Você está na página 1de 5

PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos.

Porto Alegre:
Bookman, 2011. 76

Introdução: Tocando o mundo


A visão é tratada e utilizada como o principal dos sentidos, sendo ponto focal das
construções arquitetônicas na atualidade, quando o tato é o mais primitivo dos sentidos e
presente em todos os outros.
“Em vez de criar meros objetos de sedução visual, a arquitetura relaciona, media e projeta
significados.”
“Ao experimentar a arte, ocorre um intercâmbio peculiar: eu empresto minhas emoções e
associações ao espaço e o espaço me empresta sua aura, a qual incita e emancipa minhas
percepções e pensamentos. Uma obra de arquitetura não é experimentada como uma serie
de imagens isoladas na retina, e sim em sua essência material, corpórea e espiritual
totalmente integrada.”
O autor propõe que a arquitetura seja mais que apenas um apelo visual. A arquitetura é a
tradução de significados e está diretamente ligada às emoções do usuário; assim como as
demais artes, existe uma conexão entre a obra e quem a contempla, uma troca entre a
matéria e os sentimentos.
O capítulo outra vez critica a maneira de projetar atualmente, quando se concentra, nos
espaços construídos, na visão focal e deixa-se de lado a visão periférica. Ao fazer isso,
cada vez mais o usuário se torna espectador ao invés de parte do espaço, pois em
ambientes naturais, a visão periférica é amplamente utilizada e os espaços na natureza
possuem diversos elementos nesse campo da visão.

PARTE 1
Visão e Conhecimento
No capítulo, retoma-se a questão de a visão ser o sentido mais valorizado e estimulado no
ocidente, reforçado por inúmeros pensadores e filósofos desde a Grécia antiga, tendo um
aumento significativo a partir da renascença, ao popularizar-se a representação em
perspectiva. Além disso, também são levantados problemas na sociedade atual que
possivelmente estão atrelados à valorização da visão, como a ganância, a generalização e
agressividade gerada na busca por poder. Em seguida, aponta os que se posicionaram
contra a supremacia da visão. Apesar da importância da visão ser apresentada desde a
antiga Grécia, não muito tempo atrás, a audição também era um sentido amplamente
utilizado e valorizado devido à falta de tecnologia na área visual.

Olho narcisista e niilista


De acordo com Heidegger, a hegemonia da visão levou ao surgimento de construções
narcisistas e niilistas, ou seja, projetos que se autopromovem e se isolam da sociedade.
Não incentivam a coletividade ou empatia, mas voltam-se para si mesmos, muitas vezes de
maneira insignificante. Trata-se, portanto, se imagens aos usuários rasas, vazias de
imaginação.
Uma Arquitetura de Imagens Visuais
A arquitetura tradicional envolvia na sua produção, o contato com o tato, através dos
desenhos feitos à mão e materiais produzidos a partir do corpo, como a taipa e tijolos. Com
o avanço tecnológico, é através de imagens que se compõe um projeto e a sua construção
se distancia cada vez mais do corpo humano, tornando-se frias, agressivas, como meros
planos teatrais para a visão, além de uma irrealidade que se reforça com a utilização de
vidros refletores.
“os cubistas abandonaram o ponto focal único, resgataram a visão periférica e reforçaram a
experiência tátil, enquanto os pintores de paisagens coloridas rejeitaram a profundidade
ilusória para reforçar a presença da própria pintura como um artefato icônico e uma
realidade autônoma.”

PARTE 2
“O problema advém do isolamento dos olhos de sua interação com as outras modalidades
sensoriais e da eliminação e supressão dos demais sentidos, o que cada vez mais reduz e
restringe a experiência de mundo à esfera exclusiva da visão. Essa separação e redução
fragmentam a complexidade, a abrangência e a plasticidade inatas do sistema sensorial,
reforçando uma sensação de isolamento e alienação.” (p.35)
Retoma-se o fato de que a visão é, atualmente o sentido mais privilegiado e recorda-se que
isso não é apenas um fato da atualidade, mas que já faz parte da natureza humana. O
problema estaria em suprimir os outros sentidos, o que leva a uma experiência limitada à
visão, aumentando o sentimento de isolamento.
Nessa parte do livro serão relatadas as percepções do autor em relação aos demais
sentidos e a arquitetura.

O Corpo no Centro
“A filosofia de Merleau-Ponty torna o corpo humano o centro do mundo das experiências.”
(P. 36)
É através do corpo que se vivencia os espaços. Com os pés e pernas pode-se caminhar
pela cidade, com o próprio peso sentir a massa das construções e com as mãos abrir
maçanetas que dão acesso a novos mundos e possibilidades. Todos os sentidos são então
reunidos em um só corpo, onde é dado lugar à experiência.
‘(...)Afirmam Kent C. Bloomer e Charles W. Moore em seu livro Body, Memory, and
Architecture, “O que falta em nossas moradias de hoje são as transações potenciais entre
corpo, imaginação e ambiente.”’ (P. 36)

A experiência Multissensorial
“Toda experiência comovente com a arquitetura é multissensorial; as características de espaço,
matéria e escala são medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz, pele, língua,
esqueleto e músculos.” (P.39)
“A visão revela o que o tato já sabe. Poderíamos considerar o tato como o sentido inconsciente
da visão.” (P.40)

Todos os sentidos estão, na realidade, interligados entre si e dependem um do outro para o


seu pleno funcionamento. Não se pode medir a distância com os olhos, por exemplo, sem
que exista o tato. Ao observar uma imagem, portanto, carrega-se consigo a memória de
todos os sentidos que estão envolvidos nela; ao visualizar uma cachoeira, pode-se sentir as
gotas de água gelada na pele e o aroma da pedra úmida, ao ver uma chaleira no fogão, o
metal quente, a fumaça no ar e o apito. O corpo recebe através de um dos sentidos, a
totalidade deles através da memória.

A Importância das sombras


“As sombras profundas e a escuridão são essenciais, pois elas reduzem a precisão da visão,
tornam a profundidade e a distância ambíguas e convidam a visão periférica inconsciente e a
fantasia tátil.” (P.44)

O autor alega que a sombra é importante para que haja imaginação nos espaços, uma
ambiguidade das imagens vistas e maior intimidade. Através das sombras é possível dar
mais lugar aos demais sentidos e inversamente, lugares exageradamente iluminados
retiram as possibilidades do espaço e o torna frio e impessoal. Atualmente, a utilização das
janelas é feita de maneira muitas vezes indiscriminada, pois utiliza-se grandes paredes de
vidro sem que haja uma intenção da relação exterior-interior e não raramente, as janelas
permanecem eternamente fechadas, sendo apenas mais um material de fechamento. Às
vezes, utilizar menos luz ou aberturas menores pode trazer ao ambiente novas qualidades
intimistas e sensoriais.

A intimidade acústica
“A visão isola, enquanto o som incorpora; a visão é direcional, o som é unidirecional. O senso da
visão implica exterioridade, mas a audição cria uma experiência de interioridade. ” (P.47)

Não é tão comum associar o espaço à audição, mas o som é parte importante da definição
do espaço, seja por sons típicos como buzinas e sirenes numa cidade ou pelas
características acústicas em relação aos materiais, como a reverberação, refração e
absorção. É comum, por exemplo, imaginar a profundidade e amplitude de um espaço a
partir do som de uma gota caindo ou experimentar o material através do tempo que o som
demora para chegar aos ouvidos.

Espaços aromáticos
“Um cheiro específico nos faz reentrar de modo inconsciente um espaço totalmente esquecido
pela memória da retina; as narinas despertam uma imagem esquecida e somos convidados a
sonhar acordados.” (P.51)

O olfato é o sentido mais primitivo de todos, por isso pode fazer conexões em regiões
inconscientes ou já esquecidas. Assim como o som, os aromas são parte constituinte dos
espaços, objetos e cidades. Um aroma específico pode facilmente trazer à memória um
lugar já visitado ou até imaginado.
A forma do toque
“Cada movimento da mão em cada uma de suas tarefas se dá por meio do pensamento,
cada toque da mão permanece naquele elemento.” Martin Heidegger, “What Calls for
Thinking”, in Martin Heidegger, Basic Writings, Harper & Row (New York), 1977, p 357.

O tato é fruto do pensamento: para tocar algo, é preciso primeiro dar tal comando no cérebro
levado até as mãos que irão executá-lo de determinada maneira. Através do toque é possível
sentir texturas, formas e temperaturas e apenas pelo momento em que se toca. Também se tem
sensações diferentes ao tocar um mesmo objeto pela força ou rapidez com que se passa os
dedos ou mãos.

[INSTALAÇÃO SEMANA DA INTEGRAÇÃO]

O sabor da pedra

Ao falar sobre o paladar, trata-se de voltar a sentidos primitivos. Através da parte interna da
boca pode-se sentir diversas sensações e algumas dessas são invocadas através do toque ou
da visão. De acordo com a textura ou cor, são invocadas através do toque ou da visão. De
acordo com a textura ou cor, remete-se a sensações ou desejos na língua.

Imagens de músculos e ossos

No início, o ser humano utilizava o corpo como referência de medidas e para a construção, pois
é o corpo que carrega sensações, memórias e experiências. É através do corpo que se
determinam os padrões de conforto e hierarquias dos espaços carregados em cada indivíduo de
acordo com a sua infância e os espaços por onde vivenciou determinados sentimentos e
situações. Porém, a partir da arquitetura moderna, apesar do discurso de priorizar o funcional, a
arquitetura diversas vezes passou a focar no visual e não mais no corpo humano como
referência, deixando em muitos casos, o conforto de lado. Isso não significa que se deva deixar
o prazer visual de lado e contemplar unicamente o conforto, mas sim levar os dois em
consideração para abranger os mais variados sentidos.

Imagens de ação

“É essa possibilidade de ação que separa a arquitetura das outras formas de arte. Como
consequência dessa ação sugerida, a reação corporal é um aspecto inseparável da
experiência da arquitetura.” (P.59)
“O espaço arquitetônico é um espaço vivenciado, e não um mero espaço físico, e espaços
vivenciados sempre transcendem a geometria e a mensurabilidade.” (P. 60)
A arquitetura possui algo diferente das demais artes: a ação; não porque os elementos que
a compõem se movem, mas por induzir e iniciar a ação. É dentro de espaços arquitetônicos
que ocorrem as atividades cotidianas ou extraordinárias e inclusive as ações que definem a
arquitetura em si. A arquitetura, portanto, direciona e organiza o comportamento dentro de
um espaço e as ações exercidas no espaço geram memória dele.

A identificação corporal
“Contemplamos, tocamos, ouvimos e medimos o mundo com toda nossa existência
corporal, e o mundo que experimentamos se torna organizado e articulado em torno do
centro de nosso corpo.” (P.61)
Ao interagir com o espaço, o ser humano utiliza todos os sentidos de uma só vez e,
portanto, torna-se parte do dele, pois doa-se a si mesmo, através da identificação corporal e
da memória vinda com ela para a percepção do espaço.
“Uma obra de arte funciona como outra pessoa, com a qual conversamos de modo
inconsciente. Ao confrontar uma obra de arte, projetamos nossas emoções e sentimentos
na obra. Ocorre um intercâmbio curioso; imprimimos nossas emoções à obra, enquanto ela
imprime em nós sua autoridade e aura.” (P.61)

Uma arquitetura dos sentidos


Exemplos de arquitetos que projetaram arquiteturas que levam em conta outros sentidos
além da visão: Alvar Aalto, Glenn Murcutt, Steven Holl e Peter Zumthor.

A função da arquitetura
“Qualquer experiência implica atos de recordação, memória e comparação. Uma memória
incorporada tem um papel fundamental como base da lembranaa de um espaço ou um lugar.
Transferimos todas as cidades e vilas que já visitamos, todos os lugares que reconhecemos,
para a memória encarnada de nossos corpos.”“Qualquer experiência implica atos de
recordação, memória e comparação. Uma memória incorporada tem um papel fundamental
como base da lembrança de um espaço ou um lugar. Transferimos todas as cidades e vilas
que já visitamos, todos os lugares que reconhecemos, para a memória encarnada de
nossos corpos.” (P.68)

Você também pode gostar