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LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

Estudo sobre crônica

Noções conceituais

O vocábulo crônica, do grego chronikós, relativo a tempo (chrónos), pelo latim


chronica, mudou de sentido ao longo dos séculos. Empregado principalmente no início da era
cristã, designava uma lista ou relação de acontecimentos ordenados conforme a sequência
linear do tempo. Dessa forma, a crônica se limitava a registrar os eventos, sem
aprofundar-lhes as causas ou dar-lhes qualquer interpretação. A crônica moderna comumente
é publicada em jornal ou revista e muitas vezes reunida em coletâneas, concentra-se num
acontecimento diário que tenha chamado a atenção de escritores e semelhante à primeira vista
não apresenta caráter próprio ou limites muito precisos. Na verdade, classifica-se como
expressão literária híbrida ou múltipla, ou seja, é uma espécie de conto curto ou narrativa
condensada, que capta um flagrante da vida real ou imaginário, com ampla variedade
temática e num tom poético, embora coloquial da linguagem oral. Conserva a marca de
registro circunstancial feito por um “narrador-repórter” que relata um fato a diversos leitores.
É uma soma de jornalismo e literatura (daí a imagem do narrador-repórter).
A crônica é um gênero literário produzido, na sua essência, para ser veiculado na
imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas de um jornal. Quer dizer, ela é feita com
uma finalidade utilitária e predeterminada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre
igual e com a mesma localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas,
uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o leem.
Em regra geral, a crônica é um comentário leve e breve sobre algum fato do
cotidiano. Algo para ser lido enquanto se toma o café da manhã, na feliz expressão de
Fernando Sabino. O comentário pode ser poético ou irônico, mas o seu motivo, na maioria
dos casos, é o fato miúdo: a notícia em que ninguém prestou atenção, o acontecimento
insignificante, a cena corriqueira. Nessas trivialidades, o cronista surpreende a beleza, a
comicidade, os aspectos singulares. O tom, como acentua Antonio Candido, é o de “uma
conversa aparentemente banal”.
O próprio Fernando Sabino tem uma das melhores delimitações de crônica, dizendo
que ela “busca o pitoresco ou o irrisório no cotidiano de cada um”. Em outro momento, o
autor de O homem nu voltou a teorizar sobre o gênero: “Eu pretendia apenas recolher da vida
diária algo de seu disperso conteúdo humano. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta
perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou
num incidente doméstico, torno-me simples espectador”.

Linguagem

A mistura entre jornalismo e literatura leva o cronista a um frequente impasse: para se


constituir como texto artístico, o seu comentário sobre o cotidiano precisa apresentar uma
linguagem que transcenda a da mera informação. Ou seja, precisa de uma linguagem menos
denotativa e mais pessoal. Isso não significa elaboração muito sofisticada ou pretensiosa.
Significa que o estilo deve dar a impressão de naturalidade e a língua escrita aproximar-se da
fala. Nem sempre o cronista atinge o duplo alvo: fazer literatura e expressar-se com
simplicidade.
Em função do grande público, é preciso buscar primeiramente a clareza e uma
dimensão de oralidade na escrita. Daí porque a crônica seja considerada por muitos críticos
um gênero menor e aquela vontade de “forma” que todo o grande artista possui termina
subjugada pela necessidade de ser acessível a todos.
Além disso, o cronista tem prazos para entregar seu material, não podendo nunca
deixar seu texto amadurecer. Mesmo assim, alguns desses prosadores, que escrevem sob
pressão de horários rígidos, são capazes de alcançar uma linguagem literária de singular
beleza. Observe-se o fragmento de uma crônica de Rubem Braga:

Foi em sonho que revi longamente a amada; sentada numa velha canoa, na praia, ela me
sorria com afeto. Com sincero afeto – pois foi assim que ela me dedicou aquela
fotografia com sua letra suave de ginasiana. (...) Foi em sonho que revi a longamente
amada. Havia praia, uma lembrança de chuva na praia, outras lembranças: água em
gotas redondas, pingos d’água na sua pele de um moreno suave, o gosto de sua pele
beijada devagar... Ou não será gosto, talvez a sensação diferente que dá em nossa boca
uma pele de outra, esta mais seca e mais quente, aquela úmida e mansa. Mas de repente
é apenas essa ginasiana de pernas ágeis que vem nos trazer o retrato com sua
dedicatória de sincero afeto; essa que ficou para sempre impossível sem, entretanto, nos
magoar, sombra suave entre morros.

Proximidade com o outro

Nem só de comentários a respeito do dia a dia vive a crônica. Com relativa


frequência, ela se aproxima do conto. O gosto pela história curta, pelo diálogo ágil, pela
narrativa de final imprevisto e surpreendente e a unidade de ação, tempo e espaço levam
vários cronistas à prática mais ou menos disfarçada do conto.
Fernando Sabino e Luís Fernando Veríssimo são expoentes dessa modalidade. Vários
dos trabalhos que publicam na imprensa apresentam personagens e situações ficcionais
próprias desse gênero narrativo. Por exemplo, O homem nu, do primeiro, e a série Comédias
da vida privada, do segundo, são mais relatos do que comentários. Diante de tal embrulho
teórico, poderíamos considerar que o conto – ao contrário da crônica-conto – não tem as
limitações de linguagem, extensão e profundidade, exigidas pelos jornais. Apresenta, pois,
um grau maior de complexidade. Além disso, o conto, em estado puro, visa normalmente ao
dramático, enquanto a crônica-conto busca, de forma quase que exclusiva, o humor e a sátira.
No entanto, essa diferenciação só é perceptível aos alunos com a leitura contínua de contos e
de crônicas, tornando-se desnecessário o estabelecimento de uma rígida fronteira conceitual
entre ambos.
Popularidade do gênero

A quantidade de cronistas escrevendo na imprensa brasileira atesta a grande


repercussão do gênero. Para eles, trata-se de uma indispensável fonte de sobrevivência e de
prestígio social. Para os seus leitores, um momento de quebra do aspecto meramente
informativo da comunicação jornalística. Aliás, essa é a maior das contradições da crônica:
elaborada por alguns dos grandes escritores do país, ela aparece num meio impresso de
absoluta fugacidade. O jornal de hoje – como disse um crítico – no dia seguinte servirá
apenas para embrulhar peixe. A revista da semana passada só sobreviverá nos consultórios de
dentista.
Por isso, no desejo de resistir ao caráter descartável do jornalismo, vários cronistas
selecionam alguns de seus textos, que parecem menos perecíveis, para editá-los sob a forma
de livro. Tal providência, por seu turno, não garante a perenidade da obra, pois como a
crônica submerge nos acontecimentos diários, corre o risco de perder seu interesse
exatamente na medida em que aqueles fatos se tornarem passado e deixarem de atrair a
atenção. Assinale-se também que a crônica – por decorrer das necessidades dos jornais e das
revistas – não é praticada fora das salas de redação, desconhecendo-se escritores importantes
que a tenham composto apenas para publicação em livro, a exemplo das outras espécies
literárias.

Tipos de crônica

Podemos falar na existência de vários tipos de crônica, que muitas vezes se


confundem: lírica, poética, humorística, filosófica, ensaio, reflexiva, histórica, jornalística,
entre outras.
Aqui falaremos da crônica narrativa e da crônica argumentativa.
Antes é necessário ressaltar que crônica é um tipo de texto que aborda acontecimentos
do dia a dia em uma narração curta e situa-se entre o jornalismo e a literatura. Muito
encontrada nos meios de comunicação como revistas, jornais e rádios, tem como objetivo
fazer uma análise crítica das situações cotidianas, possibilitando ao leitor uma reflexão sobre
aquele assunto.
Por ter um texto mais simples e ser utilizada para descrever fatos do cotidiano, a
crônica facilita a aproximação do leitor, como uma conversa entre amigos, tornando a leitura
leve e divertida. Em geral, as crônicas tratam de temáticas comuns sobre assuntos que estão
na “boca do povo”, apresentando uma crítica de forma objetiva, sem muitos detalhes e,
muitas vezes, fora dos padrões textuais que estamos acostumados.
Em resumo, a crônica pode ser entendida como um retrato verbal particular dos
acontecimentos urbanos e, embora não seja uma regra, a crônica relata de forma diferenciada
as ocorrências, seja de forma artística, em tom crítico ou com humor.

Crônica narrativa

Na crônica narrativa, existe uma preocupação com o uso estético da escrita. Figuras
de linguagem, associações e imagens poéticas são utilizadas com o objetivo de desenvolver o
lirismo do texto, para sensibilizar ou divertir o leitor. Sua estrutura é narrativa, e os elementos
da narração normalmente são desenvolvidos da seguinte forma:

Espaço: é limitado (um bar, um quarto). Às vezes nem é citado.


Tempo: predomina o tempo cronológico. Ou seja, o cronista narra as ações na ordem em que
aconteceram, na maioria das vezes. É comum que sejam ambientadas no tempo presente,
mostrando a reação dos personagens ou do narrador sobre temas do cotidiano e refletindo
sobre esses temas.
Narrador: pode ser em primeira ou terceira pessoa. Frequentemente é representado pelo
próprio cronista, que se coloca como se estivesse observando a cena e expressa suas
considerações sobre ela.
Personagens: contém poucos, principalmente pela extensão do texto. Muitas vezes, são
planos, isto é, não se observam grandes evoluções ou mudanças de caráter do personagem ao
longo do texto.
Enredo: embora crônicas narrativas sejam textos de ficção, elas se constroem com base em
ações que seriam possíveis no cotidiano. Uma conversa entre amigos em um café, um pai
conversando com um filho, uma festa de aniversário são exemplos de situações que podem
ser enredo de uma crônica. É comum também a presença de diálogos.

O momento em que sua filha descobre a verdade sobre você


Antes mesmo de ter uma filha já morria de medo disso: algum dia ela vai perceber
que eu não sei de nada. Sim, porque é pra isso, em grande parte, que se tem filhos, pra
que alguém no mundo acredite, nem que seja por alguns anos, que você sabe alguma
coisa. E é por isso, também, que se odeia tanto os adolescentes: não é porque eles acham
que os pais são idiotas, mas porque eles perceberam que os pais são idiotas. No caso da
minha filha, a queda do mito paterno aconteceu um pouco mais cedo do que eu
imaginava, mais precisamente aos três dias de vida.
Minha filha não chorou quando nasceu. Só choramos nós, os pais, emocionados de
ter uma filha que não chora. Nasceu sorrindo, vê se pode, dizíamos nós, chorando. Depois
chorei outra vez quando ela mamou na mãe, e chorei de novo quando vi os avós vendo a
neta, e sendo avós pela primeira vez. Acho que foi ali que ela começou a suspeitar: quem
é esse cara chorando o tempo todo? Barbudo, trinta anos na cara, chorando desse jeito?
Será que ele tem algum problema?
A epifania aconteceu mesmo quando a gente chegou em casa e, pela primeira vez,
ela chorou. E a partir daí não parava de chorar. Mamava e chorava e mamava. No meio da
madrugada, quando a mãe dela dormia um sono merecido, peguei minha filha no colo e
fomos pra sala. Achei que fosse resolver no mano a mano.
Foi ali, só nós dois, no lusco-fusco, que ela percebeu tudo. Aos três dias de vida, vi
no fundo dos seus olhos que ela tinha descoberto que o seu pai não fazia a menor ideia do
que tava fazendo. E foi ali que ela começou a chorar de verdade.
Desculpa, cheguei a dizer, desculpa ter feito você nascer de um pai que não sabe de
nada, tanta gente escolada por aí e você veio parar logo na casa desse marinheiro de
primeira viagem, esse sujeito que tá chorando mais que você, desculpa, filha, desculpa. E
ela chorou mais ainda ao ver sua suspeita confirmada.
Desde então assisti milhões de vídeos no YouTube sobre como fazer um bebê parar
de chorar. Vira pro lado, shh, shh, oferece o mindinho, shh, shh, balança, suinga, shh, shh,
faz charutinho, shh, shh. Passou, passou, passou. Até agora não encontrei nenhum vídeo
sobre como fazer um pai parar de chorar.
Filha, vou precisar de você. Seu pai também, coitado, acabou de nascer. Tá
perdidinho. Me ensina a parar de chorar que nisso você já tá melhor que eu.

Gregório Duvivier
Jornal Folha de São Paulo, 22 de abril de 2018.

Crônica argumentativa

A crônica argumentativa é um texto que busca expressar um ponto de vista reflexivo a


respeito de alguma temática do cotidiano, evidenciando um ponto de vista, sem, no entanto,
ter o intuito definitivo de convencer o leitor, e sim de expressar sua opinião e provocar
possíveis reflexões.
As temáticas que inspiram as crônicas argumentativas são os acontecimentos e
elementos do cotidiano, experiências simples e comuns que são vividas por muitos, mas
observadas por poucos. Assim, o cronista busca expor o tema e também interpretações
inovadoras sobre ele.
A diferença da crônica argumentativa é justamente a evidência de um ponto de vista
de modo não usual, pois não se restringe à argumentação lógica com comprovação de fatos,
tampouco objetiva provar a verdade, mas abrange a hibridez do gênero crônica, permitindo a
integração de elementos dramáticos, irônicos, poéticos e outros que caibam ao texto.
A estrutura da crônica argumentativa divide-se em:
Exposição do tema: momento inicial da crônica na qual o autor apresenta os elementos
primordiais do tema, introduzindo o leitor no cenário ou no assunto;
Posicionamento do autor sobre o tema: após uma apresentação inicial, comumente se
apresentam o posicionamento do autor, a tese ou o ponto de vista dele a respeito da temática
trabalhada;
Argumentação: apresentação de elementos que aprofundam e solidificam o ponto de vista
do autor sobre;
Conclusão: síntese ou reflexão final a respeito do assunto.

Crônica do Amor
Por Arnaldo Jabour

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os
honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor
acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano.
Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento
que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se
revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu,
você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol,
você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais
viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem
nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo
que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e
é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você
não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na
boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?
Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos
filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica
também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu
corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco.
Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é
imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo
desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma
equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente
pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons
pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é
a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.
Referência bibliográfica

MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa II. 18. ed. São Paulo: Cultrix, 2003.
<https://brasilescola.uol.com.br/redacao/a-cronica.htm>
<https://mundoeducacao.uol.com.br/redacao/cronica-narrativa.htm>
<https://mundoeducacao.uol.com.br/redacao/a-cronica-argumentativa.htm>

Material complementar

* Assista aos vídeos sugeridos abaixo


https://www.youtube.com/watch?v=2XcMASxk4oM – Crônica
https://www.youtube.com/watch?v=XRSynsxUaUM – Crônica narrativa
https://www.youtube.com/watch?v=eVBM_Y5T9Qc – Crônica argumentativa

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