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AUTOMUTILAÇÃO E SÍNDROME DO ARRANCAMENTO

DE PENAS EM AVES

Luíza Schettert Mattia1, Alice Jaques dos Passos1, Francielly Silva Gomes1,
Daniele Gehres1, Júlia Albarral de Santana1, Valeska Martins2

Palavras-chave: Comportamento. Estresse. Psitacídeos.

1 INTRODUÇÃO
A automutilação é o principal problema grave e mais frequente em aves silvestres,
caracterizando-se pela ação da ave em arrancar as próprias penas e, posteriormente, lesionar a pele
e a musculatura. Zeeland (2016 apud CASSIMIRO, 2019) afirma que a síndrome do arrancamento
de penas é geralmente vista em psitacídeos de cativeiro, estimando-se que de 10 a 15% dessas aves
provocam graves danos à plumagem, arrancando ou mastigando suas próprias penas.
Essa enfermidade pode estar relacionada com diversas etiologias, tanto físicas como
comportamentais. O objetivo deste trabalho é reunir informações acerca da automutilação e da
síndrome do arrancamento de penas em aves, indicando sua etiologia, diagnóstico e tratamento
para um melhor entendimento pelos médicos veterinários e tutores de aves.

2 MATERIAIS E MÉTODOS
O presente trabalho foi realizado a partir de uma revisão bibliográfica de artigos e trabalhos
científicos, usando como fonte de pesquisa a plataforma Google Acadêmico. As palavras-chave
utilizadas na busca foram: automutilação, arrancamento, penas e psitacídeos, incluindo suas
traduções para o inglês. Foram utilizados artigos publicados no período de 2007 a 2019.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Segundo Bérgamo et al. (2009), a automutilação define-se pela ação do animal em se
mutilar, com o bico, arrancando suas penas e eventualmente pedaços da pele e musculatura. É uma

1
Discente do Curso de Medicina Veterinária, da Universidade de Cruz Alta - Unicruz, Cruz Alta, Brasil.
2
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Saúde Animal. Docente da Universidade de Cruz Alta - Unicruz, Cruz Alta,
Brasil. E-mail: valsilva@unicruz.edu.br
1
doença que acomete outras espécies, porém é bastante frequente em aves, principalmente
psitacídeos, e geralmente está associada a transtornos psicológicos (BÉRGAMO et al., 2009). Os
locais mais afetados pela síndrome do arrancamento de penas são o dorso, as asas e o peito,
permanecendo íntegras as penas da cabeça, local inalcançável para o animal (CARDOSO, 2010).
A síndrome do arrancamento de penas tem sua etiologia como multifatorial, separada em
causas físicas e comportamentais. As causas físicas mais frequentes são os endoparasitas (Giárdia,
protozoários e helmintos), ectoparasitas (ácaro vermelho Dermanyssus spp., ácaro de pena e sarna
knemidocóptica), clamidiose, dermatite, desnutrição, infecções respiratórias, viroses (circovírus
e poliomavírus), foliculite, neoplasias, hepatopatias, intoxicação por chumbo ou zinco,
hipotireoidismo e alterações ambientais como: falta da luz solar e intolerância à luminosidade e
baixa umidade, bem como o corte inadequado das penas das asas (GODOY, 2007). A análise dos
fatores comportamentais se dá depois da exclusão de todas as causas físicas. As mais comuns
incluem: estresse, solidão, ansiedade, tédio, mudança repentina de ambiente, insônia, frustração
reprodutiva, superpopulação e medo de pessoas ou animais estranhos (GODOY, 2007).
Conforme Chitty (2003 apud CASSIMIRO, 2019), o ideal é que a consulta seja marcada
na casa do tutor, para analisar a ave na sua gaiola ou viveiro no período mais tranquilo do dia, com
todos os integrantes da família no local. Caso o tutor leve a ave até o consultório, deve ser
recomendado que a transporte, de preferência, na própria gaiola. Isso é essencial para que possam
ser verificadas as condições de higiene e enriquecimento ambiental aplicados. Além disso, pode-
se avaliar a ave no seu recinto habitual por meio de fotos e vídeos (CHITTY, 2003 apud
CASSIMIRO, 2019).
Chitty (2003 apud CASSIMIRO, 2019) declara que devem ser considerados o sexo, idade,
espécie, procedência, ambiente, dieta fornecida, terapias anteriores, brinquedos e poleiros. Além
disso, deve-se observar a rotina do animal e do tutor, questionando o tempo que a ave fica dentro
e fora da gaiola e se é pulverizada ou higienizada todos os dias, quanto tempo o tutor fica em casa
e se fuma, usa purificadores de ar ou sprays perto da ave e se ela convive com outros animais e
caso conviva, aconselhar o alojamento em um recinto separado para ver se a situação irá melhorar
ou se intensificar.
É importante a investigação das condições de manejo nutricional e ambiental da ave,
averiguando se o recinto dispõe de algum tipo de aquecimento, como lâmpadas, capas protetoras
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ou tapetes térmicos. Saber a quanto tempo a automutilação iniciou e se em algum período do dia
ou na presença de algum membro da família ela se torna mais constante também é primordial
(CHITTY, 2003 apud CASSIMIRO, 2019).
A utilização de exames laboratoriais também é necessária, sendo eles: flutuação fecal e
teste de ELISA para Giardia spp; análises bioquímicas e hemograma completo para a identificação
de intoxicação por chumbo e zinco sérico; radiografias; PCR para circovírus (CASSIMIRO, 2019).
Outros testes que podem ser realizados são a biópsia ou citologia de penas e pele e a aferição de
hormônios tireoidianos (CARDOSO, 2010). Caso seja impossível descobrir a etiologia da doença,
a resposta ao diagnóstico terapêutico pode ser a única forma de diagnóstico do agente (GODOY,
2007).
O protocolo para o tratamento inclui o uso de polivitamínicos e a correção alimentar,
utilização de antibióticos de amplo espectro quando preciso, especialmente em casos de dermatites
ou soluções de continuidade na pele, exame de ectoparasitas (caso dê positivo, o tratamento para
piolhos pode ser realizado, geralmente com produtos à base de piretróides). Em processos
alérgicos é recomendado o uso de anti-histamínicos. Como o estresse é uma enfermidade referente
ao próprio confinamento do animal, alterações psicológicas que o levam à adquirir essa afecção
devem ser analisadas cautelosamente, por ser uma doença de difícil tratamento. O uso de colares
elizabetanos no pescoço da ave é uma ótima opção até a cura das feridas e o crescimento das penas,
pois dificulta o acesso do animal às áreas acometidas, além do uso de medicamentos tópicos, como
a aplicação do extrato de babosa (Aloe vera), que, por ser muito amargo, impede o animal de se
ferir. O uso de fármacos psicotrópicos, como o haloperidol ou fluoxetina pode ser escolhido como
última tentativa de melhora da automutilação (ALMEIDA, 2008 apud BÉRGAMO et al., 2009).
O tratamento com drogas psicoativas também compreende: inibidores de recaptação
serotoninérgica como paroxetina; antidepressivo como clomipramina; drogas ansiolíticas como
diazepam; e opióide antagonista como a naltrexona (ZEELAND, 2016 apud CASSIMIRO, 2019).
A acupuntura integra a medicina tradicional chinesa e tem sido aplicada para a síndrome do
arrancamento de penas com sucesso, sendo que a seleção efetiva dos pontos é feita a partir da
avaliação completa do paciente (CARDOSO, 2010).
Quando a doença é psicogênica, técnicas de enriquecimento ambiental devem ser usadas
como forma de tratamento. A oferta de um ambiente estimulante pode contribuir para a prevenção
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da síndrome do arrancamento de penas por meio de poleiros de escalada, contato social,
enriquecimento forrageiro como galhos, folhas e capim, estímulo auditivo por meio de música e
brinquedos de mastigação. Esses objetos não podem ser tóxicos (GODOY, 2007; ZEELAND,
2016 apud CASSIMIRO, 2019).
Bérgamo et al. (2009) afirma que o tratamento e o prognóstico dependem do agente
envolvido, sendo que, quando o tratamento é feito no início do quadro, tem-se um prognóstico
bom a reservado, contudo, quando o tratamento é feito com o animal já se automutilando, é
reservado a desfavorável.

4 CONCLUSÃO
É fundamental entender o comportamento natural das aves e suas necessidades físicas,
biológicas e emocionais, a fim de proporcionar um ambiente livre de estresse, priorizando o bem-
estar e minimizando os distúrbios psicológicos, como a automutilação e a síndrome do
arrancamento de penas. Dessa forma, é essencial assegurar ao tutor essas informações, para que
sejam feitos um manejo nutricional e ambiental corretos, por meio da higiene do recinto, interação
social, dietas balanceadas, ambiente enriquecido e espaçoso e, caso o animal tenha a enfermidade,
é fundamental que se faça o tratamento no início do quadro clínico, para garantir um bom
prognóstico.

REFERÊNCIAS

BÉRGAMO, M.; PEREIRA, R. E. P; ZAPPA, V. Auto mutilação em Psitacídeos - Revisão de


Literatura. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, v. 7, n. 12, 2009.

CASSIMIRO, H. N. Síndrome do arrancamento de penas em psitacídeos – Revisão de


Literatura. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Medicina Veterinária) –
Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos, Gama – DF, 2019.

CARDOSO, A. I. P. Picacismo psicogénico em psitacídeos. 2010. Dissertação de Mestrado


(Mestrado em Medicina Veterinária) - Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias. Departamento
de Ciências Veterinárias. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Vila Real, 2010.

GODOY, S. N. Psittacioformes: arara, papagaio, periquito. In: CUBAS, Z. S.; SILVA, J. C. R.;
CATÃO-DIAS, J. L. Tratado de animais selvagens: medicina veterinária. São Paulo: Roca,
2007. p. 222-251.
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