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DOI: 10.1590/1413-812320222710.

07122022 3835

Saúde da população LGBTQIA+: revisão de escopo rápida

artigo article
da produção científica brasileira

LGBTQIA+ health: a rapid scoping review of the literature in Brazil

Fernando Meirinho Domene (https://orcid.org/0000-0003-2806-7875) 1,2


Jessica de Lucca da Silva (https://orcid.org/0000-0002-8822-5639) 1,2
Tereza Setsuko Toma (https://orcid.org/0000-0001-9531-9951) 1
Letícia Aparecida Lopes Bezerra da Silva (https://orcid.org/0000-0001-8913-2699) 1,2
Roberta Crevelário de Melo (https://orcid.org/0000-0002-2698-9211) 1,2
Adriano da Silva (https://orcid.org/0000-0002-1105-9046) 3
Jorge Otávio Maia Barreto (https://orcid.org/0000-0002-7648-0472) 2

Abstract The National Policy of Comprehensive Resumo A Política Nacional de Saúde Integral
Health of Lesbians, Gays, Bisexuals, Transvestites de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transe-
and Transsexuals (LGBT) was an important step xuais (LGBT) foi um importante passo na busca
in the search for equity. The lack of specific rese- de equidade. A falta de pesquisas específicas pode
arch can be an obstacle for the design of strategies ser um entrave na elaboração de estratégias que
that address LGBT health needs. The objective of abarquem as necessidades de saúde dessa popula-
this study is to map and characterize the Brazi- ção. O objetivo deste estudo foi mapear e caracte-
lian scientific production on the LGBT popula- rizar a produção científica brasileira sobre a saú-
tion health. We used the rapid scoping review me- de da população LGBT. Utilizamos a metodologia
thodology to perform a thematic and bibliometric de revisão de escopo rápida para realizar uma
analysis. We included Brazilian researchers’ stu- análise temática e bibliométrica. Incluímos es-
dies published in scientific journals. Searches tudos de pesquisadores(as) brasileiros(as) publi-
were carried out in four databases, with inclusion cados em periódicos científicos. As buscas foram
of 381 articles in the analysis. The results indica- realizadas em quatro bases de dados, sendo inclu-
te that Brazilian production about the health of ídos 381 artigos. Os resultados indicam que a pro-
LGBT has increased over time, particularly from dução científica brasileira sobre a saúde de LGBT
2016, but there are some gaps in specific needs aumentou ao longo do tempo, particularmente a
and vulnerabilities within the subgroups of peo- partir de 2016, porém observam-se lacunas em
1
Núcleo de Evidências, ple covered by the acronyms LGBTQIA+. Despite necessidades e vulnerabilidades específicas dentro
Instituto de Saúde, the advances launched from the National Policy dos subgrupos abarcados pela sigla LGBTQIA+.
Secretaria de Estado da of Health Integral LGBT, there are still many gaps Apesar dos avanços promovidos a partir da Polí-
Saúde de São Paulo. R. Santo
Antônio 590, Bela Vista. in Brazilian scientific production, which could be tica Nacional de Saúde Integral LGBT, há ainda
01314-000 São Paulo SP included in the agenda of priorities for promoting muitas lacunas na produção científica brasileira,
Brasil. fernando.domene@ research. que poderiam ser incluídas na agenda de priori-
alumni.usp.br
2
Fundação Oswaldo Cruz. Key words Sexual and gender minorities, Gen- dades para fomento à pesquisa.
Brasília DF Brasil. der and health, Health policy, Brazil, Review Palavras-chave Minorias sexuais e de gênero,
3
Departamento de Estudos Gênero e saúde, Política de saúde, Brasil, Revisão
sobre Violência e Saúde
Jorge Careli (Claves), Escola
Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca, Fundação
Oswaldo Cruz. Rio de
Janeiro RJ Brasil.
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Domene FM et al.

Introdução não registraram a mesma redução. Na verdade,


foi observado crescimento de 5% nas violências
A lei orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS) contra homossexuais e 37,1% contra bissexuais,
estabeleceu o princípio da igualdade da assistên- com registros de 4.855 casos em 2018 e 5.330 em
cia à saúde, sem preconceitos ou privilégios de 2019. Quanto às notificações de violência física
qualquer espécie1. No Brasil, a Política Nacional contra a população trans, o Sinan registrou au-
de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexu- mento de 5,6% de 2018 para 2019 e de 30% para
ais, Travestis e Transexuais (LGBT) foi instituí- outros tipos de violência. Essas contradições po-
da pela Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de dem indicar que os dados do Disque 100 estão
2011, com o objetivo geral de: “promover a saúde subestimados, como aponta o relatório9.
integral da população LGBT, eliminando a dis- No entanto, cabe ressaltar que a literatura
criminação e o preconceito institucional e contri- aponta a escassez de estudos de avaliação das po-
buindo para a redução das desigualdades e para líticas para produção de dados epidemiológicos e
consolidação do Sistema Único de Saúde como o desenvolvimento de conhecimento e fabricação
sistema universal, integral e equitativo”2 (p. 20). de novas tecnologias para o cuidado em saúde da
A população de lésbicas, gays, bissexuais, população LGBTQIA+5.
transgêneros, queers, intersexuais, assexuais, e Em relação ao desenvolvimento de inovações
as outras sexualidades e identificações de gênero e tecnologias de saúde, a Política LGBT apresen-
(LGBTQIA+) é vítima de discriminação, violên- ta como objetivo específico “realizar estudos e
cia e exclusão social, reproduzidas nas relações pesquisas relacionados ao desenvolvimento de
institucionais e no campo da saúde. A falta de serviços e tecnologias voltados às necessidades
informação e de proteção à privacidade nos cui- de saúde da população LGBT”2 (p. 22). Oliveira10
dados de saúde podem prejudicar a assistência e aponta a necessidade de ampliar os conhecimen-
o vínculo dessa população com os serviços3. Du- tos acerca de um grupo tão diverso e heterogê-
rante o ano de 2021, algumas importantes ques- neo abarcado pela sigla LGBTQIA+. Pesquisas
tões se intensificaram com a pandemia, tais como voltadas para esta população vão ao encontro
a insegurança alimentar em 41,53% dos domicí- da equidade preconizada no SUS, e possibilitam
lios em que vivem pessoas LGBT+ e 56,82% no a produção de indicadores, a definição de parâ-
caso das pessoas trans. Questões como a pobreza metros, o monitoramento e a análise situacional
menstrual e a dependência financeira também do processo saúde-doença de LGBTQIA+10. As
são apontadas em pesquisa realizada pelo cole- pesquisas voltadas a essa população são impor-
tivo #VoteLGBT4. tantes devido à complexidade no contexto de
Alguns avanços importantes foram impul- adoecimento, merecendo a atenção do SUS na
sionados a partir da Política Nacional LGBT2, formulação de políticas públicas específicas, “in-
incluindo o lançamento e a implementação de cluindo o incentivo de estudos em diversas áreas
um conjunto de programas e políticas públicas5, de conhecimento”11 (p. 488).
como o Plano Integrado de Enfrentamento da Ainda há poucos estudos que analisam o con-
Feminização da Epidemia de Aids (síndrome da junto de produções científicas sobre essa popula-
imunodeficiência adquirida) e Doenças Sexual- ção12. Nesta perspectiva, a revisão rápida de es-
mente Transmissíveis (DST)6, o Plano Nacional copo apresentada objetiva mapear e caracterizar
de Enfrentamento da Epidemia de Aids e DST a produção científica brasileira em saúde pública
entre Gays, HSH (homens que fazem sexo com relativa à população LGBTQIA+.
homens) e Travestis7 e o Plano Nacional de Pro-
moção da Cidadania e Direitos Humanos de Lés-
bicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais8. Métodos
De acordo com o Atlas da Violência 20219,
o número de denúncias registradas pelo Disque Delineamento e critério de inclusão
100 de violências e de lesão corporal contra pes- e exclusão
soas LGBTQIA+ (2011 a 2019) alcançou o menor
número em 2019, com redução de 50% e de quase Realizou-se uma revisão rápida de escopo13
50% nos registros para esses dois tipos de violên- sobre a produção científica brasileira em saúde
cia, respectivamente. Apesar da redução das de- pública relativa à população LGBTQIA+. Um
núncias, os dados do Sistema de Informação de protocolo da revisão foi elaborado e registrado
Agravos de Notificação (Sinan) mostraram que, previamente e está acessível na plataforma Open
em geral, as notificações de violências em 2019 Science Framework14.
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O presente estudo foi orientado pela pergunta Extração e análise dos dados
de pesquisa “Qual é o perfil da produção científi-
ca em saúde pública no Brasil sobre a população Os estudos elegíveis foram exportados no
LGBTQIA+?”, que teve como ponto de partida formato de planilha eletrônica, contendo infor-
o seguinte acrônimo PCC: população – pessoas mações sobre: título, resumo, ano e periódico em
LGBTQIA+; conceito – produção científica bra- que foram publicados, bem como nomes dos(as)
sileira; contexto – saúde pública. coautores(as). Foram extraídos os seguintes da-
Os critérios de inclusão foram: estudos pri- dos dos resumos: i) delineamento metodológico
mários, secundários, relatos de experiência e en- do estudo, ii) local em que foi realizado, iii) es-
saios teóricos sobre a temática de saúde da po- pecificidade da população de interesse, iv) tema
pulação LGBTQIA+, considerando o interesse de central do estudo e suas abordagens, v) institui-
mapear a produção de pesquisadores(as) brasi- ção de filiação de autor(a) principal e vi) apoio
leiros(as), seja como autor(a) principal ou como financeiro. Quando o resumo não estava dispo-
coautor(a), publicada em periódicos científicos, nível ou as informações eram insuficientes, os
nos idiomas português, espanhol ou inglês. Não artigos completos foram acessados. Quando o
houve restrição quanto à data de publicação. delineamento do estudo não estava claramente
Foram excluídos: estudos publicados como definido, os revisores atribuíram uma categoria
documentos institucionais ou por outra forma com base nas informações sobre a metodologia
de divulgação que não periódicos científicos; utilizada. A extração dos dados não foi realizada
estudos em que não houve participação de pes- em duplicidade, mas conduzida individualmente
quisadores(as) brasileiros(as); estudos que não por três revisores, de forma complementar.
abordaram a temática de interesse para a saúde Os achados dos estudos foram sintetizados de
pública em relação à população LGBTQIA+, e forma descritiva, incluindo informações sobre as
estudos publicados em idiomas diferentes dos ci- características dos estudos incluídos, como o ano
tados anteriormente. de publicação, delineamento do estudo, periódi-
co em que foi publicado, região do país em que foi
Estratégias de busca e seleção dos estudos realizado, população do estudo, tema principal
abordado, instituição de primeiro(a) autor(a) e
As buscas foram realizadas em abril de 2022, apoio financeiro. Considerando a diversidade de
nas seguintes bases de dados: portal regional da termos utilizados nos estudos para se referir aos
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), PubMed, grupos de pessoas LGBTQIA+, empreendeu-se
Web of Science e Scopus. Utilizamos buscas es- uma categorização com base no Manual Orienta-
truturadas a partir dos seguintes descritores bá- dor sobre Diversidade do Ministério dos Direitos
sicos DeCS (BVS) e MeSH (PubMed): “Sexual Humanos16 (2018), no Manual de Comunicação
and Gender Minorities”, “Health Policy” e “Brazil”. LGBT17 (2010) da Associação Brasileira de Lés-
Outros descritores e palavras-chave foram usa- bicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais,
dos a partir desses. A busca detalhada com os e no Manual de Comunicação LGBTI+18 (2021),
descritores e palavras-chave utilizados encontra- produzido pela Rede GayLatino e pela Aliança
se no material suplementar deste artigo (Apên- Nacional LGBTI+. O relato dos resultados seguiu
dice 1, disponível em: https://doi.org/10.48331/ a orientação da ferramenta PRISMA Extension
scielodata.MVLPDP). for Scoping Reviews19.
As estratégias de busca foram elaboradas e A qualidade metodológica dos estudos inclu-
conduzidas por um bibliotecário com experiên- ídos não foi avaliada, uma vez que não integrou
cia no tema. A seleção dos artigos foi realizada os critérios de seleção. Na revisão de escopo, essa
por dois autores de forma independente e che- etapa é considerada opcional20.
cada por uma terceira revisora, com base nos
critérios de inclusão e exclusão definidos. Após Análise da coautoria e da associação
a exclusão de duplicatas, foi realizada a triagem de termos usados nos títulos dos artigos
pela leitura de títulos e resumos, utilizando-se
o gerenciador bibliográfico Rayyan QCRI15. As Uma análise complementar dos dados biblio-
divergências de julgamento foram resolvidas por gráficos dos estudos incluídos foi realizada para
consenso. caracterizar as redes de coautoria e de termos
recorrentes nos títulos dos artigos. Para gerar os
grafos de rede desta análise, foi utilizado o sof-
tware livre VOSviewer21, que utilizou a força de
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Domene FM et al.

associação entre as duas unidades de análise de de uma diminuição circunstancial em 2020 (Grá-
interesse (autores e termos dos títulos). Para a fico 1).
rede de coautoria, foram considerados os seguin- Pouco mais da metade dos estudos (198) foi
tes critérios de inclusão: i) autores(as) com mais publicada em revistas nacionais. Entre as 61 re-
de um artigo; ii) autores(as) com coautoria e iii) vistas nacionais identificadas, Cadernos de Saú-
autores(as) que apresentaram força de associação de Pública foi a que apresentou maior número
maior que zero. Já para a rede lexical de termos de publicações, 30 (15%), seguida de Ciência &
recorrentes nos títulos dos artigos selecionados, Saúde Coletiva com 23 (12%), Sexualidad, Salud
os critérios de inclusão foram: i) termos com y Sociedad com 12 (6%) e Revista Brasileira de
cinco ou mais ocorrências e ii) termos com força Enfermagem com 10 (5%). De 69 revistas inter-
de associação maior que zero. A força de associa- nacionais, as que apresentaram maior número de
ção foi calculada automaticamente pelo software publicações foram a AIDS and Behavior com 17
VOSviewer21, seguindo os métodos descritos por (9%), PLoS One com 14 (8%), Journal of Acqui-
Van Eck e Waltman21 (2010). red Immune Deficiency Syndromes com 12 (7%) e
Os resultados foram apresentados na forma AIDS Care com 8 (4%). Entre os estudos publica-
de grafos de rede, possibilitando a inspeção vi- dos em revistas internacionais, os pesquisadores
sual e a identificação das características de co- brasileiros participaram na condição de coauto-
laboração e associação nas redes analisadas. Os res em 23 (13%) deles.
grafos apresentam as seguintes informações visu-
ais: i) nós (autores individuais e termos), ii) co- Delineamento dos estudos
nexões (coautoria e co-ocorrência) e iii) métricas e local de realização
de associação (proximidade, representada pela
localização dos nós na rede, e força de associa- Com relação ao delineamento metodológico,
ção, representada pelo tamanho da bolha e pela 224 (59%) estudos foram categorizados como
espessura da linha conectora). quantitativos (transversal, coorte, caso-controle,
ecológico), 116 (30%) qualitativos (qualitativo,
etnografia), 3 (1%) mistos e 38 (10%) revisões
Resultados (narrativa, sistemática, integrativa). Vale ressaltar
que os estudos quantitativos transversais repre-
De 1.020 registros identificados na busca, 749 tí- sentam 43% das publicações, seguidos de 19% de
tulos e resumos foram avaliados, após a exclusão pesquisas qualitativas.
de duplicatas. Desses, 403 relatos foram conside- A maioria das pesquisas não cita especifica-
rados elegíveis e checados quanto aos critérios de mente as cidades do Brasil onde foi conduzida.
inclusão e exclusão em uma segunda leitura dos Quando essa informação estava disponível, ob-
resumos ou acesso ao artigo completo, sendo 22 servou-se que os estados com maior frequência
excluídos por não atenderem aos critérios estabe- foram São Paulo (41), Rio de Janeiro (39), Rio
lecidos, em especial: não envolver a população de Grande do Sul (20), Ceará (15), Bahia (14), Mi-
interesse, não ter disponibilidade eletrônica, não nas Gerais (11), em geral abrangendo as capitais.
ter sido publicado em periódico científico, não O Brasil também aparece mencionado como lo-
ter sido realizado no Brasil e não contar com a cal de realização em 23 estudos, juntamente com
participação de pesquisadores(as) brasileiros(as). outros países.
No final, 381 publicações foram incluídas nesta
revisão de escopo (Figura 1). A lista dos estu- Instituições e financiamentos envolvidos
dos incluídos é apresentada no material suple-
mentar (Apêndice 2, disponível em: https://doi. A respeito da instituição de filiação do(a)
org/10.48331/scielodata.MVLPDP). primeiro(a) autor(a), a Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) apareceu em 60 publicações (16%),
Publicações por ano e periódico principalmente por meio do Instituto Nacional
de Infectologia Evandro Chagas e da Escola Na-
Os estudos incluídos foram publicados de cional de Saúde Pública Sergio Arouca, ambas no
setembro de 1985 a fevereiro de 2022, sendo 61 Rio de Janeiro. Entre as filiações a departamentos
deles (16%) de 2021. Na análise temporal das pu- ou programas de pós-graduação de universida-
blicações por ano, percebeu-se que, a partir de des, destacaram-se a Universidade de São Paulo
2016, um crescimento acentuado de publicações (USP), com 43 autores (11%), representada por
pode ser verificado, com pico em 2019, seguido seus campi na capital e em Ribeirão Preto, segui-
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Identificação de estudos em bases de dados

Identificação Registros identificados: Registros excluídos


PubMed (n = 563) antes da triagem:
BVS (n = 224)
Scopus (n = 120) Registros duplicados
Web of Science (n = 23) excluídos (n = 271)

Registros rastreados Registros excluídos


(n = 749) (n = 346)

Relatos procurados para Relato não disponível


Triagem

elegibilidade (n = 1)
(n = 403)

Relatos excluídos:
Relatos avaliados para Não foi publicado em periódico (n = 8)
elegibilidade Não foi realizado no Brasil (n = 5)
(n = 402) Não têm pesquisador(a) brasileiro(a) (n = 4)
Não aborda população BGBTQI+ (n = 4)
Incluídos

Estudos incluídos na revisão


(n = 381)

Figura 1. Fluxograma da seleção de estudos.

Fonte: Autores, com base no PRISMA22.

da da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Entre os 194 contaram com fomento nacional, as
(UFRGS), com 22 (6%), da Universidade Fede- principais agências citadas foram o Conselho Na-
ral de Minas Gerais (UFMG), com 17 (5%) e da cional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
Universidade Federal da Bahia (UFBA), com 10 gico (CNPq), em 80 publicações (41%), a Coor-
(3%). denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Os estudos internacionais dos quais partici- Superior (Capes), em 50 publicações, (26%) e al-
param pesquisadores(as) brasileiros(as) (11%) guns departamentos do Ministério da Saúde, em
foram representados por instituições localizadas 42 (22%). Vale também destacar a participação
nos Estados Unidos (University of California, das fundações de amparo à pesquisa (FAP) refe-
Cancer Center and Research Institute, Gladstone ridas em 48 publicações (25%), principalmente a
Institute of Virology and Immunology, San Fran- do estado de São Paulo (FAPESP).
cisco Department of Public Health) e na Austrá- De 43 pesquisas que contaram apenas com
lia (University of New South Wales). apoio de instituições de fomento internacional,
Quanto ao financiamento, pouco mais de nota-se que houve mais financiamento do NIAID
um terço das publicações (130) não apresentou – National Institute of Allergy and Infectious Di-
dados sobre fontes de fomento, enquanto 22 es- seases, dos Estados Unidos, presente em 18 delas
tudos referiram não ter recebido qualquer apoio. (42%), seguido da empresa de biofarmacologia
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Ano

Gráfico 1. Distribuição de publicações LGBTQIA+ por ano.

Fonte: Autores.

americana Gilead Sciences, em nove (21%), do sexo com homens (HSH) (142 publicações),
UNAIDS – United Nations Programme on HIV/ mulheres pansexuais (uma publicação), homens
AIDS, em oito (18%), do UNODC – United Na- pansexuais (uma publicação) e não-binários (seis
tions Office on Drugs and Crime, também em publicações). Vale ressaltar que várias publica-
oito pesquisas (18%). Além disso, de 225 estudos ções trouxeram mais de uma população estudada
que informaram algum tipo de financiamento, 30 (Gráfico 2).
(13%) receberam financiamento de instituições Os temas abordados nos estudos foram bas-
de fomento de pesquisa nacionais e internacio- tante diversificados, sendo agrupados por simila-
nais. ridade quando possível: 1) HIV; HIV e Aids; HIV
e sífilis; HIV e DST; HIV e Entamoeba histolyti-
Categorias LGBTQIA+ e temas abordados ca; HIV e tuberculose; HIV, sífilis e hepatites B e
nos estudos C; TARV – terapia anti-retroviral; HAART – te-
rapia antirretroviral altamente ativa; PrEP – pro-
Os 381 estudos citam a população LGBT- filaxia pré-exposição (145 publicações); 2) acesso
QIA+ com nomenclaturas diversas, sendo aqui a serviços de saúde ou atenção à saúde (35 publi-
apresentada em 17 subgrupos: lésbicas (98 pu- cações); 3) DST e IST – Doenças e infecções se-
blicações), gays (116 publicações), mulheres xualmente transmissível; HPV – papilomavírus
bissexuais (76 publicações), homens bissexuais humano; HSV – vírus herpes simples; Chlamy-
(85 publicações), mulheres transexuais (103 pu- dia trachomatis; Neisseria gonorrhoeae e sífilis;
blicações), homens transexuais (83 publicações), HTLV-1 – human T cell lymphotropic virus type
mulheres transgêneros (72 publicações), homens 1; sífilis; vaginose bacteriana (18 publicações); 4)
transgêneros (34 publicações), travestis (93 pu- COVID-19 (14 publicações); 5) política de saúde
blicações), queers (nove publicações), intersexu- (14 publicações); 6) violência; violência sexual;
ais (14 publicações), assexuais (quatro publica- violência simbólica; discriminação; homofobia;
ções), mulheres que fazem sexo com mulheres estigma (14 publicações); 7) saúde mental; suicí-
(MSM) (seis publicações), homens que fazem dio; comportamento suicida (13 publicações); 8)
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40,00% 37,2
35,00%
30,4
30,00%
27,0
25,7
24,4
25,00%
21,7 22,3
19,9
20,00% 18,8

15,00%

10,00% 8,9

5,00% 3,6
1,5 1,5 2,3
0,2 0,2 1,0
0,00%
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Gráfico 2. Distribuição da população pela porcentagem de publicações.

Nota: em algumas publicações, mais de uma população foi estudada.

Fonte: Autores.

sexo anal receptivo desprotegido; comportamen- Os demais temas a seguir foram abordados
to sexual; sexo inseguro intencional; sexo pago; em uma publicação apenas: privação da liberda-
sexo protegido (12 publicações); 9) processo de de, união civil, acesso à trabalho, alimentação e
redesignação sexual (11 publicações); 10) escala nutrição, atendimento ginecológico, atividade
de atitudes; Escala Multidimensional de Precon- física, autoestima, avaliação da voz, câncer anal,
ceito Sexual; questionário de conhecimento so- câncer de próstata, comportamento, comporta-
bre homossexualidade; Reactions to Homosexua- mento em saúde, direitos, direitos e acesso à saú-
lity Scale/Transsexual Voice Questionnaire; ATLG de, disforia de gênero, dispositivo cis-heteronor-
– Attitudes Toward Lesbians and Gay Men Scale, matividade, diversidade sexual, envelhecimento,
(sete publicações); 11) uso de hormônios; uso de estigma, legislação e saúde, fator neurotrófico de-
silicone líquido industrial (sete publicações); 12) rivado do cérebro, homoparentalidade, microbi-
uso de drogas; uso sexualizado de drogas; abuso cida retal, nome social, padrões de acasalamento,
de álcool (sete publicações); 13) hepatite B; he- políticas públicas, preferências esportivas, preva-
patite A; hepatite C; hepatites (seis publicações); lência de carga viral em LGB, privação de liber-
14) pesquisa; produção do conhecimento (seis dade, processo de criminalização, Projeto Escola
publicações); 15) formação em saúde (5 publica- sem Homofobia, qualidade de vida, rede de ser-
ções); 16) família (quatro publicações); 17) iden- viços, rede social, religião, representação política,
tidade de gênero (quatro publicações); 18) repre- resistência medicamentosa, sistema sexo-gênero,
sentação social (quatro publicações); 19) doação tuberculose, terapias de conversão, transgende-
de sangue (três publicações); 20) vulnerabilidade rismo.
em saúde; vulnerabilidade feminina; vulnerabili- Observa-se que, dos principais temas rela-
dade social (três publicações); 21) movimentos cionados com as populações mais estudadas,
LGBT (três publicações); 22) serviços de concep- houve maior quantidade de publicações de HIV/
ção; tecnologias reprodutivas (duas publicações); Aids relacionado à HSH (57%) e gays (21%). Em
23) morfologia cerebral (duas publicações). relação a DST/IST, nota-se maior concentração
3842
Domene FM et al.

de publicação da população de HSH (44%) e de Rede da coautoria e de palavras recorrentes


gays (28%). A respeito de acesso e atenção à saú- nos títulos dos artigos
de, houve maior frequência de publicações sobre
mulheres transexuais (57%), travestis (49%) e Uma análise bibliométrica da rede de coau-
lésbicas (46%). COVID-19 apresenta maior re- toria dos artigos incluídos nesta revisão foi re-
lação de publicação com população de lésbicas alizada com o propósito de caracterizar a rede
(50%) e gays (43%). O tema política de saúde teve de colaboração em pesquisa relacionada com a
mais publicações relacionadas a mulheres tran- população tema. A análise considerou todos os
sexuais (79%), gays e lésbicas (71%) e nenhuma documentos incluídos neste estudo, e adotou o
publicação acerca de HSH. O tema violência foi nome de autores(as) como unidade de análise
mais estudado em populações de travestis (71%) para estimar a força de associação de cada com-
e mulheres transexuais (43%). Apesar de a saúde ponente dessa rede.
mental ser um tema explorado nas publicações, Os artigos selecionados totalizaram 1.749 au-
identifica-se que é pouco estudada nas principais tores(as), entre os quais 1.378 (78,8%) aparece-
populações observadas nas publicações brasilei- ram em apenas um documento e foram excluídos
ras, onde se tem mais estudos sobre mulheres da análise, e 362 (20,7%) apareceram em dois ou
transexuais (39%) e HSH, gays e travestis, com mais artigos incluídos. Desses 362 autores(as),
23% cada. Acerca de comportamento sexual, 280 (77,3%) apresentavam coautoria nos seus ar-
houve maior concentração de publicações sobre tigos e 82 (22,7%) eram autores(as) isolados(as).
HSH (58%). Além disso, o processo de redesig- Para o propósito desta análise, foi considerada
nação sexual apresentou 55% das publicações so- apenas a amostra de autores(as) que tinham ao
bre mulheres transexuais (Tabela 1). menos dois artigos publicados, coautoria e força
Dessas 63 categorias temáticas identificadas, de associação maior que zero. Assim, da amostra
foi feita uma análise sobre tipos de pesquisas e os final, outros nove autores(as) foram excluídos por
temas principais. Constatou-se que, de 224 estu- apresentarem força de associação igual a zero.
dos quantitativos, a maioria das publicações foi A Figura 2 apresenta o resultado da rede de
de HIV/Aids (111) e COVID-19 (oito). Das 116 coautoria. A partir da inspeção visual, foi pos-
pesquisas com delineamento qualitativo, desta- sível identificar dois grupos de colaboração que
ca-se a maior concentração de estudo de acesso se destacam pela concentração de conexões.
e atenção à saúde (22) e HIV/Aids (21). Das 38 Também é possível verificar que existem muitos
revisões, houve mais publicações voltadas a HIV/ grupos de autores(as) que ocupam a “periferia”
Aids (12), acesso e atenção à saúde (seis) e polí- da rede de colaboração e apresentam menos
tica de saúde (seis). De três estudos mistos, hou- conexões quando comparados com os grandes
ve mais publicações a respeito de saúde mental grupos centrais. Isso pode refletir uma condição
(duas) e HIV/Aids (uma). relativamente comum em redes de pesquisa, que

Tabela 1. Distribuição dos temas mais frequentes nas publicações conforme especificidade da população
LGBTQIA+.
Subgrupos da população LGBTQIA+
Total
Mulheres
Temas mais frequentes HSH Gays Lésbicas Travestis de cada
transexuais
n (%) n (%) n (%) n (%) temática
n (%)
HIV/Aids 82 (57) 31 (21) 21 (14) 16 (11) 19 (13) 145
Acesso e atenção à saúde 3 (9) 15 (43) 20 (57) 16 (46) 17 (49) 35
DST/IST 8 (44) 5 (28) 2 (11) 4 (22) 4 (22) 18
COVID-19 5 (36) 6 (43) 4 (29) 7 (50) 3 (21) 14
Política de saúde 0 (0) 10 (71) 11 (79) 10 (71) 8 (57) 14
Violência 4 (29) 4 (29) 6 (43) 4 (29) 10 (71) 14
Saúde mental 3 (23) 3 (23) 5 (39) 2 (15) 3 (23) 13
Comportamento sexual 7 (58) 2 (17) 2 (17) 1 (8) 0 (0) 12
Processo de redesignação sexual 2 (18) 1 (9) 6 (55) 1 (9) 1 (9) 11
Nota: em algumas publicações, mais de uma população foi estudada.

Fonte: Autores.
3843

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Figura 2. Rede de coautoria dos artigos selecionados, geral e foco nos dois maiores grupos de coautoria.

Fonte: Autores, elaborado com suporte do software VOSviewer.

geralmente se concentram em alguns pesquisa- knowledge, acceptability), bem como a indicação


dores(as) que atuam como hubs, conectando ou- de localidades (ex.: Brasil, Rio, Belo Horizonte,
tros(as) pesquisadores(as) individualmente ou São Paulo, Salvador).
em grupos.
A segunda análise realizada, sobre os termos
recorrentes nos títulos dos artigos, é apresentada Discussão
na Figura 3. Esta análise seguiu as mesmas etapas
e critérios da análise de coautoria, com a diferen- Esta revisão rápida de escopo identificou 381 ar-
ça de ter como unidade de análise os termos com tigos, que proporcionaram um mapeamento da
recorrência igual ou maior que 5. Dos 1.259 ter- produção científica brasileira sobre a saúde da
mos encontrados nos títulos, 64 atenderam aos população LGBTQIA+. Os resultados mostram
critérios de inclusão desta análise. que um pouco mais da metade dos estudos foi
Foi possível identificar que alguns termos publicada em revistas nacionais, com a maioria
apresentam maior recorrência e força de as- do delineamento metodológico categorizada
sociação, em especial Brazil, Man e Sex, que se como quantitativa (transversal, coorte, caso-con-
destacam na rede como aquelas com maior re- trole, ecológico), com destaque para os estudos
corrência e número de conexões. A ocorrência quantitativos transversais que representam 43%
de termos que descrevem a população LGBT- das publicações. Além disso, pouco mais de um
QIA+ (ex.: transgender, bisexual, lesbian) e con- terço das publicações não apresentou informa-
dições de saúde ou aspectos epidemiológicos ções a respeito do financiamento para elaboração
(ex.: HIV/Aids, mental health, infection, preva- da pesquisa.
lence) também foi observada. Palavras relacio- Entre as categorias LGBTQIA+, as mais cita-
nadas a aspectos sociais e de equidade também das foram lésbicas, gays, mulheres bissexuais, ho-
foram constantes (ex.: discrimination, willingness, mens bissexuais, mulheres transexuais, homens
3844
Domene FM et al.

Figura 3. Rede de palavras mais recorrentes nos títulos dos estudos selecionados.

Fonte: Autores, elaborado com suporte do software VOSviewer.

transexuais, mulheres transgêneros e travestis. saúde-doença. Desse modo, a Política LGBT tem
De acordo com os temas abordados nos estudos, como objetivo ampliar o acesso aos serviços do
destacam-se os avanços em pesquisas sobre HIV/ SUS, garantir o respeito e acolhimento das de-
Aids e DST/IST. A respeito de acesso e atenção mandas e necessidades dessa população e insti-
à saúde, houve maior frequência de publicações tuir mudanças na determinação social da saúde,
sobre mulheres transexuais, travestis e lésbicas. a fim de diminuir as desigualdades em saúde
Dessa forma, mesmo com o aumento da produ- para LGBTQIA+2.
ção científica acerca da saúde da população LGB- Mandarino et al.11 (2019) investigam a visibi-
TQIA+ ao longo dos anos, os dados apresentam lidade de pessoas LGBT nas pesquisas em saúde
desafios e barreiras sobre as especificidades de- pública por meio da identificação de projetos de
mandas e necessidades dessa população que pre- pesquisas voltados à Política LGBT nos editais do
cisam ser estudados. Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS). Pri-
A Política Nacional de Saúde Integral de Lés- meiramente, observam que a Agenda Nacional de
bicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais Prioridades de Pesquisa em Saúde, que alicerça o
legitima e estabelece garantias para o direito à edital do PPSUS, não registra como prioritário o
saúde da população LGBTQIA+ e reconhece tema de pesquisa referente à população LGBT.
que a discriminação e a exclusão dessa popula- Ao analisar os registros dos sites das fundações
ção causam efeitos nocivos em seu processo de estaduais de amparo à pesquisa e do Distrito Fe-
3845

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deral no período de 2009 a 2018, constatam um vestilidade-transexualidade-saúde está mudando
baixo número de contemplações de projetos de da centralização do adoecimento para o aumento
pesquisa relacionados à saúde LGBT nos editais da compreensão de aspectos sociais, organizacio-
do PPSUS. O mapeamento da produção cientí- nais e políticos que interferem no acesso dessa
fica brasileira realizado em nosso estudo vai ao população aos serviços de saúde. No entanto,
encontro à constatação de Mandarino e colabo- apesar da disponibilidade crescente de publica-
radores. Identificamos 381 artigos publicados em ções, o estudo alerta para a falta de pesquisas que
periódicos científicos a partir de 1985 relacio- apresentem as necessidades de saúde dessa popu-
nados à saúde de pessoas LGBTQIA+. Aproxi- lação e auxiliem na implementação de ações para
madamente 52% desses artigos não informaram garantir a equidade diante desse cenário.
suas fontes de financiamento ou não receberam Muitos estudos sobre infecções sexualmente
qualquer apoio financeiro nacional (sem finan- transmissíveis foram identificados, com destaque
ciamento: 22; financiamento internacional: 43). para HIV/Aids. Porém, poucos estudos sobre he-
Oliveira10 aborda a representatividade LGBT- patite viral, destacada pela Política LGBT como
QIA+ em pesquisas epidemiológicas a partir da prioritária2. Resultados semelhantes foram apon-
Política Nacional de Saúde Integral LGBT. O au- tados por Chaves e Silva12 em 2020, indicando
tor destaca que as falhas nos sistemas de informa- que a produção científica a respeito da população
ções em saúde, seja pela não inclusão dos campos LGBT aborda principalmente a temática HIV/
de orientação sexual e identidade de gênero ou Aids, enquanto outras questões de saúde ainda
pela subnotificação devido ao preconceito e não são de interesse recente.
preenchimento desses campos, compromete o Um dos objetivos específicos da Política
conhecimento e identificação da morbimorta- LGBT se refere à prevenção de cânceres gine-
lidade de LGBTQIA+ no Brasil, prejudicando o cológicos e ampliação do acesso a tratamentos
planejamento de pesquisas no campo da saúde qualificados para populações de lésbicas e mu-
dessa população. Nesse sentido, o Atlas da Vio- lheres bissexuais2. Não foi identificado nenhum
lência 20219 apontou que 98,8% dos registros na estudo específico sobre cânceres ginecológicos,
ficha de notificação de agravo não possuíam a e seis estudos incluídos abordam o acesso a ser-
informação de identidade de gênero: “porque a viços, atendimento ou cuidado ginecológico
metodologia é incapaz de conceber cisgenerida- dessas duas populações. Já entre as populações
de enquanto identidade de gênero, uma vez que de gays, homens bissexuais, travestis e mulheres
a naturaliza, categorizando tudo o que dele for transexuais, a Política ressalta a necessidade de
divergente enquanto desviante” (p. 62). O plano prevenção do câncer de próstata2. Um estudo en-
operativo da Política Nacional de Saúde Integral contrado avaliou esse tema, enquanto outro ava-
LGBT2 ressalta, no Eixo 1, o “aperfeiçoamento liou a qualidade de vida e função sexual de HSH
dos sistemas de informação, inserindo os quesi- diagnosticados com câncer anal.
tos orientação sexual e identidade de gênero e a A Política de Saúde Integral LGBT preconiza
realização de estudos e pesquisas sobre a situação o fomento de ações que superem o preconceito, a
de saúde dessa população” (p. 28). Assim como discriminação e a estigmatização de LGBTQIA+
apresenta o objetivo específico de qualificar os no SUS2. Nesta revisão de escopo, 17 estudos
sistemas de informações em saúde, com a inclu- abordaram essas temáticas e cinco analisaram a
são da coleta, processamento e análise de dados formação de profissionais de saúde em relação ao
étnico-racial2. Nossa análise bibliométrica não cuidado e à atenção a essa população.
encontrou nenhum estudo em relação à temática Apenas nove pesquisas abordaram a temática
de registros de identidade de gênero ou orienta- de saúde mental, e foram realizadas entre 2017
ção sexual nos sistemas de informações do SUS. e 2021, utilizando as seguintes abordagens: pre-
Também não foi identificado nenhum estudo in- valência de distúrbios, violência, atendimento a
cluindo recortes de raça/cor ou mesmo de classe transexuais, perfis de exterioridade, impacto de
social referente à população LGBTQIA+. Apenas cada domínio de afirmação de gênero (social,
dois estudos investigaram a notificação de infor- legal e médico/cirúrgico), maus-tratos na infân-
mações com a temática de violência perpetrada cia, incongruência de gênero, indicadores e fa-
contra LGBTQIA+. tores associados. Segundo Abade et al.24 (2020),
O estudo de Lima e colaboradores23 revelou, tem-se observado um número significativo de
por meio de uma análise bibliométrica de teses e revisões de literatura sobre a saúde mental LGBT
dissertações brasileiras, que o foco ao longo dos em publicações internacionais25. Já na literatura
últimos 20 anos dessas produções acerca da tra- nacional e latino-americana, ainda há poucas re-
3846
Domene FM et al.

visões abordando esse aspecto. A necessidade de cinzenta, limitando-se aos dados sobre estudos
atenção especial à assistência à saúde mental de publicados. Em geral, é plausível que exista uma
pessoas LBGTQIA+ é prevista pela Política Na- diversidade de pesquisas que não foram publica-
cional2. Segundo Peres26, a população de travestis das como artigos em revistas científicas, mas no
apresenta sintomas como crises de ansiedade, an- presente estudo, a questão de interesse foi deli-
gústias, depressão e síndrome do pânico decor- mitada para abordar exatamente esta forma de
rentes da estigmatização vivenciada. Esses são fa- disseminação. Não há indícios de que os resul-
tores que podem levar a várias situações de risco, tados apresentados mudariam de forma impor-
como uso de álcool e outras drogas. Nesse con- tante com a inclusão da literatura cinzenta, mas é
texto, deve-se reconhecer a necessidade de mais preciso considerar que a inclusão desses estudos
estudos sobre a saúde mental de pessoas LGBT- poderia amplificar e melhorar a confiança nos re-
QIA+, a fim de contribuir para o planejamento sultados apresentados. Outra limitação identifi-
das ações de saúde pública para esta população. cada decorre da análise temática, que considerou
No mapeamento que realizamos, identifi- principalmente os títulos e resumos, podendo
camos outra lacuna referente à população de haver imprecisões em face da insuficiência de in-
travestis, apresentada pela Política LGBT como formações neles apresentadas. Por fim, a análise
uma população de risco para uso prolongado de bibliométrica foi baseada apenas nos dados ex-
hormônios, uso excessivo de medicamentos, dro- traídos diretamente dos registros bibliométricos,
gas e fármacos e alta morbimortalidade. Foram providos pelas bases indexadas onde a busca foi
encontrados poucos estudos abordando essas realizada, e não foram checados individualmen-
temáticas como tema central e investigando essa te, podendo haver algum erro ou imprecisão pré-
população específica. vios, mas é improvável que sejam circunstâncias
Ações e serviços específicos à população que afetem de forma importante as redes de asso-
LGBT são fundamentais para a manutenção da ciação constituídas na análise.
saúde e da qualidade de vida dessas pessoas.
Questões relacionadas a orientação sexual, se-
xualidade e práticas sexuais podem ser conside- Considerações finais
radas sensíveis também em serviços de saúde, e
uma vez que não há garantias de acesso ou de Houve crescimento da produção científica de
confidencialidade do atendimento, muitas pesso- autores(as) brasileiros(as) alguns anos após a
as podem não utilizar os serviços de que preci- criação da Política Nacional de Saúde Integral
sam, com consequências negativas para a saúde. LGBT, com cerca da metade dos estudos sendo
Desse modo, garantir a privacidade, a confiden- publicados em revistas nacionais. Observamos
cialidade e a tomada de decisão informada são que a maioria dos estudos analisou infecções
importantes, especialmente na prestação de ser- sexualmente transmissíveis em suas diversas
viços27. populações. Identificamos lacunas de deman-
Este estudo apresenta algumas limitações. das, necessidades e vulnerabilidades ressaltadas
Primeiramente, por ser uma revisão de escopo na Política e nos manuais de saúde consultados,
rápida, é possível que não tenha coberto a tota- principalmente nas especificidades de saúde de
lidade dos estudos importantes no seu processo cada população presente na sigla LGBTQIA+.
de busca e seleção, no entanto, a busca estrutu- Essa defasagem de pesquisas focais pode dificul-
rada e o processo de seleção duplicado e checado tar na elaboração de ações específicas para alcan-
podem ter ajudado a minimizar os riscos rela- çar maior integralidade e equidade no cuidado
cionados a tal limitação. Além disso, não foram da população LGBTQIA+ brasileira.
incluídas teses e dissertações, nem a literatura
3847

Ciência & Saúde Coletiva, 27(10):3835-3848, 2022


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