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A ELABORAÇÃO LEGISLATIVA
A presente obra compõe-se de uma coletânea de artigos
que partem de uma premissa comum: a de que o processo
legislativo está a merecer um olhar mais atento e reflexivo dos
estudiosos, para além de abordagens meramente descritivas
do fenômeno procedimental. É preciso encarecer a relação
A elaboração
umbilical entre processo legislativo e democracia, tendo
presente que as muitas vicissitudes verificadas na gênese da
legislativa em
lei comprometem o aperfeiçoamento democrático do País.
Daí a relevância de se submeter o processo de elaboração perspectiva crítica
legislativa a uma análise crítica e reflexiva, a partir de
múltiplas perspectivas.
A elaboração
legislativa em
perspectiva crítica
Bernardo Motta Moreira
José Alcione Bernardes Júnior
Coordenação
ISBN: 978-65-89426-00-4
CDU: 340.134(81)
SUMÁRIO
9 APRESENTAÇãO
Os coordenadores
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1
LEVANDO O MODO
DE PRODUÇÃO
DOS DIREITOS A
SÉRIO: O DIREITO
FUNDAMENTAL AO
DEVIDO PROCESSO
LEGISLATIVO
José Alcione Bernardes Júnior*
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
novo código civil”, “A lei de responsabilidade fiscal comentada”,
“O novo marco regulatório da internet”, “Comentários à lei anti-
corrupção”, e vai por aí afora. Rios de tinta resultam da reflexão
sobre o direito positivo. Mas e quanto ao modo de positivação
desse direito? E quanto ao caminho trilhado para que se chegue
àquela legislação?
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
a máxima de que o tempo se vinga das coisas que são feitas sem
a sua colaboração. Entre nós é comum a chamada “legislação do
pânico”, quando então, diante de casos rumorosos, que causam
grande comoção social, os nossos legisladores tentam resolver a
questão a golpes de caneta.
Mesmo na sociedade em geral, verifica-se um evidente desa-
preço em relação ao processo de elaboração legislativa. É certo
que, com a redemocratização do País e o advento da Constituição
de 88, houve um tendencial aumento da conscientização das pes-
soas acerca de seus direitos, e a própria Lei Maior, não sem razão,
recebeu a alcunha de Constituição Cidadã, sobretudo em virtude
dos inúmeros direitos nela consignados.
É muito bom as pessoas despertarem para a conscientização de
seus direitos, mas em termos de cidadania, mais relevante ainda
é conscientizar-se da importância do seu modo de produção e
ainda engajar-se na construção desses direitos. Há uma relação
de precedência lógica aqui. Quem se preocupa e se envolve com
a construção do arcabouço legislativo sob o qual deverá nortear
suas condutas é conhecedor dos direitos (e dos deveres) em um
grau bem maior do que o daquele que só se preocupa em saber,
ao fim e ao cabo, quais os direitos que lhe assistem.
Portanto, é urgente que haja um esforço voltado para o res-
gate da relevância do processo de elaboração legislativa, e de seu
profundo significado, nessas várias instâncias – ensino jurídico,
dogmática e jurisprudência – e mesmo na sociedade em geral.
É claro, que quanto a essa última, não se deve exigir dos cida-
dãos um maior aprofundamento e a expertise na matéria, nem o
conhecimento técnico do processo legislativo, mas, pelo menos,
um interesse maior pelos assuntos públicos e noções básicas da 21
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tramitação de um projeto de lei, bem como uma visão geral dos
meios de que a sociedade dispõe para influenciar de algum modo
a agenda política.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
“processo legislativo é um conjunto de atos preordenados visando
a criação de normas de Direito. Esses atos são: (a) iniciativa legisla-
tiva; (b) emendas; (c) votação: (d) sanção e veto; (e) promulgação
e publicação”. (SILVA, 1995, p. 496-497).
Por seu turno, Cristiano Viveiros de Carvalho sublinha o aspecto
“político” do processo de elaboração legislativa ao conceituá-lo
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
condições processuais da gênese democrática das leis asseguram
a legitimidade do direito.” (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 326).
Assim, na linha habermasiana, a institucionalização jurídica de
mecanismos procedimentais voltados para a formação discursiva
da vontade e da opinião públicas torna-se tanto mais necessária
em face de uma sociedade hipercomplexa, plural, em que inexiste
a possibilidade de se eleger uma eticidade substantiva conforma-
dora da sociedade como um todo. Essa postura teórica se mostra,
pois, mais condizente com o pluralismo e a complexidade que
marcam as sociedades contemporâneas, e supera o reducionismo
próprio de uma visão substantivante do discurso político, que des-
considera precisamente toda essa heterogeneidade.
Trata-se, pois, da institucionalização de mecanismos jurídicos
que propiciem a instauração de um debate público o mais amplo
possível e condições simétricas de participação entre as diversas
correntes político-ideológicas com assento no Parlamento, de
modo que a norma que daí resulte seja efetivamente uma norma
de integração.
A partir desse enfoque reflexivo, é possível dizer que o pro-
cesso de elaboração legislativa constitui uma técnica de que se
vale o direito para articular e coordenar as múltiplas vontades que
se entrecruzam para a formação do ato legislativo. Ou, por outra:
trata-se de um mecanismo seletivo de escolha dos valores sociais a
serem positivados, isto é, transformados em normas jurídicas, de
modo a receberem a tutela estatal.
Dessa perspectiva conceitual, resulta claro que os procedimen-
tos de elaboração legislativa, longe de serem meras formalidades,
constituem, antes, condição de possibilidade da gênese democrá-
tica da lei. São, pois, condição para que haja igualdade e liber- 25
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dade no momento de criação das normas regentes da vida social.
Daí dizer-se que forma e conteúdo estão imbricados e expressam
a relação entre legalidade e legitimidade.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
As medidas provisórias consistem em atos normativos expedi-
dos privativamente pelo chefe do Executivo, com força de lei, para
fazer face a situações de relevância e urgência. O texto original da
Constituição Federal de 88 estabelecia que as medidas provisórias
deveriam ser submetidas de imediato ao Congresso Nacional, que
teria o prazo de 30 dias para sobre elas deliberar. Se não fossem
convertidas em lei no referido prazo, elas perderiam a eficácia,
desde a edição, devendo o Congresso Nacional disciplinar as rela-
ções jurídicas delas decorrentes (Art. 62). Posteriormente, a dis-
ciplina constitucional das medidas provisórias sofreu substancial
alteração por meio da Emenda Constituicional nº 32, conforme
veremos adiante.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
não foi suficiente para refrear a avalanche de medidas provisórias
editadas pelo presidente da República4.
Quanto à exigência constitucional de que o Congresso discipli-
nasse as relações jurídicas decorrentes de medidas provisórias não
convertidas em lei, na prática, simplesmente se ignorava olimpi-
camente tal preceito.
Outra distorção evidente na tramitação das medidas pro-
visórias, ainda sob a égide da redação original da Constituição
Federal, refere-se às sucessivas reedições desses atos normativos.
Com isso, uma mesma medida provisória era indefinidamente
reeditada, e algo que era para ser provisório – ao menos até
que houvesse uma decisão emanada do Congresso Nacional –
estendia sua vigência de modo indefinido. Como resultado prá-
tico, a medida provisória perde precisamente aquilo que deveria
caracterizá-la, isto é, a sua capacidade de conciliar, de um lado, a
necessidade urgente de normatização estatal, e de outro, a super-
veniente legitimação democrática dessa decisão pelo Parlamento.
Também aqui resulta evidente mais um exemplo, entre tantos,
de descaso para com o processo legislativo e de inoperância do
Poder Legislativo, que cede passo para o Executivo no que res-
peita ao protagonismo normativo, muito embora a Constituição
da Repúbica outorgue ao Parlamento o exercício, em caráter pre-
ponderante, da função legislativa.
Uma medida provisória, a que tratava dos títulos da dívida
pública de responsabilidade do tesouro nacional, teve 88 reedi-
ções! Também foi reeditada diversas vezes a medida provisória
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
decurso de prazo sem deliberação parlamentar. Contudo, desta
feita, como que já antevendo a habitual e recorrente inércia
legislativa em matéria de medida provisória, o constituinte deixou
expresso que, não editado o referido decreto legislativo no prazo
de 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia da medida provisó-
ria, consolidam-se as relações jurídicas constituídas e decorrentes
de atos praticados sob sua vigência.
Mas a alteração mais impactante, relativa ao trancamento da
pauta, veio inscrita no § 6 do art. 62, o qual estabelece que, se a
medida provisória não for apreciada no prazo de 45 dias contados
de sua publicação, entrará em regime de urgência, em cada uma
das Casas Legislativas, sobrestando-se, até ultimar-se a votação,
todas as demais deliberações da Casa onde estiver tramitando.
Ocorre que a prática reiterada foi a de ausência de delibera-
ção parlamentar acerca das medidas provisórias, de modo que se
tornou comum o trancamento da pauta do Legislativo. Vale dizer,
aos abusos no exercício da função legiferante pelo Executivo,
somou-se a monopolização da agenda política por aquele Poder.
Essa habitual desídia do Parlamento para com a tramitação das
medidas provisórias se mostrou também presente no que respeita
à exigência constitucional de que comissão mista do Congresso
emitisse um parecer sobre o atendimento dos pressupostos
constitucionais de sua edição. Simplesmente não se cumpria
tal comando constitucional. Esse foi um dos argumentos, entre
outros, a embasar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 40295,
movida pela Associação Nacional dos Servidores do Ibama para
5 ADI nº 4029, relator: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 08/3/2012,
Acórdão Eletrônico; DJe – 125 Divulgação: 26 jun. 2012; Publicação 27 jun.
2012. 31
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impugnar a Lei nº 11.516/2007, que criou a autarquia federal Ins-
tituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.
Tal lei originou-se da MP 366/2007. Arguiu-se a inobservância do
rito próprio das medidas provisórias, em especial a inexistência do
parecer prévio de comissão mista antes da deliberação legislativa,
conforme determina a Constituição. Nessa ação, o STF decidiu
pela obrigatoriedade do parecer da comissão mista, declarando a
inconstitucionalidade de disposições da Resolução nº 1, de 2002,
do Congresso Nacional, as quais, ao prever a possibilidade de
parecer em plenário, na prática, esvaziavam o comando consti-
tucional que exigia o mencionado parecer emanado da comissão.
Porém, o STF modulou os efeitos de sua decisão, projetando-os
daquele momento para o futuro, à vista do quadro de grande
insegurança jurídica que adviria, caso não houvesse a modulação,
diante das inúmeras leis já em vigor que se originaram de medidas
provisórias eivadas do mesmo vício.
Ante tudo o que foi dito sobre as medidas provisórias, desde
o texto original da Constituição Federal, passando pela Emenda
nº 32, conclui-se que o nosso problema não é de fragilidade nor-
mativa, mas de fragilidade institucional. Reiteramos: não se leva
o processo legislativo a sério. Tem-se um Executivo que abusa
das medidas provisórias, um Judiciário leniente e tímido ante
tais abusos e um Legislativo que renuncia a suas prerrogativas.
E, certamente, a superação desse quadro não passa pela simples
edição de novas normas. Já tivemos ocasião de dizer que a lei
é tão somente um elemento operativo de todo um complexo
contextual de que se compõe o direito, e que é essencial mudar
a gramática das práticas sociais intersubjetivamente compartilha-
das, pois são essas que são atributivas de significado aos signos
linguísticos (BERNARDES JÚNIOR, 2019). E a Emenda Constitucio-
nal nº 32/2001 o demonstra de modo claro, pois introduziu uma
série de restrições para a edição das medidas provisórias – limita-
ção material, proibição de reedição, imposição de parecer prévio
32 de comissão mista – e, ainda assim, a média anual de edição de
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medidas provisórias subiu de 44, no período de 1988 a 2000, para
60,7, no período de 2001 a 2008. É o que nos mostra Gobatto,
em minucioso estudo sobre a matéria, lastreado em cuidadosa
pesquisa empírica. Ainda segundo Gobatto, essa média caiu para
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
37,8 entre os anos de 2009 a 2012. (GOBATTO, 2013).
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
vava evitar a apreciação do Veto nº 38/2012 antes dos demais. Foi
expedida uma liminar da lavra do Ministro Fux, determinando que
os vetos pendentes de deliberação fossem apreciados seguindo-se
a ordem cronológica de sua apresentação ao Congresso Nacional.
Certamente, tal determinação judicial seria impraticável, à vista
dos milhares de vetos aguardando apreciação, e a liminar aca-
bou cassada pelo Pleno do STF, que se pronunciou pela incons-
titucionalidade da prática de não deliberação congressual sobre
os vetos, mas com efeitos ex nunc, tendo em vista o quadro de
insegurança jurídica que se instauraria caso a decisão alcançasse
todos os vetos pretéritos.
Façamos um breve paralelo com uma situação hipotética,
para fins de reflexão. Imaginemos um processo judicial em que
os autos seguem conclusos ao juiz para que profira sua decisão, e
este não o faz, engavetando-os, por anos a fio. Seria um absurdo!
Vale lembrar que, em geral, uma decisão judicial opera efeitos
inter partes, atingindo apenas autor e réu. No caso do engave-
tamento do veto, trata-se de um problema de dimensões bem
maiores, pois um ato normativo produz efeitos de modo difuso
na sociedade. E é precisamente disso que se trata. Ao deliberar
sobre o veto, rejeitando-o, por exemplo, segue-se que um novo
comando legislativo ingressa no ordenamento jurídico, atingindo
a quantos se enquadrem na hipótese de incidência normativa.
Portanto, o que está em pauta é a produção de um ato normativo,
que já se encontra na fase terminal do procedimento legislativo,
prestes a concluir seu ciclo de formação, mas que queda inerte
ante a ausência de deliberação congressual. Dessa forma, uma
questão demandante de disciplina normativa permanece sem
o devido regramento. Mobiliza-se todo o aparato legislativo do
Estado, gastam-se recursos, há o dispêndio de tempo e de energia 35
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processual, o envolvimento de diversos agentes públicos, a reali-
zação de inúmeros debates, para não se concluir o procedimento
legislativo.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
tema de controle recíproco simplesmente é neutralizado com essa
prática espúria, esvaziando-se, de todo, o caráter relativo do veto,
e dessubstancializando o princípio da separação dos Poderes em
um de seus aspectos principais.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
cionados aos mais diversos assuntos, desde produtos alimentares,
como no exemplo dado, passando pela flexibilização de licencia-
mento em matéria ambiental ou mesmo um afrouxamento nas
regras relativas ao emprego de agrotóxicos. Trata-se de assuntos
que costumam despertar uma natural rejeição, razão pela qual
seus proponentes buscam lançar mão desse expediente, de modo
a fazer passar despercebida a aprovação da matéria, no “vácuo”
do assunto principal veiculado pela proposição legislativa em tra-
mitação.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
frases ou palavras isoladas da proposição aprovada, desvirtuando
seu sentido original e impondo à Casa Legislativa alcançar o quo-
rum de maioria absoluta para derrubar o veto governamental.
Assim, um dispositivo constitucional cujo objetivo era evitar o mau
uso do veto parcial pelo Executivo passou a “respaldar” a mali-
ciosa prática, já agora por parte do Legislativo, de condensar duas
disposições que, a rigor, seriam comandos autônomos, em um só
dispositivo, de modo a evitar o veto sobre a parte que, suposta-
mente, poderia encontrar oposição do chefe do Executivo. Vale
lembrar que a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de
1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e
a consolidação das leis, alterada pela Lei Complementar nº 107,
de 26 de abril de 2001, determina que, na redação das disposi-
ções legislativas, o conteúdo de cada artigo deve restringir-se a
um único assunto ou princípio, utilizando-se os parágrafos para
complementos explicativos ou restritivos do caput, bem como os
incisos e alíneas para as discriminações e enumerações (art. 11,
II, “b”, “c” e “d”). Mas, no contexto de desprezo pelo processo
legislativo, tal lei não tem feito a menor diferença, e segue a roti-
neira prática de se aglutinar mais de uma disposição autônoma
em um só artigo para imunizá-las contra o veto governamental.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
dição de decisões de caráter modulador pelo STF, tal como se
deu, como visto, por ocasião do julgamento da citada Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 4.029 e do Mandado de Segurança nº
31.816, em linha com a máxima de que o direito não pode colidir
com os fatos. Afinal, o direito existe para a vida, e não a vida para
o direito, na impagável lição de Miguel Reale (1996).
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
mônicos, mas compõe-se de maioria e minoria, e esta última deve
ter seus direitos respeitados. Nesse ponto, é preciso dizer que
a violação à autonomia do Parlamento tanto pode ocorrer por
fatores externos – como seria a hipótese de o Judiciário intervir
não para assegurar as regras do jogo, mas para jogar o próprio
jogo, substituindo-se ao legislador na tomada de decisão política
– como também por fatores endógenos, como na hipótese em
análise, quando as maiorias, em um processo de autofagia da
sua legitimidade, atropelam os direitos das minorias; e por último,
longe de se violar o princípio da tripartição dos Poderes, uma
eventual intervenção do STF para fazer valer as normas que pre-
sidem a elaboração legislativa evitaria abusos e arbitrariedades,
essa sim, a ideia-força do aludido princípio constitucional, que se
prende muito mais à noção de equilíbrio do que propriamente à
ideia de separação rígida. Portanto, o STF, ao eximir-se de exami-
nar controvérsias regimentais, longe de se manter equidistante
das disputas políticas, está, ao contrário, tomando partido das
maiorias e convalidando abusos dos blocos políticos hegemôni-
cos, com base numa visão equivocada do princípio da separação
dos Poderes.
Nesse passo, é oportuno rever a máxima de que “decisão judi-
cial não se discute, cumpre-se”. Quanto à parte final, nenhum
reparo, pois decisão judicial deve ser cumprida, a bem da ordem e
da segurança jurídica, valores imprescindíveis à convivência social.
Mas decisão judicial deve ser discutida sim, sobretudo quando
contém inconsistências, como a que vimos de apontar. E, nesse
ponto, a ciência jurídica cumpre um papel essencial no Estado
Democrático de Direito, ao fornecer o instrumental teórico neces-
sário ao balizamento das possíveis leituras dos textos jurídicos,
como ensina Carvalho Netto (1992, p. 222). Realmente, o fenô- 45
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meno jurídico ostenta uma inafastável dimensão textual, nas suas
múltiplas manifestações (doutrinária, jurisprudencial, legal), de
modo que é essencial para o operador jurídico socorrer-se de um
instrumental teórico que lhe permita balizar as possíveis leituras
desses textos, descartando entendimentos que comprometam a
unidade e a lógica interna do sistema.
Portanto, faz-se necessária uma doutrina mais sintonizada
com o paradigma do Estado Democrático de Direito e que exerça
efetivamente o papel que lhe cabe enquanto instância crítica das
decisões judiciais. Uma doutrina que dê mais atenção ao momento
de criação do direito, ao menos na mesma proporção em que
se debruça sobre o momento de aplicação do direito, até para
desincumbir-se a contento de seu importante papel de elemento
balizador das possíveis leituras dos textos jurídicos. Desse modo,
a dogmática exerce um duplo papel: fornecer um balizamento
para a adequada leitura dos textos jurídicos e para o seu correto
manejo pelos operadores do direito, bem como operar como ins-
tância crítica das decisões judiciais.
Outro indicativo do pouco apreço que dedicamos ao processo
legislativo, tanto na doutrina quanto no ensino jurídico, é a incor-
poração tardia entre nós da teoria e prática da chamada legística,
campo do conhecimento que se ocupa da concepção e da elabo-
ração da lei, de forma metódica e sistemática. A legística material
deve contribuir para evitar uma discussão enviesada, desprovida
dos subsídios e elementos necessários para uma boa decisão
legislativa. Ela contribui para o aprimoramento do processo de
elaboração legislativa para além dos ritos e formas, abordando
aspectos como diagnose legislativa, planejamento legislativo,
avaliação de impacto, abordagem multidisciplinar, entre outros.
É necessário, pois, que as faculdades de direito deem mais aten-
ção às disciplinas ligadas à elaboração legislativa, como processo
legislativo, técnica legislativa e legística.
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Temos, pois, um cenário marcado por um ensino jurídico defi-
citário em termos de elaboração legislativa, uma doutrina pouca
afeita ao tema e uma jurisprudência falha e distorcida, sendo
certo que esses aspectos se reforçam mutuamente, um retroali-
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
mentando o outro, de modo a se criar um círculo vicioso no que
concerne à elaboração legislativa.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
Nesse passo, é preciso dizer que, quando uma questão que
deveria originalmente ser resolvida no âmbito do Parlamento
migra para o Judiciário em razão da inoperância ou da inépcia
da casa legislativa, paga-se um alto preço por isso. Com efeito,
como explica Barroso (2017), a judicialização tem uma dimen-
são excludente, uma vez que poucos podem arcar com os custos
de um processo judicial, que afasta do debate a maior parte das
pessoas, ficando a discussão restrita às partes litigantes. A judi-
cialização pressupõe ainda um rito próprio, marcado pelo her-
metismo da linguagem jurídica, o famigerado juridiquês. Assim,
deve-se reduzir quanto possível a judicialização, tendo em conta
fatores como legitimidade democrática, capacidade institucional
do órgão decisor e participação no debate público. Desse modo,
há que se envidar esforços no sentido de prestigiar a ação do Par-
lamento, que é o fórum próprio para a tomada de decisão acerca
das grandes questões de interesse coletivo, reduzindo-se, tanto
quanto possível, o excessivo protagonismo judicial.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
classe trabalhadora, com disposições sobre redução de jornadas e
antecipação de férias para tentar equacionar a questão, além da
previsão de recursos da seguridade social para remunerar os dias
não trabalhados.
Quanto aos trabalhadores informais e aos autônomos, a pro-
posta inicial do governo previa uma ajuda de míseros 200 reais
como auxílio emergencial! Diante da grita generalizada que tam-
bém se seguiu a mais essa proposta indecente, coube ao Con-
gresso Nacional aprovar por lei o auxílio no valor de 600 reais
(Lei nº13.982/2020), já aqui em um ambiente de ampla discussão
pública, após várias tratativas e propostas apresentadas.
Naturalmente, tudo isso só foi possível em razão da gravidade
da situação da pandemia, que impactou de maneira sensível as
relações de trabalho, como de resto alterou profundamente todos
os aspectos da vida social, monopolizando a atenção de todos.
Mas bem sabemos que, em condições de normalidade, o contexto
é bem diferente e a utilização excessiva das medidas provisórias
leva a abusos que, muitas vezes, ficam sem a devida correção.
Portanto, um olhar mais atento ao processo de elaboração
legislativa significa, em última análise, um cuidado e um apreço
maior para com a própria democracia. Isso é fundamental, sobre-
tudo em um País com tantas desigualdades e assimetrias sociais.
Devemos, pois, fomentar na sociedade em geral o espírito
participativo e a conscientização da importância do engajamento
político de todos para a resolução das questões pertinentes à
coletividade. Uma população devidamente esclarecida e partici-
pativa daria o seu aval para a aprovação de uma medida legislativa
que lhe é tão prejudicial, como a Emenda Constitucional nº95, e
que importa na contenção de gastos primários, comprometendo
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programas sociais e investimentos em infraestrutura? Por que não
uma discussão séria sobre uma PEC do teto dos juros do serviço
da dívida pública, como sugere Ladislau Dowbor (2017)?
Um olhar mais atento ao processo de elaboração legislativa
nos levaria, inclusive, a ricas reflexões sobre qual o melhor arranjo
institucional para tornar o debate público ainda mais plural, par-
ticipativo e igualitário, na linha preconizada por Flávia Pessoa
Santos. A autora busca vislumbrar mecanismos institucionais que
propiciem a máxima discussão acerca da matéria sob tramitação,
de modo a que sejam incorporados ao debate todos os potenciais
conflitos atinentes à questão. Assim, restaria ampliada a possi-
bilidade de deliberar a partir dos mais diversos pontos de vista
relevantes para o adequado tratamento legislativo do assunto em
tela. (SANTOS, 2017).
A advertência que fazemos acerca da pouca atenção que se dá
ao processo legislativo se mostra ainda mais pertinente quando
nos damos conta de que o Parlamento tanto pode ser uma instân-
cia de construção de cidadania como também pode degenerar-se
numa instância de exclusão de cidadania. E a postura dos cida-
dãos, entre tantas outras coisas, vai ser determinante num sentido
ou noutro. Cidadania não é só na hora do voto. Na verdade, ela
precede mesmo o momento eleitoral, pois, antes de comparecer
às urnas, o cidadão deve buscar inteirar-se dos candidatos e de
suas propostas para fazer uma escolha consciente. Trata-se, mais
propriamente, de uma questão de atitude cívica. E, claro, uma
atitude cidadã pressupõe também indivíduos que se mantêm
vigilantes acerca da conduta de seus representantes, em linha
com a teoria da chamada democracia monitória, de John Keane
(2010), bem como também cidadãos participativos, na medida do
possível. Essa é a ideia de cidadania dinâmica, e não estática, pois
pressupõe uma postura ativa dos cidadãos não só por ocasião das
eleições, mas também durante os interstícios eleitorais.
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NEPEL
Figure-se, por exemplo, a questão da alocação dos recursos
públicos. O cidadão deve saber como é gasto todo esse dinheiro,
bem como participar ativamente da elaboração das leis orçamen-
tárias, que definem como se dará a alocação dos recursos públi-
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
cos. Segundo o escritor e economista Eduardo Giannetti (2020),
39% da renda nacional passa pela intermediação do Estado,
pois 33% do PIB é tributo, e o Estado ainda gasta 6% a mais
do que arrecada. Na síntese lapidar de Giannetti, precisamos de
mais Brasil, menos Brasília. Temos uma alta carga tributária com
uma retribuição pífia em termos de serviços públicos. A propósito,
na feliz expressão de Ignácio Ramonet (apud SADER, 2007), “os
serviços públicos constituem o patrimônio daqueles que não têm
patrimônio”. E boa parte da população brasileira, dada a péssima
distribuição de renda que temos, depende fundamentalmente dos
serviços públicos. Será que em um ambiente de maior informação
e de práticas participativas, a sociedade se mostraria favorável a
orientações governamentais e decisões legislativas que privilegiam
o pagamento de uma dívida pública impagável e juridicamente
indevida, em detrimento de políticas públicas voltadas para a
população em geral? É nesse sentido que aponta a aprovação
da Emenda Constitucional nº 95, como visto, que instituiu o teto
de gastos, a qual importa em contenção de gastos primários, ao
mesmo passo em que o céu se torna o limite quando em pauta o
pagamento do serviço da dívida. Ou seria ainda a sociedade favo-
rável à instituição, entre nós, do anatocismo (cobrança de juros
sobre juros), a causar a escravidão financeira das pessoas, e ainda
veiculado por medida provisória?
Para uma sociedade minimamente esclarecida e politizada,
seriam inadmissíveis absurdos institucionalizados, como, por
exemplo, uma forte tributação sobre o consumo, de caráter niti-
damente regressiva, e a não incidência de imposto sobre grandes
fortunas, ou sobre lucros e dividendos; a incidência do IPVA para
quem possui um carro, ainda que de modesto valor, mas não para
o proprietário de helicóptero, jatinho particular ou iate (inequívo-
53
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cos sinais exteriores de riqueza). Tudo isso em aberto litígio com
o princípio da capacidade contributiva, inscrito no texto constitu-
cional. Por que deixar para nos indignarmos quando a norma já
está posta – quando fica bem mais difícil contrapor-se a ela – em
vez de nos indignarmos por ocasião da tramitação de propostas
legislativas tão indecorosas como essas? E o que dizer dos privilé-
gios dos bancos? Não seria o caso de se limitar normativamente
a cobrança abusiva de tarifas pelas instituições financeiras, que,
só com isso, faturam anualmente mais de 100 bilhões de reais,
como nos mostra Moreira (2017, p. 40)? Para não falar do lucro
estratosférico de tais instituições com a cobrança abusiva de juros
escorchantes, respaldadas por uma política creditícia que só faz
drenar recursos das instâncias produtivas para o setor bancário.
É bem provável que, se dedicássemos mais atenção ao processo
legislativo, talvez não estivéssemos tão indignados com tantas
normas disparatadas, não ao menos no grau e na dimensão que
o problema assumiu no País.
Portanto, um olhar mais atento ao momento de criação do
direto tende não só a contribuir para a melhoria da qualidade da
produção normativa, como, ainda, a fomentar e robustecer nossa
democracia. Ao revés, o menoscabo pelo processo de elaboração
das leis fragiliza a democracia e fere de morte a cidadania.
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
que, dada sua situação de grande vulnerabilidade, não conse-
guem sequer vocalizar suas demandas e necessidades, as quais,
portanto, não são sequer incorporadas ao debate público, ao
tradicional embate entre maioria e minoria, para o qual tende a
refluir o entrechoque das diversas correntes político-ideológicas
com assento no Legislativo.
Portanto, essas gritantes diferenças sociais inviabilizam o
acesso de significativas parcelas da sociedade aos canais institu-
cionais de transformação política, ao mesmo passo em que seg-
mentos privilegiados têm acesso facilitado a tais canais, o que, em
boa medida, acaba por deslegitimar o processo decisório.
De fato, somos um País profundamente desigual e com uma
péssima distribuição de riqueza, que se concentra nas mãos de
poucos. O desprezo habitual pelo processo de elaboração legisla-
tiva contribui ainda mais para retroalimentar tantas desigualdades.
Entre os fatores reais de poder que acabam por deslegitimar o
processo legislativo, ganha especial destaque o sistema financeiro
global. A propósito, recomendamos a leitura da obra do Pro-
fessor Ladislau Dowbor (2017), “A era do capital improdutivo”,
que demonstra com uma clareza meridiana como se dá esse
mecanismo de dominância do capital financeiro e de sua nefasta
interferência na agenda pública. Numa visão realista, não pode-
mos deixar de reconhecer a fragilidade do processo legislativo
democrático frente a essa nova arquitetura mundial do poder,
alicerçada nos grandes conglomerados financeiros.
Como nos mostra Ladislau Dowbor (2017) o grande capital
financeiro se apropria do excedente social e o acúmulo de dinheiro
é de tal ordem que não tem como se transformar em consumo,
55
NEPEL
nem mesmo de sucessivas gerações, de modo que ele se converte
em poder político. Em termos mais concretos, ele se transmuda
no poder de influenciar as eleições, financiando-as, no poder que
compra a mídia, que forja narrativas, que se blinda juridicamente.
Veja-se o exemplo do serviço da dívida pública, que sempre
abocanha expressiva parcela do orçamento estatal, sem que isso
seja amplamente tematizado a partir de uma perspectiva crítica.
Se é para impor contingenciamentos, o establishment determina
que esses incidam sobre os gastos primários! Nada de teto para o
serviço da dívida! Pouco importa se isso sacrifica a maior parte da
população, pois restam comprometidos os programas sociais, os
serviços públicos e os investimentos em infraestrutura.
Outro bom exemplo é o da reforma da previdência, que tam-
bém passou longe de uma cobertura midiática minimamente
justa, de modo que se emplacou a narrativa de que são os ser-
vidores públicos os verdadeiros vilões da previdência. A ironia é
que, mesmo entre os servidores, mantiveram-se os privilégios de
algumas poucas castas, enquanto a grande massa dos agentes
públicos que presta relevantes serviços à sociedade saiu prejudi-
cada com a reforma.
O caso das instituições bancárias é emblemático. Não se vê
a grande mídia apresentar críticas às instituições financeiras,
embora sejam essas as responsáveis pela drenagem de boa
parte dos recursos socialmente produzidos, seja pela cobrança
de juros escorchantes, seja pela instituição de infindáveis tarifas
a preços absurdos. Basta dizer que, mesmo na pandemia, os
bancos anunciaram lucros exorbitantes, em meio a uma crise
generalizada nos demais setores da economia. Mas, nada de
críticas da grande mídia… afinal, tais instituições são os princi-
pais anunciantes dessas empresas de comunicação e o poder do
dinheiro fala mais alto.
A propósito de uma narrativa talhada para atender aos inte-
resses do setor financeiro, figure-se o exemplo da recorrente
56
NEPEL
discussão sobre juros altos para evitar a inflação. Isso é o que
aparece na grande mídia, embora não faltem vozes abalizadas,
como a do professor DOWBOR (2017), a denunciar o verdadeiro
objetivo de juros em níveis escorchantes, que é precisamente
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
o de proporcionar a transferência de recursos públicos para
o setor financeiro, que passa a prevalecer sobre as atividades
produtivas. Como nos mostra Dowbor, vincular a absurda alta
dos juros ao risco de inflação é um verdadeiro despropósito,
pois não há demanda superior à oferta. Ocorre justamente o
contrário no País, com as indústrias operando com menos de
70% de sua capacidade instalada. Mas qual a versão que sai na
grande mídia? Com isso, instaura-se um perverso mecanismo
de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos,
drenando-se tais recursos para o setor financeiro, de caráter
especulativo, e não para o setor produtivo, comprometendo-
-se a renda das famílias, os investimentos empresariais e os
investimentos públicos em programas sociais e em infraestru-
tura, os quais, em conjunto, compõem justamente os motores
que dinamizam a economia (DOWBOR, 2017). A propósito, o
professor Ladislau Dowbor tem desenvolvido a ideia de “demo-
cracia econômica”, que parte da concepção de que a própria
economia tem de ser democratizada, com novos mecanismos de
regulação, transparência, participação e controle democrático.
(DOWBOR, 2017).
Considere-se também a questão da reforma tributária: o foco
da grande mídia invariavelmente recai sobre a simplificação do
sistema tributário. Não que ela não seja importante – na ver-
dade é até imperativa. Mas não é a prioridade. A prioridade é
um sistema tributário mais justo, igualitário, que efetivamente
consubstancie o princípio da progressividade. O atual sistema
tributário é injusto, iníquo, regressivo, ao tributar essencial-
mente produção e consumo e aliviar na tributação sobre renda
e patrimônio.
57
NEPEL
A propósito, o que dizer do dispositivo constitucional acerca
do imposto sobre grandes fortunas (art. 157, VII)? Trata-se de
norma que há anos aguarda regulamentação e que parece ter
cumprido seu papel simbólico e retórico de apenas acenar para a
realização da justiça, mas desde que não passe disso… um mero
aceno, como eterna promessa fadada a nunca ser cumprida. Ao
que parece, tal dispositivo continuará a reverberar no vazio.
Assim, embora a Constituição preveja a instituição do
imposto sobre grandes fortunas, a cargo de legislação integra-
dora, essa nunca é editada; como mencionado, não há tributa-
ção sobre lucros e dividendos; cobra-se IPVA de proprietários de
carro, mas não de quem possui helicóptero, jatinho particular ou
iate. Como se vê, tudo isso em flagrante violação ao princípio da
capacidade contributiva, expressamente previsto no texto cons-
titucional (art. 147, § 1º).
Esses são apenas alguns exemplos de como fatores reais de
poder interferem na formação da agenda política, determinando-a
e moldando-a segundo seus interesses.
Frise-se que esse agigantamento do poder financeiro, que
acaba comprometendo a democracia, não ocorre só no Brasil,
mas também no âmbito dos demais países mundo afora, e não só
no âmbito doméstico de cada país, mas também no plano inter-
nacional, quando então se tem todo um grande conglomerado
financeiro organizado e articulado que não tem como ser con-
trolado por um poder político fragmentado em mais ou menos
200 países, como demonstrado por Ladislau Dowbor (2017). Mas,
aqui no Brasil, essa dominância se dá de modo ainda mais acacha-
pante. Certamente, isso se deve em boa medida ao pouco caso
que damos ao processo de elaboração legislativa, o que torna
ainda mais fácil aos setores financeiros imporem as normas que
melhor atendam a seus interesses, como se deu, conforme visto,
com a institucionalização do anatocismo entre nós pela via da
medida provisória.
58
NEPEL
8. Considerações finais
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
lidade procedimental que propicie a mais ampla discussão nas
casas legislativas. Essa racionalidade instrumental evidencia a
íntima relação existente entre forma e matéria como expressão da
relação entre legitimidade e legalidade.
Portanto, temos que levar o processo legislativo a sério e
fomentar uma cultura de responsabilidade e seriedade na pro-
dução da lei. Nesse sentido, o primeiro passo para resolver um
problema é diagnosticá-lo, reconhecê-lo. Parece que nem isso
fizemos ainda quanto ao menoscabo em relação ao processo
legislativo, que segue sem receber a merecida atenção. O objetivo
deste trabalho, para além de chamar a atenção para a relevância
do processo de produção das leis como fator de legitimação do
direito, é apontar caminhos que possam modificar esse quadro.
Um desses caminhos consiste em fomentar processos e práticas
participativas. Frise-se, uma vez mais, que é expressão de cidada-
nia não só conhecer os próprios direitos, mas, sobretudo, conhe-
cer e participar do modo de produção desses direitos, o que tende
a minimizar as injustificáveis desequiparações presentes em nossa
legislação.
Outro ponto sensível diz respeito ao controle jurisdicional do
processo legislativo, que há muito está a merecer uma nova reo-
rientação jurisprudencial, consentânea com a relevância e a razão
de ser do procedimento legislativo em um regime que se pretende
efetivamente democrático. A jurisprudência atual é marcada por
um dogmatismo estéril, que distorce o sentido da questão interna
corporis, subverte a ideia-chave do princípio da separação dos Pode-
res – a de evitar o abuso do poder, precisamente o que não ocorre
atualmente – e leva a um quadro inteiramente favorável ao arbítrio
da maioria. Sem falar no formalismo do critério do locus normativo
59
NEPEL
como determinante para legitimar a intervenção do Judiciário no
processo de elaboração legislativa. Ou seja, sob tal ótica distorcida,
o STF só deve intervir para dirimir controvérsias incidentes sobre
normas procedimentais de sede constitucional, pois conflitos sobre
normas regimentais devem ficar a cargo do Parlamento. Como se
fosse possível racionalizar mediante fórmulas apriorísticas, e não
por meio de princípios operacionais, como o princípio democrático.
Vale ressaltar que a timidez do STF na apreciação judicial do
processo legislativo facilitou a proliferação de práticas ilegítimas,
sobretudo por parte do Executivo – mas não só –, em especial,
no emprego abusivo das medidas provisórias, vicejando, nesse
contexto, inúmeras inconstitucionalidades.
Uma vez mais repisamos que esse conjunto de práticas nega-
tivas no âmbito da elaboração legislativa apontadas neste estudo
propiciam um deslocamento de poder do Legislativo para o Exe-
cutivo, em descompasso com todo nosso arcabouço constitucio-
nal, que, em tese, reservou ao Poder Legislativo o protagonismo
no campo da produção das leis. Mas, na prática, o Parlamento
tem-se tornado, muitas vezes, um mero coadjuvante em matéria
de edição de atos normativos, restando todo o protagonismo ao
Poder Executivo, seja quanto ao volume dos atos normativos edi-
tados, seja quanto à definição da agenda legislativa.
Assim, em termos de processo legislativo, temos, no concerto
entre os Poderes constituídos, uma indevida hipertrofia do Exe-
cutivo, uma notória desídia do Legislativo quanto a suas prer-
rogativas constitucionais e a incúria do Judiciário, que, quando
acionado, não desempenha a contento o importante papel de
garante supremo das regras do jogo democrático. Antes, ostenta
um evidente retraimento quando provocado para dirimir contro-
vérsias relativas à elaboração legislativa, em contraste, paradoxal-
mente, com posturas ativistas em relação ao direito positivo.
À vista de todo o exposto, resulta risível, para dizer o mínimo,
o disposto no art. 49, V, da Constituição da República, segundo
60
NEPEL
o qual é da competência exclusiva do Congresso Nacional “zelar
pela preservação de sua competência legislativa em face da atri-
buição normativa dos outros Poderes”.
É claro que um cenário como esse, de tamanho descaso para
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
com a função legiferante, só se torna possível graças a uma
postura leniente e irresponsável do Congresso, que acaba por
demitir-se de suas prerrogativas constitucionais.
O aperfeiçoamento da elaboração legislativa é uma exigência
inafastável para a consolidação da democracia e para o exercí-
cio da cidadania. Isso passa necessariamente por uma mudança
de mentalidade, não só entre a classe política, mas também na
comunidade jurídica e mesmo na sociedade em geral. Impõe-se
um olhar mais atento ao modo de produção do direito, o que só
faz robustecer a democracia.
É preciso, pois, pôr em perspectiva crítica o processo legisla-
tivo, tanto a teoria quanto a prática. Há que se ter clareza em
relação ao modo como tal processo deve estar estruturado, bem
como a que ele se destina, e o que tem efetivamente ocorrido
em nossa realidade institucional. Vale lembrar que práticas dis-
torcidas não invalidam as teorias. Devemos, sim, envidar esforços
para afastar tais práticas, o que deve ser feito em várias frentes
de atuação: na academia, com uma revisão da grade curricular,
de modo a se conferir a devida atenção a disciplinas ligadas à
elaboração legislativa; na doutrina, que deve se debruçar sobre
o processo legislativo com o mesmo empenho e labor intelectual
dispensado ao direito já positivado, e exercer um controle crítico
das decisões judiciais. De sua parte, o Judiciário, em especial o
STF, deve internalizar o seu papel de instância contramajoritária, a
permitir o justo equilíbrio entre democracia e constitucionalismo,
entre a soberania popular e os limites constitucionais, entre a
fonte e os limites do exercício do poder, de modo a evitar abusos
da maioria. Tal papel já parece suficientemente entronizado pela
Corte no que se refere ao controle de constitucionalidade das
61
NEPEL
leis. Porém, essa dimensão de instância contramajoritária tem-se
perdido quando se trata da elaboração legislativa e está sendo
obscurecida por uma visão marcada por um dogmatismo estéril,
que amplia indevidamente o alcance da noção do que seja maté-
ria interna corporis, distorce a ideia de autonomia do Parlamento,
tomando-a como se fora a autonomia dos blocos políticos hege-
mônicos – que desrespeitam as regras do jogo político – , e ainda
subverte a ideia-força do princípio da separação dos poderes, qual
seja, evitar o abuso de poder.
Quanto à sociedade em geral, é preciso fomentar uma cultura
participativa, de modo a promover um maior engajamento dos
cidadãos nas questões de interesse público. Impõe-se reforçar o
senso de pertencimento à coletividade, o que implica não só direi-
tos de participação, mas também um dever cívico de colaborar
para a construção de uma sociedade mais igualitária e democrá-
tica. Portanto, educação, conscientização política e mobilização
cidadã voltada para o fortalecimento e a democratização de
nossas instituições públicas constituem o caminho seguro rumo
à consolidação de um autêntico Estado Democrático de Direito.
Referências
1. Levando o modo de produção dos direitos a sério: o direito fundamental ao devido processo legislativo
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 651, de 24 de setembro
de 2003. A medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacio-
nal podia, até a EC 32/2001, ser reeditada dentro do seu prazo de
eficácia de trinta dias, mantidos os efeitos de lei desde a primeira
edição. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/
seq-sumula651/false. Acesso em: 10 set. 2020.
63
NEPEL
GOBATTO, Gílson. Executivo e legislativo: poderes harmônicos e inde-
pendentes? Uma análise do poder de agenda. Disponível em: https://
bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/17099. Acesso em: 5 set. 2020.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
64
NEPEL
2
FINANCIAMENTO
DE CAMPANHA
E LOBBYING NA
ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DE
MG: UM ESTUDO
DE CASO SOBRE
O SETOR DE
MINERAÇÃO*
Manoel Leonardo Santos**
Ciro Antônio da Silva Resende***
*Os autores agradecem os comentários prévios de Guilherme Wagner Ribeiro (ALMG). Suas
observações ao texto inicial agregaram muito à versão final.
** Mestre e Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor
do Dep. de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do
Centro de Estudos Latino- americanos (Cela) da UFMG.
*** Doutorando e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG (CEL-UFMG).
**** Pós-doutor, doutor e mestre em Ciência Política pela UFMG. Professor Adjunto do Depar-
tamento de Ciência Política da UFMG.
2. Financiamento de campanha e lobbying na Assembleia Legislativa de MG: um estudo de caso sobre
1. INTRODUÇÃO
67
NEPEL
privilégios não justificáveis e ganhos desproporcionais, minando a
legitimidade da democracia.
A arena legislativa é um espaço privilegiado para a represen-
tação plural dos interesses. Embora não seja o único espaço onde
se pode exercer influência política, por ser um órgão colegiado de
ampla representação, para lá convergem grupos organizados da
sociedade, em busca da defesa de suas causas e interesses. E esse
fenômeno tem sido crescente no sistema político brasileiro, pelo
menos desde a redemocratização.
Estudos que analisam a Câmara dos Deputados registram
que, desde a Constituição Federal de 1988, é crescente atuação
legislativa de grupos de interesse que pautam suas ações com
o objetivo de influir no processo decisório (SANTOS, 2014). Na
Assembleia Legislativa de Minas Gerais – ALMG - não é diferente.
Além da tendência de maior participação, consequência esperada
com a redemocratização, é notório o esforço da ALMG em ino-
var no que se refere aos mecanismos de participação ampliada,
a exemplo dos Seminários Legislativos1. Ou seja, à medida que a
democracia amadurece e se torna mais inclusiva, o Legislativo se
converte em uma arena cada vez mais marcada pela competição
por influência.
Esse fenômeno vem gerando uma consequência importante,
que se observa cada vez mais no sistema político brasileiro: a pro-
fissionalização da atividade de lobbying. Embora essa profissio-
nalização não seja tão recente (ARAGÃO, 1994; DINIZ; BOSCHI,
1999; MANCUSO, 2004, 2007) nem exclusividade dos segmentos
empresariais, como se poderia pensar, ela está mais presente
entre os grupos com maior poder econômico (SANTOS; BAIRD;
Origem Valor R$ %
Pessoas jurídicas 49.062.216,36 34,7
Recursos próprios 31.179.050,66 22,1
Pessoas físicas 26.707.205,97 18,9
Partido político 18.698.898,85 13,2
Recursos de outros candidatos/comitês 15.648.081,10 11,1
Recursos de origens não identificadas 31.951,66 0,02
Rendimentos de aplicações financeiras 3.564,41 0,01
Total 141.330.969,00 100,0
Fonte: TSE.
7 Para identificar a origem das doações, e partir para uma identificação do setor
de mineração, utilizamos os dados disponíveis no site Leis e Números (https://
leisenumeros.wordpress.com/). Agradecemos ao professor e pesquisador Bru-
76 no Carazza dos Santos, responsável pelo site.
NEPEL
Tabela 3 – Origem das doações, por setor, para os candidatos ao cargo de
deputado estadual (MG, 2014)
77
NEPEL
Duas diferenças precisam ser esclarecidas entre as Tabelas 1
e 2 (classificação do TSE) e a Tabela 3 (classificação da CNAE).
A primeira diz respeito às doações de pessoa física. Note-se
que o valor é substancialmente mais alto do que o encontrado
nas Tabelas 1 e 2. Isso se deve ao fato da identificação dos doa-
dores por CPF. Assim, o item pessoa física, agora, agrega tanto
os recursos próprios (autofinanciamento) quanto os recursos
de partido político e de outros candidatos/comitês que tenham
se originado de pessoas físicas, e foram repassados aos candi-
datos.
A segunda é que existem recursos de partido político e de
outros candidatos/comitês que advieram de pessoas jurídicas e,
portanto, foram classificados, na Tabela 3 segundo as seções
da CNAE. Em suma, doações de pessoas físicas e jurídicas feitas
a partidos e comitês, e repassadas para os candidatos, expli-
cam as diferenças entre as Tabelas 1 e 2 e a Tabela 3. Isso
mostra a importância da identificação da origem dos recursos
que chegaram, de forma indireta, aos caixas de campanha dos
candidatos.
Mas o que se depreende da Tabela 3 não é muito diferente.
Nela se pode observar que os recursos oriundos de pessoas jurí-
dicas continuam sendo mais relevantes nas eleições. Somando-se
todos os setores, as empresas foram responsáveis por 56,98%
das doações, o que significa um montante de R$ 80.534.671,71.
Já as pessoas físicas representam 42,94%, totalizando R$
60.692.915,03. Portanto, a verdadeira relevância desse procedi-
mento está em dois aspectos. O primeiro é identificar os setores,
o que não é possível com a classificação do TSE. O segundo é o
de revelar possíveis doadores ocultos. Aqueles que, por algum
motivo, preferem doar para partidos. Nesses casos, não há nada
que impeça que o doador fique oculto, usando a doação para
partidos, e garanta que o candidato de sua preferência receba os
recursos. Uma análise que não considerasse essa possibilidade,
78
NEPEL
certamente, seria enviesada, subestimando o estabelecimento das
relações entre financiadores e financiados.
Comprovada a relação entre o segmento empresarial e os can-
didatos, resta identificar o financiamento do setor de interesse, o
81
NEPEL
Gráfico 1 – Percentual de membros da Comissão de Minas e Energia com
financiamento do setor de mineração (2015/2018)
Fonte: TSE
82
NEPEL
Gráfico 2 – Peso médio do financiamento do setor de mineração na
Comissão de Minas e Energia (2015/2018)
Fonte: TSE
10 Importante registrar que essa comissão, por ser extraordinária, tem duração
limitada. Assim, por motivos óbvios, os dados do financiamento não podem
84 ser contabilizados por biênio.
NEPEL
Gráfico 4 – Peso médio do financiamento do setor de mineração na
Comissão Extraordinária das Barragens (2015/2018)
atividades do setor.
A segunda conclusão deriva das regras de composição das
comissões. Sabe-se que o critério da proporcionalidade deve
reger a composição das comissões. Assim, não é tão simples para
um parlamentar se autosselecionar para uma comissão de seu
interesse, ou do setor que o financiou. Essa indicação passa por
outros critérios. Mas, mesmo com essa regra mediadora, o viés se
verifica.
85
NEPEL
A comparação entre a comissão permanente e a extraordiná-
ria nos oferece elementos para a última conclusão, que reforça
as anteriores. Em comissões permanentes, de certa forma, é
compreensível uma certa autosseleção, pois é esperado que
parlamentares comprometidos com o setor façam um esforço
para participar de comissões de interesse dos seus apoiadores.
Ademais, em condições normais, o escrutínio da mídia e da
sociedade sobre esse aspecto é pouco verificado. Contudo, a
comissão extraordinária foi composta em condições atípicas,
como era de ser esperar, pelo seu caráter excepcional. Ela foi
instalada, e seus membros escolhidos, em um momento de altís-
sima evidência na mídia e, além disso, em um clima de profunda
consternação que toda a sociedade passava pelo ocorrido em
Mariana. Ainda assim, o viés pró-setor foi confirmado. De forma
atenuada, é verdade, como demonstramos, mas foi confirmado.
Os resultados aqui encontrados não são diferentes dos encon-
trados em outros estudos. Santos (2016), por exemplo, verificou
que a doação média de quatro setores econômicos (agropecuário,
financeiro, industrial e infraestrutura) para os membros das comis-
sões permanentes da Câmara dos Deputados que mais lhes inte-
ressam é superior à doação média desses mesmos setores para o
conjunto dos deputados por eles contemplados.
Concluída a análise do financiamento de campanha, passemos
à análise do segundo fator elencado pela literatura com potencial
influência sobre o processo decisório no legislativo, que diz res-
peito às atividades de lobbying.
88
NEPEL
relações de cooperação ou competição entre si, formando, assim,
uma ampla rede (CESÁRIO, 2016, p. 109).
A abordagem de redes sociais permite identificar quais são
os atores que se relacionam na rede, e quais os atores centrais.
o setor de mineração.
5. Sobre o lobbying
15 Estudo de Santos, Baird, Mancuso e Resende (2017) mostra que entre as ati-
vidades consideradas mais eficientes pelos grupos de interesse no exercício da
influência na Câmara dos Deputados estão: fazer gestões junto ao relator da
matéria; entregar notas técnicas e relatórios técnicos aos membros da comissão
e a entrega de minutas de emendas legislativas aos parlamentares. Como se
vê, todas associadas à entrega de informação relevantes aos parlamentares.
O contato direto com os parlamentares, como a visitas aos gabinetes, aparece
102 apenas em quarto lugar.
NEPEL
influência pode se dar pela via legal, sem necessariamente passar
por condutas criminosas, e não considerar esse aspecto pode nos
induzir a subestimar a força do poder econômico sobre as deci-
sões politicas. Acabar com a corrupção é fundamental, mas isso
não extinguirá a desigualdade de acesso político.
7. Referências
104
NEPEL
FONSECA, Igor Ferraz et al. Audiências públicas: fatores que influen-
ciam seu potencial de efetividade no âmbito do Poder Executivo fede-
ral. Revista do Serviço Público, v. 64, n. 1, p. 7-29, 2013.
105
NEPEL
book of public policy, Oxford New York: Oxford University Press,
pp. 425–443.
SABATO, Larry. PAC power: inside the world of Political Action Com-
mittees. New York: W.W. Norton, 1985.
106
NEPEL
Anexos
Anexo 1 – Número de participações e medidas de centralidades de
todos os atores na Comissão de Minas e Energia
111
NEPEL
Anexo 2 – Número de participações e medidas de centralidades de todos
os atores na Comissão Extraordinária das Barragens
o setor de mineração.
113
NEPEL
3
PROCESSO
LEGISLATIVO
TRIBUTÁRIO
Bernardo Motta Moreira*
5 Sanches recorre ao estudo de Michael Graetz (The Decline (and Fall?) of the
Income Tax. Nova Iorque: 1997), que demonstrou as sistemáticas criações de
nichos de privilégio mediante a ação de lobistas junto ao legislador, onde a
“enorme complexidade do tax code tem sido explicada por uma intensíssima
e permanente interação entre legisladores e interesses particulares. No en-
tanto, esta pressão e luta por rendas fiscais, que existem sempre com maior
ou menor intensidade, é um dado permanente que raramente está sujeito à
crítica do público” (SANCHES, 2010, p. 44). 121
NEPEL
elaboração das políticas tributárias,6 motivo pelo qual há uma
patente crise de legitimidade democrática, na medida em que a
decisão do legislador – para agravar ou exonerar tributos – não
tem se dado entre amplas balizas, sendo fortemente condicio-
nada, por um lado, pela força da opinião pública e, por outro,
por limites de ordem fática decorrentes da necessidade de esta-
bilidade orçamentária (BATISTA JÚNIOR, 2003, p. 420). Ocorre
que, sem a efetiva participação do Poder Legislativo, a liberdade
e a igualdade, valores básicos da democracia, ficam ameaçados
(FERREIRA FILHO, 2001, p. 269).
Diante de tal quadro caótico, não há saída senão “um processo
de incessante debate democrático” (SANCHES, 2010, p. 42), sob o
escrutínio e respaldo em um devido Processo Legislativo Tributário
– eis que é o Parlamento o locus precípuo para que isso ocorra –,
assegurando o contraditório de todos os interessados. O reforço das
instituições é fundamental e, no caso do Direito Tributário, como
ele é arquitetado pelos técnicos do Governo, o robustecimento do
Poder Legislativo torna-se ainda mais necessário.7
A Constituição Estadual de Minas Gerais, de modo inovador em
relação à Constituição da República – CRFB/88 –, oferece um exce-
lente exemplo de uma regra que visa assegurar o debate parlamentar
no processo legislativo de instituição ou majoração de tributos. O § 1º
do art. 152 impõe que projetos de lei que criem ou aumentem tribu-
tos sejam apresentados em até noventa dias antes do encerramento
da sessão legislativa (período anual dos trabalhos do Parlamento).
Trata-se de uma limitação constitucional ao poder de legislar
em matéria tributária, especificamente voltada ao Processo Legis-
3. A “desparlamentarização” do Direito
Tributário e o risco da tríplice função
estatal exercida pelo Poder Executivo
21 “Na prática, entretanto, não são poucas as situações em que uma lei – dis-
pondo sobre determinado tema – acaba por inserir um ou mais artigos a tratar
de matéria completamente estranha ao objeto da lei. [...] Registramos nossa
crítica a essa modalidade de processo legislativo que, a depender da situação
em concreto, poderá ensejar inclusive a nulidade do ato legal, na medida em
que viola a forma estabelecida para sua elaboração, não atendendo aos prin-
cípios da produção do texto normativo, estabelecido na Lei Complementar n.
138 95/98.” (KFOURI JUNIOR, 2018).
NEPEL
a critérios de moderação e de distribuição equitativa. Para ele, tal
órgão estaria incumbido de avaliar, periodicamente, a funcionali-
dade do Sistema Tributário Nacional, bem como o desempenho
das administrações tributárias, não do ponto de vista burocrático
do uso correto do dinheiro público (que o Tribunal de Contas ou a
Comissão de Fiscalização Financeira já examinam), mas, de forma
mais ampla, analisando qualitativamente a atuação delas como
agentes do interesse público no aperfeiçoamento do sistema.
28 Pela teoria de Scott Shapiro aplicada ao Direito Tributário – conforme foi de-
fendido por Sarah Cohen –, os atores do Poder Executivo e Judiciário não
poderiam desempenhar a tarefa de legislar. (COHEN, 2014, p. 207-208).
Referências
150
NEPEL
CASÁS, José Osvaldo. Derechos y garantías constitucionales del con-
tribuyente: a partir del principio de reserva de ley tributaria. Buenos
Aires: Ad Hoc, 2005.
151
NEPEL
-aplicacao-da-legistica-ao-processo-legislativo-tributario/. Acesso em:
12 fev. 2020.
154
NEPEL
4
A cobertura
midiática
do processo
legislativo
Rachel Barreto*
2. Contextualização: transparência e
comunicação
6. Considerações finais
191
NEPEL
BALKIN, Jack. How mass media simulate political transparency. Cul-
tural Values, Oxford , v. 3, n. 4, p. 393-413, 1999.
BOCK, Mary Angela. Who’s minding the gate? Pool feeds, video sub-
sidies, and political images. The International Journal of Press/Politics,
Thousand Oaks, v. 14, n. 2, p. 257-278, abr. 2009.
192
NEPEL
CRAIN, Mark; GOFF, Brian. Televised legislatures: political information,
technology, and public choice. Norwell: Kluwer Academic Publishers,
1988.
193
NEPEL
GREEN, Jeffrey Edward. Analyzing legislative performance: a plebeian
perspective. Democratization, London, v. 20, n. 3, p. 417-437, 2013.
196
NEPEL
O’DONNELL, Tony. Europe on the move: the travelling Parliament
roadshow. In: FRANKLIN, Bob (ed.). Televising democracies. London:
Routledge, 1992.
198
NEPEL
STRÖMBÄCK, Jesper; ESSER, Frank. Mediatization of politics: towards
a theoretical framework. In: ESSER, Frank; STRÖMBÄCK, Jesper. Medi-
atization of politics: understanding the transformation of western
democracies. London: Palgrave Macmillan, 2014.
199
NEPEL
5
AS PRERROGATIVAS
LEGISLATIVAS
DO CONGRESSO
NACIONAL E
AS MEDIDAS
PROVISÓRIAS
José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior*
*Mestre e Doutor em Direito Constitucional. Master of Law pela Harvard Law School. Professor
do Programa de Pós-graduação em Direito da PUCMinas. Advogado.
1. INTRODUÇÃO
3. Conclusões
Referências
234
NEPEL
6
Democracia
Digital e o
Processo de
Abertura dos
Parlamentos
Rafael Cardoso Sampaio*
1 Ver Chadwick (2013) para uma discussão sobre a história as revoluções tecno-
lógicas e sobre os sistemas midiáticos híbridos contemporâneos. 237
NEPEL
como ele se dispõe em relação aos cidadãos, pois estes indivíduos
passam a se utilizar de ferramentas digitais para demandar políti-
cas mais transparentes e responsivas, assim como pressionar por
maior influência sobre a tomada de decisão. A essas atitudes, as
instituições do Estado têm respondido com o desenvolvimento
de iniciativas para acolher essas demandas e se reconectarem aos
representados. Nesse sentido, o estudo do emprego de quaisquer
dispositivos, aplicações, ferramentas de tecnologia digital para
suplementar, reforçar ou corrigir aspectos e práticas políticas e
sociais do Estado e dos cidadãos, em prol do cultivo de valores
democráticos na comunidade política (GOMES, 2014) está no
âmbito do que se tem denominado como campo da Democracia
Digital (ou, e-Democracia).
6 https://www12.senado.leg.br/ecidadania/
7 https://www.parliament.scot/gettinginvolved/petitions/index.aspx
8 https://petition.parliament.uk/ 251
NEPEL
-se lei); 2) Evento interativo (audiências públicas, debates, sabati-
nas etc. abertos ao público); ou 3) Consultas Públicas (enquetes
acerca de projetos em tramitação na casa). Recentemente, essa
ferramenta tem atraído maior atenção, tendo em vista as disputas
travadas por meio de suas votações, especialmente no período
eleitoral de 2018 e nas querelas ideológicas entre conservadores
fundamentalistas e progressistas (CHAGAS et al., 2019).
4. Conclusões
Referências
VAN DIJK, Jan AGM. Digital democracy: vision and reality. Public
Administration in the Information Age, v. 19, p. 49, 2012.
265
NEPEL
7 Processo
legislativo
orçamentário
sob histórico
e recorrente
risco de
arbitrariedade
Élida Graziane Pinto*
270
NEPEL
O caráter trágico (SANTOS, 1987) de tal constatação reside no
fato de que, a despeito de parecer simples a ideia de impositivi-
dade orçamentária aderente ao planejamento no campo abstrato,
complexo é operacionalizá-la no mundo da vida em sociedade,
ainda mais na realidade brasileira tão suscetível a capturas patri-
monialistas.
2. Desapreço ao planejamento
setorial das políticas públicas no
ciclo orçamentário, a pretexto de
desvinculação total
276
NEPEL
4. O princípio da autonomia da vontade, ou auto-
determinação, com base constitucional e previsão
em diversos documentos internacionais, é fonte
do dever de informação e do correlato direito ao
consentimento livre e informado do paciente e
preconiza a valorização do sujeito de direito por
trás do paciente, enfatizando a sua capacidade
de se autogovernar, de fazer opções e de agir
segundo suas próprias deliberações.
[...]
Art. 7º [...]
Art. 9º [...]
[...]
290
NEPEL
Descumprimentos reiterados à LRF não deixam de existir por-
que houve parcial constitucionalização das suas regras, a pretexto
de “Novo Regime Fiscal” inscrito no ADCT. Ora, o desafio é o de
superar soluções aparentemente fáceis e que, por isso mesmo,
geram perdas para o processo democrático ao infantilizar o ges-
tor, simplificar a dinâmica do controle e substituir o cidadão como
o principal agente de pressão por mudanças sociais em todas as
instâncias competentes.
294
NEPEL
Aqui vale reiterar, para que não haja dúvidas: trienalmente
deveriam ser exigidos teste de conformidade com as metas fiscais
e correspondente compensação do quanto essas foram afetadas
pelo gasto tributário.
Contudo, há imensa fragilidade na comprovação e/ou com-
pensação em comento, o que decorre do caráter meramente
protocolar que a maioria dos gestores públicos adota, em suas
metodologias de cálculo, para cumprir os ditames da LRF. São
LDO/2019
[...]
296
NEPEL
§ 3º O Chefe do Poder Executivo encaminhará ao
Congresso Nacional plano de revisão de des-
pesas e receitas, inclusive de incentivos ou
benefícios de natureza financeira, tributária
ou creditícia, para o período de 2019 a 2022,
acompanhado das correspondentes proposições
legislativas e das estimativas dos respectivos
impactos financeiros anuais.
I – (VETADO);
II – (VETADO); e
297
NEPEL
prazo de 10 (dez) anos, não ultrapasse 2%
(dois por cento) do produto interno bruto.
§ 5º (VETADO).
[...]
298
NEPEL
§ 7º As disposições desta Lei aplicam-se inclusive
às proposições legislativas mencionadas no caput
em tramitação no Congresso Nacional.
[...]
LDO/2020
I – vinculem receitas; ou
302
NEPEL
Oportuno retomar, de acordo com Wolfgang Streeck, que a
crise da dívida pública (em curso desde a década de 1970 em
diversos países de Welfare State) guarda correlação com a fuga
à tributação:
7 Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegr
304 a?codteor=1676406&filename=PAR+1+CMO+%3D%3E+PLN+2/2018+CN
NEPEL
[...] Porém, e aqui é a demonstração de preo-
cupação com a questão e de oferecimento do
antídoto necessário, estamos adotando todas as
cautelas, para que, se ocorrer, seus efeitos sejam
os menos deletérios ao Erário e, por conseguinte,
à sociedade. Nessa linha, junto às regras objetivas
de redução de gastos contidas no Substitutivo,
estamos propondo que o Governo resultante das
urnas envie ao Congresso Nacional, até 31 março
312
NEPEL
3ª. As entidades eram controladas por pessoas
intimamente ligadas aos Parlamentares, seus
familiares, empregados ou prepostos.
10 Proposta da CPI que foi justificada no seguinte sentido, “Nas últimas décadas, a
União assumiu, paulatinamente, maior controle sobre os Estados, enfraquecen-
do-os mais e mais, mercê de crescente centralização, chegando-se quase a im-
plantar, na prática, situação semelhante à verificada no Estado Novo. A fim de
manter fidelidade política que lhes garantisse maioria parlamentar, os governos
de feição castrense restituíam, mediante as “transferências voluntárias”, parce-
la dos tributos arrecadados aos Estados, realizando obras ou subvencionando
as chamadas ações sociais. Tal sistema facilitou a ação de poderosos agentes
econômicos junto àqueles que decidiam, entre quatro paredes, a distribuição
dos recursos. [...] Exceções devem ser unicamente as transferências destinadas
a casos de calamidade pública, execução de planos nacionais ou regionais e em
314 caso de guerra externa ou comoção intestina.” (BRASIL, 1994, p. V.III-17)
NEPEL
federal, na forma de emendas parlamentares impositivas (individu-
ais ou de bancada), seria meio ontologicamente capaz de demo-
cratizar sua destinação. Muito antes pelo contrário, o risco que
se antevê aqui é o de apropriação privada do interesse público,
porque sequer foi fortalecido suficientemente o planejamento
que ordena prioridades legítimas, tampouco foram estruturadas
qualitativamente as instituições de controle que atestariam o
alcance efetivo dos resultados planejados a custos razoáveis.
315
NEPEL
falhas arroladas na CPI dos Anões do Orçamento que tendem a se
repetir nas emendas parlamentares impositivas.
A confluência dessas três dimensões, muito embora não se
preste a exaurir o debate sobre as deficiências do ciclo orçamen-
tário pátrio, revela impasses profundamente sistêmicos e histori-
camente recorrentes. O trato voluntarioso e instável do erário em
cada qual das dimensões exploradas não só explica parcialmente
a evolução das contas públicas brasileiras, como também revela o
paradoxo em que as regras fiscais se encontram.
A pretexto de aumentar a impositividade orçamentária,
majoram-se os espaços de maior risco de captura patrimonia-
lista. Por outro lado, enquanto são impostos limites gravosos
às despesas primárias – com risco de descontinuidade para os
programas de duração continuada inscritos no planejamento
orçamentário e setorial –, as renúncias fiscais seguem relati-
vamente incontidas e alheias às balizas do art. 14 da LRF. Em
meio a ambos os polos conflituosos, resta, pragmaticamente,
preterido o planejamento como meio operacional de eleição
legítima de prioridades.
Tal levantamento de mazelas, por assim dizer, corrobora a
avaliação de que o Brasil vive, na construção de políticas sociais
justas, um estágio de “indigência analítica”, como diria Santos
(1987).
Reconhecer a complexa correlação de problemas, nesse con-
texto, é apenas um ponto de partida para pensar rotas de aper-
feiçoamento do processo legislativo orçamentário. Por óbvio,
não há respostas rápidas e fáceis para o desafio de conter o
desapreço ao planejamento, a irresponsabilidade fiscal na seara
das renúncias fiscais e os riscos de captura patrimonialista das
emendas parlamentares impositivas, das transferências voluntá-
rias, dos redesenhos unilateralmente feitos pelo Executivo, entre
outros impasses.
316
NEPEL
O que se pode demandar (e, mais do que nunca, é preciso que
seja demandado) é a extensão do horizonte de controle sobre
o cumprimento dos programas de trabalho inscritos na lei anual
de orçamento à luz dos seus impactos fiscais e regulatórios, das
metas e estratégias do planejamento setorial e sobre as motiva-
ções apresentadas para eventuais distanciamentos entre o orçado
e o executado.
Tal controle estendido deve ser exercido durante o curso da
318
NEPEL
O processo legislativo orçamentário brasileiro reclama mirada
substantiva, sob pena de – na esteira da PEC 188/2019 e de outras
agendas reformistas – incorrer, mais uma vez, na frágil repetição
de regras que tendem a prosseguir arbitrária e irresponsavelmente
descumpridas.
Referências
319
NEPEL
gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 15
de maio de 2020.
320
NEPEL
MACHADO JUNIOR, José Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320
comentada: com a introdução de comentários à Lei de Responsabili-
dade Fiscal. 30. ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2000-2001.
321
NEPEL
8 A INTERNACIONALI-
ZAÇÃO DO DIREITO,
O PODER LEGISLATIVO
E O PROBLEMA
DEMOCRÁTICO:
SOBERANIA,
CONSTITUIÇÃO E
PLURALISMO NA
ERA PÓS-NACIONAL
Rafael Dilly Patrus*
326
Afinal, hoje, mais do que nunca, é tempo de reconstruir.
NEPEL
2. A internacionalização do direito,
o Poder Legislativo e o problema
democrático
2 No original: “The classical distinction between the domestic and the interna-
tional spheres that had sustained them is increasingly blurred, with a multitu-
de of formal and informal connections taking the place of what once were re-
latively clear rules and categories. In this sense, law has become ‘postnational’
– the national sphere retains importance, but it is no longer the paradigmatic
anchor of the whole order”. 327
NEPEL
graus variados. A globalização força uma aproximação comuni-
cativa entre diversos regimes jurídicos. Um dos principais reflexos
dessa aproximação é a reestruturação da constelação política
mundial. O Estado Nacional deixa de ocupar uma posição central,
passando a figurar como elemento de um universo maior e mais
complexo, dentro do qual convivem organizações internacionais,
sistemas transnacionais e agentes particulares multinacionais.
Nesse quadro, são muitas as indagações que emergem no tocante
à justificação do direito. De um lado, são institucionalizadas
exigências, no âmbito do direito tradicionalmente doméstico,
concernentes tanto à inserção no plano internacional quanto à
observância de parâmetros definidos para além da esfera estatal.
Paralelamente, o direito internacional clássico passa por um con-
texto de crise: a base da aquiescência dos Estados, antes alçada
ao patamar de fonte primária e suficiente de legitimidade das nor-
mas internacionais, torna-se precária e insatisfatória (HABERMAS,
1998, p. 69-74).
Em sua formatação original, o direito internacional se legi-
tima pelo consentimento dos Estados individualmente consi-
derados. Essa legitimação se diferencia daquela aplicável ao
direito nacional, que é tradicionalmente dependente de exi-
gências muito mais densas de representatividade política, inde-
pendentemente do regime adotado internamente. Cada nível
se perpetua seguindo uma lógica diversa de justiça política. Os
âmbitos até podem se intercruzar, mas, no desenho antigo,
somente mediante a aquiescência estatal. Nesse sentido, não
costumam aparecer grandes dificuldades na administração
(que se dá sobretudo a nível nacional) da relação entre um
direito concebido e aplicado no interior do Estado e um direito
que, embora produzido em um ambiente externo, é aplicado
internamente.
O problema surge com a aproximação entre as concepções
de direito nacional e direito internacional. A linha que separa as
328 dimensões gradualmente desaparece, e, a partir daí, todo um
NEPEL
conjunto de normas, postulados e fundamentos é posto em ques-
tão (KRISCH, 2010, p. 13).
Pensemos, por exemplo, na peculiaridade do Poder Legislativo
330
NEPEL
3. Soberania e Constituição para além
do Estado Nacional: entre identidade e
diferença3
345
NEPEL
Assim, a aposta em uma constelação pós-nacional amparada
em um patriotismo constitucional desligado das particularida-
des culturais se mostra inconsistente, na medida em que ignora
a irredutibilidade e a intransponibilidade das diferenças entre o
“eu” e o “outro”. É desse primeiro entrave que provêm as outras
dificuldades atinentes à assimilação atual da relação entre direito
interno e direito internacional, entre Estado Nacional e ordem pós-
-nacional, entre a democracia estatista e a política deliberativa na
esfera pública global. Em uma perspectiva para além da política dos
séculos XVIII e XIX, a pretensão efetiva de justificar a legitimidade
do direito, especialmente no tocante a normas e orientações com
relação às quais os Estados não manifestaram sua concordância
expressa, não pode resultar na perquirição de um pluralismo inclu-
sivo, no qual o “eu” tolera e admite o “outro” em seu sistema
fechado, mas de um pluralismo plurilateral e abrangente, erguido
a partir do encontro espontâneo e livre entre o “eu” e o “outro”.
21 No original: “[...] constituent power not only involves the exercise of power
by a people: it simultaneously constitutes a people. Constituent power expres-
354 ses the fact that unity is created from disunity [...]”.
NEPEL
portanto, afirmar que as exigências normativas, que se colocam
a esse processo constituinte, ao invés de barreiras a ele, são, na
verdade, constitutivos dele” (OLIVEIRA, 2011, p. 31).
6. Conclusão
7. Referências
362
NEPEL
HABERMAS, Jürgen. Constitutional democracy: a paradoxical union
of contradictory principles? Political Theory, v. 29, n. 6, p. 766-781,
2001.
KUMM, Mattias. The best of times and the worst of times: between
constitutional triumphalism and nostalgia. In: LOUGHLIN, Martin;
363
NEPEL
LUHMANN, Niklas. Soziale Systeme: Grundriss einer allgemeinen The-
orie. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1987.
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Art. 1º, parágrafo único. In:
CANOTILHO, Joaquim José Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET,
Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (coords.). Comentários à Constitui-
ção do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, pp. 137-140.
364
NEPEL
ROSENFELD, Michel. The identity of the constitutional subject: self-
hood, citizenship, culture, and community. New York: Routledge,
2010.
365
NEPEL
9 CONTROLE
DE FATOS E
PROGNOSES
LEGISLATIVOS
PELO TRIBUNAL
CONSTITUCIONAL
José Adércio Leite Sampaio*
REFERÊNCIAS
388
NEPEL
10 Desenvolvimento
institucional,
participação
e o Regimento
Interno da ALMG
Guilherme Wagner Ribeiro*
[...]
Art. 28 – [...]
[...]
4. O desenvolvimento institucional e
Regimento Interno da ALMG de 1990
[...]
5. Conclusão
REFERÊNCIAS
415
NEPEL
EM PERSPECTIVA CRÍTICA
A ELABORAÇÃO LEGISLATIVA
A presente obra compõe-se de uma coletânea de artigos
que partem de uma premissa comum: a de que o processo
legislativo está a merecer um olhar mais atento e reflexivo dos
estudiosos, para além de abordagens meramente descritivas
do fenômeno procedimental. É preciso encarecer a relação
A elaboração
umbilical entre processo legislativo e democracia, tendo
presente que as muitas vicissitudes verificadas na gênese da
legislativa em
lei comprometem o aperfeiçoamento democrático do País.
Daí a relevância de se submeter o processo de elaboração perspectiva crítica
legislativa a uma análise crítica e reflexiva, a partir de
múltiplas perspectivas.