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Paris em 1831

(La Caricature, 10 de março de 1831)


por
Honoré de Balzac
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O paraíso das mulheres,


O purgatório dos homens,
O inferno dos cavalos.
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Lugar de contrastes, centro de lamas, de excremento e de


maravilhas, do mérito e das mediocridades, da opulência e da miséria,
do charlatanismo e das celebridades, do luxo e da indigência, das
virtudes e dos vícios, da moralidade e da depravação;

Onde os cachorros, os macacos e os cavalos são melhor tratados


que os humanos;

Onde vemos homens ocuparem funções de cavalos, de macacos


e de cachorros;

Onde certos cidadãos seriam bons ministros e onde certos


ministros são maus cidadãos;

Onde mais se vai ao teatro e onde mais se fala mal dos atores;

Onde há pessoas razoáveis e outras que queimam a cabeça ou


andam de balão;

Onde os republicanos são mais descontentes desde que eles têm


a melhor das repúblicas;

Onde menos se tem bons costumes e mais existem moralistas;

Onde mais há pintores e menos existem bons quadros;


Onde, em todo lugar, há remédios para todos os maus, médicos
muito hábeis, e entretanto o maior número de doentes;

Onde mais há Carlistas que quando o soberano se chamava


Carlos X;

Onde mais há estrangeiros e provincianos que parisienses;

Onde mais há religiões, mas onde as igrejas são vazias;

Onde há mais jornais que assinantes;

Onde ainda se vê, em vários monumentos, um galo, uma águia e


uma flor de lis;

Onde há a melhor polícia do mundo e o maior número de roubos;

O maior número de filantropos, de locais de caridade, de


hospitais, e entretanto onde mais há infelizes!

Paris é motivo de inveja para aqueles que jamais a viram; de


felicidade ou infelicidade (segundo a fortuna) para aqueles que moram
nela, mas sempre de lamentações para aqueles que são forçados a
deixá-la.

Paris também é o objetivo de todos. Cada um vai até ela, e cada


um por uma razão particular.

O provinciano ocioso e opulento vem para respirar e absorver o ar


do bom tom, e ao mesmo tempo servir de presa fácil à exploração da
inexperiência interiorana;

O estrangeiro milionário, para conhecer as curiosidades dela,


beber seus vinhos deliciosos, jantar nos Frères Provençaux e saber
como são feitos os calçados das dançarinas da Ópera;
O estudante, para fazer seu direito fazendo as delícias das
grisettes;

O homem estudioso, para aprender;

O talento, para se fazer admirar;

O ambicioso, para chegar lá;

A jovem campesina, para se desembaraçar;

O deputado, para votar;

O malandro, para fazer falarem dele;

O escritor, para ser lido;

O tenente, para virar capitão;

A beleza, para intrigar;

O gênio, para brilhar;

O homem de projetos, para explorar;

O industrial, para se ocupar;

Todos encontram o que vieram procurar, e é do choque de todos


esses diversos interesses, é do contato de todas essas sortes de
indústrias, desses numerosos talentos em mil eixos, de todas essas
imaginações aplicadas ao trabalho, às pesquisas, às descobertas, que
nascem essa atividade, esse movimento contínuo de fabricação, esses
prodígios da arte e da ciência, essas melhorias cotidianas, essas
concepções eruditas e engenhosas; enfim, essas admiráveis maravilhas
que tomam, admiram, surpreendem, cativam e fazem, geralmente, Paris
ser considerada como sem igual no Universo. Receptáculo geral de
todas as criações estrangeiras, uma homenagem universal é um justo
tributo pago à sua opulência: assim, as produções animais, vegetais,
minerais, aquáticas e industriais de todas as partes do globo chegam a
postos para satisfazer as enormes necessidades de seu consumo, e
seu luxo acapara, devora e aniquila em um só dia o fruto do trabalho de
vários povos, durante inúmeros anos.

Essa necessidade contínua de tudo que aproxima e envolve, essa


frequência de relações entre todas as classes da sociedade constitui a
amável polidez que caracteriza os parisienses e contribui ao mantimento
da cordial familiaridade que existe entre todos os habitantes da grande
cidade, sem distinção de classes ou condições, mesmo nos dias em que
não se abraçam reciprocamente nas ruas, como em 1811, 1815 ou
1830. Todos são confundidos igualmente na multidão: cada um se
distingue por suas funções, seu talento ou sua fortuna. Mas, em meio ao
rápido turbilhão da vida social que os arrasta juntos ao prazer ou aos
negócios que os reúnem, não existe nenhuma diferença humilhante
para aquele que não tem nem título, nem fortuna. Todos os homens são
iguais. Infeliz aquele que, embriagado por sua posição, faltaria com seu
inferior às regras da polidez estabelecida para todos! A provocação
legal do ofendido logo obrigaria ao ofensor uma estridente reparação, e
se a covardia o impedisse de satisfazê-la, nem sua classe, fosse ela a
mais alta, nem sua fortuna, fosse ela considerável, poderiam colocá-lo
ao abrigo do desprezo.

Em Paris, estadia da corte, dos ricaços e das grandezas, onde se


sacrifica tudo no presente, os títulos não são nada para a multidão; o
mérito é pouca coisa, e o dinheiro tudo! É a melhor recomendação e a
mais certa prerrogativa; ele equivale ao talento, ao gênio e à
consideração; ele não apaga nenhuma dessas qualidades, é verdade,
mas atinge os mesmos resultados, e é isso que faz a delícia do rico que
não se preocupa nem um pouco sobre a procedência da felicidade que
compra. Eis a primeira condição para ser feliz na capital do mundo; e a
segunda, que de resto observamos religiosamente, é o egoísmo. De
fato, ele é totalmente indispensável ao parisiense, do qual é o
salvo-conduto; pois, mesmo que tenhamos todos os tesouros do Peru,
seríamos imediatamente desfeitos deles se tivéssemos a intenção
caridosa de salvar todos os infelizes nessa bem-aventurada cidade de
Paris, onde não podemos dar um passo sem sermos assaltados por
miseráveis enfermos, desfilando suas feridas abertas, por mendigos
ágeis que nos descascam as orelhas com o barulho de seus cantos ou
de seus instrumentos bárbaros, pelos vendedores a céu aberto que
negociam pacotes de cura-dentes ou dão um golpe de vassoura nas
suas pernas em troca de uma esmola, pelos intrigantes que passam a
perna por subterfúgios e pelos ladrões patenteados que desfazem você
de seu relógio de pulso enquanto advertem, complacentemente, que
você vai perder seu lenço.

(Tradução de Augusto Darde)

Referência:

BALZAC, Honoré de. Les Parisiens comme ils sont. Paris: Flammarion,
2014.

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