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ORELHA DE MARIA VALÉRIA REZENDE

No fundo do oceano, os animais invisíveis apresenta, na natureza do texto,


o movimento da água em remansos, quedas e correntezas. Não se trata
de mais uma escritora que repete “fórmulas” de sucesso. Anita Martins
Deak as conhece bem, as recentes e as clássicas, extrai delas o que
contêm de resina valiosa e as reformula num conjunto original,
enriquecido por escolhas rigorosas sobre o que quer mostrar e esconder.

Vê-se, já às primeiras páginas, que a autora conhece muito e assimilou


verdadeiramente as lições de mestres pioneiros como Guimarães Rosa e
Manoel de Barros (para citar apenas os mais emblemáticos), mas não os
copia. Recria.

Não se trata de leitura fácil. Exige do leitor uma parceria competente,


capaz de mergulhar fundo e resistir ao afogamento “no fundo do oceano”,
percorrido pelo narrador-personagem, Pedro Naves, sempre em agonia.
Ele nos convida a percorrer a fronteira fluida entre sua memória e
imaginação, entre a percepção objetiva e o sonho.

Anita Martins Deak narra não a partir de um “realismo”, que parece voltar
com força em parte da literatura recente, mas a partir de uma construção
densa, onírica, complexa e não linear. Neste romance, aliás, encontra-se
um tema de suma importância: a reintegração do humano à natureza. O
húmus da natureza fertiliza as páginas do texto visceral da autora.

Cabe reconhecer a seriedade com que pesquisou dados objetivos para


reinterpretar fatos da nossa história recente e a nebulosidade em que
permanecem pelo fato de que nenhuma narrativa é isenta de escolhas,
posições políticas e heranças culturais naturalizadas. Narrar e re-narrar os
meandros da vida humana é certamente uma missão fundamental da
literatura. Aliás, nesse narrar, a autora arrisca-se pessoalmente, ainda que
bem ancorada no narrador-personagem.

É um romance que recupera um vocabulário rico, indispensável nos dias


de hoje em que nos encontramos diante do fenômeno do “encurtamento”
da nossa língua. No fundo do oceano, os animais invisíveis parece-me
fadado a ser leitura frequente nos cursos de letras, quando se tratar de
analisar as características da literatura brasileira nas duas primeiras
décadas do século XXI.

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