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Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito

Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba


V. 9 - Nº 04 - Ano 2020
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index

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ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL: UMA ANÁLISE SOBRE
QUESTÕES DE GÊNERO1
Alícia Cechin2
Bruno Truzzi3
Ana Cecília Almeida4
Danielle Evelyn de Carvalho5
Viviani Silva Lírio6

Resumo: No Brasil, a despeito de buscou-se identificar por quais canais,


esforços para a redução das indiretos e diretos, este fenômeno se
desigualdades de gênero em diferentes expressa na realidade brasileira; sendo,
aspectos e contextos, persistem este último, uma tentativa de capturar a
evidências de que as mulheres enfrentam discriminação de gênero. Os resultados
barreiras específicas ao tentar resolver apontam que, comparativamente aos
conflitos no sistema de Justiça. homens, as mulheres vítimas de crimes
Utilizando os microdados da Pesquisa violentos acessam menos o aparato de
Nacional por Amostra de Domicílios Justiça. Ademais, encontramos que este
(PNAD) de 2009, o objetivo deste estudo diferencial é explicado pelo componente
é verificar se, quando vitimados por denominado pela literatura de “termo de
crimes violentos como furto e/ou roubo discriminação”, oferecendo indícios da
e/ou agressão física, existe um discriminação de gênero expressa pela
diferencial entre homens e mulheres condição de acesso à Justiça em nosso
quanto ao acesso à Justiça. Combinando país.
a estimação logit com a metodologia de
decomposição de Oaxaca-Blinder,

1
Esta pesquisa teve o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
2
Universidade Federal de Viçosa
3
Universidade Estadual de Campinas
4
Universidade Federal de Viçosa
5
Universidade Federal de Minas Gerais
6
Universidade Federal de Viçosa
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Palavras-chaves: Acesso à Justiça. Justice apparatus. Furthermore, we find
Desigualdade de gênero. Criminalidade. that this differential is explained by the
Decomposição de Oaxaca-Blinder. component also known in the literature
as “discrimination term”, offering
Abstract: In Brazil, despite efforts to evidence of gender discrimination
reduce gender inequalities in different expressed by the condition of access to
aspects and contexts, evidence remains justice in our country.
that women face specific barriers when
trying to resolve conflicts in the justice Keywords: Access to Justice. Gender
system. Using the microdata from the inequalities. Crime. Oaxaca-Blinder
National Household Sample Survey decomposition.
(PNAD) for 2009, the objective of this
study is to verify whether, when 1 INTRODUÇÃO
occurred violent crimes such as theft A Declaração de Viena, em 1993,
and/or robbery and/or physical foi o primeiro documento da
aggression, there is a differential Organização das Nações Unidas (ONU)
between men and women regarding the a defender que os direitos humanos das
access to Justice. Combining logit mulheres se constituem em componente
estimation with the methodology of indivisível e integral dos direitos
Oaxaca-Blinder decomposition, we humanos universais. Além disso, em
sought to identify through which 2000, a ONU, através do Relatório dos
channels, indirect and direct, this Direitos Humanos, reconheceu a
phenomenon is expressed in the relevância de promover a igualdade entre
Brazilian reality; the latter methodology homens e mulheres7. Por meio de
being an attempt to capture gender indicadores econômicos, mostrou-se que
discrimination. The results show that, a diminuição dessas desigualdades
compared to men, women victims of estava associada a um aumento do
violent crimes have less access to the crescimento econômico e social dos

7
Para a República Federativa do Brasil, este fato brasileiro, têm acesso a um mecanismo universal
ocorreu em 28 de setembro de 2002 (através do com o intuito de proteger e promover seus
Decreto no. 4316, de 30 de julho de 2002). Desde direitos humanos, conforme elucidam Lima e
então, cidadãs brasileiras assim como todas as Peterke (2010).
outras mulheres sob jurisdição do Estado
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países e do mundo (ONU, 2000). 2018, o Brasil ocupou a 95ª posição no
Contudo, o contexto no cenário mundial referido índice de desigualdade,
indica, mesmo com uma diminuição das externando uma reversão significativa
desigualdades de gênero em diversos no progresso em direção à paridade de
aspectos, a persistência de discriminação gênero, exibindo o ponto mais alto,
em relação às mulheres, especialmente desde 2011. Em relação aos países
em países menos desenvolvidos (WEF, latino-americanos, este índice revela que
2018). o Brasil é menos desigual apenas que
O reestabelecimento da países como Paraguai, Guatemala e
democracia no contexto brasileiro, Belize. Diante desse cenário, podem ser
solidificado pela Constituição Federal de criadas distorções, em que alguns grupos
1988, foi acompanhado por um processo raciais e de gênero possuem acesso
de resgate e consolidação de direitos privilegiado aos recursos e estruturas do
humanos e civis e, dentre estes, a Estado.
legitimação da igualdade entre homens e Um direito fundamental,
mulheres como um direito fundamental cristalizado em nossa magna carta,
(Alves e Cavenaghi, 2013). Entretanto, refere-se à possibilidade dos cidadãos
no Brasil, mesmo após a implementação acessarem a Justiça, a qual pode ser
de políticas públicas com o intuito de compreendida, para efeitos práticos,
reduzir as desigualdades de gênero, é como a instituição responsável por
perceptível a existência de assimetrias garantir o cumprimento de direitos e
entre homens e mulheres quanto à deveres, bem como pela solução
garantia dos direitos constitucionalmente conflitos. Acerca do aparato jurídico,
estabelecidos. Sherwood et al. (1994) mostram que
O Relatório de Desigualdade sistemas judiciais estruturalmente
Global de Gênero - 2018, divulgado pelo consolidados podem contribuir para o
Fórum Econômico Mundial (2018), crescimento econômico dos países. Para
propõe uma classificação dos países, em Lorizio e Gurrieri (2014), o crescimento
que as primeiras posições são ocupadas de uma economia depende não apenas de
por países com menor desigualdade entre fatores econômicos, mas também de
os sexos. Segundo este relatório, em instituições, bem como a confiança dos
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cidadãos nelas. Assim, a operação de um social complexo, resultando de uma série
sistema jurídico pode ter impacto em de desigualdades nos níveis
muitas dimensões do desenvolvimento: institucional, socioeconômico e cultural.
equidade, alocação ótima de recursos e Com o intuito de garantir a igualdade
aumento da produtividade total dos substantiva em todos os campos da vida
fatores, entre outros. Além disso, Sen humana, é fundamental assegurar a
(1999) demonstra que a consolidação da igualdade de acesso à Justiça para todos
cidadania, através de mecanismos que os cidadãos. (Council of Europe, 2015).
permitam a ampliação das liberdades dos Uma questão elucidativa para a
cidadãos, proporciona um aumento do compreensão do cenário de acesso à
bem-estar social, dinamizando o Justiça no Brasil diz respeito à análise
processo de desenvolvimento e das especificidades intrínsecas a cada
crescimento econômico nacional. tipo específico de crime violento.
A igualdade de acesso à Justiça, Segundo a PNAD (2009), com relação
além de ser um aspecto central ao crime de agressão física, dentre os
relacionado à igualdade de gênero, agressores das mulheres 25,9% eram
também se apresenta como fator cônjuges ou ex-cônjuges, enquanto que
determinante para o desenvolvimento para os homens, esta estatística foi de
das nações. De fato, além de serem apenas 2%. Nesse sentido, pode-se
confrontadas com desigualdades compreender que o maior medo de
estruturais de gênero e violência em represália entre as mulheres, frente a um
muitas áreas da vida, as mulheres possível acionamento da Justiça para
também experimentam barreiras solução de conflitos, pode estar
específicas quando buscam a solução de relacionado ao perfil dos seus agressores
conflitos no sistema de Justiça. O Poder e à proximidade dele com a vítima.
Judiciário, defensor por natureza da Conforme elencam Pasinato e Santos
Justiça e dos direitos humanos, muitas (2005), as delegacias da mulher surgem
vezes pode reproduzir e amplificar em resposta às demandas feministas,
estereótipos presentes nas relações ainda que a primeira delegacia não tenha
sociais. O acesso desigual das mulheres sido idealizada por estes movimentos.
à Justiça se constitui em um fenômeno Diante disso, o Governo de São Paulo
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cria a primeira delegacia da mulher no no que tange aos procedimentos
ano de 1985. Havia muita discussão judiciais, de modo específico (Teixeira
acerca da melhor forma de encarar o Lima, 2019), os que decorram de crime
problema da violência, mesmo com contra a mulher no seio familiar,
relação à participação ativa de grupos possibilitando o entendimento das
feministas e mulheres no processo de mulheres em situação de violência, e
formulação de políticas públicas. Além com isso, inserindo-as como
disso, segundo Santos (2005), também protagonistas de todo o processo,
havia desconfiança da polícia, acolhendo e incluindo, efetivamente, no
identificada com os órgãos de repressão acesso à Justiça.
política8. Segundo Hatipoglu-Aydin e
Apesar dessa desconfiança, Aydin (2016), é importante lidar com
quando criada à primeira delegacia, não questões de classes, gênero e grupos
houve reação adversa de grupos sociais em relação ao acesso à Justiça,
feministas e mulheres (Santos, 2005). por conseguir revelar, ao mesmo tempo,
Pelo contrário, houve reinvindicações a a ambiguidade entre igualdade de
favor da ampliação desses direitos e desigualdades reais. Na vida
estabelecimentos, apesar dos governos cotidiana, muitas vezes, os mecanismos
estaduais nem sempre consentirem às baseados no princípio da igualdade não
demandas dos movimentos referentes à conseguem resolver os problemas que
criação de novas delegacias da mulher e emergem da desigualdade de gênero
à institucionalização da habilitação das como, por exemplo, a feminização da
policiais a partir de uma perspectiva de pobreza ou a distorções salariais no
gênero, conforme destacam Pasinato e mercado de trabalho impactando no
Santos (2005). Todavia, o Estado fez acesso ao Judiciário.
deste serviço policial a principal política Em relação à temática de acesso
pública de assistência a mulheres em à Justiça no Brasil, destacam-se os
situação de violência. Nesse sentido, estudos desenvolvidos por Almeida e
necessita-se de um olhar mais humanista Fauvrelle (2013), França et al. (2015) e

8
Ver também Ardaillon (1989); Alvarez (1990)
e Gregori (2006).
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Truzzi (2019). Os três trabalhos questões relativas à reprodução social e
realizaram uma análise utilizando o biológica. Dessa forma, para o autor,
modelo logit, com o intuito de sexo se relaciona com a identidade
compreender o perfil dos indivíduos que biológica do homem e da mulher,
acessam a Justiça, através de atributos enquanto gênero se refere aos aspectos
individuais, características socialmente construídos das respectivas
socioeconômicas e de localidade. Dessa diferenças biológicas e sexuais.
forma, eles encontraram que as mulheres Portanto, os dois conceitos possuem
e aquelas pessoas que se autodeclararam especificidades, mas se conectam, sendo
não brancas tiveram uma menor o sexo algo mais restrito e o gênero uma
probabilidade, comparativamente aos ideia mais abstrata e ampla9.
homens e àqueles que se autodeclararam À vista disso, o presente estudo
brancos, respectivamente, de acessarem tem como objetivo analisar, em âmbito
o Judiciário. nacional, se homens e mulheres acessam
Sendo assim, diante de um a Justiça10 de maneira diferente, quando
cenário de desigualdade de gênero no submetidos a um ato violento, bem como
Brasil em várias esferas, além da quais fatores que contribuem para tanto,
necessidade de um sistema Judiciário considerando-se o período entre
bem estruturado na prática, percebe-se a setembro/2008 a setembro/2009. Este
importância de se debruçar sobre ambos trabalho diferencia-se de estudos
os temas. A literatura que aborda pretéritos na área de gênero ao sugerir a
questões de gênero/sexo é bastante utilização da decomposição de Oaxaca-
ampla e estuda as várias nuances Blinder, que permite capturar qual a
inerentes aos conceitos. Santos (2008) parcela da diferença de acesso à Justiça
compreende a questão de gênero entre homens e mulheres decorre de
enquanto mecanismo cultural elaborado efeitos explicados e não-explicados
para lidar com as diferenças de sexo e pelas características observáveis dos

9 10
Ressalta-se, no entanto, que a base de dados Neste estudo, segundo proposta da PNAD
utilizada neste artigo apresenta somente a (2009), entende-se por acesso à Justiça a busca
pergunta do sexo do entrevistado. Assim, pelo aparato policial para a solução de conflitos
assume-se que o sexo da pessoa seria uma proxy violentos (furto, roubo e agressão física). Diante
adequada para a discussão mais ampla de de ressalvas e das devidas contextualizações, esta
desigualdade de gênero, visto que existe essa variável se constitui em proxy eficiente para o
restrição nos dados. acesso à Justiça.
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indivíduos, seguindo Truzzi (2019) e, os cidadãos podem exigir seus direitos e
portanto, oferecendo indícios de solucionar conflitos, intermediado pelo
aspectos subjetivos inerentes à este Estado, que são: i) isonomia quanto ao
diferencial entre os grupos. acesso a este sistema; e ii) atuação com
Além desta introdução, a seção soluções justas, tanto individual quanto
seguinte problematiza as possíveis socialmente.
relações existentes entre as questões de Relacionando os aspectos
gênero e o acesso à Justiça. Na econômicos do Direito, North (1988)
sequência, apresenta-se a base de dados, afirma que a atuação do Estado transmite
a metodologia da pesquisa e segurança jurídica aos agentes
procedimentos utilizados. A quarta seção econômicos. Dessa forma, ao garantir os
são expostos os resultados e as direitos dos indivíduos e da propriedade
correspondentes análises e discussões. dos mesmos, reduzem-se os custos de
Por fim, são apresentadas as principais transação. Sendo assim, combatendo-se
conclusões. um obstáculo econômico importante - ao
assegurar o direito à propriedade, as
2 QUESTÕES DE GÊNERO E instituições possuem segurança para
O ACESSO À JUSTIÇA continuar usufruindo de recursos e ativos
No que se refere à problemática os quais são titulares -, permitindo a
de acesso à Justiça, com o componente melhoria da dinâmica de crescimento
de discriminação de gênero, a Teoria econômico de uma nação. Através de
Econômica não se apresenta como a uma análise micro, Anderson (1999)
única na tentativa de explicar esse tema, indica duas perspectivas elementares que
sendo necessário, portanto, elucidar esse oferecem condições que permitem os
assunto com base em outras teorias. indivíduos acessarem os recursos legais
Foram utilizadas teorias no âmbito do disponíveis, que são: i) recursos
Direito e com relação à Economia do financeiros, que podem ser tanto diretos
Trabalho. Sob a perspectiva do Direito, (gastos e despesas necessários para a
conforme sintetizado por Cappelletti e realização dos processos jurídicos),
Garth (1988), o acesso à Justiça possui quanto indiretos (como os custos de
duas bases principais, por meio das quais oportunidade - trade-off - ao optar por
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prosseguir na ação jurídica, substituindo forma, Arrow (1973) e Phelps (1972)
por horas que poderiam ter sido desenvolveram a abordagem da
utilizadas na atividade econômica); e ii) discriminação estatística, com a
habilidade institucional, oferecendo finalidade de avançar nas lacunas das
capacidade aos indivíduos a fim de teorias baseadas no gosto pela
utilizar e compreender o aparato de discriminação. Assim sendo, a teoria de
Justiça. Entretanto, além dos pontos discriminação estatística propõe que os
abordados por Anderson (1999), existem empregadores racionais preferem um
outros elementos, tais como diferença de grupo (por exemplo, brancos ou homens)
gênero/sexo e/ou etnia/raça que em detrimento ao outro (por exemplo,
funcionam como uma barreira ao acesso negros ou mulheres) devido às
aos recursos legais e que, muitas vezes, diferenças em sua distribuição de
independem dos itens “i” e “ii” citados produtividade no local de trabalho.
anteriormente. Considerando que os empregadores se
No que concerne a Economia do deparam com informações limitadas
Trabalho, existem duas teorias principais sobre a produtividade real dos
de discriminação. A primeira teoria é trabalhadores individuais, eles
baseada no que Becker (1971) denomina desenvolvem preferências por
de gosto pela discriminação. Nesse indivíduos de grupos considerados,
modelo, o autor pressupunha que os através de estereótipos, por serem mais
empregadores discriminam em produtivos. Assim, de acordo com essas
decorrência de uma preferência por teorias, a discriminação ocorre como
trabalhadores de um determinado grupo uma resposta ótima, embora por meio da
- ou, ainda, por seus funcionários e criação de estereótipos, a um ambiente
consumidores possuírem essas com informações limitadas. Essa
preferências. Contudo, esse modelo discriminação no mercado de trabalho
explica a discriminação no curto prazo, pode repercutir na discriminação em
mas não esclarece o porquê da outros campos, como no acesso à Justiça,
perpetuação da mesma no longo prazo, já uma vez que contribuem para que as
que, nesse caso, os empregadores mulheres se vejam e sejam vistas de
cometeriam erros sistemáticos. Dessa
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maneira diferente em relação aos possível indicador de empoderamento
homens. feminino, uma vez que poder, assim
A ONU (2018) introduziu três como exemplifica Kabeer (2005), é a
pontos que se reforçam mutuamente para capacidade de tomar decisões, mesmo ao
o acesso das mulheres de maneira enfrentar oposições. Por exemplo, se
estruturada ao sistema de Justiça: i) a uma mulher acessa o aparato policial
criação de um ambiente favorável a esse para denunciar uma agressão, mesmo
acesso: reforçar as normas legais formais sofrendo represália, isso mostra seu
e informais que discriminam as poder de tomar suas decisões. Por outro
mulheres, bem como fazer política e lado, se a mulher acredita que a lei não a
investimentos financeiros mais ampara e, por isso, deixa de acessá-la, há
favoráveis; ii) criar instituições de um indicativo de baixo poder de decisão
Justiça eficazes, responsáveis e sensíveis dessa mulher que não faz o que é melhor
ao gênero: reformar as instituições e para ela por encontrar uma oposição.
sistemas de Justiça para uma No que concerne os aspectos do
participação, coordenação e resposta Direito ou da Economia, percebe-se que
eficazes às necessidades de Justiça das a discriminação de gênero, em relação ao
mulheres; iii) empoderamento legal das acesso à Justiça, incorre em perdas,
mulheres: capacitar as mulheres e como insegurança jurídica e custos
meninas com as ferramentas para econômicos, respectivamente. O objeto
conhecer, reivindicar e exercer seus de estudo dessa pesquisa é um fenômeno
direitos e ampliar o conhecimento dos social complexo e resultante de uma
direitos das mulheres para homens, série de desigualdades, como
meninos e estruturas de poder da institucional, socioeconômica e cultural.
comunidade. Assim sendo, a abordagem proposta por
Dessa forma, alicerçam-se as este trabalho mescla teorias tanto da
bases para que as mulheres, mesmo Economia como do campo do Direito.
sobre adversidades impostas pela
discriminação de gênero, possam acessar 3 METODOLOGIA
a Justiça e possam reivindicar seus Para alcançar os objetivos do
direitos, sendo então, esse acesso um presente trabalho, utiliza-se da adaptação
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da metodologia proposta por Truzzi informações dos indivíduos. Cabe
(2019), procedendo-se de dois exercícios ressaltar que esta pesquisa publica, com
econométricos que se justificam com o periodicidade variável, informações
intuito de se identificar os canais pelos suplementares sobre educação,
quais o fenômeno em questão opera, bem migração, fecundidade, saúde, entre
como de modo a assegurar o melhor outros.
ajuste e adequação dos modelos Na edição de 2009, utilizada neste
estimados. Nesse sentido, as etapas deste estudo, a PNAD disponibiliza um
estudo foram: (i) estimação da questionário suplementar de
probabilidade de indivíduos vitimados Características da Vitimização e do
por crimes de furto e/ou roubo e/ou Acesso à Justiça no Brasil. Este
agressão física no Brasil acessarem a questionário foi respondido apenas por
Justiça através de um modelo de pessoas com idade igual e/ou superior a
regressão logit; e, (ii) decomposição do 18 anos. Além disso, nesta seção, os
diferencial na probabilidade de acessar a entrevistados que sofreram furto, roubo e
Justiça entre homens e mulheres, agressão física são questionados se, após
segundo a metodologia de Oaxaca- tais situações de violência ocorreram as
Blinder. seguintes ações: i) procuraram a polícia;
ii) foi realizado registro do crime em
3.1 Fonte e tratamento dos delegacia de polícia (incluindo
dados Delegacia Virtual). Dessa forma, a base
Os dados utilizados nesta de dados deste trabalho é composta por
pesquisa foram extraídos da Pesquisa homens e mulheres com idade igual e/ou
Nacional por Amostra de Domicílios superior a 18 anos, vítimas de crimes de
(PNAD) para o ano de 2009, sob furto e/ou roubo e/ou agressão física, que
coordenação do Instituto Brasileiro de procuraram e/ou fizeram registro da
Geografia e Estatística (IBGE). ocorrência junto ao aparato policial em
Realizada anualmente, a PNAD contém decorrência das referidas situações de
informações tanto do indivíduo violência criminal.
entrevistado quanto do seu domicílio. Além disso, em ambos os
Nesse trabalho serão utilizadas apenas as exercícios econométricos, controlou-se
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̂
por diferentes características dos 𝑒 𝛽𝑋𝑙
̂
1+𝑒 𝛽𝑋𝑙
indivíduos que são importantes para
(1)
explicar a probabilidade de acessar o
Na qual, 𝑝̂ 𝑙 assume valor 1, caso a vítima
sistema Judiciário. Essas variáveis foram
dos crimes de furto e/ou roubo e/ou
divididas em três blocos de
agressão física tenha procurado e/ou
características:
registrado a ocorrência junto ao aparato
i Características individuais: etnia/raça,
policial, ou valor 0 caso contrário. Sendo
idade e estado civil.
que, esta probabilidade 𝑝̂ 𝑙 é condicional
ii Características socioeconômicas:
a um vetor 𝑋𝑙 que contém as
escolaridade e rendimento mensal per
características dos indivíduos, que
capita do domicílio.
afetam a probabilidade de acessar a
iii Características de localidade: região
Justiça quando submetidos a um ato
censitária e regiões geográficas.
violento, contempladas nos três blocos
Ressalta-se, ademais, que todas as
de características individuais,
observações extraídas da PNAD (2009)
socioeconômicas e de localidade
mantiveram seus respectivos pesos
descritas anteriormente, com destaque
amostrais, estabelecidos por
para a variável de interesse deste
metodologia específica adotada pelo
trabalho que é uma dummy que assume o
IBGE.
valor de 1 para as mulheres e 0 para
homens.
3.2 Probabilidade de acessar a
Justiça
3.3 Decomposição de Oaxaca-
Diante do exposto a equação
Blinder
básica do modelo logit11 que estima a
Segundo Jann (2008), a ideia
probabilidade 𝑝̂ do indivíduo l acessar a
elementar do método de decomposição
Justiça pode ser especificada como:
de Oaxaca-Blinder é estimar
𝑝̂𝑙 ≡
separadamente duas equações com as
𝑃𝑟𝑜𝑏[𝐴𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜 à 𝐽𝑢𝑠𝑡𝑖ç𝑎 = 1|𝑋𝑙 ] =
mesmas variáveis, mas para dois grupos

11
Ressalta-se que todas as variáveis - regressores
e regressandos - são construídas segundo
metodologia proposta por Truzzi (2019).
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diferentes, e assim encontrar o ou seja, 𝑅 é a diferença média dessa
diferencial da média da variável de variável entre homens e mulheres,
interesse entre estes grupos. Para este explicada pelo conjunto de variáveis
trabalho, o interesse recai na comparação observadas (𝑋) - contempladas nos três
entre os grupos de pessoas do sexo blocos de características individuais,
feminino (𝐹) e do sexo masculino (𝑀), socioeconômicas e de localidade - e por
com idade igual e/ou superior a 18 anos; seus coeficientes (𝛽). E, de forma a
sendo a variável de interesse (𝑦) a busca identificar a contribuição das diferenças
pelo aparato policial em decorrência de entre os preditores de ambos os grupos
situações de violência criminal como: para a diferença geral dos resultados, (3)
furto e/ou roubo e/ou agressão física. pode ser rearranjada da seguinte
Dessa forma, de maneira geral, a maneira:
decomposição de Oaxaca-Blinder para 𝑅 = {𝐸(𝑋𝑀 ) −
modelos lineares pode ser expressa como 𝐸(𝑋𝐹 )}′ 𝛽 ∗ +{𝐸(𝑋𝑀 )′ (𝛽𝑀 − 𝛽∗) +
se segue: 𝐸(𝑋𝐹 )′ (𝛽∗ − 𝛽𝐹 )} (4)
𝑦𝑙 = 𝑋𝑙′ 𝛽𝑙 + 𝑒𝑙 , 𝐸(𝑒𝑙 ) = 0 e em que, 𝛽 ∗ é um vetor de coeficientes
𝑙 𝜖 (𝐹, 𝑀) não discriminatórios, que será utilizado
(2) para determinar a contribuição das
onde 𝑋𝑙′ é o vetor de variáveis observadas diferenças entre preditores. A equação
(incluindo o intercepto), 𝛽𝑙 são os (4), portanto, pode ser dividida em duas
parâmetros, 𝑒𝑙 é o termo de erro partes da seguinte forma:
aleatório. Dessa forma, buscou-se 𝑅 =𝐶+𝐷
verificar se existe um diferencial, entre (5)
homens e mulheres, quanto à em que,
probabilidade de acessar a Justiça, que 𝐶 = {𝐸(𝑋𝑀 ) − 𝐸(𝑋𝐹 )}′ 𝛽 ∗
pode ser expresso por: (6)
′ )𝛽
𝑅 = 𝐸(𝑦𝑀 ) − 𝐸(𝑦𝐹 ) = 𝐸(𝑋𝑀 𝑀− 𝐷 = 𝐸(𝑋𝑀 )′ (𝛽𝑀 − 𝛽 ∗ ) +
E(XF' )βF 𝐸(𝑋𝐹 )′ (𝛽∗ − 𝛽𝐹 )
(3) (7)
sendo que, 𝐸(𝑦) refere-se ao valor
esperado da busca pelo aparato policial,
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Dado o histórico contexto de pode ser estimada pela seguinte
desigualdades de gênero em nosso país, decomposição não-linear:
assumindo-se que existem maiores 𝑅̂ = ∑𝑇𝑙=1 𝑊∆𝑋
𝑙
{𝜙[(𝑋̅𝑀 − 𝑋̅𝐹 )′ 𝛽̂𝑀 ]} +
incentivos por parte da população 𝑙
∑𝑇𝑙=1 𝑊∆𝛽 {𝜙[𝑋̅𝐹 ′ (𝛽̂𝑀 − 𝛽̂𝐹 )]}
masculina em acessar o aparato policial,
(9)
comparativamente às mulheres, frente a
Na qual,
situações de violência criminal, seja 𝑙 𝑙
∑𝑇𝑙=1 𝑊∆𝛽 = ∑𝑇𝑙=1 𝑊∆𝑋 =1
devido às menores barreiras
orçamentárias (maior nível de
(10)
rendimento), seja devido ao maior
Observa-se que nas expressões
empoderamento legal dos homens, dessa
(4), (8) e (9), a parte à direita da
forma, compreende-se que a
igualdade nas equações apresenta,
discriminação é direcionada à população
respectivamente, o somatório dos
feminina. Nesse sentido, o vetor de
componentes “explicado” (ou efeito-
coeficientes do grupo de homens (𝛽𝑀 )
característica) e “não-explicado” (efeito-
pode ser utilizado como estimativa para
preço), que em conjunto compõem o
o vetor de coeficientes não
diferencial de acesso à Justiça entre os
discriminatórios (𝛽 ∗ ). Assim, (4) pode
grupos, de homens e mulheres. O efeito
ser reescrita como:
característica capta as diferenças na
𝑅̂ = (𝑋̅𝑀 − 𝑋̅𝐹 )′ 𝛽̂𝑀 + 𝑋̅𝐹 ′ (𝛽̂𝑀 − 𝛽̂𝐹 )
probabilidade de acesso à Justiça devido
(8)
às diferenças nas variáveis explicativas
dos indivíduos (𝑋𝑙 ), contempladas pelos
Contudo, considerando-se o
blocos de características individuais,
caráter binário da variável dependente,
socioeconômicas e de localidade. O
ter-se-á que 𝑃𝑟𝑜𝑏(𝑌𝑙 = 1|𝑋𝑙 ) =
efeito-preço é o que a literatura
𝜙(𝑋𝑙 , 𝛽𝑙 ), com 𝜙 sendo uma função de
caracteriza como “termo de
distribuição acumulada normal padrão
discriminação”, uma vez que mostra as
(FDA), segundo adaptação proposta Yun
diferenças no acesso à Justiça não-
(2004), a parcela de discriminação
explicado pelas características
relativa à condição de acesso à Justiça
observadas dos indivíduos.
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O objetivo elementar da técnica 2005) como de etnia/raça (Darity Jr et
de decomposição de Oaxaca-Blinder, al., 1996; Kim, 2010), segundo Jann
portanto, é verificar o que aconteceria (2008), a técnica de decomposição de
com a probabilidade de acesso à Justiça Oaxaca-Blinder, atribui à parcela não
das mulheres se elas tivessem as explicada da variável dependente como
características observadas dos homens, e efeito discriminação em casos de.
dos homens caso tivessem as das Portanto, a decomposição de Oaxaca-
mulheres, de modo que o que explicaria Blinder é um método amplamente
essa diferença seria unicamente a utilizado e consolidado pela literatura
identidade de sexo, o que poderia refletir econômica nos estudos sobre
a situação de discriminação de gênero. discriminação - desde que o modelo
De acordo com a literatura específica ao esteja corretamente especificado e não se
tema da discriminação, todos os acredita que há alguma variável
indivíduos enquanto cidadãos deveriam relevante omitida -, comprovando que
ter assegurados, de jure e de facto, os possivelmente se constitui na melhor
mesmos direitos constitucionalmente aproximação de um efeito
promulgados. Nesse sentido, a discriminatório com relação ao
constatação da existência de qualquer diferencial de acesso à Justiça entre
tipo de tratamento e/ou acesso não homens e mulheres em análise neste
isonômico em relação ao sistema de estudo.
Justiça, por determinado indivíduo, ou
grupo de indivíduos, se constitui em 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
evidência de que existe discriminação A Tabela 1, a seguir, apresenta as
quanto ao acesso a este aparato de estatísticas descritivas com as médias
proteção social. das variáveis utilizadas neste estudo,
Amplamente utilizada em tanto para a amostra como um todo,
estudos sobre discriminação salarial no como especificamente para cada qual
mercado de trabalho (Blinder, 1973; grupo de homens e mulheres que
Oaxaca, 1973), tanto em casos de responderam ao suplemento de acesso à
comparação de gênero (Stanley e Jarrell, Justiça da PNAD (2009). A base de
1998; Weichselbaumer e Winter-Ebmer, dados resultante contém 27.513
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observações que, mediante os pesos elevado comparativamente às mulheres
amostrais assumidos por metodologia (R$848,25 e R$833,79,
específica do IBGE, representam respectivamente). Em relação ao nível de
12.232.981 indivíduos da população escolaridade, identifica-se uma média de
brasileira, no período entre 8,56 anos de estudo para os indivíduos da
setembro/2008 a setembro/2009. amostra como um todo; no entanto, nota-
Observa-se que, desta amostra, as se que as mulheres possuem,
mulheres correspondem a 45,7%. Com aproximadamente, 1 (um) ano de estudo
relação ao acesso à Justiça, destaca-se a mais que os homens.
que 44,2% dos indivíduos acessaram o Com relação às características de
aparato policial em decorrência de localidade dos indivíduos em análise,
situações de violência criminal; sendo destaca-se que, em média, 92,5% dos
que, os homens apresentam maior entrevistados residem em zonas urbanas
percentual, 44,4% contra 43,9% das do país. Em relação às grandes regiões
mulheres. Ainda com relação ao perfil geográficas brasileiras, observa-se pouca
dos entrevistados desta amostra, nota-se variação na proporção de homens e
que 51,8% se autodeclaram negros, mulheres na composição da média
47,6% são casados e a idade média é de, amostral em cada região, seguindo a
aproximadamente, 38 anos. média da amostra total. As regiões com
No que tange ao rendimento maior participação nesta amostra são as
domiciliar mensal per capita, verifica-se regiões Sudeste e Nordeste e a região
uma média de R$841,67 para cada com menor participação é a Centro-
indivíduo do domicílio; sendo que, para Oeste.
os homens esse rendimento é mais

Tabela 1 - Estatística descritiva com a média das variáveis utilizadas no estudo


Amostra
Variáveis Descrição Homens Mulheres
total
Acesso à 1 se acessou o sistema Judiciário, 0
0,461 0,462 0,460
Justiça caso contrário
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Mulher 1 para mulher, 0 para homem 0,457 0 1
Negro 1 para negro, 0 para branco 0,518 0,528 0,506
Casado 1 para casado, 0 para solteiro 0,476 0,508 0,434
Idade Idade (anos) 38,69 38,87 38,46
Renda mensal per capita do
Renda 841,67 848,25 833,79
domicílio (em R$)
Escolaridade Anos de estudo 8,56 8,18 9,00
Região 1 para zona urbana, 0 para zona rural
0,925 0,908 0,945
censitária
Norte 1 para região Norte, 0 caso contrário 0,099 0,099 0,097
1 para região Nordeste, 0 caso
Nordeste 0,284 0,284 0,283
contrário
1 para região Centro-Oeste, 0 caso
Centro-oeste 0,084 0,083 0,086
contrário
1 para região Sudeste, 0 caso
Sudeste 0,396 0,385 0,409
contrário
Sul 1 para região Sul, 0 caso contrário 0,137 0,148 0,125
Observações (amostra) 27.513 14.846 12.667
Observações (com pesos amostrais) 12.232.981 6.648.989 5.583.992
Fonte: Elaboração dos autores, com dados da pesquisa.

4.1 Efeito da identidade de gênero intuito de obter um modelo


sobre o acesso à Justiça no Brasil adequadamente ajustado, procedeu-se a
Nesta subseção, apresentam-se comparação entre os modelos probit e
os resultados das estimações da Equação logit. A Tabela 2 apresenta os
(9), que tem o objetivo de verificar se coeficientes estimados para os dois
existe um diferencial entre homens e modelos mencionados, bem como os
mulheres, vitimados por crimes de furto erros-padrão robustos em parênteses,
e/ou roubo e/ou agressão física, quanto ajustados para 27 clusters (em nível de
ao acesso à Justiça no Brasil, para o Unidade Federativa). Verifica-se que em
período entre setembro/2008 a ambos os modelos, evidencia-se
setembro/2009. Primeiramente, com o significância estatística para quase todos
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os parâmetros, exceto para a variável de probabilidade de acessar o aparato de
Região censitária. Além disso, através do Justiça. Além disso, nota-se que à
teste de Razão de Máxima medida que se eleva a idade dos
Verossimilhança (LR), observa-se o indivíduos, maior é a probabilidade de
correto ajustamento dos modelos busca por este aparato de resolução de
estimados. Nota-se que para a análise do conflitos. Em relação aos atributos
acesso à Justiça, a regressão logit12 se socioeconômicos, verifica-se que ao
revela melhor ajustada e eficientemente passo que se eleva o nível de rendimento
mais adequada, comparativamente à (renda domiciliar mensal per capita) e de
estimação probit, seja pelos coeficientes escolaridade (anos de estudo) maior a
parciais, como pelos erros-padrão probabilidade de acessar a Justiça.
robustos. Além disso, pelo Critério de Resultados, estes, também encontrados
Informação de Akaike (AIC*), para o por Truzzi (2019).
qual o menor valor de AIC representa o Estes resultados corroboram os
melhor modelo, comprova-se a resultados de França et al. (2015), que
preferência pelo modelo logit. investigaram se a solução de conflitos
A análise dos coeficientes por meio do acesso à Justiça no Brasil
parciais estimados pelo modelo logit condiciona-se por características
(Tabela 2), demonstra que, em relação às individuais. Conforme os autores
características individuais, dentre os destacam, é de se esperar que não exista
indivíduos vitimados por crimes de furto rivalidade no consumo desse bem, ou
e/ou roubo e/ou agressão física, as seja, o acesso à Justiça, pelo fato de que
mulheres e as pessoas negras, de modo a busca pelo sistema Judiciário apresenta
geral, apresentam menor probabilidade características de bem público, além de
de acessar a Justiça, em comparação, imparcialidade e acessibilidade. Os
respectivamente, aos homens e os resultados, obtidos no estudo desses
indivíduos brancos. Por seu turno, autores, elucidam que embora o acesso à
indivíduos casados possuem maior Justiça tenha características de não

12
De acordo com Pohlman e Leitner (2003), seja modelos logit, as regressões logit se mostram
devido à característica da distribuição acumulada mais adequadas e eficientemente melhor
logística, suavizando as variações dos ajustadas, comparativamente às regressões
coeficientes parciais estimados, seja pela relativa probit.
simplicidade matemática característica aos
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rivalidade e não exclusão, características Justiça. Além disso, os autores trazem
individuais como, idade, renda, que quanto maior a desigualdade de
escolaridade, cor, sexo, entre outras, renda (mensurada pelo coeficiente de
podem ter efeitos sobre o acesso à Gini) menor é o acesso à Justiça.

Tabela 2 - Resultados das estimações probit e logit para acesso à Justiça (Brasil, 2009)
(1) (2)
Acesso à Justiça
Probit Logit
-0,0298* -0,0490*
Mulher
(0,0162) (0,0262)
-0,0995*** -0,1591***
Negro
(0,0220) (0,0354)
0,0832*** 0,1337***
Casado
(0,0263) (0,0423)
0,0037*** 0,0060***
Idade
(0,0012) (0,0020)
0,0682*** 0,1097***
Renda
(0,0080) (0,0129)
0,1738*** 0,2825***
Escolaridade
(0,0326) (0,0536)
-0,0355 -0,0567
Região censitária
(0,0550) (0,0891)
-0,8667*** -1,4026***
Constante
(0,0948) (0,1545)
Região geográfica Sim Sim
Observações 21.472 21.472
Teste LR 636,874 637,949
P-valor LR 0,000 0,000
Count-R2 0,581 0,581
AIC* 28.976,67 28.975,59
Fonte: Resultados da Pesquisa.
Nota(1)Erros-padrão robustos em parênteses e ajustados para 27 clusters (em nível de Unidade Federativa).
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*** p<0,01, ** p<0,05, * p<0,1.(2) Tanto a renda quanto a escolaridade então na sua forma logarítmica.

No Brasil, a despeito de realizar os processos e ações jurídicas.


históricos esforços e movimentos sociais Além disso, deve-se levar em
reivindicando a igualdade de gênero, consideração outras formas de
persistem profundas diferenças entre discriminação em relação às mulheres, as
homens e mulheres em diversos quais, principalmente em países em
aspectos. Nesse sentido, ainda que, na desenvolvimento, muitas vezes não são
média, como demonstram os dados desta passíveis de qualquer
pesquisa, as mulheres possuam mais mensuração/quantificação e que podem
anos de estudo comparativamente aos refletir na desigualdade de gênero tanto
homens, as diferenças salariais em relação à renda quanto ao acesso à
permanecem, consolidando um cenário Justiça.
em que os homens auferem maior nível A Tabela 3, por seu turno,
de rendimento. Estes resultados, nesse apresenta os resultados da decomposição
sentido, já oferecem indícios de um de Oaxaca-Blinder entre os efeitos,
possível canal indireto de reprodução das característica (parcela “explicada”) e
desigualdades de acesso ao aparato de preço (parcela “não-explicada”), para a
Justiça entre homens e mulheres no análise do acesso à Justiça no Brasil.
Brasil. Ou ainda, a existência de outros Nota-se que a diferença quanto ao acesso
tipos de discriminação de gênero, como à Justiça entre os grupos de homens e
a discriminação salarial que condiciona a mulheres, ponderado pelas respectivas
situação de menor nível salarial pelas populações em cada grupo, é
mulheres comparativamente aos estatisticamente significativa.
homens, infere uma restrição a recursos Controlado pelos blocos de
financeiros por este grupo, que como características individuais,
argumentado por Anderson (1999), se socioeconômicas e de localidade,
constitui em elemento essencial para que observa-se que, dentre os indivíduos
os indivíduos tenham acesso aos vitimados por crimes de furto e/ou roubo
recursos legais disponíveis, sendo e/ou agressão física, em média, as
capazes de custear e efetivamente mulheres apresentam 45,85% de
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probabilidade de acessar o aparato de e/ou roubo e/ou agressão física). De
Justiça, contra uma maior probabilidade modo geral, esse efeito é explicado
para os homens, da ordem de 47,02%; ou apenas pela parcela “não-explicada”
ainda, existe uma diferença de (efeito-preço) desse diferencial,
aproximadamente 1,17 pontos oferecendo indícios de que um
percentuais, entre ambos os grupos, componente subjetivo, possivelmente a
revelando que, proporcionalmente aos discriminação de gênero, contribui para
homens, as mulheres procuram menos o essa adversidade no acesso à Justiça
aparato Jurídico quando submetidas a entre homens e mulheres.
uma situação de violência criminal (furto

Tabela 3 - Resultados da decomposição de Oaxaca-Blinder para acesso à Justiça (Brasil,


2009)
Acesso à Justiça OB (Brasil)
0,4702***
Homens
(0,0196)
0,4585***
Mulheres
(0,0194)
0,0117*
Diferença
(0,0063)
-0,0001
Explicada
(0,0019)
0,0118*
Não-explicada
(0,0061)
Explicada
0,0055
Características individuais
(0,0047)
Características -0,0074
Socioeconômicas (0,0049)
Características de localidade 0,0017
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(0,0021)
Não-explicada
0,0032
Características individuais
(0,0227)
Características 0,0993
Socioeconômicas (0,0554)
-0,0081
Características localidade
(0,0469)
-0,0827
Constante
(0,0807)
Observações 21.472
Fonte: Resultados da Pesquisa
Erros-padrão robustos em parênteses e ajustados para 27 clusters (em nível de Unidade Federativa); ***
p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1.(2) Tanto a renda quanto a escolaridade então na sua forma logarítmica.

Quando analisado o efeito- podem contribuir para este cenário de


preço, ainda que individualmente os desigualdades quanto ao acesso à Justiça
blocos de características individuais, em nosso país.
socioeconômicas e de localidade não se Uma questão interessante que
sejam estatisticamente significativos, o pode elucidar o fato de que o
modelo estimado revela que em conjunto componente de “efeito-preço” explique a
estes três blocos de características são diferença de acesso à Justiça entre
significativos estatisticamente para a homens e mulheres é a motivação, para
composição desta parcela “não- ambos os sexos, para não procurarem o
explicada” do diferencial de acesso à aparato jurídico em busca de uma
Justiça entre os grupos de homens e solução do conflito. O questionário da
mulheres. Nesse sentido, evidenciam-se PNAD (2009), em seu Suplemento de
os possíveis mecanismos de reprodução Vitimização e Acesso à Justiça, permite
subjetiva deste fenômeno tão complexo, que essa informação seja verificada. A
ou seja, que demais tipos de análise dos microdados mostra que
discriminação, como a racial, também existem vários motivos pelos quais os
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indivíduos não acessam a Justiça13. Esta situação, ademais, de forma
Dessa forma, aproximadamente 16% dos complementar a estatística descritiva da
indivíduos - de ambos os sexos - que não base de dados e à estimação logit, sugere
procuraram a Justiça como meio para evidências acerca do caráter subjetivo
solução de conflitos afirmaram que o deste diferencial de acesso à Justiça entre
processo demoraria muito. ambos os sexos, dado que com relação às
Além disso, 54,22% e 45,78% características observáveis
dos homens e mulheres, determinantes a esse acesso, como o
respectivamente, declararam descrença nível educacional - que implica na
no sistema judiciário; também foi habilidade institucional do indivíduo,
relatado desconhecimento acerca da segundo Anderson (1999) -, não se
possibilidade de se utilizar a Justiça, com verifica importantes e significativas
frequência de 46,29% e 53,71% para discrepâncias entre homens e mulheres.
homens e mulheres, respectivamente.
Portanto, percebe-se uma porcentagem 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
semelhante no que diz respeito aos A desigualdade de gênero é um
motivos supracitados entre ambos os problema arraigado em muitos países,
sexos. Por seu turno, dentre os sobretudo em nações menos
indivíduos que relataram não buscar o desenvolvidas. O acesso à Justiça pelas
Judiciário por medo de represálias da(s) mulheres pode ser um indicativo do
outra(s) parte(s) envolvida(s), 60,89% empoderamento feminino, uma vez que
eram do sexo feminino, contra 39,11% frente a um problema elas tomam sua
do sexo masculino. Em conjunto, estes decisão de recorrerem à Justiça para que
dados revelam o amplo seus direitos sejam atendidos. Conforme
desconhecimento da população problematizado neste estudo, a
brasileira com relação aos mecanismos consolidação da cidadania, através de
jurídicos de proteção social, além de uma dispositivos que assegurem as liberdades
profunda descrença acerca da eficiência individuais dos cidadãos é determinante
do sistema de Justiça. para o bem-estar social, permitindo a

13
Nesta estatística, utiliza-se o acesso à Justiça abranger Justiça (de forma geral) ou Juizado
no sentido de mover uma ação judicial formal Especial (antigo juizado de pequenas causas).
contra a outra parte no conflito, podendo
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dinamização do processo de existe um diferencial entre homens e
desenvolvimento e crescimento mulheres quanto ao acesso à Justiça no
econômico nacional. Dentre os direitos Brasil. Os resultados mostram que essa
constitucionalmente proclamados em desigualdade existe, e que os homens
nossa magna carta, o acesso à Justiça se acessam mais à Justiça quando
apresenta enquanto mecanismo submetidos a um ato de violência
elementar de proteção social. Além criminal do que as mulheres. Além disso,
disso, como argumentado, um aparato por meio da metodologia de Oaxaca-
jurídico, estruturalmente constituído, Blinder, foi possível identificar que esse
também se apresenta enquanto promotor diferencial é explicado pela componente
do desenvolvimento econômico dos de “efeito-preço”, também denominado
países. de “termo de discriminação”, oferecendo
A isonomia de tratamento pelo indícios da discriminação de gênero
Poder Judiciário, bem como condições expressa pela condição de acesso à
igualitárias de educação e renda a todos Justiça em nosso país. Ainda que
os cidadãos, independente de historicamente no Brasil várias políticas
gênero/sexo, etnia/raça, cultura e credo, tenham sido formuladas e
se coloca como aspecto elementar para implementadas para que as mulheres
qualquer nação que se anseia próspera e recebam suporte quando submetidas a
virtuosa. Um país desenvolvido é capaz um ato violento, como a criação da
de oferecer melhores oportunidades para “Delegacia da Mulher” e de
todos seus cidadãos, proporcionando organizações/instituições de
condições para aqueles que, na ausência acolhimento e encaminhamento das
disso, teriam dificuldades em romper mulheres em situação de violência, os
com certos tipos de armadilhas, dando, resultados encontrados neste estudo
portanto, bases para o desenvolvimento revelam que ainda há um longo caminho
de uma nação. a ser percorrido para que todos os
Diante deste cenário, o presente cidadãos brasileiros, homens e mulheres,
trabalhou buscou verificar se, quando recebam tratamento isonômico com
vitimados por crimes violentos como relação aos direitos constitucionalmente
furto e/ou roubo e/ou agressão física,
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proclamados e acessem de maneira atendimento necessário às mulheres,
igualitária o aparato de Justiça. para que sejam e se sintam de fato
Como discutido nos resultados acolhidas pelo Estado e pela sociedade.
deste estudo, as mulheres são a maioria Uma das limitações deste
entre aqueles que não acessam a Justiça trabalho trata-se do problema de variável
quando vitimadas por crimes violentos omitida. Para que o resultado seja uma
como furto e/ou roubo e/ou agressão medida exata da discriminação no acesso
física. Além disso, comparativamente à Justiça, todos os fatores que
aos homens, as mulheres reportaram determinam esta variável devem estar
maior desconhecimento acerca da presentes no modelo. Se não estiverem,
possibilidade de se utilizar esse aparato, talvez por causa das limitações dos dados
bem como, relataram com maior e, portanto, tenham sido excluídos ou
frequência o fato de não buscarem o contenham erros de medição, o resíduo
Judiciário por medo de represálias. também refletirá essas influências
Dessa forma, ampliar a disseminação de omitidas e, assim, super/subestimará a
informações sobre instituições e extensão da discriminação.
organizações que oferecem proteção, Outra limitação diz respeito à
apoio e acolhimento às mulheres em possibilidade de haver subnotificação
situação de violência, à exemplo da dos crimes de roubo, furto e agressão. No
“Delegacia da Mulher”, promovendo entanto, espera-se que as subnotificações
ações focalizadas em bairros e espaços afetem da mesma forma ambos os
públicos, especialmente nos mais grupos, de homens e mulheres, para
pobres, se coloca como mecanismo roubo e furto. Contudo, no caso das
elementar no combate ao fenômeno de agressões físicas, acredita-se que haja
criminalidade, de modo geral, e de maior número de subnotificação por
violência de gênero de forma específica. parte das mulheres, dado que, como
Se possível, que se possa contar com o apresentado em alguns estudos sobre
apoio e presença de profissionais vitimização, grande parte dessa violência
especializados e envolvidos no processo, é praticada por cônjuges ou ex-cônjuges,
como de advogados, policiais e que podem provocar algum tipo de
psicólogos, com a finalidade de prover o coação sobre as mulheres vítimas. No
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entanto, isso não invalidaria as análises Anderson, Michael (1999), "Access to
aqui estimadas, uma vez que os justice and legal process: making legal
resultados estariam apenas institutions responsive to poor people in
subestimados. Sendo assim, o diferencial LDCs." WDR 2000 Conference.
de acesso à Justiça entre os sexos, assim
como os efeitos das variáveis aqui Ardaillon, Daniell, (1989), "Estado e
utilizadas sobre ele são pelo menos de mulher: Conselhos dos direitos da
igual magnitude aqueles encontrados mulher e delegacias de defesa da
neste trabalho. mulher." Relatório Final, São Paulo,
Fundação Carlos Chagas.
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