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Geologia de Fernando

de Noronha: uma
história vulcânica de
milhões de anos
 Karina Ibanez
 19/11/2021
 13:33
 8 comentários

Fernando de Noronha é um arquipélago vulcânico representado pela porção


emersa de uma cadeia submarina denominada Cadeia Fernando de Noronha.
Pertence ao estado de Pernambuco e dista cerca de 360 km da cidade de
Natal, no Rio Grande do Norte.

Possui aproximadamente uma área de 26 km² e é composto por 21 ilhas,


sendo a maior delas denominada Ilha Fernando de Noronha, que dá nome ao
arquipélago.
Localização do Arquipélago de Fernando de Noronha (Google Maps).

É um conhecido destino turístico brasileiro, devido à sua incrível beleza cênica


e importância ecológica característica, apresentando uma rica geodiversidade e
biodiversidade. O Arquipélago de Fernando de Noronha encontra-se
inteiramente protegido pelas Unidades de Conservação (UC) federais:

 Área de Proteção Ambiental (APA) de Fernando de Noronha (1986)


 Parque Nacional Marinho – (PARNAMAR) de Fernando de Noronha
(1988)

Além disso, Fernando de Noronha é um Patrimônio Natural Mundial da UNESCO


desde 2001. A proteção da área visa a preservação e conservação da sua biodiversidade
marinha e terrestre.

Dentre os objetivos específicos do parque está a “sensibilização da sociedade para a


necessidade de conservação da natureza, assim como disseminação de pesquisas
científicas que visam compreender a biodiversidade local, conservar os sítios históricos
arquitetônicos e naturais e o ordenamento do fluxo turístico”.

Apesar das UCs não citarem a geodiversidade do parque, Fernando de Noronha


apresenta uma proposta de Geoparque criada em 2012 pelo Serviço Geológico do
Brasil. Com certeza, a valorização da geodiversidade de Fernando de Noronha deve ser
promovida, sendo um local com uma geologia única no nosso país.

NO BRASIL, AS ÚNICAS ILHAS E ARQUIPÉLAGOS


VULCÂNICOS SÃO:
 Arquipélago de São Pedro e São Paulo
 Arquipélago de Fernando de Noronha
 Atol das Rocas
 Arquipélago de Trindade e Martim Vaz

Mapa de
localização das ilhas vulcânicas brasileiras (Almeida 2006).

Fernando Flávio Marques de Almeida foi um dos geólogos pioneiros no estudo


dessas importantes feições tectônicas brasileiras, a partir da década de
50, reconhecendo o caráter vulcânico de Fernando de Noronha.

A FORMAÇÃO DE FERNANDO DE
NORONHA
O Arquipélago de Fernando de Noronha formou-se há cerca de 12 milhões de
anos, quando magma na crosta oceânica extravasou e gerou uma cadeia de
montanhas vulcânicas submarinas. Hoje, o arquipélago é a porção emersa
dessa já extinta cadeia vulcânica.
O magma que gerou o arquipélago foi formado em uma feição tectônica
denominada Zona de Fratura Fernando de Noronha – um extenso sistema de
falhas e fraturas geológicas profundas na crosta oceânica.

FORMAÇÃO DO OCEANO ATLÂNTICO SUL


Esse sistema de fraturas está associado com a história da formação do
Oceano Atlântico Sul e a sua contínua abertura: desde cerca de 140 milhões
de anos, o antigo supercontinente Pangeia começou a se quebrar.

Nesse processo, a crosta continental começou a se fraturar, gerando um


rifteamento. Com a evolução do rifte e a continua abertura, magmatismo
basáltico começou a ser gerado, até que gerou-se crosta oceânica e,
finalmente, duas placas tectônicas distintas: a Placa Sul Americana e a Placa
Africana, as quais estão ativamente em constante movimento divergente ao
longo de milhões de anos.

Assim, formou-se a chamada Dorsal Mesoatlântica, uma extensa cadeia de


montanhas submarinas no meio do Oceano Atlântico, com contínua geração de
novas rochas conforme as placas se afastam e o oceano cresce, separando
cada vez mais os continentes.

Modelo esquemático simplificado da separação do atual continente Africano da


América do Sul na fragmentação do Pangeia, há cerca de 140 milhões de anos
(terrenos destacados em marrom são os terrenos antigos chamados de
Crátons). Esse processo de contínua separação das placas levou a formação
do oceano Atlântico Sul e da Dorsal Mesoatlântica. (fonte: notasgeo.com.br)
Modelo esquemático de
separação de placas tectônicas, com geração de magma do manto, gerando
crosta oceânica na região da Dorsal. (greelane.com)

A acomodação do magma na Dorsal não ocorre em apenas um conduto


vulcânico retilíneo, mas há na verdade uma movimentação relativa entre eles,
de forma paralela – essa movimentação ocorre por falhas transformantes.

Essas falhas são um tipo de limite de placas tectônicas, pois separam a Placa
Sul-Americana da Placa Africana, sendo um limite chamado do tipo
conservativo, pois não há a destruição nem a geração de nova crosta,
ocorrendo apenas a movimentação relativa de forma paralela entre as placas.

Modelo
esquemático de uma falha transformante em uma dorsal. O movimento relativo
na falha é paralelo e separa dois condutos vulcânicos da dorsal, além de
marcar um limite (conservativo) entre duas placas tectônicas distintas.
Mapa
batimétrico na região da Dorsal Mesoatlântica, evidenciando as falhas
transformantes (linhas finas subhorizontais). (Imagem: NOAA)

A ZONA DE FRATURA FERNANDO DE NORONHA


Mas qual a relação das falhas na Dorsal Mesoatlântica com a formação do
Arquipélago de Fernando de Noronha?

As falhas transformantes, uma vez geradas nas dorsais, podem se preservar


no espalhamento do fundo oceânico que ocorre com a contínua geração de
crosta oceânica ao longo de milhões de anos.

Isso significa que elas podem se localizar também nas regiões mais próximas
ao continente, como traços inativos deixados pelas falhas transformantes
antigas. Isso foi o ocorreu na região do arquipélago, e essas falhas
preservaram-se como regiões de fraqueza na crosta oceânica, formando a
Zona de Fratura de Fernando de Noronha.

No processo de espalhamento oceânico, a placa pode passar sobre


um hotspot – um ponto quente e fixo de anomalia térmica na crosta – e as
fraturas podem atuar como conduto de magma formador de vulcões, que
emersos se apresentam como ilhas.

É fato que ocorreu magmatismo associado com a Zona de Fratura de Noronha,


porém ainda não é consenso a origem desse hotspot. Algumas teorias indicam
ação de uma pluma mantélica, um imenso corpo de calor gerado no manto
profundo, como ocorre no Havaí, porém há controvérsias.

Mapa da região da Margem Equatorial com esquema das Zonas de Fraturas e


dos Arquipélagos vulcânicos associados. Arquipélago de São Pedro e São
Paulo na Zona de Fratura São Paulo; Atol das Rocas e Arquipélago de
Fernando de Noronha, na Zona de Fratura Fernando de Noronha. Legenda: 1
Limite de zonas de fratura; 2 Rochas vulcânicas. (Almeida 2006).

A CADEIA DE FERNANDO DE NORONHA


Com esses processos previamente exemplificados, surge então, após milhões
de anos desde o início da abertura do Oceano Atlântico Sul, a cadeia
submarina de Noronha, associada com a Zona de Fratura Fernando de
Noronha, ambas de orientação geral leste-oeste.

A cadeia tem cerca de 75 km de extensão e cerca de 4.000 metros de


profundidade. A maior parte dos montes vulcânicos encontram-se erodidos
pela erosão subaérea e abrasão marinha. O monte mais novo e ainda em parte
emerso suporta o arquipélago, no qual o vulcanismo se extinguiu há cerca de
1,8 milhões de anos.
Além do arquipélago, encontra-se cerca de 23 km a oeste o Alto Drina, uma
elevação secundária que foi desgastada pela erosão durante o rebaixamento
do nível do mar na última glaciação, formando uma plataforma de abrasão a
qual foi posteriormente submersa com a elevação do nível do mar.

Perfil
esquemático Leste-Oeste do edifício vulcânico de Fernando de Noronha
(Teixeira et al. 2003).

EVENTOS VULCÂNICOS E AS ROCHAS


DO ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE
NORONHA
O vulcanismo que gerou as rochas do Arquipélago de Fernando de Noronha é
do tipo alcalino, um tipo específico de magma formado em vulcanismo
intraplaca, isto é, em um ambiente longe das bordas de placas tectônicas – a
Cadeia de Fernando de Noronha, assim como o Brasil, se encontra dentro da
Placa Sul-Americana.

Esquema com as principais placas tectônicas, com a localização aproximada


(em vermelho) do Arquipélago de Fernando de Noronha, dentro da Placa Sul-
Americana.

A nomenclatura “alcalino” se refere a química dessas rochas, onde o conteúdo


químico dos álcalis (óxido de potássio e óxido de sódio) é grande o suficiente
para a formação de minerais alcalinos. Utiliza-se a denominação de basaltos
de ilhas oceânicas (OIB) para caracterizar o conjunto de rochas vulcânicas que
ocorrem nesses ambientes.

Dois eventos eruptivos principais, separados por um período de calmaria e


intensa erosão, são responsáveis pela origem de Fernando de Noronha:

 O primeiro evento ocorreu há cerca de 12,3 milhões de anos até cerca


de 10 milhões de anos, e gerou as rochas da chamada Formação
Remédios
 O segundo evento vulcânico ocorreu há cerca de 3 milhões de anos até
cerca de 1,8 milhões de anos, gerando as Formações Quixaba e São
José.

As rochas mais antigas ocorrem como corpos subvulcânicos e são


predominantemente fonólitos (um tipo de rocha alcalina vulcânica), enquanto o
vulcanismo mais recente se caracteriza essencialmente por derrames de lavas
de melanefelinitos (outro tipo de rocha alcalina vulcânica). Os sedimentos e
rochas sedimentares ocupam apenas 7,5% do arquipélago.

Mapa geológico do Arquipélago de Fernando de Noronha. (Ulrich et al. 2004).

As altitudes de 30 a 45 metros representam a maior área da ilha principal e


estão presentes rochas piroclásticas (rochas vulcânicas formadas por erupções
explosivas), cortadas por diques de variadas composições.

Os planaltos de altitudes entre 150 e 200 metros, a nordeste e a sudoeste da


ilha, foram originados a partir de derrames sub-horizontais de lavas e rochas
piroclásticas, sobretudo da Formação Quixaba. Esses pacotes de rochas
formam escarpas, de modo que a alternância entre as litologias favorece a
abertura de túneis.

Outras feições desta formação são as Ilhas Dois Irmãos, formadas por
derrames basálticos que geraram disjunções colunares.

EXEMPLOS DAS ROCHAS VULCÂNICAS DE


FERNANDO DE NORONHA SÃO:
 Morro (ou Ilhas) Dois Irmãos, localizadas em frente à Baía dos Porcos,
formadas por derrames de lavas da Formação Quixaba. Apresenta
disjunções colunares, uma estrutura gerada no resfriamento do magma.
 A alternância de lavas e abundantes depósitos piroclásticos da
Formação Quixaba, à altura do nível do mar, favoreceu a abertura do
túnel do chamado Portão da Sapata.
 Ilha do Frade, um domo de fonólito da Formação Remédios, com fortes
evidências de erosão, possivelmente por queda de blocos.

(A) Disjunção colunar no Morro Dois Irmãos. (B) Portão da Sapata. (Ulrich et
al. 2004).

Ilha do Frade.

As maiores altitudes das ilhas são morros constituídos de rochas vulcânicas


mais resistentes à erosão, da Formação Remédios. Por vezes formam picos
monolíticos destacados na paisagem, o ponto culminante do arquipélago
possui 321 m de altitude (Morro do Pico).

Morro do Pico.

GEOPARQUE FERNANDO DE
NORONHA
Através do Projeto Geoparques do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), é
proposta a criação do Geoparque Fernando de Noronha, de modo a conciliar
conservação, geoturismo, educação e desenvolvimento científico no
arquipélago. O projeto coincide integralmente com o Parque Nacional Marinho
de Fernando de Noronha e a Área de Proteção Ambiental adjacente.

O arquipélago cumpre com os requisitos da Rede Global de Geoparques da


UNESCO, devido não só aos aspectos geológicos e beleza cênica dos 26
geossítios categorizados, mas também à grande variedade de fauna e flora
marinha e sua importância histórica.

Um dos principais aspectos positivos da criação do Geoparque Fernando de


Noronha seria o fortalecimento do geoturismo como atividade sustentável,
servindo como importante meio de divulgação geocientífica e conscientização
ambiental através de visitas guiadas, centros de informação, museus e
materiais de divulgação geocientífica.

Um exemplo de geossítio verificado é a Baía de Sueste em que afloram


extensos depósitos piroclásticos. O geossítio proposto é também um
importante ponto histórico-arqueológico devido às ruínas do Forte de São
Joaquim de Sueste, que são um registro da tentativa holandesa de retomar o
arquipélago em 1629, e uma importante área ecológica, sendo um dos
principais locais de alimentação das tartarugas marinhas.

A) Vista da baía de Sueste em direção ao mirante de Sueste (esquerda). No


centro, nota-se afloramento emerso dos diques que cortam os pacotes
piroclásticos. B-C) Detalhes dos depósitos piroclásticos. D-E) Fotomicrografia
dos tufos. (Wilder e Ferreira, 2012)

IMPORTÂNCIA DO ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO


DE NORONHA
O Arquipélago de Fernando de Noronha registra uma história
vulcânica que se associa com a formação do Oceano Atlântico há milhões de
anos. Muitas questões sobre a origem do calor para a geração do vulcanismo
ainda estão em aberto e a região é alvo de diversos estudos para desvendar
cada vez mais a geologia da região.

Hoje, as condições ecológicas fazem do local um refúgio para a biodiversidade.


Além da relevância científica, apresenta também uma importância histórica e
cultural. Dada sua beleza natural, Noronha é um famoso atrativo turístico e
deve portanto ser preservado e valorizado.

Além disso, a importância de seu registro geológico deve ser disseminada,


promovendo um turismo consciente do significado da paisagem – o geoturismo,
bem como de medidas de disseminação geocientífica, para que todos saibam o
que há por trás dessa paisagem única!

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