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ROTEIRO DE AULA

AMÉRICA PORTUGUESA NO SÉCULO XVI

Parte 1.
Não basta catar a folha, é preciso saber cantá-la

“’Não basta catar a folha, é preciso saber cantá-la’. Para cada uma delas que brota, um
trato. Com o devido pedido de licença aos moradores do lugar, a folha se cata, macera,
seca, queima, e se sopram palavras de força que despertem o que nela habita. As folhas
nos ensinam, porém havemos de silenciar profundamente para ouvi-las”.
Luiz Rufino, Vence-demanda: educação e descolonização (2021).

Abancado à escrivaninha em São Paulo


Na minha casa da rua Lopes Chaves
De sopetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus! Muito
longe de mim,
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro de cabelos escorrendo nos olhos
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu…
Mario de Andrade. “Descobrimento”. Poesias completas (1987).

Cosi euê
Cosi orixá
Euê ô
Euê ô orixá

Sem folha não tem sonho


Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada

Quem é você e o que faz por aqui


Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou Aroni
“Salve as folhas”, música de Gerônimo e Ildásio Taves
Álbum Brasileirinhos, de Maria Bethânia
Parte 2.
Não se esqueça que eu venho dos trópicos

“’Não esqueça que eu venho dos trópicos’, diz o título de uma das
esculturas da artista brasileira Maria Martins. ‘Não esqueça que eu venho dos
trópicos’, poderia a artista brasileira dizer para o companheiro Marcel
Duchamp, buscando distinção e liberdade criativa fora dos rótulos. ‘Não
esqueça que eu venho dos trópicos’, responderia Luiz Zerbini a quem
eventualmente quisesse taxar sua pintura de surrealista, como fizeram com o
trabalho de Maria, ignorando que, nos trópicos, o acúmulo de elementos, a luz
estourada, o contraste cromático e a subversão de tempos são a nossa realidade,
vêm da paisagem e da também da base barroca que nos constitui, passando ao
largo da imaginação nonsense”, trecho de ensaio (2021) de Daniela Name para a
Revista Caju.

Parte 3.
A mesma história nunca é a mesma

EXPOSIÇÃO MASP
LUIZ ZERBINI: A MESMA HISTÓRIA NUNCA É A MESMA

O fio condutor da exposição “Luiz Zerbini: a mesma história nunca é a


mesma” (2022), com cinquenta obras disponíveis, é a sensação de que a história
— e, neste caso, a tragédia — brasileira está em ritmo de repetição
constantemente. Há um diálogo entre o interesse do artista pelos aspectos da
botânica (episódios relacionados à natureza como fatos mal contados) e a
estratégia de recriar narrativas apagadas das histórias brasileiras com o intuito
de reconstruí-las a partir de novas imagens e protagonistas. O artista assume o
gesto de retrabalhar imagens que se solidificaram como ilustração de fatos que
foram, na verdade, inventados por elas. Trata-se assim de reimaginar as
histórias, atribuindo-lhes novas representações, fazendo emergir outras ideias e
protagonistas. Vale destacar que grande parte das obras exclusivas apresentadas
possuem grandes dimensões – em geral, chegando aos 4 metros de altura – com
episódios históricos revisitados. Não é ao acaso: os tamanhos impressionantes
das obras — que observadas bem de perto agrupam detalhes em cores e traços —
funciona como uma ferramenta para dar status de releitura histórica àquelas
peças. Torna-se um convite para que perdurem. Completam a seleção de
imagens para a exposição dezenas de monotipias da série Macunaíma (2017),
que acompanharam uma edição do romance Macunaíma: o herói sem nenhum
caráter, de Mário de Andrade (1893-1945).
Mas quem é o artista Luiz Zerbini?
Luiz Zerbini (São Paulo, 1959) mudou-se para o Rio de Janeiro no início
da década de 1980 e começou também nesse período sua trajetória artística. Ao
longo do tempo, sua pesquisa em uma variedade de técnicas, passando por
experimentações em pintura, colagem, vídeo e instalação, tornou-se uma marca
em sua obra. Essa exposição, mesmo que não retrospectiva, engloba trabalhos e
questões prementes do artista, que, de certo modo, o acompanham desde o
início de sua produção. A mostra busca criar novas paisagens para a história do
Brasil por meio de uma experiência imersiva composta de pinturas, monotipias
e objetos da natureza. Sua mostra individual parte de uma pintura do artista
realizada em 2014, denominada A primeira missa, comissionada para a coletiva
Histórias mestiças, realizada no mesmo ano no Instituto Tomie Ohtake.
Obra “Primeira Missa” (2014)
A obra que abre a mostra é a monumental “A Primeira Missa”, cuja
concepção, em 2014, relê o episódio religioso e histórico pintado por Victor
Meirelles em 1891 sob um outro olhar, agora a partir dos indígenas. Para criar a
composição, o artista observou fotografias do povo Krenak e delas partiu como
um guia para sua composição. Nesse jogo, a postura corporal de uns ou o olhar
penetrante de outros ganharam versão em tinta sobre tela, numa dança entre a
realidade e sua observação.
Essa obra ressoa nos humores do tempo presente, momento em que há
uma “reinvenção de imaginários” por parte de setores da sociedade brasileira.
Se antes caía bem observar representações da cerimônia religiosa, realizada em
26 de abril de 1500, com indígenas escanteados, “vulnerabilizados” na cena,
hoje faz mais sentido dar luz a outras visões, cuja função central é deixar claro
que esse momento da fundação do país é permeado de violência. A imagem de
Zerbini tem impacto justamente por trazer a ideia de repensar a história do
Brasil a partir de novas cenas

“É como se os indígenas observassem a chegada de outras pessoas aqui, no


Brasil. Isso aqui é um nó. A primeira missa é um pretexto para falar de um
nó, da impossibilidade dessas duas civilizações conviverem”, comenta
Zerbini.

Obra “Massacre de Haximu (2020)”


Interessante justaposição de cores e elementos naturais. O título refere-se
ao genocídio de ianomâmis em 1993 - chacina produzida por garimpeiros de
ouro, no estado de Roraima. Foi o primeiro e único crime do Brasil a ser julgado
como um genocídio, resultando na morte de dezesseis índios. Em 2020, ano de
confecção da obra, no ápice da pandemia, o garimpo avançou 30% no pedaço de
terra que fica entre os estados do Amazonas e Roraima. Atento às notícias e ao
espraiamento do garimpo sobre terras indígenas, mas também interessado em
retratar o passado, Zerbini empunhou lápis e papel para preparar o que seria
uma espécie do projeto da grandiosa obra a ser vista no museu paulistano, com
quase 4 metros de altura:

“Estamos vivendo o momento mais grave, mas esse processo (de violência
contra os povos originários) aconteceu desde sempre. A verdade é que esses
problemas estão, sim, muito agravados por conta do Bolsonaro, mas fazem
parte da história do Brasil (desde sempre)”, comentou o artista.

Obra “Rio das Mortes (2021)”


Há uma interessante representação de uma bromélia gigante que parece
brotar da tela em direção aos visitantes. Completa a imagem uma espécie de
andaime, sobre as águas, onde um garimpeiro parece ter acabado de encerrar o
expediente. Na água poluída que banha a cena há uma profusão sinuosa de
cores. Uma faca, um pratinho, uma caixa de fósforos com alguns palitos
queimados – todos esses objetos estavam no ateliê do artista no momento da
pintura e ganharam representação na imagem.
Obra “Canudos não se rendeu (2021)”
O artista resgata uma fotografia de Flávio Barros feita durante a Guerra
de Canudos, que aconteceu entre 1896 e 1897.  O artista refuta a ideia de
homogeneização da multidão e oferece personalidades únicas a cada um de seus
personagens – transformando cada coadjuvante em protagonista.  Transforma o
típico cenário árido da caatinga ao inserir corpos exuberantemente
pigmentados, mantos ricamente ornamentados e uma vegetação cheia de
personalidade. Mistura referências do sertão e do cangaço com grafismos afro-
indígenas, que cobram os tecidos e troncos na paisagem. 
Ao fundo da imagem, na contramão da suposta submissão dos jagunços,
mostra-se a força daquele coletivo, misturado a outros personagens de variados
tempos. Numa espécie de diálogo com Operários, de Tarsila do Amaral, a
pintura revela expressões faciais e posturas corporais  que representam uma
luta diária diante de um Estado violento, que costuma agir em defesa dos
grandes proprietários de terras.
Os casarios na montanha ao fundo remetem ao morro da Providência, no
Rio de Janeiro, onde se instalaram parte das tropas que voltaram de Canudos
depois da guerra. Considerada a primeira favela do Brasil, o bairro tem sua
origem vinculada à destruição de Canudos, onde existia um morro chamado
Favela por conta da farta presença de uma planta de mesmo nome no local. 

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