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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

AFONSO CELSO VANONI DE CASTRO

PARÂMETROS PARA A OCUPAÇÃO SUSTENTÁVEL DE ÁREAS DE


FUNDO DE VALE NO MEIO URBANO:
o caso da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré, São Paulo

SÃO PAULO
2020
AFONSO CELSO VANONI DE CASTRO

PARÂMETROS PARA A OCUPAÇÃO SUSTENTÁVEL DE ÁREAS DE


FUNDO DE VALE NO MEIO URBANO:
o caso da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré, São Paulo

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo, da Universidade Presbiteriana
Mackenzie-São Paulo para obtenção de título
de doutor em arquitetura e urbanismo

Área de Concentração: Urbanismo Moderno


Contemporâneo: representação e intervenção.

Orientadora: Profª. Drª. Angélica Tanus Benatti


Alvim.

SÃO PAULO
2020
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,
POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E
PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Assinatura: E-mail: afonso.castro@mackenzie.br

C355p Castro, Afonso Celso Vanoni de.


Parâmetros para a ocupação sustentável de áreas de fundo de vale no meio urbano:
o caso da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré, São Paulo. /
Afonso Celso Vanoni de Castro.
348 f.: il.; 30 cm

Doutorado (Tese em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie,


São Paulo, 2021.
Orientadora: Angélica Tanus Benatti Alvim.
Referências bibliográficas: f. 341-348.

1. Avenidas de fundo de vale. 2. Sustentabilidade ambiental urbana.


3. Parâmetros urbanísticos. I. Alvim, Angélica Aparecida Tanus Benatti, orientadora.
II. Título.

CDD 711.40981

Bibliotecária Responsável: Andrea Alves de Andrade - CRB 8/9204


AFONSO CELSO VANONI DE CASTRO

PARÂMETROS PARA A OCUPAÇÃO SUSTENTÁVEL DE ÁREAS DE FUNDO DE


VALE NO MEIO URBANO:
o caso da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré, São Paulo

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Universidade
Presbiteriana Mackenzie-São Paulo como requisito parcial à
obtenção de título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo

Aprovada em 26 de fevereiro de 2021.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________
Profª. Drª. Angélica Tanus Benatti Alvim
Universidade Presbiteriana Mackenzie

________________________________________
Prof. Dr. Antonio Eduardo Giansante
Universidade Presbiteriana Mackenzie

____________________________________________
Profª. Drª. Luciana Rodrigues Fagnoni Costa Travassos
Universidade Federal do ABC

_____________________________________
Profª. Drª. Emilia Wanda Rutkowski
Universidade Estadual de Campinas

____________________________________________
Prof. Dr. Valter Luiz Caldana Junior
Universidade Presbiteriana Mackenzie
AGRADECIMENTOS

Agradeço em especial à minha orientadora Angélica Tanus Benatti Alvim, pelas


conversas esclarecedoras, sólido apoio, dedicação, as longas horas de orientação, incentivos
para publicação de artigos e para a participação de pesquisas paralelas que contribuíram
muito para a realização deste trabalho.
Ao meu companheiro Vinicius e à minha filha Mariana pela paciência, pelos cuidados
comigo, pela ajuda em revisões e traduções de textos e na tarefa de sua formatação.
Aos colegas dessa jornada do doutorado Isabel Camañes, Lara Lopes, Paulo Olivato,
Alexandre Martins, Júlio Gadelha, Eduardo Abrunhosa, pelas discussões e pelos momentos
de descompressão e bom humor que fizeram falta nessa solitária etapa final.
Aos professores que nos acompanharam durante do processo com aulas e seminários
inspiradores e esclarecedores: Angélica Alvim, Nadia Somek, Valter Caldana, Luiz Guilherme
Rivera Castro, José Geraldo Simões Junior, Isabel Villac, Ruth Verde Zein, Candido Malta
Campos, Ana Gabriela Godinho e Eunice Abascal.
Aos colegas professores das disciplinas da Graduação com quem partilhei conversas
e que me fizeram sugestões que contribuíram com esse trabalho; Antônio Eduardo
Giansante, Lizete Rubano, Igor Guatelli, Ruth Verde Zein, Teresa Herling, Dante Pauli, Celso
Franco, Antonio Carlos Sant’Anna, Olair de Camilo, Volia Kato, Perola Brocanelli, Celso
Sampaio, Maria Elena Vieira, Luciana Brasil, Paulo Correa, Carlos Arriagada, Paulo Olivato,
José Lavrador Filho, Lucas Fehr, Ricardo Caco Ramos, Luciano Margotto, Ricardo Medrano,
Roberto Righi, Rodrigo Loeb, Roseli Delboux, Maria Augusta Pisani, Sasquia Obata, Viviane
Malzoni, Wilson Florio, Paula Raquel Jorge, Abilio Guerra, Debora Sanches, Fernando de
Mello Franco, Francisco Toledo Piza, Carlos Henrique Heck, Carlos Leite, Guilherme
Michelin, Heraldo Borges, José Augusto Aly e Cesar Shundi.
Ao professor doutor Rodolfo Scarati da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica da
USP que generosamente partilhou dados sobre a bacia hidrográfica do córrego Jaguaré, que
foram fundamentais para as etapas analíticas e propositivas desse trabalho. E ainda a Stella
Goldenstein e Taicia Marques por partilharem informações e contatos sobre o Projeto
Jaguaré.
Às equipes da secretaria da Pós-graduação nas figuras de seus coordenadores Eunice
Abascal e José Geraldo Simões e de secretaria Eva Guadalupe Garcia pelo apoio e
assistência para o cumprimento das atribuições administrativas com o IPM.
Agradeço muito pelo apoio financeiro ao Instituto Presbiteriano Mackenzie por meio de
isenção total de matrícula e mensalidades; e ao Fundo Mack Pesquisa pelo financiamento de
pesquisa “Projetos de Urbanização de Assentamentos Precários: as dimensões da
sustentabilidade”, liderada pela Profª Angélica T B Alvim, da qual tenho o privilégio de
participar como pesquisador.
À equipe de jovens e futuros geógrafos alunos da Geografia da USP que ajudou na
discussão dos métodos e na elaboração das cartografias sobre a evolução da urbanização na
bacia do Jaguaré: Breno Schimdtke, Ana Carolina Nascimento Carvalho e Wesley Cruz.
Ao meu sócio e parceiro Lucas Leão pelo apoio especialmente na etapa final desse
trabalho, suportando minha ausência e pela elaboração e diagramação da capa.
A todos que participaram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho e
que por descuido ou falta de memória não listei nome peço perdão.
Aos familiares e amigos que toleraram também a ausência nos encontros durante
esses quatro anos
E por fim, aos alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo, em especial a Luiza
Parreira pela contribuição na discussão de definição dos métodos de aproximação da área de
estudo e pelas pesquisas de campo.
Meu único desejo é um pouco mais de respeito para
o mundo, que começou sem o ser humano e vai
terminar sem ele – isso é algo que sempre
deveríamos ter presente.

Lévi-Strauss, Tristes trópicos


RESUMO

Esta pesquisa trata da relação entre rios e cidades, seus conflitos e possibilidades de
convivência a partir da reflexão sobre o papel do planejamento urbano e ambiental, integrado
e sistêmico. Tendo como objeto a cidade de São Paulo, parte-se do pressuposto que o
processo de sua ocupação urbana é fruto de uma lógica setorial que desconsiderou a bacia
hidrográfica, promovendo a canalização e/ou o tamponamento dos cursos d’água (rios e
córregos), para a ampliação de áreas urbanizáveis e construção do sistema viário, em áreas
impróprias à urbanização. Como consequência, os efeitos das enchentes e inundações são
cada vez mais danosos ao ambiente e à sociedade. Trata-se de um modelo que foi adotado
em diversas cidades do mundo, ao longo do século XX, mas que vem sendo revertido, por
meio de ações conscientes e planejadas em consonância com as características ambientais
da bacia hidrográfica. A hipótese central da pesquisa é que a ausência de um processo de
planejamento urbano, sistêmico e integrado, na cidade de São Paulo, aliado à não definição
de parâmetros de ocupação urbana compatíveis com as características hidrológicas da bacia
hidrográfica do Alto Tietê, vêm contribuindo para reforçar a lógica setorial de obras e
investimentos públicos que prevaleceu na ocupação das áreas de fundo de vale, e que
culminaram na transformação dos cursos d’ água em componentes da infraestrutura urbana.
Tendo como estudo de caso, a bacia hidrográfica do córrego do Jaguaré, defende-se a
seguinte tese “Para se promover a sustentabilidade de uma bacia hidrográfica urbanizada, há
que se adotar parâmetros de ocupação compatíveis às suas características ambientais, com
especial atenção às características hidrológicas dos cursos d’ água em áreas de fundo de
vale, como parte de um processo de planejamento integrado e sistêmico, base para a
recuperação dos cursos d´água e de sua transformação em elementos estruturais da
paisagem urbana”. A pesquisa se desenvolve em duas partes e quatro capítulos. A Parte 1,
com dois capítulos, organiza as referências teóricas e projetuais, contextualiza o problema da
relação rio e cidade; sintetiza a experiência americana com novas abordagens para
urbanização em orlas fluviais e fundos de vale e apresenta duas importantes referências de
planejamento urbano para o controle de enchentes e inundações: Nova York (EUA) e
Blumenau (Brasil). A parte 2, com dois capítulos, sintetiza o processo de urbanização e os
principais planos para a cidade de São Paulo, que privilegiou a lógica setorial e econômica,
em detrimento à ambiental; a partir do estudo de caso da bacia hidrográfica do córrego
Jaguaré, propõe-se uma metodologia de análise e de mapeamento de algumas dimensões
da sustentabilidade deste território de modo a contribuir para a definição de diretrizes e
orientar novos parâmetros de ocupação urbana em áreas de fundo de vale. Nas
considerações finais, sem desconsiderar a complexidade e amplitude do tema, retomam-se
os principais aspectos da pesquisa, procura-se demonstrar a tese e indicar algumas
recomendações a serem consideradas no planejamento de áreas de fundo de vale, tendo em
vista a promoção de uma ocupação urbana e ambiental sustentável da bacia hidrográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Áreas de fundo de vale; parâmetros urbanísticos e ambientais;


bacia hidrográfica; infraestrutura urbana; Córrego Jaguaré – São Paulo.
ABSTRACT

This research explores the relationship between rivers and cities, their conflicts and
possibilities of coexistence from the reflection on the role of urban and environmental planning,
integrated and systemic. Having as its object the city of São Paulo, it is assumed that the
process of its urban occupation is the result of a sectoral logic that disregarded the
hydrographic basin. This, in part, promoted the channeling and / or buffering of water courses
(rivers and streams), for the expansion of urban areas and construction of the road system, in
areas unsuitable for urbanization. As a result, the effects of floods are increasingly damaging
to the environment and society. This is a model that was adopted in several cities around the
world, throughout the 20th century, but which has been reversed, through conscious and
planned actions in line with the environmental characteristics of the hydrographic basin. The
central hypothesis is that the absence of a systemic, integrated and urban planning process in
the city of São Paulo, combined with the lack of definition of urban occupation parameters
compatible with the hydrological characteristics of the Alto Tietê hydrographic basin, have
contributed to reinforcing the sectoral logic of public works and public investments that
prevailed in the occupation of the valley floor areas – which culminated in the transformation
of water courses into components of urban infrastructure. Taking the Jaguaré stream
hydrographic basin as a case study, the following thesis is defended: “To promote the
sustainability of an urbanized hydrographic basin, it is necessary to adopt occupation
parameters compatible with its environmental characteristics – giving special attention to the
hydrological characteristics of water courses in valley floor areas – as part of an integrated and
systematic planning process, as the basis for the recovery of water courses and their
transformation into structural elements of the urban landscape.” The research is developed in
two parts and four chapters. Part 1, with two chapters, organizes theoretical and projects
references, contextualizes the problem of the river and city relationship; synthesizes the
American experience with new approaches to urbanization on riverbanks and valley bottoms,
and presents two important references of urban planning for flood and flood control: New York
(USA) and Blumenau (Brazil). Part 2, with two chapters, summarizes the urbanization process
and the main plans for the city of São Paulo, which favored the sectorial and economic logic,
to the detriment of the environmental one. Based on the case study of the Jaguaré stream
hydrographic basin, a methodology for analyzing and mapping some dimensions of the
sustainability of this territory is proposed to contribute to the definition of guidelines, as well as
guide new parameters of urban occupation in valley bottom areas. In the final considerations,
without disregarding the complexity and breadth of the theme, the thesis is demonstrated and
some recommendations to be considered in the planning of valley floor areas are indicated,
with a view to promoting a sustainable urban and environmental occupation of the
hydrographic basin.

KEYWORDS: Valley bottom areas; urban and environmental parameters; hydrographic


basin; urban infrastructure; Jaguaré Stream - São Paul

LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 1
Figura: 1.1 - Época Medieval. Ajustamento, Harmonia. ....................................................... 39
Figura: 1.2 - Fase de controle, domínio e regulação, (Cher Chenonceau. Segura em Múrcia
e Túria em Valência). ................................................................................................... 40
Figura: 1.3 - Esculturas que representam respectivamente: o Rio Tejo, (Alexandre Gomes,
Lisboa) a Fonte dos Três Rios, (Francisco Robba Ljubljana) e a Fonte dos Quatro Rios,
(Bernini, Roma). ........................................................................................................... 40
Figura: 1.4 - Thames Riverfront em Londres e Parque das nações em Lisboa. ................... 45
Figura: 1.5 - Parte do Plano do Sistema de Parques do Boston Common, (Parque Público
Central) ao Franklin Park, Boston, MA - Olmsted & Eliot. ............................................. 54
Figura: 1.6 - Mapa do Back Vav Fens. ................................................................................. 55
Figura: 1.7 - Histórico dos aterros em Boston. ..................................................................... 56
Figura: 1.8 - Mapa do Plano de Sistema de túneis e reservatórios TARP, Chicago. ............ 57
Figura: 1.9 - Master Plan South River Platte. Projetos Prioritários. ...................................... 59

CAPÍTULO 2
Figura: 2.1 - Orla Fluvial do Rio Mississipi em Minneapolis, Minnesota, EUA. ..................... 68
Figura: 2.2 - Orla Fluvial do Rio Mississipi em Minneapolis, Minnesota, EUA. ..................... 69
Figura: 2.3 - Parque à beira do Rio Mississipi em Baton Rouge, Lousiana, EUA. ................ 69
Figura: 2.4 - Vista do Rio Mississipi em Baton Rouge, Lousiana, EUA. ............................... 70
Figura: 2.5 - Feira e Centro de Exposições na orla do Rio Mississipi em New Orleans,
Lousiana, EUA. ............................................................................................................ 70
Figura: 2.6 - Vista da orla do Rio Mississipi em New Orleans, Lousiana, EUA. .................... 71
Figura: 2.7 - Vista do Passeio do Rio San Antonio, Texas, EUA. ......................................... 72
Figura: 2.8 - Vista do Passeio do Rio San Antonio, Texas, EUA. ......................................... 72
Figura: 2.9 - Parque do Canal de Erie, Syracuse, Nova York, EUA. .................................... 73
Figura: 2.10 - O Riacho Nine Mile, Syracuse, Nova York, EUA. ........................................... 73
Figura: 2.11 - Vista do Parque Linear do Riacho Onondaga, Syracuse, Nova York, EUA. ... 74
Figura: 2.12 - Integração das infraestruturas de baixo impacto (LID), ao sistema hidrológico
natural. ......................................................................................................................... 78
Figura: 2.13 - A infraestrutura convencional e a infraestrutura verde. .................................. 78
Figura: 2.14 - Referencias de sistema de rede de drenagem convencional versus sistema LID.
..................................................................................................................................... 79
Figura: 2.15 - Cortes esquemáticos comparando os sistemas convencionais de drenagem e
os sistemas LID. .......................................................................................................... 79
Figura: 2.16 - A abordagem sistêmica das soluções LID aplicadas em diferentes escalas: do
lote à rede de infraestrutura de uma cidade. ................................................................ 80
Figura: 2.17 - Soluções LID aplicadas na escala do lote. ..................................................... 80
Figura: 2.18 - Soluções LID aplicadas na escala do bairro................................................... 81
Figura: 2.19 - Ecobulevares: áreas urbanas centrais que fazem o tratamento de água pluvial.
..................................................................................................................................... 81
Figura: 2.20 - Estratégia LID aplicada em sistemas de espaços abertos. ............................ 82
Figura: 2.21 - Mapa de inundação atual e para 2050 para a cidade de Nova York, EUA. .... 92
Figura: 2.22 - As relações entre densidade e situações de risco previstas. ......................... 94
Figura: 2.23 - Ampliação das planícies de inundação para todos os lotes atingidos. ........... 94
Figura: 2.24 - A extensão das regras de flexibilização das bases para definição de altura dos
edifícios........................................................................................................................ 96
Figura: 2.25 - Referencias que explicitam a importância para a paisagem urbana de se adotar
um mesmo padrão para todas as edificações. ............................................................. 96
Figura: 2.26 - Objetivo 2: Referências sobre a possibilidade de se descontar toda a área do
andar térreo em edifícios situados nas zonas de inundação de 1% de chance atual. .. 97
Figura: 2.27 - Objetivo 2: Referências sobre a possibilidade de se descontar toda a área do
andar térreo em edifícios situados nas zonas de inundação de 1% de chance anual. . 97
Figura: 2.28 - Objetivo 3: Flexibilização de adaptações parciais em edifícios. ..................... 98
Figura: 2.29 - Objetivo 4: Agilizar a emissão de autorizações para os processos de adaptações
parciais em edifícios ou loteamentos localizados em áreas de inundação,
independentemente das regras de zoneamento subjacentes, quando tiver sido declarado
estado de emergência. ................................................................................................. 99
Figura: 2.30 - Zoneamentos específicos com medidas de proteção para 4 bairros. ........... 100
Figura: 2.31 - Gestão integrada de proteção e Defesa Civil. ............................................. 101
Figura: 2.32 - Mapa produzido pelo engenheiro Abel Diniz Mascarenhas e publicado em 1939,
contendo a mancha das inundações do período de 1851 à 1935 e as áreas atingidas
pelas enchentes de 1911, 1927 e 1935...................................................................... 105
Figura: 2.33 - As linhas de atuação do PDPDN composto de medidas estruturais e não
estruturais. ................................................................................................................. 108
Figura: 2.34 - Proposta de criação de um parque como área de inundação para margem
esquerda do Rio Itajaí-Açu, no centro de Blumenau. ................................................. 109
Figura: 2.35 - Na margem à esquerda, proposta da Prefeitura para a recuperação ambiental
da margem esquerda e, à direita, o parque existente na margem direita. .................. 111
Figura: 2.36 - Desbarrancamento na margem esquerda, em 2011 (esquerda). Obras de
recuperação das margens, em 2015 (direita). ............................................................ 112
Figura: 2.37 - Esquema do projeto de recuperação da margem esquerda do Rio Itajaí-Açu em
Blumenau. .................................................................................................................. 112
Figura: 2.38 - Mapa da mancha de evolução urbana de Blumenau, (1966, 1978, 1993, 2003).
Do centro para a periferia: em bege claro, a mancha de urbanização de 1966; em bege
mais escuro, a de 1978; em laranja, a de 1993 e, em vermelho a de 2003. ............... 115
Figura: 2.39 - Mapa de restrições ao zoneamento, uso e ocupação do solo. Em destaque, a
área com as manchas de inundação situadas ao norte a ser analisada. .................... 116
Figura: 2.40 - Destaque da área em estudo onde se observa a região central da cidade, com
um grande meandro do Rio Itajaí-Açu na altura da foz do Córrego Itoupava e do Ribeirão
da Velha. .................................................................................................................... 117
Figura: 2.41 - Recorte de foto de satélite aproximada da área de estudo, mostrando a
urbanização atual. Essas áreas serão analisadas nas próximas imagens em escala
maior. ......................................................................................................................... 118
Figura: 2.42 - Região da foz do Córrego Itoupava. Em azul, ARCO (áreas inundáveis); em
verde, APP's (topo de morro) e, em laranja, ZEIS, conforme PD de Blumenau.......... 119
Figura: 2.43 - Foto de satélite aproximada da mesma região vista na imagem PD mostrando
ocupações em áreas inundáveis e desflorestamento em áreas de APP (topo de morros).
................................................................................................................................... 119
Figura: 2.44 - Ampliação da imagem da cartografia do PD em 2010, mostrando ARCO, ZEIS
e APP's. ..................................................................................................................... 120
Figura: 2.45 - Ampliação da imagem da foto de satélite da área, em 2020, com as
transformações ocorridas nas áreas demarcadas como ARCO e APP no PD em 2010.
................................................................................................................................... 120
Figura: 2.46 - App em topo de morro demarcada do PD e desmatada em 2020. A seta em
vermelho indica a localização da Rua Cláudia Sievert, presente na figura 55, na ZEIS
igualmente demarcada no plano. ............................................................................... 121
Figura: 2.47 - Vista da Rua Cláudia Sievert na área ZEIS, em 2019. As tipologias são casas
térreas adaptadas a cortes nos terrenos íngremes. Ao fundo, se vê assentamentos em
áreas de grande declividade e parte da área na APP ainda íntegra. .......................... 121
Figura: 2.48 - Vista da Rua São Rafael, na área de ZEIS, em 2019. As tipologias são casas
térreas em uma área com pouca declividade e ruas sem pavimentação, sem guias e
sarjetas para condução do escoamento superficial. ................................................... 122
Figura: 2.49 - Vista do final da Rua São Rafael. A área em frente é inundável, e no muro à
esquerda se vê a marca das enchentes. .................................................................... 123
Figura: 2.50 - Casa na Rua Vereador Romário da Conceição Badia, adaptada às enchentes.
................................................................................................................................... 123
Figura: 2.51 - Padrões tipológicos expostos a riscos de inundação e de deslizamento na
mesma rua. ................................................................................................................ 124

CAPÍTULO 3

Figura: 3.1 - Mapa esquemático do sistema de represas em São Paulo no primeiro quartel do
século XX. .................................................................................................................. 134
Figura: 3.2 - Vista frontal da usina Henry Borden em Cubatão. ......................................... 135
Figura: 3.3 - Obras de retificação do Rio Pinheiros, 1980. ................................................. 137
Figura: 3.4 - Mapa geomorfológico da cidade de São Paulo. ............................................. 138
Figura: 3.5 - Túnel da Avenida 9 de Julho em construção, com o Belvedere Trianon, 1939,
(Autor: B.J.Duarte). .................................................................................................... 140
Figura: 3.6 - Aquarela de Prestes Maia para o Plano de Avenidas. Na imagem, o Vale do
Anhangabaú............................................................................................................... 149
Figura: 3.7 - Plano de Avenidas. Perfil transversal da artéria de 1ª classe. ........................ 150
Figura: 3.8 - Via Expressa Marginal, Robert Moses. .......................................................... 151
Figura: 3.9 - Plano Urbanístico Básico (PUB), malha viária com simulação de carregamento.
................................................................................................................................... 152
Figura: 3.10 - Mapa simplificado da Lei de Zoneamento de São Paulo de 1972. ............... 155
Figura: 3.11 - Obras na Avenida do Estado em São Paulo, 1969. ..................................... 156
Figura: 3.12 - Município de São Paulo: loteamentos irregulares implantados entre 1941 e 1980.
................................................................................................................................... 159
Figura: 3.13 - Cohab Itaquera, 1930. ................................................................................. 160
Figura: 3.14 - Mapa do Macrozoneamento do PD 2002 (em verde as Macrozonas de Proteção
Ambiental). ................................................................................................................. 165
Figura: 3.15 - Mapa da Rede Hídrica estadual do PDE 2002. ............................................ 166
Figura: 3.16 - Áreas de Intervenção Urbana - Parques Lineares. ...................................... 169
Figura: 3.17 - Córrego Cruzeiro do Sul, São Miguel Paulista, antes e depois da urbanização.
................................................................................................................................... 170
Figura: 3.18 - Projeto de Urbanização do Córrego do Sapé, (Renova SP). ........................ 172
Figura: 3.19 - As Macroáreas do PDE 2014, onde se veem os eixos dos principais rios
determinados como Macroárea de Qualificação da Urbanização. .............................. 173
Figura: 3.20 - Mapa das intervenções propostas pelo PIU Arco Tietê. ............................... 175
Figura: 3.21 - Detalhe ampliado do trecho na altura das pontes das Bandeiras e Cruzeiro do
Sul sobre o Rio Tietê. As linhas pontilhadas em verde, nas bordas das avenidas
marginais ao rio, indicam os bulevares; os traçados em azul, córregos a serem
desenterrados; os traçados contínuos em verde, as alamedas. A maioria situada em
avenidas arteriais de grande fluxo. ............................................................................. 175
Figura: 3.22 - Programa Ligue os pontos - agricultura familiar. .......................................... 177
Figura: 3.23 - Viela da Paz, Butantã. ................................................................................. 179
Figura: 3.24 - Renova SP - Projeto Lote 4 - Cabuçu de Cima. Terra Tuma Arquitetos, (2010).
................................................................................................................................... 180
Figura: 3.25 - Relatório das Ocorrências do PPCV 2019-2020. ......................................... 192

CAPÍTULO 4

Figura: 4.1 - Localização da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré no município de São Paulo.
................................................................................................................................... 199
Figura: 4.2 - Mapa Hipsométrico da bacia do córrego Jaguaré. ........................................ 201
Figura: 4.3 Região das nascentes do córrego Jaguaré (em verde, vegetação preservada e,
pontos azuis, as nascentes). ...................................................................................... 202
Figura: 4.4 - CEU Uirapuru sobre canal do córrego Jaguaré.............................................. 202
Figura: 4.5 - Obras de infraestrutura, Jardim das Esmeraldas, córrego Jaguaré. ............... 203
Figura: 4.6 - Canal aberto com ocupação em APP - córrego Jaguaré. .............................. 203
Figura: 4.7 - Regiões administrativas da bacia do córrego Jaguaré. .................................. 204
Figura: 4.8 Trechos a céu aberto e subterrâneos do córrego Jaguaré e seus afluentes. ... 205
Figura: 4.9 - Sub-bacias contribuintes do córrego Jaguaré. ............................................... 206
Figura: 4.10 - Espaços abertos na bacia do Jaguaré. ........................................................ 226
Figura: 4.11 - Uso e ocupação do solo na bacia do córrego Jaguaré. ................................ 228
Figura: 4.12 - Uso e ocupação do solo por tipologias e padrão na bacia do Jaguaré. ........ 230
Figura: 4.13 - Conflitos em áreas de ZEIS E áreas verdes................................................. 231
Figura: 4.14 - Mapa de favelas, áreas de risco geológico. ................................................. 232
Figura: 4.15 - Sub-bacias de esgotamento do Jaguaré. ..................................................... 235
Figura: 4.16 - Caracterização das áreas de coleta de esgotamento do Jaguaré. ............... 236
Figura: 4.17 - Rota de coleta de resíduos na bacia do Jaguaré. ........................................ 239
Figura: 4.18 - Áreas de cobertura de coleta seletiva. ......................................................... 240
Figura: 4.19 - Contêineres e Ecopontos. ............................................................................ 241
Figura: 4.20 - Macrodrenagem do córrego Jaguaré – Trecho Superior. ............................. 244
Figura: 4.21 - Macrodrenagem do córrego Jaguaré - Trecho Inferior. ................................ 245
Figura: 4.22 - Mapa das tipologias hidrológicas do solo na bacia do Alto Tietê (BAT)........ 246
Figura: 4.23 - Sub-bacias do Jaguaré. Escoamento superficial. ......................................... 248
Figura: 4.24 - CN (Curve Number) por tipologia de uso do solo na bacia do Jaguaré. ....... 251
Figura: 4.25 - Áreas de Inundação. ................................................................................... 252
Figura: 4.26 - CN - (Curve Number) por tipologia de uso do solo na bacia do Jaguaré. ..... 255
Figura: 4.27 - Mapa de permeabilidade na bacia do Jaguaré............................................. 256
Figura: 4.28 - Áreas de inundação para um TR 100 anos. ................................................. 259
Figura: 4.29 - Zoneamento na bacia do Jaguaré................................................................ 263
Figura: 4.30 - Macroáreas de planejamento na bacia do Jaguaré. ..................................... 264
Figura: 4.31 - Perímetros de Ação da Prefeitura Regional do Butantã ............................... 267
Figura: 4.32 - Perímetros de Ação Rio Pequeno (ID 212) Prefeitura Regional do Butantã. 268
Figura: 4.33 - Corte Geral Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014. .............. 271
Figura: 4.34 - Vista do Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014. .................... 272
Figura: 4.35 - Vista do Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014. .................... 272
Figura: 4.36 - Reurbanização da Favela do Sapé, obra, Rio Pequeno, 2014. .................... 273
Figura: 4.37 - A bacia do córrego Jaguaré, o relevo, a hidrografia, e os vales fluviais. ...... 282
Figura: 4.38 - Os três trechos da bacia alta, média e baixa manchas de inundação e
logradouros. ..................................................................... Erro! Indicador não definido.
Figura: 4.39 - Três trechos com logradouros, edificações, áreas verdes TR 100 anos, (em
vermelho, áreas de risco geológico). .......................................................................... 285
Figura: 4.40 - Bacia alta, logradouros, edificações, áreas verdes TR 100 anos, (em vermelho,
áreas de risco geológico). Esc. 1/25.000. ................................................................... 286
Figura: 4.41 - Detalhe TR 100 anos na confluência dos córregos Itaim e Jaguaré, com SP 270
e nas Avenidas Escola Politécnica e Benedito de Lima. Esc. 1/10.000. ..................... 289
Figura: 4.42 - Localização da área de inundação do córrego Jaguaré nas Av. Politécnica e Av.
Benedito de Lima, (foz dos córregos JD 05 e JD 06). Esc. 1/10.000. ......................... 290
Figura: 4.43 - Av. Benedito de Lima. .................................................................................. 292
Figura: 4.44 - Av. Escola Politécnica.................................................................................. 292
Figura: 4.45 - Conflito infraestrutura e sistema viário. ........................................................ 298
Figura: 4.46 – Situação da área proposta para adequação e novo desenho urbano para a Av.
Escola Politécnica com a criação de uma faixa de inundação. ................................... 300
Figura: 4.47 – Cortes esquemáticos mostrando a situação atual e a situação proposta para a
avenida Escola Politécnica......................................................................................... 301
Figura 4.48 – Cortes esquemáticos mostrando a situação atual e a situação proposta para a
avenida Escola Politécnica...................................................................................................302
LISTA DE TABELAS

Tabela: 3.1 - Unidades Licenciadas de HIS e HMP, em ZEIS e fora ZEIS1. ...................... 183
Tabela: 3.2 - FUNDURB - Liquidação de recursos financeiros na Política de Habitação Social
em relação aos montantes (valores em R$) período 2014-2018). .............................. 184
Tabela: 4.1 - Usos do solo na bacia do Jaguaré. ............................................................... 224
Tabela: 4.2 - Dados de atendimento de coleta de esgotos. ............................................... 237
Tabela: 4.3 - Coleta de resíduos sólidos no município de São Paulo. ................................ 238
Tabela: 4.4 - Sub-bacias do Córrego Jaguaré.................................................................... 247
Tabela: 4.5 – Valores de CN / Classificação hidrológica dos solos .................................... 250
Tabela: 4.6 - Comparativo CN recomendado e apurado nas sub-bacias em que ocorreram
inundações................................................................................................................. 253
Tabela: 4.7 - Zoneamento para áreas inundáveis. ............................................................. 257
Tabela: 4.8 - Curve Number médio por sub-bacia do córrego Jaguaré. ............................. 294
Tabela: 4.9 - Áreas impermeáveis permitida por lei e existente acordo com sub-bacias do
córrego Jaguaré. ........................................................................................................ 295
Tabela: 4.10 - Diretrizes para adequação de área sujeita a inundação nas sub-bacias JD 05 e
JD 06 do Jaguaré no bairro Rio Pequeno. ................................................................. 297

LISTA DE QUADROS

Quadro: 2.1 - Os princípios para elaboração de projeto de recuperação de rios e córregos


urbanos. ....................................................................................................................... 84
Quadro: 3.1 - Principais planos e projetos relacionados ao processo de urbanização de fundo
de vale em São Paulo. ............................................................................................... 147
Quadro: 4.1 - Áreas correspondentes às zonas e a ocupação na bacia do Jaguaré. ......... 262
Quadro 4.2 - Diretrizes para adequação de área sujeita a inundação nas sub-bacias JD 05 e
JD 06 do Jaguaré no bairro Rio Pequeno............................................................................297
Quadro 5.1 - Princípios Gerais para o Planejamento em Áreas de fundo de vale..............316
Quadro 5.2.1 - Recomendações para requalificação e adequação em áreas de fundo de vale
urbanizadas (parte 1) ...........................................................................................................318
Quadro 5.2.2 - Recomendações para requalificação e adequação em áreas de fundo de vale
urbanizadas (parte 2)............................................................................................................319
LISTA DE PLANILHAS

Planilha: 2.1 - Comparativos de medidas propostas pelos planos de redução de riscos de Nova
York e Blumenau consideradas as quatro dimensões de análise propostas pela pesquisa.
................................................................................................................................... 128

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico: 3.1 - Unidades Licenciadas por parte do agente promotor em ZEIS. .................... 184
Gráfico: 4.1 - Classificação dos espaços abertos na bacia do Jaguaré. ............................. 225
Gráfico: 4.2 - As dimensões da sustentabilidade urbana e seus componentes. ................. 280

LISTA DE MAPAS

Mapa: 4.1 - Mapa de uso do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 1933. ...... 213
Mapa: 4.2 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em
1981. .......................................................................................................................... 215
Mapa: 4.3 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em
2007. .......................................................................................................................... 219
Mapa: 4.4 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em
2011. .......................................................................................................................... 221
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANA Agência Nacional de Águas


ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica
CALFED California Bay-Delta Authority
CET Companhia Estadual de Tráfego
CGE Gerenciamento de Emergências Climáticas
CODDEC Comissões Distritais de Defesa
COMDEC Comissão Municipal de Defesa Civil
CWA Federal Water Pollution Control
DCP NYC Department of City Planning
DOB NYC Department of Buildings
FEMA Federal Emergency Management Agency
LID Low Impact Development
LIUDD Low Impact Urban Design and Development
NCSR Natural Resource Conservation Service
NFIP National Flood Insurance Program
PDMAT Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê
PDPDN Plano Diretor de Prevenção de Desastres Naturais
PGR Plano de Gestão de Riscos
PNPDEC Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
PNRH Política Nacional de Recursos Hídricos
SEDEC/MI Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil
SICOE Sistema de Comando e Operações em Emergência
SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SINPDEC Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil
SRHU Secretaria de Recursos Hídricos e Ambientes Urbanos
TVA Tennessee Valley Authority
UACDC University of Arkansas Community Design Center
UDFCD Urban Drainage and Flood Control District
US EPA United States Environmental Prote ction Agency
USGS United States Geological Survey
WPA Works Progress Administration
WSUD Water Sensitive Urban Design
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 24
CAPÍTULO 1. A GESTÃO DAS ÁGUAS: DOS CONFLITOS AOS NOVOS MODELOS
PARA A URBANIZAÇÃO DE FUNDOS DE VALE.............................................................. 38
1.1 Rios no meio urbano e o problema do modelo de ocupação de fundo de vale ... 38
1.2 A evolução da experiência americana na gestão, no controle das enchentes e na
conservação das águas e sua influência nas políticas setoriais no Brasil ................. 46
1.3. Considerações do Capítulo 1 ............................................................................. 62
CAPÍTULO 2. NOVAS ABORDAGENS PARA URBANIZAÇÃO EM ORLAS FLUVIAIS E
FUNDOS DE VALE ............................................................................................................. 64
2.1 Projetos de reconversão de infraestruturas, requalificação de orlas fluviais e
revitalização de rios urbanos ..................................................................................... 64
2.2 Da infraestrutura urbana à infraestrutura verde ................................................... 75
2.3 Os princípios para o desenho ecológico/ambiental das bordas fluviais: referências
de recuperação de rios .............................................................................................. 82
2.4.1 O plano de resiliência a inundações de Nova York ......................................... 89

2.4.2 Gestão de riscos de desastres naturais no Brasil: o caso de Blumenau .... 101

2.4.3 Os planos de prevenção de riscos hidrológicos de Nova York e Blumenau e


as dimensões da sustentabilidade. ......................................................................... 101

2.5 Considerações do Capítulo 2 ............................................................................ 129

CAPÍTULO 3. O MODELO DE URBANIZAÇÃO DE FUNDO DE VALE E OS DESAFIOS


DO PLANEJAMENTO DA CIDADE SÃO PAULO ............................................................ 132
3.1 A urbanização de fundo de vale em São Paulo e o predomínio das lógicas setoriais
................................................................................................................................ 133
3.2 O planejamento da cidade de São Paulo e o problema da ocupação dos fundos
de vale ..................................................................................................................... 143
Período de 1930 a 1968: Estruturação urbana ........................................................ 148

Período de 1970 a 1990 – Planejamento integrado e os planos sem mapa .......... 154

Período de 2000 a 2020 – O Estatuto da Cidade: a política urbana e o meio ambiente


................................................................................................................................... 162

3.3 A gestão de riscos na cidade de São Paulo ...................................................... 187


3.4 Considerações do Capítulo 3 .................................................................................... 193
CAPÍTULO 4. A BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO JAGUARÉ: DIRETRIZES
URBANÍSTICAS SUSTENTÁVEIS PARA AS REGIÕES DE FUNDO DE VALE .............. 196
4.1 Breve caracterização da bacia hidrográfica do Córrego Jaguaré ...................... 199
4.2 Uma análise cartográfica da evolução da urbanização na bacia do Córrego
Jaguaré por meio de parâmetros urbanísticos e ambientais ................................... 207
4.2.1 Parâmetros urbanísticos e ambientais ........................................................... 207

4.3 Leitura do quadro atual da urbanização na bacia do Córrego Jaguaré, à partir dos
componentes urbanísticos, políticos-institucionais e das infraestruturas. ............... 223
4.3.1 Componentes urbanísticos: Uso do solo....................................................... 223

4.3.2 Componentes das infraestruturas: Infraestrutura de saneamento ambiental


................................................................................................................................... 233

4.3.3 Componentes políticos institucionais: os planos e projetos para a bacia


hidrográfica do córrego Jaguaré; o PDE 2014, o Plano Regional Estratégico do
Butantã e os programas Córrego Limpo e Urbanização de Favelas ..................... 260

4.4 - Estudos cartográficos para fundamentar uma proposta de diretrizes de


zoneamento de risco e de adaptações em áreas de fundo de vale sujeitas a
inundações na bacia do Córrego Jaguaré ............................................................... 276
4.5 Considerações capítulo 4 .................................................................................. 303
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 306
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 322
24

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa trata das relações entre os rios e as cidades tendo a cidade de São
Paulo como objeto de investigação. Historicamente essas relações eram harmoniosas, sendo
os rios respeitados como verdadeiras “entidades”, por serem fonte de suprimento, de
alimento, de transporte e de proteção. A partir da industrialização das cidades, essas relações
se transformaram radicalmente; a força de suas águas foi dominada e transformada em
energia elétrica, seus leitos foram adulterados e canalizados e suas margens inundáveis
ocupadas pela urbanização, passando por fases do temor e da sacralização para a rejeição
(SARAIVA, 1999). Artificializados e transformados em elementos dos sistemas de
infraestrutura urbana de saneamento e drenagem pelas técnicas da hidráulica, tiveram suas
geomorfologias profundamente alteradas para controlar enchentes e afastar rapidamente as
águas servidas, sendo adotado um modelo que se constituía, ao mesmo tempo, solução de
infraestrutura e urbanística: as avenidas de fundo de vale (TRAVASSOS, 2010).

Tal modelo adota a canalização dos leitos fluviais e a apropriação de seu relevo plano,
e constroem, nas suas margens, avenidas sob as quais instalam as redes de infraestrutura
viária, de drenagem e sanitária. O sistema viário e de infraestrutura que margeia os leitos
canalizados, define e estrutura a urbanização dessas regiões, restringindo as dinâmicas
hidrológicas e suprimindo das paisagens, os leitos sinuosos, as bordas fluviais com seus
sistemas de vegetação ciliar e suas faixas de inundação, as áreas de várzea e as margens
transformadas em paredes ou taludes.

Por serem áreas naturais de drenagem, no período das chuvas, as áreas de fundo de
vale ou de várzeas, são alagáveis. Mas o padrão de urbanização adotado ocupou os fundos
de vale, canalizando e/ou enterrando os cursos d’água, construindo avenidas nas margens
de seus leitos e impermeabilizando grandes extensões de solo de suas bacias de drenagem.
Suprimiram os cursos d’água das paisagens ribeirinhas, contaminaram as águas e afastaram
as pessoas do convívio e do contato com os rios e os córregos da cidade, transformados em
dutos de drenagem, lixo e esgoto.

Como não foram respeitadas as dinâmicas naturais das bacias hidrográficas pela
ocupação das áreas inundáveis, os problemas foram inevitáveis. Diante do aumento das
inundações, das perdas de vidas, das destruições de bens e da contaminação das águas, os
gestores públicos lançam mão de toda sorte de argumentos para justificar o injustificável, que
parte da cidade está onde deveriam estar as águas.
25

Esse é o cenário de muitas cidades brasileiras, com destaque para São Paulo, a cidade
mais populosa cidade do Brasil1. Seus padrões de ocupação do solo tão múltiplos como os
objetivos formais e informais que regularam seu crescimento ao longo de décadas. Os planos
e os parâmetros urbanísticos – de caráter estritamente ordenador da ocupação e do uso do
solo urbano - reproduziram um modelo de cidade que atendeu a interesses de grupos
específicos e, dessa forma, “desenharam” uma cidade fragmentada e segregadora,
produzindo um quadro de degradação ambiental.

E, tratando especificamente da questão das águas urbanas, os modelos de


planejamento, de gestão e de intervenção adotados em São Paulo, ao longo do século XX,
foram sendo contestados e a recuperação dos rios urbanos e a proteção dos mananciais
tornaram-se temas estratégicos e prioritários. As abordagens setoriais adotadas pelas
administrações públicas e os métodos e as técnicas da engenharia hidráulica tradicional, vêm
sendo criticados como pouco eficientes para tratar a questão da gestão das águas nas cidades
(ALVIM, 2003, SANTOS, 2004).

De maneira geral, o processo de urbanização de São Paulo desconsiderou por muitos


anos, não só sua rede hidrográfica, mas o território complexo e dinâmico da Bacia Hidrográfica
do Alto Tietê, região que quase coincide com a atual área metropolitana. O padrão de
urbanização, disperso e extensivo da metrópole deflagrou assimetrias socioespaciais que, em
geral, se expressam pelo avanço ilegal da ocupação urbana sobre territórios ambientalmente
frágeis, pela ausência de infraestruturas de saneamento, pela falta de controle sobre as
atividades urbanas, entre outros inúmeros conflitos que frequentemente ocasionam danos
ambientais, muitos dos quais irreversíveis. Trata-se de um quadro de alta complexidade que
deflagra, não somente, a precariedade e a fragilidade socioambiental do território da Bacia
Hidrográfica do Alto Tietê, mas a complexidade de inúmeras questões de ordem jurídica,
social, econômica, cultural, e principalmente urbanística, decorrentes da longa ausência do
Estado frente à questão (ALVIM et al, 2017).

Ainda que os planos diretores mais recentes aprovados para a cidade de São Paulo,
a partir do Plano Diretor Estratégico de 2002, considerem a importância da questão ambiental
e, em particular, dos recursos hídricos para a cidade, como expresso nos discursos que
promovem uma articulação entre as Políticas Ambiental e de Desenvolvimento Urbano; não
se pode afirmar que se tenha consolidado como prática e alterado esse quadro de conflitos

11Segundo o IBGE a população total estimada para o ano de 2020 na cidade de São Paulo é de
12.325.232 distribuídos em uma área de 1.521,110 km² com uma densidade de 7.398,26 hab./km². Já
a Região Metropolitana de São Paulo segundo dados da Fundação SEADE tinha em 2018
aproximadamente 20. 857.000 habitantes.
26

socioambientais2. Haja visto que a adoção das bacias hidrográficas como unidades de
planejamento não se efetivou e não superou as divisões administrativas de gestão da cidade
e as águas urbanas ainda são tratadas como um tema da infraestrutura de drenagem e
saneamento.

Villaça (1999) em seus estudos sobre a história do planejamento urbano no Brasil


afirma que é “ilusório pretender-se, no Brasil, estudar a ação do Estado no urbano por meio
de planos e por meio do discurso dominante sobre planejamento urbano” (p. 223) pois essa é
a história da “manifestação ideológica” das classes dominantes, não se constituindo
exatamente como uma atividade orientadora. O que o autor quer nos apontar é a
predominância de uma estreita e conflitante relação existente entre o discurso do
planejamento urbano e a prática que, embora, contenham “concepções de cidade” ou
“pressupostos urbanísticos” não expressam as reais intenções dessas estratégias políticas.

O autor alerta que essa mescla de discurso e prática ocorre “de tal forma que é difícil
separá-los”, acrescentando ainda como dificuldade as várias formas possíveis como
aparecem: como zoneamento, como planos setoriais, como planos diretores e outros. Propõe
como um caminho para o estudo, determinar a distinção entre plano e projeto, considerando
que uma “determinada prática e/ou discurso” estará mais próxima do conceito de plano (e,
portanto, mais afastada, do conceito de projeto) quanto mais forte e presentes estejam a
abrangência de todo o espaço urbano; tenha interferência sobre a maioria da população;
tenha continuidade de execução e necessidade de revisões e uma maior participação de
organismos políticos municipais formais.

Essa distinção entre plano e projeto foi adotada nessa pesquisa, especialmente para
fundamentar as análises do processo de urbanização e de ocupação das áreas de fundo de
vale, pois se, como descrito acima, a questão das águas ainda é tratada como um tema da
infraestrutura, as práticas que as envolvem, devem ser consideradas como fruto de projetos
de infraestrutura e não como planos urbanos.

Assim essa pesquisa, reconhece como projetos, a prática da construção das avenidas
sanitárias de fundo de vale, adotadas como solução hegemônica de obras de infraestrutura
em São Paulo desde o início do século XX, que promoveram por meio das canalizações de
rios e córregos, a redução das enchentes e a possibilidade de ocupação das várzeas
inundáveis por avenidas e pelo parcelamento do solo. Tais projetos foram, historicamente,
promovidos por uma visão estratégica setorial articulada pelos agentes das concessionárias

2 No capítulo 3 esse tema será desenvolvido e ampliado.


27

de serviços públicos, pelo mercado imobiliário e pelos gestores do Estado, para preparar a
cidade para se consolidar como grande e principal polo industrial do país.

Mas houve uma omissão do Estado nesse processo, ao não articular a esses projetos,
planos e uma política permanente que promovesse um espaço na cidade para os estratos
mais pobres, também atraídos pelo vigor da economia industrial. Predominou uma lógica
excludente e segregadora de ocupação do território, cujos interesses se concentravam na
valorização imobiliária, em áreas mais bem estruturadas, dotadas de infraestrutura; porém
desarticulados de planos para moradia para a população de baixa renda.

Parte dessa população excluída concentrou-se em áreas periféricas, conforme


propunham os planos urbanos de caráter expansionista que se sucederam ao Plano de
Avenidas nos anos 1930, em novos bairros e novos loteamentos. Porém, aos extratos mais
vulneráveis, não restaram alternativas além de ocuparem as áreas ambientalmente frágeis e
sem infraestrutura, remanescentes desses loteamentos. Muitas dessas áreas foram
exatamente os fundos de vale.

O quadro atual da degradação socioambiental dos rios e das áreas de fundo de vale
de São Paulo revelam que o modelo de ocupação composto pela canalização e/ou
enterramento dos leitos fluviais e a ocupação das áreas de inundação, dissociado de outras
ações e planos que envolvessem opções de moradia e de conservação e uso das áreas
ribeirinhas, não deu certo e precisa ser reavaliado. Porém, o maior desafio é como tratar de
intervenções dessa escala em áreas urbanas consolidadas?

Intervir nestes territórios exige uma visão sistêmica que pressupõe a articulação entre
políticas urbanas e ambientais, com vistas à garantia da sustentabilidade ambiental e, ao
mesmo tempo, a simultânea resolução de demandas urbanas (ALVIM, KATO, ROSIN, 2015).
É fato que tal articulação é extremamente complexa e, na maioria das vezes, depara-se com
os antagonismos presentes no bojo das matrizes políticas e discursivas que transitam entre
“preservar” o ambiente para garantia de recursos naturais tão caros à sociedade, ou
“urbanizar” como garantia de um habitat digno para populações de baixa renda. Trata-se de
um campo de forças complexo e conflituoso, engendrado historicamente por objetivos,
processos concretos e mecanismos políticos institucionais específicos com caminhos
distintos. (ALVIM et al, 2019)

O fato é que a sustentabilidade da bacia hidrográfica deve ser entendida como parte
de um processo holístico que compreende a relação interligada entre sociedade e natureza e
o planejamento do desenvolvimento sustentável precisa levar em conta, simultaneamente, as
múltiplas dimensões que a compõem: social, econômica, ecológica, cultural e espacial e
investir na recuperação de seus cursos d’água (SACHS, 1993).
28

Do ponto de vista de experiências bem-sucedidas, algumas cidades americanas são


consideradas referências na adoção de medidas de recuperação das relações entre cursos
d’água e meio urbano. Vale destacar aquelas situadas ao longo do rio Mississipi, como Baton
Rouge e New Orleans, que adotaram a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e
gestão e definiram distintos parâmetros de ocupação do território que visam uma relação
mais equilibrada entre a hidrografia, o relevo e o ambiente construído, apontaram caminhos
para a sustentabilidade urbano-ambiental nos médio e longo prazos. No Brasil, algumas
experiências apontam caminhos de adaptação da urbanização em áreas de fundo de vale.3

No âmbito dessas experiências evidenciam-se que os parâmetros adotados


consideram o caráter sistêmico da sustentabilidade, conforme apontam diversos autores
(HOUGH, 2004; SCHUTZER, 2012; HIGUERAS, 2006; PALOMO, 2003; CAPRA, 1982;
SACHS, 1995; ALVIM et al, 2019), ao adotarem distintas abordagens de diferentes disciplinas
e novos caminhos para o planejamento urbano e para o ordenamento da ocupação do solo
nas cidades, respeitando e incorporando as dinâmicas naturais articuladas ao desenho das
paisagens e da cidade. Tais parâmetros urbanísticos definidos para a ocupação das áreas de
fundo de vale são específicos e distintos das demais regiões da cidade, e são, em geral,
considerados instrumentos de ordenação territorial sustentável da bacia hidrográfica,
contribuindo, assim, para construir um quadro de equilíbrio e de harmonia das paisagens
fluviais urbanas que resgatem o convívio da população com os cursos d` água.

Adota-se aqui o pressuposto que o processo de sua ocupação urbana é fruto de uma
lógica setorial que desconsiderou a bacia hidrográfica, promovendo a canalização e/ou o
tamponamento dos cursos d’água (rios e córregos), para a ampliação de áreas urbanizáveis
e construção do sistema viário, em áreas impróprias à urbanização. Como consequência, os
efeitos das enchentes e inundações são cada vez mais danosos ao ambiente e à sociedade.
Trata-se de um modelo que foi adotado em diversas cidades do mundo, ao longo do século
XX, mas que vem sendo revertido, por meio de ações conscientes e planejadas em
consonância com as características ambientais da bacia hidrográfica.

Partindo desse pressuposto essa pesquisa apresenta como hipótese central que a
ausência de um processo de planejamento urbano, sistêmico e integrado, na cidade de São
Paulo, aliado à não definição de parâmetros de ocupação urbana compatíveis com as
características hidrológicas da bacia hidrográfica do Alto Tietê, vêm contribuindo para reforçar
a lógica setorial de obras e investimentos públicos que prevaleceu na ocupação das áreas de

3 Essas experiencias estão desenvolvidas no capítulo 2.


29

fundo de vale, e que culminaram na transformação dos cursos d’ água em componentes da


infraestrutura urbana.

E, tendo como estudo de caso, a bacia hidrográfica do córrego Jaguaré, defende-se a


seguinte tese “Para se promover a sustentabilidade de uma bacia hidrográfica urbanizada, há
que se adotar parâmetros de ocupação compatíveis às suas características ambientais, com
especial atenção às características hidrológicas dos cursos d’ água em áreas de fundo de
vale, como parte de um processo de planejamento integrado e sistêmico, base para a
recuperação dos cursos d´água e de sua transformação em elementos estruturais da
paisagem urbana”.

O estudo das questões ambientais requer uma abordagem sistêmica, portanto, ao


tratarmos de urbanização sustentável essa mesma abordagem deve ser aplicada. No caso
dos estudos sobre urbanização e os cursos d’água, cabe ao pesquisador empreender análises
das distintas dimensões que envolvem a sustentabilidade ambiental e urbana das bacias
hidrográficas. Estas dimensões devem ser entendidas e articuladas de forma integrada, a fim
de se obter um quadro dos principais conflitos identificados no processo de urbanização nos
vales fluviais.
A pesquisa adotou como metodologia de análise da bacia do córrego Jaguaré com o
propósito de compreender sua dinâmica urbana e ambiental e delinear as diretrizes de uma
ocupação sustentável, três dimensões fundamentais para a compreensão desta bacia
hidrográfica4: a) dimensão urbanística - sendo aqui considerados os estudos do processo
de ocupação do território, com suas características de uso e ocupação e, portanto, de
estruturas urbanas e tipologias construtivas predominantes; b) dimensão da infraestrutura
urbana5 – representada redes de infraestrutura urbana (especificamente os sistemas de
drenagem e saneamento e de limpeza urbana) por exercerem pressões sobre os sistemas
hídrico e hidrológico naturais e apropriarem-se dos leitos dos cursos d’água existentes nos
fundos de vale e; c) dimensão político-institucional - legislações urbanas e ambientais e

4 Considerar um processo de urbanização sustentável, implica em reconhecer e conciliar uma grande


complexidade de temas com abordagens de diversas áreas do conhecimento organizados em distintas
dimensões. Sachs (1993) defende a existência de cinco dimensões que devem ser consideradas
simultaneamente: sustentabilidade social, econômica, ecológica, espacial e cultural; que segundo o
autor devem harmonizar e compatibilizar os objetivos sociais, econômicos e ambientais (espaciais e
culturais incluídos) referentes ao desenvolvimento. Como o campo de estudo desta pesquisa é o
urbanismo e há um recorte de análise que são as regiões de fundo de vale urbanos, se optou por
seleciona as dimensões identificadas pelos estudos do processo histórico da urbanização da cidade de
São Paulo, como as mais atuantes e que maiores impactos exerceram nessas regiões do território.
5 É reconhecido que a infraestrutura urbana constitui elemento da dimensão urbanística, ao se

configurar como elemento ordenador do parcelamento do solo, conforme defendido por Solá-Morales
e apresentado no subitem 4.2.1 (p. 218) desta pesquisa. Mas, considerando a importância e os
impactos de antropização que essas estruturas exerceram nos rios, nos córregos e nas paisagens
fluviais da cidade de São Paulo, adotou-se a infraestrutura como um elemento isolado de análise.
30

instrumentos urbanísticos e ambientais (planos urbanos, normas de uso e ocupação do solo,


zoneamento e os planos de bairro; legislações de proteção e preservação ambiental).
Ao investigar, como os processos de urbanização na cidade de São Paulo, implicaram
em grandes impactos no seu sistema hidrológico, se identificou na dimensão urbana a
ocupação do solo urbano e seus distintos usos como preponderantes a outros elementos de
análise urbana como os de caráter morfológico; ou mesmo de natureza social e econômica,
pois áreas extremamente valorizadas e dotadas de toda infraestrutura não ficaram imunes
aos efeitos danosos das enchentes urbanas nas regiões de fundo de vale.
Fundamental destacar que, enquanto se encontram nas etapas de concepção e até
sua construção, as decisões que envolvem a implantação das redes de infraestruturas são
determinadas por normas técnicas. Essas, por sua vez, evoluem e se transformam,
incorporando novas técnicas e adaptando-se às mudanças inerentes ao desenvolvimento das
cidades. Mas depois de implantadas, sua operação passa a se configurar um serviço público,
estando, portanto, sua gestão e manutenção, subordinadas às leis e às normas determinadas
pelas políticas públicas e aplicadas pelos gestores públicos ou por agentes por esses
nomeados

Da mesma maneira, os instrumentos de uso e de ordenamento do solo, como o plano


diretor, o zoneamento, as normas edilícias e de loteamento e de parcelamento são
determinantes para a construção dos espaços habitados e devem incorporar mudanças para
adaptarem-se aos parâmetros de sustentabilidade e resiliência almejados para as áreas de
fundo de vale sujeitas a riscos hidrológicos.

Portanto, a articulação integrada de todos esses componentes é fundamental quando


se pretende atingir qualidade e sustentabilidade, por meio de projetos de recuperação
socioambiental, de recomposição de paisagens e de requalificação urbana nas áreas de fundo
de vale.

Esta pesquisa tem como objetivo geral a sugestão de diretrizes para fundamentar a
adoção de novos parâmetros, ou mesmo a revisão dos atuais, como ainda outros mecanismos
de ordenamento de solo para as regiões de fundo de vale na cidade de São Paulo, que
incorporem as dinâmicas hidrológicas e promovam uma reconciliação entre as águas e a
urbanização nessas regiões.

E tem como objetivos específicos:

• Apresentar um quadro geral das relações entre a urbanização e os cursos d’água, sob
uma perspectiva histórica, evidenciando como os impactos ambientais extremos, aos
quais os rios urbanos foram submetidos, resultaram da adoção de uma abordagem
funcionalista e setorial inadequada, que não incorporaram as dinâmicas naturais e os
31

ciclos hidrológicos e não adotaram as bacias hidrográficas como a unidade de


planejamento; e fundamentaram a adoção de um modelo de urbanização de fundo de
vale que não respeitou o espaço natural das águas e gerou conflitos socioambientais
e urbanísticos graves.
• Apresentar e discutir as experiências relacionadas à questão da gestão das águas
urbanas que, adotaram como unidade as bacias hidrográficas e se apoiaram em
conceitos que conciliam o planejamento urbano com o planejamento ambiental,
adotando métodos e estratégias de planejamento que consideraram um espaço para
as águas na cidade com outros modelos de urbanização para as bordas fluviais e
áreas de fundo de vale como alternativas adequadas e sustentáveis na relação entre
as cidades e suas águas.
• Apresentar e discutir, por meio de estudos de caso, como os instrumentos de
ordenamento e ocupação territorial, representados pelos planos, podem constituir-se
ferramentas importantes para a prevenção de riscos de desastres hidrológicos e
restabelecer uma convivência harmoniosa entre os ciclos naturais das cheias e das
enchentes e a urbanização, mesmo que consolidada, por meio da adoção de um outro
modelo de ordenamento territorial e urbanístico nos fundos de vale.
• Demonstrar por meio de estudos dos planos urbanos implantados em São Paulo,
como a ocupação dos fundos de vale por avenidas, propostas para adaptarem-se às
características fisiográficas da hidrografia e do relevo da cidade conjugando
infraestruturas viária e de saneamento, foram adotadas como elementos do desenho
urbano no Plano de Avenidas de 1930, sendo nos anos 1970 dissociadas do
planejamento e implantadas de acordo com as conveniências políticas o que
favoreceu a atuação dos setores e dos agentes dos segmentos de infraestrutura e
imobiliário, em detrimento da atuação dos planejadores urbanos. E ainda, como essas
ações promoveram a expansão da urbanização, induziram à ocupação de áreas
ambientalmente frágeis, com loteamentos sem infraestrutura ou em assentamentos
precários, em áreas de fundo de vale e nas margens de cursos d’água, instaurando
um quadro de passivo socioambiental; sendo que, a partir dos anos 2000, a rede
hidrográfica passa a compor elemento estrutural no processo de planejamento da
cidade.
• Discutir, a partir de estudos de caso, a proposição de normas e instrumentos
específicos para as áreas de inundação em regiões de urbanização consolidada, que
garantam segurança às estruturas e as edificações existentes, adaptando-as a esses
eventos e evitando as remoções, salvo em casos estritos de risco à vida humana e à
integridade dessas estruturas, e que promovam a requalificação ambiental e
paisagísticas das áreas de fundo de vale com benefícios socioambientais, a melhoria
32

climática, a recuperação da flori fauna ribeirinha, a redução dos volumes de


escoamento superficial e das inundações.

METODOLOGIA

A pesquisa adotou como metodologia principal a pesquisa qualitativa apresentada


como uma análise descritiva bibliográfica relacionada a fontes indiretas, alternada com os
Estudos de Caso. As fontes pesquisadas foram desde bibliografias, teses e pesquisas sobre
os temas investigados; as legislações urbanísticas ou específicas de programas setoriais de
infraestrutura urbana; planos e programas oficiais. Também foram adotadas como
metodologia os estudos cartográficos para promoção de uma leitura territorial das questões
relacionadas ao tema principal da pesquisa.

A pesquisa bibliográfica qualitativa foi adotada para fundamentar os conceitos de


sustentabilidade ambiental e urbana, a partir de estudos teóricos e historiográficos sobre
urbanização em fundos de vale e urbanização e ambiente com uma abordagem sistêmica.
Foram feitos estudos comparativos da gestão das águas urbanas, por meio de estudos
comparativos dos programas oficiais de gestão das águas dos Estados Unidos e do Brasil

Com relação aos estudos de caso, foram investigados projetos e programas de


reconversão de infraestruturas, revitalização de rios urbanos e de requalificação urbanística
de áreas de bordas fluviais a partir de programas empreendidos em algumas cidades
americanas, para deles se extrair referencias de parâmetros ambientais e urbanos que
conciliaram urbanização e as dinâmicas naturais das bordas fluviais e em regiões de fundo
de vale. Esses estudos deram subsídios para a pesquisa qualitativa bibliográfica que
investigou os modelos de implantação das infraestruturas tradicionais e das infraestruturas
verdes ou ao sistema LID (Low Impact Development). Sucederam aos estudos dos modelos
de infraestrutura, dois Estudos de Caso que trataram de apresentar planos e programas com
soluções para os conflitos entre enchentes e urbanização nas cidades de Blumenau em Santa
Catarina e New York nos Estados Unidos, adotados por meio do estabelecimento de um
zoneamento ambiental de riscos. Esses estudos introduziram análises, por meio da pesquisa
qualitativa, das políticas públicas, dos planos e dos programas oficiais de gestão de riscos,
praticados no Brasil e na cidade de São Paulo.

A pesquisa qualitativa também foi a metodologia adotada para a elaboração de um


estudo histórico dirigido do planejamento urbano na cidade de São Paulo, associado a
consolidação do modelo de urbanização de fundo de vale e aos projetos setoriais das
concessionárias de infraestrutura e serviços públicos, que retrocede aos anos 1930 até a
atualidade.
33

Na última parte desse trabalho, a pesquisa qualitativa foi associada ao estudo de caso
para promover uma aproximação da área de estudo da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré,
para o qual também foi adotada como metodologia a construção de mapas temáticos por meio
das ferramentas do geoprocessamento. Foram construídas bases cartográficas para
descrever as características territoriais e ambientais e as dinâmicas hidrológicas e para
apresentar quadros dos processos da evolução da urbanização na área da bacia, pelo método
de sobreposição de mapas (overlay maps) com camadas de informações específicas. E por
fim, os estudos sobre parâmetros de sustentabilidade ambiental e urbana, dos parâmetros de
gestão de riscos, das técnicas do LID, do zoneamento ambiental e sobre as características
físicas e hidrológicas da bacia do Jaguaré, construídos pelas pesquisas qualitativas e pelos
estudos de caso constituíram o arcabouço para a definição de um conjunto de parâmetros por
meio dos quais se definiu a análise de situações de risco e de proposição de recomendações
para a área de fundo de vale dessa bacia. Esses dados foram organizados em quatro grupos
de acordo com suas relevâncias e distintas dimensões dos elementos urbanísticos e
ambientais na seguinte ordem: dimensão ambiental, dimensão urbanística, dimensão das
infraestruturas e dimensão político-institucional

No grupo da dimensão urbanística foram considerados como componentes de análise


as características de uso e ocupação do solo que pela sua natureza exercem de alguma forma
impactos nas questões da drenagem e na qualidade das águas nas áreas de fundo de vale.
São eles: o traçado viário (ruas e calçadas e tipos de pavimentação); as edificações
considerando as características de sua implantação e a natureza das atividades nelas
desenvolvidas (uso e ocupação do solo); a existência ou ausência de arborização e outros
conjuntos de vegetação; as áreas livres como as praças e os jardins (públicos e privados), os
parques lineares e as Áreas de Proteção Permanente e as áreas de vulnerabilidade geológica
(encostas e barrancos).

No grupo da dimensão ambiental foram considerados os elementos naturais que


compõem o ambiente natural das áreas de fundo de vale, a constar os cursos d’água, seus
leitos e margens, a flori fauna fluvial em seus aspectos fisiográficos, considerando os
diferentes graus de antropização a que estão submetidos esses elementos pelo processo de
urbanização.

No grupo da dimensão das Infraestruturas foram considerados os elementos dos


sistemas básicos de saneamento ambiental (redes de suprimento de água e de coleta de
esgotos); os sistemas de drenagem e o sistema de coleta de resíduos sólidos e a varrição.
No grupo da dimensão político- institucional foram considerados como elementos de
análise os conjuntos de leis e normas que regulam as questões do uso do solo e do uso e da
34

conservação das águas, no âmbito das três instancias federativas. São eles o conjunto das
legislações federais e estaduais que regulam e protegem rios e cursos d’água e as áreas de
proteção (Código da Águas, Código Florestal), as normativas das agências federais e
estaduais (Agencia Nacional de Águas -ANA – e Agencia Reguladora de Saneamento e
Energia do estado de São Paulo – ARSESP) e as normas da companhias e autarquias que
operam os serviços de infraestrutura básica (Serviço Municipal de Águas e Esgotos – SEMAE
e Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP); sendo que no
tocante a essas leis e normas, as propostas visam definir as competências, principalmente no
que se refere a aplicação e fiscalização desse arcabouço legal.

Os dados coletados são de natureza indireta, dada a condição restrita imposta pela
pandemia, e pretendem ser atuais. Foram consultadas várias fontes, desde as fontes oficiais,
por meio dos relatórios das secretarias dos governos municipal e estadual, das
concessionárias de serviços essenciais, às pesquisas acadêmicas. Uma importante fonte de
dados foi o Projeto Jaguaré, liderado pela Associação Águas Claras do Rio Pinheiros /
Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH) e Labverde, ambas instituições
vinculadas à USP, que investigou especificamente a bacia do Córrego Jaguaré.

Contando com o generoso apoio do líder do projeto pela FCTH, foram disponibilizados
dados em formato shape (georreferenciados) e imagens, como os relatórios técnicos e os
textos analíticos que constituíram importante fonte de consulta, permitindo a elaboração de
novos mapas temáticos específicos, que fundamentam as análises e apresentam as
propostas deste trabalho.

ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS

Este trabalho se desenvolve em duas partes e quatro capítulos. O primeiro capítulo


parte de um quadro dos conflitos dos padrões de urbanização e dos rios para apresentar o
problema do modelo de ocupação de fundo de vale. Analisa a questão da gestão das águas
urbanas, do controle de enchentes à manutenção da qualidade e do suprimento de água a
partir da experiência americana em contraponto com as políticas setoriais no Brasil.

No segundo capítulo são apresentadas novas abordagens para urbanização em orlas


fluviais e fundos de vale, por meio de projetos de reconversão de infraestruturas,
requalificação de orlas fluviais e revitalização de rios urbanos. Discute-se outras abordagens
para a questão das infraestruturas de drenagem urbana para além da abordagem
funcionalista e higienista em direção ao estabelecimento de uma visão ambiental e sistêmica
35

proposta pela infraestrutura verde e azul, apoiada em princípios de desenho


ecológico/ambiental das bordas fluviais e dos projetos de recuperação de rios.

Discute ainda o enfrentamento da questão das enchentes e das inundações por meio
da gestão de riscos e dos instrumentos do Planejamento Urbano. Para fundamentar a
importância da adoção de instrumentos específicos apresenta dois casos de ações de
planejamento para a prevenção ou redução de conflitos com inundações: o Plano de
resiliência a inundações de Nova York e o plano de prevenção e controle de inundações de
Blumenau em Santa Catarina. Esses casos propõem reflexões que fundamentam a discussão
as políticas públicas para a gestão de riscos de desastres naturais em São Paulo, que encerra
a primeira parte do trabalho.

Na segunda parte da Tese, no Capítulo 3 investiga-se o modelo de urbanização de


fundo de vale e os desafios do planejamento em São Paulo, por meio de uma contextualização
histórica da urbanização de fundo de vale em São Paulo sob o predomínio de interesses
hegemônicos e das lógicas setoriais revelados nos planos e dos programas urbanísticos que
foram propostos e implantados na cidade desde os anos 1930 até a atualidade.

O Capítulo 4 trata da bacia hidrográfica do Córrego Jaguaré, localizada na zona oeste


de São Paulo. Apresenta-se a caracterização física da bacia, estudos hidrológicos e a
dinâmica da ocupação da implantação das infraestruturas urbanas. Por meio de cartografias,
analisa as características fisiográficas e urbanísticas da bacia resultando em uma base
cartográfica com divisão do território da bacia em três trechos: alta, média e baixa. Nessa
base são lançados dados georreferenciados de uma inundação extrema prevista como chuva
de projeto de 100 anos, resultando uma mancha de inundação que atinge toda a bacia. Por
fim, foram selecionados quadros das situações de risco, para avaliação de prováveis conflitos
entre padrão de ocupação e drenagem e proposição de diretrizes para a adoção de
parâmetros urbanísticos e ambientais e de infraestrutura para a bacia do córrego do Jaguaré.

As Considerações Finais retomam os principais aspectos desenvolvidos ao longo


desta pesquisa, e reforça a necessidade de implementação de um processo de planejamento
sistêmico e integrado que incorpore parâmetros urbanos e ambientais adequados às
dinâmicas e às características hidrológicas de áreas de fundo de vale contribuindo para a
ocupação sustentável da bacia hidrográfica.

Para tanto, partindo de um conjunto de princípio gerais, buscou-se estabelecer um


quadro de recomendações para o planejamento de requalificação e adequação de áreas
de fundo de vale urbanizadas considerando as quatro dimensões analisadas em seus
distintos campos de atuação possíveis; seus agentes; e tendo em vista : a recuperação das
paisagens fluviais e da qualidade das águas; a criação e a valorização do uso dos espaços
36

ribeirinhos para promover uma aproximação das pessoas e das águas; a prevenção dos riscos
de inundações com danos e prejuízos socioambientais; promover e garantir drenagem
dinâmicas hidrológicas.
37
38

CAPÍTULO 1. A GESTÃO DAS ÁGUAS: DOS CONFLITOS AOS NOVOS


MODELOS PARA A URBANIZAÇÃO DE FUNDOS DE VALE

Este capítulo apresenta um quadro geral de como as relações entre a urbanização e


os cursos d’água, sob uma perspectiva histórica, especialmente a partir da industrialização
resultaram em impactos ambientais extremos, fruto de uma abordagem funcionalista e setorial
inadequada. Discute a evolução das experiencias americanas e brasileiras na gestão das
águas, chegando ao quadro atual dos planos de bacias hidrográficas, adotadas como a
unidade de planejamento.

1.1 Rios no meio urbano e o problema do modelo de ocupação de fundo de vale

As relações entre as cidades e os cursos d’água, desde os primórdios da civilização,


estabeleceram-se de diversas formas. Inicialmente eram reconhecidas quase como entidades
que demandavam uma convivência respeitosa de dimensões sacras, mas representavam
também um instrumento político de poder. Kahtouni (2004) associa a história das “civilizações
hidráulicas” à origem das cidades, como na antiga Mesopotâmia, onde não apenas a
sobrevivência, mas também a produção e a administração de excedentes agrícolas
determinaram a importância do domínio das águas dos rios Eufrates, Tigre e Nilo.
Saraiva (1999), em uma abordagem histórica dessas relações, identifica distintas fases
das relações das cidades com os rios: “temor e sacralização”; “controle e domínio”;
“degradação e rejeição”; “recuperação e sustentabilidade”; e “recuperação e restauro”.
Nessa primeira fase, associa as relações entre as cidades, a natureza e os rios aos
ritos de purificação, de batismo, de perdão, de castigo, da vida e da morte, que caracterizavam
as culturas, tanto orientais quanto ocidentais, nos períodos primordiais da civilização, nos
quais o conhecimento científico não respondia às questões relativas ao ciclo das águas,
situando-se, portanto, no campo das crenças e do conhecimento religioso (TRIPOLONI,
2008). No entanto, ainda no período da Antiguidade, Vitrúvio (século I) estabelece em seus
tratados uma compreensão mais ampla entre as cidades e a natureza, ao associar diagramas
de ventos para a localização das ruas, vinculando preocupações sociais e dinâmicas naturais
a modelos de cidades.
Suas formulações exerceram influência no período medieval e determinaram o
estabelecimento de outras relações entre as cidades e a natureza, especialmente no tocante
às águas. Os tratadistas renascentistas, como Alberti, preconizavam a incorporação de
elementos naturais ao desenho das cidades, ao defender que as ruas deveriam ser traçadas
à maneira dos rios. Leonardo da Vinci, em seus manuscritos, revela preocupações sociais
quanto ao acesso dos trabalhadores e artesãos às águas, conforme ilustrações de canais
fluviais que penetram nas cidades. E ainda Thomas Moore, em 1516, no Alto Renascimento,
39

concebe 54 tipos de cidades fluviais, em seu trabalho “A Utopia”, onde a presença das águas
delimita cidades, com jardins florescentes e abundantes cercados por um cinturão verde do
campo, demonstrando “a nostalgia de uma ordem passada, com a intuição futurista de
transformações sociais” (CHOAY, 1979, p. 152).
Saraiva (2020) associa essas relações, na chamada fase de “ajustamento e harmonia”,
com imagens de mapas de antigas cidades medievais europeias (Figura 1.1). Tais mapas
revelam as adaptações das morfologias urbanas aos traçados dos leitos dos rios e das regiões
de vale, reconhecendo e estabelecendo relações harmônicas com as dinâmicas hidrológicas,
sem interferências em suas funções naturais. Essa convivência harmoniosa se estendeu
ainda ao reconhecimento da importância dos rios para a subsistência humana como fonte de
alimento, abastecimento, irrigação, meio de transporte e lazer, assim como no tocante à
apropriação de sua energia para a moagem de grãos.

Figura: 1.1 - Época Medieval. Ajustamento, Harmonia.

Fonte: Saraiva, Mesa Redonda – Dimensão urbana: rios no meio urbano (2020).

O período histórico do Pós-renascimento na Europa determina uma relação mais


intensa de execução de obras hidráulicas que modificam as paisagens fluviais e suas funções
naturais, com o objetivo de obter o domínio de seus fluxos e de superar os obstáculos em
relação aos relevos dos vales fluviais e suas áreas inundáveis, regularizando-os, adaptando-
os e redesenhando-os para diversas finalidades.
São construídos muros de contenção de margens, pontes e aquedutos que alteram as
paisagens fluviais urbanas. Ainda que os objetivos fossem os de controlar as funções naturais
e os fluxos dos rios, havia uma relação de adaptação e regulação que respeitava as dinâmicas
hidrológicas, numa relação nomeada pela autora como “fase de controlo, domínio e
regulação” (Figura 1.2).
40

Figura: 1.2 - Fase de controle, domínio e regulação, (Cher Chenonceau. Segura em Múrcia e Túria
em Valência).

Fonte: Fonte: Saraiva, Mesa redonda – Dimensão urbana: rios no meio urbano (2020).

Um aspecto importante desse mesmo período é a valorização cultural dos rios


urbanos, por meio de artifícios simbólicos dos rios, representados pelas esculturas
incorporadas à paisagem urbana, que exaltam referências às lendas e mitos constituintes do
ideário da cultura clássica e exerceram importante papel na fixação de valores culturais
associados aos rios. Saraiva os identifica como fenômeno da “Patrimonialização dos Rios”.
(Figura 1.3). Tais artifícios revelam o reconhecimento e a valorização dos rios para os
habitantes das cidades ribeirinhas.

Figura: 1.3 - Esculturas que representam respectivamente: o Rio Tejo, (Alexandre Gomes, Lisboa) a
Fonte dos Três Rios, (Francisco Robba Ljubljana) e a Fonte dos Quatro Rios, (Bernini, Roma).

Fonte: Universidade de Washington. Disponível em: https://depts.washington.ed. Acesso em:


11/11/2020

O período da industrialização estabeleceu uma ruptura nessa convivência equilibrada,


inaugurando uma fase de grandes impactos ambientais. Liderada pelo conhecimento
científico do Iluminismo, o domínio das “forças” da natureza conduziu a uma reificação dos
rios e das paisagens fluviais, destituindo-os de seu caráter simbólico e transformando-os,
pelas técnicas, em objetos inanimados a serem apropriados pelos processos produtivos da
sociedade industrial (SANTOS, 2002; SARAIVA, 1999; TRIPOLONI, 2008).
41

Com o aumento da população urbana e intensificação da urbanização e, consequente,


apropriação das águas, os leitos dos cursos d’água passaram a ter um caráter estritamente
funcional como canais de drenagem e descarga de esgotos. Alguns tiveram seus cursos
desviados e suas águas represadas para a geração de energia elétrica com ênfase na
industrialização; outros foram enterrados ou canalizados a céu aberto para terem suas
margens e várzeas apropriadas para usos urbanos.
Tais iniciativas contribuíram para gerar um quadro de degradação ambiental e de
deterioração das relações simbólicas entre água e sociedade anteriormente estabelecidas.
Muitos foram os rios que desapareceram das paisagens urbanas, em um processo
identificado pela mesma autora como “fase de degradação e rejeição”, que sucedeu a “fase
de controle e domínio” (SARAIVA, 1999).
Importante lembrar que a apropriação dos relevos planos e suaves dos vales fluviais
foram fundamentais para a implantação das ferrovias no final do século XIX. Tal iniciativa foi
um importante precedente no um modelo de ocupação de fundos de vale, que ao longo do
século XX tornou-se prática comum ao adotar a canalização dos leitos fluviais e a construção
de sistemas de infraestrutura sanitária para implantar sistemas viários em suas margens.
O modelo de urbanização de fundo de vale, que associa infraestrutura sanitária e
sistemas viários, se consagrou como a solução para os problemas sanitários e hidrológicos,
e como uma opção vantajosa para a urbanização. Tem sido replicado em muitas cidades
brasileiras, sem grandes adaptações, desde meados do século XX até a atualidade.
Nesse modelo não há lugar para as dinâmicas naturais dos rios, despojados de
margens vivas com vegetação e fauna e, tendo as áreas de seus leitos de inundação e de
suas várzeas, destinadas a ocupação urbana, em uma operação que atende aos interesses
fundiários. Enfrentava dessa forma o problema da transposição de áreas inundáveis,
apoderando-se dos solos dos rios e córregos então dessecados, dotando-os de infraestrutura
e, dessa forma, os valorizando e habilitando a operações imobiliárias.
Mas, não foram apenas os vales fluviais os relegados no processo de urbanização
promovido pela industrialização. Como o solo tornou-se a principal mercadoria das cidades,
por muitos anos, planos e projetos de urbanização previam a retificação ou tamponamento
dos rios urbanos, para dar lugar ao sistema viário, não contemplando um lugar para a moradia
das populações pobres, que afluíam em busca de oportunidades e trabalho. Parte dessa
população, não encontrando opção de moradia, passou a ocupar áreas ambientalmente
frágeis, em margens inundáveis ou encostas íngremes que restaram desocupadas por serem
inadequadas a urbanização; construindo moradias precárias e sujeitando-se a toda sorte de
riscos e vulnerabilidades. Desenharam-se, portanto, juntamente nesse modelo de
urbanização, os conflitos ambientais representados pelos desastres hidrológicos e pela
contaminação das águas; e os conflitos sociais representados pelos assentamentos precários
42

onde vivem milhares de pessoas. Esse quadro constitui, atualmente, um dos maiores passivos
das metrópoles em todo o mundo, especialmente nas cidades brasileiras.
Os grandes planos de implantação das infraestruturas necessárias para o
empreendimento urbano-industrial nas cidades, ao mesmo tempo que organizaram a
viabilidade do empreendimento econômico na macro escala, geraram a desordem
socioambiental na escala local (FRANCO, 2005). Não é apenas casualidade que os conflitos
entre os rios e as habitações vulneráveis ocupem os mesmos espaços. Mesmo assim, muitas
vezes se estabelecem como opostos no campo das discussões de políticas públicas,
constituindo um falso dilema entre as exigências e as demandas das chamadas agendas
verde e marrom. São duas faces do grande passivo socioambiental construído por esse
modelo de cidades e de sociedade.
As cidades, ao adotarem um modelo de urbanização de fundos de vale, conforme
descrito, tiveram alterados, além das suas paisagens fluviais, seus processos hidrológicos e
geológicos, pois as vegetações ripárias que protegiam as margens e garantiam maior
infiltração foram removidas. Ao aterrarem várzeas e outras áreas alagáveis, a vazão dos rios
aumentou e foi agravada pela impermeabilização de superfícies das bacias decorrente da
urbanização. Dessa forma, os volumes e as velocidades de escoamento também se
ampliaram, concorrendo para o aumento de processos erosivos e colapsos do solo e
provocando, nas áreas à jusante, o aumento das inundações. Ou seja, o modelo que tinha
como um dos objetivos controlar as enchentes, as ampliou e as transferiu de lugar.
Tais efeitos também foram percebidos na redução da disponibilidade hídrica e na
degradação da qualidade das águas, pois a redução da infiltração, provocada pelo processo
de impermeabilização do solo gerado pela urbanização, impactou e reduziu as recargas dos
aquíferos subterrâneos.
Atualmente, quando se trata de contabilizar os prejuízos socioambientais que
anualmente acontecem nos períodos chuvosos, por decorrência de alagamentos ou grandes
inundações, geralmente os agentes públicos, os moradores das áreas afetadas e a
população, de um modo geral, apontam as chuvas e os cursos d’água como se fossem os
agentes responsáveis por esses desastres. Porém, o que seriam das nossas cidades se não
fossem as águas?
Os modelos de gestão das águas urbanas que foram adotados e aplicados desde o
período industrial da História, em todos os países, vêm sendo contestados, e a recuperação
dos rios urbanos e a proteção dos mananciais tornaram-se temas estratégicos e prioritários.
Desde os anos 1970, as abordagens setoriais adotadas pelas administrações públicas,
amparadas pelos métodos e pelas técnicas da engenharia hidráulica tradicional, vêm sendo
criticadas por se mostrarem parciais e pouco eficientes para tratar a questão da gestão das
águas nas cidades (SANTOS, 2004; ALVIM, 2003).
43

Essa abordagem, na verdade, estava presente no século XIX, pois a degradação dos
rios já era um grande problema da gestão das cidades europeias e americanas na primeira
industrialização. Spirn (1984) mostra como, na primeira metade do século XIX, a poluição do
rio Tâmisa era discutida na Câmara dos Comuns inglesa, e as cidades de Boston e Chicago,
nos Estados Unidos, empreenderam obras e projetos para enfrentar esses problemas. A
abordagem predominante, no entanto, ainda se atinha aos conceitos higienistas, de caráter
funcionalista e setorial.
Entre os anos de 1970 e 1980, nos âmbitos das discussões e das revisões de
conceitos promovidas pelo movimento ambientalista, se consolida e se difunde uma
abordagem que reconhece o caráter sistêmico e integrado dos ciclos naturais, promovendo
uma releitura dos fundamentos conceituais das premissas de desenvolvimento urbano e meio
ambiente, associando-os ao conceito de desenvolvimento sustentável.
Temas como qualidade dos ambientes urbanos, qualidade ecológica da água e da
paisagem, redução do risco de cheias, sustentabilidade urbana, potencial ecológico,
integração ambiental e alterações climáticas passam a compor as agendas urbanísticas em
seminários e estudos e na construção de novos arcabouços legais e institucionais, com o
apoio e o suporte de organizações mundiais como a ONU.
A discussão sobre as diretrizes do planejamento urbano e parâmetros de ocupação
urbana em áreas de fundo de vale se desvincula dos aspectos exclusivamente econômicos e
sociais e passa a incorporar exigências de planos mais abrangentes do que as premissas de
caráter setorial. A adoção das bacias hidrográficas como unidades de planejamento e a
recuperação dos rios urbanos foram incorporadas ao planejamento territorial, mobilizando
várias nações. Grupos de pesquisa e comitês de gestão foram organizados para estabelecer
metas e estratégias para a recuperação das bacias hidrográficas dos rios urbanos (SANTOS
2004; ALVIM, 2003; RUTKOWSKI, 1999).
Muitos autores alertam quanto ao quadro de deterioração e aos impactos
profundos pelos quais os cursos d'água urbanos vêm passando (SPIRN, 1995; HOUGH, 1995;
RILEY, 1998; KAHTOUNI, 2016 e HIGUERAS, 2006;). Alertam igualmente para o crescimento
das crises hídricas que afetam milhões de pessoas em zonas urbanizadas.
O quadro de deterioração das canalizações em córregos e riachos construídos
como elementos da infraestrutura urbana em fins do século XIX, sobrecarregados em função
da expansão, do adensamento e da impermeabilização das superfícies das cidades durante
o do século XX, atualmente levou a um ponto de virada na abordagem da gestão de águas
pluviais urbanas. (ALVIM, 2003; TRAVASSOS, 2010; GORSKI, 210; DELIJAICOV, 1998;
RUTKOWSKI, 1999 e SCHUTZER, 2012).
A partir dos anos 1980, no contexto das transformações da economia mundializada
(SANTOS, 2004), a questão da sustentabilidade e da economia dos recursos naturais passa
44

a ser pauta de políticas públicas em todo o mundo. Muitos países iniciaram ações e
investimentos no planejamento e em obras de recuperação de seus rios, mobilizados pelo
objetivo de garantir sustentabilidade para a questão hídrica e resgatar as qualidades
socioambientais da convivência das populações com as paisagens fluviais. Essas ações
revelaram que modelos adotados pela engenharia hidráulica, que em dado momento tornaram
possível o rápido desenvolvimento das cidades, estavam falhando e criando uma série de
problemas nas metrópoles atuais.
As soluções adotadas para a gestão das águas nas cidades, por mais da metade do
século XX, se apoiaram nos paradigmas então vigentes, do Higienismo europeu,
desenvolvendo-se em soluções de ordem estrutural e setorial (a construção de redes de
infraestrutura de coleta e afastamento de esgotos e de drenagem) e na solução da
urbanização de fundo de vales, provocando grandes impactos ambientais. Canalizar – e
muitas vezes enterrar - os leitos naturais de rios e córregos urbanos e construir avenidas onde
estavam suas margens ou sobre os leitos enterrados, foi uma solução extremamente
difundida e replicada, a ponto de parecer ser a única solução possível para essas regiões.
Mas outros modelos e outras soluções para a implantação das infraestruturas
sanitárias para o suporte das ocupações urbanas, passaram a ser propostas e implantadas
como alternativa às soluções da engenharia hidráulica convencional. Uma nova abordagem,
de caráter ambiental, passou a compor a pauta das discussões que envolviam as cidades e
seus rios e córregos.
Saraiva (1999) identifica essa fase como de “recuperação e restauro” e apresenta
vários projetos e obras implementados nas grandes metrópoles europeias como referências
desse movimento, associando a recuperação dos rios urbanos aos planos de requalificação
de frentes fluviais e de novos usos para antigas áreas industriais, em um movimento mais
amplo de regeneração urbana e não apenas dos rios urbanos. Esses planos incorporam
requalificação fluvial, restauro de patrimônios edificados e naturais, criação de parques
lineares e corredores verdes, com a implantação de infraestruturas verdes e azuis (Figura
1.4).
Porém, observa-se que já no século XXI, a abordagem às questões de drenagem e de
coleta de esgotos utilizando os cursos d’água urbanos, especialmente no Brasil, não mudou
muito. Riachos, córregos e rios continuam a ser frequentemente canalizados, para contenção,
controle e remoção das águas pluviais, conectados a tubulações e sistemas de bueiros, tendo
nas paredes de seus leitos canalizados, feixes de redes de coleta de esgoto instalados, em
uma prática denominada “engenharia tradicional”.

Esse modelo se proliferou pelas cidades, concorrendo para que, nos dias de hoje, 40
a 50% ou mais das áreas urbanas estejam cobertas por superfícies impermeáveis. Esse fato
45

colaborou para aumentar drasticamente a taxa e o volume de escoamento de águas pluviais


e para a redução da capacidade, inerente à natureza, de limpar a água. Além da interrupção
do canal, a urbanização de áreas úmidas, áreas ribeirinhas e ecossistemas florestais “reduz
sua capacidade de realizar suas funções naturais – controlar enchentes, capturar sedimentos
e filtrar toxinas e excesso de nutrientes” (BUCHHOLZ et al., 2016, p. 131).

Figura: 1.4 - Thames Riverfront em Londres e Parque das Nações em Lisboa.

Fonte: Saraiva (2020).

Tubos rachados e em colapso causam grandes inundações urbanas, uma vez que
galerias subdimensionadas não conseguem lidar com a quantidade de águas pluviais
escoadas geradas pelas extensas áreas de superfície impermeável de hoje, destacando-se
que a saúde de muitos cursos d’água está severamente degradada. Somam-se a isso as
cargas poluentes que são carreadas pelas enxurradas, comprometendo ainda mais a
qualidade das águas.
A constatação de que esse modelo de urbanização de fundo de vale, concebido pelo
ideário higienista e aplicado pela engenharia hidráulica convencional, revelou-se inadequado,
demonstra a dimensão e a importância desse passivo socioambiental urbano. Porém,
considerando-se a atual conjuntura de urbanização consolidada nas grandes metrópoles,
como enfrentar e corrigir essa condição?
46

1.2 A evolução da experiência americana na gestão, no controle das enchentes e na


conservação das águas e sua influência nas políticas setoriais no Brasil

A gestão das águas pressupõe a adoção de uma abordagem integrada, que contemple
a bacia hidrográfica como uma unidade de planejamento e todos os aspectos que envolvem
o saneamento ambiental e o gerenciamento dos recursos hídricos: o abastecimento de água,
a coleta e o tratamento de esgotos, a drenagem e a limpeza urbana. Além dessa visão
integrada, há um desafio ainda maior de se estabelecer uma estrutura institucional eficiente,
que concilie e controle limites ambientais e político-administrativos e que supere a dispersão
de papéis e responsabilidades de agentes públicos em diferentes esferas de poder que atuam
sobre essa gestão.
Como as questões ambientais não reconhecem os limites administrativos, a gestão do
saneamento ambiental, sob o viés municipal, teve que recorrer a artifícios para superar
problemas. Nesse sentido, várias foram as experiências desenvolvidas em diferentes países.
A gestão da drenagem, por exemplo, nos Estados Unidos, é conduzida pelo
estabelecimento de “distritos de drenagem” (drainage districts). Esses distritos adotam a bacia
de drenagem como a unidade de planejamento e gestão, atuando não apenas em projetos
localizados para controle de enchentes. Os referidos distritos trabalham juntamente com os
governos locais, a fim de assegurar a adoção e a implementação de normas de uso adequado
para as áreas de várzea nos planos diretores de recursos hídricos das bacias hidrográficas.
São elaborados Manuais de Critérios de Drenagem das Águas Pluviais Urbanas, que levam
em consideração questões relacionadas às políticas, à legislação e aos planos diretores de
drenagem. Os “distritos de drenagem” prestam assessoria aos governos locais, promovendo
projetos referenciais e compartilhando investimentos no desenvolvimento de projetos e na
execução de obras.
A experiência estabeleceu um método que considera aspectos legais e institucionais,
além das características físicas, constituindo um modelo eficiente, recomendado por
especialistas. Por essa razão foi adotado, por exemplo, para a região metropolitana de São
Paulo no Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê (TUCCI & MELLER, 2007
e PORATH, 2004 apud PDMAT- 3) desde o final do anos 1990. Mas a origem dessa cultura
de gestão das águas trazida pela experiencia americana remonta a mais tempo.
Em fins do século XIX, o renomado arquiteto paisagista Frederick Law Olmsted teve
uma visão de desenvolvimento comunitário que, apoiada por especialistas em biologia da vida
silvestre e ecologia da paisagem, se apropriava das dinâmicas naturais dos rios e dos
sistemas de áreas verdes de suas margens e bordas. Realizou projetos e obras que se
tornaram emblemáticas para várias cidades americanas e fundamentaram os novos conceitos
que surgem nos anos 1980 para os estudos das relações entre a urbanização, o ambiente e
47

as dinâmicas naturais.” O movimento da infraestrutura verde está enraizado nos estudos da


terra e na inter-relação do homem e da natureza, que começaram há mais de 150 anos”
(BENEDICT MA, MCMAHON, et al, 2006, apud BUCHHOLZ, 2016 p. 126. Tradução do autor).
Já em 1847, a atenção pública estava sendo atraída para os efeitos de degradação
dos solos desencadeados por atividades humanas, especialmente o desmatamento. Nessa
época, proponentes como Olmsted acreditavam que ambientes urbanos “biologicamente
artificiais” eram “prejudiciais à nossa saúde mental e física” e incorporavam parques e vias
verdes nos planos criados para cidades e vilarejos em todo o país (idem, 2016).
Quase 100 anos depois, o movimento ambiental norte-americano da década de 1960
foi alimentado pela preocupação com os impactos humanos no meio ambiente. Atitudes
predominantes a respeito da importância da Natureza e sobre quem seria responsável por
protegê-la estavam sendo desafiadas.
Durante essa época, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (United States
Environmental Protection Agency – US EPA) foi criada e o Congresso dos EUA aprovou a Lei
da Natureza (1964); a Lei da Água Limpa – Clean Water Act (1973); a Lei de Controle da
Poluição da Água (1972); a Lei do Ar Limpo (1970) e a Lei de Espécies Ameaçadas de
Extinção (1973). A presença do Estado na gestão e no controle dos recursos hídricos naquele
país é forte e atuante.
Nas duas décadas seguintes, cresceu o interesse pelos conceitos de planejamento
ambiental e pelo uso de elementos e sistemas de infraestrutura verde como práticas de
conservação ambiental. Essas estratégias tornaram-se mais holísticas e abrangentes, e as
abordagens reguladoras deram lugar a abordagens não reguladoras, como a gestão de
ecossistemas, o desenvolvimento sustentável e o planejamento regional, com o
reconhecimento de que as áreas naturais precisavam ser conectadas em escalas maiores
para proteger a biodiversidade e os ecossistemas inteiros.
Hoje, nos Estados Unidos, a infraestrutura verde é considerada uma nova abordagem
para a conservação do solo, das águas e para o manejo de recursos naturais; uma abordagem
que considera a preservação em conjunto com o desenvolvimento urbano e o planejamento
de sistemas de infraestrutura urbana convencionais. Trata-se de uma abordagem
conservacionista, pós-industrial, que considera as necessidades ecológicas dentro do
contexto das atividades humanas.

A infraestrutura verde fornece um sistema que pode ser usado para orientar o crescimento e o
desenvolvimento futuros e as decisões sobre a conservação do solo para acomodar o
crescimento populacional e proteger e preservar os bens da comunidade e seus recursos
48

naturais” 6(BENEDICT MA, McMAHON, et al, 2006, apud BUCHHOLZ, 2016, p.127. Tradução
do autor).

O Brasil, por sua vez, manifestava, desde o início do século XX, a preocupação com o
gerenciamento dos recursos hídricos, tendo sido criadas nesse período as primeiras
“comissões”, que eram instituições públicas voltadas para tratar desse tema e para suprir
deficiências do Estado na gestão dos recursos hídricos em áreas urbanas, como também nas
áreas rurais. Muitas dessas comissões se tornaram embriões de vários órgãos federais.
A questão do gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil tem, no ano de 1934,
seu primeiro marco legal, com a aprovação do Código de Águas, instituído pelo Decreto
Federal nº 24.643. Esse instrumento tinha como objetivo geral estabelecer o controle federal
para o aproveitamento dos recursos hídricos, principalmente com fins energéticos,
fundamentais para a industrialização e a urbanização no país, e adotava a energia
hidroelétrica como a matriz dominante (GOMES & BARBIERI, 2004).
O Código das Águas constituía uma legislação bastante avançada a época, por
considerar múltiplos usos da água, ainda que relacionados exclusivamente com aspectos
quantitativos do uso da água para fins agrícola e de consumo urbano, com o objetivo de
conciliar esses usos com a geração de energia. Trata-se também do primeiro instrumento de
controle do uso de recursos hídricos que deu base para a gestão pública do setor de
saneamento, sobretudo no que se refere à água destinada ao abastecimento.
Diversas cidades dos Estados Unidos, passaram por rápidos e intensos processos de
industrialização da economia e de urbanização de sua população, exigindo que o poder
público participasse de forma mais ampla e sistemática nas questões econômicas e
organizacionais, incluindo-se as questões hídricas. Como parte desse processo, a expansão
da infraestrutura hídrica incluiu pesados investimentos e reconfigurou a estrutura
administrativa, atribuindo ao Estado o papel preponderante (SILVA, 1998 apud CASTRO,
2012). Essa experiência de gestão dos recursos hídricos, vivenciada pelas autoridades
americanas, exerceu influência sobre os modelos de gestão que foram adotados,
especialmente em São Paulo, em meados do século XX.
Atualmente, no Brasil, o tema Água é regulamentado pela Constituição Brasileira
(CF/88), que estabeleceu a competência da União e instituiu o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH)7, baseado em instrumentos de comando e

6 Green infrastructure provides a framework that can be used to guide future growth and future land
development and land conservation decisions to accommodate population growth and protect and
preserve community assets and natural resources.
7 Para implementar a nova legislação, foi criado o SINGREH, que inclui o Conselho Nacional de

Recursos Hídricos; o Ministério do Meio Ambiente (MMA); o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama); a Agência Nacional de Águas (ANA) – desde 2001; os
conselhos estaduais de recursos hídricos (CERHs), bem como o do Distrito Federal (DF); os órgãos
49

controle (planos de bacia, autorização para captação e uso da água, classificação dos cursos
de água e sistemas de informação) e em incentivos econômicos para o uso “racional” dos
recursos hídricos (cobrança pelo uso da água e compensações financeiras). Entretanto, o
Estado se abstém de investimentos diretos, transferidos para agentes privados.
Ainda que o sistema nacional determine princípios básicos, essa política estabelece o
papel do Estado como regulador – tanto de questões relacionadas à dinâmica da economia
como daquelas relacionadas à oferta de serviços públicos e garantia de direitos – por meio
das agências reguladoras, no contexto de um amplo programa de renovação de paradigmas
da gestão pública implantado nos anos 1990.
Assim como no modelo de gestão das águas adotado nos Estados Unidos, o modelo
brasileiro prevê independência política às instituições, em relação às decisões sobre temas
estruturantes da economia, considerada fundamental para a eficiente alocação dos recursos.
Esse modelo americano que surgiu no período do New Deal , pressupõe uma forte presença
do Estado. Entretanto, o caso brasileiro, sob influência de um programa governamental de
redução da presença do Estado na economia, não adotou esse modelo, delegando ao
mercado esse papel.8
Quanto aos seus princípios básicos, a legislação brasileira determina a bacia
hidrográfica como sendo a unidade básica de planejamento para a implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). No tocante à gestão de tais recursos, reconhece a
água como bem público, finito e vulnerável, dotado de valor econômico, e prevê o
gerenciamento dos recursos hídricos descentralizado e com o envolvimento e a participação
do governo, dos usuários e das comunidades locais, de modo a possibilitar sempre o múltiplo
uso da água. Reconhece que a água é propriedade pública e, no caso de haver escassez, a
prioridade do uso da água será voltada para o consumo humano e dos animais.
A Política Nacional de Recursos Hídricos, estabelecida pela Lei Federal nº 9.433, de
8 de janeiro de 1997; incorpora princípios internacionalmente aceitos sobre gestão de
recursos hídricos, conforme fixados na Agenda 21 da conferência Rio-92 (CASTRO, 2012), e

dos poderes públicos federal, estaduais, do DF e dos municípios; e os comitês de bacia e as agências
de agua estaduais, cujas competências se relacionam com a gestão de recursos hídricos (CASTRO,
2002).
8 No Brasil, a criação das agências reguladoras se diferencia da experiência norte-americana, em

primeiro lugar, por não ter havido um processo amplo de discussão sobre o modelo de regulação;
discutiram-se primeiramente as leis e depois os conceitos. Em segundo lugar, pelo afastamento das
agências da dinâmica política com a ampliação do espaço do mercado substituindo a burocracia estatal
e, com a privatização da oferta de serviços públicos – serviços de saúde, educação, telecomunicações
– e indústrias de base e de um programa de flexibilização de direitos sociais, em nome da eficiência
econômica. Ainda segundo Peci (2007), não existiu, no Brasil, uma política regulatória, mas um
processo de criação de novas instituições (ROSSI & SANTOS, 2018).
50

organizou a gestão e a condução da PNRH por meio das agências reguladoras, no caso, a
Agência Nacional de Águas (ANA).
Por outro lado, quando a questão da gestão da água é analisada no âmbito regional
ou local, em regiões de ocupação urbana altamente concentrada, como na Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP), são grandes os problemas enfrentados. Sendo a região,
mais habitada e urbanizada do país, o aporte de investimentos necessários, em termos de
infraestrutura, não correspondeu ao modelo econômico e cultural da exploração irrestrita dos
recursos naturais adotado, resultando em padrões inadequados de uso, consumo e
conservação de seus recursos hídricos (CAMPOS, 2001).
Observa-se o afastamento dos agentes do Estado, substituídos pelo mercado, tanto
na implementação das ações como na execução das infraestruturas e na exploração dos
recursos naturais; e o afastamento das agências reguladoras da arena política. Esses fatores
concorreram para que a criação de um arcabouço legal, apesar de bem estruturado,
resultasse pouco eficiente, tanto na ampliação e no atendimento dos benefícios no suprimento
de água, quanto no controle sobre o consumo e os efeitos degradantes em sua conservação.
Observa-se ainda que, no tocante à questão da conservação e do uso dos recursos
hídricos, a estruturação da PNRH e do modelo de gestão, por meio das agências, adota o
paradigma da gestão setorial dos recursos, dissociando, por exemplo, a Agência Nacional de
Águas (ANA) da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), sendo que historicamente,
no Brasil, o uso da água esteve associado tanto ao suprimento urbano quanto à irrigação na
agricultura e à geração de energia elétrica. Essas distinções geram ações fragmentadas, até
contraditórias, para o tratamento dos recursos hídricos.
Assim sendo, considera-se que, no tocante à questão da gestão dos recursos naturais
que, dada sua própria natureza, compõem-se de sistemas integrados, a adoção de
abordagens de políticas setoriais mostra-se inadequada e insuficiente para articular as
complexidades resultantes das ações das sociedades sobre os meios naturais. Portanto, a
abordagem sistêmica e integrada é a única que poderá fazer frente aos desafios da
conservação dos recursos hídricos (ALVIM, 2006).
Acerca da gestão das águas nos contextos urbanos, especificamente, a persistência
da abordagem higienista, que pressupõe o rápido afastamento das águas servidas ou pluviais,
deve ser superada e adotada em seu lugar uma abordagem ambiental na qual a preservação,
a conservação e o manejo sustentável permitam o contato das populações com as águas.
Os conflitos da urbanização com relação ao abastecimento e aos usos das águas, tais
como a disposição de esgotos, a drenagem das águas pluviais e a prevenção de enchentes,
51

sempre foram um problema enfrentado desde as civilizações mais antigas9 e constituem o


maior dos problemas ambientais enfrentados pelas cidades. O uso intensivo desse recurso
nos processos produtivos dos períodos iniciais da Industrialização, como também pela
consequente explosão demográfica provocada pelas altas taxas de urbanização,
comprometeu a qualidade e a quantidade da água disponível.
Nas cidades norte-americanas anteriores a meados do século XIX, as pequenas redes
de vizinhança permitiam o gerenciamento da água com uma abordagem localizada de
fornecimento e tratamento, que incluía a coleta de água da chuva nas cisternas e a criação
de canais em ruas e becos estreitos. No entanto, com a intensa expansão urbana resultante
da industrialização, não foi mais possível gerenciar o fluxo de água da cidade utilizando-se
métodos pré-industriais. O uso de córregos urbanos para o despejo de esgoto tornou-se uma
prática padrão para engenheiros dos séculos XIX e XX.
Na segunda metade do século XIX, quando doenças epidêmicas como a febre tifoide
mataram milhares de moradores da Filadélfia, o fornecimento de esgoto e drenagem
apropriados tornou-se motivo de grande preocupação, e engenheiros municipais começaram
a planejar a canalização dos córregos antes do desenvolvimento da urbanização. Já em 1853,
o inspetor e regulador Samuel H. Kneass reconheceu que as bacias hidrográficas naturais
teriam que ser utilizadas para fornecer drenagem adequada para a cidade. Na década de
1880, quando os engenheiros da cidade elaboraram seus mapas preliminares de drenagem
dos 129 quilômetros quadrados da Filadélfia, converter muitos dos córregos menores da
cidade em esgotos foi parte integrante do plano.
Considerando que era uma prática padrão direcionar esgotos descendo a encosta até
o riacho mais próximo, eles sabiam que os córregos tornar-se-iam poluídos assim que as
áreas ao redor fossem desenvolvidas. Canalizar os riachos antes que fossem poluídos era
um passo considerado positivo para a proteção da saúde pública.
Com a rápida expansão urbana, a poluição na água potável pública passou a ser uma
preocupação, levando à colocação de milhares de quilômetros de riachos e rios em
tubulações, seguida de um processo de nivelamento do solo envolvendo o preenchimento de
extensos vales com muitas toneladas de terra.

9 Spirn (1995) se refere, por exemplo, às culturas urbanas que surgiram em climas áridos e semiáridos,
como a Pérsia e o Mediterrâneo, que desenvolveram a arte da paisagem que conserva e ao mesmo
tempo exibe a água; cuja presença não apenas determinou a localização de cidades antigas como
também a disposição de edifícios em seu interior, sendo considerada por Aristóteles não apenas
essencial à saúde (p. 160). A ligação entre o assentamento humano e o controle do fluxo de água
remonta a pelo menos quatro mil anos. Sítios arqueológicos escavados no Vale do Indo e no Punjab
mostram que banheiros e drenos eram comuns em cidades indianas há quatro milênios. Mesmo em
dois milênios a.C., os gregos e egípcios tinham suprimentos adequados de água potável para suas
cidades e ruas, tinham banheiros em suas casas e, em Creta, tinham arranjos de descarga de água
para banheiros. Tubos de barro foram usados antes de 1.500 a.C. e alguns canos nas cidades
mesopotâmicas daquela época ainda estão em funcionamento.
52

Muitas cidades americanas passaram a adotar, mesmo nesses primeiros tempos do


período industrial, sistemas de controle e medição da qualidade da água e de prevenção de
enchentes, gerando benefícios econômicos e sociais. O armazenamento durante os períodos
de cheias foi igualmente adotado, pois a escassez de água era uma realidade reconhecida,
assim como a gestão das águas dos terrenos alagadiços, com a implementação de parques
e áreas verdes destinados, tanto para o tratamento das águas de drenagem pluvial e controle
de enchentes, quanto para o tratamento de esgotos, a conservação e o suprimento de água.
A cidade de Denver, no Colorado, ao ter implantado um plano de controle de enchentes
e inundações, recuperou seus rios, adequando-os para recreação e suprimento de água,
criando o Caminho Verde do Rio Platte, um sistema integrado de 19 parques urbanos, com
182 hectares de extensão.
Woodlands, no Texas, adotou um sistema único para o tratamento das águas de
drenagem pluvial e de controle das enchentes, a fim de garantir a manutenção da qualidade
de conservação de suas águas, demonstrando compreensão em relação à importância de
que tratar, simultaneamente, as várias maneiras como as águas se movem pelas cidades traz
benefícios econômicos, sociais e ambientais.
Já Seattle, no estado de Washington, a Seattle Public Utilities (Serviços Públicos de
Seattle), integra, faz a gestão e atende os serviços de esgotamento sanitário, drenagem e
resíduos sólidos, sendo que os projetos em andamento envolvem técnicas mais sustentáveis
para a gestão de drenagem urbana, denominadas Green Stormwater Infraestructure
(Infraestrutura Verde para Águas Pluviais) (SPIRN, 1995 e PDMAT 3, 2012).
Mas nem sempre as relações entre as cidades americanas e as águas foram bem-
sucedidas. Pode-se citar como exemplo o caso de uma enchente de desastrosas proporções
do rio Mississipi, ocorrida no ano de 1928, que gerou a promulgação da Lei de Controle de
Inundações – Flood Control Act –, determinada pelo Congresso, autorizando o Corpo de
Engenharia Militar a construir um longo sistema de diques.
Outros eventos dessa natureza e de grandes proporções, ocorridos nos anos
seguintes, determinaram a liberação de recursos federais através das Flood Acts, destinados
a grandes obras de controle de enchentes: Pittsburgh, em 1936; Ohio, em 1937 e Vanport,
em 1948. Em 1965, a passagem do furacão Betsy causou destruição e mortes em Lousiana
e, no mesmo ano, obras foram iniciadas com previsão de término em 2015. Em 1979, a
inundação do rio Pearl, no Mississipi, deixou dezessete mil desabrigados. Em 2005, a
Louisiana é novamente assolada pelo furacão Katrina. Nesse episódio, as falhas na proteção
contra furacões levaram a uma ação judicial contra o Corpo de Engenheiros do Exército dos
EUA, que ainda estava trabalhando no sistema de proteção iniciado em 1965.
Muito embora haja uma grande diversidade de leis, regulamentos e normas aplicáveis,
a principal legislação destinada a regular a gestão de recursos hídricos nos Estados Unidos é
53

a Lei Federal de Controle de Poluição da Água (Federal Water Pollution Control Act ou Clean
Water Act – CWA), estabelecida pela agência ambiental federal americana (Environmental
Protect Agency – EPA). A lei CWA, instituída pela primeira vez em 1948, estabelece os
programas ambientais que devem ser implementados no país. Em 1972, a CWA foi revisada
para incorporar o tratamento de efluentes municipais e industriais e, em 1987, a norma foi
novamente retificada para incorporar o manejo das águas pluviais.
Nos Estados Unidos, a viabilidade de sistemas inovadores de gestão de águas pluviais
é fortemente dependente da evolução dos regulamentos federais. Na esfera federal, a
responsabilidade pela gestão de águas pluviais urbanas é distribuída entre várias agências,
incluindo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (US EPA), com gestão sobre a qualidade
das águas pluviais; o Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos (U.S. Army Corps
of Engineers), com o controle de enchentes e áreas alagadas, e a Agência Federal de
Gerenciamento de Emergências (Federal Emergency Management Agency –FEMA), para o
controle de enchentes. Para alguns especialistas, uma melhor integração entre essas
agências poderia ter um impacto positivo na gestão da água urbana (PDMAT 3, 2012).
No que concerne à gestão das águas pluviais, existem diversos modelos de
instituições responsáveis pela gestão, incluindo-se os comitês de bacias hidrográficas, as
agências governamentais locais (por exemplo, um condado que possua um departamento
específico para obras de drenagem ou departamentos regionais), os serviços públicos de
águas pluviais e as instituições privatizadas. Apesar de serem caracterizados pela forma de
gestão local, esses arranjos devem funcionar de acordo com regulamentações estaduais e
federais, além de portarias locais.
Qualquer arranjo pode ser apropriado para determinada área, dependendo das
características da comunidade e da bacia. Em última instância, a decisão sobre o tipo de
organização de gestão de águas pluviais mais indicado para uma área deve ser uma escolha
conjunta de grupos de interesse local, podendo envolver a incorporação de conceitos de
gestão de águas pluviais em uma instituição já existente ou a criação de uma nova instituição.
Os conceitos e as diretrizes de caráter sistêmico que orientam as políticas públicas e
de gestão das águas nos Estados Unidos apoiam-se em experiencias bem-sucedidas que
ocorreram em algumas de suas cidades ainda no século XIX. Essa abordagem sistêmica que
associa abastecimento, saneamento, drenagem e gestão de recursos sólidos, promoveram a
construção de sistemas integrados de parques, sistemas de controle de enchentes e de
conservação das águas e, tornaram-se referencias, não apenas para esse país, mas para
uma abordagem contemporânea para gestão das águas nas cidades em todo mundo.
A experiência mais emblemática continua sendo o Emerald Necklace, projetado por
Frederick Law Olmsted, em 1891, em Boston, sendo considerado por paisagistas e
historiadores urbanos como um marco na concepção de sistemas integrados de controle de
54

enchentes e manutenção da qualidade das águas urbanas e do paisagismo. Os projetos de


Olmsted tornaram-se referências fundamentais e influenciaram a abordagem das relações
entre as águas e as cidades nos EUA, o que pode justificar os avanços na adoção de
tecnologias verdes por muitas cidades americanas.
O projeto, composto como o “Plano Geral para a Melhoria Sanitária do Rio Muddy”, foi
construído para o controle de enchentes e de poluição da Back Bay, de Boston (Figura 1.5),
e teve como “benefício incidental” o uso para recreação. Prova disso é o fato de o autor não
admitir o uso da palavra “parque”. Concebido como sistema integrado de vias navegáveis,
áreas úmidas e de vegetação, cobre uma área de 4,5 km², envolvendo desde o centro da
cidade às áreas, então periféricas, do entorno, de modo a “proporcionar um projeto
permanente, salutar e gracioso para a drenagem do rio Muddy”, conforme impresso no mapa
do plano geral (SPIRN, 1995, p. 163).

Figura: 1.5 - Parte do Plano do Sistema de Parques do Boston Common, (Parque Público Central) ao
Franklin Park, Boston, MA - Olmsted & Eliot.

Fonte: The Cultural Landscape Foundation (courtesy of the NPS, Frederick Law Olmsted National
Historic Site, 1894).

A Figura 1.6 a seguir, apresenta o Mapa do Back Bay Fens, parte do Plano Geral de
Melhoria do rio Muddy. Em destaque, pode-se visualizar o sistema adotado para o controle
das enchentes, como também das marés.
A área total da bacia do Fens somava 12 hectares e tinha capacidade para reter o
dobro da quantidade de água com a elevação de apenas alguns centímetros da lâmina de
água. Durante as enchentes, oito hectares adicionais poderiam ser cobertos pelas águas. As
margens do rio Muddy foram então niveladas e em suas margens foram construídas
alamedas, com travessias por pontes para pedestres e veículos; foram também plantados
55

arbustos, gramíneas e árvores para formarem o Riverway, que tomou a aparência de uma
várzea natural integrada à cidade. Essa área da bacia de retenção do rio Fens, que se vê no
plano de Olmsted, sofreu o impacto da construção de uma barragem no rio Charles, que
reduziu o fluxo de água das marés, sendo que parte dessa área alagável foi dessecada,
restando aterrada e incorporada à malha urbana.
Os aterros e o avanço das áreas urbanizadas sobre áreas originalmente ocupadas
pelas águas vieram ocorrendo desde o início do século XIX, quando a cidade foi fundada,
conforme se pode observar na Figura 1.7 que traz, em cinza azulado, as massas originais de
solo; em azul, as massas originais de água e; em azul-claro, as áreas de aterro que
avançaram como solo recuperado das águas.

Figura: 1.6 - Mapa do Back Vav Fens.

Fonte: American Society of Landscape Architects The landscape architects guide to Boston
(modificado pelo autor).

A cidade de Chicago foi construída em uma planície pouco acima do nível do lago
Michigan e, ao longo de sua história, tem enfrentado problemas de drenagem e inundações,
para os quais foram desenvolvidas soluções engenhosas. Em meados do século XIX, o nível
das ruas foi elevado em 3,5 m, e os edifícios foram suspendidos para viabilizar a instalação
de um novo sistema de drenagem urbana.
No ano de 1885, Chicago enfrentou uma epidemia de cólera, tifo e disenteria que
dizimou 12% de sua população, levando à criação do Distrito Sanitário Metropolitano da
Grande Chicago. Adota-se então um sistema combinado de drenagem e tratamento de
esgotos, apoiado por um sistema de bacias de retenção de águas pluviais localizado nas
56

áreas de várzea, para evitar o contato das águas pluviais com o esgoto. Esse conjunto conta
ainda com um sistema de galerias profundas para estocar os excedentes do transbordamento
dos sistemas de esgoto.
A crise econômica dos anos 1980 e o processo de desindustrialização levaram a
administração na década seguinte a buscar novas alternativas para a recuperação econômica
e social da cidade. Com o apoio de lideranças políticas e empresariais, foi lançada a iniciativa
de transformar Chicago na cidade mais sustentável dos EUA.

Figura: 1.7 - Histórico dos aterros em Boston.

Fonte: Hidden Hydrology. Boston’s made land.

A partir de então, várias ações foram empreendidas, desde um amplo programa de


arborização urbana e de educação ambiental ao estabelecimento de políticas públicas de
recuperação ambiental do solo, do ar e das águas, à substituição de vetores energéticos por
sistemas com energia limpa e um plano de controle de emissões atmosféricas e de mudanças
climáticas.
57

A cidade iniciou um plano ambicioso de construção de um sistema de túneis e


reservatórios de retenção de águas e de esgotos, chamado Tunnel and Reservoir Plan
(TARP), também conhecido como “Deep Tunnel”. Trata-se de um sistema de túneis de grande
diâmetro e vastos reservatórios projetados para reduzir as inundações, melhorar a qualidade
da água em vias navegáveis da área de Chicago e proteger o lago Michigan da poluição
causada por eventuais transbordamentos de esgoto. O TARP captura e armazena as águas
pluviais combinadas e o esgoto que, de outra forma, transbordaria em cursos de água no
tempo chuvoso. Essa água armazenada é bombeada para recuperação de água em plantas
(WRPs), para serem tratadas e, posteriormente, liberadas para cursos d’água. São quatro
túneis com sistemas projetados para fluir em direção a três enormes reservatórios, com
capacidade de armazenamento de aproximadamente 77 bilhões de litros (Figura 1.8).

Figura: 1.8 - Mapa do Plano de Sistema de túneis e reservatórios TARP, Chicago.

Fonte: Metropolitan Water Reclamation District of Greater Chicago.

O caso de Denver, no Colorado, é outro exemplo significativo de uma cidade norte-


americana que implementou um conjunto de estratégias abrangentes e coordenadas para a
administração de suas águas, após enormes perdas resultantes de enchentes devastadoras.
Assim, foi criado o Urban Drainage and Flood Control District (UDFCD), Distrito de
Drenagem Urbana e de Controle das Enchentes, que vem há 40 anos adquirindo experiência,
tecnologia e administrando a parte técnica da drenagem urbana da cidade, tornando-se um
58

exemplo de excelência (BARTH, 1997 apud PDMAT, 2012). Em 1969, diversos condados
(countys)10 em torno de Denver se reuniram em assembleia para votar a criação do primeiro
UDFCD, com os objetivos de planejar, projetar, construir e operar sistemas de drenagem
eficazes, estruturar os primeiros sistemas de alerta, além de auxiliar e orientar os municípios
para que se candidatem ao programa do Governo Federal sobre sistema de seguros contra
inundações. O UDFCD de Denver foi criado para assegurar a adoção e a implementação de
normas de uso adequado das várzeas e a realização de Planos Diretores de microbacias.
Por meio dessa medida, a cidade recuperou rios, implementou um sistema de medição
da qualidade da água e um sistema integrado de caminhos verdes (greenways), que acomoda
água das cheias e atividades recreativas, esportivas e de lazer. Dentre esses, o mais
importante foi a implementação do Plano dos Caminhos Verdes do rio South Platte, com 182
ha, que liga 18 parques urbanos e se concretizou pelos esforços coordenados de
organizações públicas, privadas e de cidadãos comuns.
Em 1969 foi publicado o Manual de Drenagem das Águas Pluviais Urbanas, com o
objetivo de orientar e assegurar o controle da drenagem em toda a região metropolitana de
Denver, incluindo medidas de armazenamento na fonte, como coberturas vegetadas, praças
e estacionamentos com dispositivos de detenção. O Manual orienta o trabalho no Distrito de
Denver, trazendo questões de política, legislação e planos relacionados à drenagem das
águas e ao controle das enchentes, ao cálculo da quantidade das águas que se dirigem ao
sistema de águas pluviais, ao projeto dos sistemas de escoamento de águas pluviais e à
redução dos danos por enchentes (PDMAT 3, 2012).
A cada ano, o Distrito de Drenagem Urbana e de Controle das Enchentes de Denver
reúne uma lista de cinco a dez projetos que fazem parte de um plano diretor. Os governos
locais, então, devem concordar em pagar metade dos custos do estudo e da construção,
relativos a esses projetos, e assumir o controle depois de terminadas as obras. O Distrito se
incumbe de executar o mapeamento da várzea de cem anos, de preparar um estudo
preliminar do trabalho a ser feito e de coordenar os engenheiros consultores, em nome dos
governos locais (Figura 1.9)
A cidade de Denver cobra uma taxa de serviços de drenagem das águas, que ajuda a
financiar a construção e a manutenção do sistema de águas pluviais. A drenagem de águas
pluviais é reconhecida pelos governos locais como sendo parte do sistema urbano de
infraestrutura ambiental e, portanto, o planejamento de drenagem deve ser compatível com os
planos regionais estruturais, em uma abordagem integrada e não setorial, como acontece em

10A bacia do rio South Platte é a bacia mais populosa do Estado. O censo de 2010 registrou a existência
de 3,5 milhões de pessoas e que pode quase dobrar para 6 milhões de pessoas até 2050.
Aproximadamente 85% da população do Colorado reside na faixa frontal dessa bacia que é a mais
importante centralidade econômica e social do Colorado. A bacia do rio South Platte também tem maior
concentração de terras agrícolas irrigadas do Estado do Colorado (COLORADO WATER PLAN, 2011).
59

São Paulo e em outras cidades brasileiras. Os planos diretores de drenagem pluvial têm sido
desenvolvidos, implantados e mantidos para a maioria das bacias hidrográficas de Denver e
região (PDMAT 3, 2012).
Cada município e cada condado da região de Denver é responsável pelo planejamento
da drenagem pluvial urbana dentro de seus limites e arredores, sendo que o Distrito pode
ajudar a coordenar esforços. A cooperação entre as agências governamentais é necessária
para resolver problemas de drenagem em comum. Cabe salientar que o seguro contra
inundações é parte integrante da estratégia para o gerenciamento de perdas de inundação.
As cidades e condados na região de Denver são encorajados a participar desse programa
federal, criado em 1968.

Figura: 1.9 - Master Plan South River Platte. Projetos Prioritários.

Fonte: The Green Way Foundation. Modificado pelo autor.

A prevenção de enchentes e a conservação das águas demandam ações integradas


de grande escala com investimentos em ações estruturais, como também um conjunto de
ações individuais de efeito cumulativo, articuladas com um plano global que considere todo o
sistema hidrológico das cidades. Devido às dimensões dos EUA, diferenças regionais de
clima, de paisagens e de cultura, como também de legislação e de políticas públicas,
60

influenciam na gestão das águas. Geralmente os direitos sobre as águas são tratados como
um bem natural e a alocação sobre seus direitos é de responsabilidade dos governos
estaduais e locais, de acordo com três doutrinas básicas: direitos ribeirinhos, direito de
apropriação e permissão de uso e exploração.
Nos estados da região oriental dos EUA há mais abundância de água do que nos
estados ocidentais, onde, por sua vez, se concentrou historicamente a colonização. A gestão
da apropriação e do uso das águas foi regida de forma distinta, de acordo com as três
doutrinas expostas, cabendo ao governo federal estabelecer autoridade constitucional
destinada a regular o uso da água para todas as atividades de forma equilibrada, por meio de
19 agências que controlam o uso da água para navegabilidade, geração de energia, defesa e
provisão para o bem-estar geral. As agências mais importantes e suas respectivas
competências são: o Corpo de Engenheiros Militares, navegação, controle de enchentes,
habitat e restauração; o Serviço de Pesca e Vida Selvagem, proteção de espécies e habitat;
a Agência de Proteção ao Meio Ambiente dos Estados Unidos (US EPA), qualidade da água;
o Serviço de Conservação dos Recursos Naturais (Natural Resource Conservation Service –
NCSR), controle de enchentes e erosão, proteção dos recursos naturais; o Departamento de
Recuperação, suprimento de água potável e para a irrigação; a Comissão Federal de
Regulamentação de Energia, construção de represas para hidrelétricas e geração de energia;
e a Administração Nacional Atmosférica e Oceânica, (USGS, hidrologia, coleta e análise de
dados).
Os estados criaram agências reguladoras que atuam paralelamente aos órgãos
federais. Essas agências têm grande influência nas iniciativas que envolvem as políticas e as
ações organizadas em comitês de bacias, em paridade com as agências federais. Mas, em
situações especiais, as agências federais se sobrepõem às estaduais, como no caso do
Sistema Nacional de Eliminação de Descargas Poluentes (National Pollutant Discharge
Elimination System – NPDES) e nas regulações dos Atos de Água Limpa (Clean Water Acts).
Os sistemas de gestão de bacias hidrográficas modernos, por sua vez, são abertos e
procuram atrair outras partes interessadas que, com outras abordagens, possam garantir
colaboração efetiva e sucesso das ações, especialmente em situações de crise, de inclusão
e comunicação de operações e regras. Um exemplo é o CALFED Bay Delta Program, um
departamento criado em 1995, na Califórnia, no qual várias organizações atuam
conjuntamente, com sucesso, para a definição de ações efetivas com relação à gestão dos
escassos recursos hídricos desse Estado.
Goldstein e Hubber-Lee (2004 apud PIRES, 2016) ressaltam a importância da
existência de uma coordenação que tenha autoridade, que supere as barreiras jurídicas e a
fragmentação da autoridade quando se trata da gestão de bacias que ultrapassam limites
jurisdicionais e administrativos, e que também seja voltada para o gerenciamento da
61

desigualdade de custos e recursos, assim como para a coordenação de ações de grande e


de pequena escala na implantação de planos e projetos.
Como se pode inferir, no caso das experiências americanas relativas à questão da
gestão das águas urbanas, ainda que exista um arcabouço institucional e legal centralizador
em nível federal, que careça de maior integração, a autonomia dos governos estaduais
favorece a atuação de outros organismos na questão da gestão das águas, como os
condados, os municípios e, em especial, os comitês de bacias, conforme se vem adotando há
muito tempo.
Deve-se reconhecer também que a existência de uma cultura pioneira de ações
autônomas, baseada na atuação cooperativa, originada desde meados do século XIX e
incorporada à vida comunitária pela participação em ações das pequenas redes de
vizinhança, favorece o florescimento da noção de responsabilidade e compromisso das
populações em relação às atividades não estruturais, tão importantes na consolidação dos
objetivos dos planos de gestão de bacias e, principalmente, na sua manutenção e
longevidade.
Outro ponto a se destacar é que, devido à escassez do recurso de água potável em
boa parte das regiões do país, a conservação de qualidade e os controles do consumo de
água conduziram ao desenvolvimento de soluções técnicas e de arranjos entre diferentes
agentes públicos e privados. Essa condição contribuiu para o grande avanço quanto à
aplicação e à adoção de soluções inovadoras, que incorporam soluções mistas de tecnologia
tradicional e de tecnologias verdes, sustentáveis, no controle da qualidade de suas águas.
Outro aspecto de interesse específico para esta pesquisa refere-se às estreitas
relações estabelecidas entre os sistemas de controle de drenagem e prevenção de enchentes
e de manutenção de qualidade das águas, observados nas mencionadas experiências das
cidades americanas. Como este estudo enfoca a cidade de São Paulo, o tema Drenagem
Urbana é de grande importância, na medida em que essa região é permeada por grandes
corpos hídricos e seus afluentes.
Em São Paulo, as ações dos gestores públicos, na fase inicial da industrialização de
seu desenvolvimento urbano, atenderam prioritariamente ao planejamento econômico com a
geração de energia, em detrimento do planejamento urbano, favorecendo o intenso uso do
solo urbano, a retificação e a canalização dos rios principais, e seus afluentes, e a
impermeabilização de suas bacias. Tais ações alteraram o ciclo hidrológico da região. Por
essa razão, no longo prazo, a capacidade instalada pelo escoamento superficial foi superada,
expondo a população paulistana a frequentes inundações.
O estado de São Paulo foi o pioneiro na inserir, na Constituição Estadual, uma seção
relativa aos Recursos Hídricos recomendando à implantação de um sistema para a sua
gestão, fortalecendo assim uma discussão já iniciada pela implantação do Conselho Estadual
62

de Recursos Hídricos, resultando na Lei no. 7. 633/91, composta por duas importantes partes:
uma que trata da Política de Recursos Hídricos, seus princípios e principais instrumentos; e
outra que implanta o Sistema Integrado de Gerenciamento SIGRH, seus componentes e o
seu suporte financeiro, o FEHIDRO (ALVIM, 2003)11.
Observa-se, no âmbito das três instancias federativas que o afastamento dos agentes
do Estado na implementação das ações, assim como na execução das infraestruturas e na
exploração dos recursos naturais, resultou pouco eficiente, tanto no que concerne à ampliação
e ao atendimento dos benefícios no suprimento de água, quanto ao controle sobre o consumo
e os efeitos degradantes em sua conservação.

1.3. Considerações parciais

Este capítulo procurou apresentar um quadro geral das relações entre a urbanização
e os cursos d’água, sob uma perspectiva histórica, especialmente a partir da industrialização,
evidenciando como os impactos ambientais extremos, aos quais os rios urbanos foram
submetidos, resultaram da adoção de uma abordagem funcionalista e setorial inadequada,
tanto em relação às propostas técnicas e aos planos que não incorporaram as dinâmicas
naturais e os ciclos hidrológicos, quanto à escala adotada para as intervenções, já que as
bacias hidrográficas não foram adotadas como a unidade de planejamento.

Outro ponto destacado refere-se ao modo como esses mesmos conceitos balizaram a
construção e a adoção de políticas públicas que, por sua vez, reforçaram os impactos
negativos da urbanização sobre os cursos d’água, enfatizando que a adoção, como solução
genérica, de um modelo de urbanização de fundo de vale que não respeitou o espaço natural
das águas gerou problemas socioambientais e urbanísticos graves.

Foram discutidas as experiências americanas relacionadas à questão da gestão das


águas urbanas que, estruturadas em um arcabouço institucional e legal centralizador em nível
federal, com a autonomia dos governos estaduais, remetem ao modelo brasileiro, bastante
influenciado pelo modelo americano, em especial na elaboração do Plano Diretor de
Macrodrenagem da bacia do Alto Tietê. Reforça também a importância da adoção da unidade
Bacia Hidrográfica como a adequada ao tratamento da questão das águas, configurando uma
concepção mais avançada, conforme pretende, no Brasil, a atuação dos comitês de bacias.

11A autora ressalta como o principal objetivo dessa Política Estadual de Recursos Hídricos, conforme
expresso na lei nº 7.633/91 se estrutura no conceito do desenvolvimento sustentável ao “assegurar que
a água, recurso natural essencial à vida, ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, possa
ser controlada e utilizado, em padrões de qualidade satisfatórios, por seus usuários atuais e pelas
gerações futuras, em todo território do Estado de São Paulo.” (Alvim, 2003, p. 110)
63

Quando vista pela perspectiva histórica, a relação das cidades com os rios reflete um
quadro de afastamento, não apenas da convivência e do simbolismo que os rios tinham para
a vida das populações urbanas, mas uma transformação intensa ao convertê-los em
infraestrutura urbana de saneamento e vetor de energia. Vistos dessa forma, os rios foram
destituídos de sua natureza original como meio e veículo de um rico sistema de vidas e
construtores de paisagens sobre o território natural; foram artificializados.
Essa artificialização da natureza, como aponta Santos (2004) não apenas gerou num
processo de desnaturalização da natureza como os dissociou de seu sistema natural e das
paisagens originais. Seus leitos foram cavados e retificados, suas margens suprimidas e
transformadas em áreas impermeáveis e estéreis, transformando-os em objetos inseridos
como elementos do sistema de infraestrutura urbana, mas que permaneceram sustentados
por processos naturais, e onde degradação ambiental foi a marca da alteração dos processos
naturais para pior.
O reconhecimento desse processo dialético que se estabeleceu entre sociedade e
natureza, conduziu à revisão de paradigmas e trouxe novos conceitos nas relações das
cidades e de seus rios. Preserva-los passou a ser a prioridade, para garantir disponibilidade
hídrica fundamental a vida. E, esse novo paradigma, fez reconhecer os rios como elementos
de sistemas naturais que deveriam ser também recuperados e preservados, resgatando não
apenas suas águas, mas também as paisagens que compõem os vales fluviais com toda a
complexidade de vidas que contêm.
Essa nova abordagem conduziu não apenas a revisão dos modelos de implantação
de infraestruturas de saneamento e drenagem, mas a proposição de outros modelos de
urbanização para as bordas fluviais e áreas de fundo de vale, que resgatassem as paisagens
ribeirinhas como espaços de vida para flora e fauna, para o convívio das pessoas com as
dinâmicas e os elementos da natureza, promovendo melhoria climática e estabelecendo
outros padrões de relacionamento das cidades com suas águas, pautados por uma
abordagem sistêmica determinada por parâmetros de sustentabilidade e não apenas de
eficiência que marcaram essa fase da artificialização dos rios.
64

CAPÍTULO 2. NOVAS ABORDAGENS PARA URBANIZAÇÃO EM ORLAS


FLUVIAIS E FUNDOS DE VALE

Este capítulo apresenta uma revisão de conceitos com abordagens ambientais


referente a urbanização e que conduziu a novas configurações dos modelos de urbanização
e das concepções de sistemas de infraestrutura urbana, promovendo a recuperação e de
requalificação das paisagens fluviais. Investiga ainda metodologia e processos de
planejamento e projetos a partir de estudos de caso, que tratam especificamente do problema
da gestão de riscos referente das inundações urbanas. Apresenta nesse sentido dois estudos
de caso das cidades de Nova York e de Blumenau que elaboraram planos de controle e
prevenção de inundações, por serem duas cidades com um processo de urbanização
consolidado que enfrentam a necessidade de adequações de suas estruturas a esses eventos
hidrológicos. No caso de Nova York contribuiu também a contemporaneidade do processo,
ainda em curso. E Blumenau, por ser pioneira na elaboração de um plano de controle de
inundações abrangente no Brasil.

2.1 Projetos de reconversão de infraestruturas, requalificação de orlas fluviais


e revitalização de rios urbanos

A presença de estruturas técnicas que perderam sua funcionalidade ou que, ainda


ativas, criam vazios residuais em seu entorno, compõe uma paisagem comum às grandes
cidades e tem constituído campo de atuação de arquitetos, urbanistas e paisagistas, para
implantação de planos e projetos de reconversão de infraestruturas urbanas, promovendo
importantes transformações socioambientais.

O parque High Line, em Nova York; ou o do rio Cheong Gye Cheon, em Seul; ou o das
áreas portuárias de Puerto Madero, em Buenos Aires; ou a Estação das Docas, em Belém,
no Brasil; o Inner Harbor em Baltimore, nos Estados Unidos; ou ainda o projeto UVA (Unidades
de Vida Articulada), em Medellín, Colômbia, são exemplos de como as áreas urbanas
metropolitanas consolidadas e dotadas de infraestruturas desativadas, ou não, têm outras
potencialidades.

O que se observa em vários desses projetos de recuperação ou reconversão de


infraestruturas é o resgate da presença da natureza e, em especial, das águas, como um
elemento que protagoniza, uma potência socialmente agregadora aos espaços urbanos
envoltórios, conferindo ou resgatando qualidades ambientais específicas, na maioria das
vezes, associadas à presença da vegetação.
65

Essa integração água-vegetação – chamada infraestrutura verde-azul – resgata, em


muitos casos, as dinâmicas ecossistêmicas dos biomas originais, conferindo aos ambientes
próximos qualidades caracterizadas segundo alguns autores como serviços ambientais de
regulação, culturais e de suporte (DEMANTOVA, 2009, BURKHARD et al, 2012, NAEEM et
al, 1999, COSTANZA, R. d’ARGE R. de GROOT R.et al,1997).

As águas e suas áreas de orla (quer sejam marítimas ou fluviais) promovem,


simultaneamente, o espaço de encontro e convívio das populações entre si e com os
elementos da natureza nas paisagens urbanas; resgatam o conforto climático, promovendo
redução de temperatura, aumento de umidade e melhoria da qualidade do ar; reduzem a
poluição sonora urbana; controlam enchentes e erosões; regulam a disponibilidade dos
depósitos de águas no subsolo e purificam águas e resíduos, para citar alguns de seus efeitos
mais notáveis.

Seus efeitos positivos, entretanto, não se restringem apenas a aspectos climáticos e


socioambientais. Consolidam-se também como estratégias de recuperação e reconversão
urbanística e econômica de áreas subutilizadas, promovendo a valorização da vida pública,
dinamizando atividades econômicas locais e promovendo o turismo. Os planos e projetos de
reconversão urbana e revitalização de rios e orlas fluviais ou marítimas apresentam soluções
de infraestrutura urbana, especialmente de drenagem e de desenho urbano, que geralmente
envolvem mobilidade.

Essas estruturas técnicas, com vazios residuais em seu entorno, compõem uma
paisagem na qual a aparência de abandono de “estruturas fantasmas” revela uma ociosidade,
que como nos sistemas produtivos geram os excedentes necessários à reprodução do capital;
como também, o paradoxo da expansão acentuada da divisão desigual na distribuição dos
benefícios das riquezas entre as regiões e as populações urbanas (HARVEY, 2014).
Considerando que Milton Santos (2002) descreve a paisagem como um conjunto de
formas que exprimem heranças representativas de determinadas relações tidas entre os
homens e a natureza em determinados lugares, são reconhecíveis nessas paisagens,
expressões de heranças, algumas ativas outras descartadas no processo histórico dessas
relações socioambientais.
Por sua vez, o autor também revela de que modo a técnica foi historicamente
instrumentalizando a Natureza. Em tempos remotos “[...] o homem se comunicava com o seu
pedaço da Natureza praticamente sem mediação [...]” (SANTOS, 1992, p. 100) e a técnica
buscava imitar a natureza. Porém nos tempos atuais,

“[...] a economia se tornou mundializada, e todas as sociedades terminaram por


adotar, de forma mais ou menos total, de maneira mais ou menos explícita, um modelo
66

técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recursos naturais e humanos” (


Santos, 1991, apud Santos, 1992, p. 97).

Essa natureza que originalmente era una, quando “tecnicizada” torna-se socialmente
fragmentada e “unificada pela história, em benefício de firmas, estados e classes
hegemônicas” (idem, ibidem), uma natureza abstrata, assim como os inumeráveis objetos
técnicos criados para atender a finalidades específicas.
As águas e outros elementos naturais como o solo, a vegetação e a vida animal nas
sociedades urbanas que são reconhecíveis nos rios, córregos ou ribeirões, lagos ou orlas
marítimas, por sua vez foram artificializados e transformados em componentes dos sistemas
de infraestrutura urbana, e são tratados de forma displicente e esbanjadora.
São também deslocados temporalmente, remetendo a um outro tempo histórico,
deslocado do presente, a exemplo dos conjuntos de edifícios em desuso nas paisagens pós-
industriais das cidades. Tornam-se resíduos ociosos, por não atenderem mais às
necessidades imediatas dessas sociedades. São identificados como barreiras a serem
superadas pela técnica nos planos urbanos. No entanto são a presença da água, esse
elemento da natureza primordial, que ainda determina as condições de sobrevivência e de
reprodução das sociedades. Portanto, resgatar e revelar, mais uma vez, sua importância,
constitui tarefa importante a ser empreendida nestes tempos atuais.
Riley (1998), como outras autoras, reafirma esse compromisso ao enfatizar a
importância de se promover a recuperação de regiões de bordas de água e de paisagens
fluviais urbanas e rurais. Sua publicação tem uma abordagem sistêmica apresentada de forma
pragmática, fruto de extensa experiencia na direção de equipe multidisciplinares, em
processos de recuperação fluvial; e apresenta diretrizes e meios para se atingir o objetivo de
se construir relações harmoniosas entre o ambiente, as dinâmicas naturais e o ambiente
construído. Destaca, de princípio a importância de se constituir um agente no papel do
Planejador de Rios Urbanos, capaz de reunir, organizar conhecimentos e, no caso da
execução de um plano, negociar com os tantos técnicos que devem ser envolvidos nos
estudos sobre rios e urbanização. Esses técnicos serão os planejadores de bacias
hidrográficas, incluindo estudiosos de inundações e da composição de caminhos verdes
(greenways); biólogos especializados em peixes e vida selvagem; botânicos e arquitetos
paisagistas.
Sob a ótica das questões ambientais, tais intervenções incorporam uma abordagem
sistêmica que elege as bacias hidrográficas como unidade de planejamento; adotam soluções
de macro e micro drenagem associadas a padrões de ocupação do solo e sistemas mistos de
infraestrutura de drenagem; e integram planos e projetos de habitação, saneamento,
drenagem e áreas verdes (especialmente em áreas vulneráveis), tratando as áreas de fundo
67

de vale como sistemas de parques verdes-azuis, com funções de lazer e de atividades ao ar


livre, para que sejam efetivamente ocupados, acolhidos e cuidados pelas comunidades
ribeirinhas.

Do ponto de vista das questões urbanísticas, os planos e propostas mencionados


promovem revitalização e recuperação de orlas, envolvendo desenho urbano, infraestrutura,
mobilidade e paisagismo. Empregam soluções corretivas ou substitutivas para grandes
infraestruturas, e investem na recuperação da qualidade das águas. Constroem arcabouços
legais e campanhas permanentes de educação ambiental, para garantir aderência e apoio de
populações e usuários e, captar atores e investidores públicos e privados para os benefícios
econômicos decorrentes das valorizações subsequentes.

Cengiz et al (2016) enumeram que a restauração e a revitalização dos rios e das áreas
de várzea ecologicamente sensíveis podem apresentar os seguintes benefícios e vantagens,
dos pontos de vista ambiental e econômico:
• Melhoria da qualidade da água e limpeza e tratamento de fontes de água
potável de baixo custo;
• Redução dos danos da inundação e dos custos dos sistemas de controle de
inundação;
• Baixo custo dos sistemas de gerenciamento de águas pluviais;
• Baixos custos de expansão e infraestruturas relacionadas;
• Reativação da frente ribeirinha com novas oportunidades de moradia,
escritórios e serviços comerciais que atraem novos moradores, empresas e visitantes;
• Criação de novas oportunidades de emprego para os residentes nos negócios
de construção e comerciais;
• Fornecimento de oportunidades recreativas, espaços abertos e áreas do
parque;
• Valores mais elevados de propriedade e novas receitas fiscais;
• Aquisição de fundos de governos estaduais e federais, voluntários e amplo
apoio financeiro.

Os autores apresentam cinco estudos de caso de projetos de recuperação e


revitalização dos seguintes rios em cidades americanas: rio Mississipi, nas cidades de
Minneapolis, Baton Rouge e New Orleans; rio San Antonio, em San Antonio; riacho Nine Mile
e riacho Onondaga, ambos na cidade de Syracuse, e o projeto do Corredor do Rio Trinity, na
cidade de Dallas.
68

Os projetos implantados contemplaram a revitalização12 e requalificação com


tratamento das margens, recuperação da vegetação e de paisagens ribeirinhas, traçados de
caminhos para pedestres e áreas de recreação e lazer. Vários córregos e rios foram
restaurados em cidades de pequeno ou grande porte com o intuito de atrair investimentos e
melhorar a economia do turismo.
Ganharam muitos recursos adicionais, como passeios contínuos seguindo ambos os
lados do rio, além de lojas, restaurantes e hotéis voltados para o rio (Figuras 2.1 a 2.6).

Figura: 2.1 - Orla Fluvial do Rio Mississipi em Minneapolis, Minnesota, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz (2016).

12 Para Cengiz (2013), a Revitalização de um curso d’água tem como objetivo estabelecer as
relações entre o corpo d'água e a paisagem de forma funcional, ou seja, reintroduzir o canal dando
novamente vida a este, sem privar outros usos. Alencar & Porto (2020) reconhecem que os
projetos de revitalização são mais integrados a cidade, e podem ser concebidos para diversos
usos da água que sejam atrativos para a população; permitir a ocupação das várzeas exigindo
menores gastos com desapropriações ou remanejamento de estruturas viárias e de infraestrutura,
restritas às áreas mais críticas.
69

Figura: 2.2 - Orla Fluvial do Rio Mississipi em Minneapolis, Minnesota, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz (2016).

Figura: 2.3 - Parque à beira do Rio Mississipi em Baton Rouge, Lousiana, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz (2016).


70

Figura: 2.4 - Vista do Rio Mississipi em Baton Rouge, Lousiana, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz (2016).

Figura: 2.5 - Feira e Centro de Exposições na orla do Rio Mississipi em New Orleans, Lousiana, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz (2016).


71

Figura: 2.6 - Vista da orla do Rio Mississipi em New Orleans, Lousiana, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz (2016).

O Passeio do Rio (River Walk) teve como base um projeto de prevenção de


enchentes desenvolvido após uma inundação devastadora em 1921, cujo plano inicial tinha
como objetivo orientar o fluxo do rio, confinando o leito em um canal com profundidade maior,
e pavimentar as áreas de várzea remanescentes para criar uma rua, com a construção de um
canal que acompanhou os meandros do rio na área central da cidade e tratamento de áreas
de borda.
A frente ribeirinha de San Antonio adotou uma integração entre o curso do rio, muito
estreito, e o uso do solo em seu entorno. Barcaças estão disponíveis para os turistas e
visitantes, criando uma atmosfera alegre de entretenimento. O elemento ponte serve como
um elemento romântico, conectando os lados da cidade e criando uma paisagem que permite
ao visitante desfrutar das atividades existentes nas margens desse rio urbano (Figuras 2.7 e
2.8)
No riacho Nine Mile, situado perto da cidade de Syracuse, a nordeste de Nova York
nos EUA, a pesca, as zonas úmidas e florestas ribeirinhas são de especial importância para
a bacia e foram preservadas. As zonas úmidas desempenham um importante papel na
proteção da qualidade da água do riacho Nine Mile, ao mesmo tempo agindo como uma zona
de proteção contra inundações. Várias comissões (Save the Country Land Trust e Nine Mile
Creek Conservation Council) trabalham ativamente na proteção de muitas zonas úmidas
presentes ao longo do corredor do riacho Nine Mile. Uma das características únicas é a
floresta ao longo do rio.
72

Figura: 2.7 - Vista do Passeio do Rio San Antonio, Texas, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz, (2016).

Figura: 2.8 - Vista do Passeio do Rio San Antonio, Texas, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz, (2016).

Situado na cidade de Syracuse, o riacho Onondaga foi objeto de um plano de


revitalização ao longo de seus 14,49 km. O plano projetado para a Bacia do riacho Onondaga
ampliou as oportunidades sociais e econômicas ao longo do curso do riacho, além de melhorar
a qualidade do habitat e da água, obtendo simultaneamente benefícios econômicos e
73

ecológicos, bem como sua revitalização. A redução da qualidade da água ao longo do riacho,
as mudanças de habitat e o acesso público limitado foram os principais problemas
relacionados ao riacho. (Figuras 2.9 a 2.11).

Figura: 2.9 - Parque do Canal de Erie, Syracuse, Nova York, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz,(2016).

Figura: 2.10 - O Riacho Nine Mile, Syracuse, Nova York, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz, (2016).


74

Figura: 2.11 - Vista do Parque Linear do Riacho Onondaga, Syracuse, Nova York, EUA.

Fonte e autoria: Cengiz, (2016).

A partir destes estudos de caso, Cengiz et al (2016) enumeraram as seguintes


recomendações a serem adotadas no processo de planejamento ecológico em projetos de
requalificação da paisagem de rios urbanos:
1. Os valores paisagísticos naturais e culturais dos rios e áreas historicamente
importantes devem ser integrados a potenciais centros turísticos na região, a fim de melhorar
o turismo fluvial e a recreação. Os principais objetivos dos estudos de revitalização de rios
são fornecer benefícios ecológicos e econômicos.
2. As características ecológicas sustentáveis dos rios e limites das áreas de
inundação (2-5-10, 25-50-100 e 500 anos de inundações) devem ser determinadas e tratadas
nos planos de desenvolvimento da cidade.
3. A avaliação dos sistemas de espaços urbanos abertos e verdes dessas áreas
para benefício público é importante. Portanto, pode ser possível fornecer proteção contra o
risco de inundação, especificando os limites da área de inundação nas margens dos rios e
para criar locais recreativos modernos para uso público na cidade.
4. Os Planos de Gestão da Bacia e os Planos de Gestão do Risco de Cheias
Urbanas devem ser preparados e integrados aos planos diretores das cidades.
5. Os principais objetivos devem ser proteger, desenvolver e usar as atuais
características da paisagem do rio, conservando-as para as próximas gerações.
6. O planejamento dos estudos da paisagem dos rios para proteger suas
características e aliviar os efeitos do aumento da pressão populacional e da urbanização, a
75

fim de preservá-los para as futuras gerações, é muito importante. Os principais objetivos dos
estudos da paisagem, planejados em diferentes escalas, devem ser: atender às crescentes
demandas de crescimento futuro da população e desenvolver estratégias para a proteção das
valiosas características da paisagem valorizada da bacia hidrográfica.

Tais recomendações nos interessam sobremaneira, pois tratam especificamente dos


conflitos presentes entre os temas Urbanização, Drenagem, Sistemas de controle Enchentes,
todos relacionados a esta pesquisa. Merece destaque no âmbito das recomendações
elencadas, a importância primordial da definição de limites à ocupação, determinados a partir
das manchas de inundação.

2.2 Da infraestrutura urbana à infraestrutura verde

No contexto do movimento ambiental nos anos de 1970 e 1980, nos Estados Unidos,
foram recuperadas as ideias do arquiteto paisagista Frederick Law Olmsted que, no final do
século XIX, apoiado por especialistas em biologia da vida silvestre e ecologia da paisagem,
construiu propostas de desenvolvimento comunitário por meio de projetos de infraestrutura
que incorporavam parques e vias verdes nos planos criados para cidades e vilarejos em todo
o país (BUCHHOLZ, 2016). Os conceitos de planejamento ambiental e do uso de elementos
e sistemas de infraestrutura verde como práticas de conservação ambiental ampliaram-se,
especialmente entre os pesquisadores e os gestores públicos americanos.
De maneira geral, o que se observa num processo global de revisão de conceitos e
paradigmas, nas questões da gestão das águas urbanas, é a adoção de abordagens mais
abrangentes, por meio das quais a visão da engenharia hidráulica tradicional de base
higienista, de promover o afastamento das águas servidas (esgotos e drenagem), vem sendo
substituída por uma abordagem sistêmica, que se apoia no conceito de convivência e de
manejo sustentável das águas urbanas.
Nesse contexto, os rios e os pequenos córregos e riachos deixam de ser condutores
de esgotos e drenagem para se tornarem áreas de convívio, encontro e fruição. A solução
urbanística e de infraestrutura representada pelas canalizações é substituída por soluções
sistêmicas de retenção e retardamento, armazenamento, tratamento e infiltração das
águas pluviais, e por soluções urbanísticas de revitalização e recuperação das
paisagens fluviais urbanas.
Em síntese, em substituição ao conceito de gestão isolada das águas urbanas, adota-
se o conceito de gestão integrada do ambiente, considerando as relações e a articulação da
76

ocupação territorial, do abastecimento público, da coleta e do tratamento de esgotos sanitários


e da limpeza pública.
No que se refere à questão de gestão das águas e das pressões da urbanização, há
que se ter em mente o reconhecimento de uma divisão na adoção de medidas estruturais –
obras de infraestrutura hidráulica e ambiental – e não estruturais – a exemplo do controle de
ocupação do solo, a educação ambiental – (Tucci, 2005). No caso da aplicação de soluções
de drenagem sustentável, há uma atuação conjunta e equilibrada desses dois grupos, pois
trata-se de uma técnica caracterizada pelo sistema verde-azul, que implica a adoção de
medidas que atuam na fonte e, por funcionarem juntamente com os sistemas naturais,
demandam menor manutenção.
Considerando que o sistema estrutural de escoamento rápido das drenagens falhou,
uma nova abordagem técnica surgiu, recebendo diferentes denominações, em função dos
locais em que foram desenvolvidas, como o Low Impact Development (LID), nos EUA e
Canadá; o Sustainable Urban Drainage System (SUDS), no Reino Unido; o Water Sensitive
Urban Design (WSUD), na Austrália; e o Low Impact Urban Design and Development (LIUDD),
na Nova Zelândia. Essas iniciativas geraram um conjunto de manuais de procedimentos para
projetos de drenagem sustentáveis, que conciliam as técnicas da hard engineering e da soft
engineering para explorar as qualidades de cada uma delas, de modo a criar sistemas
resilientes, resistentes a pequenas falhas e com baixa manutenção.
O conceito de LID (Desenvolvimento de Baixo Impacto) prevê a adoção de estruturas
que promovam o amortecimento das vazões e picos, tais como pavimentos permeáveis e
semipermeáveis; reservatórios de detenção e retenção; trincheiras, valas e poços de
infiltração; micro reservatórios, telhados reservatórios e telhados verdes; bacias subterrâneas
e faixas gramadas. O manual LID, produzido pela University of Arkansas Community Design
Center (UACDC), traz exemplos dessas aplicações conforme expostos a seguir.
As concepções dessas aplicações se apoiam em conceitos, estratégias e leituras das
questões urbano-ambientais e incorporam aspectos relacionados a esses temas,
apresentando vantagens ambientais e econômicas,
A adoção de soluções de infraestrutura que se fundamentam no conceito do
Desenvolvimento de Baixo Impacto (LID) é uma abordagem de gestão de águas pluviais
baseada na ecologia, que favorece a engenharia ecológica para o gerenciamento de
chuvas no local, por meio de uma rede de tratamento utilizando vegetação (Arkansas,
2010).

O objetivo do LID é sustentar o regime hidrológico original de um sítio utilizando


técnicas para infiltração, filtragem, armazenamento e evaporação do escoamento de águas
pluviais perto de sua fonte. Ao contrário da infraestrutura convencional de redes que
77

canalizam e conduzem o escoamento por meio de tubulações, bacias de contenção, calhas e


sarjetas, as estratégias LID corrigem o escoamento poluído, valendo-se de uma infraestrutura
de paisagens de tratamento distribuídas sobre o território e integradas a sistemas de escala
local, tais como canteiros ou até áreas maiores, como praças e parques lineares (Figuras 21
e 22).
Suas aplicações abrangem as mais diversas escalas, desde soluções para a escala
dos lotes individuais até escalas urbanas, passando pela adequação de sistemas de coleta
pluvial e drenagem em ruas e calçadas, a quarteirões ou grandes áreas urbanizadas.
Os referidos sistemas não exigem a substituição dos modelos convencionais de
infraestrutura de drenagem profundos construídos nas cidades, mas incorporam-se a esses
sistemas, criando uma rede de soluções de captação e de infiltração superficial que se adapta
a essas redes existentes, aliviando-as das sobrecargas decorrentes da impermeabilização
das superfícies construídas nas cidades.
As imagens apresentadas abaixo (2.12 a 2.20) foram extraídas de um Manual13
destinado a dar publicidade aos conceitos e às aplicações do LID. Foi elaborado pela
Community Design Center da Universidade do Arkansas (UACDC), uma espécie de “empresa
modelo” que promove o desenvolvimento criativo no Arkansas, por meio de soluções de
design, pesquisa e educação, juntamente com alunos e professores. O centro foi criado em
1995 como um programa de extensão da Fay Jones School of Architecture + Design. Possui
suas próprias instalações e mantém uma equipe de design e planejamento em tempo integral,
que oferece serviços profissionais para comunidades e organizações em todo o país.

13A publicação Low Impact Development: A Design Manual for Urban Areas foi resultado de um trabalho
premiado feito pela University Arkansas Community Design Center liderado pelo professor adjunto Jeff
Huber sob encomenda da US Environmental Protection Agency e da Arkansas Natural Resources
Commission e publicado em 2010. Com uma abordagem original destina-se aos gestores públicos e
empreendedores incorporando as características urbanísticas das cidades americanas de lotes
suburbanos onde propõe uma rede de tratamento das águas pluviais e subterrânea implantada nas
escalas de bairro, municipal e regional.
78

Figura: 2.12 - Integração das infraestruturas de baixo impacto (LID), ao sistema hidrológico natural.

Fonte: Arkansas, 2010.


Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020

Figura: 2.13 - A infraestrutura convencional e a infraestrutura verde.

Fonte: Arkansas, 2010.


Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.
79

Figura: 2.14 - Referencias de sistema de rede de drenagem convencional versus sistema LID.

Fonte: Arkansas, 2010.


Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.

Figura: 2.15 - Cortes esquemáticos comparando os sistemas convencionais de drenagem e os


sistemas LID.

Fonte: Arkansas, 2010.


Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.
80

Figura: 2.16 - A abordagem sistêmica das soluções LID aplicadas em diferentes escalas: do lote à
rede de infraestrutura de uma cidade.

Fonte: Arkansas, 2010.


Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.

Figura: 2.17 - Soluções LID aplicadas na escala do lote.

Fonte: Arkansas, 2010.


Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.
81

Figura: 2.18 - Soluções LID aplicadas na escala do bairro.

.
Fonte: Arkansas, 2010.
Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.
Figura: 2.19 - Ecobulevares: áreas urbanas centrais que fazem o tratamento de água pluvial.

Fonte: Arkansas, 2010.


Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.
82

Figura: 2.20 - Estratégia LID aplicada em sistemas de espaços abertos.

Fonte: Arkansas, 2010.


Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.

Nas áreas rurais, as preocupações com a planície de inundação são diferentes. Os


grandes espaços abertos na várzea dessas áreas são uma vantagem. As estratégias de
manejo nesses espaços devem se concentrar no controle da erosão e no carregamento
excessivo de nutrientes, bem como na vegetação dos bancos fluviais para restaurar as
funções naturais do ecossistema.
Finalmente, em comunidades que apresentam terras preservadas, com densidade
muito baixa e que contam com muito mais espaços abertos, o sistema natural estará
provavelmente em equilíbrio. Portanto, as áreas que reúnem essas condições oferecem a
oportunidade de terem suas funções de várzea protegidas no início, resultando na
preservação de valiosos habitats.

2.3 Os princípios para o desenho ecológico/ambiental das bordas fluviais: referências


de recuperação de rios

A classificação dos corpos d’água é estabelecida em uma abordagem que considera


recursos de três ordens: hídricos, biológicos e sociais, e que subordinam, de acordo com seu
contexto e suas condições, as soluções mais adequadas para sua recuperação. Por exemplo,
83

um corpo d’água inserido em um fragmento florestal reúne as condições ideais para sua
renaturalização; mas, sob as pressões antrópicas encontradas nas áreas urbanas, encontra
inúmeras barreiras.
Destaque-se que, mesmo dentro de uma única bacia urbana, podem ser encontradas
situações diferentes para um mesmo corpo d’água. Assim, em uma eventual análise, devem
ser identificados e classificados trechos do mesmo corpo d´água, de acordo com a natureza
das intervenções impostas a ele pelo processo de urbanização.
Um corredor fluvial típico apresenta várias características trazidas por processos
geológicos e hidrológicos efetivos em paisagens. O canal fluvial percorre a paisagem,
escavando o terreno e depositando sedimentos ao longo do seu trajeto. Depósitos
sedimentares e depressões nos bancos de areia podem formar zonas úmidas, que são
sempre ou periodicamente inundadas com água.
Portanto, recomenda-se incorporar nessas análises as características fisiográficas
das bacias, tais como: várzeas, leitos maiores e menores, manchas de inundação de 100 anos
(TR 100), recursos naturais e ecossistemas, comunidades naturais e funções ambientais das
áreas de inundação.
Ann Lawrence Riley publicou em 1998 um guia para recuperação de córregos
urbanizados considerado como referencial para o tema. Em Restoring streams in cities: a
guide for planners, policymakers, and citizens, a autora que é diretora do The Waterways
Institute em Berkeley, se apoiou em sua experiencia em processos de recuperação de
córregos e trata dos fundamentos básicos da hidrologia, botânica e engenharia hidráulica para
determinar métodos e procedimentos necessários que orientem planejadores e as equipes
multidisciplinares que devem estar envolvidas nessas ações.
Sua publicação tem grande abrangência e trata do planejamento do uso do solo, de
projetos locais e de medidas de restauração de bacias hidrográficas, envolvendo modificações
do canal de córregos e estratégias de proteção contra inundações que podem ser usadas no
lugar de projetos de obras públicas destrutivas e caras. A autora relaciona a importância de
se adotarem medidas e ações que atuem de forma integrada e sistêmica nos processos de
controle de inundações e recuperação dos córregos, desde do controle dos escoamentos
superficiais nas unidades privadas (residências, comerciais e institucionais, áreas de
estacionamento, etc.); controle de erosão e de sedimentação, a proteção dos canais de
drenagem e das vegetações ripárias e o controle da poluição das águas pluviais gerado pelos
escoamentos superficiais, por resíduos sólidos e poluição difusa e pela descarga de esgotos.
Cengiz (2013) apoiou-se nas pesquisas de Riley (1998) para desenvolver de forma
sintética um conjunto de princípios a serem adotados em processos de recuperação de rios e
córregos urbanos, que se colocam como referências para a elaboração bem-sucedida de
projetos de desenho ambiental nessas áreas de bordas fluviais ou em planícies de inundação,
84

organizando-os em três grupos: Princípios Gerais, de Planejamento e de Desenho (Quadro


2.1).
No que diz respeito aos Princípios Gerais, o autor propõe que se adotem metas e
objetivos que incorporem as dimensões ambientais, sociais e econômicas para os projetos de
recuperação das frentes ribeirinhas, envolvendo as comunidades locais e público em geral
para garantir aderência e longevidade aos programas e projetos.
Os Princípios de Planejamento para as orlas fluviais propostos por Cengiz (2013)
pressupõem conciliar aspectos importantes, como padrões de desenvolvimento regional,
história natural e cultural, controle de inundações, acesso público, recreação e educação e
devem ser levados em conta no planejamento da revitalização de uma frente ribeirinha. Os
cinco princípios a seguir devem ser incorporados aos planos diretores e conduzidos por
códigos de zoneamento e construção, padrões de engenharia e planos e projetos de
instalações.
Quadro: 2.1 - Os princípios para elaboração de projeto de recuperação de rios e córregos urbanos.

PRINCÍPIOS GERAIS
Metas ecológicas e metas de desenvolvimento econômico devem ser
1
conciliadas para criar benefícios mútuos,
Proteger e restaurar as características e funções dos recursos naturais dos Rios e
2
córregos,
3 Regenerar a frente ribeirinha como um território humano
Estabelecimento de compromissos são necessários para atingir múltiplos
4
objetivos
Obter ampla participação no processo de planejamento e de projeto da frente
5
ribeirinha a ser revitalizada
PRINCÍPIOS DE PLANEJAMENTO
1. Demonstrar a importância das características da relação da cidade com o rio no
1
desenho da revitalização
Conheça o ecossistema fluvial e planeje uma escala maior que a da orla
2
ribeirinha
Como o desenvolvimento os rios são dinâmicos, tenha cuidado em minimizar o
3
surgimento de novas planícies aluviais
4 Fornecer ao público oportunidades de acesso, conexões e atividades recreativas
Celebre a história ambiental e cultural do rio através de programas de educação
5
pública, sinalização e eventos ribeirinhos
PRINCÍPIOS DO DESENHO
1 Proteger recursos e funções do rio natural
2 Criar ou manter áreas naturais sensíveis para amortecer os impactos antrópicos
3 Restaurar habitats ribeirinhos e fluviais dos rios
4 Use alternativas não estruturais para gerenciar os recursos hídricos (LID)
5 Reduzir as áreas impermeáveis (hardscapes)
6 Gerenciar a água da chuva no local e usar abordagens não estruturais (LID)
7 Equilibrar atividades recreativas e de acesso público com a proteção do rio
Incorporar informações sobre os recursos naturais e os serviços ambientais de
um rio, a importancia cultural e a história dos projetos de características
8
ribeirinhas, arte pública e outras expressões que formem uma opinião sobre a
importância dos rios

Fonte: Cengiz (2013) – Modificado pelo autor.


85

E por fim, do ponto de vista do Desenho para as Orlas Fluviais, o autor enumera oito
princípios que contemplam aspectos ambientais e sociais, adotando medidas estruturais e
não estruturais, e fazendo do desenho uma importante ferramenta de consolidação dos
princípios anteriormente relacionados. Aqui as questões hidrológicas e de gestão das águas
se materializam em projetos que incorporam novos paradigmas na abordagem das relações
entre as cidades e os rios.
O autor ressalta que, por serem dinâmicos, os rios minimizam o desenvolvimento de
novas planícies de inundação e estão em constante mudança por sua natureza. Aponta, por
exemplo, que as elevações das inundações nos períodos chuvosos podem exceder os níveis
não inundáveis em alguns rios. Essas variações naturais podem ser consideravelmente
afetadas pelas mudanças antrópicas rio acima e na bacia ao redor, muitas vezes causando
resultados desastrosos. Eventos extremos de inundação, muitas vezes intensificados pelo
desenvolvimento de assentamentos na várzea, estão entre os desastres naturais mais
destrutivos.
As várzeas desocupadas e conectadas são de importância crucial para a saúde dos
rios. Futuros desenvolvimentos em trilhas e parques à beira do rio devem ser planejados para
minimizar intrusões nas várzeas. A esse respeito, as estruturas e instalações devem ser
projetadas para garantir que não haverá liberação de contaminantes durante as inundações
e nenhuma diminuição na capacidade de armazenamento de inundações ou outros impactos
à jusante.
Não deve haver uma grande estrutura permanente construída em uma planície de
inundação de 100 anos, pois tais estruturas aumentam o tamanho da superfície resistente,
agravam os problemas de escoamento e aumentam o risco de prejuízos.
O Disponível em fácil é necessário para atrair as pessoas para uma frente ribeirinha.
Outro ponto importante é a conexão visual com o rio, a partir de áreas comerciais e
residenciais próximas. O Disponível em físico e visual não deve ser confinado apenas aos
bairros ou empresas selecionados ao longo do rio reconstruído. Frentes ribeirinhas podem
oferecer muitos usos recreativos, como andar de bicicleta e observação de pássaros. As
comunidades ribeirinhas devem receber áreas ou instalações que ofereçam uma grande
variedade de possibilidades de uso.
As pessoas devem ter a oportunidade de tocar e interagir com o rio em locais
apropriados, por meio de atividades como vagar, pescar, lançar um barco ou sentar-se à
margem do rio. Projetos de revitalização econômica em frentes ribeirinhas, como novos
desenvolvimentos de uso misto com moradias, restaurantes ou cafés e espaços abertos,
tornam-se mais bem-sucedidos quando os acessos visual e físico à água são contemplados.
86

Comemorar a história ambiental e cultural do rio por meio de programas de educação


pública, sinalização de beira-rio e eventos é fundamental. As margens do rio têm uma rica
história humana e natural. Sistemas informativos e de localização podem definir o rio, seu
ambiente e como o rio e a história da cidade estão conectados. Certas atividades como
programas educacionais e culturais, performances e eventos de arte pública podem ser
organizados para atrair pessoas para a frente ribeirinha.
A educação ecológica é especialmente significativa ao longo dos rios urbanos, porque
a maioria das formas originais dos ecossistemas foi danificada. Os rios podem ser usados
como uma ferramenta poderosa na educação científica e natural, graças aos seus ambientes
ativos e visualmente ricos. A conscientização do público sobre os rios e seus sistemas naturais
proporcionará um senso de mordomia e conexão com a história dos rios.

2.4 Gestão de riscos e o planejamento urbano: uma abordagem integrada

De acordo com o relatório anual do Centre for Research on Epidemiology of Disasters


(CRED14) para o ano de 2019, as inundações e as tempestades foram os desastres naturais
que mais causaram mortes e prejuízos financeiros em todo mundo. Foram relacionados 396
eventos, afetando 95 milhões de pessoas, com um total de 11.755 mortes e prejuízos
estimados em 103 bilhões de dólares (CRED, 2019). Do total de eventos, 194 corresponderam
a inundações e 90 a tempestades, registrando 5.110 e 2.525 mortes, afetando 31 e 32,8
milhões de pessoas e causando prejuízos de 36,8 e 59,3 bilhões de dólares, respectivamente.
Os países mais afetados foram a Índia, com a passagem do furacão Fani, e o Irã, com
inundações. Mas o Brasil segue liderando como o país da América do Sul que mais eventos
apresenta ao longo de mais de 20 anos (1995 a 2019) (VIEIRA, SCHIMIDT & MOURA, 2019).

Segundo a pesquisa conduzida pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de


Desastres Naturais (CEMADEN), publicada em 2019, a região Sudeste brasileira concentrou,
no ano de 2018, a maior quantidade de áreas de risco de inundações e deslizamentos

14In 1988, the Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) launched the Emergency
Events Database (EM-DAT). EM-DAT was created with the initial support of the World Health
Organisation (WHO) and the Belgian Government. The main objective of the database is to serve the
purposes of humanitarian action at national and international levels. The initiative aims to rationalise
decision making for disaster preparedness, as well as provide an objective base for vulnerability
assessment and priority setting. EM-DAT contains essential core data on the occurrence and effects of
over 22,000 mass disasters in the world from 1900 to the present day. The database is compiled from
various sources, including UN agencies, non-governmental organisations, insurance companies,
research institutes and press agencies. Fonte: https://www.emdat.be/. Acesso em: 24 abril de 2020
87

mapeadas do país, tendo como característica o fato de serem pequenas extensões (0,05 km²
em média) localizadas próximas umas das outras (SAITO et al, 2019). Tendo em conta que
essa região também apresenta as mais altas taxas de densidade demográfica, em
comparação a outras regiões do país, é de se supor que a conjunção da proximidade das
áreas de risco e da densidade demográfica alta resultou em um maior número de pessoas
afetadas por desastres naturais no período analisado: 3.647.990 pessoas distribuídas em
16.024 áreas de risco, em 156 municípios considerados críticos.

A pesquisa caracterizou também o perfil dessa população mais afetada, de acordo


com os dados de situação econômica, e identificou que 36% das pessoas expostas viviam em
domicílios com renda per capita de até meio salário-mínimo; sendo essa a situação presente
em 20% dos municípios analisados. Identificou ainda que 71% da população exposta na
região Sudeste estaria vivendo em 38 municípios das regiões metropolitanas de São Paulo,
Rio de Janeiro e Belo Horizonte, totalizando 2.583.705 pessoas (idem, 2019).

No Brasil não existe nenhum programa sistemático de controle de enchentes que


envolva seus diferentes aspectos. A Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
(SRHU), ligada ao Ministério do Meio Ambiente, atua na definição de normas e instrumentos
para a gestão sustentável das águas no meio urbano, com base no conceito de
desenvolvimento urbano de baixo impacto, e na prevenção de inundações como medida
prioritária no trato com as águas urbanas, de maneira a evitar a perda de vidas e de patrimônio
na ocorrência desses desastres naturais. Aponta ainda a importância do aperfeiçoamento de
soluções de projeto para a drenagem urbana, com a valorização e o estímulo a formas
inovadoras de sistemas de drenagem, bem como a renaturalização de rios e córregos e a
criação de Parques Fluviais para conter a ocupação das Áreas de Preservação Permanente
(APP) ripárias e de várzeas. Porém, não apresenta qualquer programa ou plano de ação
concreto nesse sentido. Essas responsabilidades e atribuições são subordinadas aos
municípios e aos seus planos e políticas setoriais.

Compreende-se que esses desastres naturais estão relacionados aos fenômenos


hidrológicos, tendo a água (em excesso ou escassez) como o agente deflagrador (LONDE et
al., 2014 apud VIEIRA, SCHIMIDT & MOURA, 2019), o que não implica uma naturalização ou
despolitização da discussão do problema relativo a tais desastres, que têm como causa um
agente natural. Pelo contrário, pois conforme demonstrou a pesquisa da CEMADEN,
percebem-se claramente os efeitos dos processos sociopolíticos que envolvem as populações
urbanas, desde as ações antropogênicas intensificadoras das mudanças climáticas até a
vulnerabilidade e exposição de pessoas como consequência das políticas territoriais urbanas.
88

Sem dúvida, os referidos efeitos são reflexos de um modelo de urbanização


equivocado que, partindo de uma visão mecanicista, desconsidera a diversidade dos sistemas
naturais, que elimina bosques e zonas úmidas, que consome excessivamente os recursos
naturais, que altera e transforma a paisagem com a ocupação urbana de áreas
ambientalmente frágeis, tais como mangues, várzeas, fundos de vale e mananciais de
abastecimento (MELLO & RIBAS, 2004 apud SCOLARO, 2012) e que, da mesma forma, não
reservou na cidade um espaço – físico e social – para as populações vulneráveis.

Dessa maneira, anualmente no período das chuvas as áreas de fundo de vale ou de


várzeas, por serem áreas naturais de drenagem, são alagadas ou inundadas. Como a
urbanização não respeitou essas dinâmicas e ocupou essas áreas, os conflitos são
inevitáveis, e os gestores públicos lançam mão de toda sorte de argumentos para justificar o
injustificável, qual seja, a cidade está onde deveriam estar as águas!

Muitos foram os estudiosos e muitos os estudos produzidos privilegiando a análise


desse modelo de urbanização (TUCCI, 2013, 2014; ALVIM, 2003; GORSKI, 2010;
TRAVASSOS, 2010; ALENCAR, 2014; PELLEGRINO, 1995; FCTH, 2014; EMPLASA,1995),
e muitos deles indicam a imperiosa necessidade de se regrar e normatizar essa ocupação,
entendida como a única maneira de se reduzir conflitos, prejuízos e perdas humanas todos
os anos. No entanto, a urbanização segue ocupando fundos de vale, impermeabilizando
grandes extensões de solo, canalizando e/ou enterrando cursos d’água e construindo
avenidas nas margens de seus leitos.

As medidas apontam para soluções de infraestrutura, tais como a implantação de


reservatórios de detenção ou de retenção; a ampliação da permeabilidade das bacias de
contribuição no entorno desses pontos críticos e a adoção de elementos de infraestrutura
verde (de baixo impacto).

Por sua vez, as populações que vivem nessas regiões criam toda a sorte de estratégias
e lançam mão de recursos improvisados, e muitas vezes precários, para enfrentar esses
“acidentes” que têm data marcada pelo regime do clima tropical úmido característico da cidade
de São Paulo.

Outros países enfrentam outros tipos de conflitos com intempéries, alguns mais
severos. Muito se fala sobre a amenidade do clima no Brasil, graças ao fato de não serem
observados episódios de terremotos intensos, como aqueles percebidos nos países andinos
vizinhos do Brasil, ou tempestades tropicais severas, ciclones e furações, como os que
ocorrem periodicamente na região do Caribe ou nos Estados Unidos. Importante indagar de
que maneira esses países enfrentam essas situações? O que aprendem após cada
89

acontecimento e como se apropriam e se preparam para os próximos eventos dessa


natureza?

Mais uma vez, a experiência americana nesse tema será explorada neste trabalho. Em
consequência das características climáticas sujeitas a eventos extremos como furações,
ciclones e tempestades, várias cidades dos Estados Unidos elaboraram planos e
empreenderam ações que se constituem referências no controle de riscos de enchentes e
inundações, contando com o suporte de arcabouços legais de planos federais, como também
com aportes e investimentos. No âmbito desta pesquisa analisar-se-á o caso da Cidade de
Nova York, que vem elaborando um plano de controle de risco de inundações desde 2019.
Apesar dos poucos exemplos de planos de gestão de riscos a inundações em cidades
brasileiras, o caso de Blumenau (Santa Catarina) também foi considerado uma referência
deste trabalho.

2.4.1 O plano de resiliência a inundações de Nova York

Em 1936, nos Estados Unidos, foi aprovada a Flood Control Act, uma legislação federal
sobre controle de enchentes, que reconhecia a natureza pública dos programas de redução
de enchentes e elegia a implantação de medidas estruturais como um meio de reduzir esses
impactos. Com isso, acelerou-se a ocupação das várzeas, resultando no aumento dos danos
ocasionados pelas enchentes.

Em 1966, o governo reconheceu que, além de as medidas anteriores serem


inadequadas ainda geravam um alto custo, procurando, então, enfatizar a adoção de medidas
não estruturais, principalmente por meio de um programa de seguros. Nesse programa, o
proprietário que ocupa áreas de inundação, em obras financiadas pelo governo ou por
entidades particulares, é obrigado a pagar um seguro contra enchentes.

O National Flood Insurance Act de 1968, a lei nacional de seguro contra inundações
americana que faz parte dessa legislação aprovada, levou à criação do National Flood
Insurance Program (NFIP) – Programa Nacional de Seguro contra Inundações –, alterado pela
primeira vez pela Lei de Proteção contra Desastres de Enchentes de 1973, tornando
obrigatória a compra de seguro contra enchentes para a proteção de propriedades dentro das
Áreas Especiais de Risco de Inundação (SFHAs em inglês).
90

O NFIP é um programa federal subordinado à U.S. Federal Emergency Management


Agency (FEMA), a agência federal americana de gestão de riscos, e foi criado visando à
redução de futuras perdas por enchentes, por meio de regulamentações e normativas para a
definição de zoneamento, sob a responsabilidade dos agentes públicos. Determina ainda a
adequação das construções às inundações, sob responsabilidade das comunidades,
disponibilizando a estas o seguro contra inundações como proteção financeira contra perdas
por inundações para os proprietários.

No caso da cidade de Nova York, o Departamento de Edifícios de Nova York (NYC


Department of Buildings – DOB), órgão integrante do Departamento de Planejamento (NYC
Department of City Planning – DCP), tem como requisito de controle regulamentos de
zoneamento específicos para áreas inundáveis, previstos no contexto das resoluções gerais
de zoneamento. Também prevê normas de construção resistentes a inundações e exige que
todos os espaços habitáveis de novas construções ou edifícios existentes, localizados dentro
da área de risco anual da mancha de inundação de 100 anos (identificada como planície de
1% de chance anual)15, das áreas de várzeas ou costeiras da cidade, sejam adequados ou
adaptados para enfrentar esses eventos.

Em Nova York, além das normas de uso do solo, o zoneamento também estabelece
limites para o tamanho e a forma dos edifícios, com numerosos distritos de zoneamento
mapeados nos diversos bairros da cidade, determinando densidades e características
variáveis.

As edificações têm que respeitar as cotas de inundação (Design Flood Elevation –


DFE), garantindo que todos os espaços abaixo do DFE devem ser à prova de inundação. No
caso de edifícios para uso exclusivamente residencial, tais espaços à prova de inundação só
podem ser usados como espaço de Disponível em ao estacionamento ou armazenamento,
não podendo ser destinados a usos residenciais. Mesmo assim, edifícios residências nas
cotas abaixo do DFE não podem conter usos como porões, adegas ou equipamentos
mecânicos. As mesmas regras valem para edifícios de uso comercial, institucional ou
industrial, situados nas Áreas Especiais de Risco de Inundação (SFHAs).

No entanto, historicamente a Resolução de Zoneamento de NYC geralmente não leva


em consideração os padrões de construção resistente a enchentes. Consequentemente, para
responder aos danos causados pelo furacão Sandy, ocorrido em 2012, o DCP teve que adotar

151% de chance anual de planície de inundação: Também conhecida como "planície de inundação de
100 anos", é a área que será inundada pelo evento de inundação com uma chance de 1% de ser
igualado ou excedido em qualquer ano, e é designado na Agência Federal de Gerenciamento de
Emergências dos EUA (FEMA) pelos mapas de taxas de seguro contra inundações (FIRMs) e os mapas
preliminares de taxas de seguro contra inundações (PFIRMs).
91

duas emendas ao texto de zoneamento, em caráter de emergência, para remover as barreiras


de zoneamento que estavam impedindo a reconstrução e a reforma de edifícios danificados.

As normativas de Inundação (2013) e de Recuperação (2015), incorporadas ao


zoneamento, procuraram facilitar as construções para atender aos requisitos mínimos
estabelecidos nos padrões de construção resistentes a inundações. No entanto, o risco de
inundação da cidade continua a aumentar com a mudança climática, uma vez que esta traz
como consequência o aumento do nível do mar e da potência das tempestades.

O Texto de Inundação de 2013 removeu os obstáculos da Resolução de Zoneamento


de Nova York, autorizando, por exemplo, que a altura fosse medida a partir do DFE, para
permitir que os edifícios atendessem aos padrões de construção resistentes a inundações.

Os Regulamentos Especiais para Recuperação de Bairros, presentes no Texto de


Recuperação de 2015, simplificaram o processo para que edifícios antigos pudessem
documentar não conformidades e estabeleceram novas regras que permitissem a
reconstrução de casas danificadas localizadas em pequenos lotes. Essas duas modificações
foram adotadas em caráter temporário e emergencial e estão definidas para expirar nos
próximos anos.

O Departamento de Planejamento (DCP) trabalha com a hipótese do aumento do nível


do mar, em consequência das mudanças climáticas, e considera que a planície de inundação
se expanda ao longo do tempo em seu território, considerando também que a probabilidade
de enchente anual de 1% na planície de inundação seja projetada para cobrir um quarto da
massa de terra total da cidade. Essa área, que se sobrepõe intimamente com a atual planície
de inundação, com chance de 0,2% ao ano, atualmente contém o dobro do número de
residentes, em comparação com a atual planície de inundação com chance de 1% ao ano:
aproximadamente 794.500 residentes e 122.100 edifícios (Figuras 2.21 e 2.22).

Com uma compreensão abrangente dos problemas que os bairros costeiros de Nova
York enfrentam atualmente sob a estrutura de zoneamento existente, o DCP desenvolveu um
conjunto preliminar de recomendações de zoneamento em toda a cidade, aplicáveis na
planície de inundação, destinadas a auxiliar a cidade e seus residentes a serem resilientes
em longo prazo.

Além do mais, uma visão geral de outras recomendações de zoneamento DCP, que
devem ser seguidas paralelamente à proposta de zoneamento de toda a cidade, é descrita
posteriormente neste documento.

O plano determina quatro objetivos do zoneamento para resiliência a inundações


costeiras:
92

• Objetivo 1 – Incentivar a resiliência em toda as áreas inundáveis da cidade, no


contexto atual e futuro (considerando as alterações de maré previstas pelas
mudanças climáticas);

• Objetivo 2 – Apoiar o design resiliente, em longo prazo, para todos os tipos de


construção, oferecendo flexibilidade nas regras de zoneamento e de construções
novas ou adaptação das existente;

• Objetivo 3 – Permitir a adaptação como estratégias que promovam a resiliência


das edificações, seja integral ou parcial e;

• Objetivo 4 – Facilitar a recuperação de tempestades futuras, removendo


regulamentações que criam obstáculos e adotando regras que auxiliem na
reconstrução de edifícios danificados após uma tempestade ou outro tipo de
emergência.

O Plano de Resiliência de Nova York enfrenta a superação de obstáculos e limites


encontrados na gestão dos espaços urbanos da cidade frente a uma legislação edilícia e de
uso bastante restritiva.

O objetivo geral é garantir que todos os edifícios localizados em áreas de risco de


inundação costeira tenham a opção incorporar padrões de resiliência, mesmo quando não
são exigidos pela FEMA e pelo Apêndice G do Código de Construção de Nova York.

As legislações para proteção contra desastres, acidentes, incêndio e outros são rigorosas
e se refletem nas concessões de licenças para construção e funcionamento das mais diversas
atividades na cidade. Como a fiscalização é efetiva e os processos administrativos são
complexos, mesmo quando a situação é a reconstrução após algum evento; um dos objetivos
desse plano é facilitar a recuperação dos edifícios pelos proprietários, para que a gestão
publica possa atender as demandas de recuperação das estruturas urbanas em caso de
grandes desastres

Tem como metas permitir que as regras sejam alinhadas com os regulamentos do
zoneamento proposto, e não apenas baseados em lotes, como se aplicam. Dessa forma, por
exemplo, todos os edifícios localizados dentro de um lote nas áreas demarcadas pelo
Zoneamento para Resiliência de Inundações Costeiras, poderão adotar essas regras, ou até
mesmo realizar melhorias parciais de resiliência.
93

Figura: 2.21 - Mapa de inundação atual e para 2050 para a cidade de Nova York, EUA.

Current 1% annual chance floodplain.

2050 1% annual chance floodplain.

Current and Future 1% annual chance floodplain

434,500 360,000 Total: 794,500

80,900 41,2 Total: 122,100


00

X08 X12

X07 BRONX

X11
M12
X05 X06

X04 X03
X09 X10

M09 X02
X01
M10

M11

M07

M08
Q01
MANHATTAN Q07
M04 Q03 Q11
M05 M06

Q02 Q04

M02
Q06 Q08
M03

M01 K05
K01
QUEENS
K04

K02 K03 Q09 Q12

K08 Q10
K06 K16 Q05
K09 Q13

K07

K17
BROOKLYN

K12 K14
S01 K10 K18

STATEN ISLAND K11


Q14
K15
S02

K13

S03

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.


INTRODUCTION |7
94

Figura: 2.22 - As relações entre densidade e situações de risco previstas.

Zoning for Coastal Flood Resiliency


Where flood risk is high, including Where risk from extreme events can
where sea level rise will lead to be managed through infrastructure
future daily tidal flooding and context can support growth

Flood Risk and Land Use Considerations

Support Planned Density


Limit Density Adjust zoning to allow all Encourage Density
In some areas, there is a need buildings to meet resiliency In other areas, the City can
to limit future density, so as to standards, by providing encourage new development,
decrease the exposure to flexibility and removing zoning so as to increase the resilient
damage and disruption. obstacles. building stock.
Zoning for Coastal Flood Resiliency
(citywide)

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.

Figura: 2.23 - Ampliação das planícies de inundação para todos os lotes atingidos.

1% floodplain 1% floodplain
0.2% floodplain 0.2% floodplain

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.

Em longo prazos a metal é que todos os edifícios possam acesso às regras que facilitem
a proteção contra tempestades, independentemente da tipologia ou localização específica do
edifício dentro da planície de inundação da cidade (Figura 2.23).
95

Elemento importante na determinação das regras que orientam e regram os


padrões e limites de altura para as edificações, no âmbito do Plano de Resiliência, são
as cotas de inundação, determinados pela Base de Elevação de Inundação (BFE16)
garantindo aos edifícios situados no perímetro do zoneamento uma altura extra
desenvolvida para melhorar a utilidade de espaços sujeitos a inundação, desde que
estejam à prova de inundação úmida, ou usos ativos como espaço de varejo, desde que
à prova de inundação a seco17.

O que se propõe é que essa flexibilização seja estendida a todos os edifícios


situados nas zonas de inundação, determinados pelos mapas de inundação (FIRMs)
(Figuras 2.24 e 2.25).

A criação de novas regras para os coeficientes construtivos também é um elemento


chave a ser adotado, tanto em relação a novos projetos como a adaptação de edifícios
existentes.

Em relação aos projetos de novos edifícios (Design Building), o zoneamento flexibiliza


regaras de cálculo para ajudar a promover um desenho resiliente para todos os tipos de
construção.

Por meio de isenções de cálculo de área de piso, a proposta incentiva edifícios novos,
mas também os existentes a impermeabilizar o andar térreo, garantir acesso ao edifício e
projetar vitrines localizadas e visualmente acessíveis no nível da calçadas como estratégias
de paisagem urbana que amenizem o impacto nos usos elevados no domínio público.

Uma vez que um andar inteiro possa ser descontado dos cálculos da área do piso,
poderá ser utilizado para atividades como espaço comercial ou espaço de uso comunitário
(figura 2.26 e 2.27), dessa forma garantindo vitalidade e uso para os espaços mais restritos
das edificações adaptadas.

16Base de Elevação de Inundação (BFE): A elevação para a qual a água da inundação deve aumentar
durante uma tempestade de 1% anual, conforme mostrado nos FIRMs e PFIRMs da FEMA, medido a
partir do nível do mar.
17 Impermeabilização de inundação: um dos dois métodos básicos de construção resistente a

inundação, projetada para permitir a passagem de água dentro de partes da estrutura que estão
localizadas abaixo do DFE, garantindo, ao mesmo tempo, que a estrutura resista às cargas de água.
Espaços à prova de inundação úmida só podem ser usados como espaço de rastreamento, ou para
estacionamento, armazenamento e construção. Já os espaços à prova de inundação seca: um dos dois
métodos básicos de construção resistente a inundações, projetado para vedar as paredes externas de
um edifício às águas das inundações, garantindo que o edifício possa resistir a cargas de água abaixo
do nível esperado de inundação.
96

Figura: 2.24 - A extensão das regras de flexibilização das bases para definição de altura dos edifícios.

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.

Figura: 2.25 - Referencias que explicitam a importância para a paisagem urbana de se adotar
um mesmo padrão para todas as edificações.

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.


97

Figura: 2.26 - Objetivo 2: Referências sobre a possibilidade de se descontar toda a área do andar
térreo em edifícios situados nas zonas de inundação de 1% de chance atual.

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.

Figura: 2.27 - Objetivo 2: Referências sobre a possibilidade de se descontar toda a área do andar
térreo em edifícios situados nas zonas de inundação de 1% de chance anual.

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.

Outro objetivo com as regras específicas do zoneamento em foco flexibiliza regras


para facilitar a realocação de edifícios ou, de proteger os sistemas mecânicos, sem que esses
novos espaços sejam considerados nos cálculos de área de piso; e que a construção de novos
espaços nos edifícios seja necessária (Figura 2.28).

Para facilitar a recuperação de edifícios após desastres hidrológicos e agilizar a


resposta e a recuperação da cidade após esses eventos., a proposta remove
regulamentações que criam obstáculos e adota regras que auxiliem na reconstrução de
edifícios danificados após uma tempestade ou outro tipo de emergência. Porém, tais
disposições serão aplicáveis somente quando o poder público declarar estado de emergência
e serão aplicáveis dentro das “Áreas de Recuperação”.
98

Figura: 2.28 - Objetivo 3: Flexibilização de adaptações parciais em edifícios.

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.

Essas disposições seriam opcionais para proprietários de edifícios que realizam


trabalhos de reconstrução ou retrofit, mas, quando usadas, exigiriam que o edifício cumprisse
integralmente todas as disposições relacionadas, de acordo com o Código de Construção,
incluindo padrões de construção resistentes a inundações, quando aplicáveis (Figura 2.29).

A proposta do DPC recomenda ainda a ampliação dos prazos para concessão de


Permissão Especial para Restaurantes presentes em distritos recreativos à beira-mar. Essas
mudanças permitirão que os proprietários de edifícios concentrem seus investimentos em
melhorias de resiliência e outras estratégias de resiliência parcial, ajudando a diminuir as
vulnerabilidades existentes, já que a maioria dos edifícios se encontra à beira-mar e, portanto,
corre alto risco de inundação.

Surgiram preocupações em relação ao acréscimo de populações vulneráveis, como


as que vivem em lares de idosos, dentro das áreas de alto risco de enchentes. Portanto, o
DCP está examinando se o zoneamento para resiliência a inundações costeiras deve incluir
medidas que abordem essas questões. Uma das opções seria limitar a construção de novos
lares de idosos em áreas com alto risco de inundação, assim como em áreas que enfrentam
dificuldades de evacuação, uma vez que haja um mandato da cidade para fazê-lo. O DCP
99

está buscando respostas das comunidades, das agências municipais e de outras partes
interessadas nesta questão, enquanto continua a atualizar as comunidades de várzea da
cidade sobre o assunto.

Figura: 2.29 - Objetivo 4: Agilizar a emissão de autorizações para os processos de adaptações


parciais em edifícios ou loteamentos localizados em áreas de inundação, independentemente das
regras de zoneamento subjacentes, quando tiver sido declarado estado de emergência.

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.

Além das recomendações de zoneamento propostas para toda a cidade, o DCP


buscaria mudanças de zoneamento específicas, em quatro bairros recomendados como parte
da Iniciativa de Bairros Resilientes do DCP. Embora muitas das recomendações de
zoneamento dos relatórios de 10 bairros resilientes estejam sendo agrupadas em
Zoneamento para Resiliência a Inundações Costeiras, há problemas de resiliência nessas
áreas que não podem ser resolvidos por meio de uma emenda do texto de zoneamento que
privilegie a cidade como um todo. Portanto, recomendam-se ações de zoneamento locais
direcionadas para abordar as condições únicas nessas áreas (Figura 2.30).
100

O que se procura destacar nessa experiência da cidade de Nova York é como a


articulação de disposições não estruturais deve compor os planos e as normativas de proteção
de riscos para as comunidades, devendo contemplar medidas que estimulem proprietários e
empresas a se adaptarem às condições necessárias para garantir segurança e capacidade
de recuperação mediante episódios de enchentes e inundações, valendo-se de um arcabouço
legal que reconheça as condições geomorfológicas e climáticas a que estão sujeitas as áreas
de risco de inundação.

Figura: 2.30 - Zoneamentos específicos com medidas de proteção para 4 bairros.

Fonte: Zoning for Coastal Flood Resiliency, NYC, 2019.

Depreende-se também a importância fundamental da construção de um sistema de


registros oficial desses episódios, tais como os mapas de inundação para a determinação de
101

regras específicas para o ordenamento territorial e edilício dessas zonas de risco. Essas
ações articuladas dos agentes públicos garantem não somente a preservação de vidas e a

redução de prejuízos, mas ainda a construção de uma paisagem urbana ordenada e, ao


mesmo tempo, resiliente e adaptada às situações de risco.

2.4.2 Gestão de riscos de desastres naturais no Brasil: o caso de Blumenau

No Brasil a gestão de riscos para desastres naturais é contemplada no marco


doutrinário da Lei 12.608 de 10 de abril de 2012, que organiza a Política Nacional de Proteção
e Defesa Civil – PNPDEC, e prevê ações de proteção e defesa civil organizadas por ações de
prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação, às quais correspondem
responsabilidades específicas, em uma concepção de gestão sistêmica e contínua. Essa
gestão se organiza por meio do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC,
estruturado pelos órgãos estaduais e municipais de Defesa Civil e demais órgãos setoriais e
de apoio, tendo a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil – SEDEC/MI como órgão
central (Figura 2.31).

Figura: 2.31 - Gestão integrada de proteção e Defesa Civil.

Fonte: SEDEC/MI, 2017.


102

Essa lei não define hierarquia nem estrutura mínima para esses órgãos, preservando
a autonomia dos Estados e Municípios para a definição de seus órgãos e suas ações de
proteção e defesa civil, mas recomenda que, no âmbito local, os gestores de proteção e
defesa civil procurem se articular aos demais órgãos da administração pública para fortalecer
uma gestão integrada. Assim, considera necessária a articulação das políticas públicas
setoriais de ordenamento territorial, de desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente,
mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação; dentre
as principais, como também de representantes da sociedade civil, para construírem o sistema
local para a gestão das políticas e das ações de Defesa Civil e proteção.

A Lei 12.608/12 recomenda ainda a instituição de um Conselho local, com composição


paritária entre agentes públicos e organizações comunitárias de caráter voluntário, com
atuação significativa nas ações locais de proteção e defesa civil.

O rastro de sofrimento humano, aflições e mortes decorrentes dos desastres


ambientais demandam, além do atendimento emergencial, socorro e assistência, o
restabelecimento dos serviços essenciais para recuperar as condições de normalidade nos
locais atingidos. Portanto, são necessárias medidas destinadas à recuperação social,
econômica e ambiental, e à reconstrução da infraestrutura e das edificações de caráter
definitivo.

Essas medidas evidenciam o impacto dos desastres no desenvolvimento local


e nacional e na qualidade de vida de suas populações. Assim, a reconstrução apresenta uma
oportunidade para “reconstruir melhor”. Por isso é considerada uma das quatro prioridades
apontadas pelo Marco de Sendai 2015-2030, acordado entre 185 países reunidos na 3ª
Conferência das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres, em março de 2015,
no Japão. Esse documento reconhece que a gestão eficaz dos riscos de desastres contribui
para o desenvolvimento sustentável, constituindo um investimento custo-eficiente na
prevenção de perdas futuras.18

18 A publicação do Centro Estadual (CEPED/UFSC), “Relatório dos Danos Materiais e Prejuízos


decorrentes de Desastres Naturais em Santa Catarina 1995-2014” mostra que o desastre natural
ocorrido no ano de 2008, em Blumenau, registrou uma soma total de prejuízos em habitações de 1,8
bilhão de reais. Quanto à infraestrutura pública, o total dos prejuízos foi de 3,3 bilhões de reais. Outro
grande desastre, ocorrido em 2011, em sete municípios da Região Serrana do Rio de Janeiro, resultou
na morte de 905 pessoas, foi avaliado pelo Banco Mundial e registrado na publicação “Avaliação de
Perdas e Danos – Inundações e Deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro/2011”, registrando
prejuízos de R$ 4.78 bilhões, frente à economia dos municípios afetados. Já dados do IBGE para o PIB
total dos sete municípios foram da ordem de R$ 11.8 bilhões para o ano de 2009, correspondendo a
aproximadamente 40% do total do PIB desse ano. No setor de Água e Saneamento, o custo de reparo
ou reconstrução de canais e sistemas de drenagem representa aproximadamente 89% dos custos
totais (ou R$ 410 milhões). (Ministério da Integração Nacional, 2017).
103

Conforme afirmado anteriormente, a gestão de riscos pressupõe um conjunto amplo


de medidas estruturais e não-estruturais, contemplando aspectos psicossociais (ações de
ajuda material para a satisfação de necessidades básicas dos afetados, ações para recobrar
a esperança com a recuperação das atividades da vida cotidiana), econômicos (linhas de
crédito subsidiado, incentivos fiscais, isenção de impostos e outras medidas para recompor a
capacidade produtiva geradora de receitas e ofertas de postos de trabalho), ambientais
(medidas para a recuperação de ecossistemas degradados em consequência do desastre) e
medidas estruturais (reconstrução da infraestrutura, edificações e instalações).

Portanto, a reconstrução é parte importante da recuperação do cenário afetado por


desastre e, quando apoiada com a transferência obrigatória de recursos federais, refere-se à
reconstrução total ou parcial da infraestrutura, de edificações e instalações públicas ou
comunitárias, mas não atende a empreendimentos ou edificações de propriedade privada (à
exceção de unidades habitacionais de população vulnerável) danificadas ou destruídas.

Entretanto, é fundamental reconhecer que a reconstrução deve ser planejada sob uma
perspectiva de melhorar as condições originais das áreas atingidas, o que pressupõe
incorporar aspectos preventivos, que exigem intervenções baseadas na análise dos cenários
de desastre que identifiquem todos os fatores que influenciam na sua ocorrência e nos riscos
atuais e futuros.

Dentre os problemas identificados na reconstrução figuram desde baixa qualidade de


projetos básicos ou incompletos; modificações durante a execução das obras de reconstrução
que geram alto custo e se arrastam por anos; à falta de apoio técnico e de investimentos
federais para o suporte das despesas e, especialmente, ao que interessa a esta pesquisa, à
manutenção de regras e normas inadequadas das ordenações territoriais que permitiram,
anteriormente, a ocupação de áreas de risco por atividades humanas e por edificações.

Outra questão de extrema importância são os aportes financeiros necessários tanto


para as ações de competência dos Estados para medidas de apoio às populações atingidas
por eventos hidrológicos, geológicos ou químicos e de prevenção a esses acidentes; como
para as vítimas no sentido de compensarem suas perdas e prejuízos e poderem empreender
a recuperação de bens e a reconstrução de edifícios danificados.

No Brasil essas perdas são agravadas pela ausência de programas e políticas de


gerenciamento de riscos e mitigação de danos, como ferramentas de recuperação, de
fortalecimento e de restabelecimento das atividades econômicas para áreas e populações
atingidas, especialmente por eventos hidrológicos, por se tratar dos mais frequentes e
geradores de prejuízos materiais.
104

Em contraposição a essa leitura, buscou-se identificar um caso brasileiro, de uma


cidade que tivesse desenvolvido e implantado planos de prevenção de enchentes e de
atendimento em situações de risco. Foi selecionado, então, o estudo dos planos de prevenção
de enchentes da cidade de Blumenau, em Santa Catarina, conhecida por conviver com
grandes enchentes periódicas desde sua fundação.

Blumenau foi fundada em meados do século XIX por imigrantes alemães. A ocupação
da região seguiu o modelo chamado Stadtplatz, que se baseia no assentamento da população
seguindo o curso do rio, orientando a implantação da cidade às margens do rio Itajaí Açu. Em
consequência do desmatamento da mata ciliar e da ocupação indevida nas encostas, houve
o agravamento das enchentes ao longo dos anos, dadas as características físicas da região
para a ocorrência desses eventos19.

A expansão da malha urbana e o consequente aumento do impacto das enchentes


motivaram a proposição de projetos elaborados por engenheiros contratados por agentes
públicos, que recomendavam soluções estruturais, como a construção de represas, ou
medidas que promovessem o rápido escoamento das águas para evitar as futuras enchentes
e os desastres de grandes proporções, como vinha acontecendo desde o início do século XX.

Um desses engenheiros, Adolf Odebrecht, em fins dos anos 1920, propôs, além da
construção de represas e da retificação e construção de canais de escoamento das águas do
rio Itajaí, a proibição da ocupação das áreas baixas, ou, ao menos, a adequação da tipologia
das casas construídas nessas áreas, para que fossem altas, de modo que a inundação não
as alcançasse. O engenheiro apontou também a importância da criação de um sistema de
alarme e de evacuação das áreas inundáveis que prevenisse, com 24 horas de antecedência,
o nível que a água iria atingir em Blumenau (Odebrecht, 1930, [s/p] apud PAULA, S. et al
2014). Algumas dessas medidas foram implantadas nos anos seguintes, porém de forma
desarticulada e parcial.

A partir dos anos 1940, a transformação de Blumenau em polo industrial implicou


transformações profundas, que causaram problemas ambientais significativos. Entre esses
problemas, destacam-se: o abandono gradual do transporte fluvial com barcos a vapor, ainda
que o rio apresentasse grande potencial, especialmente entre Blumenau e o porto de Itajaí; a
desativação em 1970 da estrada de ferro construída na virada do século XX, sendo substituída
por uma rede rodoviária que se consolidou como o único meio de deslocamento na região,

19 “Se descontarmos do perímetro urbano as áreas inundáveis e as encostas com declividade


acentuada, a área remanescente, que pode ser considerada urbanizável, mal chega a 20% do total.”
(Siebert, 2000, p. 183 apud PAULA S M et al, 2014).
105

concorrendo para ampliar o desmatamento, pois as rodovias seguiam paralelas e na


proximidade das margens do rio (Siebert, 2009 apud PAULA S. M. et al, 2014 ) (Figura 2.33).

Esses fatores, associados à expansão da malha urbana e ao crescimento


demográfico, direcionaram a ocupação da cidade para as margens inundáveis do rio, mais
próximas ao centro da cidade. Somente com o advento do Plano Diretor de Blumenau, de
1989, a edificação ou aterros abaixo da cota de 10 metros passaram a ser proibidos e o
departamento de Defesa Civil de Blumenau foi criado, passando a adotar um Plano de
Contingência contra Inundações e Escorregamentos.

Figura: 2.32 - Mapa produzido pelo engenheiro Abel Diniz Mascarenhas e publicado em 1939,
contendo a mancha das inundações do período de 1851 a 1935 e as áreas atingidas pelas enchentes
de 1911, 1927 e 1935.

Fonte: (PAULA, S. et al, 2014).

Depois de a região da Bacia do Rio Itajaí ter sido atingida consecutivamente por
grandes enchentes, em 1983 e 1984, o governo estadual de Santa Catarina iniciou uma
cooperação técnica com o Governo Japonês, resultando em dois estudos técnicos: o do Plano
de Controle de Enchentes na Bacia do Rio Itajaí (1986-1988) e o Plano de Controle de
Enchentes na Bacia Inferior do Rio Itajaí (1988-1990). Essa cooperação previa também um
106

empréstimo para a implementação das ações propostas nos estudos, no entanto, as tratativas
não avançaram por falta de garantias a serem apresentadas pelo governo estadual.

No ano de 2008, uma semana de chuvas intensas foram fatais para o vale do Itajaí. A
conjunção entre crescimento desordenado e elevadíssimo volume de chuvas, em um curto
espaço de tempo (com mais de 600 mm em cinco dias), foi crucial para desencadear em
Blumenau um desastre de números assustadores, resultando em 135 óbitos, 103 mil pessoas
afetadas de alguma forma, além de 80 mil pessoas desabrigadas em todo o vale (Mattedi,
2009, p.14. apud PAULA S. M. et al 2014).

Em 2009 o governo estadual retoma esses estudos, que se desenvolveram nos anos
de 2010-2011, denominando-o “Plano Integrado de Prevenção e Mitigação de Riscos e
Desastres Naturais na Bacia Hidrográfica do rio Itajaí” (PPRD-Itajaí)”. O plano foi estruturado
em seis programas20 que consideram a elaboração dos Planos Municipais de Defesa Civil
articulados às políticas de saneamento, habitação, meio ambiente, recursos hídricos e
ordenamento territorial; à consolidação de um Sistema de Alerta da Bacia do Itajaí; à
realização de eventos socioeducativos e à divulgação de informações técnicas e legais em
relação aos deslizamentos e inundações e às ocupações de áreas de risco. Os programas
consideram igualmente o mapeamento das áreas de risco na Bacia do Itajaí, levando em
conta medidas estruturais e não-estruturais; a Gestão da ocupação e uso do solo composto
de medidas não estruturais (Subprograma 5.1) e, por fim, o Manejo adequado dos cursos
d’água.

O Subprograma 5.1 pretende que as legislações municipais incorporem restrições às


áreas impermeabilizadas, incentivem a coleta da água da chuva e que o parcelamento do solo
leve em conta as áreas de risco. [...] Uma política habitacional, para que a população de baixa
renda não viva em áreas de risco, será instituída. Será elaborado um zoneamento ecológico
econômico, o enriquecimento da vegetação na área urbana, a recuperação e conservação
das APP’s e a adoção de pagamento por serviços ambientais. A fiscalização e o
monitoramento da ocupação e uso do solo também serão implementados. (SCOLARO, 2012,
p. 110).

Em 2012 foram oficializados e assinados “editais para aquisição de um radar


meteorológico e para a contratação dos projetos de sobrelevação das barragens de Taió e

20 O PPRD-Itajaí reúne seis programas: (1) Desenvolvimento institucional para preparação para
emergências e desastres; (2) Monitoramento, alerta e alarme; (3) Percepção, comunicação, motivação
e mobilização para resiliência e diminuição da vulnerabilidade; (4) Avaliação de riscos de desastres; (5)
Redução dos riscos de desastres; e (6) Recuperação de áreas afetadas por desastres. (SCOLARO,
2012, p. 110).
107

Ituporanga” (idem, ibidem, p.112). De um total de 77 projetos previstos pelo PPRD-Itajaí, o


governo do Estado priorizou a execução de medidas estruturais, tais como prevenção de
escorregamentos em rodovias; construção de comportas; construção de barragens de
pequeno e médio porte; obras de melhoramento em canais em alguns dos cursos d’água,
incluindo o canal do rio e de alguns ribeirões em Blumenau. Quanto às medidas não
estruturais, foi previsto apenas o fortalecimento dos Sistema de Monitoramento, Alerta e
Alarme da Bacia do Rio Itajaí.

Com a estruturação do PPRD-Itajaí, o Governo do Estado de Santa Catarina retomou


o contato com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), para que ela
fornecesse auxílio técnico e financeiro na execução do PPRD-Itajaí. Por sua vez, em 2009, a
JICA já havia decidido promover a revisão do plano da década de 80, incluindo agora medidas
de prevenção e mitigação dos riscos de escorregamentos.

Os trabalhos se iniciaram em março de 2010, com o apoio do governo estadual, e


foram concluídos em setembro de 2011, organizados em duas etapas: o Plano Diretor de
Prevenção de Desastres Naturais (PDPDN) e um Estudo de Viabilidade. O PDPDN
reconheceu que os usos do solo predominantes nas planícies do médio e baixo Vale do Itajaí
– vulneráveis a inundação – são destinados a agropecuária, à produção de arroz e ao
desenvolvimento urbano, sendo que as áreas urbanizadas equivalem a 24,60% das planícies
sujeitas a inundação, onde se encontram os núcleos urbanos mais importantes e a grande
maioria da população da Bacia do Itajaí. Portanto, com a consolidação do uso do solo e do
crescimento econômico e demográfico futuro, se não fossem adotadas medidas de prevenção
de desastres naturais, tanto nas áreas urbanas como nas áreas rurais, os danos causados
pelas inundações seriam cada vez maiores.

São quatro os seus princípios básicos: i) Evitar a destruição da biodiversidade e o


reassentamento dos moradores que causarão impactos negativos de ordem ambiental e
social; ii) Evitar medidas que causarão impactos negativos, tais como aumento de velocidade
do fluxo da água ou vazão de enchentes à jusante do rio; iii) Elevar a capacidade de contenção
em cada afluente, proporcionando o retardamento do escoamento da água da enchente ao
Rio Itajaí-açu; vi) Promover o uso múltiplo das instalações e espaços da bacia hidrográfica
(SCOLARO, 2012).

O plano identifica medidas estruturais e não estruturais e relaciona os problemas de


inundação no vale do rio Itajaí ao volume da vazão de enchente e à ineficiência do sistema
de drenagem pluvial local (Figura 2.33). Também condiciona a regulamentação do uso e
ocupação do solo, principalmente em relação às edificações nos leitos secundários dos rios,
para mitigação dos danos resultantes de inundações bruscas. Prevê ainda a construção de
108

novos leitos de inundação, a recuperação da mata ciliar e o fortalecimento do Sistema de


Alerta de Cheias da Bacia do rio Itajaí, estabelecendo um horizonte temporal até o ano de
2030 para alcançar seus objetivos.

Figura: 2.33 - As linhas de atuação do PDPDN composto de medidas estruturais e não estruturais.

Fonte: SCOLARO (2012, p. 115).

Para a mitigação de desastres de inundações bruscas, a recomendação da JICA é


regular o escoamento superficial, uma vez que a ocupação urbana aumenta as áreas
impermeáveis e reduz a infiltração da água da chuva no solo. Nesse caso, o PDPDN não
elaborou nenhum projeto específico, pois acredita que essa demanda deve ser suprida pelas
ferramentas do planejamento urbano e tratada nos Planos Diretores Municipais.

Ainda assim, o plano sugere, com relação à margem esquerda do rio Itajaí-açu, na
região central de Blumenau, o alargamento do canal tendo como propósito a melhoria da
capacidade de escoamento no município, com a elevação de cerca de 1,00 m da rua Uruguai
(assumindo o papel de dique de contenção) e a conservação da mata ciliar, transformada em
área de inundação e parque urbano (Figura 2.34).

No âmbito das ações dos governos municipais de Blumenau, no tocante aos


problemas das enchentes, das inundações e das ocupações de encostas, destacam-se ações
propostas na revisão de 2006 de seu Plano Diretor, que promoveu uma revisão da legislação
urbana de uso e ocupação do solo, adotando e aplicando instrumentos do Estatuto da Cidade
para promover a valorização das áreas de interesse paisagístico; a manutenção de usos
restritos nas cotas de enchente de 10,00 m e 12,00 m; o controle das áreas de risco de
109

escorregamento; o cancelamento do limite de altura das edificações e o aumento dos recuos


e da permeabilidade do solo (idem, ibidem).

Figura: 2.34 - Proposta de criação de um parque como área de inundação para margem esquerda do
Rio Itajaí-Açu, no centro de Blumenau.

Fonte: SCOLARO, 2012.

As áreas frágeis receberam índices construtivos restritivos. Foi elaborado um


mapeamento geológico-geotécnico de regiões suscetíveis a desastres e firmado um convênio
com o Ministério da Integração Nacional para obras de prevenção, contenção e
implementação do AlertaBlu (sistema de alerta meteorológico capaz de prever chuvas
intensas e pontos de escorregamento).

A cidade também aderiu à campanha “Desenvolvendo Cidades Resilientes: Minha


cidade está se preparando”, organizada pela Estratégia Internacional para Redução de
Desastres/Organização das Nações Unidas (ONU), cujas ações adotadas nesse âmbito são
fundamentadas no Marco de Ação de Hyogo (MAH), que lista diretrizes para reduzir os riscos
de desastres naturais em comunidades vulneráveis, sempre que a ocupação urbana se dá
em planícies de inundação ou quando áreas verdes são suprimidas. Recomendam assim que
a infraestrutura vital das cidades, como escolas, hospitais e residências, seja invariavelmente
protegida.

O Plano Diretor (PD) propõe também a criação de dois parques chamados Parques
Ciliares, conectados pelo projeto de intervenção na margem esquerda do rio Itajaí-açu,
recuperando a mata ciliar. Propõe a reabilitação de áreas degradadas; a gestão pública das
110

áreas protegidas; um Plano de Arborização Urbana; e o fortalecimento da gestão ambiental e


da gestão de riscos de desastres naturais.

Em relação às ações de caráter ambiental, propõe promover o monitoramento da


qualidade da água, juntamente com a elaboração de um Plano Municipal de Recursos
Hídricos em colaboração com o Comitê do Itajaí. Esse plano deverá privilegiar a recuperação
da mata ciliar; o controle da erosão; a recuperação dos cursos d’água alterados e o
levantamento das áreas inundáveis e alagáveis.

Ainda quanto ao monitoramento e controle da qualidade da água, o plano prevê o


aperfeiçoamento dos sistemas de esgotamento sanitário e de abastecimento de água; o
investimento em tecnologias autossuficientes de saneamento ambiental e o desenvolvimento
de políticas de educação ambiental.

A Habitação e a Regularização Fundiária são tratadas como questões prioritárias pelo


PD, com a previsão de projetos de recuperação ambiental e a execução de conjuntos
habitacionais. Para isso estabeleceu como diretrizes: regularização de loteamentos;
realocação de ocupações em áreas de risco de escorregamento; redução de edificações
irregulares por meio de políticas públicas de planejamento urbano e educação ambiental.

Depois do desastre de 2008, uma parceria entre o governo municipal e a Caixa


Econômica Federal, pelo Programa Minha Casa Minha Vida, possibilitou a construção de uma
série de edifícios (BLUMENAU, 2011ª apud SCOLARO, 2012).

Scolaro (2012) descreve um conflito existente entre a Prefeitura Municipal de


Blumenau e o Comitê da Bacia do Itajaí, fato bastante revelador das divergências decorrentes
da gestão dos recursos hídricos e do planejamento urbano dos municípios que integram as
bacias hidrográficas.

O Comitê da Bacia do Rio Itajaí apoiava a proposta do PNPND de criação de uma área
de inundação na margem esquerda do rio Itajaí-Açu, no centro de Blumenau, para a redução
das inundações decorrentes das enchentes do rio. A prefeitura, porém, elaborou uma
proposta de revitalização da margem esquerda voltada para o Desenvolvimento Econômico,
o Turismo e o Lazer, similar à margem direita, com a “Criação de uma área de lazer, turismo
e contemplação às margens do rio”; ainda que a regularização do curso da água nesse trecho,
a contenção da margem e a estabilização das áreas da margem estivessem contempladas
como diretrizes (Figura 2.35).
111

Figura: 2.35 - Na margem à esquerda, proposta da Prefeitura para a recuperação ambiental da


margem esquerda e, à direita, o parque existente na margem direita.

Fonte: SCOLARO, 2012.Modificado pelo autor.

Ao fim de 2008, depois dos graves desastres sofridos pela cidade, a Prefeitura
Municipal de Blumenau (PMB) alegou que a margem não era mais segura, devido aos
deslizamentos, e entregou a proposta ao Ministério das Cidades, para que fosse inserida
no PAC Drenagem. Porém, a aprovação do governo federal exigia a aprovação do Comitê
da Bacia do Itajaí, que contestou o projeto no Ministério Público.

O Comitê alertava que a supressão da vegetação significaria a perda de um corredor


ecológico com cerca de quatro hectares; que a dinâmica do rio e das margens sofreriam
impactos negativos com a obra; que a adoção de técnicas tradicionais de engenharia eram
retrocesso nas formas de intervenção ao longo de cursos d’água e que a obra não cumpria
os princípios constantes no PPRD-Itajaí. Solicitava a revisão da proposta, com consulta à
comunidade, e que o novo desenho não tivesse apenas um caráter urbanístico e estético,
prejudicando a preservação ambiental.

Na ocasião, o Comitê do Itajaí reafirmou a sua competência em relação à gestão dos


recursos hídricos, ressalvando que a gestão do solo era competência do município, mas a
gestão da água era competência do Comitê, sendo, portanto, imprescindível que as duas
esferas buscassem soluções conjuntas.

Como a PMB não aceitava as recomendações do Comitê, o impasse se estendeu sem


solução até o ano de 2011 quando, durante a inundação de setembro de 2011, a margem
esquerda sofreu sérios desbarrancamentos, expondo as edificações a risco.
112

Figura: 2.36 - Desbarrancamento na margem esquerda, em 2011 (esquerda). Obras de recuperação


das margens, em 2015 (direita).

Fonte: NSC Total 22.09.2015. Disponível em: www.nsctotal.com.br/noticias/confira-o-historico-da-


obra-de-revitalizacao-da-margem-esquerda-do-rio-no-centro-de. Acesso em: 21 de setembro de 2020.

Figura: 2.37 - Esquema do projeto de recuperação da margem esquerda do Rio Itajaí-Açu em


Blumenau.

Fonte: NSC Total 22.09.2015 Disponível em: www.nsctotal.com.br/noticias/confira-o-historico-da-


obra-de-revitalizacao-da-margem-esquerda-do-rio-no-centro-de. Acesso em: 21 de setembro de 2020.

O evento motivou, então, que a PMB retomasse o projeto de revitalização, conforme as


recomendações do Comitê que aprovou uma nova versão, vinculando-a a um termo de
compromisso para a realização de um estudo geomorfológico do rio Itajaí-açu, a partir de
Blumenau até a sua foz (MARTINS & SEDLACEK, 2011, apud SCOLARO, 2012). (Figuras
2.36 e 2.37).
113

A prefeitura solicitou apoio financeiro da Secretaria Nacional de Saneamento


Ambiental, ligada ao Ministério das Cidades, e as obras foram iniciadas no ano de 2015. A
etapa das obras de recuperação com o enrocamento foi concluída, mas as obras de
revitalização e a construção de um Centro de Convenções, conforme o previsto no projeto da
PMB, seguem inacabadas.

A nova versão propunha estimular a criação de subcentros, ampliando os corredores


de serviços a fim de superar a persistente dependência do centro. Porém, devido à falta de
investimentos, esse objetivo não foi alcançado.

Uma última revisão ocorreu em 2006, direcionada a promover a integração dos


investimentos, dos serviços públicos e da ocupação do solo, objetivando superar as
deficiências urbanas ainda existentes no município. No entanto, mais uma vez isso não
aconteceu (Kreutzfeld & Marimon, 2013).

O Plano de 1977 orientou o uso do solo para fins comerciais, principalmente na área
central, mas também nas vias arteriais, formando os corredores de serviço. Em decorrência
das enchentes ocorridas na década de 1980, o planejamento da cidade se voltou para as
áreas que, à princípio, não eram tão suscetíveis às cheias.

O Plano de 1989 direcionou o crescimento da cidade principalmente para as zonas


oeste do município (Vale do Ribeirão da Velha), região menos sujeita a enchentes, ao norte
(com a ocupação do vale dos ribeirões Itoupava e Salto) e a noroeste (Vale do Ribeirão
Fortaleza).

Entretanto, o desenvolvimento econômico de Blumenau no período de 1970 a 1990


gerou um aumento do contingente de imigrantes, obrigando parte dessa população a ocupar
áreas de risco e de preservação ambiental (topo de morros, encostas íngremes e margem de
rios), devido ao alto custo dos lotes urbanos regulares. Essa ocupação repetiu o processo
histórico de ocupação territorial, sempre em torno de seus principais recursos hidrográficos, e
agravou as condições de vida de parte da população da cidade.

A revisão do Plano Diretor promovida em 1997 se fundamenta na ocupação das


regiões oeste e norte da cidade, com o argumento de que essas zonas possuem áreas
disponíveis para urbanização, além de contar com áreas urbanizáveis de baixa suscetibilidade
a eventos hidrológicos e escorregamentos.

Em 2006, já sob orientação do Estatuto das Cidades (2001), a equipe da Secretaria


de Planejamento Urbano identificou os aspectos a serem contemplados no novo plano, após
114

a elaboração de relatórios e diagnósticos produzidos em conjunto com outras secretarias e


em reuniões com a população.

Foi prevista a integração entre os investimentos e serviços públicos e a ocupação do


solo, organizada em um plano de médio prazo chamado Projeto Blumenau 2050. O projeto
em questão se subdivide em cinco eixos de atuação e, somente nesse plano diretor, foi criada
uma zona de restrição de uso por risco de enchente, tendo sido limitada à ocupação até a
cota de 12 metros.

Essa zona abrange parte da área de risco de enchente por remanso do Rio Itajaí, junto
da área da foz do Ribeirão da Velha.

Ainda assim, tais ordenamentos não conseguiram intervir no modo tradicional de


ocupação do espaço a partir de seus cursos d’água. Esses planos vieram sofrendo alterações
emergenciais por causa dos problemas hidrológicos. As zonas sul e oeste da cidade se
expandiram espontaneamente, tendo como fator indutor do crescimento os cursos de água
locais (Kreutzfeld & Marimon, 2013).

A Figura 2.38 apresenta as manchas da urbanização, associadas à hidrografia do


município de Blumenau. Os eixos de expansão se orientam pelos vales dos principais cursos
d’água. Apresenta uma grande expansão, entre os anos 1978 e 1993, nos vetores norte e
oeste e, em menor intensidade, no sul. De 1993 a 2003, o crescimento se deu de forma
periférica, às bordas das áreas urbanizadas, seguindo os vales fluviais como eixos de
expansão.

A Figura 2.39 traz o Mapa de restrições ao zoneamento, uso e ocupação do solo. Com
base nos dados dessa cartografia, presente no Anexo I do Plano Diretor vigente de Blumenau,
foram extraídas as imagens, tendo sido elaborada uma análise comparativa entre os
parâmetros propostos no PD, nas áreas definidas pelas manchas de inundação (cotas 10 e
12) e as imagens das fotos aéreas atuais existentes no aplicativo Google Maps.
115

Figura: 2.38 - Mapa da mancha de evolução urbana de Blumenau, (1966, 1978, 1993, 2003). Do centro
para a periferia: em bege claro, a mancha de urbanização de 1966: em bege mais escuro, urbanização
em 1978; em laranja em 1993 e, em vermelho em 2003.

Fonte: Kreutzfeld & Marimon, 2013. Modificado pelo autor.


116

Figura: 2.39 - Mapa de restrições ao zoneamento, uso e ocupação do solo. Em destaque, a área com
as manchas de inundação situadas ao norte a ser analisada.

Fonte: PMB (2020). Modificado pelo autor.

O objetivo dessa análise comparativa foi referenciar as análises e os resultados das


pesquisas apresentadas a respeito da urbanização de Blumenau, especialmente no tocante
às medidas de proteção e controle de ocupação das áreas inundáveis que se apresentam
como diretrizes nos planos desde 2006. O mapa apresentado no Anexo I foi elaborado no
ano de 2010 e apresenta os limites das manchas de inundação após os graves desastres
provocados pelas enchentes de 2008.

No referido mapa estão demarcadas as áreas de restrições quanto ao uso e à


ocupação do solo, de acordo com 6 classificações: ANEA (Área não aterrável e não
edificável); ZEIS (Zona Especial de Interesse Social); APP (Área de Proteção Permanente –
117

Topo de morro); Unidades de Conservação e duas ARCO (Área com Restrição de


Construção e Ocupação – cotas 10 m e 12 m).

A área em destaque mostra parte da área central no eixo do Rio Itajaí-Açu, na altura
da foz do Córrego Itoupava, com manchas de inundação classificadas como áreas com
restrições à ocupação e uso. As margens e bordas dos corpos d’água da bacia do Rio Itajaí-
Açu foram demarcadas como ANEA, tendo sido definido um limite de ocupação, conforme o
apresentado anteriormente, no episódio dos projetos de recuperação da margem esquerda
na área central de Blumenau (Figuras 2.40 e 2.41).

Figura: 2.40 - Destaque da área em estudo onde se observa a região central da cidade, com um
grande meandro do Rio Itajaí-Açu na altura da foz do Córrego Itoupava e do Ribeirão da Velha.

Fonte: Anexo I do Plano Diretor, PMB (2020).

Essa cartografia apresenta as ARCOs, revelando os perímetros das manchas de


inundação determinados pelas cotas topográficas aos 10 e 12 metros. Também traz as áreas
inundáveis demarcadas e apresenta restrições, tanto em relação à ocupação quanto ao uso.
Nesse breve estudo, houve uma aproximação entre este pesquisador e essas áreas, para
que se pudessem avaliar as morfologias existentes, por meio da ampliação da cartografia
base do PD, produzidas em 2010, e contrapô-las às imagens de satélite do ano de 2020,
obtidas pelo aplicativo Google Maps. Também foi possível avaliar se houve adequação das
tipologias construtivas, nas áreas em que a ocupação é permitida, considerando os riscos
de enchentes, para isso fazendo uso da ferramenta street view. O objetivo foi o de se obter,
118

desse modo, um quadro atualizado da urbanização nessas áreas em destaque, que permitiu
que se aferissem as conclusões dos estudos consultados, de que os parâmetros
urbanísticos propostos não foram integralmente respeitados.

Figura: 2.41 - Recorte de foto de satélite aproximada da área de estudo, mostrando a urbanização
atual. Essas áreas serão analisadas nas próximas imagens em escala maior.

Fonte: Google Maps. Acesso em: 21 set. 2020.

As Figuras 2.42 e 2.43 apresentam a região da foz do Córrego Itoupava, com as


manchas de inundação e restrições de ocupação e uso (dois tons de azul na imagem; mais
claro, a cota de 10 m e, mais escuro, a cota de 12m). Apresentam também as APPs de topo
de morro (em verde) e uma área de ZEIS (em laranja). Observam-se, do mesmo modo, as
faixas de proteção (ANEA) das margens e bordas no meandro do rio Itajaí-Açu (canto
esquerdo inferior) e do Córrego Itoupava (no centro da imagem de norte ao sul). Outra
informação presente é o destaque das redes de infraestrutura rodoviária (rodovias e grandes
avenidas) existentes no ano de 2010, com transposição do Córrego Itoupava. As manchas
de inundação na margem direita do Córrego Itoupava, próximas à foz, explicitam conflito
com área urbanizada, no entanto, nas duas margens acima, as áreas inundáveis mostram
regiões pouco urbanizadas.
119

Figura: 2.42 - Região da foz do Córrego Itoupava. Em azul, ARCO (áreas inundáveis); em verde,
APP's (topo de morro) e, em laranja, ZEIS, conforme PD de Blumenau.

Fonte: Anexo I do Plano Diretor, PMB (2020).

Figura: 2.43 - Foto de satélite aproximada da mesma região vista na imagem PD mostrando
ocupações em áreas inundáveis e desflorestamento em áreas de APP (topo de morros).

Fonte: Google Maps. Acesso em: 21 de set. 2020.

Pode-se perceber nitidamente pelas fotos de satélite tiradas 10 anos depois (Figura
2.44 e 2.45), que as áreas de restrições à ocupação não foram respeitadas. São notáveis, nas
imagens de 2020, grandes áreas desmatadas, sendo que uma delas, próxima à ZEIS, é
demarcada no PD em 2010 como APP de topo de morro. Com relação às infraestruturas no
cruzamento da avenida Pedro Zimmermann com a rodovia Ingo Hering (SC 470), foi criada
uma alça de acesso, ampliando de uma para duas as transposições do Córrego Itoupava
nesse trecho. Essas ampliações atenderam à demanda de uso industrial, considerando que
nesse trecho há plantas de grandes dimensões. Acima desse trecho, veem-se outras grandes
áreas com terra exposta, no local em que o PD indica como ARCO (cota 10 m), e a presença
de cursos d’água contribuintes do Córrego Itoupava. Quanto ao uso habitacional nessa área,
os limites da ARCO foram respeitados.
120

Figura: 2.44 - Ampliação da imagem da cartografia do PD em 2010, mostrando ARCO, ZEIS e APP's.

Fonte: Anexo I do Plano Diretor, PMB (2020)

Figura: 2.45 - Ampliação da imagem da foto de satélite da área, em 2020, com as transformações
ocorridas nas áreas demarcadas como ARCO e APP no PD em 2010.

Fonte: Google Maps. Acesso em: 21 de set. 2020.


As Figuras 2.49 e 2.50 mostram a área de APP desmatada próxima a ZEIS, em 3D,
confirmando que se trata de uma área de topo de morro e, portanto, protegida. Em relação à
ZEIS, o aplicativo também permitiu que se avaliassem as tipologias existentes na área
demarcada e a presença de infraestrutura. Observa-se que a morfologia se manteve, mas as
vias não são pavimentadas. Há desníveis acentuados e algumas vielas de pedestres,
provavelmente cimentadas pelos próprios moradores.
121

Figura: 2.46 - App em topo de morro demarcada do PD e desmatada em 2020. A seta em vermelho
indica a localização da Rua Cláudia Sievert, presente na figura 55, na ZEIS igualmente demarcada no
plano.

Fonte: Google Maps. Disponível em: 22 de set 2020.

Figura: 2.47 - Vista da Rua Cláudia Sievert na área ZEIS, em 2019. As tipologias são casas térreas
adaptadas a cortes nos terrenos íngremes. Ao fundo, se vê assentamentos em áreas de grande
declividade e parte da área na APP ainda íntegra.

Fonte: Google Maps. Disponível em: 22 set. 2020.


122

Observa-se, na Figura 2.51, o padrão de arruamento e o padrão tipológico das áreas


de borda da ARCO (12 m) existente à esquerda da ZEIS. Trata-se de região de cota baixa e
com pouca declividade. As ruas terminam nos limites da área de restrição, são em terra com
posteamento e iluminação pública, dispostos bem espaçados. Predominam as casas térreas,
com poucas assobradadas. Considerando-se a proximidade com uma região demarcada
como inundável, portanto de risco, uma adaptação das tipologias das casas seria adequada.

Figura: 2.48 - Vista da Rua São Rafael, na área de ZEIS, em 2019. As tipologias são casas térreas
em uma área com pouca declividade e ruas sem pavimentação, sem guias e sarjetas para condução
do escoamento superficial.

Fonte: Google Maps. Disponível em: 22 set. 2020.


A Figura 2.52 mostra o final dessa rua, exatamente na divisa com a área demarcada
como inundável (ARCO) na cota 12 m. Observa-se no muro da casa à esquerda a marca das
enchentes. Não há adaptações que protegessem seus moradores desses episódios.
A Figura 2.53 apresenta outra configuração tipológica de casa adaptada às enchentes,
localizada à rua Vereador Romário da Conceição Badia, uma paralela esquerda à rua São
Rafael. Em terreno situado na cota abaixo do greide da rua, a casa foi construída em dois
pavimentos, contendo uma rampa de acesso diretamente da rua ao piso superior.
Entretanto, esse não é o padrão tipológico predominante, como de observa na Figura
2.54 que traz outro exemplo. A avenida situada em cota intermediária revela grandes
declividades e, nesse caso, nos terrenos situados em declive, as edificações ocupam as cotas
baixas, sujeitando-se, portanto, ao risco das enchentes. Por sua vez, nos terrenos situados
em aclive, o que se observam são terrenos expostos a riscos de deslizamentos, como se pode
ver após o muro de arrimo situado à esquerda na Figura 2.54.
123

Figura: 2.49 - Vista do final da Rua São Rafael. A área em frente é inundável, e no muro à esquerda
se vê a marca das enchentes.

Fonte: Google Maps. Disponível em:22 set. 2020.

Figura: 2.50 - Casa na Rua Vereador Romário da Conceição Badia, adaptada às enchentes.

Fonte: Google Maps. Disponível em: 22 set. 2020.

Conforme se pôde constatar, os possíveis efeitos de controle sobre a ocupação e o


uso, previstos no PD por meio dos instrumentos de controle às situações de risco hidrológico
e geológico (ARCO e APP), não foram respeitados. Também não foram adotadas medidas
que privilegiassem a orientação à construção de tipologias adequadas e resilientes,
especificamente direcionadas aos riscos hidrológicos existentes e previsíveis. Como afirmam
os estudos, é fundamental que se coloquem em prática as medidas não estruturais.
124

Figura: 2.51 - Padrões tipológicos expostos a riscos de inundação e de deslizamento na mesma rua.

Fonte: Google Maps. Disponível em: 22 set. 2020.

Há que se considerar que mesmo que orientados por planos, é grande o número das
cidades brasileiras que se expande à revelia dos planos. As estruturas administrativas não
são adequadamente dimensionadas para oferecer orientação e assistência técnica às
populações com menor renda; também não têm equipes de campo que possam atuar com
fiscalização e mesmo quando se trata de situações de formalidade, muitas vezes, a aplicação
das regras de ordenamento do solo, não são respeitas. Pudemos observar que em Blumenau
a implantação de infraestruturas rodoviárias provocou impactos em áreas de preservação com
a instalação de grandes edificações comerciais em suas bordas. E mesmo nas áreas de ZEIS
onde se implantaram empreendimentos é notável que não se respeitaram os limites definidos
por esses instrumentos urbanísticos.
Tais situações justificariam uma pesquisa mais apurada para se compreender como
em muitos momentos, em nome do desenvolvimento de atividades econômicas, as demandas
ambientais e sociais ainda são relevadas.
Ao se proceder a uma análise de alguns dos planos de prevenção de extremos
climáticos desenvolvidos e aplicados por algumas cidades, observa-se que uma primeira
medida invariavelmente é adotada: a demarcação dessas áreas de risco por meio da criação
de normas de ocupação e uso determinadas por um zoneamento de risco, ou zoneamento
preventivo, juntamente com medidas de proteção e de recuperação que acompanham esses
eventos.
125

2.4.3 Os planos de prevenção de riscos hidrológicos de Nova York e Blumenau


e as dimensões da sustentabilidade.

Para se elaborar essa etapa foi adotada a metodologia desenvolvida na pesquisa


“Assentamentos Precários em Áreas Vulneráveis na Região Metropolitana de São Paulo: as
dimensões da sustentabilidade” elaborada pelo Grupo de Pesquisa “Urbanismo
Contemporâneo: Redes, Sistemas e Processos”, certificado pelo CNPq desde 2004, é
liderado por Angélica A. Tanus Benatti Alvim e por Luiz Guilherme Rivera de Castro que reúne
diversos pesquisadores, professores e alunos do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, além de convidados externos à UPM,
dentre os quais inclui-se o autor.

A pesquisa tem como objetivo aprofundar e testar um método de avaliação de projetos


de urbanização de assentamentos precários, implementados em áreas protegidas ou
ambientalmente vulneráveis de algumas metrópoles brasileiras, para avaliar se estes
incorporam as múltiplas dimensões da sustentabilidade. Para tanto, adota como metodologia
a elaboração de etapas interligadas que não necessariamente são sequenciais, e se
desdobram em construção de um quadro Teórico; pesquisa documental e de dados; método
de avaliação aplicado a Estudo de Casos; análise dos dados e apresentação dos resultados.

Partindo do objetivo dessa etapa da tese de relacionar e alinhar as ações propostas


nos Estudos de caso apresentados sobre os planos de resiliência e prevenção a inundações
das cidades de Nova York e Blumenau, para construir um quadro das diretrizes adotadas em
cada caso, era necessário determinar critérios como forma de organizar essas informações.
Considerando que as questões da sustentabilidade estão na base dos planos e das propostas
aplicadas nas duas cidades, identificar similaridades e diferenças a partir das dimensões da
sustentabilidade apresentaram-se como muito adequadas.

O objetivo dessa etapa é organizar as informações com base em critérios que


contemplem a diversidade e a complexidade inerente as questões socioambientais, porém
sem estabelecer comparações ou paralelos as propostas do planos de prevenção de
inundações e de resiliência. Portanto, a aplicação integral da metodologia na pesquisa dos
Assentamentos Precários não foi adotada, restringindo-se a adotar as dimensões da
sustentabilidade e os conceitos que as fundamentaram.

Alvim et al (2017) discute as múltiplas dimensões da sustentabilidade a partir das


definições de Sachs (1993; 2002), que considera oito dimensões da sustentabilidade: Social,
Cultural, Ecológica, Ambiental; Territorial, Econômica; Política (nacional) e Política
126

(internacional). Magnaghi (2005) reinterpreta tais dimensões, agrupando-as e propondo


apenas cinco: Social, Econômica, Ambiental, Territorial e Política. Alvim et al (2017) propôs
um agrupamento das dimensões sociais e econômicas, definindo em quatro as dimensões a
serem analisadas e seus respectivos componentes:

1. Dimensão político-institucional que agrega como componentes: políticas


públicas, marcos legais, instrumentos, estrutura administrativa, instâncias de
participação, orçamento e financiamento, monitoramento, avaliação e controle.
2. Dimensão urbanística agrega os seguintes componentes: unidade
socioespacial de análise; habitação; espaços públicos; mobilidade /
acessibilidade; infraestrutura urbana; e equipamentos sociais
3. . Dimensão ambiental agrega os seguintes componentes: situação ambiental
do assentamento, medidas de proteção e/ou mitigadoras, novos impactos
socioambientais.
4. Dimensão socioeconômica agrega os seguintes componentes: situação
socioeconômica do assentamento, organização social e política, impactos
socioeconômicos decorrentes do projeto

Como nessa tese a investigação é centrada nos estudos do processo de urbanização


em fundos de vale e suas implicações com os rios e córregos, nos quais a implantação das
infraestruturas exercem impactos e influências profundas, foi proposto um destaque para que
esse componente se constitui uma dimensão, mantendo, porém, a configuração proposta por
Alvim et al (2017). Assim determinaram-se quatro dimensões de análise com seus respectivos
componentes conforme descrito:

1. dimensão urbanística – que contempla os elementos construídos no território


pelo processo de urbanização;
2. a dimensão das infraestruturas – identificada pelos processos de
apropriação e transformação dos ciclos naturais da água e das fisiografias;
3. a dimensão político-administrativa – que engloba as ações das políticas
públicas e da gestão das infraestruturas que refletem e, muitas vezes,
acentuam as disparidades socioeconômicas expondo as comunidades mais
pobres a situações de maior risco e vulnerabilidades, e
4. a dimensão ambiental – centrada fundamentalmente nos processos de
recuperação das dinâmicas hidrológicas e da redução dos impactos e dos
riscos de desastres hidrológicos.
127

Adotadas as dimensões como critério para organização dos dados dos estudos de
caso dos planos de Nova York e Blumenau, foi organizada uma matriz com o alinhamento
geral das propostas

O Quadro 2.2 mostra a matriz que apresenta as medidas apontadas nos planos de
casa uma das duas cidades, de acordo com as dimensões da sustentabilidade expostas.

Observa-se que têm como principal componente em comum, um zoneamento de risco


determinado pelas dinâmicas hidrológicas de suas regiões e submetidas as mudanças
climáticas.

Por sua vez, há uma diferença fundamental se observa do ponto de vista dos conceitos
que fundamentam esses planos: o plano de Nova York é organizado a partir do conceito de
resiliência enquanto do Blumenau se apoia no conceito de sustentabilidade. Segundo Spirn
a “Resiliência é uma medida da capacidade do sistema de absorver mudanças, e alguns
ecossistemas são mais resilientes do que outros” (Spirn 1984: 245); enquanto, segundo a
autora “o conceito de sustentabilidade, por exemplo, que implica a manutenção de um estado
estável” e recomenda que os planejadores e os projetistas urbanos se esforcem para criar
cidades adaptáveis às mudanças nas condições e necessidades.

Essas diferenças são notáveis quando se analisam as medidas estruturais presentes


no plano de Blumenau que adotam como soluções os artefatos da engenharia hidráulica
tradicional como os represamentos e a instalação de comportas, enquanto o plano de Nova
York adota a mancha de inundação como uma condição existente e permanente e promove
a adaptação das estruturas urbanas a essa condição.

Por outro lado, os dois planos corroboram com a premissa apresentada nessa
pesquisa que, invariavelmente, qualquer plano de prevenção, de controle e de redução de
riscos, se organiza a partir da criação de um zoneamento de risco, onde condições especiais
de uso e ocupação do solo deve ser determinado, considerando as inundações como
condição permanente e não como eventos imprevisíveis e surpreendentes.

O apoio logístico, técnico e financeiro de todas as instâncias do governo para as


populações residentes em áreas de urbanização consolidada também é condição
fundamental, pois que os processos de ocupação dessas áreas, foram, historicamente,
aprovados pelos gestores públicos quando do parcelamento do solo. Ainda que as condições
fisiográficas e climáticas tenham se alterado. Trata-se de uma dívida ambiental e urbanística
que herdaram os atuais administradores públicos.
128

Quadro: 2.2 - Matriz pelos planos de redução de riscos de Nova York e Blumenau consideradas as
quatro dimensões de análise propostas pela pesquisa.

DIMENSÃO MEDIDAS ESTRUTURAIS E NÃO ESTRUTURAIS PROPOSTAS NOVA YORK BLUMENAU


URBANÍSTICO ZONEAMENTO DE RISCO PARA ÁREAS INUNDÁVEIS X X
CONTROLE DE USO DO SOLO ASSOCIADO À PERMEABILIDADE E CONTAMINAÇÃO X X
DETERMINAÇÃO DE COTAS DE INUNDAÇÃO PARA EDIFICAÇÕES CONSTRUIDAS NAS ZONAS DE RISCO X X
ADEQUAÇÃO DOS ESPAÇOS SITUADOS ABAIXO DESSAS COTAS X X
ADEQUAÇÃO DAS LEGISLAÇÕES DE ZONEAMENTO E EDILÍCIAS PARA ADAPTAÇÕES DE EDIFICAÇÕES X X
EXISTENTES, OU CONSTRUÇÃO DE NOVAS EDIFICAÇÕES SITUADAS NAS ZONAS DE RISCO
FLEXIBILIZAÇÃO DAS REGRAS DE ZONEAMENTO EXISTENTES PARA ADAPTAÇÕES DAS EDIFICAÇÕES NAS X
ZONAS DE RISCO
ESTIMULAR O INVESTIMENTO PROATIVO PARA PEQUENAS MUDANÇAS QUE COLABOREM PARA A X
RESILIENCIA DOS EDIFICIOS EXISTENTES
CONCESSÕES ESPECIAIS PARA COMERCIOS E ATIVIDADES TURÍTSICAS SITUADOS EM ZONAS DE RISCO PARA X
ESTIMULAR ATIVIDADES MISTAS
LIMITAR A PERMANENCIA DE POPULAÇÕES VULNERAVEIS NAS ZONAS DE RISCO (IDOSOS, ASSENTAMENTOS X X
PRECÁRIOS)
PLANO DE CONTINGENCIA CONTRA INUNDAÇÕES E ESCORREGAMENTOS X
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL DE INCENTIVO A MEDIDAS NÃO-ESTRUTURAIS (restrições às áreas X
impermeabilizadas, incentivo a coleta da água da chuva e incorporação das zonas de risco ao
parcelamento do solo)
INSTITUIÇÃO DE ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO X
CRIAÇAO DE PARQUES CILIARES
PLANO MUNICIPAL DE RECURSOS HÍDRICOS (qualidade da água) X

INFRAESTRUTURA CONSTRUÇÃO DE ARTEFATOS DE PROTEÇÃO E CONTENÇÃO DE ENCHENTES NAS ZONAS DE RISCO X


CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS X
AQUISIÇÃO DE RADAR METEREOLÓGICO X
OBRAS DE PREVENÇÃO DE ESCORREGAMENTOS EM RODOVIAS; CONSTRUÇÃO DE COMPORTAS E X
MELHORAMENTOS EM CANAIS
ALARGAMENTO DO CANAL DO RIO ITAJAÍ-AÇU X

POLÍTICO PLANO OU POLITICA PÚBLICA PARA PREVENÇÃO DE DESASTRES OU MITIGAÇÃO DE DANOS X X


ADMINISTRATIVO MEDIDAS DE PREVENÇÃO E DE RECUPERAÇÃO X X
PLANO OU SISTEMA DE SEGURO CONTRA INUNDAÇÕES X
ATUAÇÃO DE DISTINTOS DEPARTAMENTOS / SECRETARIAS NA GESTÃO DO CONTROLE SOBRE A OCUPAÇAO X X
DE ÁREAS INUNDÁVEIS
DETERMINAÇÃO DE METAS E PRAZOS PARA AS ADEQUAÇÕES URBANISTICAS E EDILÍCIAS NAS ZONAS DE X
RISCO
CRIAÇÃO DE UMA LEI DE RESILIENCIA PARA EDIFICAÇOES EXISTENTES E À CONSTRUIR X
APOIO TÉCNICO E FINANCEIRO ÁS ADAPTAÇÕES DOS EDIFICIOS NAS ZONAS DE RISCO X
FACILITAR AS AUTORIZAÇÕES PARA RECONSTURÇÃO DE ÁREAS E EDIFICIOS ATINGIDOS POR TEMPESTADES X
OU OUTRO TIPO DE DESASTRE QUANDO DECRETADO ESTADO DE EMERGENCIA
APOIO FINANCEIRO DO GOVERNO FEDERAL PARA AS RECOSNTRUÇÕES PÓS EVENTOS EXTREMOS X X
PLANO MUNICIPAL DE DEFESA CIVIL ARTICULADO COM SANEAMENTO, HABITAÇÃO, MEIO AMBIENTE, X
RECURSOS HÍDRICOS E ORDENAMENTO TERRITORIAL COM PROGRAMAS DE PREPARAÇÃO; ALERTA;
MOBILIZAÇÃO PARA RESILIENCIA; AVALIAÇÃO E REDUÇÃO DE RISCOS E RECUPERAÇÃO DE ÁREAS AFETADAS
CRIAÇÃO DE UMA POLÍTICA HABITACIONAL QUE GARANTA QUE AS POPULAÇÕES DE BAIXA RENDA NÃO X
VIVAM EM ÁREA DE RISCO
ADOÇÃO DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS X
PLANO DIRETOR DE PREVENÇÃO DE DESASTRES NATURAIS (PDPDN) 4 Princípios: i)preservação da X
biodiversidade e o reassentamento dos moradores em áreas de risco ; ii) Evitar medidas de aumento de
velocidade do fluxo da água ou enchentes à jusante; iii) Garantir o retardamento do escoamento da
água dos afluentes Rio Itajaí-açu; vi) Uso múltiplo das instalações e espaços da bacia hidrográfica.

AMBIENTAL ADOÇÃO DO CONCEITO DE RESILIÊNCIA AO DE SUSTENTABILIDADE X


PLANEJAMENTO AMBIENTAL ASSOCIADO AS QUESTÕES HIDROLÓGICAS X X
ADEQUAÇÃO DOS PADRÕES URBANÍTSICOS ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS X

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Alvim et al (2017)

E ainda nesse tema, é imperioso o resgate da dívida social representada pelos


assentamentos precários e de populações de maior vulnerabilidade, instalados em áreas de
risco, agravados pela ausência de recursos e alternativas para moradia. Trata-se de uma
questão de prioridade inadiável.
129

2.5 Considerações do Capítulo 2

Este capítulo apresentou uma revisão de conceitos alusivos às relações entre as


cidades e os rios, pelas abordagens ambientais integradas que se consagraram a partir dos
anos 1980, construindo um arcabouço de fundamentos que está levando à revisão dos
modelos de urbanização e das concepções de sistemas de infraestrutura urbana, resultando
em planos, projetos e obras de recuperação e de requalificação das paisagens fluviais, dada
a importância fundamental das águas como suprimento e bem público.

À luz de referências, o capítulo tratou de métodos e estratégias de planejamento


destinados à recuperação de vales fluviais e frentes ribeirinhas urbanas, que conjugam
conceitos do planejamento urbano com o planejamento ambiental, mais adequados ao
enfrentamento das questões, dos problemas e conflitos gerados nas cidades pela aplicação
dos modelos de urbanização anteriores aos movimentos ambientalistas.

Por meio de estudos de caso, procurou mostrar as potencialidades dos instrumentos


de ordenamento e ocupação territorial, representados pelos planos, em constituir-se em
ferramentas importantes para a gestão e prevenção de riscos de desastres hidrológicos e
restabelecer uma convivência harmoniosa entre os ciclos naturais das cheias e das enchentes
e a urbanização, mesmo que consolidada, por meio da adoção de um outro modelo de
ordenamento territorial e urbanístico nos fundos de vale.

No caso da cidade de New York a existência de um sistema securitário imobiliário


adotado pelo governo federal como forma de garantia para o ressarcimento de prejuízos aos
imóveis atingidos por situações de risco, levou a organização de um zoneamento de risco com
vistas à rápida recuperação de áreas atingidas por eventos hidrológicos, sem a
responsabilização do poder público municipal pelos danos provocados a entes privados.
Trata-se de uma especificidade do sistema americano não existente nas leis brasileiras.

O estudo de caso da cidade de Blumenau mostrou que, mesmo planos de prevenção


a riscos bem estruturados e com embasamento técnico, não têm força suficiente para se
fazerem respeitar. Como afirma-se na introdução dessa pesquisa, no Brasil, a falta de uma
política efetiva de moradia conduz as populações pobres a se assentarem de maneira informal
em áreas ambientalmente frágeis. Esse caso revelou mais uma vez, a importância da
abordagem sistêmica na gestão pública, especialmente quando envolvem as questões
ambientais nas cidades.

Ao se proceder a uma análise de alguns dos planos de prevenção de extremos


climáticos desenvolvidos e aplicados por algumas cidades, observa-se que uma primeira
130

medida invariavelmente é adotada: a demarcação dessas áreas de risco por meio da criação
de normas de ocupação e uso determinadas por um zoneamento de risco, ou zoneamento
preventivo, juntamente com medidas de proteção e de recuperação que acompanham esses
eventos.

A história da urbanização de São Paulo reflete a história da sociedade brasileira, na


qual os interesses privados predominam sobre os interesses públicos. Esse fato foi revelado
pela análise do processo histórico da urbanização da cidade, explicitando que a adoção desse
modelo de urbanização de fundos de vale não respeitou as dinâmicas hidrológicas e nem
reservou lugar para as populações vulneráveis. A construção social desse modelo que é, ao
mesmo tempo, excludente com as populações pobres e negligente com os sistemas naturais,
resultou em um quadro de riscos socioambientais, produto das soluções técnicas e das
políticas públicas, desde os primórdios da industrialização na cidade de São Paulo.

No Brasil, apesar da existência de um arcabouço legal e de estruturas administrativas


para ações da Defesa civil municipal, poucas são os exemplos bem-sucedidos. O caso de
Blumenau, conforme apontado é um exemplo ainda as estruturas e o arcabouço legal que
determinam as ações das Defesas Civis para eventos de risco nas cidades.

No Brasil não existe nenhum programa sistemático de controle de enchentes que


envolva seus diferentes aspectos. A Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
(SRHU), ligada ao Ministério do Meio Ambiente, atua na definição de normas e instrumentos
para a gestão sustentável das águas no meio urbano, com base no conceito de
desenvolvimento urbano de baixo impacto, e na prevenção de inundações como medida
prioritária no trato com as águas urbanas, de maneira a evitar a perda de vidas e de patrimônio
na ocorrência desses desastres naturais. Aponta ainda a importância do aperfeiçoamento de
soluções de projeto para a drenagem urbana, com a valorização e o estímulo a formas
inovadoras de sistemas de drenagem, bem como a renaturalização de rios e córregos e a
criação de Parques Fluviais para conter a ocupação das Áreas de Preservação Permanente
(APP) ripárias e de várzeas. Porém, não apresenta qualquer programa ou plano de ação
concreto nesse sentido. Essas responsabilidades e atribuições são

No próximo capítulo serão investigadas as principais leis e normas, além dos planos
urbanos adotados na cidade de São Paulo a partir do início do século XX até os dias de hoje,
que ora reforçaram o modelo de urbanização de fundo de vale ora buscaram indicar novos
caminhos, porém sem sucesso.
131
132

CAPÍTULO 3. O MODELO DE URBANIZAÇÃO DE FUNDO DE VALE E OS


DESAFIOS DO PLANEJAMENTO DA CIDADE SÃO PAULO

Este capítulo procura mostrar como o modelo predominante de ocupação de fundos


de vale adotado em São Paulo resultou de uma construção social que envolveu agentes
públicos e capital imobiliário, desconsiderando, em parte pelo desconhecimento e em parte
por conveniências políticas, as dinâmicas naturais e os ciclos hidrológicos, assim como ainda
excluiu as populações pobres dessa equação.
Esse modelo, que foi inicialmente promovido por projetos e planos urbanísticos, em
certo momento se dissocia destes, passando a ser implantado como obras desarticuladas dos
planos, empreendidas pelos agentes setoriais da infraestrutura urbana, atendendo a situações
emergenciais ou como obras de interesse político, contando com o apoio financeiro do
governo federal, ou ainda como estratégia de abertura de frentes para o mercado imobiliário
em áreas mais afastadas da cidade.
Para fundamentar essa afirmação, adotou-se como caminho a investigação histórica
do processo de urbanização, a partir da análise de alguns dos instrumentos de ordenação do
solo – leis, normas e planos urbanos – selecionados para avaliar sua influência na expansão
da urbanização promovida pelos vales fluviais do território da cidade.
Um período de análise foi definido, apoiado, por um lado, em estudos da urbanização
da sociedade e do processo de implantação e consolidação do planejamento urbano no Brasil
e em São Paulo, baseados em ciclos econômicos e no ideário urbanístico vigente (FELDMAN,
1996; LEME, 1999; VILLAÇA, 1999; CAMPOS, 2002) e, por outro lado, na disponibilidade de
dados acessíveis à pesquisa, que pudessem sustentar análises e hipóteses.
O capítulo divide-se em dois subcapítulos e uma conclusão, apresentados da seguinte
maneira: o primeiro subcapítulo traz uma síntese do processo histórico da urbanização de
fundos de vale em São Paulo; o segundo, uma compilação das fases do planejamento na
cidade de São Paulo de forma sintética, em três períodos, buscando identificar a influência
desses instrumentos de ordenação da ocupação do solo na consolidação hegemônica do
modelo de ocupação de fundos de vale e no enfrentamento, por programas de governo, dos
conflitos socioambientais gerados nessas áreas na cidade de São Paulo. Investigar as
relações da urbanização com os rios, do ponto de vista do planejamento urbano, pressupõe
investigar as propostas e as ações de outros temas que se relacionam, direta ou
indiretamente, tais como: habitação social, infraestrutura e gestão de resíduos sólidos e meio
ambiente; pois a abordagem adequada para o enfrentamento dessas questões é a abordagem
sistêmica, que por sua vez enfrenta, na gestão pública, a dificuldade de ser organizada de
133

forma setorial e muitas vezes, desarticulada, nos planos e nos programas específicos de cada
área.

3.1 A urbanização de fundo de vale em São Paulo e o predomínio das lógicas setoriais

A urbanização do território paulistano foi, desde sua fundação, determinada pelas


características fisiográficas de seu sítio dominado por climas tropicais e subtropicais úmidos,
que tem na sua rede hidrográfica “uma de suas riquezas básicas”, caracterizada pela
existência de bacias hidrográficas perenes e “relativamente volumosas” (AB’SABER, 2004, p.
85).

Até antes de meados do século XIX, a rede de águas superficiais formada pelos rios e
córregos de São Paulo eram utilizadas sem quaisquer obras de infraestrutura, mas o
crescimento da cidade naquele período passou a exigir intervenções para atender às
demandas da urbanização e do crescimento demográfico. As intervenções atenderam,
primeiramente, a questões relacionadas ao abastecimento de água, passando por controle de
enchentes e diluição e afastamento de esgotos, para, a partir do início do século XX, fazer
uso de suas águas para a geração da energia elétrica necessária à industrialização.

Na metade do século XIX, as intervenções visavam a garantir o abastecimento de água


e a controlar as inundações decorrentes da dinâmica natural do regime de cheias nas bacias
hidrográficas de seus três principais rios: o Tietê, o Pinheiros e o Tamanduateí na bacia do
Alto Tietê21 (Figura 3.1). Com esse objetivo, os gestores públicos empreenderam obras de
represamento de alguns contribuintes de menor porte do Tietê, como também a de retificação
do Tamanduateí, na região do Glicério, entre o final desse século e as primeiras décadas do
século XX (TRAVASSOS, 2005; CAMPOS, 2000; REIS FILHO, 2004).

Mas as diferentes finalidades, com relação ao uso e ao controle das águas superficiais
geravam conflitos entre si, o que levava à destinação de certos corpos d’água para o
abastecimento, enquanto outros eram destinados à diluição e ao afastamento de esgotos.

21A Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (CBH-AT) é a porção a montante do rio Tietê, que atravessa em 1
100 quilômetros de extensão todo o estado de São Paulo, de leste a oeste. Sua área de drenagem é
de 5 868 km² e contém seis sub-bacias que drenam os principais rios da Região Metropolitana de São
Paulo. A cidade de São Paulo se estende entre as bacias do rio Tietê e também do rios Pinheiros e
Tamanduateí.
134

Figura: 3.1 - Mapa esquemático do sistema de represas em São Paulo no primeiro quartel do século
XX.

Fonte: Billings & Borden (2020).

Nas primeiras décadas do século XX, os usos das águas dos principais rios eram
múltiplos, destinados a: diluição e afastamento de esgotos, geração de energia elétrica e
drenagem. Com o crescimento exponencial da população, em meados do século XX, a
produção de água para o abastecimento precisou ser buscada em outros lugares.

A geração de energia elétrica havia demandado grandes obras, como as intervenções


para a retificação dos leitos dos rios Tietê e Pinheiros, de modo a garantir volume e velocidade
de escoamento, e também a reversão das águas do rio Pinheiros, obras empreendidas pela
São Paulo Tramway, Light & Power22. O objetivo fundamental era garantir volume de água

22 A São Paulo Tramway, Light & Power Company, Limited foi uma empresa canadense responsável
por serviços de bonde e geração e distribuição de energia elétrica. Ampliou suas atividades, adquiriu
outras empresas e tornou-se, em 1952, a São Paulo Light & Power Company, abandonando o
transporte público, passando depois a chamar-se Light - Serviços de Eletricidade S. A. Em 1979 foi
adquirida pela Eletrobrás. Dois anos depois foi vendida para o estado de São Paulo, porém foi
desmembrada em quatro empresas: a Eletropaulo Metropolitana, privatizada em 1999 com o nome de
AES Eletropaulo; a Empresa Bandeirante de Energia, também de 1999, chamada de EDP Bandeirante;
a Empresa Paulista de Transmissão de Energia, privatizada em 2006 e conhecida hoje como
Transmissão Paulista e; por fim, a Empresa Metropolitana de Águas e Energia ou EMAE. Em junho de
2018, Eletropaulo Metropolitana, denominada AES Eletropaulo após a privatização, foi comprada pela
marca global Enel (Melo, 2001).
135

nas represas situadas na região sul do município para a geração de energia na usina de
Cubatão, situada na vertente litorânea da Serra do Mar (Figura 3.2). Em função crescimento
demográfico nas décadas iniciais do século, optou-se também pelo aproveitamento dessas
represas para o abastecimento público de água.

Figura: 3.2 - Vista frontal da usina Henry Borden em Cubatão.

Fonte: Fundação Energia e Saneamento, 2020.

As obras de retificação geraram a necessidade de saneamento das várzeas dos rios


para sua utilização, para a implantação de infraestruturas urbanas e para a ocupação de seus
vales inundáveis, dessecados e destinados à expansão da urbanização. Tais intervenções,
136

empreendidas para que se garantissem usos múltiplos para as águas, criaram um sistema
complexo, com características e necessidades específicas. Porém, os conflitos não cessaram.

Precisa-se produzir água limpa para abastecimento público, manter um volume de água, limpa
ou suja, para gerar energia nas hidroelétricas, tratar as várzeas nas áreas urbanizadas e
segregar as áreas habitadas de seus efluentes sanitários e das inundações. A utilização
múltipla dos cursos d’água demandou, e ainda demanda, a implantação de diversas
infraestruturas compatíveis (TRAVASSOS, 2005, p. 17).

De um lado, grande parte das áreas urbanizadas de São Paulo foi construída sobre as
várzeas inundáveis de seus rios de planície, resgatadas pelas obras de infraestrutura. No
entanto, se em suas condições naturais, essas bacias hidrográficas tinham um regime de
drenagem eficiente, com ciclos de inundações ocupando grandes extensões dos vales,
nutrindo o solo e alimentando as nascentes de sua ampla rede hídrica, com as intervenções
sofridas, seus regimes hídricos se desestruturaram.

A canalização do rio Pinheiros e as obras de retificação do Tietê, aliados à ação do sistema


hidráulico criado pela ‘Light’, destruíram o regime hidrológico antigo da região, contribuindo
para diluir a separação entre os dois níveis de inundação das planícies regionais. Em muitos
pontos, porém, ainda se podem observar os sinais da separação antiga, os quais tendem a
ser destruídos por completo com as obras de urbanização em processo (AB’SABER, 1956,
p.70 apud Di Marco, 2012).

Muitos foram os interesses e as manipulações políticas envolvendo o controle das


águas na cidade de São Paulo. O uso das águas dos principais rios para a geração de energia
hidroelétrica dominou as decisões políticas, resultando em gigantescas obras hidráulicas, que
prepararam a cidade para a industrialização e o crescimento intenso das atividades
econômicas e imobiliárias, nas primeiras décadas do século XX.

Paradoxalmente, as obras de represamento, executadas com a finalidade de mover


as usinas de geração de energia, acabaram por agravar os problemas das enchentes e das
inundações, atingindo áreas onde, até então, esses conflitos entre as águas e a urbanização
ainda não eram percebidos (SEABRA, 1987; BEIGUELMAN, 1995; SEGATTO, 1995).
137

Figura: 3.3 - Obras de retificação do Rio Pinheiros, 1980.

Fonte: Fundação Energia e Saneamento, 2020.

As obras empreendidas pela companhia Light tiveram impacto gigantesco na


modificação das paisagens fluviais dos principais rios de São Paulo (Figura 3.3). As
retificações e as canalizações, com a dessecação e ocupação das várzeas, a inversão dos
cursos por meio dos bombeamentos e os represamentos, realizados entre o início até meados
do século XX, jamais encontraram paralelo em qualquer escala em obras de infraestrutura na
cidade até os dias de hoje, e determinaram um modelo de implantação de infraestrutura e de
urbanização em fundos de vale.

Mas essas grandes transformações não se restringiram aos rios e suas bacias,
envolvendo também modificações nas estruturas do relevo original desse território.

Situado na confluência dos vales fluviais dos rios Tietê e Pinheiros, a região onde se
estabeleceu São Paulo tem, como característica de seu relevo, o predomínio do Espigão
Central – o grande divisor de águas entre os vales desses dois rios –, o que determinou a
ocupação do sítio também dividida, distribuindo-se pelos sistemas de colinas, como
138

patamares escalonados, dispostos “em forma de uma irregular abóbada ravinada, cujos
flancos desciam para nordeste e sudeste” (AB’SABER, 2004, p. 100).

Essa configuração mostrou-se com notável vocação para a urbanização,


considerando-se as características morfoclimáticas originais bastante complexas, em relação
às intervenções antrópicas (Figura 3.4).

Figura: 3.4 - Mapa geomorfológico da cidade de São Paulo.

Fonte: topographic-map.com (Elaborado pelo autor pelo referido aplicativo).

Em razão desse complexo hidrológico, o território paulista, conforme o exposto,


dispunha de água para distintos usos: abastecimento, agricultura, para uso industrial e como
fonte de energia; sendo que os rios não eram aptos apenas para a navegação fluvial. No
entanto, as ações desenvolvidas pelos gestores públicos e pela iniciativa privada, para
garantir o suprimento de energia à industrialização, promoveram, segundo Ab’Saber (1956),
a destruição do regime hidrológico natural desses dois rios.

Ao tratar do processo de urbanização de São Paulo, especificamente do ponto de vista


da apropriação da geomorfologia do sítio, o autor identifica padrões de arruamento
característicos da urbanização dessa cidade, a partir de três padrões básicos muito diversos,
quais sejam: o traçado colonial existente no chamado triângulo histórico, situado na colina
entre o rio Tamanduateí e o Anhangabaú; um conglomerado de bairros em tabuleiro e mal
conectados; e os padrões oitavados que se estenderam pelas várzeas da margem esquerda
do Tietê, nos bairros do Pacaembu e Sumaré. A partir desses padrões, o que ocorreu na
expansão da urbanização foi uma repetição dos dois modelos anteriores, entre bairros: o
enxadrezado e o semi-oitavado.
139

Se por um lado a urbanização de São Paulo apropriou-se dos traçados desses


patamares intermediários para promover um trânsito interno, por antigos caminhos
transformados em avenidas radiais importantes23, por outro lado, as altas colinas das
vertentes do Espigão Central representavam um obstáculo a ser vencido pelos arruamentos,
dificultando o acesso para os bairros que se implantaram ao sul, nas proximidades das
planícies do Rio Pinheiros. A solução proposta para os problemas de circulação interna entre
esses bairros e os bairros da vertente norte do Espigão Central foi a seguinte: em vez de se
aproveitarem os espigões secundários, utilizaram-se as calhas dos afluentes dos rios Tietê e
Pinheiros, por meio da construção de avenidas de fundo de vales.

A primeira dessas avenidas a ser construída foi a Avenida Nove de Julho, que,
remontou o vale do córrego Saracura Grande até as proximidades de suas cabeceiras, sendo
complementada por dois extensos túneis, que perfuraram a base do Espigão Central para
alcançar a vertente do rio Pinheiros, em uma posição excepcional, “pois desemboca no vale
do Anhangabaú, exatamente ao centro das duas colinas tabulares em que se assentam os
dois núcleos da área central da cidade” (AB’SABER, 1958, p. 190), (Figura 3.5). Assim, um
novo padrão de arruamento passa a ser construído nas áreas de fundo de vale:

[...] implanta-se definitivamente um novo sistema de adaptação de vias de circulação interna,


aproveitando os setores médios, aprofundados, dos vales dos afluentes da margem esquerda
do Tietê: avenidas Nove de Julho, Pacaembu e muitas outras similares, topologicamente
falando (avenidas Sumaré e do Estado, Tatuapé, Eliseu Resende e 23 de Maio, entre outras)
(AB’SABER, 2004, p. 139).

Travassos (2005), por sua vez, analisa as principais propostas urbanísticas para São
Paulo, relativas ao tratamento dos rios urbanos e suas várzeas, em duas fases distintas: uma
primeira fase, cujas questões fundamentais atinham-se ao saneamento das várzeas urbanas,
visando a permitir a expansão da cidade e a garantir salubridade e embelezamento urbano,
que se estende de meados do século XIX ao início da década de 1930; e uma segunda,
decorrente do crescimento expressivo da população e da expansão da mancha urbana de
São Paulo, que exerceu grande pressão pela urbanização de novas áreas, apoiada pela
construção de sistema viário, consolidando-se, portanto, a ideia de ocupação das várzeas
pelas chamadas avenidas de fundo de vale, idealizadas e consagradas pelo Plano de

23 “No que diz respeito às relações entre o organismo urbano e o Espigão Central, cumpre lembrar que
nada menos que cinco extensas avenidas da Capital se aproveitaram das altas e estreitas esplanadas
suaves nêle existentes. [...] que em alguns trechos chegam a ser praticamente planas e relativamente
retas graças à tabularidade fundamental do relevo: o trecho Sul-Norte asila a Avenída Jabaquara (790-
800 m) e a Avenída Domíngos de Morais (790-815 m), enquanto o trecho Sudeste-Noroeste contém,
primeiramente, a Avenida Paulista (815-820 m) e, depois, as Avenidas Dr. Arnaldo e a parte inicial da
Prof. Alfonso Bovero (820-830 m)” (AB’SABER, 1958 p. 187-188). (a grafia original do texto foi mantida).
140

Avenidas nos anos 1930 e executadas nas décadas seguintes, estendendo-se até os anos
1970.

Figura: 3.5 - Túnel da Avenida 9 de Julho em construção, com o Belvedere Trianon, 1939, (Autor: B.J.
Duarte).

Fonte: SP em Preto e Branco, 2020.

Nesse primeiro período, as questões recaíam principalmente sobre as várzeas dos rios
Anhangabaú e Tamanduateí, nas áreas próximas à colina histórica. O Rio Tietê, entretanto,
representava a alternativa para a necessidade de produção de energia e a solução para os
problemas sanitários. Assim, as propostas de intervenção urbana nesse curso d’água
estavam intimamente vinculadas à sua utilização pelas infraestruturas urbanas.

Na segunda fase, as avenidas de fundo de vale estavam inseridas em planos viários


mais extensos, nos quais a necessidade de construção de infraestrutura viária antecedia à
escolha dos córregos a serem canalizados. Essa fase se estende a partir das primeiras
mudanças conceituais que deram origem ao Plano de Avenidas, na década de 1920, ao Plano
Urbanístico Básico, PUB, em 1969, englobando todos os planos gerais para o município de
São Paulo.

Portanto, se Ab’Saber (2004) relaciona a adoção da solução de infraestrutura viária e


urbanística das avenidas de fundo de vale às características geomorfológicas do sítio urbano,
para a superação dos limites topográficos apresentados pelo Espigão Central e para garantir
fluidez ao trânsito interno; Travassos (2005, p.39), por sua vez, as associa ao contexto do
ideário moderno, que inspirava lideranças, intelectuais e jornalistas no início do século XX em
São Paulo. Tais ideais eram impulsionados pelo rodoviarismo, pelo expansionismo e pela
141

verticalização das áreas centrais, expressos como “novos motes”, sendo que “a submissão
das várzeas ao sistema viário ‘interessavam aos dois primeiros.

A autora demonstra que a construção da Avenida Nove de Julho já havia sido


anunciada e discutida em matérias jornalísticas que previam “o predomínio crescente do
automóvel”, considerado mais importante do que a circulação de pedestres, e ainda
“decretava os bondes como empecilhos à mobilidade.” (Idem, 2005, p. 38). Propostas a esse
respeito tinham sido estudadas por engenheiros como Vitor Silva Freire e figuravam nos
projetos do urbanista inglês Barry Parker e do arquiteto Samuel das Neves anunciando essa
solução, até que ela fosse incorporada ao Plano de Avenidas de Prestes Maia, em 1930.

Outras avenidas sobre fundos de vale também foram sugeridas nesse período: ao longo
do córrego Pacaembu, parte dos planos da Companhia City 24; assim como uma outra “às
margens aterradas do Rio Tietê desde a Penha até a Lapa, construída sobre as margens
aterradas do rio.” (TRAVASSOS, p. 38).

Indiscutivelmente o Plano de Avenidas de Prestes Maia, elaborado nos anos 1930,


consolidou esse modelo urbanístico de ocupação de fundo de vale implantado na cidade ao
longo das décadas subsequentes25.

O uso das águas dos rios de São Paulo para fins de saneamento das várzeas, a
diluição e o afastamento de esgotos e a drenagem das áreas urbanizadas determinaram o
destino dessa imensa rede hídrica. Apropriados como elementos da infraestrutura urbana,
desapareceram da paisagem, enterrados ou canalizados, sendo legados ao esquecimento.

Nos anos 1960, a condição de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de


São Paulo atingiu níveis críticos. Se nos anos 1940 cerca de dois terços da população era
abastecida por esses serviços básicos, no fim dos anos 60 esse número havia regredido, de
tal forma, que metade da população não tinha acesso a água potável e apenas um terço era
atendida pela rede de esgotos. Entre meados dos anos 60 até o início dos anos 80 houve um
grande debate público envolvendo a adoção da Solução Integrada ou do Plano Sanegran.
A canalização de rios e córregos, com a construção de avenidas marginais (avenidas
sanitárias), tornar-se-ia uma solução hegemônica para os cursos d’água na cidade de São

24 A Companhia City nasce da iniciativa de empreendedores paulistas que adquiriram grandes


extensões de terra em áreas no quadrante sudoeste da cidade no final de primeira década, aos quais
se associaram investidores europeus intermediados pelo urbanista francês Joseph-Antoine Bouvard.
Proprietária de mais de 12 milhões de metros quadrados onde situam-se hoje os bairros do Jardim
América, Pacaembu, Alto de Pinheiros, Boaçava e Alto da Lapa, a “City” se tornaria um dos mais
importantes agentes do processo de urbanização de São Paulo (Campos, 2000).
25 O Plano de Avenidas será analisado como a referência de urbanização de fundo de vale que

consagrou o modelo canalização/enterramento de córregos e construção de avenidas.


142

Paulo, com investimentos do Estado e do Governo Federal em programas de saneamento,


por meio da canalização de rios e córregos em áreas urbanizadas.
Paradoxalmente, esse processo não consta em nenhuma diretriz de drenagem
presente nos planos urbanísticos. Outro contrassenso referente a tais intervenções é o fato
de as obras de implantação do sistema viário também não atenderem a nenhum planejamento
mais profundo do próprio sistema viário proposto. Nesse contexto, Monteiro Junior (2011)
afirma:
O PUB (Plano Urbanístico Básico, de 1968), por exemplo, prevê o aproveitamento das
várzeas para execução de vias de fundo de vale; alguns ajustes foram feitos para se
adequar a malha proposta pelo PUB ao traçado dos córregos de São Paulo; porém é
necessário um certo grau de abstração para se enxergar no conjunto das avenidas
implantadas em fundo de vale na periferia alguma estrutura ou rede (p. 21).

A questão da drenagem urbana veio a ser retomada pelo Departamento de Águas e


Energia Elétrica (DAEE) do governo estadual, no momento da elaboração do Plano Hibrace,
considerado o primeiro plano de gestão de recursos hídricos de São Paulo. Operado pelo
Consórcio Hidroservice-Brasconsult-Cesa e implantado a partir de 1964, destinado ao
controle das cheias da capital e dos municípios vizinhos – por meio da construção de
barragens e do desassoreamento dos rios Tietê, Tamanduateí, Pinheiros e seus principais
afluentes –, além do abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo e do
destino final do esgoto gerado por sua população.
Esse plano foi revisado em 1993, atualizado e ampliado, com a incorporação das
Bacias do Alto Tietê, do Piracicaba e da Baixada Santista, sendo concluído em 1995, pelo
consórcio Hidroplan (Coplasa-Etep-Figueiredo Ferraz- Hidroconsult-Maubertec), e tinha como
um horizonte projetado o ano de 2020.
O plano considerava que o controle das enchentes deveria ser feito apenas por meio
da construção de reservatórios nas cabeceiras do Tietê, sem a necessidade de se limitarem
áreas do território para manter os espaços naturais de contenção das cheias, e considerava
os ganhos ao potencial construtivo e ao lucro proveniente da venda dos terrenos aterrados
nas várzeas, em consequência das canalizações.
Em 1975 foi criada a EMPLASA (Empresa Metropolitana de Planejamento S/A),
encarregada do levantamento de informações, para auxiliar na elaboração de estudos de
interesse metropolitano, para secretarias de São Paulo. Essa empresa passou a analisar os
sistemas de drenagem, abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, entre
outros, propondo diretrizes gerais para a expansão urbana, no âmbito do governo estadual. À
época, prevalecia a ideia de se promover uma revisão do conceito de drenagem, superando
a abordagem exclusivamente hidráulica de possibilitar o rápido escoamento superficial e as
143

cheias, com a transposição dos pontos de alagamento para jusante; considerando outras
soluções associadas ao uso do solo e aos tipos de ocupação nas áreas sujeitas a enchentes.
A referida revisão conceitual, na forma de atuação do Estado no que diz respeito à
ação sobre os cursos d’água e às soluções para drenagem e combate às enchentes em São
Paulo, resultou, nos anos 1990, no questionamento do ideário da canalização como forma
hegemônica de ação pública.
No entanto, ainda nas décadas de 1970 até o final dos anos 1980, muitas canalizações
de corpos d’água com implantação das avenidas sanitárias seguiram sendo executadas em
São Paulo e Região Metropolitana, por contarem com verbas federais do Programa Nacional
de Saneamento (Planasa), que vigorou no período de 1971 a 1986 (TRAVASSOS, 2005).
O efeito dessa “conscientização” dos órgãos públicos, porém, é relativa. Ao mesmo
tempo em que esses planos e comitês eram organizados, a Prefeitura colocava em ação o
seu Programa de Canalização de Córregos e a Abertura de Avenidas de Fundo de Vale.
Já no século XXI, conforme o exposto na introdução, a execução das obras seguindo
esses novos conceitos – como a implementação de reservatórios de contenção, de barragens,
de piscinões e a ampliação da calha dos rios, entre outras – que permitiriam teoricamente
solucionar a questão das enchentes, mostra-se ineficaz.
Um caminho possível para o aprofundamento dessas questões poderá indicar de que
forma as transformações econômicas estiveram relacionadas com o processo de urbanização
em São Paulo entre 1930 e 1970 (período da unificação do mercado interno) e a partir da
década de 1970 até a atualidade (período da crise de reprodução da sociedade de elite),
associando-as às respectivas transformações no espaço urbano de São Paulo,
especificamente no que consta às questões de drenagem e combate a enchentes, mas
associadas ao problema dos assentamentos precários em áreas de fundo de vale.

3.2 O planejamento da cidade de São Paulo e o problema da ocupação dos fundos de


vale

Em busca de verificar a influência dos instrumentos de ordenamento territorial da


cidade de São Paulo na definição e na consolidação do modelo de ocupação de fundo de
vale, foi elaborado um quadro, compilando alguns dos instrumentos de ordenação territorial
elaborados no âmbito das três instâncias governamentais: municipal, estadual e federal; a
constar leis, planos e projetos propostos e publicados entre os anos 1920 e 2020.

Os critérios de seleção privilegiaram documentos tratando especificamente de


questões de ordem urbanística e fundiária (zoneamento, ordenamento e uso do solo,
144

programas de habitação, planos viários, programas de parques públicos etc.), como também
os referentes a temas de infraestrutura (planos de drenagem e de saneamento) e os relativos
a políticas e programas ambientais e de gestão de recursos naturais (planos de gestão de
bacias hidrográficas).

Tendo por base os autores referenciados e partindo de uma relação que registrou por
décadas os principais instrumentos produzidos, buscou-se associá-los, em uma escala mais
ampla, a eventos importantes no campo da política e da economia para organizar esses dados
em períodos. Essa organização corrobora as periodizações elaboradas por estudos
urbanísticos e ambientais das políticas públicas em São Paulo e no país (VILLAÇA, 1999;
SANTOS, 2002; SANTOS, 2004; ALVIM, 2003; DEÁK, 2001; ULTRAMARI, 2017).

No âmbito da escala local, foram consideradas periodizações propostas por autores


de estudos urbanísticos que trataram das questões relacionadas à urbanização de São Paulo
e suas relações com as transformações ambientais e de sua morfologia urbana,
especialmente nas bordas fluviais urbanas e nas áreas de fundos de vale (TRAVASSOS,
2005, 2010; ALENCAR, 2014; NOTO, 2017; KAHTOUNI, 2004; TRIPOLONI, 2012).

No contexto dos cenários macroeconômico e político de ordem global, os dados


levantados foram organizados, de forma sintética, em três períodos:
a) de 1920 a 1960, o período da Industrialização (Fordismo), a construção de Políticas Sociais
com a presença do Estado, as grandes guerras e a reconstrução no pós-guerra (Estado de
Bem-estar Social)26;
b) de 1970 a 1980, o início do processo de reestruturação econômica no contexto global após a
crise econômica do petróleo, com a revisão das políticas sociais (Globalização);
c) consolidação da reestruturação econômica, com a financeirização dos mercados e o avanço
das políticas Liberais (Estado mínimo27).
No contexto da evolução dos planos urbanísticos no Brasil, à periodização descrita
nos parágrafos anteriores, também correspondem três fases identificadas, segundo os
autores estudados (VILLAÇA, 1999; DEÁK, 1999; SANTOS, 2002; SANTOS, 2004).
Resumidamente, são propostos os seguintes períodos:

26 No “Estado de Bem-estar Social” (Welfare State), a atuação dos agentes públicos se dá como
promotora e organizadora da vida social e econômica, proporcionando aos indivíduos bens e serviços
essenciais durante toda sua vida. Seu modelo mais conhecido de políticas públicas foi proposto por
John Maynard Keynes (1883-1946) e rompia com a visão de livre-mercado em favor da intervenção
estatal na economia (Fiori, 2013).
27 Segundo Bobbio (1998), o Estado liberal é visto como um Estado limitado em dois níveis: limites

quanto aos poderes e limites quanto às funções. O Estado de direito corresponde à limitação dos
poderes, enquanto o Estado mínimo corresponde ao limite das funções do Estado dentro da perspectiva
da doutrina liberal, resgatada pelas correntes do neoliberalismo.
145

a. O período denominado “Estruturação urbana”, cujo início se dá no final do século XIX


estendendo-se até meados do século XX, com obras de engenharia sanitária e viária e
projetos de melhoria e de embelezamento urbano;
b. O segundo período se estende de 1970 ao final do século XX, quando a disciplina de
planejamento se organiza em planos elaborados e sofisticados, com uma quantidade enorme
de dados de ordem social e econômica, mas sem objetividade e de pouca eficácia em ordenar
de fato a urbanização nas cidades brasileiras. São os chamados “Planos sem mapa”
(VILLAÇA, 1999), nos quais o planejamento se consolida mais como ideologia do que como
instrumento de ordenamento territorial;
c. O terceiro período refere-se à ampliação dos processos democráticos e participativos –
inaugurados no período anterior, com a promulgação da Constituição de 1988 – na
consolidação das reformas urbanas consagradas pelo Estatuto da Cidade. As questões
ambientais e o envolvimento das comunidades e dos agentes sociais são integrados ao
processo de planejamento; e a questão do uso do solo como direito de todos passa a compor
as agendas urbanísticas, com a obrigatoriedade da construção e a promulgação, pelos
municípios, dos Planos Diretores apoiados por planos setoriais de habitação, saneamento e
mobilidade, dentre outros.
Também com base nos estudos de Travassos (2010, 2007) e Alencar (2017) a respeito
das etapas de implantação e difusão do modelo de urbanização de fundo de vale, pelo binômio
canalização de córregos e construção de avenidas de fundo de vale, foi proposta uma divisão
em três fases:
a. A primeira fase, definida como a fase de “construção do modelo de urbanização de fundos de
vale”, se estende dos anos 1930 até os anos 1960, conjugando sistema viário e canalização
de córregos como solução para os problemas de drenagem; nesse período apoiada em planos
gerais e viários para a estruturação da cidade;
b. A segunda fase ocorre entre 1970 e 1990, definida como a fase da implantação de um
“programa de melhorias urbanas”, com a proposição e a construção de diversas avenidas de
fundo de vale, a canalização dos leitos dos córregos e a ocupação de suas várzeas pelas
avenidas. Essas obras ocorrem desvinculadas de planos viários ou gerais, sendo adotadas
pelo poder público como uma solução setorial de infraestrutura viária e sanitária.
c. A terceira fase identificada pelas autoras consolida a transformação do modelo de ocupação
de fundo de vale em um programa de melhoria urbana. Respaldadas também por
investimentos públicos federais do programa de canalização de córregos e construção de
avenidas de fundo de vale (Planasa), muitas avenidas sanitárias foram implantadas, sem um
plano conjunto, quer fosse viário ou urbanístico.
146

Tais estudos e setorizações foram, portanto, determinantes para a elaboração de um


diagrama sintético de fases e etapas para os estudos relativos aos instrumentos urbanísticos
em São Paulo, investigados, de acordo com o exposto neste subcapítulo. Os instrumentos
analisados foram organizados em três grandes grupos e em ordenação cronológica, conforme
suas características, distribuídos por décadas, conforme proposto a seguir:
a. Período 1 – O primeiro período, de 1930 e 1968, denominado período de Estruturação
urbana, privilegiou questões referentes à Mobilidade, com o predomínio do vetor
rodoviário e com a atuação do capital imobiliário. Durante esse tempo, o espraiamento
da mancha urbana e a realização de grandes obras de infraestrutura de saneamento,
de abastecimento de água e de energia, que prepararam a cidade para a
industrialização, foram favorecidos. Nesse período o zoneamento e o coeficiente de
aproveitamento foram, essencialmente, os únicos parâmetros urbanísticos adotados;
b. Período 2 – O segundo período, de 1970 a 1990, caracterizou-se pela explosão
demográfica, com a ampliação do espraiamento da mancha urbana, porém, sem o
suporte das infraestruturas. A urbanização avançou sobre áreas ambientalmente
vulneráveis e ocorre a verticalização nas áreas centrais. Nas áreas de urbanização
consolidada acontece a ampliação das redes de infraestrutura e a adoção, pelos
planos, de parâmetros de densidade e coeficiente de aproveitamento, garantindo a
valorização do solo e favorecendo o mercado imobiliário. Ao final desse período,
observam-se os impactos socioambientais causados pela ampliação do espraiamento
e da verticalização e, com isso, iniciam-se as discussões e a adoção de premissas de
conservação da Água e do Ambiente.
c. Período 3 – O terceiro período proposto se estende de 2000 a 2020, em cujos planos
prevalecem os parâmetros e conceitos de direito à cidade e da função social da
propriedade, sob a influência do Estatuto da Cidade, aprovado no ano 2000.
Consolidam-se políticas sociais participativas e agravam-se os problemas
socioambientais. Há a adoção de novos parâmetros urbanísticos para uma gestão
democrática da cidade, com a criação de mecanismos de financiamento das políticas
urbanas e com a ampliação das ferramentas previstas no Estatuto das Cidades.
Considerando os planos elaborados nos três períodos discriminados, à luz das
questões fundamentais desta pesquisa, foi elaborado um quadro sintético dos
documentos que deram suporte às análises (Quadro 3.1). A partir dessa seleção,
foram desenvolvidos três subcapítulos com análises e comentários sobre a influência
dos instrumentos denotados, a respeito das questões da urbanização da cidade de
São Paulo, sob o ponto de vista de suas relações com os rios e o ambiente.
147

Quadro: 3.1 - Principais planos e projetos relacionados ao processo de urbanização de fundo de vale
em São Paulo.

A questão ambiental ainda não existia como categoria de


1930 PLANO DE AVENIDAS
pensamento. Visão tecnicista.
PERÍODO 1 - Estruturação urbana

Solucionou temporariamente o problemas das enchentes. Em função


Engenharias e Infraestrutura

1940 RETIFICAÇÃO DOS RIOS PINHEIROS E TIETÊ da impermeabilização do solo e da ocupação das áreas de várzeas
pelo sistema viário principal, tornou-se insuficiente

Pretendia adaptar a cidade à expansão horizontal, mas não criou


1950 PLANO MOSES subúrbios autônomos e gerou grandes deslocamentos. Industria
automobilística.

Marco do Urbanismo. Refletia o otimismo do "milagre brasileiro".


1960 PUB - PLANO URBANÍSTICO BÁSICO Escala metropolitana. Redes de metrô. Expansão econômica e
demográfica.

PDDI -I PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO Primeiro zoneamento. Lei de zoneamento de 1972. Inspiração
1970
como ideologia. Plano sem
PERÍODO 2 - Planejamento

INTEGRADO funcionalista. Do mesmo período Lei de Proteção dos Mananciais

Programa de Canalização de Córregos e Construção de Avenidas de


1980 PLANO DIRETOR (1985) PROCAV I - Fundo de Vale (PROCAV): Saneamento e obras viárias. PD 1985
Desenvolve o zoneamento de 1972

Lei Orgânica - rede hídrica como eixo dos sistemas estruturais.


LEI ORGÂNICA / PROCAV II PDMAT I / COMITÊ
mapa

1990 PROCAV recuperação ambiental sem viário. PDMAT drenagem


ALTO TIETÊ urbana, armazenamento e redução de picos.

Estatuto da Cidade : ”agenda verde” e habitação. PD 2002 Redes


2000 PDE 2002 / PDMAT 2 Estruturais: Viária, Transporte Público Coletivo, Polos de
PERÍODO 3 - O Estatuto da

Centralidade, Hídrica.
Cidade. Solo criado.

Plano estratégico de longo prazo. Enfretamento de desequilíbrios


2010 SP 2040 estruturais: ambiente, habitação, segregação espacial,
infraestrutura.
Ambiente

PDE 2014 reconhecesistemas estruturais as áreas dos vales do Tietê,


2020 PDE 2014 / PDMAT 3 Pinheiros e Tamanduateí como Macrozonas de Proteção e
Recuperação Ambiental

Elaborado pelo autor.

É importante esclarecer que a pesquisa considerou que investigar as relações da


urbanização com os rios e as regiões de fundo de vale, do ponto de vista do planejamento
urbano, pressupõe investigar as propostas e as ações de outros temas que se relacionam,
direta ou indiretamente, tais como: habitação social, infraestrutura e mobilidade (viário),
gestão de resíduos sólidos e meio ambiente; pois, a abordagem adequada para o
148

enfrentamento dessas questões é a abordagem sistêmica, que por sua vez enfrenta, na
gestão pública, dificuldades dado ao fato dessa gestão ser organizada de forma setorial e
muitas vezes, desarticulada, com planos e programas específicos de cada área. Isso revela,
por sua vez, mais uma fragilidade dos planos diretores que teriam como premissa serem os
elementos de articulação de todas as ações que envolvem a gestão urbana.

Período de 1930 a 1968: Estruturação urbana

A análise desse período inicia-se pelo Plano de Avenidas, de 1930, de autoria de


Prestes Maia e Ulhôa Cintra, elaborado entre 1929 e 1933. Trata-se do primeiro plano geral
para a cidade, que visava a atender às demandas expansionistas de desenvolvimento
industrial e de crescimento imobiliário, tendo como prioridade a matriz rodoviarista e de
transportes como vetor de urbanização. A mobilidade e o expansionismo predominaram sobre
o reformismo social e apresentavam a visão da engenharia municipal, dos preceitos do
movimento city efficient, de enfoque tecnocrático defendido por Nelson Lewis (CAMPOS,
2002).
A expansão de São Paulo, que se transmutava de agroexportadora para cidade
industrial, era sustentada pelo modelo radial-perimetral de urbanização como uma “sucessão
de anéis em torno a um centro”, em um processo de crescimento permanente (KRUCHIN
,1991, p. 61 apud CAMPOS, 2002).
As caraterísticas fisiográficas não ofereceram obstáculos à progressão da
urbanização, que seguiu escalonando colinas e por bordas de vales (SCHUTZER, 2012;
AB’SABER, 2004). A vasta rede hidrográfica paulistana foi submetida a um processo de
severas modificações, tendo sido implantado e consagrado o modelo de urbanização de fundo
de vale (TRAVASSOS, 2010), proposto a partir das retificações, canalizações e do
aterramento das várzeas para a implantação de avenidas marginais ou, ainda, do
enterramento de cursos d'água para a construção de avenidas (Figuras 3.6 e 3.7).
O Plano de Avenidas era uma concepção urbana adequada a cidades em
rápida expansão horizontal, porém, no tempo decorrido entre a sua concepção e a sua
efetivação, o plano sofreu transformações relevantes devido ao crescimento exponencial da
frota de veículos, o que sobrecarregou as novas avenidas, tornando-as inóspitas,
diferentemente da imagem de vida urbana moderna28. Ademais, sua estruturação como

28 Outro aspecto decorreu da conquista de espaço no mercado imobiliário pelo racionalismo


arquitetônico. Elegantes prédios modernos povoaram as avenidas do plano, substituindo as fantasias
ecléticas afrancesadas do plano original (ANELLI, 2007).
149

modelo de urbanização radioconcêntrica provocou a congestão da região central, para onde


se dirigiam todos os deslocamentos. Esses problemas geraram discussões e
questionamentos, com a proposição de alternativas com o apelo à cidade polinuclear, que
começaram a ser incorporados pelos arquitetos após a gestão de Prestes Maia na Prefeitura
em 1945.

Figura: 3.6 - Aquarela de Prestes Maia para o Plano de Avenidas. Na imagem, o Vale do
Anhangabaú.

Fonte: Martins, Ana Luiza in Vitruvius, 2008.

Nesse ambiente, o prefeito Linneu Prestes, em 1958, contratou o engenheiro Robert


Moses para a elaboração de um Plano de Melhoramentos Públicos para São Paulo, que ficou
conhecido como “Plano Moses”. Esse plano baseava-se no modelo da Highway Research
Board, adaptado às caraterísticas e condições da urbanização de São Paulo, e acompanhava
o desenvolvimento da indústria automobilística. Pretendia comportar uma expansão periférica
horizontal em subúrbios residenciais para a classe média motorizada, porém sem a
autossuficiência dos subúrbios americanos.
150

Figura: 3.7 - Plano de Avenidas. Perfil transversal da artéria de 1ª classe.

Fonte: TOLEDO, 2008.

Moses, por sua vez, identificou, no Plano de Prestes Maia, o impacto que as rodovias
estaduais tinham sobre São Paulo, e sugeriu que as avenidas marginais aos rios Tietê e
Pinheiros – concebidas esquematicamente no Plano de Avenidas – recebessem o tráfego
dessas rodovias, incorporando, portanto, a função dentro do tecido urbano como conhecemos
hoje em dia (Figura 3.8).
O que se observa, até aqui, é a predominância e a prevalência, nos primeiros planos,
do atendimento as questões da mobilidade das populações, importantíssima, para a
viabilização das propostas de espraiamento da malha urbana que interessava aos gestores
públicos. Sob a égide do progresso, da higiene do crescimento e da industrialização que
norteavam esses planos, estava o atendimento dos interesses fundiários de uma classe que
detinha o poder (VILLAÇA, 1999, ANELLI, 2007). A questão dos rios esteve restrita, às
adequações dos leitos e várzeas inundáveis, por questões sanitárias, assim como pela
supressão das paisagens ribeirinhas, modestas e inadequadas para a construção de uma
imagem de cidade moderna (DELBOUX, 2015, CAMPOS, 2002).
151

Figura: 3.8 - Via Expressa Marginal, Robert Moses.

Fonte: Anelli, 2007.

O Plano Urbanístico Básico de São Paulo (PUB) de 1968 foi um plano de grande
abrangência, marco do planejamento urbano. Trouxe a marca de otimismo gerado pelo
crescimento econômico do chamado “milagre brasileiro” (DEÁK, 2001). Os levantamentos
socioeconômicos revelaram uma concentração de renda e, os levantamentos urbanísticos,
uma região metropolitana dispersa, fragmentada e desarticulada. A matriz viária e os
transportes predominaram sobre outras prioridades e sustentaram o espraiamento urbano.
Houve, na concepção do PUB, a nítida influência do “Plano Preliminar de Urbanismo”,
elaborado por Jorge Wilheim em 1965 pela consultora SERETE, no qual o urbanista critica o
modelo rádio concêntrico do Plano de Avenidas, sob o argumento de que os anéis perimetrais
seriam ultrapassados com o tempo. Tal influência é igualmente perceptível na proposta para
que se adote o conceito de adensamento relacionado ao sistema de mobilidade urbana.
Influências internacionais também ocorreram, tais como do Plano Metropolitano de
Londres, de 1943, formulado pela London County Council, com assessoria de Patrick
Abercrombie e do ideário de Ebenezer Howard, presentes, principalmente, nas diretrizes de
descentralização e na adoção de subcentros em bairros, dotados de relativa autonomia e
conectados por um sistema de transporte. Os autores identificam ainda a influência do modelo
rodoviarista de Robert Moses, como também das propostas de melhoria das condições de
vida da população, presentes nos estudos da SAGMACS elaborados em 1958 pelo Padre
Lebret.
Segundo Feldman (2005), os estudos e recomendações do PUB foram elaborados em
um momento de retomada da compreensão do planejamento como processo permanente,
152

vinculado à ideia de desenvolvimento urbano contínuo e processual. A definição do


planejamento como processo contínuo também é pautado por Carvalho (1976), que
acrescenta nesse campo processual do planejamento, o princípio de sistema, tão abrangente
quanto integrado, interligando as várias necessidades da vida urbana e cotidiana, agregando
as dimensões psicológica, econômica e político-social, que caracterizaram os estudos deste
plano.
O PUB adota de forma pioneira a ideia sistêmica do planejamento integrado e
contínuo, ao associar o conceito do desenvolvimento de estrutura urbana, relacionado ao
sistema de trânsito e transportes, com o uso e a ocupação do solo, em uma escala regional,
e pretendia orientar o crescimento até 1990 (Figura 3.9).

Figura: 3.9 - Plano Urbanístico Básico (PUB), malha viária com simulação de carregamento.

Fonte: Anelli, 2007.

Nos planos citados, não foram registrados parâmetros específicos ou referências aos
sistemas hidrográficos naturais; nem aos impactos na drenagem urbana decorrentes da
impermeabilização de áreas molhadas; como também à conservação de maciços arbóreos,
exceto pela menção à manutenção ou à implantação de alguns parques públicos com funções
de lazer.
153

Importante destacar, ainda, as gigantescas obras de retificação do rio Tietê,


executadas em 1938, promovidas para enfrentar o problema das enchentes. As intervenções
em sua calha foram projetadas para conter as águas das várzeas e das cotas altas e
solucionaram temporariamente o problema, sendo logo superadas pelos impactos do
processo de impermeabilização do solo e da ocupação das áreas de várzeas pelo sistema
viário principal (ALVIM, 2003).
Igualmente importante observar que, nesse período denominado por Villaça (1999)29
de período do Urbanismo e do Plano Diretor, essas proposições diferiam dos planos de
melhoramentos e embelezamento, elaborados para várias cidades brasileiras nas primeiras
décadas do século XX, devido à abordagem global de cidade, não localizada e pontual. Assim
sendo, os planos gerais desse período não contemplaram parâmetros urbanísticos
específicos, como os apresentados nos planos de embelezamento. Muitos desses planos
foram propostos a partir das experiências de cidades europeias, onde vicejaram as ideias de
Camilo Sitte, de conservação das morfologias originais das cidades, das praças e dos
monumentos, na busca de ideais estéticos e culturais.
Pelo exposto, pode-se inferir que os planos urbanos elaborados e propostos nesse
período mantiveram como referência o Plano de Avenidas, privilegiando o modelo de
urbanização apoiado na matriz de mobilidade por automóveis e de sistemas de transporte.
Esses planos evoluíram do modelo radioconcêntrico para o modelo policêntrico e, por
adotarem como escala a totalidade da extensão da cidade, não se detiveram a elaborar e
definir parâmetros morfológicos de escala local como nos planos de embelezamento,
restringindo-se a definir hierarquias viárias, zoneamento e regras genéricas de uso e
ocupação do solo e edilícias.
Ressalvando-se que a questão ambiental ainda não compunha pauta para as
discussões urbanísticas, observa-se também que as características fisiográficas foram
identificadas e adotadas, tão somente como parâmetros técnicos de base científica para a
proposição dos sistemas de mobilidade e fluxos, segundo o modelo de urbanização
expansionista, através dos fundos de vale, com a ocupação de áreas molhadas para
exploração imobiliária. Dessa forma, os planos, ao elegerem os sistemas de mobilidade como
principais vetores da estruturação urbana, promoveram a expansão da mancha de
urbanização, que ocupou e sacrificou os espaços das águas, enterrando ou canalizando rios

29Nesse texto o autor procura delimitar de forma precisa a distinção entre plano e projeto. Esclarece
que “quanto mais forte e simultaneamente estiverem presentes” alguns componentes ou
características, mais próximas do plano e distante do projeto essas ações o ou intervenções estarão.
Para tanto, relaciona: a abrangência de todo o espaço urbano, a continuidade de execução e
necessidade de revisões e atualizações, a interferência sobre a maioria ou grandes contingentes de
população e a importância das decisões POLÍTICAS, com maior participação dos organismos
municipais (Villaça, 1999, p. 174).
154

e córregos, agravando os problemas de drenagem e de poluição dos cursos d’água


reconhecidos como um dos principais conflitos ambientais da cidade de São Paulo
(TRAVASSOS, 2010; ALENCAR, 2013; ANELLI, 2007).

Período de 1970 a 1990 – Planejamento integrado e os planos sem mapa

Os anos 1970 corresponderam aos anos do “milagre brasileiro”, durante os quais a


euforia do crescimento econômico alimentou as expectativas em relação ao planejamento das
cidades. Segundo Singer (2017, p.148), os Planos Diretores representavam a possibilidade
de desenvolvimento das cidades por meio de “instrumentos de ordenação, regulação e
racionalização” que promovessem equidade social.
A concentração industrial em São Paulo e nos municípios do entorno, sob os efeitos
do milagre, promoveu uma atratividade intensa e uma explosão demográfica. Essa
consequência estimulou a elaboração de planos para a cidade de São Paulo e sua região
metropolitana, como o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado de 1971.
Esse plano, promulgado em 1971, tinha forte viés tecnicista e propunha objetivos
genéricos como se, para propiciar o bem-estar da comunidade, bastasse ordenar e disciplinar
os desenvolvimentos físico, econômico, social e administrativo da cidade. Foi o primeiro plano
a propor e implantar um zoneamento associado, do qual se originou a Lei de Zoneamento de
1972. Tal lei propunha a divisão do município em zonas de uso, como forma de estabelecer
equilíbrio entre as funções urbanas de habitar, circular, trabalhar e usufruir do lazer, de clara
inspiração do Funcionalismo da Carta de Atenas. O zoneamento, por sua vez, se amparou
em uma estratégia fundamentada na mobilidade sobre rodas, determinada pela implantação
de uma rede de vias expressas sobre as quais essas divisões em zonas de uso se
organizavam (Figura 3.10).
Do ponto de vista das relações da urbanização com os rios e córregos, o PD 1971
tinha uma abordagem de caráter sanitarista, com proposições genéricas de melhorar as
condições sanitárias, reduzir a morbidade e garantir a proteção do meio ambiente contra a
poluição das águas, do ar e do solo; as quais, por sua vez, estavam ainda subordinadas ao
modelo das avenidas sanitárias de fundo de vale.
Algumas dessas vias expressas chegaram a ser construídas, a exemplo do
“Minhocão”, uma via elevada que cortava a área central da cidade para integrar as regiões
leste e oeste; mas a maioria não saiu do papel, em consequência do arrefecimento do
“milagre”, que aconteceu a partir de 1974. Sem o suporte para sustentar a mobilidade,
conforme previsto, o PD de 1971 fracassou, sendo esse quadro agravado, a partir de 1981,
155

quando o país mergulhou em recessão devido ao segundo choque do petróleo (SINGER,


2017).
Figura: 3.10 - Mapa simplificado da Lei de Zoneamento de São Paulo de 1972.

Fonte: (PESSOA, 2015).

No entanto, o crescimento demográfico de São Paulo e da região metropolitana,


gerado por esse período, estava consolidado. Imensos contingentes populacionais, sem o
amparo de políticas públicas para moradia e sem emprego, foram se acomodando em
assentamentos precários, ou em centenas de loteamentos clandestinos, desprovidos de
infraestrutura urbana, que cresceram nas periferias da cidade, especialmente na região sul,
onde se encontram os mananciais e os reservatórios de água da cidade, exercendo pressões
e impactos sobre os recursos localizados nessa área.
Assim, a questão da gestão e conservação das águas passou a compor uma agenda
importante em estudos urbanísticos, culminando com a promulgação da Lei Nº 898, de 18 de
dezembro de 1975. Tal lei disciplinava o uso de solo para a proteção dos mananciais, cursos,
reservatórios de água e demais recursos hídricos de interesse da Região Metropolitana da
Grande São Paulo, sucedida pelas leis estaduais nº 898/9175 e nº1172/1976, com as mesmas
finalidades, sendo que a segunda se referia ao artigo 2.º da Lei n. 898, de 18 de dezembro de
1975, e delimitava as áreas de proteção relativas aos mananciais, cursos e reservatórios de
água, estabelecendo normas de restrição de uso do solo nessas áreas.
156

A década de 1970 constituiu o “momento chave para o estudo da ocupação dos fundos
de vale por avenidas no município de São Paulo”, pelo fato de ser a partir desse período que
o binômio “construção de sistema viário e tratamento do sistema de drenagem” se consolidam
(TRAVASSOS, 2005, p. 51).
A autora destaca a atuação de instituições no âmbito do estado e do município, que
atuaram no planejamento e na efetiva implantação de ações que envolveram as questões de
saneamento, drenagem e circulação viária em São Paulo nesse período e, dessa forma,
determinaram conceitos e parâmetros para a urbanização de fundos de vale (Figura 3.11).
No âmbito do governo estadual, a Empresa de Planejamento S.A. (Emplasa)
procurava tratar de forma compreensiva o planejamento das questões ligadas às inundações
nas sub-bacias do Alto Tietê, partindo de uma metodologia que adotava como unidade de
planejamento as bacias hidrográficas e as vinculava ao estágio de urbanização de cada bacia.

Figura: 3.11 - Obras na Avenida do Estado em São Paulo, 1969.

Fonte: Acervo O Estado de São Paulo. Disponível em: agosto de 2020.

Na escala do governo municipal, foram criados os Programas de Canalização de


Córregos e Construção de Avenidas de Fundo de Vale (PROCAV), aproveitando-se da linha
de financiamento do Plano Nacional de Saneamento (Planasa).30

30 Criado em 1971, o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), foi um programa de infraestrutura


apoiado com recursos federais, tendo como objetivo principal promover o saneamento básico nas
cidades por meio do abastecimento de água e da implantação de sistemas de esgotamento sanitário.
157

Segundo a autora, em 1974 a prefeitura assinou um contrato de financiamento com o


Banco Nacional de Habitação, BNH, para a realização de obras em 38 córregos, somando 60
km de canalizações e 55 km de novas avenidas de fundo de vale, pelo Planasa 31.
Ainda no ano de 1974, a prefeitura de São Paulo realizou um amplo levantamento a
respeito das condições de todas as bacias hidrográficas do município, intitulado “Mapas e
diagnósticos das bacias de drenagem do município de São Paulo”, elaborado para apresentar
um diagnóstico do problema de drenagem urbana, pois as inundações cresciam, assim como
as demandas para sua solução. O diagnóstico trazia algumas recomendações que serviram
como base para selecionar as bacias prioritárias elegíveis para intervenção urbana.
Travassos (2004, p. 61) afirma que esse trabalho foi muito importante para a
determinação “do vínculo que se estabelecia (e continua vigente) entre a drenagem e a
construção de sistema viário”, pois apresenta “o conceito de drenagem subjacente às
recomendações e às aspirações municipais”, sob a forma de tratamento dos córregos e de
suas margens, que ainda são reconhecidos nas intervenções propostas nessas regiões da
cidade.
As indicações, bastante simplistas, no que toca às diferenças entre as bacias e sumárias,
do ponto de vista do contexto urbano, propunham dois tipos de tratamento para os córregos:
nas áreas urbanizadas ou em urbanização, a canalização dos córregos era executada “com
urgência”; enquanto nas áreas não urbanizadas, as canalizações deveriam acompanhar o
processo de urbanização.
Tratados como simples canais de drenagem, os córregos foram canalizados e as
várzeas ocupadas pela urbanização, determinando um padrão para a ocupação dos fundos
de vale em São Paulo. As canalizações que já possuíam avenidas lindeiras foram
consideradas “um exemplo típico de como devem ser aproveitados os demais fundos de vale”,
sob o argumento de que representavam uma tendência de ação dos gestores públicos para
“humanizar a cidade” (TRAVASSOS 2005, p. 63).
A adoção desse modelo das avenidas de fundo de vale foi amplificada pela imprensa
e se consolidou, no ideário comum, como uma solução de “valorização da paisagem da

Estabelecia a obrigatoriedade de adesão dos estados e municípios para ter acesso aos financiamentos
do Sistema Financeiro de Saneamento. Os Estados deveriam constituir os Fundos de Financiamento
de Água e Esgoto, FAEs, e uma Empresa Estadual de Saneamento, que receberia os recursos. Havia
também subprogramas específicos, dentre os quais o FIDREN, que poderia ser destinado diretamente
a governos estaduais, municipais, entidades executivas de áreas metropolitanas ou outras companhias
oficiais ligadas ao problema da drenagem. Os recursos para esses programas foram financiados
principalmente pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) (TRAVASSOS, 2005).

31 “O financiamento, que fazia parte do FIDREN, estava prometido desde o início de 1973, quando a
previsão era de se canalizar 470,42 km de córregos – sem menção à construção de avenidas,
incorporadas posteriormente ao pedido de financiamento” (TRAVASSOS, 2005, p. 60).
158

várzea, frequentemente associada à insalubridade e às ocupações precárias” (idem, ibidem).


Em outros termos, a paisagem que se ensejava não era a paisagem do rio e de suas margens,
mas sua ocultação em galerias fechadas, que contribuíam para a ampliação do leito
carroçável e impermeável destinado à circulação dos carros, conforme a visão da cidade
moderna, feita para os carros e defendida pelos engenheiros paulistas do final do século XIX.
A expansão do financiamento federal para essas obras, em 1977, levou os governos
municipal e estadual a assinar um convênio, por meio da Sabesp, para integrar as obras de
um Programa Municipal de Drenagem32, que associava obras de drenagem à execução do
sistema de esgotos, com recursos do Planasa.
Pode-se observar que a construção das avenidas de fundo de vale, a partir dos anos
1970, deixam de ser prerrogativas de planos de expansão do sistema viário e passam a ser
executadas de forma assistemática, em proposições aleatórias e, na maioria dos casos,
transformando-se em projetos independentes entre si (GROSTEIN, 1995 apud TRAVASSOS,
2005). Enquadravam-se, portanto, em um programa de melhorias urbanas, em conjunto com
a canalização de córregos, em vez de se inserir em um plano que visasse a melhoria da
acessibilidade e mobilidade da população nas áreas urbanas.
A expansão urbana e demográfica dos anos 1970-1980, em São Paulo, promoveu uma
urbanização periférica em regiões desprovidas de infraestrutura básica, em loteamentos
irregulares e clandestinos ou em favelas, por vezes localizadas em áreas ambientalmente
frágeis. Assim, o destino de muitas dessas populações acabou sendo as áreas de fundo de
vale, o que revela a estreita relação existente entre esses dois passivos: ambiental e
habitacional.
Pasternak (2010, p. 151), em seus estudos sobre o crescimento demográfico e a
expansão da urbanização em São Paulo, identifica que o destino dessas populações,
majoritariamente, foram áreas externas e periféricas da mancha urbana, em loteamentos
irregulares precários e sem infraestrutura. Em números, revela que de um “incremento
absoluto de 2,2 milhões de pessoas no município, entre 1960 e 1970, 43% alocaram-se no
anel periférico e, 41%, no anel exterior; nos anos 1970, 55% do crescimento moravam no anel
periférico”, distribuídos em “690 loteamentos irregulares computados no período 1940-1980”
(Figura 3.12).

32O Programa Municipal de Drenagem foi executado entre 1978 e 1983 e contemplava a canalização de
cursos d’água e a urbanização de fundos de vale. “Quando do lançamento do convênio, o prefeito Olavo
Setúbal enfatizou o alto valor das avenidas de fundo de vale para a integração viária da cidade,
especialmente em relação à facilidade de Disponível em à linha Leste-Oeste do Metrô. (YASSUDA,
1977).” (TRAVASSOS, 2005, p.66)
159

Figura: 3.12 - Município de São Paulo: loteamentos irregulares implantados entre 1941 e 1980.

Fonte: PASTERNAK, (2010).

Esse movimento também foi percebido na região sul do município, o que ocasionou o
avanço de um padrão de urbanização predatória sobre as áreas de mananciais e outras áreas
ambientalmente frágeis.
Ainda que protegidos por diversos instrumentos legais, as áreas de mananciais e os
fundos de vale foram ocupados pela parcela mais empobrecida da população, dada a
ausência de uma política habitacional abrangente o suficiente para atender às suas
necessidades e à capacidade dessa população de aquisição de terras em regiões dotadas de
infraestrutura e, por conseguinte, mais caras. Essa conjunção resultou na condição na qual a
“vulnerabilidade social encontra a fragilidade ambiental” (TRAVASSOS, 2010, p. 97).

Para responder a esse problema, o poder público municipal adquiriu grandes glebas
rurais nas bordas da região metropolitana – principalmente na região leste do município de
São Paulo e nos municípios vizinhos, a norte e oeste – para implantar conjuntos habitacionais
(Figura 3.13). Mas essas ações não foram suficientes para alterar esse padrão de urbanização
160

extensiva e precária, pois contemplavam apenas um dos aspectos do problema, conforme


observam os autores a seguir:

A conivência com a abertura de loteamentos irregulares, a construção de imensos conjuntos


habitacionais desconectados da estrutura urbana e a falta de uma política de desenvolvimento
urbano que estimulasse concomitantemente a instalação de atividades geradoras de
emprego e renda (MEYER; GROSTEIN; BIDERMAN, 2004, p. 42).

Figura: 3.13 - Cohab Itaquera, 1930.

Fonte: CAETANO, Marcelo, 2017.

Entretanto, o planejamento assume protagonismo nos anos 1980, apoiado,


especialmente pela promulgação, em 1985, da Lei Lehman 6.766/79 de âmbito federal que,
com o objetivo de regulamentar o parcelamento da terra urbana em todo o território nacional,
consagrou conceitos como planejamento territorial, variáveis urbanísticas, loteamento,
desmembramento, dentre outros, estabelecendo limites e impedimentos ao parcelamento e
loteamentos em áreas alagadiças, terrenos com declividade superior a 30% sem tratamento
de encostas, áreas contaminadas ou protegidas (GIAQUINTO, 2009).
Dessa forma, as questões ambientais passaram a ser promovidas à categoria de
pensamento e objeto do planejamento urbano. A elaboração dos planos municipais e
metropolitano de drenagem, sob o ideário do desenvolvimento sustentável, insere a questão
ambiental nas estruturas de planejamento e de gestão, em especial no tocante à questão da
preservação dos mananciais de água.
161

No contexto de uma sociedade urbanizada, foi promulgada, em 1988, a Nova


Constituição. O texto dessa lei incorporou as demandas urbanas por moradia e a questão dos
conflitos urbanos. Delegou a gestão do território aos municípios e determinou o planejamento
urbano como atribuição municipal, com o objetivo de promover a função social da cidade e
garantir bem-estar aos seus moradores, e o plano diretor como instrumento básico da política
de desenvolvimento e expansão urbanos e da função social da propriedade, determinando a
obrigatoriedade para municípios com mais de 20 mil habitantes de construi-lo com a
participação popular.
Porém, no tocante à gestão, a CF de 88 manteve os recursos concentrados nas
esferas estadual e federal, dificultando a implantação dessas políticas e determinando graves
restrições.
Nos anos 1990, a questão ambiental ampliada adquire importância para o
planejamento territorial urbano em São Paulo, apoiada nas políticas de âmbito federal como
a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) com diretrizes de zoneamento ambiental (MMA,
2019).
Observa-se nesse período a Lei Orgânica do Município, de 1990, que adota a estrutura
geofísica natural como suporte da urbanização, enfatizando a rede hídrica e integrando como
eixos básicos os sistemas estruturais – viário e de transporte público –, a topografia, os cursos
d'água, as linhas de drenagem.
Destaca-se também o “Programa de Recuperação Ambiental e Social dos Fundos de
Vale do Município de São Paulo”, que avança ao propor recuperação ambiental sem estrutura
viária, revertendo, portanto, a aplicação dos recursos usados nessas obras para um maior
número de bacias na cidade e o PDMAT –2, que adota o conceito de drenagem urbana
orientado para o armazenamento da água, mantendo parte da água precipitada no local de
origem, reduzindo picos de cheias.
Mas, ainda que esses programas trouxessem inovações importantes, como a
preservação das águas nas bacias de drenagem, a proliferação das avenidas de fundo de
vale, de acordo com o modelo de canalização de córregos e a ocupação das margens e áreas
de várzea, prevalecem como solução hegemônica, com o agravante de serem adotados como
políticas setoriais de melhorias urbanas, desvinculadas de planos maiores. No entanto, como
as enchentes persistem, uma reação negativa a esse modelo já se insinua, especialmente
nas regiões afetadas.
Mas, ainda que esses programas trouxessem inovações importantes, como a
preservação das águas nas bacias de drenagem, a proliferação das avenidas de fundo de
vale, de acordo com o modelo de canalização de córregos e a ocupação das margens e áreas
de várzea, prevalecem como solução hegemônica, com o agravante de serem adotados como
162

políticas setoriais de melhorias urbanas, desvinculadas de planos maiores. No entanto, como


as enchentes persistem, uma reação negativa a esse modelo já se insinua, especialmente
nas regiões afetadas.

Mas, ainda que esses programas trouxessem inovações importantes, como a


preservação das águas nas bacias de drenagem, a proliferação das avenidas de fundo de
vale, de acordo com o modelo de canalização de córregos e a ocupação das margens e áreas
de várzea, prevalecem como solução hegemônica, com o agravante de serem adotados como
políticas setoriais de melhorias urbanas, desvinculadas de planos maiores. No entanto, como
as enchentes persistem, uma reação negativa a esse modelo já se insinua, especialmente
nas regiões afetadas.

Mas, ainda que esses programas trouxessem inovações importantes, como a


preservação das águas nas bacias de drenagem, a proliferação das avenidas de fundo de
vale, de acordo com o modelo de canalização de córregos e a ocupação das margens e áreas
de várzea, prevalecem como solução hegemônica, com o agravante de serem adotados como
políticas setoriais de melhorias urbanas, desvinculadas de planos maiores. No entanto, como
as enchentes persistem, uma reação negativa a esse modelo já se insinua, especialmente
nas regiões afetadas.

Período de 2000 a 2020 – O Estatuto da Cidade: a política urbana e o meio ambiente

No período de 2000 a 2010, as questões de ordem social adquirem protagonismo, com


a ampliação e a consolidação de políticas públicas de caráter social e com o marco legal do
planejamento e ordenamento territorial do Estatuto da Cidade, que associa a” agenda verde”
à questão da habitação, com o objetivo de superação das fragilidades e conflitos gerados pela
urbanização, reconhecidos como passivos socioambientais.
A Constituição Federal de 1988, no Capítulo da Política Urbana, incorporou a tese da
Função Social da Cidade e da Propriedade Urbana, retomando questões levantadas pelo
movimento da Reforma Urbana iniciado nos anos 1960. Esse conceito defendeu a
relativização do direito absoluto da propriedade urbana, sendo a utilização do solo urbano o
principal parâmetro para sua legitimidade, tendo sido previstas na CF sanções para as
propriedades que não cumprissem essa função.
A questão ambiental também foi contemplada com base no artigo 225, segundo o qual
“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
163

e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever


de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988, Art. 225).
A razão de serem retomados tais registros na análise do período de 2000 a 2020,
deve-se ao fato de que, desde a promulgação da CF de 1988, muitos instrumentos
urbanísticos foram sendo aplicados pelos municípios de forma desarticulada, até que, treze
anos depois, fosse promulgada a Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001, conhecida
como Estatuto da Cidade. Essa lei veio para regulamentar vários desses instrumentos,
possibilitando assim a sua ampla utilização em todo o país (BRASIL, 2001).
O Estatuto da Cidade determina que ao Plano Diretor Municipal, como o principal
instrumento da política de desenvolvimento urbano, compete definir as exigências
fundamentais de ordenação da cidade e garantir que a propriedade urbana cumpra sua função
social.
Por sua vez, o contexto da urbanização do município de São Paulo tinha, no início
dessa década, um quadro da espacialização física e da estrutura social profundamente
marcado pela expansão da mancha urbana, que manteve o padrão dos anos 1990 de
crescimento das periferias, associado a um quadro de carências e à manutenção de um saldo
migratório negativo, observado desde os anos 1980, em direção ao cinturão de municípios
mais próximos da região metropolitana, caracterizando uma periferização de sua população
(TASCHNER; BÓGUS, 2001), e exercendo pressões sobre áreas ambientalmente frágeis na
bacia do Alto Tietê e nas áreas de proteção dos mananciais ao sul do município.
Havia, por trás desse fenômeno, uma lógica excludente e segregadora de ocupação
do território, cujos interesses se concentravam na valorização imobiliária, em áreas mais bem
estruturadas, dotadas de infraestrutura. Essa dinâmica, por sua vez, inviabilizava a presença,
nessas regiões da cidade, dos estratos mais pobres, relegados a ocupar as áreas desprovidas
de infraestrutura, em assentamentos precários periféricos, por vezes localizados em áreas de
fragilidade ambiental, como encostas de alta declividade, várzeas dos rios ou áreas de
preservação ambiental (MARICATO, 1996; VILLAÇA, 1998).
Precisamente no enfrentamento dessa lógica, determinada pela propriedade da terra
e regida por uma “tradicional relação entre propriedade, poder político e poder econômico”
nas áreas urbanas, que se colocava o Estatuto da Cidade (MARICATO, 2008; ALVIM, 2006).
Neste sentido, São Paulo foi pioneiro em adotar os instrumentos urbanísticos do Estatuto da
Cidade no Plano Diretor Estratégico de 2002.
Tendo como objetivo central o ordenamento e o desenvolvimento das funções sociais
da cidade “e o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado de seu
território” (SEMPLA, 2002, p. 06), o PDE 2002 insere a questão ambiental pari passu à
questão social da posse e do uso do solo urbano.
164

O PDE 2002 atendia o artigo 4 da lei federal ao instituir o disciplinamento, o


parcelamento, o uso do solo e a ocupação do solo urbano; ao estabelecer um zoneamento
ambiental; ao vincular seus planos e programas às diretrizes orçamentárias e ao orçamento
anual e adotar a gestão orçamentária participativa. Ainda do ponto de vista da gestão,
propunha a elaboração dos planos e projetos regionais e dos planos de bairro (TRIPOLONI,
2008).
O autor destaca que a questão ambiental adquire protagonismo nesse plano,
alinhando-se às diretrizes das políticas nacionais do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos,
do Saneamento, do Controle da Qualidade do Ar, no que se referia à aplicação de
instrumentos de gestão ambiental articulados às metas das políticas ambientais.
A política ambiental do PD 2002, porém, ainda se articula em setores, reproduzindo o
modelo de gestão vigente. Embora adote o princípio de articulação entre as Políticas
Ambiental e de Desenvolvimento Urbano ao definir diretrizes específicas para cada política
separadamente, essa política se contradiz por não adotar uma abordagem sistêmica em
relação ao conjunto de problemas articulados desde sua origem (ALVIM et al, 2006).
Mesmo assim, o Plano Diretor Estratégico de 2002 revela a importância da questão
ambiental e, em particular, dos recursos hídricos para a cidade, ao determinar uma leitura e
uma articulação das políticas de urbanização em quatro Redes Estruturais: a Viária, a de
Transporte Público Coletivo, a de Eixos e Polos de Centralidade e a Rede Hídrica, associando-
as a um conjunto de elementos integradores, tais como: habitação, equipamentos sociais,
áreas verdes e espaços públicos. Esses elementos permitem que se estabeleça “a
reconciliação da cidade com seu território natural” (TRIPOLONI, 2008, p. 196), por se tratar
de territórios em constante transformação, nos quais se abrigam as atividades das pessoas,
portanto passíveis de se construir uma relação mais equilibrada entre os elementos naturais
e os espaços construídos.
A articulação das políticas ambientais e de desenvolvimento urbano foram
determinadas por uma divisão territorial em duas Macrozonas: uma de Proteção Ambiental e
uma de Estruturação e Qualificação Urbana, subordinadas aos Planos Regionais de cada
Subprefeitura, de modo a contemplar e responder às diversidades de cenários existentes no
território da cidade.
Nos mapas ilustrativos do plano, a distribuição espacial dessas duas macrozonas
podem ser vistas na Figura 3.14, onde se pode observar que a determinação do perímetro da
Macrozona de Proteção Ambiental se sobrepõe aos perímetros das Áreas de Proteção
Ambiental (APAs) dos parques situados nas orlas das represas (proteção dos mananciais) e
do Parque Estadual da Serra do Mar, todos localizados na porção sul do município; nas áreas
165

de Reserva Legal e do Parque Estadual da Cantareira (proteção de encostas), situadas ao


norte e oeste; e no Parque do Carmo, situado a leste.
A Macrozona de Qualificação Urbana, por sua vez, cobria a mancha da urbanização
consolidada, em toda sua diversidade, na qual se inseriam os vales e os leitos dos três
grandes rios que compõem a rede hídrica e correspondem à área urbanizada da cidade.

Figura: 3.14 - Mapa do Macrozoneamento do PD 2002 (em verde as Macrozonas de Proteção


Ambiental).

Fonte: Gestão Urbana – Prefeitura do Município de São Paulo.


166

Assim, os problemas ambientais advindos da ocupação desordenada e do


espraiamento da mancha urbana em direção às áreas frágeis e protegidas, e aqueles
relacionados à intensa urbanização e ocupação do solo, deveriam ser equacionados cada
qual nas respectivas macrozonas definidas pelo PDE (ALVIM et al, 2006).
Do ponto de vista da questão das relações da cidades com os rios, a adoção da Rede
Estrutural Hídrica (Figura 3.15) como elemento do planejamento urbano considerava, em seus
objetivos, a execução de programas específicos de recuperação fluvial e de fundos de vale; a
ampliação de áreas verdes e permeáveis; a ampliação de espaços de lazer ativo e
contemplativo; a integração de áreas de interesse paisagístico; a recuperação de áreas
degradadas e a recuperação do saneamento ambiental dos cursos

Figura: 3.15 - Mapa da Rede Hídrica estadual do PDE 2002.

Fonte: Gestão Urbana. Prefeitura do município de São Paulo. Disponível em: 11 06 2020.
167

O plano reconhecia e considerava os impactos e as pressões que outros programas


exerceriam sobre os rios, especialmente os que atenderiam aos objetivos das Redes Viária
Estrutural e de Transporte Coletivo, e recomendava que as propostas de adensamento
populacional ao longo desses eixos respeitassem as restrições ambientais, especialmente
quando fossem coincidentes ou cruzassem os eixos da Rede Hídrica Estrutural (TRIPOLONI,
2008, ALVIM 2002).
Para as áreas de urbanização consolidada, onde houvera a implantação de avenidas
de fundo de vale e a canalização ou o enterramento dos cursos d’água, o PDE 2002 propunha
a implantação de corredores verdes para promover a requalificação paisagística, a
recuperação da cobertura vegetal, a arborização e a redução da impermeabilização do solo.
Essas proposições foram adotadas nos Planos Regionais Estratégicos e integradas ao
programa de Parques Lineares.
Especificamente quanto à ocupação das áreas de fundo de vale, o PDE 2002, ao
considerar a rede composta pelos rios, córregos e talvegues como elemento estruturador do
território, nomeado Rede Hídrica Estrutural, apontava para uma questão crucial no
enfrentamento de grande parte dos conflitos socioambientais da cidade de São Paulo: as
enchentes.
A questão da drenagem exigia um status que pudesse oferecer mecanismos para a
proteção da vida e do patrimônio urbano, reconhecia o PDE 2002, segundo o qual:

[...] as enchentes são os desastres mais comuns e devastadores e como os problemas


gerados após um evento expõem a falta de um planejamento do uso e da ocupação do solo, o
despreparo das autoridades e a falta de um ethos de prevenção na sociedade (WARNER, 2008,
apud TRAVASSOS; MUNN-SCHULT, 2013).

Mas, ainda que alçada à condição de elemento estruturador e apontando caminhos


para a instituição de uma política de ordenamento e de ocupação e uso do solo urbano, a
gestão das ações sobre a rede hídrica enfrentava – como ainda enfrenta – os conflitos
inerentes à setorialidade na aplicação das políticas ambientais presentes no planejamento do
território. Mesmo que essas políticas identifiquem áreas vulneráveis e proponham estratégias
para prevenção, mitigação e adaptação a eventos extremos, como no caso das enchentes,
não são levados em consideração pelo município quando as questões envolvem o uso do solo
urbano.
Outros aspectos que inviabilizavam uma ação efetiva e verdadeiramente inovadora
nas propostas desse plano para as questões da drenagem, referiam-se às intervenções
168

físicas propostas. As diretrizes previam medidas estruturais tradicionais, com a construção de


reservatórios (piscinões) e outros elementos; o desassoreamento e a limpeza de cursos
d’água e galerias e a regulamentação dos sistemas de retenção privados (piscininhas) como
parte do Plano de Drenagem do Município.
Paradoxalmente, outras ações que deveriam estar atreladas a essas propostas para o
Plano de Drenagem como a criação e a ampliação de sistemas de áreas verdes, a proteção
das regiões de cabeceiras e o aumento da permeabilidade das bacias aparecem no PDE,
porém atreladas às diretrizes de Política Ambiental, o que revela a persistência das ações
setorializadas, incoerentemente com uma abordagem sistêmica, fundamental para o
tratamento das questões ambientais.
O PDE 2002 propôs a criação de um Programa de Recuperação Ambiental de Cursos
de Água e Fundos de Vale, que deveria compreender um conjunto de ações coordenadas
pelas Secretarias de Planejamento (Sempla), do Meio Ambiente (SMMA) e da Habitação
(Sehab), com a participação da sociedade e o apoio da iniciativa privada.
Apesar de também não ter sido implantado, esse programa estabeleceu objetivos,
diretrizes e estratégias que associam a preservação e a recuperação ambiental; a retenção
de águas pluviais; o reassentamento de populações que vivem em áreas de risco às margens
de rios e córregos; a melhoria dos sistemas viários locais e ações de saneamento ambiental
por meio da implantação dos parques lineares e caminhos verdes. Tais ações se implantadas,
se “caracterizariam como um verdadeiro projeto urbano ambiental, podendo avançar na
solução da desarticulação entre as ações setoriais” (TRAVASSOS; MONN-SCHULT, 2013).
Outra importante inovação do PD 2002 foi o Programa dos Parques Lineares, que
representou uma mudança do paradigma dominante quanto à gestão das águas urbanas,
associado ao conceito de sistemas de áreas verdes. Conforme foi discutido no Capítulo 1, os
ciclos hidrológicos contemplam relações fundamentais entre as águas e a vegetação, no
chamado sistema verde-azul (Figura 3.16). Constam desse plano 37 parques lineares a serem
implementados, que foram ampliados em quatro vezes, quando os planos regionais das
subprefeituras foram concluídos, o que demonstrou que o conceito foi assimilado e difundido.
Mas, ainda que a maior parte dos parques planejados pelas subprefeituras não tenha saído
do papel, “mais de uma dezena de parques ou trechos de parques passaram a ser
implantados” a partir de 2007, como também se ampliou o número de decretos para a
construção de parques lineares (TRAVASSOS, 2010).
O PDE 2002 indicou a necessidade da elaboração de planos específicos, dentre esses
o Plano Municipal de Habitação. A elaboração desse plano se estendeu de 2003 a 2006,
quando foi aprovado, sendo orientado por cinco princípios fundamentais: moradia digna,
169

justiça social, sustentabilidade ambiental como direito à cidade, gestão democrática e gestão
eficiente dos recursos públicos.

Figura: 3.16 - Áreas de Intervenção Urbana - Parques Lineares.

Autoria: Arquiteto Marcelo Novaes Baraças dos Santos.


Fonte: Ivan Maglio wordpress. Disponível em: https://ivanmaglio.wordpress.com/tag/plano-diretor/.
Disponível em: 12/11/2020

Essas premissas vincularam, definitivamente, as obras de atendimento habitacional


ao saneamento ambiental das áreas, para as quais concorreram as experiências da
Secretaria de Habitação (Sehab), promovidas nos anos 1990 na represa de Guarapiranga na
região sul da cidade.
Um dos principais instrumentos criados para subsidiar as ações desse plano foi o
Sistema de Priorização de Intervenções que utilizava, como variáveis para medir situações de
risco, determinantes como prioridade: infraestruturas, risco de solapamento e escorregamento
e saúde. Porém, seu principal avanço foi o agrupamento dos assentamentos precários a
serem urbanizados, por bacias hidrográficas. Dados da Sehab de 2009 apontavam a
existência de um universo de 1.637 favelas em São Paulo, das quais 569 se encontravam
“total ou parcialmente sobre áreas de várzea ou sobre o leito de rios” (TRAVASSOS, 2010, p.
124).
Antes mesmo da elaboração desse plano, a Sehab já vinha reurbanizando
assentamentos irregulares localizados em fundo de vale, sendo que o Plano de Habitação
veio a consolidar essas ações como resposta a uma “relação histórica e recorrente” na cidade.
Dois outros programas foram criados contemplando intervenções em fundos de vale
em São Paulo: os programas Córrego Limpo e o programa 100 Parques.
170

O programa Córrego Limpo foi criado pela Sabesp em 2007, com o objetivo de sanear
300 córregos no município de São Paulo. Em sua primeira etapa, abrangeu 42 córregos e, na
sua segunda etapa, 58 córregos. No ano de 2019 entregou o saneamento do Córrego da
Traição, completando 152 córregos saneados e em manutenção, segundo dados de junho de
2019, divulgados pela empresa (Figura 3.17). A atuação desse programa, especificamente na
bacia do Córrego Jaguaré, será retomada no capítulo 4.

Figura: 3.17 - Córrego Cruzeiro do Sul, São Miguel Paulista, antes e depois da urbanização.

Fonte: Sabesp – Programa Córrego Limpo.

O programa 100 Parques foi um plano ambicioso lançado em 2008 e tinha como
objetivo a criação de um banco de terras público, destinado à prestação de serviços
ambientais e de um plano de adaptação às mudanças climáticas globais, tendo estabelecido
como regiões estratégicas a borda da Serra da Cantareira, ao norte, a área de proteção dos
mananciais nas represas Guarapiranga e Billings, ao sul, e as nascentes do rio Aricanduva, a
leste. A estratégia para a escolha dos lugares era conter a expansão urbana sobre áreas
ambientalmente frágeis.
Observa-se que os programas e os planos relacionados – o Programa de Recuperação
Ambiental de Cursos de Água e Fundos de Vale, o Programa dos Parques Lineares, o Córrego
Limpo e os 100 Parques, assim como o Plano de Habitação – atuam, cada qual dentro de
seus critérios e objetivos, nas áreas de fundo de vale.
Os programas e planos citados são geridos por diferentes estruturas da prefeitura
municipal e de acordo com cronogramas e dotações de recursos específicos, ainda que se
encontrem atuando em áreas com características socioambientais semelhantes. Trata-se da
expressão da fragmentação das ações, dos recursos e dos esforços existentes no modelo de
gestão setorial da administração pública e mostra como a desarticulação dessas ações e
políticas revela as restrições e a pouca eficiência no enfrentamento do problema dos
171

assentamentos precários e das áreas de fundo de vale, que caracterizam um modelo de


urbanização em São Paulo.
Entretanto, ainda que possam ser identificados problemas estruturais, principalmente
referentes à gestão setorizada das ações, é inegável o avanço e o pioneirismo do PDE 2002,
quanto às questões ambientais e sociais, ao adotar uma visão integrada entre a gestão das
águas e dos recursos hídricos com as políticas de uso e ocupação do solo. Essas
determinações passaram a ser, desde então, incorporadas em programas e nas revisões
futuras do plano diretor de São Paulo, constituindo um dos mais importantes legados desse
instrumento legal.
Uma experiência importante de articulação setorial entre distintos programas de ações
municipais foi o concurso de projetos Renova SP33 (PMSP, 2011), criado para projetos de
urbanização de favelas. Enfrentando e conciliando ações de urbanização e reassentamento
da população, os projetos envolveram também obras de infraestrutura, de recuperação dos
cursos d’água, integrando ações dos planos de Habitação do município com ações do
programa Córrego Limpo da Sabesp. O projeto do córrego do Sapé, no bairro do Rio Pequeno,
na bacia do Córrego Jaguaré (Figura 3.18), foi um exemplo tanto da complexidade das ações
necessárias para se empreender projetos integradores, pois envolvem não só ações nos
contextos e nas condições originais, mas também a manutenção da recuperação, sempre sob
o risco de se retornar aos quadros de degradação anteriores (ANELLI, 2015). Análises dessa
intervenção também serão desenvolvidas no capítulo 4.
Em 2014 foi publicada a revisão, atualização e ampliação do Plano Diretor Estratégico,
(Lei municipal nº 16.050/2014). Resultado de amplo processo de discussões e debates
públicos, o plano reconhece, como sistemas estruturais naturais do território, as áreas dos
vales dos três grandes rios existentes, Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, inserindo-as no
ordenamento do território como grandes eixos de estruturação urbana, definidos como
Macrozonas de Proteção e Recuperação ambiental, identificados como “Sistemas Urbanos e
Ambientais” (São Paulo, 2014).
O PDE 2014 assim adota e mantém como conceito norteador o reconhecimento da
importância da rede hídrica da cidade como elemento estruturador da organização espacial e
ambiental de São Paulo, em concordância com o proposto no PDE 2002. No entanto, os
objetivos dos planos mencionados, em relação a esses sistemas hídricos estruturais, não
foram os mesmos.

33Organizado como um concurso nacional de projetos para urbanização de favelas, o Renova SP foi
um programa realizado pela Prefeitura de São Paulo, em 2011, que selecionou 22 projetos com
propostas para urbanizar 209 favelas e loteamentos irregulares da capital paulista.
172

Figura: 3.18 - Projeto de Urbanização do Córrego do Sapé, (Renova SP).

Fonte: ANELLI, 2015 (autoria Pedro Vanuchi).

O plano de 2002, ao reconhecer o sítio físico da cidade por meio dos seus rios, de
seus vales e dos sistemas de áreas verdes, tinha como objetivo utilizá-los como elementos
orientadores da estrutura da cidade para promover a recuperação ambiental, reconciliar a
cidade com seus rios e seu ambiente natural e promover as intervenções para o controle da
drenagem urbana, a recomposição da vegetação ciliar, o saneamento dos rios e a proteção
dos fundos de vale, conforme consta nos programas de recuperação de fundos de vale, dos
parques lineares e nos corredores verdes. Objetivava também atender, por meio dos
programas de reassentamento, às populações localizadas em áreas de risco nas bordas
fluviais e lacustres e em áreas ambientalmente frágeis e vulneráveis.
Nos objetivos expostos nas estratégias do PDE 2014, a incorporação da agenda
ambiental aparece como coadjuvante do desenvolvimento da cidade, considerando os vales
fluviais e os eixos das redes hídricas subordinados como estratégia para orientar o
crescimento da cidade, promovendo adensamento nas proximidades do transporte público e
nas regiões dotadas de redes e sistemas de infraestrutura urbana. Os mapas ilustrativos do
plano (Figura 3.19) apresentam os vales dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, apropriados
como os eixos da Estruturação Metropolitana e inseridos na Macrozona de Estruturação e
Qualificação Urbana. Ainda que essa macrozona tenha configuração e perímetro semelhantes
173

às propostas do PDE 2002, ela perdeu sua amplitude e priorização como meta de
sustentabilidade urbana, previstas no plano anterior (MAGLIO, 2015).

Figura: 3.19 - As Macroáreas do PDE 2014, onde se veem os eixos dos principais rios determinados
como Macroárea de Qualificação da Urbanização.

Fonte: Geosampa

O PDE 2014 cria o Projetos de Intervenção Urbana (PIU), um novo instrumento de


transformação e ordenação urbana. Trata-se de estudos técnicos elaborados pelo poder
público, com o objetivo de promover o ordenamento e a reestruturação urbana em áreas
subutilizadas e com potencial de transformação na cidade de São Paulo. Tinha como
finalidade a criação de mecanismos urbanísticos que promovessem melhor aproveitamento
do solo e da infraestrutura urbana, com o aumento de densidades demográficas e
174

construtivas, o desenvolvimento de novas atividades econômicas, a criação de empregos, a


produção de habitação de interesse social e de equipamentos públicos para a população. De
caráter mais operativo e localizado do que os Planos de bairro e de escala menor do que as
Operações Urbanas Consorciadas, o PIU se inseria no conjunto de programas que a prefeitura
propunha juntamente com o PDE 2014.
Assim, alguns estudos foram propostos simultaneamente à promulgação do plano,
com propostas de projetos em distintas áreas da cidade, que adotavam instrumentos previstos
no plano, a exemplo da transferência do direito de e do reordenamento do parcelamento do
solo, visando a promover o suprimento de habitação popular em áreas dotadas de
infraestrutura. Em outros termos, foram criados instrumentos para o financiamento do
desenvolvimento urbano, em troca de contrapartidas de uso e ocupação do solo; ainda que
adotem mecanismos previstos no Estatuto das Cidades, que objetivavam amenizar as
desigualdades sociais. Mas, na realidade, tais instrumentos abriram um espaço de
negociação entre mercado e poder público, cujas vantagens raramente favorecem os setores
populares (TEIXEIRA, 2019).
Do ponto de vista das questões ambientais, por seu turno, os PIU propostos pelo PDE,
a exemplo do PIU Arco Tietê, PIU Arco Pinheiros e PIU Arco Jurubatuba, que se localizam às
bordas dos referidos rios, têm como um dos objetivos a recuperação ambiental e hídrica
dessas regiões. Foram elaborados estudos que consideraram os conflitos existentes entre a
ocupação e a impermeabilização do solo, nessas áreas, e os impactos resultantes nos
episódios de inundações.
Nos estudos relativos ao PIU Arco Tietê, por exemplo, as propostas consideram
intervenções que contemplam os sistemas de drenagem, as áreas verdes, os espaços
públicos e a mobilidade. São propostos a criação de alamedas e bulevares; o
desenterramento de córregos e a qualificação dos córregos abertos; a instalação de pisos e
canteiros drenantes; a criação de áreas de absorção sob praças e áreas das alças das pontes;
a criação de novos parques e a requalificação dos existentes. Porém, o que se observa na
leitura dos mapas (Figuras 3.20 e 3.21) é o fato de as intervenções propostas se situarem,
invariavelmente, ao longo do sistema viário, além de se constatar que pouco conferem para a
requalificação da paisagem e do leito do rio Tietê, reiterando a prevalência da mobilidade de
veículos.
175

Figura: 3.20 - Mapa das intervenções propostas pelo PIU Arco Tietê.

Fonte: Gestão Urbana. Disponível em: julho 2020


Figura: 3.21 - Detalhe ampliado do trecho na altura das pontes das Bandeiras e Cruzeiro do Sul sobre
o Rio Tietê. As linhas pontilhadas em verde, nas bordas das avenidas marginais ao rio, indicam os
bulevares; os traçados em azul, córregos a serem desenterrados; os traçados contínuos em verde, as
alamedas. A maioria situada em avenidas arteriais de grande fluxo.

Fonte: Geosampa. Disponível em: julho 2020.

Por outro lado, foram propostos pelo plano outros programas que atendessem às
demandas de recuperação ambiental, como o Programa de Recuperação de Fundos de Vale,
associado ao sistema de drenagem (Art. 213 a 218), definido como “o conjunto formado pelas
características geológico-geotécnicas e do relevo e pela infraestrutura de macro e micro
drenagem instaladas”, do qual fazem parte:

I – fundos de vale, linhas e canais de drenagem, planícies aluviais e talvegues; II – os


elementos de micro drenagem, como vias, sarjetas, meio-fio, bocas de lobo, galerias de água
176

pluvial, entre outros; III – os elementos de macrodrenagem, como canais naturais e artificiais,
galerias e reservatórios de retenção ou contenção; IV – o sistema de áreas protegidas, áreas
verdes e espaços livres, em especial os parques lineares (São Paulo, 2014).

A recuperação ambiental, a preservação e a recuperação dos fundos de vale


aparecem dentre os objetivos e as diretrizes das políticas de drenagem do município descritas
na lei. Notável ainda que a sugestão da adoção de “tecnologias avançadas de modelagem
hidrológica e hidráulica que permitam mapeamento das áreas de risco de inundação”, ainda
não adotadas, nem tampouco foram criados os mapas de inundação do município, conforme
serão apresentados no subcapítulo 4.3.
A elaboração do Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais é considerada
prioritária e deveria estar articulada com o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos,
subordinados ao “órgão municipal de planejamento e gestão de drenagem e dos recursos
hídricos” a ser criado, ainda pendentes. Como também permanece pendente o “Programa de
Recuperação Ambiental de Fundos de Vale”.
O “mapeamento e a cartografia georreferenciados das áreas de risco de inundações”,
disponíveis para Disponível em público pelo sistema de consulta digital do município –
Geosampa – encontram-se parcialmente executados, assim como o sistema de alerta e de
emergência, sob os cuidados da Defesa Civil do município.
Importante destacar que, ao apontar a transversalidade entre planos e programas de
diferentes setores da administração pública, tais como planos de habitação, de saneamento,
de drenagem e de gestão de resíduos sólidos e de mobilidade, articulados com objetivos
comuns, em termos de conceitos e metodologia, o PDE 2014 adota uma abordagem
sistêmica. Mas, do ponto de vista da gestão da estrutura administrativa, essas ações
transversais ainda enfrentam obstáculos para serem implantadas.
Esse plano também tenta superar um paradigma dos planos que o antecederam, o de
se tratar de planos de ordenamento territorial que não incorporaram o Desenho Urbano como
ferramenta, restringindo-se a determinar propostas de zoneamento, de uso e ocupação do
solo associados a um código de obras, com parâmetros de ocupação ou gabaritos restritos à
escala dos lotes; associando alguns parâmetros ao corpo das diretrizes legais, que
incorporam e são representados, efetivamente, como desenhos de elementos urbanísticos
como: ruas, praças e edifícios; porém, ainda com caráter ilustrativo.
Conceito presente no Estatuto das Cidades de gestão democrática da cidade, a função
social da propriedade para fins de superação de disparidades socioambientais urbanas foi
incorporada como diretriz e regulamentada por esse plano.
177

Quanto à agenda ambiental, o plano instituiu mecanismos para a consolidação e a


aplicação de medidas de preservação e de recuperação. Propôs um conjunto de medidas que
envolvem as zonas urbanizadas e as zonas rurais do município, destinadas a ampliar as áreas
verdes por meio de um sistema de parques com a função de conservar e recuperar o meio
ambiente e a paisagem, proibindo novos parcelamentos para usos urbanos na Macroárea de
contenção urbana e de uso sustentável e criando um polo de desenvolvimento rural
sustentável (Figura 3.22). Essas ações abrangem desde a demarcação de regiões protegidas
até a criação de mecanismos de financiamento para a construção de parques, por meio de
um Fundo Municipal de Parques, e a adoção do conceito de Serviços Ambientais para
remuneração dos proprietários pela conservação e recuperação de áreas consideradas de
interesse ambiental.

Figura: 3.22 - Programa Ligue os pontos - agricultura familiar.

Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo. Disponível em: julho 2020.

Entre as principais estratégias estão o retorno da Zona Rural e a priorização do


adensamento habitacional e construtivo ao longo do sistema de transporte coletivo de média
e alta capacidade, como forma de minimizar os deslocamentos diários de milhões de
paulistanos e, desse modo, reduzir de forma significativa a emissão de gases de efeito estufa
e o avanço da urbanização sobre áreas de importância ambiental, como as de mananciais.
Há ainda a manutenção e a ampliação das zonas especiais para proteção e preservação
178

ambiental, ZEPAM e ZEP, a criação do instrumento do Pagamento por Prestação de Serviços


Ambientais (PSA), o reconhecimento das áreas de preservação permanente (APP), a
demarcação de 167 novos parques e a criação do Fundo Municipal de Parques.
Ainda que muitos mecanismos de preservação e recuperação ambiental tenham sido
criados por meio dessa lei, boa parte ainda carece de regulamentação. Trata-se de ações que
se articulam mediante o jogo de forças e interesses econômicos e políticos que se enfrentam
nas bancadas e nas plateias da Câmara Municipal, nos gabinetes da Administração Municipal,
na imprensa e nas ruas da cidade de São Paulo.
Ainda em 2014 foi regulamentado o Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB),
um importante mecanismo de financiamento de planos, programas e projetos urbanísticos e
ambientais integrantes ou decorrentes do Plano Diretor, com recursos obtidos pelas
operações de Outorga Onerosa do PDE. Castro e Alvim (2018) analisaram as aplicações
desse fundo no período de 2013 a 2016 e observaram que a grande maioria das obras
contempladas com recursos do FUNDURB esteve, nesse período, associada a serviços de
drenagem urbana e à remediação de riscos geológicos em margens e em corpos d’água
(córregos e riachos) e, por consequência, em alguns casos, também a obras de
pavimentação; a obras de readequação de praças públicas com paisagismo e instalação de
equipamentos de esporte e lazer.
Algumas obras de construção e execução de serviços complementares em parques
lineares também foram identificadas, porém em uma proporção muito menor (0,14% dos
recursos arrecadados e depositados no FUNDURB no ano de 2013, enquanto no mesmo ano
as obras de drenagem receberam o equivalente a 10,34% do total arrecadado). Outras
secretarias utilizaram parte desses recursos em obras de outra natureza, sendo que 30% do
total dos recursos restou sem aplicação, sendo acumulados para o exercício seguinte.
Os autores concluíram que, em relação à natureza das obras, predominaram, no
período analisado, obras de infraestrutura associadas ao sistema viário e de prevenção de
riscos geológicos, passando por obras de acessibilidade e readequação de praças. Ainda que
o propagado pelos planos e os programas públicos incorporem a vertente ambiental, na
prática da governança predomina a aplicação dos recursos em obras de engenharia sanitária
e de tráfego, o que revela a persistência do modelo de avenidas sanitárias de fundo de vale
como solução sanitária e urbanística, quando se trata de proposições ou ações para essas
regiões da cidade.
Por outro lado, é importante considerar as ações das políticas e dos programas
habitacionais que atuam, de forma direta ou indireta, em regiões de fundo de vale na cidade.
Afinal, a ocupação dessas áreas e os assentamentos precários são duas faces do mesmo
problema enfrentado pela cidade de São Paulo.
179

A Sehab publicou um balanço da gestão, no mesmo período analisado, de 2013 a


2016. Nesse documento, elenca as realizações, em contraponto aos objetivos propostos por
seus programas. Dentre esses destacam-se, para o interesse deste trabalho, os programas
de Urbanização de Assentamentos Precários e o Programa Mananciais. No caso do primeiro
programa, dos 35 assentamentos previstos, foram concluídos 16 e 19 estavam em
andamento, o que beneficiava 43.679 famílias (Sehab, 2016). Importante registrar que parte
dos recursos aplicados nesse programa foram aportados pelo FUNDURB e por programas de
financiamento federal associados ao programa Minha Casa Minha Vida (Figura 3.23).

Figura: 3.23 - Viela da Paz, Butantã.

Fonte: HP Planejamento e projetos.

Apesar de as propostas apresentadas pelo programa Renova SP (Figura 3.24)


receberem apoio e serem mantidas, tiveram alteradas as escalas dos Perímetros de Ação
Integrada (PAI), uma metodologia fundamental adotada por esse programa, que considerava
as microbacias como a unidade de ação, restringindo-as apenas aos assentamentos. Essa
mudança foi justificada por restrições de competência da Sehab, para atuar em obras
estruturadoras nos bairros, que envolviam outras áreas da administração pública, como
também pelos limites de disponibilidade de áreas públicas para acomodar novas unidades
residenciais em substituição às que deveriam ser removidas para possibilitar a urbanização
dentro das PAIs.
A Prefeitura Municipal publicou, em 2019, um relatório intitulado “Plano Diretor: 5 anos
da Lei nº 16.050/2014” (São Paulo, 2019). O documento apresenta, de forma sintética,
resultados da implementação do PDE 2014, analisados em correlação com as estratégias34

34São 10 as Estratégias propostas pelo PDE 2014: Socializar os ganhos da produção da cidade;
assegurar o direito à moradia digna para quem precisa; melhorar a mobilidade urbana; qualificar a vida
urbana dos bairros; orientar o crescimento da cidade nas proximidades do transporte público;
reorganizar as dinâmicas metropolitanas; promover o desenvolvimento econômico da cidade;
180

determinadas pelo plano para orientar o crescimento e o desenvolvimento urbano. Os planos


e as ações setoriais são organizados em 11 temas35, sendo que, para esta pesquisa, foram
selecionados, especificamente, os dados publicados nesse relatório, no âmbito das ações das
políticas Ambiental e de Áreas Verdes, de Saneamento Ambiental, de Habitação e de Gestão
de Riscos, por se relacionarem estreitamente com o tema investigado.

Figura: 3.24 - Renova SP - Projeto Lote 4 - Cabuçu de Cima. Terra Tuma Arquitetos, (20110).

Fonte: concursosdeprojeto.org.

O objetivo foi avaliar o desempenho desses programas; identificar se ocorreram


avanços ou retrocessos em programas seguintes ao plano anterior; se houve ações de caráter
integrador entre os diferentes setores. Também identificar se houve um equilíbrio na
distribuição dos investimentos, especialmente nas ações desses quatro setores elencados,
que atuam no mesmo campo e no mesmo território das áreas de fundo de vale e cursos d’água
no município de São Paulo, ainda que tenham tido atuações sob a gestão de diferentes
secretarias.
No âmbito da Política Ambiental e Sistema de Áreas Protegidas e de Áreas Verdes e
Espaços Livres, o relatório apresenta um balanço do Programa de Parques, revelando o

incorporar a agenda ambiental ao desenvolvimento da cidade; preservar o patrimônio e valorizar as


iniciativas culturais e fortalecer a participação popular nas decisões dos rumos da cidade.

351 - Eixos de Estruturação da Transformação Urbana – EETU; 2 - Outorga Onerosa do Direito de


Construir – OODC; 3 - Função Social da Propriedade – PEUC e IPTU Progressivo no Tempo; 4 - Política
Ambiental e Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livre – SAPAVEL; 5 - Política de
Saneamento Ambiental; 6 - Política de Habitação Social; 7 - Política e Sistema de Mobilidade; 8 -
Sistema de Equipamentos Urbanos e Sociais; 9 - Sistema de Proteção ao Patrimônio Cultural; 10 -
Política de Desenvolvimento Econômico Sustentável e 11 - Gestão Democrática.
181

número de 105 parques existentes36 no município e uma previsão do PDE de implantação de


101 novos parques, dos quais aponta 69 em fase de implantação.
Apresenta ainda o status do Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e
Espaços Livres (PLANPAVEL), em fase de elaboração, que integra o Sistema Municipal de
Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (SAPAVEL), juntamente com outros três
planos: o Plano Municipal de Conservação e Recuperação de Áreas Prestadoras de Serviços
Ambientais (PMSA); o Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU) e o Plano Municipal
da Mata Atlântica (PMMA). O PLANPAVEL, que tem como objetivo a consolidação de uma
política pública de gestão e provisão de áreas verdes e de proteção do patrimônio ambiental,
direcionada a áreas enquadradas nas diversas categorias protegidas pela legislação
ambiental, de terras indígenas; de áreas prestadoras de serviços ambientais; das diversas
tipologias de parques de logradouros públicos; de espaços vegetados e de espaços não
ocupados por edificação coberta, de propriedade pública ou particular.
No âmbito das ações de Política Ambiental, o relatório traz informações sobre a
implementação do Fundo Municipal de Parques que, embora tenha sido criado, não contou
com política pública instituída para viabilizar sua implementação, assim como não houve a
construção de uma base de dados georreferenciadas das praças e áreas verdes públicas, que
auxiliem na estruturação, na manutenção e na publicização das atividades nesses locais.
Ainda do ponto de vista da regulamentação, foi instituída a Cota Ambiental na Lei de
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei Municipal nº 16.402/16), exigida para o
licenciamento de edificações. Esse instrumento substitui a obrigatoriedade única e exclusiva
da Taxa de Permeabilidade e amplia seu alcance para mitigação de ilhas de calor,
impermeabilização do solo e contribuição para conservação da biodiversidade.
No que se refere aos controles de poluição atmosférica e qualidade do ar, o relatório
registra a elaboração do 3º Inventário de Gases de Efeito Estufa do Município de São Paulo,
relativa aos setores de emissão: Transportes, Energia Estacionária e Resíduos. Estão
previstos ainda os relatórios dos setores: Agricultura, Floresta e Uso do Solo, (AFOLU), além
de Processos Industriais e Uso dos Produtos (IPPU). O trabalho nesses setores é importante,
pois permite que se prevejam as possibilidades de sequestro de carbono por meio dos Planos
PLANPAVEL, PMAU, PMSA e, portanto, do financiamento de ações ambientais.

36 Consideram-se Parques Existentes aqueles que atendem às seguintes condições: domínio municipal
(por titularidade ou por instrumento jurídico de cessão de uso); aberto ao público ou com fruição pública
por meio de ação do Poder Executivo; existência de instrumento legal de criação do Parque, ou inclusão
na lista de parques existentes que demandam a elaboração de instrumento legal de criação;
infraestrutura e equipamentos com, no mínimo, caminhos e acessos.
182

O que se depreende a partir da análise desse relatório, no tocante às políticas


Ambiental e de Áreas Verdes é a constatação de avanços consolidados em relação à
ampliação dos parques públicos da cidade. Outros avanços correspondem a ações de caráter
normativo e legal, com a elaboração de estudos e outras ações de caráter administrativo, tais
como a criação de grupos de trabalho e a adesão a programas ambientais internacionais
como os do C40. Mas pouco se avançou em questões importantes como a definição de
políticas públicas que regulamentassem o Fundo Municipal de Parques da cidade de São
Paulo.
Com relação à Política de Saneamento Ambiental, o relatório procurou levantar
quantos equipamentos propostos pelo Sistema de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos,
constante do PDE, foram implementados. Registra que, em relação à implantação de quatro
Centrais de Processamento da Coleta Seletiva de Secos, apenas duas foram implantadas: a
Central do Bom Retiro (Subprefeitura da Sé) e a Central do Campo Grande (Subprefeitura de
Santo Amaro), seguindo pendentes as centrais de Iguatemi e Vila Maria. Em relação à Central
de Processamento da Coleta Seletiva de Orgânicos, o PDE 2014 previu a implantação de
quatro unidades (Iguatemi, Campo Grande e duas em Perus), mas, por enquanto, nenhuma
delas foi executada. De um total de dezesseis Ecopontos37 previstos, foram executados
quatorze deles no período de 2015 a 2018. Dois foram cancelados, sendo um localizado na
região da Subprefeitura Ipiranga, devido à resistência dos moradores do entorno, e outro na
região da Subprefeitura Itaquera, dada a proximidade de um córrego não canalizado no local.
Referente à Política de Habitação Social, o relatório resgata os objetivos do PDE 2014,
relativos à questão de se assegurar o direito à moradia digna como direito social; priorizar o
atendimento à população de baixa renda residente em áreas insalubres, áreas de risco e
áreas de preservação; promover a diversificação de programas e de agentes envolvidos na
produção de habitações de interesse social em ZEIS 1, 2 e 4, com incentivo à produção
privada, e a ampliação de convênios e parcerias; como também garantir a oferta de HIS em
áreas dotadas de infraestrutura de serviços, equipamentos e de transportes coletivos, de
modo a aproximar a moradia do emprego e reduzir os longos deslocamentos na cidade. Os
dados apresentados tiveram o objetivo de identificar se a produção de habitação de interesse
social na cidade de São Paulo está coerente com tais objetivos do PDE/2014 e, no que diz

37 Os Ecopontos são locais de entrega voluntária de pequenos volumes de entulho (até 1 m³), grandes
objetos (móveis, sofás etc.), poda de árvore e resíduos recicláveis. Nessas estruturas, o munícipe pode
dispor o resíduo gratuitamente, em caçambas distintas para cada tipo de material. Atualmente, a
Prefeitura disponibiliza 114 unidades com atendimento diário e gratuito. Somente em 2019, foram
recebidas nos ecopontos cerca de 447.7 mil toneladas de resíduos. (PREFEITURA DE SÃO PAULO.
Disponível:https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/amlurb/ecopontos/index.p
hp?p=4626)
183

respeito à quantificação dos dados de construção de unidades habitacionais, o relatório


apresentou uma tabela com os dados (Tabela 3.1).

Tabela: 3.1 - Unidades Licenciadas de HIS e HMP, em ZEIS e fora ZEIS1.

Ano Em ZEIS Fora de ZEIS Total por ano


HIS HMP HIS HMP HIS HMP
2014 6.579 1.077 1.264 2.406 7.843 3.483
2015 7.203 2.131 2.200 2.946 9.403 5.077
2016 10.455 2.895 4.406 3.313 14.861 6.208
2017 16.143 4.518 4.731 6.326 20.874 10.844
2018 27.739 8.820 12.526 5.519 40.265 14.339
Total 68.119 19.441 25.127 20.510 93.246 39.951
Fonte: “Plano Diretor: 5 anos da Lei nº 16.050/2014” (SÃO PAULO, 2019). Adaptado pelo autor.

Considerando que o PDE define as ZEIS como áreas prioritárias para a produção de
moradia para a população de baixa renda, quando se avalia a produção do período de 2014-
2018 (Tabela 3.1), quanto a unidades produzidas, observa-se que 73% das unidades de HIS
foram licenciadas nessas zonas. Porém, quando se analisa a produção pelo número de
empreendimentos, a relação se inverte, pois, dos 621 empreendimentos de HIS, 410
equivalentes a 66%, localizam-se fora de ZEIS, ao passo que, dentro de ZEIS, houve 212
empreendimentos, o que corresponde a 34% (Tabela 3.2).
Quanto às regiões em que foram construídas essas unidades de HIS, destacaram-se,
respectivamente, as subprefeituras do Butantã, com 15.527 unidades, sendo 15.338 em ZEIS
e 189 fora de ZEIS; Itaquera, com 10.595 unidades, sendo 5.291 em ZEIS e 5.304 fora de
ZEIS; e Jabaquara, com 5.176 unidades, sendo 5.161 em ZEIS e 15 fora de ZEIS.
No que diz respeito à participação da iniciativa privada e do poder público no mercado
de habitação social, o relatório revela que os investimentos públicos se concentram em HIS
1, com 64% do total das unidades licenciadas de 2014 a 2018; enquanto a participação do
setor privado se distribuiu entre HIS 1 (14%), em HIS 2 (31%) e em HMP (13%) (Gráfico 3.1).

Dentre outros tópicos específicos relacionados, destaca-se a avaliação da participação


do FUNDURB no financiamento de unidades de HIS no período analisado. O PDE, em seu
artigo 340, parágrafos 1º e 2º da Lei Municipal, prevê o uso dos recursos desse fundo para a
aquisição de terrenos destinados à produção de HIS, com a ressalva que, caso não sejam
184

executados no ano corrente ao menos 30% dos recursos para a aquisição de terrenos, esse
montante permanecerá reservado para esse fim por um período de 2 anos. Considerando-se
os percentuais apresentados pelo presente relatório, à exceção do ano de 2016, os outros
quatro anos não cumpriram esse limite, restando, portanto, o montante referente aos anos de
2017 e 2018 reservado ainda para essa finalidade, encerrando-se, respectivamente, em 2020
e 2021 (Tabela 3.2).
Gráfico: 3.1 - Unidades Licenciadas por parte do agente promotor em ZEIS.

30.000
25.000
20.000
15.000 Iniciativa
Privada
10.000
5.000 Poder Público

2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: “Plano Diretor: 5 anos da Lei nº 16.050/2014” (SÃO PAULO, 2019). Adaptado pelo autor.

Tabela: 3.2 - FUNDURB - Liquidação de recursos financeiros na Política de Habitação Social em


relação aos montantes (valores em R$) período 2014-2018).

Recursos liquidados Percentual dos montantes


Recursos arrecadados
destinados à aquisição de liquidados em
Ano pelo FUNDURB (R$)
terrenos para produção de HIS relação aos montantes
(R$) * arrecadados *
2014 227.562.823,10 - -
2015 265.504.393,48 75.459.101,04 28,4%
2016 231.396.111,72 69.418 .833,52 30,0%
2017 231.952.509,95 38.606.845,64 16,6% *
2018 421.413.891,51 21.619.351,80 5,2% *
Total (2014-2018) 1.377.829.729,76 205.104.132,00 14,9% *
Fonte: “Plano Diretor: 5 anos da Lei nº 16.050/2014” (SÃO PAULO, 2019). Adaptado pelo autor.

Esses dados revelam uma atuação efetiva, para além da elaboração de planos e
programas políticos protagonizados pela área da Habitação Social, evidenciando o
protagonismo no conjunto de diretrizes do PDE de “assegurar o direito à moradia digna para
quem precisa”, por meio da implementação de uma política habitacional para a cidade (São
Paulo, 2014). Foram aplicados recursos do FUNDURB, e houve uma participação bastante
expressiva de investimentos privados na produção de unidades habitacionais.
Há que se considerar que a atração desses investidores traz reflexos de uma atuação
de outras esferas de governo, como o estadual e principalmente o governo federal, promovida
185

por políticas de financiamento. Considere-se também que não se trata apenas de ações
estimuladas por políticas municipais aplicadas ao setor da construção, mas, principalmente,
às condições gerais do desempenho econômico no período, associado às modalidades de
composição de fundos de investimentos que permitiram a financeirização do segmento, que
contribuíram para esse desempenho.
Essas análises tiveram como objetivo apresentar um quadro do desempenho dos
planos e das ações das políticas públicas que exercem algum tipo de impacto ou influência
nas áreas de fundo de vale e pretenderam identificar se houveram abordagens integradas e
articuladas, conforme necessárias para o enfrentamento dos problemas socioambientais
existentes nessas regiões da cidade.
O PDE de 2002 previu e selecionou áreas de várzea dos principais rios para a
implantação das Operações Urbanas Consorciadas (OUCs). Ao elegê-las para as
intervenções dentre os objetivos propostos, se pretendia promover o adensamento em áreas
dotadas de infraestrutura contendo a expansão urbana; enfrentar a questão dos
assentamentos precários existentes nessas áreas e promover a recuperação ambiental e
paisagística dos rios e das várzeas; para citar algumas diretrizes de natureza socioambiental
que trariam benefícios para as áreas de fundo de vale. A gestão da Prefeitura de São Paulo
em 2004, promoveu um concurso nacional de projetos chamado Bairro Novo para a região
definida pela OUC Água Branca que tinha dentre seus objetivos a recuperação da “função
paisagística do rio Tietê e de parte de suas várzeas, além de propor a reorganização espacial
da orla das ferrovias e a articulação entre os bairros vizinhos, através da readequação de
seus traçados e estímulos a novos padrões de uso e ocupação do solo” (VITRUVIUS, 2004).
Cancelado na gestão seguinte, o que se observou na prática foi que, mais uma vez,
prevaleceram a visão e, exclusivamente os interesses imobiliários promovidos por projetos
urbanísticos destinados a populações de renda média alta, a exemplo do empreendimento
Jardim das Perdizes implantado na região das várzeas do rio Tietê e chamado de
“empreendimento sustentável” por ter obtido certificação Aqua38 mas, considerando suas
características urbanísticas, pode-se inferir que se assemelha mais ao que o mercado
imobiliário denomina de greenwashing39.

38 O Processo AQUA-HQE é uma certificação internacional de construção sustentável, que foi


desenvolvido a partir da certificação francesa Démarche HQE (Haute Qualité Environnementale) e
aplicado no Brasil pela Fundação Vanzolini.
39 O greenwashing é uma ação que empresas realizam para "maquiar" os seus produtos e tentar passar

a ideia de que eles são ecoeficientes, ambientalmente corretos, provêm de processos sustentáveis,
entre outros. Assim, termos e expressões como “eco”, “ecológico”, “menos poluente” e “sustentável”
começam a aparecer nas embalagens e rótulos de diversos produtos, na tentativa de indicar que as
empresas são ambientalmente responsáveis. (Cheng & Chang, 2013)
186

Por sua vez, o PDE de 2014, no que se refere a diretrizes com interferências nas
áreas de fundo de vale, apresentou como objetivos gerais conciliar interesses de
desenvolvimento urbano com adensamento e ocupação adequada do solo em relação as
infraestruturas e meio ambiente; proteção das paisagens, dos recursos naturais e dos
mananciais hídricos; distribuição das populações para evitar efeitos negativos sobre o meio
ambiente; incentivo à Habitação Social e atuação cooperativa entre agentes públicos e
privados e população em geral (COSTA, 2014).
O plano previu novas modalidades de intervenção no setor Orlas Fluviais e
Ferroviárias da Macroárea de Estruturação Metropolitana com transformações estruturais
promovendo o aumento das densidades; a recuperação dos sistemas ambientais,
especialmente de rios, córregos e áreas vegetadas com minimização de áreas de risco
geológico, inundações e riscos de contaminação compatibilizando usos e tipologias de
parcelamento do solo nessas regiões ; manutenção das populações moradoras e produção
de HIS; e propondo redefinição de parâmetros de uso e ocupação do solo para qualificação
dos espaços públicos e paisagens urbanas.
A partir dessas diretrizes o PDE 2014 determinou perímetros de atuação chamados
de Arcos como planos de articulação territorial de longo prazo associado aos vales dos três
grandes rios: Tietê, Pinheiros e Tamanduateí que se ampliam numa articulação de escala
metropolitana no chamado Arco do Futuro, adotando os conceitos de compactação da cidade
e uso adequado do solo apoiados, principalmente, nos eixos de mobilidade e transporte. Para
sua viabilização adotam como instrumentos os PIU, as OUCs. Mas como visto em relação ao
PDE 2002, há uma distância entre as propostas dos planos e sua execução. Nesse sentido
Costa (2014), quando analisa as propostas apresentadas no Chamamento Público nº
1/2013/SMDU para o Arco Tietê, identifica primeiramente que esse projeto não foi induzido
pela prefeitura, mas foi apresentado pela iniciativa privada, para o qual a prefeitura apresentou
respostas. O autor analisa o conteúdo das 17 propostas consideradas adequadas pela equipe
técnica encarregadas das análises, especialmente a partir dos critérios de análise das
informações organizadas pela Comissão como Modelo Urbanístico que se dividiu em 4
subgrupos (uso do solo, mobilidade e acessibilidade, paisagem e meio ambiente) e, dentro
desse grupo o autor analisou os elementos que se referiam à dimensão ambiental assim
elencados; no campo Paisagem: ocupação da várzea; desenho da paisagem; espaços
públicos; e no campo Ambiente: drenagem e áreas verdes. Esses cinco elementos foram
considerados como os componentes da dimensão ambiental e foram organizados por ordem
de importância da seguinte forma: drenagem, ocupação da várzea, áreas verdes, espaços
públicos e desenho da paisagem. Dos elementos selecionados apenas uma das empresas
incorporou todos os itens, sendo “drenagem” o item que foi contemplado em todas as
187

propostas. O autor conclui que apesar do Arco Tietê se configurar como uma oportunidade
para se reintegrar com seu principal rio, seu futuro restou incerto, pois o processo não foi
finalizado e, referente à incorporação da dimensão ambiental, fundamental para se promover
a requalificação da relação entre a urbanização e o rio Tietê, o plano-projeto não tem como
foco principal o rio e não integra todas as dimensões de forma harmônica.

3.3 A gestão de riscos hidrológicos na cidade de São Paulo

A cidade de São Paulo, por ter sido implantada em uma região extremamente drenada
e chuvosa, teve que aprender a conviver com esses episódios desde a sua fundação. Mas,
especialmente a partir de meados do século XIX, quando se expande, impulsionada pela força
da economia agrícola exportadora de café, a cidade começa a se configurar como centro e
polo logístico e de transportes no caminho ao Porto de Santos, impelida pelas ferrovias que
se apropriam das condições topográficas favoráveis e são implantadas nos fundos de vale.

Os estudos, os planos e as obras de controle de enchentes e inundações são uma


preocupação recorrente dos gestores públicos, e muitos planos, muitas propostas e muito
investimento foi consumido em obras desde então. Somam-se 172 anos desde as primeiras
obras de retificação do rio Tamanduateí na gestão do prefeito João Teodoro, em 1848, até
hoje; mas os conflitos persistem. De Saturnino de Brito ao PDMAT 3 (Terceiro Plano Diretor
de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê), a relação entre o clima e as águas vem sendo
negligenciada na cidade de São Paulo.

Conforme o já mencionado, uma das primeiras medidas adotadas pelas cidades para
o gerenciamento de riscos é o mapeamento de suas áreas de conflito, para então reordenar
a ocupação dessas áreas, estabelecer novas regras de ocupação e determinar limites das
responsabilidades do poder público e de sua população. De acordo com o exposto, a
abordagem atual estabelece uma combinação de ações estruturais e não estruturais, que
incluem a adaptação das leis e normas de planejamento e construção e planos específicos
de alerta e apoio pós-eventos.

No Brasil essas perdas são agravadas pela ausência de programas e políticas de


gerenciamento de riscos e mitigação de danos, como ferramentas de recuperação, de
fortalecimento e de restabelecimento das atividades econômicas para áreas e populações
atingidas, especialmente por eventos hidrológicos, por se tratar dos mais frequentes e
geradores de prejuízos materiais.
188

Mas interessa a essa pesquisa, especificamente, ressaltar a importância da


implantação de uma política de escala nacional, aos moldes do Programa Nacional de
Seguros contra Inundações (NFIP) como existente nos Estados Unidos que determina a
obrigatoriedade de contratação de seguros contra inundações em áreas de risco hidrológico.

Chama atenção nesse sentido, que embora muitas das experiencias americanas
tenham sido referência e algumas até adotadas no Brasil desde meados do século XX, para
nortear as políticas de gestão das águas nas cidades, que, por outro lado, essas ações de
responsabilização e envolvimento direto dos agentes públicos no ressarcimento dos prejuízos
não tenham avançado.

Graciosa (2010) desenvolveu importante estudo sobre o uso dos seguros contra
inundações para construção de ferramentas para avaliação dos riscos e dos prejuízos onde
avalia a criação de um fundo de seguros definido por bacias hidrográficas para cobertura dos
danos tangíveis (que não envolvem perda de vidas) para essa finalidade. Isso representa uma
grande contribuição para o gerenciamento de riscos para as inundações para as cidades
brasileiras que enfrentam carência de recursos tanto para o atendimento das vítimas, como
para a implementação de ações e obras preventivas ou de reparos pós-eventos.

Em resumo, deve ser discutido é o papel e as estruturas dos órgãos municipais de


Proteção e Defesa Civil, pois, mesmo com o apoio federal e estadual, o órgão municipal é o
articulador da reconstrução com os órgãos setoriais no seu nível governamental – municipal,
estadual ou federal – para tratar de aspectos relacionados à atribuição institucional e setorial,
com ações referentes a:

• Obras: solicitação de desenvolvimento de projetos e execução, apoio ao diagnóstico


de estruturas comprometidas pelo desastre, locação em áreas seguras;

• Financeiro: orientação quanto ao tipo de licitação, solicitação de procedimento


contábil-financeiro para apropriação de receita no orçamento municipal, para integralizar os
recursos federais transferidos pela União e os oriundos de doações;

• Assistência social: solicitação de cadastramento dos afetados que necessitam de


habitações;

• Urbanização: solicitação de identificação de restrições de usos e limitações de uso e


ocupação do solo;

• Meio ambiente: solicitação de identificação de impactos e medidas de controle.


189

O município de São Paulo criou, em agosto de 1978, o Sistema Municipal de Defesa


Civil de São Paulo, por meio do Decreto Municipal nº 15.191/78, para promover a integração
dos esforços e o aproveitamento dos recursos existentes e garantir o atendimento adequado
às situações provocadas por calamidade pública. O Sistema era composto por duas
comissões, segundo o Decreto Municipal nº 15.539/78: a Comissão Municipal de Defesa Civil
(COMDEC), vinculada à Coordenadoria Estadual de Defesa Civil e constituída por um
representante de cada uma das Secretarias Municipais e da Assistência Militar do Gabinete
do Prefeito; e as Comissões Distritais de Defesa Civil (CODDEC), com circunscrição nas
respectivas Administrações Regionais.

Em agosto de 2006, o Sistema Municipal de Defesa Civil foi reorganizado por meio do
Decreto Municipal nº 47.534/06, para se adequar às normas do Sistema Nacional de Defesa
Civil previstas no Decreto Federal nº 5.376/05. A COMDEC passa a ter como objetivo a
redução de desastres, naturais ou antrópicos, compreendendo não apenas o socorro, as
ações assistenciais e o restabelecimento à normalidade social, mas também as ações
preventivas destinadas a evitar ou minimizar os desastres, valendo-se de mapeamentos de
áreas de risco geológico. Nessa ocasião, foi criada a função de Coordenador das Ações
Preventivas e Recuperativas da COMDEC.

A COMDEC adota como metodologia o Sistema de Comando e Operações em


Emergência – SICOE, articulado ao Conselho Municipal de Defesa Civil – CONSDEC,
constituído por representantes de diversas Secretarias Municipais, visando a garantir a
articulação das políticas públicas relacionadas à defesa civil com os demais setores. Em abril
de 2018, pelo Decreto Municipal nº 58.199/18, torna-se uma unidade específica da Secretaria
Municipal de Segurança Urbana.

A COMDEC é estruturada em quatro divisões: Divisão de Operações (DOP), com


Centro de Controle Integrado 24 Horas da Cidade de São Paulo, com a principal função de
comunicar as ocorrências e solicitar as providências necessárias aos órgãos da Administração
Pública Municipal; Divisão de Prevenção (DPREV), com a principal atribuição de atuar nas
ações relacionadas à prevenção, mitigação, preparação e recuperação de situações de
desastres naturais e tecnológicos; Divisão de Resposta (DRESP), atuando nas ações
relacionadas a socorro e assistência em situações de desastre; e Divisões de Defesa Civil
(DDEC), que consistem de unidades regionalizadas em Subprefeituras para executar
principalmente as diretrizes e medidas de prevenção, operação e resposta no gerenciamento
de riscos e atendimento a situações emergenciais nos territórios.
190

Dentre as atribuições da COMDEC, de acordo com o disposto no Decreto nº


58.199/18, destacam-se duas essenciais para as ações de prevenção:

IV - Identificar e mapear as áreas de risco de desastres;

V - Promover, em cooperação com os órgãos de controle do uso do solo, a fiscalização,


o congelamento e o monitoramento permanentes das áreas desocupadas com riscos
ambientais, evitando a implantação de novas ocupações.

A Divisão de Prevenção (DPREV) é responsável pelo desenvolvimento e implantação


de programas de gestão de riscos ambientais e de mobilização comunitária, bem como pela
participação de profissionais em instâncias, organizações, grupos de trabalho, eventos
técnicos, parcerias e outras ações relacionadas à proteção e defesa civil. Dentre os projetos
que desenvolve encontra-se o de Mapeamento das áreas de risco geológico, das áreas de
risco hidrológico e de risco tecnológico. Conforme o exposto, as ações de prevenção e
controle de riscos supõem uma abordagem sistêmica que envolva os diversos agentes e
entidades, dispersos em diferentes setores na administração pública.

Desde sua criação, a COMDEC esteve subordinada a diferentes secretarias


municipais. Na ocasião das adequações às normas do Sistema Nacional de Defesa Civil
(Decreto Federal nº 5.376/05), no ano de 2006, essa Comissão passou a ser vinculada à
Secretaria das Subprefeituras, o que lhe conferiu uma posição muito favorável, pois as
subprefeituras dialogam com todas as secretarias da prefeitura municipal e estão muito
próximas ao Gabinete do Prefeito. Mas com a nova alteração de sua posição, determinada no
ano de 2018, quando passou a ser uma unidade da Secretaria Municipal de Segurança
Urbana, a COMDEC perdeu essa articulação mais ampla, restringindo-se às ações de
resposta aos eventos e desastres naturais, não mais a uma unidade de planejamento no
estabelecimento das ações preventivas, que não se restringem apenas a medidas estruturais
ou a ações emergenciais. Portanto, restabelecer esse papel articulador de ações de políticas
públicas é uma questão importante para que se atinjam os seus objetivos e se cumpram suas
reponsabilidades de prevenir, mitigar, preparar, responder e recuperar a cidade mediante as
diferentes situações de risco.

Algumas importantes questões conceituais expostas neste trabalho foram adotadas


em deliberações da COMDEC, ao longo de suas gestões, a exemplo da abordagem sistêmica
na gestão de riscos, como o exposto; na adoção das bacias hidrográficas como unidade
territorial básica para o estabelecimento de ações preventivas, em relação às enchentes e às
inundações; no envolvimento e na organização das comunidades para participarem das
191

discussões relacionadas a ações estratégicas e das medidas preventivas a serem adotadas


nas áreas de risco, garantindo, assim, não somente a adesão, mas a permanência nos
programas preventivos, independentemente das gestões administrativas.

A cidade de São Paulo possui como ação permanente, desde 2001, o Plano de Gestão
de Riscos e o Plano Preventivo de Chuvas de Verão (PPCV), que procuram dar suporte às
ações preventivas de riscos geológicos e hidrológicos. O tema dos riscos tecnológicos,
representado pelos riscos de acidentes em infraestruturas urbanas (água, eletricidade, gás e
esgoto) e nos sistemas de transporte de fluídos, como também pelo transporte de produtos
químicos pelas estradas e ferrovias que atravessam a cidade, apenas recentemente passou
a incorporar os planos de gestão de riscos (Malheiros e Almeida, 2020).

Atuam permanentemente como suporte às ações do PPCV, o Centro de


Gerenciamento de Emergências Climáticas (CGE), apoiado por um sistema de radares, e a
equipe técnica do Departamento de Prevenção de Riscos (DPREV), composta por geólogos
e engenheiros. Esse plano é acionado nos meses de novembro a março de cada ano. São
monitoradas precipitações e temperatura, em diversas regiões da cidade, e comparadas com
índices meteorológicos previstos. Também são feitos os registros de ocorrências e avaliadas
as condições específicas de cada situação para a divulgação de alertas e, caso necessário, a
decretação de estado de emergência. As unidades monitoradas pelo CGE, porém, são as
unidades administrativas (subprefeituras), ainda que diversas secretarias municipais
participem da operação. Os relatórios do último PPCV, de 2019-2020, trazem registros de
ocorrências por natureza, que corroboram os índices apresentados nos estudos consultados
e nos relatórios de órgãos internacionais de monitoramento de riscos, que apontam a grande
incidência de inundações e alagamentos (Figura 3.25).

Quando se buscam registros históricos e georreferenciados dos locais de inundações,


porém, depara-se com um limite: os registros até pouco tempo eram feitos em cadernos e
anotados à mão, o que implica uma dificuldade na compilação desses dados. Apenas os
eventos de alagamento que provocam interrupções no fluxo de veículo em vias públicas têm
seus registros feitos por sistemas georreferenciados pela Companhia Estadual de Tráfego
(CET).

Essa constatação revela o quanto persistem os conceitos equivocados de urbanização


em áreas de fundo de vale impregnados nas ações e nas políticas públicas, que privilegiam a
mobilidade e a fluidez do tráfego de veículos em detrimento das populações que vivem nessas
áreas na cidade de São Paulo, continuamente expostas a riscos e prejuízos.
192

Figura: 3.25 - Relatório das Ocorrências do PPCV 2019-2020.

Fonte: DPREV. Defesa Civil. Prefeitura de São Paulo, 2020.

Esse quadro gerou a necessidade da construção de um sistema de prevenção e apoio


às situações de risco. Porém o sistema construído reflete uma cultura de exclusão e não de
prevenção, que é negligente com as populações expostas aos riscos e que não respeita os
sistemas e as dinâmicas ambientais (Travassos et al, 2020).

Por último, foi analisado o relatório referente às ações da Gestão das Áreas de Risco,
por se tratar de política pública diretamente associada aos processos de urbanização das
áreas ambientalmente frágeis, tais como as regiões de fundo de vale e de encostas, que
interessam a este trabalho.
O relatório revela que o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), cuja função
é identificar os processos de risco, delimitando os setores e respectivos graus de risco, com
recomendação para intervenções estruturais, não foi realizado. Informa também que o
levantamento das áreas de risco segue em andamento pela Secretaria Municipal de
Segurança Urbana (SMSU), sob o encargo da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa
Civil (COMDEC). Registra que o último PMRR elaborado para o Município de São Paulo foi
feito em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), correspondendo ao período
2009/2010.
Com relação à disponibilização de dados para consulta em formato aberto, elenca a
existência da Carta Geotécnica do Município de São Paulo, acessível para visualização e
193

download pelo sistema Geosampa, onde constam também dados georreferenciados do


levantamento de risco, com a avaliação e a classificação das áreas referentes ao mapeamento
de 2010, ainda sem atualização.
Os registros de ocorrências e de remoções de áreas de risco seguem mantidos pela
COMDEC, por meio do Centro de Controle Integrado 24 Horas da Cidade (CCOI), pela
Assessoria Técnica de Obras e Serviços, da Secretaria Municipal das Subprefeituras, porém
a informatização dos registros de ocorrência é bastante recente. Quanto às remoções, a pasta
que faz o controle dos atendimentos habitacionais é a Secretaria Municipal de Habitação.
Com relação à implantação do sistema de fiscalização de áreas de risco, não houve
avanço. A Defesa Civil, com base no mapeamento das áreas de risco desatualizados,
monitoram as situações de risco mediante os registros de ocorrências e atuam acionando as
unidades de fiscalização das Subprefeituras, encarregadas de toda a sorte de atendimentos
dentro de suas áreas de atuação.
Com relação aos protocolos de prevenção e alerta e ações emergenciais em
circunstâncias de desastres, a SMSU vem implantando Planos de Contingência em áreas de
risco geológico-geotécnico alto e muito alto, como forma de gerenciamento e estabelecimento
de ações a serem adotadas antes, durante e após a ocorrência de desastres. Esses
mapeamentos são, até o momento, os mais atualizados.
A própria estruturação dessa Secretaria, que engloba as questões relacionadas à
Segurança Pública juntamente com a Gestão de Riscos, revela incoerências e a
incompreensão da importância que demandam essas políticas públicas. O funcionamento
sem base de dados atualizada, sem a consolidação de um Sistema de Monitoramento e de
Mapeamento de áreas de risco demonstra que o desempenho desses órgãos ocorre sem
planejamento e estritamente de acordo com a ocorrência de emergências.
Pelo fato de essas ocorrências, em sua grande maioria, acontecerem em áreas de
vulnerabilidade e instabilidade geológica e hidráulica ocupadas por populações pobres, não é
difícil reconhecer os reflexos da histórica negligência do planejamento em abranger as
totalidades urbanas.

3.4 Considerações parciais

Este capítulo identificou como o modelo predominante de ocupação de fundos de vale;


inicialmente promovido por projetos e planos urbanísticos, passou a ser implantado de forma
desarticulada dos planos, atendendo a situações emergenciais ou como obras de interesse
político. O que se conclui, é que esse modelo foi produto de uma construção social entre
194

agentes públicos e capital imobiliário, das quais foram excluídas, as dinâmicas naturais e os
ciclos hidrológicos e as populações pobres.
A investigação histórica do processo de urbanização que se apoiou na análise de
alguns dos instrumentos de ordenação do solo, considerou como critérios a análise de
programas e planos específicos que atuam sobre os ambientes dos vales fluviais da cidade,
tais como infraestrutura e mobilidade, habitação social, meio ambiente e gestão de resíduos
sólidos.
As questões ambientais, tais como as reconhecemos hoje em dia, não eram pautas
até a primeira metade do século XX; mesmo assim, a pesquisa procurou revelar como as
ações de transformação dos vales fluviais executadas nesse período determinaram padrões
e modelos persistentes, que acarretaram muitos dos conflitos socioambientais vivenciados
atualmente. Os padrões de ocupação intensiva do solo nessas regiões, promovido pela
implantação das avenidas de fundo de vale, suprimiram do território urbanizado as áreas
inundáveis, as vegetações e as paisagens ribeirinhas, enquanto ao mesmo tempo,
impermeabilizaram grandes extensões das bacias de drenagem e ao canalizarem os
córregos, aceleram os fluxos, transferindo rapidamente grandes volumes de escoamento e
criando enchentes à jusante. A esse quadro somam-se o problema da poluição das águas; da
quebra do ciclo hidrológico e de realimentação dos aquíferos; da eliminação de cadeias de
espécies da flori fauna; da redução da biodiversidade dentre outros problemas de ordem
ambiental provocados pela urbanização nessas regiões.
A atuação da gestão pública no que se refere a ordenação da ocupação dos vales
fluviais foi marcada pela setorialização e por uma desarticulação que não conseguiu ser
suplantada, mesmo na história recente, da urbanização de São Paulo. Os planos diretores
que deveriam ser abrangentes, acolhendo e coordenando todas as ações de gestão no
território urbano, não conseguiram superar as ações setoriais que atendem, prontamente, aos
interesses hegemônicos que determinam, na prática, os rumos e as ações das políticas
urbanas. Mesmo quando a partir dos anos 2000 a pauta ambiental é incorporada como
integrante dos planos diretores, a força dos agentes privados determinou as pautas que se
materializaram, privilegiando os mesmos seguimentos que, historicamente, determinam
como, para quem e para onde a cidade de São Paulo cresce e se organiza.
No entanto, são inquestionáveis os avanços dos planos urbanos mais recentes (PD
2002 e 2014) na incorporação de mecanismo de atuação e de participação nas políticas
públicas que podem e devem ser utilizados e aperfeiçoados. As cidades são um campo onde
distintas forças sociais se enfrentam. Assim estimular e promover a ampliação das
participações das comunidades nas decisões que envolvem a gestão urbana, devem ser
estimuladas e, nesse sentido, mecanismos de ação local como os Planos de Bairro e os PIU
195

precisam ser resgatados do domínio dos mesmos grupos sociais que sempre promoveram
seus interesses sobre o da maioria da população. E resgatar também a atuação das instancias
de gestão locais (subprefeituras, conselhos locais) ainda são um caminho para a construção
de uma gestão mais representativa dos interesses da maioria.
Especificamente na questão das relações entre a urbanização e os rios em São Paulo,
ainda há muito avançar. Suprimidos como foram das paisagens, reconhecidos apenas como
elementos da infraestrutura e associados aos efeitos mais danosos dessa relação como
condutos de lixo e esgoto; os rios e os córregos urbanos precisam ser ressignificados.
Um caminho possível é promover o reconhecimento e a conscientização que
São Paulo cresceu em uma região extremamente drenada e chuvosa e que, portanto, deve
aprender a conviver com as inundações. Difundir o paradigma sistêmico que nada na natureza
acontece dissociado de nada; que nossas ações impactam nas dinâmicas naturais e que a
adaptação das dinâmicas naturais às ações antrópicas tem limites. E que como afirma Krenak
(2020) a “Gaia é um organismo vivo e pode nos deixar para trás”, não se subordinando a
lógica antropocêntrica de que o engenho humano tudo pode.
No próximo capítulo será aprofundado como estudo de caso a bacia hidrográfica do
Córrego Jaguaré, última etapa desta pesquisa, com o objetivo de avaliar e propor diretrizes
de reordenação das ocupações em áreas de fundo de vale que contemplem o espaço das
águas e reaproximem as pessoas dos córregos e dos rios.
196

CAPÍTULO 4. A BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO JAGUARÉ: DIRETRIZES


URBANÍSTICAS SUSTENTÁVEIS PARA AS REGIÕES DE FUNDO DE VALE

Este capítulo tem como propósito realizar uma análise crítica sobre o problema entre
urbanização e os cursos d`água, por meio da bacia hidrográfica do Córrego Jaguaré, bem
como apresentar a etapa experimental e propositiva da pesquisa. Pretende-se demonstrar a
tese que para se atingir a sustentabilidade de bacias hidrográficas inseridas em áreas
intensamente urbanizadas, devem ser adotados parâmetros compatíveis e adaptados às
características ambientais das regiões de fundo de vale, oferecendo segurança às populações
que vivem nessas áreas, garantindo resiliência e sustentabilidade às estruturas urbanas e às
edificações existentes e promovendo a recuperação das dinâmicas hidrológicas, da qualidade
das águas e a recomposição das paisagens fluviais suprimidas.
Dessa forma, o protagonismo das águas como áreas de uso público para o convívio
de todos os seus moradores pode ser resgatado, assim como a consolidação de uma nova
visão nas relações entre as cidades e suas águas, na qual as ações corretivas para os
conflitos gerados pela urbanização sejam também promotoras de benefícios socioambientais.
Conforme exposto ao longo desta pesquisa, o estudo das questões ambientais requer
uma abordagem sistêmica; portanto, essa abordagem deve ser aplicada ao estudo dos
processos de urbanização, cabendo ao pesquisador empreender análises das distintas
dimensões que envolvem a sustentabilidade ambiental e urbana da bacia hidrográfica.
Tendo como ponto de partida as referências elencadas na Parte 1 deste trabalho
(Capítulos 1 e 2) que indicaram que a sustentabilidade40 de uma bacia hidrográfica possui
múltiplas dimensões e devem ser entendidas e planejadas de forma integrada, bem como a
compreensão dos principais conflitos identificados no processo de urbanização e
planejamento de São Paulo, nesta etapa da pesquisa propõe-se uma metodologia de análise
da bacia do Córrego do Jaguaré com o propósito de compreender sua dinâmica urbana e
ambiental e delinear as diretrizes de uma ocupação sustentável.
Tal metodologia considerou três dimensões fundamentais para a compreensão desta
bacia hidrográfica41: a) dimensão urbanística - sendo aqui considerados os estudos do

40 “Diversos autores (ACSELRAD, 2004; FARR, 2013; MAGNAGHI, 1999; 2005) apontam que o
conceito de desenvolvimento sustentável surge em resposta a uma crise da visão tradicional de
crescimento e desenvolvimento, visão esta que, pautada no discurso do crescimento econômico, trata
o meio ambiente como uma fonte de recursos inesgotáveis, a ser explorada” (ALVIM et al, 2019, p.10).
41 Considerar um processo de urbanização sustentável, implica em reconhecer e conciliar uma grande

complexidade de temas com abordagens de diversas áreas do conhecimento organizados em distintas


dimensões. Sachs (1993) defende a existência de cinco dimensões que devem ser consideradas
197

processo de ocupação do território, com suas características de uso e ocupação e, portanto,


de estruturas urbanas e tipologias construtivas predominantes; b) dimensão da infraestrutura
urbana42 – representada redes de infraestrutura urbana (especificamente os sistemas de
drenagem e saneamento e de limpeza urbana) por exercerem pressões sobre os sistemas
hídrico e hidrológico naturais e apropriarem-se dos leitos dos cursos d’água existentes nos
fundos de vale e; c) dimensão político-institucional - legislações urbanas e ambientais e
instrumentos urbanísticos e ambientais (planos urbanos, normas de uso e ocupação do solo,
zoneamento e os planos de bairro; legislações de proteção e preservação ambiental).

O capítulo está estruturado em duas partes. A primeira apresenta a área de estudo


selecionada, com suas características fisiográficas e hidrológicas, e um estudo cartográfico
da evolução da urbanização na bacia a partir do ano de 1933, correspondendo ao início do
processo de planejamento na cidade de São Paulo, conforme relatado no capítulo 3; em
seguida, promove uma aproximação maior, apresentando um quadro atualizado das
características da urbanização, organizado de acordo com as três categorias adotadas e
apresentado com o apoio de cartografias e dados comentados, na seguinte ordem: a)
ocupação e uso do solo e as divisões administrativas responsáveis pela gestão dos serviços
públicos na região; b) as infraestruturas de saneamento e drenagem e dos serviços de coleta
de resíduos sólidos, com ênfase na questão da permeabilidade do solo e dos episódios de
inundações; c) os programas de recuperação socioambiental e dos instrumentos do
planejamento urbano do PDE que são, atualmente, aplicados ao território da bacia do
Jaguaré. Pretende-se, nesta primeira parte, validar a seleção das dimensões analisadas para
aplicá-las como parâmetros na segunda parte deste capítulo, de caráter propositivo.
Na segunda parte, serão formuladas algumas diretrizes , de acordo com as dimensões
selecionadas, para um estudo de zoneamento adequado às áreas de fundo de vale com
urbanização consolidada, sujeitas a inundações, que possa garantir segurança aos
moradores e capacidade de resiliência das edificações no enfrentamento desses episódios
cíclicos, agravados pelo efeito dos regimes de chuvas alterados pelas mudanças climáticas e

simultaneamente: sustentabilidade social, econômica, ecológica, espacial e cultural; que segundo o


autor devem harmonizar e compatibilizar os objetivos sociais, econômicos e ambientais (espaciais e
culturais incluídos) referentes ao desenvolvimento. Como o campo de estudo desta pesquisa é o
urbanismo e há um recorte de análise que são as regiões de fundo de vale urbanos, se optou por
seleciona as dimensões identificadas pelos estudos do processo histórico da urbanização da cidade de
São Paulo, como as mais atuantes e que maiores impactos exerceram nessas regiões do território.
42 É reconhecido que a infraestrutura urbana constitui elemento da dimensão urbanística, ao se

configurar como elemento ordenador do parcelamento do solo, conforme defendido por Solá-Morales
e apresentado no subitem 4.2.1 (p. 218) desta pesquisa. Mas, considerando a importância e os
impactos de antropização que essas estruturas exerceram nos rios, nos córregos e nas paisagens
fluviais da cidade de São Paulo, adotou-se a infraestrutura como um elemento isolado de análise.
198

que, assim, também contribua para a recuperação e a preservação das qualidades ambientais
dessas regiões.
A escolha da bacia hidrográfica do Córrego do Jaguaré como área de estudo se
justifica pelos seguintes motivos: i) trata-se de uma bacia situada integralmente dentro dos
limites do município de São Paulo; ii) a diversidade de ocupação em diversos trechos permite
possibilidades de investigações, replicáveis em diferentes cenários de urbanização da cidade
de São Paulo; iii) a bacia foi objeto de algumas intervenções de proteção e recuperação de
qualidade ambiental, com a implantação de alguns trechos de Parques Lineares e pelo
programa Córrego Limpo (Sabesp/Estado/Prefeitura). No que tange a diversidade de
ocupação, em sua extensão existem distintos quadros de urbanização e antropização - desde
áreas de conservação, em suas cabeceiras com leitos naturais dos principais cursos d’água,
protegidos por vegetação; bairros de baixa e média densidade compostos de habitações
unifamiliares e multifamiliares em sua porção média, que convivem, em alguns trechos, com
o leito natural do córrego ainda preservado e trechos ocupados por assentamentos precários;
até a ocupação industrial, em processo de transformação com a construção de condomínios
residenciais verticais e a presença de instituições como a USP e o IPT, na região de sua foz,
às margens do Rio Pinheiros.
Como parte da metodologia, serão apresentados dados sobre a caracterização física
da bacia do Jaguaré; o uso do solo e zoneamento urbano; estudos hidrológicos; informações
sobre infraestrutura urbana (abastecimento de água, esgotos sanitários, resíduos sólidos,
drenagem e manejo de águas pluviais) e dados sobre qualidade e poluição das águas. Os
dados secundários foram coletados a partir de várias fontes das quais destaca-se o Projeto
Jaguaré, projeto desenvolvido pela Associação Águas Claras do Rio Pinheiros (ONG) em
parceria com a Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica da USP (FCTH/USP) e o
Labverde, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
O Projeto Jaguaré foi publicado em 2017 e teve como objetivo estabelecer conceitos,
diretrizes para a concepção de projetos que contribuíssem para a recuperação da qualidade
das águas do rio Pinheiros, por meio da recuperação ambiental de seus afluentes, e levantou
um conjunto de informações de ordem socioeconômica, política e ambiental. Adotou como
metodologia o uso de informações espacializadas, sob a forma de mapas temáticos
georreferenciados da urbanização da bacia – método também escolhido pelo autor deste
trabalho – para a proposição de cenários para a revitalização dessa bacia, alinhados com o
conceito de qualidade urbana determinada pela paisagem, definida como eixo estruturador
das políticas de infraestrutura. Eleger a paisagem como elemento estruturador também veio
ao encontro de um dos conceitos aplicados neste trabalho.
199

4.1 Breve caracterização da bacia hidrográfica do Córrego Jaguaré

A bacia hidrográfica do córrego Jaguaré localiza-se na zona oeste do município de


São Paulo, abrangendo uma área de 28,2 km², correspondente a 1,9% da área total do
município (FCTH, 2016). O córrego Jaguaré nasce próximo à divisa dos municípios de São
Paulo e Taboão da Serra. Após a confluência com o córrego Itaim, percorre a avenida Escola
Politécnica até a sua foz no Rio Pinheiros. O Jaguaré é um afluente da margem esquerda do
canal do rio Pinheiros e situa-se na posição mais à jusante desse rio (Figura 4.1)

Figura: 4.1 - Localização da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré no município de São Paulo.

Fonte: MDC elaborado pelo autor.

Quanto à sua formação geológica, a região baixa da bacia do Jaguaré localiza-se na


planície de inundação do rio Pinheiros, uma região de várzea, que foi ocupada por meandros
desse rio de planície até a execução das obras de canalização, entre as décadas de 1930 e
200

1940. Na parte alta da bacia, é possível encontrar estruturas arenoargilosas pliocênicas e


afloramentos de gnaisses e micaxistos (AB’SABER, 1958). As elevações na bacia variaram
de 860 m, na cabeceira, até 720 m no exutório, conforme verificado no Mapa Hipsométrico
apresentado na Figura 4.2, desenvolvido por meio de informações de elevação do Mapa
Digital da Cidade (MDC). A montante, quando recebe as águas do córrego Itaim, próximo à
rodovia Raposo Tavares, o córrego Jaguaré e tributários são pouco antropizados, dadas as
características da urbanização nesse trecho. Ainda assim, recebe grande volume de esgoto
doméstico não coletado pelas redes públicas, de redes coletoras não conectadas a coletores
tronco, e resíduos sólidos e outras fontes de poluição difusa. Nesse trecho há vegetação
(FCTH, 2016).
A região das nascentes se apresenta bem conservada, com um parque próximo à
COHAB Educandário e outros equipamentos públicos como o Centro Educacional Unificado
Uirapuru (CEU), construído sobre o leito do Jaguaré, e uma estação elevatória da Sabesp.
Nesse trecho já se observam os efeitos dos processos de urbanização, com obras de
pavimentação e ocupação irregular das faixas de proteção, provocando degradação do leito
e assoreamento por consequência da remoção da vegetação e pela manutenção de áreas
com terra nua nas margens (Figuras de 4.3 a 4.6).
A administração municipal, na Bacia do Jaguaré, é de responsabilidade das Prefeituras
Regionais do Butantã e da Lapa, esta última em menor proporção (9% da área da bacia),
tomando apenas uma pequena porção da região norte da bacia. As Prefeituras Regionais
têm o papel de receber pedidos e reclamações da população, solucionar os problemas
apontados, cuidar da manutenção do sistema viário, da rede de drenagem, da limpeza urbana,
entre outros. A Figura 4.7 indica a localização da Bacia do Jaguaré, no âmbito das Prefeituras
Regionais.
A hidrografia principal da bacia do Jaguaré é composta pelos córregos Jaguaré e Itaim,
além de afluentes importantes como os córregos Jacarezinho, Sapé e Água Podre. A extensão
do eixo principal, considerando o curso do córrego Itaim e depois seguindo pelo córrego
Jaguaré até a foz no rio Pinheiros, é de 11,8 km. A extensão total dos cursos d’água na bacia
do Jaguaré, por sua vez, é de aproximadamente 90 km (FCTH, 2016).
A bacia hidrográfica do Jaguaré está integralmente em área urbana do município de
São Paulo, com trechos bem preservados a montante, mas intensa antropização dos canais
e das áreas de inundação. O canal principal tem a maior parte de sua extensão confinada em
um canal aberto, entre avenidas de fundo de vale (Avenida Escola Politécnica), até sua foz
no rio Pinheiros. De modo geral, a maior parte dos cursos d’água dessa bacia encontra-se
enterrado, conforme a Figura 4.8, que apresenta a hidrografia principal da Bacia do Jaguaré,
com a condição dos córregos abertos (naturais ou canalizados) ou fechados.
201

Figura: 4.2 - Mapa Hipsométrico da bacia do córrego Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


202

Figura: 4.3 Região das nascentes do córrego Jaguaré (em verde, vegetação preservada e, pontos
azuis, as nascentes).

Fonte: Hezbolago (2020). Modificado pelo autor.

Figura: 4.4 - CEU Uirapuru sobre canal do córrego Jaguaré.

Fonte: Google Maps (21 05 2019).


203

Figura: 4.5 - Obras de infraestrutura, Jardim das Esmeraldas, córrego Jaguaré.

Fonte: Google Maps (21 05 2019).

Figura: 4.6 - Canal aberto com ocupação em APP - córrego Jaguaré.

Fonte: Google Maps (21 05 2019).

A bacia do Jaguaré é composta em sub-bacias hidrográficas. Essa divisão foi adotada pelo
Projeto Piloto da “Associação Águas Claras do Rio Pinheiros” para a análise e a avaliação dos
fenômenos que ocorrem em bacias urbanas a partir de diferentes padrões hidrológicos, hidráulicos
e urbanísticos. A divisão em sub-bacias, realizada na Bacia do Jaguaré, pode ser visualizada na
Figura 4.9.
204

Figura: 4.7 - Regiões administrativas da bacia do córrego Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


205

Figura: 4.8 Trechos a céu aberto e subterrâneos do córrego Jaguaré e seus afluentes.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


206

Figura: 4.9 - Sub-bacias contribuintes do córrego Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


207

A nomenclatura definida para cada sub-bacia pelo Projeto Piloto considerou a letra “J”,
relacionando as subdivisões ao córrego Jaguaré, e as letras “D” e “E”, localizando-a como
contribuinte da margem direita ou esquerda.
Esse breve quadro da base geofísica da bacia permite uma leitura do território de
estudo como história da paisagem natural e de suas dinâmicas originais. Partindo do conceito
de que a “paisagem é história congelada, mas participa da história viva” (SANTOS, 2002, p.
107), e considerando que sua função será sempre dada por sua confrontação com a
sociedade, procurou-se contextualizar o processo de transformação dessa paisagem natural,
promovido pela urbanização, em um estudo da evolução da urbanização da bacia, por meio
de cartografias construídas a partir da determinação de parâmetros urbanísticos e ambientais.

4.2 Uma análise cartográfica da evolução da urbanização na bacia do Córrego Jaguaré


por meio de parâmetros urbanísticos e ambientais

Os estudos cartográficos que seguem mostram a influência da construção da avenida


de fundo de vale como indutora da urbanização da bacia do Jaguaré, revelados por meio de
parâmetros urbanísticos e ambientais em cartas temáticas da evolução da urbanização.

4.2.1 Parâmetros urbanísticos e ambientais

Nesta etapa da pesquisa a análise da Bacia hidrográfica do Jaguaré tem como objetivo
identificar parâmetros para o planejamento de áreas de fundo de vale que envolvam as
relações ambientais e urbanas, entendidas aqui como dimensões que devem ser pensadas
de forma articulada. Para tal, foram selecionados e adotados elementos de ordem urbanística
e ambiental com base em pesquisa que vem sendo desenvolvida na FAU Mackenzie, da qual
o autor participa.64 Para tal, este item está dividido em duas partes: uma primeira parte onde
são identificados e organizados os elementos que compõem o território da bacia, utilizando-

64A pesquisa denominada “Assentamentos precários em áreas vulneráveis na região metropolitana de


São Paulo: as dimensões da sustentabilidade nas intervenções para urbanização” conta com o apoio
do Fundo Mack pesquisa, e tem como objetivo desenvolver um método de avaliação de projetos de
urbanização de assentamentos precários localizados em áreas ambientalmente vulneráveis que
conciliem recuperação e preservação ambiental à qualidade e vida das populações afetadas. As
dimensões social, econômica, ecológica, cultural e espacial da sustentabilidade propostas foram
construídas com base em Sachs (1993) e Magnaghi (1999 e 2005) e partem de uma visão holística dos
problemas da sociedade na relação homem – natureza, adotando o conceito de desenvolvimento
sustentável aplicado ao território.
208

se como método a pesquisa indireta e a elaboração de cartografias analíticas do processo


histórico da urbanização e do contexto atual e; posteriormente apresentados os resultados
das análises. Para a construção dessas cartografias históricas foram adotadas bases
cartográficas oficiais que representam quatro períodos do processo de urbanização que parte
do ano de 1933 até o ano 2011.

Para o estudo da evolução da urbanização na bacia do Jaguaré, o componente


temporal foi incorporado como premissa fundamental e, face aos distintos quadros da
urbanização, os elementos de análise foram organizados dois grandes grupos: a. Urbanização
Consolidada e b. Área Urbana em Consolidação.
Para se registrar os diferentes usos do solo adotou-se a classificação usual presente
nos processos de zoneamento e planejamento urbanos: uso residencial, uso comercial, uso
industrial e uso institucional, para que, posteriormente, essas análises pudessem ser
cotejadas com as propostas do planejamento urbano existentes para a região.
Partindo da premissa de Solá-Morales (1994) de que para se investigar a formação
das cidades, é necessário distinguir as infraestruturas urbanas das formas do parcelamento
do solo e considerando que, na maioria das vezes, a abertura das vias antecede o
parcelamento, adotou-se um outro grupo de componentes da urbanização, identificado como:
Sistema Viário. Nesse grupo, especificamente, foram relacionados três componentes-tipo: a.
Rodovias; b. Viário Principal e c. Viário Secundário. Há que se considerar que o estudo do
modelo de ocupação de fundo de vale incorpora as avenidas marginais, tratando-se, portanto,
de elementos importantes nas análises da evolução da mancha de urbanização.
Considerando a necessidade de se determinar parâmetros ambientais de análise,
recorreu-se à premissa da histórica relação entre as cidades e os rios, como expressos por
Saraiva (1999). Associados às atividades de mobilidade e transporte de pessoas e de
mercadorias ou de produtos, de abastecimento e suprimento, na produção de alimentos e na
geração de energia, na condução dos escoamentos pluviais, como também constituindo
espaços livres públicos de lazer, de convívio e de contemplação, os rios e seus vales também
estão vinculados a aspectos simbólicos e de identidade de populações e localidades,
determinando padrões de comportamento e até mesmo “modelos arquetípicos”65 de vida
urbana (MUNFORD, 1998). Portanto, identificar e reconhecer, no âmbito desta pesquisa,
fatores que condicionam as relações entre as cidades e os rios constitui etapa importante.

65 Munford (1998) faz uma associação à natureza pacífica dos povos egípcios e às características
morfológicas de suas cidades abertas e sem muros ao regime hidrológico e às características
fisiográficas do Rio Nilo, com amplas várzeas e inundações sazonais previsíveis, em contraponto com
a natureza dos povos mesopotâmicos e suas cidades amuralhadas, onde “as violências da natureza”
existentes nos regimes dos Rios Eufrates e Tigre se refletiam “nas violências dos homens” (op. cit, p.
71).
209

Contudo, como comparar aspectos de natureza ambiental e aspectos urbanísticos


relacionados anteriormente? Mediante essa questão, optou-se por relacionar os elementos
estruturais dos corpos d'água e das bacias hidrográficas, inicialmente definindo a unidade
hidrográfica da bacia de drenagem como recorte de análise.
Como, segundo a hidrologia, a bacia hidrográfica é a área da superfície terrestre
drenada por um rio principal e seus tributários e representa área de captação natural da água
da precipitação, foram adotados o recorte dos limites da bacia do Jaguaré como o componente
Bacia Hidrográfica e o traçado dos leitos do Córrego Jaguaré e seus principais tributários
como o componente Hidrografia.
Do ponto de vista do relevo, as planícies fluviais ou de inundação, também conhecidas
como várzeas, constituem a forma mais comum de sedimentação fluvial, formando relevos
planos nas áreas marginais dos rios, onde se desenvolvem as matas ciliares (Bastos et al,
2015). Outras áreas de vegetação, que caracterizam a bacia como Campo, ou ainda, as áreas
de Mata, também foram relacionadas e adotadas como elementos dos componentes
ambientais.
Conforme o exposto no Capítulo 1, o desenvolvimento das cidades brasileiras, que
surgiram em beiras de rio, estabeleceu, ao longo da história, uma relação que se transformou
de integração e proximidade em afastamento.
A partir do final do século XIX e início do século XX, muitas dessas transformações
foram motivadas especialmente pela preocupação com as questões de higiene e saúde
pública, geradas pelo intenso crescimento demográfico de muitas cidades que se
industrializavam, às quais se sucederam obras de saneamento, com a canalização de rios e
córregos e a drenagem das áreas úmidas, assim como pela implantação nos vales fluviais de
ferrovias. Essas intervenções transformaram de forma drástica as paisagens fluviais das
cidades e alteraram seus regimes hidrológicos, afastando os rios do contato com as
populações, até que fossem excluídos definitivamente, enterrados sob vias urbanas, e
associados apenas a “sintomas perturbadores, ou seja: mau cheiro, obstáculo à circulação e
ameaça de inundações” (GORSKI, 2010, p.31). Assim, cidades que surgiram pela
preexistência de seus rios e vales fluviais lhes deram as costas e os esqueceram.
Essas intervenções transformaram radicalmente as morfologias fluviais, ao alterarem
os alinhamentos e as profundidades de seus leitos vazantes, retificando-os; ao drenarem e
aterrarem seus leitos menores e maiores de inundação e ocupando-os com vias de circulação
ou com ocupações urbanas propriamente, por meio de loteamentos. Suas morfologias,
anteriormente complexas, ficaram restritas a canais enclausurados entre paredes de pedras
ou de concreto e a pequenas margens ocupadas por calçadas ou, nas melhores
configurações, com uma pequena área permeável ladeada de árvores aos moldes dos
bulevares das cidades europeias.
210

De elementos estruturadores da forma e da vida urbana, os rios foram transformados


em elementos da morfologia da cidade, compostos como um conjunto de canais e estreitas
margens ladeadas por avenidas, que são lembrados, especialmente, quando, nos períodos
de chuvas intensas, suas águas extravasam, buscando recuperar os leitos de inundação
ocupados pelo avanço da cidade.
O território investigado na bacia do córrego Jaguaré é revelado por meio da
identificação de sua composição em duas ordens: seus espaços naturais e os espaços
construídos. A literatura urbanística tradicionalmente adota, como parâmetros de análise
morfológica, os parcelamentos e traçados viários, as edificações e suas tipologias, os vazios
(construídos ou não) e as articulações entre esses elementos, constituídos como grandes
grupos ordenadores para a composição do tecido urbano. Nesta pesquisa, porém, a
identificação dos elementos estruturadores da paisagem natural que, dadas as suas
características físicas, constituíram-se ordenadores territoriais da expansão urbana, adquirem
um protagonismo especial. Assim, dentro dessas ordens, foram identificados e selecionados
os parâmetros adequados a serem adotados.
Constituídos e fundamentados os parâmetros de análise, iniciou-se a etapa de
levantamento e de inserção dos dados georreferenciados que referendassem o processo de
urbanização, por meio da representação da evolução da mancha urbana, tendo como recorte
físico a área dessa bacia. Valendo-se da construção de camadas de dados, registraram-se os
processos de transformação da geomorfologia original com a supressão de cobertura vegetal,
retificações, canalizações e enterramento de cursos d’água; a configuração das morfologias
urbanas nessa bacia e as sucessivas mudanças de uso do solo e dos processos de ocupação
pelos loteamentos e de impermeabilização da área da bacia.
Para a construção das cartografias analíticas, foram utilizados três tipos de bases
datadas em diferentes anos: as bases de 1933 e 1981 são essencialmente cartas topográficas
em escala de detalhe, sendo que a nomenclatura empregada em 1981 é de "folha
planimétrica". A base do ano de 2007 é composta de fotografias aéreas e a base do ano de
2011 é composta de ortoimagens (imagens de satélite corrigidas). Todas as bases estão
disponíveis no arquivo do DataGeo, banco de dados espaciais do governo do estado de São
Paulo, vinculados à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestruturas (SIMA). Trata-se
de um banco virtual aberto ao público.
Destaque-se que a base do ano de 1933, a mais antiga das bases utilizadas, refere-
se ao mapeamento do território da cidade de São Paulo, elaborado pela empresa italiana Sara
(Società Anonima Rilevamenti Aerofotogrammetrici), durante o período de 1929 a 1933, por
211

meio de levantamento topográfico pelo método Nistri de aerofotogrametria66. Igualmente


importante contextualizar que essa iniciativa dos gestores municipais de São Paulo
corresponde a um período de intensas discussões e produções de planos e propostas
urbanísticas, especialmente para as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo (Nobre, 2006;
Déak,1999; Villaça, 1999; Campos, 2002), e é entre 1927 e 1930, sob o patrocínio da
Comissão do Tietê e com o apoio do prefeito Pires do Rio, que os engenheiros Prestes Maia
e Ulhôa Cintra elaboram o Plano de Avenidas, reconhecido como o primeiro “plano geral” da
cidade de São Paulo.
Tendo como fontes bases cartográficas e levantamentos aerofotogramétricos que
serviram como fundamento para as cartografias oficiais, oram produzidos quatro mapas com
as respectivas datas: 1933, 1981, 2007 e 201167, com o registro da ocupação e dos usos do
solo no perímetro da bacia.
Os mapas registram as informações sobre a hidrografia, os sistemas viários e de
estradas e outras infraestruturas urbanas, as áreas urbanas consolidadas ou em processo de
urbanização, as áreas de uso agrícola e as áreas com existência de remanescentes de
cobertura vegetal original, compondo o conjunto de parâmetros urbanísticos e ambientais
selecionados para esta fase de análise.
No Mapa 4.1 observam-se os primeiros núcleos de urbanização situados na porção
baixa da bacia, nas proximidades de sua foz no Rio Pinheiros, e em sua porção média, nas
proximidades da confluência da estrada São Paulo-Paraná (atual rodovia Raposo Tavares),
que coincide com o ponto de confluência dos córregos Jaguaré e Itaim, seu principal tributário.
Na camada “Área urbana em consolidação” (em roxo no Mapa 4.1) vemos os núcleos de
urbanização em consolidação, caracterizados como parcelamentos de quadras retangulares
com arruamentos pavimentados. Na porção baixa, a sede do Instituto Butantã68, indutor dessa
urbanização, define o uso institucional nessa época. Esse uso foi ampliado com a instalação

66 “[...] um trabalho pioneiro que fez de São Paulo uma das primeiras cidades do mundo a ter um
cadastro de plantas articuladas de grande precisão, em escala detalhada (1:1.000 e 1:5.000). Foram
entregues à prefeitura 132 cartas (impressas pelo Instituto Geográfico de Agostini, em Novara, na
Itália), 20 fotocartas e a coleção de fotografias aéreas (verticais e oblíquas), que constituíram a fonte
do levantamento.” DUTENKEFER, E., 2015, p.156.
67 Deve-se registrar que há aero fotos da urbanização dessa região da cidade nos arquivos do Instituto

de Geografia da USP do ano de 1962 ainda não vetorizadas, mas o Disponível em a esse material não
foi possível devido ao fato de a universidade permanecer fechada em função da pandemia do Covid
19. Procurou-se, nesta pesquisa, o apoio de fontes indiretas e dos estudos das leis, planos e normas
urbanísticas para se fundamentar as análises comparativas, especialmente entre os anos de 1933 a
1981.
68 O Instituto Butantã surgiu em 1898 (final do século XIX) projetado para combater um surto de peste

bubônica que se propagava no porto de Santos em 1899, levou o governo a adquirir a Fazenda Butantã
para instalar um laboratório de produção de soro antipestoso, vinculado ao Instituto Bacteriológico
(atual Instituto Adolfo Lutz). Esse laboratório foi reconhecido como instituição autônoma em fevereiro
de 1901, sob a denominação de Instituto Serumtherápico, tendo como primeiro diretor, o médico
sanitarista Vital Brazil (fonte: http://www.butantan.gov.br/institucional/historico).
212

da Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1940, com a transferência do Instituto


de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e de alguns departamentos para do Instituto Butantã; mas
não será predominante, pois loteamentos residenciais já ocupavam essa região desde os
anos 1930.
213

Mapa 4.1 - Mapa de uso do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 1933.

Fonte: Mapa SARA Brasil (1930), elaborado pelo autor69

69
Com o apoio dos discentes do curso de graduação Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP: Ana Carolina Nascimento
Carvalho, Breno Schmidtke e Wesley Matos Cruz.
214

Nesse período, vigorava o Código de Obras Arthur Saboya (Lei nº 3.427, de 19 de novembro
de 1929) no âmbito do município. Esse código, de grande abrangência, constituiu-se peça
fundamental do ordenamento urbanístico e de edificações da cidade. Definia um primeiro
zoneamento especificando usos e determinava padrões e dimensões para o loteamento de terras,
ruas, passeios e outros elementos morfológicos urbanos. Estabelecia um regramento, desde a
aprovação de abertura de novas ruas, atribuindo responsabilidade aos interessados, de arcarem
com as despesas necessárias às desapropriações, às normas de ocupação dos lotes, até a detalhes
dos ambientes internos das construções. Estabeleceu uma nova ordem que desencarregava a
Prefeitura das atribuições de execução das expansões da urbanização, transferidas para os agentes
privados, restando apenas a aprovação dos planos e a fiscalização das obras.
O Código de Obras Arthur Saboya exigia que novos “planos de arruamento” fossem
apresentados e aprovados pela “Repartição de Águas e Esgotos”, com um plano geral de
escoamento de águas pluviais e servidas, e estabelecia restrições para o arruamento para “os
terrenos baixos, alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para lhes
assegurar o escoamento das águas” (Art. 726). Determinava também, especificamente, que os
novos arruamentos situados ao longo do Córrego Tatuapé deveriam contemplar “uma avenida
principal com a largura mínima de quarenta metros, cujo eixo deverá ser, tanto quanto possível, o
thalweg do rio Tatuapé” (Art. 729).
O que se pode inferir, ao analisar as prerrogativas desses artigos, é que, ao ser apresentado
como solução o binômio aterramento de várzeas e construção de avenida de fundo de vale para a
região do vale do córrego Tatuapé, estava sendo definido um modelo de ocupação de áreas úmidas
e alagáveis, ou em bordas fluviais, com a configuração de avenida de fundo de vale, que já vinha
se estabelecendo na paisagem da cidade desde o final do século XIX, com as obras sanitaristas
empreendidas na região central, e que se consagrou com o Plano de Avenidas em toda a cidade
(TRAVASSOS, 2005; KAHTOUNI, 2004).

O Mapa 4.2 apresenta um quadro de urbanização intensiva da bacia, com ocupação superior
à metade da sua área, distribuída em um mosaico de usos e morfologias distintas, com predomínio
do uso residencial, mas formando núcleos de atividades industriais na confluência da avenida
Jaguaré, implantada no eixo do leito do córrego Jaguaré canalizado e da rodovia Raposo Tavares,
na porção média da bacia. Outros núcleos menores de atividade industrial e de mineração situam-
se a noroeste, na porção baixa próxima às avenidas marginais do Rio Pinheiros e, a oeste e leste,
ao longo da rodovia.
215

Mapa: 4.2 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 1981.

Fonte: Emplasa. Elaborado pelo autor.


216

Considera-se que a construção da cidade e de suas partes, acontece em um período


sob a forma de distintas operações que se sucedem no espaço, por justaposição, por
encadeamento de uma trama, por adaptações às características fisiográficas, dentre outras.
Pode-se afirmar que suas formas são resultantes de processos que combinam os elementos:
solo, edificações e infraestruturas, que se sucedem nas operações de parcelamento do solo,
urbanização e edificação, sem que, necessariamente, aconteçam como atos simultâneos e
coordenados (Solà-Morales, 2008).

Essa metodologia foi designada para que se fizesse uma leitura comparativa dos
mapas das figuras 4.1 e 4.2 e para elaborar possíveis interpretações do processo de
urbanização da bacia do Jaguaré entre o período de 1933 a 1981. Partindo do pressuposto
que os sistemas viários são indutores da urbanização e, ao considerar as características
físicas da bacia, insinuou-se uma hipótese que a construção de uma avenida de talvegue a
ser implantada no fundo de vale da bacia entre esses períodos, tal como determinava a lei
Arthur Saboya, teria impulsionado a urbanização. Porém, conforme exposto, a pesquisa
enfrentou a dificuldade de acesso a dados para construção de uma cartografia em um período
intermediário que pudesse sustentar a hipótese. Recorreu-se, portanto, a uma análise mais
acurada da cartografia de 1933 e registros de fontes indiretas que trataram do tema da
urbanização de fundo de vale em São Paulo.

Na cartografia do ano de 1933, se observa o núcleo urbanizado original situado na


parte baixa ao lado das áreas institucionais, seguindo em direção à porção central e às
cabeceiras, mas ainda sem uma avenida de fundo de vale. Observa-se também a existência
de outro núcleo situado na porção média ocidental, cujo acesso se estabelecia pela estrada
São Paulo-Paraná (futura rodovia Raposo Tavares) e que, portanto, não dependeu de uma
avenida no talvegue da bacia para sua consolidação. Havia também a antiga estrada de Itu,
também conhecida como estrada M’Boy (atualmente rodovia Regis Bittencourt) além de
inúmeros caminhos vicinais que estabeleciam uma rede de passagens pelas porções média
e alta da bacia do Jaguaré. Almeida (1978) em um artigo do Boletim Geográfico do IBGE que
investiga a organização espacial nessa região da cidade, afirma que é “flagrante a influência
desses antigos traçados na configuração espacial” dessa porção, alertando ainda para os
problemas de circulação local gerados por eles.

Rufino (2013) e Rocha (2015), por sua vez, demonstram que nessa porção da bacia
até os anos 1950 predominou o uso rural com pequenas propriedades e chácaras de lazer
como exposto na cartografia de 1933 apresentada pelo autor. A partir dessa década,
intensificou-se a proliferação de loteamentos, consolidando o bairro do Butantã com
características de residências unifamiliares térreas, provocando uma ocupação intensiva solo
217

por loteamentos que se articulavam internamente por sistemas viários compostos de avenidas
construídas nos fundos de vale dos pequenos córregos afluentes do córrego Jaguaré.

Rufino (2013, p. 154) relaciona o surgimento de bairros na região entre 1940 e 1974
nos quais “grandes glebas se tornavam rapidamente bairros, quase inteiramente ocupados”.
É de se supor que essa urbanização veloz gerou impactos na drenagem da bacia como
consequência de uma impermeabilização rápida e exagerada do solo, conforme relatos
colhido pelo autor que registram, por meio de entrevistas, as dificuldades e problemas
enfrentados por moradores nas “lamacentas ruas e desprovidas ruas do Butantã nos 1950”
(p. 159) e dos problemas de falta de saneamento básico, transporte e equipamentos públicos,
característicos das urbanizações periféricas onde a implantação dos loteamentos antecedem
a execução de sistemas de infraestruturas urbanas e de serviços.

Travassos (2010, p. 51) registra a existência de planos e leis que vigoravam no período
dos anos 1960 e 1970, a constar: o PROCAV I (Programa de Canalização de Córregos e
Implantação de Vias de Fundo de Vale)70 e a Lei Geral de Zoneamento de 1972 (Lei nº 7805
de 1 de novembro de 1972), e aponta que, especialmente a partir da década de 1970, se
configura como predominante “a construção de sistema viário e o tratamento do sistema de
drenagem, aproveitando sistematicamente a implantação dessas estruturas para a construção
de vias”, como também se intensifica o impacto da urbanização na drenagem decorrente da
expansão da mancha urbana, do adensamento e da ocupação de diversas bacias
hidrográficas.

O quadro da urbanização da bacia do Jaguaré nos anos 1980 revela que com uma
ocupação intensiva e o esgotamento dos estoques de terra, se inicia um processo de
valorização do solo como estratégia de abertura de novas frentes imobiliárias com a
verticalização. Essa valorização se apoia na implantação de melhoramentos urbanos para a
região, que enfrentem os problemas de infraestrutura de saneamento e drenagem e de
mobilidade. Nesse contexto se iniciam a construção da grandes avenidas de fundo de vale
como a avenida Escola Politécnica e a avenida Eliseu de Almeida para solucionar os
problemas de enchentes periódicas nos córregos Pirajuçara e Jaguaré (RUFINO, 2013).

É, portanto, na conjunção dos interesses fundiários associados aos das empresas de


infraestrutura com apoio das políticas e dos investimentos governamentais que se consolida
a implantação da avenida Escola Politécnica como estratégia de ligação viária entre a rodovia

70 “O ‘Programa de Canalização de Córregos e Implantação de Vias de Fundo de Vale’ foi instituído


durante a gestão municipal de Jânio Quadros, através do decreto nº 23.440 de 1987, e tinha como
objetivo promover a canalização de córregos e a construção de avenidas. Contava, para sua execução,
com recursos obtidos junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID” (TRAVASSOS, 2005,
p. 120).
218

Raposo Tavares e a marginal do rio Pinheiros, com a configuração das avenidas de fundo de
vale que conjugam drenagem, saneamento e sistema viário. Descartando assim a hipótese
que essa avenida teria sido a indutora da urbanização da porção média da bacia.

Os efeitos das alterações ambientais são observados com a canalização do córrego


Jaguaré, em suas porções baixa e média, transformado em avenida de fundo de vale; com a
supressão das massas arbóreas e de muitas áreas de campo e com o processo de
urbanização e de impermeabilização da área da bacia.

Ao serem comparadas as imagens dos mapas dos anos 1988 e 2007 (Mapas 4.2 e
4.3), o que primeiramente se revela é o crescimento das áreas de vegetação (verde escuro)
e de áreas de ocupação irregular (lilás escuro). Observa-se também o crescimento de áreas
de urbanização consolidadas (lilás) adentrando as manchas das áreas industriais (azul).
Esses registros refletem, no uso do solo, principalmente aspectos dos planos e das políticas
públicas e econômicas que se sucederam entre esses dois períodos.

As questões ambientais, a partir dos anos 1990, passaram a ser incorporadas no


planejamento por meio de novos princípios sobre conservação e preservação dos recursos
naturais e pela perspectiva de seu esgotamento. A qualidade ambiental é vinculada ao
conceito de qualidade de vida, as diretrizes de caráter estritamente econômico e social não
mais respondiam a todas as demandas das sociedades (SANTOS, 2004), o que levou os
municípios a incorporarem a seus planos diretores o planejamento ambiental.

Para garantir a proteção das áreas verdes na cidade de São Paulo, o governo estadual
elaborou um estudo sobre a vegetação significativa da cidade, que serviu de base para a
publicação do Decreto estadual no. 30.443/89 determinando que essas áreas fossem
declaradas patrimônio ambiental. Alguns fragmentos de mata e mesmo algumas áreas de
vegetação dispersa na bacia do córrego Jaguaré foram contempladas por esse decreto, em
especial na sua cabeceira, onde se situam as nascentes dos Córregos Jaguaré e Itaim.

Mas, paradoxalmente, o mesmo decreto que protegeu os fragmentos de vegetação


não pôde impedir a ocupação das áreas de proteção permanente (APP) dos córregos da bacia
que, devido à ausência de soluções efetivas para a questão da moradia das populações de
baixa renda, que seguiam atraídas pela economia da capital paulista, resultou no surgimento
de vários assentamentos irregulares às margens dos cursos d’água da bacia.
219

Mapa: 4.3 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 2007.

Fonte: Emplasa. Elaborado pelo autor.


220

As ações do poder público para o enfrentamento dessa dupla vulnerabilidade


oscilaram durante o período de 1988 a 2007, com experiências pioneiras na provisão
habitacional, no começo dos anos 90; com programas de urbanização e regularização
fundiária e mutirões de autogestão, articulados a ações de saneamento ambiental em áreas
de risco; contra grandes ações de remoção e descontinuidade, no final dessa década. Nos
anos 2000, esses programas retomaram força, ainda que, de forma geral, essas ações
mantivessem um padrão de urbanização pontual e desarticulado. “A garantia dos direitos à
moradia digna, à justiça social, à sustentabilidade ambiental como direito à cidade”, conforme
inscritos na Política de Habitação Social e nos Programas de Intervenção em Assentamentos
Precários, mostram um descompasso entre os objetivos declarados e as ações empregadas
nas intervenções urbanas (ZUQUIM, 2012).

Taschner e Bogus (2000) corroboram essa afirmação, reiterando que o crescimento


da população favelada se dá, fundamentalmente, em zonas de preservação ambiental, com
consequências cada vez mais sérias, tanto sob o ponto de vista das condições de moradia
das classes de renda mais baixa, como do ponto de vista ambiental.

Leme (2003) atribui aos efeitos da desindustrialização do município de São Paulo, no


final dos anos 1990, a existência de extensas áreas vazias sobre as quais existe grande
pressão do mercado imobiliário para mudança de uso do solo. Essas alterações parciais no
zoneamento, com as quais a cidade convive, podem explicar o surgimento dessas áreas de
uso residencial onde havia, no ano de 1988, o registro da presença de indústrias.

Por fim, a comparação dos Mapas 4.3 e 4.4 (2007 e 2011) não revela grandes
transformações quanto ao processo de ocupação do solo na bacia do córrego Jaguaré. As
áreas de preservação e as manchas de usos específicos seguem as mesmas configurações
e dimensões, o que permite supor que se trata da consolidação dos padrões de ocupação,
incluindo tanto as ocupações formais como as informais.

Por outro lado, as análises mais atuais do Projeto Jaguaré do FCTH, conforme
representadas no Mapa de Uso e Ocupação do Solo de 2011 (Mapa 4.4), revelam uma
ampliação das áreas verdes, especialmente nas porções alta e inferior da bacia,
respectivamente nas Áreas de Preservação e no Campus Universitário da USP. Esse fator
pode se traduzir em avanços na gestão e no controle da preservação das coberturas vegetais,
como também apenas a adoção de outros critérios de análise das imagens, e mesmo de
escala, pois até mesmo as áreas privativas verdes foram consideradas no projeto.
221

Mapa: 4.4 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 2011.

Fonte: Emplasa. Elaborado pelo autor.


222

As restrições impostas pela pandemia implicaram a impossibilidade de Disponível em aos


laboratórios da Faculdade de Geografia da USP, que disponibilizou parte do material utilizado para
a construção dessas cartografias. Por essa razão, a construção de mapas do período dos anos
1960, reconhecido como importante período de expansão da urbanização nessa bacia, assim como
dados mais atualizados não puderam ser realizados.

As questões ambientais, decorrentes das urbanizações, requerem uma abordagem


sistêmica, portanto, enfrentar o problema das enchentes nas cidades também demanda análises de
distintas ordens, que podem ser agrupadas como de caráter ambiental (fisiográficas e hidrográficas,
mudanças climáticas, urbanísticas e de uso do solo), social (distribuição espacial das riquezas e
das pobrezas, Disponível em à terra, mobilidade), econômico (o solo urbano como comodities, os
prejuízos e os impactos financeiros nos setores securitários, produtivos, de serviços) e políticas
(planos urbanísticos gerais e específicos, infraestrutura urbana).

Vários autores revelaram como a proposta urbanística e sanitária de urbanização de fundo


de vale aplicada em São Paulo ampliou o problema das enchentes na cidade (TRAVASSOS, 2010;
TUCCI, 2007; AB’SABER, 2004; ALENCAR, 2017; ALVIM, 2006; REIS FILHO, 2004). Revelaram
também como as legislações de ordenamento territorial e de uso do solo, determinadas pelas leis
de zoneamento e pelos códigos edilícios, assim como os planos de expansão das infraestruturas,
promoveram esses conflitos.

Na verdade, em São Paulo, a Companhia Light inaugurou o modelo de urbanização


de fundo de vale como estratégia de captura de solo das várzeas para fins imobiliários, com
a criação criminosa da enchente de 1929, sob a dissimulação da necessidade de se
determinarem os limites das faixas de inundação necessárias para a implantação e a
manutenção das infraestruturas de geração de energia hidrelétrica (SEABRA, 1989).

Desde então o modelo se proliferou, potencializado pela cultura do Higienismo,


incorporando-se, para além de modelo de obra viária e sanitária, como um paradigma que se
entranhou de tal maneira na cultura urbana de São Paulo, que ainda hoje, quando se assistem
aos eventos de inundações nas áreas ribeirinhas e de várzea urbanizadas da cidade, o senso
comum aponta a canalização e o enterramento dos córregos como solução.

Mesmo que os planos urbanos tenham incorporado conceitos a respeito da


importância da sustentabilidade ambiental; mesmo que tenham sido criados instrumentos de
gestão do solo que valorizam o patrimônio ambiental e estimulam a adoção de medidas de
conservação; mesmo que crises hídricas severas, como a ocorrida no ano de 2014, escancare
os conflitos existentes com o modelo de urbanização adotado em São Paulo nas regiões de
fundo de vale e com as políticas de gestão dos recursos hídricos; mesmo assim, o paradigma
223

higienista ainda prevalece quando as águas procuram retomar, da cidade, os espaços que
lhes foram furtados.

Este subcapítulo trouxe à luz o quanto os planos e leis atuais ainda não reconhecem
a dimensão das dinâmicas hidrológicas como determinantes para o estabelecimento de regras
e normativas específicas de urbanização nessas regiões. Trata-se de uma mudança
necessária e profunda, que se estenda desde a percepção do morador comum e leigo à dos
técnicos, dos burocratas, dos legisladores e dos gestores públicos da cidade.

4.3 Leitura do quadro atual da urbanização na bacia do Córrego Jaguaré, a partir dos
componentes urbanísticos, políticos-institucionais e das infraestruturas.

De acordo com os pressupostos desta pesquisa, para se empreenderem análises das


distintas dimensões que envolvem a sustentabilidade ambiental urbana, é fundamental adotar
uma abordagem sistêmica, a ser aplicada ao estudo dos processos de urbanização. Para
tanto, este subcapítulo promove uma aproximação da área de estudo, apresentando um
quadro atualizado das características da urbanização, organizado de acordo com as três
dimensões adotadas e apresentado com o apoio de cartografias e dados comentados.

4.3.1 Componentes urbanísticos: Uso do solo

O uso do solo é, sem dúvida, o principal agente das transformações nas áreas das
bacias hidrográficas urbanas de modo geral, exercendo grande influência sobre as questões
hidráulico-hidrológicas e ambientais dessas bacias, podendo causar impactos na qualidade
da água, na estabilidade e na composição do solo, nos ecossistemas e nas condições
socioeconômicas da população.
Os dados oficiais da Prefeitura de São Paulo, disponíveis na base pública do Mapa
Digital da Cidade (MDC/Geosampa), como também as imagens de satélite, disponíveis pelos
aplicativos Google Maps e Google Earth do ano de 2020, serviram de base para este trabalho,
trazendo informações da caracterização do uso do solo na bacia do Jaguaré. Os possíveis
levantamentos de campo estiveram prejudicados pelas restrições do período da pandemia.
Consequentemente, para a caracterização das tipologias das edificações foram
utilizadas as informações do Projeto Piloto, elaborado pelo FCTH/USP, que compatibilizou as
informações existentes e disponibilizadas pela PMSP por meio do MDC, com imagens de
224

satélite do Google Earth, e um levantamento de campo detalhado, realizado pela equipe da


FCTH, no ano de 2016, quando se elaborou o referido projeto.
O produto desse levantamento e da análise revelou que a Bacia do Jaguaré se
caracteriza pela heterogeneidade de usos do solo, destacando-se as categorias
*denominadas nesse estudo de: Residencial, Área Verde, Sistema Viário, Comércio e Serviço,
Industrial, Favela e Massa d’água. A Tabela 4.1 indica as áreas correspondentes a cada uso
do solo na bacia, conforme a classificação adotada pela Prefeitura Municipal de São Paulo.

Tabela: 4.1 - Usos do solo na bacia do Jaguaré.

Tabela 4.1 - Usos do Solo na Bacia do Jaguaré


Usos do solo Área (km²) % Área
Res i denci a l 10,37 36,6
Área Verde 8,59 30,3
Vi á ri o 3,55 12,5
Comérci o e Servi ço 2,91 10,3
Indus tri a l 2,14 7,6
Fa vel a 0,68 2,4
Ma s s a d'á gua 0,09 0,3
TOTAL 28,34 100

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.

Na metodologia selecionada, o uso residencial foi subdividido e classificado em


horizontal/vertical e baixo/médio e alto padrão. As áreas de ocupação informal foram
classificadas como favelas. O comércio e serviço foram divididos em área edificada, relativo
à edificação, e área pavimentada, referente aos estacionamentos e pátios associados. O uso
industrial seguiu o critério de área edificada e pavimentada e as áreas verdes foram
classificadas em áreas verdes preservadas, praças e áreas verdes associadas aos usos
comércio e serviço, industrial, residencial, viário e ainda à faixa de domínio da linha de
transmissão de energia em alta tensão.
Do ponto de vista dos ambientes construídos, a bacia do Jaguaré possui diversos tipos
de uso do solo, com distintas densidades e diferentes tipologias, resultando em uma paisagem
indistinta, na qual se misturam atividades industriais, habitações unifamiliares, edifícios
residências, favelas e grandes estruturas rodoviárias. Há também uma grande parcela de
Espaços Abertos, que são áreas potenciais para a aplicação de medidas destinadas à
225

melhoria ambiental da bacia. Muitos desses espaços são grandes extensões de áreas verdes,
com distribuição aleatória no território, sem critérios urbanísticos ou de proteção dos recursos
hídricos. Trata-se de características de áreas residuais “verdes”, que ainda não foram
ocupadas, localizadas nas franjas da expansão da metrópole, e sujeitas à ocupação por novos
empreendimentos urbanos, assim como por novas ocupações irregulares (Figura 4.10).
A partir da base gerada pelo Mapa de Caracterização do Uso do Solo, foram
selecionados os Espaços Abertos da Bacia. Tais espaços, por seu caráter “não ocupado por
edificação”, foram classificados como “Abertos”, podendo, potencialmente, ser utilizados para
as instalações de diferentes medidas combinadas de sistemas de controle de drenagem,
como os dispositivos e soluções LID, que caracterizam o urbanismo sustentável.
Os Espaços Abertos somam 49% da área total da bacia, o que chama a atenção,
considerando-se que se trata de uma região completamente urbana do município de São
Paulo. Dentre as áreas mais expressivas, estão as Áreas Verdes Livres, com 26%, seguidas
do sistema composto pelas Vias, com 12%, e de grandes Áreas Pavimentadas ou Verdes
associadas a Comércio e Serviços, com aproximadamente 4% cada uma, o que se deve
principalmente à existência de indústrias e de grandes glebas de Comércio e Serviços na
Bacia. No que toca às Áreas Verdes associadas a Comércio e Serviços, deve-se
principalmente à presença do campus da Universidade de São Paulo, que possui extensas
áreas permeáveis ocupadas por vegetação. A proporção de cada tipologia de Espaço Aberto,
em relação à área total da Bacia, é apresentada no Gráfico 4.1.

Gráfico: 4.1 - Classificação dos espaços abertos na bacia do Jaguaré.

Espaço não
aberto
Parques

Comércio e
Serviços
Verde
Viário
Verde
Industrial

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


226

Figura: 4.10 - Espaços abertos na bacia do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


227

Ainda que na região exista uma alta porcentagem de Espaços Abertos, mais da
metade deles não é elegível para a aplicação de dispositivos LID, pois muitas das Áreas
Verdes Livres da bacia são áreas de proteção ambiental ou estão cobertas por vegetação
densa. Em uma situação como essa, não se justifica a instalação de tecnologias LID, pois as
referidas áreas já contam com ecossistemas que devem ser protegidos por exercerem
funções ambientais.
Mesmo assim, a identificação dessas áreas é de extrema relevância, para que se
possa propor estratégias capazes de criar conexões territoriais a fim de configurar corredores
verdes de múltiplos usos e funções, articulando seus serviços ambientais com outras áreas,
como também oferecer oportunidades de usos como os de lazer, de circulação de pedestres
e de bicicletas e relacionados à macrodrenagem ao longo das vias, como os Parques Lineares
associados à macrodrenagem. Tais parques, além de desempenharem a função de
amortecimento do escoamento superficial pela preservação, possuem grande potencial para
a distribuição de intervenções de controle de drenagem. Trata-se, portanto, de uma
abordagem sistêmica, com o objetivo de estabelecer maior equilíbrio hidrológico urbano,
promover a qualidade da água e maior integração urbanística do elemento água na cidade.
Foram também elaborados mapas com as características de uso do solo organizados
por grupos de atividades -residencial, comercial e industrial - considerando os usos
predominantes existentes como mostra a Figura 4.11, e não, necessariamente, as
determinações do zoneamento vigente. Essa cartografia revela a predominância do uso
residencial que caracteriza os bairros que surgiram no entorno das áreas centrais
especialmente a partir dos anos 1970 e 1980, como vimos nos estudos da evolução da
urbanização da bacia do Jaguaré. O mapa mostra ainda as áreas verdes de forma genérica
para espacialização das informações que apresentaram os gráficos expostos acima.
Com relação às tipologias construtivas o mapa da Figura 4.12 revela maior diversidade
associando-as também a padrões construtivos. No grupo de uso residencial há uma variação
em relação as tipologias residenciais em consequência das características das edificações,
organizadas como horizontais ou verticais e de acordo com os padrões organizados como
padrão baixo ou médio-alto. Ainda dentro do grupo de uso residencial estão grafadas também
as favelas e assentamentos precários. Com relação às atividades de Comércio e Serviço o
mapa revela esse uso associando sua tipologia às características de impermeabilização do
solo de suas áreas distinguindo áreas pavimentadas (e, portanto, geradoras de volumes
maiores de escoamento pluvial); aplicando-se o mesmo critério para registro das áreas
verdes, aqui nessa cartografia apresentadas com maior detalhamento. Essas especificações
foram importantes para fundamentar os estudos hidrológicos elaborados pela equipe de
pesquisadores do Projeto Jaguaré.
228

Figura: 4.11 - Uso e ocupação do solo na bacia do córrego Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


229

Essa pesquisa elaborou um levantamento detalhado dos focos de ocupações


irregulares, valendo-se de análises de fotos de satélite e por meio de visitas à Bacia, e
verificou naquele período uma tendência a novas ocupações. Mas, ao mesmo tempo,
reconhecia que a nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), também
conhecida como nova Lei do Zoneamento, impactaria na ampliação e no adensamento das
ocupações regulares.
Havia uma previsão de ampliação de 85% das Zonas de Habitação de Interesse Social
destinadas à produção de moradia em todo o Município de São Paulo, o que resultou, na área
da Bacia do Jaguaré, na indicação de muitas glebas definidas como Zona Especial de
Interesse Social dos tipos ZEIS-1, ZEIS-2, ZEIS-3 e ZEIS-5. A espacialização dessas áreas
na Bacia do Jaguaré pode ser vista na Figura 4.12.
Entretanto, algumas dessas novas ZEIS foram demarcadas em áreas até então
consideradas de preservação ou de interesse ambiental, o que, além de aumentar a pressão
sobre as estruturas de drenagem e de saneamento, concorre para o agravo da degradação
da qualidade da água dos córregos da Bacia.
A Figura 4.13 indica que não são poucas as áreas de ZEIS na bacia do Jaguaré
demarcadas em conflito com áreas de preservação. Trata-se do quadro recorrente de conflitos
socioambientais, com a implantação de assentamentos precários em áreas ambientalmente
frágeis. Alinhar e ajustar esses conflitos é um dos maiores desafios enfrentados pelos
gestores nas cidades brasileiras.
Os problemas acarretados por tal situação se refletem na necessidade de ações de
proteção das populações residentes nos assentamentos em foco, mediante riscos geológicos
e hidrológicos, e na necessidade de implantação de infraestrutura ambiental para garantir
salubridade e segurança aos moradores e para controlar a qualidade das águas na bacia.
Para espacializar com mais detalhes essas situações de risco geológico o autor elaborou a
cartografia exposta na figura 4.14 a partir dos registros existentes no Mapa Digital da Cidade.
O subcapítulo a seguir tratará das questões do saneamento ambiental na bacia do
Jaguaré. Como se poderá constatar, algumas dessas áreas ficam expostas a inundações e a
riscos de escorregamento e erosão. Em virtude de estas serem áreas de alta densidade,
concorrem para o aumento do escorrimento superficial o que, por consequência, eleva os
riscos geológicos e hidrológicos aos quais são sujeitas tais populações.
230

Figura: 4.12 - Uso e ocupação do solo por tipologias e padrão na bacia do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


231

Figura: 4.13 - Conflitos em áreas de ZEIS E áreas verdes.

Fonte: FCTH (2016).


232

Figura: 4.14 - Mapa de favelas, áreas de risco geológico.

Fonte: MDC/Geosampa, dez. 2020. Elaborado pelo autor.


233

4.3.2 Componentes das infraestruturas: Infraestrutura de saneamento ambiental

O Sistema de Esgotamento Sanitário da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)


é composto por um Sistema Principal, com cinco grandes estações de tratamento de esgotos
e outros 23 sistemas isolados de tratamento de esgoto, em relação ao Sistema Principal. A
bacia hidrográfica do córrego Jaguaré pertence ao sistema Barueri e é nomeada como bacia
de Esgotamento PI-01, gerenciada pela Unidade de Negócios Oeste da Sabesp.
O planejamento dos serviços de esgotamento sanitário da Região Metropolitana de
São Paulo foi apresentado no Plano Diretor de Esgoto – PDE 2010 da SABESP, tendo como
meta a universalização do serviço de esgotos nas áreas sob sua responsabilidade
operacional.
O PDE 2010 foi desenvolvido levando em conta o conceito de integração do Sistema
Principal e as especificidades dos Sistemas Isolados de esgotos da RMSP, tendo como
horizonte o ano de 2030. Considerou a possibilidade de dois cenários distintos de
universalização, quais sejam:
A fase atual se refere à otimização para a ainda insuficiente universalização dos
serviços de coleta e tratamento, sendo que o conceito de universalização adotado é o de
coletar, no mínimo, 90% dos domicílios, e tratar 100% das vazões coletadas. Para tanto, foram
consideradas medidas como a ampliação dos sistemas já implantados e a implantação de
Programas Estruturantes, como o Projeto Tietê – 3ª e 4ª Etapas e o Programa Córrego Limpo,
no caso da área da Bacia do Jaguaré.
Um marco importante para o tratamento das cargas pontuais na RMSP foi realizado
em 1993, quando a poluição do rio Tietê entrou na agenda da opinião pública e ganhou força
junto ao Governo do Estado que, por meio da SABESP, estruturou os projetos e o
financiamento do Projeto Tietê.
O Projeto Tietê foi dividido em quatro etapas, sendo elas:
1ª Etapa (1992-1998) – Estruturação do Sistema Principal de Esgotos da RMSP. Principais
Ações:
Duplicação da capacidade de tratamento de esgotos: Construção de 3 ETEs – ABC,
Parque Novo Mundo e São Miguel – e Ampliação da ETE Barueri.
Ampliação do sistema de coleta e afastamento de esgotos: 352 km de interceptores e
coletores tronco, 1.500 km de redes coletoras, 250 mil ligações domiciliares.
2ª Etapa (2000 – 2008) – Complementação do Sistema Principal de Esgotos da RMSP
(Pinheiros-Billings) com o objetivo de ampliar e otimizar o sistema de coleta e transporte, para
a utilização plena da capacidade instalada de tratamento. Principais Ações:
234

Ampliação do sistema de coleta e afastamento de esgotos: 198 km de interceptores e


coletores tronco, 1.400 km de redes coletoras, 290.000 ligações de esgoto.
3ª Etapa (2009-2016) – Complementação do Sistema Principal e Ampliação dos Sistemas
Isolados de Esgotos da RMSP. Principais Ações:
Ampliação do sistema de coleta e afastamento de esgotos: 302 km de interceptores e
coletores tronco, 240 km de redes coletoras, 400.000 ligações de esgoto.
4ª Etapa – Universalização da Coleta e do Tratamento de Esgotos da Região Metropolitana
de São Paulo (ainda em projeto e estudos para o financiamento dos investimentos
necessários).

A 3ª Etapa do projeto Tietê não foi concluída conforme a previsão, em grande parte
em função da crise hídrica enfrentada pela RMSP no período de 2014-2016, quando as obras
de implantação do sistema de coleta foram paralisadas e todas as ações da concessionária
se voltaram para suprir as falhas e insuficiências identificadas no sistema de abastecimento
público da região.
Na bacia do córrego do Jaguaré, como em outras, também houve atraso, em função
da paralização, pela prefeitura municipal, das obras de urbanização de áreas de favelas, que
estavam previstas nos planos presentes nos Anexos do Contrato de Concessão, assim como
foram frustradas as expectativas de obtenção de recursos federais do PAC para sub-bacias
importantes, como a do córrego da Água Podre.
Na bacia do córrego do Jaguaré, extensos coletores destinados a levar os esgotos das
áreas de expansão urbana de montante para tratamento, ainda estão pendentes, à espera da
4ª Etapa do projeto Tietê, não contando, ainda, com projetos, orçamentos e previsão de aporte
de recursos (Tabela 4.2).
A bacia conta com 35 sub-bacias de esgotamento (Figura 4.15), o que, de modo geral
oferece uma boa cobertura para a coleta de esgotos, restando apenas algumas áreas
grafadas no mapa da Figura 4.16 sem coleta, em sua grande maioria onde se localizam as
favelas.
235

Figura: 4.15 - Sub-bacias de esgotamento do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


236

Figura: 4.16 - Caracterização das áreas de coleta de esgotamento do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


237

Tabela: 4.2 - Dados de atendimento de coleta de esgotos.

População inserida nas três categorias de atendimento de


coleta de esgoto (2015)
Área População (2015)
Com coleta e com ligação ao coleto-tronco 88.308
Com coleta e sem ligação ao coletor-tronco 132.223
Sem coleta 41.443
Total Geral 261.974
Fonte: SABESP (2015).

Os problemas verificados, que resultam em falhas importantes no sistema de


afastamento dos esgotos gerados na bacia, são decorrentes de um conjunto de circunstâncias
que devem ser identificadas caso a caso: a ausência de coletor tronco; a descontinuidade de
coletor tronco existente; a falta de ligação entre a rede coletora e o coletor tronco existente;
unidades geradoras de esgoto não conectadas à rede existente e ainda interferências entre
drenagem e rede coletora, causadas por obras executadas de forma inadequada, seja pela
Prefeitura, seja pela SABESP, seja ainda por terceiros.
Os resíduos sólidos constituem um dos maiores desafios com os quais se defronta a
sociedade e a Administração Pública, para o equacionamento dos problemas ambientais que
implicam em má qualidade de vida urbana e na degradação de ecossistemas. Os desafios
abrangem diversos aspectos e resultam em disparidade entre a geração excessiva e a
insuficiente coleta e disposição final dos resíduos sólidos gerados.
A geração de resíduos sólidos está associada ao crescimento demográfico, às
características socioeconômicas da população e ao desenvolvimento da região. Sua redução
depende de campanhas educacionais, de incentivos financeiros e de fiscalização e na
ausência destes e de outros mecanismos de política pública. A geração de resíduos vem
crescendo de forma importante no município.
Os volumes gerados são expressivos e de diversas origens (Tabela 4.3). Segundo
dados disponíveis no site do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Cidade de
São Paulo (PGIRS, 2014), em 2018 (medições parciais feitas até o mês de junho de 2018),
de acordo com o tipo de coleta, foram gerados e coletados:
a) 2.136.740 toneladas de resíduos domiciliares;
b) 6.184 toneladas de coleta seletiva;
238

c) 6.203 toneladas de varrição;


d) 594 toneladas de bocas de lobo e bueiros.

Tabela: 4.3 - Coleta de resíduos sólidos no município de São Paulo.

Dados quantitativos da Coleta de Resíduos Sólidos em São Paulo (em toneladas)


Tipo de coleta/resíduo 2013 2014 2015 2016 2017 *2018
Coleta domiciliar 3.831.455 3.802.244 3.787.691 3.585.349 3.682.260 2.136.740
Coleta seletiva 66.439 65.833 86.684 84.657 87.921 38.427
Varrição 118.347 113.510 106.422 91.833 93.208 45.302
Bocas de lobo e bueiros 7.955 9.517 10.060 12.469 12.431 4.802

OBS. * Os quantitativos do ano de 2018 disponíveis no site do PGIRS são parciais e mostram até o
mês de Junho desse ano
Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo.

São significativos os impactos urbanos do descarte irregular de resíduos sólidos:


reduzem a eficiência do sistema de drenagem devido ao entupimento de bocas de lobo,
galerias e corpos d’água durante os eventos de chuva e degradam a paisagem e a qualidade
do meio ambiente urbano. Indicam falhas, da parte da Prefeitura, no controle dos resultados
do contrato de concessão dos serviços de limpeza pública e evidenciam a falta de consciência
ambiental e de compromisso social de moradores e de empresas da região.

A Figura 4.17 mostram as rotas da coleta domiciliar concentrada na porção média e em


parte da porção alta da bacia, exatamente onde predomina o uso residencial. A Figura 4.18,
por sua vez, mostra a rota da coleta seletiva bastante restrita as áreas industriais situadas na
porção baixa da bacia, ao longo da avenida Escola Politécnica e em um faixa situada a oeste
da bacia já nos limites da bacia. E, por fim, a Figura 4.19 mostra a localização de Ecopontos e
contêineres para depósito dos resíduos sólidos, próximos as favelas, sendo que alguns são
mostrados como desativados segundo os levantamentos da pesquisa Projeto Jaguaré feito em
2016.
239

Figura: 4.17 - Rota de coleta de resíduos na bacia do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016).


240

Figura: 4.18 - Áreas de cobertura de coleta seletiva.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


241

Figura: 4.19 - Contêineres e Ecopontos.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


242

O sistema de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas é composto por um


conjunto de obras, equipamentos, serviços, legislações e medidas não estruturais que visam
ao controle e ao tratamento das águas. Tem por objetivo prevenir os danos causados pelas
inundações urbanas (enxurradas, alagamentos, solapamento de margens e deslizamentos) e
o usufruto das águas pelos moradores das cidades. O sistema de drenagem e manejo de
águas pluviais também deve agir na prevenção da contaminação das águas, seja por resíduos
sólidos, por poluição difusa ou pelo lançamento de esgotos sanitários que, eventualmente,
possam ocorrer no sistema de drenagem.
Regulamentada pela Lei Federal No 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (BRASIL, 2007),
a drenagem e o manejo de águas pluviais urbanas compõem-se do conjunto de atividades,
infraestruturas e instalações, de transporte, detenção ou retenção, tratamento e disposição
final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas.
Esse sistema guarda forte relação com os demais serviços de saneamento básico,
pois os danos causados pelas inundações tornam-se mais ou menos graves,
proporcionalmente à eficiência dos outros serviços de saneamento, assim como as
possibilidades de usos múltiplos das águas, previstos na legislação, têm como condicionante
a qualidade das águas. Águas poluídas por esgoto ou resíduos sólidos, na ocorrência de
inundações, aumentam os riscos de doenças graves, piorando as condições ambientais e a
qualidade de vida das pessoas.
O sistema de drenagem é parte de um conjunto de melhoramentos públicos de uma
área urbana, que compreende também as redes de água, esgoto sanitário, cabos elétricos e
telefônicos, a malha viária, dentre outros (FCTH, 1999), sendo que o sistema de drenagem
possui algumas particularidades importantes relacionadas a seguir:
O escoamento das águas pluviais acontece mesmo que não exista um sistema de
drenagem adequado. Em outras palavras, a inexistência ou o mau funcionamento do sistema
fará com que as águas da chuva se acumulem ou escoem pelas superfícies urbanas,
ocasionando os alagamentos e enxurradas; a má qualidade, ou má gestão, dos demais
serviços de saneamento pode condicionar os usos múltiplos, assim como onera e prejudica o
desempenho da drenagem, que passa a receber resíduos e efluentes, não tendo sido
concebida para tal. Mas nem sempre condiciona o controle de inundações, que é apenas um
dos objetivos do sistema de drenagem urbano.
A rede de drenagem existente na Bacia do Jaguaré é composta por canais abertos,
galerias fechadas e pelo conjunto de dispositivos que compõem a rede de micro drenagem
(pavimentos das ruas, guias e sarjetas, bocas de lobo e galerias de pequenas dimensões).
A rede de drenagem principal, ou de macrodrenagem, é composta pelos córregos
Jaguaré e Itaim. As Figuras 4.20 e 4.21 apresentam as dimensões da rede principal, com
243

informações baseadas em cadastros georreferenciados existentes na SMSO/PMSP,


complementados com levantamentos topográficos realizados em campo.
Além do cadastro da rede principal de macrodrenagem, o cadastro disponível na
SMSO/PMSP também contempla os dispositivos de micro drenagem e as galerias de menor
dimensão. Esse cadastro representa boa parte dos dispositivos existentes na bacia.
As características da ocupação da bacia hidrográfica influem diretamente nas taxas de
infiltração, resultando no que a hidrologia chama de “chuva excedente”, que produz a vazão
dos cursos d’água. Além das citadas, as características fisiográficas da bacia, tais como área
drenada, declividade e forma, grau de intervenções no sistema de drenagem natural, canais,
galerias, reservatórios de detenção, eventuais captações e outras determinam a velocidade
com que a água se concentra em uma determinada seção do curso d’água. Esse processo
interfere na magnitude das vazões durante as chuvas intensas.
O Projeto do Jaguaré realizou um estudo hidrológico com uma análise das
precipitações ocorridas na Bacia do Jaguaré, a partir dos registros dos postos da rede
telemétrica do Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo (SAISP), dos dados gerados
pelo radar e das “chuvas de projeto”. Foram analisados também os parâmetros do
escoamento superficial por sub-bacia de drenagem, utilizando-se um método para o cálculo
da infiltração desenvolvido pelo Soil Conservation Service dos EUA, chamado CN (Curve
Number); a impermeabilização atual e a impermeabilização máxima permitida, segundo a
atual LPUOS.
A definição dos parâmetros do CN é determinada pela tipologia hidrológica do solo da
bacia em análise. A Figura 4.22 mostra as tipologias das bacias hidrológicas que compõem a
Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, onde se vê que a bacia do Jaguaré é classificada como de
padrão C50.

50 Os solos podem ser classificados de acordo com suas propriedades hidrológicas se considerado
independentemente da cobertura e da declividade da bacia (Ogrosky e Mockus, 1964 apud Sartori
2004) e são divididos por grupos: Grupo A: solos com baixo potencial de escoamento, contendo alta
taxa de infiltração uniforme consistindo principalmente de areias ou cascalhos, ambos profundos e
excessivamente drenados. Estes solos têm uma alta taxa de transmissão de água (*taxa mínima de
infiltração: > 7,62 mm/h). Grupo_B: solos contendo moderada taxa de infiltração quando consistindo
principalmente de solos moderadamente profundos, a bem drenados, com textura moderadamente fina
a moderadamente grossa. Estes solos possuem uma moderada taxa de transmissão de água (*taxa
mínima de infiltração: 3,81-7,62 mm/h). Grupo_C: solos contendo baixa taxa de infiltração quando,
principalmente com camadas que dificultam o movimento da água através das camadas superiores
para as inferiores, ou com textura moderadamente fina e baixa taxa de infiltração. Estes solos têm uma
baixa taxa de transmissão de água (*taxa mínima de infiltração: 1,27-3,81 mm/h). Grupo_D: solos que
possuem alto potencial de escoamento, principalmente solos argilosos com alto potencial de expansão.
Pertencem a este grupo, solos com uma grande permanência do lençol freático, solos com argila dura
ou camadas de argila próxima da superfície e expansivos agindo como materiais impermeabilizantes
próximos da superfície. Estes solos têm uma taxa muito baixa de transmissão de água (*taxa mínima
de infiltração: 0-1,27 mm/h).
244

Figura: 4.20 - Macrodrenagem do córrego Jaguaré – Trecho Superior.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


245

Figura: 4.21 - Macrodrenagem do córrego Jaguaré - Trecho Inferior.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


246

Figura: 4.22 - Mapa das tipologias hidrológicas do solo na bacia do Alto Tietê (BAT).

Fonte: FUSP, PBAT 2009 (apud FCTH,2016). Modificado pelo autor.


247

O estudo do escoamento superficial decorre da análise de fatores que influenciam a


sua geração. Características climáticas, físicas e de uso e ocupação do solo são fundamentais
para o conhecimento do processo de formação do escoamento superficial. Para as análises
hidrológicas, hidráulicas e de qualidade da água no Projeto Jaguaré, foi feita uma nova divisão
de sub-bacias levando em consideração, além dos principais afluentes, as áreas de planície
aluvial (Figura 4.22). Essas áreas de planícies são caracterizadas por regiões de fundo de
vale com baixa declividade e nível de água do lençol quase aflorante. O escoamento nessas
áreas é difuso, ou seja, não possui um talvegue definido. Essa nova divisão gerou 46 sub-
bacias. A Tabela 4.4 apresenta as áreas das sub-bacias de escoamento indicadas na Figura
4.23.
Tabela: 4.4 - Sub-bacias do Córrego Jaguaré.

As 46 sub-bacias do córrego Jaguaré


Sub-bacias da Sub-bacias da
Área (km²) Área (km²)
margem esquerda margem direita
JD01 1,56 JE01 2,34
JD02 1,64 JE02 1,92
JD03 1,98 JE03 2,64
JD04 0,41 JE04 0,99
JD04-PA 0,11 JE04-PA 0,03
JD05 0,3 JE05 0,12
JD05-PA 0,04 JE05-PA 0,01
JD06 0,09 JE06 0,37
JD06-PA 0,02 JE06-PA 0,05
JD07 1,1 JE07 0,54
JD07-PA 0,12 JE07-PA 0,04
JD08 1,27 JE08 0,27
JD08-PA 0,1 JE08-PA 0,04
JD09 0,82 JE09 0,39
JD09-PA 0,09 JE09-PA 0,02
JD10 0,72 JE10 0,35
JD10-PA 0,09 JE10-PA 0,01
JD11 1,31 JE11 0,34
JD11-PA 0,14 JE11-PA 0,02
JD12 0,88 JE12 1,52
JD12-PA 0,16 JE12-PA 0,03
JD13 0,58 JE13 0,69
Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.
248

Figura: 4.23 - Sub-bacias do Jaguaré. Escoamento superficial.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


249

O tipo e a cobertura do solo são duas variáveis determinantes na avaliação da


capacidade de infiltração e de retenção das águas do escoamento superficial em uma bacia
hidrográfica. O Serviço de Conservação do Solo (SCS), órgão do Departamento de Agricultura
dos Estados Unidos da América (USDA) para essa finalidade, desenvolveu um parâmetro
denominado Curve Number (CN), que se vale de dados de chuva e de vazão, bastante
utilizado para medir pequenas bacias, com o apoio de dados que podem ser derivados de
sensoriamento remoto e Sistemas de Informação Geográfica (SOARES et al, 2014).
O mapeamento do CN da bacia do Jaguaré foi realizado a partir de sua constituição
geológica. Assim, foram identificados os litotipos mais significativos sob o ponto de vista
hidráulico-hidrológico. Esse índice varia de 0 a 100, sendo que os valores próximos de zero
indicam que a bacia submetida à precipitação intensa gera pouco escoamento superficial. Os
valores próximos de 100, por seu turno, indicam que a bacia, se submetida à mesma
precipitação, produzirá elevados volumes de escoamento superficial (FCTH, 2016). De acordo
com estudos da Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), apresentados no
Plano da Bacia do Alto Tietê 2009 (apud FCTH, 2016), adotou-se a tipologia hidrológica do
solo tipo C, para a bacia do Jaguaré, cujos valores de CN estão expressos na Tabela 4.5.
O registro da apuração do escoamento superficial e a definição dos valores de CN
para a bacia do Jaguaré, a pesquisa do FCTH (2016) foi apresentada por sub-bacias dos
contribuintes conforme mostra a Figura 4.24.
A solicitação do sistema de drenagem se dá fundamentalmente durante e após a
ocorrência de um evento chuvoso. A intensidade da solicitação também é dependente da
intensidade e da duração da chuva.
Problemas de inundação e alagamentos ocorrem na bacia, durante eventos extremos,
causados pelo excesso de escoamento superficial, agravado pela impermeabilização da
bacia, pela retificação e canalização dos córregos, pela ocupação irregular das margens dos
córregos e pela obstrução do sistema de drenagem por conta do acúmulo de resíduos,
sedimentos e por interferências diversas.
A pesquisa do Projeto da Bacia do Jaguaré identificou seis locais críticos suscetíveis
a inundações, que foram severamente atingidos pelas chuvas que ocorreram no período
chuvoso de dezembro de 2015 a março de 2016. Os pontos identificados fazem parte das
microbacias dos córregos Itaim, Jacarezinho e Jaguaré
250

.
Tabela: 4.5 – Valores de CN / Classificação hidrológica dos solos

Valores de CN adotados em função do uso do solo – Classificação hidrológica dos solos

Uso do solo CN (grupo hidrológico do solo - Tipo C)

Residencial 90
Área Verde 74
Viário e Áreas pavimentadas 98
Comércio e Serviço 94
Industrial 91
Favela 90
Massa d'água 98

Fonte: FCTH, 2016. Modificado pelo autor.

Alagamentos pontuais são observados também em outros locais da bacia, onde foram
constatados problemas na manutenção do sistema de micro drenagem. Os problemas
estavam relacionados à insuficiência do sistema ou mesmo pela falta de manutenção, como
limpeza de bocas-de-lobo ou de leão e desobstrução das galerias de pequenas dimensões.
O mapa contendo os registros das inundações na bacia é apresentado na Figura 4.25.
Tais registros referem-se às medições feitas pelo FCTH no período descrito anteriormente.
Nesta pesquisa, foram analisadas as possíveis causas desses episódios, e não de eventos
mais atuais, devido à ausência de registros acessíveis da Defesa Civil do Município, conforme
o relatado no Capítulo 2.
Observa-se que as inundações ocorrem principalmente ao longo dos córregos Jaguaré e
Itaim. No Jaguaré, os registros de 2015 revelam que os trechos do Córrego Jaguaré em que
ocorreram inundações correspondem ao encontro de alguns de seus contribuintes – e suas
respectivas sub-bacias – como a confluência com o Córrego Jardim Centenário (JD-09); o trecho
entre as confluências dos Córregos Água Podre (JD-08) e Sapé (JD-07 PA) e a foz do Córrego
Jacarezinho (JD-03). Todos são afluentes da margem direita do Jaguaré, onde o relevo apresenta
características de vales fluviais com menores declividades, portanto, mais suscetíveis às enchentes.
Na região da cabeceira da bacia houve também registros de inundação nos principais cursos
d’água: no Córrego Jaguaré (JD-01) e no Itaim (JE-01), sendo que, nesses trechos, por se tratar de
áreas protegidas, há baixa densidade, com expressiva presença de vegetação preservada.
251

Figura: 4.24 - CN (Curve Number) por tipologia de uso do solo na bacia do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


252

Figura: 4.25 - Áreas de Inundação.

Fonte: FCTH (2016).


253

Do ponto de vista do uso do solo e suas respectivas CN, predomina, nessas sub-
bacias, o uso residencial com densidade baixa, com tipologias unifamiliares dispostas em
lotes individuais, com pouca presença de áreas verdes arborizadas, sendo que ao longo do
Córrego Jacarezinho há um assentamento precário (favela). Os valores predominantes
apurados por sub-bacias correspondem às recomendações adotadas pela pesquisa do FCTH,
que teve como fonte o documento TR-55 Urban Hydrology for Small Watersheds (1986),
adotado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
A tabela 4.6 traz um levantamento comparativo entre os parâmetros recomendados e
os valores de CN apurados pelo FCTH (2016) nas sub-bacias em que ocorreram as
inundações em 2015. O que se observa é que pelas características hidrológicas e pelo uso
de solo predominante, os índices do escoamento superficial estavam adequados na maior
parte das sub-bacias analisadas. As sub-bacias JD-09 e JD-07 PA registraram um índice
ligeiramente acima do recomendado, o que pode indicar que o solo esteja com um grau de
impermeabilização acima do aceitável. Por outro lado, o CN da sub-bacia JE-01 mostra
vantagens por estar abaixo das médias recomendáveis.

Tabela: 4.6 - Comparativo CN recomendado e apurado nas sub-bacias em que ocorreram


inundações.

Valores de CN apurados por sub-bacias do Córrego Jaguaré nas áreas com eventos de inundação

CN
(recomendado
Sub-bacias Uso predominante do solo por grupo CN (médio)
hidrológico do
solo - Tipo C)
Córrego Jd Centenário (JD-09) Residencial baixa densidade 90 91
Córrego Água Podre (JD-08) Residencial baixa densidade 90 89
Córrego Sapé (JD-07 PA) Residencial baixa densidade 90 91
Córrego Jacarezinho (JD-03) Favela 90 88
Córrego Jaguaré (JD-01) Residencial baixa densidade/área verde 90 88
Córrego Itaim (JE-01) Residencial baixa densidade/área verde 90 82

Fonte: FCTH (2016). Adaptado pelo autor.

Outro ponto importante é avaliar quais são os parâmetros de zoneamento e de uso do


solo e os percentuais mínimos de permeabilidade determinados pelos planos e pelas
legislações em vigor nessas regiões. A Figura 4.26 traz a medição do CN da bacia por
tipologias e usos determinados por quadras.
254

Os estudos do FCTH (2016) apontavam que, de acordo com a Lei nº 16.402/2016


(LPUOS), que estabelece as taxas de permeabilidade mínima para todo o município, de modo
geral, na bacia do Jaguaré seria permitido um aumento significativo da parcela de área
impermeável, o que acarretaria “implicações urbanísticas, hidrológicas e ambientais
importantes” (Idem, vol. 1, final 1, p.141). O mapa da Figura 4.27 mostra um quadro geral das
taxas de impermeabilização máxima permitida por lote, de acordo com a legislação em vigor.
Observa-se que na porção média da bacia, onde ocorreram os registros de inundação, os
índices máximos permitidos estão na faixa de 90,1 % a 100% da área do lote. Nas áreas de
cabeceira, os índices variam de 35,1% a 80% da área do lote.
O que se pode inferir é que as legislações vigentes (PDE/LUOS), que deveriam
disciplinar e controlar as taxas de permeabilidade, inversamente, ao considerarem a
possibilidade de ampliação da impermeabilização na área da bacia, podem acarretar o
aumento dos volumes de escoamento superficial, gerando mais eventos de inundação.
Ainda em relação às inundações, outro estudo elaborado pelo FCTH (2016), relevante
para este trabalho, versa sobre as projeções dos grandes eventos representados pelas
chamadas “chuvas de projeto”. Trata-se da simulação de precipitação construída
artificialmente, que se apoia nas estatísticas da chuva natural e em parâmetros de resposta
da bacia hidrográfica, em face de suas características hidrológicas e de ocupação do solo51.
Essa hipótese se fundamenta no fato de que as enchentes ocorrem quando existe uma
elevada intensidade de precipitação em curto período e pode ser demonstrado quando o pico
do escoamento superficial de toda a área de drenagem contribui para um ponto em questão.
Os estudos hidrológicos reconhecem que toda intervenção no meio físico de um
ambiente está sujeita a um risco de falha, portanto, intervenções relacionadas ao controle de
cheias e à drenagem urbana estão sujeitas a falhas decorrentes da aleatoriedade das
precipitações. Adotar um risco aceitável é uma tarefa de grande importância, o que coloca em
questão a escolha adequada do período de retorno, conhecido como Tempo de Retorno (Tr)
das precipitações.

51 As precipitações de projeto são determinadas a partir de relações intensidade-duração-frequência


(IDF) das chuvas na bacia contribuinte. As IDFs fornecem a intensidade da precipitação para qualquer
duração e período de retorno. A altura de precipitação pode ser obtida pela multiplicação da intensidade
fornecida pela IDF pela sua correspondente duração. As chuvas intensas na Bacia do Jaguaré foram
estimadas através da equação IDF de São Paulo, ajustada para o posto do Centro Tecnológico de
Hidráulica (CTH) (FCHT, 2016, vol.1, final 1, p. 131).
255

Figura: 4.26 - CN - (Curve Number) por tipologia de uso do solo na bacia do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


256

Figura: 4.27 - Mapa de permeabilidade na bacia do Jaguaré.


257

No caso de estudos e projetos de drenagem, quando se trata de obras estruturais,


adotam-se como critérios períodos de retorno baixos, de 2 a 10 anos para as obras de micro
drenagem, pois eventuais danos decorrentes de falha são localizados e de menor magnitude.
Para obras de macrodrenagem, como canais, córregos, rios de médio e grande porte e
reservatórios de detenção que apresentam riscos maiores, adotam-se períodos de retorno
entre 25 e 50 anos, pois uma falha pode resultar em inundações de edificações, interrupção
de tráfego, proliferação de doenças de veiculação hídrica etc. Em relação às regiões para as
quais se preveem prejuízos de alta magnitude, como rodovias, grandes corredores de tráfego
ou áreas vitais para a dinâmica da cidade, sugere-se adotar um período de retorno de 100
anos. Para áreas estratégicas, onde se localizam instalações e edificações como hospitais,
bombeiros, polícia, centros de controle de emergências, recomenda-se a escolha do período
de retorno de 500 anos. Por fim, para as situações em que haja risco de perda de vidas
humanas, o período mínimo de retorno deve ser de 100 anos (SMDU, 2012).
O Manual de Drenagem do município de São Paulo (2012) recomenda um zoneamento
para áreas de várzeas e áreas ribeirinhas, onde ocorram inundações com frequência, que se
adote um Tr entre 2 e 10 anos e se restrinja os usos do solo nessas faixas inundáveis, tais
como parques, jardins, quadras esportivas etc. Para o caso de faixas inundáveis para
recorrências maiores (Tr entre 25 e 100 anos), recomenda-se que poderiam ser ocupadas por
clubes, instalações institucionais e habitações adaptadas ao alagamento (pilotis) e outras
soluções, conforme apresenta de forma sintética a tabela 4.7

Tabela: 4.7 - Zoneamento para áreas inundáveis.

Recomendações de zoneamento para faixas inundáveis em várzeas e áreas


ribeirinhas

Faixas inundáveis Tr

Parques, jardins, quadras esportivas etc. 2 a 10

Clubes, instalações institucionais, edificações sobre pilotis etc. 25 a 100

Fonte: SMDU, 2012. Modificado pelo autor.

O Projeto Jaguaré adotou o Tr 100 para a elaboração de estudos e na proposição de


cenários para intervenções em uma bacia-piloto com elementos de infraestrutura verde (LID)
e desenho ambiental. Para tal, elaborou um mapa de inundação com esse tempo de retorno,
258

que revela a extensão das manchas de inundação para esse evento. A figura 4.28 apresenta
as imagens dessa cartografia. Vê-se que as manchas de inundação seguem pelo talvegue do
Córrego Jaguaré, nas porções baixa e média da bacia, e se estendem para os vales dos
córregos Itaim e Jaguaré, nas cabeceiras. Alguns dos afluentes da margem direita, onde se
observaram inundações no período de 2015, também seriam afetados e apenas um dos
afluentes da margem direita na porção média da bacia. O uso da TR 100 será abordado no
subcapítulo 4.2 em estudos que serão apresentados para recomendações de um zoneamento
da bacia do Jaguaré com vistas à sua resiliência em episódios de inundações.
As análises expostas evidenciam os conflitos presentes na bacia do Jaguaré, entre a
urbanização e as dinâmicas ambientais que se configuraram, desde a formação das primeiras
ocupações, conforme o conteúdo do próximo subcapítulo, que trará a evolução da
urbanização da bacia do Jaguaré.
É fato que a execução de avenidas de fundo de vale (av. Escola Politécnica)
condicionou a expansão da urbanização e provocou alterações em suas dinâmicas
hidrológicas, ao canalizar o Córrego Jaguaré. A urbanização e a consequente
impermeabilização do solo, somada à remoção das áreas de vegetação, aumentaram os
volumes de escoamento superficial e acentuaram os problemas de inundações, como
revelaram os estudos feitos pelo FCTH de acordo com os parâmetros CN.
Por outro lado, conforme o demonstrado, mesmo as legislações mais recentes, que
procuravam controlar a impermeabilização da bacia, não lograram êxito, induzindo a uma
ampliação do processo de impermeabilização.
Os conflitos existentes entre os assentamentos precários e as áreas ribeirinhas ou
áreas de vegetação e proteção também seguiram uma rota de conflitos, que a demarcação
das ZEIS não pode atender, nem do ponto de vista de proteção, segurança e garantia de
qualidade urbana para essas populações, nem para a preservação dos recursos naturais.
Quanto aos sistemas de saneamento ambiental, persistem falhas importantes no
sistema de afastamento dos esgotos, nas interferências entre drenagem e rede coletora de
esgotos e, principalmente, na gestão dos resíduos sólidos, que enfrentam a geração
excessiva, a coleta insuficiente e a disposição final inadequada dos resíduos sólidos gerados.
Somados, esses problemas impactam na ocorrência de inundações e alagamentos,
causados pelo excesso de escoamento superficial decorrente da impermeabilização da bacia,
pela retificação e canalização e redução das vazões dos córregos, pela ocupação irregular
das margens inundáveis e pela obstrução do sistema de drenagem por conta do acúmulo de
resíduos e sedimentos. Assim, novamente vem à tona o questionamento a respeito do modelo
de urbanização de ocupações de fundo de vale adotado, sobre o qual este trabalho tem
evidenciado criticamente no correr de seu desenvolvimento.
259

Figura: 4.28 - Áreas de inundação para um TR 100 anos.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


260

Ressalta-se, porém, a existência, na bacia do Jaguaré, de um estoque de espaços


abertos, de maciços de vegetação preservados, de trechos relativamente extensos de leitos
abertos e naturais de seu sistema hídrico e de seus trechos de cabeceiras com mananciais
bastante íntegros, o que possibilita a implantação de soluções urbanísticas e de recuperação
ambiental que, somados a uma rede de infraestrutura bastante consolidada, permitem que se
vislumbre possibilidades de sua recuperação socioambiental.
As análises apresentadas, relativas à urbanização da bacia do Jaguaré, apontaram
caminhos para o aprofundamento desta pesquisa, especificamente em relação a dois
aspectos: a questão primordial do modelo urbanísticos de ocupação de fundo de vale e a
influência das normas, legislações e planos urbanísticos nesse processo. Essas duas
abordagens serão tratadas a seguir.

4.3.3 Componentes políticos institucionais: os planos e projetos para a bacia


hidrográfica do córrego Jaguaré; o PDE 2014, o Plano Regional Estratégico do Butantã
e os programas Córrego Limpo e Urbanização de Favelas

As diretrizes para o zoneamento da bacia do Jaguaré se inserem no contexto do Plano


Regional Estratégico das Prefeituras Regionais Butantã e Lapa, importantes documentos
advindos do Plano Diretor Estratégico – PDE (Lei 16.050/2014). A Figura 4.29 mostra o
mosaico de zonas determinadas no perímetro da bacia.
O PDE orienta o planejamento urbano municipal e seus objetivos, suas diretrizes e
prioridades devem ser respeitados, dentre outros, pela Lei de Parcelamento, Uso e
Ocupação do Solo, Planos das Prefeituras Regionais, Planos de Bairros, planos
setoriais de políticas urbano-ambientais e demais normas correlatas.
O PDE divide o território do município de São Paulo em duas macrozonas: a
macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana e a Macrozona de Recuperação Ambiental,
cada uma subdividida em quatro Macroáreas. As Macroáreas se caracterizam por áreas
homogêneas, que orientam os objetivos específicos de desenvolvimento urbano e a aplicação
dos instrumentos urbanísticos e ambientais (Figura 4.30)
As porções média e baixa da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré situam-se na
Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, enquanto a região da cabeceira encontra-
se dentro do limite da Macrozona de Recuperação Ambiental.
No âmbito da Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, os objetivos do
planejamento são: a promoção da convivência mais equilibrada entre a urbanização e a
conservação ambiental; a compatibilização do uso e ocupação do solo, com a oferta de
261

sistemas de transporte coletivo e de infraestrutura para os serviços públicos; a redução das


situações de vulnerabilidades urbanas; a diminuição das desigualdades na oferta e
distribuição dos serviços e a manutenção, proteção e requalificação das zonas
exclusivamente residenciais.
Já a Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental tem, dentre seus objetivos a
conservação e a recuperação dos serviços ambientais existentes, especialmente aqueles
relacionados com a produção da água, a biodiversidade, a proteção do solo e a regulação
climática (Figura 4.29).
O PDE dá diretrizes para a legislação de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo –
LPUOS para atender aos objetivos e diretrizes estabelecidos pelo Plano para as macrozonas,
Macroáreas e rede de estruturação da transformação urbana. Atendendo a essas diretrizes,
foi sancionada, no dia 22 de março de 2016, a nova Lei de Zoneamento (Lei 16.402/2016).
De acordo com a nova Lei de Zoneamento, as zonas foram organizadas em 3 diferentes
agrupamentos:

a) territórios de transformação: objetivam a promoção do adensamento


construtivo e populacional das atividades econômicas e dos serviços públicos, a diversificação
de atividades e a qualificação paisagística dos espaços públicos de forma a adequar o uso do
solo à oferta de transporte público coletivo (formados pelas zonas: ZEU | ZEUP | ZEM |
ZEMP);
b) territórios de qualificação: buscam a manutenção de usos não residenciais
existentes, o fomento às atividades produtivas, a diversificação de usos ou o adensamento
populacional moderado, a depender das diferentes localidades que constituem esses
territórios (formados pelas zonas: ZOE | ZPI | ZDE | ZEIS | ZM | ZCOR | ZC);
c) territórios de preservação: áreas em que se objetiva a preservação de bairros
consolidados de baixas e médias densidades, de conjuntos urbanos específicos e territórios
destinados à promoção de atividades econômicas sustentáveis conjugadas com a
preservação ambiental, além da preservação cultural (formados pelas zonas: ZEPEC | ZEP |
ZEPAM | ZPDS | ZER | ZPR). (Quadro 4.2).

A partir das zonas de uso são estabelecidos valores limites para a taxa de
permeabilidade mínima (Lei 16.402/2016), possibilitando a formulação de um cenário futuro
de impermeabilização, ou seja, a situação máxima permitida por lei. O resultado dessa análise
é apresentado no Mapa de Impermeabilização Permitida, tratando-se de um dado
fundamental para a construção de cenários voltados para intervenções na bacia (Figura 4.30).
262

Quadro: 4.1 - Áreas correspondentes às zonas e a ocupação na bacia do Jaguaré.

Quadro 4.4 - Áreas correspondentes às zonas de uso e ocupação do solo na bacia


ZonasC4:I11C4:I12I7C4:I10 Sigla Área (%) Descrição da Zona
Zona Mista ZM 21,98 Porções do território localizadas na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana
Zona Mista Ambiental ZMa 20,08 Porções do território localizadas na Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental,
com parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo compatíveis com as diretrizes
da referida macrozona.
Zonas de Ocupação Especial ZOE 11,96 Porções do território que, por suas características específicas, necessitem de disciplina
especial de parcelamento, uso e ocupação do solo.
Zona Centralidade ZC 5,96 Porções do território localizadas na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana
com atividades de abrangência regional
Zona Especial de Interesse Social 1 ZEIS-1 5,75 Áreas caracterizadas pela presença de favelas, loteamentos irregulares e
empreendimentos habitacionais de interesse social e assentamentos habitacionais
populares, tendo como objetivo manter a população moradora e promover a
regularização fundiária e urbanística, arecupe ração ambiental e a produção de Habitação
de Interesse Social
Zona Especial de Preservação Ambiental ZEPAM 5,34 Porções do território do Município destinadas à preservação e proteção do patrimônio
ambiental, que têm como principais atributos remanescentes de Mata Atlântica e outras
formações de vegetação nativa, arborização de relevância ambiental, vegetação
significativa, alto índice de permeabilidade e existência de nascentes, incluindo os
parques urbanos existentes e planejados e os parques naturais planejados, que prestam
relevantes serviços ambientais, entre os quais a conservação da biodiversidade, o
controle de processos erosivos e de inundação, a produção de água e a regulação
Zona Predominantemente Industrial 1 ZPI-1 5,3 microclimática.
Áreas destinadas à maior diversificação de usos não residenciais, localizadas na
Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana
Zona Exclusivamente Residencial 1 ZER-1 4,14 Áreas destinadas exclusivamente ao uso residencial com predominância de lotes de
médio porte
Zona Centralidade Ambiental ZCa 3,64 Porções do território localizadas na Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental
com atividades de abrangência regional
Zona de Desenvolvimento Econômico 2 ZDE-2 3,48 Áreas que apresentam atividades produtivas de grande porte e vocação para a instalação
de novas atividades de alta intensidade de conhecimento em tecnologia, além de usos
residenciais e comerciais
Zona Especial de Interesse Social 5 ZEIS-5 3,43 Lotes ou conjunto de lotes, preferencialmente vazios situados em áreas dotadas de
serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas, onde haja interesse privado em
produzir empreendimentos habitacionais de mercado
Praça e Canteiro - 3,1 -
Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.
263

Figura: 4.29 - Zoneamento na bacia do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


.
264

Figura: 4.30 - Macroáreas de planejamento na bacia do Jaguaré.

Fonte: FCTH (2016). Modificado pelo autor.


265

O Plano Regional do Butantã52 (Decreto Municipal Nº 57.537 de 16 de dezembro de


2016), ao qual a gestão do território da bacia do Jaguaré é subordinada, determinou
perímetros de ação e um plano de metas para o biênio 2019/2020.
A proposição de diretrizes se apoiou em uma descrição do território do Butantã,
distribuídos em cinco distritos (Butantã, Morumbi, Raposo Tavares, Rio Pequeno e Vila Sônia)
descritos a partir da premissa da mobilidade, observando que 14,7% de seu sistema viário,
classificado como estrutural, tem a maioria das vias orientadas no sentido nordeste-sudoeste,
e poucas no sentido norte-sul, destacando-se a Rodovia Raposo Tavares (SP 270) e a
Avenida Francisco Morato.
A questão da água é apontada em seguida, na descrição do potencial hídrico da região
para a implantação de parques lineares destinados a promover a recuperação da qualidade
de suas águas, e a infraestrutura de saneamento é apontada como prioritária, com a
necessidade de ampliação da rede de coleta de esgoto e a implantação de coletores-tronco
(São Paulo, 2020).
O Plano destaca os principais desafios a serem enfrentados, tais como: atender à
moradia de forma integrada, com as políticas ambientais e habitacionais; melhorar a
mobilidade urbana e a conexão de seus sistemas de transporte; qualificar e ampliar a estrutura
ciclo viária; melhorar o sistema viário; qualificar as áreas de centralidades e as áreas de
concentração de comércio e serviços; compatibilizar soluções de habitação de interesse
social, com a preservação ambiental nas áreas com alta vulnerabilidade social, e questões
relativas à regularização fundiária e à provisão habitacional.
Chama a atenção nesse mapa o fato de a configuração do eixo viário norte-sul,
representado pela Rodovia Raposo Tavares (SP 270), incorporar a avenida Escola
Politécnica, sem identificá-la. Mais do que um lapso, parece revelador do caráter prioritário
dado ao sistema viário, como elemento urbanístico de planejamento e intervenção neste
trabalho, na macro escala, lembrando que entre as duas pistas dessa avenida corre o córrego
Jaguaré canalizado e, em alguns trechos, coberto.
Quando se analisa o detalhamento das propostas em uma escala mais próxima do local,
no entanto, as prioridades parecem ser outras e mais coerentes com os objetivos descritos
pelo plano de ação preliminar 53, submetido a consultas populares. Divididas em perímetros

52 Elaborado pelas equipes da SMDU, com apoio da UNESCO, os Planos Regionais da PMSP têm
seus aspectos territoriais determinados por uma Rede de Estruturação Local, composta por Perímetros
de Ação, que são porções do território destinadas ao desenvolvimento urbano local, mediante
integração de políticas e investimentos públicos, caracterizados a partir da articulação dos elementos
locais nos sistemas urbanos e ambientais, nos termos do Plano Diretor Estratégico (São Paulo, 2020).
53 São esses os objetivos relacionados no documento preliminar apresentado, referentes ao perímetro

do Rio Pequeno, que corresponde aos trechos baixo e médio da bacia do Jaguaré: atender à demanda
por equipamentos e serviços públicos sociais, de cultura e de lazer e esportes; a população em
situação de vulnerabilidade social, especialmente a população em situação de rua e em áreas de risco;
266

de ação (Figura 4.31), as propostas localizam as intervenções por quadras, destacando sua
natureza de acordo com os setores correspondentes (esportes, educação, infraestrutura etc.)
articulados pelo sistema viário que, nessa escala, se configura o elemento de integração
dessas intervenções. Aproximam-se, de certa maneira, de um zoneamento específico, no
qual os elementos urbanísticos e ambientais aparecem conectados, de acordo com a Figura
4.32, que reproduz o mapa de intervenções do perímetro Rio Pequeno, localizado no
perímetro da bacia do Jaguaré.
Essas propostas foram submetidas a consultas em audiências públicas e incorporaram
recomendações técnicas de departamentos da prefeitura. As prioridades determinadas
constam de documento datado de Setembro de 2020 e relacionam as seguintes ações: a
resolução das questões habitacionais, em especial da população em áreas de risco geológico,
e a implantação de HIS nas áreas demarcadas como ZEIS-1; a solução dos problemas do
saneamento ambiental articulado com o Plano Municipal de Saneamento Básico e o Plano de
Investimentos da SABESP; a implementação de medidas estruturais e não estruturais para o
controle de enchentes e alagamentos, com a implantação dos Parques Lineares Sarah e Água
Podre (Esmeralda); a oferta de assistência social para a população vulnerável e o
equacionamento dos problemas de conectividade intra e interbairros, além de acessibilidade.
Essa versão final do Plano de Ação da Subprefeitura Butantã visa a nortear a aplicação
do investimento público municipal para a implementação de ações e de atividades prioritárias,
de modo articulado no espaço urbano, com a participação, o conhecimento e o controle dos
conselhos participativos e da sociedade civil organizada.
Dessa forma, esse Plano é articulado ao processo orçamentário da cidade de São Paulo
e ao Programa de Metas 2019-2020 e associado aos fundos municipais, Fundo de
Desenvolvimento Urbano – FUNDURB e Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e
Infraestrutura – FMSAI.
Trata-se de um desafio que persiste na gestão pública, pois ações de alcance tão
amplos e distintos como as propostas desse plano de ação, exigem uma abordagem sistêmica
e uma coordenação forte frente à fragmentação do modelo de gestão setorial que predomina
em nossas cidades.

promover ações indutoras do desenvolvimento econômico local, com estímulo ao comércio e serviços
locais; qualificar os espaços livres públicos e áreas de lazer; atender à demanda por espaços livres
públicos de lazer e esporte e qualificar os parques existentes; promover a conservação das paisagens
e do patrimônio; estimular a atividade agrícola de baixo impacto ambiental e promover a recuperação
e a conservação ambiental das áreas verdes; solucionar os problemas de saneamento ambiental, em
especial o abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais (drenagem) e
controle de vetores (mosquitos etc.); promover a coleta e a destinação de resíduos sólidos, de acordo
com o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Cidade de São Paulo – PGIRS; melhorar a
acessibilidade e mobilidade local; promover o atendimento habitacional e a regularização fundiária e
melhorar a segurança pública local (São Paulo, SMDU, 2016).
267

Figura: 4.31 - Perímetros de Ação da Prefeitura Regional do Butantã

Fonte: São Paulo/SMDU (2020). Modificado pelo autor.


268

Figura: 4.32 - Perímetros de Ação Rio Pequeno (ID 212) Prefeitura Regional do Butantã.

Fonte: São Paulo/SMDU (2016). Modificado pelo autor.


269

A região do Butantã foi também contemplada com programas específicos. Dois desses
programas merecem destaque neste trabalho por enfrentarem, conjuntamente a degradação
ambiental e o déficit habitacional, com a provisão de moradias em áreas ambientalmente
frágeis: o Programa Córrego Limpo e o Programa de Urbanização de Favelas.
O Programa Córrego Limpo foi criado em 2007 como resultado de uma parceria entre
o Governo do Estado e a Prefeitura de São Paulo e adota paradigmas substancialmente
diferentes dos tradicionais, visando justamente a mudar a atual situação de degradação dos
córregos da Capital. O Programa tem como objetivo a despoluição dos córregos do Município
de São Paulo e vem sendo desenvolvido por meio de um conjunto de ações de aprimoramento
dos sistemas de esgotamento sanitário do entorno dos corpos hídricos.
Por meio de intervenções urbanísticas e da implantação de redes de coleta de esgotos,
o Programa alcançou a revitalização de mais de uma centena de córregos, cujo foco está na
pequena escala, por meio da implantação completa das redes em cada sub-bacia, no manejo
e na manutenção da rede, das áreas necessárias para sua implantação, dos córregos e em
pequenas obras localizadas. Assim, o Córrego Limpo se diferencia do Projeto Tietê, cujo foco
é estrutural, com grandes obras de redes, sistemas de bombeamento e Estações de
Tratamento de Esgotos (ETEs).
O Programa é de suma importância para as questões de manejo das águas pluviais urbanas,
pois trata da remoção da carga poluente do sistema de drenagem, dado que, supostamente,
drenagem e esgotamento sejam sistemas totalmente separados.
A qualidade da água dos córregos interfere muito nas condições de saúde e
saneamento da região, principalmente na ocorrência de inundações, quando as águas da
chuva se misturam a esgotos não tratados, agravando os riscos e danos aos moradores das
áreas atingidas. Os córregos que correm abertos no território da cidade ou que despejam suas
águas em lagos dos parques urbanos foram priorizados para serem objeto de intervenção.
A Sabesp faz mapeamentos, inspeções e manutenções dos coletores de esgoto,
conexões dos domicílios, monitoramento da qualidade das águas e conscientização da
população sobre a importância de se preservar os córregos.
A Prefeitura, por sua vez, se responsabiliza pela remoção de moradores irregulares no
entorno de córregos, alojando essa população em locais adequados, permitindo a instalação
das redes de coleta, a limpeza do leito e das margens dos córregos (corte de mato e retirada
de entulho), a manutenção de galerias pluviais e bocas de lobo e a fiscalização de imóveis
que não estejam conectados às redes coletoras.
O Programa tem também um compromisso com a conscientização e a educação
ambiental da população diretamente beneficiada, um fator fundamental para a consolidação
dos resultados até então obtidos. Conforme se pôde observar nos Estudos de Caso, a
mobilização e a participação da sociedade são fundamentais para o sucesso dessas ações.
270

Para a completa e permanente despoluição dos córregos, a parceria com a sociedade


é considerada um pacto socioambiental que acompanha a execução do Programa Córrego
Limpo e que deve ter continuidade e permanência, com um trabalho de orientação e educação
dirigido à população, para resgatar a importância do córrego para a região como um espaço
vivo, que promova a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Nove das sub-bacias hidrográficas da bacia do Jaguaré se inserem no Programa
Córrego Limpo que, por meio de monitoramento, avaliou a situação na qual se encontra cada
uma das sub-bacias quanto à implantação de obras e à média da Demanda Bioquímica de
Oxigênio – DBO, que é um indicador da presença de matéria orgânica na água. Tais valores
representam a média dos resultados do monitoramento ocorrido no período de
dezembro/2013 a dezembro/2015 pela Sabesp.
As ligações clandestinas de esgotos lançados nas redes de drenagem ou diretamente
dos cursos d’água, nas áreas hoje ocupadas irregularmente, estão geralmente localizadas ao
longo de córregos, de suas várzeas e dos anfiteatros formados pelas nascentes, e deve-se,
em grande parte, aos conflitos e incongruências entre as políticas habitacionais e de proteção
ambiental e das águas e à ausência de estratégias de ação por parte do Poder Público.
Conforme o exposto no capítulo 3, a promulgação do Estatuto da Cidade, no ano 2000,
influenciou a concepção do Plano Diretor Estratégico da cidade (Lei Municipal nº 13.430/02),
com a delimitação de ZEIS e a regulamentação de instrumentos urbanísticos para a
manutenção do direito à cidade e à moradia. Porém, ainda antes da publicação do PDE 2002,
a prefeitura de São Paulo lançou, em 2001, o “Programa Bairro Legal”, que adotava como
conceito” ações integradas de qualificação habitacional, urbana – com Disponível em aos
serviços e equipamentos sociais e a criação de áreas verdes e de lazer – e regularização
fundiária” (PMSP, 2004).
Samora (2009 apud Brandão 2016) aponta que foram vinte e uma intervenções
promovidas pelo programa, beneficiando 50 mil pessoas, especialmente dentre as maiores
favelas de São Paulo contempladas: Heliópolis e Paraisópolis. Indica também que ao término
da gestão o programa firmou os contratos e licitações referentes, porém avançando pouco na
execução da maioria de suas obras. Uma das obras que seguiram em frente localizava-se na
Favela do Sapé, situada na bacia do Jaguaré.
Concebida como um projeto de urbanização, as obras foram executadas e concluídas
apenas anos depois, quando ocorreu uma reformulação do programa em 2005, com
alterações significativas relacionadas desde à tipologia dos edifícios empregada nos
remanejamentos até ao desenho urbanístico das vias e dos equipamentos de serviços e lazer.
Essa obra foi então incorporada ao Programa de Urbanização de Favelas em 2008,
justamente após eventos de grandes enchentes que atingiram sua população. A obra foi
licitada em 2010 e ainda está em execução atualmente.
271

O conceito, o partido geral da urbanização da favela do Sapé, segundo seus autores54,


é “a costura urbana entre as duas margens do córrego a partir do desenho de espaços
públicos”, integrando obras de infraestrutura e desenho urbano e ambiental e habitações, o
projeto investiu na melhoria da mobilidade urbana e na qualidade ambiental. Trata-se de um
projeto referencial sobre essas questões e de muito interesse para o tema desta pesquisa,
por integrar ações de recuperação ambiental com obras de drenagem e saneamento e com a
criação de espaços livres e públicos executados em harmonia com as características
fisiográficas e hidrológicas da região.
O programa promoveu a redução de riscos e de impactos, ao adotar como referência
o projeto de drenagem implantado pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente a montante do
córrego e desenvolver a geometria das seções do canal fluvial respeitando a topografia
original do leito, “sem alterar substancialmente as cotas de fundo e suas larguras, realizando
um desenho com várias seções hidráulicas (em T, mista e reta)” (Figura 4.33) e criando em
suas as margens áreas com caminhos arborizados, praças de encontro e atividades de lazer.
Aproximar as pessoas das águas foi uma decisão projetual (Figuras 4.34 a 4.36).

Figura: 4.33 - Corte Geral Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014.

Fonte: Vitruvius, 2015.

A condição para a aproximação das pessoas com as águas do córrego do Sapé era
sua limpeza e recuperação. Para tanto, o córrego foi incluído no programa de despoluição do
Córrego Limpo da Sabes, tendo sido executada, em 2009, a regularização de fontes de
poluição por lançamentos clandestinos de esgotos nas galerias de águas pluviais ou
diretamente nos cursos d’água, conforme consta em relatório datado de junho de 2019,
disponível no sítio da empresa.

54 Base 3 Arquitetos: Marina Grinover, Catherine Otondo e Jorge Pessoa (Vitruvius, 2015).
272

Figura: 4.34 - Vista do Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014.

Fonte: Vitruvius, 2015.

Figura: 4.35 - Vista do Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014.

Fonte: Vitruvius, 2015.


273

Figura: 4.36 - Reurbanização da Favela do Sapé, obra, Rio Pequeno, 2014.

Fonte: Vitruvius, 2015.

O programa também mantém um monitoramento da qualidade da água dos córregos


despoluídos desde julho de 2018 a junho de 2020. No mesmo sítio há um relatório que mostra
os níveis de Demanda Bioquímica de Oxigênio55 – DBO (mg/L), medidos mensalmente nos
córregos despoluídos. O Córrego do Sapé apresentou níveis baixos, com variações regulares
desde julho de 2018 a junho de 2020, à exceção dos meses de abril (90 mg/L), e novamente
em abril de 2020 (115 mg/L) quando apresentou picos superiores ao limite de 60 mg/L
determinado pela legislação.
Esse caso representa uma amostra da importância da articulação de programas de
diferentes setores em um mesmo território, como estratégia fundamental para o sucesso das
ações de recuperação socioambiental; porém, nem sempre essas experiências são exitosas.
Sobre o território dessas áreas ambientalmente frágeis, incidem legislações municipais
(como a Lei do Zoneamento e o Plano Diretor Estratégico) e leis federais (o Código de Águas
Brasileiro e o Código Florestal Brasileiro), influenciando nas questões do uso do solo urbano,

55 A Demanda Bioquímica de Oxigênio é o parâmetro mais empregado para medir a poluição; a


determinação de DBO é importante para se verificar a quantidade de oxigênio necessária para
estabilizar a matéria orgânica. Esse parâmetro é usado para estimar a carga orgânica dos efluentes e
dos recursos hídricos e, com estes valores, é possível calcular qual a necessidade de aeração
(oxigenação) para degradar essa matéria orgânica nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE’s). De
acordo com a legislação, a DBO máxima no esgoto deve ser de 60 mg/L. (Souzas, Liria. In:
https://mundoeducacao.uol.com.br/quimica/demanda-bioquimica-oxigenio.htm. Disponível em 21 out.
2020)
274

da proteção da vegetação ciliar, da impermeabilização do solo e do parcelamento do solo


municipal.
O caráter setorial presente nesses instrumentos legais, muitas vezes contraditórios, se
sobrepõe, criando dificuldades na implantação de ações e na fiscalização, favorecendo
irregularidades indiretamente. Outro aspecto relevante é a sucessão de legislações
municipais que proliferaram, em razão da ausência de definição específica para a
determinação dos limites das Áreas de Proteção Permanente (APP) em áreas urbanas, pois
o Código Florestal tratava das ocupações em áreas rurais.
Pode-se citar como exemplo a dificuldade de se verificar a legalidade de um imóvel
situado a menos de 30 metros de um corpo hídrico em área urbana. Para isso, é necessária
a constatação da época de sua construção para apurar as determinações das leis vigentes.
Considerando as constantes mudanças urbanísticas da cidade de São Paulo, talvez o
grande desafio resida em compatibilizar o uso do solo nas áreas urbanas já consolidadas à
legislação cambiante. Por longos anos discutiu-se se as APPs não cobertas por vegetação
nativa também deveriam ser objeto de proteção, sendo então essa situação regularizada pela
Medida Provisória 1.956-50 de 2000 e por meio da Medida Provisória 2.166-67 de 2001 e o
termo “Áreas de Preservação Permanente (APPs)” passou a ser adotado, ficando estipulado
não ser necessária a presença de vegetação nativa para que uma área seja considerada APP.
Ou seja, até aquele momento, apenas as florestas e demais formas de vegetação estavam
sob tutela dessa legislação. A partir da MP, passaram também a ser objeto de tutela os
espaços territoriais urbanos no entorno dos corpos d’água, com potenciais funções
ambientais, independentemente de estarem vegetados ou não.
No contexto urbano, áreas como a bacia do Jaguaré enfrentam o desafio de
equacionar demandas de ordem territorial e urbana, como a moradia, com demandas
ambientais que têm como objetivo a preservação e a recuperação dos recursos naturais e a
eliminação dos riscos e da vulnerabilidade. Essas áreas, por sua vez, se entrelaçam, exigindo
uma abordagem integrada das políticas públicas, o que, na maioria das vezes, não ocorre
(ALVIM; CASTRO, 2010).
Oliveira e Souza (2013) reconhecem o esforço do Plano Diretor em integrar a política
ambiental com a política urbana, no entanto, a setorialização da gestão e a fragmentação das
ações acabam por não conseguir promover a integração entre urbanização e meio ambiente.
Enquanto as políticas urbanas valorizam mais o aspecto imobiliário e a questão da habitação
para o mercado, as políticas ambientais têm seus espaços reduzidos e, muitas vezes, são
vistas como um obstáculo ao desenvolvimento, por promoverem a preservação e a
conservação dos recursos naturais.
Entretanto, o estabelecimento de uma transversalidade entre as propostas e as ações
das políticas ambientais com as demais exige mais do que apenas a redefinição dos
275

instrumentos de controle do solo urbano, como as que foram promovidas pelos marcos legais
da CF de 1988 e pelo Estatuto da Cidade.
Alvim et al (2019) destacam, como prioritárias, duas das quatro estratégias propostas
pelo documento “Cidades Sustentáveis”56, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente, as
quais remetem diretamente ao Plano Diretor: a. aperfeiçoar a regulação do uso e da ocupação
do solo urbano e promover o ordenamento do território, contribuindo para a melhoria das
condições de vida da população, considerando a promoção da equidade, eficiência e
qualidade ambiental; b. promover o desenvolvimento institucional e o fortalecimento da
capacidade de planejamento e gestão democrática da cidade, incorporando ao processo a
dimensão ambiental-urbana e assegurando a efetiva participação da sociedade.
Porém, não se pode relevar que a gestão ambiental deve considerar as bacias
hidrográficas como unidade, para as quais existe uma forte dependência de decisões que
cabem ao Estado ou a União. Ainda apresentam, como empecilho para gestão integrada, o
fato de, na maioria das vezes, seus limites extrapolarem os limites de um único município
(MARTINS, 2006).
No caso do Estado de São Paulo, a Política Estadual de Recursos Hídricos – Lei nº
7.663/1991 – e a Lei Estadual de Proteção e Recuperação dos Mananciais – Lei nº
9.866/1997–, legislações que incidem sobre os recursos hídricos e sobre as áreas que
protegem os mananciais estaduais de abastecimento de água, incorporam as bacias
hidrográficas como unidade de planejamento, gestão e intervenção. No entanto, os territórios
em que atuam são também orientados por outras legislações e políticas setoriais, definidas
nos distintos níveis de governo em que o Brasil se organiza (ALVIM, 2003; 2007).
Além dos desafios da gestão integrada das políticas públicas, entre os diferentes
setores das gestões municipais e da falta de integração no âmbito dos agentes públicos
estaduais ou federais, a fiscalização e o monitoramento dos processos de produção do
espaço urbano também ocorrem de forma precária em grandes áreas metropolitanas.
Não se pode ignorar que a produção desses espaços na metrópole se faz sob a égide
de imensas desigualdades sociais que, na ausência de subsídios adequados, em
consequência da incapacidade dos poderes públicos de estabelecerem integralmente a
infraestrutura em territórios passíveis de ocupação, a produção informal, e por vezes também
a formal, de habitações de baixa renda, se faz em espaços residuais ou de conservação

56O documento Cidades sustentáveis, elaborado pelo Consórcio Parceria 21, teve por objetivo geral
subsidiar a formulação da Agenda 21 brasileira, com propostas que introduziram a dimensão ambiental
nas políticas urbanas vigentes ou que venham a ser adotadas, respeitando-se as competências
constitucionais em todas as esferas de governo. Incorporou também os principais objetivos da Agenda
21 e da Agenda Habitat pertinentes ao tema tratado, particularmente os que se referem à promoção do
desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos (BEZERRA, M. do C. de L.; FERNANDES,
M. A. (Coord.), 2000).
276

ambiental, sem infraestrutura sanitária, arruamento, espaços institucionais, escolhidos pelo


critério de baixo preço da terra.
Tal conjunto de fatores deu margem à ocupação de áreas ambientalmente sensíveis
e de risco no ambiente urbano. Cabe lembrar, ao mesmo tempo, que também a ocupação de
APPs pela “cidade formal” para classes médias e altas foram, ao longo dos tempos,
sistematicamente precedida, ou acompanhada, pela eliminação das matas e das várzeas,
pela canalização dos rios e pelo o seu enterramento.

4.4 - Estudos cartográficos para fundamentar uma proposta de diretrizes de


zoneamento de risco e de adaptações em áreas de fundo de vale sujeitas a inundações
na bacia do Córrego Jaguaré

Partindo da premissa que os planos urbanos devem adotar parâmetros adequados às


características fisiográficas nas regiões de fundo de vale, como forma de solucionar os
conflitos decorrentes dos eventos de enchentes e que promovam a recuperação
socioambiental dessas áreas, esse subcapítulo pretende elaborar diretrizes de normas e
instrumentos que promovam as necessárias adaptações das estruturas urbanas existentes,
com vistas a reduzir os impactos e os prejuízos em áreas de inundação com urbanização
consolidada na bacia do Jaguaré.
Com base nos estudos hidrológicos da bacia do Jaguaré apresentados anteriormente,
pretende-se desenvolver uma análise detalhada nas áreas sujeitas a inundação,
considerando seus componentes urbanísticos e de infraestrutura, para apresentar diretrizes
de possíveis soluções que garantam segurança às estruturas urbanas e as edificações
existentes; adaptando-as ás características ambientais dessas áreas e identificando possíveis
conflitos ou a necessidade de adaptações das normas legais e dos planos urbanos vigentes.
Entende-se que, por serem inevitáveis esses conflitos demandam adaptações das
estruturas urbanas para o enfrentamento destes eventos. Inspirados nos estudos de caso
apresentados das cidades de Nova York e Blumenau que atuaram em áreas de urbanização
consolidada, as propostas têm como princípio evitar remoções; salvo em casos estritos de
risco à vida humana e à integridade dessas estruturas. Além das adaptações das edificações,
se pretende apresentar propostas de adaptação das estruturas urbanas – viárias e de
infraestrutura – que promova a requalificação ambiental e paisagísticas das áreas de fundo
de vale com benefícios socioambientais, a melhoria climática, a recuperação da flori fauna
ribeirinha, a redução dos volumes de escoamento superficial e das inundações. Para tanto,
na medida em que essas ações demandem suporte legal e normativo dos poderes públicos,
sugestões serão apresentadas.
277

Adota o pressuposto que as questões ambientais, decorrentes das urbanizações


requerem uma abordagem sistêmica, as diretrizes se fundamentam no conceito de
desenvolvimento sustentável e adotam como metodologia a organização dos dados a partir
da seleção de quatro dimensões da sustentabilidade ambiental urbana organizadas por meio
de componentes específicos e organizadas como: urbanística, infraestruturas e a dimensão
política. As informações levantadas serão cotejadas as características fisiográficas e
ambientais das áreas de estudo.
No grupo da dimensão urbanística foram considerados como componentes de
análise as características de uso e ocupação do solo que pela sua natureza exercem de
alguma forma impactos nas questões da drenagem e na qualidade das águas nas áreas de
fundo de vale. São eles: o traçado viário (ruas e calçadas e tipos de pavimentação); as
edificações considerando as características de sua implantação e a natureza das atividades
nelas desenvolvidas (uso e ocupação do solo); a existência ou ausência de arborização e
outros conjuntos de vegetação; as áreas livres como as praças e os jardins (públicos e
privados), os parques lineares e as Áreas de Proteção Permanente e as áreas de
vulnerabilidade geológica (encostas e barrancos).
No grupo da dimensão ambiental foram considerados os elementos naturais que
compõem o ambiente natural das áreas de fundo de vale, a constar os cursos d’água, seus
leitos e margens, a flori fauna fluvial em seus aspectos fisiográficos, considerando os
diferentes graus de antropização a que estão submetidos esses elementos pelo processo de
urbanização.
No grupo da dimensão das Infraestruturas foram considerados os elementos dos
sistemas básicos de saneamento ambiental (redes de suprimento de água e de coleta de
esgotos); os sistemas de drenagem e o sistema de coleta de resíduos sólidos e a varrição.
No grupo da dimensão político- institucional foram considerados como elementos
de análise os conjuntos de leis e normas que regulam as questões do uso do solo e do uso e
da conservação das águas, no âmbito das três instancias federativas. São eles o conjunto das
legislações federais e estaduais que regulam e protegem rios e cursos d’água e as áreas de
proteção (Código da Águas, Código Florestal), as normativas das agências federais e
estaduais (Agencia Nacional de Águas -ANA – e Agencia Reguladora de Saneamento e
Energia do estado de São Paulo – ARSESP) e as normas da companhias e autarquias que
operam os serviços de infraestrutura básica (Serviço Municipal de Águas e Esgotos – SEMAE
e Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP); sendo que no
tocante a essas leis e normas, as propostas visam definir as competências, principalmente no
que se refere a aplicação e fiscalização desse arcabouço legal.
278

Ainda se referem a dimensão política os planos e os programas no âmbito municipal


por estabelecerem, efetivamente, a implantação das ações das políticas públicas no território.
Nesse caso, as diretrizes pretendem superar fragilidades existentes nesses instrumentos
quanto a sua aplicação, subordinada ao um modelo de gestão setorizado e centralizado,
portanto, inadequado para o desenvolvimento de ações associadas a sustentabilidade
ambiental urbana. As propostas reconhecem como fundamentais o envolvimento e a
participação das populações das regiões afetadas como demonstram as pesquisas que
apoiaram esse trabalho elaboradas por Travassos (2010), Alvim (2019) e Alencar (2017).

A pesquisa reconhece a potencialidade de ação das equipes das Prefeituras


Regionais, dentro do modelo de gestão atual, com a possibilidade de criar o papel de um
Agente de Gestão Local, articulador das propostas no contexto das Secretarias Municipais,
da Câmara Municipal, das Operadoras dos Serviços Públicos para defesa dos interesses das
populações locais com as quais é capaz de dialogar por meio dos movimentos sociais.

Quanto aos movimentos sociais, estes devem estar mobilizados e articulados com os
agentes da gestão pública mencionados, para que suas demandas sejam levadas ao seu
destino e para que, ao mesmo tempo, acompanhem e fiscalizem a consolidação dos planos
e das políticas públicas nos territórios em que vivem. Para sintetizar esse quadro, foi
elaborado um gráfico com as atribuições e as relações existentes entre esses componentes
(Gráfico 4.2).
Os casos estudados revelaram a importância de se estabelecer regramentos
específicos para a urbanização em fundos de vale, para garantir qualidade de vida dos
moradores dessas regiões, de modo a reduzir ou eliminar vários problemas socioambientais.
Estes problemas estão relacionados à degradação da qualidade da água dos córregos,
decorrente da insuficiência do sistema de coleta e tratamento de esgoto e das cargas
poluidoras dispersas sobre a superfície da Bacia. Envolvem também problemas como
inundações e da gestão inadequada de resíduos sólidos e refletem quadros da distribuição
irregular das infraestruturas, como também do uso inadequado do solo.
Com relação a questão das inundações, essa pesquisa pretende propor diretrizes para
a elaboração de um zoneamento específico para áreas de fundo de vale sujeitas a
inundações, que permita orientar a expansão da ocupação e adequar a urbanização existente
às dinâmicas hidrológicas e às mudanças climáticas. Deverá considerar não apenas os
aspectos técnicos e ambientais, mas a questão social que representada pelos assentamentos
precários existentes nas faixas de proteção ambiental, garantindo sua permanência e evitando
remoções.
Adota como unidade de planejamento a bacia hidrográfica, considerando os diferentes
quadros do processo de urbanização, como os diferentes estágios de antropização de sua
279

fisiografia; e adota uma divisão territorial em três trechos da bacia, para as análises dessas
características. São eles: um trecho superior, um trecho intermediário e um trecho inferior,
considerados das nascentes próximo à divisa dos municípios de São Paulo e Osasco à
jusante na foz do Jaguaré no Rio Pinheiros.
Tendo as áreas de fundo de vale sujeitas a inundações como foco, inicialmente, serão
descritas as características fisiográficas em cada um dos três trechos. Posteriormente serão
analisados, os quadros da urbanização existente e as diretrizes do zoneamento vigente, com
vistas a definição de diretrizes especificas de cada uma dessas regiões, considerando como
objetivo principal a prevenção e o controle dos riscos e dos efeitos das inundações.
Foram adotados como recursos de análise a construção de cartografias temáticas com
base em dados de arquivos shape de estudos hidrológicos elaborados pela FCTH/USP,
gentilmente disponibilizados e, dados urbanísticos do acervo público disponível do mapa
digital da cidade (Geosampa), e construídas cartografias-base, sendo uma com as
características fisiográficas, constando as camadas do relevo, da hidrografia principal e do
perímetro da bacia de drenagem e, mostrando ainda a foz do Córrego Jaguaré no Rio
Pinheiros (Fig. 4.37). Os dados foram processados no software QGis nas bases SAD 69-96 e
SIRGAS. Essa cartografia revela, conforme já apresentado no subcapítulo anterior, como o
relevo da bacia é bastante variado, configurando-se de um solo escarpado na região da
cabeceira da bacia aos extensos vales fluviais de planície com pouca declividade situados a
jusante. Esse relevo determinou a configuração de um sistema hídrico de formato dendrítico
composto de pequenos vales que drenam toda a bacia em direção ao vale central no leito do
Córrego Jaguaré. Como veremos adiante, esse relevo determinou o tipo de urbanização que
se implantou nessa bacia.

Foi produzida uma segunda cartografia-base incorporando às camadas da estrutura


fisiográfica da bacia, as manchas de inundação de 100 anos e os logradouros (sistema viário
e as quadras geradas pelo parcelamento do solo) conforme mostra a figura 4.38. A escolha
dessa inundação como referência deve-se ao fato de representar o cenário de evento
extremo, de acordo com os estudos da FCTH. Essas manchas de inundação distribuem-se
pelo eixo central do fundo do vale nos leitos dos Córregos Jaguaré e Itaim, na região das
cabeceiras da bacia, acentuando-se a partir da porção central e atingindo grandes extensões
280

Gráfico: 4.2 - As dimensões da sustentabilidade urbana e seus componentes.

Fonte: Elaborado pelo autor.


281

quanto mais próximo da sua foz já no vale do Rio Pinheiros. Isso se explica pelo fato do Pinheiros
ser um rio de planície aluvionar e de primeira ordem com grandes extensões de várzeas e baixa
declividade tendo, portanto, grandes extensões de manchas nas faixas de inundação, que se
estendem e geram um impacto maior nas áreas a jusante da bacia do Jaguaré.
Para se compreender com mais precisão o alcance e os impactos dessas manchas de
inundação na urbanização, foi adotada uma divisão da extensão da bacia em três trechos, de modo
que permitisse a ampliação da escala para os estudos. Foram adotados como critérios para
determinação dos limites dessas três áreas as cotas topográficas, conforme a base da carta
topográfica obtida pelo Mapa Digital da Cidade e considerando ainda a unidade urbanística da
quadra como a menor unidade de referência. O objetivo foi determinar em cada um dos trechos
mostras dos diferentes padrões de urbanização conforme exposto na justificativa pela escolha
dessa bacia: áreas de preservação com baixa densidade com maiores rugosidades de relevo, áreas
de urbanização consolidada e média densidade e, áreas de baixa densidade e ocupadas por
instituições ou indústrias não trecho baixo da bacia próximo à foz no Rio Pinheiros.
Para a porção baixa, na cartografia, foram adotadas como limites as linhas das curvas
intermediárias, linhas 12 (Butantã) e 41 (Jaguaré), que se estendem até a foz do Jaguaré nas cotas
do vale do Rio Pinheiros. Para a porção média, a curva intermediária, linha 67 (Rio Pequeno). Para
a porção alta, foram adotadas a base SIRGAS e a curva intermediária, linha 65 (Raposo Tavares),
de acordo com os dados do MDC. Nessa carta foi inserida também a mancha da inundação de
projeto extrema de 100 anos (TR 100).
A partir da construção dessas bases foi elaborada uma carta analítica com os logradouros e
as áreas de risco geológico registradas no MDC (Fig. 4.39), para avaliar os graus de risco de
inundação na TR 100. Foram considerados como alto, médio e baixo risco e extensão em função
dos perímetros das manchas e das condições da urbanização em cada uma das três regiões
estudadas. Para permitir uma maior visualização das características fisiográficas e urbanísticas foi
adotada a escala 1/25.000 na região das nascentes (porção alta da bacia (Fig. 4.40).
A camada base com os logradouros foram acrescidas, as edificações para se compreender
melhor os impactos da inundação, as áreas verdes existentes na bacia e as áreas de risco geológico
(em vermelho na figura). A partir dessa base cartográfica, foram analisados, em cada um dos três
trechos, quadros dos impactos causados pela inundação sobre a urbanização e, selecionados de
cada trecho, um perímetro onde poderá ocorrer eventos extremos para servir como um recorte de
análise. O objetivo foi elaborar um estudo mais profundo e detalhado das relações entre os eventos
de inundação e as características desses quadros, adotando-se como parâmetros os elementos
relacionados nos três grupos das dimensões da sustentabilidade ambiental urbana propostos:
282

Figura: 4.37 - A bacia do córrego Jaguaré, o relevo, a hidrografia, e os vales fluviais.

Fonte: Elaborado pelo autor com dados do FCTH/USP e GEOSAMPA.


283

Figura: 4.38 - Os três trechos da bacia alta, média e baixa manchas de inundação e logradouros.

LEGENDA
PORÇÃO ALTA – VERDE AZULADO
PORÇÃO MÉDIA – VERDE CLARO
PORÇÃO BAIXA – VERDE ESCURO

Fonte: Elaborado pelo autor com dados do FCTH/USP e GEOSAMPA.


284

urbanístico, infraestrutura e política. Para isso as áreas dos perímetros desses


cenários serão ampliadas para cartografias com escalas de 1/10.000 a 1/5.000.
Esses três mapas compõem a base cartográficas para as análises sobre as quais
foram, espacializados os componentes dos grupos de elementos determinados em cada
grupo de dimensões da sustentabilidade ambiental, para se avaliar os impactos das
inundações no contexto dos trechos estudados, na escala 1/25.000.
Os estudos dos impactos das inundações adotaram como base a mancha de
inundação de 100 anos (TR 100) conforme proposto pelos estudos do FCTH e, a partir da
construção de cartografias das inundações, foram feitas aproximações das áreas afetadas
para se avaliar impactos e propor possíveis soluções. Para tal foram selecionados três trechos
afetados pela mancha da TR 100 em cada uma das três áreas da bacia: alta, média e baixa
(Figura 4.39).
O trecho da bacia alta onde se localizam as cabeceiras dos córregos Itaim e Jaguaré
é também onde estão as áreas de preservação e por onde passam a rodovia Raposo Tavares
(SP 270) e o rodoanel Mario Covas (SP 21).
O quadro que se apresenta no trecho da Bacia Alta pode ser classificado como Zona
de Risco Baixo. Trata-se das cabeceiras da bacia onde existem áreas de preservação com
vegetação arbórea, áreas livres com cobertura arbustiva em áreas declivosas e pouco
escoamento superficial. Do ponto de vista das infraestruturas viárias temos as rodovias
Raposo Tavares (SP 270) e um pequeno trecho do Rodoanel Mario Covas (SP 21) a avenida
Escola Politécnica que margeia o Córrego Jaguaré na configuração de avenida de fundo de
vale, determinam os principais fluxos da mobilidade sobre rodas no sentido Leste-Oeste e
orientaram a urbanização.
Com relação ao sistema de drenagem há a presença de alguns dos contribuintes do
Jaguaré nas duas margens que se encontram canalizados e parcialmente entubados sob
áreas de praças, especialmente nas regiões das fozes. Quanto à urbanização nas cotas mais
altas e próximas às divisas do município nas bordas das rodovias há um mosaico de conjuntos
habitacionais verticais, grandes barracões industriais e comerciais, alguns condomínios de
classe média e bairros residenciais de classe média composto de unidades unifamiliares em
lotes individuais característicos das Zonas Mistas determinadas pelo zoneamento. Em alguns
trechos nas bordas de grandes avenidas ou das áreas protegidas existem alguns
assentamentos precários.
285

Figura: 4.39 - Três trechos com logradouros, edificações, áreas verdes TR 100 anos, (em vermelho, áreas de risco geológico).

Elaborado pelo autor com dados do FCTH/USP e GEOSAMP.


286

Figura: 4.40 - Bacia alta, logradouros, edificações, áreas verdes TR 100 anos, (em vermelho, áreas de risco geológico). Esc. 1/25.000.

LEGENDA
EDIFICAÇÕES – CINZA
FAVELAS – AMARELO
RISCO GEOLÓGICO – VERMELHO
INUNDAÇÃO TR 100 - AZUL

Elaborado pelo autor com dados do FCTH/USP e GEOSAMPA


287

Por conter áreas protegidas, essa região de acordo com as normativas legais e as diretrizes
do PDE tem restrições de ocupação em cotas baixas e nas várzeas e áreas de barrancos; tem
controle da impermeabilização e do uso do solo. Essas proteções têm como objetivo garantir a
manutenção e recuperação de áreas vegetadas e de mata ciliar e as áreas de mananciais da bacia
do Jaguaré.
Foi elaborada uma cartografia ampliada (escala 1/10.000) para análise considerando os
componentes do Grupo Urbanístico a constar:
• o traçado viário (ruas e calçadas e tipos de pavimentação);
• as edificações considerando as características de sua implantação e a natureza das
atividades nelas desenvolvidas (uso e ocupação do solo);
• a existência ou ausência de arborização e outros conjuntos de vegetação; as áreas
livres como as praças e os jardins (públicos e privados),
• os parques lineares e as Áreas de Proteção Permanente e
• as áreas de vulnerabilidade geológica (encostas e barrancos

Disso resultou o mapa da Figura 4.41 que mostra os trechos ao longo do Córrego Itaim (ao
norte na imagem) um quadro de urbanização e ocupação de seus vales. Essa urbanização segue
o padrão de ocupação de baixa densidade construtiva e demográfica com predominância de uso
residencial em tipologias de casas unifamiliares térreas ou sobrados. O arruamento tem
pavimentação asfáltica com infraestrutura subterrânea, com calçadas pavimentadas. Pelo fato do
trecho nessa região do Córrego Jaguaré (ao sul na imagem) estar em áreas de proteção com
vegetação os impactos da inundação serão menores.
A confluência desses dois córregos acontece a aproximadamente 30 metros do ponto de
intersecção do Córrego Jaguaré com a rodovia Raposo Tavares (SP 270). Nesse trecho os leitos
foram canalizados para a travessia de suas águas sob esse trecho da rodovia, o que gera nesse
ponto um acúmulo de água, provocando uma grande mancha de inundação. Mas exatamente nesse
ponto, nem os vales do Jaguaré e nem o do Itaim apresentam ocupações notáveis, o que reduz os
impactos da inundação.
Porém o mesmo não acontece com o Córrego Jacarezinho, afluente da margem esquerda,
em praticamente toda sua extensão, como também na margem esquerda do Córrego Jaguaré, após
o cruzamento com a rodovia. Nesses trechos a urbanização consolidada exatamente estará sujeita
a graves impactos. Importante lembrar que essa área do Córrego Jacarezinho foi apontada como
um dos pontos de inundação pelos relatórios do FCTH e da Defesa Civil de São Paulo.
288

Outro ponto de inundação com alto impacto acontece no leito do Jaguaré no trecho a céu
aberto da Avenida Escola Politécnica correspondente aos pontos de descargas de quatro de seus
afluentes que tiveram suas sub bacias identificadas pelos estudos do FCTH como JD 04 e JD 05
pela margem direita, e mais dois afluentes pela margem esquerda identificados como J 04 (córrego
do Espanhol) e JE 05 (Figura 4.42). A topografia mostra revelo plano na margem direita e uma
encosta acentuada na margem esquerda, configurando um fundo de vale. Trata-se de área de
urbanização consolidada, situada nas bacias hidrográficas desses córregos, composta de
residências unifamiliares de padrão médio, térreas ou sobrados implantadas em loteamentos
dotados de infraestruturas urbanas que surgiram nos anos a partir dos anos 1970 como vimos no
subcapítulo anterior, com uma densidade populacional baixa.
Na margem direita, leito do córrego da bacia JD 04 tem boa parte canalizado e enterrado
sob as áreas urbanizadas da foz no córrego Jaguaré até o cruzamento com a avenida João José
Gomes, de onde segue a céu aberto por uma extensão de aproximadamente 500 metros com
maciços de cobertura arbórea em suas margens, sendo novamente canalizado e enterrado nas
proximidades de suas nascentes no eixo da rua Carlos Honório. Já o leito do córrego da bacia JD
05 está canalizado e enterrado num pequeno trecho de aproximadamente 65 metros a sua foz no
córrego Jaguaré, reaparecendo a céu aberto com canalização em margens.
Já na margem esquerda há um talude bastante acentuado e um desnível grande entre as
cotas altas e urbanizadas e o fundo do vale. Nas bordas da avenida Escola Politécnica nesse trecho
de talude há extensões de áreas verdes públicas arborizadas sem edificações, que face aos
acentuados declives não permitem muitas opções de uso e geram bastante energia ao escoamento
superficial do arruamento. Pela margem esquerda o córrego JE 04 tem canal aberto e protegido por
vegetação ciliar, sendo canalizado apenas nas proximidades da avenida Escola Politécnica quando
passa a ser enterrado até o ponto de descarga no canal do córrego Jaguaré. Já o córrego JE 05
encontra-se totalmente enterrado entre duas pistas da avenida Darcy Reis, desde a Praça Gerta de
Dannenberg, uma área densamente arborizada, onde provavelmente localizam-se as nascentes;
até a avenida Escola Politécnica.
A imagem da simulação da TR 100 mostra nesse trecho uma inundação com proporção
considerável que face às características geomorfológicas e da urbanização se acumulam e
avançam pela margem direita, favorecida com um relevo mais suave e ao mesmo tempo, onde
ocupação com residências e pequenos comércios, às margens da avenida Escola Politécnica,
gerando, portanto, uma situação de risco e prejuízos.
289

Figura: 4.41 - Detalhe TR 100 anos na confluência dos córregos Itaim e Jaguaré, com SP 270 e nas Avenidas Escola Politécnica e Benedito de Lima,
no trecho em que o córrego Jaguaré recebe o escoamento de quatro córregos nas duas margens (JE 04 e 05 e JD 04 e 05) identificados pelas setas
grandes. As setas pequenas mostram as áreas de encostas na margem esquerda. Esc. 1/10.000.

Elaborado pelo autor com dados do FCTH/USP e GEOSAMPA.


290

Figura: 4.42 - Localização da área de inundação do córrego Jaguaré nas Av. Politécnica e Av. Benedito de Lima, (foz dos córregos JD 05 e JD 06).
Esc. 1/10.000.

Elaborado pelo autor com dados do MDC/ Geosampa.


291

A urbanização, nesse trecho segue o padrão de ocupação de baixa densidade


construtiva e demográfica do trecho superior com predominância de uso residencial em lotes
individuais de pequenas dimensões e altas taxas de ocupação; e tipologias de casas
unifamiliares térreas ou sobrados. As ruas têm pavimentação asfáltica com infraestrutura
subterrânea e calçadas pavimentadas. Segundo os dados levantados pelo Projeto Jaguaré,
no trecho analisado, as redes de drenagem se distribuem de forma desigual, com maior
concentração na região da margem esquerda do Córrego Jaguaré, portanto, sendo reduzida
a avenida Escola Politécnica e nas áreas das cabeceiras dos córregos que formam as sub
bacias JD 04 e 05 e JE 04 e 05 investigadas. Levando em conta essas características da
urbanização, pode-se considerar que, esse padrão (altas taxas de ocupação nas unidades
privadas e ruas com pavimentação impermeável sem rede de drenagem), contribua para o
aumento dos volumes de escoamento e, em consequência, o aumento de riscos e de impactos
de inundações nessa área.
A mancha de inundação extrema (TR 100 anos) simulada pelos estudos do FCTH
atinge a extensão da avenida Escola Politécnica numa faixa de aproximadamente 730 m
cobrindo integralmente cinco quadras lindeiras a avenida e parcialmente mais quatro quadras
da avenida Benedito de Lima, situada paralelamente a avenida Escola Politécnica adentrando
ao bairro. Segundo os dados contabilizados pelas bases do MDC serão 164 domicílios
atingidos, dentre comércio e residências térreas em sua maioria. Segundo dados dos setores
censitários do IBGE para a região do bairro Rio Pequeno a média de moradores por domicílio
é de até 3,14 pessoas, o que, perfaz uma estimativa de aproximadamente 514 pessoas
atingidas.
As tipologias predominantes na avenida Benedito de Lima são unidades unifamiliares
de padrão médio com dois pavimentos (sobrados). Mesclam-se pequenos barracões
comerciais com um pavimento (Figura 4. 43). Já na avenida Escola Politécnica observa-se
uma morfologia viária composta das faixas da avenida situadas às margens do córrego
Jaguaré e separados por uma pequena faixa de calçada com arborização uma via de trânsito
local onde também predominam tipologias de residências unifamiliares com dois pavimentos
com alguns barracões comerciais de porte maior (Figura 4. 44).
A mancha de inundação extrema (TR 100 anos) simulada pelos estudos do FCTH
atinge a extensão da avenida Escola Politécnica numa faixa de aproximadamente 730 m
cobrindo integralmente cinco quadras lindeiras a avenida e parcialmente mais quatro quadras
da avenida Benedito de Lima, situada paralelamente a avenida Escola Politécnica adentrando
ao bairro. Segundo os dados contabilizados pelas bases do MDC serão 164 domicílios
atingidos, dentre comércio e residências térreas em sua maioria. Segundo dados dos setores
censitários do IBGE para a região do bairro Rio Pequeno a média de moradores por domicílio
292

é de até 3,14 pessoas, o que, perfaz uma estimativa de aproximadamente 514 pessoas
atingidas.
As tipologias predominantes na avenida Benedito de Lima são unidades unifamiliares
de padrão médio com dois pavimentos (sobrados). Mesclam-se pequenos barracões
comerciais com um pavimento (Figura 4. 43). Já na avenida Escola Politécnica observa-se
uma morfologia viária composta das faixas da avenida situadas às margens do córrego
Jaguaré e separados por uma pequena faixa de calçada com arborização uma via de trânsito
local onde também predominam tipologias de residências unifamiliares com dois pavimentos
com alguns barracões comerciais de porte maior (Figura 4. 44).
Figura: 4.43 - Av. Benedito de Lima.

Fonte: Google Maps street view. Disponível em: 15/12/2020.


Figura: 4.44 - Av. Escola Politécnica.

Fonte: Google Maps street view. Disponível em: 15/12/2020.


293

A partir dessas análises empíricas os estudos buscaram levantar dados específicos


sobre os sistemas de infraestrutura urbana de drenagem, esgotos e de coleta de resíduos
sólidos.
Os estudos de drenagem elaborados pelo FCTH (2014) identificaram os índices de CN
para cada sub bacia do Jaguaré. Com relação aos índices das sub bacias JD 05 e JD 05 PA
e JD 06 e JD 06 PA os levantamentos apontam respectivamente um CN médio de 90 / 87 e
92 / 85 (Tabela 4.1). Considerando que os valores de CN próximos de 100, indicam que a
bacia, se submetida a precipitações, irá produzir elevados volumes de escoamento superficial,
mostrou-se necessário também avaliar os índices de impermeabilização da bacia, também
levantados pelos estudos hidrológicos do FCTH.
Os limites para as taxas de permeabilidade do solo na cidade de São Paulo são
estabelecidos pela Lei nº 16.402/2016 que disciplina o parcelamento, o uso e a ocupação do
solo no Município de São Paulo. Os estudos hidrológicos avaliaram as taxas de
permeabilidade existente e os comparam com os limites determinados pela legislação (Tabela
4.2), observando que, segundo as determinações da referida legislação, é permitido um
aumento significativo da parcela de área impermeável nas sub-bacias estudadas. Os dados
revelaram um conflito entre as normas urbanísticas e o quadro hidrológico da urbanização
existente, pois, se por um lado a ocupação do solo registradas pelo CN mostram que essas
bacias produzem altos volumes de escoamento; por outro lado a legislação de parcelamento
e ocupação do solo permite ainda um aumento nos índices de impermeabilização do solo,
tendo como consequência implicações urbanísticas, hidrológicas e ambientais importantes.
Considerando a importância de se promover uma aproximação das populações
locais com as áreas ribeirinhas, conforme princípio defendido nessa pesquisa, o
monitoramento da qualidade de suas águas é questão fundamental.
Do ponto de vista das infraestruturas sanitárias, as áreas urbanizadas dessas
duas bacias os levantamentos mostram que há um atendimento integral do sistema de
esgotos com a totalidade da população atendida pela cobertura de coleta e com ligação
ao coletor-tronco. Há nas duas bacias um sistema de coleta de resíduos sólidos
domiciliares com atendimento universal aos 1.762 domicílios localizados nas duas
bacias, atendidos pela rota de coleta da concessionária Loga57, segundo levantamentos

57A Loga- Logística Ambiental de São Paulo S.A. é uma empresa concessionária contratada
pela Prefeitura de São Paulo para oferecer serviços especializados de coleta, transporte,
294

do Projeto Jaguaré (FHTC, 2017) mas não existe cobertura total de coleta seletiva,
restrito a faixa fronteiriça a avenida Escola Politécnica onde também existe um Ecoponto
em funcionamento. Não há registro de contêineres instalados nessas, usualmente
localizados em áreas próximas a favelas; porém foram registrados pontos viciados de
descarte próximos as cabeceiras dos córregos principais das duas sub bacias, sendo
seis na sub bacia JD 05 e dois na sub bacia JD 06 (idem, 2017).
Tabela 4.1 – Curve Number médio por sub bacia do Córrego Jaguaré
Tabela: 4.8 - Curve Number médio
Tabela 8.8 - por sub-bacia
CN médio por do córrego Jaguaré.
sub-bacia

Sub-bacia CN Médio Sub-bacia CN Médio


JD01 88 JE01 82
JD02 81 JE02 85
JD03 88 JE03 87
JD04 89 JE04 90
JD04-PA 90 JE04-PA 87
JD05 90 JE05 92
JD05-PA 87 JE05-PA 92
JD06 92 JE06 88
JD06-PA 85 JE06-PA 87
JD07 90 JE07 87
JD07-PA 91 JE07-PA 84
JD08 89 JE08 92
JD08-PA 93 JE08-PA 92
JD09 91 JE09 88
JD09-PA 92 JE09-PA 92
JD10 91 JE10 84
JD10-PA 95 JE10-PA 91
JD11 88 JE11 88
JD11-PA 88 JE11-PA 91
JD12 87 JE12 90
JD12-PA 85 JE12-PA 87
JD13 80 JE13 91
JD13-PA 86 JE13-PA 92

Fonte: FCTH,Fonte: FCTH, 2017.


2016. Modificado pelo autor
A pesquisa do FCTH identificou na região da Bacia do Jaguaré cooperativas de
catadores, separadas em duas categorias de acordo com as características de
funcionamento e classificadas como cooperativas e como catadores.

tratamento e destinação final dos resíduos domiciliares e dos serviços de saúde gerados na
região noroeste do Município de São Paulo.
295

Tabela: 4.9 - Áreas impermeáveis permitida por lei e existente acordo com sub-bacias do
córrego
TabelaJaguaré.
8.9 - Área impermeável (%)
Máxima Máxima
Sub-bacia Atual Sub-bacia Atual
Permitida Permitida
JD01 69,3 77,3 JE01 53,6 72,6
JD02 50,7 71,1 JE02 62,1 72,8
JD03 67,9 73,9 JE03 65,6 76,3
JD04 71,0 80,9 JE04 75,2 75,7
JD04-PA 74,7 82,5 JE04-PA 66,9 75,8
JD05 73,5 82,5 JE05 78,5 73,6
JD05-PA 66,3 82,5 JE05-PA 79,6 76,3
JD06 78,5 82,5 JE06 68,0 74,9
JD06-PA 61,4 82,5 JE06-PA 67,1 77,1
JD07 74,4 77,4 JE07 66,7 79,4
JD07-PA 75,9 82,5 JE07-PA 59,1 82,5
JD08 72,3 80,5 JE08 78,0 82,1
JD08-PA 81,3 82,5 JE08-PA 80,3 82,5
JD09 76,3 82,1 JE09 67,6 82,5
JD09-PA 78,2 82,5 JE09-PA 80,3 82,5
JD10 77,3 82,2 JE10 58,5 79,2
JD10-PA 87,6 82,5 JE10-PA 75,8 82,5
JD11 69,4 80,5 JE11 67,6 73,4
JD11-PA 68,8 81,3 JE11-PA 77,5 77,9
JD12 65,2 80,0 JE12 72,8 79,8
JD12-PA 62,0 80,0 JE12-PA 67,0 81,4
JD13 48,2 80,0 JE13 76,8 81,8
JD13-PA 64,7 80,0 JE13-PA 78,5 80,1

Fonte: FCTH, 2016.Modificado pelo autor.

Partindo dessas análises sobre as características da urbanização nessas duas


sub bacias e considerando os impactos da TR 100 conforme apresentado pela mancha
de inundação no trecho estudado; apoiado pelos estudos de parâmetros de recuperação
de orlas fluviais apresentados por Riley (1998) e Cengiz (2013) no subcapítulo 2.3, e
com base nas referências dos estudos de caso das cidades de Nova York e Blumenau
apresentados no capítulo 3; forem elaboradas diretrizes de intervenções para essa área.
Essa devem adotar como Princípios Gerais a conciliação de benefícios
ambientais com benefícios sociais com a proteção das funções naturais dos córregos.
Para orientar o Planejamento devem adotar como escala, especificamente nessa
região, a unidade das duas sub bacias e a extensão das áreas de drenagem envolvidas;
promover acesso e conexões com as áreas recuperadas; garantir a participação das
296

comunidades envolvidas diretamente nos eventos de inundação nos processos


decisórios. Do ponto de vista do Desenho garantir a proteção dos recursos e das
funções naturais dos córregos e dos riachos; criar áreas de amortecimento e recuperar
os habitats ribeirinhos e fluviais com o uso de soluções não estruturais (LID); reduzir as
áreas impermeáveis e garantir funções recreativas que valorizem e incorporem
informações sobre os recursos naturais e a história dos cursos d’água para as
populações usuárias.
Considerando as dinâmicas hidrológicas e a própria dinâmica urbana em
permanente mutação, é de fundamental importância que não seja proposta nenhuma
grande estrutura permanente construída na planície de inundação de 100 anos, para
evitar o aumento da superfície resistente e o agravamento dos problemas de
escoamento que aumentam o risco de prejuízos.
Com base nesses princípios foram desenvolvidas propostas de diretrizes para a
área de estudo, contemplando ações estruturais e não estruturais, com vistas a
estabelecer padrões de ocupação adequados às características ambientais dessa área
de fundo de vale, considerando o aumento de permeabilidade do solo e da vazão do
córrego Jaguaré com determinações de padrões adequados de uso e ocupação do solo,
tendo em vista a redução dos impactos e dos riscos causados pelas inundações nessas
áreas (Tabela 4.10).
As diretrizes consideram que haja uma atuação das instancias públicas locais
(concessionárias e prefeituras regionais) para as intervenções no espaço público e estimular
as adaptações das propriedades privadas por seus proprietários com apoio, suporte técnico
e subsídios financeiros por parte do poder público. Em se tratando de uma metrópole com
dimensões e complexidades como São Paulo, o fortalecimento das gestões locais pode
oferecer soluções mais viáveis e exequíveis, se comparadas a projetos de grandes dimensões
e investimentos, sujeitos à maiores pressões e influências políticas. Parafraseando Villaça
(1999) ao se alinhar discurso e prática, talvez seja possível se esquivar das disputas dos
grandes projetos de interesse hegemônico que, muitas vezes, não atendem aos interesses e
aos objetivos locais, reais e concretos, das comunidades.
Não se pode esquecer que, no contexto das cidades brasileiras, o desafio para o
enfrentamento dos problemas sociais, em função da segregação socioespacial, da fragilidade
do sistema de gestão e de planejamento urbano, sujeito a práticas clientelistas e a aplicação
inadequada dos escassos recursos financeiros; geralmente destinados às regiões com maior
valor fundiário, reforçam um quadro de injustiça ambiental.
297

Quadro: 4.2 - Diretrizes para adequação de área sujeita a inundação nas sub-bacias JD 05 e
JD 06 do Jaguaré no bairro Rio Pequeno.

• Ampliação canal do córrego Jaguaré com novo desenho urbano


(desvio das faixas da avenida Escola Politécnica para as bordas onde
existe uma via de trânsito local e ampliação do canal com a construção
de patamares escalonados nas duas margens como uma faixa de
inundação);
• Plantio de espécies ripárias nas faixas inundáveis criadas a partir do
desvio das pistas da avenida Escola Politécnica
• Implantação de elementos de LID ao longo dos córregos dessa sub-
bacia para promover a retenção e a infiltração dos escoamentos
superficiais nas cabeceiras, reduzindo os volumes de escoamento no
córrego Jaguaré;
• Estabelecimento de um zoneamento de risco que permita adaptações
dos edifícios sem que sejam considerados acréscimo de área;
• Adaptação edifícios situados em cotas baixas próximos a av. Escola
Politécnica e na avenida Benedito de Lima numa faixa de zoneamento
de risco;
• Apoio técnico (assistência técnica, projetos) e financeiro (renúncia
fiscal, financiamento subsidiado) do poder público, por meio da
prefeitura regional.

Fonte: Elaborado pelo autor.

A figura 4.45 mostra um ponto de conflito entre as infraestruturas de drenagem


e viária. O sistema de drenagem implantado pelos loteamentos que ocuparam as áreas
das sub-bacias dos afluentes (JD 04 e 05 e JE 04 e 05) promoveu a canalização desses
córregos, enterrando-os nas bordas da avenida de fundo de vale (av. Escola Politécnica)
onde descarregam as águas captadas do escoamento dessas sub-bacias no córrego
Jaguaré. Ocorre que o padrão de ocupação adotado nas áreas das sub-bacias
promoveu sua impermeabilização, conduzindo as águas pluviais para os referidos
córregos e ampliando os volumes de escoamento concentrados no leito do córrego
Jaguaré, adotado como elemento da macrodrenagem urbana. Dadas as características
geomorfológicas nesse trecho – áreas de encostas acentuadas à margem esquerda e
planícies de inundação à margem direita, levando em conta o aumento do volume, da
velocidade e da energia gerada pelo escoamento concentrado, criou-se o quadro do
298

conflito gerador das inundações, que como previsto nos estudos hidrológicos
apresentados na Figura 4.41, que causa maiores impactos, naturalmente nas áreas de
cotas mais baixas e planas na margem direita.

Figura: 4.45 - Conflito infraestrutura e sistema viário.

Fonte: Google Map

Vale observar que, coincidentemente, nessa margem direita, onde ocorrem os


maiores impactos das inundações, as características da urbanização existente mostram
pelas tipologias e pelas dimensões dos lotes, um padrão construtivo inferior ao existente
na margem esquerda, onde as cotas elevadas protegem a ocupação dos episódios das
enchentes. Dessa forma, revelam como as condicionantes geomorfológicas e
ambientais afetam a relação ao valores do solo urbano. Quem pode pagar mais estará
menos sujeito aos impactos ambientais que esse processo de urbanização gerou na
região.
Exatamente nesse ponto na margem esquerda do córrego Jaguaré, onde as
cotas mais baixas ampliam os impactos da inundação, há um sistema viário paralelo às
três pistas da av. Escola Politécnica, destinado ao trânsito local com a tendência de
apresentar um fluxo de tráfego ocasional e pequeno. Considerando essa ociosidade
pode-se considerar a possibilidade de transferir as três pistas da avenida arterial,
incorporando a via local, cuja extensão somada a de uma pequena ilha que a separa da
via radial seriam incorporadas à margem direita do córrego Jaguaré como áreas de
inundação. Assim se ampliariam as áreas inundáveis sem causar impactos no trânsito
da avenida radial que recebe um tráfego pendular intenso da rodovia Raposo Tavares.
Para ilustrar essa possibilidade foram elaborados estudos esquemáticos que
permitiram observar que os benefícios que essa opção poderá trazer irão além trazer
299

soluções para a drenagem da bacia nesses pontos, mas também criar opções de
espaço público e promover uma reaproximação das pessoas com as águas e a
valorização da paisagem do córrego Jaguaré nesse trecho. Ressalve-se, porém, que
estudos dessa natureza, prescindem de uma análise e uma abordagem sistêmica e de
estudos específicos dos campos da geologia, hidrologia dentre outros.
É importante ainda ressaltar que uma das características das inundações
ocorridas em áreas de fundo de vale urbanizadas são as cheias rápidas (flash floods) e
que a execução de obras de alargamento das calhas para atender esse pico de vazão
“são extremamente dispendiosas em relação ao benefício, pois devido a sua curta
duração, a calha fica ociosa na maior parte do tempo”, podendo-se considerar,
eventualmente até a redução das larguras das calhas, desde que se adote a execução
de medidas de reservação (reservatórios de “pé de morro”) situados a montante e outras
medidas compensatórias na escala da bacia (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO,
2015, p.28).
As simulações de desenho urbano propostas pretendem investigar
possibilidades de adequação das infra estruturas de drenagem e viária no trecho
analisado, considerando : o redesenho do canal do córrego Jaguaré e da avenida Escola
Politécnica apresentado como dois mapas esquemáticos: um com a situação atual do
fluxo dos carros desde a rodovia Raposo Tavares pela alça de Disponível em à avenida
Escola Politécnica e outro com proposta de uma novo desenho para essa alça e para
avenida (Figura 4.46).
O trecho considerado se estende da alça de Disponível em da rodovia Raposo
Tavares até a praça Jom Eduardo C. Borgonovi numa extensão de aproximadamente
1.082 metros. O objetivo é reconfigurar o canal e as margens do córrego situado entre
os contribuintes JD 05, JD 06, JE 04 e JE 05 para conter a inundação decorrente do
escoamento desses córregos, com a ampliação de uma área inundável sobre uma das
faixas de rolamento da avenida Escola Politécnica que passaria a incorporar uma faixa
da via local (a rua Guavira próximo a alça de Disponível em da rodovia Raposo Tavares
e a extensão da faixa de trânsito local da própria avenida) para manter sua capacidade
de escoamento do tráfego.
Essa adaptação permitirá ampliar as áreas de margem do córrego Jaguaré até
o encontro da avenida Escola Politécnica com a Praça Jom Eduardo C. Borgonovi.
Serão também incorporadas como áreas permeáveis as duas pequenas praças
existentes ao lado da alça de acesso em da rodovia Raposo Tavares e uma praça
situado ao final do trecho que podem receber equipamentos que promovam o uso
público para fruição, esportes e lazer.
300

Foram elaborados cortes perspectivados, também esquemáticos para uma


proposta de redesenho da avenida garantindo a manutenção de mesma dimensão e as
três faixas de circulação para veículos, de modo a garantir o mesmo fluxo hoje existente;
e das margens ampliadas e escalonadas do córrego Jaguaré para ampliar suas áreas
inundáveis. O primeiro corte mostra a situação atual com três pistas da avenida arterial
em cada uma das margens e uma estreita ilha que separa pela margem direita a via
arterial de uma via de trânsito local. Um segundo corte esquemático mostra a
transferência das três pistas da via arterial para a lateral direita incorporando a via local

Figura: 4.46 –Mapas esquemáticos que mostram a situação atual e a adequação e novo
desenho urbano para a Av. Escola Politécnica com a criação de uma faixa de inundação e área
verde de uso público.

Fonte: Google Maps. Elaborado pelo arquiteto Lucas Leão.

transformada em via arterial. Essa mudança permitirá incorporar uma margem mais
ampla para o córrego onde são propostas a transferência da ciclovia e uma calcada ao
lado de uma faixa inundável escalonada e com vegetação para absorver os volumes de
escoamento provocados pelas descargas do escoamento dos quatro afluentes somados
ao escoamento superficial gerado pela urbanização. Dessa forma se ampliam e se criam
301

áreas permeáveis e de uso público, que associadas, a limpeza e manutenção da


qualidade das águas da bacia do córrego Jaguaré poderá promover uma aproximação
das pessoas com suas águas.

Figura: 4.47 – Cortes esquemáticos mostrando a situação atual e a situação proposta para a
avenida Escola Politécnica

Fonte: Autor e elaborado pelo arquiteto Lucas Leão.

Uma segunda imagem (Figura 4.48) mostra uma simulação que considera além
da ociosidade da via local para o tráfego de veículos, a ociosidade do próprio canal
construído na calha do córrego Jaguaré. Essa ociosidade é recorrente nas obras de
canalização que adotam soluções estruturais, pois consideram como condição de
projeto as inundações de 50 anos, ou seja, inundações com grande volume de vazão e
de velocidades. O que ocorre, porém, é que essas inundações não ocorrem com
302

frequência, restando na maior parte do tempo, apenas um volume muito pequeno de


água no cana.
Considerando as diretrizes propostas, o planejamento e as intervenções devem
contemplar medidas estruturais e não-estruturais para drenagem na escala das bacias
dos contribuintes do córrego Jaguaré - nesse caso do trecho inundável da avenida
Politécnica - para reduzir volumes e tempo de escoamento garantindo e aumentando a
permeabilidade nas áreas drenantes. Portanto, não é difícil avaliar que muitos dos
impactos, dos riscos e dos prejuízos que as inundações geram nesse trecho serão
minimizados.

Figura: 4.48 – Cortes esquemáticos mostrando a situação atual e a situação proposta para a
avenida Escola Politécnica

Fonte: Autor e elaborado pelo arquiteto Lucas Leão.


303

Assim pode-se considerar também a ociosidade do canal do Jaguaré, e adotar


a possibilidade de se reduzir o canal para ampliar a área livre na margem direita e
incorporar atividades de esporte e lazer, configurando-se como uma praça, que também
incorpora a função de reservação pluvial (em verde na Figura 4.48) nos períodos de
cheia do córrego Jaguaré, mas disponível para o uso público na maior parte do ano.
E isso sem prejuízo nenhum ao fluxo dos carros nessa importante via, sem
desapropriações e sem investimentos altíssimos em obras estruturais cuja eficácia é bastante
questionável; em uma solução que concilia as dinâmicas hidrológicas com as dinâmicas da
vida da cidade.

4.5 Considerações capítulo 4

O estudo das questões ambientais requer uma abordagem sistêmica que deve
ser aplicada ao estudo dos processos de urbanização, por meio de análises das distintas
dimensões que envolvem a sustentabilidade ambiental urbana e adotando o conceito
de desenvolvimento sustentável.
Para a construção dessas análises, adotou-se como metodologia a organização
dos dados a partir da seleção de três dimensões de sustentabilidade ambiental urbana:
o uso do solo, as infraestruturas urbanas e os planos, programas e projetos urbanísticos
que, dessa forma, organizam os dados levantados na área de estudo.
O objetivo foi o de demonstrar que os planos e parâmetros urbanísticos que
“desenharam” os conflitos e os problemas de drenagem, nas regiões de fundo de vale,
podem ser pensados de outra forma, desde que se adotem parâmetros urbanísticos
compatíveis com as características hidrológicas, a preservação de áreas úmidas,
recuperando a qualidade hídrica dos cursos d’água, prevendo usos públicos de suas
margens e garantindo segurança às estruturas e às edificações existentes em áreas
inundáveis já consolidadas.
Assim, a área de estudo selecionada foi apresentada, com suas características
fisiográficas e hidrológicas; de ocupação e uso do solo e das infraestruturas de
saneamento e drenagem e dos serviços de coleta de resíduos sólidos, destacando os
problemas de permeabilidade e os episódios de inundações. Foram também discutidas
as especificidades das ações do planejamento, no âmbito da bacia do Jaguaré,
explicitando que a sucessão de planos e programas propostos para a região foram
prejudicados pela descontinuidade das ações impostas pela alternância de gestões com
distintas prioridades.
304

Além disso, foi apresentada uma experiência exitosa de recuperação


socioambiental, resultado de um programa de urbanização aplicado na favela do Sapé,
situada nas bordas do córrego homônimo, onde as ações coordenadas entre os distintos
órgãos e setores tornaram possível a requalificação das áreas ribeirinhas e a
recuperação da qualidade das águas, com obras de infraestrutura hidro sanitária,
desenho urbano e ambiental e urbanização e construção de moradias, em numa
demonstração da viabilidade da execução de programas de recuperação
socioambiental em áreas de vulnerabilidade, desde que se adote uma abordagem
sistêmica e integradora para o enfrentamento das questões e a busca de soluções, e
que sejam apoiados pela gestão coordenada das ações dos agentes públicos e
privados.
Neste capítulo, foram explicitados os desafios enfrentados pelas ações do
planejamento urbano, em áreas de bordas fluviais e de fundo de vale, considerando-se
a gestão setorizada e fragmentada dos agentes públicos do município, como também a
interferência das instâncias estaduais e federais. Ainda que o planejamento urbano
tenha incorporado conceitos de preservação e conservação ambiental adotados em
legislações específicas, em programas de recuperação socioambiental e nos
instrumentos do planejamento urbano, como o PDE, persiste, quando de sua aplicação,
a prática da setorização dos serviços públicos, sujeita aos interesses dos grupos
políticos que se alternam no poder municipal, criando obstáculos, rupturas e
descontinuidades de suas aplicações.
Essa leitura corrobora a afirmativa de Acselrad (2004), segundo o qual os
estudos da sustentabilidade urbana apresentam duas abordagens: uma normativa que
delineia o perfil da cidade sustentável, a partir de princípios de um urbanismo ambiental,
e outro que promove uma leitura analítica, que se apoia na problematização das
condições sociopolíticas que origina o discurso sobre a sustentabilidade das cidades.
Este capítulo evidenciou a necessidade de se ampliar a difusão de novos
conceitos, demonstrando a importância das águas urbanas para a superação de uma
cultura persistente, que associa a supressão dos cursos d’água nas paisagens das
cidades aos ideais de higiene e segurança, como também a persistente primazia da
implantação de sistemas viários em áreas de fundo de vale. O que se pretende é
resgatar às águas urbanas o protagonismo como áreas de uso público, para o convívio
de todos os seus moradores, e consolidar uma nova visão nas relações com a cidade,
em que as ações corretivas para os conflitos gerados pela urbanização sejam também
promotoras de benefícios socioambientais.
E para ilustrar possibilidades de soluções urbanísticas que conciliem as
dinâmicas ambientais apresentou uma simulação de um novo desenho urbano
305

adaptado para uma área de inundação identificada na porção alta da bacia do córrego
Jaguaré, enfatizando porém que o tratamento das questões de drenagem em áreas de
urbanização consolidada, não devem restringir-se apenas as áreas das calhas e dos
fundos de vale, mas na escala de todo o território da bacia com ações integradas que
reduzam os volumes de escoamento para os fundos de vale.
306

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa procurou analisar o processo de urbanização nas regiões de fundo de


vale em São Paulo. Analisou também métodos e estratégias de planejamento destinados à
recuperação de vales fluviais e frentes ribeirinhas urbanas, que conjugaram conceitos do
planejamento urbano com o planejamento ambiental, para o enfrentamento dos problemas e
conflitos gerados nas cidades pelos modelos de urbanização de caráter setorial e higienista
aplicados anteriormente.

A hipótese que orientou a pesquisa é que no planejamento da cidade de São Paulo


prevaleceu abordagem setorial que não respeitou e não acolheu as características e as
dinâmicas hidrográficas dos cursos d’água e, tão pouco, a escala das bacias hidrográficas.
Para verificar essa hipótese elaborou-se um estudo analítico dos planos diretores desde 1930
até a atualidade e concluiu que essa lógica setorial foi geradora de grandes impactos
socioambientais nas relações entre a urbanização da cidade e seus cursos d’água. Defende-
se, nesta pesquisa, a tese que, para se promover a sustentabilidade de uma bacia hidrográfica
urbanizada, é fundamental a adoção de parâmetros de ocupação compatíveis às suas
características ambientais, em especial nas áreas de fundo de vale, como parte de um
processo de planejamento integrado e sistêmico, que tenha como base a recuperação dos
cursos d´água e de sua transformação em elementos estruturais da paisagem urbana.

Na cidade de São Paulo, desde meados do século XX, as relações entre a urbanização
e os cursos d’água, rios e córregos, têm sido pautadas por uma abordagem setorial e
funcionalista, transformando-os em meros elementos da infraestrutura urbana e vetores de
energia. As medidas estruturais implementadas de certa forma, buscam a dominação e a
submissão dos cursos d’água resultando, muitas vezes, em impactos ambientais extremos.

O objetivo era atender as necessidades da instalação industrial financiada por capitais


estrangeiros, que interessava também aos representantes das oligarquias agrárias que
dominavam a política nesses primeiros tempos. E essa transformação foi feita adotando-se
técnicas da engenharia hidráulica associadas a planos e programas urbanísticos que não
incorporaram as dinâmicas naturais e os ciclos hidrológicos em sua elaboração e tão pouco
adotaram, como unidades e como escala de planejamento adequadas, as bacias
hidrográficas.

As propostas restringiram-se a aplicação de uma solução genérica, de um modelo de


urbanização de fundo de vale, que se apoiou na adoção do trinômio canalização/retificação
307

dos leitos fluviais; instalação de infraestrutura hidro sanitária; e construção de avenidas


marginais, gerando quadros de instabilidade geofísica e climática nessas regiões.

Interessava aos senhores das terras a expansão da urbanização, por meio das
avenidas, que transformava terras agrícolas em terras loteáveis incorporando mais valia; e
esses caminhos no território da cidade de São Paulo seguiram pelos fundos de vale dos tantos
rios e córregos que sempre drenaram essa região de clima chuvoso e úmido. Esse capítulo
da história da urbanização da cidade reflete a história da sociedade brasileira, na qual os
interesses privados predominam e prevalecem aos interesses públicos.

O vigor da economia industrial da capital paulista foi gerador de intensos fluxos


migratórios o que levou a um crescimento populacional exponencial, especialmente no
primeiro e no terceiro quartéis do século XX, expandindo territorialmente as áreas de
urbanização. Mas tal expansão não foi necessariamente acompanhada da expansão das
infraestruturas, de equipamentos e de estabelecimentos de serviços públicos, pois havia uma
boa parcela dessa população migrante que não interessava aos proprietários de terras e de
imóveis. Essa população instalou-se então nas bordas da urbanização ou em áreas livres
resultantes dos loteamentos que, grosso modo, estavam situadas em áreas ambientalmente
frágeis de fundo de vale ou em encostas íngremes.

Visto por esse ângulo, o processo histórico da urbanização da cidade revela que a
adoção desse modelo de urbanização de fundos de vale não respeitou as dinâmicas
hidrológicas, como também não previu lugar para as populações vulneráveis. Tratou-se de
uma construção social que foi, ao mesmo tempo, excludente com as populações pobres e
negligente e com os sistemas naturais, o que resultou em um quadro de riscos
socioambientais, produto das soluções técnicas e das políticas públicas, desde os primórdios
da industrialização na cidade de São Paulo.

Esses aspectos das pressões demográficas, da expansão urbana dissociada da


expansão das redes de infraestrutura, especialmente hidro sanitária, resultou no agravamento
das questões do suprimento de água potável, no tratamento dos resíduos urbanos e no
escoamento pluvial, despejados no sistema hídrico existente; resultando num quadro de crise
ambiental aparentemente contraditório, que associava escassez hídrica ao aumento das
enchentes.

Situações semelhantes decorrente da rápida urbanização de sua população,


ocorreram em várias cidades americanas, o que levou o governo federal a adotar normas e
regras, referente a gestão das águas urbanas criando um arcabouço institucional e legal
308

centralizador em nível federal, com a autonomia dos governos estaduais, que influenciaram o
modelo brasileiro.
A experiência americana analisada permitiu compreender que a adoção das bacias
hidrográficas como unidade de planejamento e de gestão configura-se em uma concepção
mais avançada para o enfrentamento dos conflitos entre cursos d’água e meio urbano.
A partir dos anos 1980, os conceitos alusivos às relações entre as cidades e os rios,
evoluem para abordagens ambientais construindo um arcabouço de fundamentos que levou
à revisão dos modelos de urbanização e das concepções de sistemas de infraestrutura
urbana, resultando em planos, projetos e obras de recuperação e de requalificação das
paisagens fluviais, reconhecendo a importância fundamental das águas como suprimento e
bem público.
A análise das experiências das cidades de Nova York (EUA) e Blumenau (SC, Brasil)
permitiu compreender como o planejamento urbano em articulação do planejamento
ambiental podem constituir-se como ferramentas importantes para a prevenção de riscos de
desastres hidrológicos e restabelecer uma convivência harmoniosa entre os ciclos naturais
das cheias e das enchentes e a urbanização, mesmo que consolidada, por meio da adoção
de um outro modelo de ordenamento territorial e urbanístico nos fundos de vale. Porém
quando se analisa a aplicação desses planos, constata-se que modelo de gestão setorizado
e não integrado que predomina nas cidades brasileiras representa um imenso obstáculo para
a implementação de planos urbanísticos com enfoque ambiental.

As questões ambientais demandam uma abordagem sistêmica e integrada, que não


se efetivam a curto prazo. Soma-se aos entraves do modelo de gestão setorizada, o fato de
que o processo de sucessão de gestões administrativas, ocorrem com permanentes rupturas,
descontinuidades, ou até mesmo interrupções na implantação dessas ações. A proposição de
soluções urbanísticas dessa natureza exige uma atuação integrada e permanente entre os
diversos setores da gestão pública.

Outro aspecto diz respeito aos conceitos adotados pelas políticas de prevenção de
riscos, especialmente para as questões hidrológicas, a começar da adoção da bacia
hidrográfica como unidade territorial adequada. Ainda que essas unidades apareçam nos
textos dos planos diretores; na prática, prevalece a gestão setorizada e localizada. É notória
também a persistência dos paradigmas da engenharia hidráulica tradicional, assentados no
modelo higienista de controle das águas, para as soluções propostas ao controle de
enchentes em áreas urbanas. Esse modelo se fundamenta na execução de obras estruturais
de grandes dimensões e de ação localizada, a exemplo da construção dos reservatórios de
detenção – piscinões - ou mesmo no tamponamento de cursos d’água. Ao serem adotados
309

como solução hegemônica, apresentam soluções localizadas e extremamente caras para


problemas que envolvem toda a bacia e, muitas vezes acarretam problemas com a gestão
inadequada e intermitente dessas estruturas. Ao adotarem como soluções as grandes obras
de reservação e de intervenção nos canais dos cursos d’água, essas ações descartam a
importante contribuição das medidas não estruturais no contexto de todo território das bacias,
que promovam a redução dos volumes de escoamento, a ampliação da capacidade de
infiltração e a redução da contaminação das águas, como as soluções apresentadas com as
medidas mitigadoras nessa tese das estratégias LID. Deve-se ainda ressaltar que a
participação das populações dos perímetros das bacias hidrográficas é fundamental, tanto no
âmbito da participação em decisões das políticas locais, como no reconhecimento das
responsabilidades individuais na gestão das águas pluviais em quinhões de território e na
vigilância para garantir integridade e a manutenção dessas medidas espalhadas pela
extensão das bacias.

A geração dos volumes de escoamento está relacionada à totalidade do território das


bacias hidrográficas e, portanto, sujeita às distintas formas de ocupação do solo praticadas.
Aumentar a permeabilidade do solo das bacias por meio da implantação de parques lineares
ao longo das rede hídricas; estimular a retenção de águas pluviais nas unidades privadas;
substituir os sistemas de pavimentação e implantar áreas de absorção e retenção de águas;
promover o estoque e o uso das águas pluviais para fins adequados; manter as superfícies
dos solo livres de descarte de resíduos; são algumas das medidas que devem ser
contempladas, promovidas e implantadas, juntamente com as medidas estruturais, para se
alcançar a eficiência na redução dos volumes de escoamento superficial e no controle de
enchentes.

Quando se fala da persistência dos paradigmas higienistas para a questão das águas
nas cidades, há que se considerar que esses conceitos estão impregnados e consolidados na
população em geral. As soluções do tamponamento dos córregos e da construção de
piscinões são vistas como as únicas possíveis pelas comunidades que demandam por ações
do poder público em áreas afetadas por enchentes. Portanto, a difusão de outros conceitos,
fundamentados em soluções adequadas às dinâmicas naturais, é tarefa ampla que deve ser
empreendida não apenas na escala da gestão pública, mas como programas de educação
ambiental ampliado. Há que difundir a ideia de que temos que nos ajustar e propor soluções
junto com a natureza, ao invés de tentar dominá-la.

Na análise processo de urbanização de São Paulo constatou-se que, nos primeiros


anos de século XX, dadas as características da hidrografia e do relevo da cidade de São
Paulo, foi proposta a execução de avenidas de fundo de vale, para vencer o relevo acentuado
310

do Espigão Central, por meio de tuneis para integrar as áreas dos vales dos rios Tietê e
Pinheiros, como uma solução para a mobilidade na cidade que se expandia rapidamente.
Essas avenidas apresentavam também uma solução para o saneamento das várzeas e a
transposição das áreas inundáveis, porém, ao canalizarem os cursos d’água e dessecarem
as várzeas, alteraram as dinâmicas hidrológicas originais. A partir da segunda metade do
século, passaram a ser adotadas como solução genérica e hegemônica. E, no mesmo
período, as inundações aumentaram, conforme o pressuposto dessa pesquisa que o processo
de ocupação urbana de São Paulo é fruto de uma lógica setorial que desconsiderou a bacia
hidrográfica e suas dinâmicas (SEABRA, 1968; TRAVASSOS, 2010; ALENCAR ,2016).

No âmbito do planejamento da cidade o Plano de Avenidas de Prestes Maia da década


de 1930, adota as avenidas de fundo de vale, como elementos estruturais de mobilidade da
cidade. No entanto, a lógica de expansão e urbanização da cidade foi mais veloz que o
processo de planejamento, e na maioria das vezes os planos não surtiram efeitos, nem do
ponto de vista da mobilidade e, principalmente no que se refere às dinâmicas hidrológicas.

A partir dos anos 1970, período em que se acentua a expansão da urbanização da


cidade, as lógicas setoriais se sobrepuseram aos planos viários ou de mobilidade, dissociados
do planejamento, ampliando a ocupação dos fundos de vale em São Paulo, por meio das
avenidas sanitárias, como eram conhecidas.

Por conjugarem infraestruturas viária e de saneamento, foram exploradas como


solução que atendia às conveniências políticas, e estimuladas pela existência de recursos
provenientes do governo federal (TRAVASSOS, 2010). Esse modelo perpetuou a forma
hegemônica da urbanização dos fundos de vale, por associar uma abordagem sanitarista a
uma visão “preconceituosa” em relação às paisagens fluviais que não representavam a
modernidade almejada pelos gestores públicos. Tal visão favoreceu a atuação dos setores e
dos agentes – públicos e privados – dos segmentos de infraestrutura, em detrimento da
atuação dos planejadores urbanos.

De 1970 a 1990, a cidade assistiu a mais um surto demográfico, provocando uma


expansão urbana desarticulada de ações efetivas, de planejamento territorial, de políticas
habitacionais e políticas e estratégias econômicas inclusivas, gerando um gigantesco passivo
socioambiental. São Paulo se expandiu, orientada, essencialmente, pelos interesses dos
setores de infraestrutura e pelo mercado imobiliário, respaldados por instrumentos de gestão
do solo aleatórios, que produziram um mosaico de bairros fragmentados e desarticulados e
exerceram sobre o meio ambiente toda sorte de pressões.
311

Os anos 2000 trouxeram mudanças nas prioridades e nos conceitos das políticas
públicas com a incorporação às agendas do planejamento urbano, as populações vulneráveis
e as questões ambientais. Os planos e programas produzidos a partir desse período passaram
a incorporar propostas que conciliam as duas agendas, porém, a prevalência do modelo de
gestão setorial e desarticulado das instituições públicas reduziu e restringiu essas ações.

Prevaleceu como modelo de gestão aquele que associa os setores da infraestrutura,


que “operam e estruturam” os serviços públicos, aos gestores que “fazem obras” e
modernizam a cidade, consolidando valores do modelo de ocupação do território urbano de
São Paulo, que não reservou lugares nem para suas águas nem para as populações
vulneráveis.

O PDE de 2002 promoveu a associação de ações das políticas habitacionais e de


recuperação ambiental como avanços nos planos e nos programas de governo, mas foram
limitadas pelo modelo de gestão setorizado e não subordinado ao caráter abrangente que
caracteriza os planos diretores. Especificamente por essa lógica, são evidentes os entraves
mencionados, na execução dos programas de recuperação de fundos de vale e de
urbanização de favelas, desenvolvidos em São Paulo desde meados dessa década de 2000-
2010. Porém a determinação de um macrozoneamento com previsão de proteção ambiental
restringiu-se as áreas periféricas, ou onde havia remanescentes de florestas, matas ou
conjuntos arbóreos. As áreas urbanizadas e profundamente antropizadas como os fundos de
vale da rede hídrica não foram contemplados, salvo os que tivessem leitos abertos e algum
resquício de margens com vegetação. Ou seja, prevaleceu o critério de proteção e
conservação do “verde” e não foi contemplado o “azul”.

O PDE 2014, por sua vez, aperfeiçoou mecanismos e instrumentos de controle sobre
o uso do solo, buscando socializar os ganhos dos agentes produtivos por meio dos
mecanismos de captura de ganhos para financiamento das políticas públicas, especialmente
as da “agenda marrom”. Porém no que se refere a agenda ambiental, além da criação de
alguns parques locais e da organização administrativa de conselhos, pouco se fez para a
expansão da solução urbanística dos parques lineares, que conciliam soluções integradas de
recuperação de cursos d’água, infraestrutura, habitação e transporte. O mesmo pressuposto
que políticas ambientais se faz conservando áreas verdes e ampliando parques prevaleceu
também nesse plano diretor.

Considerando a hipótese inicial que prevaleceu no processo de planejamento urbano


em São Paulo, uma abordagem setorial que não respeitou e não adotou como parâmetros as
características e as dinâmicas hidrográficas e, tão pouco, adotou como escala as bacias
312

hidrográficas da região do Alto Tietê; se verificou que a lógica setorial de obras e investimentos
públicos, adotada como modelo hegemônico na ocupação das áreas de fundo de vale,
transformou os cursos d’ água em componentes da infraestrutura urbana e os eliminou da
paisagem urbana. Dessa forma, o planejamento urbano de São Paulo, ao se concentrar em
promover a ocupação e a expansão urbanas, construiu um quadro de graves conflitos
socioambientais nessas regiões.

Se os instrumentos de ordenação, ocupação e uso do solo, determinados pelos planos


e pelas legislações, concorreram para a criação de conflitos socioambientais, pode-se supor
que outros que adotem critérios ambientais; que reconheçam e incorporem as dinâmicas
naturais e superem os limites e os entraves da gestão setorizada da administração pública
possam reparar e reduzir esses conflitos nas áreas de fundo de vale.

Assim, a pesquisa buscou defender, aprofundando o estudo de caso da bacia


hidrográfica do Córrego Jaguaré, a tese proposta: “ para ara se promover a sustentabilidade
de uma bacia hidrográfica urbanizada, há que se adotar parâmetros de ocupação compatíveis
às suas características ambientais, com especial atenção às características hidrológicas dos
cursos d’ água em áreas de fundo de vale, como parte de um processo de planejamento
integrado e sistêmico, base para a recuperação dos cursos d´água e de sua transformação
em elementos estruturais da paisagem urbana”.

Foram ainda analisados os modelos de gestão, em especial, na escala local


representados pela Prefeitura Regional, por compreender que, dentro do modelo de gestão
atual, essa instância pode exercer o papel de um Agente de Gestão Local, capaz de ser o
articulador das propostas no contexto das Secretarias Municipais, da Câmara Municipal, das
Operadoras dos Serviços Públicos no âmbito municipal para defesa dos interesses das
populações locais com as quais é capaz de dialogar por meio dos movimentos sociais que
devem estar mobilizados e articulados com esses agentes da gestão pública no sentido de
fazerem chegar suas demandas e ao mesmo tempo acompanharem e fiscalizarem a
consolidação dos planos e das políticas públicas nos territórios onde vivem.

É de fundamental importância estabelecer regramentos específicos para a


urbanização em fundos de vale, para garantir qualidade de vida dos moradores dessas
regiões, e reduzir ou eliminar vários problemas socioambientais relacionados à degradação
da qualidade da água dos córregos, decorrente da insuficiência do sistema de coleta e
tratamento de esgoto e das cargas poluidoras dispersas sobre a superfície da Bacia.
Envolvem também os problemas das inundações e da gestão inadequada de resíduos sólidos
e do uso inadequado do solo.
313

As análises sobre a gestão de riscos aplicadas pelos órgãos federativos mostraram


que muito se tem que avançar, tanto do ponto de vista das regulamentações, mas
principalmente na gestão. As experiencias americanas que nortearam definições para as
políticas de gestão das águas em São Paulo, desde a primeira metade do século XX
determinavam claramente a responsabilidade dos agentes do estado para o apoio e a
cobertura financeira para ressarcir danos materiais de eventos hidrológicos. Essa referência,
entretanto, não foi incorporada, nem na construção dos arcabouços legais, nem nas estruturas
de agenciamento de riscos.

E no que se refere à prevenção desses eventos os órgãos de Defesa Civil não contam
sequer com um sistema de registro de eventos e chamadas informatizado e tão pouco com
mapas de inundação que mostrem as áreas de inundação recorrentes para fundamentar
estudos de prevenção a esses eventos. A experiencia do Zoneamento de Resiliência à
Inundações que vêm sendo construído em New York mostrou a importância desses estudos
e dessas ferramentas para a elaboração dos trabalhos de prevenção que envolvam agentes
públicos e a população em geral.

A elaboração de um estudo para um zoneamento específico para a bacia do córrego


Jaguaré, especialmente para a sua área de fundo de vale sujeita a inundações, nesta
pesquisa teve como objetivo adequar a ocupação existente às dinâmicas hidrológicas e às
mudanças climáticas, como também orientar ocupações futuras. O zoneamento deveria
considerar não apenas os aspectos técnicos e ambientais, mas também a questão social que
representam os assentamentos instalados de forma precária nas faixas de proteção ambiental
existentes, de modo a não desencadear um processo de remoção e exclusão dessas
populações.

Tendo a totalidade da área da bacia hidrográfica como unidade de planejamento e,


considerados os diferentes cenários do processo de urbanização existente e estágios de
antropização de sua fisiografia, foi adotada uma divisão territorial em três trechos de acordo
com cotas topográficas: um trecho superior, um trecho intermediário e um trecho inferior,
considerados das nascentes próximo à divisa dos municípios de São Paulo e Osasco à
jusante na foz do Jaguaré no Rio Pinheiros. Para as análises foram elaboradas cartas
temáticas com base em dados de arquivos shape de estudos hidrológicos da FCTH/USP,
gentilmente disponibilizados e, dados urbanísticos do acervo público disponível do mapa
digital da cidade (Geosampa).

Foram produzidas três cartografias-base: uma primeira com as características


fisiográficas (relevo, hidrografia principal, perímetro da bacia de drenagem); uma segunda
314

incorporando as manchas de inundação de 100 anos e os logradouros; e uma terceira


cartografia-base a qual foram acrescidas, as camadas com as edificações, as áreas verdes
existentes na bacia e as áreas de risco geológico. Essas cartografias têm como escala
1/25.000.

A partir dessa base cartográfica, foram analisados, nos três trechos, os impactos
causados pela inundação sobre a urbanização e, selecionados de cada trecho, um perímetro
onde poderá ocorrer eventos extremos para servir como um recorte de análise, para um
estudo mais profundo e detalhado adotando-se como parâmetros os elementos relacionados
nos três grupos das dimensões da sustentabilidade ambiental urbana propostos: urbanístico,
infraestrutura e política, com escalas ampliadas de 1/10.000 a 1/5.000.

Os estudos cartográficos mostraram que o relevo da bacia é bastante variado,


configurando-se de um solo escarpado na região da cabeceira da bacia a extensos vales
fluviais de planície com pouca declividade na foz; o que determinou a configuração de um
sistema hídrico de formato dendrítico composto de pequenos vales que drenam toda a bacia
em direção ao vale central no leito do Córrego Jaguaré. Esse relevo determinou o tipo de
urbanização que se implantou nessa bacia que adotou a urbanização pelo modelo de
avenidas de fundo de vale.

No primeiro trecho da bacia alta foram identificados, pelo mapa com a mancha de
inundação de 100 anos, dois pontos de conflito com a urbanização. Esses pontos foram
ampliados e descritos de forma detalhada por meio dos parâmetros selecionados, sendo que
para o trecho de maior impacto está situado na avenida Escola Politécnica.

Nesse ponto a inundação acontece no leito do Jaguaré no trecho canalizado e céu


aberto correspondente aos pontos de descargas na foz dos Córregos Sapê e SD, afluentes
da margem esquerda, em uma área de urbanização consolidada o que ocasiona impactos na
urbanização e das infraestruturas. São propostas soluções para amenização desses
impactos: a ampliação canal do córrego Jaguaré com novo desenho urbano (desvio das faixas
da avenida para as ruas laterais); a implantação de elementos de LID ao longo dos córregos
Sapê e SD (bacias de retenção); a criação de uma área zoneamento de risco com adaptação
edifícios nas cotas baixas próximas a Av. Politécnica com apoio financeiro dos agentes
públicos.

O que se observa é que a adoção dos parâmetros adequados para as análises dos
impactos ambientais nas áreas de fundo de vale, passam necessariamente pela construção
de levantamentos hidrológicos na escala da bacia dessas regiões e pela construção do
mapeamento das manchas de inundação.
315

Dotar as instancias e os órgãos da Defesa Civil de equipes técnicas e estabelecer


parcerias com instituições de ensino e pesquisa são um caminho para construção dos
diagnósticos desses eventos, o que significa a redução e o investimento adequado de
recursos públicos para a manutenção da segurança da população e da qualidade hídrica dos
mananciais da cidade.

Não se pode determinar nenhum parâmetro de uso do solo que não considere as
características fisiográficas e hidrográficas do território, pois assim resultam em esquemas de
ocupação do território que não refletem a realidade física, não respondem às dinâmicas
naturais configurando-se como ferramentas imprecisas quando se trata de ordenar a
ocupação do solo, como visto nessa pesquisa sobre as ocupações de fundo de vale. Não se
planeja uma cidade apenas com duas dimensões.

Uma questão fundamental que a pesquisa aborda se refere às escalas do


planejamento urbano. De maneira geral os planos diretores se estruturam e se organizam na
macro escala definindo diretrizes gerais que são representadas como grandes manchas em
mapas. Porém o processo de ocupação, a construção das paisagens e, por consequência, os
impactos e os efeitos desses processos se efetivam na escala local, no território onde vivem
as pessoas; e essa escala tem sido pouco trabalhada e até mesmo negligenciada no processo
de planejamento de uma cidade como São Paulo.

Há que se considerar que se trata de uma escala difícil de ser trabalhada, por
demandar processos de investigação mais abrangentes e processos de decisão
participativos, mas é a escala que contempla a dimensão socioambiental, uma das mais
importantes dimensões que foram adotadas nas análises feitas nessa tese: trata-se do lugar
onde vivem as pessoas e que é composto por características geomorfológicas e hidrológicas
singulares, que escapam à macro escala do planejamento.

Outra questão de grande relevância trata da potencialidade dos instrumentos


urbanísticos em ordenar a ocupação, como também “desenhar” a cidade. E nesse campo
ainda há muito que ser feito. Por exemplo, são inegáveis os avanços obtidos com o Plano
Diretor Estratégico de 2014. O PDE incluiu a proposição de novos instrumentos urbanísticos
como os Planos de Intervenção Urbana (PIUs) que adotavam a escala local e se configuravam
como uma possibilidade ativa de participação das comunidades locais para a apresentação
propostas e projetos de interesse coletivo e ambiental. No entanto, alguns instrumentos
tiveram seus princípios distorcidos, partindo da ampliação das escalas – como mostrado no
capítulo 3 – e reorganizados na escala intermediária como um recurso para driblar as regras
de zoneamento determinadas pelo PD para atender interesses de valorização do solo.
316

Os instrumentos do planejamento devem ser resgatados e aperfeiçoados,


incorporando efetivamente, as características fisiográficas, os distintos padrões de uso do
espaço e as dinâmicas sociais que se refletem no uso e na permanente transformação dos
espaços urbanos, em especial, como destaca essa tese, nas regiões de fundo de vale. É
fundamental que promovam a recuperação ambiental nessas regiões, que resgatem a
qualidade de vida e as condições a uma vida digna a seus habitantes, e que garantam o
suprimento e a qualidade das águas nas cidades. O ambiente resultante desses
ordenamentos, constroem paisagens e habitats para todas as espécies, determinam padrões
de consumo de recursos naturais: são o espaço vivo das cidades

Quadro 5.1 - Princípios Gerais para o Planejamento em Áreas de fundo de vale

Adotar a escala local e as bacias hidrográficas às quais


essas regiões pertencem como as unidades de
planejamento
Incorporar no Planejamento das áreas de fundo de
vale objetivos e metas socioambientais conciliadas
com metas de desenvolvimento urbano e econômico
Demonstrar que a conciliação dessas metas só traz
benefícios
PRINCÍPIOS GERAIS
PARA REQUALIFICAÇÃO Proteger e restaurar as características e funções dos
E ADEQUAÇÃO DAS recursos naturais dos rios e córregos,
OCUPAÇÕES EM ÁREAS Regenerar, recuperar e redesenhar as frentes
DE FUNDO DE VALE ribeirinhas como um território com qualidades
URBANIZADAS ambientais para o uso das comunidades

Estabelecer compromissos com todos os agentes


(poder público, concessionarias de serviços públicos e
população local) para atingir múltiplos objetivos e
benefícios
Promover e garantir ampla participação pública no
processo de planejamento e de projetos de
recuperação, requalificação das áreas de fundo de
vale

Fonte: Elaborado pelo autor.

Considerando as referências estudadas, os estudos de caso apresentados e as


análises feitas da bacia do Córrego Jaguaré foram propostos princípios gerais e
recomendações para o planejamento da requalificação e adequação da ocupação em áreas
de fundo de vale urbanizadas. Organizados de acordo com as quatro dimensões de análise
317

propostas, levam em conta os contextos existentes, com vistas a uma conciliação entre a
urbanização e as dinâmicas ambientais dessas regiões (Quadro 5.1).
Propõe uma abordagem sistêmica para o planejamento e a gestão urbanas, adotando
o paradigma ambientalista no uso de soluções estruturais e não estruturais de drenagem e
gestão das águas e resíduos; promovendo o envolvimento e a participação de todos os
agentes envolvidos nos processos de uso e ocupação do solo: o poder público, os
concessionários dos serviços públicos e de infraestrutura, os membros das comunidades
moradoras da área e a população em geral.
Adotando esses princípios buscou estabelecer um conjunto de recomendações
considerando as dimensões analisadas em seus distintos campos de atuação e com seus
agentes; com vistas: a recuperação das paisagens fluviais e da qualidade das águas; a criação
e a valorização do uso dos espaços ribeirinhos para promover uma aproximação das pessoas
e das águas; a prevenção dos riscos de inundações com danos e prejuízos socioambientais;
promover e garantir drenagem dinâmicas hidrológicas (Quadro 5.2 Parte 1 e 2).

Ainda, com relação às críticas apresentadas com vistas a adequação de escalas no


planejamento das regiões de fundo de vale, deve-se registrar a importância de se atuar e
valorizar, como etapa e, efetivamente, como ferramenta de planejamento dotada de potência
para a superação das desigualdades socioespaciais, os Planos de Bairro.
Trata-se de instancia que necessariamente envolve as populações residentes, dessa
forma, constituindo-se como uma possibilidade de participação mais ampla e sensível às
demandas do território usado. Pode, portanto, promover avanços como instrumento urbanístico
que promova uma ruptura com a atuação hegemônica das forças especulativas do solo na
cidade; a valorização da gestão regionalizada representada pelas subprefeituras que são mais
sujeitas às pressões de suas comunidades e uma reconciliação da cidade com seus rios e com
a vida das pessoas comuns.
318

Quadro 5.2.1 - Recomendações para requalificação e adequação em áreas de fundo de vale urbanizadas (parte 1)
Proteger recursos e funções do rio natural
Criar ou manter áreas naturais de amortecimento de inundaçoes e outros impactos antrópicos
Restaurar habitats ribeirinhos e fluviais dos rios
Use alternativas não estruturais para gerenciar os recursos hídricos (Estratágias LID)
Reduzir as áreas impermeáveis
RECOMENDAÇÕES PÚBLICO
Gerenciar a água da chuva no local e usar abordagens não estruturais (Estratégias LID)
DIMENSÃO GERAIS DE PROJETO E
Equilibrar atividades recreativas e de acesso público com a proteção do rio
AMBIENTAL DESENHO PARA ÁREAS
Incorporar informações sobre os recursos naturais e os serviços ambientais de um rio, a importancia cultural e a
DE FUNDO DE VALE
história dos projetos de características ribeirinhas, arte pública e outras expressões que formem uma opinião sobre a
importância dos rios
Manutenção de limites de ocupação do solo para garantir permeabilidade e incorporar áreas vegetadas (melhoria
PRIVADO climática, abrigo fauna e insetos, biodiversidade)
Aumentar permeabilidade e retenção pluvial (redução de escoamento e realimentação freática

Demonstrar a importância da manutenção das características dos rios e córregos em a cidade com o rio
Planejar, invariavelmente, na escala da bacia hidrográfica e redesenhar a orla ribeirinha
Fornecer ao público oportunidades de acesso, conexões e atividades recreativas nas áreas ribeirinhas
Divulgar a história ambiental e cultural do rio através de programas de educação pública, sinalização e eventos.
Criação de um Mapa de Inundações
Responsabilizaçao do Poder Público por perdas de vida, danos e prejuizos decoerrentes de inundações
Articulação permanente e preventiva entre setores da Administração Municipal (Grupo de Trabalho Prevenção de
Inundações)
PÚBLICO Plano Preventivo de Gestão de Riscos com atualizaçao permanente e Fundo de Apoio a ações preventivas
RESPONSABILIDADES E Articulação permanente e preventiva entre setores da Administração Municipal (Grupo de Trabalho Prevenção de
DIMENSÃO POLITICO Inundações)
COMPROMISSOS DA
ADMINISTRATIVA Criação e manutençao permanente de Programas e Atividades de Educação Ambiental
GESTÃO PÚBLICA
Criação de um Conselho para ações e gestão de situações de risco com composição paritária entre agentes publicos
(multisetorial), concessionarias e populações
Criação de uma unidade administrativa autônoma centralizada para planejar e gerenciar as ações associadas ás
situações de risco
Cotas de Participação financeira de concessionárias no Fundo de Apoio (Transporte + Lixo + Saneamento )
Participação nos processos de consulta pública
Adesão e participação em programas de Educação Ambiental
PRIVADO Articulação com representantes na gestão pública (vereadores, sub prefeitos, etc.)
Organização de associações de moradores, de bairro, etc.

Fonte: Elaborado pelo autor


319

Quadro 5.2 - Recomendações para requalificação e adequação em áreas de fundo de vale urbanizadas (parte 2)
Mapeamento inundações com atualização permanente
Elaboração de um Plano de Gestão Integrada de Riscos para o município de São Paulo apoiado em ações de :
preparação, mitigação, prevenção e recuperação
RECOMENDAÇOES
Criaçao de Zoneamento de Risco de acordo com Mapas de Inundação (uso/gabaritos/tipologias/ocupação/tx de
PARA A GESTÃO DE PÚBLICO
permeabilidade)
RISCOS
Sistema de Alarme e Planos de evacuação em Áreas de risco
Plano de remoções controle nas áreas de risco
Treinamento da população para situações de risco
Apoio técnico e financeiro às adaptações das edificações (2º piso, adaptações de uso, etc) sejam elas integrais ou
parciais
Criação de Seguro contra Inundações com subsídios governamentais, excluidas as populações vulneráveis residentes
em assentamentos precários que constituem grande parte da população atingida nessas regiões
DIMENSÃO
URBANISTICA
PÚBLICO Financiamento adaptações em edificios situados nas Zonas de Inundação
RECOMENDAÇÕES Concessão de benefícios e isenções fiscais a imóveis situados nas áreas de Zoneamento de Risco
PARA ADEQUAÇÕES Reservatórios de retenção (Estratégias LID)
NAS ÁREAS DE Margens escalonadas (áreas inundáveis)
INUNDAÇÕES (LID) Ampliação leitos fluviais
Criação de faixas de amortecimento
Aumento permeabilidade da bacia
Criação 2º piso protegido (cota de inundação) com Atividades Prioritárias Proteção de vidas/ equipamentos/ bens e
manutenção de atividades não essenciais no térreo
PRIVADO Aumento permeabilidade das unidades privadas
Adequações integrais ou parciais das edificações ao eventos de inundações

Ampliação Faixas inundáveis x Redução de vias pavimentadas


Ampliação de arborização com canteiros drenantes
Ampliar leitos com implantação de margens inundáveis escalonadas
PUBLICO Estratégias LID (em obras estruturais)
RECOMENDAÇÕES DE Melhoria nos sistemas de coleta de resíduos domiciliares e entulho.
DIMENSÃO
ADEQUAÇÕES PARA Ampliação da cobertura de varrição
INFRAESTRUTURAS
DRENAGEM Implantação de bacias de sedimentação (contenção resíduos sólidos)
Aumento permeabilidade do solo
Estrategias LID (aumento permeabilidade, retenção pluvial, reúso)
PRIVADO
Descarte adequado de residuos e entulhos
Usos não poluentes

fonte: elaborado pelo autor


320

E para contribuir, especificamente, com a perspectiva do aperfeiçoamento desse


instrumento de planejamento e gestão, essa tese finaliza com a apresentação de uma
síntese das recomendações apresentadas, sugerindo quatro consideradas essenciais e
deflagradoras de importantes transformações na produção e na gestão do espaço urbano
em São Paulo, que podem ser incorporadas nos Planos de Bairro. São elas:
• A adoção e a valorização do planejamento na escala local determinado pela
adoção das bacia hidrográficas correspondentes às regiões de fundo de vale
existentes como unidades de planejamento;
• A aplicação de um zoneamento que, ao incorporar os elementos
hidrográficos e geomorfológicos, contemple e sinalize as áreas inundáveis,
adotando nessas áreas critérios específicos para a manutenção da
urbanização existente, ou promovendo a gradual remoção das populações
de regiões consideradas de risco;
• A implantação de um processo permanente de gestão de riscos, que confira
autonomia administrativa e recursos que permitam ações integradas a
outros setores administrativos para promover a proteção das populações
expostas a riscos e adequação dessas áreas;
• E um programa permanente de Educação Ambiental que instrua, esclareça
e valorize os rios e os córregos, suas áreas de preservação para o uso
público e o contato com as águas como forma de superar o paradigma
estabelecido pelo modelo de urbanização que negligenciou o território
original da cidade de São Paulo, uma cidade construída sobre rios.

Esta pesquisa, sem pretender esgotar a complexidade do tema, buscou contribuir


para as discussões que envolvem os rios e a urbanização na cidade de São Paulo,
defendendo a importância de se adotar soluções urbanísticas e de infraestrutura que
incorporem as dinâmicas das enchentes; que reconheçam as águas urbanas como
elemento essencial à vida e procurem a qualquer custo recupera-las e preservá-las com
vistas à sustentabilidade futura; que promovam a recuperação das paisagens ribeirinhas
no seu conjunto como habitat de vida humana e de outras tantas espécies e como espaço
de usufruto público; que adotem outros modelos de mobilidade para resgatar as paisagens
e os ambientes ribeirinhos do domínio dos carros; e, definitivamente, que incorporem as
dinâmicas hidrológicas nas agendas das políticas públicas não como eventos episódicos
mas como parte do sistema funcional das cidades.
Para isso os programas e os projetos propostos para as questões que envolvem as
redes hídricas, drenagem e recuperação de cursos d’água e de fundos de vale devem,
321

necessariamente, contemplar como unidade e escala a totalidade do território da bacia; e


adotar uma abordagem sistêmica que contemple não apenas as intervenções estruturais
em fundos de vale ou nas calhas de sua rede de rios e córregos, mas incluir as adoção e
implantação de medidas não-estruturais e compensatórias para evitar transferir as vazões
de montante para jusante, ampliar e recuperar a capacidade de infiltração e reservação
das águas pluviais.
Do ponto de vista da elaboração dos planos urbanísticos; especialmente em áreas
inundáveis, é fundamental a construção de um zoneamento que reconheça e adote o
suporte fisiográfico (geomorfológico e hidrológico) da urbanização, incorporando às
equipes de planejamento geólogos, geógrafos e especialistas em hidrologia.
Por fim, como afirma Airton Krenak em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo”
compreender que estamos vivendo uma era identificada como Antropoceno “deveria soar
como um alarme nas nossas cabeças” pelo reconhecimento de termos imprimido uma
marca tão pesada no planeta. E ainda que, se para alguns “sonhar é abdicar da realidade”,
os sonhos (e a utopia) podem informar e atribuir sentido à vida, pois através deles se “pode
buscar os cantos, a cura, a inspiração e mesmo a resolução de questões práticas”.
322

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