Você está na página 1de 186

INFÂNCIA E

TERRITÓRIO
MARANHENSE
PESQUISAS SOBRE HISTÓRIA,
CULTURA E EDUCAÇÃO

ROSYANE DE MORAES MARTINS DUTRA


[Org.]
NOTA: Dado o caráter interdisciplinar desta coletânea, os textos publicados respeitam as normas
e técnicas bibliográficas utilizadas por cada autor. A responsabilidade pelo conteúdo dos textos
desta obra é dos respectivos autores e autoras, não significando a concordância dos organizadores
e da instituição com as ideias publicadas.
IMPORTANTE: Muito cuidado e técnica foram empregados na edição deste livro. No entanto, não
estamos livres de pequenos erros de digitação, problemas na impressão ou de alguma dúvida con-
ceitual. Avise-nos por e-mail: cida.dialogar@gmail.com
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio
ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográfi-
cos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de
qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-
se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos é punível como
crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indeni-
zações diversas (art. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Rosyane de Moraes Martins Dutra
[Organizadora]

INFÂNCIA E
TERRITÓRIO
MARANHENSE
PESQUISAS SOBRE HISTÓRIA,
CULTURA E EDUCAÇÃO

Diálogo Freiriano
Veranópolis - RS
2021
CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Martinho Condini - Brasil
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth - Brasil

EXPEDIENTE
Editor Chefe: Ivanio Dickmann
Financeiro: Maria Aparecida Nilen
Diagramação: Renan Fischer

FICHA CATALOGRÁFICA

I431 Infância e território maranhense: pesquisas sobre história, cultura e


educação / Rosyane de Moraes Martins Dutra (Organizadora). –
Veranópolis: Diálogo Freiriano, 2021.

ISBN 978-65-87199-73-3

1. Infância – Aspectos sociais. 2. Infância - Brasil - História. I. Dutra,


Rosyane de Moraes Martins.

2021_0145 CDD 305.23 (Edição 23)

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIÁLOGO FREIRIANO


[CNPJ 20.173.422/0001-76]
Rua General Flores da Cunha, 172 – apto. 2401
Centro, Veranópolis – RS - CEP 95.330-000
dialogar.contato@gmail.com
www.dialogofreiriano.com.br
Whatsapp: [54] 98428-3547

5
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
Rosyane de Moraes Martins Dutra 9

REGISTROS DA INFÂNCIA NO MARANHÃO DO SÉCULO XIX:


POBREZA, SOCIEDADE E INSTITUCIONALIZAÇÃO
Rosyane de Moraes Martins Dutra 14

OS DESAFIOS DA GESTÃO DAS CRECHES COMUNITÁRIAS


NO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS – MA
Katherine Silva das Chagas
Thais Andrea Carvalho de Figueiredo Lopes 23

INFÂNCIA MARANHENSE E A CULTURA DO BRINCAR: ONDE E


COMO BRINCAM NOSSAS CRIANÇAS?
Sandra Regina Alves Ramos de Castro
Maria dos Remédios Vieira
Rosyane de Moraes Martins Dutra 42

BRINQUEDOS (RE)CRIADOS, RECICLADOS: REFLEXÕES


SOBRE EXPERIÊNCIAS LÚDICAS VIRTUAIS COM AS
CRIANÇAS
Hellen Silva Carneiro Ferreira
Suzziane Rebeca de Vasconcelos Caetano
Angela Suely Souza Franco da Silva 53

CONTAR HISTÓRIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA: O


ENCANTAMENTO DAS LIVES
Angela Suely Souza Franco da Silva
Helloyse Brandão Marques 65

6
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

MUSICALIZANDO E APRENDENDO EM CASA: VIVÊNCIAS


MUSICAIS COM CRIANÇAS EM ISOLAMENTO SOCIAL DA
REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE SÃO LUÍS-MA
Irismar Marreiros Bispo da Silva
Angela Suely Souza Franco da Silva
Rosyane de Moraes Martins Dutra 76

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO


INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA DE PRÁTICA DOCENTE E
AUTONOMIA PEDAGÓGICA
Rosyane de Moraes Martins Dutra 87

INFÂNCIA SUBMISSA: A EDUCAÇÃO FEMININA NO


MARANHÃO PROVINCIAL
Raylina Maila Silva Coelho
Helloyse Brandão Marques
Rosyane de Moraes Martins Dutra 102

AS VIVÊNCIAS INFANTIS DE PLANTAR E COLHER:


BRINCANDO E APRENDENDO COM A HORTA ESCOLAR
Hellen Silva Carneiro Ferreira
Carmem Cely Barroso Correa
Claudia Maria Soares Cabral
Nathália Martins Brandão Oliveira 115

A INFÂNCIA CRIA E RECRIA: EXPERIÊNCIAS BRINCANTES


COM CRIANÇAS DO POVOADO CAPOTAL NA CIDADE DE
ANAJATUBA-MA
Jaquicilene da Silva Santos
Aíla Pedroso Moraes
Rosyane de Moraes Martins Dutra 125

7
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

DISCIPLINA E DEVOÇÃO NA EDUCAÇÃO DAS MENINAS: O


RECOLHIMENTO DE NOSSA SENHORA DA ANUNCIAÇÃO E
REMÉDIOS NO MARANHÃO
Hellen Silva Carneiro Ferreira
Maria Inês Castro Nascimento
Isabela de Cássia Costa Vieira 135

INFÂNCIA E SABERES QUILOMBOLAS: A PARTICIPAÇÃO DAS


CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL
NO QUILOMBO DE ARIQUIPÁ-MA
Raylina Maila Coelho Silva
Hellen Silva Carneiro Ferreira
Rosyane de Moraes Martins Dutra 147

ENTRE OS SONS DAS LETRAS E DOS PASSARINHOS: OS


DESAFIOS DO ENSINO REMOTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
DA COMUNIDADE DO QUEBRA-POTE EM SÃO LUÍS-MA
Layna Kariny Freire Madeira
Isabela de Cássia Costa Vieira 158

“DE AMIZADE, LETRAS E RITMOS”: IDEIAS DAS CRIANÇAS


SOBRE A COMPOSIÇÃO MUSICAL NA ESCOLA BÁSICA
Gabriela Flor Visnadi
Viviane Beineke 168

ÍNDICE REMISSIVO 184

8
APRESENTAÇÃO

“...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com ba-
lanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida
pelo encantamento que a coisa produza em nós.”
MANOEL DE BARROS

Nos versos do poeta Manoel de Barros, encontramos a fonte de nossa


existência: o encantamento. Encantar-se é uma forma de resistência aos muros
impostos, que limitam nossa criatividade e nossa reinvenção. Os caminhos tri-
lhados pela Pesquisa Educacional, nos últimos tempos, sofreram retiradas e per-
seguições que a tornaram um campo com inúmeros desafios. A publicação de um
livro, resultado dos estudos e investigações de um grupo de pesquisadores ma-
ranhenses, por exemplo, representa nesses tempos de achismos e de negação ci-
entífica, a resistência contra um desmonte que se impõe sobre todos nós que
acreditamos e defendemos os encontros com as crianças por meio da pesquisa
qualitativa.
O trabalho desenvolvido nessa obra, coletânea de textos e resultados
das pesquisas realizadas no período de 3 (três) anos 1 pelo GEPIB, Grupo de Es-
tudos e Pesquisas Infância e Brincadeiras da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), reúne investigações em contextos diversos e que partem das discus-
sões feitas nos encontros entre pesquisadores, instituições e crianças, revelado-
res de uma historicidade, de uma cultura e de políticas sobre a infância mara-
nhense em um território próprio e representativo: o Maranhão. Com essa
publicação, queremos multiplicar conhecimentos sobre a infância maranhense
tendo em vista as crianças como protagonistas de sua história, as instituições e
suas formas educativas para inclusão ou exclusão dos seus corpos e as políticas,
muitas vezes, determinadoras das práticas pedagógicas propostas nas escolas.
Os registros foram mobilizados a partir dos encontros das pesquisado-
ras com fontes documentais e contextos investigativos que dialogavam com a
proposta do GEPIB: promover estudos e pesquisas a partir dos fundamentos

1
No período entre os anos 2018-2021.

9
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

teórico-metodológicos dos Estudos da Infância, tendo as interações e as brinca-


deiras como foco e com um olhar sobre os espaços onde as crianças se encon-
tram, interagem e compartilham saberes. Assim, conceber interações, brincadei-
ras e infância no contexto do Estado do Maranhão é valorizar influências de
todas as áreas de conhecimento na formação de indivíduos brincantes, de infantes
brincantes, com possibilidades de descobertas únicas sobre os lugares, os espa-
ços e os territórios que as nossas crianças escolhem para brincar. A partir desses
dados, sermos capazes de repensar nosso olhar sobre nossas infâncias: quilom-
bola, indígena, sem-teto, campesina, urbana, e propormos políticas públicas de
atendimento horizontalizado, propostas e programas que comecem delas mes-
mas, das próprias crianças.
Os capítulos seguem a lógica do encantamento da pesquisa em nós: a
redescoberta do outro, meninos e meninas, que tiveram seus silêncios e suas vo-
zes visibilizados na beleza da aproximação, do olhar sensível, do toque do adulto
em sua história. O artigo da autora Rosyane de Moraes Martins Dutra, intitu-
lado REGISTROS DA INFÂNCIA NO MARANHÃO DO SÉCULO XIX: PO-
BREZA, SOCIEDADE E INSTITUCIONALIZAÇÃO, objetiva apresentar os re-
gistros sobre a infância maranhense, do século XIX, presente nas obras de Mário
Martins Meireles e César Augusto Marques. Ambos, escritores da história do
Maranhão em épocas distintas, discriminavam em seus textos as peculiaridades
de crianças abandonadas e consequentemente institucionalizadas.
O artigo das autoras Katherine Silva das Chagas e Thais Andrea Carva-
lho de Figueiredo Lopes, intitulado OS DESAFIOS DA GESTÃO DAS CRE-
CHES COMUNITÁRIAS NO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS – MA, propõe a apre-
sentação dos resultados de uma pesquisa realizada sobre os desafios da gestão
na educação infantil, que buscou identificar a prática cotidiana das gestoras que
atuavam em creches comunitárias no município de São Luís, e o atendimento às
crianças matriculadas nas referidas instituições. O terceiro artigo, das autoras
Sandra Regina Alves Ramos de Castro, Maria dos Remédios Vieira e Rosyane de
Moraes Martins Dutra, intitulado INFÂNCIA MARANHENSE E A CULTURA
DO BRINCAR: ONDE E COMO BRINCAM NOSSAS CRIANÇAS?, são discu-
tidos os conceitos que permitiram a compreensão dessa temática e as análises
dos dados coletados sobre cultura infantil maranhense, com contribuições da
Sociologia e Filosofia, destacando algumas intervenções teóricas dos escritos
benjaminianos, que se remetem a essa fase da vida humana como uma fase sen-
sível. Serão considerados os dados de pesquisa etnográfica realizada pelo Grupo
de Estudos e Pesquisas Infância e Brincadeiras GEPIB/UFMA, em algumas cida-
des maranhenses para reconhecimento de brinquedos e brincadeiras mais pre-
sentes nas regiões, e que mostram como nossas crianças brincam e produzem
cultura.

10
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

O artigo das autoras Hellen Silva Carneiro Ferreira, Suzianne Rebeca


de Vasconcelos Caetano e Angela Suely Souza Franco da Silva, intitulado BRIN-
QUEDOS (RE)CRIADOS, RECICLADOS: REFLEXÕES SOBRE EXPERIÊN-
CIAS LÚDICAS VIRTUAIS COM AS CRIANÇAS, é um relato de experiência
compartilhada no âmbito da Universidade Federal do Maranhão, por meio da
atividade Ciranda do Brincar, promovida pelo Grupo de Estudos e Pesquisas
Infância e Brincadeiras, e que fomentou as trocas entre adultos e crianças, no
sentido da construção de brinquedos. No encontro promovido em outubro de
2020, estando as crianças e seus familiares isolados socialmente devido a Pan-
demia por Covid-19, o ambiente virtual foi o eixo de compartilhamento das ex-
periências e da produção dos brinquedos feitos com materiais recicláveis.
O artigo das autoras Angela Suely Souza Franco da Silva e Helloyse
Brandão Marques, intitulado CONTAR HISTÓRIAS EM TEMPOS DE PANDE-
MIA: O ENCANTAMENTO DAS LIVES, propõe também relatar a experiência
vivenciada pelas pesquisadoras através da Ciranda do Brincar, através da ativi-
dade de contação de histórias, na qual possibilitaram o desenvolvimento de al-
gumas hipóteses: a interação lúdica das crianças com as histórias passam pelo
encantamento, pelo despertar da imaginação e pelo prazer de ouvir histórias; a
apreciação de histórias, mesmo que de modo virtual, aproxima o público ao con-
tador de histórias de forma afetiva; o uso das redes sociais no presente momento
de pandemia constitui instrumento de promoção das atividades lúdicas, de ma-
neira especial a contação de história.
O artigo das autoras Irismar Marreiros Bispo da Silva, Angela Suely
Souza Franco da Silva e Rosyane de Moraes Martins Dutra, intitulado MUSI-
CALIZANDO E APRENDENDO EM CASA: VIVÊNCIAS MUSICAIS COM
CRIANÇAS EM ISOLAMENTO SOCIAL DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL
DE SÃO LUÍS-MA, analisou as vivências e práticas musicais entre professores,
crianças e famílias em período de pandemia como experiências na Educação In-
fantil, em especial as instituições UEB Pedro Marco-sini Bertol e UEB Senador
Miguel Lins, ambas da rede pública municipal da cidade de São Luís/MA, a par-
tir das próprias ações enquanto docentes e membras do Grupo de Pesquisa In-
fância e Brincadeiras (GEPIB) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
A autora Rosyane de Moraes Martins Dutra, em novo artigo, intitulado
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFAN-
TIL: UMA EXPERIÊNCIA DE PRÁTICA DOCENTE E AUTONOMIA PEDA-
GÓGICA, propõe analisar a prática docente na Educação Infantil em uma es-
cola-anexo da Rede Pública Municipal de São Luís - MA, que em seus encontros
de formação continuada desenvolveu uma progressiva autonomia pedagógica,
diferenciando-se do programa da SEMED, numa proposta que renovou as ativi-
dades na escola e possibilitou um engajamento participativo das professoras.

11
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Posteriormente, as autoras Raylina Maila Coelho Silva, Helloyse Brandão Mar-


ques e Rosyane de Moraes Martins Dutra, no artigo INFÂNCIA SUBMISSA: A
EDUCAÇÃO FEMININA NO MARANHÃO PROVINCIAL, analisaram a insti-
tuição denominada Asilo de Santa Tereza, como proposta política para a instituci-
onalização das mulheres maranhenses no Império, e que possuía regulamentos
que determinavam práticas de educação e profissionalização das meninas, para
garantir-lhes o futuro desejado pela sociedade que as formava.
As autoras, Hellen Silva Carneiro, Carmem Cely Barroso Correa, Clau-
dia Maria Soares Cabral e Nathália Martins Brandão Oliveira, no artigo AS VI-
VÊNCIAS INFANTIS DE PLANTAR E COLHER: BRINCANDO E APREN-
DENDO COM A HORTA ESCOLAR, analisaram os dados de uma pesquisa de
campo, que observou as vivências das crianças em uma proposta pedagógica
através de projeto, em uma Creche Escola Municipal na Cidade de São Luís, in-
vestigando o espaço como lócus de interações sociais, de educação ambiental e
alimentar. Em capítulo posterior, as autoras Jaquicilene da Silva Santos, Aíla Pe-
droso Moraes e Rosyane de Moraes Martins Dutra, no artigo intitulado A IN-
FÂNCIA CRIA E RECRIA: EXPERIÊNCIAS BRINCANTES COM CRIANÇAS
DO POVOADO CAPOTAL NA CIDADE DE ANAJATUBA-MA, no contato com
as comunidades rurais no interior do Estado do Maranhão, investigaram a in-
fância do campo e suas principais manifestações culturais, enquanto brincavam.
Nessa proposta, o objetivo era reconhecer nas atividades brincantes das crianças
em seu contexto de vivência com sua comunidade, as práticas, os movimentos e
as brincadeiras reveladoras de um lugar próprio.
As autoras Hellen Silva Carneiro Ferreira, Maria Inês Castro Nasci-
mento e Isabela de Cássia Costa Vieira, no artigo intitulado DISCIPLINA E DE-
VOÇÃO NA EDUCAÇÃO DAS MENINAS: O RECOLHIMENTO DE NOSSA
SENHORA DA ANUNCIAÇÃO E REMÉDIOS NO MARANHÃO, por meio de
uma pesquisa histórica, adentraram o interior de um Recolhimento feminino,
espaços institucionalizados e controlados pelo Estado e pela Igreja, para histo-
riar a educação das meninas desvalidas no Maranhão do século XIX, analisando
o contexto da Província e a organização de recolhimentos femininos para manu-
tenção da ordem social.
As autoras Raylina Maila Coelho Silva, Hellen Silva Carneiro Ferreira e
Rosyane de Moraes Martins Dutra, no artigo intitulado INFÂNCIA E SABERES
QUILOMBOLAS: A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA CONSTRUÇÃO
DA IDENTIDADE CULTURAL NO QUILOMBO DE ARIQUIPÁ-MA, apresen-
tou dados da atividade de contação de histórias realizada com as crianças na
educação infantil como forma de valorização cultural e de resistência em comu-
nidades quilombolas e por se contrapor às formas de silenciamento cultural e a
homogeneização das culturas, observando a trajetória da infância nos quilombos

12
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

como constituinte dos territórios. Por conseguinte, as autoras Layna Kariny


Freire Madeira e Isabela de Cássia Costa Vieira, no artigo ENTRE OS SONS
DAS LETRAS E DOS PASSARINHOS: OS DESAFIOS DO ENSINO REMOTO
NA EDUCAÇÃO INFANTIL DA COMUNIDADE DO QUEBRA-POTE EM
SÃO LUÍS-MA, olharam para as escolas rurais que reinventaram suas propostas
de educação das crianças na Educação infantil nesse período de Ensino Remoto,
que orientado pela Secretaria Municipal de Educação como modalidade única
de ensino para a etapa, os educadores, coordenadores e gestores escolares tive-
ram que buscar ferramentas de trabalho com base tecnológica para a continui-
dade do ano letivo. Sob essa perspectiva, analisaram práticas e desafios de do-
centes, em exercício durante a pandemia, atuantes na Educação Básica, em uma
escola pública localizada na zona rural.
Por fim, as autoras Gabriela Flor Visnadi e Viviane Beineke, no artigo
intitulado “DE AMIZADE, LETRAS E RITMOS”: IDEIAS DAS CRIANÇAS SO-
BRE A COMPOSIÇÃO MUSICAL NA ESCOLA BÁSICA, analisaram composi-
ção musical de maneira abrangente, em atividades que possibilitaram a tomada
de decisões musicais, pelas crianças, já que entende-se que trabalhar com a com-
posição auxilia melhor o envolvimento com outras práticas musicais, onde a cri-
ança passa a ouvir música de forma diferente, sob o ponto de vista de quem já
atuou como compositor e executa com a intenção de quem está expressando
suas próprias ideias musicais.
Espero que tenham uma leitura prazerosa! Há braços!

Rosyane de Moraes Martins Dutra


Coordenadora GEPIB/UFMA

13
REGISTROS DA INFÂNCIA NO MARANHÃO DO
SÉCULO XIX: POBREZA, SOCIEDADE E
INSTITUCIONALIZAÇÃO

Rosyane de Moraes Martins Dutra 1

Introdução
No Brasil imperial, o projeto de adequação da sociedade ao modelo eu-
ropeu resultou em problemas sociais vindos da transição de colônia para impé-
rio como a mortalidade infantil e a criminalidade. Um período de decadências e
progressos, no qual o país de organizava administrativamente com a chegada da
família real e a mudança da capital do Império para o Rio de Janeiro. Freyre
(2003, p. 58) descreveu essa sociedade, e, a partir das condutas familiares, per-
cebeu como um “processo de equilíbrio de antagonismos”, onde culturas se in-
terseccionaram e contribuíram para o aparecimento de problemas como o
aborto e o abandono de crianças.
A preocupação com a criança abandonada passou a ser pauta das legis-
lações governamentais, que sob o discurso da proteção, criava medidas preventi-
vas em prol da infância desvalida e “aliviar a consciência de uma sociedade en-
vergonhada e ameaçada com a sua presença” (RIZZINI, 1993, p. 26). O modelo
de assistência caritativo nesse período foi responsável pela organização das pri-
meiras instituições de amparo infantil. Esse modelo surgiu, sob influência das
concepções cristãs de atendimento à população pobre, e prestava socorro aos
indigentes, desamparados e moribundos. As instituições religiosas, portanto, fo-
ram as primeiras a assumirem a assistência às crianças enjeitadas, de famílias
legítimas ou as órfãs2.

1
Professora do Departamento de Educação I. Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora
GEPIB/UFMA e pesquisadora sobre História, Política e Cultura da Infância. E-mail:
rosyane.dutra@ufma.br
2
As instituições que recebiam as crianças enjeitadas se diferenciavam, de acordo com o tipo de
abandono. Por famílias legítimas, as crianças eram internadas em Casas de Recolhimento e
recebiam formação para que futuramente, se casassem ou trabalhassem. As crianças indigentes,
eram internadas em asilos, e além dos maus tratos, ficavam à espera de um futuro, prometido pelo
Governo (um dote, um ofício, etc.). (MARCILIO, 1998)

14
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

O Governo da Província do Maranhão, desde os anos 1820, preocupava-


se com a organização de instituições de amparo às crianças enjeitadas. Em um
contexto, no qual movimentos como a Balaiada, a escravidão e a efervescência
intelectual (com representações de maranhenses na literatura brasileira)
atraiam os olhares para São Luís, surgia a necessidade de conter as crises que
alavancaram com a intensa mudança social. (MEIRELES, 1960) As doenças, as
batalhas e os conflitos sociais e políticos, foram situações que possibilitaram a
administração pública repensar o espaço urbano e geográfico e se preocupar com
a assistência populacional.
A pobreza foi motivo para que políticas públicas fossem organizadas
para a população, o que revelou o descaso dos governantes com os mais necessi-
tados. Pensar, portanto, na família, na mulher, na criança e relacionar pobreza
ao tempo e aos discursos que impregnam ações assistencialistas de amparo, de
estanque de um problema higiênico é motivar uma busca pelo real significado
da institucionalização na história da assistência à infância.
Nesse contexto, esse trabalho objetiva apresentar os registros sobre a
infância maranhense, do século XIX, presente nas obras de Mário Martins Mei-
reles e César Augusto Marques. Ambos, escritores da história do Maranhão em
épocas distintas, discriminam em seus textos as peculiaridades das crianças
abandonadas e consequentemente institucionalizadas. As reflexões dos autores
sobre esse tempo na história possibilitaram a identificação das causas do aban-
dono, das reações sociais perante os problemas que emergiam e a organização
governamental na resolução dos mesmos.

Institucionalização e pobreza: os “Estudos Históricos” de Mário Mei-


reles e o “Dicionário” de César Marques
A Província do Maranhão foi representada pelos autores Meireles
(1960) e Marques (1970) a partir dos estudos e das vivências que tiveram na con-
turbada sociedade maranhense. Os registros realizados pelas lentes desses con-
sagrados escritores, retomam a história de uma província na efervescência da
construção dos seus espaços públicos e respectivamente, no atendimento da ne-
cessidade populacional. Em meados dos oitocentos, São Luís, capital da Provín-
cia, se reveste da mitologia de Atenas Brasileira3, como simbologia de diferenci-
ação das demais províncias e como construção de uma identidade própria pela
fundação francesa. (MEIRELES, 1994)
A formulação de uma ideia de nação e de civilização, imposta pelo Im-
pério brasileiro, foi uma invenção das elites letradas para que grupos e

3
Devido a efervescência intelectual que aconteceu no Maranhão Império, primeira e segunda
geração, promovida pelo reconhecimento das obras de escritores e artistas maranhenses.

15
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

instituições sociais fossem as mantenedoras das relações de poder junto ao pro-


cesso de urbanização. No Maranhão, isso se estabeleceu na organização de lu-
gares que aplicariam as propostas de adequação da sociedade as exigências de
modernização e higienismo. “Era uma cidade em que já existiam uma colônia
inglesa, de comércio importador e exportador, e uma colônia francesa, que faria
o comércio de artigos de luxo” (MEIRELES, 1994, p. 273)
Essa relação da província com os costumes europeus (a localização ge-
ográfica privilegiava o acesso pelas navegações) facilitou a construção de uma
imagem de cidade instruída e conectada com os valores do Velho Mundo e que,
de certa forma, mascarava a real situação do povo maranhense, que em sua mai-
oria, era constituído por negros, índios e mestiços. Assim, Meireles (1994), em
registros realizados sobre as instituições que se formavam nesse contexto, reve-
lou as memórias maranhenses na sistematização dos seus espaços públicos. Em
sua trajetória acadêmica, Mário Martins Meireles se destacou como um dos fun-
dadores da Faculdade de Filosofia de São Luís do Maranhão. Esta instituição de
ensino superior caracterizou com a federalização, um dos pilares da atual Uni-
versidade Federal do Maranhão - UFMA.
Meireles fez carreira como professor do Curso de História. Mas, seu
percurso na academia é caracterizado também pelo exercício de cargos adminis-
trativos, como o de Vice-Reitor e Chefe do Departamento de História e Geoci-
ências. Na abordagem da História Regional, Mário Meireles atuou expressiva-
mente na consolidação de uma identidade, reafirmando em suas obras
“elementos identitários relacionando o contexto intelectual maranhense ao ca-
ráter de bravura ateniense de busca incessante pela ampliação do conheci-
mento” (CORRÊA, 2001, p. 45)
Em sua obra “Dez Estudos Históricos”, escreveu sobre instituições re-
ligiosas, médicas e educacionais, que contribuíram para a escrita de uma “pe-
quena” história do Maranhão. (MEIRELES, 1970, p. 33) O livro, organizado em
dez capítulos, reúne investigações historiográficas sobre fatos maranhenses, que
merecem atenção por serem demarcadores no surgimento das primeiras insti-
tuições de assistência social. As instituições de saúde pública foram considera-
das no livro como as mais antigas, pois “São Luís, há de ter sido, sem dúvida, a
única de nossas capitais que em tempo tão remoto contou com a presença de um
médico, de um cirurgião aliás entre os que testemunharam formalmente sua fun-
dação.” (MEIRELES, 1994, p. 203)
A trajetória das instituições públicas de saúde é relatada pelo autor,
desde os seiscentos, quando as ordens religiosas eram as responsáveis pela or-
ganização desses espaços, citando os Jesuítas em particular. “Se havia um hos-
pital, ainda que provisório e funcionando em casa particular, haveria forçosa-
mente alguém que nele cuidasse dos enfermos” (idem, p. 205) Portugal não

16
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

possuía quantidade numerosa de médicos para atendimento de suas colônias, o


que fez a Companhia enviar seus padres e irmanados para atenderem os hospi-
tais erigidos. Segundo Meireles (1994), o Hospital Geral Dr. Tarquínio Lopes, é
o mais antigo hospital da cidade seguido pela Santa Casa de Misericórdia.
César Augusto Marques, médico e professor de matemática, registrou
em suas obras a história de sua terra, com ênfase, o Dicionário Histórico-geográ-
fico da Província do Maranhão, que em ordem alfabética, tenta explicar o signi-
ficado de termos representativos da história. Nesse livro, preocupou-se em abor-
dar também as instituições de atendimento público a saúde dos provincianos,
como a Santa Casa de Misericórdia. Instituída em 1622, representou uma parcela
importante da história da Província, pelos trabalhos caridosos realizados com a
população desvalida. Tanto Marques (1970) como Meireles (1994) ressaltavam
em seus escritos os trabalhos desenvolvidos por essa instituição advindos das
doações financeiras, dentre eles, “expostos, hospital de caridade, hospital dos
lázaros, igreja e cemitério.” (MARQUES, 1970, p. 482)
Além das instituições da saúde, os autores também abordavam sobre as
ordenações religiosas e irmandades que aportaram em São Luís e se consolida-
ram não somente como espaços de devoção popular, mas como disputa do poder
sobre os bens adquiridos. Governo, grupos políticos e igreja relacionavam-se
conflituosamente na garantia do domínio das atividades sociais promovidas pe-
las ordens religiosas e que traziam retorno financeiro. Dentre elas, as casas de
recolhimento de crianças abandonadas, que recebiam milionárias doações de
políticos influentes e famílias legitimadoras do poder local. Meireles (1994) de-
dicou um capítulo para a Ordem de Nossa Senhora das Mercês, e nesse registro,
identifica a influência que exercia sobre a sociedade.
Enriquecida a confraria, o Convento de Nossa Senhora da Assunção e a Igreja
de Nossa Senhora das Mercês viveriam desde o meio do século XVII até a pri-
meira metade de centúria seguinte, um período de fastígio e de grande prestí-
gio na comunidade. (MEIRELES, 1994, p. 34)

A atuação dessas congregações no contexto maranhense foi primordial


na constituição dos principais lugares de assistência social, incluindo a educa-
ção das crianças que eram institucionalizadas. No século XIX, o anúncio de asi-
los, casas e reformatórios para acolhimento dos pobres, marginalizados social-
mente, excluídos da convivência com os ditos cidadãos, restabeleceu o
equilíbrio social. Retirar do meio os moribundos, e confina-los nas instituições
de guarda e instrução pública, seria uma alternativa para “civilizar os jovens cor-
pos”. (FOUCAULT, 2004)

17
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Marques (1970) destacou em seu dicionário instituições como a Casa


de Educandos Artificies4, que, nos oitocentos, se consolidou como espaço de
formação dos meninos desvalidos. Aulas de primeiras Letras e de Escultura e
Desenho foram oferecidas e em 1848, apresentaram ótimos resultados, formando
verdadeiros artistas maranhenses. Também, com a oferta das Aulas de Música,
Geometria e Mecânica Aplicada às artes e Noções Gerais de Aritmética e Álge-
bra, de Francês e de Geografia, a Casa teve atenções especiais das províncias
vizinhas, que enviavam os educandos para aprenderem com a Casa maranhense.
Mas as despesas eram grandes, o que fez com que muitas dessas aulas tivessem
que ser interrompidas. (MARQUES, 1970) A partir de 1873, a Casa começava a
apresentar sinais de declínio, reduzindo seu número de educandos e de oficinas.
Com a República, a casa encerraria suas atividades, precisamente, em 1889.
Marques, que exerceu o cargo de Mordomo da Casa dos Expostos, man-
tida pela Irmandade da Misericórdia, privilegiou em seus registros os discursos
higienistas, que difundiam a ideia da “conservação da saúde do homem, e do seu
aperfeiçoamento”. (MARQUES, 1970, p. 370) Na análise realizada em seu Dici-
onário, percebemos a posição que o autor toma em relação a presença de outros
profissionais na proposta de higienização populacional, através das instituições.
Explicitamente, ele criticou a participação de juízes, professores e políticos na
organização dessas práticas.
Ora, o que podiam fazer sobre salubridade publica homens que só entendiam
de leis, quando os mesmos profissionais na arte de curar precisam de grandes
conhecimentos de todos os ramos de que ela se compõem, e um continuo e
peculiar estudo de todos os meios da higiene para se não deixarem enganar
por tantos indivíduos interessados em fazê-lo? (MARQUES, 1970. P. 370)

Assim, em meio a tantas inferências sobre as práticas institucionais na


História do Maranhão, os autores manifestaram posições sobre a infância, enjei-
tada, abandonada e esquecida pelos seus próprios pais. Sobre esse tempo gera-
cional, Khulmann Jr. (2010) aponta que a história da infância passa a ter uma
dimensão ampliada, pois outros fatores sociais, como demografia, trabalho fe-
minino, família, representações infantis, etc, possibilitaram identificar elemen-
tos que permeiam a pesquisa sobre crianças.

Registros da Infância Institucionalizada


A pobreza foi motivo para que políticas públicas fossem organizadas
para a população, o que revelou o descaso dos governantes com os mais necessi-
tados. “Essa sociedade, estratificada discriminadamente em classes, ainda não

4
Às crianças excluídas eram reservados esses lugares de confinamento e controle dos corpos, numa
proposta de educação corretora e normativa, dirigida por médicos, padres, juízes e professores, e
que se instalam nas periferias das cidades.

18
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

pudera admitir a existência de um hospital (...) o da Caridade; enfim, a socorrer


os miseráveis. (MEIRELES, 1994, p. 274) São Luís, com os seus 30.000 habitan-
tes, já vivia sobre os reclames de uma sociedade requintada, que absorvendo os
costumes europeus, incomodava-se com os “deserdados da sorte”.
Em suas obras, Meireles e Marques mencionaram o processo de insti-
tucionalização da infância, com destaque para a Irmandade da Misericórdia, que
com objetivos de atender os pobres, criou um espaço de recolhimento e educa-
ção das crianças abandonadas pelas famílias, legitimas ou não. No capítulo oito
dos seus Dez Estudos Históricos, Meireles (1994) apresentou as intenções da
Irmandade no Maranhão, e com destacada concordância, mencionou como con-
quistas maranhenses as construções realizadas por essa instituição na cidade,
para a assistência social. Dentre elas, a Casa dos Expostos, “a Casa da Roda,
inaugurada a 15/07/1837”, que recolhia bebês abandonados na Roda, colocada no
muro da Igreja. (MEIRELES, 1994, p. 275)
A Igreja de São José e São Pantaleão5 foi uma das instituições religiosas
anexa a Irmandade que recolhia as crianças abandonadas e pensionistas6. Se-
gundo projeto de Lei do dia 21 de junho de 1827, “a Assembléia Geral Legislativa
do Império do Brasil decreta: 1º Criar-se-á na capital do Maranhão uma Casa,
onde se recebam e sustentem e façam educar à custa da nação os meninos ex-
postos de um e outo sexo” (MARQUES, 1970). Ali, as meninas eram recebidas e
entregues a amas de leite, que levavam a suas residências e cuidavam dessas cri-
anças até completarem 3 anos de idade. Após esse tempo, elas voltavam para as
casas de recolhimento para receberem a educação, isto é, o batismo, a catequese
e a viabilização da entrada na sociedade.
Portanto, para Marques (1970), a caridade empreendida pela Igreja re-
cebia recursos da elite maranhense e do Estado, o que proporcionou o surgi-
mento das Casas, Asilos e Reformatórios. O Maranhão, que sempre transpunha
os discursos da elite intelectual do Sudeste, passa a assumir também o caráter
filantrópico de assistência apoiados nos discursos e ações sociais higienistas e
eugenistas.7
Na sessão da Câmara dos Deputados, de 6 de setembro de 1831 disse o depu-
tado Odorico Mendes que desejava que passa-se uma emenda para supressão
das casas de expostos em todas as províncias, porque este recurso, que havia
de ver-se livre das crianças, fazia vontade de irem lá levar; que havia pouco
tempo não existia no Maranhão mais de 4 ou 5 expostos, que se criavam em
casas particulares; que era até honra criar as crianças, que se achavam em casa
de alguém, ficando as crianças até de melhor condição, porque as mães tinham

5
A existência de um Livro tombo nos arquivos da Igreja, revela o funcionamento de uma roda dos
expostos nos anos de 1891 a 1940 nessa instituição.
6
Estas contribuíam com algum valor para a instituição.
7
Segundo Freyre (2003) marcas dessas seleções se revelam em toda a história do Brasil, em afirmativas
como “gente doente e malnutrida (...) de novo se formariam os mesmos proletrariados” (p. 43).

19
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

o cuidado de as pôr as portas de pessoas abastadas, que tratavam muito bem


delas, e as favoreciam, porém, depois que se tinha fundado a Casa dos Expos-
tos (que era coisa nova) e o Governo julgando fazer um bem, se se havia enga-
nado muitas mães iam lá depositar seus filhos, tendo algumas perdido até o
costume de criar. (MARQUES, 1970, p. 232)

Ainda, segundo o autor, a Casa dos Expostos apresentava sérios pro-


blemas de acomodação, o que fez a Mesa Administrativa transferir para o hos-
pital da Irmandade (Santa Casa de Misericórdia) a responsabilidade pelos cui-
dados aos expostos, o que acusou melhorias no atendimento das meninas.
A Mesa da Santa Casa julgou necessário (...) terem mudados para outra casa
provisoriamente. Tivemos o prazer de ver no dia 26 de junho de 1891 o Hospi-
tal da Santa Casa de Misericórdia, por ocasião da celebração da Missa, as in-
felizes meninas bem tratadas e bem elegidas pelas virtuosas irmãs do Instituto
de Sant’Ana. Com saudades recordamos nós do tempo em que lhe demos cui-
dados e amor paternais como mordomo especial da Irmandade da Misericór-
dia. (Idem)

A intenção, portanto, era difundir a boa moral e a conduta em confor-


midade aos preceitos de civilidade. Livrar os meninos e as meninas do pecado
presente nas ruas da cidade e garantir-lhes um futuro na sociedade rica era a
pedagogia central dessas instituições, que conforme Foucault (1999, p.114),
“trata-se de uma inclusão por exclusão”. O controle da vida e dos corpos das
crianças sob o pretexto da purificação da alma, que deveria ser iniciado o mais
cedo possível, para que o quanto antes mãos-de-obra baratas estariam à dispo-
sição do mercado maranhense.
Contrastando os autores, percebe-se uma discordância nas concepções
acerca do movimento de institucionalização infantil no Maranhão. Evidencia-
se, nos registros de Meireles (1994) a boa intenção das Misericórdias na Provín-
cia, e, enquanto enviados pela Igreja para a catequização das colônias, trazem
contribuições para a civilização dos povos latinos, selvagens. No Dicionário de
Marques (1970) analisa-se certa preocupação com a participação dos grupos po-
líticos nas decisões tomadas dentro das instituições. Para ele, as intervenções
desses grupos no trabalho caritativo a que se propunha as ordens religiosas na
Província, criaram conflitos que as levaram a falência.
Para fins de conclusão, ressalta-se que para além dos registros dos au-
tores citados, existem outras fontes bibliográficas e documentais que corrobo-
ram a discussão sobre a infância maranhense, institucionalizada no oitocentos.
Jornais, relatórios e livros de autores como Jerônimo de Viveiros e Barbosa de
Godóis, indicam que as práticas governamentais e religiosas, de instituir espa-
ços para a guarda das crianças abandonadas, era um projeto político, advindo
das experiencias de outras províncias e do modelo europeu, e que sustentava a

20
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

ideia de modernidade, de mudança social, contrapondo a realidade maranhense,


que vivia intensos conflitos

Algumas considerações...
Mediante as discussões estabelecidas nesse texto, podemos resumir al-
gumas ideias que subsidiaram a história da institucionalização infantil no Ma-
ranhão. A primeira faz referência ao contexto socio-histórico brasileiro no qual
as instituições eram implementadas, que impunha uma forma advinda dos Esta-
dos-modelos. O Oitocentos foi um anúncio de uma modernidade, montada aos
moldes das elites, e que sob o lema do higienismo e da eugenia, impôs as insti-
tuições práticas e discursos de controle social. Em relação a educação da infân-
cia, dos prédios as pessoas, tudo era pensado com cuidado, para que a dita “ci-
vilização” fosse percebida, já na formação das nossas crianças, nascidas, sejam
nos lares, nas ruas, nos hospitais, nos subúrbios das cidades.
As crianças, portanto, inseridas nesse contexto, foram silenciadas, “dis-
ciplinadas”. Desde o recolhimento nas Rodas, nas Casas de Abandono, até as
escolas, as instituições de instrução primária, as crianças foram sucumbidas à
dor da vara, na obediência às ordens e aos controles de seus desejos. Pela educa-
ção, foram levadas a negar seus próprios pensamentos e suas escolhas, numa
proposta que anula os indivíduos ao seu entorno. Pela educação, foram violadas
em suas individualidades e sociabilidades, envolvidas pelas governabilidades.
Nas obras de Meireles e Marques, percebemos a preocupação no regis-
tro sobre as instituições para a infância. Meireles (1994), como analítico social
da Província, se colocou em defesa da vinda das irmandades e ordens religiosas
para o Maranhão, anunciando uma postura política que concordava com a assis-
tência aos pobres, e que via nessas instituições uma resolução para o problema
do abandono das crianças. Marques (1970) manifestava-se a favor, porém crítico
a intervenção dos grupos sociais nas decisões institucionais. Como um dos Mor-
domos que trabalhou na Casa dos Expostos, aproximava-se do processo de re-
colhimento das crianças e posteriormente, do encaminhamento dos meninos e
meninas às instituições de assistência e instrução.

21
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORRÊA, Rossini. Atenas brasileira: a cultura maranhense na civilização brasileira.
Brasília: Thesaurus; Corrêa & Corrêa, 2001.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora,
1999.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o
regime da economia patriarcal. 48. Ed. São Paulo: Global, 2003.
KUHLMANN Jr., Moysés. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica.
5. Ed. Porto Alegre: Mediação, 2010.
MARCILIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo:
Hucitec, 1998.
MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-geográfico da província do
Maranhão. 3. Ed. São Luís, AML, 1970.
MEIRELES, Mário Martins. Dez estudos históricos. São Luís: ALUMAR, 1994.
MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. Rio de Janeiro: Serviço de
Documentação da DASP, 1960.
MEIRELES, Mário. Pequena História do Maranhão. 3. ed. São Luís: SIOGE, 1970.
RIZZINI, Irene. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e
desafios do presente. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, São Paulo: Loyola, 2003.

22
OS DESAFIOS DA GESTÃO DAS CRECHES
COMUNITÁRIAS NO MUNICÍPIO
DE SÃO LUÍS – MA

Katherine Silva das Chagas 1


Thais Andrea Carvalho de Figueiredo Lopes 2

1. INTRODUÇÃO
No intuito de contextualizar a história e a política da educação infantil,
para que possamos compreender o cenário de atuação da gestão das creches co-
munitárias pesquisadas, partimos do pressuposto que as concepções de infância
são socialmente construídas e que na sociedade capitalista permeada pela desi-
gualdade social em que vivemos, as crianças não têm as mesmas oportunidades
de viver plenamente essa etapa da vida humana.
Examinando a forma como a educação infantil é ofertada no Brasil dis-
tinguimos diferentes estruturas de atendimento, existem creches e pré-escolas
particulares nas quais os valores das mensalidades não são acessíveis a parte sig-
nificativa da população, creches e pré-escolas públicas mantidas pelos municí-
pios e creches e pré-escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, conve-
niadas ou não com o poder público. As creches comunitárias são instituições
privadas que realizam atendimento para as crianças das famílias mais pobres e
por esse motivo optamos por investigar como acontece a gestão desses equipa-
mentos, em face das dificuldades impostas pelas condições materiais.
Nessa perspectiva, o presente artigo consiste na apresentação dos re-
sultados de uma pesquisa realizada sobre os desafios da gestão na educação in-
fantil, que buscou identificar na prática cotidiana das gestoras que atuam em
creches comunitárias no município de São Luís, como ocorre o atendimento as
crianças matriculadas nas referidas instituições.

1
Graduada em Pedagogia. Aluna do curso de Especialização em Gestão Pública da Universidade
Federal do Maranhão. E-mail: <kathechagas@hotmail.com>.
2
Doutora em Educação. Orientadora. Professora do Departamento de Educação II da Universidade
Federal do Maranhão. E-mail: <thaisacfl@gmail.com>.

23
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

O estudo do tema proposto suscitou os seguintes questionamentos:


Quais são os principais desafios da gestão na educação infantil, diante das con-
dições de funcionamento das creches comunitárias? Como a gestão das creches
comunitárias tem acontecido em São Luís?
Tendo em vista as questões que nortearam a pesquisa, o artigo tem
como objetivo geral analisar os desafios da gestão em seis creches comunitárias
no município de São Luís – MA, sob a ótica das gestoras dessas entidades. E
como objetivos específicos, refletir sobre as políticas públicas para a educação
infantil à luz da história do atendimento educacional a essa faixa etária e anali-
sar como se efetiva a gestão das creches comunitárias em São Luís – MA.
A elaboração desta pesquisa justifica-se devido a importância da educa-
ção das crianças de 0 a 3 anos nas creches, considerando que a primeira infância é
uma etapa crucial no desenvolvimento humano. A criança aprende desde que
nasce por estar inserida em um determinado contexto histórico, social e cultural,
envolvendo um movimento contínuo do ponto de vista biopsicossocial e terá vi-
vências e experiências fundamentais na relação com o outro e o mundo durante a
vida, dependendo da educação, atenção, cuidados e orientações adequadas.
No que se refere à gestão, carecemos de pesquisas que abordem a temá-
tica da gestão na educação infantil, especialmente que tenham como foco a creche,
que é uma estrutura relativamente recente no sistema educacional, anteriormente
vinculada a política de assistência social. E essa é uma área importante, tendo em
vista o quanto a gestão pode contribuir com toda a comunidade escolar.
Dando prosseguimento ao desvelamento da temática proposta apresenta-
mos os caminhos metodológicos escolhidos para o alcance dos resultados obtidos.

2. INCURSÕES METODOLÓGICAS
Priorizamos os seguintes enfoques para a compreensão do objeto de es-
tudo: aspectos históricos e políticos da educação infantil no Brasil, a configura-
ção das creches comunitárias no cenário brasileiro e as formas como tem ocor-
rido as práticas administrativas e pedagógicas nessas instituições.
Para o desenvolvimento desta pesquisa de cunho descritivo e explora-
tório foi utilizada a abordagem qualitativa, com pesquisa bibliográfica e pes-
quisa de campo, na qual utilizamos como instrumento para a coleta de dados
entrevistas semiestruturadas, com perguntas abertas e semiabertas, realizadas
junto a gestoras de seis creches comunitárias no município São Luís – MA. A
realização das entrevistas aconteceu no mês de agosto de 2020 e foram utiliza-
dos recursos tecnológicos como e-mails e o aplicativo de mensagens Whatsapp
para a obtenção das respostas.

24
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Nas entrevistas procuramos aferir, especialmente, como ocorre o aten-


dimento às crianças, quais as condições de estrutura física, quais os recursos
financeiros utilizados para a manutenção das creches, que atividades pedagógi-
cas são realizadas, qual a relação entre as famílias e a creche e os principais de-
safios da gestão da creche.
A escolha do objeto de pesquisa relacionado à gestão das creches foi
motivada pelo trabalho realizado na Secretaria Municipal da Criança e Assis-
tência Social (SEMCAS) em São Luís – MA, quando em atendimento a esse seg-
mento, na ocasião em que estas eram conveniadas com Prefeitura Municipal de
São Luís por meio da área de Assistência Social. Constatamos naquela ocasião
as adversidades enfrentadas pelos gestores dessas instituições para efetuar uma
boa gestão dos processos educativos e administrativos.
Os procedimentos adotados para a investigação tiveram início a partir
da revisão bibliográfica sobre a temática da creche comunitária, na qual foi con-
sultada a produção acadêmica existente nesse campo. Autores como Campos
(2000), Caniveira (2001), Cruz (2001), Filgueiras (1994), Lopes (2009), Ma-
chado (2015) e Susin (2009) enfatizaram a situação das políticas de educação
infantil no Brasil e versaram sobre os aspectos da gestão de creches, trazendo
elementos importantes para a realização desse trabalho, incluindo a elaboração
do instrumento de coleta de dados utilizado.
Na pesquisa de campo foram entrevistadas seis gestoras de creches co-
munitárias localizadas no município de São Luís – MA, a partir de um roteiro de
entrevista previamente estruturado constituído em três blocos, nos quais esti-
veram inseridas as seguintes temáticas: I) a política de recursos humanos (for-
mação, experiência como gestor, forma de admissão, função, remuneração e ou-
tros); II) a infraestrutura (manutenção, recursos materiais, tempo de
funcionamento, rotina, alimentação oferecida, agrupamento de crianças, recur-
sos financeiros, relação com a comunidade); III) a proposta pedagógica (diretri-
zes, inovação e tecnologia, metodologia de ensino).
Como a história e a política da educação infantil em São Luís está co-
nectada ao que acontece na história e na política de educação infantil no Brasil
ponderamos a relevância de indicar alguns aspectos concernentes ao reconheci-
mento da educação infantil como um direito da criança e ao modo como esse
direito vem sendo ou não materializado.

3. A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL ENTRE O ATENDI-


MENTO PÚBLICO E PRIVADO
A infância e a educação da criança vêm sendo modificada ao longo do
tempo de acordo com as mudanças ocorridas nas sociedades, orientada,

25
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

sobretudo, pelas relações entre os meios de produção e a força de trabalho e,


consequentemente, pela divisão social de classes.
De acordo com a historiadora Mary Del Priore, as altas taxas de morta-
lidade infantil associadas as condições materiais precárias de vida, a falta de aten-
dimento hospitalar e as condições ruins de saneamento nas cidades contribuíram
para o não apego a infância. As condições sociais eram determinantes para que as
crianças vivessem suas infâncias de forma diferente, a criança livre e pertencente
a uma classe economicamente mais favorecida teria a oportunidade de ter uma in-
fância em que estivessem presentes as brincadeiras, a educação e a participação da
família. As crianças escravas ou filhas de agricultores pobres iriam para o mundo
do trabalho desde a mais tenra idade1.
Na obra do historiador francês Philippe Aries (1914-1984) intitulada
História Social da Infância e da Família publicada em 1960 na França e em 1979
no Brasil, o autor explica que na Idade Média não havia uma consciência social
das particularidades infantis e que somente a partir do Século XVIII foi possível
constatar o fortalecimento dessa consciência, quando a mortalidade infantil vi-
nha sendo reduzida e as crianças passaram a ter um potencial de sobrevivência
maior.
Iniciativas de atendimento à infância pobre e abandonada surgiram
desde o Século XVIII com as Rodas dos Expostos e os Asilos de Órfãos mantidos
pelas ordens religiosas, caracterizando a inserção das políticas de assistência à
infância, seguidas por um amplo movimento filantrópico e as alianças entre a
Justiça e a Assistência Social, que culminaram no sistema de proteção aos me-
nores (RIZZINI; RIZZINI, 2004).
As influências de médicos educadores como Friedrich Frobel (1782-
1852) e Maria Montessori (1870-1952) contribuíram com a disseminação de
ideias sobre a educação da infância e com a proposição de instituições educaci-
onais infantis. No Brasil, em 1875 foi criado o primeiro jardim de infância no Rio
de Janeiro e no ano de 1877 foi instituído também em São Paulo (KUHLMANN
JR., 2010).
Em 1959 a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declara-
ção dos Direitos das Crianças para garantir que fossem protegidas e em 1989 a
ONU publicou outro acordo sobre o tema, a Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança para as crianças de todo o mundo. Os tratados internacio-
nais mencionados demonstraram o tratamento que passou a ser dado a criança
como sujeito de direito.

1
A Criança no Brasil Colônia. Entrevista de Mary Del Priore. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=INSKaEjHYx4 Acesso em: 20 de dez. 2020.

26
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

As lutas dos movimentos de mulheres por creches na década de 1970


impulsionaram a expansão da educação infantil no Brasil, que ocorreu majorita-
riamente por meio das instituições comunitárias. O Projeto Casulo, criado em
1977, vinculado a Política de Assistência Social e executado pela Legião Brasi-
leira de Assistência (LBA), contribuiu com a implementação do atendimento as
crianças de 0 a 6 anos de idade, a partir de um modelo de baixo custo com o
apoio da comunidade.
Esse projeto teve continuidade até 1995 quando a LBA foi extinta, en-
tretanto, os convênios para obtenção de recursos financeiros da Assistência So-
cial perduraram por mais tempo com o Programa Creche Manutenção. Cabe res-
saltar que somente com as mudanças ocorridas no financiamento da educação,
a partir da instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), as cre-
ches comunitárias passaram a ser conveniadas com o setor educacional para o
recebimento de recursos oriundos dessa fonte.
Com a inserção das mulheres no mercado de trabalho e a urbanização
das cidades as creches passaram então a ser espaços requisitados pela popula-
ção. As creches comunitárias ocuparam uma lacuna de atenção e responsabili-
dade do poder público para com a faixa etária de zero a três anos, pois a maior
parte destas foi organizada a partir das iniciativas de dirigentes de associações
de moradores dos bairros periféricos.
O reconhecimento da educação infantil como direito da criança e dever
do Estado fez-se presente em nossa sociedade com as normativas da Constitui-
ção Federal de 1988 e quando da edição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional n. 9.394/1996, que a estabeleceu como a primeira etapa da educação
básica. Conforme o disposto no Art. 29 da referida lei, a educação começa nos
primeiros anos de vida e é essencial para o desenvolvimento integral da criança
em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade (BRASIL, 1996).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069/1990, tam-
bém é um dispositivo legal importante, que, dentre outros, atribuiu legalmente
ao Estado, família e à sociedade, a responsabilidade pela oferta e gestão da edu-
cação infantil de crianças de zero aos três anos de idade nas creches ou institui-
ções equivalentes (BRASIL, 1990)
É necessário destacar que mesmo a educação infantil representando
prerrogativa constitucional indisponível garantida, nas quais os municípios têm
a responsabilidade da oferta, o contingente de famílias que gostaria de matricu-
lar seus filhos em creches e pré-escolas não é equivalente ao quantitativo de va-
gas, tendo em vista que a demanda tem sido maior do que a oferta.

27
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Se tomarmos como base o Relatório “Plano Nacional de Educação: seis


anos de descumprimento” da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
(2020) verificamos que em 2018 o atendimento às crianças em creches no Brasil
era de 35,7% e que ainda precisaríamos incluir 14,3% das crianças nessa faixa
etária para alcançarmos o objetivo proposto pela Meta 1 do PNE (2014-2024),
que seria o atendimento de 50% das crianças em creches.
Em relação ao município de São Luís, capital do estado do Maranhão,
que de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (2019), ocupa o
lugar de estado com maior percentual de pessoas com rendimento abaixo da li-
nha de pobreza no Brasil, 53%, é importante destacar que, com uma população
estimada em 1.108.975 habitantes (IBGE, 2020), a partir da década de 1980 o mu-
nicípio passou por um crescimento explosivo e desordenado de sua população,
atribuído ao fluxo migratório e à questão econômica, concentrando grande par-
cela da população em áreas periféricas urbanas com residência em habitações
rústicas e palafitas.
De acordo com o PME (2015, p. 27), no Maranhão, a Educação Infantil
teve sua expansão consolidada nos anos 1980, sendo o seu crescimento verifi-
cado, especialmente, por meio da rede de escolas comunitárias, o que se obser-
vou em grande escala no município de São Luís. A capital maranhense, ao final
desta década, chegou a ter numericamente a terceira maior população nacional
matriculada nessa etapa, em escolas comunitárias, superando capitais de esta-
dos como o Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia.
O crescimento das escolas comunitárias não veio acompanhado da
oferta de um atendimento de qualidade na educação infantil, pois muitos esta-
belecimentos comunitários, além de não contarem com estruturas físicas e equi-
pamentos condizentes com as necessidades das crianças, não dispunham de pro-
fessores qualificados para o trabalho.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação de São Luís
(2018), a rede municipal atendia 3.841 crianças na creche e 9.397 crianças na pré-
escola. Nas escolas comunitárias não conveniadas o atendimento era de 6.097
crianças nas creches e 9.127 na pré-escola e nas escolas comunitárias convenia-
das, o atendimento era de 7.501 crianças na creche e 9.171 crianças na pré-escola.
Nas creches conveniadas e não conveniadas o total de crianças em cre-
che era de 13.598 e na pré-escola, 18.298, o que indica que naquele ano estavam
sendo atendidas 31.896 crianças em instituições educacionais comunitárias na
educação infantil.
O cenário da oferta da educação infantil, abrangendo creches e pré-es-
cola, demonstra um atendimento prestado de forma precária, comprometendo
sobremaneira a educação e o desenvolvimento cognitivo do alunado, em razão
do poder público transferir sua responsabilidade à iniciativa privada, preferindo

28
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

investir em convênios a priorizar a aplicação de tais recursos na construção de


sua própria rede.
A insuficiência de escolas públicas e a não prioridade da educação das
crianças de até cinco anos nos planos e projetos de governo são uma realidade con-
creta na cidade de São Luís. O acesso a pré-escola está mais próximo da universa-
lização no município, porém será necessário ampliar, de forma substancial, as ma-
trículas em creches, principalmente para atender as classes menos favorecidas.

4. ANÁLISE DE DADOS (RESULTADOS E DISCUSSÃO)


Para a realização dessa pesquisa foram efetuadas entrevistas com seis
gestoras de creches comunitárias, com o propósito de nos aproximarmos da re-
alidade em que atuam e de compreender os desafios enfrentados por essas pro-
fissionais no exercício de suas funções, diante das condições objetivas de funci-
onamento dessas instituições.
As análises das entrevistas tiveram como base o conteúdo das respostas
das gestoras das creches e a consulta a produção acadêmica na área de gestão na
educação infantil. No intuito de preservar as identidades das entrevistadas, to-
das foram tratadas como “Gestoras”, identificadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”,
“E” e “F”.
Na primeira questão buscamos identificar o perfil das gestoras das cre-
ches pesquisadas, conforme estão dispostas as informações no quadro a seguir:
Quadro 1 – Perfil das Gestoras das Creches pesquisadas
Tempo de
Gestoras Graduação Pós-Graduação Outras atividades
Experiência
Agente Comunitária
A Pedagogia Gestão e Coordenação 12 anos
de Saúde
B Pedagogia - 2 anos Digitadora
Gestão Educacional -
C Pedagogia 15 anos
Gestão, Orientação e
-
D Pedagogia Coordenação 7 anos
Gestão, Supervisão e Tesoureira da
E Pedagogia Orientação 22 anos Entidade
Gestão, Supervisão e Administrativo da
Serviço
F Orientação 8 anos Entidade
Social
Fonte: Elaboração da Autora (2020).

No que se refere à formação inicial, as gestoras A, B, C, D e E possuem


curso superior em Pedagogia e a gestora F em Serviço Social, sendo que apenas
a gestora B não possui pós-graduação em nível de especialização na área de ges-
tão. A formação inicial e continuada ocupa lugar de destaque na gestão, na me-
dida em que a incorporação de subsídios teórico-metodológicos pode contribuir
com o aprimoramento do trabalho.

29
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Constatamos que os cargos de gestão nas creches comunitárias pesqui-


sadas têm sido ocupados por um longo período, com exceção da gestora B, que
vem desenvolvendo seu trabalho há apenas dois anos. Acrescentamos que a ges-
tora A mencionou ter participado da fundação da instituição no ano de 2008.
A escolha dessas profissionais para ocupar os cargos de gestão nas ins-
tituições pesquisadas não aconteceu por quaisquer meios de participação demo-
crática e sim por indicação política. Observamos que a gestão se perpetua por
tempo indeterminado e que não ocorreu rotatividade e renovação dos quadros
de gestores. Segundo Costa e Lima (2009), o provimento ao cargo de gestora
pode não ocorrer via eleição direta, mas por indicação política, evidenciando as
relações clientelistas estabelecidas entre a gestão e a comunidade.
Conforme a análise de Côco (2016, p. 20), “ainda é muito presente a no-
meação por meio de indicação no provimento de profissionais para esse
cargo/função, sobretudo nas instituições conveniadas”. As contribuições dos re-
feridos autores permitem a apreensão de que como os gestores permanecem em
seus cargos por indicações políticas, provavelmente mantém a centralização de
poder e tomada de decisões no exercício da gestão das creches. Nas palavras de
Paro (2003, p. 11), “esse procedimento tende a fazer com que o compromisso do
diretor acabe se dando apenas com os interesses da pessoa ou grupo político que
o nomeia”.
Verificamos que as gestoras A, B, E e F estão envolvidas em outras ati-
vidades, tendo em vista que as condições de trabalho e os baixos salários, tem
levado a demanda por outras ocupações paralelas a função que ocupam na ges-
tão, o que pode não ser adequado, considerando que as inúmeras tarefas desem-
penhadas como gestoras das creches exigem dedicação e acompanhamento sis-
temático dessas profissionais.
Na segunda questão perguntamos sobre a infraestrutura das creches,
tendo em vista que o espaço físico é um dos componentes de uma educação in-
fantil de qualidade e sobre o tempo de funcionamento das referidas instituições.
As respostas obtidas foram organizadas no quadro a seguir:

30
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Quadro 2 – Tempo de existência/funcionamento das creches pesquisadas.


Tempo de existência/
Creche funcionamento das Quais e quantos os espaços existentes
creches
5 salas de aula, 1 sala de diretoria, 3 banheiros infantis,
A 28 anos 1 banheiro adulto, 1 pátio, 1 parquinho, 1 biblioteca e 1
refeitório.
Não quantificou os espaços, relatou ter sala de aula,
B 13 anos sala de diretoria, banheiro infantil, biblioteca,
refeitório e cozinha.
5 salas de aula, 1 sala de diretoria, 4 banheiros infantis,
C 29 anos 1 pátio, 1 parquinho, 1 refeitório e 1 dormitório.
Salas de aula, sala da diretoria, banheiro infantil,
D 34 anos banheiro para adultos, pátio, brinquedoteca, biblioteca
e dormitório. Os espaços não foram quantificados.
4 salas de aula, 1 sala de diretoria, 2 banheiros infantis,
E 11 anos 1 banheiro adulto, 1 biblioteca, 1 refeitório e 2
dormitórios.
4 salas de aula, 1 sala de diretoria, 2 banheiros infantis,
F 36 anos 2 banheiros adulto, sendo um para mobilidade
reduzida, 1 pátio, 1 parquinho, 1 brinquedoteca, 1
biblioteca, 1 refeitório, 1 dormitório e sala de
atendimento para a realização de cursos e oficinas.
Fonte: Elaboração da Autora (2020).

As creches pesquisadas possuem sede própria, estão em funcionamento


há mais de uma década e quando perguntado pelas condições dos espaços físi-
cos, todas as gestoras informaram que as salas eram amplas com iluminação e
ventilação adequadas. A gestora D ainda reforçou “são arejadas e climatizadas”
e a gestora A afirmou, “portanto está no padrão certo”.
Em relação a especificação e a quantidade desses espaços verificamos
que as creches possuem entre 4 e 5 salas de aula e que todas tem uma sala de
diretoria. Apenas as creches A, C, D e F possuem pátio, as creches A, C e F pos-
suem parquinho e as creches D e F possuem brinquedotecas, sendo que esses
espaços são importantes para a realização de atividades que promovam a apren-
dizagem e o desenvolvimento infantil. De acordo com os relatos, nenhuma cre-
che possui acessibilidade para a inclusão de crianças com deficiência, a exemplo
de rampa, corrimão, piso tátil, dentre outros.
Diante da falta de espaços adequados a realização de atividades com as
crianças, tais como os espaços externos, as gestoras precisam planejar com as
professoras atividades que sejam apropriadas para os espaços disponíveis.
Segundo Cruz (2018, p. 22) “muitas creches são equipadas muito pre-
cariamente apenas com o mobiliário básico e não oferecem brinquedos adequa-
dos às várias idades, conservados ou em número suficiente”. Por esse motivo en-
tendemos que o poder público deveria assumir a responsabilidade de construir
e manter creches e pré-escolas públicas, que fossem planejadas para atender as
necessidades das crianças.

31
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Na terceira questão tratamos dos recursos financeiros para manter es-


sas creches funcionando, pois sabemos que essa é uma questão central na manu-
tenção das atividades desenvolvidas. Seguem as informações obtidas:
Quadro 3 – Convênios e Parcerias nas creches pesquisadas
Creche Convênios e Parcerias
Dispõe de algumas doações e possui convênio com a SEMED. Tem parceria com a
Secretaria da Saúde para a realização de consultas pediátricas e obtenção de
A medicamentos. Na pandemia teve convênio com Salvador Arena (SP) para a doação
de cestas básicas, que foram distribuídas para as famílias das crianças da creche.
SCFV é da Biblioteca.
B Possui convênios e parcerias com a SEMED, SEMCAS e CMDCA.
Dispõe de algumas doações e possui convênio, há mais de 20 anos, com o município,
C PNAE e PNAC.
Possui convênios e parcerias com instituições públicas e privadas, dentre as quais:
D ITAÚ SOCIAL, ILHA LITERÁRIA e MESA BRASIL.
Possui convênios e parcerias com instituições públicas e privadas, dentre as quais:
E FUNDEB, PNAE, PNAC, MESA BRASIL e SESC.
Tem convênios e parceria com o poder público, SEMCAS e SEMED, com o programa
F Mesa Brasil para arrecadação de alimentos, com o SESC (projeto de música para a
comunidade) e Itaú Social (CIEDS).
Fonte: Elaboração da Autora (2020).

Em consonância com a possibilidade de recebimento de recursos via


FUNDEB, de acordo com a Lei nº 11.494/2007, em 2009 as creches comunitárias
firmaram convênio com o poder público, quando da transição desses convênios
da Assistência Social para a Educação. A partir de então, recebem recursos do
FUNDEB para a sua manutenção e contam também com contribuições advindas
de parceiros como Itaú Social, Mesa Brasil, Ilha Literária, SESC e outros.
Além disso, algumas creches cobram taxas das famílias para custear as
despesas. Conforme a resposta da gestora A, “é cobrado uma taxa única de R$
50,00 (cinquenta reais) para despesas de material escolar, não pagam mensali-
dade”. Na resposta da gestora D observamos que o valor é um pouco mais alto,
“pagam valor único de R$ 60,00 (sessenta reais) independentemente da quanti-
dade de filhos na creche e ajudam na compra de materiais didáticos”.
A gestora B mencionou que “alguns pagam uma taxa de R$ 10,00 (dez
reais)” e a gestora C afirmou que “não pagam mensalidade e a despesa é apenas
com fardamentos”. A gestora E assinalou que “não é cobrado mensalidade, apenas
despesa com fardamento e material didático” e a gestora F apontou que “não é co-
brado mensalidade, apenas pagam as despesas de livros didático e fardamento”.
Essa é uma questão polêmica, pois na medida em que as creches rece-
bem recursos oriundos da esfera pública não poderiam cobrar qualquer tipo de
taxa, por outro lado, as precárias condições de funcionamento desses espaços
impulsionam a cobrança. A insuficiência de recursos financeiros para a realiza-
ção de um trabalho pedagógico de qualidade constitui-se em um desafio perma-
nente para as gestoras, daí a necessidade de construção e manutenção de creches

32
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

e pré-escolas públicas, nas quais as vagas sejam ofertadas diretamente pelo ente
federado responsável, o município, evitando a ocorrência de situações similares.
Na quarta questão investigamos a alimentação das crianças na creche,
conforme é possível observar no quadro a seguir.
Quadro 4 – Alimentação ofertada nas creches pesquisadas.
Creches Alimentação ofertada
A Café, lanche matutino, almoço e lanche vespertino (não especificou o cardápio)
São várias: sopa, suco com biscoito, mingau, risoto, macarronada, etc. (não especificou
B
a oferta)
C Lanche e almoço, de acordo com cardápio da SEMED (não especificou o cardápio)
D Variadas (não especificou a oferta e o cardápio)
Cardápio elaborado pela nutricionista da SEMED (não especificou a oferta e o
E cardápio)
F Almoço e lanche (não especificou o cardápio)
Fonte: Elaboração da Autora (2020).

Verificamos que em todas as creches é ofertada alimentação cumprindo


horários e cardápio elaborado por uma nutricionista de uma empresa terceiri-
zada contratada pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED). Todas as ges-
toras relataram que as crianças gostam da alimentação oferecida pela creche e
que os profissionais também têm direito a essa alimentação.
Sabemos que as crianças matriculadas nessas creches são oriundas de fa-
mílias pertencentes a classe economicamente menos favorecida, o que torna a
oferta de alimentação na creche ainda mais importante e necessária, para que te-
nham as condições de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem garantidas.
Na quinta questão procuramos saber sobre as condições de trabalho
das professoras nas creches e verificamos que apenas na creche B a professora
trabalha 20 horas semanais, sendo suas atividades realizadas no turno matutino,
das 07h às 11h, em regime parcial de 04 horas. As demais professoras trabalham
em regime de jornada integral na creche cumprindo a carga horária de 40 horas
semanais, sendo suas atividades realizadas das 07h às 17h.
Em todas as creches pesquisadas as gestoras utilizam recursos oriundos
do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valoriza-
ção dos Profissionais da Educação (FUNDEB) para pagamento das professoras.
Esses recursos são destinados para despesas básicas de funcionamento das cre-
ches como pagamento dos profissionais e outros. Conforme o depoimento da
gestora A, além dos recursos financeiros serem insuficientes, “acontece de serem
repassados com atraso, por parte do poder público”, o que dificulta a organiza-
ção do trabalho na creche.
Na sexta questão buscamos informações acerca das ações que envolvem
a parte pedagógica da creche, a destacar o seu funcionamento e rotinas diárias.
Seguem as respostas obtidas:

33
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Quadro 5 – Horário de funcionamento e rotina das atividades nas creches pesquisadas.


Creche Horário de Funcionamento Rotinas das Atividades
A É de acordo como é planejado, temos
Integral – 07h às 17h contação de histórias, brincadeiras dirigidas
e aulas envolvendo as crianças dentro e fora
da sala.
B Matutino – 07h às 11h Acolhimento das crianças, hora do brincar,
(em regime de 04h) rodinha, lanche e atividades.
C Parcial - Acolhimento, música de bom dia,
atividades, lanche, recreio, atividades e
Integral e parcial (manhã e tarde) almoço
Integral - Acolhimento, música de bom dia,
atividades, lanche, recreio, atividades,
banho, almoço, hora do sono, lanche,
atividades e recreio.
D Matutino – 07h às 11h Acolhida, rodinha, atividades, lanche,
Vespertino – 13:15 às 17:15 recreação, atividades e saída.
Atividade de organização coletiva, atividade
E Integral – 07:30 às 17:30 de cuidado pessoal, atividades dirigidas e
atividades livres.
Parcial – 07h às 11h Entrada, acolhida, rodinha, 1º momento de
F Parcial – 13:30 às 17h atividades, recreio, 2º momento de
Integral – 07 às 17h atividades e saída.
Fonte: Elaboração da Autora (2020).

Observamos uma diversidade de horários de funcionamento desses


equipamentos, em jornadas parciais e integrais, nas quais as rotinas são marca-
das por atividades que de certa forma são semelhantes nas seis instituições. De
modo geral, as crianças chegam e se dirigem para as salas de aula, realizam as
atividades de caráter lúdico, ocorre o lanche da manhã e mais tarde é oferecido
o almoço. A hora do sono é destinada ao repouso e quando acordam recebem o
lanche da tarde e mais atividades são realizadas até o horário da saída.
As gestoras das seis creches pesquisadas informaram que acompanham
as atividades pedagógicas realizadas com as crianças e que mantém um diálogo
sobre o tema com as professoras. Nesse sentido, buscamos investigar na próxima
questão como acontece o planejamento das atividades.

34
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Quadro 6 - Elaboração do Planejamento Pedagógico e Metodologias nas creches pesquisadas.

Gestora Planejamento Pedagógico Propostas Pedagógicas/Metodologias


Brincadeiras dirigidas, vários tipos de jogos,
Quinzenal, são reunidos
conversa em círculo, portanto, as crianças
professores, coordenador e gestor
A gostam, inovamos e não ficamos na
para a elaboração do planejamento.
mesmice.
Tentamos as melhores possíveis de acordo
B Quinzenal
com nossa realidade.
Baseada na proposta construtivista, levando
a criança a explorar e descobrir todas as
Através de reuniões com a parte
possibilidades do seu corpo, dos objetivos,
C pedagógica, docentes e equipe
das relações, do espaço e através disso,
técnica.
desenvolver a sua capacidade de observar,
descobrir e pensar.
Mensal, com a participação da Baseada no construtivismo e nas
D
coordenação pedagógica. necessidades dos alunos.
De acordo com as diretrizes da Base
E Quinzenal
Nacional Comum Curricular (BNCC).
Semana pedagógica no início do ano
letivo, com produção do plano anual Os professores são capacitados a atender as
F
de curso, calendário escolar e necessidades de cada aluno na sua
planejamento bimestral de aulas. individualidade.
Fonte: Elaboração da Autora (2020).

O planejamento pedagógico acontece de forma quinzenal, de acordo


com as gestoras A, B e E e, mensalmente, conforme a gestora D. A gestora F men-
cionou apenas a realização da semana pedagógica no início do ano letivo e a ges-
tora C não citou a periodicidade, mas pontuou que o planejamento ocorre em
reuniões que envolvem a equipe da escola.
Como as creches comunitárias são conveniadas com o poder público, a
equipe pedagógica de acompanhamento da Secretaria Municipal de Educação
deveria assessorar também as creches comunitárias, além de acompanhar as cre-
ches e pré-escolas públicas de educação infantil. Nessa perspectiva, Cruz (2001)
apontou a fragilidade do poder público na falta de suporte para acompanha-
mento, planejamento e avaliação nos serviços das creches conveniadas.
Quanto as propostas pedagógicas, constatamos que as gestoras C e D
citaram o construtivismo como a abordagem que orienta a realização das ativi-
dades. A gestora E mencionou o respaldo da proposta na BNCC e a gestora A
relacionou algumas atividades como jogos e brincadeiras. As gestoras B e F de-
ram respostas mais evasivas sobre o que de fato foi perguntado, o que nos leva a
inferir que as gestoras precisam acompanhar mais de perto as questões pedagó-
gicas da creche. Entendemos que o gestor não deve se restringir ao âmbito ad-
ministrativo quando estiver ocupando o cargo de gestão em uma creche, pois o
trabalho coletivo da equipe pedagógica depende também da capacidade de aglu-
tinação e mobilização do gestor.

35
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Segundo Aquino (2019, p. 45) “as propostas pedagógicas das institui-


ções de educação infantil precisam proporcionar condições para que as crianças
possam se expressar, através de múltiplas linguagens”, portanto, a apropriação
dos estudos e pesquisas referentes ao desenvolvimento e a aprendizagem de cri-
anças pequenas é imprescindível para que as professoras possam efetuar um tra-
balho pedagógico de qualidade, acompanhado pelas gestoras.
Sobre a construção do Projeto Político Pedagógico, as gestoras relata-
ram que são elaborados em encontros pedagógicos com a participação do gestor,
equipe de professores e coordenador pedagógico. De acordo com a gestora F “a
construção do Projeto Político Pedagógico é elaborada de 2 em 2 anos”. A pre-
sença de alunos e de representantes da comunidade foi destacada pelas gestoras
B e D, respectivamente, corroborando a importância da participação da comu-
nidade escolar e local no contexto educacional, como fator de reconhecimento
de uma gestão compartilhada.
Na sétima questão abordamos a relação entre as famílias e a creche. Em
todas as creches pesquisadas, segundo as gestoras, esse relacionamento dar-se-
á em contatos rápidos na hora da entrada e ou saída das crianças, em atividades
escolares como reuniões de pais e responsáveis, feira de ciências, projetos e suas
culminâncias e datas comemorativas. Conforme a gestora A, a cada mês uma mãe
é sorteada para assistir as atividades na escola, a exemplo de aulas, brincadeiras,
jogos e outros.
Em seus depoimentos todas as gestoras enfatizaram a valorização do
contato com as famílias, a fim de estreitar as relações entre ambos. Nas palavras
da gestora A, os “encontros com as famílias acontecem em conversas de grupos
dirigidos por professores, com a continuação da mãe que toma a vez na direção
do encontro e com a distribuição de lanches”. A gestora acrescentou que “sempre
que possível organizamos passeios para o lazer”.
As gestoras C, D, F relataram que realizam palestras educativas, ações
sociais, eventos comemorativos, doações, seminários e culminância de projetos
e a gestora E mencionou a realização de oficinas de geração de renda para as
mães das crianças matriculadas na creche. Somente a Gestora B não respondeu
à questão.
Segundo Suzin (2020, p. 8) “os espaços de diálogo com a comunidade,
potencializam os momentos existentes e carecem de uma divulgação mais efi-
caz”. Os resultados do estreitamento da relação creche e famílias contribuem
para a promoção de uma gestão democrática, partindo do princípio de que algu-
mas atribuições envolvem não apenas os gestores, mas todos que participam do
processo.
Na oitava questão tratamos sobre os principais desafios da gestão da
creche. Os depoimentos das gestoras evidenciam que existe um desejo e esforço

36
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

comum no sentido de fortalecer as práticas pedagógicas para que ocorra a apren-


dizagem e o desenvolvimento das crianças, porém, sabem que ainda há muito
por fazer e citaram alguns pontos que precisam de atenção como: “maior apoio
financeiro, melhorar o fluxo de documentação com os órgãos públicos, partici-
pações nos encontros de formação continuada para os professores realizados
pela SEMED; valorização das escolas comunitárias pelo gestor público, haja
vista que, as mesmas são parceiras e fazem também uma educação de qualidade;
implantar soluções para os problemas que surgem em decorrência de crianças
com transtorno de aprendizagem e os pais não entendem; desenvolvimento de
programas para conquistar a família para acompanharem o desenvolvimento dos
filhos, captação de recursos e valorização dos profissionais”.
Os aspectos apontados pelas gestoras precisam ser avaliados para que
suas condições de trabalho sejam mais satisfatórias, seus desafios cotidianos se-
jam atenuados e suas atuações sejam reconhecidas e valorizadas, o que permiti-
ria que as crianças e suas famílias fossem beneficiadas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É notório que são escassas as efetivações das políticas públicas para a
educação infantil, pois o cuidar e educar exige um trabalho de gestão, profissio-
nais qualificados e habilitados, espaços físicos adequados, materiais pedagógi-
cos e de higiene pessoal, alimentação, ou seja, investimentos que demandam a
aplicação de recursos apropriados.
O objetivo do trabalho teve como foco os desafios da gestão de creches
comunitárias, para tanto buscou a realização de uma pesquisa, realizando entre-
vistas junto a gestores de creches comunitárias, com o intuito de analisar e com-
preender a importância dessa atividade para o desenvolvimento da educação in-
fantil no município de São Luís.
O atendimento à infância no município de São Luís está relacionado à
expansão das escolas comunitárias e, mesmo que essas escolas, de modo geral,
sejam financiadas em parte pelo poder público, a responsabilidade maior fica a
cargo das próprias instituições, que têm dificuldades concretas para melhorar a
qualidade do atendimento, enfrentando diversos obstáculos, dentre os quais
destacamos: funcionamento em espaços físicos inadequados, falta de profissio-
nais habilitados e capacitados, cobrança de taxas para auxílio na manutenção,
crescente demanda por vagas, entre outros.
A análise efetuada nas creches pesquisadas mostrou que são amplas as
necessidades de uma creche, o que exige dedicação integral de seus profissionais
para a realização de uma boa gestão, com a finalidade de propiciar uma educação
infantil de qualidade. As dificuldades enfrentadas pelas gestoras dessas

37
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

instituições são decorrentes da falta de uma política consistente para a educação


infantil, ficando claro que as maiores prejudicadas são as crianças pertencentes
as famílias mais pobres, que acabam por ficar fora do sistema de ensino público,
submetidas a um processo de educação precário e de caráter assistencialista.
As respostas das gestoras elucidaram as percepções de como tem sido
desafiador proporcionar uma educação de qualidade para essas crianças, mesmo
com os esforços que vem sendo realizados, a fim de contribuir para a aprendiza-
gem, o desenvolvimento e bem-estar das crianças, cujas famílias veem as creches
comunitária uma oportunidade de proporcionar acolhimento, conforto, segu-
rança e educação para seus filhos.
Evidenciamos que o atendimento em creches comunitárias ainda se
confronta com graves problemas em todos os aspectos e que a melhora na qua-
lidade do trabalho ofertado por essas instituições precisa ser alvo de mais inves-
timentos, de atenção do poder público, bem como de cobrança e controle social
da população para que o direito das crianças a uma educação infantil de quali-
dade seja de fato garantido.

38
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AQUINO, Lígia Maria Leão de. A Gestão Democrática nas Instituições de
Educação Infantil: questões para pensar a formação de gestores. Disponível em:
https://www.ufjf.br/revistaedufoco/files/2009/11/Artigo-14-13.2.pdf Acesso em: 29
jun. de 2020.
ARAÚJO, Silvânia Brito; BRANDÃO, Isabel Cristina de Jesus. A trajetória da
concepção de creche ao longo dos anos. VI Seminário Nacional e II Seminário
Internacional de Políticas Públicas, Gestão e Práxis Educacional. Vitória da Conquista
– Bahia – 24 a 27 de outubro de 2017. Disponível em <https://core.ac.uk>. Acesso em: 24
set. 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Brasília, DF,
1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2021.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990.
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 jan. de 2021.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases Nacionais. Lei Nº 9393/96. Casa Civil. Brasília:
MEC, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 jan. de 2021.
BRASIL. Plano Nacional de Educação. Lei Nº 10.172/2001. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 de jan. 2021.
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da
Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,
2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2021.
CAMPOS, Maria Malta, ROSEMBERG, Fúlvia, FERREIRA Isabel Morsoletto.
Creches, Pré-escolas, assistência à infância, Direito da Criança. São Paulo: Cortez:
Fundação Carlos Chagas, 1993. Disponível em: <http://www.Docero.br>. Acesso em:
04 maio 2020.
CAMPOS, Rosânia. Creche Comunitária: que alternativa é essa? Disponível em:
https://anped.org.br/sites/default/files/gt_07_15.pdf Acesso em: 18 dez. 2020.
CÔCO V. Gestão na Educação Infantil: Os processos de escolha dos dirigentes das
instituições. In: CONGRESSO IBERO-BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO DA
EDUCAÇÃO, 2009. Anais... ANPAE, 2009. Disponível em:<http://www.anpae.org.br/
congressos_antigos/simposio2009/345.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2020.
CORREA, Bianca Cristina. A Gestão da Educação Infantil em 12 Municípios
Paulistas. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/fineduca/article/view/78020 Acesso
em: 28 jun. 2020.
CRUZ, Silvia Helena Vieira. A creche comunitária na visão das professoras e
famílias usuárias, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbedu/n16/
n16a05.pdf Acesso em: 20 dez. 2020.

39
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

DIDONET, Vital. Creche: a que veio, para onde vai. In: Educação Infantil: a creche,
um bom começo. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. V
18, n. 73, 2001. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br>. Acesso em: 05 maio 2020.
EMIR, Aquiles. Ministério Público cobra de Edivaldo Holanda Júnior as 25
creches que ele prometeu em 2014. 2017. Disponível em <https://maranhaohoje.com>.
Acesso em: 25 set. 2020.
FERREIRA, Maria Clotilde Rossetti, RAMON, Fabiola, SILVA, Ana Paula Soares.
Políticas de Atendimento à criança pequena nos países em desenvolvimento.
Caderno de Pesquisa, n.115, p.65-100, março/2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br>. Acesso em: 04 maio 2020.
FONSECA, Marília. O Banco Mundial como referência para a justiça social no
terceiro mundo: evidências do caso brasileiro. Revista da Faculdade de Educação. vol.
24, n.1, São Paulo, jan. / jun. 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em:
25 maio 2020.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5ª edição. São Paulo:
Atlas, 2017.
GONÇALVES, Renata. A história da creche. 2018. Disponível em:
<https://monografias.brasilescola.uol.com.br>. Acesso em: 20 set. 2020.
IBGE. São Luís MA - IBGE Cidades. 2020. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br>.
Acesso em: 10 set. 2020.
KRAMER, Sonia; TOLEDO, Leonor Pio Borges de; BARROS, Camila. Gestão da
Educação Infantil nas políticas municipais. Disponível em: https://www.scielo.br/
pdf/rbedu/v19n56/v19n56a02.pdf Acesso em: 2 dez. 2020.
MARANHÃO. Lei Orgânica do Município de São Luís. Câmara Municipal de São
Luís. 1990. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br>. Acesso em: 25 set. 2020.
LOPES, Thais Andrea Carvalho de Figueirêdo. A política educacional e o direito das
crianças à educação infantil em São Luís – Maranhão (1996-2006). Dissertação
(Mestrado em Educação). USP – Universidade São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível
em: <https://teses.usp.br/teses>. Acesso em: 05 maio 2020.
MERISSE, Antônio. Origens das instituições de atendimento à criança pequena: o
caso das creches. In: Lugares da infância: reflexões sobre a história da criança na
fábrica, na creche, no orfanato. São Paulo: Arte &Ciências, 1997. Disponível em:
<http://www.Docero.br>. Acesso em: 06 maio 2020.
NASCIMENTO, Ana Paula Santiago; SILVA, Cleber Nelson de Oliveira. As creches
conveniadas de São Paulo: quais os reais motivos dessa opção política? Disponível
em: https://seer.ufrgs.br/fineduca/article/view/67575 Acesso em: 10 dez. de 2020.
ORTIZ, Cisele; CARVALHO, Maria Teresa Venceslau de. Interação: ser professor de
bebês- cuidar, educar e brincar, uma única ação. São Paulo: Blucher, 2012.

40
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

PARO, VH. Eleição de diretores: a escola pública experimenta a democracia. 2. Ed.


Campinas: Papirus, 2003.
PARO, VH. Gestão democrática da escola pública. 3 ed. São Paulo: ÁTICA, 2006.
PME. Plano Municipal da Educação de São Luís (PME- 2015/2024). 2015.
Disponível em: <https://www.saoluis.ma.gov>. Acesso em: 25 set. 2020.
SUSIN, Maria Otília Kroeff; PERONI, Vera Maria Vidal. A parceria entre o poder
público municipal e as creches comunitárias: a educação infantil em Porto Alegre,
2011. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/303979166.pdf Acesso em: 15
dez. 2020.

41
INFÂNCIA MARANHENSE E A CULTURA DO
BRINCAR: ONDE E COMO BRINCAM NOSSAS
CRIANÇAS?

Sandra Regina Alves Ramos de Castro 1


Maria dos Remédios Vieira 2
Rosyane de Moraes Martins Dutra 3

Introdução
O universo das brincadeiras abre para a criança múltiplas possibilida-
des de aprendizagem, além da compreensão e ação sobre a realidade. Brincando,
tudo se recria, o mundo vira do avesso, de cabeça para baixo, permitindo à cri-
ança sair de sua realidade imediata e imaginar outros tempos e lugares, inventar
ações e interações com gestos, palavras, expressões. Ela aprende a interpretar o
mundo e a si mesma em outras perspectivas, ao definir outros tempos, lugares e
relações. A criança cria o seu próprio espaço, que pode ser na escola, em casa ou
em um pequeno canto, e consegue dar significados àquilo que ela quer construir
dentro de uma cultura própria, lúdica. Diferente do adulto que precisa fazer
todo um planejamento para organizar um espaço cheio de regras, com as crian-
ças ocorre de uma forma espontânea, experiencial.
Assim, é que nesse artigo, serão discutidos os conceitos que permitiram
a compreensão dessa temática e as análises dos dados coletados sobre cultura
infantil maranhense, com contribuições da Sociologia e Filosofia, destacando al-
gumas intervenções teóricas dos escritos benjaminianos, que se remetem a essa

1
Mestranda em Educação – UFMA, Pedagoga – CEUMA, Graduada em Ciências Religiosas –
SOMAS, Especialista em Docência da Educação Infantil – UFMA, Coordenadora Pedagógica -
SEMED, Professora do Ensino Médio – SEDUC, Pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail:
sandraramospedagogia@gmail.com
2
Pedagoga - Universidade Estadual Vale do Acaraú (2004). Atuou como professora presencial e no
ead da Faculdade do Maranhão, professora formadora do Centro Beneficente Nossa Senhora da
Glória, Educandário Santo Antônio e professora da educação infantil - Colégio Santa Teresa.
Pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail: mremediosvieira@hotmail.com
3
Professora do Departamento de Educação I. Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora
GEPIB/UFMA e pesquisadora sobre História, Política e Cultura da Infância. E-mail:
rosyane.dutra@ufma.br

42
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

fase da vida humana como a “mais sensível.” (BENJAMIN, 1984, p. 33). Serão
considerados os dados de pesquisa etnográfica realizada pelo Grupo de Estudos
e Pesquisas Infância e Brincadeiras GEPIB/UFMA, em algumas cidades mara-
nhenses para reconhecimento de brinquedos e brincadeiras mais presentes nas
regiões, e que mostram como nossas crianças brincam e produzem cultura.

Tecendo reflexões sobre Cultura, Cultura Infantil, Infância e Criança


Os estudos sobre o período da infância na vida do indivíduo reconhe-
cem essa fase como categoria social e sociológica do tipo geracional. Para tanto,
a infância tem sido entendida como um atributo social das crianças. Para Post-
man (1999), é nesse período que se inicia de maneira rudimentar, uma preocu-
pação com as crianças e suas particularidades, em prol do seu desenvolvimento.
A criança é o sujeito ativo na investigação do conhecimento, participante das
práticas sociais nas quais se encontra envolvida, pois se caracteriza pensante,
questionadora, autônoma e que constrói significados.
Em meio as imagens e falas do documentário A Invenção da Infância de
Liliana Sulzbach (2000)1, infância é a idade de ouro de cada pessoa em que ser
criança é não estar compromissado com nada; é o simples gozo da sua inocência.
E nessa perspectiva, visualizar tendências modernas de inserção dos infantes
nas atividades da cultura adultocêntrica nos inquieta por desfavorecer o tempo,
o espaço, o desenvolvimento e a aprendizagem dos mesmos. Ariès (1981) já apon-
tava em seus escritos, que
A idéia de infância era baseada na existência de uma natureza infantil na
sociedade medieval, considerando-a imatura, indefesa e ignorante em relação
à natureza adulta. A criança era percebida como adulto em miniatura, não
havendo consciência de suas particularidades (ARIÈS, 1981, p. 52).

A criança não era vista como um ser capaz de pensar sobre suas próprias
ações, mas sim como um reflexo do adulto. Entendemos, nessa caracterização de
Ariès, que a criança era vista como um produto do meio cultural, sendo moldada
pelo adulto com base em seus próprios costumes, de modo abstrato e passivo,
pois não havia uma troca significativa que contribuísse para o desenvolvimento
da criança enquanto indivíduo. A cultura, assim, exerce grande influência sobre
aspectos do desenvolvimento das crianças, que são capazes de absorver esses
artefatos sociais para compreensão do meio em que vivem. Por exemplo, uma
criança que vive em uma área rural, e observa seus pais usando técnicas na pes-
caria vão aprender com eles uma profissão, visto que esses são seus costumes
dentro daquela realidade. Senso assim a cultura carrega consigo ricas experien-
cias sociais, que atuam diretamente no desenvolvimento infantil.
Ao longo do tempo, a cultura dominante era a de classe média e branca,
que impunha suas normas e valores à sociedade, como referências normativas.

43
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Elias (2001) já enfatizava que, por exemplo, os costumes das famílias tradicio-
nais inglesas e francesas, eram manifestações desses acordos sociais, que divi-
diam as classes. Em cada classe, um legado cultural, que distinguia ricos de po-
bres, burguesia e proletariado, e a conservação dos valores mantenedores das
práticas sociais.
Sendo a família considerada o agente principal de transmissão da cul-
tura, as crianças levam a bagagem cultural, suas experiencias para os espaços
socializadores e assim reconstroem significados e vivem novas experiências. A
criança é artesã quando brinca, pois, ela se apropria dos costumes, das tradições
e das manifestações culturais presentes nos contextos e ressignifica, produzindo
cultura.
Sarmento (2008, p. 32) refletindo sobre o conceito de culturas infantis,
destaca como sendo “a capacidade das crianças construírem de forma sistemati-
zada modos de significação do mundo e da ação intencional, que são distintos
dos atos de ação e significa, cria, recria, experimenta, analisa, questiona, dialoga,
dando significados às suas ações durante suas brincadeiras individuais ou em
grupo. O adulto atua como um mediador.
É importante enfatizar que o brincar não é a única atividade por meio
da qual as crianças constroem sua cultura, mas ela assume uma centralidade
como modo de ação da criança sobre o mundo e, sobretudo como forma de ação
conjunta e autônoma das crianças. Cada criança tem sua própria cultura que
inclui o conhecimento, os costumes, os hábitos, as crenças, etc. Quando chegam
à escola, as crianças se deparam com outras culturas que lhes agregam outros
conhecimentos. Cada uma tem sua própria visão de mundo, e são trocadas ex-
periências que fortalecem suas próprias culturas, e são essas experiências que
interferem em suas ações e nos significados que atribuem às pessoas, às coisas e
às relações estabelecidas (SARMENTO, 2008).
Corsaro (2002) elenca como categoria de análise o faz de conta sob o
ponto de vista da reprodução interpretativa das crianças, em que elas desempe-
nham um papel ativo na socialização e apropriação da cultura adulta. Dessa
forma não se limitam a internalizar a cultura dos adultos, mas sobretudo, a fazer
parte dessa cultura e a produzir a sua própria cultura juntamente com seus pa-
res, não através de um carater imitativo ou apropriação direta “mas as crianças
apropriam-se criativamente da informação do mundo adulto para produzir a sua
própria cultura de pares” (CORSARO, 2002, p. 114).
De acordo com Sarmento (2008), as culturas da infância exprimem os
modos diferenciados por meio dos quais as crianças interpretam, simbolizam e
comunicam as suas percepções do mundo; interagem com outras crianças e com
os adultos; desenvolvem sua ação nos espaços público e privado. As culturas da
infância não são a reprodução mais ou menos fiel das culturas adultas, tampouco

44
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

são culturas adultas diminuídas, imperfeitas ou miniaturizadas. A diferença das


culturas da infância decorre do modo específico como as crianças, como seres
biopsicossociais com características próprias, simbolizam o mundo, nomeada-
mente pela conjugação que fazem de processos e dimensões como o jogo, a fan-
tasia do real e a interação entre pares e com os adultos e a circularidade tempo-
ral.
Sendo assim, as crianças precisam ser vistas como co-construtoras de
conhecimento e cultura, e essa visão implica reconhecer suas expressões nas
mais variadas linguagens. A noção de culturas da infância assume, por conse-
guinte, um constructo teórico e prático fundamental dos chamados estudos da
infância. A existência de culturas próprias, formas de ser, pensar e sentir espe-
cíficas da infância, necessariamente distintas das do adulto embora também in-
terdependentes dessas é um aspecto que exige olhar por outra ótica a criança
e a infância.
Percebemos ainda, em muitos discursos, a marca de uma infância ima-
tura, sem conhecimentos, que precisa ser conduzida pelo adulto. Kohan (2005),
reflete sobre essa “minoridade” indicada.
A minoridade é uma figura da incapacidade, da falta de resolução e da preguiça
no uso das próprias capacidades intelectuais. É o estado de mancipium deli-
berado, aquele que escolhe guiar-se pelo entendimento de outro. O ilumi-
nismo seria aquele movimento histórico que permitirá à humanidade em seu
conjunto sair de sua minoridade e valer-se da força inscrita em sua própria
razão. (KOHAN, 2005, p. 238)

Nos estudos filosóficos, identificamos o interesse pelo anúncio de uma


liberdade da criança, que há muito foi silenciada pela história de uma humani-
dade, predominantemente adulta. Uma história que sempre pensou por ela e ne-
gou suas experiências mais profundas com sua própria realidade. Na compreen-
são da Filosofia, a ausência de espaço para a vivência de experiências é típico da
modernidade, que insiste em criar mascaras para vidas não-vividas, para sonhos
não realizados. Benjamin (1984, p. 25) escrevia sobre experiencia, como o que
existe de “mais belo, intocável e inefável, pois ela jamais será privada do espirito
de nós permanecermos jovens”.
Na produção de brinquedos e brincadeiras próprios, as crianças re-
criam possibilidades de construção lúdica, utilizando os materiais que são pró-
ximos, do seu contexto. No caso dos municípios e povoados maranhenses, temos
uma variedade de materiais, como madeira, folhas e galhos de plantas, latas,
pneus, pedras, etc, utilizados por elas para reproduzirem ou recriarem brinque-
dos da região. “É exatamente isso que a criança deseja saber, aquilo que estabe-
lece uma relação viva com suas coisas” (BENJAMIN, 1984, p. 93).

45
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Registros e Vivências de Culturas Infantis no Maranhão


As crianças maranhenses são reveladoras de riquezas socioculturais
complexas e representantes da realidade de cada canto do Estado. Essas mani-
festações, desconsideradas pela cultura adulta, por não compreender a beleza
das experiências infantis em suas interações com o meio, propõem investigações
importantes para a compreensão da criança em seu espaço, no qual é transfor-
madora do habitus que engessa relações e dissolve a coletividade. Podemos citar
dentre essas manifestações, a capacidade de criar brinquedos com materiais que
encontram pelo caminho, a reinvenção criativa de brincadeiras tradicionais e a
reprodução de folguedos típicos da região. No Maranhão, é possível perceber,
em qualquer percurso turístico que se faça de um município para outro, crianças
brincando umas com as outras, em momentos únicos de apropriação de culturas
infantis.
Conceber interações, brincadeiras e infância no contexto do Estado do
Maranhão é valorizar influências da história, da geografia e da cultura na forma-
ção de indivíduos brincantes, com possibilidades de descobertas únicas sobre os
lugares, os espaços e os territórios que as nossas crianças escolhem para brincar.
A partir desses dados, sermos capazes de repensar nosso olhar sobre nossas in-
fâncias: quilombola, indígena, sem-teto, campesina, urbana, e propormos políti-
cas públicas de atendimento horizontalizado, propostas e programas que come-
cem delas mesmas, das próprias crianças.
A infância maranhense apresenta algumas características que propor-
cionam o trabalho de investigação com bases epistemológicas fundadas na Soci-
ologia, que segundo Corsaro (2011), compreende o processo de apropriação da
cultura onde a criança é capaz não só de reproduzir mais de recriar, repensar e
reinventar os processos de organização dos saberes produzidos socialmente. É
no coletivo e na socialização das crianças com as aprendizagens culturais que se
apresentam no contexto que encontramos o fundamento dos estudos com cri-
anças pois, “o que somos nós para as crianças que brincam ao nosso redor, senão
sombras?” (BASTIDE, 1961, p. 33).
Os aspectos culturais que se encontram presentes nas interações das
“nossas” crianças com o objeto criador e criativo são percebidas em cenas do
cotidiano, comuns. As festas, as cores, os tambores, e as brincadeiras: no Mara-
nhão, essas são as manifestações mais fortes de um folclore repleto de tradições
e história. De carrinhos de boi à Festa do Divino Espírito Santo, dos pequenos
catamarãs aos festejos de São João, dos brinquedos de palha de babaçú aos bois
encarando a multidão madrugada adentro: tudo tem um único ritmo. O do brin-
car. As vivências com as riquezas da terra, Ilha Grande, Upaon- açu, inspiram as

46
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

crianças a construírem seu repertório de brincadeiras, incluindo novas lingua-


gens, novos rituais e novas formas de conceber sua cultura.
Nessa perspectiva, acredita-se que através de uma pedagogia da Escuta
(CORSARO, 2011) é possível estreitarmos os laços com os sujeitos das pesqui-
sas, nas quais os pesquisadores, ouvintes, percebem as entrelinhas do processo
de comunhão sujeito-objeto de estudo. Com crianças, esse processo é determi-
nante na compreensão do movimento que se dá durante a observação in loco,
que só se manifesta nas interações criança-criança, criança-adulto e criança-
meio.
A pesquisa foi realizada em um percurso metodológico orientado para
melhor elucidar a realidade. Sabemos que o exercício do pesquisador é solucio-
nar problemas partindo de questionamentos que buscam respostas para o que
foi identificado. Assim, a pesquisa se caracteriza por ser experimental, do tipo
pesquisa etnográfica, que segundo Gil (2002) é aquela que investiga a realidade
e a cultura de um grupo ou povo. Alguns estudos bibliográficos nos motivaram
a compreender os principais conceitos sobre Infância, Criança, Cultura, Brin-
quedos e Brincadeiras, como Ariès, Corsaro, Benjamim e Brougère.
Assim, a pesquisa teve como principais instrumentos, a observação par-
ticipante, o registro em diário de bordo das informações coletadas em contato
com o contexto e os sujeitos que se apresentarem nele. Para Gil (2002):
Na coleta de dados, o importante não é somente coletar informações que deem
conta dos conceitos (através dos indicadores), mas também obter essas
informações de forma que se possa aplicar posteriormente o tratamento
necessário para testar as hipóteses. Portanto, é necessário antecipar, o u seja,
preocupar-se, desde a concepção do instrumento, com o tipo de informação
que ele permitirá fornecer e com o tipo de análise que deverá e poderá ser feito
posteriormente (GIL, 2002, p. 45).

Portanto, acreditamos que esses caminhos metodológicos respeitam a


realidade na qual a infância será percebida, em seu ambiente de convivência so-
cial e familiar, sem interferir no processo de socialização que se apresenta ao
grupo de crianças investigadas. Durante visitação aos municípios, escolhemos
os espaços públicos e residências das cidades, verdadeiros territórios do brincar,
onde foi possível observar as crianças em seu momento único e interacional com
os outros, com o meio e com os materiais da terra. Essa relação possibilita a aná-
lise da auto-organização desses grupos para a brincadeira.
O pesquisador no encontro com as crianças deve estar atento aos outros
modos de manifestação das mesmas. Se a narrativa pronunciada pela criança é
única e transversalizada pelas experiencias com seus pares, o que dizer do pes-
quisador cuja tarefa é descrever essas vivências? Como dizer e escrever palavras
não ditas? Como traduzir silêncios? E o desejo, de falar de quem ainda não con-
segue expressar nos moldes adultocêntricos? Com o uso do corpo, que ensina e

47
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

aprende, entre pares e pelas práticas do cotidiano, a palavra se transforma num


elo perdido, a ser (per)seguido pelo pesquisador.
A descrição desse universo que se descortina é marcada pelo esforço con-
tínuo de aprender/ouvir aquilo que as crianças não conseguem ou não desejam fa-
lar. Por essa razão, essa pesquisa abandona gravadores e roteiros de pesquisa para
dar as mãos às crianças na ciranda, nas brincadeiras, nas corridas feitas em grupo,
nos suspiros e olhares sobressaltados. Largar os diários e cadernos de campo à
beira da estrada para entrar nas brincadeiras e aprender com elas.
Atentos para os limites e os riscos presentes na pesquisa qualitativa, os
pesquisadores flexibilizaram processos de coleta de dados e de atuação investi-
gativa, para a garantia da participação das crianças, pois sabemos que sem con-
quista não conseguimos observá-las, além da autorização de pais e delas pró-
prias. Compreendendo que as crianças produzem cultura, o olhar antropológico
relaciona-se muito mais com conhecer a diversidade de realidades infantis e a
complexidade das profundezas dos seus mundos (FRIEDMANN, 2015, p. 37).
Apresentamos, a seguir, manifestações identificadas em alguns municí-
pios maranhenses, após visitação e pesquisa de campo.

BURITI BRAVO
As crianças nessa região (sul maranhense) divertem-se brincando de
corridas, peteca2, cancão3, boca-de-forno, pular corda. Geralmente em ruas,
praças e nos quintais. São meninos e meninas entregues a ventania que pulsa nos
céus daquela região, por estarem próximas às colinas maranhenses. A aproxima-
ção das crianças nas ruas e praças da cidade, possibilitou às pesquisadoras ob-
servarem as construções realizadas pelas crianças com elementos da natureza,
como os desenhos traçados na terra, e as cordas feitas com fibras de plantas da
região.
No encontro, as crianças convidavam-nos para o terreno, espaço de suas
brincadeiras favoritas perto das suas casas. Na interação, manifestações do tipo:
“tia, você gosta de brincar?” (Elton - 6 anos) indicam a surpresa das crianças ao
verem adultos participando daquele momento com elas. Percebe- se que em vá-
rios territórios como esse, as crianças brincam as mesmas brincadeiras de forma
diferenciada, respeitando suas criatividades e os materiais que podem acessar.
“Cancão pode ser com dias da semana, tia?” (Vanessa – 9 anos). Para Benjamin
(1984), a criança desmonta as regras da brincadeira e a estrutura do brinquedo
para se apoderar deles, estabelecendo relações íntimas com o objeto aprendido.
Brougère (1995, p. 14) destaca que o brinquedo é assim, um fornecedor
de representações manipuláveis, de imagens com volume cultural ressignificado
nas práticas das crianças, com elas mesmas. O caráter simbólico das

48
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

manifestações das crianças diante da produção cultural que surge no momento


que brincam revelam suas tradições e costumes regionais: “a peteca com c aroço
de tucum rola mais, é leve!” (Vitor, 8 anos).

COELHO NETO
Na cidade em questão existe um predomínio dos Brinquedos Populares
próprio da região Centro Maranhense: usa-se o talo do buriti4, lata ou madeira
para fazer brinquedos populares, como: carros, mesinhas, cadeirinhas, camas,
etc. Confeccionam-se ainda bonecas de pano e pipas. Esses brinquedos repre-
sentavam a releitura das crianças das realidades vividas em suas residências e
em seus lugares brincantes, que envolvem terrenos, ruas, praças e quadras.
Nessa região vemos o predomínio da utilização de talos e galhos para confecção
de brinquedos populares, próprios da tradição da comunidade e relembrados
pelos próprios moradores que apreciam as atividades criadoras das crianças.
Em um desses momentos, vimos a arte expressa na confecção dos car-
rinhos, com latas de sardinha, que segundo o Natanael (9 anos), “construímos
com a ajuda vovõ, pois ele é catador de latinhas e ajuda a gente a colocar as ro-
dinhas, a gente pode se cortar “ . A destreza que os meninos possuem na confec-
ção dos seus brinquedos, revelam o desejo de representar suas ideias criativas
nos artefatos do cotidiano comunitário. Expressam o quanto os objetos da cul-
tura maranhense influenciam nas escolhas das crianças no momento de confec-
cionarem seus brinquedos, e como os adultos são importantes nesse processo.
Para Brougére (1995), a cultura lúdica se caracteriza nesse universo das
crianças que recriam seus brinquedos como um conjunto de relações com a cul-
tura local, numa perspectiva antropológica e participação dos adultos que vivem
com elas. Os objetos e os usos que os adultos fazem deles intervém sobre as es-
colhas das crianças ao brincarem.

CURURUPU
Na cultura lúdica popular da Baixada Maranhense percebeu-se que as
crianças do município se divertem com brincadeiras denominadas bola quei-
mada, bola ao túnel, soltar a vara do porteiro. Os adultos distraem-se com jogos
de salão, como dominó, dama, baralho, gamão e xadrez. É possível notar a pro-
ximidade dos adultos das crianças que brincam nas ruas, nos terrenos, nas qua-
dras ou dentro de suas residências. Diferente de outras regiões maranhenses, na
Baixada percebe-se uma maior atenção sobre a segurança das crianças, o que
revela os níveis altos de violência existentes nos municípios que a compõem. Na
aproximação às brincadeiras vivenciadas pelas crianças nos lócus da pesquisa,
percebeu-se uma maior interação entre elas durante as brincadeiras coletivas, o

49
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

que representa uma verdadeira manifestação cururupuense. “A gente vai na casa


dos colegas e chama pra brincar junto. Gostamos de ficar na praça.” (Gustavo –
10 anos). As crianças valorizam os tempos brincantes, com a hora marcada para
cada atividade e o compromisso de buscar os colegas em suas residências.
Nas falas das crianças, a ansiedade para o encontro com os outros e na
preparação dos materiais para a realização das brincadeiras. “Acordo cedo pra ir
na casa do Lucas. Ele guarda nossa bola. Depois, vamos na casa do José Maria.
Quando estamos jogando, aparecem os outros.” (Kauan – 10 anos). Nessa pers-
pectiva, as crianças se organizam para as brincadeiras, incluindo os adultos que
muitas vezes autorizam e acompanham-nas para irem nas casas de seus colegas
de brincadeira. Esse movimento revela a importância dada ao brincar na comu-
nidade, onde saberes e fazeres são compartilhados e vividos coletivamente entre
as famílias das crianças.
Benjamim (1984) aponta sobre a necessidade do adulto se refugiar nas
fantasias infantis em torno do brincar para fugirem dos problemas sociais. “O
adulto, que se vê acossado por uma realidade ameaçadora, sem perspectivas de
solução, liberta-se dos horrores do real mediante a sua reprodução” (p.84). Em
relação à realidade da Baixada Maranhense, os altos índices de violência devido
ao uso desenfreado de drogas ilícitas na periferia suscitaram nas crianças o en-
volvimento com práticas cotidianas lúdicas como forma de ressignificarem o
sentido da vida comunitária.

SÃO DOMINGOS DO MARANHÃO


As crianças do Município têm poucas opções de lazer com a ausência
de espaços públicos como praças e campos, passando seu tempo livre com brin-
cadeiras de rua como; canção; boca de forno; pular cordas; bambo. Esses dados
corroboram discussões sobre o Brincar, que nos escritos de Benjamim promul-
gam essa atividade como expressiva e espontânea da criança, que transforma as
relações e o contexto. As crianças escolhem seus brinquedos a partir dos ele-
mentos da natureza (parecido com as crianças de Coelho neto) e do que os adul-
tos jogam fora, pois reaproveitam o que é descartado pela cultura adultocêntrica,
redimensionando as funções dos objetos, dando sentido lúdico ao que chamará
de brinquedo (BENJAMIN, 1984).
Na cultura local identifica-se o uso do talo da folha de mamão como
ferramenta do adulto na apreensão de peixes. Essa utilização de um elemento da
natureza influencia as crianças na construção dos seus brinquedos como um ins-
trumento criado por elas para fazer bolinhas de sabão. “Tem pé de mamão pra
tudo que é lado dessa cidade. Tem muito bolo e doce feito da fruta. Mas também
usamos o troco e galhos para outras necessidades como tora pra banco e

50
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

afugentar mosquitos”. (Lucia – mãe de Joana – 8 anos). Respectivamente, essa


cultura popular da região influencia os olhares das crianças sobre os objetos e
os elementos que fazem parte do convívio com os adultos, reinventando seus
brinquedos e suas brincadeiras.
Dentre os resultados e impactos dessa pesquisa, podemos citar:
• O aumento da visibilidade para os territórios das brincadeiras
infantis, como campo promissor de pesquisas com crianças;
• Conscientização das famílias das crianças, para que valorizem mais
o momento em que as crianças brincam livremente;
• Criação de espaços lúdicos para a formação de professores que
brincam;
• Dar importância às infâncias invisíveis, dentre elas, a quilombola, a
indígena, a campesina, dentre outras;
• Incluir a discussão sobre Jogos e brincadeiras infantis no currículo
de formação de profissionais que trabalham com crianças, nos
espaços escolares e não escolares;
• Mobilizar a sociedade em geral para voltar o olhar para a criança
que brinca, perto de cada um, e que revela profundezas de sua
personalidade.

Considerações Finais
Ao defendermos os estudos da infância, pela pesquisa, oportunizamos
às crianças serem compreendidas a partir do seu lócus de atuação, das suas
vivências nos lugares que nasceram, que cresceram e se reconheceram como
parte da comunidade. Assim, a experiência tem permitido:
a) Discutir as concepções de infância, criança, brincadeiras infantis e
educação para as crianças a partir de referencial teórico da Sociologia
da InfÂnca, refletindo sobre as infancias no Maranhão, e quais as
brincadeiras que se manifestam no seio de suas interações com os
outros e com o mundo;
b) Identificar os lugares nos municípios maranhenses de maior frequência
das crianças para o trabalho de observação com elas; Construir
instrumentos de pesquisa com crianças, que levem em conta a
Pedagogia da Escuta e o olhar investigativo voltado para a inclusão
social;
c) Mobilizar profissionais de diversas áreas para o diálogo coletivo sobre
a importância das brincadeiras e das interações na infância; Produzir
textos reflexivos a partir dos estudos e das vivências interativas na

51
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

pesquisa, com o objetivo de publicação em outros eventos e em


periódicos;
d) Possibilitar aos integrantes do grupo de pesquisas a prática da Pesquisa
de Campo, com vistas a formação contínua, coletando informações
junto aos sujeitos pesquisados (crianças e adultos que as cuidam).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A INVENÇÃO DA INFÂNCIA. Gênero: Documentário. Diretor: Liliana Sulzbach.
Duração: 26 min. Ano: 2000. Formato: 16mm. Brasil. Colorido.
ARIÈS, Phillipe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.
BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia Rito Nagô. São Paulo: Brasiliana, 1961.
BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo:
SUMMUS, 1984.
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 1995.
CORSARO William. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed; 2002.
ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
FRIEDMANN, Adriana. O Universo simbólico da Criança. São Paulo: Nepsid, 2015.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
KOHAN, Walter Omar. Infância: Entre a Educação e a Filosofia. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.
POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Grafhia Editorial,
1999.
SARMENTO, Manuel Jacinto. Sociologia da Infância: correntes e confluências. In:
SARMENTO, Manuel Jacinto, GOUVEA, Maria Cristina Soares do. (orgs.) Estudos
da Infância. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

52
BRINQUEDOS (RE)CRIADOS, RECICLADOS:
REFLEXÕES SOBRE EXPERIÊNCIAS LÚDICAS
VIRTUAIS COM AS CRIANÇAS

Hellen Silva Carneiro Ferreira 1


Suzianne Rebeca de Vasconcelos Caetano 2
Angela Suely Souza Franco da Silva 3

1. INTRODUÇÃO
A proposta lúdica de encantar as crianças com a confecção de seus pró-
prios brinquedos envereda pelas pesquisas sobre a infância e suas brincadeiras.
As possibilidades de reinvenção dos materiais que utilizam para criarem de-
monstram que as crianças são idealizadoras de novas materialidades, resultado
da sua imaginação e recriação. O contexto no qual vivem devem oferecer as va-
riedades de objetos que modificados, se tornam os novos brinquedos. Ressigni-
ficados, passam a compor o repertório criativo das crianças, que nesses tempos
de pandemia, recebem a importância devida.
Os estudos sobre os brinquedos revelam a importância desses objetos
para a infância, enquanto materiais que refletem a capacidade criadora e inven-
tiva das crianças que o tocam. Atividades que possibilitam o contato com mate-
riais de diversas formas e em diversos contextos, desenvolvem as múltiplas lin-
guagens necessárias para a formação de crianças autônomas e criativas.
Vivências e experiências de criação de brinquedos com materiais recicláveis, por
exemplo, são capazes de inserir as crianças em novas possibilidades de educa-
ção, na qual elas participam e idealizam novos objetos.
Assim, essa experiência compartilhada no âmbito da Universidade Fe-
deral do Maranhão, por meio da atividade Ciranda do Brincar, promovida pelo

1
Pesquisadora - GEPIB/UFMA, Pedagoga, Professora da Rede básica de ensino, Mestranda em
Educação pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Gestão escolar e docência do
Ensino Superior. E-mail: hcarneirosc20@gmail.com
2
Pedagoga, professora da Rede Municipal e Particular de Ensino. E-mail: suziannerebe-
cavc@gmail.com
3
Professora de educação infantil e anos inicias do ensino fundamental, da rede municipal de
educação da cidade de São Luís. Graduada em Pedagogia pela UFMA. Especialista em docência
na educação infantil UFMA. Pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail: angelassfranco@hotmail.com

53
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Grupo de Estudos e Pesquisas Infância e Brincadeiras, fomenta as trocas entre


adultos e crianças, no sentido da construção de brinquedos como uma das ativi-
dades fundamentais no desenvolvimento infantil. No encontro promovido em
2020, estando as crianças e seus familiares isolados socialmente devido a Pan-
demia por Covid-19, o ambiente virtual foi o eixo de compartilhamento das ex-
periências e da produção dos brinquedos feitos com materiais recicláveis.
Com a realização da proposta, algumas indagações nos levaram a com-
preender os resultados da atividade: quais brinquedos as crianças gostariam de
construir na modalidade não-presencial? Quais materiais seriam necessários?
Quem poderia auxiliar nesse processo? Quais dificuldades foram enfrentadas na
realização da Ciranda do brincar 2020?

2. BRINQUEDOS DE TODAS AS FORMAS E EM TODOS OS LU-


GARES: AS CRIANÇAS REINVENTAM
É notório no contexto atual que o brincar é essencial ao desenvolvi-
mento infantil, considerando que através desta atividade, as crianças interagem
entre si e com o objeto, mas qual seria o papel do brinquedo nessa relação lúdica?
Do que as crianças gostam de brincar? que brinquedos têm preferência; carri-
nhos, bolas, bonecas(os), pipa, etc.? Brincar com que? Brincar de quê?
O brinquedo, mais que um objeto, ele é o suporte da brincadeira e tem
importante papel nas brincadeiras infantis, para o desenvolvimento da lingua-
gem, da motricidade, da inteligência e o desenvolvimento socioemocional das
crianças. A interação da criança com este importante objeto é essencial para des-
pertar o imaginário. Na visão de Borba (2007, p. 33-34):
A experiência do brincar cruza diferentes tempos e lugares, passados, presentes
e futuros, sendo marcado ao mesmo tempo pela continuidade e pela mudança. A
criança, pelo fato de se situar em um contexto histórico e social, ou seja, em um
ambiente estruturado a partir de valores, significados, atividades e artefatos
construídos e partilhados pelos sujeitos que ali vivem, incorpora a experiência
social e cultural do brincar por meio das relações que estabelece com os outros -
adultos e crianças. Mas essa experiência não é simplesmente reproduzida, e sim
recriada a partir do que a criança traz de novo, com o seu poder de imaginar,
criar, reinventar e produzir cultura (BORBA, 2007, p. 33-34)

Analisando esta visão, percebemos que as crianças sempre estão em


uma profunda relação com o brinquedo e o brincar, em diferentes espaços e tem-
pos. A criança, indistinta da classe social e do contexto cultural, possui uma in-
teratividade muito grande com as produções humanas e, essa interatividade lhe
permite construir valores singulares, próprios da infância. Kishimoto (2010),
nos coloca que mesmo pequena, a criança tem conhecimento de muitas coisas e
compartilha esse conhecimento com seus pares e adultos, dando-lhe o poder
condução, escolha e tomada de decisões.

54
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

O brinquedo tem seu sentido atrelado à mudança de sociedade e na mu-


dança de concepção de criança, como apontam os estudos de Reis e Carvalho
(2019, p. 58): “[...] a mudança de perspectiva de organização da sociedade, que
faz com que a criança seja notada dentro das famílias, e estas passam a ser res-
ponsáveis pela promoção da saúde, e educação de seus filhos.”
O reconhecimento da brincadeira e do brinquedo, na contemporanei-
dade, perpassa por essa dimensão histórica, pelas mudanças socioeconômicas,
mas principalmente pela mudança de concepção de criança, que por direito, pre-
cisa brincar e manipular este importante objeto como suporte de sua brincadeira
a fim de se desenvolver. Na abordagem feita por Benjamin (1984), este ressalta a
importância da criança em dar sentido ao objeto ao manipulá-lo e fantasiá-lo em
suas brincadeiras, e, nessa perspectiva, o brinquedo é dotado de valor simbólico.
Benjamin (1984) faz uma retomada histórica dos brinquedos, resga-
tando o vínculo entre pais e filhos na confecção destes objetos, que se perdeu
com a industrialização dos brinquedos, sendo que os fabricantes a partir de uma
visão adultocêntrica determinam o que supõem o que as crianças gostam de
brincar. Mas ressalta que em suas brincadeiras, as crianças conseguem transgre-
dir a função proposta deste objeto, dando-lhes sentidos próprios a partir do po-
der criativo e imaginativo delas.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Brougère (1998) nos coloca
que os brinquedos podem ou não fazer parte do universo brincante das crianças,
ao brincar a criança ressignifica-o. Na visão desse autor, “Brincar não é uma di-
nâmica interna do indivíduo, mas uma atividade dotada de significação social
precisa que, como outras, necessita de aprendizagem”(BROUGÈRE, 1998, p. 1).
Portanto, como nas demais atividades sociais e humanas, o brincar precisa ser
repertoriado e aprendido, mas que ao incorporar os modos culturais brincantes,
a criança o interpreta e o recria de maneira subjetiva (BROUGÈRE, 1998).
Assim, compreendemos que na brincadeira, a criança age de maneira
diferente do habitual, do cotidiano, portanto, pode ser herói, bandido, médico,
gigante, bruxa, princesa, etc. E, o brincar torna-se um espaço onde a ludicidade
se desenvolve. E, é nesse exercício de brincar, que a criança ao interpretar o
modo cultural do adulto, produz uma cultura própria, que Brougère (1998) de-
fine como cultura lúdica, que em sua perspectiva “fornece referências intersub-
jetivas a essa interpretação” (BROUGÈRE, 1998, p. 2), ao passo que possibilitam
ao brincante esquematizar regras e modos sobre as brincadeiras.
As interações que as crianças estabelecem com os adultos, desde bebês,
através dos olhares, gestos, balbucios, sorrisos, vão ao longo de seu desenvolvi-
mento acumulando experiências brincantes. Posteriormente, começam a parti-
cipar de jogos com seus pares, assim como, aprendem outras regras, observando
crianças mais velhas brincando. Por isso, Brougére (1998, p. 2) aponta que “a

55
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

cultura lúdica é o produto da interação social que lança suas raízes, como foi
dito, na interação precoce entre mãe e o bebê.”
Nesse sentido, Brougère (1998), ressalta que a criança é co-construtora
dessa experiência, pois ao agir sobre o brinquedo, ao brincar, ela dota essa ex-
periência de significados. Portanto, mesmo que a cultura adulta se faça presente
nos jogos de simbolização infantil, ela permite deixar sua marca enquanto su-
jeito social e enquanto produtora de cultura.
Este mesmo autor, nos traz uma diferenciação entre ludus latino e ludus
francês, nos colocando que cada cultura tem seu modo singular de brincar. E aí
reside a complexidade do sentido do jogo e de como isso afeta na determinação
das características do jogo de uma cultura para outra. Brougère (1998) entende
que a base de entendimento do que é ou não considerado jogo, depende do valor
simbólico dado ao mesmo.
Independente, dessa informação, acrescenta que a criança tem em seu
âmago o poder de interpretar e dá sentido a sua brincadeira. É brincando que se
aprende a brincar, segundo Brougère (1998). E, como já foi mencionado anteri-
ormente, o objeto pode ou não estar presente na hora da brincadeira e, quando
estão, as crianças podem ou não brincar do modo que o objeto sugere. Esta com-
plexidade está atrelada aos padrões culturais e as mudanças sofridas ao longo
dos tempos.
Atualmente, a influência dos meios digitais e televisivos nas brincadei-
ras infantis repercute na produção de brinquedos e do que oferecer às crianças
como objeto de sua brincadeira. Os personagens de desenhos animados tornam-
se objeto para o consumo do público infantil e os games estão cada vez mais
presentes no cotidiano das crianças. Mas Brougère (1998) aborda que mesmo a
criança não saber a origem da produção do brinquedo, pode construir afeto e
interagir com o mesmo.
Portanto, entendemos que a criança ao brincar com o objeto, dota-o de
significados e entra em um mundo imaginário e da fantasia, elaborando e atri-
buindo sentidos de si e do mundo circundante. Nesse sentido, cada experiência
lúdica vivenciada por ela, cria um horizonte de possibilidades que ao serem am-
pliadas e repertoriadas permitem a construção de uma cultura lúdica.
A ação livre da criança sobre o objeto permite a imaginação, assim,
nesse sentido, um objeto arredondado pode tornar-se uma bola; uma colher, um
boneco de ação, um avião; uma cadeira, transforma-se em carro; uma vassoura,
em um cavalo; etc. Essas representações simbólicas construídas pelas crianças
em suas brincadeiras de faz de conta, são construções que elas desenvolvem em
diferentes contextos e tempos e se utilizam de materiais aleatórios encontrados
em casa, na escola ou em outro espaço social.

56
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Piorski (2016), aborda a profunda relação da criança com a natureza,


em que esta se utiliza de elementos naturais como terra, fogo, ar e água para
materializar e explorar a imaginação do brincar. Para ele, a criança aprende e
estabelece vínculos afetivos com a natureza, esta materialidade, segundo ele, são
sinapses mais profundas com as crianças do que materiais frios (industrializa-
dos). Nessa concepção, a natureza é mais que um espaço físico, ela se constitui
como espaço de simbologia, sendo que a criança expressa uma linguagem que a
liga ao mundo natural e, nesse sentido, é por onde ela se expressa, revelando uma
capacidade criadora. Portanto: “Espelha o universo simbólico do brinquedo nas-
cido das mãos da criança que, em comunhão com a natureza e em sua vivência
transcende, significa o mundo” (PIORSKI, 2016, p. 1).
Essa ideia trazida por Piorski (2016), revela o potencial criativo e cria-
dor que a criança traz em si, em seus estudos retrata as vivências brincantes de
vários estados do Brasil, inclusive o Maranhão, em que catalogou inúmeros brin-
quedos construídos pelas crianças com materiais diversos, entre bonecas, aces-
sórios, barquinhos, casinhas, carros e imateriais, como folguedos e festas da cul-
tura popular. Este autor, aborda a importância do brincar e do poder de
imaginação da criança, pois para ele:
Forças, desejos e vontades no brincar são sonhos, provêm do mundo imagi-
nado, uma região do nosso ser formuladora de verdades muito íntimas, empá-
ticas ao conhecimento, à memória e à afetividade. A imaginação é a verdade da
criança, o corpo semântico, a camada predileta, a fonte primordial de seus re-
cursos de expressão. É um tempo e um espaço fantástico, conhecedor de ori-
gens (PIORSKI, 2016, p. 22).

Por isso compreendemos que quando a criança participa do processo


de criação do seu brinquedo, permite inúmeras possibilidades para o sonho, para
a imaginação, para a fantasia, para o conhecimento da origem do brinquedo, de
sua materialidade, permite que ela retome memórias e afetos, bem como que ela
se expresse, construa, manipule e signifique o objeto.
Partindo dessa premissa, compreendemos a importância da criança em
participar da construção do seu brinquedo, com intuito de despertar nela a ca-
pacidade criadora e criativa. Bem como coloca Kishimoto (2010), que essa im-
portância permite que a criança desempenhe diversas habilidades importantes
ao seu desenvolvimento. E, portanto, construir o brinquedo além de permitir
importantes aspectos do desenvolvimento infantil, colabora para que ela se
identifique com este objeto, conhecendo a origem de sua criação, assim como
permite que ela possa participar desse momento, atribuindo afetos.

57
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

3. O PROJETO CIRANDA DO BRINCAR E A LUDICIDADE: EX-


PERIÊNCIAS LÚDICAS VIRTUAIS COM AS CRIANÇAS.
O ato de brincar é próprio da criança. É nas brincadeiras e jogos que
cada uma consegue manifestar valores que são essenciais para a vida e indepen-
dente da sua cultura e classe social. Na visão de Kishimoto (2010),

Para a criança, brincar é a atividade principal do dia-a-dia. É importante por-


que dá a ela o poder de tomar decisões, expressar sentimentos e valores co-
nhecer a si e aos outros e o mundo, de repetir ações prazerosas, de partilhar,
expressar sua individualidade e identidade por meio de diferentes linguagens,
de usar o corpo, os sentimentos, os movimentos, de solucionar problemas e
criar. Ao brincar a criança experimenta o poder de explorar mundo dos obje-
tos, das pessoas, da natureza e da cultura, para compreendê-lo e expressá-lo
por meio de variadas linguagens. Mas é no plano da imaginação que o brincar
se destaca pela mobilização dos significados. (KISHIMOTO, 2010, p. 1).

O brincar é uma atividade fundamental para o desenvolvimento da cri-


ança, e é uma forma de comunicação, onde seus desejos, suas emoções, seus sen-
timentos são expressos de forma singular. O brincar facilita e estimula o desen-
volvimento físico, cognitivo e intelectual.
Além disso, o brincar tem em sua essência a alegria, o divertimento, e é
uma fonte inesgotável de prazer e se torna uma atividade essencial para a saúde
mental e física do ser humano. Sendo assim, a brincadeira é indispensável para
uma criança, pois é através dela que aprendem a conviver e a socializar, criando
laços que farão toda a diferença ao longo da vida e potencializando o processo
criativo de seus momentos brincantes.
Dessa forma podemos entender que a cultura lúdica deve fazer parte
da vida do indivíduo, pois é brincando e vivenciando esses momentos de prazer
e alegria que as crianças passam por uma ação de conhecimento de si e do outro.
E, portanto,
Pode-se dizer que é produzida por um duplo movimento interno e externo. A
criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando. É o conjunto de toda sua
experiência lúdica acumulada [...] essa experiência é adquirida pela participação
em jogos com os companheiros, pela observação de outras crianças, pela mani-
pulação cada vez maior de objetos de jogo. (BROUGÉRE,2002, p. 26).

É importante compreender que a ludicidade não se restringe apenas


aos jogos e brincadeiras, mas qualquer atividade que proporcione momentos de
diversão, integração, entre outros. As propostas brincantes vivenciadas no
Grupo de Estudos e Pesquisa Infância e Brincadeiras (GEPIB), através do pro-
jeto Ciranda do Brincar, pensando em todas essas importantes atribuições que
tem as brincadeiras e os jogos na vida das crianças, promoveu atividades com
muita ludicidade com o objetivo de proporcionar alegria e bem-estar não só com

58
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

as crianças, mas adultos que interagem, participam e proporcionam esse mo-


mento de forma prazerosa.
O projeto Ciranda do Brincar, realizado desde o ano de 2018 de forma
presencial no mês de outubro nas dependências da Universidade Federal do Ma-
ranhão – UFMA, campus Bacanga, tem proporcionado aos filhos dos discentes,
docentes e demais funcionários, momentos de aprendizagem por meio de brin-
cadeiras, oficinas de brinquedos e jogos, músicas e contação de histórias.
No ano de 2020, o evento ocorreu dia 16 de outubro, durante a semana
da criança. As atividades se deram através da interação virtual pelo Instagram,
de forma on-line, onde as professoras, membros do grupo de pesquisa, realiza-
ram uma oficina de brinquedos com materiais reciclados, proporcionando à cri-
ança o brincar por meio da construção do seu brinquedo.
A programação contou com as seguintes atividades: abertura, contação
de histórias, construção de brinquedos com materiais recicláveis, brincadeiras
em casa, musical e encerramento. Neste trabalho compartilhamos a experiência
da criação de brinquedos com materiais recicláveis por acreditar que essa ativi-
dade, assim como as outras listadas acima desperta nas crianças novos interes-
ses e a criatividade, mostrando as possibilidades de transformar objetos com
suas próprias mãos.
Desde cedo, a criança é capaz de dar destaque a objetos simples, dar a
eles outra finalidade tornando-os ponto de partida para uma nova brincadeira,
transforma tudo o que lhe vem às mãos em objetos significativos para si, ainda
que para o mundo adulto aquele objeto não possua grandes significados, um
exemplo, uma simples garrafa pet com água é capaz de despertar a capacidade
criativa e imaginativa da criança.
Outro fator importante para a escolha dessa atividade é sensibilizar a
criança para o cuidado com meio ambiente e a importância de reutilizar deter-
minados materiais para uso próprio. “[...]verifica-se a importância de conscien-
tizar e sensibilizar as crianças e os pais nas escolas sobre as formas de separação
do lixo e fazer a reutilização de materiais recicláveis construindo brinquedos e
jogos didáticos” (ALVES, 2012, p. 1).
Durante a programação houve a confecção de três brinquedos: campo mi-
nado, bilboquê e o basquete-pongue. Selecionamos estes brinquedos pela facilidade de
acesso aos materiais utilizados e o fácil manuseio, oportunizando a criança, caso
não estivesse acompanhada, a manuseá-los sem dificuldades.
Para a confecção do campo minado utilizou-se uma cartela de ovos va-
zia, tinta, pincel e bolinha de papel. Para fazer o brinquedo foi necessário apenas
pintar alguns espaços na cartela de ovos. Esse espaço pintado simboliza o campo
minado e o objetivo da brincadeira é possibilitar que a bolinha de papel passe

59
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

por esse campo sem cair na parte pintada, saindo de um extremo ao outro da
cartela de ovos. Podemos observar o brinquedo criado na imagem abaixo.

60
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Imagem 1: jogo campo minado

Fonte: ARQUIVO GEPIB (2020)

O jogo do campo minado possibilita à criança melhor concentração e o


auxílio na construção do raciocínio-lógico. Posteriormente, ao campo minado, ini-
ciamos a confecção do brinquedo bilboquê (imagem 2). Utilizamos como matéria
– prima uma garrafa pet, barbante e bolinha de papel ou isopor. A brincadeira co-
meça tentarmos colocar a bolinha dentro da abertura superior da garrafa pet. Esta
possibilita trabalhar equilíbrio, concentração, noção de espaço e atenção.
Imagem 2: bilboquê

Fonte: arquivo GEPIB (2020)

As atividades de construção dos brinquedos recicláveis foram concluídas


com a confecção do basquete-pongue (imagem 3). Utilizou-se papelão, copos
descartáveis, fita adesiva e bolinha de papel. O objetivo da brincadeira é acertar a
bolinha de papel nos cestos feitos com copos descartáveis. Este jogo possibilita
que a criança trabalhe a coordenação motora, a concentração e criatividade.

61
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Imagem 3: basquete - pongue

Fonte: ARQUIVO GEPIB (2020)

Conforme (Santos, 1999, p.12), para a criança, “brincar é viver”. Essa


afirmação nos leva a pensar que as crianças sempre vão brincar, algumas por
prazer, outras brincam para aliviar angústias, sentimentos ruins.
Ao apresentarmos os brinquedos e as brincadeiras refletimos sobre a
importância desse momento em meio a pandemia do novo Coronavírus, onde as
crianças estão impossibilitadas de interagir com outras crianças, de ir à escola.
O lúdico, através das brincadeiras proporcionam aprendizado, mesmo à distân-
cia. Kishimoto (2010, p.24) esclarece que por meio do "lúdico a criança desperta
o desejo do saber, a vontade de participar e a alegria da conquista.”
A Ciranda do brincar tentou proporcionar às crianças que estão em iso-
lamento social momentos de criação, de brincar, inventar e divertir-se, mos-
trando que o brincar vai muito além da concepção adulta de utilizar brinquedos
prontos e acabados, mas de poder inventar novas maneiras de se brincar e de
inventar brinquedos. Para Brougére (1998) a brincadeira pode ser vista como
uma forma de interpretação que a criança fez sobre o brinquedo, ele não condi-
ciona as ações da criança, mas oferece um suporte que poderá ganhar inúmeros
significados a partir do imaginário e de acordo com o decorrer da brincadeira.
Em virtude do que foi mostrado, podemos dizer que a Ciranda do Brin-
car foi elaborada de forma a revelar atividades lúdicas que atendessem as crian-
ças durante esse período pandêmico e proporcionar às crianças momentos de
alegria e aprendizado através das brincadeiras. Acreditamos na oportunidade de
ter sensibilizado as crianças olharem para dentro de si, reconhecerem o que as
move e que brinquem sozinhas ou com a família. E o contato com os materiais
recicláveis auxiliam no processo de cuidado com o meio ambiente e o consumo
consciente dos materiais utilizados.

62
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades apresentadas neste relato são exemplos de brinquedos e
brincadeiras que podem ser feitas com as crianças que se encontram isoladas
devido a Pandemia por Covid-19. Foram experiências que mobilizaram as pes-
quisadoras do GEPIB/UFMA para a compreensão de que, mesmo em modali-
dade não-presencial, podemos propor novas formas de nos aproximarmos do
universo imaginativo das crianças pela confecção de brinquedos.
Nessa interação virtual, possibilita-se uma ampla discussão sobre o
brincar e como as crianças podem reinventar os objetos que tem em casa e torná-
los brinquedos encantadores. Não podemos nesse contexto pandêmico, desacre-
ditar no poder da criatividade e o quanto as crianças precisam estar ativas, cria-
tivas e proativas, dando novos significados ao mundo a sua volta com novos ob-
jetos criados por elas.
Sob a crença de dias melhores que virão, possibilitamos hoje às nossas
crianças um mundo de esperança pelo brincar e pelas descobertas que realiza
brincando, no uso de novas tintas, de novos papéis, de novos materiais escolhi-
dos por ela e que se tornam novos brinquedos.

63
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Ana Terezinha Jaques; HENDGES, Cristiane Raquel; SANDER, Ilaini
Terezinha; PAZ, Dirce. Reciclagem: educar para conscientizar. In: XVII Seminário
interinstitucional de ensino, pesquisa e extensão; XV mostra de iniciação
científica; X mostra de extensão. Universidade da Cruz. 6-8 nov. 2012. Disponível
em: <https://home.unicruz.edu.br/seminario/downloads/anais/cchc/reciclagem%20
educar%20para%20conscientizar.pdf>. Acesso em: 23 maio. 2021.
BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo:
Summus, 1984.
BORBA, Ângela Meyer. O brincar como um modo de ser e estar no mundo. In: BRASIL,
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino Fundamental de nove
anos: Orientações para a inclusão de crianças de seis anos de idade. 2. ed. Brasília,
2007, p. 33-45.
BROUGÈRE, Gilles. A criança e a cultura lúdica. Rev. Faculdade Educação. vol. 24.
n. 2. São Paulo, julho/dezembro. 1998.
KISHIMOTO, T. M. Brinquedos e brincadeiras na educação infantil. Perspectivas
Atuais. Belo Horizonte, nov. 2010.
PIORSKI, Gandhy. Brinquedos do chão: a natureza, o imaginário e o brincar. Ed.
Peirópolis. São Paulo, 2016.
REIS, Laís Naiara Gonçalves dos; CARVALHO, Danley Rodrigues de. História dos
brinquedos: cultura e poder. Literatura e História. V. 9, n. 2, dezembro, 2019.
Disponível em: https://www.revista.ueg.br>index.php>article>dowload/9772/7063.
Acesso em 23/02/2021.
SANTOS, Santa Marli P. dos (org.). Brinquedo e Infância: um guia para pais e
educadores. Rio de Janeiro: Vozes, 1999

64
CONTAR HISTÓRIAS EM TEMPOS DE
PANDEMIA: O ENCANTAMENTO DAS LIVES

Angela Suely Souza Franco da Silva 1


Helloyse Brandão Marques 2

1. INTRODUÇÃO
Quem nunca ouviu uma história, seja ela lida ou contada? Desde peque-
nos ouvimos as mais diferentes narrativas ora lidas ora contadas por diferentes
agentes sociais. Na família, há sempre alguém que conta algo, sejam fatos reais
surgidos no cotidiano das pessoas ora permeados pelo imaginário popular ora
fruto das memórias afetivas. Mais do que um ato cotidiano, contar histórias ou
narrativas atravessa gerações e se constitui parte das nossas tradições e fontes
de conhecimentos, pois segundo a autora Jambersi (2014, p. 13) “era por meio
das histórias que os povos mais primitivos passavam seus valores, ensinamentos,
costumes e sabedoria”. Nesse sentido, o imaginário humano foi se constituindo
com histórias criadas por esses povos e repassados às novas gerações.
O ato de contar, mas do que um de ato de ensinar, é, acima de tudo um
ato de encantar. E, assim, nesse sentido, que se pretende abordar algumas ques-
tões nesse artigo que tem o objetivo de relatar a experiência vivenciada pelas
pesquisadoras através da Ciranda do Brincar, que é uma programação que acon-
tece desde de 2018 para comemorar de forma interativa e lúdica o dia do brincar
e o dia das crianças, em especial as crianças filhas dos alunos e funcionários da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Esta iniciativa faz parte do Grupo
de Estudos e Pesquisa sobre Infâncias e Brincadeiras (GEPIB). Entretanto, este
ano, em razão das limitações ocasionadas pela pandemia do novo Corona vírus,
esta atividade contou com o recurso especial para a transmissão do evento, em
redes sociais (Instagram). Segundo Dowbor (2013, pág.34): “o próprio surgi-
mento das novas tecnologias nos permite desenvolver atividades articuladas em
redes horizontais interativas, capitalizando-se tanto a vantagem da

1
Professora de educação infantil e anos inicias do ensino fundamental, da rede municipal de
educação da cidade de São Luís. Graduada em Pedagogia pela UFMA. Especialista em docência
na educação infantil UFMA. Pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail: angelassfranco@hotmail.com
2
Graduanda do Curso de Pedagogia – Faculdade Santa Fé, Professora Titular da Rede Particular
de Ensino, Pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail: helloyse_marques@outlook.com

65
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

proximidade social como da conectividade universal”. Embora, compreendamos


que muitas crianças não tenham acesso aos recursos midiáticos, estamos vi-
vendo momentos de isolamento social, e, tínhamos um compromisso com o lú-
dico na semana da criança, e, para não deixar que a dinâmica da programação da
Ciranda do Brincar de 2020 ficasse esquecida na memória, prosseguimos com a
realização do evento. Entre uma das programações estava a contação de histó-
rias, a qual se formou um grupo de contadores para seleção de quais histórias
seriam contadas e de como seriam organizadas cada apresentação.
Assim com a dinâmica de contar história de forma virtual, levantou-se
algumas hipóteses que temos a intenção de esclarecer no decorrer deste artigo
com as leituras feitas da participação dos internautas, que são: a interação lúdica
das crianças com as histórias passam pelo encantamento, pelo despertar da ima-
ginação e pelo prazer de ouvir histórias; a apreciação de histórias, mesmo que de
modo virtual, aproxima o público ao contador de histórias de forma afetiva; o
uso das redes sociais no presente momento de pandemia constitui instrumento
de promoção das atividades lúdicas, de maneira especial a contação de história.
Nesse sentido, busca-se uma abordagem mais dialógica e reflexiva a
partir das experiências vivenciados por nosso grupo neste momento em que to-
dos precisaram se reinventar e ressignificar suas ações, dentre as quais destaque-
se o momento de contação de histórias, que teve como objetivos:
• Propiciar às crianças e adultos a oportunidade de ouvir histórias
contadas e se encantar, mesmo que de forma virtual;
• Fortalecer vínculos afetivos entre contador e público;
• Promover o desenvolvimento da imaginação e a interação de seu
público através dos chats da rede social Instagram.

Mediante ao exposto, alguns questionamentos fizeram parte deste de-


bate, como: é possível interagir com o nosso público de forma virtual? O que
contar, como contar mediante a rede social? Haverá envolvimento desse público,
considerando o momento muito conturbado a qual levou as crianças acessarem
as redes sociais com finalidades diferentes das habituais?

2. UM BREVE HISTÓRICO SOBRE AS NARRATIVAS E O CON-


TADOR DE HISTÓRIAS
É notório a afirmativa, de acordo com a leitura de várias obras sobre o
ato de contar histórias, de que esta ação tem sua origem com a própria história
do homem. Este ato que tinha como função narrar acontecimentos cotidianos e
manter viva a história de um povo, suas vivências, seus ensinamentos e, acima

66
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

de tudo, sua identidade, torna-se hoje um ato de encantamento e de interação


lúdica entre o contador de histórias e seu público.
Santos (2020, p. 1) afirma que “por meio das narrativas, o homem pre-
serva a memória, divulga o conhecimento, compartilha a cultura, exerce religio-
sidade e prestígio, promove entretenimento, expressa emoções e impressões. ”
Assim, conclui-se que a contação de histórias tem diferentes finalidades e exerce
uma força afetiva ao aproximar as narrativas às vivências humanas e o modo que
a humanidade procedia para garantir sua memória viva. Era por meio do ato de
contar histórias que os povos constituíam a tradição oral e a figura do contador
de histórias era um personagem de suma importância social e cultural, pois este
tinha a função de guardar na memória a história de seu povo e transmiti-lo as
novas gerações. Mas que na modernidade, segundo Jambersi (2014, p. 15), esta
figura “ficou, por algum tempo, adormecido e quase esquecido nas sociedades
modernas, sendo, às vezes, relembrada em um ou outro canto distante dos gran-
des centros urbanos”.
Aos poucos, esse hábito de ouvir histórias passou a assumir uma função
mais institucional, em que professores e bibliotecários assumiram o papel de
contador de histórias, conforme aponta Jambersi (2014):
Gradativamente, o hábito de ouvir histórias deixou de ser uma prática cultu-
ral comum presente no cotidiano das pessoas de todas as idades, cujo encan-
tamento de unir as pessoas em uma experiência singular, passou a ter ende-
reço e hora marcada, com as escolas e bibliotecas, nas quais os professores e
bibliotecários assumiram a tarefa de contar histórias como atividade educa-
tiva complementar para a formação cultural e leitora das crianças (JAM-
BERSI, 2014, p. 15).

Esse hábito então, nesse modo, passou a constituir como ato educativo
dentro do processo ensino-aprendizagem, da qual estavam submetidos professo-
res e crianças. Não obstante essa ação mediada como mero ato de ensinar e trans-
mitir conteúdos, fez com que as histórias perdessem o brilho de encantar e apro-
ximar as pessoas (JAMBERSI, 2014). Por isso, em prol desse encantamento que
professores envolvidos com o prazer da arte de contar e encantar através das his-
tórias, deve resgatar “o contador de histórias” como personagem importante para
manter viva o gosto em ouvir histórias e manter a memória afetiva das crianças.
Em uma época em que crianças e adultos compartilhavam as mesmas
atividades, as histórias eram comuns a ambos grupos geracionais, não distin-
guindo o que era próprio de adulto e o que era específico de crianças, por isso,
não havia uma literatura especificamente infantil (GREGORIN FILHO, 2009).
Na atualidade, há uma preocupação constante em criar um repertório literário
infantil, aqui no Brasil, o principal precursor desta literatura foi Monteiro Lo-
bato, que ainda habita em nosso imaginário. Gregorin Filho aponta que:

67
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Hoje, há uma produção literária/artística para as crianças que nasce apenas da


necessidade de se transformar em mero recurso pedagógico, mas cujas princi-
pais funções são o lúdico, o catártico e o libertador, além do cognitivo e do
pragmático, já que visa a preparar o indivíduo para a vida num mundo repleto
de diversidades. (GREGORIN FILHO, 2009, p. 29-30.).

Essa literatura específica, permeia uma mudança de concepção sobre o


papel da criança nessa sociedade e, de acordo com essa mudança, o público in-
fantil passa a ter um repertório cultural literário próprio, ligado a seus interesses
e preferências. E, com base nesse contexto, professores, assumindo o papel de
contadores de história, e, os próprios contadores de histórias, tem um rico e va-
riado mundo literário a apresentar as crianças.
Os contadores de histórias são marcados por narrativas de tradição oral
como contos de fada, populares ou folclóricos, contos cumulativos, de repetição,
cantigas, poemas, fábulas, parábolas, entre tantas outras. Entretanto, com o pas-
sar do tempo, estes vêm utilizando-se de recursos cada vez mais atrativos que
vão além da oralidade como cantigas para abertura e encerramento das histórias,
cenários (personificados), figurinos, objetos, pelúcias etc. (SANTOS, 2020). Es-
tas ferramentas, na visão dos contadores, não podem tirar o brilho de uma boa
história, apenas torná-las mais atraentes.
Hoje, existem grupos de contadores de histórias que se reúnem em todo
mundo, compartilhando ideias, trocando experiências e ampliando seus hori-
zontes. Mas não tão distante, os professores e bibliotecários ainda assumem tal
papel, tornando esse momento único, singular, aproximando gerações, gerando
encantamentos, despertando fantasias e desenvolvendo o imaginário infantil.
No Maranhão, temos alguns projetos idealizados por alguns contadores de his-
tórias que se apresentam em feiras de livros e outros eventos artísticos e literá-
rios como o Grupo de Teatro Xamã, a qual iniciou um programa no rádio, con-
forme descrevem abaixo:
Há dezessete anos, iniciamos um projeto de contadores de histórias, coorde-
nado por Renata Figueiredo e Gisele Vasconcelos. Ao longo desse tempo des-
pertamos o desejo de ouvir e de contar histórias em muitas pessoas. O pro-
grama de rádio Estação Era Uma Vez, iniciou em 2004 e resiste até os dias
atuais com veiculação todo sábado e domingo na Rádio Universidade FM.
Nossa missão é fazer com que o sonho seja a força motriz para as realizações
de nossos projetos. Vivemos impulsionadas pela arte de narrar, de ouvir, de
contar e de sentir histórias. (disponível em: http://xamateatro.blogspot.
com/p/contadores-de-historias.html, acesso em 28/10/2020).

Assim, os contadores de histórias vêm contagiando o seu público seja


na escola, em eventos culturais ou bibliotecas.
E as contações de histórias online? Percebemos um grande aumento de
contadoras utilizando as redes sociais (instagram, youtube, facebook), com in-
tuito de levar essa prática a inúmeras pessoas em distintas regiões do país, quiçá
o mundo. Com o crescimento tecnológico, modos de inovação são precisos, não

68
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

diferente ocorre com as atividades lúdicas, em que a todo instante é postado algo
novo e, portanto, precisamos (re)significar esse olhar e o modo de contar histó-
rias. Dowbor (2013, pág. 50), em suas considerações finais pontua que: “As novas
tecnologias, ao facilitar a conectividade, podem constituir uma ponte e melhorar
a integração”. Unir esses meios tecnológicos tão presentes no cotidiano, com
atividades já existentes (até históricas), são processos que devem caminhar jun-
tos. Para isso, é necessário, acompanhar e se permitir conhecer tais formatos.
Mas ao elencarmos tais princípios, percebemos que é notório o cuidado
com o ambiente para este momento, como os seguintes: fazer uso de uma deco-
ração leve, de materiais para incrementar essa contação, fazer a escolha da his-
tória e até a caracterização da contadora (do seu visual), bem como não podemos
esquecer das nuances vocais adotadas pelas contadoras de histórias para atrair
este público online.
Não existe um modo correto de se contar uma história. Porém, modelos
distintos são como guias para adentrarmos nesse mundo lúdico das narrativas
de contações.

3. PORQUE CONTAR HISTÓRIA? O QUE ESTE ATO TEM DE


IMPORTANTE NAS VIVÊNCIAS INFANTIS
Pensar nas crianças e sua relação com as histórias contadas é pensar na
mais profunda relação lúdica que podemos desenvolver com as elas. Então, faz-
se necessário desde a mais tenra idade contar histórias, porque somos feitos de
narrativas. Desde os primórdios da humanidade, o homem compartilhava seus
saberes, suas impressões, suas descobertas e acontecimentos cotidianos através
das narrativas.
Esta tradição oral compôs-se uma grande ferramenta promotora de en-
contro entre pessoas. As autoras Valdez e Costa (2013, p. 174), afirmam que “o
ato de contar histórias continua reunindo, juntando, congregando, unindo, li-
gando e convocando pessoas para ouvir e para viver momentos de prazer.” Nesse
sentido, compreendemos que os laços criados pelo hábito de contar histórias,
nos liga de forma afetiva e, acima de tudo, promove encontros prazerosos.
Quando o contador de histórias realiza este ato, leva o público numa
viagem fantástica ao imaginário, ao mundo do faz de conta, a vivenciar com prín-
cipes e princesas, personagens fantásticos, encantados, bruxas, lobos maus, en-
tre outros. E, conforme, afirma Valdez e Costa (2013, p. 174) é na imaginação que
“[...] vestimos fantasias, torcemos por final feliz e, de forma natural, nos encan-
tamos.” Ainda, segundo estas autoras, não é só os ouvintes que se encantam,
também o contador de histórias se encanta (VALDEZ; COSTA, 2013).

69
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Nesse sentido, percebemos que o encantamento das histórias é uma re-


lação recíproca e, portanto, é necessário que desenvolvamos esse ato, num em-
balo que nos conduz ao encantamento, ao prazer de explorar o imaginário e a
interação entre o contador e o seu público. É importante ressaltar, que contar as
histórias, cabe ao contador ter contato com boas obras literárias, ser um leitor
pontual, no intuito de saber selecionar qual história contar, se apropriar da ideia
do texto para poder saber contá-la. É necessário, a cima de tudo, gostar da his-
tória para fazer com que o outro goste.
Valdez e Costa (2013, p. 177-178) colocam que precisamos percorrer al-
guns passos para realização da contação de histórias que são:
“Ter contato com vários gêneros da literatura infantil [...]
Preparar o ambiente [...]
Marcar o personagem [...]
Criar um repertório [...]
Apropriar-se da história [...]
Ter clareza da intenção [...]
Planejar [...]
Praticar”

Pois como afirmam as próprias autoras “ao escolher a história, é preciso


pensar na forma de contá-la” (VALDEZ; COSTA, 2013, p. 177), e ter este domínio
requer ampliar os horizontes, repertoriar as histórias, organizar o ambiente a
fim de torná-lo acolhedor, agradável e nos convidar a ouvir com atenção, com
interesse e, principalmente com olhar curioso. Todas estas etapas são necessá-
rias para que o contador tenha segurança e tranquilidade para interagir com o
público e comunicar o mesmo encanto que ele sentiu com a história escolhida.
Ouvir histórias é importante para toda e qualquer pessoa, e, para cri-
ança é muito mais, pois além deste hábito despertar sonhos e fantasias, também
abrem caminho para sua formação leitora. Além de possibilitar a compreensão
de seu mundo, de abrir possibilidades para conhecer o que nos cerca e lidar com
as mais diferentes emoções. A vivência com as histórias é importante para a cri-
ança compreender de forma lúdica situações cotidianas às vezes não agradáveis.
Para Abramovich (2008, p. 20), para se contar uma história é preciso “ler o livro
antes, bem lido, sentir como nos pega, nos emociona ou nos irrita. ” Uma vez que
ao contar uma história possamos transmitir a mesma emoção e o ouvinte possa
sentir verdade nesse sentimento.
Quem conta histórias deixa marcado um jeito singular que o diferencia
de outro, tem um jeito único de interagir com seu público e contagiá-lo, esta
marca vai sendo constituída com a prática de contar história. Alguns contadores
utilizam música para iniciar e encerrar as histórias; outros contam até três, en-
fim, cada um tem uma marca própria. Segundo Abramovich (2008, p. 18), “contar
história é uma arte [...] É ela que equilibra o que é ouvido com o que é sentido, e

70
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

por isso não é nem remotamente declamação ou teatro [...] Ela é o uso simples e
harmônico da voz”. Por isso, ao contar, precisamos pensar o tom de voz. Ela é
elemento principal do contador, pois, através dela, o contador transmite as emo-
ções, as expressões, personalidade dos personagens e o ritmo da narrativa. Mas,
devemos tomar o cuidado para que o uso da voz não crie estereótipos e infanti-
lização nesse momento, uma vez que as crianças podem ainda não ter o mesmo
poder de abstração dos adultos, mas são capazes de perceber algo que soa falso.
Além da voz, podemos pensar no uso do corpo (gestos, palmas, expres-
sões faciais, movimentos suaves) e alguns recursos (objetos musicais, avental,
música, fantoches, etc.) para direcionar o olhar e a atenção do ouvinte e, ao
mesmo tempo, auxiliar o contador a memorizar partes da narrativa. O momento
de contar história, cada contador precisa acolher seu público, criar um ambiente
receptivo, aproximá-lo, esperar que se acomodem, criar um clima de expectativa
e depois que estes critérios forem atendidos, realizar a contação de história.
Considerando isso, compreendemos a importância das histórias na for-
mação humana enquanto elemento de constituir identidade individual e cole-
tiva, criar memórias afetivas, difundir conhecimento de um povo, formar leito-
res, despertar a imaginação, ser fonte de prazer e entretenimento, e,
principalmente, são um elo comunicativo e interativo entre quem conta e quem
escuta; entre o real e o fantástico. Portanto, neste momento mágico de narrar as
histórias, o contador tem que saboreá-la, sentir cada emoção que a história des-
perta, seguir o ritmo e o tempo que ela exige e passar de forma sincera aos seus
ouvintes.

4. A ARTE DE CONTAR HISTÓRIA: UMA EXPERIÊNCIA NO


PROJETO CIRANDA DO BRINCAR (2020)
Hoje, vivemos um mundo repleto de tecnologias e infinitas imagens que
dialogam conosco em nosso dia a dia, mas este momento especial, em que esta-
mos a exatos oito meses3 de afastamento de nossas atividades presenciais. Le-
vou-nos a repensar maneiras não habituais de usar as tecnologias, principal-
mente crianças e jovens. Mediante a este contexto, o Grupo de Estudos e
Pesquisa Infância e Brincadeiras (GEPIB), abriu um novo espaço para realizar o
evento Ciranda do Brincar em sua versão 2020. Este período marcado pelas mu-
danças sociais causadas pela pandemia do corona vírus, obrigou-nos a repensar
como iríamos fazer tal programação.
Tínhamos a pretensiosa intenção de manter o diálogo com nosso pú-
blico, para isso tivemos que apontar caminhos para que nossa programação

3
Em outubro de 2020, Mês em que foi realizado nosso evento do Projeto Ciranda do Brincar,
estávamos há oito meses de afastamento das nossas atividades presenciais em nosso Estado (MA).

71
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

acontecesse. Isto nos levou a nos reunir, discutir, decidir e planejar nossas ações
em meio a pandemia.
Desse momento foram formadas equipes que ficariam responsáveis pela
realização de cada etapa, das quais são: contação de histórias, construção de
brinquedos recicláveis, brincadeiras em casa, musical. Ao qual deveríamos en-
trar em sequência cronológica das programações no @gepib.ufma (INSTA-
GRAM).
Esta programação on-line contou com a equipe de pesquisadoras do
Grupo de Estudo e Pesquisa Infância e Brincadeiras da Universidade Federal do
Maranhão (GEPIB/ UFMA), entre elas estão alunas e professoras, as quais em
suas atividades estão o trabalho educativo de forma lúdica com crianças de di-
ferentes idades.
Este grupo idealizou o projeto Ciranda do Brincar com o objetivo de
criar espaços para possibilitar vivências lúdicas para as crianças filhas de alunos
e funcionários dos cursos de Graduação do Centro de Ciências Sociais da UFMA
nos períodos comemorativos a Semana do Brincar, inicialmente na última se-
mana de maio, depois teve prolongamento para outubro (mês que se comemora
o dia das crianças), ficando marcado permanentemente estas duas datas como
foco de realização das atividades interativas deste projeto.
Mediante a isto, organizamos a versão 2020 apenas no mês de outubro,
em que o grupo passou por reuniões através do Google Meet para discutir a di-
nâmica do evento. A partir do que foi decidido e sistematizado pela equipe, di-
vidimos as atividades e responsabilidades, formando-se grupos, conforme des-
crito: grupo 1 – responsável pela contação de histórias; grupo 2 – responsável
pelos brinquedos recicláveis; grupo 3 – responsável pelas brincadeiras de casa;
grupo 4 – responsável pelo musical.
O grupo de contação de histórias, em particular, do qual ficamos inse-
ridas, foi dividido em duplas, em que cada uma das duplas iriam apresentar uma
história. Nosso grupo, reuniu-se através do Google Meet com intuito de seleci-
onar as histórias a serem contadas; a formação das duplas para apresentação; a
dinâmica das apresentações e, principalmente, realizar os ensaios.
As pesquisadoras Angela e Helloyse, fomos a segunda dupla a se apre-
sentar, e, como critério de escolha da história, lemos e compartilhamos entre si
alguns livros da literatura infantil que mais nos encantou, das quais destacamos
abaixo:
1. A viagem da sementinha, de Regina Siguemoto, ilustração de Mar-
tinez, ed. Paulinas;
2. A colcha de retalhos, de Conceil Corrêa da Silva e Nye Ribeiro, ilus-
tração de Ellen Pestili, ed. Do Brasil;

72
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

3. Gino Girino, de Milton Célio de Oliveira Filhi e Theo de Oliveira,


ilustrações de Alexandre Alves e Ronaldo Lopes, ed. Globo;
4. Meu crespo é de rainha, de Bell Hooks, ilustração de Chris Raschka,
ed. Boitatá;
5. Vivinha, a baleiazinha, de Ruth Rocha, ilustração de Mariana Mas-
sarani, ed. Salamandra;
6. A folhinha seca, de Rose Veras, ilustração de Guilhermina Velicas-
telo, ed. Prazer de Ler.

Selecionamos, em comum acordo, a história de Rose Veras “A folhinha


Seca”, a qual destacamos alguns elementos para dinamização para a hora do
conto, que são: apropriação do texto, qual o enredo central da história, do que
ela fala, quem são os personagens (principais e secundários); o tom de voz em-
pregado para a narrativa, para os personagens; nosso plano de fundo e os recur-
sos que íamos usar para contar a história e por fim como iríamos iniciar e encer-
rar a contação (com música? Contar até três? Versinhos?). Enfim, tínhamos um
caminho a percorrer e muitas decisões a tomar.
Embora, como profissionais da área de educação infantil, em que o lú-
dico está sempre presente e, principalmente a contação histórias, tínhamos um
foco novo, a contação ia ser online, via Instagram, e, não tínhamos ainda tido
essa experiência nesses moldes. Éramos conhecedora de outras contadoras que
adotaram este modelo de contação para si, buscamos criar nosso próprio for-
mato, em que fosse confortável para nós e principalmente atendesse o nosso pú-
blico, através da rede social escolhida. Ainda, tínhamos o tempo máximo de 10
minutos para a apresentação, o que nos levou a ensaiar cronometrando o tempo,
através de gravações de áudios, no Instagram e no Google Meet.
Após vários ensaios, fizemos um geral com as outras duplas, nesse mo-
mento, cada uma sugeriu algumas ideias para melhorar as apresentações uma
das outras. Ou seja, a melhor maneira para começar e encerrar as histórias, como
o cenário poderia ser focado e exposto, que recursos poderiam ser utilizados
para chamar a atenção do público, onde a voz soou falso, entre outras sugestões.
Tendo em mente todas as sugestões, trocas de ideias entre as duplas,
organizamos o nosso ambiente virtual para a apresentação, ou seja, iluminação,
posicionamento das contadoras para permitir o cenário aparecer e o visual –
como estaríamos caracterizadas. Ao final, chegamos ao dia das apresentações,
cada dupla se apresentou. E, percebemos que cada uma de nós encontramos sin-
tonia para interagir e atrair o nosso público. Fomos saboreando no ritmo e no
tempo que a história nos proporcionou, e, o público, logo abaixo, interagindo no
chat, nos parabenizando e, falando, do encantamento que a história através de

73
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

nossas vozes, as encantou. E, assim, a magia das histórias pode chegar as casas
das crianças e das pessoas que nos esperam a cada ano.
Nesse sentimento, pudemos sentir o público através de suas colocações,
pela manifestação das informações e, dessa maneira, compreendermos que a in-
teração está presente em qualquer ato que fizemos, mesmo de forma online.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da vivência com o Projeto Ciranda do Brincar que engloba di-
versas modalidades lúdicas, em especial um destaque ao contar histórias, expe-
rimentamos um novo momento; criamos e reinventamos modos diferenciados
para atrair esse público infantil em um formato diferenciado. Num período que
levar a contação de histórias se tornou restrita presencialmente, embrenhamos
pela modalidade virtual, através de uma plataforma conhecida – o Instagram.
Pois, entendemos a importância do papel de um contador de histórias na vida de
uma criança, o vislumbrar, o despertar da imaginação, conhecer o atual.
O novo proporciona desafios e aprendizados que são adquiridos no de-
senrolar dos acontecimentos cotidianos. Contudo, entender o porquê contar
histórias, transmiti-la ao seu público e significar sua importância de constru-
ção, é fundamental nesse processo de conhecer o mundo e vivenciá-lo.
Este estudo que partiu de uma experiência no formato remoto, onde
buscamos estudar, entender mais sobre como levar uma contação virtualmente;
nos permitiu conhecer e criar novas maneiras de apresentações. O Projeto Ci-
randa do Brincar no ano de 2020, ocorreu em meio a uma pandemia mundial,
precisando reinventar-se, pois a ideia de não levá-lo adiante era descartada. Vis-
lumbrou então modelos de inserção da contação de história, sabemos que o vín-
culo antes adotado presencialmente, precisaria ser modificado; nos indagamos
de que forma seria apresentado para esse público. Essa construção de liame en-
tre contadora e ouvintes era o que mais preocupava, a incerteza se a proposta
atenderia ou não as expectativas dos ouvintes, os contratempos a respeito da
internet, como ocorreria essa interação mesmo que nesse formato. Enfim, per-
guntas foram feitas e o dia do evento chegou, a surpresa foi grande ao perceber-
mos que a história escolhida foi assertiva, os recursos utilizados atenderam du-
rante a contação e os internautas participaram através do chat ativamente.
Envolver-se nesse desafio remoto foi enriquecedor, tanto no âmbito de
aprendizado, nas trocas de vivências, a utilização da tecnologia como meio de
aproximar o público quanto a continuidade de um Projeto.
Por fim, que continuemos a pesquisar mais sobre esse contar histórias
e o modo que este ato tem de encantar pessoas de diferentes idades, em particu-
lar as crianças, visto que elas trazem em si o desejo de conhecer e a magia de se

74
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

encantar. E, ainda compreendendo que este campo exploratório é abrangente e


penetrante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5. Ed. São Paulo:
ed. Scipione, 2008.
DOWBOR, Ladislau. Tecnologias do conhecimento: os desafios da educação. São
Paulo: Vozes, 2013.
GREGORIN FILHO, José Nicolau. Literatura infantil: múltiplas linguagens na
formação de leitores. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 2009.
JAMBERSI, Belissa do Pinho. A arte de contar histórias na sala de aula: do didatismo
ao encantamento. IN: ARCE, Alessandra (Org.). O trabalho pedagógico com
crianças de até três anos. Campinas, SP: ed. Alínea, 2014.
SANTOS, Rita de Cássia Alves Lopes. A arte de contar histórias. Educação
Pública, v. 20, n. 5, 4 de fevereiro de 2020. Disponível em:
https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/5/reflexoes-sobre-a-arte-de-
contar-historias. Acesso em: 28/10/2020.
VALDEZ, Diane e COSTA, Patrícia. Ouvir e viver histórias na educação infantil: um
direito da criança. IN: ARCE, Alessandra, MARTINS, Lígia Márcia (Orgs.). Quem
tem medo de ensinar na educação infantil: em defesa do ato de ensinar. Campinas,
SP: ed. Alínea, 2013. 3. Ed.

75
MUSICALIZANDO E APRENDENDO EM CASA:
VIVÊNCIAS MUSICAIS COM CRIANÇAS EM
ISOLAMENTO SOCIAL DA REDE PÚBLICA
MUNICIPAL DE SÃO LUÍS-MA

Irismar Marreiros Bispo da Silva 1


Angela Suely Souza Franco da Silva 2
Rosyane de Moraes Martins Dutra 3

1. INTRODUÇÃO
A presença da música na vida do ser humano é indiscutível, pois ouvir
música é uma atitude habitual, está presente em vários momentos e em diversos
lugares ao mesmo tempo, dentre os quais no rádio, na TV, na internet, na natu-
reza etc. A música oportuniza o estreitar de laços e as relações interpessoais em
comunidades, bairros e cidades. A relação com a música, favorece na construção
do conhecimento, desenvolvimento da sensibilidade, da imaginação, concentra-
ção, da socialização e afetividade da criança seja na escola, em casa ou em outro
ambiente onde ela tem convivência.
Jeandot (1997) nos coloca que o trabalho na escola com a música não se
resume na formação de técnicos musicais, mas em desenvolver o gosto pela mú-
sica e a percepção para captar a linguagem musical para expressar-se através
dela. Por isso, é importante ressaltar que o educador infantil, enquanto referên-
cia para a criança, deva ser criativo na escolha do que apresentar, garantindo,
com isso, que o trabalho seja interessante para ambos.

1
Graduada em agronomia e formação pedagógica de docentes do ensino fundamental, médio e
educação profissional – EAD/UEMA, especialista em docência da educação infantil – UFMA,
professora da educação infantil da rede pública municipal, pesquisadora GEPIB/UFMA. E -
mail: irismarreiros@hotmail.com
2
Professora de educação infantil e anos inicias do ensino fundamental, da rede municipal de
educação da cidade de São Luís. Graduada em Pedagogia pela UFMA. Especialista em
docência na educação infantil UFMA. Pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail:
angelassfranco@hotmail.com
3
Professora do Departamento de Educação I. Universidade Federal do Maranhão.
Coordenadora GEPIB/UFMA e pesquisadora sobre História, Política e Cultura da Infância.
E-mail: rosyane.dutra@ufma.br

76
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Isso acarreta para o educador que trabalha na etapa da Educação Infan-


til, buscar os conhecimentos e a formação para o trabalho com os repertórios
musicais, disponíveis na cultura local e que possibilitam o acesso das crianças
ao universo cultural a que pertencem. A valorização da música na Educação In-
fantil, fomenta entre educadores e as crianças, a reinvenção de metodologias e
atividades que favorecem o desenvolvimento de habilidades na infância, como a
percepção e a linguagem. Nesse período, em que as instituições estavam desen-
volvendo trabalho remoto, desenvolver vivências e práticas com a música com
as crianças de forma virtual, levou-nos a estabelecer elos com as famílias para
buscar repertórios musicais entre eles e as crianças, propondo ampliações, cria-
ções e afetos.
E neste contexto, buscamos estudos que revelasse a importância da mú-
sica como recurso que despertasse na criança o gosto musical e ampliasse o re-
pertório dela e de seus familiares, criando novas formas de ouvir, apreciar, criar
e produzir sons musicais e, assim, contribuir para sua capacidade de criação e
expressão. Afirma Alves (2015), que por meio do trabalho com musicalização
infantil, podemos desenvolver nas crianças a memória visual e sonora, ampliação
de um repertório de qualidade, além de estimular o prazer e o interesse pelo co-
nhecimento e pela criação musical.
Vale ressaltar, que a Educação Infantil “tem como finalidade o desen-
volvimento integral da criança até os cinco anos de idade, nos aspectos físico,
psicológico, intelectual e social” (BRASIL,1996, p. 32). As Diretrizes Curricula-
res na Educação Infantil (DCNEI, BRASIL, 2009), evidencia experiências que
envolve a música como uma das linguagens necessárias na Educação Infantil.
Assim, por meio do trabalho de musicalização com crianças, podem ser estimu-
ladas e desenvolvidas diversas habilidades, contribuindo assim, para o seu cres-
cimento integral.
Tendo por base esta compreensão, analisamos as vivências e práticas
musicais entre professores, crianças e famílias em período de pandemia como
experiência na Educação Infantil, em especial as instituições UEB Pedro Marco-
sini Bertol e UEB Senador Miguel Lins, ambas da rede pública municipal da ci-
dade de São Luís/MA, a partir de nossas próprias ações enquanto docente e
membras do Grupo de Pesquisa Infância e Brincadeiras (GEPIB) da Universi-
dade Federal do Maranhão (UFMA). O interesse no objeto investigado, nasceu
das vivências docentes das pesquisadoras em relação a música, mais especifica-
mente, na Educação Infantil, em que percebemos a necessidade de formação para
a construção dos saberes/ fazeres musicais das professoras a fim de trabalhar a
música de forma articulada, dinâmica, interativa, lúdica e com vínculos afetivos.
A partir dessas análises fizemos alguns questionamentos que buscamos
ao final responder através de nossas vivências nas escolas-campos, tais como:

77
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Como a música vem contribuindo para o desenvolvimento da criança nesse pe-


ríodo de distanciamento social ocasionado pela pandemia, considerando a casa,
nessa situação, como ambiente educativo? Como os professores/as desenvolvem
as ações musicais junto aos familiares a fim de que as crianças pudessem ter
acesso ao acervo musical? Que propostas foram mais significativas para envolvi-
mento das crianças e das famílias?

2. MÚSICA NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSO-


RES/ AS EM TEMPOS DE PANDEMIA: um elo entre escola e família
O lúdico é fundamental como eixo estruturador do trabalho educativo
na Educação Infantil e tem a música como forte aliada para sua concretização na
ação educativa, apresentando diversos benefícios para o desenvolvimento e a
aprendizagem das crianças. Desse modo, a música faz parte do dia a dia das cri-
anças e está em todas as atividades desenvolvidas com elas. Todavia, compre-
ende-se que não basta a música estar presente de qualquer forma nas práticas
docentes, se a instituição não possuir interesse em desenvolver valor formativo
para que os professores da Educação Infantil construam saberes/ fazeres para
utilização desta no processo educativo das crianças.
Nesse sentido, a música pode adquirir um papel relevante se tratada
como uma área de conhecimento que requer estudo, diversidade, prática e refle-
xão, de forma que esteja inserida nas experiências ofertadas às crianças de ma-
neira significativa, criativa e criadora. Pois, como afirma Brito (2003), a contri-
buição da música no crescimento geral da criança se dá através de vivências e
reflexões orientadas, em que todos têm o direito de desfrutar, mesmo não tendo
aptidão musical, realizando e praticando atividades que despertem o gosto mu-
sical.
A música como experiência a ser vivenciada pela criança, revela a im-
portância que a ludicidade tem no processo educativo, desmistificando a sala de
aula como algo cansativo. Para Jeandot (1997), as crianças gostam de acompa-
nhar as músicas com movimentos corporais, com palmas, sapateados e danças,
o que facilita a forma como o educador pode utilizá-la em sala de aula ou, de
acordo com o atual contexto, em casa sob os olhares dos familiares. A música,
portanto, é responsável por estimular pensamentos, ideias, sentimentos e emo-
ções mais intrínsecos da criança trabalhando o emocional e o afetivo.
No entanto, Brito (1998) aponta para o fato de que para trabalhar a mú-
sica de maneira a contribuir para o desenvolvimento da criança e de suas capa-
cidades de criação sonora e expressiva, faz-se necessário a formação de profes-
sores para compreender a utilização deste recurso, pois não basta usar a música
apenas para brincadeiras sem entender sobre som e ritmo da música, pois, ainda

78
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

segundo este autor, quando esses elementos são empregados juntos, despertam
e refinam a sensibilidade da criança, prende a atenção, cria estímulos, auxiliando
na ação educativa (BRITO, 1998).
Dessa maneira, ao buscar na formação de professores no interior da ins-
tituição sobre musicalidade reforça a ampliação e entendimento de como pode-
mos trabalhar com as crianças, fazendo uso da música como experiências a se-
rem vivenciadas por elas em casa com seus familiares, a partir das orientações
dos docentes. Duarte (2003) enfatiza que os momentos de formação se configu-
ram como uma oportunidade de refletir sobre o habitual com o intuito de discu-
tir possíveis soluções, reconhecendo a importância do trabalho coletivo siste-
mático e da coparticipação para definir metas e efetivar o potencial
transformador que os momentos de formação são capazes de edificar.
No contexto do uso da música para o desenvolvimento infantil, as for-
mações se tornam ainda mais necessárias, na medida que compreendemos as
mudanças ocorridas na sociedade ao longo dos tempos, principalmente quando
envolve mudanças de concepções. Para Brito (2003), a música pode contribuir
para o crescimento infantil e, portanto, faz-se necessário utilizá-la de forma re-
flexiva e orientada a fim de que esta possa desenvolver o gosto musical.
Bréscia (2003, p. 25) afirma que a música é a combinação “harmoniosa
e expressiva de sons, é a arte de exprimir por meio de sons seguindo regras vari-
áveis conforme a época e a civilização” e, que por meio dessa combinação, ela
funciona como elemento de comunicação e identificação dos povos. Com isso,
infere-se que a música tem um papel essencial na educação infantil, funcionando
como linguagem expressiva, como arte.
Corroborando com esse pensamento, Gordon (2000) afirma que a mú-
sica é uma ferramenta facilitadora no processo de aprendizagem, considerando
que a criança aprende ao ouvir de maneira ativa e reflexiva, já que quanto maior
o exercício de sensibilidade para os sons, maior será a capacidade para ela de
desenvolver sua atenção e memória. Percebe-se que a música na Educação Infan-
til consegue de certa maneira trabalhar a personalidade da criança, pois desen-
volve hábitos, atitudes e comportamentos na criança que exprimem sentimentos
e emoções.
Nota-se que a utilização da música na Educação Infantil possibilita que
a criança além de aprender brincando, torna o ambiente educativo mais agradá-
vel, o que estimula nas crianças uma participação mais ativa, principalmente em
casa, ambiente onde as crianças passam maior parte de suas vidas. E, desde pe-
quenas, convivem com os mais variados ritmos, desde o acalanto da mãe, avós,
pai, tios/as, etc., às brincadeiras com irmãos. Dessa forma, cabe ao professor en-
quanto mediador desse processo de aprendizagem saber trabalhar e desenvolver

79
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

atividades com música de boa qualidade e fazer um elo com as famílias para que
a criança possa repertoriar através de suas vivências.
O ensino de música na educação básica ganha força a partir da Lei
11.769/ 2008, estabelecendo que a música “deverá ser conteúdo obrigatório, mas
não exclusivo, do componente curricular”. E nessa mesma direção, instituiu-se
a Lei 13.278/2016, que incluiu as artes visuais, a dança, a música e o teatro nos
currículos dos diversos níveis da educação básica. Tal normativa altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996) e es-
tabeleceu prazo de cinco anos para que os sistemas de ensino promovessem a
formação de professores para implantar esses componentes curriculares na edu-
cação infantil, ensinos fundamental e médio.
Percebe-se a urgência em qualificar os professores da educação básica,
destacando a educação infantil, no sentido de capacitá-los na utilização dessa
ferramenta na sua prática cotidiana, considerando que o professor é o mediador
e tem um papel importante no crescimento e desenvolvimento das crianças, por
isso, é necessário que busquem a cada dia novos meios que os levem a desenvol-
ver experiências envolvendo música.
O DCNEI (BRASIL, 2009) afirma que a música é uma linguagem lúdica
e, compreendendo que o professor da educação infantil não tem uma formação
específica nessa área, busque por meio de aperfeiçoamento contínuo ou pós-gra-
duação abordagens para fazer uso dessa ferramenta (música) como mediadora
de aprendizagens infantis.
Percebemos que uma das maiores dificuldades do professor de Educa-
ção Infantil são as limitações de formação e a falta de visão das instituições da
real necessidade destes profissionais para adquirir competência técnica e sensi-
bilidade estética para que o mesmo possa desenvolver o trabalho de sensibiliza-
ção junto às crianças e junto aos familiares.
De acordo com Knoener (2006), o profissional de Educação Infantil
atua como mediador no processo de desenvolvimento e aprendizagem de crian-
ças pequenas, por isso a formação contínua merece atenção especial. O papel do
professor no educar e cuidar ganhou novas dimensões, avançando de uma pers-
pectiva assistencialista para educacional, a comunidade também passou a exigir
uma educação de qualidade, fazendo-se necessário que os profissionais bus-
quem qualificação.
Pensar a formação musical desses docentes é estar discutindo como se
pode contribuir para a melhoria da qualidade da educação musical oferecida
para crianças. Como afirma Kramer (2005), a formação é necessária não apenas
para aprimorar ou melhorar a prática pedagógica, a formação é direito de todos
os professores. Além disso, a aprovação da Lei 11.769/08, e a Lei nº 13.278 sanci-
onada em 02 de maio de 2016 configurou a importância e necessidade de mais

80
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

professores na educação básica ter uma formação musical, e principalmente, na


área infantil sobre as qualificações para o exercício. Dessa forma, faz-se neces-
sário pesquisar e compreender essa formação e atuação prática junto às crianças
em diferentes contextos.
É necessário valorizar as crianças como seres sociais e históricos para
organizar situações ricas em vivências lúdicas com e para elas, seja na instituição
ou em seus contextos familiares e da comunidade que estão inseridas, para que
possam ampliar conhecimentos a partir das interações e brincadeiras. Sendo a
musicalização uma prática que estimula o desenvolvimento das crianças e influ-
encia positivamente na vida delas. É de suma importância o trabalho realizado
pelos profissionais nos espaços da educação infantil com as ações que permeiam
os aspectos educativos de maneira que o conhecimento seja construído por meio
do pensar e do sentir.
Para Rosa (1990), a linguagem musical deve ser interessante para a cri-
ança, assim como para o professor, e isso só acontecerá se houver conscientiza-
ção da importância e respeitar a expressividade infantil e criar oportunidades
para que a criança esteja presente nessa construção. Assim como a brincadeira,
a música também faz parte da cultura da infância, porque ambas são produzidas
por aqueles que participam e pelas atividades lúdicas. As crianças aprendem a
construir conhecimentos brincando, como afirma Brito (2003), a criança é um
ser brincante, e brincando, faz música, pois assim se relaciona com o mundo que
descobre a cada dia.
Apesar disso, percebe-se que os resquícios de uma concepção de ensino
da música como suporte para aquisição de conhecimentos, hábitos, atitudes e
comemorações de datas ainda é bem presente nos espaços educacionais, en-
quanto que explorar possibilidades, inventar, escutar e pensar a música ficavam
em segundo plano. Nesse sentido, buscamos incentivar através de formações
ofertadas às professoras nas instituições pesquisadas sugestões para o trabalho
com a música, explorando a voz, gestos, o corpo, grafismo como instrumentos
musical, para que elas possam fazer um elo com as crianças em casa junto aos
seus familiares.

3. MÚSICA POR TODA PARTE: brincando em casa


A música faz parte do cotidiano das pessoas seja ela cantada ou apreci-
ada, além de inúmeros sons que podemos produzir a partir de nosso corpo, de
objetos do cotidiano e mesmo usar a nossa voz. Brito (2003) aponta que a lin-
guagem musical foi interpretada de diferentes maneiras ao longo de tempos, lu-
gares e cultura, pois estava associada ao “modo de pensar, com os valores e as
concepções estéticas vigentes” (BRITO, 2003, p. 25).

81
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Esta autora traz a ideia de música enquanto linguagem, pois como tal
“[...] organiza, intencionalmente, os signos sonoros e o silêncio, no continuum es-
paço-tempo” (BRITO, 2003, p. 26). Compreender a música, nesse sentido, é en-
tender que ela acarreta valor simbólico, estético social. Nesse sentido, ela repre-
senta uma forma de expressão.
Mas nem todo som pode ser considerado música, pois ela envolve al-
guns referenciais e o silêncio. Quando batemos com as mãos, pés ou em qualquer
parte do corpo, assim, como objetos, apenas estamos produzindo sons, que
ainda não podem ser considerados música. Para isso acontecer precisamos orga-
nizar os sons produzidos por estes instrumentos a uma organização que associa
os sons produzidos e o silêncio. Atualmente, temos consciência da existência de
várias músicas apreciadas em diferentes culturas, a diferentes públicos, e trazer
para o contexto da educação infantil, busca-se um trabalho interativo e lúdico,
por meio de jogos e brincadeiras cantadas.
A ideia deste trabalho era proporcionar experiências com músicas a fim
de produzir repertórios musicais, pois sabemos que a música nos remete memó-
rias e afeto. A criança é um ser que aprende por meio das interações que estabe-
lece com o outro, com o meio, manipulando materiais e em suas brincadeiras,
por isso, a proposta envolvia a voz, o corpo e objetos do cotidiano.
Sinaliza-se como participantes desta experiência as pesquisadoras, as
professoras da Educação Infantil (creche e pré-escola), as crianças e suas famí-
lias, a partir de atividades lúdicas, interativas que envolveram a música com re-
curso facilitador de aprendizagens e como uma das linguagens expressivas com
crianças.
Destaca-se que diante do contexto atual de pandemia da Covid-19, e
considerando as medidas sinalizadas pelo Ministério da Saúde que passa a en-
fatizar a necessidade de medidas de isolamento social e distanciamento visando
conter a disseminação do Coronavírus, portanto, nosso contato com as institui-
ções e sua equipe se deu através do Google Meet e com as crianças acompanhamos
o desenvolvimento pelo WhatsApp pela produção de vídeos e fotografias reali-
zadas pelas famílias. Inicialmente entramos em contato com a equipe gestora
das instituições para mapear a equipe docente e saber como estão acontecendo
as orientações das atividades com as crianças em casa.
A fim de desenvolver com os professores a reflexão sobre a importância
da música na Educação Infantil para formação integral da criança. Propomos
criar questionamentos para levantarmos as concepções das professoras sobre o
tema: qual sua relação com a música? Quais são suas referências musicais? Que
músicas o fazem lembrar sua infância? Em qual contexto a ouviu (em casa? Na
escola?)? Como você utiliza a música nas atividades propostas as crianças? Após
este momento, buscamos aguçar a percepção auditiva, por meio de exercícios:

82
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

com olhos fechados, procure escutar e definir os sons a sua volta, descrevendo-
os; exercite com gestos no ar oriunda da música (ambiente); acompanhe uma
música batendo as mãos, depois os pés, na coxa, na barriga, na bochecha (uma
de cada vez), como ficou a melodia e o ritmo; agora, utilize um objeto (sugestão:
copo), acompanhe a música “Escravos de Jó”, em círculo; última etapa foi com-
por uma música.
No segundo momento, desenvolvemos experiências com música com as
crianças em casa, na UEB Senador Miguel Lins, lançamos três propostas: a pri-
meira foi apreciar algumas cantigas destinadas ao público infantil, selecionar
uma de preferência e imitá-la com gestos (atividade realizada em março/2021),
o objetivo desta atividade era envolver as crianças, levá-las a fazerem escolhas,
soltar a imaginação. Foi possível perceber com essa atividade um repertório das
cantigas infantis, o que facilitou nossa atividade e permitir que pudéssemos in-
serir estilo musical diferente do habitual trabalhado na instituição e apreciado
em casa.
Na segunda proposta, buscamos desenvolver nosso trabalho educativo
a partir de música “Você chegou”, cantada pelo grupo musical Barbatuque,
grupo música que trabalha a música de forma autoral, utilizando-se da voz e
percurso do corpo. A ideia era que as crianças pequenas pudessem se movimen-
tar a partir da mudança no ritmo musical, criando com o próprio corpo formas
diferentes de expressão de sentimentos, sensações e emoções aguçados por esse
movimento e desenvolver a sensibilidade, sua imaginação, criar gestos, desper-
tar curiosidade. Para ampliar a atividade, criamos uns cards com figuras geomé-
tricas, a fim de que criar movimentos a partir de tais figuras ao ouvir a música
(trabalho desenvolvido em maio/2021).
Na terceira proposta, usamos uma série de cantigas e músicas com di-
ferentes ritmos, do mesmo grupo musical Barbatuque (Samba lê lê, Marinheiro,
etc.), as crianças teriam que se movimento de acordo as mudanças rítmicas no
plano Alto, Médio e Baixo. De acordo com tais mudanças no ritmo, as crianças
teriam que mudar o plano, propomos o uso de objetos flexíveis para auxiliar
nessa mudança: quanto mais agitada a cantiga, o movimento seria no alto, acima
da cabeça; quanto mais lenta, o movimento seria no chão, e assim por diante
(atividade desenvolvida em maio/ 2021).
Na segunda e terceira proposta, foi produzido vídeos autorais das pro-
fessoras para explicar as atividades aos familiares e a partir daí a criança pudesse
participar.
E a quarta proposta envolvendo música na UEB Senador Miguel Lins
aconteceu no mês de junho com apreciação das músicas típicas do período ju-
nino e construir um instrumento musical, após este momento os responsáveis

83
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

pelas crianças poderiam estimular a dança caracterizando as crianças e criando


movimentos próprios ou de memória coletiva da comunidade ou familiar:
Dentre as propostas trabalhadas com as crianças da UEB Pedro Marco-
sini Bertol sugerimos brincadeiras e músicas, possibilitando um processo de
construção do conhecimento. Em maio a proposta foi lúdica e significativa. A
qual sugerimos a construção de brinquedos sonoros, dialogando com diferentes
campos de experiências, tais como: reciclagem de materiais e educação ambien-
tal. As crianças usaram a criatividade e imaginação, a atividade despertou a cu-
riosidade, a organização e o interesse das crianças. Além de contribuir para o
entendimento referentes à produção de som e funcionalidade dos instrumentos,
as crianças tocaram e dançaram reunindo assim som e movimento, estimulando
a atenção, concentração e a coordenação. Despertando o desejo de manipular os
objetos.
A proposta do mês de junho da UEB Pedro Marcosini Bertol também
foi lúdica e dinâmica e oportunizou às famílias e crianças ampliar conhecimen-
tos sobre a cultura da festa junina, propomos que fosse feita uma receita com
ajuda da mamãe ao som da música Pula Pipoquinha, as crianças dançaram, can-
taram e imitaram o som das pipocas estourando e depois saborearam as pipocas,
foi significativo para elas, além de fortalecer o vínculo com a família. Dançaram
e apreciaram as músicas do bumba boi caracterizadas com roupas que já tinham
em casa, assim enriqueceram conhecimentos sobre a nossa cultura.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A música na educação infantil se constitui um desafio ao professor
dessa etapa, uma vez que o mesmo não se constitui como professor de música.
E, assim pensamos em trabalho que atendesse tanto as crianças com propostas
lúdicas envolvendo a música quanto as professoras das instituições desenvol-
vendo um processo formativo através de reuniões pelo Google Meet e partici-
pando do planejamento para elaboração.
Justificamos a compreensão que a música é uma linguagem artística,
criativa e expressiva que faz parte da natureza humana, desde o ventre uterino,
e promover o contato contínuo da criança com repertórios de boa qualidade
pode gerar contribuições para o desenvolvimento infantil, a partir de um pro-
cesso de criação, expressão, sensibilização, reflexão, interativo e lúdico, usando
o corpo, gestos, grafismos. Fizemos um trabalho colaborativo com as professoras
das instituições destacadas para que nossas intenções de proposta com a mú-
sica, enquanto umas das linguagens usadas pelas crianças como forma de ex-
pressão, afeto e criação e recurso facilitador de aprendizagens e

84
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

desenvolvimento infantil, a fim de que pudessem chegar nas casas das crianças
para que as mesmas pudessem conhecer, vivenciar e partilhar de um rico acervo
musical
Desde que foi decretado em nosso município o isolamento e distancia-
mento social a partir de março de 2020, proveniente das consequências causadas
pela pandemia do novo coronavírus, que as ações e atividades educativas nas
instituições de educação infantil da rede pública de São Luís tiveram que ser
redirecionadas para um novo formato, ou seja, deixamos de atender as crianças
de forma presencial. As professoras tiveram que se reinventar e se adaptar as
novas demandas, por isso o diálogo com as famílias foi imprescindível, elas tive-
ram que assumir a educação sistemática de seus filhos, a partir da orientação das
professoras em grupos de WhatsApp, seguindo a orientação da Secretaria Mu-
nicipal de Educação de sua rede e da equipe gestora de cada instituição. As reu-
niões entre a equipe escolar passaram a ser de forma online através da plata-
forma Google Meet, inclusive as formações na escola.
Os encontros de formação continuada para professoras no interior das
instituições, mesmo de forma virtual, requer um olhar cuidadoso, crítico, atento
e, principalmente, reflexivo, uma vez que os desafios na educação infantil são
muitos e, estar a par de conhecer as especificidades desta etapa não é tarefa fácil,
pois sabemos enquanto formadoras e formandas das carências em nossa forma-
ção inicial. Construir saberes/ fazeres em nossa prática requer estudo, agir, re-
fletir e mudar, quando propomos a música no processo educativo da educação
infantil enquanto umas das linguagens que as crianças pequenas utilizam para
se expressar, para interagir e, por que não brincar, pensamos constituir junto ao
grupo de professoras das UEBs Senador Miguel Lins, das quais fazemos parte
como profissionais que atendem as crianças seja como professoras seja como for-
madoras, um diálogo e uma reflexão daquilo que estamos ofertando as crianças,
principalmente neste momento em que as famílias passaram a assumir quase que
totalmente a educação institucional delas. Por isso, o elo com a música enquanto
linguagem comum entre adultos e crianças se fez necessário.
Sabemos que a música faz parte da vida das pessoas despertando afetos,
pensamentos e prazeres. Por isso, ao trazermos para o campo educativo a música
como recurso facilitador de aprendizagens e desenvolvimento infantil, levou-
nos a buscar entendimentos sobre o que é música e como ela pode contribuir
com a prática docente.
Assim, passamos a usar a música junto as atividades lúdicas com as cri-
anças, e reconhecer que ela é uma linguagem, pois organiza sons e silêncio, com-
binando melodia, ritmo entre tantos outros signos.

85
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Mirella Aires. Música e ação na educação infantil. Barueri, São Paulo:
Ciranda Cultural, 2015.
BRANTLINGER, E. et al. Qualitative studies in special education. Exceptional
Children, v. 71, n. 2, p. 195-207, 2005.
BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Secretaria de
Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2009.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nº 9.394 de 20 de dezembro
de 1996. Brasília, 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 22 de mar. 2021.
BRÉSCIA, Vera Lucia Pessagno. Educação musical: bases psicológicas e ação
preventiva. São Paulo: Átomo, 2003.
BRITO, Teca Alencar de. Música na Educação Infantil: Propostas para a formação
integral da criança. São Paulo: Petrópolis, 2003.
DUARTE, Cândida Luciana. Formação continuada: professores da educação infantil
da rede municipal de Catalão-GO. 2013. 134 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFG/CAC, 2013.
FERNANDES, Luciane Alves. GOMES, José Mário Matsumur. Relatórios de
pesquisa nas ciências sociais: características e modalidades de investigação. Porto
Alegre, 2003.
GORDON, E. Teoria da aprendizagem musical: competência, conteúdo e
padrões.1ª ed. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
JEANDOT, Nicole. Explorando o Universo da Música. São Paulo: Scipione, 2ª ed,
1997.
KNOENER, Sandra Heinz. O ensino das artes na escola: a ótica dos professores de
educação infantil. 2006, Dissertação (mestrado em educação) - Universidade do Oeste
de Santa Catarina - UNOESC, Joaçaba, SC, 2006.
KRAMER, Sônia. Profissional de Educação Infantil: Gestão e Formação. São Paulo:
Ática, 2005.
NÓVOA, A. (Org). Os professores e a sua formação. Portugal: Porto, 1992.
ROSA, Nereide Schilano Santa. Educação musical para pré-escola. São Paulo: ática,
1990.

86
FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA
DE PRÁTICA DOCENTE E AUTONOMIA
PEDAGÓGICA

Rosyane de Moraes Martins Dutra 1

INTRODUÇÃO
Muito se tem cobrado do professor para que a escola seja uma institui-
ção de resultados. As Secretarias de Educação adotam programas que buscam
atender as necessidades das redes de escolas públicas, e assim, formar os profes-
sores para o conhecimento e reflexão de sua prática pedagógica. Porém, é neces-
sário desenvolver, em meio a tantas informações, a capacidade de resolver situ-
ações-problemas sem intervenção administrativa. É necessário ter Autonomia
Pedagógica diante da realidade em que se atua.
Desde a inclusão da formação como pauta de discussões legislativas,
concepções surgem em torno deste termo, que, de acordo com cada década, as-
sumem conceitos próprios de cada contexto e significados que revelam as inten-
ções educacionais para a docência.
Inserida nesta discussão está a Rede Pública Municipal de São Luís -
MA, que, através da intervenção da SEMED (Secretaria Municipal de Educação)
vêm, desde os anos 2000, reestruturando a formação dos professores das escolas
públicas municipais, inclusive os da Educação Infantil. Com programas, como o
Projeto Escola Sonhos do Futuro e o Programa São Luís Te Quero Lendo e Es-
crevendo, as iniciativas tomadas pela Secretaria possibilitaram a constituição de
uma nova concepção sobre a formação dos professores no município, dentre elas,
a estruturação de formações continuadas nos espaços das escolas.
Por isso, esse artigo parte de uma pesquisa que se propôs analisar a prá-
tica docente na Educação Infantil em uma escola-anexo da Rede Pública Muni-
cipal de São Luís - MA, que em seus encontros de formação continuada

1
Professora do Departamento de Educação I. Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora
GEPIB/UFMA e pesquisadora sobre História, Política e Cultura da Infância. E-mail: rosyane.du-
tra@ufma.br

87
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

desenvolveram uma progressiva autonomia pedagógica, diferenciando-se do


programa da SEMED, numa proposta que renovou as atividades na escola e pos-
sibilitou um engajamento participativo das professoras.
Algumas questões são percebidas ao refletirmos sobre Formação Con-
tinuada de Professores: será que essa formação, oferecida pelos órgãos de admi-
nistração pública aos professores da rede pública, possibilita o desenvolvimento
da autonomia pedagógica nesses profissionais? Quais concepções de formação
de professores perpassam os discursos dos programas e políticas educacionais
brasileiros? E na Rede Municipal? Qual modelo de formação é adotado a fim de
garantir a inserção dos professores nesses programas?
Assim, na tentativa de respondê-las, serão discutidos neste artigo os
principais pontos desta investigação.

Considerações sobre prática docente e autonomia pedagógica


Refletir sobre a importância da formação para os professores significa
também discutir sobre suas práticas enquanto profissionais da educação, que
trabalham em ambientes educativos e atuam sobre eles com objetivos. É pensar
sobre as experiências vividas no cotidiano entre os sujeitos que compartilham
juntos saberes e conhecimentos necessários para o desenvolvimento de uma prá-
tica com autonomia pedagógica. Mas qual o significado de prática docente? E de
Autonomia Pedagógica?
Para Franco (2012, p.178) “a prática docente é uma prática pedagógica
quando esta se insere na intencionalidade prevista para a sua ação”, ou seja, o
professor é o fio condutor das atividades realizadas em uma instituição de en-
sino, pois é sua prática que viabiliza as ações o interior da mesma.
Desse modo, como prática social, a prática pedagógica produz uma dinâmica
social entre o dentro e o fora (dentrofora) da escola. Isto significa que o pro-
fessor sozinho não transforma a sala de aula, que as práticas pedagógicas fun-
cionam como espaço de diálogo: ressonância e reverberação das mediações en-
tre sociedade e sala de aula (FRANCO, 2012, p. 180)

Assim como na sociedade, na escola o professor vivencia problemáticas


diárias, como: a dicotomia teoria-prática; a ruptura na formação pedagógica, a di-
luição do objeto da formação num currículo constituído por disciplinas estanques,
a dificuldade de influência, sobretudo das práticas pedagógicas e de gestões ino-
vadoras, na transformação das práticas escolares. Enquanto autor de suas próprias
ações, ele precisa enfrentar essas e outras situações, transformando-as em apren-
dizado e suscitando em si a busca da superação dos problemas.
Freire (1987, p. 43) destaca a “reflexão crítica sobre a prática”, pois se-
gundo ele, “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode

88
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

melhorar a próxima prática”. Ou seja, a conscientização da própria realidade na


qual atua o professor, o faz capaz de mudar, de promover-se.
Desse modo, como prática social, a prática pedagógica produz uma dinâmica
social entre o dentro e o fora (dentrofora) da escola. Isto significa que o pro-
fessor sozinho não transforma a sala de aula, que as práticas pedagógicas fun-
cionam como espaço de diálogo: ressonância e reverberação das mediações en-
tre sociedade e sala de aula (FRANCO, 2012, p.180)

Gadotti (1997, p. 47) sinaliza este caminho rumo à autonomia como ou-
sado, porque “é preciso percorrer um longo caminho de construção da confiança
na escola e na capacidade dela resolver seus problemas por ela mesma, de se au-
togovernar.” O autor ainda conclui com a ideia de que “escola autônoma não sig-
nifica escola isolada mas em constante intercambio com a sociedade.”
Assim como na sociedade, na escola o professor vivencia problemáticas
diárias, como: a dicotomia teoria-prática; a ruptura na formação pedagógica; a
diluição do objeto da formação num currículo constituído por disciplinas estan-
ques; a dificuldade de influência, sobretudo das práticas pedagógicas e de ges-
tões inovadoras, na transformação das práticas escolares. Uma escola compe-
tente para um ensino crítico e criativo com qualidade demanda um profissional
com perfil de competências para satisfazer esta necessidade. O professor, por-
tanto, desenvolve habilidade de formador e estimulador do pensamento e da in-
teligência do aluno (PERRENOUD, 2000).
Ou seja, o professor, ao construir sua prática pedagógica, está em contínuo
processo de diálogo com o que faz, porque faz e como deve fazer. È quase in-
tuitivo esse movimento de olhar, avaliar, refazer. Construir e desconstruir; co-
meçar de novo; acompanhar e buscar novos meios e possibilidades.
(FRANCO, 2012, p. 186).

O professor, portanto, é a peça fundamental para gerar conhecimentos


pedagógicos e, consequentemente, promover as modificações necessárias no en-
sino. A reflexão na ação se apresenta como um processo significativo e essencial
para colaborar na consolidação de mudanças de caráter qualitativo no trabalho
pedagógico.
Nesse momento, lutar por uma escola autônoma é lutar por uma escola que
projete, com ela, uma outra sociedade. Pensar numa escola autônoma e lutar
por ela é dar um sentido novo à função social da escola e do educador que não
se considera um mero cão de guarda de um sistema iníquo e imutável, mas se
sente responsável também por um futuro possível com equidade (GADOTTI,
1997, p. 47-48).

Longe de ser apenas uma palavra para slogans educacionais, a autono-


mia deve representar uma forma de ser e de estar de professores, no mundo em
que vive e atua como profissional. Assim, nos deparamos com discursos e pro-
gramas educativos que possuem efeitos políticos desta expressão nas formas de
concepção do professor, tanto em relação às exigências de formação, quanto nos

89
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

saberes construídos e valorizados no espaço da escola. É preciso entender o sig-


nificado da relação autonomia-professor-ensino, sem desmerecer a importância
que ela representa para o funcionamento da instituição, ou seja, desmistificar
concepções sobre a prática pedagógica autônoma.
E para se constituir como prática que analisa, contextualiza e trans-
forma sua realidade, os professores precisam agir com autonomia pedagógica,
pois, segundo Gadotti, (1997, p. 47) “é preciso percorrer um longo caminho de
construção da confiança na escola e na capacidade dela resolver seus problemas
por ela mesma, de se autogovernar.” A autonomia conduz o professor à transfor-
mação de seu contexto de trabalho, enfrentando situações cotidianas desafiado-
ras e reestruturando as suas próprias condições profissionais.
Gadotti (1997) acrescenta que a escola precisa estar em constante in-
tercambio social, garantindo um trabalho uníssono entre professor-aluno-famí-
lia e trazendo contribuições para a prática docente e para o exercício de sua au-
tonomia, livre dos discursos vazios e politizantes, que mascaram a realidade
vivenciada por estes sujeitos no âmbito escolar. A autonomia, portanto, longe de
ser um slogan educacional, firma-se como atitude geradora de ideias transfor-
madoras e correspondentes ao contexto no qual se educa.
Contreras (2012) relaciona a autonomia dos professores com a proletari-
zação do professor, pois, segundo o autor, o trabalho docente sofreu uma subtra-
ção progressiva de uma série de qualidades que conduziu os professores a perda
de autonomia, tanto do controle técnico ao qual possam estar submetidos e tam-
bém como resultado da desorientação ideológica na qual possam se ver mergulha-
dos. Assim, a prática docente perde sua autenticidade para corresponder aos dita-
mes de um sistema, estando condicionada às concepções presentes na
macropolítica regente, que muitas vezes descontextualiza o ambiente educativo
para atender as demandas mercadológicas. Essa prerrogativa se distancia do pro-
jeto político-pedagógico de uma escola, onde devem estar registradas as intenções
de um grupo de sujeitos, responsáveis pelo fazer pedagógico cotidiano.
Partindo desses pressupostos básicos, Contreras (2012) destaca que, o
professor passa a depender dos processos de racionalização e controle da gestão
administrativa da escola. Para sustentar a acumulação do capital, tanto ao con-
teúdo da prática educativa como o modo de organização e controle do professor,
as escolas começaram a introduzir critérios de sequência e hierarquia. Assim,
“[...] o currículo começou a conceber também uma espécie de processo de pro-
dução, organizado sob os mesmos parâmetros de decomposição em elementos
mínimos de realização – os objetivos” (CONTRERAS, 2012, p. 35).

90
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Concepções de formação de professores no Brasil


A busca incessante por novas informações se deve a velocidade das mu-
danças que vem ocorrendo no mundo, pois a todo o tempo surgem novos conhe-
cimentos. Para que os trabalhadores se mantenham atualizados, devem buscar
cursos profissionalizantes principalmente quando falamos de professores. Esses
não podem ficar desatualizados na medida em que a sociedade, a cultura, a tec-
nologia, a ciência e as informações se desenvolvem.
A formação de professores, portanto, passa a fazer parte do cronograma
de políticas, programas, discursos e pesquisas, com as denominações Formação
Inicial e Educação Permanente ou Continuada/Formação Permanente ou
Continuada.
Brzezinski e Garrido (2001) refletem em seus estudos sobre a consti-
tuição dos cursos de Formação Inicial de professores, ou seja, o Curso Normal,
as Licenciaturas e o Curso de Pedagogia. Para as autoras, o Curso Normal por
muito tempo foi o responsável pela formação de professores das séries iniciais, e
demonstrou inúmeras fragilidades em seu currículo, dentre elas, contradições
entre as disciplinas teóricas e as disciplinas metodológicas. O estágio supervisi-
onado no Curso de Pedagogia é outra questão apontada pelas autoras, por exis-
tir “dicotomia entre a teoria e a prática” e “contradições entre o discurso das
futuras professoras e sua atuação nos estágios” (BRZEZINSKI; GARRIDO,
2001, p. 84). Essas deficiências mostravam a necessidade de considerar o estágio
como processo formativo ao longo da formação do Pedagogo, onde os professo-
res seriam capazes de formular propostas curriculares interdisciplinares, arti-
culando ensino, pesquisa e extensão.
Em relação aos Cursos de Licenciatura, analisam a importância dos for-
madores de professores em licenciaturas trabalharem durante o curso os concei-
tos que os alunos trazem do senso comum sobre a área de conhecimento esco-
lhida. “As relações entre os referenciais teóricos e a prática neles expressas
permitiram constatar que o saber se articula ao saber fazer e ao saber ser”
(BRZEZINSKI; GARRIDO, 2001, p. 86).
Sobre Formação Continuada, Marin (1995) ressalta que alguns avanços
surgem na compreensão deste termo enquanto prática, pois é apontado o local
de trabalho como a base do processo de formação. Isso implica possibilitar, nos
estudos com os profissionais da educação, a reflexão sobre saberes, vivências e
cotidiano escolar, possibilitando o entendimento da educação como prática so-
cial mobilizadora.
Portanto, o docente envolvido com a reflexão sobre o que seja um pro-
fissional do ensino e as inúmeras implicações que essa atividade complexa exige
desde o processo formativo inicial ao continuado, consegue enxergar que a má

91
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

formação de pessoas, no que diz respeito especialmente à omissão política e acri-


ticidade aos fatos sociais, se constitui no amplo sistema de ensino que conduz
boa parte das dificuldades vivenciadas na sala de aula, inclusive uma explícita
submissão às determinações de tal sistema (FUSARI; RIOS, 1995).
Analisando outras formas de conceber a formação de professores, des-
tacamos os termos Capacitação, Treinamento, Aperfeiçoamento e a Recicla-
gem, que precisam ser bem situados em campos específicos para que não haja
distorções de significados e expressem a essência do processo formativo que se
pretende implementar ou referir e consequentemente serem aceitos.
Marin (1995) sinaliza que a Capacitação foi adotada por muito tempo
no Brasil, acompanhada de uma série de propostas educacionais fechadas, que
foram aceitas sem criticidade em nome da inovação e da melhoria dos índices
educacionais. Também, explica que essa concepção trouxe consequências, como
a constituição de planejamentos que preveem conhecimentos, competências e
habilidades, em detrimento da experiência.
O termo treinamento remete à ideia de preparo para circunstâncias pre-
vistas, o que não corresponde às práticas educativas, nas quais diversas situa-
ções são imprevisíveis. Até as questões sobre competências e habilidades, tão
difundidas em reuniões pedagógicas (planejamentos), são repensadas na forma-
ção dos professores, pois, de modo geral, a preocupação não pode ser somente
em modelar comportamentos ou esperar reações padronizadas mas também em
educar pessoas que exercem suas funções profissionais pautadas pelo desempe-
nho do corpo físico, da emoção e da inteligência, e não apenas pela expressão de
um deles em detrimento dos demais.
Nas palavras de Freire (1999, p. 37) “transformar a experiência educa-
tiva em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente
humano no exercício educativo: o seu caráter formador.” Assim, reduzir a for-
mação construída na vivencia pedagógica e coletiva a cursos de curta duração
com objetivos declarados desajusta o bom funcionamento da escola e retira da
prática docente a significativa tomada de decisões.
A idealização de um curso com o intuito de Aperfeiçoamento estaria
voltada para a aprendizagem de novas aquisições, compreensões ou conceitua-
ções acerca da formação dos professores, contribuindo para a melhoria das ações
dos profissionais em sala de aula e possibilitando a reflexão sobre o próprio tra-
balho realizado na escola. Mas infelizmente, sob essa intenção profissionali-
zante, a autonomia exercida pelo professor é questionável, unilateral e imposta,
pois não é criativa, mas reprodutiva, na qual os alunos devem possuir um con-
junto de habilidades e regras previamente estabelecidas pelos técnicos e especi-
alistas, formadores dos professores.

92
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Reciclagem foi (ou continua sendo) um termo muito utilizado nos dis-
cursos e textos publicados na área educacional. Porém, ele pertence à área bio-
lógica, que o caracteriza como um processo de modificação de objetos e materi-
ais, reaproveitando-os para outras finalidades. A adoção desse termo no meio
educacional levou à proposição de cursos rápidos, palestras, encontros, que ti-
nham por objetivo jogar conceitos gerais e reduzidos sobre temas educacionais
polêmicos de forma superficial e que desconsideravam o cotidiano escolar. “A
ênfase nos cursos de reciclagem para educadores, portanto, mais que um mo-
dismo do discurso pedagógico, reiterava e fomentava a diferenciação entre aque-
les que deles participavam e os que não eram envolvidos nesse processo de atu-
alização” (MENEZES, 2003, p. 314).
Essas e outras concepções perpassam as políticas educacionais que de-
marcam discursos e práticas dos sistemas de ensino em relação aos espaços de
formação profissional, sejam em seminários, congressos e encontros, sejam nas
escolas.

A formação de professores da Educação Infantil no município de São


Luís - MA: políticas e programas
A Educação Infantil por muito tempo sustentou-se em princípios assis-
tencialistas no atendimento das crianças em fase escolar. A responsabilidade
pela assistência à infância era do poder público, porém instituições privadas e
organizações sociais, como a igreja, as associações e instituições filantrópicas
também eram convocadas para auxiliar no atendimento à educação das crianças.
Nesse contexto, exigia-se dos profissionais a formação no então curso
de magistério de 2º grau, que capacitava para desenvolver atividades de treino
psicomotor com as crianças em idade pré-escolar (4 a 6 anos). Para trabalhar
com as crianças menores (0 a 3 anos), assumindo os cuidados com o corpo da
criança (sono, higiene, alimentação), admitiam-se pessoas sem qualquer quali-
ficação profissional: bastava gostar de crianças (OLIVEIRA, 2010).
Na segunda metade do século XX, com o avanço econômico devido a
industrialização e urbanização no Brasil houve um aumento da participação da
mulher no mercado de trabalho. Surge, portanto, a maior procura pelas institui-
ções de Educação Infantil, não só pelas operárias e empregadas domésticas, mas
também funcionárias públicas. A necessidade de o Estado pensar em uma lei que
aprofundasse a perspectiva sobre as finalidades da educação pública e privada
resultou na criação da primeira Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional,
em 1961, contemplando em seus artigos 23 e 24, as escolas maternais e os jardins
de infância como espaços oficiais destinados à oferta da Educação Infantil.

93
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Contudo, o contexto econômico e político das décadas de 1970 e 1980


abrigou movimentos operários e feministas na luta pela democratização do país
e no combate às desigualdades sociais, o que forçou o Estado a elevar o número
de creches mantidas e geridas pela administração pública. No contexto pedagó-
gico, muitos técnicos e profissionais da educação questionavam os programas
compensatórios que imperavam nas instituições, pois não atendiam a realidade
das crianças das camadas mais carentes e eram limitadas a práticas recreativas
e assistenciais.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, conforme Emenda
Constitucional nº 53, inciso xxv, assegura aos trabalhadores e trabalhadoras o
direito a “assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até
os 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas”, e também em seu artigo
208, inciso IV garante “o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero
a seis anos de idade” (BRASIL, 2006, p. 22).
Na década de 90, com a promulgação do Estatuto da Criança e do ado-
lescente (ECA) e a aprovação da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), a Educação Infantil foi alvo de inúmeras pesquisas e temas de
congressos nacionais, pois era necessário refletir sobre o novo papel do profes-
sor, do aluno e das instituições. Algo importante a ser notado são os princípios
de valorização dos profissionais do magistério, presentes na LDB em seus artigos
61 a 67. “A melhoria na formação dos profissionais nessa etapa da educação, vin-
culada à implantação de medidas para a valorização da profissão é fundamental
para a afirmação das especificidades do atendimento na creche e na pré-escola”
(SILVA, 2011, p. 379). Assim, políticas para a formação dos professores da Edu-
cação Infantil são pensadas a fim de garantir o previsto por lei, portanto, insti-
tuições de nível superior e demais institutos de Ensino, assim como órgãos de
administração pública são os principais responsáveis pelo início e continuidade
dessa formação, que pode acontecer no próprio ambiente de trabalho.
Esse processo de formação dos professores de Educação Infantil sempre
foi especificado na oferta de Cursos Normais de nível médio ou nos Cursos de
Pedagogia, de nível superior. Alguns aspectos, porém, devem ser pensados, con-
forme Silva (2011) indica ao se discutir a profissionalização desses profissionais
para a educação das crianças, como a relação teoria-prática.
A concepção que enfatiza a formação prática defende que a preparação do pro-
fessor deve ser feita nas escolas, ‘aprendendo fazendo’; por sua vez, o modelo
que confere mais peso à formação teórica compreende o professor como um
profissional liberal, devendo sua formação ocorrer na universidade, com sólida
base (SILVA, 2011, p. 376-377).

Neste sentido, pesquisas recentes sobre políticas de formação continu-


ada de professores da Educação Básica, destacaram iniciativas do Estado na

94
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

perspectiva das melhorias no atendimento à educação das crianças. O docu-


mento “Políticas docentes no Brasil: um estado da arte”, parceria
UNESCO/MEC/União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (UN-
DIME)/Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), organizado
pela especialista Bernadete Angelina Gatti, identificou e analisou políticas rela-
tivas à formação inicial e continuada de professores. Dentre elas, destacaremos
a Rede Nacional de Formação Continuada de Profissionais da Educação Básica,
por corresponder à pesquisa em questão (GATTI, 2011).
Criada em 2003, a Rede Nacional de Formação Continuada (RNFC)
funciona sobre a responsabilidade das secretarias de educação básica e de edu-
cação a distância do MEC. É parceira das instituições de Ensino Superior, para
formalizar o atendimento a demanda de professores da Educação Infantil e do
Ensino Fundamental, e onde funcionam os Centros de Pesquisa e Desenvolvi-
mento da Educação que desenvolvem pesquisas, estabelecem parcerias com ou-
tras universidades e elaboram materiais didáticos para orientação de formadores
de professores.
A partir dos anos 2000, surge a preocupação por parte da Secretaria
Municipal de Educação de São Luís em sistematizar ações para a formação dos
educadores da Educação Infantil e Fundamental. Segundo documento intitu-
lado “Formação dos Educadores: uma ação estratégica e transversal às políticas
públicas para a educação” (SÃO LUÍS, 2004) a SEMED
Assumiu, portanto, [...] o desafio estratégico de implementar políticas articu-
ladas de formação dos educadores, gestão institucional, avaliação do sistema
de ensino, parceria escola-comunidade e melhoria da infraestrutura geral das
escolas, das condições de trabalho, carreira e salário (SÃO LUÍS, 2004, p. 31).

No levantamento de dados sistematizados pelos técnicos da SEMED foi


constatada a inexistência de uma política de formação continuada na Educação
Infantil, que resultou em parcerias com professores de Universidades Públicas e
empresas de consultoria com o propósito de organizar o “início, o meio e o fim”
de todo o processo de reestruturação. Assim, iniciava-se o Projeto Escola Sonhos do
Futuro (2001-2002), construído coletivamente entre professores e técnicos da
SEMED, durante o segundo mandato de Jackson Lago (1999-2002) que defendia
e propunha uma escola de qualidade social.
Referente à formação dos professores, o Projeto construiu um programa
para discussão dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) em Ação e o
PROFA (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores), que não foram
únicos dentre as ações planejadas. Pflueger (2004) relata que a revisão do Esta-
tuto do Magistério propiciou as condições para a elaboração dos planos de car-
gos e salários além do apoio da SEMED na continuidade do Programa de Acesso
dos Professores em nível superior. Assim, instituições como Banco do Brasil,

95
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Fundação Vale do Rio Doce, a UFMA, a UEMA (Universidade Estadual do Ma-


ranhão), a UNDIME, o Banco Itaú, a Fundação Alumar, o Rotary Internacional,
participaram das parcerias que favoreceram a execução das metas do projeto.
Linhares (2004, p. 58) esclarece que “não é uma simples coincidência
que o nome da escola Sonhos do Futuro tenha sido uma decisão coletiva dos
professores da Secretaria Municipal de Educação (SEMED)”. Na consolidação
dos rumos profissionais para os professores na escola existe o “desejo dos pro-
fessores de romper com a ‘ditadura do presente’ para, dentro das ambivalências
e contradições do momento atual, instalar um espaço educacional que possa
contribuir para a construção de um mundo que nos caiba” (LINHARES, 2004,
p. 58).
A parceria com a UFMA possibilitou a orientação aos projetos constru-
ídos pelos professores e alimentou a proposta de investigação da prática peda-
gógica, visando a consolidação de uma formação continuada investigativa. Po-
rém, mudanças na política municipal de formação de professores comprometeu
o funcionamento do Núcleo, que aos poucos, foi deixando de existir, dando es-
paço a uma nova configuração de Programa Educacional: o Programa São Luís
Te Quero Lendo e Escrevendo (PSLTQLE).
Esse programa surge com a mudança de governo em 2002, no qual fo-
ram priorizadas reformas nas áreas pedagógica, administrativa e financeira das
escolas e setores da SEMED. Conforme relato de Feitosa, Grill e Pinto (2004, p.
15), “a primeira programação que fizemos foi elaborar um cronograma de visitas
a todos os espaços institucionais da Secretaria: os administrativos, e principal-
mente, as unidades escolares”.
A fim de obter um diagnóstico mais coerente com a realidade das esco-
las municipais, os gestores das políticas da SEMED solicitaram aos gestores es-
colares que os alunos escrevessem cartas ao Secretário Municipal falando sobre
o contexto escolar no qual estudavam. Feitosa, Grill e Pinto (2004, p. 16), rela-
tam esse momento.
Assim, fomos recebendo sacolas e mais sacolas de cartas, bilhetes, poesias, co-
municados e convites dos alunos. Através da leitura incessante dessas corres-
pondências obtivemos a mais preciosa e qualificada leitura da realidade esco-
lar da Rede pública da Prefeitura de São Luís. Por meio desses textos, foi
possível não só verificar o desempenho dos alunos em relação ao nível de le-
tramento, à capacidade de raciocínio lógico, à coesão textual, à ortografia e a
questões gramaticais, como também sua visão dos professores, da escola que
tinham e da escola que queriam. Passamos a conhecer melhor suas dificulda-
des pessoais: o desemprego dos pais, a falta de recursos para pagamento do
transporte coletivo, a fome, a violência que enfrentam em suas comunidades.

Estes profissionais receberam formação continuada na SEMED, plane-


jada pela Equipe de Formação, que, com base nos temas desenvolvidos no Ca-
derno dos Professores (livro-base para a formação no primeiro ano do

96
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Programa), formariam os coordenadores e estes, os professores nas escolas. Se-


gundo Prazeres (2011, p. 328), “Deste modo, os encontros coletivos quinzenais
que deveriam refletir sobre os problemas da escola e as demandas formativas dos
professores (as), pautam-se nos temas abordados na formação dos coordenado-
res (as) pedagógicos (as).”
As escolas passaram a contar com um programa de formação, organi-
zado pelas equipes de formação continuada da SEMED/São Luís, que deveria ser
cumprido periodicamente, para garantia dos objetivos do Programa. Porém, al-
gumas escolas inovaram práticas formativas para atendimento de suas realida-
des, dentre elas, citaremos a Unidade de Educação Básica Luz da Lua, localizada
no bairro Vinhais.

Prática docente na Educação Infantil: formação de professoras para o


desenvolvimento da autonomia
Mediante proposta da SEMED para a organização e execução do plano
de formação nas escolas municipais de Educação Infantil de São Luís, a UEB Luz
da Lua iniciou suas atividades de elaboração do seu planejamento anual de for-
mação das professoras atuantes na escola. O período que foi analisado, de 2009
a 2011, apresentou características peculiares na escolha da escola para o estudo
proposto, dentre elas, a autonomia da UEB na construção dos temas e materiais
que constituiriam os encontros de formação docente mensais.
Nessa trajetória, a SEMED, como todos os anos, repassava aos coorde-
nadores pedagógicos temas gerais, entregues a todas as escolas, para o trabalho
de formação dos professores durante todo o ano letivo. Os temas eram escolhi-
dos pela equipe técnica da SEMED e com base nas áreas do conhecimento da
Educação Infantil: Linguagem Oral e Escrita, Matemática, Artes Visuais, Natu-
reza e Sociedade, Movimento e Música. Conforme Feitosa, Grill e Pinto (2004,
p. 25)
[...] além da abordagem das áreas de conhecimento consideradas mais clássi-
cas no currículo escolar, também estarão garantidos temas transversais rele-
vantes, tais como o meio ambiente, as questões de gênero, etnia, pluralidade
cultural, orientação sexual e ética .

A escola, portanto, recebeu seu calendário de formação, com sugestão


de temas, dias de realização e metodologias. Porém, numa tentativa de atender
as reais necessidades do corpo docente e da comunidade escolar, foram tomadas
algumas decisões pelo grupo de profissionais (professoras, coordenadora e ges-
tora) que atuavam na escola. A primeira seria a adoção de um novo calendário
de formação, que não concebesse somente temas pensados fora da realidade

97
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

escolar, mas que, principalmente, apresentasse conteúdos de interesse das pro-


fessoras e alunos.
É importante ressaltar que, dentre as escolas do Polo ao qual pertencia
a UEB Luz da Lua, poucas escolas efetivamente realizavam a formação na escola.
Inúmeras dificuldades foram sentidas pelas instituições de Educação Infantil,
como a falta de espaço, a ausência do CP, pouco tempo para estudo e a jornada
de trabalho extensa e cansativa.
A UEB Luz da Lua foi uma das escolas que garantiu a realização dos
encontros de formação continuada com as professoras, e numa perspectiva dife-
renciada das demais, pois construiu coletivamente seu próprio programa de for-
mação. A Coordenadora de Polo, que acompanhava as escolas na época, não se
opôs à proposta da escola, informando à SEMED em relatórios, todas as ativida-
des realizadas durante o ano letivo. A Secretaria Municipal, por conseguinte,
não impossibilitou que o calendário constituído na escola fosse trabalhado, po-
rém, acompanhava os rumos tomados pela equipe pedagógica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação continuada de professores na Educação Básica é um requi-
sito essencial para o desenvolvimento das atividades na escola. É nesse processo
que novas competências são trabalhadas para o alcance dos objetivos de profis-
sionalização, pois é na interação com informações adicionais e com os colegas
de trabalho que se garante a aprendizagem. Porém, para a ampliação do universo
cultural do professor a formação precisa atender alguns quesitos, como o tempo
e espaço pedagógicos, disponíveis para o momento da troca de experiências, e a
participação comprometida dos profissionais nos encontros para estudos.
No Brasil, as políticas de valorização do magistério, dentre elas a For-
mação dos Educadores, tem avançado nas discussões sobre sua importância,
mas ainda existe muita dificuldade na implantação de um programa de formação
contínuo nas escolas, principalmente de Educação Infantil. O principal entrave
ainda recai sobre as horas dedicadas aos estudos não serem remuneradas ou cer-
tificadas, para incentivo ao plano de carreira. As secretarias de educação inse-
rem, na carga horaria do professor, 4 horas de estudos semanais, para realização
de formação com os professores pelo coordenador pedagógico, o caso da SE-
MED/São Luís. Porém, com a falta do incentivo, muitas escolas abandonaram a
proposta de formação na escola com os professores, por isso, a importância desse
trabalho, que destaca a iniciativa de uma escola que não desistiu de aprender,
mesmo diante dos empecilhos.
O que aprendemos com os resultados da pesquisa, a qual é abordada
neste artigo, é que as ações, tanto das secretarias de educação quanto das

98
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

escolas, de formar os professores no âmbito da instituição precisam partir das


necessidades dos profissionais, que convivem com a realidade em que trabalham
e conhecem suas limitações. O professor, no desenvolvimento de sua autonomia,
repensa as formas de organização com seus pares na escola e transforma o que
está posto convencional e hierarquicamente.

99
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova
redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília, DF, 2006. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc53.htm>.
Acesso em: 21 jan. 13.
BRZEZINSKI, Iria; GARRIDO, Elsa. Análise dos trabalhos do GT Formação de
Professores: o que revelam as pesquisas do período 1992-1998. Revista Brasileira de
Educação, n. 18, p. 83-153, set./dez. 2001.
CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2012.
FEITOSA, Raimundo Moacir Mendes, GRILL, Ingrid Gastal, PINTO, Laurinda Maria
Carvalho. São Luís Te Quero Lendo e Escrevendo: uma política de desfragmentação na
área de educação. In: MARANHÃO. Prefeitura Municipal de São Luís. Secretaria
Municipal de Educação. Formação dos Educadores: uma ação estratégica e
transversal às políticas públicas para a educação. São Luís: SEMED, 2004. p. 15-26.
FERREIRA, Edith Maria Batista. Formação de professores(as): movimentos de
criação? 2010. 180 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do
Maranhão, São Luís, 2010.
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Práticas pedagógicas nas múltiplas redes
educativas. In: LIBANEO, José Carlos, ALVES, Nilda (org.) Temas de Pedagogia:
diálogos entre didática e currículo. São Paulo: Cortez, 2012. p. 169-188.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
11. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
FUSARI, José Cerchi; RIOS, Terezinha Azevedo. Formação continuada dos
profissionais do ensino. Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 37-46, 1995.
GADOTTI, Moacir. Escola cidadã. 4. Ed. São Paulo: Cortez, 1997.
GATTI, Bernadete Angelina (Org.). Políticas docentes no Brasil: um estado da arte.
Brasília, DF: UNESCO, 2011.
LINHARES, Célia Frazão Soares. Sonhar e construir a escola com os professores. In:
LINHARES, Célia Frazão Soares (org.). Formação continuada de professores:
comunidade científica e poética – uma busca de São Luís do Maranhão. Rio de
Janeiro: DP&A, 2004. p. 54-76.
MARIN, A. J. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções.
Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 13-20, 1995.
MENEZES, C. M. A. Educação Continuada de educadores: superando ambiguidades
conceituais. Revista da FAEEBA, Salvador, v. 12, n. 20, jul./dez. 2003.
OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Educação infantil: fundamentos e
métodos. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

100
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

PFLUEGER, Maria Theresa Soares. A caminhada da escola pública municipal de São


Luís. In: LINHARES, Célia Frazão Soares (Org.). Formação continuada de
professores: comunidade científica e poética: uma busca de São Luís do
Maranhão. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 37-53.
PRAZERES, Valdenice de Araujo. Formação continuada de professores (as) na
escola: limites e possibilidades da reflexão sobre a prática. São Luís: EDUFMA,
2011.
SÃO LUÍS. Secretaria Municipal de Educação. Formação dos Educadores: uma ação
estratégica e transversal às políticas públicas para a educação. São Luís: SEMED,
2004.

101
INFÂNCIA SUBMISSA:
A EDUCAÇÃO FEMININA NO
MARANHÃO PROVINCIAL

Raylina Maila Coelho Silva 1


Helloyse Brandão Marques 2
Rosyane de Moraes Martins Dutra 3

1. INTRODUÇÃO
As instituições de recolhimento de crianças pobres e desvalidas no Ma-
ranhão apresentavam uma imagem clara das diferenças sociais presentes na edu-
cação maranhense do século XIX, destacando uma dualidade: um ensino voltado
às massas populares, com uma educação elementar que sustentasse o emprego e a
manutenção do corpo dócil, e que objetivava a formação de uma elite, contendo a
classe subalterna nos abrigos. A instrução dessas crianças era arrolada na questão
do trabalho, de uma formação profissional. Por essa razão, o ensino primário era
obrigatório para crianças e jovens, como garantia da transformação da sociedade
em busca de um progresso e de uma civilização, além de ser usado como reprodu-
ção de hierarquia e ordem do Império. (ABRANTES, 2003)
As meninas, em específico, recebiam maior atenção do governo provin-
cial, que se respaldava na institucionalização dessa infância para a disciplinari-
zação das mulheres, no controle do pudor. Sob uma rotina que envolvia rezas e ofi-
cinas de costura, as crianças maranhenses ficavam tuteladas pelas irmãs, pelos
padres e demais interessados em submeter a infância às concepções conserva-
doras, patriarcais e moralizadoras do corpo feminino. O Asilo de Santa Tereza,
instituição de recolhimento de crianças desvalidas no século XIX, foi criado
como espaço para que as meninas se tornassem futuras mães de família, estabe-
lecendo um lugar junto a dita sociedade maranhense, que pautava suas condutas
nos moldes europeus.

1
Graduanda do Curso de Pedagogia – UFMA, pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail: raylina-
maila@gmail.com
2
Graduanda do Curso de Pedagogia – Faculdade Santa Fé, Professora Titular da Rede Particular
de Ensino, Pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail: helloyse_marques@outlook.com
3
Professora do Departamento de Educação I. Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora
GEPIB/UFMA e pesquisadora sobre História, Política e Cultura da Infância. E-mail: rosyane.du-
tra@ufma.br

102
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

O objetivo, portanto, deste artigo, é analisar a instituição do Asilo de


Santa Tereza, como proposta política para a institucionalização das mulheres
maranhenses no Império, e que possuía regulamentos que determinavam práti-
cas de educação e profissionalização das meninas, para garantir-lhes o futuro. Para
alcance do objetivo, a análise documental de regulamentos da instituição, de leis
e decretos da província e textos da imprensa periódica que retratavam o pensa-
mento da época sobre os recolhimentos femininos, propiciaram a compreensão
do funcionamento e concepções da instituição acerca das crianças. Pretende-se
com essa investigação, feita no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas Infância
e Brincadeiras - GEPIB/UFMA, elucidar sobre as intenções políticas e religiosas
presentes na História do Maranhão, e que foram vitais para a criação de inúme-
ras instituições assistencialistas durante o Império.
No encontro com o Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM),
a pesquisa tenta dar voz às histórias silenciadas das crianças, das mulheres, das
meninas, que em seus aprisionamentos, foram esquecidas e tiveram seus nomes
apagados. “Logo cedo se estabelece um vínculo entre meninas e religião… Elas
são educadas nos joelhos da Igreja (...) A piedade, para elas, não é somente um
dever; é o seu habitus” (PERROT, 2007, p. 41). Alguns questionamentos deline-
aram as buscas pelas fontes históricas: como foi fundado o Asilo de Santa Tereza
e qual a sua relação com a religião católica? Como era a rotina de educação femi-
nina nessa instituição?
O interesse pela escrita de uma história da infância maranhense favore-
ceu a análise dos documentos que possibilitam a investigação de uma instituição
para uma educação peculiar: recolher meninas pobres e desvalidas e formá-las
para a civilização.

2 O MARANHÃO E O APARECIMENTO DAS INSTITUIÇÕES


EDUCATIVAS NO SÉCULO XIX: RECOLHER PARA SALVAR
O interesse do Brasil em institucionalizar a educação feminina acontece
quando os primeiros conventos começam a surgir, logo na segunda metade do
século XVII nos quais as mulheres aprendiam: prendas domésticas, leitura, es-
crita e música. Durante o século XIX, a entrada de meninas no espaço escolar
aconteceu em decorrência da maior disseminação do ideal civilizatório almejado
pelo Brasil. Sendo que a educação feminina objetivava alcançar de forma dife-
renciada, aquelas de classe menos favorecida, mais abastadas, das que perten-
ciam ao segmento mais pobre da sociedade. Visava-se formar a elite dentro dos
padrões culturais europeus e as criadas que dentro das residências da elite, não
desvirtuassem os bons costumes ali empregados.

103
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

A educação feminina no Brasil desde os tempos coloniais objetivou a desempe-


nhar uma função conservadora de reproduzir a sociedade paternalista e legiti-
mar a submissão feminina, restringindo a mulher ao espaço privado do lar e sua
educação às prendas domésticas. A educação religiosa procurava moldar o cará-
ter das mulheres, cultivando as virtudes cristãs, para serem boas esposas e mães.
A mentalidade da época colonial sobre a educação feminina de que à mulher bas-
tava o aprendizado da costura e dos trabalhos domésticos, uma vez que se apren-
desse a ler e escrever teria os meios para estabelecerem correspondências amo-
rosas, o que era visto como um grande perigo para a honra feminina. Essa
mentalidade ficava expressa em provérbios como este que dizia que “à mulher
basta a ciência de arrumar bem um baú.” (ABRANTES, 2003, p. 152)

As concepções herdadas do período colonial estabeleciam um modelo


único de comportamentos para todas as mulheres legitimando a ordem social
que alicerçava a hierarquia de gênero com fundamentos morais específicos,
como: recato, castidade, virtude e honra como atributos próprios para a conduta
do sexo feminino.
A província do Maranhão no século XIX, encontrava-se em um mo-
mento de ascensão econômica, pois era tida como uma das grandes exportadoras
de algodão. Consequentemente a capital, São Luís, acompanhou esse avanço
com construções urbanísticas de pedra e cal, fundações de fábricas, criações de
espaços artísticos e públicos, gerando um aumento populacional e despertando
interesse de jovens portugueses para futuros comércios na cidade. Apesar desses
avanços na capital, o poder público oferecia serviços escassos que não atendiam
satisfatoriamente a população, principalmente a elite ludovicense. Existiam
constantes denúncias feitas pelos jornais da época, contudo insuficientes para
possíveis soluções por parte do governo.
Em meio a esses avanços urbanos, o trabalho escravo aumentou consi-
deravelmente, sendo possível verificar no crescimento de exportação de negros
entre 1801 e 1820, chegando em solo maranhense mais de trinta e seis mil. Lacroix
(2020, p. 106) descreve que, “O escravo fazia o papel do esgoto, do abasteci-
mento d’água quente ou fria no quarto de banho, do ventilador […] O negro, em
relação direta com a arquitetura e fazendo parte da paisagem”. Seu papel era
determinante tanto no aspecto de construção física da Província, como pelas lu-
tas, revoltas, manifestações artísticas e religiosas; significando sua resistência e
mantendo suas heranças vivas.
O braço escravo ergueu, reformou, restaurou as Igrejas de São Luís, es-
paços com grande valor para sociedade e que se tornaram locais para revoltas,
motins, abrigos, refúgios e o pioneirismo no ensino. Contudo, até meados de
1855, ainda era vetado o direito de educação ao escravo, mesmo sendo eles os
alicerces nesse processo. Em 1838, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo abrigou
o Liceu Maranhense e cedeu uma sala para a primeira Biblioteca Pública da ca-
pital, após persistência do Barão de Pindaré; o Convento da Mercês abrigou o
seminário e uma escola de primeiras letras; a Igreja de Nossa Senhora do Rosário

104
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

dos Pretos, em 1821, cedeu espaço para aulas de primeiras letras oferecidas pelo
padre Veloso; em 1753 o Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação e Re-
médios passa para as Irmãs Ursulinas, posteriormente passando a designar Co-
légio de Santa Teresa, em 1871, um pensionato para meninas pobres o qual as
famílias custeavam; a Capela de Nossa Senhora do Recolhimento designada para
assistir as alunas. Abranches (2002), afirma que o ensino jesuítico, além de fa-
vorecer os pobres livres, também era utilizado como base da educação das elites.
Pontuando como ensino com disciplinas rígidas e morais.
Enfim, o Maranhão demonstrou o desejo de proporcionar uma educa-
ção que alcançasse meninas pobres e desvalidas, bem como meninas que fossem
de famílias mais abastadas com o objetivo do desempenho das “funções” atribu-
ídas ao sexo feminino, a saber, as de mães, esposas e filhas, e visando restringir
as mulheres ao espaço privado do lar e sua educação às prendas domésticas. “A
educação feminina pautada no ideal de preparar a mulher para o casamento e a
maternidade” (ABRANTES, 2003, p. 2). O ensino público oferecido primava a
instrução de doutrinas religiosas e morais, conhecimento básico da leitura, es-
crita, as quatro operações, ensinamentos domésticos, este com finalidade ma-
terna. Existia uma desigualdade educacional marcante, tanto nos conceitos de
ensino, quanto na presença de meninas matriculadas em instituições e até na
quantidade de escolas. Como nos aponta o relatório do Presidente da Província,
Dr. Antônio Alves de Sousa Carvalho (1867)
Existiam na província 100 cadeiras primárias do 1° grau, sendo 60 do sexo mas-
culino e 40 do feminino. No 2° grau do ensino primário existiam somente ca-
deiras de meninos, sendo três na capital e cinco no interior. As cadeiras do
ensino primário foram frequentadas por 2.874 alunos, sendo 2.113 meninos e
661 meninas, as da capital tiveram uma frequência de 658 alunos, sendo 449
meninos e 209 meninas. A frequência total nas escolas públicas nesse ano foi
de 3.532 alunos. No ensino primário particular foram registrados 16 cadeiras,
sendo 11 para meninos e 5 para meninas, com uma frequência total de 953 alu-
nos, 564 do sexo masculino e 399 do feminino. Na instrução secundária parti-
cular eram 9 colégios, sendo 1 para o sexo masculino na vila de S. Bento e 8 na
capital, 4 para rapazes e 4 para moças, com frequência total de 842 alunos. O
ensino público secundário ministrado no Liceu foi frequentado por 156 alunos .
(ABRANCHES, 2003, p. 2).

Na metade do século XIX, houve a abertura de novas escolas de ensino


primário e secundário feminino, ocorrendo mudanças na visão da sociedade ma-
ranhense quanto a importância da instrução para as mulheres. Apesar dessas
novas instituições, os ensinamentos oferecidos ainda seguiam a mesma linha an-
teriormente adotada, uma educação com viés familiar. Essas escolas mantinham
professoras nesse processo de ensino, contudo, existia uma defasagem quanto
às aulas de conhecimentos gramaticais, português e matemática. Inúmeras crí-
ticas por parte de jornais, escritores, pessoas da nata social defendiam uma
maior formação escolar feminina, pois o que aprendiam era pouco estimado

105
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

visando o papel que viria a desenvolver; adjetivos relacionados ao papel da mu-


lher são descritos no decorrer do século, todos carregados com objetivos patri-
arcais, ou seja, mãe, esposa, dona do lar. Abranches (2003, p. 4) relata que, "o
ensino recebido pelas maranhenses, tanto pobres quanto ricas, era inadequado
para a missão que a sociedade lhe confiava”. As meninas pobres, ou não recebiam
qualquer instrução ou eram assistidas por algum recolhimento ou asilo, sendo
oferecido um ensino precário em decorrência da ignorância por parte das senho-
ras cuidadoras. Já as meninas ricas, não se distinguiam das pobres em relação à
educação, exceto na incrementação de ofícios como a música, dança, teatro e ao
nível secundário. Porém, com o mesmo objetivo de formação.
O Brasil carrega uma extensa tradição de internação de crianças em ins-
tituições asilares. “Desde o período colonial, foram sendo criados no país colé-
gios internos, seminários, asilos, escolas de aprendizes artífices, educandários,
reformatórios, dentre outras modalidades institucionais surgidas ao sabor das
tendências educacionais e assistenciais de cada época”. RIZZINI (2004, p. 22).
O Maranhão seguia essa linha institucional, buscando atender as classes popu-
lares, oportunizando uma educação profissionalizante para meninos e para me-
ninas, tarefas do lar. Na metade do século XIX, São Luís contava com dois luga-
res para educação de meninas desvalidas: era o Recolhimento de Nossa Senhora
da Anunciação e Remédios e o Asylo de Santa Tereza.
Em 1855, foi fundado o Asilo de Santa Teresa, situado na Rua dos Re-
médios e após um ano realocadas em um prédio na Rua Formosa, um espaço para
meninas pobres e desvalidas, com a finalidade de acolher e ensinar. Recebiam
uma educação baseada na religião; este para conduzir ao exercício social do pa-
pel da mulher, moral, civil e doméstica. Essa educação propiciada pela província
segurava ações que mantinham essas crianças afastadas de condutas nocivas,
vislumbrando sempre o favorecimento à sociedade e não deixando de lado os
ensinamentos da educação moral. “Mesmo com o processo de laicização do en-
sino, o conteúdo voltado para a moralidade não perde sua força, assim como
também a moral religiosa”. TAVARES (2009, p. 57).
O asilo foi muito requisitado durante seu período de funcionamento,
isso se dava por motivos, como: a credibilidade do Asilo perante a sociedade do
Maranhão, o aumento das filhas ilegítimas, órfãs ou abandonadas na Roda dos
Expostos; devido ao crescente número de pessoas da zona rural para cidade du-
rante a revolta da balaiada e meninas de vitimados da Guerra.

106
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

3. O ASILO DE SANTA TEREZA E A EDUCAÇÃO DAS MENINAS


MARANHENSES
Em São Luís, capital e principal centro urbano da Província do Mara-
nhão, a condição feminina não era diferente do restante do país, prevalecendo a
mentalidade conservadora que destinava às mulheres uma educação meramente
doméstica. A educação era vista como um pré-requisito para o bem estar nacio-
nal, uma vez que a partir dela surgiria o desejado progresso econômico e social,
de grande relevância no discurso republicano (CARVALHO, 1998). A mulher
ganhou notoriedade em meio à sociedade, pois recaiu sobre ela a responsabili-
dade de manter a família, operacionalizando uma boa educação aos seus filhos
(BESSE, 1999). Apesar de respaldados pelo ideal republicano, os objetivos da
estrutura educacional permaneceram praticamente inalterados, ou seja, tinham
a proposta de preparar a mulher para o exercício da sua missão maior: a de ser
mãe, esposa e dona de casa.
A partir da década de 1840 foram fundadas em São Luís várias escolas
femininas de caráter particular, destinadas a filhas da elite. Para essas moças,
além de prendas domésticas, eram ensinadas a ler e escrever, noções de aritmé-
tica, dançar, tocar piano e falar Francês. Mas, tal realização não se incluíam as
filhas das camadas menos favorecidas do Maranhão, para as meninas pobres res-
tavam as aulas públicas de primeiras letras ou ficavam à mercê da iniciativa da
Igreja que apresentava um discurso que casava-se muito bem com o caráter do
Governo, bem como a ação educacional religiosa era uma forma de domesticação
das consciências. Pois, toda essa preocupação com a educação feminina estava
ligada a uma estratégia que Manoel (1996, p. 49) denominou de “Teoria dos Ci-
clos Concêntricos”: da mãe cristã para filhos cristãos; de filhos cristãos para fa-
mílias cristãs; das famílias para a sociedade cristã. Com isso, esperava-se, em
breve tempo, recristianizar toda a sociedade moderna. Do mesmo modo vincula-
se a noção de cidadão-católico, sempre com vistas de a Igreja Católica recuperar
sua hegemonia na sociedade e a capacidade de influenciar as elites dominantes.
Para atender a demanda das camadas menos favorecidas do Maranhão,
foi criado o Asilo de Santa Tereza, através da portaria do presidente Eduardo
Olympio Machado, de 16 de janeiro de 1855, com objetivo de amparar e educar
as meninas desvalidas, e por fim secundário, educá-las de maneira que possam
ser com vantagens a serviço domésticos (MARANHÃO, 1858). O Inspetor da
Instrução Pública, Luiz Antonio e Silva, afirma que a instrução para o sexo fe-
minino “[...] deve ser harmoniosa com o lugar, que lhes está reservado na vida
doméstica, quer como esposas, quer como mães de famílias ou donas de casa.”
(RELATÓRIO DA INSPETORIA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DO MARA-
NHÃO, 1853).

107
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

O Asilo atendia três tipos de educandas: a) as numerárias, as mantidas


pelos cofres provinciais, de acordo com o disposto no Regulamento e autoriza-
das pelo Presidente da Província, geralmente as oriundas da Casa dos Expostos
ou aquelas que comprovasse o nível de pobreza e orfandade; b) as pensionistas
que pagavam (pais, tutores, benfeitores) pela sua educação, manutenção e tra-
tamento das enfermidades a quantia de doze mil réis mensais em prestações tri-
mestrais; c) as supranumerárias que eram mantidas pelo tesouro público espe-
rando a vacância de um lugar com a saída de uma numerária (REGULAMENTO
do Asilo de Santa Teresa, 1855, p. 320).
O ensino das educandas era dividido em quatro classes: a primeira tra-
tava da doutrina cristã, dos deveres religiosos e morais, dos princípios da leitura
e da escrita e a aritmética até as frações e as noções da gramática nacional de
geografia, de história e de desenho. A segunda e terceira tratavam da economia
doméstica divididas entre os exercícios de agulha, que incluía diferentes estilos
e gêneros de bordados, lavar e engomar tecidos finos e confeitar bolos para ani-
versários e casamentos. A quarta e última consistia na aprendizagem da música,
principalmente o piano e o canto (REGULAMENTO, 1856).
Com relação à doutrina cristã, as práticas religiosas deveriam ser a pri-
meira e a última atividade diária e consistiam em rezar o terço dedicado ao Im-
perador e toda a sua família, ao Presidente da Província e ao criador do Asilo. À
noite, uma oração de agradecimento pelas tarefas realizadas, aos mestres e a
todo o corpo funcional, sob a proteção da imagem do Senhor Jesus Cristo im-
portado do Rio de Janeiro para ornamentar a pequena capela da instituição.
O Asilo contava para o serviço diário e administrativo de um diretor e
vice-diretor, três mestras, um almoxarife, um capelão, um médico, três serventes
e uma regente superiora. Era regra que a direção fosse confiada a um homem,
pois ele deveria inspirar a autoridade de pai e impor o respeito às regras da casa.
Suas atribuições estavam mais ligadas ao serviço administrativos e burocráticos,
ficando a cargo da regente zelar pelo bom andamento da rotina dentro do Asilo.
A instituição tinha um esquema de disciplinamento dos gestos, dos trabalhos,
dos conteúdos escolares e da linguagem que funcionava com a finalidade de "es-
quadrinhar o tempo, o espaço e o movimento” (FOUCAULT, 2004, p. 118), esta-
belecendo relações de “docilidade-utilidade” para o trabalho doméstico, para as
aulas de primeiras letras e, principalmente, nas relações com os seus superiores.
Esses mecanismos de poder eram empregados pelos diretores e pela superiora
responsável pelos atos de vigilância e de punição das contravenções, respalda-
dos pelos regulamentos, criados com a finalidade de controlar as atividades e o
ritmo do aparelho disciplinador.
Para que o aparelho disciplinador funcionasse, era necessário que a ocu-
pação temporal das atividades das meninas fosse distribuída de modo a anular

108
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

“tudo que possa perturbar e distrair, trata-se de constituir um tempo integral-


mente útil” (FOUCAULT, 2004, p. 118), mesmo para aquelas de menor idade.
Regulação do tempo que começava nas primeiras horas da manhã e terminava à
noite, como evidencia a tabela que segue.

109
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Tabela 1 - Distribuição das atividades das educandas


DISTRIBUIÇÃO DO ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
TEMPO

5:30 Asseio das meninas

6:00 Oração do matutina

7:00 Aulas de primeiras letras

8:00 Primeira refeição do dia

9:00 Atividades de estudo

11:00 Aulas de costura

12:30 Descanso

13:00 Almoço

14:30 Aulas de Costura

17:00 Merenda

18:00 Doutrina Cristã

20:00 Última refeição

21:00 Recolhimento para os dormitórios


Fonte: Regulamento do Asilo de Santa Teresa, 1856

A disciplina imposta garantia uma organização racional das ações vista


à qualidade do tempo, dividi-lo para especificar cada atividade com tempo de
duração tornando-o totalmente útil. Percebe-se uma rigidez na rotina e o con-
tato com o mundo exterior restrito, porém tal modelo era considerado o ideal
para a efetivação do projeto de moralização.
Em muitas situações as meninas se viam obrigadas a deixarem para trás
hábitos familiares e absorverem outros, sob pena de serem advertidas, repreen-
didas ou punidas por desrespeitarem as normas de comportamentos. A vigilân-
cia contribuiu para generalizar a disciplina, tendo em vista que sabiam que eram
objeto de observação tanto por parte dos funcionários como por parte das pró-
prias colegas.
Para assegurar o controle e garantir que a rotina diária fosse inculcada
às meninas, eram necessárias algumas medidas como: sanção normalizadora, es-
tabelecida através da penalidade disciplinar como podemos observar a seguir:

110
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Tabela 2 - Métodos punitivos segundo escala gradual de faltas cometidas pelas educandas do
Asilo de Santa Teresa
NATUREZA DAS PENAS
ESCALA DE GRAVI- ESCALA GRADUAL DE PE-
(SÉRIE DE PROCESSOS SU-
DADE DAS FALTAS NAS
TIS)

Repreensão em particular

Faltas de menor gravi- Repreensão severa em pre- Nível baixo


dade sença das outras educandas Censuras e repreendas

Assento em lugar isolado das


outras educandas

Privação da merenda nas ho-


ras deste

Faltas de maior gravi- Posição de joelhos de cinco a Nível alto


dade quinze minutos Isolamento e castigos físicos

Reclusa em aposento fechado


Fonte: Regulamento do Asilo Santa Teresa, 1856.

O Asilo de Santa Teresa não esclarece a tipologia das faltas cometidas


pelas meninas, estas poderiam relacionar-se a gravidades diferenciadas, ou a
certo tipo de gravidade que se repetia mais de uma vez. Tal inexistência de um
rol explicavam totalmente expostas aos excessos dos adultos.
A educação oferecida às asiladas não era diferente das garotas frequenta-
doras das escolas particulares, tanto a educação das asiladas quanto as das institui-
ções particulares eram preparadas para a arte do bem servir a uma sociedade que,
no século XIX, exigia o cumprimento das regras de civilidade. Porém, o aprendi-
zado das asiladas das prendas domésticas servia como reforço para arranjarem ma-
trimônio ou sobreviverem com seu trabalho ao saírem do estabelecimento.
No âmbito das relações entre o poder político e a Igreja Católica, foram
internalizados na brasileira, durante muito tempo, os papéis de mãe e de esposa,
desempenhados num universo de submissão para muitos entendido como ne-
cessário e benéfico. Frequentar as Escolas Normais deve ser entendido como
uma das únicas fontes de instrução feminina, adequada ao trabalho das moças
com as crianças.
Neste mister, pensava-se em formar uma sociedade com alicerce na fa-
mília cristã. A preocupação com a educação feminina era, então, de grande im-
portância, pois a mulher virtuosa e prendada era vista como esteio moral desta
família. O Asilo de Santa Teresa teve, assim, um papel estratégico na política de
governo. A concessão da administração desta instituição a uma ordem religiosa

111
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

nos faz pensar de que modo a Igreja Católica conseguiu institucionalizar as me-
ninas desvalidas na busca por uma moral apreciada por toda a sociedade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação de instituições femininas tinha um objetivo determinado: for-
mar mão de obra para atender as necessidades da província. No caso específico
do Asilo de Santa Teresa, a sua finalidade era recolher meninas pobres e desva-
lidas e oferecer-lhes uma educação para o lar, de modo que, quando adultas, se
tornassem boas mães de família ou, em alguns casos, educadoras dos filhos das
famílias abastadas maranhenses. A escola se preocupava em formar futuras ‘do-
nas de casa’, mesmo quando muitas delas se tornaram professoras primárias,
pois eram oferecidas as instruções básicas e o conhecimento dos dotes de uma
boa esposa. Todas as atividades eram seguidas com horários rigorosos e puni-
ções dolorosas, correspondendo à quantidade e ao limite da infração cometida
pela educanda. Os relatórios da instituição são bem claros ao tratar dos deveres
das educandas, e os relatórios da Província nos fizeram enxergar a realidade da
instituição.
Apesar de objetivos claros e finalidades educativas relevantes, mesmo
se considerarmos a permanência das diferenças de classes sociais, o Asilo sempre
foi objeto de críticas dos governos que não viam com bom grado os custos signi-
ficativos dos cofres provinciais com a manutenção das internas (alimentação,
vestuário e outras necessidades fundamentais para a sobrevivência das meninas
e da instituição). Outro fato que contribuiu para o seu fim foi a promessa de
dotes às moças, após contraírem matrimônio, e as despesas com os enxovais.
Portanto, durante o seu ciclo de vida, esse estabelecimento exerceu suas
atividades educacionais e contribuiu para o desenvolvimento da província do
Maranhão, mesmo levando em consideração os problemas estruturais e organi-
zacionais ocorridos ali. Tal situação não difere das demais instituições de reco-
lhimento da infância pobre e dos órfãos no Maranhão oitocentista (Casa dos
Educandos Artífices, Escola Agrícola do Cutim e Escola de Aprendizes Mari-
nheiros), que, com finalidades e natureza de formação divergente, há similarida-
des nas formas de educação, no controle e regulação do tempo e nas estratégias
de ordenar e regular os corpos e a alma.
O Asilo formou uma série de meninas para diversas atividades, notada-
mente professoras que contribuíram para a abertura de escolas em várias locali-
dades da província do Maranhão. Essa pesquisa também tem possibilitado tra-
zer à tona a informação sobre a presença de mulheres negras em instituições
escolares, pois, até certo tempo, acreditava-se que a raça negra não havia fre-
quentado instituições educacionais.

112
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRANTES, Elizabeth Sousa. A Educação Feminina em São Luís no Século XIX.
XXII Simpósio Nacional de História. João Pessoa - PB: ANPUH 2003.
ABRANTES, Elizabeth Sousa. A Educação do “Bello Sexo” em São Luís da Segunda
Metade do Século XIX. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
do Pernambuco, 2002.
BESSE, Susan. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero
no Brasil (1914 - 1940). São Paulo: EDUSP, 1999.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
CASTRO, César Augusto (Org.).. Leis e Regulamentos da Instrução Pública no
Maranhão Império (1835-1889). São Luís: EDUFMA, 2009.
DEL PRIORE, Mary (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto,
2004.
FOUCAULT, Michael. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Forense, 2004
LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. São Luís do Maranhão, Corpo e Alma. 2ª
edição ampliada /São Luís: Edição da autora, 2020. Vol I. Edição em recurso digital.
MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e educação feminina (1859-1919): uma face do
conservadorismo. São Paulo: UNESP, 1996.
MARANHÃO. Regulamento do Asylo de Santa Teresa de 14 de janeiro de 1856.
Collecção dos regulamentos expedidos pelo governo da Província do Maranhão. São
Luís: Typ. Temperança, 1858.
MARANHÃO. Relatório da Inspetoria da instrução pública. [Luis Antonio e Silva]
para digníssimo presidente da província Senr. Dr. Eduardo Olímpio Machado, 25.
abril. 1853.
MARANHÃO. Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Presidente da
Província, Dr. Antonio Alves de Sousa Carvalho passou a administração ao Senhor
1º Vice – Presidente, Dr. Manuel Jansen Ferreira, no dia 04.04.1867.
MARANHÃO. Estatuto do Recolhimento de N. S. da Anunciação e Remédios. In.
Leis e Regulamentos (1835 – 1840)
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil:
percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo:
Loyola, 2004.

113
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

TAVARES, Rachel Sousa. A infância no Maranhão imperial: a escolarização


primária pública da criança pobre e livre no período de 855-1889. 2009. 152 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Maranhão, São Luís,
2009.

114
AS VIVÊNCIAS INFANTIS DE PLANTAR
E COLHER: BRINCANDO E APRENDENDO COM
A HORTA ESCOLAR

Hellen Silva Carneiro1


Carmem Cely Barroso Correa2
Claudia Maria Soares Cabral3
Nathália Martins Brandão Oliveira 4

1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho descreve experiências vivenciadas, por meio da
educação ambiental e alimentar, em uma Creche Escola situada na cidade de São
Luís, capital do Maranhão. Esta pesquisa tem como foco a observação partici-
pante, demonstrando o seu desenvolvimento pedagógico na educação como mé-
todo que possibilita maior conhecimento e significado ao processo de ensino e
aprendizagem de crianças da educação infantil.
Observação, segundo Dicionário Aurélio (2002, p. 493), é “o ato ou
efeito de observar”. É ação de considerar com atenção as coisas, os seres, os even-
tos. É a fase inicial da experiência, onde se organiza e ordena seus espaços. Du-
rante os dias na escola, foi dada a oportunidade de conhecer o espaço físico e os
sujeitos do ambiente, salas de aulas com suas respectivas professoras e crianças.
Entrevistas foram aplicadas com o corpo docente, gestão, funcionários e família,
com o intuito de conhecer toda a rotina escolar e sua organização.

1
Pesquisadora - GEPIB/UFMA, Pedagoga, Professora da Rede básica de ensino, Mestranda em Edu-
cação pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Gestão escolar e docência do Ensino
Superior. E-mail: hcarneirosc20@gmail.com
2
Graduada em Geografia Licenciatura pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Profes-
sora. Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Pesquisadora
do GEPIB/UFMA. E-mail: carmemcely7@gmail.com
3
Graduada em Filosofia - UFMA, Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do mara-
nhão, Assistente Administrativo- função secretária de Curso Pós-Graduação - Lato sensu. E-mail:
claudiacabral381@gmail.com
4
Graduanda em Pedagogia – UFMA. Professora com experiência na Educação Infantil. E-mail: na-
thaliambo@outlook.com

115
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Ao adentrar a sala de aula, o pesquisador atribui ao processo de obser-


vação um olhar mais voltado para a educação. Assim, possibilita o estímulo para
conhecer, reconhecer e compreender os sujeitos que serão investigados em sua
pesquisa.
Segundo Quivy e Campenhoudt (1995, p. 35) a melhor forma de come-
çar um trabalho de pesquisa, consiste em formular um projeto a partir de uma
questão inicial e, através desta questão, o pesquisador tentará expressar o mais
precisamente possível o que ele busca conhecer, elucidar, compreender melhor.
Diante disso, houve o seguinte questionamento: “qual a importância da horta
escolar para a aprendizagem significativa de crianças de 0 a 6 anos?”
O objetivo desse trabalho, portanto, é analisar dados de uma pesquisa
escolar, com vivências das crianças em uma proposta pedagógica através de pro-
jeto, em uma Creche Escola Municipal na Cidade de São Luís, investigando o
espaço como lócus de interações sociais, de educação ambiental e alimentar. Ao
se levar em conta esses aspectos, deve-se valorizar a especificidade da pedagogia
na Educação Infantil, como defendido por Rocha (1999), enquanto a escola tem
como sujeito o aluno, e como objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas
através da aula, a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas
travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a
5 anos de idade.
A seguir, serão relatados os caminhos traçados através da observação
na escola e os resultados da investigação, processo esse que iniciou no dia 17 de
abril de 2018 e findou no dia 05 de junho do mesmo ano, com a culminância do
projeto “Horta escolar”.

2. CONSTRUINDO UM PERCURSO METODOLÓGICO COM


AS CRIANÇAS: o que ensina uma horta?
O trabalho com projetos na educação infantil apresenta-se como uma
prática organizada de maneira pensada e com um significativo potencial educa-
tivo, manifestada nas práticas pedagógicas de instituições públicas e particula-
res de ensino. Sua fundamentação envolve estudo, pesquisa, questionamentos,
argumentação, reflexão coletiva, com a perspectiva de ser idealizado e concreti-
zado com as crianças e não para as crianças.
Os projetos surgiram no Movimento de Escola Nova 5 para melhorar o
ensino e como distintivo de uma escola que opta pela atualização de seus

¹ Os alunos são levados a aprender observando, pesquisando, perguntando, trabalhando,


construindo, pensando e resolvendo situações problemáticas apresentadas, quer em relação a um
ambiente de coisas, de objetos e ações práticas, quer em situações de sentido social e moral, reais
ou simbólicos (LOURENÇO FILHO, 1978).

116
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

conteúdos e pela adequação às necessidades dos alunos e da sociedade aos quais


cada instituição se veicula. A Pedagogia de Projetos, portanto, ressignifica o es-
paço escolar, transformando-o em um espaço vivo de interações, aberto ao real
e às suas múltiplas dimensões, trazendo uma nova perspectiva para se entender
o processo de ensino – aprendizagem. Nesse processo, todo conhecimento é
construído em estreita relação com os contextos em que são utilizados, sendo
impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais, pois a formação
dos alunos não pode ser pensada apenas como uma atividade intelectual. (BAR-
BOSA; HORN, 2008)
Atualmente, a formulação de projetos torna-se indispensável, dada a
complexidade dos problemas socioculturais, políticos e econômicos das socie-
dades. Nessa perspectiva, profissionais da educação se posicionam diante da ne-
cessidade de desenvolver seu trabalho em forma de projetos.
Barbosa e Horn (2008) indicam algumas dimensões que fazem parte do
trabalho com projetos: aqueles organizados pela escola para serem realizados
com as famílias, as crianças e os professores; o Projeto Político Pedagógico da
escola; organizado pelos professores para serem trabalhados com as crianças e
as famílias e, principalmente, aqueles propostos pelas próprias crianças.
O trabalho com projetos é uma modalidade organizativa estimulante no
que diz respeito à aprendizagem. A criança tem a oportunidade, junto com os
professores e professoras, a participarem ativamente das atividades, não como
expectadores, mas como sujeitos integrantes dessa proposta. A contextualiza-
ção dos conteúdos, trabalhados a partir da realidade de cada criança é o que
torna esse procedimento considerável, intenso e importante.
Nesse aspecto, Barbosa & Horn (2008) afirmam que:
Para haver aprendizagem, é preciso organizar um currículo que seja significa-
tivo para as crianças e também para os professores. Um currículo não pode ser
a repetição contínua de conteúdos [...]. Os projetos abrem para a possibilidade
de aprender os diferentes conhecimentos construídos na história da humani-
dade de modo relacional e não-linear, propiciando às crianças aprender atra-
vés de múltiplas linguagens, ao mesmo tempo em que lhes proporcionam a
reconstrução do que já foi aprendido. (BARBOSA; HORN, 2008, p. 35)

Gasparin (2011) nos diz que:


Do ponto de partida do novo método não será a escola, nem a sala de aula, mas
a realidade social mais ampla. A leitura crítica dessa realidade torna possível
apontar um novo pensar e agir pedagógicos. Deste enfoque, defende-se o ca-
minhar da realidade social, como um todo, para a especificidade teórica da sala
de aula e desta totalidade social novamente, tornando possível um rico pro-
cesso dialético de trabalho pedagógico. (GASPARIN, 2011, p. 33)

Com isso, trabalhar com projeto na educação infantil nos levou a per-
ceber a importância do conhecimento significativo para as crianças não só den-
tro, como em todo ambiente escolar e em sua realidade.

117
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Ao adentrar no ambiente escolar, observou-se em seu espaço externo


uma área verde em desuso. Foi instigada a necessidade de reorganizar esse local
como campo de ensino e aprendizagem, revitalizando a horta da escola. Após
investigações feitas através de questionários e entrevistas com os gestores e co-
laboradores da Creche Escola, colocou-se em prática a ideia de trabalhar a edu-
cação ambiental e alimentar com as crianças, para elaboração e implantação do
projeto “Horta Escolar”.
O trabalho com educação ambiental auxilia as crianças no aprendizado
e na valorização à natureza e todos os elementos que a compõe, porque, se desde
pequenos forem sensibilizados com relação a suas responsabilidades, indubita-
velmente serão adultos com mais compreensão de sua conduta no mundo. Tra-
balhar com essa proposta pedagógica possibilitou a esperança de que as crianças
da Creche Escola possam fazer parte de uma sociedade mais justa, onde os cida-
dãos respeitem a si próprios, os seus semelhantes e a todas as formas de vida
existentes no planeta.
Serrano (2003, p. 23) nos coloca que “a questão ambiental requer novos
conhecimentos teóricos e práticos para sua compreensão e resolução. Dessa
forma, a educação ambiental induziu a um desenvolvimento do conhecimento
em diversas disciplinas cientificas.” O trabalho com a Educação Ambiental, du-
rante o processo de desenvolvimento infantil, deve ser com base no contexto
sociocultural, gerando a autonomia, criticidade e responsabilidade das crianças
que constroem conhecimento.

3. A ESCOLA, AS CRIANÇAS E A MOBILIZAÇÃO PARA A


HORTA
A Creche Escola, lócus da pesquisa, localiza-se na periferia da cidade
de São Luís, em um bairro com alta incidência de criminalidade. Observou-se
parte de seu espaço físico e alguns de seus profissionais. Escola muito ampla,
muitas salas de aulas, sala de vídeo, sala de balé, refeitório, brinquedoteca, sala
de descanso para as crianças da creche do turno integral compostas por 200 ca-
minhas, ambulatório, entre outros espaços.
Ao conversar com a gestão compreendeu-se a proposta da Creche Es-
cola para atender as crianças da comunidade. “Um projeto, quando bem desen-
volvido, oferece melhores perspectivas para a escola, o aluno e a comunidade
enfrentarem as mais diversas situações.” (Gestor da Creche Escola). A escola
elaborava projetos para a comunidade carente onde está localizada, oferecia pro-
fissionalização aos pais de alunos com o projeto “Padaria do Povo”, onde esses
aprendiam a fazer pães e doces para vender e ajudar na renda doméstica. Outro
projeto muito importante foi o “Gestando Vidas”, onde as mães de alunos que se

118
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

encontravam gestantes, tinham a oportunidade de aprender a produzir o enxo-


val para seus bebês.
Além dos alunos regulares, a escola atende 18 alunos com necessidades
educacionais especiais. Autistas, crianças com síndrome de Alexander, sín-
drome de down, microcefalia, dificuldades de aprendizagem e deficiência inte-
lectual estão matriculados na escola e recebem apoio pedagógico educacional.
Com a Resolução nº 2/2001 que instituiu as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica, houve um avanço na perspectiva da uni-
versalização e atenção à diversidade, na educação brasileira, com a seguinte re-
comendação, em seu Art. 2º,
Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas
organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacio-
nais especiais, assegurando as condições necessárias para a educação de qua-
lidade para todos. (BRASIL, 2001, p. 12)

Mediante entrevista percebemos que o gestor da Creche Escola tem co-


nhecimento das leis acerca da inclusão bem como da obrigatoriedade da garantia
de vaga para os alunos com necessidades educacionais especiais . Nessa perspec-
tiva, a nossa investigação com a gestão escolar percebeu que a mesma está co-
nectada com a proposta de currículo para a educação infantil onde se leva em
consideração perfis docentes, o espaço e como se organiza a prática pedagógica,
bem como o material e as rotinas pedagógicas.
Ao entrarmos em contato direto com as crianças, focamos nosso olhar
nelas como sujeito de direitos e protagonistas do seu processo de desenvolvi-
mento e aprendizagem. Levamos em consideração suas características, seu con-
texto social e suas especificidades para depois pensarmos no projeto que seria
criado para as crianças e escola e posteriormente executadas.
Essa visão de organização do trabalho pedagógico considera as crianças como
co-autoras do seu processo de aprendizagem, tirando-as do lugar de passivi-
dade que a escola as têm colocado para um papel ativo e participativo. Quando
trabalhamos com projetos, construímos na verdade uma comunidade de
aprendizagem, na qual o professor, as crianças e suas famílias são igualmente
“protagonistas”. (BARBOSA; HORN, 2008, p. 84).

A criança, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação


Infantil (BRASIL, 2010), é um sujeito histórico e cultural, que precisa ter garan-
tido seu atendimento educacional. Esse documento define a criança como um
ser que se constrói através de interações, produz conhecimento e tem o direito
de brincar, observar e experimentar.
Passou-se de uma concepção a qual as crianças eram vistas como seres em
falta, incompletos, apenas a serem protegidos, para uma concepção das crian-
ças como protagonistas do seu desenvolvimento, realizado por meio de uma
interlocução ativa com seus pares, com os adultos que as rodeiam, com o am-
biente no qual estão inseridas [...]. (BARBOSA; HORN, 2008, p. 28).

119
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Observamos, através das entrevistas e questionários, que a maior parte


das crianças matriculadas na Creche, residem próximo à escola, possuem baixo
poder aquisitivo e são filhos de pais que trabalham em horário integral ou estão
desempregados.
Fizemos a pesquisa no turno vespertino e as crianças que estudam
nesse período estão apenas nesse horário na escola, exceto as meninas e meninos
do maternal, que ficam na Creche em período integral. A escola oferece refeição
e segundo algumas professoras “são as únicas refeições do dia para algumas cri-
anças” que vivem em circunstâncias de privações. Algumas crianças que trazem
o lanche de casa, que são a minoria, no recreio comem pipocas, sucos industria-
lizados, biscoitos “água e sal” ou recheados.
Diante disso, percebemos a necessidade do trabalho sobre alimentação
saudável e sua importância para o bom desenvolvimento físico, cognitivo e emo-
cional da criança. Com isso, a escola restabeleceu a ideia de (re)ativar a área
verde da escola e a horta para que esses vegetais fizessem parte da dieta das cri-
anças e da mesa das famílias.
Para introduzir o assunto nas salas de aulas, as professoras contaram
histórias, de forma lúdica, sobre a preservação da natureza e as riquezas vegetais
que ela nos proporciona. Realizaram lanches coletivos, onde tiveram a oportu-
nidade de degustar e saborear frutas típicas da nossa região como banana,
manga, abacaxi, laranja, bacuri, cupuaçu, entre outros. Experienciaram o comer,
brincar, “se melecar”, sujar, conversar, trocar ideias e construir materiais. As
professoras trouxeram acerola, ata, quiabo, abóbora, coentro, cebolinha e feijão
para o reconhecimento das crianças, pois são hortaliças frequentes na mesa de
famílias maranhenses.
Posteriormente levaram as crianças, do Maternal I ao infantil II, para o
espaço onde seria (re)ativada a horta escolar, para aproximação e reconheci-
mento do local onde seria realizada a atividade do plantar e futuramente, do co-
lher. Magalhães (2003) afirma que utilizar a horta escolar como estratégia, vi-
sando estimular o consumo de feijões, hortaliças e frutas, torna possível adequar
a dieta das crianças. Podemos observar também que as hortaliças cultivadas na
horta escolar, quando presentes na alimentação, as crianças sempre querem pro-
var por ser resultado dos seus trabalhos.

4. RESULTADOS DA PESQUISA
Segundo Rodrigues (2007, p. 14) “pesquisar, significa, de forma bem
simples, procurar respostas para indagações propostas”. Nessa perspectiva, a in-
tenção dessa pesquisa era compreender o trabalho escolar com a experiência da
organização da horta com as crianças, percebendo como interações e

120
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

brincadeiras perpassaram nesse movimento inclusivo e comunitário, que possi-


bilitou a construção de novos hábitos alimentares.
A pesquisa de campo, com observação participante e abordagem quali-
tativa, favoreceu aos pesquisadores compreenderem os desdobramentos das ati-
vidades propostas pelo Projeto Horta Escolar com as crianças. Esse tipo de pes-
quisa “corresponde à observação, coleta, análise e interpretação de fatos e
fenômenos que ocorrem dentro de seus nichos, cenários e ambientes naturais de
vivência.” (Rodrigues, 2007, p. 22) Transcorreu com realização de entrevistas
de caráter exploratório com os segmentos da comunidade escolar, que foram
instrumentos de pesquisa que possibilitaram uma aproximação das etapas de
construção pedagógica.
Conhecer os aspectos históricos, sociais e culturais das crianças que es-
tudam na Creche Escola foi o início do processo da ação pedagógica. Durante a
pesquisa, houve a necessidade de explorar temas ligados à educação ambiental,
uma vez que a escola não apresentava uma boa infraestrutura, porém possuía
áreas de lazer que precisavam ser conservadas. Sobre a educação alimentar, atra-
vés das observações, constatamos a importância de uma discussão sobre a qua-
lidade nutricional das crianças, que na maioria das vezes, é suprida pela alimen-
tação fornecida na escola.
Em relação ao trabalho desenvolvido pela escola com as crianças, Ost-
teto (2000) afirma:
Planejar é essa atitude de traçar, projetar, programar, elaborar um roteiro para
empreender uma viagem de conhecimento, de interação, de experiências múl-
tiplas e significativas para/com o grupo de crianças. Planejamento pedagógico
é atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso, não é
uma fôrma! Ao contrário, é flexível e, como tal, permite ao educador pensar,
revisando, buscando novos significados para a sua prática docente (OSTE-
TTO, 2000, p. 177).

As atividades realizadas com as crianças estimularam o cuidado que de-


vem ter com o meio ambiente, utilizando os conteúdos numa linguagem compa-
tível com o nível de desenvolvimento e faixa etária delas, em atividades de rodas
de conversas, com perguntas, exemplos e leitura de imagens, diferenciando am-
bientes poluídos e não poluídos, reforçando a necessidade de cuidar do meio
ambiente, da natureza, e questionando-as quem de fato é o causador da poluição
e as consequências desses atos.
Acreditamos que essa vivência na escola, trouxe a criança para o centro
do processo educacional, ao mesmo tempo em sintonia com nossas práticas, pos-
sibilitando o pleno desenvolvimento físico, social, intelectual e emocional. Com
isso, entrevistamos o gestor, a coordenadora e uma mãe da Creche em relação ao
projeto desenvolvido na escola:

121
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Já havia existido uma horta aqui na creche, com hortaliças, verduras, legumes,
porém não foi adiante, não consegui retomar a horta. Então quando o projeto
agora está caminhando novamente a ser o que era, fico muito feliz [...] pois isso
implica no desenvolvimento das crianças. Ou seja, as crianças terem uma alimen-
tação saudável diretamente da nossa horta[...] (Gestor Escolar, 45 anos).
O trabalho vai melhorar o convívio das crianças aqui e o mundo afora. Saindo
daqui com outra mente em relação ao cuidar da sua alimentação [...]. Quer
dizer, coadjuvar a família na sua própria casa, a começar com uma horta pe-
quena, e assim dando continuidade ao longo da vida[...]. Estamos de parabéns
por essa iniciativa. (Coordenadora Pedagógica, 63 anos).
Quando meu filho me contou da novidade, vi nos olhos dele a alegria de me
dizer do projeto, em que ia comer alimentos saudáveis, diferentes e direta-
mente da creche. Então não me enganei ao colocar ele na creche, pois sei que
existe parcerias e projetos presentes no mesmo. Como mãe, quero o desenvol-
vimento dele como um todo, não só no aprender, mas no psicológico, sua no-
ção em relação as coisas [...]. Contudo, a horta escolar é essencial para a vida
cotidiana das crianças, espero que todos os pais apoiem como eu e ajudem
também a continuar essa atitude das garotas do projeto. (Mãe, dona de casa,
30 anos).

Como afirma Cribb (2010), as atividades realizadas em ambientes aber-


tos, como na horta escolar, contribuem, dentre outros fatores, para os alunos
compreenderem o perigo na utilização de agrotóxicos para a saúde humana e
para o meio ambiente; proporciona uma compreensão da necessidade da preser-
vação do meio ambiente escolar; desenvolve a capacidade do trabalho em equipe
e da cooperação; e proporciona um maior contato com a natureza, já que crian-
ças dos centros urbanos estão cada vez mais afastadas dela. Proporciona tam-
bém a modificação dos hábitos alimentares dos alunos, além da percepção da
necessidade de reaproveitamento de materiais tais como: garrafas pet, copos
descartáveis, entre outros.
Tais atividades auxiliam no desenvolvimento da consciência de que é ne-
cessário adotarmos um estilo de vida menos impactante sobre o meio ambiente bem
como a integração dos alunos com a problemática ambiental vivenciada. Assim
sendo levando as crianças à horta, cada uma colocando a semente na terra, sementes
de acerola, ata, quiabo, abóbora, coentro e cebolinha que lhe são conhecidas, apre-
sentamos o cuidar das hortas, das árvores, das plantas, do meio ambiente, e as crian-
ças passam a adquirirem um novo olhar à preservação do planeta Terra.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da pesquisa na Creche Escola, descobrimos que é possível rom-
per com as práticas escolarizantes na Educação Infantil ao vivenciarmos a pers-
pectiva de trabalho por projeto, por meio do plantar, colher, brincar, ensinar e
aprender com a horta escolar, sensibilizando a criança que deixou de ser passiva
e assumiu o protagonismo nesse processo.

122
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Cabe salientar que toda experiência vivenciada agregou valores e ensina-


mentos para nossa formação acadêmica e para o exercício da profissão. A prática
docente nos possibilitou exercitar a profissão e exercitar também a autorreflexão,
quer dizer, olhar para si mesmo e enxergar uma possibilidade de se construir gra-
dativamente e buscar melhorá-las diariamente através de nossas ações.
Portanto, a pesquisa se configurou como um processo de auto formação,
no qual aprofundamos na prática os conhecimentos teóricos, buscando sempre
desenvolver um trabalho comprometido com a nossa formação. Afirmamos as-
sim, que é de grande relevância para nossa formação acadêmica e profissional,
pois, adquirirmos conhecimentos durante a prática na qual tivemos a oportuni-
dade de visualizar e vivenciar o que aprendemos com a pesquisa, de forma rica e
satisfatória.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Maria Carmem Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. Projetos
Pedagógicos na Educação Infantil. Porto Alegre: Grupo A, 2008.
BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial. Projeto Escola
Viva: Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos
com necessidades educacionais especiais, Brasília: MEC/SEESP, 2000, vol. 6.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010.
CRIBB, Sandra L. de S. P. Contribuições da educação ambiental e horta escolar na
promoção de melhorias ao ensino, à saúde e ao ambiente. REMPEC - Ensino, Saúde
e Ambiente, v.3 n. 1 p. 42-60 Abril 2010.
GASPARIN, José Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 5 ed.
Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
LOURENÇO FILHO, M. B. Introdução ao estudo da Escola Nova. 13. ed. São Paulo:
15 Edições Melhoramentos, 1978.
QUIVY, R.; CAMPENHOUDT, L. V. Manuel de recherche em sciencessociales.
Paris: Dunod, 1995
MAGALHÃES, A. M. A horta como estratégia de educação alimentar em creche.
2003. 120 f. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) - Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2003.
MINAS GERAIS. Escola Plural. Pedagogia de Projetos. Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte, 1994.

123
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

ROCHA, Eloísa Acires Candal. A pesquisa em educação infantil: trajetória recente


de consolidação de uma pedagogia da educação infantil. Florianópolis: UFSC.
Centro de Ciências da Educação, Núcleo de Publicações, 1999.
RODRIGUES, Willian Costa. Metodologia da pesquisa cientifica. FAETEC/IST,
Pacaembi, 2007.
SERRANO, Climene Maria Lopes. Educação ambiental e Consumerismo em
unidades de ensino Fundamental de Viçosa- MG. (Tese) Universidade Federal de
Viçosa – MG, 2003.
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Encontros e encantamentos na educação infantil:
partilhando experiências de estágios. Campinas: Papirus, 2000.

124
A INFÂNCIA CRIA E RECRIA: EXPERIÊNCIAS
BRINCANTES COM CRIANÇAS DO POVOADO
CAPOTAL NA CIDADE DE ANAJATUBA-MA

Jaquicilene da Silva Santos1


Aíla Pedroso Moraes2
Rosyane de Moraes Martins Dutra 3

1 INTRODUÇÃO
As crianças são reveladoras de um universo que ultrapassa as fronteiras
dos lugares que vivem. No campo, elas recriam as possibilidades no encontro
com a natureza, por utilizarem elementos naturais como brinquedos, por exem-
plo. A aproximação investigativa nesse contexto precisa respeitar a relação cri-
ança-contexto-objeto, considerando os novos significados que a infância denota
sobre a realidade concreta. Assim, enquanto brincam, são capazes de mobilizar
novas ideias sobre essa atividade, criando e recriando os espaços, os tempos, os
artefatos e toda a materialidade envolvida em seus territórios demarcados.
No contato com as comunidades rurais no interior do estado do Mara-
nhão, o Grupo de Estudos e Pesquisas Infância e Brincadeiras (GEPIB) da Uni-
versidade Federal do Maranhão (UFMA), atentou para a infância do campo e
suas principais manifestações culturais, enquanto brincavam. Nessa investiga-
ção, o objetivo era reconhecer nas atividades brincantes das crianças em seu con-
texto de vivência com sua comunidade, as práticas, os movimentos e as brinca-
deiras reveladoras de um lugar próprio.
Por meio da pesquisa de campo, as análises realizadas a partir das ob-
servações e das falas das crianças sobre o que brincavam e o que recriavam

1
Pedagoga, especialista em educação infantil. Professora da Rede Municipal de Ensino – São
Luís/MA. Pesquisadora – GEPIB/UFMA. E-mail: jaquicileneeducacao@gmail.com
2
Graduada em Pedagogia, pela Universidade Federal do Maranhão/UFMA. Especialização em Ges-
tão Educacional pela Faculdade Atenas Maranhense - FAMA. Integrante do Grupo de Estudo e
Pesquisa Infâncias e Brincadeira - GEPIB/UFMA. E-mail: ailapedroso73@gmail.com
3
Professora do Departamento de Educação I. Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora
GEPIB/UFMA e pesquisadora sobre História, Política e Cultura da Infância. E-mail: rosyane.du-
tra@ufma.br

125
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

naquele contexto rural do Povoado de Capotal, no município de Anajatuba-MA,


foram importantes para a compreensão do processo criativo infantil. As peculi-
aridades do contexto no qual estavam inseridas revelaram uma infância que,
apesar das dificuldades estruturais e financeiras, manifesta potencialidades de
compreensão da realidade em que vive através das brincadeiras que reinventam.
Algumas questões nortearam nossas investigações in loco: qual o con-
texto do Povoado Capotal, localizado no município de Anajatuba, e que o carac-
teriza como uma comunidade rural? Quais as brincadeiras que as crianças mais
gostam e quais são representativas do lugar que vivem? Qual a influência que
recebem das famílias na reinvenção de suas brincadeiras? A comunidade mani-
festa importância ao tempo de brincar das crianças do povoado? Essas indaga-
ções mobilizaram as observações e as entrevistas aos sujeitos da pesquisa

2. A INFÂNCIA E A RECRIAÇÃO DOS CONTEXTOS NA ZONA


RURAL MARANHENSE
O brincar sempre esteve presente na vida dos seres humanos em diver-
sos locais e culturas do mundo. E com o passar dos anos, as formas e até os brin-
cantes também passaram por esse processo de transformação em que era comum
para o adulto e criança, sendo realizado em praças, ruas, campos e entre outros
ambientes. Com o advento da sociedade industrial e da pós-modernidade, o
brincar passa por essas influências expressadas nas singularidades da criança e
nos grupos infantis. Mesmo em lugares e culturas distintas, a cultura lúdica não
deixa de existir pois, se apropria desses elementos para serem reconfigurados e
contextualizados pela criança, ou seja, como produtoras de culturas o sentido
do lúdico se modifica. A produção da cultura lúdica, “não existe pairando acima
de nossas cabeças, mas é produzida pelos indivíduos que dela participam...pode-
se dizer que é produzida por um duplo movimento interno e externo. A criança
adquire, constrói sua cultura lúdica brincando” (BROUGÈRE, 1998, s/p).
Considera-se que a mãe é a primeira pessoa responsável pela inserção da
criança na cultura lúdica em que suas experiências se iniciam quando são bem pe-
quenas. Para Brougère, esse processo de aprendizagem se torna possível no ato de
brincar e que, “aprende-se a brincar. A criança pequena é iniciada na brincadeira
por pessoas que cuidam dela, particularmente sua mãe” (2010, p. 104).
Kishimoto (2010), reafirma que por meio das interações com outras cri-
anças e adultos, se aprende a brincar observando e aprendendo novas brincadei-
ras e suas regras. A relevância das relações sociais como determinante na aqui-
sição de novas percepções do existir no/para o mundo, Wajskop (1995, p. 65),
diz que “o brincar é uma atividade mental, uma forma de interpretar e sentir
determinados comportamentos”. Nesse contexto, é o que aflora o processo

126
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

criativo do ser humano e Vygotsky (2012) enfatiza que, a atividade humana não
se resume em apenas reproduzir experiências ou impressões vividas, mas (re)
criar imagens e ações criativamente por meio das vivências passadas, novas ex-
periências e comportamentos.
A atividade criadora da imaginação está em relação direta com a riqueza e a
variedade da experiência acumulada pelo homem, uma vez que esta experiên-
cia é a matéria-prima a partir da qual se elaboram as construções da fantasia.
Quanto mais rica for a experiência humana, mais abundante será a matéria
disponível para a imaginação” (VYGOTSKY, 2012, p. 32).

A criança adquire a sua cultura lúdica brincando, relacionando com seus


pares e a experiência adquirida nas participações e ou observando jogos e brinca-
deiras que contribuirá significativamente na ampliação de repertórios, seja verbal
ou não verbal e de simbolização da/na brincadeira. Outro fator relevante é o am-
biente, que é visualizado como um elemento indutor para que essa brincadeira seja
confrontada e ressignificada na cultura em que a criança está inserida. Brougère
(2010) nos remete que a interação social é imprescindível para que o brincar tenha
significado no contexto com os materiais e suas materialidades.
A criança não brinca numa ilha deserta. Ela brinca com as substâncias mate-
riais e imateriais que lhe são propostas. Ela brinca com o que tem à mão e com
o que tem na cabeça, trazem-lhe a matéria...toda brincadeira está condicio-
nada pelo meio ambiente. Só se pode brincar com o que se tem, e a criatividade
tal como evocamos, permite, justamente, ultrapassar esse ambiente, sempre
particular e limitado (BROUGÈRE, 2010, p. 111).

O brincar é considerada a principal atividade da criança, sendo a sua


linguagem essencial. É um meio que expressam seus sentimentos, valores e ex-
perienciam a sua existência no mundo, na sua cultura e consequentemente,
aguça o seu poder de imaginação e criatividade. Por meio da brincadeira, a cri-
ança adquire experiências vivenciadas no seu cotidiano que colabora de maneira
significativa na atividade imaginativa. Kishimoto (2010) reverbera que apesar da
criança ser um sujeito ser em desenvolvimento com características próprias, é
vista como aquela que imita e brinca, provida de espontaneidade e liberdade.
Wajskop (1995) refere que o brincar se constitui como um fato social e
determina a imagem de criança e brincadeira de uma comunidade ou grupo de
pessoas. Para Vygotsky, “a relação da criança com o seu meio, que, com a sua
complexidade ou simplicidade e com as tradições e influências, estimula e ori-
enta o processo da criatividade” (VYGOTSKY, 2012, p. 57).
O relato em questão, nos mostra que independente dos locais, sejam ri-
beirinhas, nas zonas rurais, nas cidades, as crianças não deixam de interagir com
a diversidade multicultural existente no seu cotidiano e esse mundo diverso, se
revela em seu brincar. Mesmo que essas comunidades tenham vastos repertórios

127
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

de brincadeiras tradicionais que são propagadas pelas gerações anteriores, a in-


fluência pelos meios de comunicação também interfere nos repertórios lúdicos.
Nessa perspectiva, constata-se que a imaginação e criatividade se per-
passa nas brincadeiras e influências externas que vão se (re) construindo intrin-
secamente a vivência da criança com o brincar. Silva e Sodré (2017, p. 364), evi-
dencia que a criança do campo expressa em suas brincadeiras elementos do lugar
em que vive é uma atividade carregada de significados. Kishimoto (2010) ratifica
que,
Muitas brincadeiras preservam sua estrutura inicial outras, modificam-se re-
cebendo novos conteúdos. A força de tais brincadeiras, explica-se pelo poder
da expressão oral. Enquanto manifestação livre e espontânea da cultura po-
pular, a brincadeira tradicional tem a função de perpetuar a cultura infantil,
desenvolver formas de convivência social e permitir o prazer de brincar
(KISHIMOTO, 2010, p. 38-39).

A brincadeira tradicional é bastante recorrente no contexto pesquisado,


evidenciando que o patrimônio lúdico da humanidade não se perde, apenas se mo-
difica, pois, as brincadeiras locais são enriquecidas com imagens e linguagens pro-
venientes do seu cotidiano e da cultura. A influência das gerações anteriores cor-
robora com os argumentos de Kishimoto (2010, p. 39) que, “o conteúdo do
imaginário provém de experiências anteriores...ideias e ações adquiridas pelas cri-
anças do mundo social, incluindo a família e o seu círculo de relacionamento”.
Constata-se que nas comunidades rurais algumas famílias utilizam da
agricultura e criação de animais como meio de subsistência e as crianças geral-
mente, são envolvidas nesse processo de trabalho. Mesmo tendo contato com a
natureza, o brincar fica comprometido com outros afazeres locais. Apesar dos
contratempos, a convivência com seus pares faz com que realizem a imersão nas
manifestações brincantes da cultura local e, é manifestada pela linguagem lúdica
que é o brincar. Em relação a linguagem essencial da criança, Silva e Sodré (2017)
dizem:
Quando brinca, carrega para a brincadeira as marcas das suas relações e os
elementos da sua cultura. Consequentemente, a criança do campo expressa
nas suas brincadeiras elementos do lugar em que vive e o pesquisador focaliza,
então, o brincar como uma atividade carregada de significações” (SILVA; SO-
DRÉ, 2017, p. 364)

Como forma de dialogar e perceber como se dá o brincar na comuni-


dade, o procedimento investigativo utilizado foi a observação direta, registros
fotográficos e rodas de conversa. Para compreender as suas percepções, é neces-
sário que os protagonistas desse contexto, sejam escutados. Silva e Sodré (2017,
p. 364), reafirma que a “escolha das crianças como informantes do seu cotidiano,
viabiliza uma maior compreensão sobre o seu contexto e como vivenciam suas
infâncias”.

128
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Nesse sentido, as rodas de conversa são uma estratégia valiosa para


exercer a escuta das crianças sobre o brincar e, como se configura as vivências
na cultura de pares e os sentidos e significados emanados na cultura lúdica da
Comunidade de Capotal, na cidade de Anajatuba – MA.

3. EXPERIÊNCIAS BRINCANTES NO POVOADO CAPOTAL NA


CIDADE DE ANAJATUBA-MA: AS CRIANÇAS CRIAM, PENSAM,
RECRIAM…
Esta pesquisa foi idealizada, pelo Grupo de Estudos e Pesquisa Infância
e Brincadeiras (GEPIB), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que
diante da inquietação em conhecer as vivências brincantes das crianças que vi-
vem no campo, iniciou visitas na cidade de Anajatuba mais precisamente no po-
voado Capotal, zona rural de São Luís, por apresentar singularidades como vi-
venciarem momentos lúdicos com seus pares produzindo cultura e apropriando-
se de conhecimentos.
As interações sociais que ocorrem nas vivências das crianças do povo-
ado, nos remete a pensar que o brincar é uma atividade carregada de significados
que decorre do contexto ambiental e sociocultural da comunidade. Ass brinca-
deiras são mediadas não só por um simples momento de lazer, mas refletem uma
imagem social da sociedade. Ao brincar a criança se apropria de elementos cul-
turais presentes no meio em que está inserida.
Brincar é uma experiência que perpassa os limites da imaginação, pois
a criança interage com o meio, enriquecendo seu aprendizado em diferentes es-
feras. A criança tem a possibilidade de desvendar o mundo, de sentir-se inte-
grado a este novo ambiente que se apresenta, porém o “brincar não é dinâmica
interna do indivíduo, mas uma atividade dotada de significado social precisa
que, como outras, necessita de aprendizagem” (BROUGÉRE, 1998, p.20).
Observamos que na comunidade as crianças se reinventam, recriando
brinquedos a partir dos materiais existentes ao seu alcance, utilizando do ima-
ginário e transpondo para o real.
O brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe
no cotidiano, a natureza e as construções humanas. Pode-se dizer que os ob-
jetos do brinquedo é dar a criança um substituto dos objetos reais, para que
possa manipulá-los (KISHIMOTO, 2010, p. 18).

Sendo assim, a imaginação e a natureza reúnem-se numa cosmogonia


do brincar que aborda o imaginar como ressignificação de experiências vividas .
A criança é o sujeito ativo na investigação do conhecimento, participante das
práticas sociais nas quais se encontra envolvida, um ser pensante, questionador,
autônomo e que constrói significados. A criança atualmente é vista como um

129
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

indivíduo que questiona, exige e detém seu espaço na sociedade, diferente de


como era vista antigamente. A criança é um ser em constante crescimento capaz
de agir, interagir, descobrir e transformar o mundo, com sua linguagem, com ha-
bilidades, limitações e potencialidades.
Esse processo é entendido por Corsaro (2011), como a reprodução in-
terpretativa da cultura, em que, por meio da interação com os colegas no con-
texto que vivem, as crianças produzem uma série de culturas de pares, e depois
esses conhecimentos e práticas infantis são transformadas de modo a adquirir
conhecimentos adequados para assim participar do mundo dos adultos.
Nesse processo, as crianças compartilham suas vivências e conheci-
mentos, tornando-se não só meros receptores da cultura que os cerca, e sim su-
jeitos ativos nesse processo, se apropriando e reinterpretando seus elementos.
Deste modo, entende-se que a criança, por meio da interação com os pares não
só se apropria da cultura advinda dos outros, como também produz cultura.
Quando se analisa esse aspecto, percebe-se que as crianças não são um depósito
de cultura, mas ela faz uso dessa cultura, compartilha, transforma.

3.1 O Percurso do Relato


As reflexões citadas nesta pesquisa permeiam todas as ações que foram
desenvolvidas. Ao chegarmos na comunidade, organizamos o local onde iríamos
brincar, em seguida buscou-se conhecer a comunidade e visitar as famílias para
conhecermos tanto as crianças quanto seus familiares. Explorar e conhecer as
riquezas culturais brincantes no contexto local era o que nos levava a refletir o
quão se faz imprescindível a relação das crianças com a ludicidade e o resgate
das vivências brincantes presentes na infância dos pais e avós.
A partir das relações estabelecidas entre as crianças, podemos nos refe-
rir à cultura de pares na qual conhecimentos e práticas da infância são gradual-
mente transformadas em conhecimento e habilidades necessárias para partici-
par do mundo adulto (CORSARO, 2011). Quando acontece esse resgate a criança
se apropria de saberes que vão além das fronteiras do conhecimento.
As interações sociais entre crianças e adultos produzem culturas que
perpassam de geração a geração. Tais inferências se reforçam pela ideia de que
apresenta a cultura como um produto da vida social e da atividade social do ser
humano, isso implica em dizer que tudo que faz parte da cultura é social.
Todos os participantes desta pesquisa fazem parte do Grupo de Estudo
e Pesquisa Infâncias e Brincadeiras (GEPIB), da Universidade Federal do Mara-
nhão (UFMA). Na primeira etapa do trabalho fizemos a contextualização do
campo, com a presença de integrantes, após, recepcionando as crianças ao som
de uma música de acolhimento. Em seguida fizemos uma dinâmica de

130
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

apresentação onde as crianças puderam se movimentar com prazer pois estavam


bastante tímidas. Organizamos o ambiente para o momento da contação de his-
tórias, que foi em um local amplo e em contato com a natureza. No primeiro
período que foi pela manhã, as pesquisadoras fizeram a contação das histórias,
onde as crianças interagiram dando sua contribuição diante de indagações. A
partir daí fizemos algumas brincadeiras que fazem parte do cotidiano das crian-
ças que foram: corrida do saco, brincadeira das cadeiras ao som de música, enche
balão, onde pudemos perceber que as crianças interagiam de forma saudável res-
peitando o espaço do outro. O brincar dentro do contexto cultural onde as cri-
anças estão inseridas se deu de forma espontânea pois a brincadeira faz parte do
universo da criança.
A experiência cultural, portanto, surge como extensão direta da ativi-
dade lúdica da criança, e dentro do contexto cultural onde as crianças estão in-
seridas se deu de forma espontânea.

3.4 Diálogos e práticas brincantes


As crianças tiveram a oportunidade de expressar suas ideias quanto ao
modo de brincar e suas brincadeiras preferidas. Assim apresentaremos o mate-
rial produzido junto às crianças que foram registrados por meio de entrevistas,
na roda de conversa que teve como objetivo analisar elementos ou fatores que
podem contribuir com a vivência das crianças do campo, concebida como a re-
lação da criança com o meio, ou a maneira como toma consciência e se relaciona
afetivamente com o ambiente (VYGOTSKY, 2000).
Criança 1 - (Cainã - idade 9 anos).
Meu nome é Cainã tenho 9 anos, gosto de brincar de bola com meus amigos tudinho daqui e
gosto de banhar, gosto de lavar meus cavalos e gosto de brincar de esconde-esconde.
Criança 2- (Yasmim Vitória 5 anos)
Meu nome é Yasmim Vitória, eu tenho 5 anos, eu gosto de brincar de boneca.
Criança - (Andriel - 8 anos)
Eu gosto de brincar de bola, minha idade é 8 anos e meu nome é Adriel, e eu gosto de banhar
no rio.

O diálogo com as crianças a partir das entrevistas ficou evidente que o


meio social onde estão inseridas influência de forma direta o seu modo de brin-
car devido às práticas culturais da comunidade. Durante a tarde, produzimos
com as crianças brinquedos utilizando materiais recicláveis a partir da contação
da história feita pela pesquisadora que com toda a maestria nos encantou com a
história “A VISITA” de Antje Damm que nos conta a história de uma criança
chamada Elise que além de ser medrosa pretendia viver sozinha, mas quando
menos esperava foi surpreendida com uma visita inesperada. A história envolveu
as crianças ativamente pois sentiram-se incomodadas pelo fato de Elise não

131
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

interagir com outras crianças, já que a interação entre os pares é um fator im-
prescindível para a socialização e a aprendizagem.
No decorrer da história surgiu um personagem que foi o objeto da con-
fecção de uma oficina brincante (avião) feito de papel. Observamos a alegria e
satisfação das crianças quando foi proposto a criação do aviãozinho, onde pude-
ram usar de sua imaginação criativa, que é uma realização humana, geradora do
novo que se retrata dos reflexos de algum objeto do mundo exterior ou de deter-
minadas elaborações do cérebro. Um outro aspecto importante reside em que a
criatividade tem uma origem social veiculada através da atividade de troca sim-
bólica entre os indivíduos. Durante a confecção dos aviões pelas crianças obser-
vamos a interação e troca de conhecimentos quando trocavam ideias a respeito
de como seriam seus aviões (VYGOSTSKY, 2012).
Para dinamizar o momento, levamos as crianças para um campo de fu-
tebol existente no povoado onde puderam usar sua imaginação e brincar livre-
mente com suas produções. Foi um momento ímpar para nós enquanto pesqui-
sadoras perceber e participar do sentimento que impele da criança, expressar
seus sentimentos, valores e conhecendo a si próprio, construindo sua identi-
dade, explorando o mundo, a natureza, fantasiando, criando e recriando múlti-
plas linguagens e construindo cultura. A pesquisa foi de fundamental importân-
cia para o nosso crescimento enquanto Grupo de Estudos e Pesquisas Infância
Brincadeira - GEPIB, visto que o brincar tem uma vital importância que se rela-
ciona com a cultura da infância que coloca a brincadeira como ferramenta para
a criança se expressar, aprender e se desenvolver (KISHIMOTO, 2010).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As experiências encontradas no campo e na cidade, com as crianças e
seus brincares, são apresentadas como possibilidades de manifestação cultural
na infância, em seu contato com o mundo adulto e com o ambiente natural.
Nessa relação, as crianças são capazes de reinventar práticas e formas de cons-
trução de seus próprios brinquedos e brincadeiras, na intervenção que realizam
sobre esse contexto, com os materiais que possuem e demonstram ser possível
brincar sob novas perspectivas.
A tendência das culturas infantis é se apropriarem desses encontros
com os outros como momentos únicos de criação, tendo as crianças como pro-
tagonistas de suas inventividades e produções individuais. Em Capotal-MA, elas
nos ensinam a olhar com sensibilidade para o lúdico e a ludicidade, em rotinas
brincantes e inclusivas, que revelam um universo ideal, num contexto de difi-
culdades. É possível romper com o caos e recriar um novo lugar para viver com

132
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

a comunidade, partindo da recriação e do encantamento que elas causam no


chão que vivem.
Consideramos um exercício de resistência e de ruptura com o descaso
nas comunidades que vivem do campo, quando as crianças se propõem a brincar
de forma criativa, a ouvir histórias e recontá-las a partir do que vivem, a criarem
seus próprios brinquedos. Nos ensinam a enfrentar os tempos difíceis com a le-
veza da empatia e da proximidade com a cultura local, exaltando a presença da
mãe- natureza e da vida humana, que fornecem elementos valorosos para as vi-
vências infantis em sua comunidade.
A criança quando brinca não está preocupada com os resultados, é o
prazer e a motivação que impulsionam a ação para explorações livres. A conduta
lúdica, ao minimizar as consequências da ação, contribui para a exploração e a
flexibilidade do ser que brinca, incorporando a característica que alguns autores
denominam futilidade, um ato sem consequência. Qualquer ser que brinca
atreve-se a explorar, a ir além da situação dada na busca de soluções pela ausên-
cia de avaliação ou punição. A criança aprende a solucionar problemas e o brin-
car contribui para esse processo. A criança quando brinca, quer a companhia de
seus amigos, estar em alegria, sorrindo, se divertindo, e não monta uma estraté-
gia meramente elaborada, apenas focando um determinado resultado, nesse con-
texto percebemos características comuns das crianças, que é a espontaneidade
e a inocência.

133
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROUGÈRE, Gilles. A criança e a cultura lúdica. Revista da Faculdade de Educação,
v. 24, nº2; São Paulo. July/Dec., 1998.
BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2010.
CORSARO, William .Sociologia da infância.2.ed. Porto Alegre:Artmed, 2011.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 8.ed;
Cortez editora, 2010.
SILVA, Carmem Virginia Moraes da, SODRÉ, Liana Gonçalves Pontes. As crianças do
campo e suas vivências: o que mostram suas brincadeiras e brinquedos. Caderno
cedes. Campinas, v. 37, nº 103, p. 361-376, set-dez., 2017.
VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Imaginação e criatividade na infância: ensaio de
psicologia. Editora dinalivro. Lisboa/Portugal, 2012.
WAJSKOP, Gisela. O brincar na educação infantil. Caderno de pesquisa., São Paulo,
nº 92, p. 62-69, fev.,1995.
VYGOTSKY, Lev. A Construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.

134
DISCIPLINA E DEVOÇÃO NA EDUCAÇÃO
DAS MENINAS: O RECOLHIMENTO DE NOSSA
SENHORA DA ANUNCIAÇÃO E REMÉDIOS
NO MARANHÃO

Hellen Silva Carneiro Ferreira 1


Maria Inês Castro Nascimento 2
Isabela de Cássia Costa Vieira 3

1. INTRODUÇÃO
A história da educação das mulheres sempre esteve marcada pela sub-
missão, pela devoção e controle dos corpos. Esses princípios, próprios de insti-
tuições sob a custódia da Igreja católica, moralizavam as condutas das meninas
desvalidas na capital da província do Maranhão. O recolhimento do corpo,
marca da sociedade patriarcal e provincial, revelava a preocupação dos governos
em preservar a honra das mulheres, confinando-as em espaços referenciados
como educativos, mas que disciplinavam as condutas femininas. A rotina de ora-
ções e de oficinas profissionalizantes, demarcavam o cotidiano institucional e
controlavam o tempo das crianças, no sentido de prepará-las para assumir fun-
ções domésticas.
Numa sociedade escravista e patriarcal, a mulher moralmente correta
controla seus impulsos e desejos. Assim, a mulher que era casada e se relacionava
com outros, ou não vivesse a fidelidade conjugal, era considerada desonrada, e
marginalizada socialmente (DEL PRIORE, 2004). As instituições de recolhi-
mento feminino, entendidas como lugares de abrigamento para pessoas que não

1
Pesquisadora - GEPIB/UFMA, Pedagoga, Professora da Rede básica de ensino, Mestranda em Edu-
cação pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Gestão escolar e docência do Ensino
Superior. E-mail: E-mail: hcarneirosc20@gmail.com
2
Graduada em pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão-UEMA, Especialização em Psi-
copedagogia e Coordenação Pedagógica pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA, Pro-
fessora da Educação Infantil do município de São Luís. E-mail: inesmais@gmail.com
3
Pedagoga, membro Grupo de Estudos e Pesquisas Infância e Brincadeiras (GEPIB), especialista
em Educação Infantil e séries iniciais, pós graduanda em psicopedagogia, professora de Educação
Infantil da rede privada. E-mail: isajofra28@gmail.com

135
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

se enquadravam aos padrões sociais da vida provinciana, se reservavam ao papel


de retenção desde a infância, das mulheres que rompiam com a decisão de serem
boas mães e donas do lar. Esse tipo de assistência social era parte da política
higienista que norteava o Império, e que visava retirar do convívio social os su-
jeitos perigosos, indisciplinados e imorais. Um poder disciplinar que controlava mi-
nuciosamente o corpo dito doente, sujeitando-o a situações conformadoras e ali-
enantes da sua própria condição social.
Faz-se então necessário, por meio dessa investigação, adentrar o inte-
rior desses espaços institucionalizados e controlados pelo Estado e pela Igreja,
para historiar a educação das meninas desvalidas no Maranhão do século XIX,
analisando o contexto da Província e a organização de recolhimentos femininos
para manutenção da ordem social. Assim, o Recolhimento de Nossa Senhora da
Anunciação e Remédios, edificado no Maranhão em 1752, possuía a finalidade,
como todos as instituições de educação feminina no Brasil Colonial, de facilitar
a condução das donzelas à vida religiosa e regenerar as jovens meninas perdidas
pela prostituição. (ABRANTES, 2003)
Por meio da análise nos estatutos do Recolhimento, das leis e decretos
da Província do Maranhão e de artigos de obras escritas por sujeitos considera-
dos os letrados maranhenses e que eram mantidos pela Igreja, pretende-se iden-
tificar os discursos e as práticas de educação das mulheres maranhenses no Im-
pério, que justificavam a proposta política de uma educação feminina de sujeição
do corpo aos ditames religiosos e moralistas. As meninas perdiam suas infâncias
em rotinas de trabalho doméstico e de vigílias devocionais, que as calavam e as
mantinham nos padrões de vida religiosa. Questões como: o que aprendiam, as
meninas, quando institucionalizadas no Recolhimento de Nossa Senhora da
Anunciação e Remédios? Quais acordos eram mantidos entre Estado e Igreja
para o funcionamento desses espaços? De onde vinham as meninas recolhidas e
qual a rotina proposta a elas para que pudessem voltar à convivência social?
Com essa pesquisa, suscitada no âmbito do Grupo de Estudos e Pesqui-
sas Infância e Brincadeiras (GEPIB/UFMA), tenciona-se os arquivos silenciados
para que a história da educação das meninas seja revelada e que aos poucos, uma
história da infância maranhenses seja construída, agora sob as vozes dos sujeitos
esquecidos.

2. A EDUCAÇÃO FEMININA NO SÉCULO XIX: RITOS, NOR-


MAS E A FORMAÇÃO DE MENINAS SUBMISSAS
O Brasil passou por muitas mudanças no período colonial, em que a so-
ciedade se estabelecia nos moldes europeus com diferenciação em todas as esfe-
ras, por um patriarcalismo estruturante em que o homem era livre e a mulher

136
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

somente um instrumento de satisfação masculina. Esse modelo de sociedade


dava ao homem a liberdade do convívio social, para estar à frente de oportuni-
dades e iniciativas, enquanto para a mulher restava-lhe os afazeres domésticos,
exclusão da vida social, cuidado do marido e educação dos filhos para serem ci-
dadãos de bem.
Abordar a história das mulheres é ir de encontro com a ausência de re-
latos ou registros como se não fizessem parte do contexto da vida cotidiana da
sociedade no período colonial e imperial. No decorrer da história por muito
tempo não se tem relato das mulheres por escassez ou inexistência, havendo um
profundo silêncio sobre acontecimentos que envolvem a figura feminina, como
se estivessem designadas ao obscurantismo. A educação feminina acompanhava
o desenvolvimento de uma sociedade cuja herança portuguesa era a patriarcal,
em que a mulher devia ser submissa e recolhida, recatada, servindo primeira-
mente aos pais, esposos e filhos, sua educação baseava-se primordialmente na
construção de valores morais e religiosos, no disciplinamento do corpo, na ma-
neira como deveria portar-se, cobrir-se e desenvolver as habilidades de uma boa
filha, esposa e mãe.
Mencionar a educação feminina no contexto histórico do século XVIII
e XIX é trazer à baila as instituições de Recolhimento, onde se inicia todo esse
processo de conceder às meninas e moças instruções que estavam intimamente
ligadas às suas obrigações como mulher.
No século XVIII, portanto, a educação feminina na Colônia estava longe de ser
uma ideia generalizada ou uma prática corriqueira mesmo entre a elite da Co-
lônia, que lançava mão dos recolhimentos para fins educativos. Nem total-
mente conventos, nem escolas, as instituições femininas de reclusão situavam-
se a meio caminho dos dois modelos de estabelecimentos e serviam a vários
propósitos no que toca à vida das mulheres. A parcela de educandas era muito
reduzida e pouco representativa no conjunto da população reclusa e menor
ainda quando se pensa no total de habitantes da região Sudeste. Não se pode
negligenciar, entretanto, que apesar de todo o quadro desfavorável os conven-
tos e recolhimentos eram os únicos espaços institucionais onde as mulheres
da Colônia poderiam receber alguma instrução sem terem necessariamente
que optar pela vida religiosa (ALGRANTIN, 1996, p. 266).

Com o intuito de oferecer um espaço para resguardar a virtude e a honra


familiar, surge no final do século XV em Portugal, os Recolhimentos, com a in-
tenção de educar as mulheres até que adotassem o estado de casadas. Inicial-
mente foram idealizados para sustentar e amparar órfãs pobres, mulheres de-
samparadas e até aquelas que apresentavam comportamento sexual diferente
daqueles aceitos pela sociedade da época. Suas estruturas foram construídas
com o propósito de uma vida reclusa, com muros que não permitiam a visuali-
zação da rua e vice-versa. Os quartos eram pequenos e reservados ao descanso e
atividades individuais das recolhidas, além de possuírem um local próprio para

137
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

as atividades coletivas (ALGRANTI, 1993). Esse modelo de instituição foi tra-


zido ao Brasil através do processo de colonização portuguesa. Apesar de preser-
varem as ideias moralizantes, os Recolhimentos aqui fundados sofreram mudan-
ças em seus objetivos em relação à metrópole.
No Maranhão, o contexto educacional e social vivido pelas mulheres
não se diferenciava em nada do restante do país. De acordo com Rodrigues (2010,
p. 97) “a visão social sobre a educação que predominou na época foi a de que os
homens deveriam ser instruídos e as mulheres educadas, recaindo sobre estas a
ênfase na formação moral e sobre aqueles, a formação intelectual.” Até mesmo
na capital da Província do Maranhão prevalecia o conservadorismo na educação
feminina, em que se acreditava que a mulher precisava ser preparada para cuidar
do marido, filhos e da casa.
Em 1838, surge o curso secundário oferecido pelo Liceu Maranhense,
com o objetivo de favorecer o ingresso dos filhos da elite nos cursos superiores.
Mais uma vez as mulheres são excluídas, inclusive as ricas, pois não tinham di-
reito ao acesso a esse nível de ensino. Finalmente em 1840, são fundadas as pri-
meiras escolas particulares femininas em São Luís, destinadas a atender as filhas
da elite maranhense (RODRIGUES,2010). Segundo Nunes (2006),
De 1840 a 1890, São Luís do Maranhão viveu um período de “franca florescên-
cia escolar”, na expressão de PACHECO (1968, p. 310), pois existiam para as
jovens da sociedade ludovicense, os Colégios: Nossa Senhora da Glória, das
irmãs Abranches; Nossa Senhora da Soledade, da Sr.ª Maria Emília Carmini; e
de Santana, sob a direção da Sr.ª Raimunda da Silva Miranda; Colégio Nossa
Senhora do Amparo, de propriedade da senhora Filomena Tavares Pedreira e
Aula Santa Bárbara da senhora Isabel Ignês dos Santos, constituindo-se ( que
se tem notícia até hoje) as primeiras mulheres professoras responsáveis pela
educação da elite maranhense. (NUNES, 2006, p. 189)

No currículo dessas escolas além de incluir os afazeres domésticos, con-


tinha o ensino da leitura e escrita, noções de aritméticas, aula de dança, de piano
e Francês, percebesse neste momento algumas mudanças na educação feminina
e finalmente as atividades domésticas deixam de ser o principal foco da apren-
dizagem feminina, apesar disso e educação das mulheres continua sendo pen-
sada para prepará-las para o casamento (RODRIGUES, 2010).
Durante 20 anos, o único espaço escolar particular para as meninas foi o
Colégio Nossa Senhora da Glória, e só apenas em 1874 surgem novas escolas. Para
as mulheres letradas e ricas essa foi a oportunidade para exercerem uma função
longe do ambiente doméstico, pois as escolas de meninas só permitiam professo-
ras. Para as meninas pobres restavam as aulas de primeiras letras, o currículo des-
sas instituições priorizava os ensinamentos religiosos, além das atividades domés-
ticas, os conhecimentos básicos de leitura, escrita e das quatros operações
(RODRIGUES, 2010). Para Abrantes (2003, pág. 02) “às prendas domésticas jus-
tificadas em nome das funções maternas das mulheres, a isenção do ensino da

138
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

geometria e a limitação do ensino da aritmética apenas as quatro operações, esta-


beleciam a diferença na educação escolar entre meninos e meninas.”
Outra desigualdade evidente entre a educação feminina e masculina, era
a quantidade de escolas para ambos os sexos e o baixo número de matrículas das
meninas. Segundo Abrantes (2003):
Em 1867, o relatório do Presidente da Província, Dr. Antônio Alves de Sousa
Carvalho, informava que existiam na Província 100 cadeiras primárias do 1º
grau, sendo 60 do sexo masculino e 40 do feminino. No 2º grau do ensino pri-
mário existiam somente cadeiras de meninos, sendo três na capital e cinco no
interior. As cadeiras do ensino primário no interior foram frequentadas por
2.874 alunos, sendo 2.113 meninos e 661 meninas, as da capital tiveram uma
frequência de 658 alunos, sendo 449 meninos e 209 meninas. A frequência to-
tal nas escolas públicas neste ano foi de 3.532 alunos. No ensino primário par-
ticular foram registradas 16 cadeiras, sendo 11 para meninos e 5 para meninas,
com uma frequência total de 953 alunos, 564 do sexo masculino e 399 do fe-
minino. Na instrução secundária particular eram 9 colégios, sendo 1 para o
sexo masculino na vila de S. Bento e 8 na capital, 4 para os rapazes e 4 para as
moças, com uma frequência total de 842 alunos. O ensino público secundário
ministrado no Liceu foi frequentado por 156 alunos. (ABRANTES, 2003. p. 03)

Em meio a esse contexto surge na segunda metade do século XIX, em


São Luís, instituições para a educação de meninas carentes, sendo uma estudada
neste trabalho: o Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação e Remédios,
que apesar de ter sido projetado para atender as meninas desvalidas, também
era frequentado pelas meninas das famílias da elite.

3. O RECOLHIMENTO DE NOSSA SENHORA DA ANUNCIAÇÃO


E REMÉDIOS E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS MULHERES MA-
RANHENSES
Fundado em 1751 pelo missionário jesuíta Frei Malagrida, o Recolhi-
mento de Nossa Senhora da Anunciação e Remédios, voltava-se à educação civil,
moral e religiosa das meninas recolhidas. A rigidez era uma característica mar-
cante em relação à religiosidade pela ordem de Santa Mônica e nos aspectos
econômicos e administrativos pelos Estatutos organizados em 1840. A educação
era destinada às lições de primeiras letras e das capacidades domésticas. Se-
gundo Abrantes (2003, p. 03) “uma mestra ensinava a ler, escrever, as quatro
operações aritméticas e a doutrina cristã, e uma outra mestra ensinava a coser e
bordar”.
O advogado maranhense Antônio Almeida Oliveira também argumen-
tava uma maior instrução para as mulheres, não para terem liberdade política e
econômica, mas para fortalecer suas funções de esposa e mãe, permanecendo em
suas casas como “rainhas do lar”. “Em sua obra ‘O Ensino Público’, publicada em
1874, apresentou uma série de ideias para reformar a educação feminina,

139
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

incluindo mais instrução intelectual para as mulheres e também a co-educação


dos sexos” (ABRANTES, 2003, p. 04). Contudo, a situação não era favorável às
meninas abastadas, pobres, que quando não eram acolhidas pelas instituições
recolhedoras, cresciam na insipiência. As meninas que faziam parte dos Reco-
lhimentos ficavam na responsabilidade de mestras que não dominavam as letras.
Segundo Rodrigues (2010), acredita-se que as primeiras meninas a faze-
rem parte da instituição recolhedora foram as filhas das famílias que contribuíram
com doações para a construção do espaço físico do local. Tal informação divergia
com o objetivo inicial, que era abrigar meretrizes, prostitutas e jovens sem recur-
sos das camadas marginalizadas da sociedade, dentre elas as órfãs. Como houve
doações das famílias de classe privilegiadas, Malagrida deve ter, inicialmente,
aprovado que as primeiras recolhidas fossem herdeiras das famílias poderosas da
Capitania e objetivando dar estado de religiosas às suas filhas.
O Alvará Régio, de 2 de março de 1751 para criar, no Estado do Mara-
nhão e Grão-Pará, Seminários e Recolhimentos para convertidas e não converti-
das, determinava que Gabriel Malagrida poderia fundar Recolhimentos de con-
vertidas e meninas. Após essa resolução, Rodrigues (2010) nos confirma que:
A primeira regente, Maria Josefa de Jesus, ao se referir à Instituição, em 1779,
em documento encaminhado à rainha D. Maria I, nomeia-a “Casa Recolhi-
mento religioso” e que ali viviam com regularidade religiosa, dando-nos a en-
tender que era um ambiente de reclusão que abrigava algumas freiras e don-
zelas devotas sem votos solenes. Por sua vez, a documentação consultada nos
mostra que a população e, por vezes, os membros do próprio clero referissem
a Casa como um convento feminino apesar de oficialmente não sê-lo. (RO-
DRIGUES, 2010, p. 41)

Em relação à forma de como o Recolhimento se mantinha, segundo o


Alvará de 2 de março de 1751, com uma quantia de duzentos mil réis (200$000)
anuais, determinação que Pacheco (1969), ainda que não mostre os motivos, de-
clara que não foi efetuada pelas forças da Capitania. Salienta-se que o auxílio
financeiro compunha-se de certa forma contraditório, a julgar que o citado Al-
vará instituía que para ser criada uma organização desta propriedade, deveria
ter como manter-se e, como era de conhecimento público, a Coroa Metropoli-
tana não apresentava disposição a subsidiar esse tipo de instituição.
Acerca da estabilidade financeira do Recolhimento, cabe mostrar que
Dom Pedro I, com a introdução do Brasil Imperial, definiu, no mês de outubro
do ano de 1825, a importância de seiscentos mil réis de aporte por ano. Segundo
a Lei nº 80, de 27 de julho de 1838, entre os anos de 1835 e 1838, o montante sofreu
alterações, alcançando o valor de dois contos de réis anuais. Entretanto, Pacheco
(1969) evidencia que a Província auxiliará através de contribuições com a Insti-
tuição a partir de 1841. Contudo, cabe ressaltar que o incentivo doado pelo

140
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Estado ao Recolhimento, representava importante ajuda para a sua manutenção,


mesmo sendo feita não regularmente.
Em meados de 1840, o Estado encurtou sua proximidade com a Insti-
tuição, relacionando-se de forma mais direta, influenciando sua sistematização
e clientela. O Estado passou a auxiliar o Recolhimento através dos recursos pú-
blicos, possibilitando o custeio da Instituição. Com isso, conseguia atender as
demandas em relação ao acolhimento e instrução das mulheres que se encontra-
vam à margem da sociedade maranhense.
O Presidente da Província, João Antônio de Miranda, similarmente com
a Lei Provincial no 95, concedeu em 11 de julho de 1841, o Estatuto do Recolhi-
mento idealizado pelo Bispo Diocesano, Dom Marcos Antônio de Sousa. “Na
mesma Lei ficou estabelecida uma dotação de dois contos de réis anuais, a isen-
ção da décima dos prédios urbanos e legados, bem como parte dos recursos pro-
venientes das loterias da Província destinar-se-ia aquele estabelecimento” (ES-
TATUTO DO RECOLHIMENTO, 2009, p. 352).
As bases definidas no Estatuto por João Antônio Miranda, aprovado
pela Assembleia provincial, destaca definições dos seguintes pontos, segundo
Rodrigues (2010):
- O recolhimento passou a admitir meninas enjeitadas da Santa Casa da Mise-
ricórdia, órfãs necessitadas, ou filhas de pais reconhecidamente pobres, para
serem educadas, procedendo a licença do ordinário e sendo este número regu-
lado segundo as posses do Recolhimento.
- A admissão de meninas, filhas de pais abastados, para serem educadas, con-
tanto que satisfizessem pontualmente a mesada mensal;
-A criação de uma cadeira de primeiras letras, paga pelo cofre público, para
as educandas do recolhimento (RODRIGUES, 2010, p. 52).

Acredita-se que as autoridades consideravam que essas orientações fi-


zessem parte da rotina do Recolhimento e “deste abrigo de jovens educadas sa-
irão mães de famílias que darão cidadãos úteis ao Estado, defensores da pátria,
ministros zelosos e edificantes do altíssimo, e farão a felicidade das gerações fu-
turas” (ESTATUTO DO RECOLHIMENTO, 2009, p. 353).
Em julho de 1854, através da Lei nº 365, foi autorizada e concedida duas
loterias anuais ao Recolhimento. Esse recurso deveria ser utilizado tão somente
para alimentação das meninas pertencentes ao local. Ao bispo pertencia a res-
ponsabilidade de assentir a entrada de novas recolhidas para serem alimentadas
por esse recurso liberado. Este deveria ser proporcional ao número de meninas
assistidas. Contudo, devido a demanda de pedidos para ingresso ao Recolhi-
mento, o Bispo acabara liberando a entrada das jovens entrando em desacordo
com as decisões das autoridades. Com isso, a Assembleia sentiu-se pressionada
a aumentar os recursos combinados anteriormente, e “ o Tesouro Provincial

141
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

aumentou o recurso para um conto e duzentos mil réis, entre os anos de 1861 e
1862” (MARANHÃO, 1860-1863). Nesse contexto, nos anos de 1850 o Recolhi-
mento expandiu a admissão de jovens pobres, recolhendo então educandas, ór-
fãs ou não, mulheres casadas, meninas indisciplinadas, viúvas e professas.
Os estatutos criados para os Recolhimentos serviram de base para a cri-
ação das regras de conventos, apesar de haver uma certa semelhança em sua or-
dem paradigmática (ALGRANTI, 1993). Os estatutos garantiam a ordem desse
espaço, a rotina das mulheres e principalmente a obediência e cuidados com seu
corpo e seu comportamento. Eram obrigadas a seguirem os modelos impostos.
Porém, no Maranhão, o estatuto criado com a fundação do Recolhimento, não
foi mantido na documentação da Igreja católica. Dom Marcos Antônio de Sousa
reestruturou o estatuto de forma condescendente. O novo Estatuto foi reformu-
lado de acordo com o Bispo Diocesano e o Governo da província. Este pretendia
o resgate na formação da clientela, ou seja, cogitava que o Recolhimento abri-
gasse as órfãs da Santa Casa da Misericórdia e filhas de famílias pobres para se-
rem educadas (MARQUES, 1970). O Estatuto registrava que:
Havendo algumas que não podem ter ao seu favor os cuidados do amor pa-
terno nem gozar as carícias de uma terna mãe, e por outra parte persuadido
que as impressões de primeira idade dirigem a criatura humana em todos os
seus passos, e acompanham em todos os sucessos da vida, e que os hábitos
virtuosos dos anos da inocência, triunfam das paixões é que compendiamos
os estatutos que há mais de oitenta anos regem esta casa de educação, em con-
formidade do sobredito alvará de 2 de março de 1751 ( ESTATUTO DO RE-
COLHIMENTO , 2009, p. 353)

A organização do Estatuto se dispôs da seguinte forma: o capítulo I de-


terminava as atividades religiosas, o capítulo II designava o governo provisório
do Regulamento e o Capítulo III e último tratava sobre a gestão externa do es-
paço. A escritura era iniciada, a partir da Lei de Instrução Pública de 1827, que
recomendava que a mulher teria a missão de educar novas gerações, e com isso,
necessitaria ser preparada em bases firmes de moral e bons costumes. Ou seja,
“regime e direção das jovens maranhenses que retiradas do bulício do século e
abrigadas debaixo do favor insigne da providência serão educadas com pudor,
modéstia e virtude cristã” (ESTATUTO DO RECOLHIMENTO, 2009, p. 353).
O Estatuto do Recolhimento de N. Sra. da Anunciação e Remédios ex-
põe ordem disciplinar que se destina à política de padronização de comporta-
mento, segundo Foucault (2008). Sob métodos que consentem a manipulação
das ações do corpo conduzindo atitudes dóceis e úteis, além do controle do
tempo nas atividades rotineiras. A partir desse fato, observa-se como o poder se
legitima entre os sujeitos para chegar aos objetivos disciplinares da Instituição.
“Caso algo fosse feito fora dos padrões do Recolhimento, punições eram aplica-
das pelas mestras. Essas tinham o poder de repreender as educandas, contudo

142
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

estavam sujeitas aos castigos praticados pela regente.” (ESTATUTO DO RECO-


LHIMENTO, 2009, P. 361). Entretanto, “quando as repreensões não surtissem o
efeito desejado, as reclusas deviam ser obrigadas a fazer estações no coro e ou-
tras penitências, conforme gravidade do ato” (Id. ibid. p. 356).”
Diante de toda ação penitenciária e corretiva, havia casos em que as re-
clusas não aceitavam determinado tipo de tratamento. A ocasião era levada para o
Bispo. Caso persistisse, a educanda era convidada a se retirar do Recolhimento.
Essa ocorrência geralmente era feita pela regente ao Bispo por meio de correspon-
dências administrativas. Sobre essas correspondências, Foucault (1979, p. 174),
nos diz ser “um registro contínuo de conhecimento, que ao mesmo tempo em que
exerce o poder, produz um saber”, uma vez que pelo exercício do olhar “anota e
transfere as informações para os pontos mais altos da hierarquia do poder”. Atra-
vés destas que o ordinário mantinha informações sobre a casa, com o intuito de
construir afirmações de “como era” ou “deveria ser” tal instituição.
A entrada no Recolhimento requeria uma dedicação pessoal em um am-
biente de normas específicas orientadas por disciplina. (ALGRANTI, 1993).
Após a chegada da moça no Recolhimento, era conduzida “à presença da vigária
do coro que, consequentemente, a encaminharia à cela, que já estava preparada
para recebê-la” (ESTATUTO DO RECOLHIMENTO, 2009, p. 361), lugar reser-
vado ao descanso, às orações individuais e comportava apenas uma pessoa. Con-
tudo, com o aumento da demanda de meninas, já descrito neste trabalho, iden-
tificamos em nossos estudos que havia mais de uma pessoa em celas, devido à
estrutura física do local.
Porém, a interação entre as meninas, quando acontecia, era no ambiente
de aprendizagem. Ali aprendiam as primeiras letras, canto, corte e costura. As
aulas só não aconteciam aos domingos e feriados. Esses dias eram destinados às
atividades religiosas, como por exemplo, oração do ofício divino e leitura espiri-
tual (ESTATUTO DO RECOLHIMENTO, 2009, p. 361).
O Recolhimento de N. Sra. da Anunciação e Remédios sofreu transfor-
mações que modificariam sua representação institucional em meados de 1863. A
reestruturação foi em decorrência às ações do Bispo Dom Luís da Conceição Sa-
raiva, que assumiu a Diocese do Maranhão a partir de 1862. Dando importância
às adversidades disciplinares e financeiras que o Recolhimento enfrentava, o or-
dinário considerou medidas para reorganizá-lo. Em meio às determinações to-
madas, foi criado o Colégio de N. Sra. da Anunciação e Remédios, em 7 de janeiro
de 1865, este funcionava dentro do Recolhimento, promovendo a educação femi-
nina por meio de pagamento de mensalidades.
De acordo com o Estatuto do Colégio (1872), o prédio físico dispunha
de primeiro andar, nesse estavam instaladas as dependências do Colégio de N.
Sra. da Anunciação e Remédios que era formado por salas de aula, refeitório,

143
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

enfermaria, três dormitórios e duas galerias, onde era respirado um ar puro e


tinha capacidade para acomodar 100 (cem) meninas. Na parte térrea ficavam as
acomodações do Recolhimento.
Segundo Rodrigues (2010) o Colégio, por funcionar dentro do Prédio
do Recolhimento, foi administrado nos primeiros anos pela regente deste Esta-
belecimento. Entretanto, sua clientela não era considerada na categoria de re-
clusas, mas de educandas, visto estarem na instituição por tempo previamente
determinado, para receberem educação escolarizada. O programa de ensino do
Colégio de N. Sra. da Anunciação e Remédios abrangia ao todo cinco anos de
estudo:
No primeiro ano, ensinavam a ler e escrever, contar até as quatro operações
aritméticas por números inteiros, rudimentos de gramática portuguesa, dou-
trina cristã e música vocal; No segundo ano, era desenvolvido o ensino da gra-
mática portuguesa, leitura de livros clássicos, caligrafia complementar, arit-
mética até proporções, sistema métrico decimal, doutrina cristã e música
vocal; No terceiro ano, era dada continuidade ao ensino desenvolvido da gra-
mática portuguesa, com caligrafia complementar, desenho linear, rudimentos
de História Pátria e Geografia, elementos de História Sagrada, análise grama-
tical. No quarto ano, era ministrado o ensino de Gramática francesa, com ver-
são de prosa, composição, continuação da análise gramatical dos clássicos,
Geografia, Desenho, catecismo, música vocal e piano; No quinto ano era estu-
dada a versão dos clássicos franceses prosadores e poetas, composição, Geo-
grafia, Desenho, catecismo, música vocal e piano. (ESTATUTO DO COLÉGIO
N. SRA. DA ANUNCIAÇÃO E REMÉDIOS. 1872, p. 9).

Pode-se inferir que a proposta do Bispo em educar mulheres mostrava-


se progressista, pois oferecia aulas de piano, estudo dos clássicos franceses e
música vocal para as meninas. Contudo, vale ressaltar que era oferecido apenas
o ensino primário. O ensino secundário e superior ainda era oferecido apenas
para os meninos.
No primeiro ano de funcionamento da Escola, as professoras do reco-
lhimento foram aproveitadas para lecionar na instituição, por possuírem expe-
riência em lecionar. Contudo, nos anos anteriores, professores externos e conhe-
cidos pela sociedade foram contratados, como forma de dar confiabilidade ao
público maranhense, como por exemplo, o Dr. Gentil Homem de Almeida Braga,
que ensinava as disciplinas de gramática geral, geografia e francês (ESTATUTO
DO COLÉGIO N. SRA. DA ANUNCIAÇÃO E REMÉDIOS, 1872, P.6).
Diante do exposto podemos refletir que mesmo com a escolarização da
mulher, o discurso, a valorização e seu papel na sociedade não tiveram mudanças
tão aparentes. Ela ainda continuava sendo vista como uma pessoa preparada
com excelência para ser mãe, esposa e dona de casa. A instrução veio para que
além desses adjetivos, ela pudesse se apresentar bem perante o meio social. Edu-
cação esta que lhe preparava para aparecer publicamente com seu marido diante
dos anseios e necessidades que a sociedade lhe determinava.

144
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos sobre a infância no Brasil permitem a visualização das for-
mas escolares e institucionais de abrigamento e condicionamento do ensino às
crianças. Com distinta diferenciação às origens das meninas e dos meninos, a
criação dos espaços de educação da infância brasileira intencionalmente visa-
vam a formação de um povo moldado culturalmente. Às meninas, especifica-
mente, as instituições atendiam ao desejo de uma sociedade em ascensão política
e que precisaria da maquinaria do ensino seletivo para conduzi-las aos propósi-
tos da modernidade anunciada.
O Maranhão Imperial, como Província desejosa em seguir a aurora da
civilização imposta, condicionava os sujeitos considerados inadequados a espa-
ços como os recolhimentos, criados no Brasil Colonial para a contenção dos cor-
pos femininos que tentavam ser livres. Na pesquisa sobre o Recolhimento de
Nossa Senhora da Anunciação e Remédios, a intervenção da Igreja na organiza-
ção da educação das meninas clarifica uma formação moralizante e que junto ao
Estado, prepara a mulher para assumir papéis pré-estabelecidos pelos homens.
A submissão feminina deveria ser mantida para que o poder e controle mascu-
lino fossem majoritários nas decisões sobre elas, desde crianças.
Os resultados desse estudo também possibilitam analisar os fundamen-
tos da educação infantil brasileira que tem se reservado aos discursos e práticas
assistencialistas e enquadradoras das crianças às instituições e suas regras e ro-
tinas pedagógicas. A história das meninas e dos meninos escondidas nos arqui-
vos são reveladores de um projeto de reinvenção da infância, que institui formas
de contenção das liberdades, das culturas e das ideias e que se prolongam pelos
séculos.

145
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRANTES, Elizabeth Sousa. A Educação Feminina em São Luís no Século XIX.
XXII Simpósio Nacional de História. João Pessoa - PB: ANPUH 2003.
ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da colônia: condição
feminina nos conventos e recolhimento do Sudeste do Brasil, 1750-1882. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1993.
______________________. Educação feminina: vozes dissonantes no século XVIII e prática
colonial. In: MONTEIRO, John Manuel & BLAJ, Ilana (orgs). História & Utopias.
São Paulo: ANPUH, 1996.
ARQUIVO DA ARQUIDIOCESE DE SÃO LUÍS. Papéis diversos nº 19: Estatuto do
Colégio N. Sra. da Anunciação e Remédios. Capa 2983, doc 14355, 1872, p. 6.
DEL PRIORE, Mary (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto,
2004.
ESTATUTO do Recolhimento. In: CASTRO, César Augusto (org.). Leis e
Regulamentos da
Instrução Pública no Maranhão no Império (1835-1889). Coleção Memória da
Educação Maranhense. São Luís, Maranhão: EDUFMA, 2009.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes, 2008.
MARANHÃO. Coleção de Leis Decretos e Resoluções da Província do Maranhão:
1860-1863.
MARQUES, César. Dicionário histórico e geográfico da Província do Maranhão.
Rio de Janeiro: Fon Fon, 1970.
NUNES, Iran de Maria Leitão. IDEAL MARIANO E DOCÊNCIA: a identidade
feminina da proposta educativa marista. Tese (Doutorado em Educação) -
Universidade Federal do Rio Grande, 2006.
PACHECO, Felipe Condurú. História Eclesiástica do Maranhão. Maranhão:
Departamento de Cultura, 1969. Coleção César Marques, vol. I.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
RODRIGUES, Maria José Lobato. EDUCAÇÃO FEMININA NO
RECOLHIMENTO DO MARANHÃO: o redefinir de uma instituição. Dissertação
(Mestrado) - Universidade Federal do Maranhão. Mestrado em Educação, 2010.

146
INFÂNCIA E SABERES QUILOMBOLAS:
A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL
NO QUILOMBO DE ARIQUIPÁ-MA

Raylina Maila Coelho Silva 1


Hellen Silva Carneiro Ferreira2
Rosyane de Moraes Martins Dutra 3

1. INTRODUÇÃO
Contar histórias em comunidades quilombolas configura-se como uma
prática cotidiana que contribui para a preservação, transmissão e ressignificação
de saberes e experiências. As histórias são renovadas e atualizadas constante-
mente e por essa razão perseveram como práticas nos quilombos brasileiros.
Nesse sentido, compreende-se comunidades quilombolas como coletivos afro-
descendentes, rurais ou urbanos que utilizam as práticas de contação de histó-
rias como metodologia para a Educação das crianças quilombolas e como ele-
mento de resistência que preserva e ressignifica culturas, identidades,
memórias, reforçando assim, a valorização da identidade cultural.
A contação de histórias contribui também para que seja desmistificada
a concepção limitada do que venha a ser um quilombo, não apenas como lugar
de negros fugitivos, mas, principalmente, como espaço de luta contemporânea
pela posse definitiva de suas terras, de reconhecimento de suas trajetórias indi-
viduais e coletivas, de sua memória e mitos fundadores, sua diversidade (ANJOS;
SILVA, 2004), corroborando para a revisão de concepções estereotipadas e limi-
tadas desses espaços.

1
Graduanda do Curso de Pedagogia – UFMA, pesquisadora GEPIB/UFMA. E-mail: raylina-
maila@gmail.com
2
Pesquisadora - GEPIB/UFMA, Pedagoga, Professora da Rede básica de ensino, Mestranda em
Educação pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Gestão escolar e docência do En-
sino Superior. E-mail: hcarneirosc20@gmail.com
3
Professora do Departamento de Educação I. Universidade Federal do Maranhão. Coordenadora
GEPIB/UFMA e pesquisadora sobre História, Política e Cultura da Infância. E-mail: rosyane.du-
tra@ufma.br

147
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Sendo assim, pretende-se apresentar dados da atividade de contação de


histórias realizada com as crianças na educação infantil como forma de valori-
zação cultural e de resistência em comunidades quilombolas e por se contrapor
às formas de silenciamento cultural e a homogeneização das culturas, obser-
vando a trajetória da infância nos quilombos como constituinte dos territórios.
A infância quilombola está, assim, intimamente atrelada à sociedade mais ampla
e às questões culturais, sociais, econômicas e político-institucionais, fato que
torna necessário entender as relações entre as crianças, delas com os adultos,
entre os próprios adultos, na relação com o território quilombola e a sociedade
mais ampla, envolvida na construção de sua identidade étnica (Estado, legisla-
ção, comunidades quilombolas, escola, vizinhança).
A pesquisa se desenvolveu a partir da sétima edição da Semana do Bebê
Quilombola com o tema “Todos Pela Primeira Infância” no município de Bequi-
mão – MA durante os meses de janeiro a novembro de 2019, no qual o Grupo de
Estudos e Pesquisas Infância e Brincadeiras, da Universidade Federal do Mara-
nhão teve participação. O evento foi uma iniciativa da Prefeitura do Município
de Bequimão - MA, em parceria com a Fundação Josué Montello, UNICEF e di-
versas instituições, que discutem a garantia dos direitos das crianças de até seis
anos nascidas nas comunidades remanescentes do quilombo. A Semana do Bebê
Quilombola é uma nova proposta de atenção à primeira infância. A mobilização
social foi instituída no município de Bequimão, por meio da Lei nº 08/2013, con-
siderando a identidade própria das comunidades quilombolas.
A cidade de Bequimão assinou o termo de adesão ao Selo UNICEF, ini-
ciativa que pretende incentivar os municípios da Amazônia Legal a implementar
ações para garantir direitos e melhorar a qualidade de vida de crianças e adoles-
centes. Atualmente, Bequimão possui onze comunidades oficialmente reconhe-
cidas pela Fundação Cultural Palmares como remanescentes de quilombos: Ra-
mal de Quindiua, Santa Rita, Mafra, Ariquipá, Rio Grande, Sibéria, Marajá,
Pericumã, Sassuí, Juraraitá e Conceição. Além destas, estão em processo de cer-
tificação mais oito comunidades: Pontal, Monte Alegre, Monte Palma, Frexal,
Águas Belas, Santa Tereza, Boa Vista e Iriritíua. No entanto, a pesquisa foi rea-
lizada apenas com os alunos da educação infantil do quilombo Ariquipá.

2. SABERES QUILOMBOLAS E VALORIZAÇÃO CULTURAL: OS


ESTUDOS ETNOGRÁFICOS
Com a escravidão no Brasil colônia, numerosos africanos e africanas vi-
eram para trabalhar nas plantações e nas fazendas sob a condição de escravos.
Em nosso país, a escravidão se manteve por cerca de trezentos e cinquenta anos,
de modo que a História do Brasil por vezes se confunde com a própria

148
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

instauração da escravidão. Esse processo em que africanas e africanos e seus des-


cendentes eram forçados a perder a sua condição de sujeitos, que lhes atribuía
valor de troca e que lhes tratava como mercadorias encarnadas de expressivas
formas de resistência. A formação de quilombos, sem dúvida, foi a mais drástica
das formas de resistência escrava, colaborando de forma decisiva para a ruína do
sistema escravista brasileiro.
A Abolição da escravatura em 1888, não foi acompanhada de políticas
públicas que dialogassem com a integração dos recém-libertos à sociedade mais
abrangente. Posteriormente, a partir de muita luta e reivindicação do Movi-
mento Social Negro é que foram alcançadas conquistas muito importantes para
a população negra brasileira. A saber, temos o Artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, a Lei 10.639/03 e
a Resolução Nº 8 de 20 de novembro de 2012.
Para que possamos adentrar aos aspectos históricos, sociais e políticos,
é necessário entender o que significa o termo Quilombo. Palavra de origem nos
termos "kilombo"(kimbundo) ou "ochilombo" (umbundo), que se faz presente
também em outras línguas faladas ainda hoje por diversos povos africanos ban-
tos (ANDRADE et. al, 2010, p. 94). É uma expressão que “vem sendo sistemati-
camente usada desde o período colonial” (LEITE, 2000, p. 336). “O quilombo
brasileiro é, sem dúvida, semelhante ao quilombo africano reconstituído pelos
escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de ou-
tra estrutura política na qual se encontravam todos os oprimidos” (MUNANGA,
1995 apud LEITE, 2000, p. 336).
Atualmente, essa terminologia vem ganhando destaque por sua ressig-
nificação, pois o resgate do termo “quilombo” como um conceito socioantropo-
lógico, não exclusivamente histórico, proporciona o aparecimento de novos ato-
res sociais, ampliando e renovando os modos de ver e viver a identidade negra;
ao mesmo tempo, permite o diálogo com outras etnicidades e lutas sociais, como
a dos diversos povos indígenas no Brasil (LEITE, 2000, p. 348). As comunidades
quilombolas, então, podem ser compreendidas como projetos políticos e coleti-
vos de liberdade, ambientes onde foram restabelecidas sociedades relativamente
autônomas e com notável presença das tradições africanas. Das formas de resis-
tência ao sistema escravista brasileiro, a formação de quilombos foi a mais sig-
nificativa, fomentando o declínio da sociedade escravocrata do Brasil Colônia e,
concomitantemente, a esperança de um mundo menos indiferente para africanas
e africanos e seus descendentes resistentes àquele sistema.
Esses espaços de resistência também eram espaços de ressignificação de cultura e modos
de vida, conjugando elementos de diferentes culturas, como africanos, indígenas e de outros grupos
insatisfeitos com a realidade da época. Os quilombos foram locais onde os ex-escravos eram agentes
históricos, com potencial transformador, engajados na luta por maiores autonomias, pela

149
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

constituição de famílias, por sua subsistência e por outras formas de protagonismos africanos e ne-
gros. Foram locais em que houve a ressignificação de elementos africanos e negros.
Ao falarmos de modo de vida, voltamo-nos a Cultura como universo simbólico em si
mesmo, de cada povo, organizado socialmente de maneira coerente e limitada. Diante disso, haveria
padrões discretos de comportamentos, cognição e valores compartilhados entre os membros com-
ponentes de cada grupo em contraste com os membros de outros grupos (MATHEWS, 2002).

O conjunto de características humanas que não são inatas, e que se criam e se


preservam ou aprimoram através da comunicação e cooperação entre indiví-
duos em sociedade. Como ações sociais seguem um padrão determinado no
espaço. Compreendem as crenças, valores, instituições, regras morais que per-
meiam e identificam uma sociedade. Explicam e dá sentido à cosmologia so-
cial. É a identidade própria de um grupo humano em um território e num de-
terminado período... ([HOLLANDA, Aurélio Buarque de)

A cultura de uma sociedade é transmitida das gerações mais experien-


tes às gerações mais jovens pela educação. Educar, pois, é transmitir aos indiví-
duos os valores, conhecimentos, as técnicas, o modo de viver, enfim, a cultura do
grupo. À luz da Antropologia. “Compreender a cultura de um povo expõe a sua
normalidade sem reduzir sua particularidade.” (GEERTZ, 1989).
Nesse contexto, as comunidades passam a ser compreendidas a partir
de suas singularidades, individualidades próprias e estruturas específicas. O
tema traz para o seio da discussão a identidade que pode ser entendida como o
produto da ação do próprio indivíduo e da sociedade, de tal maneira que se forme
na confluência de forças sociais que operam sobre o indivíduo e na qual ele pró-
prio atua e constrói a si mesmo (Baró, 1989, citado por González Rey, 2003).
Segundo Geertz (1989), a cultura é a própria condição de existência dos
seres humanos, produto das ações por um processo contínuo, através do qual,
os indivíduos dão sentido às suas ações. Ela ocorre na mediação das relações dos
indivíduos entre si, na produção de sentidos e significados. Geertz contribui
para entendermos as questões estruturais da sociedade nas diversas épocas e
realidades contextuais e, sobretudo, das diferenças e transformações que vêm
ocorrendo na pós-modernidade.
A sociedade passa por transformações em todas as áreas do conheci-
mento no decorrer de sua história. A cultura vista como processo dinâmico pode
ser influenciada por transformações que ocorreram de forma lenta e gradual. En-
tende-se que a cultura é apta a mudanças. Todavia essas mudanças não afetam a
sua essência uma vez que na construção de uma identidade cultural de um grupo
social deve-se ter um reconhecimento coletivo dos padrões de comportamento
e costumes. A cultura é parte de uma memória coletiva da sociedade impossível
de se desenvolver individualmente.
Geertz (1989), traz como objeto da etnografia uma hierarquia estratifi-
cada de estruturas significantes sem as quais os fatos não existiriam. Questiona
também o que seria a cultura, porém ele diz que se deve perguntar qual a sua

150
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

importância. Cultura é uma realidade com força e propósitos em si mesma. Con-


siste em um padrão bruto de acontecimentos comportamentais, que de fato ob-
serva em uma comunidade identificável.
A evolução humana conduz a ideia de que os recursos culturais são ele-
mentos do pensamento humano. Isso significa que o homem é movido pela cul-
tura. Em síntese a cultura faz o homem, e não o homem faz a cultura. Dentro
dessa linha de pensamento, compreende-se que a cultura gerencia a mente hu-
mana, ele indica o indivíduo a seguir e/ou a ramos diferenciados.
Diante das trocas entre os membros da comunidade em suas relações
cotidianas, considerando seu processo educativo em específico, a pesquisa
torna-se desafiadora pela demanda de atenção a uma série de características, ca-
bendo a nós o papel de fazer uma leitura – e, consequentemente, uma descrição
daquilo que temos observado – utilizando dos critérios que a pesquisa empírica
auxilia na proximidade com o trabalho de pesquisa. A pesquisa etnográfica
torna-se mais subjetiva do que objetiva, pois possibilita uma maior interação
daquele que pesquisa com seu objeto, sendo suas impressões e observações par-
tes constituintes da pesquisa. Diante da lógica, o etnógrafo cria e recria suas hi-
póteses com sua interpretação acerca do objeto observado (ROCKWELL, 1986).
Questões como a territorialidade, as relações sociais comunais e a for-
mação econômica e social, demonstram nessas comunidades especificidades e
uma identidade étnica própria. Para os quilombolas, pensar em território é res-
peitar um pedaço de terra para usufruto coletivo, como uma necessidade cultu-
ral e política de se distinguirem e se diferenciarem de outras comunidades e de-
cidirem seu destino próprio. Os territórios que habitam são espaços
substanciais para a reprodução econômica, social e cultural da comunidade,
sendo utilizados de forma permanente ou temporária (Brasil, 2007).
Aos indivíduos, agrupados em maior ou menor número, que pertençam ou per-
tenciam a comunidades, que, portanto, viveram, vivam ou pretendam ter vi-
vido na condição de integrantes delas como repositório das suas tradições,
cultura, língua e valores, historicamente relacionados ou culturalmente liga-
dos ao fenômeno sócio-cultural quilombola (Brasil, 2005, p. 11).

Na tentativa de buscar compreender a comunidade Aricapá e a reali-


dade que a cerca, tomamos como referência a representação dos quilombos e da
escravidão na formação da identidade, da representação de suas culturas e da
interiorização de aspectos pertinentes à subjetividade desses indivíduos. Da
mesma forma, aspectos relativos ao contexto histórico cultural foram relevantes
para a formação social da comunidade.

151
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

3. NO QUILOMBO TEM HISTÓRIAS: UMA PRÁTICA EDUCA-


TIVA COM CRIANÇAS QUILOMBOLAS NO MARANHÃO
A contação de histórias nos quilombos brasileiros é uma prática que
cria condições favoráveis para a preservação e a ressignificação cultural, das me-
mórias, das identidades, das sabedorias, das oralidades e das próprias histórias
contadas, por isso, é elemento de resistência, que deve ser utilizada como estra-
tégia na valorização cultural das crianças quilombolas. Para Souza (2014) é a
partir da oralidade, do contato, que é possível escrever e transmitir os ensina-
mentos deixados pelos antepassados. O ato de transcrever as histórias oriundas
de narrativas orais proporciona ao leitor conhecer a história, uma história que
se difere da contada por um grupo opressor.
A intenção, com esse movimento, é contribuir para questionar e recons-
truir um imaginário ainda hoje fortemente marcado pela associação do negro a
experiência da escravidão, da submissão, do sofrimento e da negação (MAYER;
ALMEIDA, 2014). Contar história com o intuito de preservar e promover a va-
lorização da cultura de remanescentes quilombolas é entendido aqui como uma
das estratégias lúdicas que podem ser utilizadas na educação infantil e na co-
munidade quilombola.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criança quilombola é um sujeito lúdico que cria brinquedos e brinca-
deiras, enquanto anuncia modos de vida, concepções de mundo, aprendizagens,
educação. Suas brincadeiras são espaços e tempos de trocas acerca de percep-
ções sobre a comunidade, a história, a identidade negra e quilombola e a relação
com o campo mítico-religioso.
Esse universo lúdico mostra também a participação e a agência infantil
na organização de propostas coletivas, as quais revelam valores do grupo, tais
como: união, solidariedade e cumplicidade. Essas crianças, nascidas durante e
após as mudanças advindas do reconhecimento quilombola, crescem em meio às
aprendizagens adultas diante das novas designações que o território e seus su-
jeitos recebem, e durante o diálogo com instâncias governamentais e a aproxi-
mação dos movimentos sociais negro e quilombola. Elas visitam Casas de Cul-
tura, aprendem manifestações culturais afro-brasileiras, participam de projetos
culturais e são alvos de intencionalidades adultas preocupadas com a manuten-
ção de uma tradição de cuidado da terra e de guardiãs da memória coletiva. Esses
espaços educam sobre quem se é, o que significa “ser quilombola”, e estão pre-
sentes no processo de territorialização dos grupos.
As culturas infantis mostram que existem processos de aprendizagem
em que as crianças são sujeitos ativos diante de adultos que transmitem formas

152
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

de pensar e agir. "Ser quilombola” é aprender e ensinar pela oralidade, que pro-
picia descobertas caracterizadas por "lealdades e adesões que fazem do agir uma
motivação para aprender” (ITURRA, 1996. p. 34). Desse modo, o pensamento
sobre valorização da identidade, território e educação, a partir das crianças qui-
lombolas, mostra as muitas facetas de ser criança, ser negra e pertencer a um
território étnico-racial na sociedade brasileira. Aponta com o pensar educação
na perspectiva da interculturalidade, tendo a escola com o lugar do encontro
entre diferentes, é fundamental, sem perder de vista o diálogo entre saberes de
âmbitos distintos e complementares: local, nacional e global.
Essas crianças, nas suas vivências, nos seus contextos, também são cri-
adoras dos seus repertórios lúdicos, os quais não são criações fechadas na indi-
vidualidade do criador, pois esse processo criativo emana diferentes aspectos
que reafirmam relações culturais, sociais e históricas, além de perpassar cons-
tantemente por situações de validação, seja pela aceitação ou negação, do pró-
prio grupo. Diante disso, Vygotsky (2009) considera que:
Todo o inventor, por genial que seja, é sempre produto da sua época e do seu
ambiente [...] a obra criadora constitui um processo histórico consecutivo no
qual cada nova forma se apoia sobre as anteriores. Como diz Ribot: [...] por
muito individual que pareça, toda a criação comporta sempre em si um coefi-
ciente social. Neste sentido, não há invenções individuais na acepção estrita
da palavra: em todas elas existe sempre uma colaboração anônima.
(VYGOTSKY,2009, p. 35-36)

As criações envolvidas nos brinquedos e brincadeiras vivenciadas são


consideradas manifestações do coletivo, pois os saberes lúdicos destas crianças
são a todo instante testemunhados pelos seus criadores e por aqueles que tam-
bém buscam aprender com os outros e brincar com as criações.
Essas crianças, nascidas durante e após as mudanças advindas do reco-
nhecimento quilombola, crescem em meio às aprendizagens adultas diante das
novas designações que o território e seus sujeitos recebem, e durante o diálogo
com instâncias governamentais e a aproximação dos movimentos sociais negro
e quilombola. Elas visitam Casas de Cultura, aprendem manifestações culturais
afro-brasileiras, participam de projetos culturais e são alvos de intencionalida-
des adultas preocupadas com a manutenção de uma tradição de cuidado da terra
e de guardiãs da memória coletiva. Esses espaços educam sobre quem se é, o que
significa “ser quilombola”, e estão presentes no processo de territorialização dos
grupos. (vamos colocar um autor para fundamentar essas afirmações)
Sendo assim, o Grupo de Estudos e Pesquisas Infância e Brincadeiras
(GEPIB/UFMA) realizou pesquisa etnográfica em uma comunidade quilombola,
população majoritariamente afrodescendente. A comunidade Ariquipá é com-
posta por cerca de 120 (cento e vinte) famílias, está localizada na microrregião
Litoral Ocidental Maranhense. Vindo de São Luís, capital do Maranhão, pelo

153
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

ferry boat, chega-se ao município após aproximadamente quatro (04) horas de


viagem por via aquática e terrestre. Da sede de Bequimão à Ariquipá, são 10 km,
tem uma economia voltada predominantemente para o aprovisionamento fami-
liar com pouca comercialização dos alimentos oriundos do trabalho agrícola, da
pesca ou do extrativismo, tem como uma de suas características principais a
baixa monetarização das famílias, fazendo com que elas sejam entendidas pelos
organismos oficiais como de baixa renda.
No tocante à escolarização, a taxa de analfabetismo entre os idosos é de
praticamente 100% e mesmo entre os adultos ainda é bem alta haja vista ser re-
cente a construção de escolas públicas próximas à comunidade. Os serviços bá-
sicos de saúde também são escassos. Ariquipá dispõe de uma agente comunitária
de saúde que realiza visitas quinzenalmente, mas os médicos se localizam ape-
nas na sede de Bequimão, a 10 km de distância. Embora existam algumas casas
que tenham água encanada, a maioria é abastecida com a água do poço sem ser
filtrada ou fervida, não há rede de tratamento de esgoto ou de saneamento básico
e algumas famílias não têm banheiro, fossa ou sentina, fazendo suas necessida-
des fisiológicas no mato.
Nosso objetivo, a partir da participação das crianças na construção da
identidade cultural, era uma interlocução com a realidade do público a partir
das histórias. Por isso, o livro escolhido foi O Lobo que Queria Mudar de Cor -
Orianne Lallemand (Autor) Éléonore Thuillier (Ilustração). Este livro apre-
senta-nos um lobo muito especial que acorda insatisfeito com a sua cor. Depois
de mudar de cor várias vezes, ele descobre que não há nada melhor do que ser
castanho... Exatamente como sempre foi! A forma de narrar ocorreu através da
simples narrativa, nas quais trabalhávamos a entonação e o timbre da voz e a
expressão corporal; encenando e trazendo algumas figuras significativas como o
lobo e suas trocas de roupas, material produzido para enriquecer a contação da
história.
Iniciamos com uma pequena conversa e músicas. As crianças possuíam
entre 03 e 12 anos, mostravam-se bem agitadas; muito curiosas e interessadas.
Eram muito carinhosas também, recebendo-nos com abraços, beijos e uma mú-
sica que os representava muito: "Pisa Ligeiro, Pisa Ligeiro! Quem não pode com
os Quilombos não assanha o formigueiro”. O número de crianças estava relacio-
nado com a presença dos adultos, participando cerca de 15 a 30 crianças. Não
havia uma grande diferença entre o número de meninos e meninas, embora elas
participassem mais das atividades: nos chamavam querendo saber o que faría-
mos, sempre queriam ajudar, entravam no círculo e permaneciam até o final da
história e das atividades.
Durante a contação da história, as crianças sorriam e ouviam atenta-
mente, também faziam pequenos comentários que, infelizmente, não ouvíamos.

154
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Logo após o término, sentamos para conversar sobre o que acharam da história
e sobre suas famílias, buscando relacionar com o texto.
As crianças conhecem a história de resistência e luta do povo quilom-
bola, sabem como os escravos ‘conquistaram’ sua liberdade para que hoje seus
descendentes sejam livres. E, da história contada e socializada percebemos que
alguns se auto reconhecem, outros não, uns sentem vergonha da identificação,
outros não se posicionam, ou seja, há um processo atual sendo construído na
comunidade acerca do ‘ser quilombola’ num movimento vivo de fazer a história.
Cabe expor alguns depoimentos que nos ajudam a elucidar as informações e va-
lores que estão sendo construídos ou até negados sobre a história quilombola
nesse lugar:
Ser quilombola é um orgulho para mim, pois é um povo que lutou e conseguiu sair da escra-
vidão. (Criança A)
Ser quilombola é ser Preto. (Criança B)
Ser quilombola é ser unido e ajudar as pessoas. (Criança C)
Ser quilombola é trabalhar em comunidade e fazer as coisas com a família e os amigos.
(Criança D)

Chama atenção nos depoimentos acima o fato de que algumas crianças


parecem não saber que as terras onde moram são de remanescente de quilombo,
remetendo a um lugar distante e, por isso, talvez não se reconheçam como tal,
ainda que a questão esteja no ar, na natureza, nas entrelinhas, em atos silencia-
dos e também no pensar das pessoas que interagem com o lugar.
Fica o questionamento de como a escola se insere nessa história que
vem sendo tecida pelos sujeitos do lugar. Ademais para nos participantes diretos
da pesquisa que se colocam junto do lugar e dos sentidos de existência, fica a
aprendizagem do atravessamento observando a sensibilidade humana dos sujei-
tos e seus modos de vida, visualizados na cooperação e no gostar de viver lá – no
campo, apesar das muitas ausências, dado que “é o tempo da travessia: e, se não
ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” (PES-
SOA, 2013).

155
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE FILHO, E.; GUEDES, C; CRUZ, M. S. F.; ARAÚJO, A. C. S. Breve
diagnóstico situacional da Comunidade “Negros do Riacho”. Currais Novos, 2011.
Disponível em: http://epitacioandradefilho. blogspot.com.br/2012/06/negros-do-
riacho.html. Acesso em: 27 jun. 2021.
ANJOS, José Carlos Gomes; SILVA, Sergio Baptista da (Orgs.). São Miguel e Rincão
dos Martimianos: ancestralidade negra e direitos territoriais. Porto Alegre:
UFRGS, 2004.
BRASIL.Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Acesso em 20 Fev. 2021 em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm
________Programa Brasil Quilombola, 2005. Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial. Brasília. Acesso em 21 Fev. 2021 em:
http://www.seppir.gov.br/.arquivos/pbq.pdf
CALDEIRA, Maria. A Presença do Autor e a Pós-Modernidade em Antropologia.
Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 21, p. 133-157, jul. 1988.
FERNANDES, Natália. Ética na Pesquisa com Crianças: ausências e desafios. Revista
Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 21, n. 66, p. 759-779, jul./set. 2016.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. São Paulo: LTC, 1989.
GONZÁLEZ-REY, F.. Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-
cultural.São Paulo: Thomson. 2003.
LEITE, Ilka Boaventura. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas.
Etnográfica, Vol. IV (2), 2000, p. 333-354.
SOUZA, Ana Lúcia Silva. Dimensões de africanidades e relações raciais na
constituição de bibliotecas comunitárias no Brasil: diálogo com as políticas públicas.
In: SILVA, Cidinha da (Org.). Africanidades e relações raciais: insumos para políticas
públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil. Brasília: Fundação
Cultural Palmares, 2014.
MATHEWS, G.. Cultura global e identidade individual: à procura de um lar no
supermercado. Bauru, SP: EDUSC, 2002
MAYER, Bel Santos; ALMEIDA, Neide de. Um tanto de Áfricas em nós: dimensões de
africanidades e relações raciais no diálogo entre bibliotecas comunitárias e políticas
públicas. In: SILVA, Cidinha da (Org.). Africanidades e relações raciais: insumos
para políticas públicas na área do livro, leitura e bibliotecas no Brasil. Brasília:
Fundação Cultural Palmares, 2014.
MUNANGA, Kabengele. Identidade, Cidadania e Democracia: Algumas Reflexões
sobre os Discursos Anti-racistas no Brasil, (falta informações)

156
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

PESSOA, F. Travessias. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/


autor/fernando_pessoa. Acesso em: 20 maio 2013.
QUINTAS, Fátima (org.), O Negro: Identidade e Cidadania. Anais do IV Congresso
Afro-Brasileiro. Fundação Joaquim Nabuco, Recife: Editora Massangana. (falta o ano)
ROCKWELL, E. Etnografia e teoria na pesquisa educacional. In: EZPELETA,
J.;ROCKWELL, E. Pesquisa Participante. São Paulo: Cortez, 1986.
VYGOTSKY, L. A imaginação e a Arte na Infância. Rio de Janeiro: Relógio D’água,
2009.

157
ENTRE OS SONS DAS LETRAS E DOS
PASSARINHOS: OS DESAFIOS DO ENSINO
REMOTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
DA COMUNIDADE DO QUEBRA-POTE
EM SÃO LUÍS-MA

Layna Kariny Freire Madeira 1


Isabela de Cássia Costa Vieira 2

Introdução
Ao nascer a criança se insere no mundo letrado. Através do convívio
com seus familiares e dos eventos sociais que participa, a criança vivencia as
múltiplas práticas de letramento. Ao entrar na escola, portanto, já percorreu um
caminho que mobilizou leituras do mundo antes mesmo de iniciar o seu pro-
cesso de alfabetização. As práticas e eventos de letramento vivenciados nas ins-
tituições de Educação Infantil tem contribuído para o desenvolvimento da lin-
guagem nas crianças pequenas, principalmente em comunidades da zona rural,
onde as possibilidades de interação com os elementos da natureza possibilitam
releituras significativas.
Contudo, perante uma Pandemia de Covid-19, houve a necessidade de
buscar novos mecanismos para dar continuidade ao processo educativo, pois as
escolas precisaram ser fechadas. A solução adotada pela maioria das escolas foi
o uso das tecnologias, que nesse novo contexto exigiu que os professores repen-
sassem suas práticas pedagógicas.
Em São Luís, capital do Estado do Maranhão, as escolas rurais reinven-
taram suas propostas de educação das crianças na Educação infantil. Sob o de-
safio do Ensino Remoto, orientado pela Secretaria Municipal de Educação como
modalidade única de ensino para a etapa, os educadores, coordenadores e

1
Graduada em Pedagogia (UFMA), professora da Educação Infantil -SEMED/São Luís-MA, Pes-
quisadora GEPIB/UFMA. E-mail: layna_jesus@hotmail.com
2
Pedagoga, membro Grupo de Estudos e Pesquisas Infância e Brincadeiras (GEPIB), especialista
em Educação Infantil e séries iniciais, pós graduanda em psicopedagogia, professora de Educação
Infantil da rede privada. E-mail: isajofra28@gmail.com

158
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

gestores escolares tiveram que buscar ferramentas de trabalho com base tecno-
lógica para a continuidade do ano letivo. Sob essa perspectiva, este texto visa
analisar práticas e desafios de docentes, em exercício durante a pandemia, atu-
ante na Educação Básica, em uma escola pública localizada na zona rural.
Este artigo é resultado de uma pesquisa do Grupo de Estudos e Pesqui-
sas Infância e Brincadeiras (GEPIB), que neste momento muito têm contribuído
na reflexão sobre nossas práticas, nos trazendo questões norteadoras para regis-
trar: o ensino remoto se ajusta ao processo de desenvolvimento da linguagem
das crianças que vivem na zona rural, que possuem aparato tecnológico limi-
tado? O distanciamento social vivido nesse momento por causa da Pandemia im-
pacta na aprendizagem da leitura e escrita das crianças na Educação Infantil,
que vivem em contextos rurais?

Com as crianças, no chão da comunidade: aprendizagens e letramen-


tos no ensino remoto
O projeto educacional de uma sociedade reflete suas buscas para alcan-
çar seus propósitos e responder a suas demandas; ou seja, um modelo educativo
é fruto de um conjunto de questões sociais, econômicas e culturais. Nesse sen-
tido, diferentes contextos levam o homem a criar novos métodos, novas tecno-
logias, novas maneiras de se comunicar e trocar informações, de compartilhar
conhecimentos, refletindo na educação, no modo como ela é pensada e articu-
lada, o ensino remoto é uma resposta a um momento pandêmico vivenciado
neste ano de 2020, é necessário explicar que ele foi a alternativa possível para
milhares de jovens não deixassem de ter acesso ao conhecimento historicamente
acumulado pela sociedade.
O ensino remoto na Educação Infantil, em especial traz muitas insegu-
ranças e incertezas, para educadores e familiares. As escolas enfrentam o desafio
de evitar a evasão das crianças e de garantir novas matriculas, a UEB MEUS
AMIGUINHOS – Quebra Pote, teve pouquíssima procura de matriculas nos
anos de 2020/2021, as famílias diante das dificuldades impostas pela pandemia
(financeiras, perda de entes queridos, mudança de rotina) ou até mesmo dificul-
dade de compreensão dos pais nas aulas remotas ou mesmo a ausência de inter-
net e aparelhos celulares mais avançados.
A maior dificuldade na execução do ensino remoto é como garantir as
interações entre as crianças? Como se dará a brincadeira? Uma que o brincar é
elemento essencial para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças. O novo
panorama imposto pela pandemia exigiu e continua exigindo das equipes das
escolas uma adequação profunda no planejamento das ações e reflexão

159
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

constante para adquirir melhores formas para se manter o contato com as crian-
ças e as famílias.
Criança é um sujeito histórico e de direitos que nas relações, interações
e práticas cotidianas nas quais vivenciam, constrói conhecimentos e produz cul-
turas. Se partirmos da concepção de que elas aprendem somente a partir daquilo
que os adultos falam, estamos concebendo-as como um papel em branco. Por-
tanto, a criança deve ser compreendida no sentido plural porque elas são plurais
nas suas formas de viver a infância.
Kramer (2003) interpreta a criança como sujeito histórico e cidadã de
pequena idade, que, embora muitas vezes excluída do processo de construção
do conhecimento humano, das políticas educacionais e dos espaços de sociali-
zação, representa uma leitura específica do mundo no qual está inserida e da
sociedade que ajuda a construir. A autora entende as crianças como cidadãs que
produzem cultura e são nelas produzidas, que possuem um olhar crítico que vira
pelo avesso a ordem das coisas, subvertendo essa ordem.
Nesse sentido, o que queremos ressaltar é que a criança do campo deve
ser reconhecida como este sujeito rico e com infinitas possibilidades. Para isso,
é necessário acreditar no brilho da infância, acreditar que há possibilidades na
criança, pois ela busca compreender o mundo e a si mesma. Em outras palavras,
a criança desde pequena não só 10 se apropria de uma cultura, mas o faz de um
modo próprio, construindo cultura por sua vez.
A atual perspectiva sobre infância, educação, Educação Infantil e socie-
dade aponta um universo distinto no que diz respeito ao interesse político com
foco no desenvolvimento da criança pequena. De um lado, os movimentos sociais
com concepções fortalecidas em relação à infância lutam pelo direito de crianças
de zero a cinco anos de idade. Direito este imbuído de aspectos sociais e culturais
visando o desenvolvimento infantil na sua totalidade. De outro, nos deparamos
com políticas públicas fragmentadas que não valorizam as especificidades das di-
ferentes realidades sociais e culturais nas quais nossas crianças estão inseridas.
De acordo com Linhares e Enumo (2020):
Além das grandes perdas do processo de aprendizagem formal, as crianças es-
tão sendo privadas da necessária socialização com os pares, em que ocorrem
aprendizados significativos para o desenvolvimento humano. tais como: ex-
periências lúdicas compartilhadas, que implica em interações proximais face
a face; cooperação; convivência com as diferenças; compartilhamento de deci-
sões; enfrentamento de desafios; negociação de conflitos; adiamento de grati-
ficações; espera da sua vez; exercício controle de impulsos; entre outras habi-
lidades. (LINHARES; ENUMO, 2020, p. 4).

Segundo Soares (2009), é na Educação Infantil que começam a ser de-


senvolvidas atividades que envolvem a alfabetização e as práticas sociais de es-
crita e leitura, conceituadas como letramento. A autora enfatiza que o contato

160
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

com a linguagem escrita não se limita apenas ao processo de escrita das palavras,
é também parte indispensável do processo de leitura e prática da escrita. Com a
Pandemia por Covid-19, esse processo sofre forte impacto e que mediante exi-
gência de isolamento social, sujeitou educadores e crianças a processos de desi-
gualdades e exclusão social.
De acordo com Nóvoa (2020):
De um modo geral, ninguém estava preparado para esta situação e a avaliação
que, hoje, já podemos fazer revela aspectos negativos, como as desigualdades
e o empobrecimento pedagógico, mas também positivos, como a ligação com
as famílias e a inventividade de muitos professores. É preciso reconhecer os
esforços para manter uma ligação com os alunos e com as famílias. Os gover-
nos deram respostas frágeis, e as escolas também. As melhores respostas, em
todo o mundo, foram dadas por professores que, em colaboração uns com os
outros e com as famílias, conseguiram pôr de pé estratégias pedagógicas sig-
nificativas para este tempo tão difícil. (NÓVOA, 2020, pág. 08)

E assim, a Educação Infantil no Brasil decidiu seguir. Cada instituição


com sua proposta própria, sob as legislações que ditavam as regras de trabalho,
mas com o sentimento de que era preciso dar continuidade ao trabalho junto as
crianças a suas famílias. Em meio ao turbilhão de informações sobre a doença
que se alastrava pelo mundo, as escolas, as mais isoladas, repensavam seus cur-
rículos, suas atividades, suas maneiras de ensinar. As crianças, separadas do con-
vívio escolar, foram instantaneamente inseridas em propostas diferenciadas,
distante dos colegas e dos professores.
Para orientar essa nova perspectiva do trabalho pedagógico na Educa-
ção Infantil, o Conselho Nacional de Educação através do parecer 05/2020 dava
as seguintes diretrizes:
Para as crianças da pré-escola (4 e 5 anos) as orientações são similares: [...] ati-
vidades de estímulo às crianças, leitura de textos pelos pais ou responsáveis, de-
senho, brincadeiras, jogos, músicas infantis e algumas atividades em meios digi-
tais quando for possível. A ênfase deve ser em proporcionar brincadeiras,
conversas, jogos, desenhos, entre outras para os pais ou responsáveis desenvol-
verem com as crianças. As escolas e redes podem também orientar as famílias a
estimular e criar condições para que as crianças sejam envolvidas nas atividades
rotineiras, transformando os momentos cotidianos em espaços de interação e
aprendizagem. Além de fortalecer o vínculo, este tempo em que as crianças estão
em casa pode potencializar dimensões do desenvolvimento infantil e trazer ga-
nhos cognitivos, afetivos e de sociabilidade. (BRASIL, 2020, p. 10)

O futuro da educação do Brasil estava incerto, Secretarias de Educação


de todo país passaram a planejar e pensar sobre possibilidades para atuação das
instituições de ensino. É neste contexto, em meio a críticas e discussões que sur-
giu a adoção do ensino remoto. De acordo com parecer, nº 05/2020, organizado
pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), é autorizada a realização do ensino
remoto na Educação Infantil, dado às medidas de isolamento social diante à pan-
demia do COVID 19.

161
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Precisa-se de muitos investimentos na formação dos professores na área


tecnológica, para Nóvoa (2020) esta é uma ação decisiva, para ampliar as capa-
cidades dos professores de lidar com as novas demandas sociais. Apesar do es-
forço da rede municipal para dar continuidade as atividades escolares, no sen-
tido de garantir os direitos das crianças durante o isolamento social, os estudos
demonstram a total inadequação deste modelo para as crianças pequenas. Os
pais não são professores, não são formados e nem foram questionados a respeito
da possibilidade ou não de fazer o acompanhamento integral das atividades es-
colares dos filhos.
Medidas de isolamento social exigiram de todos uma reorganização so-
cial, novas formas de se fazer e viver. Com a educação não foi diferente, tivemos
diante de nós o desafio de fazer ensino remoto, e o que seria isto? Como faría-
mos? Fomos todos surpreendidos, sem dúvidas teríamos que fazer algo total-
mente inovador, que exigia, tecnologias, formação, apoio às famílias. Junto ao
ensino remoto surgiram diversos questionamentos. Como fazer educação infan-
til por meio remoto onde os eixos principais são as interações e as brincadeiras?
Que instrumentos tecnológicos iremos utilizar para alcançar a todos? Antes de
descrever algumas estratégias utilizadas, é importante destacar que no ano de
2020 recebemos pouquíssimas orientações sobre ensino remoto por parte de
nossa rede de ensino, ou mesmo qualquer tipo de formação.
Conforme Santos (2020), a quarentena é um processo discriminatório,
uma vez que, os grupos sociais diferentes enfrentam a situação de maneiras dis-
tintas. Enquanto para uns grupos é mais difícil, para um vasto grupo é impossí-
vel: “[...] São grupos que têm em comum padecerem de uma especial vulnerabi-
lidade que precede a quarentena e se agrava com ela” (SANTOS, 2020, p. 15).
Nesse contexto, destaca-se o contexto de zona rural, que possuem limitações de
acesso a internet e de aparelhos tecnológicos de última geração. O trabalho de-
senvolvido, portanto, dentro das instituições educacionais que estão inseridas
nesse contexto, enfrentam diversas dificuldades como a evasão escolar.
Não existe uma resposta única e a participação das crianças no ensino
remoto não é uma obrigação, é um convite, pois as realidades das famílias são
diferentes, mas é importante garantir que de certa forma o acesso ao patrimônio
sócio cultural acumulado continue sendo acessado e veiculado, no sentido de
explorar o entorno, afinal a escola é um espaço de socialização e privilegiado de
interações que ocorrem fora da família, que tem como compromisso a garantia
de direitos para as crianças em fase de escolarização.
No dia 28 de abril de 2020 o Conselho Nacional de Educação (CNE) em
conjunto com o MEC, elaborou e aprovou por unanimidade, as diretrizes para
orientar as instituições de ensino durante a pandemia da coronavírus. Para Fo-
chi (2020, os documentos editados pelo conselho não atendem as

162
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

especificidades da educação infantil, no que diz respeito a organização do tra-


balho pedagógico e ao que é singular a esta etapa da infância. Posto isso, o desa-
fio de organizar o ensino remoto na comunidade de Quebra Pote, que cresceu às
margens do Rio Tibiri, na qual a maior parte dos moradores vivem da pesca ou
da agricultura familiar, produzindo frutas, verduras e legumes. Com grande fre-
quência ouvíamos em nossas aulas presenciais as seguintes frases: “amanhã irei
pescar com meu pai tia”, “lá na plantação professora” ou “as galinhas do meu
quintal...”. Expressões rurais tão repletas de significados. Essas famílias jamais
imaginaram que teriam que utilizar meios tecnológicos para dar continuidade a
aprendizagem e desenvolvimento de seus filhos.
Pasuch e Franco (2017) consideram que a educação infantil a ser cons-
truída para as crianças no campo deve reconhecer que elas produzem cultura e,
assim, participam dos processos de construção dos conhecimentos, tanto da-
queles específicos dos contextos em que vivem quando da sociedade como um
todo. Conforme Silva e Pasuch (2010) a criança do campo constrói sua identi-
dade e autoestima na relação com o espaço que vive, com sua cultura, com os
adultos e as crianças do seu grupo.

Relatos de Esperança: entre os sons e as letras, as crianças aprendem


No dia 17 de março de 2020, as aulas presenciais foram totalmente pa-
ralisadas, logo uma série de medidas foram tomadas para se realizar um traba-
lho/ensino remoto para as crianças. As professoras preparam, rotinas semanais,
estas foram elaboradas com base na BNCC, e continham atividades que contri-
buem para alcance dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.
Além das rotinas, cada professor considerando as especificidades de
suas turmas, orientaram os pais, produziram vídeos, sugeriram atividades de
vida diária e elaboraram apostilas de acordo com os níveis de seus alunos, além
de estimular cotidianamente as famílias e se colocar a disposição delas. Para
construção deste relatório além da observação do professor, da avaliação das ati-
vidades, foram realizadas entrevistas com os pais para saber como estaria o de-
senvolvimento das crianças.
As educadoras sentiram falta de aulas passeios, que podiam ser realiza-
das ali mesmo no entorno, a poucos metros da sala de aula tinha uma árvore para
abraçar, para sentar, para recolher folhas secas e fazer artes, podiam ali mesmo
sem precisar de nenhum transporte colher gravetos para as produções, podiam
ver barcos e pescadores passar, não precisavam de tecnologia, de celulares de
última geração etc... pois a presença, a interação, era suficiente para educar, para
ouvir as crianças e aprender com elas. Alguns passos e podiam estar à beira do

163
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Rio Tibiri, aprendendo sobre o curso das águas, sobre os diversos tipos de pei-
xes, ou podiam ir até à Baía do Arraial com o ônibus escolar.
Diante disto, entre as primeiras ações com o objetivo de organizar o ano
letivo remotamente, a escola entrara em contato com os pais via telefone, e cada
professor organizara sua lista com contatos, que já existiam no dossiê de cada
criança. Primeiro desafio: a grande maioria dos contatos ou estavam errados, ou
não completavam a ligação, e para conseguir o contato certo ou de algum fami-
liar foi quase um mês, com o apoio de toda comunidade escolar.
Em cada lar poderíamos observar que apenas 1 celular estava disponível
para receber as informações escolares de 2 ou 3 filhos. Existiram casos de ne-
nhum também. A internet utilizada era de dados móveis e não wi-fi. Logo após
a organização das crianças em grupos de WhatsApp, a plataforma mais utilizada
por todos, conversou-se sobre a possibilidade de propostas interativas nessa
rede social, e ficou acertado que seria a melhor forma de alcance da maioria das
crianças. Preservar a identidade da Educação Infantil foi algo que não se abriu
mão, pois logo inicialmente foram relembradas as músicas prediletas, as brinca-
deiras e o compartilhamento com a família.
Lembrando sempre às crianças que elas fazem parte do grupo identitá-
rio da escola e a sensação de pertencimento naquele espaço ainda que não fisi-
camente no momento. As professoras sempre avisavam com antecedência o que
ocorreria a cada semana, para que os pais pudessem se organizar. E ainda havia
a possibilidade de por certo período que o pai não teria acesso à internet, leva-
ríamos as propostas impressas, para aqueles que não possuíam telefones e rece-
biam os recados por vizinhos e amigos.
As especificidades da educação infantil das crianças do campo se inserem num
movimento amplo de lutas por uma educação que reconheça a participação
desses sujeitos (crianças e povos dos territórios rurais) no processo de cons-
trução do conhecimento do mundo e de si mesmos; tal como já se tem avan-
çado no que se refere aos textos urbanos, é necessário considerar que essa
etapa da educação é direito das crianças e não apenas das famílias trabalhado-
ras. (PASUCH; FRANCO, 2017, p. 381-382)

Nesses momentos de diálogo percebemos que a escola nesses tempos


difíceis poderia contribuir com as famílias, até para salvaguardar a sanidade
mental das crianças. Gravação de histórias em áudio e vídeo para compartilhar
com elas, orientações sobre o brincar em casa, estratégias de leituras, momentos
lúdicos com músicas, poemas, advinhas entre outros.
Não podemos falar em avaliação da Educação Infantil nessas circuns-
tâncias, assim como não podemos negar que mesmo dentro de todas as impossi-
bilidades, ficamos felizes quando nossos alunos nos mandavam áudios, dizendo
que estavam com saudade da escola, quando recebíamos vídeos das crianças
brincando em seus quintais, produzindo brinquedos juntamente com seus

164
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

familiares, escrevendo seu nome, fazendo seus desenhos, e até mesmo mandando
desafios, como um aluno que pediu para uma professora recitar um trava-língua
e mandar em áudio para ele.
Uma educação infantil que permita que a criança conheça os modos como sua
comunidade nomeia o mundo, festeja, canta, dança, conta histórias, produz e
prepara seus alimentos. Creches e pré-escolas com a cara do campo, mas tam-
bém com o corpo e a alma do campo, com a organização dos tempos, ativida-
des e espaços organicamente vinculados aos saberes de seus povos. (SILVA;
PASUCH, 2012. p. 23)

A escola se tornou uma rede apoio, até para informar a comunidade es-
colar sobre a situação que agravou a pobreza no nosso país. Era preciso dar su-
porte com a distribuição de cestas básicas e informações diversas, sem romanti-
zar o ensino na modalidade remota, por não atender a educação infantil em suas
singularidades e complexidades, mas que no período de pandemia tem aproxi-
mado muito as famílias da gestão escolar e dos professores de Educação Infantil.

Considerações finais
Diante do relato, observou-se que, a inclusão de uma proposta pedagó-
gica que considere a diversidade de contextos das comunidades e povoados que
compõem um município, em situações distintas de letramento, se transformou
em um verdadeiro desafio para as instituições de educação infantil, pois as difi-
culdades são potencializadas no cenário inusitado do isolamento social. Assim,
a realização de práticas letradas que atendam aos anseios de uma sociedade cada
vez mais tecnológica exige várias reflexões.
No período de um longo isolamento social, a criação de políticas públi-
cas que atendam às realidades e suas diversidades para suprir a lacuna deixada
pela ausência de aulas presenciais - com a simples transposição das tradicionais
práticas pedagógicas para o universo digital - não constitui garantia de que o
processo de ensino e aprendizagem aconteça de forma efetiva. Seria preciso as
mobilizações nas comunidades na luta pela garantia de direitos à educação das
crianças, filhos das comunidades rurais, respeitando os saberes da terra.
A Educação Infantil do Campo é um direito das crianças pequenas de-
ver do Estado. Cabe a nós pesquisadores, estudantes, educadores, sociedade
abrirmos discussões e debates para que a criação de políticas específicas que
valorize a criança do campo enquanto sujeito de direitos que produz conheci-
mento e que necessita de interações 13 sociais para que suas culturas sejam so-
cializadas e enriquecidas num processo dialético dentro da escola. Entretanto,
propor educação infantil do campo requer antes uma reflexão sobre que campo
é esse que estamos falando.

165
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Um campo onde a criança vive a sua infância, interage com a natureza,


convive em uma família que geralmente atua no trabalho agrícola. Um lugar em
que os sujeitos vivenciam práticas de trabalhos colaborativos entre membros da
família e vizinhos, com igrejas, associações e as escolas como forte ponto de re-
ferência. E acima de tudo, um campo não submisso, um espaço de luta pela terra.
A educação infantil que queremos e estamos construindo valoriza a criança
como um sujeito de direito e histórico, um sujeito da natureza inserida em um
espaço no qual a infância é vivida na sua plenitude. Uma educação não fragmen-
tada, que dialoga com os demais elementos que compõe o campo no qual as re-
lações, e experiências são vividas de maneira significativa dando sentido na cul-
tura e na vida da comunidade.

166
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Medida Provisória nº 934, de 1º de abril de 2020. Presidência da República.
Brasília/DF, 2020.
________. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. PNA Política Nacional
de Alfabetização/Secretaria de Alfabetização. – Brasília: MEC, SEALF, 2019. 54 p.
________. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. M E C :
Brasília,2018.
KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. Rio de Janeiro,
Achiamé, 2003.
LINHARES, Maria Beatriz Martins; Enumo Sônia Regina Fiorim. Reflexões
baseadas na Psicologia sobre efeitos da pandemia COVID-19 no desenvolvimento
infantil. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 37, 2020.
NÓVOA, António. A pandemia de Covid-19 e o futuro da Educação. Revista Com
Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal, v. 7, n. 3, p. 8-12, ago. 2020.
Disponível em: <http://periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/905>.
Acesso em: 23 mar. 2021.
PASUCH, Jaqueline, FRANCO, Cléria Paula. O Currículo Narrativo na Educação
Infantil das crianças do campo: reflexões para um diálogo pedagógico. Cadernos
CEDES, v. 07, n. 103, p. 377-392, set./dez. 2017.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições
Almeidina, 2020. Disponível em: https://www.cpalsocial.org/documentos/927.pdf
SILVA, Ana Paula Soares da. PASUCH, Jaqueline, SILVA, Juliana Bezzon da.
Educação Infantil do campo. São Paulo: Cortez, 2012
SOARES, Magda. Como fica a alfabetização e o letramento durante apandemia?
Entrevista no canal Futura. 08/09/2020. Disponível em https://www.futura.org.br/
como-fica-a-alfabetizacao-e-o-letramento-durante-a- pandemia/. Acesso em: 10 de
março de 2021.

167
“DE AMIZADE, LETRAS E RITMOS”:
IDEIAS DAS CRIANÇAS SOBRE A COMPOSIÇÃO
MUSICAL NA ESCOLA BÁSICA1

Gabriela Flor Visnadi2


Viviane Beineke3

A composição na educação musical


Quando eu criei a minha música
eu botei tudo pra fora o que eu sentia...
(Catarina)

Na área da educação musical, a composição é uma atividade reconheci-


damente importante, principalmente em modelos de ensino fundamentados em
concepções que buscam desenvolver a autonomia e o aprendizado musical de
forma significativa para a criança. Além de contemplar diferentes interesses pre-
sentes no grupo, as atividades de composição contribuem para desenvolver as
habilidades musicais e possibilitam a participação das crianças como sujeitos
ativos no processo de aprendizagem (SWANWICK, 2003).

1
Este artigo foi publicado na Revista da Abem – Associação Brasileira de educação Musical, v. 24,
n 36, 2016. Neste artigo as autoras ampliam a análise e a discussão dos resultados apresentados
na dissertação de mestrado intitulada “A música que eu compus em grupo eu tirei do coração:
perspectivas das crianças sobre a composição musical na escola básica” (VISNADI, 2013),
realizada no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC).
2
Musicista. Mestre em Música (Educação Musical) pelo Programa de Pós-graduação em Música
da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGMUS/UDESC), na linha de pesquisa Forma-
ção, processos e práticas em Educação Musical (2013). Possui graduação em Licenciatura em Mú-
sica pela mesma universidade (2004). Professora do Curso de Licenciatura em Música – UFMA.
Pesquisadora dos Grupos GEPIB e INVENTA Educação Musical. E-mail: gabriela-
flor.ufma@gmail.com
3
Professora associada do Departamento de Música e integra o corpo docente permanente do Pro-
grama de Pós-Graduação em Música (PPGMUS) e do Mestrado Profissional em Artes (ProfArtes)
da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas
Inventa Educação Musical e membra dos Grupo de Pesquisa MUSE: Música e Educação
(UDESC) e FAPEM: formação, ação e pesquisa em Educação Musical (UFSM). Graduada em Li-
cenciatura em Educação Artística (habilitação Música) – UFRGS, Mestra e Doutora em Música
– UFRGS. Pós-doutorado na Alemanha. E-mail: viviane.beineke@udesc.br

168
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Qualquer que seja a forma que ela tome, o principal valor da composição na
educação musical não é produzir mais compositores, mas sim, pelos insights
que podem ser obtidos a partir dela, levar o aluno a relacionar-se com música
de uma maneira particular e muito direta (SWANWICK, 1979, p 43).

Nos termos desta pesquisa, entendemos composição musical de ma-


neira abrangente, em atividades que possibilitam a tomada de decisões musicais,
com ou sem alguma forma de registro. Assim, consideramos que fazem parte
dessa categoria: atividades de arranjo musical, improvisação, musicalização de
poemas ou letras dadas – ou seja, atividades que abram espaço para que o aluno
faça suas próprias escolhas musicais (SWANWICK, 2003). Para Swanwick
(2003), a composição é uma necessidade educacional que deve estar articulada
à performance e à apreciação. “A atividade composicional favorece o entendi-
mento do funcionamento das ideias musicais, contribuindo, portanto, para tor-
nar a performance mais coerente e consistente” (FRANÇA; SWANWICK, 2002,
p.16). Nesse pensamento, entende-se que trabalhar com a composição auxilia
melhor envolvimento com as outras práticas musicais, já que a criança passa a
ouvir música de forma diferente, sob o ponto de vista de quem já atuou como
compositor; e executar com a intenção de quem está expressando suas próprias
ideias musicais.
Para França e Swanwick (2002, p. 10), “experiências em composição
podem levar os alunos a desenvolverem sua própria voz nessa forma de discurso
simbólico”, em um processo de transformação de ideias musicais. Inicialmente,
o objetivo não é o domínio de técnicas complexas, mas “brincar, explorar, des-
cobrir possibilidades expressivas dos sons e sua organização” (p. 10). O impor-
tante é oportunizar o exercício da tomada de decisão expressiva, uma habilidade
determinante no fazer musical (p. 9). Além disso, a composição atua no desen-
volvimento de habilidades técnicas instrumentais.
[...] ao tocarem suas peças, os alunos têm que descobrir a maneira mais eficaz
de abordar o instrumento para expressar sua concepção musical. Portanto, ela
proporciona um desenvolvimento técnico com um propósito musical direto,
oferecendo uma contribuição preciosa para o desenvolvimento musical das
crianças (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p. 10).

Glover (2000) e Campbell (1998) consideram o processo da composi-


ção musical como um ‘pensar em voz alta’, sendo importante reconhecer as cri-
anças como compositoras e divulgar suas composições, para contribuir na aber-
tura de espaços em que as crianças sintam confiança para reconhecer e
desenvolver sua própria voz musical. Ampliando essa ideia, Veloso e Carvalho
(2012, p. 73) argumentam que, através do engajamento criativo com música, as
crianças podem olhar para a arte não somente como meio de expressão pessoal,
mas também como ferramenta que pode ajudá-las a compreender o mundo
usando a imaginação.

169
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Importante destacar também, como explica Glover (2000), que a com-


posição adulta difere qualitativamente da composição infantil. Além disso, den-
tro de uma visão multicultural, a composição não pode ser vista de maneira
única. A noção do compositor “individual” – dominante na cultura da música
erudita e em sistemas educativos ocidentais – vem sendo transformada a partir
da comparação com outros gêneros e culturas musicais, nos quais a ideia de com-
por é radicalmente diferente (GLOVER, 2000, p. 17).
A composição musical em contextos de ensino e aprendizagem de mú-
sica é um campo com diversas possibilidades de foco para investigações, moti-
vando a realização de um grande número de pesquisas sobre o assunto. Pesqui-
sadores e pesquisadoras, em contextos diversos, investigam: processos de
composição em situações variadas; produtos resultantes dessas práticas; o papel
da composição na aprendizagem musical e no desenvolvimento da criatividade;
relações entre gênero e composição; o ponto de vista dos(as) educadores(as) en-
volvidos(as); e ainda as perspectivas dos(as) estudantes sobre diferentes aspec-
tos que envolvem as atividades de composição musical. Todas essas abordagens
são importantes e contribuem para a compreensão das práticas de composição
na educação musical e nas elaborações teóricas, auxiliando educadores(as) e
educandos(as) na compreensão e na relação com as suas produções musicais.

Ouvindo as crianças
Agora, na próxima música que eu fizer, em casa, ou em algum
lugar, eu vou cantar bem alto, pra todo mundo ouvir!
(Axel)

Iniciativas que buscam promover a participação das crianças como su-


jeitos ativos na sociedade vêm ganhando destaque nas discussões teóricas e em
experiências diversas, como projetos e programas sociais (TOMÁS; FERNAN-
DES, 2011). Honorato e demais autores (2006) defendem que essa postura tam-
bém deve ser praticada nas pesquisas, entendendo as crianças como copartici-
pantes dos estudos e das investigações realizados com elas – e não sobre elas.
Notamos que essa diferença tem se feito explícita nas pesquisas, e, de certa
forma, explica o movimento percebido mais fortemente nesta última década:
passamos de uma produção eminentemente sobre as crianças, a produzir com
as crianças, rompendo, assim, com a perspectiva etimológica do termo in fans,
entendidas como aquelas que não falam, ou, como denuncia Martins (1991),
como “os mudos da história” (p.54). Meninos e meninas consideradas com vez
e voz. Vozes que trazem à tona aquilo que vivem, ouvem dizer ou imaginam;
vozes pouco ouvidas e quase nunca levadas a sério (HONORATO et al., 2006).

Entender o ponto de vista das crianças tem sido uma preocupação


emergente também nas pesquisas realizadas na área da educação musical

170
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

(BEINEKE, 2011; BURNARD, 2006; CAMPBELL, 2001; Mc CARTHY, 2010). Se-


gundo Burnard (2006), o ponto de vista das crianças difere qualitativamente do
ponto de vista adulto, tornando-se imperativo conhecer e incluir suas perspec-
tivas nos estudos e pesquisas.
No contexto das aulas de música, os professores e professoras que pro-
curam incluir seus alunos de maneira ativa na construção do conhecimento pre-
cisam considerar seus interesses, necessidades e perspectivas quando elaboram
seus planejamentos. A valorização do discurso musical que a criança traz em
suas composições pode ser uma maneira de reconhecer e validar seus saberes e
interesses; possibilitar que elas conheçam e desenvolvam sua própria voz; e
ajudá-las a expandir seus horizontes musicais. Além disso, torna-se importante
também abrir espaços para que as crianças falem sobre música e sobre a maneira
como se envolvem com música, para que se tornem participantes ativas nas de-
cisões sobre o próprio processo de aprendizado musical.
As crianças têm grande satisfação em conversar sobre as suas composições e
seus próprios processos de composição. Promover experiências de composi-
ção entre as crianças pode não ser suficiente. Como pesquisadores e professo-
res, precisamos ajudá-las a desenvolver uma linguagem para falar sobre as suas
composições e sobre si mesmas como compositoras. Elas precisam sentir que
é legítima a permissão para contribuir ativamente nas discussões sobre con-
cepções de compor, as suas experiências em composição e as transformações
que ocorrem em suas relações com a composição. (...) Só tendo a compreensão
sobre a contextualização sociocultural e multivocalidade das crianças com-
pondo podemos conhecer e compreender adequadamente a sua construção de
significados como compositoras (BURNARD, 2006, p. 128, tradução nossa).

Ao estimular as crianças a falar sobre o que pensam com relação à mú-


sica e às suas músicas, estaremos contribuindo para que elas reflitam e desen-
volvam a sua própria compreensão sobre a sua relação com a música e com a
composição musical. Beineke (2009) explica que “as crianças devem ser encora-
jadas para refletir e discutir sobre as experiências musicais, para que possam
compreender melhor as formas pelas quais estão compondo, resultando em me-
lhor articulação dos seus conhecimentos” (p. 69).
Acreditamos que através de iniciativas que incluem as crianças na cons-
trução do conhecimento – abrindo espaço para ouvir o que elas têm a dizer sobre
o seu próprio envolvimento com a música – é possível construir ambientes de
ensino mais significativos e inclusivos, no sentido em que os diferentes pontos
de vista serão considerados, contribuindo para uma formação musical mais crí-
tica e comprometida como respeito e a valorização da diversidade. A partir des-
sas ideias, a questão que nos orientou na realização desta pesquisa é: como as
crianças compreendem a composição no contexto da educação musical na escola
básica?

171
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

Caminhos da pesquisa
Ninguém consegue fazer nada sozinho,
pra tudo precisa de ajuda...
(Gabriele)

Nesta pesquisa procuramos elaborar um desenho metodológico que


permitisse que as crianças se sentissem confiantes e seguras para compor e se
expressar musicalmente e, além disso, que pudessem explicar como compreen-
dem a composição musical em atividades realizadas no contexto escolar. Para
tal, era necessário que a pesquisa fosse conduzida numa turma da escola básica,
mas de maneira que as crianças pudessem desenvolver as atividades de compo-
sição com bastante autonomia e com um mínimo de interferência do professor
ou da professora. Considerando essas questões, decidimos realizar um estudo
de caso qualitativo com uma turma do 4º ano do ensino fundamental, numa es-
cola básica da rede estadual de Florianópolis, com as atividades de composição
musical propostas pela pesquisadora. Como a turma não tinha aulas específicas
de música nem de artes em seu currículo, a pesquisadora atuou também como
professora das crianças, incentivando-as e dando-lhes suporte para que elas pu-
dessem realizar as suas composições, mas procurando não interferir diretamente
em suas decisões musicais.
Feito o contato inicial com a escola, a turma para o estudo foi selecio-
nada considerando o interesse e a disposição da professora regente da classe, o
interesse das crianças em participar do projeto, a disponibilidade de horários, e
também o número reduzido de crianças na turma em comparação com outras da
mesma escola. A turma que participou da pesquisa era formada por 18 crianças
entre oito e dez anos de idade, sendo 11 meninas e 7 meninos. Apresentada a
proposta, as crianças aceitaram de imediato e com entusiasmo o nosso convite
para fazer parte de uma pesquisa envolvendo atividades de composição musical.
Importante salientar que essas crianças nunca haviam participado de qualquer
tipo de ensino formal de música. Apenas um dos meninos contou que havia tido
aulas de violão – por dois meses – num projeto social no bairro.
Nossa intenção era dar às crianças espaço para tomar decisões em dife-
rentes âmbitos: na formação de grupos; nos processos de composição; nos temas
e ou gêneros musicais; na escolha de instrumentos e nos arranjos de suas músi-
cas. O papel da pesquisadora com a turma era organizar a classe para o trabalho,
mediar possíveis conflitos entre as crianças, incentivá-las na realização das com-
posições e, principalmente, ouvi-las. Por isso, não chamamos esses momentos de
aulas, mas de encontros. Nesse processo foram realizadas observações partici-
pantes (MOREIRA; CALEFFE, 2008) e registros em videogravação (GARCEZ;
DUARTE; EISENBERG, 2011) pela pesquisadora. Como destacam Honorato et

172
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

al. (2006), a captação de imagens na pesquisa com crianças pode revelar-se uma
rica fonte de elementos a serem analisados. Outro espaço para as crianças ex-
pressarem suas ideias foi aberto nas entrevistas semiestruturadas (ROSA; AR-
NOLDI, 2008) realizadas em grupos. Essas entrevistas aconteceram em dois mo-
mentos: no início do trabalho e ao final dos encontros. Como destacam Dessen
e Borges (apud BELEI et al, 2008, p. 195), a utilização de uma coleta de dados mais
diversificada e abrangente favorece a compreensão do fenômeno estudado e,
consequentemente, maior diversidade e riqueza de informações.
Foram realizados doze encontros semanais com uma hora de duração
na própria sala de aula onde as crianças estudavam, em horário cedido pela pro-
fessora regente. Durante esses encontros, as crianças dispunham de diversos ins-
trumentos musicais – pandeiros, ganzás, tamborins, reco-reco, agogôs, caxixis,
violão e cavaquinho, entre outros – para utilizar na elaboração de suas compo-
sições musicais, além de cadernos e lápis, pretos e coloridos. As crianças organi-
zavam-se livremente formando pequenos grupos de três a seis participantes e
selecionando os instrumentos disponíveis, utilizando a sala de aula e espaços
livres pelo pátio. No total foram produzidas 16 composições musicais agrupadas
em três blocos temporais: o primeiro bloco no início da pesquisa; o segundo na
metade; e o terceiro ao final da pesquisa. Os grupos levavam em torno de dois a
três encontros para compor suas músicas, que eram apresentadas aos demais
colegas da turma quando finalizadas.
Os dados coletados durante a pesquisa – derivados das observações das
aulas, dos registros em videogravação e das entrevistas com as crianças – foram
organizados em três categorias: a) ideias de composição musical na perspectiva das cri-
anças; b) valores e funções da composição musical na perspectiva das crianças; e c) a com-
preensão das crianças sobre o processo de composição musical. É importante ressal-
tar que essas categorias estão intimamente relacionadas entre si, articulando o
que as crianças entendem por composição, quais funções atribuem à atividade
de compor e como explicam esse processo.

Ideias de composição e autoria


Uma boa música é ter amizade,
é amor pelas pessoas que estão fazendo.
(Axel)

Nos três blocos de composições observados na pesquisa, predominou a


composição de canções. Ao observá-las, percebemos modelos de música muito
próximos dos que são apresentados pela mídia, incluindo paródias e citações de
músicas conhecidas. As músicas compostas pelas crianças aproximam-se das

173
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

referências musicais por elas citadas, como programas de televisão e rádio e cul-
tos religiosos, com temáticas muito próximas de assuntos vivenciados no seu dia
a dia, como a sua rotina como estudantes; suas paixões; ou situações observadas
na escola e no bairro.
Um exemplo é a paródia Vida de Estudante, composta por um grupo de
quatro meninas. Usando como referência a música Vida de Empreguete4, de Quito Ri-
beiro, as meninas recriaram a letra, adaptando-a ao seu dia a dia de estudantes de
escola pública. Mantiveram a mesma linha melódica, incluíram coreografia e um
acompanhamento feito por um pandeiro e um triângulo. A coreografia é parte in-
tegrante da composição e foi criada simultaneamente à melodia e aos arranjos. As
meninas ensaiaram a música várias vezes em espaços fora da sala de aula para que
a turma não conhecesse a coreografia antes da apresentação – momento para o
qual as meninas se prepararam usando roupas e maquiagem específicas.
Sobre os elementos que constituem as composições, as crianças citaram
elementos musicais e extramusicais, sem fazer distinção ou julgamento de valor
entre eles. Som, instrumentos, voz, ritmo, rima, letra, mensagem, amizade, von-
tade, expressão, pontuação, refrão, dança, ser legal e divertida. Para Taís: “Tem que
ter expressão, tem que vir do coração, principalmente tem que ter a letra”. A letra
é a música, é a parte mais importante da composição, porque a mensagem transmi-
tida por ela é fundamental, e deve ser feita de acordo com as emoções e sentimen-
tos de quem a compôs. Isso porque a música precisa transmitir alguma ideia, ou,
como explica Brito, as crianças entendem “que uma canção tem um tema, que fala
de alguma coisa” (BRITO, 2007, p. 225). Elementos como a rima entre as frases e
a presença do refrão também foram levantados pelas crianças. Para os meninos, as
rimas eram extremamente valorizadas, enquanto para as meninas a emoção trans-
mitida era a característica mais importante da composição.
Os instrumentos musicais, por sua vez, “dão o ritmo”, subordinados à
letra, já que o ritmo, como explica Taís, “é também o que combina com a mú-
sica.... ritmo é o som que combina com a música”. A dança, em muitos casos, faz
parte da composição, e as crianças explicam que deve ser trabalhada em con-
junto com os outros elementos, principalmente nas peças de andamento ligeiro
e com temáticas bem-humoradas. Para várias crianças da turma – principal-
mente as meninas – a dança é tão importante para a música quanto a sua instru-
mentação, e uma depende da outra. Luiz Antônio corrobora essa ideia, ao afir-
mar que a dança “é a expressão da música”.
Quando perguntadas sobre o que configura uma boa composição, as cri-
anças explicaram que a música deve engajar e aproximar as pessoas, levando em
conta todos aqueles que estiverem envolvidos na ação, incluindo os

4
Música da novela Cheia de Charme, da rede Globo, que foi ao ar entre abril e setembro de 2012.

174
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

espectadores. Para elas, o valor atribuído a uma composição não implica apenas
os elementos sonoros que a constituem, mas também todo o entorno que per-
meia a ação de compor. A amizade entre os parceiros foi citada pelas crianças
como parte constituinte da composição. Elas consideraram que a confiança e o
respeito entre os integrantes do grupo são indispensáveis para que a composição
fique “boa”. “A gente procura sempre ter mais amigos por perto, porque, sempre
que tem um pouco de amizade, a música sempre fica boa!” (Gabriele).
No decorrer da pesquisa foi possível perceber que para muitas crianças
o conceito de autoria não estava muito claro. Paródias, arranjos ou improvisa-
ções eram entendidos pelas crianças com a mesma relação de autoria, que não
viam problema em utilizar trechos de outras músicas nos seus trabalhos ou fazer
paródias sem citar as fontes. Utilizar ideias de suas músicas preferidas era um
recurso entendido por elas como uma possibilidade legítima na composição.
O conceito de reprodução interpretativa, de Corsaro (1993), pode auxiliar-
nos a refletir sobre essa questão da autoria. O autor explica que muitas vezes a
(re)produção cultural dentro de determinado grupo de crianças, ou cultura de
pares, não é entendida como mera imitação ou apropriação direta da cultura do
mundo adulto, mas uma transformação das informações de forma a atender às
especificidades e aos interesses singulares do grupo. Ainda segundo Corsaro
(1993), nesse processo as crianças não apenas internalizam a cultura adulta, mas
também se tornam parte dela, contribuindo inclusive para a sua reprodução,
através de suas negociações com o mundo adulto e da produção criativa de cul-
turas de pares com outras crianças. Elas apreendem criativamente informações
do mundo adulto para produzir suas próprias culturas singulares (CORSARO,
1993). Entretanto, alertamos que em contextos de educação musical, mesmo
sendo essas práticas legítimas para as crianças e abrindo diversas possibilidades
às práticas pedagógicas, é necessário que os educadores e educadoras estejam
atentos para desenvolver entre as crianças maneiras críticas e conscientes de
utilizar produções alheias, reconhecendo e valorizando a autoria de outros com-
positores e intérpretes.

Ideias sobre valores e funções da composição


Eu não fico compondo a música pra deixar
guardada, eu gosto de mostrar!

(Taís)

Desde os primeiros contatos com a turma, a proposta de compor músicas


foi muito bem recebida pelas crianças. Seus gestos, falas, expressões faciais e a ma-
neira como se envolviam nas atividades demonstravam que compor era divertido
e prazeroso para elas. Algumas crianças contaram que estavam começando a

175
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

compor músicas em casa, e outras, que essa experiência na pesquisa despertou o


interesse em aprender um instrumento, ou em montar uma banda musical.
Nas entrevistas ouvimos algumas ideias sobre as funções da composi-
ção reconhecidas como importantes pelas crianças: fazer música com alguém e
para alguém; transmitir mensagens; expressar sentimentos e emoções; divertir-
se e fazer música com os amigos; aprender algo novo; desenvolver qualidades
pessoais; exercitar a autonomia; desenvolver habilidades com os instrumentos;
divulgar trabalhos próprios e ser reconhecido por seu talento.
As crianças relataram que aprendiam umas com as outras enquanto tra-
balhavam em grupos, e que o fato de estar com os amigos as motivava na elabo-
ração das composições. “Ninguém consegue fazer nada sozinho, pra tudo precisa
de ajuda” (Gabriele). O fato de estar com os amigos para fazer música juntos
parecia ser uma das principais funções da composição musical, já que – no ponto
de vista das crianças – para ser composta, a música precisa da “amizade em pri-
meiro lugar” (Ana Maria), porque do contrário “não adianta, não vai sair legal a
música...” (Luiz Antônio). A escolha das parcerias privilegiava os laços de ami-
zade, em detrimento de habilidades musicais ou de status perante a turma. Essa
relação de confiança e amizade também conectava as crianças do grupo em torno
de suas produções: as composições pertenciam a todo o grupo, mesmo que a
ideia houvesse partido de apenas uma criança. Quando perguntadas sobre essa
questão, explicaram que isso não tinha importância, já que todo o grupo parti-
cipara do ensaio e colaborara na coreografia ou no arranjo, transformando então
o trabalho em “nossa música”.
Beineke (2011) esclarece que o caráter social da prática da composição
é umas das principais funções da música para as crianças. Sua pesquisa revela
que, na concepção das crianças, música se faz com e para outras pessoas. Da
mesma maneira, entre as crianças desta pesquisa, a composição era valorizada
principalmente como prática social. As crianças explicaram que, compondo suas
peças, elas aprendiam música e podiam ouvir e compreender melhor as músicas
de outras pessoas. Aprendiam a tocar os instrumentos enquanto escolhiam tim-
bres, ritmos e ideias musicais. Explicaram ainda que, ao compor suas músicas,
compreenderam que a música é formada também pela “emoção” e, ao lidar com
essas questões mais íntimas, podiam aprimorar qualidades e sentimentos, como
amor, carinho e paciência com as pessoas. E que, compondo, desenvolveram as-
pectos musicais e pessoais, como autonomia, sensibilidade, sociabilidade e au-
toconfiança. Nesse sentido, pode-se reconhecer que outro valor da composição
musical para as crianças é que a música permite “pôr para fora” emoções, pensa-
mentos, angústias. Tais perspectivas colocam em evidência a importância de que
professores e professoras considerem também questões emocionais na realiza-
ção de composições musicais. Como argumentam Veloso e Carvalho (2012), o

176
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

ponto de partida para o desenvolvimento das possibilidades imaginativas são as


emoções e os sentimentos.
Muitos depoimentos revelaram que uma função importante da compo-
sição é a possibilidade de apresentá-la a um público. A possibilidade de expor
suas produções musicais para outras pessoas motivava-as a realizar as composi-
ções, tornando esta etapa a mais importante do trabalho: um momento em que
as crianças se relacionavam com compositores, músicos e artistas divulgados na
mídia, desejando obter, como seus ídolos, reconhecimento e fama através de suas
produções. Taís confirma essa ideia quando afirma: “porque a gente não fez pra
ficar guardado, a gente fez pra mostrar! Eu não fico compondo a música pra dei-
xar guardada, eu gosto de mostrar!”

Ideias sobre o processo de composição


A gente junta um pedacinho de
cada um em cada música...
(Luís Antônio)

Enquanto trabalhavam em pequenos grupos, as crianças conversavam,


mostravam suas ideias umas às outras, escreviam nos cadernos, ensinavam o que
sabiam aos colegas, brincavam, dançavam, ensaiavam, riam, e também se con-
centravam tomando decisões e revendo afirmações. Quando discutiam, normal-
mente era negociando suas ideias musicais no grupo. Observando as crianças,
foi possível perceber que elas preferiam iniciar o trabalho escrevendo letras e
poesias nos cadernos, onde anotavam a letra, sem se preocupar em registrar ou-
tros aspectos da peça. Para elas, a letra é a música, ou seja, a parte mais valorizada
da composição. Esse processo – primeiro elaborar a letra, depois criar a melodia
e o ritmo com os instrumentos – aconteceu em todos os grupos. Nos casos em
que a composição incluía uma coreografia, esta era definida junto com a musi-
calização da letra, isto é, ao mesmo tempo em que a “música era colocada no
ritmo”, como explicaram as crianças. De todos os trabalhos apresentados, ape-
nas um foi uma composição instrumental, baseada predominantemente em im-
provisos rítmicos com instrumentos de percussão.
Quando explicaram sobre o que acharam fácil ou difícil no processo de
compor, algumas crianças relataram que essas atividades não haviam sido com-
plicadas, pois compor as próprias músicas junto com os amigos era uma prática
prazerosa, e por isso, não sentiam dificuldades. “Mais fácil, foi... a gente fazer
tudo em grupo, assim, mais fácil tudo, acho, porque não teve coisa mais difícil,
por causa que... difícil por quê? São coisas tão legais de fazer!” (Gabriele). Algu-
mas meninas apontaram que a criação de gestos, danças e coreografias acontecia

177
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

de maneira mais simples e espontânea, enquanto alguns meninos destacaram a


elaboração de elementos, como o refrão e o título.
Durante as entrevistas e também em conversas informais, as crianças
citaram algumas de suas preferências musicais, como funk, pagode, música ro-
mântica, rock e hinos religiosos. Nem sempre elas compartilhavam as mesmas
preferências e, questionadas sobre isso, algumas crianças explicaram que, se
ocorresse algum conflito nesse sentido, optariam em trocar de grupo; outras dis-
seram que prefeririam escolher um ritmo com o qual todos concordassem, pois
isso seria importante para compor em grupo. Apesar de não ter ocorrido nenhum
desentendimento nesse sentido, durante as entrevistas constatamos que havia
divergências – principalmente entre as crianças de gêneros diferentes. As meni-
nas relataram que consideravam ruins e impróprias as composições realizadas
pelos meninos; já os meninos achavam as músicas das meninas “chatas” e exces-
sivamente “meigas”. Durante o processo de composição, percebemos que a mai-
oria dos grupos era formada por crianças do mesmo gênero. A divisão de tarefas,
a multiplicidade e a variedade de ideias e o caráter colaborativo foram pontos
levantados pelas crianças quando explicaram o trabalho realizado nos grupos.
Elas valorizavam o trabalho em parceria, considerando que dessa forma o pro-
cesso acontecia mais eficientemente, na medida em que os integrantes ajudavam
uns aos outros e colaboravam com suas ideias e com a prática, além de ampliar
as possibilidades de elaboração e execução de suas composições musicais. Sobre
a negociação das ideias que surgiam entre os integrantes do grupo, as crianças
explicaram que procuravam utilizar todas para que nenhum integrante ficasse
insatisfeito. O que – segundo elas – tornava a composição ainda mais interes-
sante. Nas palavras de Luis Antônio: “a gente junta um pedacinho de cada um
em cada música...” ou, como ressalta Clarissa: “tipo, a gente resolve: a gente bota
metade daquilo e metade daquilo! (...) Eu pego, boto um pouquinho de cada
coisa numa música só! E fica do jeito que a gente quer! Fica mais legal ainda!”.
Explicando sobre os sentimentos que inspiraram alguns temas para as
composições, criou-se um debate em torno da questão. Algumas crianças defen-
deram que a inspiração só acontecia se a emoção fosse verdadeira, advinda de
um sentimento real do compositor. Já outras meninas, que apreciavam escrever
sobre amor e romance, disseram que podem compor uma música sobre amor sem
estar amando. Elas explicaram que é possível entrar numa espécie de atmosfera
de romantismo e paixão para escrever as músicas, mas concordaram que a com-
posição flui com mais facilidade quando o sentimento é verdadeiro. As falas das
crianças parecem confirmar o argumento de Veloso e Carvalho (2012), de que a
ação recíproca entre música e emoções é central nas atividades de composição,
que envolvem o prazer de transformar ideias, sentimentos e pensamentos em
música (p. 85).

178
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

O papel da professora/pesquisadora no transcorrer dos encontros foi


valorizado pelas crianças, que consideraram fundamental a sua presença na con-
dução das atividades. Segundo elas, a professora as ajudava na organização para
o trabalho, evitando confusões, desordem e “bagunça” – fatores que poderiam
comprometer o bom andamento das composições. As crianças explicaram tam-
bém que o papel de professor(a) demanda principalmente uma relação afetiva
com os alunos e alunas, porquanto, para poder ajudá-los no processo de compor,
é preciso conhecê-los profundamente e compreender suas preferências, necessi-
dades e características.
Por fim, algumas crianças explicaram que, compondo suas músicas, es-
tavam utilizando o tempo de forma positiva, e que a composição lhes possibili-
tava aprender enquanto se divertiam com seus amigos. Como explica Beatriz:
“eu não usei o meu tempo por nada, eu usei o meu tempo... porque eu quis fazer,
o que eu quero!”

Considerações finais
A criatividade musical trazida pelas crianças em suas composições é dema-
siado importante para não ser escutada. É essencial que cada criança co-
nheça sua própria voz, que adquira a confiança e habilidade para desen-
volvê-la, e que os adultos e educadores a reconheçam
(GLOVER, 2000, p. 16).

Conhecer o ponto de vista das crianças a respeito das práticas musicais


realizadas em sala de aula é uma necessidade quando se pretende realizar um
trabalho em educação musical que inclua e valorize os interesses dos alunos e
alunas, que respeite os seus discursos e vivências musicais, que exercite a crítica
musical e desenvolva a autonomia. Como argumentam Veloso e Carvalho (2012,
p. 85), “...o processo de fazer música é um meio poderoso para as crianças am-
pliarem e renovarem seu mundo vivido, uma vez que envolve emoções e senti-
mentos que dão forma à sua imaginação”.
Avaliando os procedimentos utilizados na produção de dados, conside-
ramos que o desenho metodológico, incluindo observação participante, video-
gravação e entrevistas semiestruturadas, possibilitou uma visão abrangente do
caso investigado, permitindo que alguns aspectos fossem analisados sob diver-
sos ângulos, ou que algumas questões observadas em aula fossem aprofundadas
nas entrevistas. Esse conjunto de ações também permitiu maior contato entre a
pesquisadora e as crianças, estreitando laços de confiança entre elas, aumen-
tando a confiabilidade dos dados obtidos. Tornou possível também conhecer al-
gumas particularidades das crianças, como suas preferências e ídolos musicais,
as relações de amizades e alguns detalhes sobre a rotina fora da escola. A

179
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

realização das entrevistas em dois momentos distintos também foi importante


– a entrevista inicial aproximou as crianças da pesquisadora, e a segunda possi-
bilitou que as crianças conversassem com maior naturalidade sobre o processo
como um todo. Acessar novamente os encontros revendo as filmagens também
foi importante para retomar algumas cenas no intuito de esclarecer algum deta-
lhe e observar com maior atenção as diversas cenas do processo das crianças
compondo, como a negociação de ideias musicais, a organização dos ensaios, as
atitudes colaborativas entre elas e os momentos em que eram introduzidas no-
vas ideias musicais.
Observamos que as crianças trabalharam com naturalidade a proposta
feita pela professora/pesquisadora, sem questionar o fato de ela não interferir
diretamente nas suas composições. Do ponto de vista de St. John (2006), para
que a criatividade coletiva e a colaboração floresçam, as práticas de ensino de-
vem criar um ambiente de liberdade, onde as crianças possam descobrir e explo-
rar suas próprias ideias, como agentes de sua própria aprendizagem. Além disso,
a autora reflete que quando o professor observa e valoriza as interpretações das
crianças, ele valoriza os esforços dos alunos no desenvolvimento de habilidades
musicais e na experiência prazerosa do fazer musical coletivo. Nessa perspec-
tiva, a atuação da professora/pesquisadora nesta pesquisa, que incentivava as
crianças, valorizava e registrava as suas produções, também pode ter contribu-
ído para tornar essas atividades tão significativas para a turma.
Por outro lado, Young (2003) afirma que, no processo da aprendizagem
criativa, é muito importante que o professor dê retorno às composições das cri-
anças, respondendo perguntas, fazendo questionamentos, descrevendo ou
dando sugestões no processo de composição. Segundo a autora, é constante o
desafio do professor em equilibrar a liberdade e a agência da aprendizagem pelas
próprias crianças com os limites da proposta que ele organiza em sala de aula. O
equilíbrio entre a iniciação à aprendizagem pelo adulto e pela criança é, segundo
Craft (2008), um dilema e um desafio aos professores, porque se eles agirem com
muita determinação poderão restringir a autoderminação e a capacidade das cri-
anças em desenvolver as suas próprias ideias, embora a liberdade excessiva
possa deixá-las confusas ou não lhes permitir ousar além daquilo que já são ca-
pazes de realizar por si próprias.
Constatamos que foram poucos os conflitos entre as crianças de um
mesmo grupo quando negociavam ideias musicais e tomavam decisões sobre
como suas composições musicais deveriam ser. Podemos inferir que isso se deva
ao fato de elas terem trabalhado basicamente dentro de um universo musical que
já compartilham entre si, com temáticas e gêneros musicais bastante familiares.
Acreditamos que por esse motivo o trabalho nos grupos foi fluente e as compo-
sições apresentadas não geraram polêmica na turma. Convém ponderar que essa

180
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

configuração gera poucas oportunidades para introduzir novas ideias, novos co-
nhecimentos. Como aponta Beineke (2009), as composições que se distanciam
das ideias de música correntemente aceitas na turma tendem a provocar polê-
micas ou discussões que acionam a transformação e, consequentemente, a am-
pliação das ideias de música das crianças. E essa desestabilização – que nesta
pesquisa se revelou pequena – favorece a aprendizagem criativa. Webster (2012,
p. 96) contribui com essa reflexão quando sugere que o pensamento mobilizado
na composição em grupo, especialmente em grupo de pares, oferece condições
limitadas para o aprofundamento da experiência musical. Para o autor (2012), é
fundamental que o professor ou professora provoque a revisão das composições,
num processo que contraponha as ideias iniciais com novas ideias, questionando
as decisões tomadas pelo grupo e ampliando suas opções na elaboração da com-
posição.
As principais contribuições desta pesquisa para a área de educação mu-
sical referem-se à possibilidade de refletir e compreender alguns aspectos da in-
trincada e complexa trama de sentidos tecidos durante a realização de compo-
sições em sala de aula, articulando as ideias de composição das crianças, as
funções e os valores de compor para elas e como entendem e se engajam no pro-
cesso de compor. Como argumentam Veloso e Carvalho (2012, p. 75), “os mun-
dos musicais das crianças são um espelho dos seus mundos interiores; enquanto
compõem, as crianças reconstroem a si mesmas, seu conhecimento e seu pensa-
mento, criando novos sentidos às suas vidas”.
Acredita-se que as pesquisas que trazem o ponto de vista das crianças
sobre o seu envolvimento com a música e com a composição musical podem con-
tribuir para fortalecer essas práticas na educação musical escolar, bem como
apontar caminhos metodológicos e referenciais que possam orientar os profes-
sores e professoras na realização de atividades dessa natureza. Nessa perspec-
tiva, o ensino de música assume um compromisso com processos de criação, crí-
tica e reflexão sobre as práticas musicais em sala de aula, ouvindo e valorizando
as vozes das crianças na escola básica.

181
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEINEKE, Viviane. Processos intersubjetivos na composição musical de crianças: um estudo
sobre a aprendizagem criativa. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/17775.
________. Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianças
sobre suas práticas musicais. Revista da ABEM: Londrina, v. 19, n. 26, p. 92-104, jul/dez
2011. Disponível em: http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/revista
abem/index.php/revistaabem/article/download/177/112.
BELEI, Renata Aparecida et al. O uso de entrevista, observação e videogravação em
pesquisa qualitativa. Pelotas: Cadernos de Educação, n. 30. 2008.
BRITO, M. T. A. Por uma educação musical do pensamento: novas estratégias de
comunicação. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2007.
BURNARD, Pamela. The individual and social worlds of children’s musical creativity.
In: MCPHERSON, Gary. The child as musician: a handbook of musical development.
Oxford: Oxford University Press, 2006. p 353-374.
CAMPBELL, Patricia. Songs in their heads: music and its meaning in children’s lives. New
York: Oxford University Press, 1998.
______. En búsqueda de la cultura y el significado musical en la vida infantil. Tradução
de Yanna Hadatty Mora. In: Cuadernos Interamericanos de Investigación en Educación Musical.
Vol.1, No. 1. México: Escuela Nacional de Música, UNAM, 2001. p 69-78.
CRAFT, Anna; CREMIN, Teresa; BURNARD, Pamela. Creative learning: an emergent
concept. In: CRAFT, Anna; CREMIN, Teresa; BURNARD, Pamela. Creative learning 3-
11: and how to document it. Sterling: Trentham Books Limited, 2008.
CORSARO, Willian A. Interpretive reproduction in children's role play. In: Childhood,
v.1, 1993. p. 64-74.
TOMÁS, Catarina; FERNANDES, Natália. Questões conceptuais, metodológicas e éticas na
investigação com crianças em Portugal. Comunicação apresentada na 10ª Conferência da
Associação Europeia de Sociologia. Genebra, 2011.
FRANÇA, Cecília C. ‘Novidade e Profecia’ na Educação Musical: A validade
pedagógica, psicológica artística das composições dos alunos. ENCONTRO ANUAL
DA ANPPOM, 13, 2001,Anais do..., 2001. p.106-112.
FRANÇA, Cecília C.; SWANWICK, Keith. Composição, apreciação e performance na
educação musical: teoria, pesquisa e prática. Em Pauta, v. 13, n. 21, p. 5-41, 2002.
Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/EmPauta/article/download/8526/4948.

182
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

GARCEZ, Andrea; DUARTE, Rosalia; EISENBERG, Zena. Produção e análise de


vídeogravações em pesquisas qualitativas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n.2, p.
249-262, 2011.
GLOVER, Joanna. Niños Compositores 4-14 años. Traduzido por Orlando Musumeci.
Barcelona: Grao Publicaciones, 2000.
HONORATO, Aurélia, et al. A vídeo-gravação como registro, a devolutiva como
procedimento: pensando sobre estratégias metodológicas na pesquisa com crianças.
REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 29, 2006, Caxambu. Anais da...., 2006.
MC CARTHY, M. Researching children’s musical culture. Music Education Research, v. 12,
n. 1, Routledge, 2010.
MOREIRA, Herivelto; CALEFFE, Luiz G. Metodologia da pesquisa para o professor
pesquisador. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
ROSA, Maria Virgínia F. P. C.; ARNOLDI, Marlene Aparecida G. C. A entrevista na
pesquisa qualitativa: mecanismos para validação dos resultados. Belo Horizonte: Autên-
tica, 2008.
ST. JOHN, Patricia A. Finding and making meaning: young children as musical
collaborators. Psychology of Music, v. 34, n. 2, p. 238-261, 2006.
SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. Trad. Alda Oliveira e Cristina
Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.
______. A basis for music education. London: Routledge, 1979.
VELOSO, Ana Luísa; CARVALHO, Sara. Music composition as a way of learning:
emotions and the situated self. In: ODENA, Oscar (Ed.). Musical Creativity: Insights
from Music Education Research. Surrey: Ashgate, 2012. p. 73-91.
VISNADI, Gabriela Flor. “A música que eu compus em grupo eu tirei do coração”: perspectivas
das crianças sobre a composição musical na escola básica. Dissertação (mestrado) –
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, 2013.
WEBSTER, Peter R. Towards pedagogies of revision: guiding a student’s music com-
position. In: ODENA, Oscar (Ed.). Musical Creativity: Insights from Music Education
Research. Surrey: Ashgate, 2012. p. 93-112.
YOUNG, Susan. Time-space structuring in spontaneous play on educational percussion
instruments among three- and four-year-olds. British Journal of Music Education, v. 20, n. 1,
p. 45-59, 2003.

183
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

ÍNDICE REMISSIVO

85,86, 87, 88, 89, 90, 91, 92,


A 101, 102, 103, 110, 111, 114, 115,
alimentação, 27, 36, 41, 102, 120, 123, 124, 125, 126, 127,
121, 129, 130, 131, 152 128, 129, 130, 131, 132, 134, 135,
ambiente virtual, 11, 59, 79 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142,
autonomia pedagógica, 12, 96, 143, 144, 145, 156, 158, 159,
98 163, 164, 165, 166, 170, 171, 172,
173, 174, 175, 176, 177, 178, 179,
B 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186,
187, 188, 189, 190, 191, 192, 193,
brincar, 10, 38, 45, 48, 50, 51,
194, 195, 196
52, 53, 54, 59, 60, 61, 62, 63,
64, 67, 68, 69, 70, 92, 129, 132, E
135, 136, 137, 138, 139, 140, 141,
142, 143, 144, 164, 172, 177, 181 educação, 2, 4, 10, 12, 13, 19,
20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 28,
C 29, 30, 31, 32, 33, 39, 40, 41,
42, 44, 45, 46, 56, 57, 58, 59,
composição musical de
60, 69, 70, 79, 80, 81, 82, 85,
crianças, 195
86, 87, 88, 91, 92, 94, 96, 100,
contação de histórias, 11, 13,
101, 102, 103, 104, 107, 108,
38, 64, 71, 72, 75, 77, 78, 79,
109, 110, 111, 112, 113, 114, 115,
140, 158, 159, 163
116, 120, 121, 122, 124, 125, 126,
creches comunitárias, 10, 25,
127, 128, 130, 133, 134, 144,
26, 27, 29, 31, 32, 35, 39, 41,
145, 146, 147, 148, 149, 150,
42, 45
153, 154, 155, 156, 159, 161, 163,
crianças, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16,
164, 170, 171, 172, 174, 175, 177,
18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25,
178, 180, 181, 182, 183, 184, 188,
26, 27, 28, 29, 30, 31, 34, 35,
192, 194, 195
36, 38, 39, 40, 41, 42, 44, 46,
ensino remoto, 171, 172, 174,
47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54,
175, 176
55, 56, 58, 59, 60, 61, 62, 64,
escola básica, 180, 184, 194,
65, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73,
196
74, 76, 77, 79, 80, 81, 83, 84,
estudo de caso, 184

184
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

F 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114,


115, 116, 121, 122, 123, 124, 134,
formação continuada, 12, 41,
138, 140, 145, 146, 148, 150,
92, 96, 103, 104, 105, 106, 107
152, 154, 156, 157, 158, 159,
formação de professores, 55,
165, 170
85, 86, 96, 99, 100, 101, 105
meninas, 10, 12, 13, 21, 22, 23,
G 52, 110, 111, 112, 113, 114, 115,
116, 117, 118, 120, 121, 122, 129,
gestão, 10, 25, 26, 27, 30, 31, 145, 146, 147, 149, 150, 151,
32, 33, 39, 40, 41, 42, 99, 104, 152, 154, 155, 156, 166, 183,
125, 128, 153, 177 184, 186, 187, 190, 191
música, 13, 35, 38, 76, 78, 82, 83,
I
84, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 92,
império, 15 112, 114, 116, 140, 155, 166, 180,
infância, 9, 10, 12, 13, 15, 16, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187,
20, 22, 23, 25, 26, 28, 29, 41, 188, 189, 190, 191, 192, 194, 196
43, 44, 47, 49, 50, 52, 56, 57,
58, 60, 83, 88, 89, 101, 102, 110, P
111, 121, 123, 134, 135, 140, 142, pandemia, 11, 13, 35, 58, 67, 70,
144, 146, 155, 156, 159, 172, 71, 77, 80, 83, 84, 89, 92, 171,
175, 178 172, 174, 175, 177, 179
instituições, 9, 10, 11, 15, 16, políticas públicas, 10, 16, 20, 26,
17, 18, 19, 20, 22, 23, 25, 26, 27, 41, 50, 104, 108, 109, 160, 168,
29, 30, 31, 32, 33, 35, 38, 40, 172, 178
41, 42, 43, 44, 83, 87, 88, 89, prática docente, 12, 92, 95, 96,
91, 92, 101, 102, 103, 104, 106, 98, 101, 131, 132
110, 111, 113, 114, 120, 121, 122,
125, 145, 146, 147, 149, 150, Q
156, 159, 161, 170, 174, 175, 178
quilombo, 158, 159, 160, 166
M
R
Maranhão, 9, 10, 11, 12, 13, 15,
recolhimento, 18, 20, 21, 23, 110,
16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25,
111, 114, 121, 145, 146, 152, 155,
30, 44, 46, 50, 51, 56, 59, 62,
157
64, 70, 73, 77, 82, 83, 95, 104,

185
INFÂNCIA E T ERRITÓRIO MARANHENSE

186

Você também pode gostar