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Aconteceu em Floripa

Memórias • Engenharia Mecânica • UFSC

Arno Blass

64 Professor da UFSC 94
Coordenador do Curso de
Pós Grad. em Eng. Mecânica 76 84 86 90

Chefe do EMC 76 79

Presidente da ABCM 79 81
Aconteceu em Floripa
Memórias • Engenharia Mecânica • UFSC

Arno Blass

janeiro de 2022
Dedicatória
Dedico esta coletânea à Sra.

Vera Lúcia Sodré Teixeira,


que trabalhou na Secretaria do CPGEM,
Curso de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica,
durante os doze anos em que fui coordenador.

Ela chegou novinha, quase uma criança, e cresceu junto


com o curso. Suportou minhas manias e excentricidades.

Confiável e eficiente, se tornou coparticipante


valiosa do processo de evolução do curso e tem
seu nome gravado na história do CPGEM.

Agradecimento
Agradeço a cooperação valiosa de meu filho

Daniel Blass
responsável pelo trabalho de editoração e,
portanto, da qualidade gráfica desta obra.
In Memoriam
„ Adalberto Luiz Verani Depizzolatti „ Hermann Adolf Harry Lücke
„ Áureo Campos Ferreira „ Hyppolito do Valle Pereira Filho
„ Bernd Emil Hirsch „ Jaroslav Kozel
„ Carlos Alberto de Campos Selke „ Joel René Muzart
„ Carlos Alfredo Clezar „ José Carlos Ribeiro da Silva
„ Carlos Calliari „ Paulo Antônio Corsetti
„ Caspar Erich Stemmer „ Paulo César da Silva Jucá
„ Cláudio Melo „ Raul Guenther
„ Domingos Boechat Alves „ Roberto Germani Mayer
„ Getúlio Góes Ferretti „ Walter de Bona Castelan
„ Hélio de Brito Costa

Todos eles contribuíram, a seu tempo, alguns


brevemente, para a construção do que são, hoje,
o Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC
e/ou seus cursos de graduação e de pós-graduação.
Índice

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vi

PARTE 1

Myrcia stemmeriana

O começo difícil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
O criador da Engenharia na UFSC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Aspectos pioneiros da Engenharia na UFSC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Stemmer, um precursor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Um quinquênio produtivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Caspar Erich Stemmer (1930-2012) – Revista ABCM Engenharia . . . . . . . 31
Caspar Erich Stemmer (1930-2012) – Revista História Catarina . . . . . . . 40
PARTE 2

Momentos

Uma pequena epopeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47


Uma aula com Aníbal Nunes Pires . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
10 anos - a história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
O Ensino da Engenharia Mecânica em Santa Catarina
– Origem e Evolução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Sonhos de uma noite de Verão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Nostalgia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Prof. Carlos Alberto de Campos Selke . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Prof. Jaroslav Kozel (1927-1980) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Walter de Bona Castelan . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Visitantes estrangeiros na UFSC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Acordes de uma sinfonia: Os primórdios da
pós-graduação em engenharia mecânica na UFSC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
45 anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
ABCM - Um interregno catarinense . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

PARTE 3

Opinião

Universidade: reformar a Reforma? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105


Nossa responsabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Universidades em avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
A extensão integrada com o ensino e a pesquisa: a teoria e a prática . . . 114
Tradução de A escalada da ciência ganha nova edição . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Arno Blass . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Prefácio

Ao assumir a reitoria da UFSC em 1980, o Prof. Ernani Bayer determinou


a imediata localização e restauração de um busto do Presidente Juscelino
Kubitschek, o fundador de nossa universidade, que ornamentava o sa-
guão de entrada do edifício da Reitoria, mas que dali tinha sido removido
por ocasião dos anos de chumbo. Não lembro as palavras exatas, mas,
discursando ao ensejo, o novo reitor usou uma das muitas variantes de
uma frase que já foi atribuída a Churchill, a de Gaulle, e até a Lula, mas
que é, na verdade, de George Santayana: “uma instituição que não valoriza
o seu passado não é digna de um futuro”.

Valorizar o passado, obviamente, pressupõe conhecê-lo. Este fascículo


constitui minha modesta contribuição ao conhecimento e entendimento
de uma fração do longo processo que vai desde a criação da UFSC (e de
sua Escola de Engenharia Industrial, EEI) até minha aposentadoria, trin-
ta e poucos anos depois. Ele reúne uma série de escritos que produzi ao
longo dos anos, comemorando efemérides associadas ao departamento e
aos cursos de graduação e de pós-graduação em Engenharia Mecânica da
UFSC, ou promovendo a divulgação e/ou o resgate histórico de aspectos
de sua criação e construção. Alguns dos escritos tiveram divulgação exter-
na, uns poucos tendo mesmo sido produzidos por solicitação. E, é claro,
não pretendo estar apresentando uma obra completa. É preciso que outros
também tragam seus aportes, abordando aspectos ainda não considerados,
e resgatando também os desenvolvimentos setoriais, que lamentavelmente
faltam nesta minha contribuição.

« vi »
O livro “Departamento de Engenharia Mecânica – História e contribuições –
1962-2008”, publicado na gestão do professor Lourival Boehs na chefia do
EMC, não só preencheu várias lacunas, como trouxe a história de nosso
departamento até um passado mais recente. Senti um prazer imenso em
ter trabalhado com a equipe do professor Carlos Locatelli, organizador da
obra, e da jornalista Débora Horn, responsável pela redação final, e tive
grande satisfação com o resultado desta empreitada.

Por sua característica original, de escritos individuais, cada um produzido


para um momento específico ou uma clientela própria, a apresentação e
leitura destas minhas crônicas em conjunto, como ocorre nesta obra, faz
com que certas redundâncias se tornem por demais aparentes. Confesso
que elas foram intencionais e tinham razão de ser nos momentos em que
as cometi. Peço aos leitores a compreensão de entendê-las como decor-
rência da própria natureza de cada um dos escritos, e do afã sistemático de
divulgar a Engenharia Mecânica da UFSC e o trabalho daqueles que aqui
militam.

Confesso que não dei a cobertura que mereceriam os primeiros anos da


EEI, no início da década de 60, quando ela funcionava provisoriamen-
te nas “casinhas de Tarzan” construídas nos jardins da antiga Reitoria, na
Chácara Molenda, na rua Bocaiuva, praticamente no centro de Florianó-
polis. Deixo esta tarefa a alguém com maior sensibilidade para capturar os
aspectos poéticos, o lado idílico daquela situação.

As notas de rodapé que aparecem em alguns dos escritos foram adicio-


nadas no decorrer do preparo da presente edição e envolvem, frequen-
temente, informações mais recentes, não disponíveis à época da redação
original dos trabalhos.

Um nome, obviamente, domina toda a narrativa: o do professor Caspar


Erich Stemmer, que propôs o currículo original do curso de engenharia
mecânica, que dirigiu a antiga Escola de Engenharia Industrial e o Centro
Tecnológico que a sucedeu, que foi reitor da UFSC, que teve breves, mas
reiteradas e memoráveis participações na administração federal, inclusive
com alguns dias na posição de ministro. Divulgar seu nome e suas realiza-
ções é para mim, seu antigo aluno (ainda em Porto Alegre), depois com-
panheiro de jornada e amigo, uma missão natural e autoimposta. Quando
da implantação da quarta série do curso de engenharia mecânica, eu seria
seu auxiliar em duas das disciplinas que seriam implantadas naquele ano.
Contudo, ante a sobrecarga decorrente de sua escolha para segundo di-
retor da EEI, Stemmer, em um voto de confiança ímpar, transferiu-me a
plena regência de uma destas disciplinas (Tecnologia Mecânica) ao fim de

« vii »
apenas uma quinzena, ao invés dos dois anos e meio regulamentares. Isso
me deu, ao mesmo tempo, um assento na congregação da escola, servindo
para acelerar em mim o conhecimento da dinâmica de funcionamento da
instituição universitária.

Dei à primeira parte deste livro o título Myrcia stemmeriana, resgatando a


lembrança da homenagem prestada a Stemmer por naturalistas, quando
descobriram, em terras catarinenses, uma nova variedade de mirtácea, em
meados da década de 70. Quiseram eles expressar com isso seu profundo
respeito a um reconhecido amante da natureza. Por extensão, quero ex-
pressar meu profundo respeito por tudo aquilo que Stemmer representa
para todos nós, do Departamento de Engenharia Mecânica, do Centro
Tecnológico e da própria UFSC.

Encerro a segunda parte com matéria que escrevi para o projeto Memó-
ria da ABCM, a Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas,
tendo em vista que a história dessa associação guarda estreita vinculação
com nosso Departamento. Sua concepção começou a ser articulada aqui,
por ocasião do Simpósio Brasileiro de Engenharia Mecânica (1973), o em-
brião dos futuros COBEM (Congresso Brasileiro de Engenharia Mecânica).
Daqui saíram dois de seus ex-presidentes e aqui esteve sua sede, durante
vários anos. Muitos de nossos colegas estiveram de alguma forma ligados
às atividades da ABCM.

Desejo aqui expressar meu particular agradecimento ao amigo e jornalista


Moacir Loth, de memoráveis passagens pela Agecom (Agência de Comu-
nicação) e da Editora Universitária da UFSC, por estimular a transcrição da
entrevista que comigo realizou em 2009, quando da publicação da segunda
edição de “A Escalada da Ciência”, que traduzi; e por me ter convencido a
ampliar os limites da presente publicação, incluindo matérias que eu estava
relutando em incluir. A memória deve ser preservada, disse-me ele, e isso
me remeteu, mais uma vez, à frase de Santayana. Esta decisão levou-me,
posteriormente, a incluir ainda outros escritos que sequer pretendia levar
em consideração. Também sou grato ao Moacir porque em 2003, ao saber
que eu tinha sido comissionado pela CAPES para escrever um livro sobre o
professor Stemmer, pronta e espontaneamente me disponibilizou volumo-
so material que escrevera para a imprensa local, ao longo dos anos, sobre
aquele que viria a se tornar meu biografado. Obrigado, Moa! Valeu!

Florianópolis, Janeiro de 2022


Arno Blass

« viii »


PARTE 1

Myrcia stemmeriana

Espécie possivelmente muito rara, até o momento apenas


conhecida através da coleta do tipo, em floresta de encosta em
altitude de 500 m na localidade de Bom Retiro, Município
de Paulo Lopes. Possivelmente endêmica da área do Parque
Estadual da Serra do Tabuleiro, situado na costa centro-sul do
Estado de Santa Catarina. Árvore característica e exclusiva
da Floresta Ombrófila Densa do Sul do Brasil (mata pluvial
da encosta atlântica), de Santa Catarina, onde apresenta,
possivelmente, inexpressiva e restrita dispersão. Até o momento,
apenas encontrada na área do Parque Estadual da Serra
do Tabuleiro, Santa Catarina.

LEGRAND, C.D.; KLEIN, R.M. Mirtáceas in Reitz,


Flora Ilustrada Catarinense, MIRT-Supl. 4-7, fig.1, 1977.

«1»
O começo difícil

Primeiro de uma série de documentos elaborados em 2007, como


membro da Comissão Editorial do livro “Departamento de Engenharia
Mecânica da UFSC – História e Contribuições 1962-2008”, para servir
de subsídio ao trabalho da redatora, jornalista Débora Horn, e do
organizador, Prof. Carlos Locatelli. O livro foi publicado em 2008.

Quando foi criada a Universidade de Santa Catarina, o presidente era


Juscelino Kubitschek, cujo mote “cinquenta anos em cinco” traduzia seu
empenho em promover a industrialização do país e a criação de uma nova
realidade social e econômica para o Brasil. Assim, a nova universidade
trouxe em seu bojo a digital do projeto desenvolvimentista do presidente:
ela deveria ter uma Escola de Engenharia Industrial, que oferecesse cursos
de engenharia nas modalidades de que o país estava carente, e que eram
essenciais ao processo de industrialização desencadeado no país.

Contudo… Onde estavam os recursos humanos requeridos para implantar


a Escola de Engenharia Industrial? Ferreira Lima, o primeiro reitor, busca
apoio na já conceituada Escola de Engenharia da Federal do Rio Grande
do Sul, e são resolvidos os problemas imediatos: professores gaúchos
implantarão as cadeiras do novo curso de engenharia mecânica e prepara-
rão docentes locais para assumi-las no futuro.

Isso resolvia o problema dos dois primeiros anos letivos, em que estavam
concentradas as disciplinas de formação básica do curso: havia em Floria-
nópolis elementos humanos locais disponíveis para constituir o primeiro
quadro docente autóctone da nova escola. Mas a situação mudava ao se
cogitar das séries subsequentes, que englobavam a parte profissionalizante
do curso.

«3»
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

Seria imperativo trazer profissionais de fora, que aqui viessem a se radicar.


Mas a oferta salarial não era atraente para profissionais qualificados. A boa
vontade de Celso Ramos, abrindo espaços no Plameg, assim permitindo a
complementação salarial, era arriscada: resistiria a uma troca de governo?
A solução possível foi a contratação de recém-formados, para os quais os
valores oferecidos eram tentadores. Se possível, poderia ser dada prefe-
rência a elementos locais que se graduavam fora. Mas… entregar-se-ia o
destino de uma instituição que se criava em condições já em si adversas, a
recém graduados ou, talvez, a profissionais experientes, mas sem prepa-
ração para o magistério? Foi isso que motivou a ideia do treinamento em
serviço, sob a orientação dos docentes que viriam de Porto Alegre.

A solução foi adotada e, sendo bem-sucedida, foi posteriormente estendi-


da, ao se criarem cursos em novas modalidades de engenharia e, mesmo,
em áreas científicas da antiga Faculdade de Filosofia.

Mas se os problemas conceituais estavam resolvidos, a prática reservava


percalços.

As “casinhas de Tarzan”, na antiga Chácara Molenda, na Rua Bocaiuva, nos primeiros anos da Escola de
Engenharia Industrial.

A Floripa de então estava isolada do Brasil e do mundo. A construção da


BR 101 mal começara. A velha estrada de acesso ao aeroporto Hercílio Luz
era sinuosa e dotada de trechos permanentemente esburacados. Ainda não
existiam os serviços telefônicos de DDD e DDI, nem havia sido implantada,
ainda, a precária (mas valiosa) Retemec, a antiga rede telegráfica do MEC.
As copiadoras xerox ainda não haviam chegado ao Brasil. Duas ou três pe-
quenas livrarias que existiam na cidade não se mostraram preparadas para
o novo tipo de demanda qualificada gerada pela universidade, nem para os
complexos problemas burocráticos então existentes, para a importação de
livros.

«4»
O começo difícil

As primeiras turmas enfrentaram dificuldades. A primeira, mais do que


qualquer das seguintes, teve de enfrentar as dificuldades de seu pioneiris-
mo, as improvisações necessárias por causa de fatores os mais inespera-
dos: a chuva e a neblina que atrasavam os voos que traziam os professores
de Porto Alegre, quando não causavam seu cancelamento; as limitações
das aulas práticas pela carência e, mesmo, inexistência de laboratórios; a
concentração de aulas em fins de semana; os horários incômodos dispo-
nibilizados pela Escola Industrial de Florianópolis (Hoje parte do IFSC)
para o uso de suas instalações, por via de um convênio de cooperação
cujas vantagens eram unilaterais; a dificuldade de obtenção de bibliogra-
fia, numa época em que a literatura de engenharia era em sua maior parte
importada, a biblioteca estava em formação e inexistiam as facilidades
que hoje permitem obter qualquer livro em poucos dias. E, acima de tudo,
por que não dizê-lo, pelas limitações de um corpo docente local ainda em
formação, de jovens da mesma faixa etária de seus alunos, e até mesmo
mais novos. Não é exagero afirmar que os primeiros alunos foram cobaias
do processo. Os professores realmente qualificados, os de Porto Alegre, só
estavam disponíveis durante dois ou três dias a cada quinzena. Os que es-
tavam aqui, supostamente disponíveis, eram ainda, como eles, estudantes,
desprovidos de experiência.

Foi necessária muita compreensão e boa vontade para que esta situação
não gerasse conflito. Mas isso se tinha, naquele tempo…

A Floripa que eu conheci, quando aqui cheguei. Abaixo, à direita, ainda aparece o icônico Miramar,
que logo sucumbiria às obras do aterro.

«5»
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

Ei-lo aqui, o Miramar, antes de ser derrubado, aterrado e coberto com asfalto.

«6»
O criador da
Engenharia na UFSC

Também escrito originalmente como subsídio para o livro “Departamento


de Engenharia Mecânica – História e contribuições – 1962-2008”. É a
elaboração final de texto escrito anteriormente, frequentemente
ampliado ou atualizado, que serviu de base para outros documentos
submetidos à divulgação externa. Atualizado para esta edição.

A Lei no 3849/60, que criou a Universidade de Santa Catarina (o “Fede-


ral” viria depois), determinou a implantação de uma Escola de Engenharia
Industrial, tendo a nova universidade, dentre as alternativas determinadas
na lei, optado pelo oferecimento inicial do curso de engenharia mecânica.
Não havendo no estado, à época, profissionais que pudessem tratar deste
empreendimento, a universidade buscou o apoio de sua congênere do Rio
Grande do Sul, que viria a propor a concepção da escola, o currículo do
novo curso e o projeto das instalações requeridas, a par de fornecer ele-
mentos de seu corpo docente para a implantação do curso e a seleção e
treinamento do futuro corpo docente da nova escola.

A Escola de Engenharia Industrial (EEI) e o curso


de engenharia mecânica passaram a ser implanta-
dos a partir de 1962, sob a direção do Prof. Ernesto
Bruno Cossi. Caspar Erich Stemmer, que elabo-
rara o projeto do curso, de início, acompanhou o
o primeiro diretor da EEI.

processo à distância. Mas quando começaram a


Ernesto Bruno Cossi,

ser oferecidas as primeiras disciplinas profissiona-


lizantes (a partir da implantação da terceira série
do curso), passou a integrar o corpo docente gaú-
cho da EEI, passando a vir regularmente a Floria-
nópolis, para ministrar a disciplina de Mecânica

«7»
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

Vibratória e preparar o docente local que deveria assumi-la no futuro. Ao


mesmo tempo, assessorava o diretor da EEI na busca e seleção dos docen-
tes que deveriam ser preparados para as disciplinas restantes do currículo,
todas de cunho profissionalizante, exigindo profissionais indisponíveis no
ambiente florianopolitano.

Um ano depois, como segundo diretor da EEI, Stemmer transferiu-se para


a UFSC e mudou-se para Florianópolis, passando a introduzir a disciplina
Máquinas Operatrizes (4a série) e a preocupar-se também com as instala-
ções físicas da nova escola e com as aquisições requeridas para os laborató-
rios e biblioteca.

Caspar Erich Stemmer, o segundo diretor da EEI e o primeiro do Centro Tecnológico, por ocasião das
comemorações do cinquentenário do curso de engenharia mecânica, entre os professores José Rober-
to da Costa Diffini e Werner Adelmann, que integraram a assistência técnica que a UFRGS nos prestou
nos anos iniciais, e os professores Honorato Antônio Tomelin (primeiro chefe do EMC) e Raul Valentim
da Silva (primeiro coordenador da pós-graduação em engenharia mecânica).

Mas o que realmente marcou o período em que Stemmer ocupou a di-


reção da EEI e, após a Reforma Universitária (1970)1, do Centro Tecnoló-
gico (que a sucedeu), foi a postura dinâmica que assumiu durante todo o
período de sua longa gestão. De imediato começou a visitar as empresas
do parque industrial catarinense, então ainda amplamente constituído de
empreendimentos familiares, e a incentivar empresários a visitar a escola.
Procurava fazer-lhes ver os benefícios que poderiam obter da contrata-
ção de engenheiros. Se lhe diziam que “esses meninos estão verdes, não

1  A Reforma Universitária foi baixada através de um amplo corpo legal (lei e decretos subsequentes,
tratando de aspectos específicos) nos anos de 1967 e 1968. As universidades deveriam implantá-la até
o ano de 1971. A UFSC foi a única universidade brasileira que o fez ainda em 1970. Como membro, à
época, do Conselho de Ensino e Pesquisa, tive modesta participação neste processo. Neste contexto,
tive a valiosa colaboração de diversos professores da EEI/CTC, com os quais discuti os assuntos em
pauta e fui por eles auxiliado na busca de informações e na justificativa de nossas posições. Resgato,
aqui, particularmente, os nomes dos professores José João de Espíndola e Raul Valentim da Silva, por
cuja valiosa cooperação sou imensamente grato.

«8»
O criador da Engenharia na UFSC

conhecem a realidade de uma empresa”, lembrava que justamente aí se


delineava o papel que eles, empresários, deveriam desempenhar, propi-
ciando vagas para estágios e efetivo acompanhamento durante os mesmos,
participando, assim, do processo de formação dos futuros engenheiros.

Medidas concretas começaram a se materializar com grande rapidez na


EEI. Professores eram, também, encaminhados a estágios e programas de
treinamento e instados a melhorar sua formação didático-pedagógica. Lis-
tas de equipamentos para os laboratórios, eram elaboradas, em adição aos
que viriam da antiga Alemanha Oriental (RDA), como parte dos chamados
“Convênios do Café”.

Stemmer visitava órgãos governamentais, agências de fomento, legações


estrangeiras e escritórios de ajuda internacional, buscando apoio finan-
ceiro ou em espécie (livros e revistas); recursos eram logo convertidos em
aquisições. A biblioteca rapidamente passou a incorporar um acervo amplo
e variado, incluindo revistas técnicas e científicas.

Ao mesmo tempo começavam as mudanças, em que se destacaram, de


início, a introdução do estágio curricular obrigatório e dos cursos de for-
mação humanística para os alunos; a contratação dos docentes locais em
caráter probatório, sujeitos a prova de recondução ao final de dois anos;
a introdução da dedicação exclusiva dos docentes e a descentralização do
vestibular. Tudo isto antes de 1966, ainda ao tempo da primeira turma.

A maioria destas inovações seriam hoje consideradas corriqueiras, mas


eram incomuns e motivaram reações de setores mais conservadores da
congregação. A Reforma Universitária, introduzida no país a partir de
1970, viria a contemplar alguns destes pontos, mas com soluções diferen-
tes e menos radicais; em outros, ela inviabilizou algumas das inovações
de Stemmer.

Mais tarde veio a criação de novos cursos de graduação e de pós-graduação


(os primeiros da universidade); a criação da Fundação do Ensino de Enge-
nharia em Santa Catarina (para gerir recursos de convênios); a aquisição do
primeiro computador mainframe (o clássico IBM 1130) da universidade; a
vinda dos primeiros professores visitantes.

Ao ser criado o Centro Tecnológico, os cursos de engenharia da UFSC já


começavam a ser conhecidos pelo país. Stemmer implementou as modi-
ficações determinadas pela Reforma Universitária, procurando adequar
suas inovações ao novo corpo legal. E para mostrar o que era o curso de
engenharia mecânica da UFSC (e seu mestrado, que começava a produzir

«9»
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

os primeiros titulados), Stemmer organizou, em fins de 1970, o 1o Simpó-


sio Nacional de Engenharia Mecânica. Com apenas uma dúzia de traba-
lhos, sem anais nem referees, o evento serviu para promover a congregação
da classe e a discussão de problemas comuns. Ele viria a ser oficializado,
rebatizado de Congresso, e logo se tornou conhecido no país e no exterior
como o COBEM.

Os cursos de pós-graduação geravam novas necessidades. A primeira delas


era a substituição do velho 1130; outra, um acordo de cooperação técnica
que Stemmer negociava com sua antiga escola de Aachen, beneficiando
o curso de engenharia mecânica da UFSC, envolvendo recursos da GTZ
(Sociedade Alemã de Cooperação Técnica) e do Governo Brasileiro. A bu-
rocracia da universidade obstaculizou as duas iniciativas, que se arrastaram
por vários anos, e só vindo a ser resolvidas em 1976 (por Stemmer, agora
reitor da UFSC).

Stemmer deixou a direção do Centro Tecnológico em 1974, ao ser chama-


do para dirigir o PREMESU (Programa de Expansão e Melhoramento das
Instalações do Ensino Superior). Voltou a Florianópolis em 1976, como
reitor da UFSC. Marcou seu mandato por um extraordinário programa de
obras, pela criação de vários novos cursos e pela conclusão e inauguração
do Hospital Universitário, cujas obras estavam paradas havia vários anos.
Mais tarde integrou o Grupo Especial de Acompanhamento do PADCT
(Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a
Comissão de Avaliação do Programa Nuclear Brasileiro. De volta a Brasília,
foi o Secretário Executivo do PADCT; mais tarde chefiou a Diretoria de
Coordenação de Programas da Secretaria de Ciência e Tecnologia. Após
breve período em Florianópolis, voltou ao Brasília ao início do primeiro
governo de Fernando Henrique Cardoso, agora chefiando a Secretaria de
Desenvolvimento Científico do MCT, sendo, por vezes, ministro interino.
Aposentou-se em 1999.

Stemmer deixou sua marca em todos os cargos que ocupou. Mas em


Florianópolis, ao dirigir a EEI e o Centro Tecnológico, associou seu nome
indelevelmente ao destas instituições. Quando hoje se fala nos cursos de
engenharia da UFSC, e particularmente no curso de engenharia mecânica,
é normal que, de imediato, seu nome seja mencionado.

Faleceu em 12 de dezembro de 2012. Foi membro da Academia Nacional


de Engenharia. Em 2001 a FEESC, Fundação de Ensino e Engenharia em
Santa Catarina, que ele criara, deu o nome de Prédio Prof. Caspar Eri-
ch Stemmer ao edifício que construíra para abrigar suas instalações e a
Direção do Centro Tecnológico da UFSC. A Lei no. 14.328/SC, de 2008,

« 10 »
O criador da Engenharia na UFSC

homenageou-o, instituindo o Prêmio Stemmer de Inovação Tecnológica,


periodicamente distribuído pela FAPESC. Entre outras honrarias e dis-
tinções que lhe foram concedidas, destacam-se: Professor Emérito (UFSC,
1999); Cidadão Honorário de Florianópolis (1999); Medalha Anita Garibal-
di (2009); Cidadão Catarinense (in memoriam, 2014); Pesquisador Emérito
(CNPq, in memoriam, 2014). Em dezembro de 2015 foi inaugurada uma
estátua sua nos jardins do Departamento de Engenharia Mecânica. Em de-
zembro de 2016 a empresa catarinense Digitro Tecnologia homenageou-o
dando o nome de Caspar Erich Stemmer a seu novo auditório. E em 2018,
em uma alteração de seus estatutos, a FEESC homenageou-o mais uma
vez, passando a designar-se Fundação Stemmer para Pesquisa, Desenvolvi-
mento e Inovação.

O professor Caspar Erich Stemmer recebeu diversas homenagens em seus últimos anos. Uma delas
foi da turma de 1974 da graduação em Engenharia Mecânica, que comemorou jubileu de 35 anos de
formatura em 2009. Ao centro, de terno cinza, o guru Stemmer. Além dos graduados, os professores
Arno Blass (primeiro à direita, em pé) e o professor Sérgio Gargioni (primeiro à esquerda, à frente).
Foto: Acervo de Estela Benetti.

« 11 »
Aspectos pioneiros da
Engenharia na UFSC

Escrito quando integrei o Conselho Editorial do Boletim Informativo da


Apopen, Assoc. dos Aposentados e Pensionistas da UFSC, como parte
do projeto “Memória”. Publicado no referido boletim, no 21, ano III, de
novembro de 1995.

Ao assumir, como segundo diretor da antiga Escola de Engenharia In-


dustrial (EEI), em princípios de 1965, Caspar Erich Stemmer de imediato
começou a implementar uma gama de iniciativas que logo iriam distingui-
-lo do tipo clássico dos administradores da velha universidade brasileira,
e que viriam a chamar a atenção de todo país para aquela pequena escola
que mal completava seu primeiro lustro de existência. Cinco dentre estas
iniciativas merecem referência particular:

1. a dedicação exclusiva, mascarada sob a forma do duplo contrato


de trabalho;
2. o aperfeiçoamento de docentes, que evoluiu rapidamente para a
formação pós-graduada no sentido estrito;
3. o estágio obrigatório curricular segundo programação específica;
4. a interação sistemática com o setor industrial;
5. o regime probatório dos novos docentes.

Tais iniciativas causaram espécie, à época, porque virtualmente não en-


contravam paralelo nas instituições de ensino superior do país. As únicas e
pálidas exceções, praticando algumas destas iniciativas, eram a USP e o ITA.
Por isto mesmo, foram consideráveis as forças que se levantaram contra o
novo diretor, procurando obstaculizar sua ação. Não fosse o decidido apoio
do então reitor da Universidade, Prof. João David Ferreira Lima, que deci-
diu pagar para ver, suas ideias teriam sido afogadas no nascedouro.

« 12 »
Aspectos pioneiros da Engenharia na UFSC

Três anos depois, já como consequência das novas medidas, a EEI dispu-
nha, em seu quadro, de um contingente de sete Mestres em Ciências, os
primeiros da Universidade, e os sete trabalhavam no projeto de criação de
um curso de pós-graduação, que viria a ser, também, o primeiro da UFSC.
À mesma época, a Congregação de outra faculdade ainda negava o pedido
de afastamento de um professor para realização de Mestrado porque “não
interessava à faculdade”. Na EEI, porém, isso interessava demais, e em 1969,
após árduas batalhas no DAU (predecessor da SESu)2, no CNPq e no BNDE
(hoje BNDES, e que então exercia um papel similar ao que a FINEP exer-
ce hoje), começava a funcionar o Curso de Pós-graduação em Engenharia
Mecânica, com cinco áreas de concentração. Dois anos depois, começava o
de Engenharia Elétrica; no ano seguinte, duas das áreas do CPGEM (Curso
de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica) se desmembravam e consti-
tuíam o Curso de Pós-graduação em Engenharia Industrial (hoje, de Pro-
dução e Sistemas). Só depois disso a pós-graduação viria a cruzar o canal.

A partir de 1967 o Governo Federal baixou volumoso corpo legal que viria
a ser conhecido como a Reforma Universitária, que a UFSC implantou
em 1970, um ano antes das demais universidades brasileiras. Esta Reforma
consagrava a formação pós-graduada e a dedicação exclusiva e, em legis-
lação posterior, a extensão. A interação com o segmento industrial viria
a ganhar foros de obrigatoriedade com os PBDCTs (Planos Brasileiros de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) da década de 70. Em 1975, com
os novos currículos mínimos de Engenharia, o CFE (Conselho Federal de
Educação, hoje extinto) oficializou o estágio curricular. E somente em fins
da década de 80 a legislação consagrou o regime probatório dos docentes,
e em condições bem mais amenas do que o praticava a EEI.

Ou seja: a EEI da UFSC saltou na frente em uma série de iniciativas que


hoje nos parecem coisa normal.

2  Órgãos do Ministério da Educação. O DAU era o Departamento de Assuntos Universitários, poste-


riormente substituído pela SESu (Secretaria do Ensino Superior, posteriormente Secretaria da Educa-
ção Superior).

« 13 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

O velho Laboratório de Máquinas Hidráulicas, um dos mais antigos, ainda do tempos da EEI.

« 14 »
Stemmer, um precursor

Publicado em ABCM Engenharia, volume 10, no 1, pgs. 21 e 22, outubro de


2005

Preliminares
A abertura do leque das especializações oferecidas pelas escolas de enge-
nharia do país começou a ocorrer de forma relativamente tímida depois
do fim da Segunda Guerra. De início, as estruturas de cursos pré-existen-
tes (geralmente de engenharia civil) eram aproveitadas ao máximo, sendo
os currículos dos novos cursos estabelecidos mediante reduzidos cortes
e substituições. Esta postura não decorria apenas de meras considerações
econômicas, mas da própria indisponibilidade de profissionais que pu-
dessem assumir o magistério de novas disciplinas de conteúdo demasiado
especializado. Entretanto, em decorrência do acelerado processo de in-
dustrialização do país, desencadeado pela política desenvolvimentista do
governo de Juscelino Kubitschek (1956/61), passaram a ser exigidos profis-
sionais de engenharia com perfis novos, completos e bem caracterizados, e
em números substancialmente maiores do que aqueles que vinham sendo
lançados ao mercado. Foi então incentivada a criação de cursos em novas
modalidades nas escolas existentes, assim como a criação de novas escolas,
priorizando estas novas modalidades.

Caspar Erich Stemmer é, a um tempo, fruto e agente desta época de tran-


sição e de transformação do ensino de engenharia no Brasil. Formado em
1953 na primeira turma do curso híbrido de engenheiros mecânicos e ele-
tricistas da Universidade do Rio Grande do Sul (e, por ter cursado apenas
mais uma disciplina, tendo recebido, ainda, o grau de engenheiro civil),
a mera atividade profissional numa firma em que já trabalhava desde o
curso secundário dava-lhe consciência das limitações de sua formação em

« 15 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

engenharia mecânica. Por isto aceitou uma bolsa de estudos da Fundação


Rotária e passou um ano – o tempo pré-estabelecido de duração da bolsa –
na Escola Técnica Superior do Reno-Vestfália, em Aachen, na então Alema-
nha Ocidental. O tempo era insuficiente para perseguir uma pós-gradua-
ção formal que, de resto, ainda, não era valorizada no Brasil, à época. Mas
Stemmer já sentia os pruridos de quem um dia se envolveria com o ensino
da profissão e, por isso, procurou tirar o máximo de sua passagem por
Aachen. Cursou tantos cursos quantos lhe foi possível, procurou realizar
estágios em diversos laboratórios, preocupou-se com a atenção lá dada ao
currículo, à montagem e ao funcionamento dos laboratórios, à formação
prática, à questão do nível desejado da formação humanística dos profis-
sionais de engenharia, às questões conceituais relativas ao currículo, ao
relacionamento da escola com o setor industrial e ao funcionamento geral
da instituição. Além disso, procurou também estabelecer fortes vínculos
pessoais que, no futuro, viriam a se revelar importantes.

Retornando a Porto Alegre e convidado a lecionar na universidade em que


estudara, Stemmer cedo propôs uma reformulação curricular do curso ( já
agora individualizado) de engenharia mecânica, mas não teve condições
de vencer a rigidez das estruturas da velha universidade, onde apenas os
catedráticos tinham voz. Sobrou-lhe a liberdade de configurar a seu gosto
o programa da cadeira de Construção de Máquinas, cuja responsabilidade
lhe foi entregue, dando-lhe um escopo bem mais amplo. Por inquestio-
nável necessidade, nela incorporou amplos conteúdos de Elementos de
Máquinas, além de incursões nas áreas de Materiais e Processos. E ten-
do-se associado a uma empresa que começava a se estabelecer do outro
lado da rua em que ficavam as instalações da escola, voltada à produção de
pequenas peças produzidas em tornos automáticos (os primeiros instala-
dos em Porto Alegre), lá levava os alunos com frequência, mostrando-lhes
o processo produtivo e a realidade do mundo da pequena empresa. Os
alunos, sentindo que Stemmer buscava apenas suprir deficiências curricu-
lares, longe de considerarem a cadeira pesada e superdimensionada, enca-
ravam-na como um oásis.

Ensino de engenharia em Santa Catarina


– Os primórdios
Quando, em 1960, foi criada a Universidade de Santa Catarina (o restri-
tivo “Federal” só viria mais tarde), foi prevista a imediata implantação de
uma escola de engenharia que, por imposição do governo federal, deveria
oferecer cursos nas modalidades industriais. Atendendo às necessidades do
estado, foi feita a opção pelo oferecimento inicial de um curso de enge-

« 16 »
Stemmer, um precursor

nharia mecânica. Não havendo no estado, na realidade da época, profissio-


nais que pudessem tratar deste empreendimento, buscou a nova univer-
sidade a cooperação técnica de sua congênere do Rio Grande do Sul, que
viria a propor a concepção da escola, o currículo do novo curso e, através
de seu escritório de obras, o projeto das instalações requeridas, a par de
fornecer elementos de seu corpo docente para a implantação do curso e a
seleção e treinamento do corpo docente da nova escola.

O projeto que Stemmer não conseguira introduzir em Porto Alegre foi


tomado em consideração e, com mínimas alterações, aceito, adotado e
posto em regime de implantação em 1962. Stemmer inicialmente acompa-
nhou o processo à distância. Ao iniciar-se, porém, a terceira série do curso,
quando começaram a ser oferecidas as primeiras disciplinas profissiona-
lizantes, passou a integrar o grupo de docentes gaúchos responsáveis pela
implantação das disciplinas. Começou a ir regularmente a Florianópolis,
introduzindo a disciplina de Mecânica Vibratória e preparando o docen-
te local que viria a assumi-la futuramente. Ao mesmo tempo, assessorava
o diretor da Escola de Engenharia Industrial (EEI) na busca e seleção dos
docentes que deveriam ser preparados para as disciplinas restantes do
currículo, todas de cunho profissionalizante, requerendo profissionais in-
disponíveis no ambiente florianopolitano. Um ano depois, escolhido para
segundo diretor da escola, mudou-se para Florianópolis, passou a intro-
duzir a disciplina Máquinas Operatrizes e a preocupar-se também com as
instalações físicas da nova escola e com as aquisições requeridas para os
diversos laboratórios e biblioteca.

Mas o que realmente marcou de forma indelével o período em que Stem-


mer ocupou a direção da EEI e, após a Reforma Universitária implantada
na UFSC em 1970, do Centro Tecnológico que veio a sucedê-la, foi a pos-
tura dinâmica que ele assumiu durante todo o período de sua gestão, que
totalizou três mandatos. Assim que chegou a Florianópolis, começou a
visitar as empresas – grandes e pequenas – do parque industrial catarinen-
se, então ainda amplamente constituído de empreendimentos familiares,
e a incentivar os empresários a visitarem a escola. Procurava fazer-lhes
ver os benefícios que poderiam obter deste novo produto que lhes chega-
va ao mercado: os engenheiros. E quando lhe diziam que “esses meninos
estão verdes, não conhecem a realidade de uma empresa”, contra-argu-
mentava, lembrando que justamente aí se delineava o papel que lhes cabia,
como empresários, desempenhar no processo formativo destes profissio-
nais, propiciando vagas para estágios e efetivo acompanhamento durante
os mesmos.

« 17 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

Medidas concretas começaram a se materializar com grande rapidez. Ele-


mentos selecionados para o magistério de disciplinas eram encaminhados
a estágios e programas de treinamento relacionados ao conteúdo didático
das mesmas. Em oficiosos seminários internos, jovens docentes eram ins-
tados a melhorar (na verdade, a buscar) sua formação didático-pedagógica.
Comissões internas elaboravam listas de equipamentos requeridos para
os vários laboratórios, em adição aos que deveriam ser recebidos da antiga
Alemanha Oriental (RDA), como parte dos chamados “Convênios do Café”.
Stemmer ia de Ceca a Meca, visitando órgãos governamentais, agências de
fomento, legações estrangeiras e escritórios de ajuda internacional buscan-
do apoio financeiro ou em espécie (geralmente livros e revistas); e, de posse
de recursos, partia para as aquisições. A biblioteca rapidamente passou a
incorporar um acervo amplo e variado, incluindo revistas técnicas e cientí-
ficas. E ao mesmo tempo começavam as mudanças:

a) Estágios – O estágio curricular obrigatório foi introduzido de for-


ma radical e inédita, em duas etapas: de formação prática prévia,
começando ao final do primeiro semestre de aulas, realizada na
própria EEI ou, mediante convênio, em escolas técnicas, enfati-
zando a aquisição de habilidades; e a formação prática profissional,
a partir da terceira série, desenvolvida em ambiente industrial,
com acompanhamento pela escola, através de órgão criado es-
pecificamente para tal fim, e pela empresa. As férias dos alunos
ficavam reduzidas a trinta dias por ano, e os estágios constituíam
pré-requisito de matrícula.
b) Formação geral e humanística – A fim de contornar os compo-
nentes alienantes que uma formação profissional intensa e estri-
tamente concentrada poderia suscitar, foi introduzida uma gama
variada de cursos de divulgação cultural, mediante a colaboração
das demais faculdades da UFSC e a cooperação de outras entida-
des e de profissionais de reconhecido valor. Nestes cursos, de que
os alunos tinham de frequentar determinada carga mínima, eram
abordados aspectos éticos, políticos, sociais e culturais da vida, na
forma de exposições seguidas de debates e discussões.
c) Relacionamento com o segmento industrial – Stemmer desde
logo empreendeu uma atividade sistemática de contatos com os
industriais e empresários do estado (onde então preponderavam
as empresas familiares), com objetivos múltiplos: obter vagas para
estágios; convencer empresários das vantagens que poderiam obter
pela contratação de engenheiros e mostrar-lhes que a Escola, na
medida em que se equipava e qualificava seus docentes, ficava em
condições de prestar consultoria, na busca de soluções para proble-
mas não triviais que amiúde ocorrem no ambiente industrial.

« 18 »
Stemmer, um precursor

d) Treinamento e qualificação de docentes – Além dos programas


internos de formação didático-pedagógica, Stemmer estimulou
seus jovens à busca da pós-graduação formal (numa época em que
muito poucos faziam isso). Durante a próxima década, a EEI e o
Centro Tecnológico, que a sucedeu, mantiveram um percentual
elevado de seus docentes afastado em busca do mestrado ou douto-
rado (Na área de engenharia mecânica este percentual foi da ordem
de 15%, distribuído em instituições nacionais, europeias ou norte-a-
mericanas). Isto representava uma sobrecarga considerável sobre os
docentes que ficavam, mas o esforço certamente se justificou.
e) Provas para a recondução de docentes – Além de se valer de
olheiros para detectar candidatos com potencial para o magistério
superior e de procurar induzi-los a inscrever-se para as provas de
seleção, Stemmer preconizava a contratação dos selecionados em
regime probatório, por um período de dois anos, após os quais de-
veriam submeter-se a provas de recondução, envolvendo aspectos
de conhecimento técnico-científico e didático-pedagógico, sendo
ainda considerado seu desempenho durante o biênio.
f) Dedicação exclusiva - Não sendo a Florianópolis da década de ses-
senta um parque industrial, era difícil motivar engenheiros mecâ-
nicos a se mudarem para a cidade, já que o salário da universidade
era insuficiente. A contratação paralela pelo governo do estado
não era atraente, pois raramente se dava em área de interesse para
tais profissionais. Stemmer concebeu então a alternativa do duplo
contrato de trabalho (com a responsabilidade por duas disciplinas)
como uma forma primitiva do que mais tarde viria a ser conhecido
como o regime de dedicação exclusiva.
g) Descentralização do Vestibular – Até a Reforma Universitá-
ria, cada faculdade ou escola de uma universidade realizava seu
próprio concurso vestibular, segundo critérios próprios. Com o
objetivo de atrair mais candidatos ao vestibular de engenharia,
democratizando oportunidades e permitindo melhorar a seleção,
Stemmer encetou, ainda em 1965, uma série de visitas aos cursos
de segundo grau do estado, divulgando as possibilidades que a
UFSC oferecia em termos de engenharia mecânica. E já no ano
seguinte promoveu a descentralização do concurso vestibular da
EEI, realizando-o em quatro cidades; para isso era usado o suporte
logístico de escolas locais, havendo o deslocamento de apenas um
elemento da EEI ao local, a quem competia a garantia do sigilo e
da lisura.

« 19 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

h) Novos cursos de graduação – Para atender necessidades eviden-


ciadas, foram criados os cursos de graduação de engenharia elé-
trica (1966) e engenharia civil (1968). Em ambos os casos, a fim de
acelerar o processo de implantação, foram firmados convênios
com a Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina) e com o Go-
verno do Estado, respectivamente, pelos quais estes repassavam os
recursos de investimento e custeio requeridos enquanto os cursos
não fossem assumidos pelo MEC.
i) Fundação do Ensino da Engenharia em Santa Catarina – Para
administrar os recursos decorrentes destes convênios, foi criada
a FEESC (Fundação do Ensino da Engenharia em Santa Catari-
na), de que Stemmer foi o primeiro presidente. Esta fundação
subsiste até nossos dias, atuando em ações de apoio aos cursos de
engenharia.
j) Pós-graduação – A volta dos primeiros professores titulados deu
respaldo ao próximo e importante passo: com o apoio do BNDE
(antecessor do BNDES), de agências de fomento e organizações in-
ternacionais, Stemmer lançou os primeiros cursos de pós-gradua-
ção (mestrado) da UFSC: engenharia mecânica (1969), engenharia
elétrica (1970) e engenharia industrial (desmembrado de engenha-
ria mecânica, em 1971). Em decorrência, foi adquirido o primeiro
computador (o clássico IBM 1130) da universidade e efetuadas ou-
tras aquisições pertinentes. Diversos professores visitantes estran-
geiros foram trazidos em decorrência da criação destes cursos.

Tudo isto aconteceu durante o primeiro mandato e início do segundo


mandato de Stemmer. A maioria destas inovações podem ser hoje consi-
deradas corriqueiras, mas eram inovadoras e motivaram pesadas reações
de setores mais conservadores da congregação. A Reforma Universitária,
implantada no país a partir de 1970, contemplava alguns destes pontos, mas
com soluções diferentes e menos radicais. A passagem do ciclo básico dos
cursos de engenharia a um Centro de Estudos Básicos inviabilizou total-
mente a programação de estágios (os estudantes de engenharia só chegavam
ao Centro Tecnológico no quinto semestre, estágios não podiam mais ser
pré-requisitos de matrícula); no curso de engenharia mecânica seria adota-
da a modalidade curso-sanduíche, com um semestre letivo dedicado a um
grande estágio (esta modalidade foi ensaiada na UFSC, antes de ser dissemi-
nada pelo país). A programação humanística foi contemplada na reforma.
Contratações e vestibular passaram a ser realizados pela universidade; em
decorrência, caiu o regime probatório (restaurado vinte anos depois por
legislação federal, mas mantido como letra morta por pressões corporativas)
e o vestibular único e unificado passou ser feito em Florianópolis, exclusiva-
mente. Ao assumir a reitoria da UFSC, em 1976, Stemmer tornaria a des-

« 20 »
Stemmer, um precursor

centralizar o vestibular, agora para todos os cursos da universidade, medida


que se mantém até nossos dias. Por outro lado, surgia, finalmente, a figura
legal dos regimes de tempo integral e dedicação exclusiva, extinguindo-se a
instável situação dos duplos contratos de trabalho.

O Centro Tecnológico
Ao ocorrer a criação do Centro Tecnológico, os cursos de engenharia da
UFSC já começavam a ser conhecidos pelo país. Stemmer implementou
as modificações determinadas pela Reforma Universitária, procurando
adequar suas inovações ao novo corpo legal. E para mostrar o que era o
curso de engenharia mecânica da UFSC (e seu mestrado, que começava a
produzir os primeiros titulados), Stemmer organizou, em fins de 1970, o
1o Simpósio Nacional de Engenharia Mecânica. Com apenas uma dúzia de
trabalhos, sem anais nem referees, o evento serviu para promover a congre-
gação da classe e a discussão de problemas comuns. Ele viria a ser oficia-
lizado, rebatizado de Congresso, e logo se tornou conhecido nacional e
internacionalmente como o COBEM.

Os cursos de pós-graduação geravam novas necessidades. A primeira delas


era a substituição do velho IBM 1130; foi uma batalha desgastante, princi-
palmente porque o Núcleo de Processamento de Dados criado pela Refor-
ma era diretamente subordinado ao reitor. A questão se arrastou durante
vários anos, e só veio a ser resolvida em 1976 (quando Stemmer já era reitor
da UFSC), com a aquisição de um IBM 360/40.

Após uma viagem a Aachen, Stemmer conseguiu alinhavar um acordo de


cooperação técnica com sua antiga escola, beneficiando o curso de en-
genharia mecânica da UFSC com recursos da GTZ (Sociedade Alemã de
Cooperação Técnica) e do Governo Brasileiro. Mas também esse convênio
teve tramitação demorada, justamente na UFSC, e só seria assinado, pela
mão de Stemmer, já quando reitor, em 1976.

Conclusão
Stemmer deixou a direção do Centro Tecnológico em 1974, quando foi
chamado para dirigir o PREMESU (Programa de Expansão e Melhora-
mento das Instalações do Ensino Superior, do Governo Federal). Voltou a
Florianópolis em 1976, como reitor da UFSC. Marcou seu mandato por um
extraordinário programa de obras, pela criação de vários novos cursos e
pela conclusão e inauguração do Hospital Universitário, cujas obras esta-

« 21 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

vam paradas havia vários anos. Mais tarde integrou o Grupo Especial de
Acompanhamento do PADCT e a Comissão de Avaliação do Programa Nu-
clear Brasileiro. De volta a Brasília, foi o Secretário Executivo do PADCT;
mais tarde chefiou a Diretoria de Coordenação de Programas da Secretaria
de Ciência e Tecnologia. Após breve período em Florianópolis, voltou ao
Brasília ao início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso,
agora chefiando a Secretaria de Desenvolvimento Científico do MCT, sen-
do, por vezes, ministro interino. Aposentou-se em 1999.

Stemmer deixou sua marca em todos os cargos que ocupou. Mas em


Florianópolis, ao dirigir a EEI e o Centro Tecnológico, associou seu nome
indelevelmente ao daquela instituição. Quando hoje se fala nos cursos de
engenharia da UFSC, e particularmente no curso de engenharia mecânica,
é normal que alguém, de imediato, mencione seu nome.

O Centro de Usinagem com que Stemmer e Áureo Campos Ferreira viriam a se divertir.

« 22 »
Um quinquênio produtivo

Escrito à mesma época do anterior, o presente artigo não teve, até agora,
divulgação. Inclui, numa de suas seções, ações desencadeadas durante
minha passagem pela Chefia do EMC, em 1976-79.

Introdução
Quando se analisa a história dos cursos de engenharia mecânica na UFSC
ou do Departamento de Engenharia Mecânica (EMC), observa-se o grande
salto qualitativo ocorrido no período compreendido entre os anos de 1976
e 1981. Em 1976 o EMC possuía um quadro de 45 docentes, dos quais nove
possuíam doutoramento (e um era professor visitante) e vários eram apenas
graduados. O Curso de Pós-graduação em Engenharia Mecânica (CPGEM),
que iniciara suas atividades em 1969, oferecia apenas o mestrado (o primei-
ro da UFSC), havia recém havia formado seu vigésimo mestre em ciências,
mantendo uma média de pouco mais de três titulações por ano, irrisória
diante do tamanho do alunado e em comparação com os altos índices de
evasão. Por outro lado, seis docentes estavam espalhados pelo mundo, rea-
lizando atividades de doutoramento em instituições as mais variadas. Já em
1981 o departamento possuía 61 professores, dos quais vinte eram doutores,
e apenas dois dos docentes (um deles sendo Stemmer) não possuía titula-
ção. O curso de pós-graduação vinha, agora, formando uma média de dez
mestres por ano, com um pico atípico de 23 mestres no ano de 1980. Neste
ano, ainda, foi iniciado o doutoramento. Nove professores estavam afasta-
dos, realizando doutoramento no Exterior.

Uma análise simplista poderia sugerir que, estando Stemmer na Reitoria,


estivesse a derramar benesses sobre seu departamento. Mas a realidade era
bem diferente. Mesmo porque os números acima mencionados exprimem
resultados de iniciativas passadas, frutos de ações de há muito implemen-

« 23 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

tadas. O período em questão, que coincide com a passagem de Stemmer


pela Reitoria da universidade, representa, na verdade, o frutificar simultâ-
neo de toda uma gama de esforços do passado, esforços alguns de matura-
ção necessariamente demorada, outros, mais imediatos e cujos efeitos se
revelaram fortuitamente coincidentes.

Zeferino Vaz, o criador da Unicamp, costumava dizer que uma universida-


de se faz com três ingredientes: cérebros, cérebros e cérebros… Stemmer,
que costumava citá-lo, rezava pela mesma cartilha e, por isso mesmo, mui-
to antes que a lei o exigisse, fez com que os professores da antiga Escola de
Engenharia Industrial saíssem em busca de titulação. Quando foi criado o
mestrado na UFSC, nele matriculou, ex oficio, todos os professores que ain-
da não tinham sua pós-graduação encaminhada. E o quinquênio produtivo
de que falo representa justamente o período em que esta política começou
a dar seus frutos. 1981 é o ano em que o número de professores titulados,
especialmente com o doutorado, atingiu a massa crítica requerida para
conduzir os encargos de um departamento que pretendesse ser respeitado.

Mas, é claro, os cérebros precisam, afinal, de equipamentos e laboratórios.


Precisam estabelecer e engajar-se em linhas de pesquisa compatíveis com
as necessidades do desenvolvimento nacional, e ter condições de desenvol-
vê-las. E é aí que entram outras iniciativas de Stemmer que tiveram matu-
ração mais demorada.

Uma Pausa
Quando Stemmer, esteve em Aachen, na antiga Alemanha Ocidental, para
participar de atividades de especialização junto à Escola Técnica Superior
do Reno-Vestfália (RWTH-Aachen), em 1957/58, tinha em mente, de início,
apenas complementar aquilo que detectava como lacunas de sua formação
de engenheiro obtida no Brasil, num curso novo, ainda não plenamente
organizado, e do qual, depois de graduado, fora convidado a participar
como docente. Chegara à Alemanha com uma bolsa de estudos da Funda-
ção Rotária, que tinha a duração improrrogável de um ano, e que lhe im-
punha, além de estudar, também atuar como “embaixador da boa vontade
na promoção do entendimento entre os povos”. A duração limitada da bol-
sa obrigava-o a racionalizar o tempo, procurando realizar o máximo que
lhe fosse possível em termos de cursos e estágios, sem levar a uma titula-
ção definida que o tempo não permitia. O que Stemmer pretendia, portan-
to, era adquirir o conhecimento que lhe permitisse visualizar o que deveria
ser um currículo de engenharia mecânica, quais deveriam ser seus conteú-
dos necessários, quais as necessidades laboratoriais e indicações quanto ao

« 24 »
Um quinquênio produtivo

seu uso, assim como a forma de iniciação dos alunos à vivência profissio-
nal. Entendia ele que precisava de tudo isso para capacitar-se a enfrentar
os compromissos que o esperavam no curso de que iria participar, em seu
retorno a Porto Alegre. Ao mesmo tempo, porém, e coerentemente com
uma das condições da bolsa que lhe fora concedida, assumiu uma posição
de liderança ativa entre os estudantes brasileiros seus contemporâneos em
Aachen, na tarefa de divulgar e promover o Brasil, seu povo, costumes e
folclore no Exterior.

Sua personalidade forte, seu zelo, sua dedicação e seu empenho não deixa-
ram de ser observados por aqueles, mestres e colegas, que com ele con-
viviam na Alemanha. Durante o tempo em que permaneceu em Aachen,
Stemmer conheceu pessoas e com elas estabeleceu um relacionamento
franco que perduraria muito além de seu retorno ao Brasil, do afastamen-
to físico e da passagem do tempo.

E, retornando a Porto Alegre, começou, de imediato, a colocar em práti-


ca as observações que fez na Alemanha. Constatando que o currículo do
curso de engenharia mecânica da URGS continha lacunas consideráveis,
em breve tempo incorporou muitas delas no conteúdo da cadeira que lhe
fora alocada. Nominalmente identificada como Construção de Máquinas, o
programa da cadeira logo passou a incluir os imprescindíveis fundamentos
de Elementos de Máquinas. Mas foi além: sob a genérica designação de
Regras de Projeto (para peças forjadas, estampadas, soldadas usinadas, etc.),
a cadeira passou a avançar sobre as lacunas da deficiente formação em
processos de conformação. O resultado foi que Construção de Máquinas
logo se tornou o centro de gravidade do curso, a cadeira mais volumosa,
pesada e trabalhosa do currículo do curso, mas, paradoxalmente, também
a preferida da ampla maioria dos alunos.

Quando fui aluno de Construção de Máquinas em Porto Alegre, em


1962, na última série do curso, as inovações introduzidas por Stemmer já
estavam, por assim dizer, consolidadas. Dado o elevado número de alunos
que agora se matriculavam, ele dispunha, agora, de dois auxiliares, sele-
cionados entre seus alunos das primeiras turmas; eram eles os professores
Gert Funke e João Ignácio Ibañez. Os três se revezavam ao longo das aulas,
cada um ministrando pequenos segmentos, mantendo, contudo, a conti-
nuidade do assunto, cada um deles, ancorando sua preleção sobre o traba-
lho dos que os precederam. Confesso que ficava fascinado observando esta
harmonia quase que musical que conferiam às aulas.

« 25 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

Um Convênio com Aachen


É por isso que, quando já diretor da Escola de Engenharia Industrial da
UFSC, Stemmer pensou em buscar em Aachen a expertise e o apoio de
que precisava para colocar no mapa a escola de engenharia que lhe fora
confiada. Ele já sabia a quem e como deveria se dirigir, já tinha relativa
intimidade com as pessoas certas, sabia que seria tratado com atenção e
interesse. Mesmo assim, a tarefa não foi fácil. A boa vontade era abundante,
mas o que Stemmer solicitava tinha custos. Nem a UFSC nem a RWTH-
-Aachen possuíam recursos disponíveis para enfrentar o empreendimento
pretendido. Mas Herwart Opitz, que dirigia o Labortório de Máquinas
Operatrizes de Aachen, sugeriu que Stemmer entrasse em contato com
a Sociedade Alemã de Cooperação Técnica (conhecida pela sigla GTZ, de
sua designação alemã, Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit), um órgão
subordinado ao Ministério de Cooperação Econômica da República Fede-
ral da Alemanha.

Um acordo de cooperação técnica firmado entre os governos brasileiro e


alemão, já vigente na ocasião, possibilitava o aporte de recursos do Go-
verno Alemão para o empreendimento, através da GTZ, mas exigia que
houvesse contrapartida brasileira. À época, e na forma do acordo, cabia
à Secretaria de Cooperação Técnica-Econômica Internacional (Subin) do
Ministério das Relações Exteriores do Brasil, hoje Agência Brasileira de
Cooperação (ABC), fornecer esta contrapartida. A programação pretendida,
envolvendo os objetivos técnicos acordados entre a UFSC e Aachen, com
a duração prevista de um quinquênio, seria, então, orçada e ancorada ao
acordo vigente entre os países, na forma de um ajuste complementar, pelo
qual GTZ e Subin disponibilizariam os recursos necessários.

À GTZ caberia fornecer recursos no montante histórico de 7 milhões


de marcos alemães, que seriam dispendidos na aquisição de uma lista
definida de equipamentos; na vinda de diversos professores visitantes
cujas especialidades eram definidas, para uma permanência mínima
(renovável) de dois anos em Florianópolis; na vinda de outros visitantes
de especialidades variadas, para períodos curtos de permanência; na vinda
de técnicos para atuação nos laboratórios; e no custeio de atividades de
doutoramento em Aachen para docentes do EMC (Departamento de
Engenharia Mecânica da UFSC), que, durante seu afastamento, receberiam
bolsas de estudo do DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst), órgão da
administração federal alemã. À Subin caberia fornecer recursos no mon-
tante histórico de 3 milhões de cruzeiros, para serem utilizados na cober-
tura de despesas alfandegárias, de frete e outras, decorrentes dos processos

« 26 »
Um quinquênio produtivo

de importação, bem como na contratação de pessoal técnico brasileiro.


Mas a tramitação do processo na UFSC foi lenta, e o convênio só viria a ser
implementado a partir de 1976, quando Stemmer já era reitor.

O convênio BID-Finep
O convênio com a RWTH-Aachen contemplava aquelas áreas do EMC em
que a instituição alemã se destacava: Processos de Fabricação, Metrologia
e Materiais. Isto certamente tenderia a gerar desbalanceamentos internos
no EMC, em que havia grandes áreas que não seriam contempladas: toda
a área térmica, vibrações, projeto. Providências especiais deveriam ser to-
madas, a fim de prevenir os efeitos destas distorções. Felizmente, à mesma
época viriam a termo as negociações de um empréstimo do governo brasi-
leiro junto ao BID (Empréstimo 327 OC-BR), visando o apoio institucional
a instituições de pesquisa brasileiras. Stemmer, quando ainda diretor do
Centro Tecnológico, já se havia candidatado a seu quinhão, e o EMC foi
finalmente agraciado com um convênio que previa a aplicação de recursos
no montante histórico de 700 mil dólares americanos, a serem aplicados
ao longo de um período de cinco anos. Foi então decidido, no âmbito do
EMC que estes recursos seriam integralmente aplicados nos setores depar-
tamentais não contemplados no convênio de Aachen.

A Execução desses Convênios


A progressiva execução do convênio com a RWTH-Aachen, entre os anos
de 1976 e 1981, em paralelo com a aplicação dos recursos do empréstimo do
BID, mudou radicalmente a face do EMC, seja pela ampliação e/ou moder-
nização dos equipamentos disponíveis nos laboratórios, seja pela criação de
novos laboratórios, plenamente originais ou desmembrados de laboratórios
antigos. Agregue-se a isto o efeito benéfico da vinda dos especialistas ale-
mães, mormente os de longo prazo, traduzido pela implantação de novos
cursos e linhas de pesquisa, do incentivo representado pelo exemplo de tra-
balho e por sua permanente promoção do intercâmbio com o setor indus-
trial. Nomes como Bernd Emil Hirsch, Silvestre Nazaré e Herrmann Adolf
Lücke deixaram marca indelével nos setores em que atuaram, e este último,
inclusive, acabou ficando em Florianópolis após o término de seu período
como professor visitante no convênio (e na UFSC, onde se tornou peça vital
na implantação do mestrado em Informática). Cada um deles, em diferentes
épocas, assumiu o encargo de coordenar a etapa alemã do convênio e relatar
periodicamente ao GTZ e à RWTH Aachen. O Professor Tilo Pfeifer, que
coordenava as ações do convênio na Alemanha, a par de visitar Florianópolis

« 27 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

para constatar in loco o andamento das ações do convênio, deixava eviden-


te o interesse que o projeto lhe suscitava. Coube a mim, por designação de
Stemmer (em 1977), reiterada pelo reitor subsequente (Ernani Bayer) ser o
coordenador local do convênio, inclusive gerindo as ações do convênio de
contrapartida (Subin).

É de justiça mencionar que efeitos comparáveis foram sentidos nos


setores contemplados com os recursos do BID, seja pela aquisição de
equipamentos, seja pela vinda de especialistas ingleses que aqui atuaram
como professores visitantes. Fui, também, o executor deste convênio.

Já ao final da execução do convênio de Aachen, e tendo em vista estímulos


decorrentes de uma iniciativa da Capes, a parte do convênio que tratava
do doutoramento de docentes do EMC na Alemanha, foi convertido num
programa de doutoramento cooperativo (curso “sanduíche”). Nesta nova
configuração, os candidatos iniciavam seu doutoramento na UFSC, com um
orientador local, em seguida realizavam uma etapa do trabalho em Aa-
chen, onde davam início ao seu trabalho de tese, sob um orientador alemão.
Retornando ao Brasil, traziam os dispositivos e equipamentos utilizados
em suas teses, que concluíam aqui, e aqui defendiam, na presença dos dois
orientadores. O título era concedido pela UFSC. Através de um remaneja-
mento de recursos, foi possível colocar mais docentes do EMC nesta progra-
mação. Com recursos do convênio foram doutorados os professores Carlos
Alberto Schneider, Walter Lindolfo Weingaertner, Aloísio Nelmo Klein (este
em Karlsruhe), Lourival Boehs, Jair Carlos Dutra e Almir Monteiro Quites,
os três últimos através do programa de doutoramento cooperativo.

Ao final do convênio, e com o objetivo de apresentar à comunidade téc-


nico-científica brasileira o novo patamar de qualificação atingido pelo
Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC, foi realizado em Floria-
nópolis um evento, o ENATEM (Encontro Nacional de Atualização Tec-
nológica em Engenharia Mecânica), com a participação de elementos da
UFSC, da Alemanha e convidados, e no decorrer do qual foram realizadas
palestras e minicursos especializados, e promovidas visitas às instalações,
tendo por objetivo apresentar o novo Departamento de Engenharia Mecâ-
nica da UFSC que emanava dos investimentos do último quinquênio.

Convênios com a CNEN e a FINEP


Ao longo do quinquênio ocorreram, ainda, as maciças aplicações de re-
cursos da Comissão Nacional de Energia Nuclear, visando à formação de
recursos humanos para atendimento do setor nuclear, em virtude das

« 28 »
Um quinquênio produtivo

necessidades que se projetavam em decorrência do Acordo Nuclear fir-


mado entre Brasil e Alemanha. Num período em que estavam escassas as
disponibilidades de bolsas de estudo pelas agências específicas, a captação
de alunos de pós-graduação se tornara crítica. O problema veio a ser resol-
vido quando a CNEN selecionou os cursos de pós-graduação em engenha-
ria mecânica e em engenharia elétrica para receberem apoio financeiro de
custeio e investimento, a par de generosas cotas de bolsas de estudo para
fixação do alunado. O próprio presidente da CNEN, o físico Rex Nazaré Al-
ves, veio a Florianópolis para verificar o que poderíamos oferecer na linha
de interesse daquela agência. Durante todo o período de vigência destes
convênios anuais, coube ao Prof. Sérgio Roberto Arruda, Diretor do CTC e
presidente da FEESC, a gestão financeira dos recursos repassados, e a mim,
a supervisão das atividades acadêmicas conveniadas.

O Curso de Pós-graduação em Engenharia Mecânica, desde sua criação,


vinha sendo apoiado financeiramente pelo Programa Funtec, do BNDE,
que agora é o BNDES. Concebido pelo saudoso José Pelúcio Ferreira3, este
programa virtualmente viabilizou a implantação da pós-graduação no
Brasil, mas se tornou inviável diante da explosão do número de cursos. Em
seu lugar, surgiu o apoio institucional a grupos de pesquisa, baseado em
projetos específicos, realizado pela recém-criada FINEP, Financiadora de
Estudos e Projetos.

O primeiro grande projeto de apoio


institucional encaminhado à FINEP
pelo EMC foi montado sob a su-
pervisão do saudoso professor José
Carlos Ribeiro da Silva em 1976,
durante minha gestão como chefe do
departamento. Constava da reunião
de cerca de meia dúzia de projetos
específicos, elaborados por cada um
dos incipientes grupos de pesquisa
então atuantes no EMC. Após nego-
José Pelúcio Ferreira, o criador do Funtec, recebe
ciações, cortes e adaptações, o proje- o título de Dr. Honoris causa da UFSC (1977).

3  Posteriormente, José Pelúcio Ferreira (1928-2002) seria presidente da FINEP e, depois, Secretário de
Ciência e Tecnologia do estado do Rio de Janeiro; durante o governo Collor, fui seu colega no efêmero
Conselho de Coordenação Técnico-científica do CNPq. A UFSC concedeu-lhe, em 1977, o título de
Dr. Honoris causa. Ver, também, “José Pelúcio Ferreira e a pós-graduação no Brasil”, de Amílcar Figueira
Ferrari, Bibl. Anísio Teixeira (CAPES), Ed. Paralelo 15, Brasília, 2001. Amílcar Figueira Ferrari (1936-2014),
diplomata e engenheiro mecânico, era nascido em Florianópolis. Trabalhou intensamente junto de
Pelúcio Ferreira, desde os tempos do Funtec, no BNDE, até a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio
de Janeiro; foi, várias vezes, valioso na intermediação de muitas das negociações de Stemmer com
diversas agências de fomento.

« 29 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

to veio a ser aprovado pela FINEP, o convênio foi assinado e executado sob
a minha responsabilidade global. Em 1979, pouco antes de deixar a chefia
do departamento, supervisionei a montagem de novo projeto, bem mais
amplo, que, a seu tempo, também foi aprovado e conveniado.

Estas foram, de todas as ações aqui relacionadas, as únicas que não tiveram
a participação direta de Stemmer.

Conclusão
Ao começar a década de 1980 o EMC e seus cursos de graduação e de pós-
-graduação passaram a ser sistematicamente relacionados entre os melho-
res do país pelos indicadores mais respeitáveis, e esta situação se mantém
até nossos dias. Isso se deve, indubitavelmente, ao trabalho de todos que
aqui militam ou militaram. Mas é inegável que, pelas razões apresentadas,
o quinquênio de 1976 a 1981 foi o período de transição para esta nova reali-
dade. Foi um período realmente produtivo para o EMC e para seus cursos
de graduação e de pós-graduação em engenharia mecânica, e, dentre as
muitas razões que justificam esta afirmação, a maioria está relacionada
com as iniciativas de Stemmer, algumas delas implementadas desde mui-
tos anos antes.

O campus, em seus primórdios. À esquerda, o Pavilhão de Mecânica; em seguida, a Reitoria, ao centro


a antiga Faculdade de Filosofia.

« 30 »
Caspar Erich Stemmer
(1930-2012)

Primeira parte de uma série que coordenei para a revista ABCM


Engenharia, vol. 18, no 1, pgs. 15-22 (2013). A série se completava com
trabalhos “Stemmer no Premesu”, do Prof. Sérgio Luiz Gargioni, “Stemmer
e a WEG”, do Eng. Moacir Rogério Sens, e “Stemmer e o MCT”, do Prof.
Ernesto Costa de Paula, do MCT. Procurei aqui, intencionalmente, fugir
dos assuntos que já havia abordado em “Stemmer, um precursor”, que
fora publicado na mesma revista em 2005.

Faleceu em Florianópolis em 12 de dezembro de 2012, aos 82 anos de


idade, o Prof. Caspar Erich Stemmer, ex-reitor da Universidade Federal de
Santa Catarina. Responsável principal pela idealização e implantação do
curso de engenharia mecânica daquela universidade, seu nome tornou-se
conhecido e respeitado muito além dos limites do estado em que nasceu, e
daquele que veio a adotar.

Stemmer foi, a um tempo, produto e agente das transformações por que


passou o ensino da engenharia no país, a partir do final da primeira me-
tade do século passado. Cursou, na Universidade do Rio Grande do Sul, o
efêmero curso de engenheiros mecânicos-eletricistas, criado por ocasião
do surto de industrialização que se seguiu à entrada em operação da Com-
panhia Siderúrgica Nacional. Formou-se em 1953. Complementou sua
formação na antiga Alemanha Ocidental, onde observou, particularmente
a organização e o funcionamento de uma escola de engenharia considera-
da modelar (A Escola Técnica Superior do Reno-Vestfália, em Aachen).

« 31 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

O docente e administrador universitário


Retornando a Porto Alegre, encontrou uma nova realidade. Juscelino
Kubitschek, eleito presidente da nação, desencadeara seu amplo Plano
de Metas, consubstanciado no lema “Cinquenta anos em cinco”. Por isso
mesmo, criou-se no país a demanda por recursos humanos qualificados
em áreas ainda fracamente atendidas pelas universidades, que de pronto
começaram a responder, mesmo que debilmente, aos estímulos da con-
juntura. Na URGS seria criado o curso de engenharia mecânica, em que
caberia a Stemmer ministrar uma cadeira. Face ao que havia observado na
Alemanha, ele via lacunas no currículo do novo curso. Procurou, por isso,
fazer recomendações a respeito, mas não logrou êxito em vê-las acolhidas.
Converteu então a cadeira que lhe era destinada, Construção de Máquinas,
num repositório de conteúdos que considerava faltantes no currículo geral
do curso.

Quando a Universidade de Santa Catarina, criada em 1961 (o qualificativo


Federal só seria introduzido em 1964), se dispôs a implantar sua Escola
de Engenharia Industrial, começando com o curso de engenharia mecâ-
nica, foi buscar o apoio de sua coirmã do estado vizinho. Atuando como
consultor, Stemmer conseguiu ver aprovada uma proposta de currículo
para o novo curso, que começou a funcionar em 1962, com a participação
de docentes da URGS, encarregados de implantar as cadeiras, especifi-
car laboratórios, selecionar e treinar os futuros docentes locais. Em 1965,
quando do início da quarta série do curso, Stemmer passou a ser o diretor
da Escola de Engenharia Industrial. E, num período de apenas dois anos,
desencadeou um amplo programa de inovações que deram ao curso e à
escola características ímpares para a época, em muitos pontos se anteci-
pando à Reforma Universitária que viria alguns anos depois: estágios obri-
gatórios, formação humanística para os alunos, interação sistemática com
o segmento industrial, treinamento e qualificação de docentes, regime de
dedicação exclusiva, interiorização do vestibular, criação de uma fundação
de apoio, tudo isso culminando com a implantação, em 1969, do primeiro
curso de pós-graduação da UFSC: o mestrado em engenharia mecânica.
Paralelamente, criou novos cursos de graduação (engenharias elétrica e
civil). Sobre estas realizações, já discorri nestas páginas em outra ocasião
(“Stemmer, um precursor”, ABCM Engenharia, vol. 10, no 1, pgs. 21/22, ou-
tubro de 2005). A pós-graduação criou novas necessidades, e Stemmer se
voltou agora para a busca de apoio financeiro e de know-how internacionais.
Recursos do BID e do GTZ (Alemanha) viriam a permitir a implantação de
laboratórios e professores visitantes, principalmente alemães, orientariam
a implantação de linhas de pesquisa.

« 32 »
Caspar Erich Stemmer (1930-2012) – Revista ABCM Engenharia

Em poucos anos, Stemmer se tornou conhecido no cenário nacional. Seu


nome era frequentemente mencionado em conjunto com o do saudoso
Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, que também tivera atuação destaca-
da como diretor da Escola de Engenharia de Campina Grande, da UFPB4.
Falando às Páginas Amarelas da revista VEJA, em meados da década de 70,
perguntaram a Cláudio de Moura Castro quais seriam os requisitos para
uma boa escola de engenharia. Em sua resposta ele indagou: “quem espe-
raria ver uma escola de engenharia mecânica se destacar em Florianópolis,
onde não existe parque industrial?”.

Não é surpresa, pois, que Stemmer viesse a ser considerado para a reito-
ria da UFSC, que exerceu de 1976 a 1980, com igual dinamismo, com um
vigoroso programa que objetivou trazer a universidade, espalhada pela
cidade, para o campus. Paralelamente criou novos cursos, disciplinou o
crescimento da pós-graduação, concluiu as obras do Hospital Universitá-
rio e o pôs em operação. Através de convênio firmado com a Marinha e o
Iphan, trouxe para a universidade a tutela e a guarda da Ilha de Anhatomi-
rim, onde ficavam ruínas de fortificações portuguesas do século 18, num
projeto que previa a instalação de uma base de pesquisas oceanográficas de
ecologia marinha e outros empreendimentos.

Mas a intensa atividade administrativa que Stemmer exerceu praticamente


ao longo de toda sua vida profissional não obscureceu os méritos do docen-
te, na sua atividade em sala de aula e extraclasse. Preocupava-se (e incutia
essa preocupação naqueles com quem trabalhava) com a qualidade didática
de suas aulas, para as quais preparava exaustivos roteiros (mimeografados
e distribuídos, antes das aulas, aos alunos), com indicações de bibliografia,
inclusive para aprofundamento do assunto. Era defensor ardente do esta-
belecimento de uma terminologia técnica na língua portuguesa, que não se
limitasse ao mero empréstimo de termos da língua inglesa.

Escrevia continuamente sobre os assuntos que ministrava. De sua atividade


em Porto Alegre, inicialmente resultaram diversas apostilas de circulação
restrita, que viriam a culminar no texto “Projeto e Construção de Máquinas”,
originalmente publicado como parte do “Manual do Engenheiro”, da Editora
Globo, e posteriormente como obra avulsa (1974, reedição em 1980). Coor-

4  Em princípios da década de 60. Logo em seguida, Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque (1932-


2011) foi reitor da UFPB. Era comum ouvir-se que “Stemmer era o Lynaldo de Santa Catarina”, ou que
”Lynaldo era o Stemmer da Paraíba”. Mais tarde, quando Lynaldo foi presidente do CNPq, integrei o
Comitê Assessor de Eng. Mecânica, Aeronáutica, Naval e de Produção daquele órgão. Nesta situação,
tive bastante contato com ele e tornei-me seu amigo. Nosso último encontro deu-se em um evento
realizado em Manaus, de que éramos ambos participantes. Em 2002 o campus de Campina Grande foi
desmembrado da UFPB, passando a constituir a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Ver,
ainda: Rocha Neto, Ivan, “Lynaldo Cavalcanti além das palavras”, Paralelo 15, João Pessoa, 2010.

« 33 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

denou, de 1966 a 1973, um programa de traduções de textos técnicos de


engenharia mecânica para a Editora Polígono de São Paulo, tendo pessoal-
mente realizado quatro delas. De sua passagem por Florianópolis resulta-
ram os textos didáticos “Ferramentas de Corte I” e “Ferramentas de Corte II”,
publicados pela Editora da UFSC em 1987 e 1992, respectivamente, ambos
com várias edições; neles, Stemmer faz a crítica das normas brasileiras
para ferramentas de corte, argumentando que, ao desprezar premissas
básicas que caracterizam as normas DIN e ISO, as normas brasileiras dão
margem a conflitos de universalidade e de lógica nos conceitos geométri-
cos. Por isso, diz-se forçado a usar terminologia própria, que justifica, por
vezes detalhadamente.

Livros de Stemmer: Ferramentas de Corte I e II, Projeto e Construção de Máquinas.

Em 1999, já aposentado, o Conselho Universitário da UFSC outorgou a


Stemmer o título de Professor Emérito, reconhecimento que se juntou
a outros tantos que recebeu, dentre os quais
os graus de Comendador e de Grã-Cruz da
Inovação Catarinense da FAPESC

Ordem Nacional do Mérito Científico, assim


Stemmer dá nome ao Prêmio de

como de Cidadão Honorário de Florianópo-


lis, título concedido em 1999. Era, também,
membro da ABCM e da Academia Nacional de
Engenharia.5

Recentemente, em 2009, Stemmer recebeu


a condecoração Anita Garibaldi, concedida
pelo Governo do Estado de Santa Catarina, em

5  O ano de 2001 foi marcado pela mudança das instalações da FEESC, a Fundação do Ensino da En-
genharia em Santa Catarina, para o Prédio Caspar Erich Stemmer. Construído pela FEESC para a UFSC,
este edifício tem 5 andares, sendo 4 a serem utilizados pela FEESC por um período de 30 anos e um
andar ocupado pela Direção do Centro Tecnológico da UFSC.

« 34 »
Caspar Erich Stemmer (1930-2012) – Revista ABCM Engenharia

reconhecimento a sua brilhante e bem-sucedida trajetória profissional. No


mesmo ano, a FAPESC, Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do
Estado de Santa Catarina homenageou-o dando seu nome ao “Prêmio Prof.
Caspar Erich Stemmer de Inovação Catarinense”.6

Além do ambiente universitário


Premesu
Ainda antes disso, porém, Stemmer já fora convidado por Edson Macha-
do de Sousa, diretor do Departamento de Assuntos Universitários (DAU)
do MEC, para assumir a direção do Premesu (Programa de Expansão e
Melhoramento das Instalações do Ensino Superior), criado em 1974 em
substituição a uma comissão especial pré-existente, com as atribuições de
administrar convênios internacionais visando à implantação dos campi e
ao reequipamento das universidades públicas brasileiras.

O Professor Sérgio Luiz Gargioni, que atualmente7 é o Diretor Presidente


da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Cata-
rina, foi seu Gerente de Equipamentos. No artigo “Stemmer no Premesu”8
ele nos dá um breve depoimento do momento histórico em que esta agên-
cia foi criada e da ação de Stemmer em sua direção.

Na iniciativa privada
Em fins de 1960, Stemmer foi procurado por um grupo de cerca de vinte
alunos que pretendiam constituir uma empresa e queriam aconselha-
mento. Cada um deles seguiria com sua vida, mas destinaria, durante um
período de dez anos, o equivalente a 5% de seu salário à constituição de um
fundo para financiar o empreendimento. Falando do processo de indus-
trialização que varria o país, Stemmer lembrou que à época, ainda não
existiam tornos automáticos em Porto Alegre, indispensáveis à produção
de peças em grandes séries. Um rápido levantamento comprovou a exis-
tência de um mercado em potencial para tais produtos.

6  E o ano de 2018 foi marcado por uma importante alteração no estatuto da Fundação do Ensino
da Engenharia em Santa Catarina, ampliando suas áreas de atuação, e alterando o nome fantasia da
FEESC para Fundação Stemmer para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, em homenagem a seu
fundador, Caspar Erich Stemmer.
7  2013.
8  ABCM Engenharia, vol. 18, no. 1, pgs. 18-20 (2013).

« 35 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

O grupo resolveu arriscar e convidou Stemmer a participar do empreendi-


mento. Criaram a empresa Produtec Engenharia. O pai de um dos alunos,
técnico industrial, também se associou e ofereceu galpões de sua proprie-
dade, ao lado da Escola de Engenharia, para alojar inicialmente a firma, na
qual exerceria a atividade de mestre de oficina. Tornos mecânicos e outras
máquinas foram sendo adquiridos na medida das disponibilidades finan-
ceiras, e o sucesso do empreendimento foi imediato.

Stemmer, que participava ativamente da especificação, seleção e aquisi-


ção dos equipamentos que iam sendo adquiridos, lá costumava levar seus
alunos e ministrar aulas ao pé das máquinas. A empresa cresceu, e teve
de procurar acomodações mais consentâneas, tendo chegado a possuir
trinta tornos automáticos, além de retíficas, laminadoras de roscas, tornos
revólver, furadeiras e prensas. No seu auge, chegou a ter 150 empregados.
Stemmer afastou-se ao transferir residência para Florianópolis, mas con-
tinuou como sócio. Já beirando os 40 anos, a firma foi vendida a um grupo
industrial.

Stemmer retornaria à iniciativa privada, por um breve período, em 1986,


quando foi criada a firma WEG Automação, com sede em Florianópolis,
uma subsidiária da WEG Motores, de Jaraguá do Sul (SC). Sobre sua parti-
cipação neste empreendimento, o artigo “Stemmer e WEG”9 apresenta o
depoimento do Eng. Moacir Rogério Sens, Membro do Conselho de Admi-
nistração da WEG, que com ele atuou naquele período.

O Tecnópolis
Em 1991 Stemmer foi convidado a assumir a secretaria executiva do Con-
selho das Entidades Promotoras do Polo Tecnológico da Grande Florianó-
polis, o Tecnópolis. A primeira parte do empreendimento, o ParqTec Alfa,
começava a ser construída e implantada numa área de cerca de 60.000 m2,
próxima a duas universidades, e destinada a abrigar pequenas e médias
empresas das áreas de instrumentação, telecomunicações, mecânica fina e
informática.

O governo do estado assegurava a infraestrutura necessária: telecomuni-


cações, abastecimento, saneamento e sistema viário. Aos interessados em
se estabelecer no Tecnópolis eram oferecidos: terreno com infraestrutura,
financiamento para terreno e construção, incentivos fiscais e redução de
impostos estaduais e municipais. O detalhamento da conceituação do polo
cabia ao Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas

9  ABCM Engenharia, vol. 18, no 1, pgs. 20-22 (2013).

« 36 »
Caspar Erich Stemmer (1930-2012) – Revista ABCM Engenharia

(Celta), um spin-off da Certi (Fundação Centros de Referência em Tecnolo-


gias Inovadoras), a quem cabiam, também, a execução das quatro primei-
ras propostas de parques tecnológicos de Florianópolis.10

Stemmer, como Secretário Executivo do Tecnópolis, em visita à construção do CELTA,


incubadora do CERTI.

Stemmer permaneceu neste posto até princípios de 1992, quando o Celta


assumiu a coordenação operacional de todas as atividades relacionadas
ao funcionamento do ParqTec Alfa. Atualmente o Celta é responsável pela
administração do parque.

Ministério de Ciência e Tecnologia


O PADCT (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecno-
lógico), lançado em 1985, previa a participação coordenada de quatro
agências governamentais (Capes, CNPq, Finep e STI/MIC) na aplicação
de recursos nacionais e do Banco Mundial no financiamento de projetos
de pesquisa distribuídos em dez subprogramas em áreas consideradas
prioritárias para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. A um
Grupo Especial de Acompanhamento (GEA), constituído de quinze espe-
cialistas de destaque (oito nacionais e sete estrangeiros) competiria exercer
o acompanhamento e auditoria da execução do programa para o governo
brasileiro e o Banco Mundial. Stemmer foi indicado para ser um desses
especialistas.

10  O Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (CELTA), primeira Incubadora do
Brasil, foi idealizada e criada em 1986 pela Fundação CERTI (Centros de Referência em Tecnologias
Inovadoras) em resposta aos anseios de desenvolvimento da capital catarinense e com o objetivo de
viabilizar um promissor setor econômico, aproveitando os talentos e o conhecimento gerados pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

« 37 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

Em 1989, contudo, face ao pedido de demissão do titular anterior, Stem-


mer foi convidado a assumir a secretaria executiva do programa, que
exerceu durante cerca de um ano. Em abril de 1990 assumiu a Diretoria
de Coordenação de Programas, da Secretaria de Ciência e Tecnologia (à
época do governo Collor de Mello), de que se exonerou em julho de 1991.
Em fevereiro de 1995 voltou ao (agora) Ministério de Ciência e Tecnologia
dirigindo a Secretaria de Coordenação de Programas, que, após uma refor-
mulação administrativa passaria a denominar-se Secretaria de Desenvolvi-
mento Científico, na qual permaneceu até janeiro de 1999. Nestas posições,
teve como seu adjunto o Dr. Ernesto Costa de Paula, que hoje é Diretor de
Gestão e Tecnologia da Informação do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq). No artigo “Stemmer e o MCT”11 o
Dr. Costa de Paula dá um testemunho de sua convivência com Stemmer
no período em que trabalharam juntos.

Adendo oportuno (Dezembro de 2021)


Transcrição da página 8 (Histórico) do “Relatório Anual de Gestão” relativo ao ano de 2018, da FEESC.
O texto mostra bem o crescimento que teve a pequena fundação que Stemmer criara em 1966.
Agradeço à FEESC a autorização para realizar esta transcrição.

A Fundação de Ensino e Engenharia de


Santa Catarina (FEESC) foi criada em 18 de
maio de 1966, por meio de uma parceria
Prédio Caspar Erich Stemmer.

entre a Universidade Federal de Santa Cata-


rina (UFSC) e as Centrais Elétricas de Santa
Catarina (CELESC), com o objetivo principal
Foto: Agecom-UFSC

de formar engenheiros eletricistas para a


implantação da CELESC. Assim, de 1966 a
meados dos anos 70, a Fundação voltou-se à
viabilização dos cursos de graduação e pós-
-graduação do Centro Tecnológico da UFSC.
Em 1978, a FEESC passou a atuar no gerenciamento dos primeiros convê-
nios com a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), sendo que, nos anos
seguintes, o enfoque principal passou a ser a aproximação da UFSC com
o setor produtivo, fato que proporcionou condições para que as empresas
passassem a encontrar nos laboratórios do Centro Tecnológico a solução
para muitos de seus problemas e desafios. Até 1990, a atuação da FEESC
era quase exclusiva com o Centro Tecnológico da UFSC, sendo que, uma
alteração em seu Estatuto ampliou sua abrangência para outras unidades de
ensino desta Universidade, assim como na atuação em projetos sem vínculo

11  ABCM Engenharia, vol. 18, no 1, pg. 22 (2013).

« 38 »
Caspar Erich Stemmer (1930-2012) – Revista ABCM Engenharia

com esta. Destaca-se, também, que a FEESC está credenciada no Conselho


Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), desde 1991,
possibilitando a importação de bens para a pesquisa tecnológica com isen-
ção de impostos. Sua relação institucional com a UFSC está regulamentada
pela Lei no 8.958/94. Já com o IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina), a
parceria iniciou-se em 2012, com o credenciamento da FEESC como sua
fundação de apoio. O ano de 2001 foi marcado pela mudança de instalações
para o Prédio Caspar Erich Stemmer, construído pela FEESC para a UFSC,
com 5 andares, sendo 4 utilizados pela FEESC por 30 anos e 1 andar ocupa-
do pela Direção do Centro Tecnológico da UFSC.

Em 2016, a Fundação credenciou-se junto à UDESC para atuar como uma


de suas fundações de apoio, sendo este credenciamento revogado por ques-
tões procedimentais da UDESC. Em 2017, a UDESC publicou novo edital
de credenciamento, sendo a FEESC credenciada por meio da Resolução
no 19/2017 (CONSUNI). No ano de 2018, a FEESC instalou-se também no
município de Joinville, no Parque Perini, próximo à UFSC, com objetivo
de melhor atender as demandas dos projetos executados pelas Instituições
de Ciência e Tecnologia (ICT’s) apoiadas nesta região. O ano de 2018 foi
marcado também por uma importante alteração no estatuto da Fundação,
ampliando as áreas de atuação, bem como alterando o nome fantasia da
FEESC para Fundação Stemmer para Pesquisa, Desenvolvimento e Inova-
ção, em homenagem ao fundador, Caspar Erich Stemmer.

Stemmer, em uma de suas últimas aparições públicas, por ocasião da posse da nova reitora da UFSC,
em maio de 2012. E entrou para a História… Fotos: Agecom-UFSC

« 39 »
Caspar Erich Stemmer
(1930-2012)

Obituário que escrevi, por solicitação, para a revista História Catarina,


publicado em seu número 50, Ano VII, pgs. 78-82, que circulou em janeiro
de 2013. Deixo de transcrever, neste livro, o obituário que escrevi para o
Diário Catarinense, por ser uma versão reduzida do presente.

Caspar Erich Stemmer, que faleceu em Florianópolis em 12 de dezembro


passado, era natural de Novo Hamburgo, RS, um gaúcho que se tornou
catarinense por opção pessoal.

Graduado pela Universidade do Rio Grande do Sul, como engenheiro


mecânico-eletricista, modalidade híbrida de efêmera existência, sentia
que a formação recebida era insuficiente, notadamente na parte relativa
à engenharia mecânica, de seu maior interesse. Por isso passou um ano
(duração da bolsa da Fundação Rotária, que lhe foi oferecida) na Alema-
nha, na Escola Técnica Superior de Aachen. O tempo era insuficiente para
uma pós-graduação formal, mas, sentindo que um dia atuaria no ensino da
profissão, procurou tirar o máximo de sua passagem por aquela instituição.
Cursou o que lhe foi possível, estagiou em laboratórios, preocupou-se com
o currículo, com a montagem e o funcionamento dos laboratórios, com a
formação prática dos estudantes, com o relacionamento entre a escola e o
segmento industrial. Procurou, também, estabelecer fortes vínculos pes-
soais, que viriam a lhe ser úteis no futuro.

De volta ao Brasil, iniciou sua carreira como docente em 1959, na universi-


dade em que se formara, ministrando a cadeira de Construção de Máqui-
nas do curso de engenharia mecânica, recém-criado, atendendo às neces-
sidades criadas pela política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek.
Stemmer chegou a propor uma reformulação curricular, mas não conse-

« 40 »
Caspar Erich Stemmer (1930-2012) – Revista História Catarina

guiu vencer a rigidez das estruturas da velha universidade. Contudo, teve


liberdade para configurar a cadeira que lhe havia sido oferecida, dando-lhe
um escopo mais amplo, através dela suprindo o que entendia serem defi-
ciências do currículo.

Mas o que ele tinha em mente serviu de base à criação e implantação, a


partir de 1962, do curso de engenharia mecânica da Escola de Engenharia
Industrial da Universidade Federal de Santa Catarina, escola da qual viria a
ser, a partir de 1965, o segundo diretor. Foi quando revelou sua capacidade
e seu mérito, de pronto introduzindo inovações que logo viriam a destacar
a nova escola no cenário nacional: o estágio obrigatório, a formação extra
tecnológica dos estudantes, o intercâmbio mútuo e permanente com as
indústrias, a formação e qualificação dos docentes, as provas periódicas
de recondução de docentes, a dedicação exclusiva, a descentralização do
vestibular, a criação de uma fundação de apoio (que viria a viabilizar, ainda
durante sua direção, a criação dos cursos de engenharia elétrica e civil), a
implantação de laboratórios voltados ao ensino, mas preparados para a
atividade de pesquisa, o primeiro computador e, por fim, a implantação do
ensino de pós-graduação. Algumas destas medidas, radicais em seu caráter
inovador, viriam a ser universalizadas através da Reforma Universitária
introduzida no país a partir de 1971; outras, seriam por ela inviabilizadas.

Em fins de 1970, e a fim de mostrar ao país o que era o curso de engenharia


mecânica da UFSC (e seu mestrado, que começava a produzir os primeiros
titulados), Stemmer organizou, em Florianópolis, o 1o Simpósio Nacional de
Engenharia Mecânica. Com apenas uma dúzia de trabalhos, sem anais nem
referees, o evento serviu para promover a congregação da classe e a discussão
de problemas de interesse comum. Este evento viria a ser oficializado, re-
batizado de Congresso, logo se tornando conhecido, nacional e internacio-
nalmente, como o COBEM, Congresso Brasileiro de Engenharia Mecânica.
Serviu, também, para cristalizar a ideia da necessidade de integração entre
as instituições da área, que iria desaguar, algum tempo depois, na criação da
ABCM, Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas.

Stemmer deixou a direção do Centro Tecnológico em 1974, quando foi


chamado para dirigir o PREMESU (Programa de Expansão e Melhoramen-
to das Instalações do Ensino Superior), órgão que superintendia a alocação
e distribuição de equipamentos recebidos do Leste Europeu em troca de
nossas exportações de café.

« 41 »
PARTE 1  Myrcia stemmeriana

Voltou a Florianópolis em 1976, como reitor da UFSC. Marcou seu manda-


to por um extraordinário programa de obras, pela criação de vários novos
cursos (entre eles o de Jornalismo, em franco desafio à posição do governo
militar da época) e pela conclusão e inauguração do Hospital Universitário,
cujas obras estavam paradas havia vários anos.

Mais tarde integrou o Grupo Especial de Acompanhamento do PADCT,


Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, um
programa envolvendo recursos nacionais e do BID, com a participação de
diversas agências governamentais; e a Comissão de Avaliação do Progra-
ma Nuclear Brasileiro. De volta a Brasília, foi o Secretário Executivo do
PADCT; mais tarde chefiou a Diretoria de Coordenação de Programas da
Secretaria de Ciência e Tecnologia. Após breve período em Florianópolis,
quando foi secretário executivo do Tecnópolis (programa de fomento à
incubação de empresas do governo do estado de Santa Catarina), voltou
a Brasília ao início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso,
agora chefiando a Secretaria de Desenvolvimento Científico do MCT, sen-
do, por vezes, ministro interino.

Aposentou-se em 1999. Faleceu aos 82 anos de idade. Deixa viúva, três


filhos, noras e quatro netos. Era membro titular da ANE (Academia Nacio-
nal de Engenharia); membro da ABCM, da Sobracon (Sociedade Brasileira
de Comando Numérico e Automação Industrial) e de outras entidades
de classe. Foi autor de diversas obras didáticas, em que se destaca, pela
demanda, a série “Ferramentas de Corte”, em dois volumes, publicada pela
Editora da UFSC, com diversas reedições. Era detentor de um amplo rol de
honrarias, de que se destacam: Professor Emérito da UFSC (1999); Prêmio
“Anísio Teixeira”, da CAPES (1986); Ordem Nacional do Mérito Científico
(Comendador, 1996, e Grã-cruz, 2002); Ordem do Mérito Naval, 1996;
Cidadão Honorário de Florianópolis, 1999. Moacir Pereira, em sua coluna
diária no Diário Catarinense, no dia 13 de dezembro passado, assim resu-
miu sua trajetória: “Caspar Erich Stemmer uniu os talentos de educador às
concepções visionárias de um sábio.” Merecido e justo tributo!

« 42 »
Caspar Erich Stemmer (1930-2012) – Revista História Catarina

Sérgio Roberto Arruda, o diretor, discursa durante a solenidade de inauguração das novas instalações
do Centro Tecnológico, em 1980. Á direita do vice-reitor Roldão Consoni, aparece o pró-reitor de
Ensino de Graduação, Rodi Hickel; logo atrás do vice-reitor, o pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação,
Paulino Vandresen.

Sessão solene do Conselho Universitário da UFSC, em 1979, para a outorga do título de Professor
Honoris causa a Alberto Luiz Galvão Coimbra, fundador da Coppe-UFRJ. A partir da esquerda, veem-se:
Paulo Alcântara Gomes, representando a Coppe; Roldão Consoni, vice-reitor da UFSC; Antero Nerco-
lini, Secretário da Educação de Santa Catarina; Stemmer; Coimbra; Hans Dieter Schmidt, Secretário
de Indústria e Comércio de Santa Catarina; Arno Blass; José Israel Vargas, da Secretaria de Tecnologia
Industrial do MIC; Aristides Pacheco Leão, da Academia Brasileira de Ciências; José Pelúcio Ferreira,
presidente da Finep; e Amilcar Figueira Ferrari, do BNDES.

Caspar Erich Stemmer transmite o cargo de reitor a seu sucessor, Prof. Ernani Bayer (1980). Relatou-me
o Prof. Hyppolito do Valle Pereira Filho, chefe do EMC à época: “Na manhã seguinte, às oito horas, ele
estava em meu gabinete, perguntando em que sala poderia ficar e que atribuições lhe estavam desti-
nadas, em sua volta ao departamento”.

« 43 »
PARTE 2

Momentos

Aí por 1979

Foto: Agecom-UFSC
Uma pequena epopeia

Escrito quando integrei o Conselho Editorial do Boletim Informativo da


Apopen, Assoc. dos Aposentados e Pensionistas da UFSC, como parte do
projeto “Memória”. Publicado no referido boletim, no. 38, ano IV, de abril
de 1997.

Era 1966.

No país, os generais mal iniciavam seu longo período de tutela, ainda na


versão soft de Castelo Branco. Em Santa Catarina, chegava ao fim o governo
de Celso Ramos, cujo Plano de Metas deixaria uma marca indelével na me-
mória de todos; à direita, despontava a figura de um jovem político de quem
muito se viria a falar: Antônio Carlos Konder Reis; à esquerda, perguntava-
-se que destino teria tido outro jovem político, Paulo Stuart Wright, cassado
e perseguido pelo regime (a confirmação de sua morte só viria mais tarde).

Nossa universidade lentamente se consolidava e ensaiava os primeiros pas-


sos da projetada mudança para o campus: finalizava-se a construção do Pavi-
lhão de Mecânica, que viria a abrigar a partir do ano seguinte, e por algum
tempo, a Escola de Engenharia Industrial (EEI), que viria a se transformar no
Centro Tecnológico. Iniciava-se, ao lado, a construção de um bloco que es-
tava concebido para abrigar a direção desta escola e o centro acadêmico dos
estudantes de engenharia; nada disto, contudo, viria a ocorrer, porquanto o
prédio foi depois aproveitado para sediar a reitoria da universidade.

Os alunos da primeira turma de engenharia mecânica ainda cursavam


a última série do curso, depois de terem tido grande parte de suas aulas
práticas nas instalações da antiga Escola Industrial de Florianópolis (hoje
a ETEFESC)1. Ao Pavilhão de Mecânica chegavam os caixotes contendo os
primeiros equipamentos pesados dos futuros laboratórios da EEI. Eram

1  E bem depois, parte do Instituto Federal de Santa Catarina, criado já no século seguinte.

« 47 »
PARTE 2  Momentos

tornos, plainas, furadeiras, fresadoras e máquinas de ensaios de várias


capacidades e finalidades; algumas tinham sido adquiridas com recursos
orçamentários (naquela época eles ainda tinham um montante que permi-
tia despesas substanciais em investimentos…); algumas foram adquiridas
com recursos captados em variadas agências, graças ao esforço ingente
de Caspar Stemmer; muitas eram máquinas do Leste Europeu, obtidas
através dos chamados convênios do café: os países daquela região haviam
comprado café brasileiro e pagavam-no fornecendo equipamentos a nos-
sas universidades.

Nos amplos salões do Pavilhão de Mecânica, sete pessoas trabalhavam


pesado. Desencaixotavam as máquinas, transportavam-nas para o lugar em
que deveriam ser instaladas, colocavam-nas em posição, nivelavam-nas e
fixavam-nas. Era um trabalho insano, porquanto desprovido dos equipa-
mentos necessários, realizado apenas com uma pequena talha, alguns tron-
cos de eucalipto e muita força humana (física e de vontade). As condições
eram adversas sob todos os aspectos. O acesso à Trindade não era fácil, seja
pelas estradas embarradas, seja pela escassez dos meios de transporte; não
se dispunha, ainda, de um local onde fazer as refeições.

Mas o amor à camisa prevaleceu, e, em seu devido tempo, as máquinas do


Laboratório de Máquinas Operatrizes estavam instaladas. Algum tempo
depois, o Laboratório de Ensaio de Materiais também seria instalado, ago-
ra com a colaboração adicional de um técnico enviado pelos fabricantes
das máquinas, da antiga Alemanha Oriental.

Os seis servidores que comigo trabalharam nesta empreitada ganharam


meu respeito e admiração. Quero aqui, por uma questão de justiça e grati-
dão, resgatar seus nomes. Começo com o de José Ramos, que algum tempo
depois viria a ser aprovado no vestibular para o curso de engenharia civil,
mas que não teve a oportunidade de graduar-se, colhido prematuramente
pela morte em 1972. Continuo com Arjalon Sucupira (que depois viria a ser
o responsável pelo almoxarifado do CTC), Marçal de Jesus, Valdir João da
Cunha (o Cavalinho) e Valmor Vieira Machado, todos aposentados em anos
recentes, após longa carreira em três distintos centros da UFSC. E concluo
com Valdir Nascimento, que deixou a UFSC pouco tempo depois desta
pequena epopeia.

« 48 »
Uma pequena epopeia

O antigo Laboratório de Ensaio de Materiais, cuja instalação foi em parte devida ao trabalho ingente
dos participantes desta pequena epopeia.

« 49 »
Uma aula com
Aníbal Nunes Pires

Publicado (pgs. 25-28) no livro “Aníbal Nunes Pires – Educação e Literatura”


(Organizadores: Eglê Malheiros, Flávio José Cardozo, Salim Miguel,
Silveira de Souza e Zeca Pires), EdUFSC (2006). Escrito em 2003.

Não me lembro bem se foi ao final do ano letivo de 1969 ou no início do


ano subsequente. Lembro que fazia bastante calor. Uma nova diretoria
do Diretório Acadêmico de Engenharia deveria tomar posse num final de
tarde e, após a solenidade, haveria uma chopada comemorativa.

A transmissão de cargo dar-se-ia no velho Anfiteatro A do Centro Tec-


nológico, nos tempos em que ele ainda era vagamente merecedor desse
nome, antes de ceder metade de sua área para uma das expansões do NPD,
o Núcleo de Processamento de Dados da Universidade. Mas já naquele
tempo o termo “anfiteatro” era por demais pomposo: a sala era acanhada;
as cadeiras eram desconfortáveis; as janelas, muito pequenas; a ventilação,
deficiente. E como ainda se admitia o uso do fumo em recintos fechados,
o nobre espaço cultural, quando apinhado de gente, se transmudava numa
sauna irrespirável.

Todos os oradores procuraram, por isso mesmo, fazer discursos breves.


Breves foram, também, os atos paralelos: investidura, termos de posse. Por
último falaria o Pró-Reitor de Assuntos Estudantis, Professor Aníbal Nunes
Pires, a quem, na legislação draconiana da época, estavam subordinados os
diretórios acadêmicos.

Aníbal fora um dos integrantes do Grupo Sul, que na década de cinquenta


agitou a vida cultural de Florianópolis. Intelectual, culto, poeta e contista,
preocupado com as causas sociais, tinha um interesse genuíno pelo bem-

« 50 »
Uma aula com Aníbal Nunes Pires

-estar dos estudantes, mas não se sentia bem na função de gendarme que a
legislação lhe impunha e dele cobrava. Queria, creio eu, de alguma forma
descaracterizar a razão de sua presença impositiva naquela solenidade.
Quem sabe (penso que lhe deva ter ocorrido) abordando um tema abstrato?

Assim começou sua peroração: divagando, filosofando… Mas o volume de


sua voz era demasiado baixo para o tamanho do recinto; o discurso era en-
tremeado de longas pausas, durante os quais ficava a observar os anéis de
fumaça que se dissipavam acima das cabeças dos fumantes. Debalde pro-
curava instigar a curiosidade dos ouvintes: “As palavras… qual o significado
das palavras? … Será que elas têm um significado? … Seria este significado
perceptível para todos? … Seria o mesmo para todos? … Seria o mesmo em
qualquer situação?…”

As perguntas se multiplicavam, e as respostas que oferecia não eram com-


preendidas. Embora o tema fosse realmente interessante e o orador tives-
se a erudição requerida para abordá-lo, a escolha do tema não condizia
com a hora, o local e as condições ambientais, nem com o tipo de plateia
e, menos ainda, com suas expectativas. O fato de que, para que a chopada
pudesse começar, se fazia necessário transpor só mais esta barreira, não
ajudava a estimular o interesse pelo assunto. O tédio se disseminava, uns se
mexiam nas cadeiras, outros procuravam sorrateiramente deixar a sala. E
Aníbal prosseguia, impávido…

Quanto tempo falou? Não sei bem. Certamente que demais. Entretanto,
mesmo que suando em bicas, interessei-me pela preleção e acompanhei-a
com atenção. Foi a única aula que tive com Aníbal Nunes Pires. De alguma
forma, ela me marcou, embora disso só viesse a dar-me conta mais tarde.

Alguns meses se passaram. Ainda vivíamos sob o império dos mainframe


e comecei a ler um livro alemão sobre as origens dos computadores. Ele
se debruçava sobre o desenvolvimento da maneira como o homem po-
dia comunicar-se com estas máquinas, ou seja, sobre o desenvolvimento
das linguagens de computação. Era fascinante. Mostrava como trabalhos
aparentemente heterogêneos e incompatíveis de matemáticos (Boole e
Wiener, por exemplo), físicos, filósofos (Carnap, Wittgenstein) e linguistas
(Chomsky) convergiam para estabelecer fundamentos lógicos e sintáticos
para estas linguagens.

“O significado das palavras está no contexto de seu uso.” Estas palavras


(que eu agora lia) me pareciam familiares, embora eu levasse algum tempo
para localizá-las em meu subconsciente. Aos poucos, porém, fui-me dando

« 51 »
PARTE 2  Momentos

conta de que naquela tarde de verão Aníbal nos expusera, de forma livre,
a sua maneira, alguns pontos de um dos livros, “Investigações Filosóficas”, de
Ludwig Wittgenstein.

Não sei se Aníbal dominava o inglês, e acredito que não dominasse o ale-
mão. Wittgenstein, um tímido mestre-escola austríaco falecido em 1951,
havia sido, naquela época, reduzido a uma mera nota de rodapé em pou-
cos livros de ou sobre Bertrand Russell. O inglês, mais prolífico, com uma
atuação variegada, transitando com desen-
voltura pela matemática, filosofia, política
e sociologia, muito rempli de soi même e,
principalmente, ainda vivo, havia eclipsado
a figura e a obra de seu antigo colega em
Cambridge. O livro que eu lia (“Denkmaschi-
nen”, de Walter Fuchs) era um dos primeiros
a promover o ressurgimento e o estudo da
obra de Wittgenstein. Ainda não haviam
surgido as traduções dos textos de e sobre
Wittgenstein, que iriam proliferar a partir
de uma década depois.

Cabe, pois, cogitar: teria Aníbal, de algum


modo, tido acesso ao pensamento de Witt-
genstein, ou chegara a ideias similares por Prof. Aníbal Nunes Pires
raciocínio próprio? Esta é uma perspectiva
intrigante que merece aprofundamento. É uma pena que ele – Aníbal –
não nos tenha, aparentemente, deixado um registro escrito da palestra
daquela tarde de verão, ao invés de desperdiçá-la com um bando de estu-
dantes que só pensavam em beber chope.

De minha parte, retorno esporadicamente à leitura de Wittgenstein. E a


cada vez que o faço, lembro daquela preleção única e intrinsecamente su-
blime que Aníbal Nunes Pires fez para um só (penso eu), no meio de uma
multidão. Fico feliz por ter sido este um, por ter sido por ele espicaçado
e motivado a uma investigação extracurricular extremamente prazerosa
e útil. Mas, também, fico triste, muito triste, por não poder mais dizer-
-lhe isto.

« 52 »
10 anos – a história

Pronunciamento, como Coordenador do Curso de Pós-graduação em


Engenharia Mecânica, por ocasião dos atos comemorativos aos dez anos
de funcionamento do curso. Publicado no Jornal Universitário da UFSC,
no. 23, ano 8, pg. 5, de abril de 1979.

A festa é pelos dez anos.


Mas a gestação foi longa, e a história começa bem antes.

Com efeito, foi em 1961 que, graças à dedicação e ao trabalho ingente do


Prof. João David Ferreira Lima, se criou a Universidade Federal de San-
ta Catarina. Em decorrência, já em 1962, e com o apoio da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, foi implantada a Escola de Engenharia
Industrial (EEI), oferecendo, inicialmente, o curso de engenharia mecâni-
ca, exclusivamente. Foi seu primeiro diretor o Prof. Ernesto Bruno Cossi,
da universidade gaúcha, que aqui se radicou por três anos e geriu o difícil
período da implantação física da unidade, em sua localização provisória,
junto à antiga Reitoria, no terreno da rua Bocaiúva.

Ao se aproximar o término de sua gestão, gran-


de preocupação havia quanto ao futuro da nova
escola. Foi nessa ocasião, em fins de 1964, que um
punhado de professores se cotizou a fim de enviar
um representante seu a Porto Alegre, para tentar
Prof. João David Ferreira Lima,

convencer o Prof. Caspar Erich Stemmer a acei-


o primeiro reitor da UFSC

tar a Direção da Escola, e para propor seu nome à


Congregação da mesma.

O aceite do Prof. Stemmer culminou com a indi-


cação de seu nome e sua designação para segundo
diretor da Escola de Engenharia Industrial, a partir
de princípios de 1965. O dinamismo de sua atua-

« 53 »
PARTE 2  Momentos

ção desde logo se fez sentir, justificando com plenitude a confiança que em
seu nome fora depositada. Já em princípios de 1966 a nova escola marcava
sua presença por destacada atuação no 1o Encontro Brasileiro de Professo-
res de Engenharia Mecânica. Sua posição naquele conclave, apesar de mal
compreendida à época, foi vindicada pelo tempo, com a extinção dos cur-
sos de Engenharia Operacional e a reformulação da ideia que os motivou.

Ainda em 1966 a UFSC, pelo estímulo do Prof. Stemmer e pela visão e


apoio do então Reitor, o Prof. João David Ferreira Lima, enviava o primei-
ro par de professores para que realizassem seu mestrado no Rio de Janeiro.
A esses se seguiram mais quatro em 1967, e mais nos anos seguintes.

Paralelamente a escola ampliava seu escopo e, com a participação finan-


ceira da CELESC, do Governo do Estado e da Companhia de Telecomu-
nicações de Santa Catarina, eram lançados, sucessivamente, os cursos de
engenharia elétrica, engenharia civil, e a modalidade Telecomunicações no
curso de engenharia elétrica.

Em princípios de 1968, já instalados no campus, e já dispondo em seu


quadro de um punhado de elementos com o título de mestre em ciências,
cristalizou-se a convicção de que a projeção do nome da Escola de Enge-
nharia Industrial em nível nacional, como centro de qualidade em sua área
de atuação, requereria, como corolário natural, a implantação de progra-
mas de pós-graduação.

Mais uma vez, foi o dinamismo e a iniciativa do diretor que superou todos
os entraves externos, enquanto uma comissão planejava e se preparava
para implantar o curso, mais uma vez com o decisivo apoio da Reitoria.
Assim, ainda em 1968, e graças a parecer favorável dos Profs. Alberto Luiz
Galvão Coimbra2 e Luiz Bevilacqua3, foi obtido o suporte financeiro do
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, através do programa
FUNTEC, que permitiu a aquisição de literatura técnica, de equipamen-
tos, inclusive o primeiro computador desta universidade, e a contratação
de professores estrangeiros com título de Doutor, condição sine qua para
nosso reconhecimento, pelo CNPq, como centro de excelência da pós-gra-
duação em engenharia mecânica na Região Sul.

2  Alberto Luiz Galvão Coimbra (1923-2018) tem seu nome estreitamente vinculado à Coppe/UFRJ, que
dirigiu desde sua criação, em 1965, até 1973. A respeito, recomendo a obra “Alberto Coimbra e a Coppe”,
de Giulio Massarani et al, Bibl. Anísio Teixeira (CAPES), Ed. Paralelo 15, Brasília, 2002. Muitos anos de-
pois, Coimbra viria a ser meu colega na Comissão de Especialistas do Ensino da Engenharia, SESu/MEC.
Coimbra recebeu, em 1979, o título de Dr. Honoris causa da UFSC.
3  Luiz Bevilacqua fora o orientador de minha dissertação de mestrado na Coppe, bem como a do Prof.
Nelson Back; posteriormente, viria, também, a orientar a tese de doutoramento do Prof. Sérgio Colle.
Foi, também, presidente da ABCM. É o idealizador da UFABC, tendo presidido o comitê de implantação
desta instituição e sido seu reitor. Foi presidente da Agência Espacial Brasileira.

« 54 »
10 anos – a história

Todas as ações requeridas foram executadas, e o Curso de Pós-graduação


em Engenharia Mecânica (CPGEM) iniciava oficialmente suas atividades
em março de 1969. A EEI era, à época, a mais nova das unidades de univer-
sidade e passava, com isso, a ser também a primeira a oferecer cursos de
pós-graduação. É um dever de justiça lembrar, aqui, os nomes dos profes-
sores Johann Ludwig Atrops e Jaroslav Kozel, nossos primeiros professores
visitantes, cuja vinda veio a suprir a última exigência para o reconhecimento
pelo CNPq, afinal emitido em meados de 1969, através do processo 2633/69.

Não se deve olvidar de registrar, aqui, a decisiva cooperação externa nos di-
fíceis anos iniciais. Além do BNDE colaboraram, e colaboram até hoje, em
nível nacional, organismos como a CAPES, o CNPq, a FINEP, o PREMESU,
a SUBIN e, mais recentemente, a CNEN. No âmbito internacional, tivemos
o apoio inicial da Assistência Técnica Francesa e do Conselho Britânico, da
OEA, de Departamento de Intercâmbio Acadêmico Alemão e da KFA.

A preocupação pela qualidade e pela própria continuidade do empreendi-


mento determinava uma nova ótica na formação pós-graduada do corpo
docente. Assim, a par de continuar a incentivar seus docentes a realiza-
rem cursos de mestrado – e isso desde antes que a Reforma Universitária
o cristalizasse como requisito legal – a UFSC passou a enviar sucessivas
levas de docentes ao exterior, para que realizassem doutoramento nas
mais variadas áreas. Essa orientação não foi alterada na primeira gestão do
Prof. Ernani Bayer à testa da universidade, nem na gestão do Prof. Roberto
Mündell de Lacerda.

Mas a sangria de seus melhores elementos, afastados para realizarem seu


doutoramento, não poderia deixar de produzir sua marca, e anos difíceis
foram vividos no primeiro lustro da presente década. Em que pese a con-
tinuada presença de professores visitantes, sua rotatividade definida criava
sérios entraves à orientação das dissertações. Foi, assim, uma ventura para
nós a decisão tomada por um de nossos visitantes iniciais, o Prof. Jaroslav
Kozel, de naturalizar-se e permanecer em Florianópolis, agora no qua-
dro permanente da universidade. Seu sacrifício e abnegação, orientando
a maioria das dissertações do primeiro lustro de existência do curso, não
poderão jamais ser apreciados em toda sua plenitude. Também não pode
ser olvidado o sacrifício de tantos jovens Mestres que suportaram o pesa-
do encargo de coadjuvar o Prof. Kozel e os professores visitantes naquele
período difícil.

Cabe aqui um rápido mas necessário parêntese. O exemplo do curso de


pós-graduação em engenharia mecânica foi fecundo, e já em 1971 a UFSC
lançava o curso de pós-graduação em engenharia elétrica. No ano seguinte,

« 55 »
PARTE 2  Momentos

o curso de pós-graduação em engenharia industrial, efetivamente implan-


tado em 1969, como área de concentração do primeiro curso, dele se des-
membrava estabelecendo-se autonomamente. A semente logo germinaria
também em outras áreas.

Mas voltemos ao curso aniversariante. A pouco e pouco os primeiros


doutores foram retornando, aliviando a pressão sobre os elementos que
atuavam em Florianópolis, e criando condições para que novos docentes
fossem autorizados a se afastar para realizar doutoramento.

O ano de 1976 marca o início de uma nova era para o curso, por três fato-
res fundamentais:

1. O estabelecimento de uma massa crítica, traduzida num número


já, finalmente, satisfatório de doutores no quadro permanente do
curso;
2. A implementação, após longo período de negociação, do Con-
vênio de Cooperação Técnica entre as universidades de Aachen
e a Federal de Santa Catarina, visando ao desenvolvimento de
aspectos específicos do curso de pós-graduação em engenharia
mecânica, com a interveniência da Gesellschaft für Technische
Zusammenarbeit (GTZ, Sociedade Alemã de Cooperação Técnica)
e da SUBIN. Esse convênio vem desde então, e até 1981, realizando
maciças inversões em prol de seus objetivos, que totalizarão, ao
fim de um quinquênio, o total de quase sete milhões de marcos
pelo lado alemão, e de mais de três milhões de cruzeiros do lado
nacional;
3. A confiança depositada pela CNEN na instituição, a partir de setem-
bro de 1976, traduzida em sucessivos convênios de que resultaram
a implantação do Curso de Introdução à Engenharia Nuclear na
UFSC, o essencial aumento de disponibilidade de bolsas nos cursos
de engenharia mecânica e elétrica, e a implantação de um vigoroso
e dinâmico grupo de pesquisa em Análise de Tensões em Compo-
nentes do circuito primário de reatores nucleares.

A esses três fatores, novos vieram se somar em anos subsequentes:

„ A inversão, a fundo perdido, pela FINEP, de importância superior


a seis milhões de cruzeiros no biênio que se seguiu a agosto de
1977, substituindo a antiga atuação do FUNTEC;

« 56 »
10 anos – a história

„ O credenciamento do curso em janeiro de 1977, pelo Conselho Fe-


deral de Educação, mercê de elogioso parecer do relator, Prof. Ruy
Carlos de Camargo Vieira4, após prolongada tramitação que serviu
para nos motivar mais firmemente na necessidade de manutenção
do elevado padrão que havíamos atingido, e que começava a ser
reconhecido por órgãos governamentais, pelo meio científico e
pelas entidades coirmãs;
„ A realização, em Florianópolis, em dezembro de 1977, do
o
4  ­Congresso Brasileiro de Engenharia Mecânica, em que tivemos
decisiva participação, tanto pela quantidade como pela qualidade
dos trabalhos apresentados, desempenho que pretendemos reedi-
tar, ao final deste ano, no 5o Congresso, em Campinas;
„ A implantação, em 1978, graças ao esforço do Prof. José João de Es-
píndola, e o decisivo apoio do CNPq, da Royal Society, da Univer-
sidade de Southampton e da Reitoria da universidade, da área de
concentração em Vibrações e Ruído, pioneira na América Latina;
„ A inversão, a partir do corrente ano, de recursos do Empréstimo
327/OC-BR, do BID, em sua maior parte na forma de equipamen-
tos importados, num total que ascenderá a setecentos mil dólares.

Pode-se dizer, assim, que ao final de dez anos, tendo já formado quarenta
mestres, o curso de pós-graduação em engenharia mecânica da UFSC já se
encontra definitivamente consolidado. Conta, neste momento, com mais
de uma dúzia de doutores em seu quadro permanente, e quatro professo-
res visitantes. Cinco elementos encontram-se, neste momento, realizan-
do doutoramento na Inglaterra, Alemanha, França e Canadá. Elementos
de nosso quadro são requisitados como consultores pela CAPES, CNPq,
FINEP, CNEN e PREMESU. A grande indústria catarinense já superou o
ceticismo inicial e busca nossa colaboração na solução de seus problemas,
o que é feito na forma de projetos de consultoria ou de pesquisa, inclusive
propiciando tópicos para dissertações.

4  Logo que assumiu a reitoria da UFSC, em 1976, Stemmer enviou-me a Brasília com uma carta sua,
dando-me plenos poderes para negociar, em nome da UFSC, os questionamentos levantados pelo
Prof. Ruy Vieira, relator dos processos de credenciamento de nossos cursos pós-graduação em enge-
nharia (Mecânica, Elétrica e de Produção), que estavam trancados no CFE havia vários anos. Passei
um dia inteiro discutindo os três processos com ele, numa das salas da SESU, e trouxe uma série de
recomendações, que transmiti a Stemmer (algumas das restrições envolviam dispositivos reguladores
da universidade) e aos demais coordenadores dos cursos envolvidos (nas questões específicas de cada
um). As recomendações foram rapidamente atendidas por Stemmer e pelos coordenadores, e ao fim
de poucos meses, afinal, os três cursos receberiam seu primeiro credenciamento, antes mesmo de
outros cursos mais antigos das mesmas áreas. O Prof. Ruy Carlos de Camargo Vieira viria, anos depois, a
ser meu colega na Comissão de Especialistas do Ensino de Engenharia da SESu/MEC.

« 57 »
PARTE 2  Momentos

Justo é, pois, que nos sintamos preparados para um novo passo, e tencio-
namos estar capacitados a dá-lo já no próximo ano, com a implantação do
doutoramento em engenharia mecânica. As ações burocráticas já foram
desencadeadas e deverão levar-nos, em breve, ao CNPq.

Eis aí, em resumo, a história de uma batalha que, na verdade, extrapola


os dez anos que estamos comemorando. Houve momentos de desânimo.
Houve barreiras que pareciam intransponíveis. Houve muita incom-
preensão de alguns. A semente, contudo, era boa, e o solo foi fértil. E nos
momentos mais críticos, havia sempre a construtiva obstinação de Caspar
Erich Stemmer, a todos motivando e incentivando, mesmo que sem estar
diretamente à testa do empreendimento.

Desejo, antes de concluir, pela enunciação de seus nomes, render minha


homenagem aqueles que, ao longo do tempo, foram coordenadores desse
curso. São eles:

„ Raul Valentim da Silva, da velha guarda, primeiro coordenador e


presidente da comissão que planejou o curso;
„ Adalberto José Ramos Campelli, primeiro graduado em engenha-
ria mecânica por esta universidade;
„ Getúlio Góes Ferretti, primeiro mestre aqui formado e titulado, e
meu dileto orientado;
„ Walter Celso de Lima, dedicado e capaz, uma grande força na im-
plantação da pós-graduação em engenharia elétrica na UFSC;
„ Domingos Boechat Alves, valiosa aquisição, durante os esforços
pela inversão do processo de brain drain desencadeados durante o
governo Geisel;
„ Hyppolito do Valle Pereira Filho, prata da casa, formado em nossa
primeira turma de engenheiros mecânicos.

« 58 »
O Ensino da Engenharia
Mecânica em Santa Catarina
– Origem e Evolução

Pronunciamento ao ensejo da comemoração do 25 anos do ensino de


engenharia em Santa Catarina, em 14 de maio de 1987, na presença
do Prof. João David Ferreira Lima, ex-reitor da UFSC, do Prof. Ernesto
Bruno Cossi, primeiro diretor da EEI, do Prof. Ary Nunes Tietboehl,
representando os professores de Porto Alegre que participaram da
implantação do curso, e da Dra. Milada Kozel Bila, viúva do Prof. Jaroslav
Kozel.

A ideia da criação de uma universidade que servisse de centro irradiador


da cultura e do progresso para a gente barriga verde germinou no ambien-
te da antiga Faculdade de Direito de Santa Catarina, onde se cristalizaram
as correntes que preconizaram encaminhamentos alternativos à questão.

O ingente trabalho de um gupo de batalhadores abnegados, sob a lideran-


ça de João David Ferreira Lima, conseguiu, afinal, com a compreensão e o
decisivo apoio do então Diretor de Ensino Superior, Prof. Jurandyr Lodi,
levar a cabo a batalha épica que culminou com a Lei no 3849, de 18 de de-
zembro de 1960, que criou a Universidade Federal de Santa Catarina.

Conquanto Jurandyr Lodi preconizasse o simples aproveitamento das ins-


tituições de ensino superior já existentes em Florianópolis, Ferreira Lima
batalhava ingentemente para conseguir que a lei que criava a universidade
previsse, também, a implantação de uma escola de engenharia.

« 59 »
PARTE 2  Momentos

Seus argumentos conseguiram, afinal, convencer Jurandyr Lodi que, ao in-


cluir no projeto de lei a previsão de um curso de engenharia industrial, nas
modalidades Química, Mecânica e Metalúrgica, delegou a Ferreira Lima
uma espinhosa “mensagem a Garcia”, dizendo:5

“Quero que vocês façam uma grande escola, e que sua fama corra de tal
forma que, quando um pai no Amazonas disser que seu filho vai estudar
engenharia, os circunstantes aconselhem: mande-o para Florianópolis,
pois lá está a melhor”.

Mas, como implantar uma escola de engenharia concentrada em moda-


lidades industriais num centro como Florianópolis, que, por não dispor
de infraestrutura específica, não dispunha de pessoal com as qualificações
requeridas?

Ferreira Lima, agora como primeiro reitor da UFSC, deparava-se com um


novo desafio. São suas as seguintes palavras, que refletem suas preocupa-
ções de então:6

“Não desejávamos repetir a experiência de muitas escolas de engenha-


ria instaladas no país. Em geral, os corpos docentes se constituíram de
profissionais convidados a assumir as cátedras, indicando as especia-
lidades que julgavam melhor conhecer. Isto parecia-nos extremamente
errado, pois o bom professor não se inventa, se faz através de uma longa
caminhada, onde os conhecimentos se adquirem, a vocação se observa e a
experiência vem paulatinamente”.

Já contando com o apoio da UFRGS, na pessoa do saudoso Prof. Eládio


Petrucci7, foram estabelecidos contatos com o segmento industrial de Santa
Catarina, em função dos quais foi definida, por unanimidade, a conveniência
de ser oferecido prioritária e inicialmente o curso de engenharia mecânica.

Convênio de cooperação com a UFRGS, prevendo a cessão mútua de do-


centes, foi então negociado e firmado. O alto sentido de brasilidade do rei-
tor Elyseu Paglioli, da UFRGS, foi, à época, decisivo para a efetivação desse
convênio, cujas vantagens eram inegavelmente para a universidade catari-

5  Relatado por Ferreira Lima em seu livro “UFSC: Sonho e Realidade”, 2a Ed., pgs. 71-73, Editora da UFSC,
2000.
6  Id., ibid., pgs. 119-120.
7  Não fui aluno do Prof. Eládio Petrucci, já que ele era, em Porto Alegre, professor do curso de enge-
nharia civil. Ele foi, contudo, o paraninfo de minha turma de engenharia, em 1962, na UFRGS. Nos
contatos que com ele vim a ter, já em Florianópolis, desenvolvi por ele grande respeito e admiração.
Faleceu em 1975, aos 55 anos de idade.

« 60 »
O Ensino da Engenharia Mecânica em Santa Catarina – Origem e Evolução

nense, e cujos efeitos se prolongaram no tempo e no espaço, permitindo a


posterior implantação de cursos em outras modalidades de engenharia e,
mesmo, em outras áreas.

A UFRGS cedia-nos, também, por um período determinado, a figura


respeitada de Ernesto Bruno Cossi para, como primeiro diretor, lançar as
bases da Escola de Engenharia Industrial. Além dele, mais quatro categori-
zados professores se encarregariam de implantar as disciplinas da primeira
série do curso de engenharia mecânica.

Enquanto Cossi se radicava em Florianópolis, os demais docentes gaúchos,


mantendo seus encargos em Porto Alegre, compareceriam quinzenalmen-
te a Florianópolis para, em períodos de 2 a 3 dias, ministrarem aulas e pre-
pararem os auxiliares de ensino selecionados para cada disciplina, encarre-
gados das aulas práticas e, quando cabível, de laboratório, e a quem caberia
assumir futuramente a responsabilidade plena por essas disciplinas.

Pelo esquema então estabelecido, cada professor gaúcho viria por um pe-
ríodo de dois anos e meio. No último semestre ele supervisionaria a sele-
ção de um novo auxiliar de ensino e avaliaria o desempenho do elemento
originalmente selecionado como responsável pela cátedra, emitindo pare-
cer sobre sua capacitação para o posto.

A cada ano uma nova leva de professores gaúchos seria selecionada para
implantar as disciplinas das séries subsequentes do curso.

Rendemos hoje tributo a esses professores, aqui representados pelo Prof.


Ary Nunes Tietboehl, mas cuja nominata quero, por justiça, arrolar:

„ Álvaro Leão Carvalho da Silva „ Ennio Cruz da Costa


„ Antonio Rodrigues „ Ernesto Bruno Cossi
„ Arno Wiehe8 „ Gert Funcke
„ Ary Nunes Tietboehl „ Heddy Pederneiras
„ Caspar Erich Stemmer „ Ivo Wolff
„ David Mesquita da Cunha „ João Ignácio Ibañez
„ Eládio Gerardo Requião Petrucci „ José Carlos Ribeiro da Silva9

8  Ao contrário da maioria dos professores desta nominata, que foram meus professores em Porto Ale-
gre, no curso de engenharia mecânica da Escola de Engenharia, no curso de matemática da Faculdade
de Filosofia ou no Instituto de Matemática da UFRGS/Cosupi, meu xará Arno Wiehe foi meu colega e se
formou comigo em 1962, em engenharia mecânica. Lamentavelmente teve vida curta, tendo falecido
pouco depois de sua passagem por nossa universidade.
9  José Carlos Ribeiro da Silva era o filho do Professor Álvaro Leão Carvalho da Silva, que também inte-
gra esta lista. Mais tarde, José Carlos retornou à UFSC como aluno do mestrado, e eventualmente con-
seguiu sua transferência para o quadro da UFSC. Nesta condição, foi coordenador do curso graduação
em engenharia mecânica, quando propôs e implantou a disciplina Introdução à Engenharia Mecânica.

« 61 »
PARTE 2  Momentos

„ José Roberto da Costa Diffini „ Paulo Roberto Furtado Mazeron


„ Luiz Duarte Vianna „ Paulo Tito Mascarello
„ Luiz Leseigneur de Faria „ Raul Cohen
„ Luiz Paulo de Azambuja „ Roberto Bressiani
Felizardo „ Rubens Penha Rodrigues
„ Manoel Luiz Leão „ Werner Adelmann

Sua abnegação, o sacrifício das madrugadas em aeroportos frios, as ma-


ratonas quinzenais, os perigos de uma época em que a aviação ainda não
apresentava os padrões de segurança de hoje, constituem um débito que
temos, cuja contabilização jamais poderá ser devidamente quantificada.
Que mais podemos dizer-lhes, senão um modesto “muito obrigado”?

Estabelecido o modus operandi, e definidas as instalações provisórias nas


“casas de Tarzan”, na chácara Molenda, junto à antiga Reitoria, foi realizado
o primeiro vestibular em abril de 1962, tendo as aulas início em 2 de maio,
com uma turma de 28 alunos.

Espinhosa foi, nesse período, a tarefa de Ernesto Bruno Cossi: administrar


o espaço físico restrito de que dispunha, implantar o núcleo dos primeiros
laboratórios (física e química) e da biblioteca, estabelecer, a partir do nada, a
base administrativa da nova escola, planejar o futuro, tanto do ponto de vista
da implantação das disciplinas subsequentes, como da construção de insta-
lações permanentes no campus. Em sua gestão tiveram início as negociações
para a obtenção de equipamentos do Leste Europeu, através dos chamados
“convênios do café”. Em seu tempo, também, foram exploradas as possibili-
dades de programa PROTEC, do Governo Federal, que permitiram a am-
pliação das vagas em 1964, em atenção às magnas necessidades nacionais.

Passados três anos, Cossi retornou a Porto Alegre em princípios de 1965,


deixando vasto círculo de amigos gratos e reconhecidos pelo trabalho que
aqui desenvolveu.

Substituiu-o, ainda cedido pela UFRGS, o Prof. Caspar Erich Stemmer,


num momento crucial em que entravam em operação as disciplinas do
que hoje chamamos de ciclo profissionalizante. A necessidade de insta-
lações especializadas se tornava rapidamente inadiável, e só era minora-
da pelo convênio que nos dava acesso às oficinas da Escola Industrial de
Florianópolis (hoje ETEFESC)10. Mas, a par de enfrentar com zelo e com-
petência os problemas ingentes que o dia a dia apresentava, Stemmer teve
tempo para imprimir uma série muito grande de inovações e modificações

10  Escola Técnica Federal de Santa Catarina. Foi posteriormente absorvida quando da criação do IFSC,
Instituto Federal de Santa Catarina.

« 62 »
O Ensino da Engenharia Mecânica em Santa Catarina – Origem e Evolução

que alteraram a própria concepção da Escola de Engenharia Industrial.


Com efeito, situada à margem de um ambiente industrial, a nova escola
tinha tudo contra si, tinha tudo para se transformar num mero estabele-
cimento de repetição de conhecimentos livrescos e de práticas rotineiras.
Isso não era alentador nem satisfatório para quem aqui pretendesse atuar
com seriedade. Stemmer logo compreendeu que a nova escola teria de se
destacar de alguma forma. Não era suficiente que cada um cumprisse com
zelo a tarefa que lhe competia. Era necessário ser diferente, inovador, por-
que não dizê-lo, revolucionário.

Foi assim que, com a aprovação da Congregação da escola, foram intro-


duzidas medidas decisivas para alterações profundas na concepção e na
qualificação da escola:

1. Foi incrementado o programa de treinamento de docentes. Sendo


os docentes locais, via de regra, recém-formados, era imperativo
que se lhes desse um mínimo de vivência industrial, através de um
programa de estágios iniciado ainda na gestão Cossi, mas agora
levado a limites mais amplos;
2. Paulatinamente esse programa de treinamento foi ampliado, de
forma a englobar, também, estágios e cursos de extensão em labo-
ratórios de escolas, de forma a qualificar elementos-chave à gestão
dos laboratórios que estavam começando a ser instalados;
3. A partir de 1966 começaram a se afastar os primeiros elementos
que buscavam obter seu mestrado. Por pouco ambiciosa que possa
parecer hoje essa meta, ela simplesmente não tinha paralelo na
época, como filosofia de qualificação de recursos humanos, e só
viria a se generalizar com a Reforma Universitária;
4. O currículo foi modificado em conteúdo e em estrutura. O velho
regime de áreas, introduzido em 1962, que parecia tão prenhe de
qualidades em sua concepção, havia-se revelado inviável e contra-
producente em sua implementação, sendo substituído por uma
solução mais ortodoxa, numa única concessão ao convencional;
5. Foi introduzido o estágio obrigatório curricular, que só viria a ser
tornado generalizadamente compulsório, em escala bem menor,
com a resolução no 45 de CFE (Conselho Federal de Educação), de
1976. À época, apenas a Escola de Engenharia de Rio Grande, da
FURG, exigia o estágio, mas sua implementação em Florianópolis
foi mais estruturada, englobando uma programação que deveria
ser desenvolvida progressivamente pelo aluno, desde a primeira
até a última série do curso. O controle da integralização do progra-
ma de estágios ficava por conta de órgão próprio, o Centro de For-
mação Prática e Aperfeiçoamento, que tive a honra de implantar;

« 63 »
PARTE 2  Momentos

6. Através de outro órgão, o Centro de Aperfeiçoamento Cultural,11


foi criado um canal para o aprimoramento da formação humanís-
tica do aluno, de maneira a meu ver superior à que foi posterior-
mente inserida na Reforma Universitária pelo conselheiro Ney
Sucupira, do CFE;
7. A contratação de docente passou a ser feita em caráter probatório,
sujeita a um exame de recondução ao fim de dois anos, exame esse
que me orgulho de ter voluntariamente prestado, embora tendo
sido contratado anteriormente à vigência deste dispositivo;
8. Foram promovidos seminários de aperfeiçoamento em didática e
metodologia do ensino para os docentes;
9. Foi generalizada a prática do contrato duplo, artifício legal que
viabilizou a prática da dedicação exclusiva, antes da mesma ser
prevista nos dispositivos legais, introduzida que foi no bojo da
Reforma Universitária;
10. A fim de disponibilizar o estágio prático nas condições em que
o mesmo foi idealizado, foi realizada intensa programação de con-
tato e aproximação com o setor industrial do estado, que serviu
também, para mostrar, gradativamente, que as potencialidades da
escola também estavam disponíveis para a solução de problemas
técnicos com que se defrontava esse setor;
11. A escola se mostrou sensível, também, aos problemas catarinenses
numa escala mais ampla, e foi em atenção a anseios da comunida-
de e a necessidade do estado, que Stemmer tomou a iniciativa de
propor e de criar, novamente com o apoio da UFRGS, os cursos de
engenharia elétrica, civil e de telecomunicações.

Muitas dessas medidas só puderam ser implementadas pelo apoio decisivo


e pelo estímulo sempre presente de nosso primeiro reitor, Prof. Ferreira
Lima.

A Reforma Universitária, desastradamente, inviabilizou muitas dessas


inovações12. Enquanto foram aplicadas, todavia, elas mostraram resultados
a curto prazo. Já em fins de 1965, em congresso realizado no Rio de Janei-
ro, nossa representação, integrada pelos professores Stemmer e Espíndola,

11  Implantado e gerido brevemente pelo saudoso Pe. Affonso José Birk.
12  Na estrutura antiga, os estudantes eram alunos da Escola de Engenharia Industrial desde o Vestibu-
lar; após a Reforma, eles só chegavam às disciplinas do Centro Tecnológico (CTC) no quinto semestre.
O CTC não podia impor estágios como pré-requisito de matrícula exceto para disciplinas que ele ofe-
recesse exclusivamente para alunos de seus cursos. A posterior criação das disciplinas de Introdução à
Engenharia, ministradas já no primeiro semestre letivo dos cursos, permitiu criar uma ligação anteci-
pada entre os alunos de cada modalidade de engenharia e a carreira que escolheram ao se inscrever
no Vestibular, estabelecendo, assim, um sentimento de pertinência que não era antes aparente nos
semestres iniciais dos cursos.

« 64 »
O Ensino da Engenharia Mecânica em Santa Catarina – Origem e Evolução

teve destacada atuação e ganhou respeito de seus pares por suas objeções à
pretendida criação dos cursos de Engenharia Operacional, com argumen-
tos que o tempo veio a revelar proféticos.

O pioneirismo de Stemmer projetou-se, também no âmbito nacional,


o
quando organizou, em 1973, o 1 Simpósio Brasileiro de Engenharia Me-
cânica, Rebatizado de Congresso, esse evento passou a realizar-se regular-
mente a cada dois anos, em breve se tornando o maior e mais respeitado
veículo da produção científica no país. Ele retornou a Florianópolis em
1977 e, desde então, tem sido caracterizado pela participação majoritária
da UFSC. Sua décima edição se dará em dezembro vindouro, novamente
em Florianópolis, como parte das comemorações de nosso jubileu. Outra
o
consequência do 1 Simpósio foi a criação, em 1975, da ABCM – Associa-
ção Brasileira de Ciências Mecânicas – cuja presidência já esteve por duas
vezes em mãos de elementos de nosso quadro.

O retorno dos primeiros mestres trouxe um novo tipo de preocupações:


eles queriam, e com razão, usar suas novas potencialidades. Queriam ins-
talações para pesquisa. E entreviram explorar o filão que se abria face aos
dispositivos legais da Reforma Universitária, referentes à titulação. Stem-
mer também, agora reconduzido à direção da Escola, já desvinculado da
UFRGS e definitivamente radicado em Florianópolis, encampou a causa da
criação de um curso de pós-graduação, que viria a ser o primeiro da UFSC.

Montado o projeto pela equipe, conseguida a cobertura financeira e supe-


rados os entraves legais pelo trabalho de Stemmer, foi o curso implantado
em 1969, exclusivamente ao nível de mestrado.

Nessa mesma época discutia-se a questão da departamentalização da UFSC,


como etapa da implantação da Reforma Universitária. Foi uma época de
intensa doutrinação, em que a equipe de mestres do curso de engenharia
mecânica conseguiu, com dificuldade, mas com obstinação, fazer implan-
tar uma concepção departamental carreirocêntrica no Centro Tecnológico,
mais racional e menos fracionadora do que a proposta alternativa. Do acer-
to dessa posição histórica encontra-se hoje ampla confirmação pelo Brasil
em fora; nenhuma instituição que se tenha departamentalizado de forma
não carreirocêntrica obteve expressão no cenário nacional.13

13  A proposta de departamentalização carreirocêntrica do CTC previa, à época, a criação de cinco de-
partamentos; a proposta alternativa, materiocêntrica, previa catorze, muitos dos quais não atenderiam
à composição de quinze professores, mínimo estabelecido para a criação de um departamento.

« 65 »
PARTE 2  Momentos

Mas não seria permitido repousar sobre os louros. O sucesso de nossa


novel pós-graduação requeria melhor capacitação dos recursos humanos.
Ferreira Lima criou a abertura que permitiu o afastamento dos primeiros
candidatos ao doutorado, já a partir de 1970, para a Europa e os Estados
Unidos, como embrião de uma agressiva política de capacitação que só
arrefeceu em anos recentes, quando já contamos com 25 doutores.

Contudo, em 1970 esses afastamentos desfalcavam perigosamente uma


equipe que já era escassa para conduzir a programação de mestrado. Nesse
momento despontou a figura ímpar de Jaroslav Kozel, que havia sido
trazido originalmente como professor visitante, mas que, ao se apaixonar
pela ilha, se naturalizou e aqui se radicou, até seu infausto passamento em
1980. Kozel exerceu, durante algum tempo o papel hercúleo de ministrar
tantos cursos quanto necessários, de orientar dissertações por atacado, de
implantar o primeiro laboratório especializado para o atendimento à pós-
-graduação, de apoiar e orientar os docentes mais jovens. Seu trabalho só
foi aliviado a partir de 1973, com o retorno dos primeiros doutores.

Ao final da década de 70, face à agressiva política de formação de pessoal


(interna e externa), o Departamento de Engenharia Mecânica era constituí-
do quase que exclusivamente de elementos com formação pós-graduada
estrita. Contando já com quase dúzia e meia de doutores, se lançava em
novo empreendimento. Em agosto de 1981 entrava em operação o progra-
ma de doutoramento, outra vez o primeiro da UFSC.

Já a partir da década de 70, e com frequência cada vez maior, os cursos de


engenharia mecânica da UFSC (graduação e pós-graduação) têm recebido
encômios e distinções de fontes as mais variadas e insuspeitas:

„ Ainda na década de 70 fomos arrolados em um levantamento da


OEA, como um dos três locais onde se poderia fazer um bom cur-
so de engenharia mecânica no Brasil;
„ Nossa pós-graduação tem obtido conceito A em sucessivas avalia-
ções que a CAPES realiza anualmente;
„ Ocupamos posição de destaque no Ranking Playboy (graduação e
pós-graduação);
„ Temos sido incluídos em estudos de casos, como exemplos de
sucesso (OEA, Simon Schwartzman);
„ Nossos docentes são continuamente requisitados para integrar
importantes comissões em órgãos governamentais e para prestar
consultoria a empresas de renome, em questões de extrema com-
plexidade e de indubitável atualidade tecnológica;

« 66 »
O Ensino da Engenharia Mecânica em Santa Catarina – Origem e Evolução

„ Estamos presentes nos mais renomados eventos da área, e temos


uma produção científica e técnica da maior relevância;

É claro que outros fatores colaboraram decisivamente na nossa atual situa-


ção:

„ Apoios financeiros (BNDE, FINEP, BID, Governo Alemão, só para


citar os majoritários);
„ O convênio de cooperação técnica com a Universidade de Aachen,
que nos trouxe docentes visitantes que nos auxiliaram no estabe-
lecimento de laços com a empresa, na reorganização das linhas de
pesquisa, na instalação de laboratórios, na implantação do douto-
ramento e no estabelecimento de um programa de doutoramento
cooperativo com aquela universidade.

Porém, sem qualquer desfavor, o efeito positivo desses insumos só foi pos-
sível porque aqui já havia algo em que valia a pena investir, algo que fugia
ao lugar comum, e que era prometedor.

Entretanto, esse curto histórico não poderia concluir sem uma referência
à dedicação e à abnegação do corpo de funcionários da antiga Escola de
Engenharia Industrial e do Departamento de Engenharia Mecânica. Eles
foram sublimes nos dias difíceis da mudança para o campus, quando, em
condições precárias, sem talhas nem similares, atuaram na instalação de
equipamentos pesados. Eles nos têm surpreendido por sua resignação nas
enchentes periódicas que assolam nosso prédio. Eles têm sido amigos e
companheiros nos bons e nos maus momentos. Eles são responsáveis em
tudo o que somos, naquilo que atingimos. Eles merecem nossos agradeci-
mentos e nossos cumprimentos.

Ao finalizar essa resenha histórica, retorno às palavras de Jurandyr Lodi:


“Quero que vocês façam uma grande escola…”

Caro Professor Ferreira Lima, nosso reitor das primeiras horas: somos-lhe
gratos por ter aceitado esse desafio, por ter-nos dado seu apoio quando ele
se fazia necessário e por ter confiado em nós. Encampamos o desafio, fize-
mo-lo nosso, e sentimo-nos à vontade para prestar contas nesse momento.
A mensagem a Garcia foi entregue… Nossos alunos não vêm apenas do Oia-
poque ou do Chuí. Eles vêm de mais longe também: da Bolívia, do Peru, do
Equador, da Colômbia, do longínquo México, do extremo sul do Chile.

Temos porfiado, Prof. Ferreira Lima, em fazer de nossos egressos mem-


bros de uma elite, de uma categoria preparada a enfrentar os desafios com
que o Brasil e a América Latina terão de se defrontar. Temos resistido às

« 67 »
PARTE 2  Momentos

tentações da acomodação fácil; temos resistido aos descaminhos melancó-


licos do movimento docente; temos resistido à indigência total, financeira
e de ideias, da política educacional do governo passado; e temos de en-
frentar agora a ineficiência burocrática e o vácuo de ideias, dói-me dizê-lo,
desta Nova República tão precocemente envelhecida. Mas pode V. Magfcia.
ter a certeza de que saberemos enfrentar todos os embates. Sabemos que
nossa firmeza foi forjada no calor de seu exemplo, de sua dedicação a esta
universidade, da confiança que depositou em nós.

Professor Ernesto Bruno Cossi: somos-lhe também gratos. Sabemos o que


representaram três anos de afastamento compulsório da atividade cien-
tífica, para enfrentar prosaicos problemas burocráticos. Podemos estimar
o que devem ter significado para V. Sa. e para sua família os três anos de
virtual confinamento no pequeno apartamento de um hotel. Espero que
esse reencontro, esse contato com nossa realidade, possam convencê-lo de
que valeu a pena.

Professor Ary Nunes Tietboehl: peço-lhe que transmita em Porto Alegre, à


velha guarda de nossa escola, ou a seus familiares, o testemunho de nossa
nova realidade e o preito de nossa gratidão. Peço-lhe ainda, e também ao
Prof. Cossi, que transmitam ao Magnífico Reitor da UFRGS, Prof. Francis-
co Ferraz, ao ilustre vice-reitor, meu antigo mestre e amigo, Prof. Gerhard
Jacob14, e ao diretor da Escola de Engenharia, Prof. José Serafim Gomes
Franco15, também antigo mestre e amigo, que o Departamento de Enge-
nharia Mecânica, o Centro Tecnológico e a UFSC jamais esquecerão o que
devemos à UFRGS, ao desprendimento patriótico do saudoso Prof. Elyseu
Paglioli16, à dedicação de tantos docentes que conosco cooperaram.

Dear Mrs. Kozel: I could not finish this speech without expressing to you once again
the appreciation we had for your husband, and the recognition that much of what
we are nowadays is due to his effort, to his concern with his undertakings, to his
love to this country. We miss his diligence and his skills, but, most of all, we miss his
friendship, we miss him.

14  Gerhard Jacob (1930-2018) foi meu professor de Física no segundo grau, no antigo curso científico.
Muito mais tarde eu viria a participar, junto com ele, do Conselho de Coordenação Técnico-científica
do CNPq. Gerhard Jacob também veio a ser reitor da UFRGS e presidente do CNPq.
15  José Serafim Gomes Franco (1934-2021) foi meu professor na graduação, em Porto Alegre; poste-
riormente, participou da equipe gaúcha que trabalhou na implantação do curso de engenharia civil
da UFSC. Com ele vim a participar de comitês assessores do CNPq e da Comissão de Especialistas do
Ensino de Engenharia da SESu/MEC.
16  Elyseu Paglioli (1898-1985): renomado neurocirurgião gaúcho, foi reitor da Universidade do Rio
Grande do Sul de 1952 a 1964, e assinou com Ferreira Lima o convênio de cooperação que assegurou
o apoio da universidade gaúcha à implantação da EEI. Foi, também, prefeito de Porto Alegre e Ministro
da Saúde (Em 1962, durante quatro meses, no gabinete de Hermes Lima, no breve interlúdio parla-
mentarista de nossa república).

« 68 »
O Ensino da Engenharia Mecânica em Santa Catarina – Origem e Evolução

Prof. Caspar Erich Stemmer, mestre e amigo: que mais poderia eu dizer?
Diretor criativo, reitor profícuo, o reconhecimento de sua obra já trans-
cende aos limites desta universidade. A recente outorga do Prêmio Anísio
Teixeira17 o comprova. Dizer, aqui, que lhe somos gratos parece tão pouco,
tão banal. As palavras parecem perder o significado. E isso porque, caro
Mestre, nós lhe devemos demais: nós lhe devemos o que somos.

17  Em 1986.

« 69 »
Sonhos de uma noite de Verão

Publicado no Diário Catarinense, pg. 2, em 23 de novembro de 1996,


ao ensejo da passagem dos 30 anos de formatura da primeira turma
de engenharia da UFSC, constituída exclusiva- mente de engenheiros
mecânicos.

Noite de novembro, em 1966… Um calor agradável de começo de Verão…


Quatro jovens casais, bem-vestidos, parecendo vir de alguma solenidade,
sobem a Avenida Felipe Schmidt. Irradiam alegria, felicidade, descontra-
ção. Mais do que isso: parecem exultantes. Dobram na Jerônimo Coelho e
entram no Meu Cantinho, um agradável recanto boêmio da época, daque-
les que não existem mais.

Sentam-se ao redor de uma mesa; pedem chopes e “alguma coisa para


beliscar”. Conversam animada, mas sobriamente, só os risos abundantes
extravasam até as mesas vizinhas. Comemoram um momento importante
de suas vidas, talvez o mais importante, até então.

Os quatro jovens são professores da Escola de Engenharia Industrial da


UFSC. Haviam sido recrutados, em ocasiões distintas, poucos anos antes.
Depois de acompanhados, orientados e observados durante algum tempo
por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estavam
assumindo a responsabilidade por suas respectivas disciplinas. Tinham to-
dos um justificado orgulho, não era comum ser-se professor universitário
com tão pouca idade, naquela época. Exercer funções de professor cate-
drático, então, era praticamente inconcebível.

Assim como suas esposas, estão longe de suas famílias. Por isso comemo-
ram entre si. Tinham, há poucos minutos, participado da formatura da pri-
meira turma de engenheiros mecânicos da UFSC. E compartilham da mes-
ma felicidade que, pouco antes, haviam observado nos 12 recém-formados,
quando os abraçaram após a formatura. Tinham com eles um vínculo, uma

« 70 »
Sonhos de uma noite de Verão

cumplicidade, mesmo, que não seriam mais senti-


dos com tanta intensidade nos anos e nas formaturas

O autor, como personagem da crônica em 1966, e como seu autor, em 1996.


seguintes. Com estes haviam tido seu batismo de
fogo. Ao ensinar-lhes o que sabiam, haviam, também,
aprendido muita coisa. Haviam se conscientizado de
suas limitações e de suas responsabilidades.

Compreendiam que a carreira que haviam abraçado


não se esgotava no desempenho em sala de aula. Re-
queria muito mais. Por isso mesmo, dali a três meses,
dois destes jovens professores estariam iniciando
seu mestrado no Rio de Janeiro; os outros fá-lo-iam
um pouco mais tarde. E, mais adiante, depois de
titulados, depois da reestruturação da Universidade,
que viria a ser desencadeada em 1967, os integrantes
daquele pequeno grupo iriam estar presentes em
importantes momentos e em relevantes funções da
“escolinha” que então apenas começava a engatinhar:
dois deles chegariam à direção do Centro Tecnológi-
co, e os outros ocupariam a chefia do Departamento
de Engenharia Mecânica e a coordenação dos cursos
de graduação e pós-graduação.

Mas a primeira formatura nunca seria esquecida…

« 71 »
Nostalgia

3o lugar no concurso de crônicas “A UFSC na minha História”, promovido


pela Editora da UFSC, em comemoração aos 40 anos da UFSC, 2001.
Publicado no livro A UFSC na minha História – 40 anos da UFSC - 33 crônicas,
pgs. 19-22, editado pela EdUFSC em março de 2002.

Onde é que mora a amizade?


Onde é que mora a alegria?
Moram lá na Trindade,
Na Escola de Engenharia.

Não sei precisamente quem improvisou esta quadrinha, nem quem com-
pôs ou arranjou uma melodiazinha plangente para que se pudesse cantá-
-la. Letra, falando em alegria, e música, transmitindo uma certa tristeza,
não eram propriamente feitas uma para a outra, mas quem estava dando
bola para isso? O fato era que, lá pelos fins da década de sessenta do –
acreditem – século passado, esta melô despretensiosa era o grande sucesso
musical da rive droite. Rive droite do canal que passa ao lado da Reitoria,
evidentemente, e onde, à época, só a Engenharia tinha já orgulhosamente
fincado suas bases, com seu primeiro prédio, o hoje ultrapassado Pavilhão
de Mecânica.

Havia muito espaço ao redor do pavilhão, campos e banhados. Um peque-


no rebanho não-sei-de-quem vivia ali, aproveitando o pasto farto e, presu-
mo, saboroso. Por vezes, alguma vaquinha mais afoita ousava visitar aquela
estranha construção que lhe invadia os domínios, inspecionar o que os
bípedes implumes estavam aprontando. Sua visita invariavelmente causava
um inesperado fuzuê. Tirá-la de lá tornava-se tarefa impositiva, mas pouco
trivial. E era inevitável que, ofendida, ela deixasse alguma lembrança mal-
cheirosa nos corredores, quando não o fazia na sala de algum professor.

« 72 »
Nostalgia

Pobres vaquinhas… Elas nunca conseguiram vislumbrar que, em breve, ou-


tras construções viriam, que os banhados seriam aterrados, que o que não
fosse construído, viraria estacionamento. O rebanho que ali pastava, viria
a ser expulso, sem direito a indenização, sem direito a usucapião. Onde o
homem não construísse, os de quatro rodas tomariam conta. O rigor dos
anos de chumbo, por certo, não permitia que algum boizinho mais mi-
litante se arvorasse em precursor do MST… Ou do MSP (Movimento dos
Bovinos Sem Pasto), que o fosse.

Mas antes de o “progresso” chegar, os humanos improvisaram, ali, na parte


mais elevada, um campo de futebol. Neste campo, a “grande família” da
Engenharia – cerca de uma centena de alunos, uma vintena de professores,
pouco mais de uma dezena de servidores técnico-administrativos – con-
graçava nas horas vagas, envolvendo-se em peladas informais, às vezes
acompanhadas de um churrasquinho esperto assado entre duas pedras,
de birita geladinha, de alguma caipirinha. As vaquinhas, evidentemente,
ouviam um não muito polido convite para irem pastar em outro lugar.
E quando o consumo da caipirinha e da birita, ou de ambas, passava um
pouco da medida, surgia não sei de onde um violão e um pandeiro, impro-
visava-se uma bandinha e começava a cantoria. “Onde é que mora a ami-
zade…”, evidentemente.

Era a época da inocência. Todos se conheciam, e se não eram realmente


amigos, naquela forma sublime que Milton Nascimento só viria a definir
bem mais tarde (“… coisa de se guardar do lado esquerdo do peito”), havia
respeito mútuo e orgulho pelo trabalho desenvolvido em conjunto. As
fogueiras das vaidades e dos interesses ainda não crepitavam.

Trinta anos passados, muita água passou pelo canal. Não só por baixo da
ponte. Por vezes ela extravasou e, certa feita, carregou a ponte; por vezes,
inundou o Pavilhão de Mecânica e a própria Reitoria. Entrementes, a pe-
quena Escola de Engenharia Industrial transmudou-se no grande Centro
Tecnológico. Multiplicaram-se os cursos, os departamentos, os prédios, as
instalações, as pessoas. Vieram os lauréis, a fama, o reconhecimento ex-
terno. Mas também se multiplicaram os interesses, os conflitos, as suscep-
tibilidades e as vaidades. Era inevitável. Era previsível. As compensações
foram muitas, e foram válidas.

Mesmo assim, cada vez que estaciono meu carro sobre o local onde estava o
antigo campo de futebol (e o faço cada vez mais espaçadamente), não posso
deixar de olhar ao redor. Onde foram parar as vaquinhas? Onde é que mora

« 73 »
PARTE 2  Momentos

a amizade? Qual é o sentimento positivo que rima com tecnológico? E


mesmo que alegria rime com engenharia, ela ainda mora lá? Compreendo,
afinal, porque a melodia que mencionei lá em cima era plangente.

Custou, mas nosso velho Pavilhão de Mecânica recebeu, já nos anos 90, uma entrada mais nobre, e
deixou de ser um mero corredor coberto, para quem ia do CTC à Reitoria.

« 74 »
Prof. Carlos Alberto
de Campos Selke

Também escrito originalmente como subsídio para o livro “Departamento


de Engenharia Mecânica – História e contribuições – 1962-2008”, Janeiro
de 2008. A jornalista Débora Horn aproveitou praticamente tudo o
que escrevi, mas conseguiu fazê-lo de forma muito mais compacta. O
penúltimo parágrafo foi incluído para esta edição.

Dentre os chefes que o Departamento de Engenharia Mecânica teve ao lon-


go dos anos, foi o Professor Carlos Alberto de Campos Selke (que ocupou
a chefia por dois mandatos, durante os anos de 1988 a 1991) o que mais me
impressionou no exercício daquela função. Jovem, ainda, desde o início de
seu primeiro mandato demonstrou dinamismo, competência e uma com-
preensão profunda de como deveria funcionar uma universidade estrutu-
rada departamentalmente. Tenho a certeza de que esta compreensão era
derivada da observação intencional e detalhada do funcionamento deste
modelo na instituição em que fez o doutoramento, ns Estados Unidos. Em
outras palavras: acredito que ainda quando realizava seu doutoramento,
Selke já tinha a intenção de ocupar funções administrativas, e se preparava
para isso. Evidência disto está na forma segura com que assumiu os com-
promissos da Chefia, sem hesitações nem insegurança.

Suas gestões foram caracterizadas por um esforço constante e sincero de


conciliar os interesses variados que polarizavam o departamento, assim
eliminando os atritos internos. Selke, talvez melhor do que todos os outros
chefes (os que o precederam, pelo menos), exerceu plenamente a função
de facilitador, procurando assegurar que as funções finais do departa-
mento – o ensino, a pesquisa e a extensão – fossem atendidas satisfatoria-
mente. Conseguiu, através da criação da Câmara Setorial de Análise das
Atividades de Extensão, estabelecer as condições para que a atividade de

« 75 »
PARTE 2  Momentos

extensão fosse exercida com transparência, que projetasse o nome dos


profissionais do departamento e beneficiasse os setores que, por sua natu-
reza, estavam mais concentrados na atividade estritamente docente.

Mostrou-se incansável, passando no departamento muito mais do que as


horas regulamentares, mantendo-se atualizado sobre o que ocorria em
cada setor. Ao mesmo tempo, fez questão de não se desvincular das ativi-
dades de ensino e de orientação de teses e dissertações. A única restrição
que impôs a seus alunos e orientados foi uma elasticidade nos horários de
aulas e de atendimento individual.

Guindado posteriormente à direção do Escritório de Assuntos Internacio-


nais da universidade, logo demonstrou a mesma desenvoltura e conhe-
cimento de causa. A maneira rápida e eficaz com que tratou a questão do
apoio a estudantes haitianos, uma momentânea crise do setor educacional
na época, projetou o nome da UFSC no país. E o seu também, porquanto
foi logo convocado para assumir a assessoria de Cooperação Internacional
do CNPq. Lamentavelmente, para lá ser colhido e incapacitado por um
AVC, vindo a falecer, longo tempo depois.

Sobrou-nos a memória de seus feitos.

Professor Carlos Selke recebe estudantes do Canadá – foto Paulo Dutra/Agecom/15/6/1992

« 76 »
Prof. Jaroslav Kozel
(1927-1980)

Um obituário foi por mim escrito e distribuído à imprensa ao ensejo da


morte trágica do Professor Jaroslav Kozel, em princípios de 1980, mas
não foi publicado. Posteriormente escrevi “Relembrando Kozel”, que foi
publicado no Boletim da Apopen (Ass. dos Aposentados e Pensionistas
da UFSC), no. 45/46, ano IV (1997), na série “Memória da UFSC”. O presente
trabalho resulta de uma fusão destes dois documentos, eliminando
redundâncias.

Jaroslav Kozel era natural da antiga Tchecoeslováquia, sendo formado em


engenharia mecânica e tendo mestrado e doutorado nesta mesma mo-
dalidade, pela Universidade Técnica Tcheca de Praga. Durante sua vida
profissional em seu país natal atuou no quadro docente dessa mesma
universidade, chegando a integrar seu Conselho Científico. Participou
de importantes trabalhos de consultoria, em sua maioria ligados à área
de Máquinas Operatrizes e de Conformação, sendo detentor de uma
patente e tendo publicado sete livros (em coautoria) e nove trabalhos
técnicos especializados. Realizou extensivo trabalho relacionado ao
desenvolvimento de uma câmara de alta velocidade e sua utilização em
pesquisa científica de cunho experimental.

Quando a UFSC procurava um elemento com titulação de doutor, a fim de


cumprir condição imposta pelo BNDE e CNPq, seu nome foi recomenda-
do a Stemmer pelo eminente Prof. Dr. Jiri Tlusty, um conceituado conter-
râneo seu, com brilhantes passagens pela Universidade da Florida e pela
Universidade McMaster, no Canadá. Estabelecidos os contatos necessários,
e ainda abertos os canais decorrentes da Primavera de Praga, Kozel chegou
à UFSC em meados de 1969, para um período de dois anos como Profes-
sor Visitante, a fim de colaborar na implantação do curso de pós-gradua-

« 77 »
PARTE 2  Momentos

ção em engenharia mecânica. Kozel já falava português, de modo que seu


enquadramento nas atividades do CPGEM (Curso de Pós-graduação em
Engenharia Mecânica) foi rápida e total.

Kozel apaixonou-se logo pelo Brasil, pela Ilha da Magia e seu povo, e já um
ano depois estava, para plena satisfação da UFSC, providenciando a obten-
ção de seu visto permanente e tomando as providências iniciais para sua
naturalização, que obteve, para sua grande alegria, em 1973.

Nos quase doze anos em que labutou no Brasil, incluindo alguns dos mais
críticos à consolidação do CPGEM, Kozel impressionou por seu dinamis-
mo e capacidade, e fez amigos, não só aqui, mas em toda a comunidade
científica nacional.

Desde cedo se interessou, e levou a cabo, a implantação do Laboratório de


Metrologia e Medidas Mecânicas da UFSC, hoje uma das unidades de maior
relevo da área tecnológica da UFSC. Paralelamente montou o processo para
o credenciamento deste laboratório junto ao INMETRO. Suportou, durante
grande tempo, a carga maior de orientação de dissertações do novel curso
de pós-graduação em engenharia mecânica, enquanto o pessoal autóctone
se afastava para realizar cursos de doutoramento no país ou no exterior.
Mais recentemente, passou a atuar, também, nos cursos de graduação.

Equipes sob sua orientação (por vezes, com a eventual participação do


Prof. Domingos Boechat Alves) realizaram importantes trabalhos de con-
sultoria, entre os quais se poderia citar, por sua relevância:

„ projeto e verificação experimental das tensões na estrutura de


uma prensa hidráulica de 500 toneladas (deste trabalho resultou o
surgimento de equipamento nacional nessa área, e a consequente
suspensão da importação de prensas para cerâmica, na forma da
legislação protecionista da época;
„ verificação experimental das deformações específicas em reserva-
tórios de plástico reforçado com fibra de vidro;
„ ensaios de recepção do vaso de contenção do reator nuclear de
Angra I (trabalho em que estava ocupado no momento de sua
morte).

Realizou, também, trabalhos para a Polícia Militar de Santa Catarina e para


a Base Aérea de Florianópolis.

Orientou seis dissertações de mestrado e vinha orientando mais três. De seu


trabalho produziu, aqui no Brasil, oito trabalhos especializados, dos quais
seis apresentados nos Congressos Brasileiros de Engenharia Mecânica.

« 78 »
Prof. Jaroslav Kozel (1927-1980)

Era casado com a Dra. Milada Kozel Bila, que exercia sua profissão nos
Estados Unidos. Construía em Cacupé a casa dos sonhos do casal, supervi-
sionando pessoalmente cada detalhe da obra. Morreu prematura e tragica-
mente num fim de tarde.

A par de seu brilho profissional, como docente, pesquisador e administrador


(foi vice coordenador do Curso de Pós-graduação em Engenharia Mecânica),
Kozel será lamentado por suas características pessoais. Culto e de boa índole,
sempre jovial, reto e justiceiro, ele tinha aquelas qualidades fundamentais
de quem sabe fazer amigos, de quem não consegue guardar ressentimentos.
Sabia incutir um sentimento de admiração quase que filial em seus alunos,
e respeito de seus pares. Sabia temperar o humor sadio com a seriedade dos
assuntos profissionais.

A UFSC, e seu Departamento de Engenharia Mecânica, ficam desfalcados


com sua falta e, principalmente, traumatizados com as circunstâncias incom-
preensíveis em que ela ocorreu.

O Brasil perde um cidadão de méri-


to que amava verdadeiramente sua
pátria de adoção, que só perdia seu
perene sorriso quando alguém, por
descuido, o chamava de estrangeiro.
A comunidade científica brasileira
perde um elemento de escol, que
ainda muito tinha a oferecer. Sua
esposa, seu filho adotivo, perdem um
marido e um pai amantíssimos.

E tudo isso por quê? Por mais que


se procure raciocinar e racionalizar,
chega-se, apenas, àquela resposta
que o Prof. Caspar Erich Stemmer
Os professores Stemmer e Kozel (ao centro), acom- repetiu, tantas vezes, em sua oração
panham o professor Stephen A. Tobias, chefe do
fúnebre: não compreendemos… Sim-
Departamento de Engenharia Mecânica da Universi-
dade de Birmingham, em sua visita ao EMC em 1971. plesmente não ­compreendemos.

« 79 »
Walter de Bona Castelan

Walter de Bona Castelan era engenheiro mecânico e matemático, e


professor do Departamento de Matemática da UFSC. Estava entre os
passageiros do fatídico vôo 303, da Transbrasil, que caiu no Morro da
Virgínia, em Ratones, Florianópolis, em 12 de abril de 1980. Texto escrito
e distribuído à imprensa, à época. Publicado no Boletim da Apopen (Ass.
dos Aposentados e Pensionistas da UFSC), no. 19, ano III (1995), na série
“Memória da UFSC”. Versão atual com adendos.

Eu o conheci numa tarde de fevereiro, já faz mais de vinte anos. Prepara-


va-se, como eu, para prestar seu vestibular de engenharia na URGS. Era
um dos tantos catarinenses que, antes da criação da UFSC, eram compe-
lidos a demandar os estados vizinhos em busca de uma formação mais
elevada.

Lembro-me bem desse primeiro encontro que, entretanto, não teria


passado de um desses tantos eventos casuais de nossa vida, não fora uma
combinação de circunstâncias; termos sido aprovados, termos escolhido
o mesmo curso (naquele tempo, a opção da modalidade de engenharia
era feita mais tarde, no início da segunda série) e, em decorrência, termos
participado da mesma turma. Termos, ainda, sido companheiros em nosso
serviço militar. E, finalmente, termos partilhado um interesse comum pela
Matemática, o que veio a nos colocar num programa de estudos estimu-
lado, à época, pelo Governo Federal: fomos, ambos, colegas da primeira
turma do Instituto de Matemática da URGS.

Fiquei conhecendo-o bem e tornei-me seu amigo.

Após a formatura, nos separamos, para enfrentar, cada um, sua vida. Nos
reencontramos, porém, apenas um ano depois, já como docentes desta
Universidade, em sua Escola de Engenharia Industrial. E presenciei, a
partir de então, o progressivo desabrochar de uma vocação. Pois que ele

« 80 »
Walter de Bona Castelan

era, essencialmente, um matemático que fora buscar sua formação em


área correlata apenas por causa da falta de uma oportunidade mais especí-
fica ou de um esclarecimento mais oportuno.

Quando, bem antes que a Reforma Univer-


sitária o tornasse rotina, a visão esclarecida
de Caspar Erich Stemmer e de João David
Ferreira Lima promoveram o estímulo à

Prof. Walter de Bona Castelan


formação pós-graduada dos docentes da
antiga Escola de Engenharia Industrial, ele
foi um dos primeiros a aceitar o desafio. Foi
a São Paulo, obteve seu mestrado no ITA
e voltou, amadurecido, com sua vocação
consolidada e com as lacunas decorrentes
de sua formação anterior preenchidas.

Quando se criou o primeiro curso de pós-graduação desta universidade,


em 1969, ele estava presente no corpo docente inicial. E ele compreendeu
claramente que esta universidade só cumpriria seu papel nos cenários esta-
dual e nacional, se não descurasse da formação de seus docentes, se enve-
redasse com responsabilidade pela vereda da pesquisa e, portanto, se esses
docentes não se satisfizessem com os degraus inferiores da escada do saber.
Voltou ao ITA e fez seu doutoramento. Não satisfeito, foi ao exterior (Uni-
versidade de Brown, EUA), para um programa de pós-doutoramento.

Nessa ocasião já era um nome conhecido e respeitado na comunidade ma-


temática do país. Sua participação nos Colóquios Brasileiros de Matemáti-
ca era sistemática e efetiva.

Produziu, após seu doutoramento, cinco trabalhos apresentados em pe-


riódicos ou conclaves da mais alta expressão internacional, em sua maioria
abordando tópicos em equações funcionais, área em que concentrou seu
interesse.

Com a Reforma Universitária, foi o primeiro chefe do Departamento


de Matemática, posto que tornou a ocupar posteriormente. Foi, tam-
bém, durante algum tempo, coordenador do curso de pós-graduação
em ­Matemática.

Era cortejado por outras universidades, mas entendia que tinha compro-
missos para com a UFSC. E, quando escolhido para integrar a COPERT18,
e posteriormente eleito seu presidente, aceitou o encargo com, ao mesmo

18  Comissão Permanente dos Regimes de Tempo, da UFSC.

« 81 »
PARTE 2  Momentos

tempo, resignação e determinação. Resignação, porque isso significaria


uma redução em sua dedicação à Matemática. Mas determinação, porque
entendia que esse era um sacrifício que devia à universidade que lhe dera
o ambiente e as condições para seu encontro com sua vocação.

Ultimamente tinha-se proposto um objetivo maior: obter o credenciamen-


to do curso de pós-graduação em Matemática. Já tinha formulado planos,
definido etapas, esquematizado ações. Mesmo sem aguardar o término
de seu mandato na COPERT, já tinha conseguido o desencadeamento de
algumas ações, com a colaboração de seu departamento. Iria executar um
necessário e oportuno convênio com a FINEP.

E aí ocorre o 12 de abril! Fora, sem vaidade, levar a outro estado e a outra


universidade a demonstração de seu mérito pessoal, para com isso promo-
ver o nome da UFSC, e voltava para o seio de sua família.

Não deveria chegar. O reencontro não se daria. Sua vida seria ceifada num
evento fortuito, rápido, trágico, que enlutaria tantas famílias, que magoa-
ria tantas pessoas. Só da UFSC seriam quatro mortos, um servidor e três
professores.

Eu havia falado com ele alguns dias antes dessa última viagem. Era feliz
com seus planos, antecipava com alegria sua atividade futura, no curso de
pós-graduação em Matemática e no doutoramento da Engenharia Mecâ-
nica, cuja implantação estava começando. Combinamos um encontro para
quando de sua volta, para tratar de assuntos de interesse comum aos dois
cursos.

Mas um telefonema, tarde da noite, naquele 12 de abril, me disse, em ou-


tras palavras, que aquele encontro não se realizaria mais. Ou que se daria
em circunstâncias dramáticas, na manhã seguinte, numa sala do Instituto
Médico Legal.

Porque Walter de Bona Castelan estava morto. Mal tinha adentrado na


década dos quarenta,

Senti um vazio dentro de mim. Lembrei-me de sua esposa, de suas filhas.


Lembrei-me de seus planos. Lembrei-me de sua idade. Lembrei-me de
tantos bate-papos ao longo dos últimos vinte anos, alguns meramente
sociais, outros essencialmente profissionais, e que não se repetirão mais…
E senti como se uma parte de mim mesmo me tivesse sido arrancada.

E porque? Acaso, destino, falha humana, falha mecânica? Demonstração


evidente das limitações dessa tecnologia de que nos orgulhamos?

« 82 »
Walter de Bona Castelan

A resposta é necessária, mas uma coisa é certa: ela não nos trará de volta o
amigo, sua família não verá mais o marido, o pai, o filho, o irmão.

Porque Walter de Bona Castelan é hoje um nome na história da UFSC e


um registro na nossa memória.

E a nós, que ficamos, cabe lembrá-lo sempre. Aprender com sua vida. Imi-
tar seu questionamento contínuo de todas suas atividades e iniciativas, que,
mais do que aparente insegurança, denotava a seriedade com que revestia
suas atividades e sua vida.

Lembrá-lo sempre… Seguir-lhe o exemplo…

Adendo de dezembro de 2021


Coube a mim completar a disciplina que Castelan vinha ministrando no
curso de pós-graduação em engenharia mecânica naquele período letivo.
Chamei os alunos e procurei saber até onde ele havia avançado no progra-
ma. Deram-me uma informação que já foi, em si, bastante clara. Mesmo
assim, entrei em contato com a viúva e solicitei-lhe que me permitisse dar
uma olhada no escritório de Castelan, em sua casa, para ver se encontrava
alguma anotação pessoal dele, que pudesse esclarecer-me sobre esta ques-
tão. Lá me surpreendi: sobre sua mesa de trabalho havia uma pasta para
cada uma das disciplinas que ele vinha ministrando naquele período. Na-
quela que me interessava, encontrei folhas manuscritas com cada uma das
aulas já ministradas. Na última folha, um x indicava o ponto exato onde
os alunos já me haviam dito que ele havia parado. Mais umas dez linhas
manuscritas indicavam como pretendia prosseguir.

Na manhã seguinte, comecei meu trabalho, retomando as aulas da disci-


plina exatamente no ponto em que Castelan as havia interrompido. E ao
fazê-lo, me perguntava: e se tivesse sido eu? Teria meu eventual substituto
tido a mesma facilidade de encontrar-se?

« 83 »
Visitantes estrangeiros
na UFSC

Escrito quando integrei o Conselho Editorial do Boletim Informativo da


Apopen, Assoc. dos Aposentados e Pensionistas da UFSC, como parte
do projeto “Memória”. Publicado no referido boletim, no. 44, ano IV, de
outubro de 1997.

Corria o ano de 1968. A agitação estudantil tomava conta das universidades


francesas e alemãs, e deixava De Gaulle de saia justa. Na Checoeslováquia,
a Primavera de Praga semeava esperanças de democracia e liberdade, para
logo ser esmagada pelos tanques de Moscou. No Brasil, mais para o fim do
ano, num fatídico 13, sexta-feira, vinha a lume o Ato Institucional no 5, de
triste memória.

Na UFSC, um grande passo era ensaiado. Iniciar-se-ia, no ano seguinte, o


primeiro curso de pós-graduação stricto sensu da universidade, oferecendo
o mestrado em engenharia mecânica, com cinco áreas de concentração.
Enquanto uma comissão especificamente nomeada trabalhava arduamente
para definir currículos, programas e necessidades, e promover a divulgação
do novo curso, Caspar Stemmer, como diretor da Escola de Engenharia
Industrial (hoje CTC) fazia o périplo das agências de fomento e das repar-
tições do MEC, procurando obter, em tempo hábil, as autorizações e os
reconhecimentos de excelência, elementos exigidos para a etapa impres-
cindível da busca do suporte financeiro para o empreendimento.

No BNDE (que hoje é BNDES), um condicionante de apoio: o novo curso


teria de começar com, pelo menos, dois professores visitantes estrangei-
ros, com doutorado e ampla experiência em pós-graduação. Stemmer, por

« 84 »
Visitantes estrangeiros na UFSC

isso, direciona parte de seus esforços à tarefa de varrer o mercado interna-


cional, em busca dos especialistas requeridos. Seus contatos internacionais
são-lhe, por isso, valiosos.

Quando chega o ano de 1969, a primeira pós-graduação da UFSC inicia


oficialmente suas atividades. E logo começam a chegar os visitantes estran-
geiros. O alemão Johann Atrops, especialista em projeto de máquinas, con-
cluindo um período como professor visitante em Trinidad-Tobago, passa
um mês em Florianópolis, antes de retornar a sua pátria. Da Checoeslová-
quia vem Jaroslav Kozel, uma das poucas pessoas a sair daquele país depois
que a experiência de Dubcek foi esmagada; também especialista em projeto
de máquinas, ele aqui se radicaria, adquiriria cidadania brasileira e teria,
até o fim de sua vida, relevante papel no novo curso. Do Canadá viria Woon
Kwan Luk, um chinês de Hong Kong, especialista em usinagem, que aqui
ficaria por dois anos. Da longínqua Finlândia, também por dois anos, viria
Jukka Lehtinen, com doutorado em ciências térmicas pelo MIT, amante da
natureza e ambientalista da primeira hora. Da França, finalmente, chegam
os jovens Yves Gasnier, economista, e Jean Massola, engenheiro aeronáuti-
co, trocando o serviço militar por uma missão de cooperação internacional.

Nos anos seguintes, a lista seria ampliada, inclusive para atender às necessi-
dades dos novos cursos de pós-graduação que começaram a surgir.

« 85 »
Acordes de uma sinfonia
Os primórdios da pós-graduação em engenharia mecânica na UFSC

Palestra proferida por ocasião da sessão comemorativa dos 40 anos


de pós-graduação na UFSC, no auditório do Centro de Comunicação e
Expressão, em 6 de novembro de 2009

Andante - Dilemas da juventude


Quase que recém formado, com fugazes experiências no setor industrial
e num instituto de pesquisas, dei com os costados na Ilha em feverei-
ro de 1964, para lecionar no curso de engenharia mecânica da Escola de
Engenharia Industrial da nova universidade que aqui se implantava. Era
uma situação incomum, pois cursos superiores não eram criados naquele
tempo com a frequência com que o são hoje. Mas nos sentíamos, todos,
personagens da epopeia desenvolvimentista que Juscelino Kubitschek
deflagrara apenas alguns anos antes, o mote “cinquenta anos em cinco”
continuava em nossos lábios e o avanço do país no domínio da tecnologia
mecânica parecia constituir nossa trincheira de luta particular.

Ao aqui chegar, tinha pela frente duas perspectivas antagônicas. Aparen-


temente estava fadado a me acomodar numa escola de engenharia nova,
pequena e inexpressiva, plantada em solo inadequado, distante dos gran-
des centros, desligada do mundo, afastada de um parque industrial que lhe
pudesse oferecer estímulo, exemplo e complementaridade; numa institui-
ção que, em suma, dificilmente poderia vir a ombrear-se com as coirmãs
mais antigas, algumas já tradicionais. Contudo, aqui me era acenada uma
oportunidade, que não teria em outro lugar: um atalho que me permitiria
chegar ao topo da carreira em menor tempo. É claro que esta oportuni-
dade tinha seu preço: teria de fazer um esforço considerável para superar

« 86 »
Acordes de uma sinfonia

minha inexperiência, as limitações, as inseguranças pessoais, a fim de me


tornar digno daquilo que me era oferecido e consciente das responsabili-
dades envolvidas.

Estas cogitações, com as dúvidas e incertezas que envolviam, não eram por
mim vocalizadas, pois fazê-lo poderia parecer um indicativo de fraqueza e
despreparo. Mas elas estavam presentes, tenho convicção disso, em quase
todos os colegas que comigo aqui se iniciavam no magistério da engenha-
ria mecânica naquele tempo. E em retrospecto, parece-me que a universi-
dade em nós depositava grandes expectativas, mas desconhecia ou não se
dava conta de nossas aflições ocultas.

Poco più animato - A busca da autoconfiança


Quem primeiro atentou para elas, talvez porque trouxesse suas próprias
aflições, diferentes das nossas, mas igualmente perturbadoras, foi Caspar
Erich Stemmer, que dirigiu a jovem escola a partir de 1965. Stemmer aban-
donara uma empresa de que era sócio e em que atuava, um ambiente em
que era conhecido e respeitado, uma cidade onde já estava estabelecido e
onde sua esposa desenvolvia exitosa carreira profissional, para vir a Flo-
rianópolis. Isso só se justificaria se ele pudesse aqui deixar a marca de sua
passagem, fazer a diferença, inscrever a nova escola no seleto clube daque-
las que já tinham um nome reconhecido. E para isso ele dependia de nós,
os jovens, em sua maioria seus antigos alunos.

Começaram, então, e de imediato, as medidas visando a desenvolver e


ampliar nossa capacitação, e a tornar-nos conscientes dos problemas da
escola e corresponsáveis em sua solução. Os elementos de uma formação
pedagógica que não tínhamos nos foram trazidos, mesmo que de manei-
ra informal. Fomos despachados para realizar estágios compatíveis com
a área de atuação de cada um. E os primeiros voluntários que se propuse-
ram a sair em busca da pós-graduação, ainda apenas no nível de mestrado,
receberam pleno incentivo.

Em 1968 a situação já era outra. Os primeiros professores com o título


de mestre, inclusive eu, já haviam retornado e as coisas haviam muda-
do bastante: duas turmas já haviam concluído o curso de graduação em
engenharia mecânica e nos enchiam de orgulho; a Escola de Engenharia
Industrial já recebia referências favoráveis de empresários e de autorida-
des; já ocupávamos nossas instalações próprias no Pavilhão de Mecânica;
e já recebíamos os primeiros equipamentos oriundos do Leste Europeu,
através dos chamados Convênios do Café. Mas agora os jovens mestres mi-

« 87 »
PARTE 2  Momentos

ravam o horizonte com outros olhos: haviam conhecido outros ambientes,


em que conviveram com personalidades, viram a pesquisa científica em
andamento, e dela participaram, adquiriram autoconfiança. Sentiam-se,
agora, como que condenados à estagnação, se ficassem limitados ao ensino
de graduação. E daquela meia dúzia de mestres recém titulados nasceu a
convicção de que era preciso reconfigurar a jovem escola, introduzindo,
também aqui em Florianópolis, o mestrado em engenharia mecânica, e de
que estavam capacitados para fazê-lo. Stemmer compartilhava desta ideia,
já vinha trabalhando nesse sentido havia algum tempo…

Scherzo - Ousadia
“Ora, direis, criar uma pós-graduação… Certo perdeste o senso!”

Esta paráfrase do poema de Olavo Bilac me vem hoje à mente quando


lembro da Florianópolis de 1968, ainda tão isolada do Brasil e do mundo
como quando aqui chegara, quatro anos antes. A BR 101 ainda estava em
construção, e longe de ser concluída. A velha estrada de acesso ao aero-
porto Hercílio Luz era sinuosa e dotada de trechos permanentemente
esburacados por falta de consolidação adequada. Ainda não existiam os
serviços telefônicos de DDD e DDI, e a rede telefônica da Escola de Enge-
nharia Industrial constava de três aparelhos, assim distribuídos: na direção,
na portaria e no almoxarifado. O melhor meio de comunicação com o
mundo exterior era o Retemec, a antiga rede telegráfica do MEC, mas ela
só interligava órgãos e unidades do ministério. Ainda vivíamos a época
dos computadores mainframe, mas apenas um existia em toda Santa Ca-
tarina: estava instalado em Blumenau e pertencia a uma firma prestadora
de serviços, que fazia contabilidade bancária e empresarial. Serviços de
comutação bibliográfica eram ainda desconhecidos (pelo menos no Brasil).
Embora Stemmer viesse, já desde 1965, investindo pesado na Biblioteca,
inclusive na assinatura de periódicos, estes chegavam com grande atraso,
só eram disponíveis para os dois últimos anos, a gama de títulos disponí-
veis ainda era limitada e sua distribuição pelas áreas da engenharia mecâ-
nica era desigual. E, é claro, nem aqui nem alhures se conhecia a internet
ou os telefones celulares.

Ninguém perguntou como se iria fazer pesquisa nestas condições. Impe-


rava um otimismo exacerbado, uma versão antecipada, barriga-verde, do
“Yes, we can”. Uma comissão foi designada, trabalhou rapidamente e pro-
duziu um projeto para nosso curso de pós-graduação, em nível de mes-
trado, que Stemmer se apressou em levar ao BNDE e a Brasília. O curso
que propúnhamos criar, diga-se, por uma questão de justiça, era muito

« 88 »
Acordes de uma sinfonia

similar ao da Coppe (UFRJ), onde havia estudado a maioria dos membros


da comissão, e fora meramente adaptado aos perfis de formação de nos-
sos professores, já aí considerados alguns que ainda estavam estudando na
Coppe, na PUC-RJ e no ITA. O elemento de originalidade estava na área de
Fabricação, alardeada desde o início como vocação institucional da EEI (ou
seria de Stemmer?), e que não tinha correspondente na alma mater carioca.

Tudo transcorreu muito rapidamente. Com base nos pareceres de espe-


cialistas que nos visitaram, o CNPq nos declarou Centro de Excelência no
Ensino de Engenharia Mecânica e, juntamente com a Capes, nos incluiu
em seu programa de bolsas. O BNDE forneceu os recursos financeiros para
o empreendimento, através do programa Funtec, inclusive para financiar a
vinda de professores visitantes estrangeiros e para a aquisição de um com-
putador IBM 1130. Com apenas 16 kB de memória, o 1130 era um pé-de-
-boi valente, mas limitado em sua capacidade. Ele entrou, no entanto, para
a história da educação brasileira por ter sido o primeiro computador da
maioria de nossas universidades. E dele a gente nunca esquece…

Assim sendo, ainda em 1968, foi desencadeada a divulgação do novo curso,


através de cartaz, circulares, catálogo e um programa de visitas de divulga-
ção às escolas de engenharia mecânica da região Sul. Uma visita ao concei-
tuado jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, rendeu matéria de quase
meia página, e foi muito útil na divulgação de nosso empreendimento e na
construção de um clima de respeito por nossa universidade.

Adagio, Largo, Andante - A hora da verdade


Assim, o curso começou suas atividades em março de 1969, com pouco
mais de vinte alunos, em sua maioria oriundos de Santa Catarina ou do
Rio Grande do Sul. Foi a hora da verdade. Para mais de uma das discipli-
nas oferecidas no primeiro período letivo não havia material bibliográfico
disponível em volume suficiente à dimensão do alunado. Havia, quando
muito, um único exemplar na biblioteca ou de propriedade do respectivo
professor. Encomendas feitas a livrarias de São Paulo não encontravam
estoques disponíveis, e tinham de ser atendidas por via de importação.
Apesar da expressa solicitação de que as importações fossem feitas por via
aérea, elas só chegaram a Florianópolis bem depois do término dos res-
pectivos cursos. A tentativa de burlar direitos autorais e fotocopiar os livros
disponíveis também foi desastrosa. As máquinas Xerox já existiam, mas
ainda não haviam chegado a Florianópolis, e a única alternativa disponível,

« 89 »
PARTE 2  Momentos

de outra marca, era lenta na operação, dispendiosa por requerer papel es-
pecial e as cópias escureciam com o passar do tempo, tornando-se rapida-
mente imprestáveis, isso quando não aderiam umas às outras…

Quando os alunos começaram a trabalhar em suas dissertações, nova du-


cha de água fria. Onde realizar a pesquisa bibliográfica, se as disponibilida-
des locais eram tão restritas e inexistia serviço de comutação bibliográfica?
Como conduzir trabalhos experimentais com nossas ainda escassas dispo-
nibilidades laboratoriais? Como instrumentar máquinas e aparelhos para
a realização de medições? O drama vivido por orientados e orientadores
foi enorme, e é a razão principal dos abandonos e atrasos verificados. É
surpreendente que todos tenham docilmente compreendido a situação e
que não tenham ocorrido atos de revolta. Os mais obstinados persistiram,
aos trancos e barrancos. No decorrer do segundo semestre de 1970 ocorre-
ram as primeiras sete defesas, sendo que quatro propriamente em Enge-
nharia Mecânica e três em Engenharia de Produção, que havia começado
como área de concentração do programa de Engenharia Mecânica, dele
sendo desmembrada em 1970. Uma característica da realidade da época: as
dissertações eram meramente datilografadas, sendo produzido o número
possível de cópias carbono para os membros da banca.

Quero registrar aqui, num parêntese, a dedicação, a paciência e o empenho


de meu orientado Getúlio Góes Ferretti, que corria de Seca a Meca, tentan-
do conseguir realizar seu trabalho da melhor forma que lhe fosse possível,
apesar das dificuldades: o tratamento de superfície dos corpos de prova era
feito de favor e em condições precárias no Laboratório de Química, uma
etapa (não lembro mais qual) era feita no Laboratório de Física, os ensaios
de extrusão ocorriam na prensa de fricção de que dispúnhamos, utilizando
uma ferramenta instrumentada que exauria todas as nossas possibilidades
de medição de forças naquela época. Getúlio viria a ser o primeiro Mestre
formado pela UFSC, aqui trabalharia durante algum tempo, depois seria
requisitado pela hoje extinta Empresa Brasileira de Transportes Urbanos,
do Ministério dos Transportes. Já aposentado, retornou a Santa Catarina e
faleceu há alguns anos atrás.

Se o quadro que pintei acima já era terrível, ele piorou a partir de setem-
bro de 1970, quando os poucos mestres de nosso quadro permanente saí-
ram em busca do doutoramento, sendo, em alguns casos, substituídos pe-
los mestres novatos que recém havíamos formado aqui mesmo. A situação
era crítica: em virtude da saída dos professores ocorriam sobrecargas na
graduação e na pós-graduação, os problemas já acima relatados persistiam,
mesmo que minorados, e a capacidade de orientação estava sensivelmente
afetada. Foi o momento em que a sobrevivência do programa de pós-gra-

« 90 »
Acordes de uma sinfonia

duação foi garantida, pode-se dizê-lo, por dois professores visitantes que
acabaram se fixando por aqui, passando a integrar nosso quadro perma-
nente. Jaroslav Kozel e Domingos Boechat Alves, com a larga experiência
que traziam assumiram a responsabilidade pela maioria das orientações,
Kozel concentrando-se naquelas que envolviam atividade experimental e
Domingos, nas de cunho computacional. Mesmo assim, o desempenho do
curso foi visivelmente prejudicado: apenas quatro mestres foram forma-
dos nos três anos seguintes (1971-73), ocorrendo um represamento que,
finalmente, desaguou em 1974, com a formação de oito mestres. Neste ano,
ainda, começou o retorno dos primeiros doutores.

Andante con moto, Allegro con brio - Virada


Em maio de 1976, quando assumi, pela primeira vez, a coordenação do
Curso de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica (como então se chama-
va), na condição pro tempore, que perdurou durante quatro anos, havíamos
atingido a cifra de oito doutores no quadro permanente, razoavelmente
bem distribuídos pelas áreas, além de dois professores visitantes. Pela
primeira vez, desde a criação do curso, sete anos antes, podíamos dizer
que a massa crítica exigida para manter a operacionalidade do curso fora
atingida, e podíamos estar seguros de que as perspectivas futuras eram
excelentes. O isolamento físico de Florianópolis fora sensivelmente mi-
norado. O Departamento de Engenharia Mecânica (EMC) tinha cerca de
10% de seu quadro afastado, em atividades de aperfeiçoamento (e manteria
este percentual durante vários anos que se seguiram, até o momento em
que apenas um de seus docentes não tinha o título de Doutor ou Mestre).
Acresce dizer que, numa época em que CNPq e Capes demonstravam
grande preocupação com a endogenia, nosso quadro de doutores primava
pela variedade de modelos de doutoramento que englobava, com pro-
fissionais formados em variadas universidades da Alemanha, Inglaterra,
França, Estados Unidos, Canadá, Brasil e Checoeslováquia.

O gargalo, agora, era outro: o número de bolsas que Capes e CNPq dispo-
nibilizavam para o curso era quase que simbólico, e de longe insuficiente
para atender à demanda do curso e a plena utilização da capacidade insta-
lada. Por isso, poucos alunos haviam sido admitidos em 1976 e a perspec-
tiva para o ano seguinte não era alentadora. Foi quando a CNEN, respon-
sável pela garantia da formação dos recursos humanos requeridos pelo
Programa Nuclear Brasileiro, nos procurou. Além de suprir apoio financei-
ro para investimento e custeio, ofereceu bolsas para alunos de graduação e
pós-graduação, e estas, particularmente, vieram a fazer a diferença, permi-
tindo a absorção de novos alunos de mestrado em níveis compatíveis com

« 91 »
PARTE 2  Momentos

a capacidade instalada. E esta situação persistiu durante vários anos, até


o final do programa nuclear. Neste momento, a situação com as cotas de
bolsas das agências já era outra.

Paralelamente, o curso se beneficiava do apoio institucional da FINEP ao


EMC, que servia para financiar atividades de pesquisa e, por decorrência,
trabalhos de dissertação. O apoio do Governo Alemão, através da Socieda-
de Alemã de Cooperação Técnica (GTZ), forneceria professores visitantes
qualificados durante mais de um quinquênio, e permitiria implantar ou
modernizar laboratórios de áreas específicas. Áreas não contempladas
por esse convênio foram compensadas, recebendo preferencialmente os
recursos oriundos de um convênio com o BID.

Ainda em 1976 a Capes realizou a primeira avaliação dos cursos de pós-


-graduação do país, e o nosso mestrado em engenharia mecânica obteve o
conceito A, lado a lado com os reconhecidos cursos do Rio de Janeiro e São
Paulo. O curso se manteria neste nível nos anos subsequentes, enquanto
persistiu a avaliação conceitual. E quando a revista Playboy publicou, du-
rante vários anos, o ranking das universidades brasileiras, lá estaria o curso,
sempre relacionado como um dos quatro melhores em sua área de atuação
e, nos últimos anos, como o melhor. Nos sucessivos Congressos Brasileiros
de Engenharia Mecânica começamos a ter participação expressiva e, em
geral, majoritária.

Os laboratórios e grupos de pesquisa começaram a se consolidar e sofis-


ticar e vários deles estabeleceram parcerias mutuamente vantajosas com
o setor industrial, trazendo suporte financeiro para suas atividades, temas
de real interesse prático para as dissertações e mercado de trabalho para
nossos mestres. Atingimos o quinquagésimo titulado em 1979 e o centési-
mo em 1983. Para os próximos cinquenta só foram necessários três anos. A
bola começara a rolar. Os anos de dificuldades, sacrifícios e investimentos
essenciais começaram a dar frutos.

Natural seria que sonhássemos com voos mais altos. O doutorado foi,
então, planejado com maior rigor do que o fora o mestrado, e a tramitação
pelos órgãos competentes também tomou mais tempo. A autorização do
CFE foi obtida em 1980, sendo alunos admitidos a partir do ano seguinte.
Mas a posição de liderança que havíamos alcançado nos tornara exigen-
tes quanto aos padrões que pretendíamos impor aos que aqui viessem
em busca do título de doutor. Aprendemos na carne a ser mais humildes:
os anos passavam, os candidatos iam e vinham; a rotatividade era gran-
de, muitas as desistências, mas não ocorriam titulações. Afinal, as coisas
se acertaram, e em 1988 ocorreram as duas primeiras defesas, uma delas

« 92 »
Acordes de uma sinfonia

no bojo de um programa cooperativo (sanduíche) com a Universidade de


Aachen. Depois, a coisa deslanchou, e as novas defesas passaram a aconte-
cer com regularidade. E em 1994, três anos depois de aposentado, resolvi
parar, curtir meu ócio com dignidade, navegar em outros mares.

Finale? - Conclusão
E aí estão, num resumo, os primeiros vinte e cinco anos da vida do velho
CPGEM, que depois virou PosMec. São os anos em que participei com
intensidade da vida do curso, que hoje é programa. Foi quando lhe conhe-
ci os meandros, as minúcias, as glórias e as fraquezas; quando carreguei,
por doze anos, a responsabilidade de ser o coordenador. E, é claro, quan-
do convivi e interagi com essa plêiade de colegas cujo trabalho permitiu
a construção do curso e a obtenção dos sucessos alcançados. Deles, todos,
são as glórias do dia, a eles são devidos os cumprimentos.

Tive pelo menos um antigo professor da graduação que se tornou meu


aluno na pós-graduação. Mas tive vários antigos alunos que se tornaram
colegas de trabalho, com os quais muito aprendi. Até 1994, quando me
afastei, tive o privilégio singular de ter sido professor da grande maioria
dos estudantes que passaram pelo curso, num total de mais de mil. Hoje
sinto orgulho e satisfação quando torno a encontrá-los, ao visitar empre-
sas, escolas e órgãos governamentais. Não é isso o indicativo de um traba-
lho bem feito? Mais uma vez esclareço: refiro-me ao trabalho de todos nós.

Deixo aos que hoje militam no PosMec a descrição do que sucedeu depois
que me afastei. Mas adianto, desde já, que tenho acompanhado com inte-
resse seu trabalho, conheço-o bem e sinto que conduzem o curso a níveis
cada vez mais altos de excelência. As glórias e os cumprimentos do dia,
portanto, são deles também.

« 93 »
45 anos

Discurso proferido por ocasião da sessão comemorativa dos 45 anos


de formatura da primeira turma de Engenharia Mecânica da UFSC, no
restaurante Lindacap, em 9 de dezembro de 2011

Estamos aqui para comemorar os 45 anos de formatura desta, que foi a


primeira turma de Engenharia, especificamente de Engenharia Mecânica,
da UFSC. Considerando que a turma começou seu curso cinco anos antes,
estamos falando dos primórdios da própria história de nossa universidade.

Eram outros tempos, era outra realidade. A cidade era pequena, pacata,
enraizada em hábitos que vinham de gerações passadas. A vida era menos
agitada, em muito reminiscente daquilo que vemos nos primeiros filmes
de Fellini. Quando passeávamos pelo centro da cidade, víamos moças nas
janelas namorando os rapazes nas calçadas, participávamos do footing na
Felipe Schmidt, tomávamos cafezinho no Ponto Chic, chope no Meu Can-
tinho…

E é nesse ambiente bucólico que desaba o temporal… Juscelino queria con-


densar cinquenta anos em cinco, industrializar o país, criar outra realidade
social e econômica. Celso Ramos19 segue-lhe o exemplo aqui no estado,
com seu Plano de Metas. Ferreira Lima e Henrique Fontes empenham-se
em fazer surgir uma universidade em Santa Catarina que, ao sair, trará a
marca do projeto desenvolvimentista do presidente: ela deverá ter uma
Escola de Engenharia Industrial, oferecendo cursos de engenharia nas mo-
dalidades industriais, de que o país estava carente, mas que eram essenciais
ao processo de industrialização que desencadeara.

19  Governador de Santa Catarina, 1961-66.

« 94 »
45 anos

Mas onde estavam os recursos humanos requeridos para implantar a Escola


de Engenharia Industrial? Ferreira Lima, agora Reitor, vai pedir auxílio no
estado vizinho. Surge o convênio com a já conceituada Escola de Engenha-
ria da Federal do Rio Grande do Sul, e são resolvidos os problemas imedia-
tos: professores gaúchos implantarão as cadeiras do novo curso, técnicos de
lá assessorarão a nova universidade no projeto das edificações que se fize-
rem necessárias para esta unidade, que começava do zero. Isso resolveria o
problema dos dois primeiros anos letivos, em que estavam concentradas as
disciplinas de formação básica do curso: havia elementos humanos locais
disponíveis para constituírem o primeiro quadro docente autóctone da
nova escola. Mas a situação mudava ao se cogitar das séries subsequentes,
que englobavam a parte estritamente profissionalizante do curso.

Seria preciso trazer profissionais de fora, para que aqui se radicassem. E a


oferta salarial não era atraente para profissionais qualificados. A boa von-
tade de Celso Ramos, abrindo espaços no Plameg (o Plano de Metas do
Governo) para permitir a complementação salarial era, principalmente,
duvidosa: resistiria a uma troca de governo? A solução possível foi a opção
por recém-formados, para os quais os valores oferecidos eram tentadores.
Quando possível, poder-se-ia dar preferência a elementos locais que se
graduavam fora. Mas… ir-se-ia entregar os destinos de uma instituição que
se criava em condições já em si adversas, a recém graduados ou, mesmo,
a profissionais experientes, mas sem preparação para o magistério? Foi
quando surgiu a ideia do treinamento em serviço, sob a orientação dos
docentes que viriam de Porto Alegre.

A solução foi adotada e, parecendo bem-sucedida, foi estendida, poste-


riormente, quando da criação de outros cursos, em novas modalidades de
engenharia e, mesmo, em áreas científicas da antiga Faculdade de Filosofia.

Mas se os problemas conceituais estavam resolvidos, a prática reservava


percalços.

A Floripa de então estava isolada do Brasil e do mundo. A construção da


BR 101 mal começara. A velha estrada de acesso ao aeroporto Hercílio Luz
era sinuosa e dotada de trechos permanentemente esburacados por falta
de consolidação adequada. Ainda não existiam os serviços telefônicos de
DDD e DDI, e o precário, mas valioso Retemec, a antiga rede telegráfica do
MEC, ainda não havia sido implantada. As copiadoras xerox ainda não ha-
viam chegado ao Brasil, que dizer a Santa Catarina. Duas ou três pequenas
livrarias que existiam na cidade visualizaram um filão proveitoso a ser ex-

« 95 »
PARTE 2  Momentos

plorado com a criação da universidade, mas não se mostraram preparadas


para o novo tipo de demanda qualificada, nem para os complexos proble-
mas burocráticos então existentes, associados à importação de livros.

As primeiras turmas enfrentaram dificuldades. Esta, mais do que qualquer


das que lhe seguiram, teve de enfrentar as dificuldades de seu pioneirismo,
as improvisações necessárias por causa de fatores os mais inesperados: a
chuva e a neblina que atrasavam os voos que trariam os professores de
Porto Alegre, quando não determinavam o seu cancelamento; as limitações
impostas às aulas práticas pela carência e, mesmo, inexistência dos labo-
ratórios; a concentração de aulas em fins de semana; a inconveniência dos
horários disponibilizados pela antiga Escola Técnica Federal de SC para o
uso de suas instalações, conseguido por via de um convênio de cooperação
cujas vantagens eram unilaterais; a dificuldade da obtenção de bibliografia,
numa época em que a literatura de engenharia era, em sua grande maioria,
importada. A biblioteca estava apenas em formação e inexistiam as facili-
dades que hoje permitem que se obtenha qualquer livro em poucos dias. E,
acima de tudo, porque não dizê-lo, pelas limitações de um corpo docente
local ainda em formação, constituído de recém formados da mesma faixa
etária de seus alunos, e até mesmo mais novos. Não é exagero afirmar que
eles, os alunos, foram cobaias de um processo. Os professores realmente
qualificados, os de Porto Alegre, só estavam disponíveis durante dois ou
três dias a cada quinzena. Os que estavam aqui, supostamente disponíveis,
eram ainda, como eles, estudantes, desprovidos de experiência.

Quando rememoro esta situação, como o faço agora, fico de certa forma
surpreso e sensibilizado com a compreensão que estes então jovens tive-
ram conosco, então jovens também. Como souberam conviver com nossas
evidentes limitações de então, como souberam absorvê-las, contorná-las,
desculpá-las e superá-las? Como nos toleraram? Será, quiçá, por que joga-
mos limpo e não lhes escondemos nossa situação de virtuais colegas? Ou
porque, de uma maneira tão ao feitio daquela época, não hesitamos em
abrir-lhes nossas portas, em recebê-los em nossos lares, sempre que nossos
conteúdos didáticos os afligiam?

Tenho, hoje, um grande preito de gratidão para com esta turma, mais do
que com qualquer das posteriores. Vocês me convenceram de que eu tinha
uma vocação da qual eu, pessoalmente, duvidava. O sentimento de res-
ponsabilidade que eu tinha para com vocês me colocou na tarefa ingente
de produzir uma apostila, misto de muita tradução e alguma elaboração
que (lembram dela?), se não era excepcional (e não era), pelo menos estava

« 96 »
45 anos

pronta e disponível quando vocês dela precisavam, rodada na cachacinha,


na véspera. E esta responsabilidade, aprendi a levá-la pela vida em fora, e
me foi decisiva, muitos anos depois, quando escrevi meu livro didático.

Quando vejo, hoje, a vida profissional exitosa que vocês tiveram, e como,
pouco tempo depois de formados, já constituíam um referencial seguro da
qualidade do curso de engenharia que aqui havíamos implantado, sinto,
como tenho a certeza de que o sente cada um de meus colegas de então,
orgulho pelo trabalho realizado e pelos profissionais que formamos em
condições tão adversas.

Cumprimento-os, portanto, calorosamente, neste jubileu, sentindo, ape-


nas, a dor de não mais poder reencontrar a todos.

E ao ver aqui a presença sempre respeitada do Prof. Caspar Erich Stem-


mer, nosso grande diretor, sinto orgulho em poder apresentar-lhe esta
turma e, sem que vá nisso privilégio, mas o reconhecimento do caminho
mais árduo que seus integrantes trilharam, dizer-lhe: “Veja, Mestre: não
terá sido esta a nossa melhor obra?”

A primeira turma de engenheiros mecânicos da UFSC, 1966.

« 97 »
ABCM
– Um interregno catarinense

Escrito em 2015, para a Memória da ABCM, na condição


de ex-presidente (1980/81) desta Associação.

Nelson Back, então professor do Departamento de Engenharia Mecânica


da UFSC, foi o segundo presidente da ABCM (biênio 76/77) e, também, o
organizador do 4o COBEM, que se realizou em Florianópolis em fins de
sua gestão. Esta dualidade de comprometimentos, e suas decorrências, foi
amplamente discutida nos bate-papos informais, entre as sessões daquele
evento, e na Assembleia Geral que o encerrou. A ABCM estava, ainda, em
sua infância, mas seus criadores sonhavam torná-la uma instituição respei-
tada no cenário internacional. Entretanto, por diversas razões, alguns de
seus objetivos estatutários estavam sendo postergados pela preocupação
primária de assegurar que o COBEM se afirmasse como um evento sério e
merecedor da designação de congresso internacional que se lhe pretendia
atribuir. Quase três anos já se haviam passado desde a histórica reunião
de Campinas, de que resultara a fundação da ABCM. Entretanto, nenhum
passo havia sido dado, ainda, no sentido de iniciar a publicação da revis-
ta da associação, considerada, da mesma forma que o congresso, como
veículo imprescindível para projetar o nome da associação, e caracterizá-la
como uma entidade científica. Alguns defendiam, inclusive, a conveniência
de que fossem lançadas duas revistas, uma delas de cunho estritamente
técnico-científico e outra voltada a aspectos de divulgação tecnológica e
assuntos de interesse.

Surgiu daí a ideia que foi posta em prática no biênio seguinte: desvincular a
organização do COBEM das atribuições normais da diretoria da associação,
entregando-a a uma comissão local; os membros da diretoria só interviriam

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ABCM – Um interregno catarinense

ocasionalmente, em ações complementares, caso isto se configurasse neces-


sário. Livres desses encargos, poderiam eles perseguir com mais intensidade
e eficácia os demais objetivos e metas da associação. O presidente eleito para
o biênio 78/79, Sidney Stuckenbruck, do Rio de Janeiro, comprometeu-se a,
durante o seu mandato, lançar a revista científica da associação, ainda sem
nome. Entrementes, equipe de Campinas, sob a liderança de Hans Ingo We-
ber, organizaria independentemente o 5o COBEM.

Se a intenção foi boa, o lançamento daquela que se chamaria inicialmente


Revista Brasileira de Ciências Mecânicas (RevBrCMec), não deixou de ter
seus percalços. As dificuldades de custeio eram grandes. Depois de con-
sultar um grande número de associados a esse respeito, Sidney viabilizou
o lançamento da revista com um esquema adequado: sócios que fizessem
uma contribuição voluntária, num montante definido, de que não lembro
mais o valor, ficariam dispensados do pagamento da anuidade da associa-
ção por um período de cinco anos. O plano recebeu boa acolhida e assim,
finalmente, o primeiro número da RevBrCMec veio a lume em setembro
de 1979: 52 páginas, tamanho A4, seis artigos (cinco de autores nacionais e
um – em inglês – de um então professor visitante em uma de nossas uni-
versidades). Num modesto editorial, Luiz Bevilacqua, o editor da revista,
prometia uma periodicidade que seria, inicialmente, semestral.

Em dezembro, por ocasião do 5o COBEM, novamente se discutiu bastante,


oficiosa e oficialmente, sobre os destinos da ABCM, buscando diagnosticar
as razões para a aparente lentidão de seu processo de crescimento. Alguém
(que não era de Florianópolis) aventou a tese da conveniência da mudan-
ça da sede da associação para esta cidade, para se beneficiar da aparente
estabilidade do quadro docente do Departamento de Engenharia Mecânica
da UFSC (à época), no confronto com seus congêneres. Os de lá, é claro,
se sentiram ofuscados pela perspectiva e de imediato abraçaram a causa.
Confesso hoje que a ideia não foi analisada em todos os seus aspectos re-
levantes. Na Assembleia, foi aprovada pela maioria. A diretoria eleita para
o biênio 80-81, em decorrência, foi majoritariamente integrada por ele-
mentos ligados a Florianópolis, cabendo a mim a presidência. Já a escolha
da sede do próximo COBEM teve uma disputa mais acirrada. Pelo menos
uma instituição com maior tradição se candidatou, mas grupos emergen-
tes mostraram interesse em sediar o Congresso com argumentos refleti-
dos, garantias confiáveis e empenho militante. A ocasião foi aproveitada
com critério, delegando-se a organização do próximo COBEM à equipe da
PUC-RJ, ante as melhores credenciais que apresentava, mas sem deixar o
empenho demonstrado pelos emergentes sem reconhecimento e estímulo.
Foi delegada a uma equipe da UFBA, atuando com o apoio de pessoal do
LNCC, a organização da primeira edição de um outro evento de indubitá-

« 99 »
PARTE 2  Momentos

vel importância, mas de menor porte, porquanto restrito a uma temática


mais limitada, cujo interesse para o polo industrial baiano já se tinha feito
notar. Seria o 1o Simpósio Brasileiro de Tubulações e Vasos de Pressão (SI-
BRAT), realizado com pleno sucesso em fins de 1980. Novas edições deste
evento passariam a ser realizadas, a partir daí, nos anos pares (E foram
nove, pelo menos).

Os planos de conseguir a participação mais intensiva do setor empresarial


na vida e no custeio da associação davam magros resultados. Era a época
do Governo Figueiredo, quando ocorreu o segundo choque do petróleo.
As taxas de juros no mercado internacional cresciam, assim como o en-
dividamento do país, pondo-o na dependência dos empréstimos do FMI.
Desencadeava-se o processo de crescimento da inflação. Era difícil tentar
capitalizar a ABCM neste contexto. Por outro lado, sua receita intrínseca
caía, em virtude do elevado número de sócios temporariamente remidos.
Entrementes, agora que a revista havia sido lançada, era mister mantê-la
em circulação. Os dois números seguintes foram impressos em Florianó-
polis, usando as escassas reservas de caixa. Felizmente aportaram, então,
recursos do CNPq, que permitiram firmar um contrato com a Editora
Campus, através da qual a revista, passaria a ser publicada durante alguns
anos. Daí resultou a melhora de seu aspecto visual e, algum tempo depois,
a alteração de seu formato. Em dezembro de 1981, já nos últimos dias de
minha gestão, durante a realização do 6o COBEM, Rubens Sampaio trou-
xe-me a minuta de um novo contrato com a referida editora, que pronta-
mente assinei, a fim de assegurar a continuidade da revista, sem esperar
pela definição do nome do novo presidente, que se daria dois dias depois.

Durante o biênio 80-81 a ABCM tornou-se membro da IMEKO, Internatio-


nal Measurement Confederation, representando o Brasil. As negociações
nesse sentido foram muito facilitadas e abreviadas porque Tilo Pfeifer,
então presidente da IMEKO, passou uma temporada em Florianópolis, em
missão do Governo Alemão. Foi, assim, estabelecido o primeiro vínculo
internacional da associação com organizações similares do Exterior, que
posteriormente foi transferido à Sociedade Brasileira de Metrologia, criada
em 1995, suponho que por sua maior especificidade. Novos vínculos desse
tipo só viriam a ser estabelecidos a partir de 1988.

Nos dois biênios seguintes, a sede continuou oficialmente em Florianópo-


lis, mas as diretorias eleitas nas Assembleias Gerais realizadas ao final do
6o COBEM (na PUC-RJ) e do 7o COBEM (na UFU) voltaram a ser distribuí-
o
das. Como 1 secretário (biênio 82-83) e 2o tesoureiro (biênio 84-85) ainda

« 100 »
ABCM – Um interregno catarinense

integrei a diretoria, munido de devidas procurações dos respectivos presi-


dentes, para representar a ABCM e movimentar suas contas, numa situação
francamente anômala.

Em 1987, por ocasião do 8o COBEM, em São José dos Campos, a experiên-


cia catarinense foi finalmente encerrada, e as contas, arquivos e o escasso
patrimônio da associação foram transferidos para o Rio de Janeiro. A essa
altura, apesar da crise econômica e da inflação desenfreada que caracteri-
zaram os últimos anos do governo Sarney, a ABCM já atingia a maturida-
de, começava a se consolidar estruturalmente e a assumir o papel sonha-
do por seus idealizadores, pouco mais de uma década antes. Foram-se o
romantismo e o amadorismo e começava o profissionalismo. O interregno
catarinense foi uma etapa no processo de crescimento e amadurecimento
da ABCM.

« 101 »
PARTE 3

Opinião

Foto: Daniel Blass


Universidade:
reformar a Reforma?

Escrito ao ensejo de um período de discussões que antecedeu a


implantação de uma reforma acadêmica na UFSC. Publicado em JSC
Cultural, abril de1986, pg. 8. Embora constante de meu texto original,
o ponto de interrogação do título não saiu na publicação jornalística,
tirando a ênfase pretendida.

A revisão crítica da Reforma Universitária de 1968 tem voltado à baila com


relativa intensidade em tempos recentes.

Num âmbito mais amplo, ela dominou as atenções do Seminário “Mu-


danças do Ensino Superior na América Latina”, promovido pela UNESCO,
CAPES e UNB em janeiro passado.

A revista “Ciência Hoje”, da SBPC, publica, em seu último número, resulta-


dos preliminares de uma avaliação da Reforma, que vem sendo procedida
pela CAPES. Mais recentemente o assunto tem sido veiculado em reuniões
promovidas pela alta administração da UFSC com diretores de centro,
chefes de departamentos didáticos e coordenadores de cursos, visando ao
estabelecimento de um novo projeto para a universidade.

Essa discussão é salutar e necessária. Passados já quase vinte anos da vir-


tual imposição de um novo modelo de universidade para o país, não tinha
havido, ainda, um debate que analisasse criticamente as consequências e os
efeitos da profunda mudança estrutural introduzida a partir de 1968.

Contudo, algumas colocações que se têm ouvido, denotam incompreen-


são dos reais objetivos e do alcance das inovações que a Reforma trouxe, e
correlação inadequada entre causas e efeitos, quando são diagnosticados
alguns dos problemas que afligem nossas universidades nos dias de hoje.

« 105 »
PARTE 3  Opinião

A Motivação
É preciso que fique claro que a Reforma Universitária de 1968 veio a atender
anseios de um segmento ponderável da comunidade universitária. Isso fica
evidente quando se procura lembrar a batalha épica que se travou durante a
tramitação, votação e aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Nacional, ainda no início da década de 60.

O produto dessa movimentação constitui um corpo de propostas da legis-


lação que se baixou a partir de 1968. E o saldo positivo é bastante evidente,
pelo menos em um ponto: a profissionalização da carreira de docente do
ensino superior, elemento fundamental e essencial à articulação e organi-
zação que hoje se constata, inclusive através da ANDES e das associações
de docentes.

Entrementes, é de se perguntar o porquê dessa incompreensão. Parece


claro que isso se dê à falta da adequada preparação do corpo docente às
inovações introduzidas. Dado o clima que se vivia no país à época, essas
inovações foram simplesmente aceitas, mas raramente compreendidas.

O presente trabalho procura tecer algumas considerações que coloquem


a questão em sua própria perspectiva, em relação a alguns aspectos da Re-
forma Universitária de 1968.

A Semestralidade
Um dos pontos que se questiona hoje é o da periodicidade dos cursos.
O motivo principal da introdução da semestralidade é óbvia: possibilitan-
do a dupla admissão de estudantes por ano, acelerou o fluxo dos alunos
pela universidade, e permitiu racionalizar, em certa medida a questão da
ocupação dos docentes. Há problemas que foram criados, pois as escolas
secundárias não se adequaram a essa periodicidade (e há razões com-
preensíveis para isso).

É preciso que se diga que a dupla admissão anual não foi novidade da
Reforma. Algumas universidades (a UFRGS, por exemplo), já a praticavam,
porém com problemas operacionais em face da anualidade da estrutura
dos cursos.

« 106 »
Universidade: reformar a Reforma?

Por outro lado, alguns problemas que hoje se atribuem a essa periodi-
cidade não lhe são inerentes, ou lhe devem muito pouco. É o caso, por
exemplo, da movimentação dos alunos pelo campus, da complexidade do
sistema de matrícula, do desaparecimento da integração em turmas e da
concentração de carga.

Também não procede a alegação de que a troca rápida de professores não


favorece o conhecimento mútuo.

Dado o caráter massificado do ensino de hoje em dia, e as sobrecargas


sobre os docentes (pesquisa, em cargos administrativos, múltiplas turmas),
não há tempo para a integração social, que gera o conhecimento mútuo.
Fica, então, à natureza e ao interesse do docente a aproximação com os
alunos.

Cursos Seriados
O restabelecimento dos cursos seriados obviamente resolveria muitos
problemas: simplificaria o sistema de matrícula, permitiria a racionaliza-
ção dos horários de aulas e, consequentemente, do espaço físico disponí-
vel, restabeleceria a “turma” como instituição desejável, criando, com isso,
melhores condições para o estudo em grupo. Mas mesmo que se retorne
aos cursos seriados, seria desejável manter a periodicidade semestral!

Seria mais eficaz para o estabelecimento de um sistema mais racional de


pré-requisitos, e para a realocação mais frequente das cargas didáticas no
departamento, corrigindo distorções que inevitavelmente se manifestam.

Por outro lado, é também indubitável que se perde com o curso seriado. A
estrutura curricular fica mais rígida, e se perdem preciosos graus de liber-
dade hoje disponíveis: a possibilidade de compactação do curso pelos alu-
nos mais capazes ou com melhor formação prévia; e a possibilidade de se
usar a atual elasticidade para atender problemas sociais (aluno que precisa
trabalhar, que tem problemas de saúde ou outras contingências).

Penso que a solução ideal seria um compromisso, em que condições de


horário, de aconselhamento e de orientação de matrícula induzissem uma
seriação aconselhável, permitindo, porém, a antecipação ou a postergação
limitada de um número restrito de disciplinas.

« 107 »
PARTE 3  Opinião

Crédito
Crédito é um padrão de medida do esforço requerido para a absorção
de um determinado conteúdo didático. Por uma questão de justiça, deve
ser preservado embora mereça reformulação. A fixação simplista de
determinada carga horária para configurar um crédito não leva em conta,
e por isso não estimula, práticas desejáveis como atividade em laboratório,
estudo dirigido ou supervisionado, atividades extraclasse e outras. Por isso,
o padrão deve ser redefinido, e já existem exemplos mais felizes a esse
respeito no próprio país (na Unicamp, por exemplo).

Por outro lado, seria infeliz, por que injusto, abandonar o sistema de crédi-
tos em troca da antiga uniformidade de valoração das disciplinas.

Com efeito, um aluno que obtivesse conceito (ou nota) elevado numa
disciplina pesada e um conceito (ou nota) mais baixo numa disciplina leve
(e essas distinções indubitavelmente existem), teria um índice igual (no
sistema antigo) a outro aluno que obtivesse os mesmos conceitos (ou notas),
mas com o melhor resultado na disciplina leve. O sistema de créditos não
permite essa distorção.

O que se faz necessário, a meu ver, é aperfeiçoar a definição de crédito, de


forma a englobar fatores como instrumentos de aprendizado, atividades
e conteúdos das disciplinas para aumentar sua eficácia como padrão de
justiça. E se isso não se fez até hoje, é porque a maioria dos docentes não
se preocupou, ainda, em compreender o real significado desse padrão, e
também porque a universidade falhou em induzir essa compreensão.

Conceitos
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que conceitos, como medida do
aproveitamento em uma disciplina, não guarda relação com o sistema de
créditos. Em verdade, a universidade medieval não conhecia o sistema de
créditos, mas já avaliava os alunos através de conceitos (magna cum laude,
laude, etc.).

O conceito não é um padrão subjetivo nem ultrapassado. Sua atribuição


pode envolver componentes subjetivos, que indubitavelmente devem
pesar numa avaliação (observação do aluno, sua postura ou atitude frente
ao conteúdo didático, seu aproveitamento relativo perante a turma e em
face da qualidade ou das condições do ensino que lhe foi oferecido). E, ao
oferecer níveis de discriminação (que tanto podem ser expressos em letras,

« 108 »
Universidade: reformar a Reforma?

como em números ou adjetivos) atende a uma realidade inegável: é im-


possível, artificial e sem significado atribuir notas numa escala mais ampla,
porquanto pequenas diferenças em nota são, afinal de contas, também
subjetivas, traduzindo, por vezes, mais um viés do avaliador do que o de-
sempenho do aluno.

A discriminação fina através de notas só tem um significado estatístico


quando aplicada a populações mais densas, através de médias. Essa discri-
minação fina também ocorre quando se usam conceitos, através do índice
de aproveitamento.

Então, por que se preconiza a volta ao sistema de notas? Mais uma vez é
por falta de reflexão, e porque a universidade se omitiu de prover o ade-
quado esclarecimento a seus docentes.

Conclusão
O presente trabalho procura motivar a reflexão e discussão das questões
mais polêmicas relativas à Reforma Universitária de 1968. Ele não pretende
ser dogmático nem completo. Em verdade, existem aspectos importantes
que foram intencionalmente deixados de lado: o reflexo de ações paralelas
à Reforma sobre as universidades, a preparação específica de profissionais
liberais para o exercício do magistério superior, a estrutura departamental,
a questão do vestibular, a frequência obrigatória, a integração da pesquisa
com o ensino, a qualidade do ensino, os currículos, entre outros.

Esse exercício de reflexão se impõe para evitar que, à falta da compreensão


clara dos dispositivos da Reforma, se venha a advogar, como já vem ocor-
rendo, o simples retorno ao statu quo ante.

« 109 »
Nossa responsabilidade

Publicado na seção “Opinião” do Informe CTC, no 9,


setembro de 1991.

A crise por que passa a universidade pública brasileira tem componentes va-
riadas, que vão muito além das crônicas limitações e distorções financeiras e
salariais ou das periódicas e sempre crescentes ameaças de privatização.

Mesmo em termos latino-americanos, ela tem origem tardia. A rigor, só se


estruturou a partir da implementação da Reforma Universitária de 1967, com
a profissionalização da carreira docente, a extinção da cátedra vitalícia, a
departamentalização, a valorização da dedicação e da titulação, a criação de
condições para o desencadeamento das atividades de pesquisa e extensão,
e com a reformulação do ensino. A reforma introduziu ainda o sistema de
créditos, permitindo a flexibilização, quando conveniente, da integralização
curricular e a valorização mais adequada das componentes do currículo.

Embora concebida por especialistas, a reforma foi e tem sido estigmati-


zada por sua imposição manu militare. Isso tem prejudicado sua adequada
avaliação. Por outro lado, ela trouxe em seu bojo o germe de sua própria
destruição, ao substituir o sistema autoritário da cátedra pelo igualitarismo
linear da carreira docente.

A expansão do quadro das universidades, mormente na década de 70, re-


duziu drasticamente a idade média e, em decorrência, a experiência dos
corpos docentes. A conjugação de fatores – profissionalização, igualitaris-
mo, falta de experiência e anseio de redemocratização no país – desaguou
naturalmente no corporativismo, que atingiu seu auge quando também
assumido pelos quadros de servidores não docentes. Anseios legítimos de
salário digno e de justiça salarial foram usados pelas administrações como

« 110 »
Nossa responsabilidade

peão no jogo político da luta pela preservação do poder. Na última década,


a todos estes problemas somou-se o avultamento das distorções salariais,
com o surgimento do marajanato universitário.

O resultado aí está: uma universidade funcionalmente isonômica, em que


a competência, o mérito, e a experiência não têm vez, em que predomina
o ensino livresco, a extensão é valorizada enquanto proselitismo e a pes-
quisa só sobrevive em focos renitentes, mais por teimosia ou diletantismo
do que por dever do ofício. É fácil, mas não é lisonjeiro, sobreviver numa
universidade assim anêmica e sem objetivos. Não é fácil conviver com o
conceito que a sociedade vai fazendo de quem nela milita.

Será surpresa, em tal ambiente, que se ouçam, com tanta frequência, colo-
cações em que se confunde extensão com assistencialismo, pesquisa com
a redescoberta da roda? Ou que se use Marx para justificar o retrocesso
contido em nossa Reforma Acadêmica (se ainda fosse o Groucho…). Que o
movimento docente não consiga enxergar além do meramente corporati-
vo? Universidade é isso?

A universidade tem um papel a desempenhar perante a sociedade, e obje-


tivos claros a alcançar. Compete-lhe preparar o segmento qualificado da
próxima geração, dar seu quinhão na arrancada para o desenvolvimento
científico, tecnológico e social do país. Mesmo definidos de forma assim
vaga, o cumprimento de seus objetivos pressupõe uma estruturação e mo-
bilização que não condizem com o igualitarismo, o marasmo e a busca de
vantagens corporativas. Isso requer o restabelecimento da hierarquia (que
não se confunde com o autoritarismo nem com o arbítrio), calcada na ex-
periência e no mérito, correspondendo atribuições claramente definidas a
cada categoria funcional, dando-se progressão exclusivamente pelo mereci-
mento, calcado nos valores que caracterizam a verdadeira universidade.

Somente assumindo uma posição séria e responsável em relação a estas


questões poderá a universidade fazer-se respeitar novamente, e neutralizar
com eficácia os argumentos falaciosos dos liberaloides.

« 111 »
Universidades em avaliação

Publicado no Diário Catarinense,


pg. 2, de 13 de junho de 1997.

O “provão” do MEC tem suscitado variados comentários da imprensa e


a manifestação de personalidades. Sinto-me no dever de também meter
minha colher torta neste angu, especialmente após ler opinião do professor
José Valdir Floriani, da Furb, publicada neste espaço do DC em 27 de abril
passado. À luz de 10 argumentos que arrola, procura o mesmo evidenciar
que as universidades públicas vão mal, fabricando profissionais medíocres;
por ilação, as escolas privadas ser-lhes-iam superiores, mesmo que atuan-
do em condições adversas.

Tal maniqueísmo só se explica à luz de uma leitura superficial e irrefletida


da realidade do ensino superior neste país. Acontece que os 10 argumen-
tos arrolados são conhecidos clichês, cuja veracidade – quando ocorre
– merece maior consideração. Os levantamentos da Coperve/UFSC1, bem
como de outras universidades federais, desmentem categoricamente, por
exemplo, o alegado elitismo do alunado das escolas superiores públicas,
em comparação com o das privadas. A alegada superioridade de qualifica-
ção (em termos de titulação) dos docentes das universidades públicas não
constitui verdade absoluta e nem regra geral, porquanto cada universidade
federal possui algum setor em que a qualificação do pessoal ainda deixa
a desejar; da mesma forma, existem universidades privadas que já estão
bem supridas de corpo docente com níveis mais elevados de titulação. As
instituições privadas – como regra (embora haja exceções) – não desenvol-
vem atividades de pesquisa e de extensão, e, quando o fazem, é em volume
bastante inferior ao das escolas públicas; isso, obviamente, tem de afetar as
cargas docentes.

1 A Comissão Permanente do Vestibular.

« 112 »
Universidades em avaliação

A verdade é que há boas e más universidades públicas; também é verdade


que elas têm sido, por vezes, prejudicadas em seu desempenho pela postu-
ra corporativa, burra e suicida, de seus corpos docentes. Da mesma forma,
há boas e más escolas privadas.

O que dá apenas aparente respaldo ao articulista é o desempenho de algu-


mas faculdades públicas no provão. Como avaliação é uma iniciativa ne-
cessária e sempre bem-vinda, é de lamentar, realmente, que o neobobismo
(que mais poderia ser?) tenha suscitado reações e boicotes que, em última
análise, acabaram por prejudicar essas universidades, muitas das quais
situam-se muito bem em documentos insuspeitos, como, por exemplo,
o Guia do Estudante. O articulista deveria ter sabido distinguir o boicote
ao provão da falta absoluta de informação, antes de tirar conclusões tão
categóricas como as que alinhavou. E os fomentadores do boicote devem
procurar curar sua catapora mental antes do próximo provão.

« 113 »
A extensão integrada
com o ensino e a pesquisa:
a teoria e a prática

Publicado na revista Plural, da Ass. dos Profs. da UFSC, no 2, pgs. 29-33,


1992. Maliska chamou minha atenção, recentemente, para a importância
do resgate do presente trabalho, visto que o tema está novamente em
ebulição no ambiente universitário.

Escrito em parceria com o Professor Clóvis Raimundo Maliska

É exposta uma visão do escopo e do sentido da atividade extensionista num


departamento de atuação na área científico-tecnológica. Nesse contexto, a
Extensão pode ser exercida de forma integrada com a Pesquisa e o Ensino, com
melhoria geral do desempenho das funções da Universidade. O Departamento de
Engenharia Mecânica da UFSC implementa essas ideias, tendo criado em 1988
uma Câmara de Análise de Atividades de Extensão para supervisionar o processo.

Introdução
A Sociedade Brasileira apresenta hoje problemas fundamentais graves que
contrastam com nosso desejo de nos tornarmos uma nação tecnológica e
socialmente desenvolvida. Problemas como a falta de habitação, a fome, a
falta de escolas para grande número de crianças, a ausência de saneamento
básico nas cidades, a dificuldade de acesso aos cuidados médicos essenciais
e ao tratamento dentário, a volta de certas epidemias, a verminose nas
crianças de famílias de baixa renda, etc., nos classificam entre os países de
pior nível social. O Brasil, ao mesmo tempo em que apresenta uma reali-
dade cruel como a mostrada, procura, também, avançar seus conhecimen-

« 114 »
A extensão integrada com o ensino e a pesquisa: a teoria e a prática

tos nas áreas de telecomunicações, exploração de petróleo, química fina,


biotecnologia, novos materiais, para citar apenas algumas, com o objetivo
de conseguir um avanço tecnológico que o liberte do jogo dos detentores
da tecnologia internacional, com a consequente independência e soberania
que desejamos. Como acabamos de constatar, a Sociedade conclama a Uni-
versidade a cooperar na superação de duas classes de problemas que são,
do ponto de vista da metodologia de solução, completamente distintos. E
convém lembrar que ambas representam, ou podem vir a representar no
futuro, subsídios para a prática da extensão universitária, sendo importan-
tíssimo deixar claro como a Universidade deve atuar em cada caso.

Os problemas listados em primeiro lugar apresentam, via de regra, solução


conhecida e requerem mais vontade política firme do Governo, do que
trabalho de investigação. Com raras exceções, todos estes problemas estão
afetos a algum órgão governamental especificamente encarregado de re-
solvê-los, e cabe à Universidade, como entidade também política, pressio-
nar a atuar para que estes órgãos cumpram seu dever. Mas a maneira mais
direta e eficiente que a Universidade possui para estes casos é a cooperação
com estas entidades, fornecendo professores, alunos e técnicos para, con-
juntamente, encaminhar as soluções. Constitui-se erro grave, entretanto,
reservar para a Universidade a tarefa de coordenar as soluções desta classe
de problemas, em primeiro lugar por estar ela, com isso, assumindo fun-
ções destinadas a outros órgãos e, em segundo lugar, devido à necessidade
de alocação de grande contingente de professores para esta atividade, com
isso inviabilizando a investigação de hoje, que será a extensão de amanhã.
Uma atividade de pesquisa séria e competente, dispondo de um corpo do-
cente qualificado, é um requisito básico para que se possa ir à busca das so-
luções para os problemas que hoje muitos não conseguem enxergar como
relevantes, e que serão as soluções que a comunidade irá reclamar amanhã.

O que é, então, Extensão?


A Resolução no 44/CEPE/87, que regulamenta a atividade de Extensão na
UFSC, define muito bem em seu artigo primeiro:

“A Extensão, entendida como uma das funções básicas da Universidade, é a


interação desta com a comunidade, através da mútua prestação de serviços,
visando contribuir para o desenvolvimento dessa comunidade e dela buscar
experiências para a avaliação e vitalização do ensino e da pesquisa”.

« 115 »
PARTE 3  Opinião

Esta definição caracteriza claramente a Extensão como uma via de mão


dupla entre a Universidade e a Sociedade, ali designada mais generica-
mente por comunidade. Conceitos como “interação”, “mútua prestação de
serviços” e “desenvolvimento da comunidade” enfatizam bem esta analo-
gia. Universidade e Sociedade interagem através da atividade extensionista,
beneficiando-se ambas com esta interação.

Conquanto aspectos formais específicos da atividade extensionista possam


e devam variar de uma área para outra da Universidade (e serão distintos,
em substância e procedimentos, na área tecnológica, em relação à da saúde,
à social ou a outras), deverá ser preservada, sempre, esta característica inte-
rativa. Isto exclui, por exemplo, o assistencialismo como fim em si mesmo,
exceto em momentos de crise (enchentes, epidemias), quando ele passa a
se impor como compromisso social de todos.

Cabe, então, perguntar: de que forma pode a Universidade beneficiar-se


da atividade extensionista, ou, alternativamente, quando a Universidade se
beneficia da atividade extensionista?

Quer-nos parecer que a resposta evidente seja, simplesmente: quando ela


tiver reflexos positivos sobre a Pesquisa e o Ensino, ou seja, quando estas
outras atividades características da vida universitária forem melhoradas
em função da atividade de Extensão.

Isto quer dizer que o verdadeiro extensionismo exclui atividades que com-
petem a organismos específicos, como, também, exclui aquelas atividades
que possam ser bem realizadas pelos profissionais que a própria Universi-
dade lança no mercado de trabalho, com os quais ela estaria entrando em
competição, em condições de franca deslealdade. Daí a necessidade de um
quadro qualificado para exercer a Extensão. Caso esta qualificação não exis-
ta, não existirá diferença entre o profissional de mercado e o professor.

Nestas condições, a atividade extensionista ganha relevância apenas quando


escapa ao trivial e ao rotineiro, impondo desafios à capacidade investigativa
do profissional que vai desenvolver e, eventualmente, requerendo instru-
mental de ocorrência não corriqueira. Aí ela resulta em aumento da capaci-
tação profissional de quem a desenvolve, por forçá-lo a ao estudo especiali-
zado, ao raciocínio crítico, ao trabalho em equipe, à formulação e validação
(ou invalidação) de hipóteses e à experimentação. Em outras palavras, à
geração do conhecimento por via da aplicação do método científico.

« 116 »
A extensão integrada com o ensino e a pesquisa: a teoria e a prática

Quando a atividade de Extensão for conduzida por essa ótica, ela reali-
menta a atividade de Pesquisa, redirecionando-a para temas que consti-
tuem uma necessidade concreta da comunidade, ou de segmentos desta,
sem perda de sua característica inerente de questionamento do desconhe-
cido. Em face disso se estabelecem canais alternativos de financiamento da
pesquisa não básica na Universidade. A Extensão passa a atuar como agente
motivador e enriquecedor da atividade de Pesquisa, a par de conferir-lhe
relevância social. Ao nível interno, promove o estabelecimento e a conso-
lidação de grupos de pesquisa, envolvendo docentes, técnicos e estudantes,
tanto de pós-graduação como de graduação.

O exercício sistemático da pesquisa criadora e socialmente relevante, por


seu turno, qualifica equipes e pessoas. Os docentes se enriquecem com
exemplos e experiência, que logo irão transparecer em suas aulas, como
agentes de motivação e de ilustração. Numa etapa subsequente, currículos
virão a ser reformulados. Os alunos que integram grupos de pesquisa têm
um benefício adicional na motivação que se origina do processo participa-
tivo. Em suma, a atividade de Ensino é oxigenada e beneficiada.

Nessas condições, a Universidade estará suprindo as funções que lhe com-


petem no contexto social se e quando proceder à integração das atividades
de Extensão, Pesquisa e Ensino, através da seleção judiciosa de seus proje-
tos de Extensão, segundo os critérios aqui enunciados.

As exceções
Situações relevantes em que a atividade de Extensão pode prescindir de al-
gumas das características aqui enunciadas, existem. Duas delas não podem
ser desconsideradas.

A primeira, e mais importante, se configura quando a Universidade presta


serviços de educação continuada, oferecendo cursos de extensão à comu-
nidade. Tais cursos podem ter, e via de regra têm, conteúdo e nível de-
terminado, distante da fronteira do conhecimento. Mas eles se justificam
por dever de ofício. Eles escapam à condição integradora anteriormente
enunciada, mas traduzem o reconhecimento, pela Universidade, de sua
responsabilidade social perante a comunidade.

« 117 »
PARTE 3  Opinião

A outra diz respeito aos serviços técnicos especializados. Uma Universida-


de dinâmica e atuante, que desenvolve a integração de suas atividades, ne-
cessariamente passa a sediar competências e equipamentos de ocorrência
não generalizada. Seria antipático se ela se negasse à prestação de serviços,
mesmo que de rotina, quando somente ela estiver capacitada a prestá-los.

Contudo, deve a Universidade, através de seus departamentos didáticos,


assegurar que esse tipo e atividade extensionista não venha a assumir pro-
porções que acabem por prejudicar suas outras e específicas atribuições.
Por exemplo, a participação desenfreada em cursos externos de relevância
secundária não deve tolher a atividade de pesquisa, nem prejudicar o en-
sino nos cursos próprios da Universidade. Igualmente, a realização siste-
mática de ensaios de rotina para terceiros não deve consumir insumos da
Universidade, nem impor sobre pessoas e equipamentos uma carga ocupa-
cional que os inviabilize para os interesses do ensino e da pesquisa.

Isso existe?
As ideias aqui enunciadas têm sido praticadas há vários anos, inicialmen-
te em decorrência de oportunidades fortuitas, e hoje, face aos resultados
verificados, como filosofia de ação sistemática, no Departamento de Enge-
nharia Mecânica da UFSC.

O caminho percorrido até ser atingido o atual nível de consolidação e de


maturidade foi longo e árduo. Sendo a qualificação da equipe requisito
indispensável para o adequado funcionamento de um sistema assim con-
cebido, foi de início necessário capacitar recursos humanos, o que é tarefa
demorada e cara. Paralelamente, foi necessário implantar uma mentali-
dade em que pesquisa é componente importante. A dedicação exclusiva é
consequência natural. Finalmente, havia que romper o ceticismo do setor
industrial em relação à Universidade, o que demandou, inclusive, esforços
a fundo perdido.

A consolidação deste projeto institucional começou por ocorrer a partir de


uma consulta da Comissão Nacional de Energia Nuclear, em meados da
década de 70, relativa ao projeto estrutural de usinas nucleares que então
se construíam. Nasceu aí o GRANTE (Grupo de Análise de Tensões), que
em pouco tempo marcava sua ação apresentando dezenas de trabalhos em
congressos especializados, inclusive no exterior. O vínculo com a CNEN
foi há muito rompido, mas o GRANTE subsiste, nacionalmente reconheci-
do e tendo ramificado sua esfera de atuação. Dele se derivou o Laboratório
de Projeto, com seu grupo de pesquisa em projeto e desenvolvimento de

« 118 »
A extensão integrada com o ensino e a pesquisa: a teoria e a prática

máquinas agrícolas, com forte impacto social e profundo interesse para o


estado de Santa Catarina, e cujo reconhecimento já se encontra traduzido
em manifestações da Imprensa e na fração que representa na demanda de
nosso curso de pós-graduação.

O Laboratório de Soldagem, a par de desenvolver trabalhos conjuntos com


fabricantes de eletrodos da Argentina, é pioneiro, no Brasil, na questão da
automatização do processo, e se consagra pelo volume e qualidade de seus
trabalhos, alguns deles já premiados no país, e outros no Exterior.

Da interação do Laboratório de Metrologia com a Fundação CERTI (Cen-


tro Regional de Tecnologia em Informática) resultaram condições inve-
jáveis de absorção do alunado de diversos cursos, e a qualidade de seu
trabalho é confirmada quando se verifica que os prêmios Yehan Numata de
Mecânica de Precisão, desde sua instituição em 1986, foram concedidos a
docentes e alunos do LABMETRO ou a servidores do CERTI.

O desenvolvimento de um torno de ultra precisão trouxe à equipe do La-


boratório de Usinagem (hoje constituindo o novo Laboratório de Mecânica
de Precisão) o prêmio MCT/Sindimaq de Desenvolvimento Tecnológico.
Numa área afim, o GRUCON (Grupo de Comando Numérico) participa
decisivamente na implantação do curso de Engenharia de Controle e Au-
tomação, mercê da experiência e capacitação que se consolidaram, desde
os dias pioneiros em que a UFSC introduziu o estudo do comando numé-
rico no Brasil, ainda na década de 60. Pela sintonia sistemática com o setor
produtivo, gerou “spin-offs”, como o Laboratório de Hardware, que hoje dá
suporte à opção Mecânica de Precisão, que ora se implanta.

O trabalho do SINMEC (Grupo de Simulação Numérica em Transmissão


de Calor e Mecânica dos Fluidos), a par de constituir parcela importante da
Missão Espacial Completa do Governo Brasileiro, tem contribuído, tam-
bém, no equacionamento de problemas de preservação ambiental; recen-
temente mereceu o interesse de elementos da NASA.

O desenvolvimento de imãs permanentes à base de terras raras, requerido


pela indústria local da área de automação, foi realizado por um “pool” de
instituições, tendo, na etapa do desenvolvimento do processo, a participa-
ção decisiva do Laboratório de Materiais. Já o Laboratório de Vibrações e
Acústica desenvolveu e qualificou isoladores elastoméricos requeridos pela
EMBRAER para seus aviões.

« 119 »
PARTE 3  Opinião

Com uma das maiores firmas do Estado tem sido mantido um longo traba-
lho de cooperação mútua e simbiótica que, de um lado, permitiu impor-
tantes desenvolvimentos nos produtos que ela produz e, por outro, susci-
tou temas atrativos e relevantes para dissertações de mestrado e benefícios
materiais para três laboratórios do Departamento.

O Laboratório de Meios Porosos e Processos Termofísicos, que ora se


implanta, resulta da fusão de esforços independentes, envolvendo longo
trabalho de cooperação com uma multinacional, de um lado, e com uma
paraestatal, de outro.

E a lista poderia continuar… Neste processo, quase que duas centenas de


alunos de graduação encontram oportunidade ímpar de realizar treina-
mento profissional no seio da própria instituição, em suas horas vagas,
com efeito inquestionavelmente benéfico sobre sua motivação e sobre a
qualidade de sua formação. Dezenas de estudantes de pós-graduação en-
contram, por seu turno, temas atraentes e objetivos para suas dissertações
e teses, além de suporte mais adequado para seu trabalho.

O controle
A experiência do Departamento de Engenharia Mecânica demonstrou
que a concepção aqui apresentada, para a atividade extensionista, é viável,
desde que submetida a controles adequados. A simples exigência do aval
do Colegiado do departamento, estipulada pela Resolução no 44/CEPE/87,
se revelou insuficiente. A experiência demonstrou que, independente das
diretrizes gerais estabelecidas para o julgamento de processos referentes
à atividade de extensão, sua aprovação ou rejeição era fortemente condi-
cionada por fatores aleatórios, estranhos ao mérito: dependia do relator e
da composição dos presentes à reunião. Além disso, múltiplos projetos de
pequeno porte, interesse restrito e relevância questionável entulhavam as
pautas das reuniões, tornando-as tediosas e estimulando a falta de quórum.

Questionava-se, por isso, o benefício auferido pelo departamento, os efei-


tos da atividade extensionista sobre o ensino e a pesquisa, e a concorrência
as profissionais do mercado de trabalho.

A fim de assegurar que a análise dos processos relativos aos projetos de


extensão se desse com maior objetividade e uniformidade, o departamen-
to instituiu em 1988 a Câmara de Análise de Atividades de Extensão, com
a competência de julgar os processos, submetendo em bloco sua aprova-
ção ao Colegiado do Departamento, cabendo de suas decisões recurso a

« 120 »
A extensão integrada com o ensino e a pesquisa: a teoria e a prática

este Colegiado. Para instrumentar a Câmara, o departamento instituiu um


eficiente cadastro informatizado sobre a situação de cada docente, relati-
vamente às atividades de extensão, discriminando projetos em andamento
e tempo médio semanal comprometido. Cada processo que sobe à apre-
ciação da Câmara é necessariamente instruído com as informações deste
cadastro.

A Câmara é constituída de cinco membros eleitos, incluído um represen-


tante discente, cada qual tendo um suplente. Sendo de quatro o quórum
definido, há intensa participação dos suplentes. A aprovação dos processos
requer três votos favoráveis. A distribuição dos processos é sequencial, por
entrada, sem privilegiamento ou restrição de relatores, exceto em casos de
interesse direto, em que o membro interessado é impedido de participar
da análise e aprovação do processo.

Compete à Câmara: analisar e aprovar toda a atividade de extensão do


departamento, remunerada ou não, de acordo com critérios aprovados
pelo Colegiado; organizar catalogar e informatizar a atividade de exten-
são do departamento; controlar a atividade de extensão, de acordo com as
normas superiores da Universidade, e propor normas ao Colegiado para
avaliá-la internamente; e responder junto aos órgãos da Universidade so-
bre assuntos de extensão do departamento.

Operacionalização
No que concerne ao Departamento de Engenharia Mecânica, entendeu-se
que a comunidade de que fala a Resolução 44 é constituída pelo conjun-
to das empresas, entidades de classe e órgãos governamentais vinculados
com a área. A estrada de mão dupla que os comunica com o departamento
permite, de um lado, o repasse de informações e serviços, englobando o
desenvolvimento de novos produtos, processos ou técnicas, para esses se-
tores, atendendo a consultas específicas. Por outro lado, ela traz ao depar-
tamento empreitadas que desafiam sua competência, bem como recursos
financeiros. Esses desafios devem ser técnica ou cientificamente atrativos,
de forma a motivar a atividade de pesquisa, estimular a criatividade dos
docentes, instigá-los a ampliar seu nível de conhecimentos e enriquecê-los
com experiências válidas que permitam, também, oxigenar a atividade de
ensino, trazendo com isso benefícios também aos alunos.

Os recursos financeiros envolvidos devem cobrir as despesas incorridas, de


forma alguma restritas à mera remuneração dos participantes. Elas devem
ressarcir a Universidade pelo uso e depreciação de seus equipamentos e

« 121 »
PARTE 3  Opinião

instalações e permitir, também, que a instituição seja beneficiada, quer seja


em termos de melhoria de infraestrutura, quer pela melhoria das con-
dições de treinamento dos estudantes, através de bolsas de trabalho, de
iniciação científica ou de pós-graduação.

O departamento, utilizando uma classificação não caracterizada contida


na Resolução 44, estabeleceu uma classificação em três categorias, para os
projetos de extensão:

1. Projetos de consultoria – De mais longa duração, exigem a par-


ticipação efetiva de docentes, resultando em aumento da capa-
citação científica e tecnológica disponível no departamento, ou
beneficiando-o pela possibilidade de publicação de artigos, pelo
desenvolvimento de dissertações ou teses, pela aquisição de equi-
pamentos, concessão de bolsas a alunos, etc.;
2. Serviços técnicos – Atividades cujo desenvolvimento requer
procedimentos normalizados ou de rotina, que não exigem es-
tudos ou preparação adicional de seus realizadores, como sejam,
por exemplo, certos trabalhos de laboratório, medições em geral,
orientação sobre processos, cálculos rotineiros ou assemelhados,
podendo ou não requerer a participação efetiva de professor;
3. Serviços de ensino – Enquadram-se aqui cursos de extensão ou
aperfeiçoamento, avulsos ou decorrentes de convênios de coope-
ração.

Projetos de consultoria, por seu efeito multiplicador, são particularmente


estimulados, através de menores alíquotas de taxação. Esta, em todos os
casos, é cobrada pela fundação gestora, incidindo sobre a remuneração do
pessoal envolvido nos projetos. Ela inclui percentuais destinados ao ge-
renciamento dos recursos (administração), ao FUNPEX (Fundo de Apoio à
Pesquisa e à Extensão, da UFSC), e percentual variável posto à disposição
do departamento, constituindo seu Fundo de Apoio às atividades de Ensi-
no, Pesquisa e Administração.

Serviços técnicos, prestados por uma questão de compromisso social, po-


dem, por vezes, propiciar excelente campo de treinamento para os alunos.
Quando a participação do professor é requerida além da mera supervisão,
incide sobre a atividade uma maior alíquota departamental, em virtude do
menor potencial de geração de benefício que ela traz à instituição.

A participação de docente em cursos avulsos é sujeita a alíquotas diferen-


ciadas, maiores quando esses cursos se dão durante os períodos letivos
normais da UFSC, e menores em época de férias. Incentiva-se, com isso, a

« 122 »
A extensão integrada com o ensino e a pesquisa: a teoria e a prática

programação de cursos de extensão nas épocas de férias, quando os alunos


regulares não são prejudicados. Já cursos ministrados no âmbito de convê-
nios de cooperação merecem um tratamento específico, compatível com
sua relevância e interesse social ou regional.

As normas vigentes na UFSC permitem o destaque de até oito horas se-


manais, na média semestral, para a atividade extensionista, por docente. O
departamento estabeleceu diretrizes para a quantificação dos tempos de
participação de seus docentes nesta atividade, cujo critério fundamental é o
da disponibilidade dos mesmos para as atividades rotineiras da vida depar-
tamental. Assim, se um docente for obrigado a viajar, em decorrência de
um projeto de extensão, sua participação no projeto será quantificada em
termos da efetiva duração do afastamento, à base de oito horas por dia útil.

Os resultados
Do exposto se conclui que, quando a Extensão é encarada e desenvolvida
tendo o interesse mútuo como referencial, a Universidade pode ser benefi-
ciada pela revitalização da Pesquisa e pela oxigenação do Ensino, caracteri-
zando-se nitidamente a integração entre as três atividades que constituem
sua razão de ser.

O Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC deve parte de seu


prestígio ao fato de ter adotado essa concepção, para cujo acompanha-
mento inovou, criando sua Câmara de Atividades de Extensão. Após quase
quatro anos de existência, essa Câmara, juntamente com os critérios de
análise que lhe foram outorgados, serviu como elemento que redirecionou
a atividade extensionista do departamento. E, o que é mais importante,
seus padrões de análise permearam a mentalidade da maioria dos docen-
tes, de sorte que se passou a observar, na maioria dos projetos, uma nítida
preocupação no sentido de que deve ser o departamento o maior benefi-
ciado com sua implantação.

A explosão dos custos da pesquisa científica, e a tendência das agências de


fomento, de se desvincularem de programas de apoio institucional, favo-
recendo projetos em áreas prioritárias, quando não de encomenda pura e
simples, aflige as universidades dos países mais desenvolvidos do mundo,
nesta virada do século. Elas se veem ante a necessidade de se tornarem
mais aguerridas na busca de recursos para seu custeio. Fazê-lo sem sacrifi-
car padrões estabelecidos de excelência constitui um desafio que as preo-
cupa, e para o qual ainda não sabem oferecer a resposta.

« 123 »
PARTE 3  Opinião

O Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC tem conseguido esta-


belecer um modus vivendi, através de sua filosofia de ação extensionista. E
por isso sobrevive…

Bibliografia
UFSC – Resolução no 44/CEPE/87.

UFSC/EMC – Resolução no 07/EMC/88.

UFSC/EMC - Resolução no 09/EMC/88.

Blass, A., & Maliska, C. R., “A Extensão integrada com a Pesquisa e o Ensino:
a Universidade otimizando o seu desempenho”. IX Seminário de Extensão
Universitária da Região Sul, Florianópolis, outubro de 1991.

Blass, A.; Selke, C. A. de C., & Leal, L. da C. M., “Câmara de Análise de


Atividades de Extensão: uma experiência bem sucedida”. IX Seminário de
Extensão Universitária da Região Sul, Florianópolis, outubro de 1991.

Zinberg, D. S., Ed., “The changing University: how increased demand for scien-
tists and technology is transforming academic institutions internationally”. NATO
ASI Series, Kluwe Academic Publishers, Dordrecht, 1991.

« 124 »
Tradução de
A escalada da ciência
ganha nova edição

Entrevista realizada pelo jornalista Moacir Loth, da AGECOM/UFSC, com


o tradutor Arno Blass, originalmente divulgada em Notícias da UFSC,
03/03/2009. Posteriormente publicada na revista História Catarina, ano VII,
no 47, pgs. 46-55 (2009).

O que levou um professor aposentado, que deveria estar


Foto: Henrique Almeida, Agecom-UFSC
Moacir Loth 

curtindo o ócio e o lazer, a assumir o desafio de traduzir um


livro com tantas páginas?

Lazer é o tempo dispendido em atividades prazerosas.


Tanto o ler quanto o traduzir este livro constituíram,
justamente, exercícios de lazer, consubstanciados
em fazer algo ao mesmo tempo criativo e prazeroso.
Como tantos aposentados fazem, cultivo meu jardim. Mas o faço em um
sentido voltairiano, evidentemente. Outrossim, como constatei durante o
trabalho, com os recursos eletrônicos hoje disponíveis, uma tradução pode
ser feita com muito menor esforço, em comparação com experiências que
eu tinha, de vinte a trinta anos atrás.

« 125 »
PARTE 3  Opinião

Em poucas palavras, qual é o conteúdo de A Escalada da Ciência? O título exprime,


ou melhor, dá uma ideia da literatura que o leitor vai encontrar?

A Escalada da Ciência é um livro voltado para o cidadão comum, aquele


que é governado por seus sentidos, por suas paixões, mais que pelo seu
conhecimento. Busca o livro estabelecer compreensão e boa vontade em
relação à ciência, escoimando os preconceitos e as interpretações simplistas
que vicejam, de tempos em tempos, tornando as fronteiras difusas. Silver
faz isto situando os grandes momentos da ciência no seu contexto histórico,
filosófico e sociológico, e mostrando que, a seu modo, também os grandes
cientistas foram homens comuns. O livro faz para a compreensão da ciên-
cia aquilo que A Escalada do Homem, de Jacob Bronowski, um clássico da
década de setenta, fez em relação ao Homem. Se o livro de Bronowski foi
mais rico em ilustrações, isto se deveu exclusivamente ao fato de ter sido
concebido, originalmente, como um documentário para a televisão. O ter-
mo escalada, em ambos os casos, exprime muito bem a ideia de evolução,
de algo que se transforma com o tempo, que caracteriza os dois livros.

A Escalada da Ciência: a edição original, da Oxford Univ. Press, e as duas edições da tradução brasileira,
que fiz para a EdUFSC. Foto: Henrique Almeida, Agecom-UFSC

Quem foi Brian L. Silver? Fale um pouco da sua obra e das qualidades
do escritor/cientista?

A informação sobre o autor, contida na orelha da edição original, é muito


reduzida: lecionava Físico-química no Technion (Instituto Israelense de
Tecnologia), e faleceu em 1997, pouco antes da publicação deste livro. Mas
ele fala e diz mais de si no corpo do livro. Nasceu na Inglaterra, de uma
família judaica de classe média, foi motivado por seu pai para as coisas

« 126 »
Tradução de A escalada da ciência ganha nova edição

práticas da vida, e por sua mãe, para as artes. Formou-se em Química,


ainda na Inglaterra, e ali começou a trabalhar. Casou-se com uma artista
plástica e teve um filho portador da síndrome de Down. Passou por uni-
versidades americanas, vindo a terminar sua vida profissional no Technion,
em Israel. Da leitura de A Escalada da Ciência é possível constatar, ainda, o
considerável lastro cultural de Silver, seu conhecimento de literatura, his-
tória, filosofia, ciências sociais e artes, seu interesse por esportes. Visitando
sites de grandes livrarias, descobri, ainda, que ele também é autor de um
texto muito bem conceituado em Físico-química, intitulado Physical Che-
mistry of Membranes: an Introduction to the Structure and Dynamics of Biological
Membranes. Muito da sensibilidade que Silver mostra possuir ao longo de A
Escalada da Ciência é, possivelmente, influência da mãe, da esposa e do filho
excepcional, em função do qual redirecionou sua vida.

Quem é Arno Blass? O tradutor parece nutrir


uma paixão pelo texto de Silver. Ocorreu aí uma
“identificação à primeira leitura”? (Ambos são
homens das ciências exatas e dominam o verbo…).

Sou engenheiro mecânico e matemático.


Professor, aposentado. Estudioso da história,
lógico por formação, apreciador da literatu-
ra e da boa música. Fui atraído para o livro
de Brian Silver ao ler uma sinopse e uma
resenha sobre ele no site da Barnes and
Noble. Falar em “identificação à primeira
leitura” é pertinente. Gostei muito da ma-
neira franca como Silver aborda a questão,
bem como da leveza de seu estilo. Por isto Arno Blass  Foto: Henrique Almeida, Agecom-UFSC
sugeri a tradução à Editora da UFSC, e me
dispus a fazê-la.

A obra pode ser entendida por qualquer pessoa


alfabetizada. Mas, na sua opinião, quem não pode
deixar de ler A Escalada da Ciência?

Falar apenas em pessoa alfabetizada é


simplificar demais. Penso que A Escalada da
Ciência pode – e deve – ser lido por qual-
quer estudante universitário de nossos dias,
para ter uma visão de conjunto da evolução

« 127 »
PARTE 3  Opinião

da ciência e do pensamento científico, desde o Iluminismo até nossos dias.


É claro, a leitura se recomenda também a seus professores. Mas o livro de-
veria ser lido mormente por aqueles que costumam teorizar e generalizar
sobre o assunto.

A Escalada da Ciência não é uma espécie de História da Ciência?

Na verdade, é um misto de história e de filosofia da ciência. Em ambos os


casos, o autor não busca exaurir o assunto, nem aprofundá-lo. Ao invés,
sua preocupação está concentrada em situar momentos relevantes em que
alguma nova concepção ou alguma nova descoberta causou impacto e teve
implicações perceptíveis ao homem comum.

Comente teorias que seguem na linha do “fim da história”, do “fim da Ciência” etc.

Há mais de quinze anos li um livro que se intitulava, justamente, O Fim da


Ciência. O autor ( John Horgan, se a memória não me falha) argumentava
que as ciências, de um modo geral, haviam atingido um estágio tal, que
pouco se deveria esperar, a partir de então, em termos de descobertas
científicas. O que se passou de lá para cá, especialmente na biologia, mos-
tra, de per si, que esta tese foi uma grande tolice. Os desenvolvimentos ha-
vidos na compreensão dos mecanismos de atuação do DNA e a preocupa-
ção que hoje domina os médicos face ao surgimento de novas doenças, em
decorrência justamente do domínio alcançado sobre as que conhecíamos,
mostram que muito já se caminhou depois do pretenso “fim da ciência”, e
que muito ainda está por ser descoberto e dominado. O mais recente livro
de Stephen Hawking, por outro lado, mostra que a Cosmologia ainda nos
surpreenderá bastante, e que as inovações que aí se visualizam irão reque-
rer, para sua descrição, um ferramental matemático ainda não disponível.
Não acredito em um “fim da ciência”.

Silver, ao apresentar um texto claro e bem humorado, não estaria apontando uma luz à
divulgação científica e ao chamado jornalismo científico?

O texto de Silver por certo se enquadra como uma boa amostra de traba-
lho de divulgação, que se poderia chamar de jornalismo científico. Ele é
leve e acessível na forma de explicar conceitos difíceis, e se socorre, em
momentos estratégicos, de exemplos triviais ou de eventos singelos da vida
dos grandes cientistas para esclarecer ou ilustrar aquilo de que fala. Assim
sendo, o leigo, mesmo sem deter o conhecimento científico envolvido,
consegue acompanhar a linha de argumentação do autor.

« 128 »
Tradução de A escalada da ciência ganha nova edição

O livro aproxima a Ciência do cidadão, derrubando preconceitos e mitos?


Daria para oferecer exemplos?

A imagem do cientista como um ser alienado e insensível, no modelo do


Dr. Strangelove do filme de Stanley Kubrick e Peter Sellers, é recorrente no
imaginário popular. A impropriedade desta generalização é um dos pontos
sobre que Silver concentra seu discurso. Outrossim, ele procura também
deixar claro que são atribuídas à ciência mazelas que não lhe são perti-
nentes. Ele se debruça particularmente sobre a questão do chamado Dar-
winismo social, que poderia ser, e é, usado para justificar a exclusão social
(a sobrevivência do mais apto…), mas que nada tem de científico. Ele tam-
bém questiona a destinação de recursos vultosos para pesquisas de escasso
interesse social, em detrimento daquelas mais urgentemente requeridas (a
vacina contra a AIDS, por exemplo).

Comente o estágio científico e tecnológico do Brasil? Qual a explicação para a forte


dependência científica do País? Aponte alternativas.

O Brasil avançou muito nos últimos quarenta anos em termos de seu


crescimento nos campos científico e tecnológico. A institucionalização da
pós-graduação trouxe resultados que já são de há muito perceptíveis, seja
pelos veículos de divulgação que se criaram ao longo do tempo, seja pela
participação de trabalhos de autores brasileiros divulgados no exterior.
Mas o mundo externo não está parado, de maneira que o encurtamento
das distâncias em relação aos países ditos desenvolvidos não parece ocor-
rer. É importante que universidades e institutos de pesquisa busquem
e mantenham sistematicamente parcerias no exterior, que as ajudem a
alcançar novos patamares. Mais recursos são, obviamente, necessários,
mas também se faz mister que os recursos disponíveis sejam aplicados
com critério. Outrossim, também aqui a academia se beneficia das amplas
possibilidades de intercâmbio de informações abertas pela internet, mas se
ressente de alguns aspectos negativos envolvidos: a ausência de um crivo,
dando margem à divulgação de material não corroborado, quando não
fraudulento; e o plágio puro e simples.

Para onde caminha a universidade pública brasileira?

Gostando-se ou não, é mister admitir que a Reforma Universitária dos


governos militares e o subsequente direcionamento de recursos efetiva-
mente criou a universidade brasileira, substituindo os modelos copiados
e mal assimilados de antes. É claro que o modelo imposto manu militare
tem seus aspectos questionáveis, e está em nós, agora, fazer as correções

« 129 »
PARTE 3  Opinião

cabíveis, além daquelas que decorrem da própria evolução da conjuntura.


Entretanto, não creio que a universidade pública possa ganhar o respeito
da população, que – em última análise – a sustenta, enquanto estiver do-
minada pelo corporativismo irresponsável, cuja inteligência não consegue
ir além da proposição das greves periódicas, subsidiadas, em troca de uma
mal definida promessa de recuperação posterior, e da defesa de direitos
socialmente questionáveis (como agora se observa nas discussões acerca da
reforma da Previdência). Tal tipo de procedimento, a longo prazo, apenas
reforçará e justificará os argumentos em favor da privatização.

A Ciência conseguirá impedir a destruição do Planeta, preservando, assim, a vida?


A Ciência não está demorando demais, por exemplo, para descobrir uma vacina contra
a AIDS?

O Clube de Roma, num estudo divulgado ao início da década de 70, por-


tanto há cerca de uma geração, apresentava um argumento relativamente
simples: a Terra tem um volume finito, definido e conhecido, e chegará o
dia em que dela se extrairá o último punhado de ferro, de manganês, ou
do que quer que seja necessário à manutenção da vida e ao alojamento dos
viventes. O aumento populacional demandará mais espaço para moradias
e áreas de lazer, e isto se dará à custa das áreas agricultáveis ou de pre-
servação. Se não conseguirmos chegar a um equilíbrio a este respeito, o
conceito de vida, ou de qualidade de vida, terá de mudar – e para pior. Há
sessenta anos, em sua Geografia da Fome, Josué de Castro argumentava que
a possível solução para o problema da fome estava no mar; hoje o mar está
sendo poluído como nunca… O combate à degradação ambiental, a con-
tenção da explosão populacional e a busca de alternativas mais eficientes
de produção de alimentos, obviamente, portanto, tornar-se-ão cada vez
mais prementes e imprescindíveis. Quanto à dificuldade na obtenção da
cura da AIDS, ou das novas doenças que se prenunciam, encontra explica-
ção no conhecimento que já temos, de que os novos vírus e bactérias com
que nos defrontamos são mutantes sobreviventes, resistentes às medica-
ções e tratamentos que ora conhecemos, e que se multiplicam com extre-
ma rapidez. Assim, a pergunta mais preocupante não é quando chegare-
mos à vacina contra a AIDS, mas o que virá depois.

« 130 »
Tradução de A escalada da ciência ganha nova edição

O discurso científico é otimista e dá a impressão que a Ciência já conseguiu a solução


para quase todos os problemas. Por que, na prática, não é bem assim? (Aqui entram,
certamente, fatores ligados ao poder, ao lucro, enfim, interesses outros que não
exatamente humanitários…).

Acho que o discurso otimista já não é tão eloquente, justamente por causa
das dificuldades encontradas no caminho. Começa a manifestar-se a lei
dos rendimentos decrescentes: cada nova descoberta revolucionária de-
mandará investimentos cada vez maiores. O laboratório de fundo de quin-
tal já era. E, obviamente, quando se requerem investimentos de grande
porte, considerações de poder, de lucro e de interesses não ficam de fo-
ram… Mas acredito firmemente que a ciência, a seu tempo, sempre achará
solução para os problemas.

Por que publicar A Escalada da Ciência no Brasil? Neste sentido aborde a função de uma
editora universitária.

Por que não? O Brasil faz parte de nosso mundo, quer ser respeitado na
comunidade das nações, quer poder alimentar seu povo, não é mesmo?
Então tem de destacar-se, também, no terreno científico. E a compreensão
de como a ciência evoluiu até nossos dias é parte do processo que conduz
a estes fins. Por outro lado, quem melhor do que uma editora universitária,
respeitada no ambiente universitário, e não apenas de sua própria uni-
versidade, para dar credibilidade a uma empreitada como esta? Acho que
o papel de uma editora universitária reside justamente aí, em publicar o
que é necessário, na esfera de ação da universidade, sem uma preocupação
excessiva com o retorno financeiro.

Comente outras questões relevantes sobre a obra que deveriam ser de conhecimento
dos leitores.

Acho que a mensagem não estritamente enunciada, mas que permeia o


discurso de Silver, é que o cientista não pode mais se encastelar em sua
torre de marfim; o homem comum pode não entender, mas quer saber – e
tem esse direito – como será afetado pelas invenções e engenhocas que os
cientistas desenvolvem e, em certos casos, como e em que o seu dinhei-
ro está sendo empregado. Por isto mesmo, é importante que ele, homem
comum, seja instado a se precaver, identificando o discurso falacioso de
pseudocientistas.

« 131 »
PARTE 3  Opinião

Qual a importância da existência de fundações como a Fapesp, a Fapesc, a Fapemig, a


Faperj, etc., para o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado e do País? Quais
as sugestões para melhorá-las?

Elas se justificam por propiciarem uma ação supletiva à do CNPq, con-


centrada num âmbito regional. Através delas, os próprios Estados da
Federação podem mobilizar-se, aportando recursos próprios ou adrede
viabilizados, na busca de seu desenvolvimento e de soluções para seus
problemas específicos. Elas também podem ser acionadas para atuar
setorialmente, em áreas circunstancialmente definidas como prioritá-
rias. Para seu bom funcionamento é mister que sejam dotadas de relativa
independência em relação às flutuações do ambiente político, expressa
em termos de garantias mínimas de orçamento e de impermeabilidade
às pressões políticas. Por isso mesmo, uma vez definidas as prioridades
de sua área de atuação, devem elas valorizar a prática da avaliação e julga-
mento por pares (“peer evaluation”), calcados em critérios objetivos defi-
nidos de antemão, e de pleno conhecimento da comunidade que a elas
recorre. Acho que, no país, a Fapesp – como consequência natural de ser
a mais antiga e, por isso, por contar com maior experiência, de contar
como garantias orçamentárias e liberdade de ação, e, finalmente, de atuar
em um estado comparativamente mais rico do que os demais – apresenta
uma estrutura modelar que deve servir de referencial para todas as demais.
Mas isto não quer dizer que outras não estejam bem estruturadas, e cito
particularmente a Fapergs, do Rio Grande do Sul, como exemplo de fun-
dação que se estruturou para atuar de forma eficiente, tendo em vista as
características do Estado. Não diria que a Fapesc esteja inadequadamente
concebida, mas a verdade é que ela teve muito pouco tempo para atuar
com a independência requerida para um desempenho mais satisfatório.

Por Moacir Loth/jornalista na Agecom/UFSC

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Arno Blass

Dados
Biográficos

Nascido em Porto Alegre em 1939, formou-se em Enge-


nharia Mecânica na Universidade do Rio Grande do Sul
em 1962. Frequentou também o curso de Matemática,
que, todavia, deixou inconcluso. Após breve passagem
pela iniciativa privada, trabalhou, por um ano, no Gru-
po de Materiais do Instituto de Pesquisas e Desenvolvi-
mento do Centro Técnico de Aeronáutica, hoje Centro
Técnico Aeroespacial.

Com a criação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e de sua


Escola de Engenharia Industrial (EEI), transferiu-se para Florianópolis em
1964, na condição de instrutor, com vistas a assumir a regência de cátedra,
nos termos de um convênio de cooperação técnica firmado pela UFSC
com a UFRGS. Passou, ali, a integrar o grupo de jovens docentes que, sob
a liderança de Caspar Erich Stemmer, viriam a implementar concepções
inovadoras, para a época, que logo tornaram a nova escola conhecida e
respeitada no cenário nacional. Ministrou disciplinas relacionadas com os
processos de conformação mecânica; implantou em 1966, e dirigiu du-
rante um ano, o Centro de Formação Prática e Aperfeiçoamento da EEI, a
quem competia gerir uma programação pioneira de estágios obrigatórios,
que se estendia ao longo de todo o curso. Infelizmente, a Reforma Uni-
versitária implantada no país em 1970/71 inviabilizou esta concepção de
estágios, que foi substituída por outra menos abrangente.

Em 1967 afastou-se para obter o Mestrado na COPPE/UFRJ. De volta a


Florianópolis, integrou a comissão que planejou a criação do Mestrado em
Engenharia Mecânica da UFSC, lançado já em 1969, o primeiro curso de

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PARTE 3  Opinião

pós-graduação stricto sensu da universidade. Em seu primeiro ano de ofe-


recimento ministrou Análise de Tensões e Plasticidade e posteriormente
orientou uma dissertação sobre a extrusão por impacto de aço, a primeira
defendida no novo curso, em agosto de 1970.

Doutorou-se pelo Imperial College of Science and Technology da Univer-


sidade de Londres em 1976. Sua tese, sobre a viabilidade do processo de
laminação periférica, que interessava à Rolls Royce, envolvia a aplicação
do método dos elementos finitos a processos envolvendo não-linearidades
materiais e geométricas. Por interesse pessoal, como aluno ouvinte, apro-
veitou as oportunidades ímpares de formação em materiais poliméricos
que lhe eram oferecidas no Imperial College, frequentando as aulas de
R. M. Ogorkiewicz e J. G. Williams, entre outros.

Retornando à UFSC, acumulou, durante três anos, a Chefia do Departa-


mento de Engenharia Mecânica e a Coordenação do Mestrado em En-
genharia Mecânica. Durante este período, e em anos subsequentes, foi o
executor local do Convênio de Cooperação Técnica firmado entre a UFSC
e a Universidade de Aachen, envolvendo recursos da Sociedade Alemã de
Cooperação Técnica (GTZ) e da SUBIN, hoje Agência ABC, do Ministério
de Relações Exteriores; foi executor, também, de convênios de apoio insti-
tucional do BID, da FINEP e da CNEN.

Reconduzido à Coordenação da PG em Engenharia Mecânica, exerceu-a


durante um período total de doze anos, até 1990. Em 1980 foi lançado o
Doutoramento em Engenharia Mecânica, mais uma vez, o primeiro da
UFSC. Durante seu tempo de coordenação, a Pós-Graduação em Engenha-
ria Mecânica da UFSC foi sistematicamente incluída entre as melhores do
país, nas avaliações da CAPES, e como a melhor, no Ranking Playboy, que
então era anualmente divulgado por esta revista.

Paralelamente, participou de outras atividades importantes, dentro e fora


da UFSC. Integrou o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, a Comis-
são Permanente de Pessoal Docente e, durante um total de quatro man-
datos, o Conselho Editorial da Editora da UFSC, onde se destacou pelo
amplo espectro de interesses, tendo emitido mais de duzentos pareceres.
Por duas vezes (em 1980 e 1986) participou da Comissão Organizadora do
­CBECIMAT – Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais.

Externamente à UFSC, integrou, ao final da década de 70, a Comissão


Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina. Na
esfera federal, integrou o Comitê Assessor de Engenharia Mecânica, Aero-
náutica, Naval e de Produção do CNPq, e, em seguida, o efêmero Conselho

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Arno Blass

de Coordenação Técnica e Científica do mesmo órgão, ao início da Nova


República. Foi consultor da CNEN, da SESu/MEC e da FINEP, bem como
de programas governamentais, como o PRONEX e o PADCT, no qual
coordenou, durante algum tempo, o Grupo de Trabalho de Tecnologia In-
dustrial Básica. Na SESu/MEC foi, por três vezes, membro da Comissão de
Especialistas do Ensino de Engenharia. Na CAPES, presidiu durante quatro
anos o segmento Engenharias, responsável pela supervisão da avaliação dos
candidatos a bolsas no Exterior, e pela avaliação de mais de uma centena de
cursos de pós-graduação desta grande área. Nesta condição, ainda, repre-
sentou o Brasil, pelo segmento das Engenharias, no Seminário Latinoame-
ricano de Enseñanza de Posgrado en Ciencias Básicas e Ingenierías, realiza-
do em Caracas em 1982. Participou, também, de missão da CAPES ao Japão
e Israel, em 1983, com o objetivo de detectar possibilidades de intercâmbio
de pós-graduandos. Em Santa Catarina, em 2003, superintendeu o julga-
mento dos processos encaminhados, na área das Engenharias, à FUNCITEC
– Fundação de Ciência e Tecnologia do Estado de Santa Catarina.

Ao ensejo de uma reforma curricular do Curso de Engenharia Mecânica da


UFSC, no início da década de 80, propôs a criação de uma disciplina ele-
tiva sobre Processamento de Polímeros. Iria implantá-la mais tarde (1982).
Ante a dificuldade de encontrar material didático adequado ao caráter
abrangente, mas introdutório, da disciplina (encontrava-o em abundân-
cia na literatura em língua alemã, o que não atendia à maioria dos alunos),
começou a preparar o que viria a redundar na publicação, na Série Didá-
tica da Editora da UFSC, da primeira edição de seu livro “Processamento de
Polímeros” (1985, 256 pgs.).

A decorrente disponibilidade de bibliografia em língua portuguesa sobre o


assunto fez com que disciplinas similares surgissem em outros cursos de
Engenharia Mecânica ou de Materiais do país. O livro teve ampla demanda,
e uma nova edição se fez necessária. Com modificações profundas, ela veio
a lume em 1988, com 313 páginas. Três anos depois, um programa de
cursos promovido pela ABPol em colaboração com o SEBRAE/SP exigiu a
reimpressão da obra por estas entidades, em coedição com a EdUFSC.

Quando da realização do PPS 2004 – Encontro


Regional das Américas da Polymer Processing
Society, em Florianópolis, foi o autor homena-
geado com uma placa comemorativa, “por ter
sido autor do primeiro livro sobre Processa-
mento de Polímeros editado no Brasil, o qual se
tornou importante contribuição à comunidade
brasileira de engenharia e ciência de polímeros”.

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PARTE 3  Opinião

Foi candidato a Reitor da UFSC no ano de 1987.

É membro da Associação Brasileira de Engenharia e Ciências Mecânicas


(ABCM), que presidiu em 1979/81, quando se realizou o 1o SIBRAT (Simp.
Bras. de Tubulações e Vasos sob Pressão); da Associação Brasileira de
Ensino da Engenharia (ABENGE), da Associação Brasileira de Polímeros
(ABPol) e da Academia Nacional de Engenharia (ANE). Foi membro do
Conselho Editorial da Revista Brasileira de Ciências Mecânicas e da revista
Technische Mechanik. Traduziu do alemão os livros “Processamento de Da-
dos”, de G. Rahmstorf, e “Técnica da Conformação”, de Klaus Grüning, publi-
cados pela Editora Polígono ao início da década de 70. Fez a revisão técnica
da tradução dos livros “Mecânica dos Sólidos”, de Egor Popov, e “O Milagre
incompreendido – Energia nuclear na Alemanha”, de K. Winnacker e K. Wirtz,
publicados pela Editora Edgard Blücher, em fins da década de 70.

É autor de “Caspar Erich Stemmer – Administração, Ciência e Tecnologia”, sexto


volume da Biblioteca Anísio Teixeira, com que a CAPES homenageia fi-
guras de destaque na consolidação da pós-graduação no Brasil, publicado
pela Editora Paralelo 15, de Brasília, em 2002, com reimpressão em 2003.
Uma segunda edição foi lançada pela Editora da UFSC em 2015.

É, também, o tradutor de “A Escalada da Ciência” (“The Ascent of Science”), de


Brian L. Silver, publicado pela Editora da UFSC em 2003 (772 páginas), que
obteve boa receptividade da crítica especializada. Uma segunda edição,
revista, foi lançada em 2008.

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Arno Blass

Foto histórica: os sete primeiros reitores da UFSC. Eles são, também, os reitores dos anos em que exerci
minha vida profissional na UFSC (1964-94). Da esquerda para a direita: Bruno Rodolfo Schlemper
Júnior (1988-92), Caspar Erich Stemmer (1976-80), Rodolfo Joaquim Pinto da Luz (1984-88, 1996-2004),
João David Ferreira Lima (1961-1972), Roberto Mündell de Lacerda (1972-76), Antônio Diomário de
Queiroz (1992-96) e Ernani Bayer (1980-84). Foto: Agecom/UFSC

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