77b

Copyright © 2004 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

O Mundo Espiritual
Protopresbítero Michael Pomazansky
Tradutor para o português: José Valério Lopes dos Santos Júnior

Conteúdo:

A Ligação Espiritual dos Membros da Igreja

Oração para os Mortos

A Comunhão com os Santos

O Futuro Destino do Mundo e da Humanidade

O Destino do Homem após a Morte.

Nossa Luta não é contra Carne e o Sangue

Aqui nós abordamos a questão dos "Pedágios."


A Ligação Espiritual
dos Membros da Igreja
A ORAÇÃO É a manifestação da vida da Igreja e do vínculo espiritual de seus
membros com Deus na Santíssima Trindade e, de todos entre si. É tão inseparável da fé
que pode ser chamada de atmosfera da Igreja ou de sua respiração. As orações são os
filamentos da fábrica viva do corpo da Igreja, e vão a todas as direções. O vínculo da
oração penetra todo o corpo da Igreja, direcionando cada parte na vida comum de seu
corpo, animando cada componente e ajudando, pela nutrição, limpeza e através de
outras formas de ajuda (Efe. 4:16). Ela une cada membro da Igreja com o Pai Celestial,
os membros da Igreja terrestre entre si, e os membros terrenos com os membros
celestiais. Não cessa, mas aumenta mais ainda e é exaltada no Reino Celestial.

Por toda o Novo Testamento das Sagradas Escrituras aparece o mandamento da oração
incessante "Orai sem parar" (1 Tess. 5:17); "com orações e súplicas de toda a sorte,
orai em todo tempo, no Espírito" (Efe. 6:18); "Contou-lhes ainda uma parábola para
mostrar a necessidade de orar sempre, sem jamais esmorecer" (Lucas 18:1).

O exemplo perfeito de oração pessoal nos foi dado por Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele
deixou como exemplo a oração "Pai-Nosso — a oração do Senhor. A oração é (a) forma
da vida da Igreja, (b) um instrumento ou meio de sua atividade, e (c) sua força de
superação.

A oração é de dois tipos: pública e privada. Existe a oração de palavras feita em


particular e existe a oração mental, isto é, oração interior, ou a oração da mente no
coração. O conteúdo da oração é: (a) louvor ou glória; (b) agradecimento, (c)
arrependimento; (d) súplicas pela piedade de Deus, pelo perdão dos pecados, pelo
provimento das coisas boas da alma e do corpo, tanto divinas quanto terrenas. Algumas
vezes, o arrependimento perante Deus tem a forma de uma conversa com sua própria
alma, como, por exemplo, acontece freqüentemente nos cânones.

A oração pode ser para si próprio ou para outros. A oração para outra pessoa expressa o
amor mútuo entre os membros da Igreja. Assim, de acordo com os Apóstolos, o amor
nunca falha (1 Cor. 13:8), os membros terrenos da Igreja não só rezam uns para os
outros, mas também, de acordo com a lei do amor cristão, rezam para aqueles que
partiram (os membros celestiais); e, igualmente, os membros celestiais rezam para
aqueles na terra, assim como para o descanso de seus irmãos que estão necessitados da
ajuda da oração. Finalmente, nós mesmos apelamos para aqueles no céu com a súplica
para rezar por nós e para nossos irmãos. Acima deste vínculo do celestial com o
mundano encontra-se a preocupação dos anjos para conosco e nossas orações para eles.

A força da oração para os outros é constantemente afirmada pela palavra de Deus. O


Salvador disse ao Apóstolo Pedro: "Eu, porém, orei por ti, afim de que tua fé não
desfaleça" (Lucas 22:32). O santo Apóstolo Paulo freqüentemente roga aos cristãos que
rezem por ele: "Graças às vossas orações, espero que vos serei restituído" (Fil. 22).
"Irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor continue o seu caminho, e seja
glorificado, como aconteceu entre vós" (2 Tess. 3:1). O Apóstolo participa com seus
irmãos espirituais na oração comum mesmo estando bem longe. "Contudo, eu vos peço,
irmãos, por nosso Senhor Jesus Cristo, e pelo amor do Espírito, que luteis comigo, nas
orações que fazeis a Deus por mim" (Rom. 15. 30). O Apóstolo Tiago instrui: "orai uns
pelos outros, para que sejais curados. A oração fervorosa do justo tem grande poder"
(Tiago, 5, 16). São João, o Teólogo, viu em revelação como vinte e quatro anciãos no
paraíso, perante o trono de Deus, caíram diante do Cordeiro, e todos tinham cítaras e
taças cheias de incenso, "que são as orações dos santos" (Ap. 5, 8); isto é, eles
levantaram as orações dos santos da terra para o Trono Celestial.

Oração para os Mortos


"Orai uns pelos outros" (Tiago 5: 16)

"Portanto, quer vivamos, quer morramos,

pertencemos ao Senhor" (Rom. 14: 8).

"O amor nunca falha" (1 Cor. 13: 8).

"E o que pedirdes em meu nome,

eu o farei a fim de que o Pai seja glorificado no Filho" (João 14, 13).

EM DEUS, TUDO ESTÁ VIVO. A vida da Igreja é impregnada de uma consciência e


sentimento de que nossos mortos continuam a viver depois da morte, mas numa forma
diferente daquela na terra, e que eles não estão privados da proximidade espiritual com
os que permanecem na terra.

Portanto, o vínculo da oração com eles por parte da Igreja peregrina (na terra) não cessa.
"Pois estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os
principados, nem o presente nem o futuro... poderá nos separar do amor de Deus
manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rom. 8: 38). Os mortos necessitam
somente de um tipo de ajuda dos seus irmãos: oração e súplica pela remissão dos seus
pecados.

"Esta é a confiança que temos em Deus: se lhe pedimos alguma coisa segundo a Sua
vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que Ele nos ouve em tudo o que Lhe pedimos,
sabemos que possuímos o que havíamos pedido. Se alguém vê que seu irmão cometeu
um pecado que não conduz à morte, que ele ore e Deus dará a vida a este irmão, se, de
fato, o pecado cometido não conduz à morte. Existe um pecado que conduz à morte,
mas não é a respeito desse que digo que se ore" (1 João 5: 14-16).

Correspondendo a esta instrução do Apóstolo, a Igreja reza por todas as crianças que
morreram com arrependimento verdadeiro. A Igreja segue as palavras do Apóstolo
rezando para eles e para aqueles que estão vivos; "Se vivemos, é para o Senhor que
vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer morramos,
pertencemos ao Senhor. Cristo morreu e voltou à vida para ser o Senhor dos vivos e
dos mortos" (Rom. 14: 8-9). Aqueles, entretanto, que morreram sem se arrepender dos
pecados, fora da comunhão com a Igreja, não são nem dignos de orações, como segue
das palavras acima mencionadas do Apóstolo João: "Eu não digo que ele deva rezar
para isso," porque essas orações não teriam propósito. Na Igreja do Antigo Testamento
também existe o hábito de se rezar pelos mortos. Há o testemunho da história sagrada
sobre isso. Assim, nos dias do líder piedoso dos Judeus, Judas Macabeus, quando após
uma inspeção daqueles que caíram no campo de batalha, foi encontrado em seus
vestuários objetos consagrados aos ídolos, todos os judeus "tendo bendito o modo de
proceder do Senhor, justo Juiz que torna manifestas as coisas escondidas, puseram-se
em oração para pedir que o pecado cometido fosse completamente cancelado." O
próprio Judas Macabeus foi enviado à Jerusalém "a fim de que se oferecesse um
sacrifício pelo pecado: agiu assim absolutamente bem e nobremente, com pensamento
na ressurreição" (2 Mac. 12:39-46).

Que a remissão dos pecados daqueles que não haviam pecado na morte possa ser dada
na presente vida e depois da morte é concluída naturalmente das palavras do próprio
Senhor: "Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado,
mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no
vindouro" (Mateus 12:32). Igualmente, da palavra de Deus, sabemos que o Senhor Jesus
tem "as chaves da Morte e do Hades (Inferno)" (Apo. 1:18); e, conseqüentemente, Ele
tem poder para abrir as portas do inferno pelas orações da Igreja e pelo poder do
Sacrifício sem derramamento de sangue conciliatório que é oferecido aos mortos.

Todas as liturgias antigas da Igreja Cristã, ambas do Oriente e do Ocidente, testificam


sobre a lembrança da Igreja, em orações, dos mortos. Tais liturgias são conhecidas pelos
nomes dos: Santo Apóstolo Tiago, o irmão do Senhor; São Basílio Magno; São João
Crisóstomos e São Gregório, o Dialogista. Referências similares são encontradas nas
liturgias romana, espanhola, francesa, e finalmente, nas liturgias antigas dos grupos que
se separaram da Ortodoxia: os Jacobitas, Coptas, Etiopianos, Siríacos, e outros. Por
todas elas, não existe uma única destas liturgias onde não haja oração para os mortos. O
testemunho dos Padres e Mestres da Igreja fala da mesma coisa.

Sobre o bom efeito da comunhão piedosa em nome do Senhor Jesus Cristo entre aqueles
que vivem na terra e os mortos, Efrein, o Sírio, por exemplo, assim fundamenta: "para
os mortos, a lembrança conduzida pelos santos durante sua vida é benéfica. Vemos um
exemplo disso em um grande número dos atos de Deus. Por exemplo, num vinhedo há
as uvas amadurecidas no campo, e o vinho já espremido dentro dos recipientes; quando
as uvas amadurecem na videira, então o vinho que está intacto na casa começa a
espumar e a se agitar, como se quisesse escapar. A mesma coisa acontece,
aparentemente, com outra planta, a cebola; porque assim que a cebola que foi plantada
na terra começa a amadurecer, a cebola que está na casa também começa a dar broto.
Então, se mesmo coisas que crescem têm entre si tal sentimento-associativo, não serão
as petições de orações mais sentidas pelos mortos? E quando você concordar
sensivelmente que isto ocorre de acordo com a natureza das criaturas, então apenas
imagine que você é a primeira das criaturas de Deus."

Rezando para os mortos, a Igreja intercede por eles assim como para os vivos, não em
seu próprio nome, mas em nome do Senhor Jesus Cristo (João 14: 13-14), e pelo poder
de Seu Sacrifício na Cruz, que foi oferecido pela salvação de todos. Essas orações
fervorosas ajudam as sementes da nova vida que nossos mortos levaram consigo - se
essas sementes não foram capazes de se abrir suficientemente aqui na terra - para
abrirem-se gradualmente e desenvolverem-se sob a influência das orações e com a
piedade de Deus, assim como uma semente boa se desenvolve na terra sob os raios
vitais da luz do sol, com o clima favorável. Mas não pode receber sementes podres as
quais perderam o verdadeiro princípio da vida vegetativa. Similarmente, as orações não
teriam poder para os mortos que morreram na impiedade e sem arrependimento, que
secaram em si o Espírito de Cristo (1 Tess. 5:19). É precisamente relativo a tais
pecadores que se deve lembrar as palavras do Salvador na parábola do homem rico e de
Lázaro: que não há libertação para eles das profundezas do inferno, e nem transferência
deles para junto de Abraão (Lucas 16: 26). E, de fato, normalmente, tais pessoas não
deixam para trás na terra outros que possam rezar sinceramente para Deus por elas, e do
mesmo modo, não adquiriram para si amigos nos céus entre os santos, os quais, quando
eles caírem (quer dizer, morrerem), possam recebê-los nas habitações eternas — isto é,
que possam rezar por eles (Lucas 16: 9).

Obviamente, não se sabe após a morte por qual sina cada um foi sujeitado na terra. Mas
a oração do amor nunca é sem proveito. Se nossos mortos, que nos são queridos, foram
dignos do Reino dos Céus, eles respondem à oração feita para eles com uma oração em
resposta por nós. E se nossas orações não tem poder para ajudá-los, em qualquer caso
elas não são prejudiciais a nós, de acordo com a palavra do Salmista: "minha oração
voltará para meu peito" (Salmos 35 (34): 13), e, de acordo, com a palavra do Salvador:
"volte a vós a vossa paz" (Mateus 10: 13). Mas, certamente, são úteis para nós. São João
Damasceno observa: "Se alguém deseja ungir um homem doente com mirra ou outro
óleo sagrado, primeiro ele deve tomar-se parte da unção e, então, ungir o doente. E
também, qualquer um que batalhe para a salvação de seu próximo, primeiro que ele
receba benefício, e depois então, ofereça a seu próximo; porque Deus não é injusto para
esquecer as obras, de acordo com as palavras do Apóstolo Divino."

A Comunhão com os Santos

A Igreja reza por todos que morreram em fé, e pede pelo perdão de seus pecados,
porque não há nenhum homem sem pecado, "Se ele já viveu apenas um único dia na
terra" (Jô 14:5, Septuagint). "Se dissermos: ´não temos pecado’, enganamo-nos a nós
mesmos e a Verdade não está em nós" (1 João 1: 8). Assim, não importa quão justo seja
um homem, quando ele parte deste mundo, a Igreja acompanha sua partida com orações
por ele para o Senhor. "Orai por nós, irmãos," o Santo Apóstolo Paulo pede de seus
filhos espirituais (1 Tess. 5:25).

Ao mesmo tempo, quando a voz comum da Igreja testemunha sobre a integridade da


pessoa repousada, os cristãos, além da oração por ele, são ensinados pelo bom exemplo
de sua vida e colocam-no como um exemplo a ser imitado.

E quando, mais adiante, a convicção comum da santidade da pessoa repousada é


confirmada pelo testemunho especial tal como martírio, confissão sem medo, auto-
sacrifício servindo a Igreja, o dom da cura, e especialmente quando o Senhor confirma a
santidade da pessoa repousada por milagres após sua morte quando ele é lembrado em
orações, então a Igreja o santifica de uma maneira especial. Como que a Igreja não
glorificaria aqueles que o próprio Senhor chama de Seus "amigos"? "Vós sois meus
amigos... eu vos chamo amigos" (João 15:14-15), aqueles que ele recebeu em suas
mansões celestiais no cumprimento das palavras "onde eu estiver, estejais vós também"
(João 14:3). Quando isso acontece, orações para o perdão dos pecados dos que partiram
e para o seu descanso cessam, eles cedem lugar para outras formas de comunhão da
Igreja com ele, chamados: primeiro, o louvor pela sua luta em Cristo, "nem se acende
uma lâmpada e se coloca debaixo do alqueire, mas no candelabro, e assim ela brilha
para todos os que estão em casa" (Mateus 5:15); segundo, súplicas a ele para que reze
por nós, para a remissão de nossos pecados, e para nosso desenvolvimento moral, e que
ele possa ajudar-nos em nossas necessidades espirituais e em nossas aflições.

É dito: "Bendito os mortos, os que desde agora morrem no Senhor" (Apo. 14: 13) e nós
realmente os bendizemos. É dito: "eu lhes dei a glória que me deste" (João 17: 22), e
nós realmente damos a eles esta glória de acordo com o mandamento do Salvador.

Do mesmo modo o Salvador disse: "Quem recebe um profeta na qualidade de profeta,


receberá uma recompensa de profeta. E quem recebe um justo na qualidade de justo,
receberá uma recompensa de justo" (Mateus 10:41). "Porque aquele que fizer a
vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe" (Mateus 12:50).
Portanto, nós também devemos receber os justos como justos. Se ele é um irmão para o
Senhor, então ele também tem que ser para nós. Os santos são nossos irmãos espirituais,
irmãs, mães, pais, e nosso amor para com eles é expresso pela comunhão em oração
com eles.

O Apóstolo João escreve aos seus irmãos cristãos: "O que vimos e ouvimos vo-lo
anunciaremos para que estejais também em comunhão conosco. E a nossa comunhão é
com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo" (1 João 1:3). E dentro da Igreja, essa
comunhão com os Apóstolos não é interrompida; atravessa para dentro do outro
domínio de suas existências, o domínio celestial.

A proximidade dos santos do Trono do Cordeiro e a elevação deles das orações para a
Igreja na terra é representada no livro do Apocalipse de São João, o Teólogo: "em
minha visão, ouvi ainda o clamor de uma multidão de anjos que circundavam o trono,
os Seres vivos e dos Anciãos — seu número era de milhões de milhões e milhares de
milhares," que louvaram o Senhor (ver 5:11).

A comunhão em oração com os santos é a realização em fato efetivo do vínculo entre os


cristãos na terra e os da Igreja Celestial da qual o Apóstolo fala: "mas vós vos
aproximastes do monte Sião e da Cidade do Deus vivo, a Jerusalém Celestial, e de
milhões de anjos reunidos em festa, e da assembléia dos primogênitos cujos nomes
estão inscritos nos céus, e de Deus, o Juiz de todos, e dos espíritos dos justos que
chegaram à perfeição" (Hebreus 12: 22-23).

As Sagradas Escrituras apresentam inúmeros exemplos do fato de, enquanto ainda vivos
na terra, os justos poderem ver, ouvir e saber muito do que é inacessível à compreensão
comum. Cada vez mais esses dons estão presentes com eles, quando eles deixam o
corpo e vão para os céus. O santo Apóstolo Pedro viu no coração de Ananias, de acordo
com o livros dos Atos (5: 3). Foi revelado para Eliseu o ato ilegal do servo Giezi (2 Reis
4), e o que é mais notável é que foi revelado à ele todas as intenções secretas da corte
siríaca, as quais ele comunicou ao rei de Israel (2 Reis 6:12). Enquanto em vida, os
santos penetraram em espírito no mundo de cima; alguns deles viram coros de anjos,
outros foram dignos de ver a imagem de Deus (Isaias e Ezequiel), e outros ainda foram
levados ao Terceiro Céu e ouviram lá as palavras místicas, indizíveis. Quão mais
permanecerem nos céus, mais eles serão capazes de saber o que está acontecendo na
terra e de ouvir aqueles que chamam por eles porque os santos nos céus são semelhantes
aos anjos (Lucas 20:36).
Sabemos, da parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro (Lucas 16:19-31), que
Abraão, estando no céu, pôde ouvir o grito do rico que estava sofrendo no inferno,
apesar do "grande abismo" que os separavam. As palavras de Abraão para os irmãos do
homem rico, "Eles têm Moisés e os profetas; que os ouçam!" (Lucas 16:29), claramente
indica que Abraão sabe sobre a vida do povo hebreu que ocorreu depois de sua morte;
ele sabe sobre Moisés e as Leis, sobre os profetas e seus escritos. A visão espiritual das
almas dos justos no céu, sem qualquer dúvida, é maior do que era quando na terra. O
Apóstolo escreve: "E agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois,
veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei
como sou conhecido" (1 Cor. 13:12).

A Santa Igreja sempre guardou os ensinamentos de invocação dos santos, estando


plenamente convencida de que eles intercedem por nós perante Deus no céu. Vemos
isso nas liturgias antigas. Na liturgia do Santo Apóstolo Tiago é dito: "especialmente
celebramos a memória da Santa, Gloriosa e Sempre Virgem Senhora Abençoada Mãe
de Deus (Theotokos). Lembre-se Dela, Ó Senhor Deus, e por suas puras e santas
orações tenha compaixão e tende piedade de nós." São Círilo de Jerusalém, explicando a
Liturgia da Igreja de Jerusalém, observa: "então nós também comemoramos (oferecendo
os Sacrifícios incruentos) aqueles que partiram antes de nós: primeiramente de todos
patriarcas, profetas, apóstolos, mártires que por suas orações e intercessões junto a
Deus recebam nossas petições."

Numerosos são os testemunhos dos Padres e Mestres da Igreja, especialmente do século


IV e após, sobre a veneração dos santos pela Igreja. Mas já desde o começo do século II,
há indicações diretas da literatura cristã antiga sobre a fé nas orações dos santos nos
céus por seus irmãos terrenos. O testemunho da morte em martírio de São Inácio, o
Defensor de Deus (no começo do século II) diz: "Tendo retornado a suas casas em
lágrimas, tivemos uma noite completa de vigília... Então, depois de dormir um pouco,
alguns de nós viram repentinamente o abençoado Inácio de pé e abraçando-nos, e outros
também viram ele rezando para nós." Registros semelhantes mencionando as orações e
intercessões dos mártires por nós são encontradas em outros relatos da época das
perseguições contra os cristãos.

O Futuro Destino do Mundo e da Humanidade


O Símbolo da Fé Niceno-Constantinopolitano (O Credo), nos 7º, 11º e 12º parágrafos,
contém a confissão cristã ortodoxa na vinda futura do Filho de Deus a terra, O (Último)
Julgamento Geral, e a futura vida eterna.

7.o E novamente virá com glória, para julgar

os vivos e os mortos e o seu Reino não terá fim.

11.o Espero a ressurreição dos mortos;

12.o E a vida do século futuro. AMÉM.


Na Economia Divina há um plano para o futuro até o fim dos séculos. E uma parte
inseparável dos ensinamentos cristãos é composta daquilo que a palavra de Deus nos diz
sobre os eventos do fim dos tempos: a Segunda Vinda do Senhor, a ressurreição dos
mortos e o fim do mundo — e então, sobre o início do Reino da Glória e a vida eterna.
A última parte da teologia dogmática assim fala sobre a culminação do grande processo
que teve seu início anunciado na primeira página do Livro de Gênesis.

O Destino do Homem após a Morte.

A MORTE É A SINA COMUM DOS HOMENS. Porém não é uma aniquilação para o
homem, mas somente a separação da alma do corpo. A verdade sobre a imortalidade da
alma humana é uma das verdades fundamentais do Cristianismo. "Ele não é Deus dos
mortos, mas sim dos vivos; todos, com efeito, vivem para Ele" (Mateus 22:32; Lucas
20:38). No Novo Testamento das Sagradas Escrituras a morte é chamada de "declínio
(partida) da alma" ("Assim, farei tudo para que, depois da minha partida, vos lembrei
sempre delas" (2 Pedro 1:15)). É chamada a liberdade da alma da prisão (2Cor. 5:1-4);
o despojar-se do corpo, ("sabendo que em breve hei de despojar-me dela, 2 Pedro 1:14);
uma dissolução ("o meu desejo é partir e estar com Cristo, pois isso me é muito
melhor," Filipenses 1: 23)); uma partida ("e chegou o tempo de minha partida," 2 Tim.
4:6); uma dormição, (Davi "adormeceu," Atos 13:36).

O estado da alma após a morte, de acordo com o testemunho claro da palavra de Deus,
não é inconsciente, mas consciente (por exemplo, de acordo com a parábola do homem
rico e Lázaro, Lucas 16:19-31). Após a morte o homem é sujeitado a um julgamento
chamado "particular" para distinguí-lo do último julgamento geral. Aos olhos do Senhor
é fácil recompensar um homem "na hora da morte conforme sua conduta," diz o mais
sábio filho de Sirach (Eclesi. 11:26). O mesmo pensamento é expresso pelo Apóstolo
Paulo "e como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem
um julgamento" (Hebreus 9:27). O Apóstolo apresenta o julgamento como algo que se
segue imediatamente após a morte de um homem, e, evidentemente, entende isto não
como o julgamento geral, mas como o julgamento particular, assim como os Santos
Padres da Igreja têm interpretado esta passagem. "Hoje estarás comigo no Paraíso"
(Lucas 23:43), o Senhor revelou ao ladrão arrependido.

Nas Sagradas Escrituras não nos é dado saber como ocorre o julgamento particular após
a morte de um homem. Podemos concluir acerca disto somente em partes pelas
expressões separadas que são encontradas na palavra de Deus. Assim, também é natural
pensar que no julgamento particular uma grande parte do destino de um homem após a
morte é determinado por ambos, anjos bons e maus: os primeiros são implementos da
misericórdia de Deus e os segundos pela permissão de Deus — são implementos da
Justiça de Deus. Na parábola do homem rico e Lázaro, é dito que "Lazaro foi levado
pelos anjos ao seio de Abraão" (Lucas 16:22). Na parábola do homem rico louco, à ele
é dito: "Insensato! Nessa mesma noite, ser-te-á reclamada a alma! (lit. "eles levarão,"
Lucas 12:20); evidentemente são as forças do mal que serão "tiradas" *** (São João
Crisóstomos). Porque, de um lado, os anjos destes "pequeninos," nas próprias palavras
do Senhor, sempre sustentaram a face do Pai Celestial (Mateus 18:10), e do mesmo
modo no fim do mundo o Senhor enviará Seus anjos, que "separarão os maus dentre os
justos. E lançarão os maus na fornalha de fogo" (Mateus 13: 49); e, por outro lado, "eis
que o vosso adversário, o diabo, vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem
devorar" (1Pedro 5: 8), e o ar, assim como era, é preenchido de espíritos do diabo sob
os céus, e o seu príncipe é chamado de "príncipe do poder do ar" (Ef. 6:12, 2:2).

Baseados nestas indicações das Sagradas Escrituras, desde a antiguidade os Santos


Padres da Igreja têm representado o caminho da alma após a separação do corpo como
um caminho através de tal amplitude espiritual onde os poderes do mal procuraram
devorar aqueles que são fracos espiritualmente, e onde, portanto, alguém está em
necessidade especial de ser defendido pelos anjos celestiais e assistidos pela oração por
parte dos membros vivos da Igreja. Entre os Padres antigos os seguintes falam sobre
isso: São Efrão, o Sírio; Atanásio, o Grande; Macário, o Grande; Basílio, O Grande;
João Crisóstomos, e outros.

O desenvolvimento mais detalhado dessas idéias é feito por São Círilo de Alexandria
em sua "Homilia sobre a Partida da Alma," a qual é comumente impressa no Saltério
Seqüencial (o Saltério com adições dos Serviços Divinos). Uma descrição ilustrada
deste caminho é apresentado na vida de São Basílio, o Novo (26 de Março), onde a
partida da abençoada Teodora, numa visão durante o sono comunicada ao discípulo de
Basílio, relata o que ela viu e experimentou após a separação de sua alma do corpo e
durante a ascensão da alma às mansões celestiais.

O caminho da alma após a partida do corpo é comumente chamada de "pedágios." A


respeito das imagens nos relatos dos pedágios, o Metropolita Macário em sua Teologia
Dogmática Ortodoxa anota: "deve-se firmemente lembrar da instrução que o anjo fez a
São Macário de Alexandria quando ele tinha apenas começado a dizê-lo sobre os
pedágios: ´Aceite coisas terrenas aqui como o tipo mais fraco de ilustração das coisas
divinas`. Deve-se ilustrar os pedágios o máximo possível no sentido espiritual, que está
escondido sob as características mais ou menos sensíveis e antropomórficas."

Com relação ao estado da alma após o Julgamento Particular, a Igreja Ortodoxa ensina
assim: "Nós acreditamos que as almas dos mortos estão em um estado de bem-
aventurança ou tormento de acordo com suas ações. Depois de estarem separados do
corpo, imediatamente, elas atravessam ou na alegria ou em aflição e tristeza, entretanto,
elas não sentem nem bem-aventurança completa, nem tormento completo. Porque bem-
aventurança completa ou tormento completo cada um recebe após a Ressurreição Geral,
quando a alma é reunida com o corpo no qual viveu em virtude ou em vício (A Epístola
dos Patriarcas Orientais sobre Fé Ortodoxa, parágrafo 18). Assim, a Igreja Ortodoxa
distinguir duas condições diferentes depois do Julgamento Particular: aquele para os
justos, e outro para os pecadores; em outras palavras, paraíso e inferno. A Igreja não
reconhece o ensinamento católico Romano de três condições: 1) bem-aventurança, 2)
purgatório, e 3) Geena (inferno). O próprio nome "geena" os Padres da Igreja
comumente referem-se à condição "após" o último Julgamento, quando ambos morte e
inferno serão lançados no "lago de fogo" (Apo. 20: 15). Os Padres da Igreja, baseando-
se na palavra de Deus, supõem que os tormentos dos pecadores antes do Último
Julgamento têm um caráter preparatório. Esses tormentos podem ser afrouxados e
mesmo retirados pelas orações da Igreja (Epístola dos Patriarcas Orientais, parágrafo
18). Do mesmo modo, os espíritos caídos são "lançados nos abismos tenebrosos do
Tártaro" (no inferno) "onde serão guardados à espera do Julgamento" (2 Pedro 2:4;
Judas 1:6).

Nossa Luta não é


contra Carne e o Sangue
Sobre a questão dos "Pedágios"

"Nós somos loucos por causa de Cristo,

vós, porém, sois prudentes em Cristo" (1Cor. 4: 10)

NOSSA VIDA ENTRE uma população que, embora nominalmente seja cristã, em
muitas considerações tem concepções e visões diferentes da nossa no campo da fé.
Algumas vezes isto nos inspira a responder questões sobre nossa Fé quando são
levantadas e discutidas por pontos de vista não-ortodoxos por pessoas de outras
confissões, e algumas vezes por cristãos ortodoxos que não possuem mais uma base
ortodoxa firme sob seus pés.

Nas condições limitadas de nossa vida, infelizmente somos completamente incapazes de


reagir a afirmações ou a responder às questões que são levantadas. Entretanto, algumas
vezes sentimos tal necessidade. Em particular, agora temos uma chance de definir a
visão ortodoxa dos "pedágios," que é um dos tópicos do livro que apareceu em inglês
sob o título, Mitologia Cristã pelo Canon George Every. Os pedágios são a experiência
da alma cristã imediatamente após a morte, do modo como são descritas pelos Padres da
Igreja e pelos ascetas cristãos. Em anos recentes, uma abordagem crítica a uma série
completa de crenças de nossa Igreja tem sido observadas; essas crenças são vistas como
sendo "primitivas," o resultado de uma visão mundial "ingênua" de piedade, e elas tem
sido caracterizadas por palavras tais como "mitos," "mágica," e similares. É nosso dever
responder.

A questão dos pedágios não é especificamente um tópico da teologia cristã ortodoxa:


não é um dogma da Igreja no sentido exato, mas compreende material de caráter moral e
edificante, pode-se dizer pedagógico. Para abordá-lo corretamente, é essencial entender
as bases e o espírito da visão ortodoxa de mundo. "Quem, pois, dentre os homens
conhece o que é do homem, senão o espírito do homem que nele está? Da mesma
forma, o que está em Deus, ninguém o conhece senão o Espírito de Deus" (1 Cor 2: 11-
12). Nós mesmos devemos nos aproximar da Igreja, "a fim de que conheçamos os dons
da graça de Deus" (1 Cor. 2:12).

Na presente questão a base é: Nós acreditamos na Igreja. A Igreja é o corpo de Cristo


celestial e terreno, pré-designado para a perfeição moral de seus membros da parte
terrena e para a benção, alegria e sempre vida ativa da parte de seu domínio celestial. A
Igreja na terra glorifica a Deus, unifica os fiéis e educa-os moralmente para que desta
forma possa enobrecer e exaltar a própria vida terrena — ambas, a vida pessoal de seus
filhos e a vida da humanidade. Seu objetivo principal é ajudá-los a obter a vida eterna
em Deus, a obtenção da santidade, sem a qual "ninguém verá o Senhor" (Hebreus
12:14).

Assim, é essencial que haja comunhão constante entre aqueles na Igreja terrena e na
Igreja Celestial. Todos os seus membros são interativos no corpo de Cristo. No Senhor,
Pastor da Igreja, há, assim como houve, dois rebanhos: o celestial e o divino (Epístola
dos Patriarcas Orientais, Século XVII). "Se um membro sofre, todos os membros
compartilham o seu sofrimento; se um membro é honrado, todos os membros
compartilham a sua alegria" (1 Cor. 12:26). A Igreja Celestial regozija-se, mas ao
mesmo tempo simpatiza com os semelhantes membros na terra. São Gregório, o
Teólogo, deu o nome "a Ortodoxia sofredora" à Igreja terrena; e assim permaneceu até
hoje. Esta interação é valiosa e indispensável para o objetivo comum de "cresceremos
em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo, cujo Corpo, em sua inteireza, bem
ajustado e unido por meio de toda junta e ligadura, com a operação harmoniosa de
cada uma de suas partes, realiza o seu crescimento para a sua própria edificação no
amor" (Efe. 4: 15-16).

O fim de tudo isso é deificação no Senhor, para que "Deus seja tudo em todos" (1 Cor
15:28). A vida terrena do cristão deve ser um lugar de crescimento espiritual, progresso,
ascensão da alma em direção ao céu. Sofremos profundamente, com exceção de alguns
de nós, mesmo que saibamos nosso caminho, desviamo-nos para longe por causa de
nossa ligação àquilo que é exclusivamente terreno. E, mesmo que estejamos prontos
para nos arrepender, ainda assim continuamos a viver negligentemente. Entretanto, não
há em nossa alma a chamada "paz da alma" a qual está presente na psicologia cristã
oriental, e que é baseada em um tipo de "moral mínima," isto é, tendo cumprido minha
obrigação que supre uma disposição conveniente da alma para, então, ocupar a si
próprio com interesses mundanos.

Portanto, é precisamente ai, onde a "paz da alma" acaba, que está aberto o campo de
perfeição para o trabalho interno dos cristãos. "Pois, se pecarmos voluntariamente e
com pleno conhecimento da verdade, já não há sacrifício pelos pecados. Aguarda-nos
apenas um julgamento tremendo e o ardor de um fogo que consumirá os adversários...
quão terrível é cair nas mãos do Deus vivo" (Hebreus 10:26-31). Passividade e
descuido são estranhos à alma; por sermos passivos e descuidados, humilhamos a nós
mesmos. Entretanto, para reergue-se é necessário vigilância constante da alma e, mais
que isso, o combate.

Com quem é este combate? Consigo próprio apenas? "Pois o nosso combate não é
contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades,
contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam
as regiões celestiais" (Ef. 6:12).

Aqui nós abordamos a questão dos "Pedágios."

NÃO É POR ACASO, que a Oração do Senhor termina com as palavras: "e não nos
deixei cair em tentação, mas livrai-nos do Mal." A respeito deste mal, em outro de Seus
discursos, o Senhor disse a seus discípulos: "Eu via Satanás cair do céu como um
relâmpago" (Lucas 10: 18). Subjugado do Céu, ele se tornou assim um residente da
esfera mais baixa, o príncipe do poder do ar, o príncipe da legião dos espíritos impuros.
Quando um espírito impuro sai de um homem, mas não encontra repouso para si, ele
retorna para casa da qual ele partiu e, encontrando-a desocupada, limpa e em ordem,
"diante disso, vai e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele, e vêm habitar
ai. E, com isso, a condição final daquele homem torna-se pior do que antes. Eis o que
vai acontecer a esta geração má" (Mat. 12:43-45).
Isto só a uma geração? Sobre a mulher subjugada que foi curada no dia do Sabá, o
Senhor responde: "E esta filha de Abraão que Satanás prendeu há dezoito anos, não
convinha soltá-la no dia de sábado?" (Lucas 13:16).

Os apóstolos não esquecem em suas instruções dos nossos inimigos espirituais. São
Paulo escreve aos Efésios: "Neles vivíeis outrora, conforme a índole deste mundo,
conforme o Príncipe do poder do ar, o espírito que agora opera nos filhos da
desobediência" (Efe. 2: 2). Portanto, agora "revesti-vos da armadura de Deus, para
poderdes resistir às insídias do diabo" (Efe 6: 11), "eis que o vosso adversário, o diabo,
vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar" (1 Ped. 5, 8). Sendo
cristãos, devemos chamar estas qüotações das Escrituras de "mitologia"?

Essas advertências a gerações antecedentes que se encontram na palavra escrita de Deus


também estão relacionadas a nós. Portanto, os obstáculos para a salvação são os
mesmos. Alguns deles são devidos ao nosso descuido, nossa própria autoconfiança,
nossa falta de discernimento, nosso egoísmo, as paixões do corpo; outras estão nas
tentações e nos tentadores que nos rodeiam: em pessoas, e nas forças das trevas
invisíveis que nos circundam. Por isso é que, em nossas orações pessoais diárias, nós
imploramos a Deus que não permita nenhum "sucesso do Mal" (das Orações Matinas),
isto é, que não nos seja permitido nenhum sucesso em nossos atos que possam ocorrer
com a ajuda das forças das trevas. Em geral, em nossas orações privadas e na Adoração
Divina em público, nunca perdemos de vista a idéia de sermos transferidos para uma
vida diferente após a morte.

Nos tempos dos Apóstolos e dos primeiros cristãos, quando os cristãos eram mais
inspirados, quando as diferenças entre o mundo dos pagãos e o mundo dos cristãos eram
mais distintas, quando o sofrimento dos mártires era uma luz para a Cristandade, havia
menos interesse em auxiliar o espírito dos cristãos somente pela pregação. Mas o
Evangelho é todo cingido! As demandas do Sermão na Montanha não foram só
intencionadas para os Apóstolos! E, portanto, nos escritos dos Apóstolos nós já lemos
não apenas simples instruções, mas também advertências sobre o futuro, quando
deveremos prestar contas.

"Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes resistir às insídias do diabo...


para poderdes resistir no dia mau e sair firmes de todo o combate" (Efe. 6:11-13).
"Pois, se pecarmos voluntariamente e com pleno conhecimento da verdade, já não há
sacrifícios pelos pecados. Aguarda-nos apenas um julgamento tremendo e o ardor de
um fogo que consumirá os adversários. Quão terrível é cair nas mãos do Deus vivo!"
(Hebreus 10: 26-31). "Procurai convencer os hesitantes; a outros procurai salvar,
arrancando-os ao fogo; de outros ainda tende misericórdia, mas com temor,
aborrecendo a própria veste manchada pela carne" (Judas 22-23). "De fato, os que uma
vez foram iluminados e que saborearam o dom celeste, receberam o Espírito Santo,
experimentaram a beleza da palavra de Deus e as forças do mundo que há de vir. E,
não obstante, decaíram, é impossível que renovem a conversão uma segunda vez,
porque da sua parte crucificam novamente o Filho de Deus e o expõem às injúrias"
(Hebreus 6:4-6).

Assim era na Era Apostólica. Mas quando a Igreja, após ter recebido a liberdade,
começou a ser preenchida com massas de pessoas, quando a inspiração geral da fé
começou a enfraquecer-se, houve mais uma necessidade crítica por palavras poderosas,
por denúncias, por chamada para a vigilância espiritual, para o temor de Deus e o temor
pelo destino de cada um. Na coleção das instruções pastorais dos mais zelosos
arciprestes lemos homilias severas dando o quadro do julgamento futuro que nos espera
após a morte. Essas homilias tinham a intenção de trazer pecadores aos seus sentidos, e,
evidentemente, eram proferidos durante períodos de arrependimento cristão geral, antes
da Grande Quaresma. Nelas estava a verdade da retidão de Deus, a verdade de que nada
impuro entraria no reino da santidade; esta verdade estava vestida de imagens terrenas
vívidas, parcialmente figurativas, as quais eram conhecidas por todos na vida diária. As
próprias hierarquias deste período chamaram estas imagens do julgamento que ocorrem
após a morte de pedágios. As tabelas dos publicanos, os cobradores de taxas e impostos
eram evidentemente pontos para deixar que alguém seguisse no caminho mais além
dentro da parte central da cidade. Com certeza, a palavra "pedágio" por si mesma não
nos indica nenhum significado religioso em particular. Em linguagem patrística
significa aquele curto período após a morte quando a alma cristã deve prestar contas
pelo seu estado moral.

São Basílio escreve, "Que ninguém se deixe ser enganado com palavras vãs, ‘então,
lhes sobrevirá repentina destruição’ (1 Tess. 5: 3) e causará um transtorno como uma
tempestade. Um anjo severo virá, ele liderará forçosamente sua alma, amarrada pelos
pecados. Ocupe-se, portanto, com a reflexão sobre o último dia... Imagine para si a
confusão, a brevidade da respiração, e a hora da morte, a sentença de Deus se
aproximando, os anjos apressando-se na sua direção, a confusão terrível da alma
tormentada por sua consciência, com seu lamentável olhar pasmo no que está
acontecendo, e finalmente, a translação inevitável para um lugar distante" (São Basílio o
Grande, citado na ""Essay in a Historical Exposition of Orthodox Theology," do Bishop
Sylvester, Vol. 5, página 89).

São Gregório, o Teólogo, que guiou um imenso rebanho por períodos curtos, limitou-se
a palavras gerais, dizendo que "cada um é um juiz sincero de si próprio, por causa do
assento do julgamento que o espera."

Existem mais exemplos de impressionante ilustração encontrado em São João


Crisóstomos: "Se, dirigindo-se a qualquer país ou cidade estrangeiros temos necessidade
de guias, então o quanto nós precisamos de guias de modo a passar desimpedido pelos
anciões antigos, as forças, os regentes dos ares, os perseguidores, os chefes de cobrança!
Por esta razão, a alma, voando para longe do corpo, freqüentemente ascende e descende,
teme e treme. A consciência do pecado sempre nos tormenta, mais ainda no momento
em que devemos ser conduzidos para aqueles julgamentos e aquele lugar assustador do
julgamento." Continuando, Crisóstomos nos dá instruções morais para um modo de vida
cristão. Assim, para crianças que morreram, ele coloca nos lábios deles as seguintes
palavras: "Pacificamente, os santos anjos nos separaram dos nossos corpos, e tendo
bons guias e sem ferimentos passamos pelas forças do ar. Os espíritos malignos não
encontraram em nós o que eles procuravam, não notaram aquilo que eles queriam
provocar vergonha; vendo uma alma imaculada, eles se envergonharam; vendo uma
língua inviolada, eles ficaram em silêncio. Passamos e os deixamos humilhados. O
ninho foi arrendado, e nós fomos entregues. Abençoado é Deus, que não nos deu como
uma presa a eles" (São João Crisóstomos, Homilia 2, "Sobre a Recordação dos Mortos."

A Igreja Ortodoxa representa os mártires cristãos, homens e mulheres, como atingindo a


câmara matrimonial celestial tão livremente como as crianças e sem dano. No Século V,
uma representação do julgamento imediato sobre a alma depois da partida do corpo,
chamada de Julgamento Particular, foi ainda mais colocada próxima da representação
dos pedágios, assim como vemos na "Homilia sobre a Partida da Alma" de São Círilos
de Alexandria, a qual adiciona as imagens deste tipo nos Padres da Igreja que o
precederam.

É perfeitamente estimada por alguém que imagens puramente terrenas são usadas para
um assunto espiritual de modo que a imagem, sendo impressa na memória, pode acordar
a alma de um homem. "Olhe o Noivo que veio à noite, e abençoado é o servo o qual Ele
encontrará assistindo." Ao mesmo tempo, nessas ilustrações a pecabilidade que está
presente no homem caído é revelada em vários tipos e formas, e isto inspira o homem a
analisar seu próprio estado de alma. Nas instruções dos Ascetas Ortodoxos os tipos e
formas de pecabilidade possuem uma marca própria; nas Vidas dos Santos há também
uma característica de marca.

Devido à disponibilidade das Vidas dos Santos, os relatos dos pedágios da Justa
Teodora, descrito por ela em detalhes por São Basílio, o Novo, em seus sonhos,
tornaram-se especialmente bem conhecidos. Os sonhos geralmente expressam o estado
da alma de um determinado homem, e em casos especiais também são autênticas visões
das almas dos que partiram de suas formas terrenas. O relato de Teodora possui
característica de ambos. A idéia de que bons espíritos, nossos anjos-da-guarda, assim
como os espíritos do mal sob o céu, participam do destino do homem (após a morte)
encontra confirmação na parábola do homem rico e Lázaro. Imediatamente após a
morte, Lázaro foi levado por anjos ao âmago de Abraão. Em outra parábola o homem
injusto escuta estas palavras: "Insensato, nessa mesma noite, ser-te-á reclamada a
alma" (Lucas 12:20); e, evidentemente, aqueles que "reclamam" não são ninguém mais
do que os mesmos "espíritos de maldade sob os céus."

De acordo com a simples lógica e também como confirmado pela Palavra de Deus, a
alma, imediatamente após sua separação do corpo, entra numa esfera onde seu destino
futuro é definido. "E como é um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois
da que vem um julgamento," lemos no Apóstolo Paulo (Hebreus 9:27). Este é o
Julgamento Particular, que é independente do Último Julgamento Universal.

O ensinamento sobre o Julgamento Particular de Deus entra na esfera da teologia


dogmática Ortodoxa. Com relação aos pedágios, escritores russos de sistemas gerais de
teologia limitam-se mais propriamente a uma nota estereotipada: "Com relação a todas
as imagens carnais e terrenas com as quais o Julgamento Particular é apresentado na
forma de pedágios, embora em suas idéias fundamentais sejam completamente
verdadeiras, assim mesmo elas devem ser aceitas do modo pelo qual o anjo instruiu São
Macário de Alexandria, como sendo somente a maneira mais débil de representar coisas
celestiais." (veja Macário, Metropolita de Moscou, Teologia Dogmática Ortodoxa, Saint
Petersburg, 1883, vol. 2, pág 538; também o livro do Bispo Silvestre, Reitor da
Academia Teológica de Kiev. O Arcebispo Filareto de Chernigov, em seu trabalho de
dois volumes de teologia dogmática não comenta sobre este assunto).

Se um reclama do caráter tenebroso das representações dos pedágios — não existem


muitas representações similares nas escrituras do Novo Testamento e nas palavras do
próprio Senhor, - não nos amedrontamos pela simples questão: "Como entraste aqui
sem a veste nupcial?" (Mateus 22: 12).
Respondemos às discussões sobre os pedágios, um tópico que é secundário no universo
de nosso pensamento ortodoxo, porque isto dá uma oportunidade de elucidar a essência
da vida na Igreja. A vida de oração de nossa Igreja Cristã é comunhão mútua
ininterrupta com o reino celestial. Não é apenas uma "invocação dos santos," assim
como comumente é chamado; é uma interação no amor. Entretanto, em todo o corpo da
Igreja, estando unidos e fortalecidos em seus membros e vínculos, "realiza o seu
crescimento em Deus" (Col. 2:19). Através da Igreja "vós vos aproximastes da Sião e da
cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e de milhões de anjos reunidos em festa, e
da assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus, e de Deus, o Juiz
de todos, e dos espíritos dos justos que chegaram à perfeição" (Hebreus 12:22-23).
Nossa interação piedosa estende-se a todas as direções. Foi-nos comandado: "Ore uns
para os outros." Vivemos de acordo com nosso princípio de fé: "quer vivamos, quer
morramos, pertencemos ao Senhor" (Rom. 14: 8). "O amor nunca falha" (1 Cor 13:8).
"O amor cobre uma multitude de pecados" (1 Pedro 4:8).

Para a alma não existe a morte. A vida em Cristo é um mundo de oração. Penetra em
todo o corpo da Igreja, unifica cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros
da Igreja terrena entre si, e os membros da Igreja terrena com os da Igreja Celestial. As
orações são as fibras da fábrica viva do corpo da Igreja, porque "a oração do justo tem
muita força" (Tiago 5:16). Os vinte e quatro anciãos no trono de Deus prosternaram-se
diante do Cordeiro, cada um tendo cítaras e taças cheias de incenso, "que são as
orações dos santos" (Apo. 5:8); isto é, eles ofereceram orações na terra para o trono
divino.

As ameaças são necessárias, elas podem e devem nos alertar, nos reter das ações
malignas. A mesma Igreja nos persuade que o Senhor é compassivo e misericordioso,
paciente e repleto de piedade, e que está angustiado pelas ações malignas dos homens,
tomando para Si nossas fraquezas. Na Igreja Celestial estão também nossos
intercessores, nossos ajudantes, aqueles que rezam por nós. A Mais Pura Mãe de Deus é
nossa protetora. Nossas orações genuínas são as orações dos santos, escritas por eles, as
quais vieram de sua contrição de coração durante os dias de suas vidas terrenas. Aqueles
que rezam podem sentir isso, e assim, os próprios santos tornam-se próximos de nós.
Tais são nossas orações diárias; igual também é todo o ciclo dos serviços divinos da
Igreja, os diários, os semanais e das comemorações.

Toda esta literatura litúrgica não foi concebida como um exercício acadêmico. Os
inimigos do ar são impotentes contra tal ajuda. Mas temos que ter fé, e nossas orações
devem ser fervorosas e sinceras. Há mais alegria nos céus sobre um que se arrepende,
do que sobre outros que não necessitam de arrependimento. Quão insistentemente a
Igreja nos ensina (em suas litanias) a passar "o resto de nossas vidas em paz e
arrependimento," e a morrer assim! Nos ensina a chamar à lembrança nossa mais Santa,
Pura, e sempre Abençoada Virgem Mãe de Deus (Theotokos) e todos os santos, e então
a confiarmo-nos uns aos outros e em Cristo nosso Deus.

Ao mesmo tempo, com toda essa imensidão de protetores divinos, somos alegrados pela
proximidade especial de nossos Anjos da Guarda. Eles são meigos, regojizam-se sobre
nós, e também sofrem com nossas faltas. Somos preenchidos com esperança neles, no
estado que estaremos quando nossa alma se separar do corpo, quando devemos entrar
numa nova vida: será esta de luz ou na escuridão, na alegria ou na tristeza? Portanto,
cada dia rezamos aos nossos anjos pelo presente dia: "Livrai-nos de cada astúcia do
inimigo." Em cânones especiais do arrependimento suplicamos a eles que não nos deixe
agora nem depois de nossa morte: "Eu vos vejo com meu olhar espiritual fixo, Vós que
permaneceste comigo, meu conservador companheiro, Santo Anjo, observando,
acompanhando e permanecendo comigo e sempre me oferecendo aquilo que é para a
salvação." "Quando minha humilde alma for desligada de meu corpo, que cubrai-la, Ô
meu Instrutor, com seu brilho e suas mais sagradas asas." "Quando o som temível dos
trompetes ressurgirem-me no julgamento, coloque-se ao meu lado, em silêncio e alegre,
e com esperança da salvação leve de mim meu medo." "Porque estais formoso em
virtude, doce e alegre, uma mente brilhante como o sol; brilhantemente interceda por
mim com semblante alegre e olhar radiante quando eu for ser levado da terra." "Que eu
possa então vê-lo de pé do lado direito de minha pobre alma, brilhante e em silêncio,
vós que intercedereis e rezareis para mim quando meu espírito será tirado por força; que
eu o observe banindo aqueles que me perseguem, meus inimigos cruéis" (do Cânone do
Anjo Guardião do Monge João, no Livro de Orações para Padres).

Assim, a Santa Igreja através dos graus de seus edificadores: os Apóstolos, os grandes
hierarcas, os santos ascetas, tendo como seu Pastor Chefe nosso Salvador e Senhor
Jesus Cristo criou e nos deu todos os meios para ao nosso aperfeiçoamento espiritual e a
obtenção da abençoada vida eterna em Deus, superando nossa negligência e pequena
disposição ao medo e aos rigorosos avisos, e ao mesmo tempo introduzindo em nós um
espírito vigilante e uma esperança acesa, nos envolvendo com guias e ajudante santos e
celestiais. No Typicon dos serviços Divinos da Igreja, nos é dado um caminho direto
para a obtenção do Reino da Glória.

Entre as imagens do Evangelho, a Igreja freqüentemente nos relembra a parábola do


Filho Pródigo, e uma semana no ciclo anual dos serviços da Igreja é totalmente
devotado a esta lembrança, para que possamos saber do ilimitado amor de Deus e do
fato de que o arrependimento sincero, contrito e em prantos de um homem fiel supera
todos os obstáculos e todos os pedágios no caminho para o Pai Celestial.

Missionary Leaflet # P77e

Copyright © 2005 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Editor e Tradutor para o português: José Valério Lopes dos Santos Júnior

A Glorificação
de Santos
pelo Protopresbítero Michael Pomazansky
Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

Conteúdo:

Introdução.

Testemunho da

Igreja Primitiva.

Mártires e Ascetas.

Prática Russa.

Autoridade mais Alta Necessária.

Conclusão.

Introdução.
O QUE, EM ESSÊNCIA, é a glorificação formal de santos na Igreja? Na Igreja Santa
Católica Ortodoxa, a piedosa memória de cada um de seus membros que partiu na fé,
esperança e arrependimento é cuidada. Essa comemoração da maioria dos que partiram
é limitada, comparativamente, ao círculo estreito da "Igreja do lar," ou, em geral, a
pessoas de relação sanguínea próxima ou de amizades com os partidos. Ela é expressa
por orações pelos partidos, orações pela remissão dos pecados, para que "sua alma seja
contada entre os justos," para que "seu repouso seja entre os santos." Essa é uma malha
espiritual e piedosa que liga aqueles na terra aos que partiram; ela é uma expressão do
amor que é benéfica tanto para os partidos quanto para aqueles que oram por eles. Se,
depois da morte, ele não é privado da visão da glória de Deus por conta dos seus
pecados, ele responde com sua própria oração para aqueles próximos a ele na terra.

Pessoas que são grandes em seu espírito Cristão, gloriosas em seu serviço à Igreja,
faróis iluminando o mundo, deixam atrás de si uma memória que não é confinada a um
estreito círculo de pessoas, mas que é conhecida por toda a Igreja, local ou universal. A
confiança em que elas tenham atingido a glória do Senhor e no poder das orações delas,
mesmo depois da morte, torna-se tão forte e inquestionável que o pensamento dos
irmãos delas na terra não é mais dirigido nas orações para a remissão dos pecados delas
(já que elas são santas diante do Senhor sem isso), mas para a louvação de suas lutas, na
aceitação de suas vidas como modelos para as nossas, e pedindo suas orações por nós.
Em testemunho em profunda certeza da Igreja que o homem justo que repousa está com
o Senhor, no coro dos santos na Igreja do céu, ela compõe um ato de "numerá-lo entre
os santos," ou de "glorificação." Com isso a Igreja dá a sua benção para a mudança de
orações pelo que repousa por orações pedindo para nós a piedosa assistência dele diante
do trono de Deus. A voz unânime da Igreja expressada pelos lábios de seus hierarcas, a
voz conciliatória, confirma a convicção de seus membros comuns sobre a santidade do
homem justo. Esse é, em essência, o ato de glorificação em si. Nada na Igreja deve ser
arbitrário, mas "apropriado e ordenado." A preocupação da Igreja com relação a isso é
expressa pelo oferecimento de uma oração de súplica uniforme para o justo.

Em tempos de comemoração da partida de um justo alguns não vão além dos imites de
uma província particular. Outros santos de Deus tornam-se famosos e renomados por
toda a Igreja ainda durante sua atividade terrestre; eles são a glória da Igreja e mostram
serem os pilares dela. Uma resolução eclesiástica de sua glorificação confirma essa
comemoração para sempre no domínio apropriado, isto é, na Igreja local que fez a
resolução, ou em toda Igreja universal.

A assembléia dos santos na Igreja celeste de todos os tempos é grande e além de


enumeração. Os nomes de certos santos são conhecidos na terra; outros permanecem
desconhecidos. Os santos são como estrelas — quanto mais perto estão de nós mais
claramente são vistos; no entanto, incontáveis pontos de luz existem no espaço que
estão fora do alcance da vista humana. Assim, nas comemorações da Igreja, santos são
glorificados em grandes grupos e em assembléias inteiras, assim como individualmente.
Tais são as comemorações de mártires que foram mortos às centenas ou milhares, os
Padres dos Concílios Ecumênicos, e finalmente a celebração geral de "todos os santos"
tanto anual (primeiro Domingo após Pentecostes; o segundo Domingo após Pentecostes
para todos os santos da Rússia), quanto semanal (todos os sábados).

Como ocorreu e ocorre a glorificação dos grandes e gloriosos hierarcas, ascetas e outros
reconhecidos com santos da Igreja? Na base de que princípios, com que critérios, e com
que rito — nos casos gerais e individuais? Pesquisa feita pelo Professor Golubinsky, "A
Historia da Canonização de Santos na Igreja Russa" (2ª Edição, Moscou, University
Press, 1903), é dedicada a essa questão. Na exposição que se segue nós iremos, na
maior parte, fazer uso do tratado do Professor Golubinsky.

Enquanto usando o termo canonização de santos, o Professor Golubinsky admite nas


primeiras linhas de seu livro, que apesar desse termo ser derivado etimologicamente da
palavra grega cânon, ele forma uma parte da terminologia da Igreja Latina e não é
empregue pelos Ortodoxos gregos. Essa é uma indicação de que nós não precisamos
usá-lo; e de fato, em seu próprio tempo o Professor Golubinsky foi recriminado por usá-
lo com muita freqüência, especialmente porque o espírito e caráter da glorificação
Ortodoxa é algo diferente da canonização da confissão romana. A canonização da igreja
de Roma em sua forma contemporânea consiste em uma solene proclamação pelo Papa:
"Nós resolvemos e determinamos que o Abençoado N. é santo, e nós entramos com ele
no catálogo de santos, ordenando que toda a igreja honre sua memória com
reverência..." A maneira Ortodoxa de "numerá-lo no coro dos santos" não tem fórmula
especial, mas seu sentido pode ser expresso assim: " Nós confessamos que N. esta no
(numerado com...) o coro dos Santos de Deus."
Testemunho da
Igreja Primitiva.
NOS PRIMEIROS SÉCULOS da Igreja de Cristo, três tipos básicos de santos eram
reconhecidos. Eram: a) Patriarcas do Velho Testamento, profetas (do qual João o
Precursor era o proeminente) e os Apóstolos do Novo Testamento; b) os mártires que
ganhavam coroas de glória pelo derramamento de seu sangue; c) importantes hierarcas
que serviram a Igreja, assim como pessoas que eram aclamadas por suas lutas pessoais
(os justos e os ascetas). Como patriarcas, profetas, apóstolos e mártires, a participação
em qualquer dessas categorias carregava consigo o reconhecimento como santo.

É conhecido pela história que encontros de oração ocorriam em honra de mártires tão
cedo como no primeiro quarto do segundo século (conforme São Inácio de Antioquia).
Com toda probabilidade elas começaram imediatamente após a primeira perseguição de
Cristãos — a de Nero. É aparente que não foi necessário nenhum decreto eclesiástico
especial para a veneração deste ou daquele mártir particular. A morte do mártir em si
testemunhava a recepção de coroa celeste. Mas a enumeração dos hierarcas e ascetas
que haviam partido para o coro dos santos era feita individualmente, e era levada em
conta naturalmente a dignidade pessoal de cada um.

É impossível dar uma resposta geral sobre que critério a Igreja empregou para o
reconhecimento dos santos pertencentes a essa terceira categoria. Com respeito aos
ascetas em particular, sem dúvida a base geral, fundamental de sua glorificação foi e
ainda é a realização de milagres. Isso porque a evidência sobrenatural é livre de
caprichos ou induções humanas. O Professor Golubinsky considera essa a única base
para a glorificação de ascetas na história da canonização eclesiástica. Apesar de sua
opinião, no entanto, pode-se concluir que a comemoração dos grandes Cristãos
moradores no deserto do passado, os líderes e guias do monasticismo foram mantidos
pela Igreja, por seus dons didáticos e seus elevados resultados espirituais alcançados, à
parte da estrita dependência deles terem realizado milagres ou não para serem
glorificados. Eles foram enumerados entre o coro dos santos estritamente por suas vidas
ascéticas, sem nenhuma referência ao critério de terem feito milagres.

A antiga glorificação da Igreja de santos hierarcas deve ser vista de modo um pouco
diferente. Os elevados serviços deles em si formaram a base para sua glorificação, assim
como a morte em martírio era para os mártires. No Calendário de Cartago, que data do
século sétimo, há uma inscrição: "Aqui estão marcados os dias de nascimento (isto é,
data do martírio) dos mártires e os dias de repouso dos bispos cuja comemoração anual
a Igreja de Cartago celebra." Assim, julgando pelos antigos calendários litúrgicos
gregos, pode-se suspeitar que na Igreja Grega todos os bispos Ortodoxos que não se
maculavam de modo algum, eram enumerados entre o coro dos santos locais da diocese
deles, na base da crença de que como intercessores diante de Deus nesse mundo por
suas vocações, eles continuariam como tais mesmo na vida depois do túmulo. Nos
calendários eclesiásticos do Patriarcado de Constantinopla, todos os patriarcas que
ocuparam aquela sé de 315 a.D. (S. Mitrophan) até 1025 (S. Eustatius), com exceção
daqueles que foram heréticos ou por uma ou outra razão canônica foram depostos, são
registrados na lista de santos. Essa compilação, no entanto, quase não levou em
consideração a seqüência em que os patriarcas ocuparam a sé. Com toda probabilidade,
os bispos mais renomados foram reconhecidos como santos logo após seu repouso; nos
outros casos a inclusão foi feita algum tempo depois.

Os nomes de todos os bispos deram entrada em dípticos locais—a lista dos que partiram
que era lida alta nos ofícios divinos, e todo ano, na data do repouso de cada um deles,
era celebrada a sua comemoração com especial solenidade. Sozomen, o historiador de
Igreja, afirma que em igrejas ou dioceses individuais, a celebração dos mártires locais e
a comemoração dos sacerdotes anteriores (isto é, hierarcas) eram realizadas. Aqui o uso
do termo "celebração" com referência a memória dos mártires, mas "comemoração"
com referência aos hierarcas, dá margem a ser entendido que na Igreja primitiva esses
últimos eventos (se se deve falar de um plano geral e não de casos individuais) eram de
menor estatura que os primeiros. O Professor Golubinsky conjectura que, com respeito
a hierarcas, depois de alguns anos de fervorosas orações por eles, a celebração anual de
sua memória era transformada em um dia de orações para eles. De acordo com o
testemunho de Simeão de Tessalônica, desde os primeiros tempos em Constantinopla,
os hierarcas eram enterrados dentro do santuário da maior das igrejas, a dos Apóstolos,
como as relíquias dos santos, por conta da Graça do divino sacerdócio.

Na Igreja Grega, até o século onze, muito poucos do coro dos hierarcas eram santos
universalmente venerados pela Igreja toda. A maior parte dos hierarcas permaneceu
santo só em suas próprias Igrejas individuais (isto é, dioceses) e cada diocese individual
/ Igreja celebrava somente seus hierarcas locais, com um número pequeno de hierarcas
venerado universalmente por toda Igreja. No século onze a transformação do coro dos
hierarcas de local para universal chegou, com o resultado que há um grande número de
nomes. Essa foi provavelmente a razão pela qual, desse século em diante, a enumeração
de hierarcas no coro de santos foi feita mais estritamente, e como critério para a
enumeração de qualquer patriarca de Constantinopla entre os santos foi declarado
necessário haver evidência irrefutável de milagre dele, e isso também foi requerido para
a glorificação de ascetas.

Em Igrejas locais (Dioceses) o direito de reconhecer indivíduos como santos pertencia


aos seus bispos e seus cleros ou de oficiais sujeitos à autoridade deles. É também muito
possível que os bispos não realizassem tais atos sem o conhecimento e consentimento
do Metropolita e do Sínodo de Bispos da província metropolitana. Às vezes os leigos
determinavam antecipadamente a futura glorificação dos ascetas, ainda enquanto esses
estavam vivos, e em testemunho de sua determinação erigiam igrejas dedicadas para tais
ascetas, aparentemente na certeza que a bênção da hierarquia viria algum tempo a
seguir.

Quando Simeão o Pio, ancião e orientador de São Simeão o Novo Teólogo, repousou
no Senhor após quarenta e cinco anos de trabalhos ascéticos, São Simeão, sabendo da
intensidade de suas lutas, da sua pureza de coração, de sua proximidade com Deus e da
Graça do Espírito Santo que o envolvia, compôs para sua honra um elogio, assim como
hinos e cânones, e celebrou anualmente a sua memória com grande solenidade, tendo
pintado um ícone dele como santo. Outros, talvez, dentro e fora do mosteiro, seguiram
o seu exemplo, pois ele tinha muitos discípulos e admiradores entre monásticos e
leigos. São Sérgio II, então Patriarca de Constantinopla (reinou de 999 a 1019), ouvindo
sobre isso, convocou São Simeão a aparecer diante dele, e o questionou sobre a festa e
sobre o santo que estava sendo tão honrado. Mas descobrindo que Simeão o Pio tinha
levado uma vida tão exaltada, ele não proibiu a veneração de sua memória, e inclusive
enviou lamparinas e incenso em memória de Simeão. Dezesseis anos se passaram sem
incidente. Mas depois, um certo influente metropolita aposentado que residia em
Constantinopla objetou a qualquer veneração conduzida por iniciativa privada. Tal
coisa parecia a ele blasfema e contrária à ordem da igreja. Alguns poucos padres
paroquiais e alguns leigos concordaram com ele, e perturbações começaram sobre esse
ponto, durando cerca de dois anos. Para atingir seu objetivo os oponentes de São
Simeão não pararam na calunia e difamação, dirigidas contra o santo e seu ancião. São
Simeão recebeu ordem de se apresentar diante do patriarca e seu sínodo para dar
explicações. Sua resposta foi que, seguindo os preceitos dos apóstolos e dos santos
padres, ele não podia se refrear em honrar seu ancião, mas ele não compelia outros a
fazer isso, que ele estava agindo de acordo com sua consciência, e que os outros podiam
fazer como lhes parecesse melhor. Satisfeitos com essa apologia, eles, no entanto,
ordenaram São Simeão que daí para a frente celebrasse a memória de seu ancião da
maneira mais modesta possível, sem nenhuma solenidade. A controvérsia continuou por
aproximadamente seis anos, no entanto, uma vingança completa foi lançada contra o
ícone de Simeão o Pio, no qual ele estava pintado na companhia de outros santos, com
uma inscrição que se referia a ele como "santo," e encoberto por Cristo o Senhor em
atitude de bênção. O resultado disso foi que, para a paz da mente e estabelecimento da
paz, São Simeão decidiu deixar Constantinopla e se instalar num local remoto perto da
antiga igreja de Santa Marina, onde mais tarde construiu um mosteiro. A respeito da
questão da veneração em si, o decreto prévio permaneceu valendo, ou seja, a celebração
era permitida desde que não fosse feita com solenidade. (cf. "Vida de São Simeão o
Novo Teólogo, nos Discourses do Bispo Teófano, 2 volumes [Moscou: Ephimou Press,
1892] Vol. 1, pgs. 3-20).

O incidente citado acima demonstra, de um ponto-de-vista, que conhecimento de uma


vida justa de um asceta em si conduz à firme convicção de sua morada na companhia
dos santos depois de sua morte e à sua veneração; de outro lado, ele testemunha o fato
de que, naquele tempo (11° século), os costumes e procedimentos da Igreja requeriam
confirmação definida de autoridade mais elevada da igreja e decreto sinodal
sancionando a veneração pública.

No futuro a Igreja Grega iria reconhecer duas classificações de novos santos


glorificados: mártires e ascetas.

Mártires e Ascetas.
SOB O DOMÍNIO TURCO, a Igreja Grega teve um não pequeno número de mártires
que foram mortos pelo seu excepcional zelo pela fé Cristã e pela denúncia pública do
Islamismo. A Igreja Grega menos antiga, e a Igreja universal com ela, encarou e
continua a aceitar seus mártires como a Igreja primitiva encarava seus mártires no inicio
da era Cristã, reconhecendo o martírio como base suficiente para a glorificação,
independente do dom de realizar milagres, apesar de milagres terem tido o seu lugar
muitas vezes. Um grande número de mártires gregos não foi proclamado como santos
de nenhuma maneira oficial, e com freqüência foram honrados como "zelotes," sem
nenhum interrogatório deliberado ou proclamação por parte da Grande Igreja de
Constantinopla, pois tais coisas teriam sido difíceis de serem conduzidas nas condições
do Jugo Turco. São Nicéforo de Chios, que compôs um "Ofício Geral para Qualquer
Novo Mártir," explicando a necessidade de tal ofício, afirma: "Desde que a maioria dos
novos mártires não tem um ofício para ser celebrado, e porque muitas pessoas estão
desejosas de tal ofício — algumas, para homenagear os seus companheiros
compatriotas, outras para homenagear alguém conhecido pessoalmente; outras ainda
para homenagear alguém que as ajudou em alguma necessidade, eu compus um ofício
geral para qualquer novo mártir. Que aquele que quiser possa cantar tal oficio por quem
ele tem veneração." O autor da "A História da Canonização dos Santos na Igreja
Russa" acredita que geralmente mártires honrados sem glorificação oficial também
eram comprometidos no caso acima. Se sua suposição é ou não acurada é difícil de
determinar.

Como anteriormente, na Igreja Oriental o critério que tinha que ser atendido para a
glorificação de ascetas fossem hierarcas ou monásticos, era o dom de realizar milagres.
O Patriarca Nectário de Jerusalém (reinou de 1661-1669), dá um lúcido testemunho
sobre isso. Ele escreve: "Três coisas testemunham para a verdadeira santidade em
pessoas: 1) Ortodoxia irrepreensível, 2) perfeição em todas as virtudes, que são
coroadas por permanecer firme na fé, até mesmo com derramamento de sangue, e
finalmente 3) a manifestação por Deus de sinais e milagres sobrenaturais." Em
acréscimo a isso, o Patriarca Nectário indica que naquele tempo, quando abusos em
relatar milagres e virtudes eram ocorrências comuns, com freqüência ainda outros sinais
eram requeridos, tais como incorrupção dos corpos ou uma fragrância emanando dos
ossos.

Da compilação de documentos do Patriarca de Constantinopla relativos a glorificação


de santos, que estão anexados à segunda edição de Uma História da Canonização dos
Santos na Igreja Russa, pode-se formar uma idéia de como a glorificação era realizada.

Chegou até nós um documento do século quatorze do Patriarca João XIV (reinou de
1333-1347) dirigido a Theognostus, Metropolita de Kiev e Toda a Rússia (reinou de
1328-1353 residindo em Moscou), datado de julho de 1339, a respeito da enumeração
de seu predecessor São Pedro, Metropolita de Moscou reinou de 1308-(1326), entre os
santos: "Nos recebemos a carta de Tua Santidade, junto com a notificação e atestado a
respeito do hierarca da santa Igreja que foi antes de ti, que depois da morte ele foi
glorificado por Deus e mostrou ser um dos Seus verdadeiros favoritos, e que grandes
milagres são feitos por ele e todas as doenças são curadas. E nós rejubilamos a respeito
disso e ficamos inexcedivelmente alegres em espírito, e prestamos a Deus adequada
glorificação. E como Tua Santidade procurou nossa orientação em como agir com tais
santas relíquias, nós respondemos: Tua Santidade deve conhecer nem é ignorante do
modo do ritual e costume que a Igreja mantém em tais casos. Tendo recebido um."
firme e incontestável atestado a respeito desse Santo, que Tua Santidade aja no presente
evento de acordo com o rito da Igreja. Honra e bendiz esse favorito de Deus com hinos
e doxologias sagradas, e lega isso para os séculos futuros, para o louvor e glória de
Deus, Que glorifica aqueles que O glorificam."

No elogio do Patriarca Filotheus de Constantinopla (reinou 1354-1355, 1364-1376) para


São Gregório Palamas, Arcebispo de Tessalônica, a respeito da enumeração do
Arcebispo entre os santos, depois do relato de dez milagres acontecidos na tumba do
santo, nós lemos: "Desse fato, (isto é, que muitos milagres aconteceram na tumba do
Arcebispo), as pessoas mui amantes de Deus e proeminentes aqui presentes (os cidadãos
de Tessalônica), especialmente daqueles que são padres, tendo se aconselhado entre si,
fizeram um sagrado ícone de Gregório e estão celebrando para todos um radioso festival
no dia do seu repouso, e estão se apressando em levantar uma igreja para ele, pois ele é
um glorioso discípulo de Cristo. Eles não estão esperando aa assembléias dos grandes
homens nem qualquer concílio geral para proclamá-lo (santo), pois essa coisas às vezes
são um embaraço, um fardo, um obstáculo, um cuidado, e elas são todas muito
humanas, mas eles estão contentes, o que é louvável, com uma proclamação do alto,
com a luminosa e irrefutável contemplação de suas obras, e estão com fé." Do discurso
do Patriarca Filotheus fica claro que: 1) São Gregório Palamas foi enumerado entre os
santos pelos milagres realizados em sua tumba, e, 2) sua glorificação foi realizada pelo
Metropolita de Tessalônica.

Documentos de origem bem mais tardia falam claramente de inquéritos especiais de


sínodos relativos a glorificação. Assim, num decreto do Patriarca Cirilo I (reinou 1621-
23, 1624-32, 1632-33, 1633-34, 1637-38) a respeito da glorificação de São Gerásimo de
Cefalonia, seguinte a uma explicação dogmática do ensinamento Ortodoxo, nós
encontramos: "E nós, de um lado, prontos perante Deus a prestar homenagens
adequadas a homens divinos em recompensa, de outro lado, cuidando do bem comum
dos fiéis, de acordo com os divinos Padres que foram antes de nós, e seguindo a prática
universal da Igreja, sinodicamente nós resolvemos apontar e comandar no Espírito
Santo, também com a provação dos abençoados Patriarcas de Antioquia e Jerusalém que
vive em Constantinopla, dos sagradíssimos metropolitas, dos nossos amados irmãos, os
arcebispos e bispos, honorabilíssimos no Espírito Santo, do digníssimo e esclarecido
clero, que o acima citado São Gerásimo seja venerado anualmente com ofícios sagrados
e salmodia, e seja contado no número dos veneráveis e santos homens, daqui em diante
e para sempre, não só na ilha de Cefalonia, mas em toda Igreja dos pios, de um extremo
até o outro da terra. Mas aquele que não aceitar essa decisão sinodal, ou que ousar
contradizê-la, depois da primeira e segunda admoestação seja cortado da comunidade
dos pios, e que ele seja igual a um pagão e publicano, de acordo com a palavra do
Evangelho." Seguem-se as assinaturas dos três Patriarcas e de outros sete hierarcas. Na
cópia que tem o selo, o pedido que foi encaminhado ao Patriarca pelos habitantes da ilha
de Cefalonia está colocado antes do decreto. Nesse pedido, eles solicitam através da
mediação de um certo bispo, que um decreto seja emitido pelo Patriarca, autorizando a
veneração de Gerásimo, e que lê seja incluído na lista dos veneráveis e santos homens.

Outro decreto do mesmo Patriarca, datado de 1633, a respeito da enumeração de São


João de Creta e dos seus noventa e oito companheiros ascetas no coro dos santos,
contém uma explicação dogmática seguida pelas seguintes afirmações: "Desde que bem
antes do nosso tempo, na divinamente construída cidade de Creta, o venerável João, o
morador do deserto e seus companheiros ascetas, noventa e oito em número se
mostraram... cujas vidas o Senhor glorificou com milagres... tendo reunido no Espírito
Santo todos os hierarcas encontrados em Constantinopla, e tendo chamado o Prometido
para estar conosco todos nossos dias, nós ordenamos que esses santos sejam
glorificados com festivais anuais e com sagrados hinos, e que sejam numerados no
repouso dos santos, tanto na ilha de Creta quanto em todas as igrejas do mundo.
Estranha e insuperável tolice seria se Deus tendo maravilhosamente glorificado a eles
como santos, nós não nos deliciássemos em honrá-los, ou nos privássemos dos
benefícios daí decorrentes, especialmente porque estamos necessitados de tais
intercessores." Esse decreto termina com a assinatura de vinte e um hierarcas.

O ato de enumerar no coro dos santos é, na sua maior parte, combinado com a abertura
das relíquias do justo que está sendo glorificado. Nesses casos devem ser distinguidos
três atos específicos. O exame das relíquias pode ser considerado como um dos atos que
precedem o ato de glorificação, em paralelo com a verificação dos relatos dos seus
milagres. A seguir segue-se a decisão sinodal a respeito da glorificação. Em nossos dias
a solene remoção das relíquias é um dos primeiros atos sagrados na realização do ato de
glorificação que irá acontecer. Com a remoção das relíquias e sua colocação num
relicário posto num local especialmente preparado dentro da igreja, a piedosa
comemoração do novo glorificado favorito de Deus tem início. Porém, a presença de
relíquias e a sua abertura não são absolutamente essenciais para uma glorificação. As
relíquias de muitos santos não foram preservadas. A respeito das relíquias de um
número considerável de santos antigos, algumas delas são constituídas por corpos
inteiros — ossos com carne, outras — ossos sem carne.

Prática Russa.
A REMOÇÃO DE CORPOS do solo começou em tempos remotos da Igreja. Como é
sabido por documentos do segundo século. Como é conhecido por documentos do
segundo século, Cristãos se reuniam anualmente nos túmulos dos mártires nos dias de
seus repousos para celebrar esses dias com solenidade. São Basílio o Grande e São
Gregório o Teólogo mencionam a exumação das relíquias dos santos. Na Vida e Obras
de Santo Antão(Antonio) (existe em português), Santo Atanásio relata a extraordinária
reverência que os Cristãos do Egito tinham pelos restos dos mártires. É bem conhecido
que o Imperador Constancio (reinou de 336 a 361), filho de Constantino o Grande,
guardou em relicários os remanescentes dos Apóstolos André, Lucas e Timóteo, na
Igreja dos Santos Apóstolos nos anos 356 e 357.

Em matéria de glorificação de santos, a Igreja Russa seguiu a crença e prática das


Igrejas do Oriente. As regras gerais disso foram e permanecem as seguintes: a base para
a enumeração dos favoritos de Deus partidos no coro dos santos era o dom de realizar
milagres, seja durante a vida terrena, o que foi a maioria dos casos, ou depois da morte.
Na Igreja antiga, foi estabelecido que serviços exaltados pela Igreja ou um fim em
martírio eram em si tais bases. Na Igreja Russa ocasiões similares de glorificação
eclesiástica, à parte de realização de milagres eram não mais do que raras exceções.

Os santos diferem de acordo com a extensão do território de veneração: 1) santos locais


num sentido mais estreito, cuja celebração começou somente no próprio local de seu
sepultamento, tenha sido num mosteiro ou numa igreja paroquial (dos quais existem
muitos exemplos); santos locais num sentido mais amplo, isto é, aqueles cuja veneração
é limitada virtualmente pelos limites da diocese; e finalmente 3) santos universais ou
gerais da Igreja, cuja celebração começou pela Igreja Russa. O direito de glorificar
santos locais da primeira e segunda categoria pertence ao bispo diocesano,
aparentemente com o consentimento do metropolita ou patriarca; o direito de glorificar
santos gerais pertence ao chefe da Igreja Russa. A execução da glorificação consiste em
receber um relato dos milagres e uma correspondente verificação dos testemunhos. A
essência da glorificação está em se iniciar uma celebração anual da memória dos santos
no dia do seu repouso, ou da abertura das suas relíquias, ou ambos. Para a celebração da
memória de um santo é necessário um oficio para ele, assim como a leitura de uma
"vida" escrita. As autoridades eclesiásticas verificam se os ofícios e leituras do Prólogo
(Sinaxário) relativas ao santo foram compostos "de acordo com um padrão," isto é, se
eles se ajustam a uma dada forma e se são satisfatórios do ponto-de-vista de estilo
literário.
A veneração de um santo recém glorificado começa com um oficio divino especial e
solene na igreja na qual os remanescentes do corpo do santo de Deus foram colocados.

Dos tempos passados até o presente a glorificação foi conduzida da mesma maneira na
Igreja Russa. Por essa razão não existiram períodos em sua história que possam ter
dependido de uma mudança de condição ou de método pelo qual a glorificação foi
realizada. Independentes de uma glorificação oficial, e em alguns casos antes da
glorificação, às vezes existiram "venerações" dos ascetas virtuosos partidos. Em muitos
casos foi erigida uma capela sobre o túmulo do partido, e nela foi colocado uma laje
sepulcral ou relicário (se o que partiu estivesse enterrado dentro da igreja, o relicário era
posicionado sobre o local de sepultamento; normalmente esse "cenotaph" era um
sarcófago vazio que não continha corpo, já que o corpo estava embaixo da terra).
Panikidas eram cantadas no túmulo e, às vezes, até molebens para o partido. Essa
caprichosa declaração de tal pessoa como "santa" pelo canto de molebens foi proibida
pelas autoridades eclesiásticas como ilícita. Existiram casos na vida da Igreja Russa em
que ofícios foram compostos para santos ainda não glorificados por uma decisão sinodal
especial; esses ofícios passaram para uso privado. Assim, no século dezesseis, Photius,
um monge do Mosteiro de Volokolamsk, compôs um oficio para o partido José de
Volotsk e o submeteu ao Metropolita Macário de Moscou (reinou 1543- 1564). "O
grande farol e professor do mundo todo, Sua Eminência o Metropolita Macário," coloca
o cabeçalho do oficio, "tendo recebido esse serviço, abençoa o Ancião Photius a usá-lo
em orações em sua cela até a celebração de uma decisão sinodal." Ocasiões similares de
bênçãos por autoridades eclesiásticas mais altas de serviços para ascetas ainda não
glorificados por decisões sinodais foram muito pouco freqüentes. Em um dos sborniki
(antologias) de São Cirilo do Mosteiro do Lago Branco é encontrado um artigo "Sobre a
Vanglória de Jovens Monges que Compõem Novos Cânones e Vidas de Santos" O
anônimo autor do artigo se opõe a monges que "lutando por glória terrestre e atraindo a
atenção daqueles com autoridade, compõem cânones para, e vidas de partidos que ainda
não foram glorificados." Em sua conclusão, o autor admoesta compiladores de cânones
e vidas, dizendo: "Ó vós infantis, não componhais cânones e vidas para serem cantadas
por indivíduos em casa ou em celas monásticas, sem a bênção da Igreja."

Em essência não há distinção entre santos celebrados pela Igreja toda e santos locais.
Santos de ambas as classes são glorificados por uma resolução de autoridade
hierárquica. Os fiéis viram para ambos com suas orações de súplica por assistência. A
Igreja chama ambos de "santos." Na Igreja Russa, como entre as Igrejas Ortodoxas do
Oriente, santos locais, em muitos casos, passam para a categoria de santos da Igreja
Universal. Uma das marcas distinguindo santos venerados universalmente de santos
locais, é que os nomes dos santos reverenciados por toda parte são incluídos nos livros
de ofícios divinos. É bem verdade que, até meados do século dezesseis, em geral não
havia nenhum nome de santos russos nas listas oficiais, mas depois do século dezesseis
eles começaram a aparecer. No Livro das Epístolas (Apostol) publicado em Moscou no
final do século dezesseis, são encontrados sete santos russos: São Sergio de Radonezh,
São Pedro, Metropolita de Moscou, Santo Aléxis Metropolita de Moscou, São Leôncio
Bispo de Rostov, São Cirilo Bispo de Byelozersk, o Santo Grande Príncipe Vladimir, e
os Santos Portadores-de-Paixão Boris e Gleb. Mas começando com a primeira
impressão do Liturgicon (Sluzhebnik) em 1602, uma lista requerida de santos celebrados
por toda parte foi introduzida nas listas mensais no Typicon e em listas de outros livros
litúrgicos. Durante o período Sinodal, nas resoluções do Santo Sínodo a respeito de
glorificações eclesiásticas gerais, a seguinte indicação é encontrada inúmeras vezes: ."..
e nos livros impressos da Igreja é requerida permissão para a inserção de nomes nas
listas com os em repouso."

Na Igreja russa, os primeiros a serem enumerados entre o coro dos santos foram os
santos príncipes Boris e Gleb (chamados de Romam e David em seus batismos); depois
seguiu São Theodosius do Lavra das Cavernas de Kiev; depois, talvez, São Nicetas
Bispo de Novgorod, e a Santa Grande Princesa Olga. Ao todo, até o século dezesseis
havia cerca de setenta nomes de santos russos glorificados, dos quais vinte e dois eram
celebrados por toda a Igreja Russa. Os Concílios de 1547 e 1549, convocados sobre a
presidência do Metropolita Macário, instituiu a celebração de muitos novos santos, e
elevou a classificação de outros adicionando trinta e nove nomes aos vinte e dois que já
estavam recebendo veneração geral, elevando o número desses santos para sessenta e
um. Entre esses Concílios e o estabelecimento do Santo Sínodo, o número de cento e
cinqüenta novas glorificações teve lugar na Rússia Moscovita, dos quais a data exata de
cerca de um terço é conhecida; dos restantes, referências indiretas, tais como a
construção de igrejas ou altares laterais dedicados a eles, e algumas passagens em
literatura do período, nos forneceram evidência de alguns sancionamentos oficiais de
veneração deles.

Os nomes dos santos do sudoeste da Rússia deveriam ser colocados numa categoria
própria, encabeçados pelos santos do Lavra das Cavernas de Kiev. Circunstâncias
históricas, particularmente subjugação por poderes estrangeiros (Lituânia e Polônia),
resultaram em muitas glorificações a menos naquela região. Um ofício geral para os
santos das Cavernas de Kiev foi sancionado pelo Metropolita Pedro Moghila (governou
1633-1647) a quem ele foi apresentado em 1643. Antes disso, mas também sob Pedro
Moghila, o Patericon das Cavernas foi compilado, assim como um relato dos milagres
acontecidos no Lavra e em suas cavernas durante os quarenta e quatro anos que
antecederam a compilação do livro.

Da vida de São Job de Pochaev, escrita por seu discípulo e assistente no governo do
Mosteiro de Pochaev, nós conhecemos como a glorificação do venerável ocorreu, cuja
memória é especialmente reverenciada na Rússia da diáspora. A abertura de suas
relíquias foi realizada sete anos depois do seu repouso, pelo Metropolita Dionísio
(Balaban) de Kiev (reinou 1657-1663). A causa imediata disso foi uma tripla aparição
do venerável Job para o Metropolita enquanto esse dormia, informando que agradaria a
Deus que suas relíquias fossem abertas. Depois da terceira aparição, o Metropolita (que
aparentemente conhecia São Job e o Mosteiro de Pochaev de sua época de titular como
Bispo de Lutsk) "assim compreendeu que essa questão estava de acordo com a
Providência de Deus e sem se atrasar, se apressou para o Mosteiro de Pochaev, levando
com ele Kyr Theophanes (Krekhovetsky) arquimandrita do Mosteiro de Obruchsky, que
acontecia estar com ele naquele tempo. Chegando no Mosteiro com todo seu clero, ele
inquiriu seriamente sobre a honorável e pura vida de São Job em detalhe. Se
assegurando que esse era um bom trabalho e agradável a Deus, ele imediatamente
comandou, com o consentimento dos irmãos, que o túmulo do santo fosse aberto. Ali,
em estado de incorrupção, como se fosse na hora do seu sepultamento, eles abriram as
relíquias do venerável, que estava cheia de uma inconcebível fragrância doce. Na
companhia de uma multidão de pessoas, eles levaram as relíquias com grande honra
para a grande Igreja da Vivificante Trindade, e lá, no nartex, posicionaram o relicário,
no ano do Senhor de 1659, no vigésimo nono dia de agosto. Então uma vasta multidão
de pessoas afligidas com diversas dores recebeu cura, pois São Job foi, nessa vida,
adornado com todas as virtudes; e assim, depois da morte, não cessou de fazer o bem
para aqueles que se aproximavam dele com fé." (Cf. Ofício do Venerável Job e sua
Vida, Jordanville, NY).

Após a unificação das Rússias Moscovita e de Kiev, os santos da Rússia deveriam então
ser chamados de "santos de toda Rússia" — tanto os da Rússia do Norte quanto os da do
Oeste. Essa foi, de fato, a prática apesar de só no ano de 1762 um decreto publicado
pelo Santo Sínodo ter permitido a inserção de nomes de santos de Kiev nas listas gerais
mensais de Moscou, e a publicação de seus ofícios no Menaion. Esse decreto foi
repetido duas vezes depois.

No período Sinodal, os seguintes santos foram glorificados para a veneração por toda a
Igreja (eles são apresentados em ordem cronológica, segundo as datas das respectivas
glorificações): São Demétrio Metropolita de Rostov; Santo Inocente primeiro Bispo de
Irkutsk; São Metrofanes primeiro Bispo de Voronezh; São Tikon de Zadonsk Bispo de
Voronezh; São Theodosio Arcebispo de Chernigov; São Serafim de Sarov; São Josapha
Bispo de Belgorod; Santo Hermógenes Patriarca de Moscou; São Pitirim Bispo de
Tambov; São João Metropolita de Tobolsk; São José Bispo de Astrakhan.

Existiram também glorificações de santos locais no período Sinodal, mas também para
esses não há listas acuradas ou fatos confiáveis a respeito das circunstâncias e datas de
suas glorificações, como as decisões sobre glorificação local que foram feitas sem
proclamação formal no registro geral dos decretos do Santo Sínodo — The Church
Register e The Diocesan Registers — esses não foram de modo algum publicados.

Autoridade mais Alta Necessária.


NA IGREJA RUSSA, como no Oriente Ortodoxo, quanto mais ampla a área de
veneração proposta, maior a autoridade necessária para confirmá-la.

Quando em 1715, o padre e paroquianos da Igreja da Ressurreição em Totma (Província


de Vologda) dirigiram-se para o arcebispo de Velik Ustiug com a requisição de que em
vista dos muitos milagres que tinham ocorrido no túmulo de Máximo, um padre e
"louco em Cristo" da cidade, que tinha repousado em 1650, o arcebispo abençoasse a
construção de uma igreja dedicada a Santa Parasceva sobre o túmulo dele, "como era
costumeiro para os santos de Deus, e também construir sobre as suas relíquias um
sarcófago e um santo ícone para cobri-lo." Em resposta a essa requisição o arcebispo
decretou que "um monumento fosse construído naquela igreja e que molebens fossem
cantados para São Máximo de maneira santa, como para os outros favoritos de Deus.
Assim se pode concluir que o arcebispo abençoou a veneração local por sua própria
autoridade pessoal.

Como exemplos de como execuções sinodais de assuntos pertinentes aos justos partidos
aconteciam, citaremos vários extratos de atas relacionadas com a glorificação de santos
"de toda Rússia."
Com relação a instituição da celebração eclesiástica geral da memória de São José de
Volotsk, as seguintes afirmações são encontradas em uma das antologias de
Volokolamsk: "Por ordem do crente-correto e amante-de-Cristo Soberano Autocrata,
Tsar, e Grande Príncipe Feodor Ivanovich de toda Rússia, e com a bênção de seu pai,
Sua Santidade Job, primeiro Patriarca de Moscou e toda Rússia, os tropários,
kondákions, estiquérios e cânones, e o serviço todo para a Liturgia do nosso venerável
pai e abade José de Volotsk, foram corrigidos sob o Abade Josafa em primeiro de junho
de 7099 (isto é, 1591). E o Soberano Autocrata, Tsar e Grande Príncipe Feodor
Ivanovich de toda Rússia, e Sua Santidade Job Patriarca de Moscou e toda Rússia, e o
Concílio todo, testemunharam em assembléia geral o canto dos tropários, kondákions,
estiquérios, o Cânon e o ofício da Liturgia do venerável José. Por conselho do Concílio
todo, o Tsar e o Patriarca ordenaram que o ofício seja cantado e celebrado em todos os
lugares em 9 de setembro, o dia de repouso do nosso venerável pai, José o Taumaturgo,
que é o dia da comemoração dos santos e justos antepassados do Senhor Joaquim e Ana.
O Soberano, Tsar e Grande Príncipe Feodor Ivanovich ordenou que no menaion
impresso e em todos os menaions no mesmo dia, os tropários, kondákions, estiquérios e
Cânon e todo ofício para o venerável José seja impresso, junto com o da festa da
Natividade da Santíssima Theotokos e da festa dos antepassados de Deus, assim
instituindo e confirmando que essa festa seja celebrada dessa maneira, imutável, em
todos os lugares, para sempre. Amém." A veneração de São José foi instituída três vezes
— duas localmente, uma geralmente. Suas relíquias não foram abertas e permanecem
até hoje embaixo de uma laje.

De um decreto do Patriarca Job (reinou 1586-1605) datado de 1600 e localizado no


Mosteiro Komiliev na Província d Vologda, ficamos sabendo como o estabelecimento
da veneração geral de São Cornélio de Komel ocorreu. O Abade José do Mosteiro de
Komiliev reportou ao Patriarca que uma capela lateral havia sido construída no
Mosteiro em honra de São Cornélio, que ela não havia ainda sido consagrada, e que
"por muitos anos que eles requisitavam cura a São Cornélio eles tinham recebido, e os
cegos, aleijados e os que estavam aflitos com diversas dores haviam sido curados." Com
isso o Abade José submeteu ao Patriarca em Concílio, os estiquérios, cânones e vida de
São Cornélio. O Patriarca, bispos e todos os outros presentes no Concílio questionaram
o Arcebispo Jonas de Vologda sobre os milagres de São Cornélio e receberam como
resposta dele que "no relicário de São Cornélio o Taumaturgo muitos milagres inefáveis
ocorreram, e é bem conhecido que os milagres lavrados por ele não são falsos." Mais
tarde, eles todos ouviram os estiquérios, cânones e vida de São Cornélio e constataram
que a vida estava escrita "de acordo com a imagem e semelhança." Depois disso, o
Patriarca e o Concílio se referiram sobre o assunto ao Tsar Boris Feodorovich Godunov
(reinou 1598-1605), e o Soberano, tendo conferenciado com o Patriarca e Concílio,
ordenou que "Fossem celebradas Vésperas, Vigília de toda noite, e a Liturgia de Deus
na igreja católica e apostólica da Puríssima Theotokos, dedicada à Dormição dela, na
cidade capital de Moscou, no dia da comemoração do Santo Mártir Patrício, Bispo de
Prusa, maio 19, e nas catedrais das províncias metropolitanas, nas sedes arquiepiscopais
e episcopais por toda a Grande Rússia, como era feito com o resto dos santos; e no
Mosteiro de São Cornélio, e na igreja catedral da Sofia,a Sabedoria de Deus em
Vologda, e nos subúrbios, e nas santas igrejas de Deus no interior e nas cidade
circunvizinhas e em todo o território sujeito ao Arcebispo de Vologda, é ordenado
celebrar a memória de Cornélio o Taumaturgo em 19 de maio."
Nós vemos desses extratos que a instituição da glorificação dos santos de Deus era
tratada com grande atenção e zelo. Mais de uma vez as autoridades eclesiásticas
negaram requisições para a glorificação de partidos reverenciados se eles não vissem
provas firmes e insustentáveis para fundamentar tal glorificação.

As palavras dos decretos sinodais referentes a glorificação de santos nos mostram


claramente o entendimento Ortodoxo dessa ação como universal, confissão conciliar por
parte da Igreja de uma firme crença ou certeza que Deus glorificou Seu favorito nos
céus, e que daí em diante nós devemos glorificá-lo também, jubilosamente na terra. Esse
pensamento é expresso nos atos do período Sinodal, como foi completa e exatamente
notado.

No relato oficial da glorificação do Santo Hierarca Metrofanes de Voronezh, nós lemos:


"Quando pela verificação que foi conduzida, um verdadeiro ato de Deus, Que é
maravilhoso em Seus santos, se torna suficientemente aparente para o Santo Sínodo pela
incorrupção do corpo do Santo Hierarca Metrofanes, e as curas que ocorrem através de
suas relíquias, o Santo Sínodo não mais posterga a revelação solene para a Igreja desse
dom de Deus, isto é, com uma bênção hierárquica é permitido, até que o tempo tenha
sido um ato de zelo pessoal , o pedido de intercessão de nosso pai entre os santos
Metrofanes em suas orações para Deus, e a colocação das milagrosas e curativas
relíquias de seu corpo como uma vela, não debaixo do aparador, mas num candelabro,
para que todos possam ser iluminados. A celebração eclesiástica anual do Santo
Hierarca foi fixada na data do seu repouso — 23 de novembro."

O decreto de glorificação de São Tikhon de Zadonsk diz: "A memória de Sua Graça
Tikhon Bispo de Voronezh ... foi honrada com reverência entre o povo Ortodoxo russo
que fluiu para o Mosteiro de Zadonsk e para o túmulo do Hierarca de lugares muito
distantes em grande multidão, orando pelo repouso da alma desse hierarca e
esperançosos em sua piedosa intercessão diante de Deus. Memória das elevadas virtudes
Cristãs com as quais ele brilhou nessa vida terrena, notícias de sabedoria evangélica
remanescente em seus escritos divinamente iluminados, e as milagrosas curas de
diversas dores realizadas em seu túmulo, levaram muitos fiéis à veneração do Santo
Hierarca. Por tudo isso, desenvolveu-se uma pia esperança que esse Hierarca tenha sido
glorificado por Deus e enumerado no coro dos santos. Até o fim do último século
(XVIII) tal esperança foi expressa em petições submetidas a Sua Alteza Imperial e ao
Santíssimo Sínodo." O Arcebispo Antonio de Voronezh, no próprio dia de repouso de
São Tikhon, escreveu uma carta para o Imperador Nicolas a respeito do desejo
fervoroso universal de inumeráveis peregrinos de que "esse grande farol da fé e de bons
trabalhos, que agora jaz debaixo de um aparador, seja posto diante dos olhos de todos."
O Sínodo em seu relato para o Soberano, anunciou sua decisão, começando-a com as
seguintes palavras: "Reconhecendo o passado Bispo Tikhon de Voronezh como estando
entre o coro dos santos que foram glorificados pela Graça de Deus através da fragrância
da santidade, e seu corpo incorrupto como santas relíquias..."

A resolução a respeito da glorificação de São Serafim de Sarov é expressa de igual


modo: "Reconhecendo o pio ancião Serafim, que repousou na Hermitage de Sarov,
como estando no coro dos santos glorificados pela graça de Deus..."

Como é bem conhecido, e ainda lembrado por algumas pessoas, nas últimas décadas
antes da queda da Rússia, a glorificação de santos da Igreja Russa, como São Theodosio
de Chernigov, São Serafim de Sarov, e outros posteriores, foram grandes festividades
religiosas nacionais, no centro das quais estava a abertura de relíquias desses santos de
Deus. Geralmente a glorificação dos santos russos, do século dezoito até o século vinte
foi marcada pela abertura das santas relíquias deles. Isso mostra que esses dois atos
estavam intimamente ligados, apesar de, como já foi dito, a abertura das relíquias não
ser absolutamente condição essencial e nem sempre seguiu imediatamente ao ato de
glorificação.

Conclusão.
DE TUDO QUE FOI DITO, podemos tirar várias conclusões. Essencialmente, de
acordo com o entendimento da Igreja e de acordo com os princípios de glorificação de
santos, a glorificação de santos sempre foi a mesma na Igreja Ortodoxa. Nessa questão
as Igrejas Ortodoxas do Oriente do segundo milênio seguiram a tradição da Igreja do
primeiro milênio e do período antigo. A Igreja Russa da era pré-Petrina seguiu o
caminho da Igreja Grega; enquanto a Igreja Russa da era pós-Petrina permaneceu fiel
aos costumes da Igreja da era pré-Petrina. A glorificação dos santos consistiu e consiste
numa afirmação geral de fé pela Igreja de que Deus uniu os partidos a Si próprio na
assembléia de Seus santos. Essa fé é baseada no fato de uma morte por martírio, ou
numa vida justa que é aparente para toda a Igreja, ou pela glorificação de um santo de
Deus por razão de milagres durante a sua vida ou no seu túmulo. Glorificação é
usualmente uma expressão da voz do povo da igreja, para quem a autoridade
eclesiástica mais alta, após a devida verificação, da sinodalmente a palavra final,
estabelecendo o reconhecimento, confirmação e sanção da Igreja.

A glorificação de santos está entre as mais importantes atividades da Igreja. No seu


aspecto básico, elementar, a glorificação consiste na troca de orações "pelo morto" por
pedidos pela intercessão do santo diante de Deus, e em sua piedosa glorificação por
ofícios no menaion geral ou com ofícios especialmente compostos. A glorificação dos
santos e a abertura de suas relíquias não constituem um ato único, inseparável, apesar
deles serem realizados juntos com freqüência. A Igreja Ortodoxa não mantém que um
período fixo de tempo passe entre o repouso de um homem justo e sua enumeração
entre o coro dos santos, como é, na verdade, aceito na confissão Romana, que instituiu
um período de várias décadas (normalmente um período de várias décadas entre a morte
e a "beatificação," um processo que corresponde grosseiramente à veneração local, e
oitenta anos para a canonização).

Nos milagres ocorridos através de orações ou no túmulo do justo de Deus, a Igreja


Ortodoxa vê a vontade de Deus na glorificação desses lutadores. Quando esses sinais
não existem, a Igreja Ortodoxa não vê a vontade de Deus na solene glorificação do
justo, como uma das resoluções do Patriarca Adriano de Moscou (reinou de 1690-1770)
expressa a respeito de certa requisição para glorificação: "Se o Senhor nosso Deus, o
Criador de tudo, glorifica alguém nessa vida, e depois disso declara isso para Seu povo
através de muitos milagres, então os milagres dessa pessoa se tornam claramente
conhecidos, pois muitos taumaturgos foram achados na Igreja Ortodoxa, cuja memória a
Igreja sempre homenageia e mantém suas relíquias. Aqueles que não têm milagres
conhecidos, que Deus não ficou agradado em glorificar com sinais e milagres, mesmo
que eles tenham vivido justamente e de maneira santa, não são os que a Igreja glorifica.
Os nomes de muitos não são lembrados, e o mundo todo não pode conter os livros com
seus nomes que poderiam ser escritos."

Folheto Missionário número P077eee

Copyright © 2004 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

Colaboradores
de Deus
Sobre o sacerdócio e a hierarquia eclesiástica.

Bispo Alexander Mileant

Tradução: Elga Drizul

Digitação: Nicolai Abel Corino da Fonseca Neto

Conteúdo:
A instituição divina do sacerdócio. A sucessão apostólica e a impossibilidade de
apagar a marca do sacerdócio.. Degraus de sacerdócio e as particularidades do
episcopado.. As qualidades espirituais dos servidores eclesiásticos.

_____________________________________________________________

"Nós somos os colaboradores de Deus.


Vós, o campo de Deus, o edifício de Deus.
Segundo a graça que me foi dada, como
sábio arquiteto lancei o fundamento, mas
outro edifica sobre ele. Quanto ao
fundamento, ninguém pode por outro
diverso daquele que já foi posto — Jesus
Cristo"

(1Cor 3:6-11).

A instituição divina do sacerdócio

Uma particularidade que diferencia a Igreja Ortodoxa, assim como todas as igrejas
antiquíssimas (a Armênia, a Católico-romana, a Copta, Nestoriana e outras), vem a ser a
existência do sacerdócio e de missas. Apesar das sociedades cristãs surgidas após
Lutero (1520) não reconhecerem nem um nem outro, o sacerdócio e as missas surgiram
não por força de quaisquer motivos externos, humanos, mas foram instituídos pelo
próprio Deus.

Claro que no plano espiritual-moral todos os homens são iguais perante Deus, Que com
imparcialidade julga e perdoa a todos como Seus filhos. No entanto, de acordo com o
apóstolo Paulo, de forma semelhante como diversas partes do corpo desempenham
diversas funções de acordo com a sua finalidade, dentro da Igreja, há também
necessidade de diversas funções. Não foram os homens, mas o próprio Jesus Cristo que
"a uns constituiu Apóstolos; a outros profetas; a outros Evangelistas, pastores e
mestres, para o aperfeiçoamento dos santos, para o desempenho da tarefa que visa a
construção do corpo de Cristo (Igreja)," porque "assim como em um só corpo temos
muitos membros e cada um dos nossos membros tem diferente função, assim nós,
embora sejamos muitos, formamos um só corpo em Cristo" (Ef 4:11-13).

Pouco a pouco ocorria a seleção e o preparo dos primeiros servidores da Igreja. A partir
de praticamente primeiros dias do seu trabalho social, o Senhor Jesus Cristo selecionava
alguns do meio dos ouvintes, que Ele preparava para serem os Seus enviados e
continuadores da Sua obra. A eles, Ele determinou por meio de ensinamento e batismo
(Mt 28:19), atrair novos discípulos, celebrar a Eucaristia (Lc 22:19), perdoar os pecados
(João 20:21-23), divulgar e fortalecer a Igreja fundada por Ele. "Como o Pai Me enviou,
assim também Eu vos envio a vós. Depois dessas palavras, soprou sobre eles, dizendo-
lhes: Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (João 20:22-23) e um
pouco mais tarde: "Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi" (Mateus
28:19-20). Aqui, Jesus Cristo não apenas encarregou Seus discípulos eleitos para o
sacrifício de serviço apostólico, mas também os reforçou com o dom especial de
Espírito Santo. Esse dom em toda a sua plenitude eles receberam, após a Ascensão do
Senhor ao Céu, no dia de Pentecostes (Atos, cap. 2).

Tudo que ocorreu com eles, os apóstolos aceitaram como orientação superior. Não foi
sua própria decisão, nem a sociedade e nem as circunstâncias externas, mas foi Deus
quem os encarregou da missão de serviço apostólico. "Tudo isso vem de Deus, que nos
reconciliou Consigo por Cristo e nos confiou o ministério desta reconciliação" —
escreveu o apóstolo Paulo sobre a sua vocação (2 Cor 5:18).

Inicialmente, os próprios Apóstolos ensinavam a fé cristã, batizavam os crentes,


impunham as mãos para transmitir os dons da graça, realizavam a Eucaristia e guiavam
as comunidades cristãs fundadas por eles. No entanto, como visto no livro de Atos, nas
epístolas, e também nos escritos cristãos antigos, os apóstolos estavam sempre
preocupados em atrair auxiliares "pastores e mestres" que eram preparados para sucede-
los, e que eram ordenados como bispos, presbíteros e diáconos. Não era para todos que
desejassem, mas as pessoas escolhidas pelos apóstolos eles designavam realizar tudo
aquilo que inicialmente eles mesmos realizavam seguindo as ordens do Senhor. Além
disso, não eram casos isolados, que tivessem caráter temporário, mas sim, era um plano
definido que os orientava por toda a parte e por unanimidade. Agindo dessa maneira,
eles lançaram as bases da estrutura hierárquica sólida e segura que deveria garantir a
divulgação correta e o desenvolvimento da Igreja de Cristo por todos os séculos
vindouros.

Sobre a necessidade de determinadas funções na Igreja, o apóstolo Paulo escreve:


"Temos dons diferentes, conforme a graça que nos foi conferida... Aquele que é
chamado ao ministério dedique-se ao ministério; se tem o dom de ensinar, que ensine;
o dom de exortar, que exorte ... aquele que preside, presida com zelo" (Rom 12:4-8).
Exortando as pessoas encarregadas de desempenhar com afinco as suas funções, o
apóstolo proibia severamente as pessoas, assíduas acima da medida, apropriar-se por si
de algumas funções na Igreja, já que "ninguém se apropria desta honra, senão aquele
que é chamado por Deus, como Aarão" — ensina o apóstolo (Heb 5:4).

Dessa forma, não importam as qualidades morais elevadas ou úteis que a pessoa
detenha, ela não pode, sem ser especialmente escolhida e ordenada pelas pessoas
encarregadas da Igreja, dirigir os outros e nem exercer sacerdócio. O Apóstolo Paulo
escreve sobre si mesmo que "não da parte de homens, nem por meio de algum homem,
mas por Jesus Cristo e por Deus Pai [ele tornou-se] Apóstolo" (Gal 1:1). "Que os
homens nos considerem pois, como servidores de Cristo e administradores dos
mistérios de Deus. Ora, o que se exige dos administradores é que sejam fiéis" (1 Cor
4:1-2).

A sucessão apostólica e a impossibilidade de apagar a marca do


sacerdócio.

Comparando diversos textos das Escrituras Sagradas que falam sobre a seleção e a
ordenação nas funções eclesiásticas, vê-se que nesse processo dois momentos
entrelaçam-se intimamente: de um lado — a escolha de Deus, e outro — a
concretização da escolha e uma ordenação especial do candidato por servidores
autorizados da Igreja.

Assim, após a Ascensão do Salvador ao céu, os Seus apóstolos preencheram o lugar


deixado vago por Judas, elegendo um novo discípulo para completar os doze. Tendo
rezado a Deus, pedindo para indicar-lhes um candidato digno, eles deitaram sorte. E a
sorte caiu sobre Matias (não Mateus, o Evangelista mas outro), que a partir desse
momento foi declarado colaborador pelos apóstolos com plenos poderes (Atos cap. 1).

Como é visto do Evangelho e dos antigos documentos cristãos, a ordenação para servir
na Igreja — seja bispo, presbítero ou diácono — sempre foi realizada por imposição das
mãos (em russo — "rukoplojenie"), isto é pela formal colocação das mãos dos que
ordenam sobre a cabeça do ordenado. Assim, lemos no livro de Atos dos Apóstolos
sobre a ordenação de sete diáconos: "Apresentaram-nos aos apóstolos e estes, orando,
impuseram-lhes as mãos" (At 6:6). A respeito da ordenação dos presbíteros em Listra,
Iconio e Antioquia, o Santo Lucas escreve: Paulo e Barnabé "em cada igreja ordenaram
presbíteros e após orações com jejuns, encomendaram-nos ao Senhor, em Quem eles
tinham fé" (At 14:23). O apóstolo Paulo lembra ao seu discípulo Tito, instituído como
bispo da Ilha de Creta: "Eu te deixei em Creta para acabardes de organizar tudo e
estabelecer presbíteros em cada cidade, de acordo com as normas que te tracei" (Tito
1:5), mas "a ninguém imponhas as mãos inconsideradamente para que não venhas
tornar-te cúmplice dos pecados alheios" (1 Tim 5:22) — evidentemente porque o que
ordena tem a responsabilidade pelo que é ordenado.

É importante notar que a imposição das mãos dos apóstolos era tido não apenas como
um sinal visível de designação para uma outra função na Igreja, mas era considerado
como condutor da força divina real e perceptível, apesar de invisível. Apenas nesse
plano tornam-se compreensíveis as palavras do apóstolo Paulo dirigidas ao Timóteo que
ele ordenou bispo da cidade de Efeso: "Não negligencies o dom de Deus que está em ti
e que te foi dado por profecia quando a assembléia dos presbíteros te impôs as mãos" (1
Tim 4:14) e um pouco mais tarde: "eu te exorto a reavivar a chama do dom de Deus
que recebeste pela imposição das minhas mãos" (2 Tim 1:6).

Além disso, ordenando pessoas escolhidas por eles para um determinado cargo na
igreja, os apóstolos tinham a consciência que a causa primeira da eleição e da ordenação
vem a ser não eles, mas o Senhor. "Que os homens nos considerem pois como servos de
Cristo e administradores dos mistérios da fé" (1 Cor 4:1). Dirigindo-se aos pastores de
Efeso, o apóstolo Paulo diz: "Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o
Espírito Santo vos constituiu bispos para pastorear a Igreja do Senhor e Deus, que Ele
adquiriu com o Seu próprio sangue" (At 20:28).

Já a partir do primeiro século do cristianismo se firmou a tradição, com certeza


estabelecida pelos apóstolos, que somente bispos podem efetuar a ordenação. Além
disso, para ordenação de um bispo são necessários dois ou mais bispos, sendo que, para
a ordenação em funções inferiores basta um bispo. Eis trechos das orações que são lidas
durante a ordenação sacerdotal: "A graça de Deus, que sempre cura os enfermos e
preenche os que estão empobrecidos, eleva o reverendíssimo diácono ... a presbítero.
Rezemos por ele, para que a graça do Espírito Santíssimo desça sobre ele." O coro,
respondendo, canta lentamente: "Senhor, tenha piedade." Mais adiante, o bispo reza:
"Deus, grande em força, insuperável na razão, admirável no conselho mais que os filhos
dos homens, Senhor, preencha com o dom de Espírito Santo esse Teu servo a quem
benevolentemente elevaste ao degrau de presbítero, para que ele seja digno perante o
Teu altar, proclame o Teu Evangelho, leve a palavra da Tua verdade, faça os sacrifícios
espirituais, renove as Tuas pessoas com a pia batismal do novo nascimento. Para que
ele, tendo sido digno de encontrar Jesus Cristo, Deus e nosso Salvador, Teu Filho
Unigênito na Sua segunda vinda, receba a recompensa de bom administrador de acordo
com a missão que lhe foi confiada, pela Tua graça ... "

Desde os tempos mais antigos, a Igreja Ortodoxa zelava com muita severidade pela
continuidade da sucessão apostólica, isto é, que cada novo bispo recebesse a sua
ordenação dos bispos legítimos, cuja ordenação levasse ininterruptamente até os
apóstolos. Sabemos da "História da Igreja" do bispo Eusedio do Cesarea (início do
século IV), que todas as igrejas cristãs antigas locais conservam a lista de seus bispos,
na sua seqüência ininterrupta. Isso dava a possibilidade de rejeitar os impostores.

"Nós podemos, — escreve o Santo Irineu do Lyon (meados do século III), — enumerar
aqueles, que foram colocados como bispos nas igrejas, desde apóstolos até nós" e
realmente cita na seqüência de sucessão os bispos da Igreja Romana até quase o final do
século II. Também Tertulian (século III), manifestou-se a favor da importância da
sucessão. Ele escreve sobre os hereges do seu tempo: "Que eles mostrem a origem de
suas igrejas e anunciem a seqüência de seus bispos, tal que o primeiro de seus bispos
tivesse antes dele algum dos apóstolos, ou homens apostólicos, que tenham tido muito
contato com os apóstolos. Pois, as igrejas apostólicas mantém as suas listas de bispos
exatamente assim: a smirna, por exemplo, apresenta Policarpo (início do século II), que
foi colocado por João; a romana — Clemente, que foi ordenado por Pedro; assim
também outras igrejas apresentam os homens que foram elevados a bispos a partir dos
próprios apóstolos, tinham brotos da semente apostólica."

Se a corrente da sucessão apostólica por alguma razão encontra-se interrompida, então


as ordenações seguintes não são consideradas válidas, e as missas e os mistérios,
realizados pela pessoas ilegalmente ordenadas — desprovidos da graça divina. Essa
condição é tão séria que a ausência de sucessão dos bispos em uma ou outra
denominação cristã despoja-a da qualidade de Igreja verdadeira, mesmo que o bensino
dogmático presente nela não esteja deturpado. Esse foi o entendimento da Igreja desde o
seu início.

Ao mesmo tempo, o sacramento da ordenação feito corretamente é indelével. Por isso é


proibido ordenar duas vezes a mesma pessoa para o mesmo cargo.

O Sacramento de Ordenação, assim como os sacramentos de Batismo e da Cura, muda


essencialmente o homem, dotando-o de direito e de força espiritual para ensinar os
crentes, rezar missas. No entanto, esse poder e força somente atuam enquanto o servidor
da Igreja encontra-se na Igreja e em total obediência a ela. Os sacramentos oficiados
pelos sacerdotes proibidos — não são válidos.

Degraus de sacerdócio e as particularidades do episcopado.

Já que Cristo é o Primeiro Sacerdote (Heb 7:26-27), deve-se concluir que Ele deve ter
sacerdotes. [Textos sobre esse assunto: Mt 18:17; Mt 28:19-20; Jo 20:21-23; At 8:14-
17; At 14:23; At 20:28; Tg 5:14; 1 Pe 5:1-5; Rom 10:15; 1 Cor 3:9-12; 1 Cor 4:1-2; 1
Cor 4:15; 1 Cor 12:12-31; Gal 1:1; Ef 4:11-16; 1 Tes 5:12-13; 1 Tim 4:14; 1 Tim 5:17-
18; 1 Tim 5:22, 2 Tim 1:6-7; 2 Tim 4:13; Tit 1:5-10; Heb 5:4; Heb 10:25; Heb 13:7 e
17.]

O Evangelho distingue 3 degraus de sacerdócio: bispo, sacerdote (presbítero) e diácono.


Sendo sucessores dos santos apóstolos, eles, dentro dos limites de suas funções,
continuam a obra dos apóstolos.

Sobre os presbíteros, lemos no livro Atos dos apóstolos. Apóstolo Paulo diz: "Tendo
ordenado os presbíteros de cada igreja (para os cristãos de Listra, Iconio e Antioquia),
orou em jejum e encomendou-os ao Senhor ao Qual eles tinham dado a sua fé" (At
14:23). O apóstolo Tiago encarregou os presbíteros de realizar o sacramento de unção
dos enfermos: "Está alguém enfermo? Chame os presbíteros da Igreja e estes façam
orações sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor" (Tg 5:14).

O apóstolo Paulo exortava os crentes a honrar os presbíteros, segundo o seu


desempenho: "Os presbíteros que desempenham bem o encargo de presidir sejam muito
honrados, principalmente os que trabalham na pregação e no ensino. Pois, diz a
Escritura: não atarás a boca do boi quando ele pisar o grão; e ainda: aquele que
trabalha é digno da sua recompensa" (1 Tim 5:17-18). E em outro lugar, sobre isso:
"Suplico-vos, irmãos que reconheçais aqueles que arduamente trabalham entre vós
para dirigir-vos no Senhor e vos admoestar. Tende para com eles singular amor em
vista do cargo que exercem. Conservai a paz entre vós," — ensina o apóstolo Paulo (1
Tes 5:12-13).

A função de presbíteros (mais tarde chamados de sacerdotes) era reconhecida abaixo da


do bispo: os presbíteros (sacerdotes) batizavam, celebravam a Eucaristia, perdoavam os
pecados aos que se arrependiam, mas não podiam ordenar outros.

A respeito do surgimento de diáconos (o nível inferior na hierarquia da Igreja), relata o


livro de Atos. A razão para o estabelecimento da função de diácono foi a dificuldade
que os apóstolos tinham em conciliar o servir à palavra de Deus com os cuidados com
os pobres e as refeições que lhes eram servidas. "Não é razoável que abandonemos a
palavra de Deus para servir às mesas. Portanto, irmãos, escolhei dentre vós sete
homens de boa reputação, cheios de Espírito Santo e de sabedoria, aos quais
encarregaremos desse ofício. Nós atenderemos sem cessar à oração e ao ministério da
palavra" (At 6:2-4). Com o passar do tempo, a função principal dos diáconos tornou-se
ajudar os bispos e presbíteros durante a realização dos mistérios e pregação da palavra
de Deus. Na epístola aos Filipenses, o apóstolo Paulo, juntamente com os bispos, saúda
os diáconos (Fil 1:1). Ele também discorre sobre como devem ser os diáconos e suas
famílias. (1 Tim 3:8-12).

O servir do bispo — é o superior. Os bispos da Igreja são sucessores diretos dos


apóstolos e continuadores da sua obra. O apóstolo Paulo se dirige a eles com as
seguintes palavras: "Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito
Santos vos constituiu bispos, para pastorear a Igreja de Deus que Ele adquiriu com o
Seu próprio sangue" (At 20:28). Vê-se dessas palavras que a responsabilidade pela
Igreja repousa sobre os bispos — pela pureza do seu ensino, pela perfeição moral dos
seus membros e pela boa organização da vida na igreja.
Como exemplo de bispo do século I pode-se citar Timóteo, a quem são endereçadas
duas epístolas do Evangelho. Ele era bispo em Efeso. São Tito era bispo na Ilha de
Creta e também recebeu uma epístola.

O bispo, em primeiro lugar, é o principal mestre da sua igreja para os crentes comuns e
também para os pastores. Isto é mostrado por:a) a epístola para Timóteo do apóstolo
Paulo, onde o apóstolo com especial vigor, recomenda: "Olha por ti e pela instrução
dos outros.." "Prega a palavra, insiste oportuna e importuntamente, repreende,
ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir" (1 Tim 4:16; 2 Tim 4:2-5).
O apóstolo encarrega o Timóteo do trabalho de preparo de futuros bispos (2 Tim 2:2),
que ele observasse os presbíteros em seu trabalho de ensino e os que pregam com fervor
sejam muito honrados (1 Tim 5:17). A regra nr.58 dos apóstolos diz: "Bispo, que não é
dedicado ao clero e às pessoas, que não as ensina a vida na devoção a Deus, que seja
excomungado; caso permaneça nesta falta de dedicação e na pregiça — que seja
expulso. "As orientações dos apóstolos, onde é dito ao bispo para observar que na Igreja
se conserve a pureza da verdade e as regras dos Concílios que sucederam regem que os
primazes das igrejas devem todos os dias e principalmente aos domingos ensinar o clero
e o povo com palavras de devoção." Eis porque os antigos apologistas do cristianismo
afirmavam contra os hereges que a tradição verdadeira e o ensinamento de Cristo se
conservou na Igreja a partir dos apóstolos e exatamente através da ininterrupta sucessão
dos bispos.

Em segundo lugar, o bispo, pela força do Espírito é quem primeiro atua nos ritos
sagrados e quem oficia os sacramentos na sua diocese. Alguns ritos sagrados são
exclusivos dele, hoje e na Antigüidade. Assim, somente o bispo tem o direito de ordenar
sacerdote e outras funções baseado na Palavra de Deus (Tit 15; 1 Tim 5:22), nas regras
dos santos apóstolos e dos santos Concílios, e segundo o ensinamento unânime dos
santos mestres da Igreja, que chamavam a essa regra o privilégio mais importante do
bispo sobre o presbítero e diziam: "O cargo de bispo foi criado principalmente para o
nascimento de pais: pois a ele compete aumentar o número de pais espirituais na Igreja.
O outro cargo (presbítero), faz nascer para a Igreja filhos pelo batismo, mas não pais
nem mestres. Como é possível que presbítero ordene presbítero quando não tem
nenhum direito de imposição das mãos? Ou de que maneira um presbítero pode ser
chamado de igual a um bispo? Apenas o bispo tem o direito de benzer o óleo da crisma
(miro), e o altar ou "antimenso," o que se vê das regras dos Concílios e dos
ensinamentos da Igreja Ortodoxa."

O bispo, afinal, é o dirigente principal da sua igreja (At 20:28; 1 Tim 5:19). Ele deve
zelar pelo cumprimento dos mandamentos de Deus e das leis da igreja, dirigir a vida das
igrejas que se encontram na sua diocese, nomear os presbíteros para as igrejas.

As qualidades espirituais dos servidores eclesiásticos

Em suas epístolas "aos pastores" o apóstolo Paulo diversas vezes se depara com o tema
sobre quais qualidades devem distinguir os servidores eclesiásticos. Por exemplo: "O
bispo deve ser irrepreensível... firmemente apegado à doutrina da fé tal como foi
ensinada, para poder ser forte e exortar segundo sã doutrina e rebater os que a
contradizem" (Tit 1:9). Apóstolo Pedro instrui da seguinte forma os bispos e os
sacerdotes:
"Eis a exortação que dirijo aos pastores que estão entre vós; porque sou pastor como
eles, fui testemunha dos sofrimentos de Cristo e serei participante com eles daquela
glória que se há de manifestar: velai sobre o rebanho de Deus que vos é confiado. Tende
cuidado dele, não constrangidos, mas espontaneamente; não por amor de interesse
sórdido, mas com dedicação; não como dominadores absolutos sobre as comunidades
que vos são confiadas, mas como modelos de vossos rebanhos; e quando aparecer o
Supremo Pastor, recebereis a coroa imperecível da glória" (1 Pe 5:1-5).

Apóstolo Paulo instrui Tito que o presbítero [ou bispo] nomeado por ele deve ser:
"irrepreensível, casado uma só vez, tenha filhos fiéis e não acusados de má conduta ou
insubordinação. Porquanto é mister que o bispo seja irrepreensível como administrador
que é posto por Deus. Não arrogante, nem colérico, nem intemperante, nem insolente,
nem cobiçoso. Ao contrário, seja hospitaleiro, amigo do bem, prudente, justo, piedoso,
continente, firmemente apegado à doutrina tal como foi ensinada, para poder ser forte e
exortar segundo a sã doutrina e rebater os que a contradizem" (Tit 1:5-10).

Esperando qualidades morais elevadas do clero os fiéis devem levar em consideração


que a graça de Deus recebida pelo sacerdote durante a ordenação, apesar de auxilia-lo
na vida espiritual, não o torna perfeito. O sacerdote ou outro representante do clero é
também um homem, com fraquezas humanas comuns a todos e também sujeito às
mesmas tentações que os outros homens. Por isso, a Igreja sempre ensinou que o efeito
dos sacramentos e da benção sacerdotal dependem não da estatura espiritual do
sacerdote, mas da fé e da devoção de quem a recebe.

O Senhor e Seus apóstolos não recomendavam aos fiéis tornarem-se juízes de seus
pastores porque eles são responsáveis perante Deus. "A quem muito foi dado, muito
será cobrado." Por isso o Santo João Taumaturgo (século IV), dizia: "Eu não penso que
muitos pastores vão se salvar."

Quando tão poucos estão dispostos a sacrificar-se pelo bem espiritual do próximo, deve-
se pelo menos valorizar os que aceitam o encargo de servir a Deus e ao próximo.

"Lembrai-vos de vossos guias, — instruiu o Apóstolo Paulo — que vos pregam a


palavra de Deus. Considerai como souberam encerrar a sua vida. E imitai-lhes a fé...
sede submissos e obedecei aos que vos guiam pois eles velam por vossas almas e delas
devem dar conta" (Heb 13:7,17). "Suplico-vos, irmãos, que reconheçais aqueles que
arduamente trabalham entre vós para dirigir-vos ao Senhor e vos admoestar. Tende
para com eles singular amor, em vista do cargo que exercem. Conservai a paz entre
vós" (1 Tes 5:12-13). "Os presbíteros que desempenham bem o encargo de presidir
sejam muito honrados, principalmente os que trabalham na pregação e no ensino" (1
Tim 5:17-18).

Assim, vamos valorizar o fato que a nossa Igreja conservou não somente o ensinamento
de Cristo na sua pureza inicial, mas também o sacerdócio e os mistérios que foram
passados à Igreja pelos santos apóstolos. A maioria das "igrejas" modernas já perdeu
tudo isso faz muito tempo. Rezemos por aqueles que oficiam as missas na Igreja e nos
ajudam a renovar-nos e fortalecer-nos espiritualmente.
Folheto Missionário número P30

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Editor: Bishop Alexander (Mileant)

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