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SÃO PAULO
2020
AFONSO CELSO VANONI DE CASTRO
SÃO PAULO
2020
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,
POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E
PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Assinatura: E-mail: afonso.castro@mackenzie.br
CDD 711.40981
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profª. Drª. Angélica Tanus Benatti Alvim
Universidade Presbiteriana Mackenzie
________________________________________
Prof. Dr. Antonio Eduardo Giansante
Universidade Presbiteriana Mackenzie
____________________________________________
Profª. Drª. Luciana Rodrigues Fagnoni Costa Travassos
Universidade Federal do ABC
_____________________________________
Profª. Drª. Emilia Wanda Rutkowski
Universidade Estadual de Campinas
____________________________________________
Prof. Dr. Valter Luiz Caldana Junior
Universidade Presbiteriana Mackenzie
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa trata da relação entre rios e cidades, seus conflitos e possibilidades de
convivência a partir da reflexão sobre o papel do planejamento urbano e ambiental, integrado
e sistêmico. Tendo como objeto a cidade de São Paulo, parte-se do pressuposto que o
processo de sua ocupação urbana é fruto de uma lógica setorial que desconsiderou a bacia
hidrográfica, promovendo a canalização e/ou o tamponamento dos cursos d’água (rios e
córregos), para a ampliação de áreas urbanizáveis e construção do sistema viário, em áreas
impróprias à urbanização. Como consequência, os efeitos das enchentes e inundações são
cada vez mais danosos ao ambiente e à sociedade. Trata-se de um modelo que foi adotado
em diversas cidades do mundo, ao longo do século XX, mas que vem sendo revertido, por
meio de ações conscientes e planejadas em consonância com as características ambientais
da bacia hidrográfica. A hipótese central da pesquisa é que a ausência de um processo de
planejamento urbano, sistêmico e integrado, na cidade de São Paulo, aliado à não definição
de parâmetros de ocupação urbana compatíveis com as características hidrológicas da bacia
hidrográfica do Alto Tietê, vêm contribuindo para reforçar a lógica setorial de obras e
investimentos públicos que prevaleceu na ocupação das áreas de fundo de vale, e que
culminaram na transformação dos cursos d’ água em componentes da infraestrutura urbana.
Tendo como estudo de caso, a bacia hidrográfica do córrego do Jaguaré, defende-se a
seguinte tese “Para se promover a sustentabilidade de uma bacia hidrográfica urbanizada, há
que se adotar parâmetros de ocupação compatíveis às suas características ambientais, com
especial atenção às características hidrológicas dos cursos d’ água em áreas de fundo de
vale, como parte de um processo de planejamento integrado e sistêmico, base para a
recuperação dos cursos d´água e de sua transformação em elementos estruturais da
paisagem urbana”. A pesquisa se desenvolve em duas partes e quatro capítulos. A Parte 1,
com dois capítulos, organiza as referências teóricas e projetuais, contextualiza o problema da
relação rio e cidade; sintetiza a experiência americana com novas abordagens para
urbanização em orlas fluviais e fundos de vale e apresenta duas importantes referências de
planejamento urbano para o controle de enchentes e inundações: Nova York (EUA) e
Blumenau (Brasil). A parte 2, com dois capítulos, sintetiza o processo de urbanização e os
principais planos para a cidade de São Paulo, que privilegiou a lógica setorial e econômica,
em detrimento à ambiental; a partir do estudo de caso da bacia hidrográfica do córrego
Jaguaré, propõe-se uma metodologia de análise e de mapeamento de algumas dimensões
da sustentabilidade deste território de modo a contribuir para a definição de diretrizes e
orientar novos parâmetros de ocupação urbana em áreas de fundo de vale. Nas
considerações finais, sem desconsiderar a complexidade e amplitude do tema, retomam-se
os principais aspectos da pesquisa, procura-se demonstrar a tese e indicar algumas
recomendações a serem consideradas no planejamento de áreas de fundo de vale, tendo em
vista a promoção de uma ocupação urbana e ambiental sustentável da bacia hidrográfica.
This research explores the relationship between rivers and cities, their conflicts and
possibilities of coexistence from the reflection on the role of urban and environmental planning,
integrated and systemic. Having as its object the city of São Paulo, it is assumed that the
process of its urban occupation is the result of a sectoral logic that disregarded the
hydrographic basin. This, in part, promoted the channeling and / or buffering of water courses
(rivers and streams), for the expansion of urban areas and construction of the road system, in
areas unsuitable for urbanization. As a result, the effects of floods are increasingly damaging
to the environment and society. This is a model that was adopted in several cities around the
world, throughout the 20th century, but which has been reversed, through conscious and
planned actions in line with the environmental characteristics of the hydrographic basin. The
central hypothesis is that the absence of a systemic, integrated and urban planning process in
the city of São Paulo, combined with the lack of definition of urban occupation parameters
compatible with the hydrological characteristics of the Alto Tietê hydrographic basin, have
contributed to reinforcing the sectoral logic of public works and public investments that
prevailed in the occupation of the valley floor areas – which culminated in the transformation
of water courses into components of urban infrastructure. Taking the Jaguaré stream
hydrographic basin as a case study, the following thesis is defended: “To promote the
sustainability of an urbanized hydrographic basin, it is necessary to adopt occupation
parameters compatible with its environmental characteristics – giving special attention to the
hydrological characteristics of water courses in valley floor areas – as part of an integrated and
systematic planning process, as the basis for the recovery of water courses and their
transformation into structural elements of the urban landscape.” The research is developed in
two parts and four chapters. Part 1, with two chapters, organizes theoretical and projects
references, contextualizes the problem of the river and city relationship; synthesizes the
American experience with new approaches to urbanization on riverbanks and valley bottoms,
and presents two important references of urban planning for flood and flood control: New York
(USA) and Blumenau (Brazil). Part 2, with two chapters, summarizes the urbanization process
and the main plans for the city of São Paulo, which favored the sectorial and economic logic,
to the detriment of the environmental one. Based on the case study of the Jaguaré stream
hydrographic basin, a methodology for analyzing and mapping some dimensions of the
sustainability of this territory is proposed to contribute to the definition of guidelines, as well as
guide new parameters of urban occupation in valley bottom areas. In the final considerations,
without disregarding the complexity and breadth of the theme, the thesis is demonstrated and
some recommendations to be considered in the planning of valley floor areas are indicated,
with a view to promoting a sustainable urban and environmental occupation of the
hydrographic basin.
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 1
Figura: 1.1 - Época Medieval. Ajustamento, Harmonia. ....................................................... 39
Figura: 1.2 - Fase de controle, domínio e regulação, (Cher Chenonceau. Segura em Múrcia
e Túria em Valência). ................................................................................................... 40
Figura: 1.3 - Esculturas que representam respectivamente: o Rio Tejo, (Alexandre Gomes,
Lisboa) a Fonte dos Três Rios, (Francisco Robba Ljubljana) e a Fonte dos Quatro Rios,
(Bernini, Roma). ........................................................................................................... 40
Figura: 1.4 - Thames Riverfront em Londres e Parque das nações em Lisboa. ................... 45
Figura: 1.5 - Parte do Plano do Sistema de Parques do Boston Common, (Parque Público
Central) ao Franklin Park, Boston, MA - Olmsted & Eliot. ............................................. 54
Figura: 1.6 - Mapa do Back Vav Fens. ................................................................................. 55
Figura: 1.7 - Histórico dos aterros em Boston. ..................................................................... 56
Figura: 1.8 - Mapa do Plano de Sistema de túneis e reservatórios TARP, Chicago. ............ 57
Figura: 1.9 - Master Plan South River Platte. Projetos Prioritários. ...................................... 59
CAPÍTULO 2
Figura: 2.1 - Orla Fluvial do Rio Mississipi em Minneapolis, Minnesota, EUA. ..................... 68
Figura: 2.2 - Orla Fluvial do Rio Mississipi em Minneapolis, Minnesota, EUA. ..................... 69
Figura: 2.3 - Parque à beira do Rio Mississipi em Baton Rouge, Lousiana, EUA. ................ 69
Figura: 2.4 - Vista do Rio Mississipi em Baton Rouge, Lousiana, EUA. ............................... 70
Figura: 2.5 - Feira e Centro de Exposições na orla do Rio Mississipi em New Orleans,
Lousiana, EUA. ............................................................................................................ 70
Figura: 2.6 - Vista da orla do Rio Mississipi em New Orleans, Lousiana, EUA. .................... 71
Figura: 2.7 - Vista do Passeio do Rio San Antonio, Texas, EUA. ......................................... 72
Figura: 2.8 - Vista do Passeio do Rio San Antonio, Texas, EUA. ......................................... 72
Figura: 2.9 - Parque do Canal de Erie, Syracuse, Nova York, EUA. .................................... 73
Figura: 2.10 - O Riacho Nine Mile, Syracuse, Nova York, EUA. ........................................... 73
Figura: 2.11 - Vista do Parque Linear do Riacho Onondaga, Syracuse, Nova York, EUA. ... 74
Figura: 2.12 - Integração das infraestruturas de baixo impacto (LID), ao sistema hidrológico
natural. ......................................................................................................................... 78
Figura: 2.13 - A infraestrutura convencional e a infraestrutura verde. .................................. 78
Figura: 2.14 - Referencias de sistema de rede de drenagem convencional versus sistema LID.
..................................................................................................................................... 79
Figura: 2.15 - Cortes esquemáticos comparando os sistemas convencionais de drenagem e
os sistemas LID. .......................................................................................................... 79
Figura: 2.16 - A abordagem sistêmica das soluções LID aplicadas em diferentes escalas: do
lote à rede de infraestrutura de uma cidade. ................................................................ 80
Figura: 2.17 - Soluções LID aplicadas na escala do lote. ..................................................... 80
Figura: 2.18 - Soluções LID aplicadas na escala do bairro................................................... 81
Figura: 2.19 - Ecobulevares: áreas urbanas centrais que fazem o tratamento de água pluvial.
..................................................................................................................................... 81
Figura: 2.20 - Estratégia LID aplicada em sistemas de espaços abertos. ............................ 82
Figura: 2.21 - Mapa de inundação atual e para 2050 para a cidade de Nova York, EUA. .... 92
Figura: 2.22 - As relações entre densidade e situações de risco previstas. ......................... 94
Figura: 2.23 - Ampliação das planícies de inundação para todos os lotes atingidos. ........... 94
Figura: 2.24 - A extensão das regras de flexibilização das bases para definição de altura dos
edifícios........................................................................................................................ 96
Figura: 2.25 - Referencias que explicitam a importância para a paisagem urbana de se adotar
um mesmo padrão para todas as edificações. ............................................................. 96
Figura: 2.26 - Objetivo 2: Referências sobre a possibilidade de se descontar toda a área do
andar térreo em edifícios situados nas zonas de inundação de 1% de chance atual. .. 97
Figura: 2.27 - Objetivo 2: Referências sobre a possibilidade de se descontar toda a área do
andar térreo em edifícios situados nas zonas de inundação de 1% de chance anual. . 97
Figura: 2.28 - Objetivo 3: Flexibilização de adaptações parciais em edifícios. ..................... 98
Figura: 2.29 - Objetivo 4: Agilizar a emissão de autorizações para os processos de adaptações
parciais em edifícios ou loteamentos localizados em áreas de inundação,
independentemente das regras de zoneamento subjacentes, quando tiver sido declarado
estado de emergência. ................................................................................................. 99
Figura: 2.30 - Zoneamentos específicos com medidas de proteção para 4 bairros. ........... 100
Figura: 2.31 - Gestão integrada de proteção e Defesa Civil. ............................................. 101
Figura: 2.32 - Mapa produzido pelo engenheiro Abel Diniz Mascarenhas e publicado em 1939,
contendo a mancha das inundações do período de 1851 à 1935 e as áreas atingidas
pelas enchentes de 1911, 1927 e 1935...................................................................... 105
Figura: 2.33 - As linhas de atuação do PDPDN composto de medidas estruturais e não
estruturais. ................................................................................................................. 108
Figura: 2.34 - Proposta de criação de um parque como área de inundação para margem
esquerda do Rio Itajaí-Açu, no centro de Blumenau. ................................................. 109
Figura: 2.35 - Na margem à esquerda, proposta da Prefeitura para a recuperação ambiental
da margem esquerda e, à direita, o parque existente na margem direita. .................. 111
Figura: 2.36 - Desbarrancamento na margem esquerda, em 2011 (esquerda). Obras de
recuperação das margens, em 2015 (direita). ............................................................ 112
Figura: 2.37 - Esquema do projeto de recuperação da margem esquerda do Rio Itajaí-Açu em
Blumenau. .................................................................................................................. 112
Figura: 2.38 - Mapa da mancha de evolução urbana de Blumenau, (1966, 1978, 1993, 2003).
Do centro para a periferia: em bege claro, a mancha de urbanização de 1966; em bege
mais escuro, a de 1978; em laranja, a de 1993 e, em vermelho a de 2003. ............... 115
Figura: 2.39 - Mapa de restrições ao zoneamento, uso e ocupação do solo. Em destaque, a
área com as manchas de inundação situadas ao norte a ser analisada. .................... 116
Figura: 2.40 - Destaque da área em estudo onde se observa a região central da cidade, com
um grande meandro do Rio Itajaí-Açu na altura da foz do Córrego Itoupava e do Ribeirão
da Velha. .................................................................................................................... 117
Figura: 2.41 - Recorte de foto de satélite aproximada da área de estudo, mostrando a
urbanização atual. Essas áreas serão analisadas nas próximas imagens em escala
maior. ......................................................................................................................... 118
Figura: 2.42 - Região da foz do Córrego Itoupava. Em azul, ARCO (áreas inundáveis); em
verde, APP's (topo de morro) e, em laranja, ZEIS, conforme PD de Blumenau.......... 119
Figura: 2.43 - Foto de satélite aproximada da mesma região vista na imagem PD mostrando
ocupações em áreas inundáveis e desflorestamento em áreas de APP (topo de morros).
................................................................................................................................... 119
Figura: 2.44 - Ampliação da imagem da cartografia do PD em 2010, mostrando ARCO, ZEIS
e APP's. ..................................................................................................................... 120
Figura: 2.45 - Ampliação da imagem da foto de satélite da área, em 2020, com as
transformações ocorridas nas áreas demarcadas como ARCO e APP no PD em 2010.
................................................................................................................................... 120
Figura: 2.46 - App em topo de morro demarcada do PD e desmatada em 2020. A seta em
vermelho indica a localização da Rua Cláudia Sievert, presente na figura 55, na ZEIS
igualmente demarcada no plano. ............................................................................... 121
Figura: 2.47 - Vista da Rua Cláudia Sievert na área ZEIS, em 2019. As tipologias são casas
térreas adaptadas a cortes nos terrenos íngremes. Ao fundo, se vê assentamentos em
áreas de grande declividade e parte da área na APP ainda íntegra. .......................... 121
Figura: 2.48 - Vista da Rua São Rafael, na área de ZEIS, em 2019. As tipologias são casas
térreas em uma área com pouca declividade e ruas sem pavimentação, sem guias e
sarjetas para condução do escoamento superficial. ................................................... 122
Figura: 2.49 - Vista do final da Rua São Rafael. A área em frente é inundável, e no muro à
esquerda se vê a marca das enchentes. .................................................................... 123
Figura: 2.50 - Casa na Rua Vereador Romário da Conceição Badia, adaptada às enchentes.
................................................................................................................................... 123
Figura: 2.51 - Padrões tipológicos expostos a riscos de inundação e de deslizamento na
mesma rua. ................................................................................................................ 124
CAPÍTULO 3
Figura: 3.1 - Mapa esquemático do sistema de represas em São Paulo no primeiro quartel do
século XX. .................................................................................................................. 134
Figura: 3.2 - Vista frontal da usina Henry Borden em Cubatão. ......................................... 135
Figura: 3.3 - Obras de retificação do Rio Pinheiros, 1980. ................................................. 137
Figura: 3.4 - Mapa geomorfológico da cidade de São Paulo. ............................................. 138
Figura: 3.5 - Túnel da Avenida 9 de Julho em construção, com o Belvedere Trianon, 1939,
(Autor: B.J.Duarte). .................................................................................................... 140
Figura: 3.6 - Aquarela de Prestes Maia para o Plano de Avenidas. Na imagem, o Vale do
Anhangabaú............................................................................................................... 149
Figura: 3.7 - Plano de Avenidas. Perfil transversal da artéria de 1ª classe. ........................ 150
Figura: 3.8 - Via Expressa Marginal, Robert Moses. .......................................................... 151
Figura: 3.9 - Plano Urbanístico Básico (PUB), malha viária com simulação de carregamento.
................................................................................................................................... 152
Figura: 3.10 - Mapa simplificado da Lei de Zoneamento de São Paulo de 1972. ............... 155
Figura: 3.11 - Obras na Avenida do Estado em São Paulo, 1969. ..................................... 156
Figura: 3.12 - Município de São Paulo: loteamentos irregulares implantados entre 1941 e 1980.
................................................................................................................................... 159
Figura: 3.13 - Cohab Itaquera, 1930. ................................................................................. 160
Figura: 3.14 - Mapa do Macrozoneamento do PD 2002 (em verde as Macrozonas de Proteção
Ambiental). ................................................................................................................. 165
Figura: 3.15 - Mapa da Rede Hídrica estadual do PDE 2002. ............................................ 166
Figura: 3.16 - Áreas de Intervenção Urbana - Parques Lineares. ...................................... 169
Figura: 3.17 - Córrego Cruzeiro do Sul, São Miguel Paulista, antes e depois da urbanização.
................................................................................................................................... 170
Figura: 3.18 - Projeto de Urbanização do Córrego do Sapé, (Renova SP). ........................ 172
Figura: 3.19 - As Macroáreas do PDE 2014, onde se veem os eixos dos principais rios
determinados como Macroárea de Qualificação da Urbanização. .............................. 173
Figura: 3.20 - Mapa das intervenções propostas pelo PIU Arco Tietê. ............................... 175
Figura: 3.21 - Detalhe ampliado do trecho na altura das pontes das Bandeiras e Cruzeiro do
Sul sobre o Rio Tietê. As linhas pontilhadas em verde, nas bordas das avenidas
marginais ao rio, indicam os bulevares; os traçados em azul, córregos a serem
desenterrados; os traçados contínuos em verde, as alamedas. A maioria situada em
avenidas arteriais de grande fluxo. ............................................................................. 175
Figura: 3.22 - Programa Ligue os pontos - agricultura familiar. .......................................... 177
Figura: 3.23 - Viela da Paz, Butantã. ................................................................................. 179
Figura: 3.24 - Renova SP - Projeto Lote 4 - Cabuçu de Cima. Terra Tuma Arquitetos, (2010).
................................................................................................................................... 180
Figura: 3.25 - Relatório das Ocorrências do PPCV 2019-2020. ......................................... 192
CAPÍTULO 4
Figura: 4.1 - Localização da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré no município de São Paulo.
................................................................................................................................... 199
Figura: 4.2 - Mapa Hipsométrico da bacia do córrego Jaguaré. ........................................ 201
Figura: 4.3 Região das nascentes do córrego Jaguaré (em verde, vegetação preservada e,
pontos azuis, as nascentes). ...................................................................................... 202
Figura: 4.4 - CEU Uirapuru sobre canal do córrego Jaguaré.............................................. 202
Figura: 4.5 - Obras de infraestrutura, Jardim das Esmeraldas, córrego Jaguaré. ............... 203
Figura: 4.6 - Canal aberto com ocupação em APP - córrego Jaguaré. .............................. 203
Figura: 4.7 - Regiões administrativas da bacia do córrego Jaguaré. .................................. 204
Figura: 4.8 Trechos a céu aberto e subterrâneos do córrego Jaguaré e seus afluentes. ... 205
Figura: 4.9 - Sub-bacias contribuintes do córrego Jaguaré. ............................................... 206
Figura: 4.10 - Espaços abertos na bacia do Jaguaré. ........................................................ 226
Figura: 4.11 - Uso e ocupação do solo na bacia do córrego Jaguaré. ................................ 228
Figura: 4.12 - Uso e ocupação do solo por tipologias e padrão na bacia do Jaguaré. ........ 230
Figura: 4.13 - Conflitos em áreas de ZEIS E áreas verdes................................................. 231
Figura: 4.14 - Mapa de favelas, áreas de risco geológico. ................................................. 232
Figura: 4.15 - Sub-bacias de esgotamento do Jaguaré. ..................................................... 235
Figura: 4.16 - Caracterização das áreas de coleta de esgotamento do Jaguaré. ............... 236
Figura: 4.17 - Rota de coleta de resíduos na bacia do Jaguaré. ........................................ 239
Figura: 4.18 - Áreas de cobertura de coleta seletiva. ......................................................... 240
Figura: 4.19 - Contêineres e Ecopontos. ............................................................................ 241
Figura: 4.20 - Macrodrenagem do córrego Jaguaré – Trecho Superior. ............................. 244
Figura: 4.21 - Macrodrenagem do córrego Jaguaré - Trecho Inferior. ................................ 245
Figura: 4.22 - Mapa das tipologias hidrológicas do solo na bacia do Alto Tietê (BAT)........ 246
Figura: 4.23 - Sub-bacias do Jaguaré. Escoamento superficial. ......................................... 248
Figura: 4.24 - CN (Curve Number) por tipologia de uso do solo na bacia do Jaguaré. ....... 251
Figura: 4.25 - Áreas de Inundação. ................................................................................... 252
Figura: 4.26 - CN - (Curve Number) por tipologia de uso do solo na bacia do Jaguaré. ..... 255
Figura: 4.27 - Mapa de permeabilidade na bacia do Jaguaré............................................. 256
Figura: 4.28 - Áreas de inundação para um TR 100 anos. ................................................. 259
Figura: 4.29 - Zoneamento na bacia do Jaguaré................................................................ 263
Figura: 4.30 - Macroáreas de planejamento na bacia do Jaguaré. ..................................... 264
Figura: 4.31 - Perímetros de Ação da Prefeitura Regional do Butantã ............................... 267
Figura: 4.32 - Perímetros de Ação Rio Pequeno (ID 212) Prefeitura Regional do Butantã. 268
Figura: 4.33 - Corte Geral Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014. .............. 271
Figura: 4.34 - Vista do Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014. .................... 272
Figura: 4.35 - Vista do Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014. .................... 272
Figura: 4.36 - Reurbanização da Favela do Sapé, obra, Rio Pequeno, 2014. .................... 273
Figura: 4.37 - A bacia do córrego Jaguaré, o relevo, a hidrografia, e os vales fluviais. ...... 282
Figura: 4.38 - Os três trechos da bacia alta, média e baixa manchas de inundação e
logradouros. ..................................................................... Erro! Indicador não definido.
Figura: 4.39 - Três trechos com logradouros, edificações, áreas verdes TR 100 anos, (em
vermelho, áreas de risco geológico). .......................................................................... 285
Figura: 4.40 - Bacia alta, logradouros, edificações, áreas verdes TR 100 anos, (em vermelho,
áreas de risco geológico). Esc. 1/25.000. ................................................................... 286
Figura: 4.41 - Detalhe TR 100 anos na confluência dos córregos Itaim e Jaguaré, com SP 270
e nas Avenidas Escola Politécnica e Benedito de Lima. Esc. 1/10.000. ..................... 289
Figura: 4.42 - Localização da área de inundação do córrego Jaguaré nas Av. Politécnica e Av.
Benedito de Lima, (foz dos córregos JD 05 e JD 06). Esc. 1/10.000. ......................... 290
Figura: 4.43 - Av. Benedito de Lima. .................................................................................. 292
Figura: 4.44 - Av. Escola Politécnica.................................................................................. 292
Figura: 4.45 - Conflito infraestrutura e sistema viário. ........................................................ 298
Figura: 4.46 – Situação da área proposta para adequação e novo desenho urbano para a Av.
Escola Politécnica com a criação de uma faixa de inundação. ................................... 300
Figura: 4.47 – Cortes esquemáticos mostrando a situação atual e a situação proposta para a
avenida Escola Politécnica......................................................................................... 301
Figura 4.48 – Cortes esquemáticos mostrando a situação atual e a situação proposta para a
avenida Escola Politécnica...................................................................................................302
LISTA DE TABELAS
Tabela: 3.1 - Unidades Licenciadas de HIS e HMP, em ZEIS e fora ZEIS1. ...................... 183
Tabela: 3.2 - FUNDURB - Liquidação de recursos financeiros na Política de Habitação Social
em relação aos montantes (valores em R$) período 2014-2018). .............................. 184
Tabela: 4.1 - Usos do solo na bacia do Jaguaré. ............................................................... 224
Tabela: 4.2 - Dados de atendimento de coleta de esgotos. ............................................... 237
Tabela: 4.3 - Coleta de resíduos sólidos no município de São Paulo. ................................ 238
Tabela: 4.4 - Sub-bacias do Córrego Jaguaré.................................................................... 247
Tabela: 4.5 – Valores de CN / Classificação hidrológica dos solos .................................... 250
Tabela: 4.6 - Comparativo CN recomendado e apurado nas sub-bacias em que ocorreram
inundações................................................................................................................. 253
Tabela: 4.7 - Zoneamento para áreas inundáveis. ............................................................. 257
Tabela: 4.8 - Curve Number médio por sub-bacia do córrego Jaguaré. ............................. 294
Tabela: 4.9 - Áreas impermeáveis permitida por lei e existente acordo com sub-bacias do
córrego Jaguaré. ........................................................................................................ 295
Tabela: 4.10 - Diretrizes para adequação de área sujeita a inundação nas sub-bacias JD 05 e
JD 06 do Jaguaré no bairro Rio Pequeno. ................................................................. 297
LISTA DE QUADROS
Planilha: 2.1 - Comparativos de medidas propostas pelos planos de redução de riscos de Nova
York e Blumenau consideradas as quatro dimensões de análise propostas pela pesquisa.
................................................................................................................................... 128
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico: 3.1 - Unidades Licenciadas por parte do agente promotor em ZEIS. .................... 184
Gráfico: 4.1 - Classificação dos espaços abertos na bacia do Jaguaré. ............................. 225
Gráfico: 4.2 - As dimensões da sustentabilidade urbana e seus componentes. ................. 280
LISTA DE MAPAS
Mapa: 4.1 - Mapa de uso do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 1933. ...... 213
Mapa: 4.2 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em
1981. .......................................................................................................................... 215
Mapa: 4.3 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em
2007. .......................................................................................................................... 219
Mapa: 4.4 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em
2011. .......................................................................................................................... 221
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
2.4.2 Gestão de riscos de desastres naturais no Brasil: o caso de Blumenau .... 101
Período de 1970 a 1990 – Planejamento integrado e os planos sem mapa .......... 154
4.3 Leitura do quadro atual da urbanização na bacia do Córrego Jaguaré, à partir dos
componentes urbanísticos, políticos-institucionais e das infraestruturas. ............... 223
4.3.1 Componentes urbanísticos: Uso do solo....................................................... 223
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa trata das relações entre os rios e as cidades tendo a cidade de São
Paulo como objeto de investigação. Historicamente essas relações eram harmoniosas, sendo
os rios respeitados como verdadeiras “entidades”, por serem fonte de suprimento, de
alimento, de transporte e de proteção. A partir da industrialização das cidades, essas relações
se transformaram radicalmente; a força de suas águas foi dominada e transformada em
energia elétrica, seus leitos foram adulterados e canalizados e suas margens inundáveis
ocupadas pela urbanização, passando por fases do temor e da sacralização para a rejeição
(SARAIVA, 1999). Artificializados e transformados em elementos dos sistemas de
infraestrutura urbana de saneamento e drenagem pelas técnicas da hidráulica, tiveram suas
geomorfologias profundamente alteradas para controlar enchentes e afastar rapidamente as
águas servidas, sendo adotado um modelo que se constituía, ao mesmo tempo, solução de
infraestrutura e urbanística: as avenidas de fundo de vale (TRAVASSOS, 2010).
Tal modelo adota a canalização dos leitos fluviais e a apropriação de seu relevo plano,
e constroem, nas suas margens, avenidas sob as quais instalam as redes de infraestrutura
viária, de drenagem e sanitária. O sistema viário e de infraestrutura que margeia os leitos
canalizados, define e estrutura a urbanização dessas regiões, restringindo as dinâmicas
hidrológicas e suprimindo das paisagens, os leitos sinuosos, as bordas fluviais com seus
sistemas de vegetação ciliar e suas faixas de inundação, as áreas de várzea e as margens
transformadas em paredes ou taludes.
Por serem áreas naturais de drenagem, no período das chuvas, as áreas de fundo de
vale ou de várzeas, são alagáveis. Mas o padrão de urbanização adotado ocupou os fundos
de vale, canalizando e/ou enterrando os cursos d’água, construindo avenidas nas margens
de seus leitos e impermeabilizando grandes extensões de solo de suas bacias de drenagem.
Suprimiram os cursos d’água das paisagens ribeirinhas, contaminaram as águas e afastaram
as pessoas do convívio e do contato com os rios e os córregos da cidade, transformados em
dutos de drenagem, lixo e esgoto.
Como não foram respeitadas as dinâmicas naturais das bacias hidrográficas pela
ocupação das áreas inundáveis, os problemas foram inevitáveis. Diante do aumento das
inundações, das perdas de vidas, das destruições de bens e da contaminação das águas, os
gestores públicos lançam mão de toda sorte de argumentos para justificar o injustificável, que
parte da cidade está onde deveriam estar as águas.
25
Esse é o cenário de muitas cidades brasileiras, com destaque para São Paulo, a cidade
mais populosa cidade do Brasil1. Seus padrões de ocupação do solo tão múltiplos como os
objetivos formais e informais que regularam seu crescimento ao longo de décadas. Os planos
e os parâmetros urbanísticos – de caráter estritamente ordenador da ocupação e do uso do
solo urbano - reproduziram um modelo de cidade que atendeu a interesses de grupos
específicos e, dessa forma, “desenharam” uma cidade fragmentada e segregadora,
produzindo um quadro de degradação ambiental.
Ainda que os planos diretores mais recentes aprovados para a cidade de São Paulo,
a partir do Plano Diretor Estratégico de 2002, considerem a importância da questão ambiental
e, em particular, dos recursos hídricos para a cidade, como expresso nos discursos que
promovem uma articulação entre as Políticas Ambiental e de Desenvolvimento Urbano; não
se pode afirmar que se tenha consolidado como prática e alterado esse quadro de conflitos
11Segundo o IBGE a população total estimada para o ano de 2020 na cidade de São Paulo é de
12.325.232 distribuídos em uma área de 1.521,110 km² com uma densidade de 7.398,26 hab./km². Já
a Região Metropolitana de São Paulo segundo dados da Fundação SEADE tinha em 2018
aproximadamente 20. 857.000 habitantes.
26
socioambientais2. Haja visto que a adoção das bacias hidrográficas como unidades de
planejamento não se efetivou e não superou as divisões administrativas de gestão da cidade
e as águas urbanas ainda são tratadas como um tema da infraestrutura de drenagem e
saneamento.
O autor alerta que essa mescla de discurso e prática ocorre “de tal forma que é difícil
separá-los”, acrescentando ainda como dificuldade as várias formas possíveis como
aparecem: como zoneamento, como planos setoriais, como planos diretores e outros. Propõe
como um caminho para o estudo, determinar a distinção entre plano e projeto, considerando
que uma “determinada prática e/ou discurso” estará mais próxima do conceito de plano (e,
portanto, mais afastada, do conceito de projeto) quanto mais forte e presentes estejam a
abrangência de todo o espaço urbano; tenha interferência sobre a maioria da população;
tenha continuidade de execução e necessidade de revisões e uma maior participação de
organismos políticos municipais formais.
Essa distinção entre plano e projeto foi adotada nessa pesquisa, especialmente para
fundamentar as análises do processo de urbanização e de ocupação das áreas de fundo de
vale, pois se, como descrito acima, a questão das águas ainda é tratada como um tema da
infraestrutura, as práticas que as envolvem, devem ser consideradas como fruto de projetos
de infraestrutura e não como planos urbanos.
Assim essa pesquisa, reconhece como projetos, a prática da construção das avenidas
sanitárias de fundo de vale, adotadas como solução hegemônica de obras de infraestrutura
em São Paulo desde o início do século XX, que promoveram por meio das canalizações de
rios e córregos, a redução das enchentes e a possibilidade de ocupação das várzeas
inundáveis por avenidas e pelo parcelamento do solo. Tais projetos foram, historicamente,
promovidos por uma visão estratégica setorial articulada pelos agentes das concessionárias
de serviços públicos, pelo mercado imobiliário e pelos gestores do Estado, para preparar a
cidade para se consolidar como grande e principal polo industrial do país.
Mas houve uma omissão do Estado nesse processo, ao não articular a esses projetos,
planos e uma política permanente que promovesse um espaço na cidade para os estratos
mais pobres, também atraídos pelo vigor da economia industrial. Predominou uma lógica
excludente e segregadora de ocupação do território, cujos interesses se concentravam na
valorização imobiliária, em áreas mais bem estruturadas, dotadas de infraestrutura; porém
desarticulados de planos para moradia para a população de baixa renda.
O quadro atual da degradação socioambiental dos rios e das áreas de fundo de vale
de São Paulo revelam que o modelo de ocupação composto pela canalização e/ou
enterramento dos leitos fluviais e a ocupação das áreas de inundação, dissociado de outras
ações e planos que envolvessem opções de moradia e de conservação e uso das áreas
ribeirinhas, não deu certo e precisa ser reavaliado. Porém, o maior desafio é como tratar de
intervenções dessa escala em áreas urbanas consolidadas?
Intervir nestes territórios exige uma visão sistêmica que pressupõe a articulação entre
políticas urbanas e ambientais, com vistas à garantia da sustentabilidade ambiental e, ao
mesmo tempo, a simultânea resolução de demandas urbanas (ALVIM, KATO, ROSIN, 2015).
É fato que tal articulação é extremamente complexa e, na maioria das vezes, depara-se com
os antagonismos presentes no bojo das matrizes políticas e discursivas que transitam entre
“preservar” o ambiente para garantia de recursos naturais tão caros à sociedade, ou
“urbanizar” como garantia de um habitat digno para populações de baixa renda. Trata-se de
um campo de forças complexo e conflituoso, engendrado historicamente por objetivos,
processos concretos e mecanismos políticos institucionais específicos com caminhos
distintos. (ALVIM et al, 2019)
O fato é que a sustentabilidade da bacia hidrográfica deve ser entendida como parte
de um processo holístico que compreende a relação interligada entre sociedade e natureza e
o planejamento do desenvolvimento sustentável precisa levar em conta, simultaneamente, as
múltiplas dimensões que a compõem: social, econômica, ecológica, cultural e espacial e
investir na recuperação de seus cursos d’água (SACHS, 1993).
28
Adota-se aqui o pressuposto que o processo de sua ocupação urbana é fruto de uma
lógica setorial que desconsiderou a bacia hidrográfica, promovendo a canalização e/ou o
tamponamento dos cursos d’água (rios e córregos), para a ampliação de áreas urbanizáveis
e construção do sistema viário, em áreas impróprias à urbanização. Como consequência, os
efeitos das enchentes e inundações são cada vez mais danosos ao ambiente e à sociedade.
Trata-se de um modelo que foi adotado em diversas cidades do mundo, ao longo do século
XX, mas que vem sendo revertido, por meio de ações conscientes e planejadas em
consonância com as características ambientais da bacia hidrográfica.
Partindo desse pressuposto essa pesquisa apresenta como hipótese central que a
ausência de um processo de planejamento urbano, sistêmico e integrado, na cidade de São
Paulo, aliado à não definição de parâmetros de ocupação urbana compatíveis com as
características hidrológicas da bacia hidrográfica do Alto Tietê, vêm contribuindo para reforçar
a lógica setorial de obras e investimentos públicos que prevaleceu na ocupação das áreas de
configurar como elemento ordenador do parcelamento do solo, conforme defendido por Solá-Morales
e apresentado no subitem 4.2.1 (p. 218) desta pesquisa. Mas, considerando a importância e os
impactos de antropização que essas estruturas exerceram nos rios, nos córregos e nas paisagens
fluviais da cidade de São Paulo, adotou-se a infraestrutura como um elemento isolado de análise.
30
Esta pesquisa tem como objetivo geral a sugestão de diretrizes para fundamentar a
adoção de novos parâmetros, ou mesmo a revisão dos atuais, como ainda outros mecanismos
de ordenamento de solo para as regiões de fundo de vale na cidade de São Paulo, que
incorporem as dinâmicas hidrológicas e promovam uma reconciliação entre as águas e a
urbanização nessas regiões.
• Apresentar um quadro geral das relações entre a urbanização e os cursos d’água, sob
uma perspectiva histórica, evidenciando como os impactos ambientais extremos, aos
quais os rios urbanos foram submetidos, resultaram da adoção de uma abordagem
funcionalista e setorial inadequada, que não incorporaram as dinâmicas naturais e os
31
METODOLOGIA
Na última parte desse trabalho, a pesquisa qualitativa foi associada ao estudo de caso
para promover uma aproximação da área de estudo da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré,
para o qual também foi adotada como metodologia a construção de mapas temáticos por meio
das ferramentas do geoprocessamento. Foram construídas bases cartográficas para
descrever as características territoriais e ambientais e as dinâmicas hidrológicas e para
apresentar quadros dos processos da evolução da urbanização na área da bacia, pelo método
de sobreposição de mapas (overlay maps) com camadas de informações específicas. E por
fim, os estudos sobre parâmetros de sustentabilidade ambiental e urbana, dos parâmetros de
gestão de riscos, das técnicas do LID, do zoneamento ambiental e sobre as características
físicas e hidrológicas da bacia do Jaguaré, construídos pelas pesquisas qualitativas e pelos
estudos de caso constituíram o arcabouço para a definição de um conjunto de parâmetros por
meio dos quais se definiu a análise de situações de risco e de proposição de recomendações
para a área de fundo de vale dessa bacia. Esses dados foram organizados em quatro grupos
de acordo com suas relevâncias e distintas dimensões dos elementos urbanísticos e
ambientais na seguinte ordem: dimensão ambiental, dimensão urbanística, dimensão das
infraestruturas e dimensão político-institucional
conservação das águas, no âmbito das três instancias federativas. São eles o conjunto das
legislações federais e estaduais que regulam e protegem rios e cursos d’água e as áreas de
proteção (Código da Águas, Código Florestal), as normativas das agências federais e
estaduais (Agencia Nacional de Águas -ANA – e Agencia Reguladora de Saneamento e
Energia do estado de São Paulo – ARSESP) e as normas da companhias e autarquias que
operam os serviços de infraestrutura básica (Serviço Municipal de Águas e Esgotos – SEMAE
e Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP); sendo que no
tocante a essas leis e normas, as propostas visam definir as competências, principalmente no
que se refere a aplicação e fiscalização desse arcabouço legal.
Os dados coletados são de natureza indireta, dada a condição restrita imposta pela
pandemia, e pretendem ser atuais. Foram consultadas várias fontes, desde as fontes oficiais,
por meio dos relatórios das secretarias dos governos municipal e estadual, das
concessionárias de serviços essenciais, às pesquisas acadêmicas. Uma importante fonte de
dados foi o Projeto Jaguaré, liderado pela Associação Águas Claras do Rio Pinheiros /
Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH) e Labverde, ambas instituições
vinculadas à USP, que investigou especificamente a bacia do Córrego Jaguaré.
Contando com o generoso apoio do líder do projeto pela FCTH, foram disponibilizados
dados em formato shape (georreferenciados) e imagens, como os relatórios técnicos e os
textos analíticos que constituíram importante fonte de consulta, permitindo a elaboração de
novos mapas temáticos específicos, que fundamentam as análises e apresentam as
propostas deste trabalho.
Discute ainda o enfrentamento da questão das enchentes e das inundações por meio
da gestão de riscos e dos instrumentos do Planejamento Urbano. Para fundamentar a
importância da adoção de instrumentos específicos apresenta dois casos de ações de
planejamento para a prevenção ou redução de conflitos com inundações: o Plano de
resiliência a inundações de Nova York e o plano de prevenção e controle de inundações de
Blumenau em Santa Catarina. Esses casos propõem reflexões que fundamentam a discussão
as políticas públicas para a gestão de riscos de desastres naturais em São Paulo, que encerra
a primeira parte do trabalho.
ribeirinhos para promover uma aproximação das pessoas e das águas; a prevenção dos riscos
de inundações com danos e prejuízos socioambientais; promover e garantir drenagem
dinâmicas hidrológicas.
37
38
concebe 54 tipos de cidades fluviais, em seu trabalho “A Utopia”, onde a presença das águas
delimita cidades, com jardins florescentes e abundantes cercados por um cinturão verde do
campo, demonstrando “a nostalgia de uma ordem passada, com a intuição futurista de
transformações sociais” (CHOAY, 1979, p. 152).
Saraiva (2020) associa essas relações, na chamada fase de “ajustamento e harmonia”,
com imagens de mapas de antigas cidades medievais europeias (Figura 1.1). Tais mapas
revelam as adaptações das morfologias urbanas aos traçados dos leitos dos rios e das regiões
de vale, reconhecendo e estabelecendo relações harmônicas com as dinâmicas hidrológicas,
sem interferências em suas funções naturais. Essa convivência harmoniosa se estendeu
ainda ao reconhecimento da importância dos rios para a subsistência humana como fonte de
alimento, abastecimento, irrigação, meio de transporte e lazer, assim como no tocante à
apropriação de sua energia para a moagem de grãos.
Fonte: Saraiva, Mesa Redonda – Dimensão urbana: rios no meio urbano (2020).
Figura: 1.2 - Fase de controle, domínio e regulação, (Cher Chenonceau. Segura em Múrcia e Túria
em Valência).
Fonte: Fonte: Saraiva, Mesa redonda – Dimensão urbana: rios no meio urbano (2020).
Figura: 1.3 - Esculturas que representam respectivamente: o Rio Tejo, (Alexandre Gomes, Lisboa) a
Fonte dos Três Rios, (Francisco Robba Ljubljana) e a Fonte dos Quatro Rios, (Bernini, Roma).
onde vivem milhares de pessoas. Esse quadro constitui, atualmente, um dos maiores passivos
das metrópoles em todo o mundo, especialmente nas cidades brasileiras.
Os grandes planos de implantação das infraestruturas necessárias para o
empreendimento urbano-industrial nas cidades, ao mesmo tempo que organizaram a
viabilidade do empreendimento econômico na macro escala, geraram a desordem
socioambiental na escala local (FRANCO, 2005). Não é apenas casualidade que os conflitos
entre os rios e as habitações vulneráveis ocupem os mesmos espaços. Mesmo assim, muitas
vezes se estabelecem como opostos no campo das discussões de políticas públicas,
constituindo um falso dilema entre as exigências e as demandas das chamadas agendas
verde e marrom. São duas faces do grande passivo socioambiental construído por esse
modelo de cidades e de sociedade.
As cidades, ao adotarem um modelo de urbanização de fundos de vale, conforme
descrito, tiveram alterados, além das suas paisagens fluviais, seus processos hidrológicos e
geológicos, pois as vegetações ripárias que protegiam as margens e garantiam maior
infiltração foram removidas. Ao aterrarem várzeas e outras áreas alagáveis, a vazão dos rios
aumentou e foi agravada pela impermeabilização de superfícies das bacias decorrente da
urbanização. Dessa forma, os volumes e as velocidades de escoamento também se
ampliaram, concorrendo para o aumento de processos erosivos e colapsos do solo e
provocando, nas áreas à jusante, o aumento das inundações. Ou seja, o modelo que tinha
como um dos objetivos controlar as enchentes, as ampliou e as transferiu de lugar.
Tais efeitos também foram percebidos na redução da disponibilidade hídrica e na
degradação da qualidade das águas, pois a redução da infiltração, provocada pelo processo
de impermeabilização do solo gerado pela urbanização, impactou e reduziu as recargas dos
aquíferos subterrâneos.
Atualmente, quando se trata de contabilizar os prejuízos socioambientais que
anualmente acontecem nos períodos chuvosos, por decorrência de alagamentos ou grandes
inundações, geralmente os agentes públicos, os moradores das áreas afetadas e a
população, de um modo geral, apontam as chuvas e os cursos d’água como se fossem os
agentes responsáveis por esses desastres. Porém, o que seriam das nossas cidades se não
fossem as águas?
Os modelos de gestão das águas urbanas que foram adotados e aplicados desde o
período industrial da História, em todos os países, vêm sendo contestados, e a recuperação
dos rios urbanos e a proteção dos mananciais tornaram-se temas estratégicos e prioritários.
Desde os anos 1970, as abordagens setoriais adotadas pelas administrações públicas,
amparadas pelos métodos e pelas técnicas da engenharia hidráulica tradicional, vêm sendo
criticadas por se mostrarem parciais e pouco eficientes para tratar a questão da gestão das
águas nas cidades (SANTOS, 2004; ALVIM, 2003).
43
Essa abordagem, na verdade, estava presente no século XIX, pois a degradação dos
rios já era um grande problema da gestão das cidades europeias e americanas na primeira
industrialização. Spirn (1984) mostra como, na primeira metade do século XIX, a poluição do
rio Tâmisa era discutida na Câmara dos Comuns inglesa, e as cidades de Boston e Chicago,
nos Estados Unidos, empreenderam obras e projetos para enfrentar esses problemas. A
abordagem predominante, no entanto, ainda se atinha aos conceitos higienistas, de caráter
funcionalista e setorial.
Entre os anos de 1970 e 1980, nos âmbitos das discussões e das revisões de
conceitos promovidas pelo movimento ambientalista, se consolida e se difunde uma
abordagem que reconhece o caráter sistêmico e integrado dos ciclos naturais, promovendo
uma releitura dos fundamentos conceituais das premissas de desenvolvimento urbano e meio
ambiente, associando-os ao conceito de desenvolvimento sustentável.
Temas como qualidade dos ambientes urbanos, qualidade ecológica da água e da
paisagem, redução do risco de cheias, sustentabilidade urbana, potencial ecológico,
integração ambiental e alterações climáticas passam a compor as agendas urbanísticas em
seminários e estudos e na construção de novos arcabouços legais e institucionais, com o
apoio e o suporte de organizações mundiais como a ONU.
A discussão sobre as diretrizes do planejamento urbano e parâmetros de ocupação
urbana em áreas de fundo de vale se desvincula dos aspectos exclusivamente econômicos e
sociais e passa a incorporar exigências de planos mais abrangentes do que as premissas de
caráter setorial. A adoção das bacias hidrográficas como unidades de planejamento e a
recuperação dos rios urbanos foram incorporadas ao planejamento territorial, mobilizando
várias nações. Grupos de pesquisa e comitês de gestão foram organizados para estabelecer
metas e estratégias para a recuperação das bacias hidrográficas dos rios urbanos (SANTOS
2004; ALVIM, 2003; RUTKOWSKI, 1999).
Muitos autores alertam quanto ao quadro de deterioração e aos impactos
profundos pelos quais os cursos d'água urbanos vêm passando (SPIRN, 1995; HOUGH, 1995;
RILEY, 1998; KAHTOUNI, 2016 e HIGUERAS, 2006;). Alertam igualmente para o crescimento
das crises hídricas que afetam milhões de pessoas em zonas urbanizadas.
O quadro de deterioração das canalizações em córregos e riachos construídos
como elementos da infraestrutura urbana em fins do século XIX, sobrecarregados em função
da expansão, do adensamento e da impermeabilização das superfícies das cidades durante
o do século XX, atualmente levou a um ponto de virada na abordagem da gestão de águas
pluviais urbanas. (ALVIM, 2003; TRAVASSOS, 2010; GORSKI, 210; DELIJAICOV, 1998;
RUTKOWSKI, 1999 e SCHUTZER, 2012).
A partir dos anos 1980, no contexto das transformações da economia mundializada
(SANTOS, 2004), a questão da sustentabilidade e da economia dos recursos naturais passa
44
a ser pauta de políticas públicas em todo o mundo. Muitos países iniciaram ações e
investimentos no planejamento e em obras de recuperação de seus rios, mobilizados pelo
objetivo de garantir sustentabilidade para a questão hídrica e resgatar as qualidades
socioambientais da convivência das populações com as paisagens fluviais. Essas ações
revelaram que modelos adotados pela engenharia hidráulica, que em dado momento tornaram
possível o rápido desenvolvimento das cidades, estavam falhando e criando uma série de
problemas nas metrópoles atuais.
As soluções adotadas para a gestão das águas nas cidades, por mais da metade do
século XX, se apoiaram nos paradigmas então vigentes, do Higienismo europeu,
desenvolvendo-se em soluções de ordem estrutural e setorial (a construção de redes de
infraestrutura de coleta e afastamento de esgotos e de drenagem) e na solução da
urbanização de fundo de vales, provocando grandes impactos ambientais. Canalizar – e
muitas vezes enterrar - os leitos naturais de rios e córregos urbanos e construir avenidas onde
estavam suas margens ou sobre os leitos enterrados, foi uma solução extremamente
difundida e replicada, a ponto de parecer ser a única solução possível para essas regiões.
Mas outros modelos e outras soluções para a implantação das infraestruturas
sanitárias para o suporte das ocupações urbanas, passaram a ser propostas e implantadas
como alternativa às soluções da engenharia hidráulica convencional. Uma nova abordagem,
de caráter ambiental, passou a compor a pauta das discussões que envolviam as cidades e
seus rios e córregos.
Saraiva (1999) identifica essa fase como de “recuperação e restauro” e apresenta
vários projetos e obras implementados nas grandes metrópoles europeias como referências
desse movimento, associando a recuperação dos rios urbanos aos planos de requalificação
de frentes fluviais e de novos usos para antigas áreas industriais, em um movimento mais
amplo de regeneração urbana e não apenas dos rios urbanos. Esses planos incorporam
requalificação fluvial, restauro de patrimônios edificados e naturais, criação de parques
lineares e corredores verdes, com a implantação de infraestruturas verdes e azuis (Figura
1.4).
Porém, observa-se que já no século XXI, a abordagem às questões de drenagem e de
coleta de esgotos utilizando os cursos d’água urbanos, especialmente no Brasil, não mudou
muito. Riachos, córregos e rios continuam a ser frequentemente canalizados, para contenção,
controle e remoção das águas pluviais, conectados a tubulações e sistemas de bueiros, tendo
nas paredes de seus leitos canalizados, feixes de redes de coleta de esgoto instalados, em
uma prática denominada “engenharia tradicional”.
Esse modelo se proliferou pelas cidades, concorrendo para que, nos dias de hoje, 40
a 50% ou mais das áreas urbanas estejam cobertas por superfícies impermeáveis. Esse fato
45
Tubos rachados e em colapso causam grandes inundações urbanas, uma vez que
galerias subdimensionadas não conseguem lidar com a quantidade de águas pluviais
escoadas geradas pelas extensas áreas de superfície impermeável de hoje, destacando-se
que a saúde de muitos cursos d’água está severamente degradada. Somam-se a isso as
cargas poluentes que são carreadas pelas enxurradas, comprometendo ainda mais a
qualidade das águas.
A constatação de que esse modelo de urbanização de fundo de vale, concebido pelo
ideário higienista e aplicado pela engenharia hidráulica convencional, revelou-se inadequado,
demonstra a dimensão e a importância desse passivo socioambiental urbano. Porém,
considerando-se a atual conjuntura de urbanização consolidada nas grandes metrópoles,
como enfrentar e corrigir essa condição?
46
A gestão das águas pressupõe a adoção de uma abordagem integrada, que contemple
a bacia hidrográfica como uma unidade de planejamento e todos os aspectos que envolvem
o saneamento ambiental e o gerenciamento dos recursos hídricos: o abastecimento de água,
a coleta e o tratamento de esgotos, a drenagem e a limpeza urbana. Além dessa visão
integrada, há um desafio ainda maior de se estabelecer uma estrutura institucional eficiente,
que concilie e controle limites ambientais e político-administrativos e que supere a dispersão
de papéis e responsabilidades de agentes públicos em diferentes esferas de poder que atuam
sobre essa gestão.
Como as questões ambientais não reconhecem os limites administrativos, a gestão do
saneamento ambiental, sob o viés municipal, teve que recorrer a artifícios para superar
problemas. Nesse sentido, várias foram as experiências desenvolvidas em diferentes países.
A gestão da drenagem, por exemplo, nos Estados Unidos, é conduzida pelo
estabelecimento de “distritos de drenagem” (drainage districts). Esses distritos adotam a bacia
de drenagem como a unidade de planejamento e gestão, atuando não apenas em projetos
localizados para controle de enchentes. Os referidos distritos trabalham juntamente com os
governos locais, a fim de assegurar a adoção e a implementação de normas de uso adequado
para as áreas de várzea nos planos diretores de recursos hídricos das bacias hidrográficas.
São elaborados Manuais de Critérios de Drenagem das Águas Pluviais Urbanas, que levam
em consideração questões relacionadas às políticas, à legislação e aos planos diretores de
drenagem. Os “distritos de drenagem” prestam assessoria aos governos locais, promovendo
projetos referenciais e compartilhando investimentos no desenvolvimento de projetos e na
execução de obras.
A experiência estabeleceu um método que considera aspectos legais e institucionais,
além das características físicas, constituindo um modelo eficiente, recomendado por
especialistas. Por essa razão foi adotado, por exemplo, para a região metropolitana de São
Paulo no Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê (TUCCI & MELLER, 2007
e PORATH, 2004 apud PDMAT- 3) desde o final do anos 1990. Mas a origem dessa cultura
de gestão das águas trazida pela experiencia americana remonta a mais tempo.
Em fins do século XIX, o renomado arquiteto paisagista Frederick Law Olmsted teve
uma visão de desenvolvimento comunitário que, apoiada por especialistas em biologia da vida
silvestre e ecologia da paisagem, se apropriava das dinâmicas naturais dos rios e dos
sistemas de áreas verdes de suas margens e bordas. Realizou projetos e obras que se
tornaram emblemáticas para várias cidades americanas e fundamentaram os novos conceitos
que surgem nos anos 1980 para os estudos das relações entre a urbanização, o ambiente e
47
A infraestrutura verde fornece um sistema que pode ser usado para orientar o crescimento e o
desenvolvimento futuros e as decisões sobre a conservação do solo para acomodar o
crescimento populacional e proteger e preservar os bens da comunidade e seus recursos
48
naturais” 6(BENEDICT MA, McMAHON, et al, 2006, apud BUCHHOLZ, 2016, p.127. Tradução
do autor).
O Brasil, por sua vez, manifestava, desde o início do século XX, a preocupação com o
gerenciamento dos recursos hídricos, tendo sido criadas nesse período as primeiras
“comissões”, que eram instituições públicas voltadas para tratar desse tema e para suprir
deficiências do Estado na gestão dos recursos hídricos em áreas urbanas, como também nas
áreas rurais. Muitas dessas comissões se tornaram embriões de vários órgãos federais.
A questão do gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil tem, no ano de 1934,
seu primeiro marco legal, com a aprovação do Código de Águas, instituído pelo Decreto
Federal nº 24.643. Esse instrumento tinha como objetivo geral estabelecer o controle federal
para o aproveitamento dos recursos hídricos, principalmente com fins energéticos,
fundamentais para a industrialização e a urbanização no país, e adotava a energia
hidroelétrica como a matriz dominante (GOMES & BARBIERI, 2004).
O Código das Águas constituía uma legislação bastante avançada a época, por
considerar múltiplos usos da água, ainda que relacionados exclusivamente com aspectos
quantitativos do uso da água para fins agrícola e de consumo urbano, com o objetivo de
conciliar esses usos com a geração de energia. Trata-se também do primeiro instrumento de
controle do uso de recursos hídricos que deu base para a gestão pública do setor de
saneamento, sobretudo no que se refere à água destinada ao abastecimento.
Diversas cidades dos Estados Unidos, passaram por rápidos e intensos processos de
industrialização da economia e de urbanização de sua população, exigindo que o poder
público participasse de forma mais ampla e sistemática nas questões econômicas e
organizacionais, incluindo-se as questões hídricas. Como parte desse processo, a expansão
da infraestrutura hídrica incluiu pesados investimentos e reconfigurou a estrutura
administrativa, atribuindo ao Estado o papel preponderante (SILVA, 1998 apud CASTRO,
2012). Essa experiência de gestão dos recursos hídricos, vivenciada pelas autoridades
americanas, exerceu influência sobre os modelos de gestão que foram adotados,
especialmente em São Paulo, em meados do século XX.
Atualmente, no Brasil, o tema Água é regulamentado pela Constituição Brasileira
(CF/88), que estabeleceu a competência da União e instituiu o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH)7, baseado em instrumentos de comando e
6 Green infrastructure provides a framework that can be used to guide future growth and future land
development and land conservation decisions to accommodate population growth and protect and
preserve community assets and natural resources.
7 Para implementar a nova legislação, foi criado o SINGREH, que inclui o Conselho Nacional de
Recursos Hídricos; o Ministério do Meio Ambiente (MMA); o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama); a Agência Nacional de Águas (ANA) – desde 2001; os
conselhos estaduais de recursos hídricos (CERHs), bem como o do Distrito Federal (DF); os órgãos
49
controle (planos de bacia, autorização para captação e uso da água, classificação dos cursos
de água e sistemas de informação) e em incentivos econômicos para o uso “racional” dos
recursos hídricos (cobrança pelo uso da água e compensações financeiras). Entretanto, o
Estado se abstém de investimentos diretos, transferidos para agentes privados.
Ainda que o sistema nacional determine princípios básicos, essa política estabelece o
papel do Estado como regulador – tanto de questões relacionadas à dinâmica da economia
como daquelas relacionadas à oferta de serviços públicos e garantia de direitos – por meio
das agências reguladoras, no contexto de um amplo programa de renovação de paradigmas
da gestão pública implantado nos anos 1990.
Assim como no modelo de gestão das águas adotado nos Estados Unidos, o modelo
brasileiro prevê independência política às instituições, em relação às decisões sobre temas
estruturantes da economia, considerada fundamental para a eficiente alocação dos recursos.
Esse modelo americano que surgiu no período do New Deal , pressupõe uma forte presença
do Estado. Entretanto, o caso brasileiro, sob influência de um programa governamental de
redução da presença do Estado na economia, não adotou esse modelo, delegando ao
mercado esse papel.8
Quanto aos seus princípios básicos, a legislação brasileira determina a bacia
hidrográfica como sendo a unidade básica de planejamento para a implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). No tocante à gestão de tais recursos, reconhece a
água como bem público, finito e vulnerável, dotado de valor econômico, e prevê o
gerenciamento dos recursos hídricos descentralizado e com o envolvimento e a participação
do governo, dos usuários e das comunidades locais, de modo a possibilitar sempre o múltiplo
uso da água. Reconhece que a água é propriedade pública e, no caso de haver escassez, a
prioridade do uso da água será voltada para o consumo humano e dos animais.
A Política Nacional de Recursos Hídricos, estabelecida pela Lei Federal nº 9.433, de
8 de janeiro de 1997; incorpora princípios internacionalmente aceitos sobre gestão de
recursos hídricos, conforme fixados na Agenda 21 da conferência Rio-92 (CASTRO, 2012), e
dos poderes públicos federal, estaduais, do DF e dos municípios; e os comitês de bacia e as agências
de agua estaduais, cujas competências se relacionam com a gestão de recursos hídricos (CASTRO,
2002).
8 No Brasil, a criação das agências reguladoras se diferencia da experiência norte-americana, em
primeiro lugar, por não ter havido um processo amplo de discussão sobre o modelo de regulação;
discutiram-se primeiramente as leis e depois os conceitos. Em segundo lugar, pelo afastamento das
agências da dinâmica política com a ampliação do espaço do mercado substituindo a burocracia estatal
e, com a privatização da oferta de serviços públicos – serviços de saúde, educação, telecomunicações
– e indústrias de base e de um programa de flexibilização de direitos sociais, em nome da eficiência
econômica. Ainda segundo Peci (2007), não existiu, no Brasil, uma política regulatória, mas um
processo de criação de novas instituições (ROSSI & SANTOS, 2018).
50
organizou a gestão e a condução da PNRH por meio das agências reguladoras, no caso, a
Agência Nacional de Águas (ANA).
Por outro lado, quando a questão da gestão da água é analisada no âmbito regional
ou local, em regiões de ocupação urbana altamente concentrada, como na Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP), são grandes os problemas enfrentados. Sendo a região,
mais habitada e urbanizada do país, o aporte de investimentos necessários, em termos de
infraestrutura, não correspondeu ao modelo econômico e cultural da exploração irrestrita dos
recursos naturais adotado, resultando em padrões inadequados de uso, consumo e
conservação de seus recursos hídricos (CAMPOS, 2001).
Observa-se o afastamento dos agentes do Estado, substituídos pelo mercado, tanto
na implementação das ações como na execução das infraestruturas e na exploração dos
recursos naturais; e o afastamento das agências reguladoras da arena política. Esses fatores
concorreram para que a criação de um arcabouço legal, apesar de bem estruturado,
resultasse pouco eficiente, tanto na ampliação e no atendimento dos benefícios no suprimento
de água, quanto no controle sobre o consumo e os efeitos degradantes em sua conservação.
Observa-se ainda que, no tocante à questão da conservação e do uso dos recursos
hídricos, a estruturação da PNRH e do modelo de gestão, por meio das agências, adota o
paradigma da gestão setorial dos recursos, dissociando, por exemplo, a Agência Nacional de
Águas (ANA) da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), sendo que historicamente,
no Brasil, o uso da água esteve associado tanto ao suprimento urbano quanto à irrigação na
agricultura e à geração de energia elétrica. Essas distinções geram ações fragmentadas, até
contraditórias, para o tratamento dos recursos hídricos.
Assim sendo, considera-se que, no tocante à questão da gestão dos recursos naturais
que, dada sua própria natureza, compõem-se de sistemas integrados, a adoção de
abordagens de políticas setoriais mostra-se inadequada e insuficiente para articular as
complexidades resultantes das ações das sociedades sobre os meios naturais. Portanto, a
abordagem sistêmica e integrada é a única que poderá fazer frente aos desafios da
conservação dos recursos hídricos (ALVIM, 2006).
Acerca da gestão das águas nos contextos urbanos, especificamente, a persistência
da abordagem higienista, que pressupõe o rápido afastamento das águas servidas ou pluviais,
deve ser superada e adotada em seu lugar uma abordagem ambiental na qual a preservação,
a conservação e o manejo sustentável permitam o contato das populações com as águas.
Os conflitos da urbanização com relação ao abastecimento e aos usos das águas, tais
como a disposição de esgotos, a drenagem das águas pluviais e a prevenção de enchentes,
51
9 Spirn (1995) se refere, por exemplo, às culturas urbanas que surgiram em climas áridos e semiáridos,
como a Pérsia e o Mediterrâneo, que desenvolveram a arte da paisagem que conserva e ao mesmo
tempo exibe a água; cuja presença não apenas determinou a localização de cidades antigas como
também a disposição de edifícios em seu interior, sendo considerada por Aristóteles não apenas
essencial à saúde (p. 160). A ligação entre o assentamento humano e o controle do fluxo de água
remonta a pelo menos quatro mil anos. Sítios arqueológicos escavados no Vale do Indo e no Punjab
mostram que banheiros e drenos eram comuns em cidades indianas há quatro milênios. Mesmo em
dois milênios a.C., os gregos e egípcios tinham suprimentos adequados de água potável para suas
cidades e ruas, tinham banheiros em suas casas e, em Creta, tinham arranjos de descarga de água
para banheiros. Tubos de barro foram usados antes de 1.500 a.C. e alguns canos nas cidades
mesopotâmicas daquela época ainda estão em funcionamento.
52
a Lei Federal de Controle de Poluição da Água (Federal Water Pollution Control Act ou Clean
Water Act – CWA), estabelecida pela agência ambiental federal americana (Environmental
Protect Agency – EPA). A lei CWA, instituída pela primeira vez em 1948, estabelece os
programas ambientais que devem ser implementados no país. Em 1972, a CWA foi revisada
para incorporar o tratamento de efluentes municipais e industriais e, em 1987, a norma foi
novamente retificada para incorporar o manejo das águas pluviais.
Nos Estados Unidos, a viabilidade de sistemas inovadores de gestão de águas pluviais
é fortemente dependente da evolução dos regulamentos federais. Na esfera federal, a
responsabilidade pela gestão de águas pluviais urbanas é distribuída entre várias agências,
incluindo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (US EPA), com gestão sobre a qualidade
das águas pluviais; o Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos (U.S. Army Corps
of Engineers), com o controle de enchentes e áreas alagadas, e a Agência Federal de
Gerenciamento de Emergências (Federal Emergency Management Agency –FEMA), para o
controle de enchentes. Para alguns especialistas, uma melhor integração entre essas
agências poderia ter um impacto positivo na gestão da água urbana (PDMAT 3, 2012).
No que concerne à gestão das águas pluviais, existem diversos modelos de
instituições responsáveis pela gestão, incluindo-se os comitês de bacias hidrográficas, as
agências governamentais locais (por exemplo, um condado que possua um departamento
específico para obras de drenagem ou departamentos regionais), os serviços públicos de
águas pluviais e as instituições privatizadas. Apesar de serem caracterizados pela forma de
gestão local, esses arranjos devem funcionar de acordo com regulamentações estaduais e
federais, além de portarias locais.
Qualquer arranjo pode ser apropriado para determinada área, dependendo das
características da comunidade e da bacia. Em última instância, a decisão sobre o tipo de
organização de gestão de águas pluviais mais indicado para uma área deve ser uma escolha
conjunta de grupos de interesse local, podendo envolver a incorporação de conceitos de
gestão de águas pluviais em uma instituição já existente ou a criação de uma nova instituição.
Os conceitos e as diretrizes de caráter sistêmico que orientam as políticas públicas e
de gestão das águas nos Estados Unidos apoiam-se em experiencias bem-sucedidas que
ocorreram em algumas de suas cidades ainda no século XIX. Essa abordagem sistêmica que
associa abastecimento, saneamento, drenagem e gestão de recursos sólidos, promoveram a
construção de sistemas integrados de parques, sistemas de controle de enchentes e de
conservação das águas e, tornaram-se referencias, não apenas para esse país, mas para
uma abordagem contemporânea para gestão das águas nas cidades em todo mundo.
A experiência mais emblemática continua sendo o Emerald Necklace, projetado por
Frederick Law Olmsted, em 1891, em Boston, sendo considerado por paisagistas e
historiadores urbanos como um marco na concepção de sistemas integrados de controle de
54
Figura: 1.5 - Parte do Plano do Sistema de Parques do Boston Common, (Parque Público Central) ao
Franklin Park, Boston, MA - Olmsted & Eliot.
Fonte: The Cultural Landscape Foundation (courtesy of the NPS, Frederick Law Olmsted National
Historic Site, 1894).
A Figura 1.6 a seguir, apresenta o Mapa do Back Bay Fens, parte do Plano Geral de
Melhoria do rio Muddy. Em destaque, pode-se visualizar o sistema adotado para o controle
das enchentes, como também das marés.
A área total da bacia do Fens somava 12 hectares e tinha capacidade para reter o
dobro da quantidade de água com a elevação de apenas alguns centímetros da lâmina de
água. Durante as enchentes, oito hectares adicionais poderiam ser cobertos pelas águas. As
margens do rio Muddy foram então niveladas e em suas margens foram construídas
alamedas, com travessias por pontes para pedestres e veículos; foram também plantados
55
arbustos, gramíneas e árvores para formarem o Riverway, que tomou a aparência de uma
várzea natural integrada à cidade. Essa área da bacia de retenção do rio Fens, que se vê no
plano de Olmsted, sofreu o impacto da construção de uma barragem no rio Charles, que
reduziu o fluxo de água das marés, sendo que parte dessa área alagável foi dessecada,
restando aterrada e incorporada à malha urbana.
Os aterros e o avanço das áreas urbanizadas sobre áreas originalmente ocupadas
pelas águas vieram ocorrendo desde o início do século XIX, quando a cidade foi fundada,
conforme se pode observar na Figura 1.7 que traz, em cinza azulado, as massas originais de
solo; em azul, as massas originais de água e; em azul-claro, as áreas de aterro que
avançaram como solo recuperado das águas.
Fonte: American Society of Landscape Architects The landscape architects guide to Boston
(modificado pelo autor).
A cidade de Chicago foi construída em uma planície pouco acima do nível do lago
Michigan e, ao longo de sua história, tem enfrentado problemas de drenagem e inundações,
para os quais foram desenvolvidas soluções engenhosas. Em meados do século XIX, o nível
das ruas foi elevado em 3,5 m, e os edifícios foram suspendidos para viabilizar a instalação
de um novo sistema de drenagem urbana.
No ano de 1885, Chicago enfrentou uma epidemia de cólera, tifo e disenteria que
dizimou 12% de sua população, levando à criação do Distrito Sanitário Metropolitano da
Grande Chicago. Adota-se então um sistema combinado de drenagem e tratamento de
esgotos, apoiado por um sistema de bacias de retenção de águas pluviais localizado nas
56
áreas de várzea, para evitar o contato das águas pluviais com o esgoto. Esse conjunto conta
ainda com um sistema de galerias profundas para estocar os excedentes do transbordamento
dos sistemas de esgoto.
A crise econômica dos anos 1980 e o processo de desindustrialização levaram a
administração na década seguinte a buscar novas alternativas para a recuperação econômica
e social da cidade. Com o apoio de lideranças políticas e empresariais, foi lançada a iniciativa
de transformar Chicago na cidade mais sustentável dos EUA.
exemplo de excelência (BARTH, 1997 apud PDMAT, 2012). Em 1969, diversos condados
(countys)10 em torno de Denver se reuniram em assembleia para votar a criação do primeiro
UDFCD, com os objetivos de planejar, projetar, construir e operar sistemas de drenagem
eficazes, estruturar os primeiros sistemas de alerta, além de auxiliar e orientar os municípios
para que se candidatem ao programa do Governo Federal sobre sistema de seguros contra
inundações. O UDFCD de Denver foi criado para assegurar a adoção e a implementação de
normas de uso adequado das várzeas e a realização de Planos Diretores de microbacias.
Por meio dessa medida, a cidade recuperou rios, implementou um sistema de medição
da qualidade da água e um sistema integrado de caminhos verdes (greenways), que acomoda
água das cheias e atividades recreativas, esportivas e de lazer. Dentre esses, o mais
importante foi a implementação do Plano dos Caminhos Verdes do rio South Platte, com 182
ha, que liga 18 parques urbanos e se concretizou pelos esforços coordenados de
organizações públicas, privadas e de cidadãos comuns.
Em 1969 foi publicado o Manual de Drenagem das Águas Pluviais Urbanas, com o
objetivo de orientar e assegurar o controle da drenagem em toda a região metropolitana de
Denver, incluindo medidas de armazenamento na fonte, como coberturas vegetadas, praças
e estacionamentos com dispositivos de detenção. O Manual orienta o trabalho no Distrito de
Denver, trazendo questões de política, legislação e planos relacionados à drenagem das
águas e ao controle das enchentes, ao cálculo da quantidade das águas que se dirigem ao
sistema de águas pluviais, ao projeto dos sistemas de escoamento de águas pluviais e à
redução dos danos por enchentes (PDMAT 3, 2012).
A cada ano, o Distrito de Drenagem Urbana e de Controle das Enchentes de Denver
reúne uma lista de cinco a dez projetos que fazem parte de um plano diretor. Os governos
locais, então, devem concordar em pagar metade dos custos do estudo e da construção,
relativos a esses projetos, e assumir o controle depois de terminadas as obras. O Distrito se
incumbe de executar o mapeamento da várzea de cem anos, de preparar um estudo
preliminar do trabalho a ser feito e de coordenar os engenheiros consultores, em nome dos
governos locais (Figura 1.9)
A cidade de Denver cobra uma taxa de serviços de drenagem das águas, que ajuda a
financiar a construção e a manutenção do sistema de águas pluviais. A drenagem de águas
pluviais é reconhecida pelos governos locais como sendo parte do sistema urbano de
infraestrutura ambiental e, portanto, o planejamento de drenagem deve ser compatível com os
planos regionais estruturais, em uma abordagem integrada e não setorial, como acontece em
10A bacia do rio South Platte é a bacia mais populosa do Estado. O censo de 2010 registrou a existência
de 3,5 milhões de pessoas e que pode quase dobrar para 6 milhões de pessoas até 2050.
Aproximadamente 85% da população do Colorado reside na faixa frontal dessa bacia que é a mais
importante centralidade econômica e social do Colorado. A bacia do rio South Platte também tem maior
concentração de terras agrícolas irrigadas do Estado do Colorado (COLORADO WATER PLAN, 2011).
59
São Paulo e em outras cidades brasileiras. Os planos diretores de drenagem pluvial têm sido
desenvolvidos, implantados e mantidos para a maioria das bacias hidrográficas de Denver e
região (PDMAT 3, 2012).
Cada município e cada condado da região de Denver é responsável pelo planejamento
da drenagem pluvial urbana dentro de seus limites e arredores, sendo que o Distrito pode
ajudar a coordenar esforços. A cooperação entre as agências governamentais é necessária
para resolver problemas de drenagem em comum. Cabe salientar que o seguro contra
inundações é parte integrante da estratégia para o gerenciamento de perdas de inundação.
As cidades e condados na região de Denver são encorajados a participar desse programa
federal, criado em 1968.
influenciam na gestão das águas. Geralmente os direitos sobre as águas são tratados como
um bem natural e a alocação sobre seus direitos é de responsabilidade dos governos
estaduais e locais, de acordo com três doutrinas básicas: direitos ribeirinhos, direito de
apropriação e permissão de uso e exploração.
Nos estados da região oriental dos EUA há mais abundância de água do que nos
estados ocidentais, onde, por sua vez, se concentrou historicamente a colonização. A gestão
da apropriação e do uso das águas foi regida de forma distinta, de acordo com as três
doutrinas expostas, cabendo ao governo federal estabelecer autoridade constitucional
destinada a regular o uso da água para todas as atividades de forma equilibrada, por meio de
19 agências que controlam o uso da água para navegabilidade, geração de energia, defesa e
provisão para o bem-estar geral. As agências mais importantes e suas respectivas
competências são: o Corpo de Engenheiros Militares, navegação, controle de enchentes,
habitat e restauração; o Serviço de Pesca e Vida Selvagem, proteção de espécies e habitat;
a Agência de Proteção ao Meio Ambiente dos Estados Unidos (US EPA), qualidade da água;
o Serviço de Conservação dos Recursos Naturais (Natural Resource Conservation Service –
NCSR), controle de enchentes e erosão, proteção dos recursos naturais; o Departamento de
Recuperação, suprimento de água potável e para a irrigação; a Comissão Federal de
Regulamentação de Energia, construção de represas para hidrelétricas e geração de energia;
e a Administração Nacional Atmosférica e Oceânica, (USGS, hidrologia, coleta e análise de
dados).
Os estados criaram agências reguladoras que atuam paralelamente aos órgãos
federais. Essas agências têm grande influência nas iniciativas que envolvem as políticas e as
ações organizadas em comitês de bacias, em paridade com as agências federais. Mas, em
situações especiais, as agências federais se sobrepõem às estaduais, como no caso do
Sistema Nacional de Eliminação de Descargas Poluentes (National Pollutant Discharge
Elimination System – NPDES) e nas regulações dos Atos de Água Limpa (Clean Water Acts).
Os sistemas de gestão de bacias hidrográficas modernos, por sua vez, são abertos e
procuram atrair outras partes interessadas que, com outras abordagens, possam garantir
colaboração efetiva e sucesso das ações, especialmente em situações de crise, de inclusão
e comunicação de operações e regras. Um exemplo é o CALFED Bay Delta Program, um
departamento criado em 1995, na Califórnia, no qual várias organizações atuam
conjuntamente, com sucesso, para a definição de ações efetivas com relação à gestão dos
escassos recursos hídricos desse Estado.
Goldstein e Hubber-Lee (2004 apud PIRES, 2016) ressaltam a importância da
existência de uma coordenação que tenha autoridade, que supere as barreiras jurídicas e a
fragmentação da autoridade quando se trata da gestão de bacias que ultrapassam limites
jurisdicionais e administrativos, e que também seja voltada para o gerenciamento da
61
de Recursos Hídricos, resultando na Lei no. 7. 633/91, composta por duas importantes partes:
uma que trata da Política de Recursos Hídricos, seus princípios e principais instrumentos; e
outra que implanta o Sistema Integrado de Gerenciamento SIGRH, seus componentes e o
seu suporte financeiro, o FEHIDRO (ALVIM, 2003)11.
Observa-se, no âmbito das três instancias federativas que o afastamento dos agentes
do Estado na implementação das ações, assim como na execução das infraestruturas e na
exploração dos recursos naturais, resultou pouco eficiente, tanto no que concerne à ampliação
e ao atendimento dos benefícios no suprimento de água, quanto ao controle sobre o consumo
e os efeitos degradantes em sua conservação.
Este capítulo procurou apresentar um quadro geral das relações entre a urbanização
e os cursos d’água, sob uma perspectiva histórica, especialmente a partir da industrialização,
evidenciando como os impactos ambientais extremos, aos quais os rios urbanos foram
submetidos, resultaram da adoção de uma abordagem funcionalista e setorial inadequada,
tanto em relação às propostas técnicas e aos planos que não incorporaram as dinâmicas
naturais e os ciclos hidrológicos, quanto à escala adotada para as intervenções, já que as
bacias hidrográficas não foram adotadas como a unidade de planejamento.
Outro ponto destacado refere-se ao modo como esses mesmos conceitos balizaram a
construção e a adoção de políticas públicas que, por sua vez, reforçaram os impactos
negativos da urbanização sobre os cursos d’água, enfatizando que a adoção, como solução
genérica, de um modelo de urbanização de fundo de vale que não respeitou o espaço natural
das águas gerou problemas socioambientais e urbanísticos graves.
11A autora ressalta como o principal objetivo dessa Política Estadual de Recursos Hídricos, conforme
expresso na lei nº 7.633/91 se estrutura no conceito do desenvolvimento sustentável ao “assegurar que
a água, recurso natural essencial à vida, ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, possa
ser controlada e utilizado, em padrões de qualidade satisfatórios, por seus usuários atuais e pelas
gerações futuras, em todo território do Estado de São Paulo.” (Alvim, 2003, p. 110)
63
Quando vista pela perspectiva histórica, a relação das cidades com os rios reflete um
quadro de afastamento, não apenas da convivência e do simbolismo que os rios tinham para
a vida das populações urbanas, mas uma transformação intensa ao convertê-los em
infraestrutura urbana de saneamento e vetor de energia. Vistos dessa forma, os rios foram
destituídos de sua natureza original como meio e veículo de um rico sistema de vidas e
construtores de paisagens sobre o território natural; foram artificializados.
Essa artificialização da natureza, como aponta Santos (2004) não apenas gerou num
processo de desnaturalização da natureza como os dissociou de seu sistema natural e das
paisagens originais. Seus leitos foram cavados e retificados, suas margens suprimidas e
transformadas em áreas impermeáveis e estéreis, transformando-os em objetos inseridos
como elementos do sistema de infraestrutura urbana, mas que permaneceram sustentados
por processos naturais, e onde degradação ambiental foi a marca da alteração dos processos
naturais para pior.
O reconhecimento desse processo dialético que se estabeleceu entre sociedade e
natureza, conduziu à revisão de paradigmas e trouxe novos conceitos nas relações das
cidades e de seus rios. Preserva-los passou a ser a prioridade, para garantir disponibilidade
hídrica fundamental a vida. E, esse novo paradigma, fez reconhecer os rios como elementos
de sistemas naturais que deveriam ser também recuperados e preservados, resgatando não
apenas suas águas, mas também as paisagens que compõem os vales fluviais com toda a
complexidade de vidas que contêm.
Essa nova abordagem conduziu não apenas a revisão dos modelos de implantação
de infraestruturas de saneamento e drenagem, mas a proposição de outros modelos de
urbanização para as bordas fluviais e áreas de fundo de vale, que resgatassem as paisagens
ribeirinhas como espaços de vida para flora e fauna, para o convívio das pessoas com as
dinâmicas e os elementos da natureza, promovendo melhoria climática e estabelecendo
outros padrões de relacionamento das cidades com suas águas, pautados por uma
abordagem sistêmica determinada por parâmetros de sustentabilidade e não apenas de
eficiência que marcaram essa fase da artificialização dos rios.
64
O parque High Line, em Nova York; ou o do rio Cheong Gye Cheon, em Seul; ou o das
áreas portuárias de Puerto Madero, em Buenos Aires; ou a Estação das Docas, em Belém,
no Brasil; o Inner Harbor em Baltimore, nos Estados Unidos; ou ainda o projeto UVA (Unidades
de Vida Articulada), em Medellín, Colômbia, são exemplos de como as áreas urbanas
metropolitanas consolidadas e dotadas de infraestruturas desativadas, ou não, têm outras
potencialidades.
Essas estruturas técnicas, com vazios residuais em seu entorno, compõem uma
paisagem na qual a aparência de abandono de “estruturas fantasmas” revela uma ociosidade,
que como nos sistemas produtivos geram os excedentes necessários à reprodução do capital;
como também, o paradoxo da expansão acentuada da divisão desigual na distribuição dos
benefícios das riquezas entre as regiões e as populações urbanas (HARVEY, 2014).
Considerando que Milton Santos (2002) descreve a paisagem como um conjunto de
formas que exprimem heranças representativas de determinadas relações tidas entre os
homens e a natureza em determinados lugares, são reconhecíveis nessas paisagens,
expressões de heranças, algumas ativas outras descartadas no processo histórico dessas
relações socioambientais.
Por sua vez, o autor também revela de que modo a técnica foi historicamente
instrumentalizando a Natureza. Em tempos remotos “[...] o homem se comunicava com o seu
pedaço da Natureza praticamente sem mediação [...]” (SANTOS, 1992, p. 100) e a técnica
buscava imitar a natureza. Porém nos tempos atuais,
Essa natureza que originalmente era una, quando “tecnicizada” torna-se socialmente
fragmentada e “unificada pela história, em benefício de firmas, estados e classes
hegemônicas” (idem, ibidem), uma natureza abstrata, assim como os inumeráveis objetos
técnicos criados para atender a finalidades específicas.
As águas e outros elementos naturais como o solo, a vegetação e a vida animal nas
sociedades urbanas que são reconhecíveis nos rios, córregos ou ribeirões, lagos ou orlas
marítimas, por sua vez foram artificializados e transformados em componentes dos sistemas
de infraestrutura urbana, e são tratados de forma displicente e esbanjadora.
São também deslocados temporalmente, remetendo a um outro tempo histórico,
deslocado do presente, a exemplo dos conjuntos de edifícios em desuso nas paisagens pós-
industriais das cidades. Tornam-se resíduos ociosos, por não atenderem mais às
necessidades imediatas dessas sociedades. São identificados como barreiras a serem
superadas pela técnica nos planos urbanos. No entanto são a presença da água, esse
elemento da natureza primordial, que ainda determina as condições de sobrevivência e de
reprodução das sociedades. Portanto, resgatar e revelar, mais uma vez, sua importância,
constitui tarefa importante a ser empreendida nestes tempos atuais.
Riley (1998), como outras autoras, reafirma esse compromisso ao enfatizar a
importância de se promover a recuperação de regiões de bordas de água e de paisagens
fluviais urbanas e rurais. Sua publicação tem uma abordagem sistêmica apresentada de forma
pragmática, fruto de extensa experiencia na direção de equipe multidisciplinares, em
processos de recuperação fluvial; e apresenta diretrizes e meios para se atingir o objetivo de
se construir relações harmoniosas entre o ambiente, as dinâmicas naturais e o ambiente
construído. Destaca, de princípio a importância de se constituir um agente no papel do
Planejador de Rios Urbanos, capaz de reunir, organizar conhecimentos e, no caso da
execução de um plano, negociar com os tantos técnicos que devem ser envolvidos nos
estudos sobre rios e urbanização. Esses técnicos serão os planejadores de bacias
hidrográficas, incluindo estudiosos de inundações e da composição de caminhos verdes
(greenways); biólogos especializados em peixes e vida selvagem; botânicos e arquitetos
paisagistas.
Sob a ótica das questões ambientais, tais intervenções incorporam uma abordagem
sistêmica que elege as bacias hidrográficas como unidade de planejamento; adotam soluções
de macro e micro drenagem associadas a padrões de ocupação do solo e sistemas mistos de
infraestrutura de drenagem; e integram planos e projetos de habitação, saneamento,
drenagem e áreas verdes (especialmente em áreas vulneráveis), tratando as áreas de fundo
67
Cengiz et al (2016) enumeram que a restauração e a revitalização dos rios e das áreas
de várzea ecologicamente sensíveis podem apresentar os seguintes benefícios e vantagens,
dos pontos de vista ambiental e econômico:
• Melhoria da qualidade da água e limpeza e tratamento de fontes de água
potável de baixo custo;
• Redução dos danos da inundação e dos custos dos sistemas de controle de
inundação;
• Baixo custo dos sistemas de gerenciamento de águas pluviais;
• Baixos custos de expansão e infraestruturas relacionadas;
• Reativação da frente ribeirinha com novas oportunidades de moradia,
escritórios e serviços comerciais que atraem novos moradores, empresas e visitantes;
• Criação de novas oportunidades de emprego para os residentes nos negócios
de construção e comerciais;
• Fornecimento de oportunidades recreativas, espaços abertos e áreas do
parque;
• Valores mais elevados de propriedade e novas receitas fiscais;
• Aquisição de fundos de governos estaduais e federais, voluntários e amplo
apoio financeiro.
12 Para Cengiz (2013), a Revitalização de um curso d’água tem como objetivo estabelecer as
relações entre o corpo d'água e a paisagem de forma funcional, ou seja, reintroduzir o canal dando
novamente vida a este, sem privar outros usos. Alencar & Porto (2020) reconhecem que os
projetos de revitalização são mais integrados a cidade, e podem ser concebidos para diversos
usos da água que sejam atrativos para a população; permitir a ocupação das várzeas exigindo
menores gastos com desapropriações ou remanejamento de estruturas viárias e de infraestrutura,
restritas às áreas mais críticas.
69
Figura: 2.3 - Parque à beira do Rio Mississipi em Baton Rouge, Lousiana, EUA.
Figura: 2.5 - Feira e Centro de Exposições na orla do Rio Mississipi em New Orleans, Lousiana, EUA.
Figura: 2.6 - Vista da orla do Rio Mississipi em New Orleans, Lousiana, EUA.
ecológicos, bem como sua revitalização. A redução da qualidade da água ao longo do riacho,
as mudanças de habitat e o acesso público limitado foram os principais problemas
relacionados ao riacho. (Figuras 2.9 a 2.11).
Figura: 2.11 - Vista do Parque Linear do Riacho Onondaga, Syracuse, Nova York, EUA.
fim de preservá-los para as futuras gerações, é muito importante. Os principais objetivos dos
estudos da paisagem, planejados em diferentes escalas, devem ser: atender às crescentes
demandas de crescimento futuro da população e desenvolver estratégias para a proteção das
valiosas características da paisagem valorizada da bacia hidrográfica.
No contexto do movimento ambiental nos anos de 1970 e 1980, nos Estados Unidos,
foram recuperadas as ideias do arquiteto paisagista Frederick Law Olmsted que, no final do
século XIX, apoiado por especialistas em biologia da vida silvestre e ecologia da paisagem,
construiu propostas de desenvolvimento comunitário por meio de projetos de infraestrutura
que incorporavam parques e vias verdes nos planos criados para cidades e vilarejos em todo
o país (BUCHHOLZ, 2016). Os conceitos de planejamento ambiental e do uso de elementos
e sistemas de infraestrutura verde como práticas de conservação ambiental ampliaram-se,
especialmente entre os pesquisadores e os gestores públicos americanos.
De maneira geral, o que se observa num processo global de revisão de conceitos e
paradigmas, nas questões da gestão das águas urbanas, é a adoção de abordagens mais
abrangentes, por meio das quais a visão da engenharia hidráulica tradicional de base
higienista, de promover o afastamento das águas servidas (esgotos e drenagem), vem sendo
substituída por uma abordagem sistêmica, que se apoia no conceito de convivência e de
manejo sustentável das águas urbanas.
Nesse contexto, os rios e os pequenos córregos e riachos deixam de ser condutores
de esgotos e drenagem para se tornarem áreas de convívio, encontro e fruição. A solução
urbanística e de infraestrutura representada pelas canalizações é substituída por soluções
sistêmicas de retenção e retardamento, armazenamento, tratamento e infiltração das
águas pluviais, e por soluções urbanísticas de revitalização e recuperação das
paisagens fluviais urbanas.
Em síntese, em substituição ao conceito de gestão isolada das águas urbanas, adota-
se o conceito de gestão integrada do ambiente, considerando as relações e a articulação da
76
13A publicação Low Impact Development: A Design Manual for Urban Areas foi resultado de um trabalho
premiado feito pela University Arkansas Community Design Center liderado pelo professor adjunto Jeff
Huber sob encomenda da US Environmental Protection Agency e da Arkansas Natural Resources
Commission e publicado em 2010. Com uma abordagem original destina-se aos gestores públicos e
empreendedores incorporando as características urbanísticas das cidades americanas de lotes
suburbanos onde propõe uma rede de tratamento das águas pluviais e subterrânea implantada nas
escalas de bairro, municipal e regional.
78
Figura: 2.12 - Integração das infraestruturas de baixo impacto (LID), ao sistema hidrológico natural.
Figura: 2.14 - Referencias de sistema de rede de drenagem convencional versus sistema LID.
Figura: 2.16 - A abordagem sistêmica das soluções LID aplicadas em diferentes escalas: do lote à
rede de infraestrutura de uma cidade.
.
Fonte: Arkansas, 2010.
Disponível em:http://uacdc.uark.edu/work/low-impact-development-a-design-manual-for-urban-areas julho 2020.
Figura: 2.19 - Ecobulevares: áreas urbanas centrais que fazem o tratamento de água pluvial.
um corpo d’água inserido em um fragmento florestal reúne as condições ideais para sua
renaturalização; mas, sob as pressões antrópicas encontradas nas áreas urbanas, encontra
inúmeras barreiras.
Destaque-se que, mesmo dentro de uma única bacia urbana, podem ser encontradas
situações diferentes para um mesmo corpo d’água. Assim, em uma eventual análise, devem
ser identificados e classificados trechos do mesmo corpo d´água, de acordo com a natureza
das intervenções impostas a ele pelo processo de urbanização.
Um corredor fluvial típico apresenta várias características trazidas por processos
geológicos e hidrológicos efetivos em paisagens. O canal fluvial percorre a paisagem,
escavando o terreno e depositando sedimentos ao longo do seu trajeto. Depósitos
sedimentares e depressões nos bancos de areia podem formar zonas úmidas, que são
sempre ou periodicamente inundadas com água.
Portanto, recomenda-se incorporar nessas análises as características fisiográficas
das bacias, tais como: várzeas, leitos maiores e menores, manchas de inundação de 100 anos
(TR 100), recursos naturais e ecossistemas, comunidades naturais e funções ambientais das
áreas de inundação.
Ann Lawrence Riley publicou em 1998 um guia para recuperação de córregos
urbanizados considerado como referencial para o tema. Em Restoring streams in cities: a
guide for planners, policymakers, and citizens, a autora que é diretora do The Waterways
Institute em Berkeley, se apoiou em sua experiencia em processos de recuperação de
córregos e trata dos fundamentos básicos da hidrologia, botânica e engenharia hidráulica para
determinar métodos e procedimentos necessários que orientem planejadores e as equipes
multidisciplinares que devem estar envolvidas nessas ações.
Sua publicação tem grande abrangência e trata do planejamento do uso do solo, de
projetos locais e de medidas de restauração de bacias hidrográficas, envolvendo modificações
do canal de córregos e estratégias de proteção contra inundações que podem ser usadas no
lugar de projetos de obras públicas destrutivas e caras. A autora relaciona a importância de
se adotarem medidas e ações que atuem de forma integrada e sistêmica nos processos de
controle de inundações e recuperação dos córregos, desde do controle dos escoamentos
superficiais nas unidades privadas (residências, comerciais e institucionais, áreas de
estacionamento, etc.); controle de erosão e de sedimentação, a proteção dos canais de
drenagem e das vegetações ripárias e o controle da poluição das águas pluviais gerado pelos
escoamentos superficiais, por resíduos sólidos e poluição difusa e pela descarga de esgotos.
Cengiz (2013) apoiou-se nas pesquisas de Riley (1998) para desenvolver de forma
sintética um conjunto de princípios a serem adotados em processos de recuperação de rios e
córregos urbanos, que se colocam como referências para a elaboração bem-sucedida de
projetos de desenho ambiental nessas áreas de bordas fluviais ou em planícies de inundação,
84
PRINCÍPIOS GERAIS
Metas ecológicas e metas de desenvolvimento econômico devem ser
1
conciliadas para criar benefícios mútuos,
Proteger e restaurar as características e funções dos recursos naturais dos Rios e
2
córregos,
3 Regenerar a frente ribeirinha como um território humano
Estabelecimento de compromissos são necessários para atingir múltiplos
4
objetivos
Obter ampla participação no processo de planejamento e de projeto da frente
5
ribeirinha a ser revitalizada
PRINCÍPIOS DE PLANEJAMENTO
1. Demonstrar a importância das características da relação da cidade com o rio no
1
desenho da revitalização
Conheça o ecossistema fluvial e planeje uma escala maior que a da orla
2
ribeirinha
Como o desenvolvimento os rios são dinâmicos, tenha cuidado em minimizar o
3
surgimento de novas planícies aluviais
4 Fornecer ao público oportunidades de acesso, conexões e atividades recreativas
Celebre a história ambiental e cultural do rio através de programas de educação
5
pública, sinalização e eventos ribeirinhos
PRINCÍPIOS DO DESENHO
1 Proteger recursos e funções do rio natural
2 Criar ou manter áreas naturais sensíveis para amortecer os impactos antrópicos
3 Restaurar habitats ribeirinhos e fluviais dos rios
4 Use alternativas não estruturais para gerenciar os recursos hídricos (LID)
5 Reduzir as áreas impermeáveis (hardscapes)
6 Gerenciar a água da chuva no local e usar abordagens não estruturais (LID)
7 Equilibrar atividades recreativas e de acesso público com a proteção do rio
Incorporar informações sobre os recursos naturais e os serviços ambientais de
um rio, a importancia cultural e a história dos projetos de características
8
ribeirinhas, arte pública e outras expressões que formem uma opinião sobre a
importância dos rios
E por fim, do ponto de vista do Desenho para as Orlas Fluviais, o autor enumera oito
princípios que contemplam aspectos ambientais e sociais, adotando medidas estruturais e
não estruturais, e fazendo do desenho uma importante ferramenta de consolidação dos
princípios anteriormente relacionados. Aqui as questões hidrológicas e de gestão das águas
se materializam em projetos que incorporam novos paradigmas na abordagem das relações
entre as cidades e os rios.
O autor ressalta que, por serem dinâmicos, os rios minimizam o desenvolvimento de
novas planícies de inundação e estão em constante mudança por sua natureza. Aponta, por
exemplo, que as elevações das inundações nos períodos chuvosos podem exceder os níveis
não inundáveis em alguns rios. Essas variações naturais podem ser consideravelmente
afetadas pelas mudanças antrópicas rio acima e na bacia ao redor, muitas vezes causando
resultados desastrosos. Eventos extremos de inundação, muitas vezes intensificados pelo
desenvolvimento de assentamentos na várzea, estão entre os desastres naturais mais
destrutivos.
As várzeas desocupadas e conectadas são de importância crucial para a saúde dos
rios. Futuros desenvolvimentos em trilhas e parques à beira do rio devem ser planejados para
minimizar intrusões nas várzeas. A esse respeito, as estruturas e instalações devem ser
projetadas para garantir que não haverá liberação de contaminantes durante as inundações
e nenhuma diminuição na capacidade de armazenamento de inundações ou outros impactos
à jusante.
Não deve haver uma grande estrutura permanente construída em uma planície de
inundação de 100 anos, pois tais estruturas aumentam o tamanho da superfície resistente,
agravam os problemas de escoamento e aumentam o risco de prejuízos.
O Disponível em fácil é necessário para atrair as pessoas para uma frente ribeirinha.
Outro ponto importante é a conexão visual com o rio, a partir de áreas comerciais e
residenciais próximas. O Disponível em físico e visual não deve ser confinado apenas aos
bairros ou empresas selecionados ao longo do rio reconstruído. Frentes ribeirinhas podem
oferecer muitos usos recreativos, como andar de bicicleta e observação de pássaros. As
comunidades ribeirinhas devem receber áreas ou instalações que ofereçam uma grande
variedade de possibilidades de uso.
As pessoas devem ter a oportunidade de tocar e interagir com o rio em locais
apropriados, por meio de atividades como vagar, pescar, lançar um barco ou sentar-se à
margem do rio. Projetos de revitalização econômica em frentes ribeirinhas, como novos
desenvolvimentos de uso misto com moradias, restaurantes ou cafés e espaços abertos,
tornam-se mais bem-sucedidos quando os acessos visual e físico à água são contemplados.
86
14In 1988, the Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) launched the Emergency
Events Database (EM-DAT). EM-DAT was created with the initial support of the World Health
Organisation (WHO) and the Belgian Government. The main objective of the database is to serve the
purposes of humanitarian action at national and international levels. The initiative aims to rationalise
decision making for disaster preparedness, as well as provide an objective base for vulnerability
assessment and priority setting. EM-DAT contains essential core data on the occurrence and effects of
over 22,000 mass disasters in the world from 1900 to the present day. The database is compiled from
various sources, including UN agencies, non-governmental organisations, insurance companies,
research institutes and press agencies. Fonte: https://www.emdat.be/. Acesso em: 24 abril de 2020
87
mapeadas do país, tendo como característica o fato de serem pequenas extensões (0,05 km²
em média) localizadas próximas umas das outras (SAITO et al, 2019). Tendo em conta que
essa região também apresenta as mais altas taxas de densidade demográfica, em
comparação a outras regiões do país, é de se supor que a conjunção da proximidade das
áreas de risco e da densidade demográfica alta resultou em um maior número de pessoas
afetadas por desastres naturais no período analisado: 3.647.990 pessoas distribuídas em
16.024 áreas de risco, em 156 municípios considerados críticos.
Por sua vez, as populações que vivem nessas regiões criam toda a sorte de estratégias
e lançam mão de recursos improvisados, e muitas vezes precários, para enfrentar esses
“acidentes” que têm data marcada pelo regime do clima tropical úmido característico da cidade
de São Paulo.
Outros países enfrentam outros tipos de conflitos com intempéries, alguns mais
severos. Muito se fala sobre a amenidade do clima no Brasil, graças ao fato de não serem
observados episódios de terremotos intensos, como aqueles percebidos nos países andinos
vizinhos do Brasil, ou tempestades tropicais severas, ciclones e furações, como os que
ocorrem periodicamente na região do Caribe ou nos Estados Unidos. Importante indagar de
que maneira esses países enfrentam essas situações? O que aprendem após cada
89
Mais uma vez, a experiência americana nesse tema será explorada neste trabalho. Em
consequência das características climáticas sujeitas a eventos extremos como furações,
ciclones e tempestades, várias cidades dos Estados Unidos elaboraram planos e
empreenderam ações que se constituem referências no controle de riscos de enchentes e
inundações, contando com o suporte de arcabouços legais de planos federais, como também
com aportes e investimentos. No âmbito desta pesquisa analisar-se-á o caso da Cidade de
Nova York, que vem elaborando um plano de controle de risco de inundações desde 2019.
Apesar dos poucos exemplos de planos de gestão de riscos a inundações em cidades
brasileiras, o caso de Blumenau (Santa Catarina) também foi considerado uma referência
deste trabalho.
Em 1936, nos Estados Unidos, foi aprovada a Flood Control Act, uma legislação federal
sobre controle de enchentes, que reconhecia a natureza pública dos programas de redução
de enchentes e elegia a implantação de medidas estruturais como um meio de reduzir esses
impactos. Com isso, acelerou-se a ocupação das várzeas, resultando no aumento dos danos
ocasionados pelas enchentes.
O National Flood Insurance Act de 1968, a lei nacional de seguro contra inundações
americana que faz parte dessa legislação aprovada, levou à criação do National Flood
Insurance Program (NFIP) – Programa Nacional de Seguro contra Inundações –, alterado pela
primeira vez pela Lei de Proteção contra Desastres de Enchentes de 1973, tornando
obrigatória a compra de seguro contra enchentes para a proteção de propriedades dentro das
Áreas Especiais de Risco de Inundação (SFHAs em inglês).
90
Em Nova York, além das normas de uso do solo, o zoneamento também estabelece
limites para o tamanho e a forma dos edifícios, com numerosos distritos de zoneamento
mapeados nos diversos bairros da cidade, determinando densidades e características
variáveis.
151% de chance anual de planície de inundação: Também conhecida como "planície de inundação de
100 anos", é a área que será inundada pelo evento de inundação com uma chance de 1% de ser
igualado ou excedido em qualquer ano, e é designado na Agência Federal de Gerenciamento de
Emergências dos EUA (FEMA) pelos mapas de taxas de seguro contra inundações (FIRMs) e os mapas
preliminares de taxas de seguro contra inundações (PFIRMs).
91
Com uma compreensão abrangente dos problemas que os bairros costeiros de Nova
York enfrentam atualmente sob a estrutura de zoneamento existente, o DCP desenvolveu um
conjunto preliminar de recomendações de zoneamento em toda a cidade, aplicáveis na
planície de inundação, destinadas a auxiliar a cidade e seus residentes a serem resilientes
em longo prazo.
Além do mais, uma visão geral de outras recomendações de zoneamento DCP, que
devem ser seguidas paralelamente à proposta de zoneamento de toda a cidade, é descrita
posteriormente neste documento.
As legislações para proteção contra desastres, acidentes, incêndio e outros são rigorosas
e se refletem nas concessões de licenças para construção e funcionamento das mais diversas
atividades na cidade. Como a fiscalização é efetiva e os processos administrativos são
complexos, mesmo quando a situação é a reconstrução após algum evento; um dos objetivos
desse plano é facilitar a recuperação dos edifícios pelos proprietários, para que a gestão
publica possa atender as demandas de recuperação das estruturas urbanas em caso de
grandes desastres
Tem como metas permitir que as regras sejam alinhadas com os regulamentos do
zoneamento proposto, e não apenas baseados em lotes, como se aplicam. Dessa forma, por
exemplo, todos os edifícios localizados dentro de um lote nas áreas demarcadas pelo
Zoneamento para Resiliência de Inundações Costeiras, poderão adotar essas regras, ou até
mesmo realizar melhorias parciais de resiliência.
93
Figura: 2.21 - Mapa de inundação atual e para 2050 para a cidade de Nova York, EUA.
X08 X12
X07 BRONX
X11
M12
X05 X06
X04 X03
X09 X10
M09 X02
X01
M10
M11
M07
M08
Q01
MANHATTAN Q07
M04 Q03 Q11
M05 M06
Q02 Q04
M02
Q06 Q08
M03
M01 K05
K01
QUEENS
K04
K08 Q10
K06 K16 Q05
K09 Q13
K07
K17
BROOKLYN
K12 K14
S01 K10 K18
K13
S03
Figura: 2.23 - Ampliação das planícies de inundação para todos os lotes atingidos.
1% floodplain 1% floodplain
0.2% floodplain 0.2% floodplain
Em longo prazos a metal é que todos os edifícios possam acesso às regras que facilitem
a proteção contra tempestades, independentemente da tipologia ou localização específica do
edifício dentro da planície de inundação da cidade (Figura 2.23).
95
Por meio de isenções de cálculo de área de piso, a proposta incentiva edifícios novos,
mas também os existentes a impermeabilizar o andar térreo, garantir acesso ao edifício e
projetar vitrines localizadas e visualmente acessíveis no nível da calçadas como estratégias
de paisagem urbana que amenizem o impacto nos usos elevados no domínio público.
Uma vez que um andar inteiro possa ser descontado dos cálculos da área do piso,
poderá ser utilizado para atividades como espaço comercial ou espaço de uso comunitário
(figura 2.26 e 2.27), dessa forma garantindo vitalidade e uso para os espaços mais restritos
das edificações adaptadas.
16Base de Elevação de Inundação (BFE): A elevação para a qual a água da inundação deve aumentar
durante uma tempestade de 1% anual, conforme mostrado nos FIRMs e PFIRMs da FEMA, medido a
partir do nível do mar.
17 Impermeabilização de inundação: um dos dois métodos básicos de construção resistente a
inundação, projetada para permitir a passagem de água dentro de partes da estrutura que estão
localizadas abaixo do DFE, garantindo, ao mesmo tempo, que a estrutura resista às cargas de água.
Espaços à prova de inundação úmida só podem ser usados como espaço de rastreamento, ou para
estacionamento, armazenamento e construção. Já os espaços à prova de inundação seca: um dos dois
métodos básicos de construção resistente a inundações, projetado para vedar as paredes externas de
um edifício às águas das inundações, garantindo que o edifício possa resistir a cargas de água abaixo
do nível esperado de inundação.
96
Figura: 2.24 - A extensão das regras de flexibilização das bases para definição de altura dos edifícios.
Figura: 2.25 - Referencias que explicitam a importância para a paisagem urbana de se adotar
um mesmo padrão para todas as edificações.
Figura: 2.26 - Objetivo 2: Referências sobre a possibilidade de se descontar toda a área do andar
térreo em edifícios situados nas zonas de inundação de 1% de chance atual.
Figura: 2.27 - Objetivo 2: Referências sobre a possibilidade de se descontar toda a área do andar
térreo em edifícios situados nas zonas de inundação de 1% de chance anual.
está buscando respostas das comunidades, das agências municipais e de outras partes
interessadas nesta questão, enquanto continua a atualizar as comunidades de várzea da
cidade sobre o assunto.
regras específicas para o ordenamento territorial e edilício dessas zonas de risco. Essas
ações articuladas dos agentes públicos garantem não somente a preservação de vidas e a
Essa lei não define hierarquia nem estrutura mínima para esses órgãos, preservando
a autonomia dos Estados e Municípios para a definição de seus órgãos e suas ações de
proteção e defesa civil, mas recomenda que, no âmbito local, os gestores de proteção e
defesa civil procurem se articular aos demais órgãos da administração pública para fortalecer
uma gestão integrada. Assim, considera necessária a articulação das políticas públicas
setoriais de ordenamento territorial, de desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente,
mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação; dentre
as principais, como também de representantes da sociedade civil, para construírem o sistema
local para a gestão das políticas e das ações de Defesa Civil e proteção.
Entretanto, é fundamental reconhecer que a reconstrução deve ser planejada sob uma
perspectiva de melhorar as condições originais das áreas atingidas, o que pressupõe
incorporar aspectos preventivos, que exigem intervenções baseadas na análise dos cenários
de desastre que identifiquem todos os fatores que influenciam na sua ocorrência e nos riscos
atuais e futuros.
Blumenau foi fundada em meados do século XIX por imigrantes alemães. A ocupação
da região seguiu o modelo chamado Stadtplatz, que se baseia no assentamento da população
seguindo o curso do rio, orientando a implantação da cidade às margens do rio Itajaí Açu. Em
consequência do desmatamento da mata ciliar e da ocupação indevida nas encostas, houve
o agravamento das enchentes ao longo dos anos, dadas as características físicas da região
para a ocorrência desses eventos19.
Um desses engenheiros, Adolf Odebrecht, em fins dos anos 1920, propôs, além da
construção de represas e da retificação e construção de canais de escoamento das águas do
rio Itajaí, a proibição da ocupação das áreas baixas, ou, ao menos, a adequação da tipologia
das casas construídas nessas áreas, para que fossem altas, de modo que a inundação não
as alcançasse. O engenheiro apontou também a importância da criação de um sistema de
alarme e de evacuação das áreas inundáveis que prevenisse, com 24 horas de antecedência,
o nível que a água iria atingir em Blumenau (Odebrecht, 1930, [s/p] apud PAULA, S. et al
2014). Algumas dessas medidas foram implantadas nos anos seguintes, porém de forma
desarticulada e parcial.
Figura: 2.32 - Mapa produzido pelo engenheiro Abel Diniz Mascarenhas e publicado em 1939,
contendo a mancha das inundações do período de 1851 a 1935 e as áreas atingidas pelas enchentes
de 1911, 1927 e 1935.
Depois de a região da Bacia do Rio Itajaí ter sido atingida consecutivamente por
grandes enchentes, em 1983 e 1984, o governo estadual de Santa Catarina iniciou uma
cooperação técnica com o Governo Japonês, resultando em dois estudos técnicos: o do Plano
de Controle de Enchentes na Bacia do Rio Itajaí (1986-1988) e o Plano de Controle de
Enchentes na Bacia Inferior do Rio Itajaí (1988-1990). Essa cooperação previa também um
106
empréstimo para a implementação das ações propostas nos estudos, no entanto, as tratativas
não avançaram por falta de garantias a serem apresentadas pelo governo estadual.
No ano de 2008, uma semana de chuvas intensas foram fatais para o vale do Itajaí. A
conjunção entre crescimento desordenado e elevadíssimo volume de chuvas, em um curto
espaço de tempo (com mais de 600 mm em cinco dias), foi crucial para desencadear em
Blumenau um desastre de números assustadores, resultando em 135 óbitos, 103 mil pessoas
afetadas de alguma forma, além de 80 mil pessoas desabrigadas em todo o vale (Mattedi,
2009, p.14. apud PAULA S. M. et al 2014).
Em 2009 o governo estadual retoma esses estudos, que se desenvolveram nos anos
de 2010-2011, denominando-o “Plano Integrado de Prevenção e Mitigação de Riscos e
Desastres Naturais na Bacia Hidrográfica do rio Itajaí” (PPRD-Itajaí)”. O plano foi estruturado
em seis programas20 que consideram a elaboração dos Planos Municipais de Defesa Civil
articulados às políticas de saneamento, habitação, meio ambiente, recursos hídricos e
ordenamento territorial; à consolidação de um Sistema de Alerta da Bacia do Itajaí; à
realização de eventos socioeducativos e à divulgação de informações técnicas e legais em
relação aos deslizamentos e inundações e às ocupações de áreas de risco. Os programas
consideram igualmente o mapeamento das áreas de risco na Bacia do Itajaí, levando em
conta medidas estruturais e não-estruturais; a Gestão da ocupação e uso do solo composto
de medidas não estruturais (Subprograma 5.1) e, por fim, o Manejo adequado dos cursos
d’água.
20 O PPRD-Itajaí reúne seis programas: (1) Desenvolvimento institucional para preparação para
emergências e desastres; (2) Monitoramento, alerta e alarme; (3) Percepção, comunicação, motivação
e mobilização para resiliência e diminuição da vulnerabilidade; (4) Avaliação de riscos de desastres; (5)
Redução dos riscos de desastres; e (6) Recuperação de áreas afetadas por desastres. (SCOLARO,
2012, p. 110).
107
Figura: 2.33 - As linhas de atuação do PDPDN composto de medidas estruturais e não estruturais.
Ainda assim, o plano sugere, com relação à margem esquerda do rio Itajaí-açu, na
região central de Blumenau, o alargamento do canal tendo como propósito a melhoria da
capacidade de escoamento no município, com a elevação de cerca de 1,00 m da rua Uruguai
(assumindo o papel de dique de contenção) e a conservação da mata ciliar, transformada em
área de inundação e parque urbano (Figura 2.34).
Figura: 2.34 - Proposta de criação de um parque como área de inundação para margem esquerda do
Rio Itajaí-Açu, no centro de Blumenau.
O Plano Diretor (PD) propõe também a criação de dois parques chamados Parques
Ciliares, conectados pelo projeto de intervenção na margem esquerda do rio Itajaí-açu,
recuperando a mata ciliar. Propõe a reabilitação de áreas degradadas; a gestão pública das
110
O Comitê da Bacia do Rio Itajaí apoiava a proposta do PNPND de criação de uma área
de inundação na margem esquerda do rio Itajaí-Açu, no centro de Blumenau, para a redução
das inundações decorrentes das enchentes do rio. A prefeitura, porém, elaborou uma
proposta de revitalização da margem esquerda voltada para o Desenvolvimento Econômico,
o Turismo e o Lazer, similar à margem direita, com a “Criação de uma área de lazer, turismo
e contemplação às margens do rio”; ainda que a regularização do curso da água nesse trecho,
a contenção da margem e a estabilização das áreas da margem estivessem contempladas
como diretrizes (Figura 2.35).
111
Ao fim de 2008, depois dos graves desastres sofridos pela cidade, a Prefeitura
Municipal de Blumenau (PMB) alegou que a margem não era mais segura, devido aos
deslizamentos, e entregou a proposta ao Ministério das Cidades, para que fosse inserida
no PAC Drenagem. Porém, a aprovação do governo federal exigia a aprovação do Comitê
da Bacia do Itajaí, que contestou o projeto no Ministério Público.
O Plano de 1977 orientou o uso do solo para fins comerciais, principalmente na área
central, mas também nas vias arteriais, formando os corredores de serviço. Em decorrência
das enchentes ocorridas na década de 1980, o planejamento da cidade se voltou para as
áreas que, à princípio, não eram tão suscetíveis às cheias.
Essa zona abrange parte da área de risco de enchente por remanso do Rio Itajaí, junto
da área da foz do Ribeirão da Velha.
A Figura 2.39 traz o Mapa de restrições ao zoneamento, uso e ocupação do solo. Com
base nos dados dessa cartografia, presente no Anexo I do Plano Diretor vigente de Blumenau,
foram extraídas as imagens, tendo sido elaborada uma análise comparativa entre os
parâmetros propostos no PD, nas áreas definidas pelas manchas de inundação (cotas 10 e
12) e as imagens das fotos aéreas atuais existentes no aplicativo Google Maps.
115
Figura: 2.38 - Mapa da mancha de evolução urbana de Blumenau, (1966, 1978, 1993, 2003). Do centro
para a periferia: em bege claro, a mancha de urbanização de 1966: em bege mais escuro, urbanização
em 1978; em laranja em 1993 e, em vermelho em 2003.
Figura: 2.39 - Mapa de restrições ao zoneamento, uso e ocupação do solo. Em destaque, a área com
as manchas de inundação situadas ao norte a ser analisada.
A área em destaque mostra parte da área central no eixo do Rio Itajaí-Açu, na altura
da foz do Córrego Itoupava, com manchas de inundação classificadas como áreas com
restrições à ocupação e uso. As margens e bordas dos corpos d’água da bacia do Rio Itajaí-
Açu foram demarcadas como ANEA, tendo sido definido um limite de ocupação, conforme o
apresentado anteriormente, no episódio dos projetos de recuperação da margem esquerda
na área central de Blumenau (Figuras 2.40 e 2.41).
Figura: 2.40 - Destaque da área em estudo onde se observa a região central da cidade, com um
grande meandro do Rio Itajaí-Açu na altura da foz do Córrego Itoupava e do Ribeirão da Velha.
desse modo, um quadro atualizado da urbanização nessas áreas em destaque, que permitiu
que se aferissem as conclusões dos estudos consultados, de que os parâmetros
urbanísticos propostos não foram integralmente respeitados.
Figura: 2.41 - Recorte de foto de satélite aproximada da área de estudo, mostrando a urbanização
atual. Essas áreas serão analisadas nas próximas imagens em escala maior.
Figura: 2.42 - Região da foz do Córrego Itoupava. Em azul, ARCO (áreas inundáveis); em verde,
APP's (topo de morro) e, em laranja, ZEIS, conforme PD de Blumenau.
Figura: 2.43 - Foto de satélite aproximada da mesma região vista na imagem PD mostrando
ocupações em áreas inundáveis e desflorestamento em áreas de APP (topo de morros).
Pode-se perceber nitidamente pelas fotos de satélite tiradas 10 anos depois (Figura
2.44 e 2.45), que as áreas de restrições à ocupação não foram respeitadas. São notáveis, nas
imagens de 2020, grandes áreas desmatadas, sendo que uma delas, próxima à ZEIS, é
demarcada no PD em 2010 como APP de topo de morro. Com relação às infraestruturas no
cruzamento da avenida Pedro Zimmermann com a rodovia Ingo Hering (SC 470), foi criada
uma alça de acesso, ampliando de uma para duas as transposições do Córrego Itoupava
nesse trecho. Essas ampliações atenderam à demanda de uso industrial, considerando que
nesse trecho há plantas de grandes dimensões. Acima desse trecho, veem-se outras grandes
áreas com terra exposta, no local em que o PD indica como ARCO (cota 10 m), e a presença
de cursos d’água contribuintes do Córrego Itoupava. Quanto ao uso habitacional nessa área,
os limites da ARCO foram respeitados.
120
Figura: 2.44 - Ampliação da imagem da cartografia do PD em 2010, mostrando ARCO, ZEIS e APP's.
Figura: 2.45 - Ampliação da imagem da foto de satélite da área, em 2020, com as transformações
ocorridas nas áreas demarcadas como ARCO e APP no PD em 2010.
Figura: 2.46 - App em topo de morro demarcada do PD e desmatada em 2020. A seta em vermelho
indica a localização da Rua Cláudia Sievert, presente na figura 55, na ZEIS igualmente demarcada no
plano.
Figura: 2.47 - Vista da Rua Cláudia Sievert na área ZEIS, em 2019. As tipologias são casas térreas
adaptadas a cortes nos terrenos íngremes. Ao fundo, se vê assentamentos em áreas de grande
declividade e parte da área na APP ainda íntegra.
Figura: 2.48 - Vista da Rua São Rafael, na área de ZEIS, em 2019. As tipologias são casas térreas
em uma área com pouca declividade e ruas sem pavimentação, sem guias e sarjetas para condução
do escoamento superficial.
Figura: 2.49 - Vista do final da Rua São Rafael. A área em frente é inundável, e no muro à esquerda
se vê a marca das enchentes.
Figura: 2.50 - Casa na Rua Vereador Romário da Conceição Badia, adaptada às enchentes.
Figura: 2.51 - Padrões tipológicos expostos a riscos de inundação e de deslizamento na mesma rua.
Há que se considerar que mesmo que orientados por planos, é grande o número das
cidades brasileiras que se expande à revelia dos planos. As estruturas administrativas não
são adequadamente dimensionadas para oferecer orientação e assistência técnica às
populações com menor renda; também não têm equipes de campo que possam atuar com
fiscalização e mesmo quando se trata de situações de formalidade, muitas vezes, a aplicação
das regras de ordenamento do solo, não são respeitas. Pudemos observar que em Blumenau
a implantação de infraestruturas rodoviárias provocou impactos em áreas de preservação com
a instalação de grandes edificações comerciais em suas bordas. E mesmo nas áreas de ZEIS
onde se implantaram empreendimentos é notável que não se respeitaram os limites definidos
por esses instrumentos urbanísticos.
Tais situações justificariam uma pesquisa mais apurada para se compreender como
em muitos momentos, em nome do desenvolvimento de atividades econômicas, as demandas
ambientais e sociais ainda são relevadas.
Ao se proceder a uma análise de alguns dos planos de prevenção de extremos
climáticos desenvolvidos e aplicados por algumas cidades, observa-se que uma primeira
medida invariavelmente é adotada: a demarcação dessas áreas de risco por meio da criação
de normas de ocupação e uso determinadas por um zoneamento de risco, ou zoneamento
preventivo, juntamente com medidas de proteção e de recuperação que acompanham esses
eventos.
125
Adotadas as dimensões como critério para organização dos dados dos estudos de
caso dos planos de Nova York e Blumenau, foi organizada uma matriz com o alinhamento
geral das propostas
O Quadro 2.2 mostra a matriz que apresenta as medidas apontadas nos planos de
casa uma das duas cidades, de acordo com as dimensões da sustentabilidade expostas.
Por sua vez, há uma diferença fundamental se observa do ponto de vista dos conceitos
que fundamentam esses planos: o plano de Nova York é organizado a partir do conceito de
resiliência enquanto do Blumenau se apoia no conceito de sustentabilidade. Segundo Spirn
a “Resiliência é uma medida da capacidade do sistema de absorver mudanças, e alguns
ecossistemas são mais resilientes do que outros” (Spirn 1984: 245); enquanto, segundo a
autora “o conceito de sustentabilidade, por exemplo, que implica a manutenção de um estado
estável” e recomenda que os planejadores e os projetistas urbanos se esforcem para criar
cidades adaptáveis às mudanças nas condições e necessidades.
Por outro lado, os dois planos corroboram com a premissa apresentada nessa
pesquisa que, invariavelmente, qualquer plano de prevenção, de controle e de redução de
riscos, se organiza a partir da criação de um zoneamento de risco, onde condições especiais
de uso e ocupação do solo deve ser determinado, considerando as inundações como
condição permanente e não como eventos imprevisíveis e surpreendentes.
Quadro: 2.2 - Matriz pelos planos de redução de riscos de Nova York e Blumenau consideradas as
quatro dimensões de análise propostas pela pesquisa.
medida invariavelmente é adotada: a demarcação dessas áreas de risco por meio da criação
de normas de ocupação e uso determinadas por um zoneamento de risco, ou zoneamento
preventivo, juntamente com medidas de proteção e de recuperação que acompanham esses
eventos.
No próximo capítulo serão investigadas as principais leis e normas, além dos planos
urbanos adotados na cidade de São Paulo a partir do início do século XX até os dias de hoje,
que ora reforçaram o modelo de urbanização de fundo de vale ora buscaram indicar novos
caminhos, porém sem sucesso.
131
132
forma setorial e muitas vezes, desarticulada, nos planos e nos programas específicos de cada
área.
3.1 A urbanização de fundo de vale em São Paulo e o predomínio das lógicas setoriais
Até antes de meados do século XIX, a rede de águas superficiais formada pelos rios e
córregos de São Paulo eram utilizadas sem quaisquer obras de infraestrutura, mas o
crescimento da cidade naquele período passou a exigir intervenções para atender às
demandas da urbanização e do crescimento demográfico. As intervenções atenderam,
primeiramente, a questões relacionadas ao abastecimento de água, passando por controle de
enchentes e diluição e afastamento de esgotos, para, a partir do início do século XX, fazer
uso de suas águas para a geração da energia elétrica necessária à industrialização.
Mas as diferentes finalidades, com relação ao uso e ao controle das águas superficiais
geravam conflitos entre si, o que levava à destinação de certos corpos d’água para o
abastecimento, enquanto outros eram destinados à diluição e ao afastamento de esgotos.
21A Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (CBH-AT) é a porção a montante do rio Tietê, que atravessa em 1
100 quilômetros de extensão todo o estado de São Paulo, de leste a oeste. Sua área de drenagem é
de 5 868 km² e contém seis sub-bacias que drenam os principais rios da Região Metropolitana de São
Paulo. A cidade de São Paulo se estende entre as bacias do rio Tietê e também do rios Pinheiros e
Tamanduateí.
134
Figura: 3.1 - Mapa esquemático do sistema de represas em São Paulo no primeiro quartel do século
XX.
Nas primeiras décadas do século XX, os usos das águas dos principais rios eram
múltiplos, destinados a: diluição e afastamento de esgotos, geração de energia elétrica e
drenagem. Com o crescimento exponencial da população, em meados do século XX, a
produção de água para o abastecimento precisou ser buscada em outros lugares.
22 A São Paulo Tramway, Light & Power Company, Limited foi uma empresa canadense responsável
por serviços de bonde e geração e distribuição de energia elétrica. Ampliou suas atividades, adquiriu
outras empresas e tornou-se, em 1952, a São Paulo Light & Power Company, abandonando o
transporte público, passando depois a chamar-se Light - Serviços de Eletricidade S. A. Em 1979 foi
adquirida pela Eletrobrás. Dois anos depois foi vendida para o estado de São Paulo, porém foi
desmembrada em quatro empresas: a Eletropaulo Metropolitana, privatizada em 1999 com o nome de
AES Eletropaulo; a Empresa Bandeirante de Energia, também de 1999, chamada de EDP Bandeirante;
a Empresa Paulista de Transmissão de Energia, privatizada em 2006 e conhecida hoje como
Transmissão Paulista e; por fim, a Empresa Metropolitana de Águas e Energia ou EMAE. Em junho de
2018, Eletropaulo Metropolitana, denominada AES Eletropaulo após a privatização, foi comprada pela
marca global Enel (Melo, 2001).
135
nas represas situadas na região sul do município para a geração de energia na usina de
Cubatão, situada na vertente litorânea da Serra do Mar (Figura 3.2). Em função crescimento
demográfico nas décadas iniciais do século, optou-se também pelo aproveitamento dessas
represas para o abastecimento público de água.
empreendidas para que se garantissem usos múltiplos para as águas, criaram um sistema
complexo, com características e necessidades específicas. Porém, os conflitos não cessaram.
Precisa-se produzir água limpa para abastecimento público, manter um volume de água, limpa
ou suja, para gerar energia nas hidroelétricas, tratar as várzeas nas áreas urbanizadas e
segregar as áreas habitadas de seus efluentes sanitários e das inundações. A utilização
múltipla dos cursos d’água demandou, e ainda demanda, a implantação de diversas
infraestruturas compatíveis (TRAVASSOS, 2005, p. 17).
De um lado, grande parte das áreas urbanizadas de São Paulo foi construída sobre as
várzeas inundáveis de seus rios de planície, resgatadas pelas obras de infraestrutura. No
entanto, se em suas condições naturais, essas bacias hidrográficas tinham um regime de
drenagem eficiente, com ciclos de inundações ocupando grandes extensões dos vales,
nutrindo o solo e alimentando as nascentes de sua ampla rede hídrica, com as intervenções
sofridas, seus regimes hídricos se desestruturaram.
Mas essas grandes transformações não se restringiram aos rios e suas bacias,
envolvendo também modificações nas estruturas do relevo original desse território.
Situado na confluência dos vales fluviais dos rios Tietê e Pinheiros, a região onde se
estabeleceu São Paulo tem, como característica de seu relevo, o predomínio do Espigão
Central – o grande divisor de águas entre os vales desses dois rios –, o que determinou a
ocupação do sítio também dividida, distribuindo-se pelos sistemas de colinas, como
138
patamares escalonados, dispostos “em forma de uma irregular abóbada ravinada, cujos
flancos desciam para nordeste e sudeste” (AB’SABER, 2004, p. 100).
A primeira dessas avenidas a ser construída foi a Avenida Nove de Julho, que,
remontou o vale do córrego Saracura Grande até as proximidades de suas cabeceiras, sendo
complementada por dois extensos túneis, que perfuraram a base do Espigão Central para
alcançar a vertente do rio Pinheiros, em uma posição excepcional, “pois desemboca no vale
do Anhangabaú, exatamente ao centro das duas colinas tabulares em que se assentam os
dois núcleos da área central da cidade” (AB’SABER, 1958, p. 190), (Figura 3.5). Assim, um
novo padrão de arruamento passa a ser construído nas áreas de fundo de vale:
Travassos (2005), por sua vez, analisa as principais propostas urbanísticas para São
Paulo, relativas ao tratamento dos rios urbanos e suas várzeas, em duas fases distintas: uma
primeira fase, cujas questões fundamentais atinham-se ao saneamento das várzeas urbanas,
visando a permitir a expansão da cidade e a garantir salubridade e embelezamento urbano,
que se estende de meados do século XIX ao início da década de 1930; e uma segunda,
decorrente do crescimento expressivo da população e da expansão da mancha urbana de
São Paulo, que exerceu grande pressão pela urbanização de novas áreas, apoiada pela
construção de sistema viário, consolidando-se, portanto, a ideia de ocupação das várzeas
pelas chamadas avenidas de fundo de vale, idealizadas e consagradas pelo Plano de
23 “No que diz respeito às relações entre o organismo urbano e o Espigão Central, cumpre lembrar que
nada menos que cinco extensas avenidas da Capital se aproveitaram das altas e estreitas esplanadas
suaves nêle existentes. [...] que em alguns trechos chegam a ser praticamente planas e relativamente
retas graças à tabularidade fundamental do relevo: o trecho Sul-Norte asila a Avenída Jabaquara (790-
800 m) e a Avenída Domíngos de Morais (790-815 m), enquanto o trecho Sudeste-Noroeste contém,
primeiramente, a Avenida Paulista (815-820 m) e, depois, as Avenidas Dr. Arnaldo e a parte inicial da
Prof. Alfonso Bovero (820-830 m)” (AB’SABER, 1958 p. 187-188). (a grafia original do texto foi mantida).
140
Avenidas nos anos 1930 e executadas nas décadas seguintes, estendendo-se até os anos
1970.
Figura: 3.5 - Túnel da Avenida 9 de Julho em construção, com o Belvedere Trianon, 1939, (Autor: B.J.
Duarte).
Nesse primeiro período, as questões recaíam principalmente sobre as várzeas dos rios
Anhangabaú e Tamanduateí, nas áreas próximas à colina histórica. O Rio Tietê, entretanto,
representava a alternativa para a necessidade de produção de energia e a solução para os
problemas sanitários. Assim, as propostas de intervenção urbana nesse curso d’água
estavam intimamente vinculadas à sua utilização pelas infraestruturas urbanas.
verticalização das áreas centrais, expressos como “novos motes”, sendo que “a submissão
das várzeas ao sistema viário ‘interessavam aos dois primeiros.
Outras avenidas sobre fundos de vale também foram sugeridas nesse período: ao longo
do córrego Pacaembu, parte dos planos da Companhia City 24; assim como uma outra “às
margens aterradas do Rio Tietê desde a Penha até a Lapa, construída sobre as margens
aterradas do rio.” (TRAVASSOS, p. 38).
O uso das águas dos rios de São Paulo para fins de saneamento das várzeas, a
diluição e o afastamento de esgotos e a drenagem das áreas urbanizadas determinaram o
destino dessa imensa rede hídrica. Apropriados como elementos da infraestrutura urbana,
desapareceram da paisagem, enterrados ou canalizados, sendo legados ao esquecimento.
cheias, com a transposição dos pontos de alagamento para jusante; considerando outras
soluções associadas ao uso do solo e aos tipos de ocupação nas áreas sujeitas a enchentes.
A referida revisão conceitual, na forma de atuação do Estado no que diz respeito à
ação sobre os cursos d’água e às soluções para drenagem e combate às enchentes em São
Paulo, resultou, nos anos 1990, no questionamento do ideário da canalização como forma
hegemônica de ação pública.
No entanto, ainda nas décadas de 1970 até o final dos anos 1980, muitas canalizações
de corpos d’água com implantação das avenidas sanitárias seguiram sendo executadas em
São Paulo e Região Metropolitana, por contarem com verbas federais do Programa Nacional
de Saneamento (Planasa), que vigorou no período de 1971 a 1986 (TRAVASSOS, 2005).
O efeito dessa “conscientização” dos órgãos públicos, porém, é relativa. Ao mesmo
tempo em que esses planos e comitês eram organizados, a Prefeitura colocava em ação o
seu Programa de Canalização de Córregos e a Abertura de Avenidas de Fundo de Vale.
Já no século XXI, conforme o exposto na introdução, a execução das obras seguindo
esses novos conceitos – como a implementação de reservatórios de contenção, de barragens,
de piscinões e a ampliação da calha dos rios, entre outras – que permitiriam teoricamente
solucionar a questão das enchentes, mostra-se ineficaz.
Um caminho possível para o aprofundamento dessas questões poderá indicar de que
forma as transformações econômicas estiveram relacionadas com o processo de urbanização
em São Paulo entre 1930 e 1970 (período da unificação do mercado interno) e a partir da
década de 1970 até a atualidade (período da crise de reprodução da sociedade de elite),
associando-as às respectivas transformações no espaço urbano de São Paulo,
especificamente no que consta às questões de drenagem e combate a enchentes, mas
associadas ao problema dos assentamentos precários em áreas de fundo de vale.
programas de habitação, planos viários, programas de parques públicos etc.), como também
os referentes a temas de infraestrutura (planos de drenagem e de saneamento) e os relativos
a políticas e programas ambientais e de gestão de recursos naturais (planos de gestão de
bacias hidrográficas).
Tendo por base os autores referenciados e partindo de uma relação que registrou por
décadas os principais instrumentos produzidos, buscou-se associá-los, em uma escala mais
ampla, a eventos importantes no campo da política e da economia para organizar esses dados
em períodos. Essa organização corrobora as periodizações elaboradas por estudos
urbanísticos e ambientais das políticas públicas em São Paulo e no país (VILLAÇA, 1999;
SANTOS, 2002; SANTOS, 2004; ALVIM, 2003; DEÁK, 2001; ULTRAMARI, 2017).
26 No “Estado de Bem-estar Social” (Welfare State), a atuação dos agentes públicos se dá como
promotora e organizadora da vida social e econômica, proporcionando aos indivíduos bens e serviços
essenciais durante toda sua vida. Seu modelo mais conhecido de políticas públicas foi proposto por
John Maynard Keynes (1883-1946) e rompia com a visão de livre-mercado em favor da intervenção
estatal na economia (Fiori, 2013).
27 Segundo Bobbio (1998), o Estado liberal é visto como um Estado limitado em dois níveis: limites
quanto aos poderes e limites quanto às funções. O Estado de direito corresponde à limitação dos
poderes, enquanto o Estado mínimo corresponde ao limite das funções do Estado dentro da perspectiva
da doutrina liberal, resgatada pelas correntes do neoliberalismo.
145
Quadro: 3.1 - Principais planos e projetos relacionados ao processo de urbanização de fundo de vale
em São Paulo.
1940 RETIFICAÇÃO DOS RIOS PINHEIROS E TIETÊ da impermeabilização do solo e da ocupação das áreas de várzeas
pelo sistema viário principal, tornou-se insuficiente
PDDI -I PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO Primeiro zoneamento. Lei de zoneamento de 1972. Inspiração
1970
como ideologia. Plano sem
PERÍODO 2 - Planejamento
Centralidade, Hídrica.
Cidade. Solo criado.
enfrentamento dessas questões é a abordagem sistêmica, que por sua vez enfrenta, na
gestão pública, dificuldades dado ao fato dessa gestão ser organizada de forma setorial e
muitas vezes, desarticulada, com planos e programas específicos de cada área. Isso revela,
por sua vez, mais uma fragilidade dos planos diretores que teriam como premissa serem os
elementos de articulação de todas as ações que envolvem a gestão urbana.
Figura: 3.6 - Aquarela de Prestes Maia para o Plano de Avenidas. Na imagem, o Vale do
Anhangabaú.
Moses, por sua vez, identificou, no Plano de Prestes Maia, o impacto que as rodovias
estaduais tinham sobre São Paulo, e sugeriu que as avenidas marginais aos rios Tietê e
Pinheiros – concebidas esquematicamente no Plano de Avenidas – recebessem o tráfego
dessas rodovias, incorporando, portanto, a função dentro do tecido urbano como conhecemos
hoje em dia (Figura 3.8).
O que se observa, até aqui, é a predominância e a prevalência, nos primeiros planos,
do atendimento as questões da mobilidade das populações, importantíssima, para a
viabilização das propostas de espraiamento da malha urbana que interessava aos gestores
públicos. Sob a égide do progresso, da higiene do crescimento e da industrialização que
norteavam esses planos, estava o atendimento dos interesses fundiários de uma classe que
detinha o poder (VILLAÇA, 1999, ANELLI, 2007). A questão dos rios esteve restrita, às
adequações dos leitos e várzeas inundáveis, por questões sanitárias, assim como pela
supressão das paisagens ribeirinhas, modestas e inadequadas para a construção de uma
imagem de cidade moderna (DELBOUX, 2015, CAMPOS, 2002).
151
O Plano Urbanístico Básico de São Paulo (PUB) de 1968 foi um plano de grande
abrangência, marco do planejamento urbano. Trouxe a marca de otimismo gerado pelo
crescimento econômico do chamado “milagre brasileiro” (DEÁK, 2001). Os levantamentos
socioeconômicos revelaram uma concentração de renda e, os levantamentos urbanísticos,
uma região metropolitana dispersa, fragmentada e desarticulada. A matriz viária e os
transportes predominaram sobre outras prioridades e sustentaram o espraiamento urbano.
Houve, na concepção do PUB, a nítida influência do “Plano Preliminar de Urbanismo”,
elaborado por Jorge Wilheim em 1965 pela consultora SERETE, no qual o urbanista critica o
modelo rádio concêntrico do Plano de Avenidas, sob o argumento de que os anéis perimetrais
seriam ultrapassados com o tempo. Tal influência é igualmente perceptível na proposta para
que se adote o conceito de adensamento relacionado ao sistema de mobilidade urbana.
Influências internacionais também ocorreram, tais como do Plano Metropolitano de
Londres, de 1943, formulado pela London County Council, com assessoria de Patrick
Abercrombie e do ideário de Ebenezer Howard, presentes, principalmente, nas diretrizes de
descentralização e na adoção de subcentros em bairros, dotados de relativa autonomia e
conectados por um sistema de transporte. Os autores identificam ainda a influência do modelo
rodoviarista de Robert Moses, como também das propostas de melhoria das condições de
vida da população, presentes nos estudos da SAGMACS elaborados em 1958 pelo Padre
Lebret.
Segundo Feldman (2005), os estudos e recomendações do PUB foram elaborados em
um momento de retomada da compreensão do planejamento como processo permanente,
152
Figura: 3.9 - Plano Urbanístico Básico (PUB), malha viária com simulação de carregamento.
Nos planos citados, não foram registrados parâmetros específicos ou referências aos
sistemas hidrográficos naturais; nem aos impactos na drenagem urbana decorrentes da
impermeabilização de áreas molhadas; como também à conservação de maciços arbóreos,
exceto pela menção à manutenção ou à implantação de alguns parques públicos com funções
de lazer.
153
29Nesse texto o autor procura delimitar de forma precisa a distinção entre plano e projeto. Esclarece
que “quanto mais forte e simultaneamente estiverem presentes” alguns componentes ou
características, mais próximas do plano e distante do projeto essas ações o ou intervenções estarão.
Para tanto, relaciona: a abrangência de todo o espaço urbano, a continuidade de execução e
necessidade de revisões e atualizações, a interferência sobre a maioria ou grandes contingentes de
população e a importância das decisões POLÍTICAS, com maior participação dos organismos
municipais (Villaça, 1999, p. 174).
154
A década de 1970 constituiu o “momento chave para o estudo da ocupação dos fundos
de vale por avenidas no município de São Paulo”, pelo fato de ser a partir desse período que
o binômio “construção de sistema viário e tratamento do sistema de drenagem” se consolidam
(TRAVASSOS, 2005, p. 51).
A autora destaca a atuação de instituições no âmbito do estado e do município, que
atuaram no planejamento e na efetiva implantação de ações que envolveram as questões de
saneamento, drenagem e circulação viária em São Paulo nesse período e, dessa forma,
determinaram conceitos e parâmetros para a urbanização de fundos de vale (Figura 3.11).
No âmbito do governo estadual, a Empresa de Planejamento S.A. (Emplasa)
procurava tratar de forma compreensiva o planejamento das questões ligadas às inundações
nas sub-bacias do Alto Tietê, partindo de uma metodologia que adotava como unidade de
planejamento as bacias hidrográficas e as vinculava ao estágio de urbanização de cada bacia.
Estabelecia a obrigatoriedade de adesão dos estados e municípios para ter acesso aos financiamentos
do Sistema Financeiro de Saneamento. Os Estados deveriam constituir os Fundos de Financiamento
de Água e Esgoto, FAEs, e uma Empresa Estadual de Saneamento, que receberia os recursos. Havia
também subprogramas específicos, dentre os quais o FIDREN, que poderia ser destinado diretamente
a governos estaduais, municipais, entidades executivas de áreas metropolitanas ou outras companhias
oficiais ligadas ao problema da drenagem. Os recursos para esses programas foram financiados
principalmente pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) (TRAVASSOS, 2005).
31 “O financiamento, que fazia parte do FIDREN, estava prometido desde o início de 1973, quando a
previsão era de se canalizar 470,42 km de córregos – sem menção à construção de avenidas,
incorporadas posteriormente ao pedido de financiamento” (TRAVASSOS, 2005, p. 60).
158
32O Programa Municipal de Drenagem foi executado entre 1978 e 1983 e contemplava a canalização de
cursos d’água e a urbanização de fundos de vale. “Quando do lançamento do convênio, o prefeito Olavo
Setúbal enfatizou o alto valor das avenidas de fundo de vale para a integração viária da cidade,
especialmente em relação à facilidade de Disponível em à linha Leste-Oeste do Metrô. (YASSUDA,
1977).” (TRAVASSOS, 2005, p.66)
159
Figura: 3.12 - Município de São Paulo: loteamentos irregulares implantados entre 1941 e 1980.
Esse movimento também foi percebido na região sul do município, o que ocasionou o
avanço de um padrão de urbanização predatória sobre as áreas de mananciais e outras áreas
ambientalmente frágeis.
Ainda que protegidos por diversos instrumentos legais, as áreas de mananciais e os
fundos de vale foram ocupados pela parcela mais empobrecida da população, dada a
ausência de uma política habitacional abrangente o suficiente para atender às suas
necessidades e à capacidade dessa população de aquisição de terras em regiões dotadas de
infraestrutura e, por conseguinte, mais caras. Essa conjunção resultou na condição na qual a
“vulnerabilidade social encontra a fragilidade ambiental” (TRAVASSOS, 2010, p. 97).
Para responder a esse problema, o poder público municipal adquiriu grandes glebas
rurais nas bordas da região metropolitana – principalmente na região leste do município de
São Paulo e nos municípios vizinhos, a norte e oeste – para implantar conjuntos habitacionais
(Figura 3.13). Mas essas ações não foram suficientes para alterar esse padrão de urbanização
160
Fonte: Gestão Urbana. Prefeitura do município de São Paulo. Disponível em: 11 06 2020.
167
justiça social, sustentabilidade ambiental como direito à cidade, gestão democrática e gestão
eficiente dos recursos públicos.
O programa Córrego Limpo foi criado pela Sabesp em 2007, com o objetivo de sanear
300 córregos no município de São Paulo. Em sua primeira etapa, abrangeu 42 córregos e, na
sua segunda etapa, 58 córregos. No ano de 2019 entregou o saneamento do Córrego da
Traição, completando 152 córregos saneados e em manutenção, segundo dados de junho de
2019, divulgados pela empresa (Figura 3.17). A atuação desse programa, especificamente na
bacia do Córrego Jaguaré, será retomada no capítulo 4.
Figura: 3.17 - Córrego Cruzeiro do Sul, São Miguel Paulista, antes e depois da urbanização.
O programa 100 Parques foi um plano ambicioso lançado em 2008 e tinha como
objetivo a criação de um banco de terras público, destinado à prestação de serviços
ambientais e de um plano de adaptação às mudanças climáticas globais, tendo estabelecido
como regiões estratégicas a borda da Serra da Cantareira, ao norte, a área de proteção dos
mananciais nas represas Guarapiranga e Billings, ao sul, e as nascentes do rio Aricanduva, a
leste. A estratégia para a escolha dos lugares era conter a expansão urbana sobre áreas
ambientalmente frágeis.
Observa-se que os programas e os planos relacionados – o Programa de Recuperação
Ambiental de Cursos de Água e Fundos de Vale, o Programa dos Parques Lineares, o Córrego
Limpo e os 100 Parques, assim como o Plano de Habitação – atuam, cada qual dentro de
seus critérios e objetivos, nas áreas de fundo de vale.
Os programas e planos citados são geridos por diferentes estruturas da prefeitura
municipal e de acordo com cronogramas e dotações de recursos específicos, ainda que se
encontrem atuando em áreas com características socioambientais semelhantes. Trata-se da
expressão da fragmentação das ações, dos recursos e dos esforços existentes no modelo de
gestão setorial da administração pública e mostra como a desarticulação dessas ações e
políticas revela as restrições e a pouca eficiência no enfrentamento do problema dos
171
33Organizado como um concurso nacional de projetos para urbanização de favelas, o Renova SP foi
um programa realizado pela Prefeitura de São Paulo, em 2011, que selecionou 22 projetos com
propostas para urbanizar 209 favelas e loteamentos irregulares da capital paulista.
172
O plano de 2002, ao reconhecer o sítio físico da cidade por meio dos seus rios, de
seus vales e dos sistemas de áreas verdes, tinha como objetivo utilizá-los como elementos
orientadores da estrutura da cidade para promover a recuperação ambiental, reconciliar a
cidade com seus rios e seu ambiente natural e promover as intervenções para o controle da
drenagem urbana, a recomposição da vegetação ciliar, o saneamento dos rios e a proteção
dos fundos de vale, conforme consta nos programas de recuperação de fundos de vale, dos
parques lineares e nos corredores verdes. Objetivava também atender, por meio dos
programas de reassentamento, às populações localizadas em áreas de risco nas bordas
fluviais e lacustres e em áreas ambientalmente frágeis e vulneráveis.
Nos objetivos expostos nas estratégias do PDE 2014, a incorporação da agenda
ambiental aparece como coadjuvante do desenvolvimento da cidade, considerando os vales
fluviais e os eixos das redes hídricas subordinados como estratégia para orientar o
crescimento da cidade, promovendo adensamento nas proximidades do transporte público e
nas regiões dotadas de redes e sistemas de infraestrutura urbana. Os mapas ilustrativos do
plano (Figura 3.19) apresentam os vales dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, apropriados
como os eixos da Estruturação Metropolitana e inseridos na Macrozona de Estruturação e
Qualificação Urbana. Ainda que essa macrozona tenha configuração e perímetro semelhantes
173
às propostas do PDE 2002, ela perdeu sua amplitude e priorização como meta de
sustentabilidade urbana, previstas no plano anterior (MAGLIO, 2015).
Figura: 3.19 - As Macroáreas do PDE 2014, onde se veem os eixos dos principais rios determinados
como Macroárea de Qualificação da Urbanização.
Fonte: Geosampa
Figura: 3.20 - Mapa das intervenções propostas pelo PIU Arco Tietê.
Por outro lado, foram propostos pelo plano outros programas que atendessem às
demandas de recuperação ambiental, como o Programa de Recuperação de Fundos de Vale,
associado ao sistema de drenagem (Art. 213 a 218), definido como “o conjunto formado pelas
características geológico-geotécnicas e do relevo e pela infraestrutura de macro e micro
drenagem instaladas”, do qual fazem parte:
pluvial, entre outros; III – os elementos de macrodrenagem, como canais naturais e artificiais,
galerias e reservatórios de retenção ou contenção; IV – o sistema de áreas protegidas, áreas
verdes e espaços livres, em especial os parques lineares (São Paulo, 2014).
34São 10 as Estratégias propostas pelo PDE 2014: Socializar os ganhos da produção da cidade;
assegurar o direito à moradia digna para quem precisa; melhorar a mobilidade urbana; qualificar a vida
urbana dos bairros; orientar o crescimento da cidade nas proximidades do transporte público;
reorganizar as dinâmicas metropolitanas; promover o desenvolvimento econômico da cidade;
180
Figura: 3.24 - Renova SP - Projeto Lote 4 - Cabuçu de Cima. Terra Tuma Arquitetos, (20110).
Fonte: concursosdeprojeto.org.
36 Consideram-se Parques Existentes aqueles que atendem às seguintes condições: domínio municipal
(por titularidade ou por instrumento jurídico de cessão de uso); aberto ao público ou com fruição pública
por meio de ação do Poder Executivo; existência de instrumento legal de criação do Parque, ou inclusão
na lista de parques existentes que demandam a elaboração de instrumento legal de criação;
infraestrutura e equipamentos com, no mínimo, caminhos e acessos.
182
37 Os Ecopontos são locais de entrega voluntária de pequenos volumes de entulho (até 1 m³), grandes
objetos (móveis, sofás etc.), poda de árvore e resíduos recicláveis. Nessas estruturas, o munícipe pode
dispor o resíduo gratuitamente, em caçambas distintas para cada tipo de material. Atualmente, a
Prefeitura disponibiliza 114 unidades com atendimento diário e gratuito. Somente em 2019, foram
recebidas nos ecopontos cerca de 447.7 mil toneladas de resíduos. (PREFEITURA DE SÃO PAULO.
Disponível:https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/amlurb/ecopontos/index.p
hp?p=4626)
183
Considerando que o PDE define as ZEIS como áreas prioritárias para a produção de
moradia para a população de baixa renda, quando se avalia a produção do período de 2014-
2018 (Tabela 3.1), quanto a unidades produzidas, observa-se que 73% das unidades de HIS
foram licenciadas nessas zonas. Porém, quando se analisa a produção pelo número de
empreendimentos, a relação se inverte, pois, dos 621 empreendimentos de HIS, 410
equivalentes a 66%, localizam-se fora de ZEIS, ao passo que, dentro de ZEIS, houve 212
empreendimentos, o que corresponde a 34% (Tabela 3.2).
Quanto às regiões em que foram construídas essas unidades de HIS, destacaram-se,
respectivamente, as subprefeituras do Butantã, com 15.527 unidades, sendo 15.338 em ZEIS
e 189 fora de ZEIS; Itaquera, com 10.595 unidades, sendo 5.291 em ZEIS e 5.304 fora de
ZEIS; e Jabaquara, com 5.176 unidades, sendo 5.161 em ZEIS e 15 fora de ZEIS.
No que diz respeito à participação da iniciativa privada e do poder público no mercado
de habitação social, o relatório revela que os investimentos públicos se concentram em HIS
1, com 64% do total das unidades licenciadas de 2014 a 2018; enquanto a participação do
setor privado se distribuiu entre HIS 1 (14%), em HIS 2 (31%) e em HMP (13%) (Gráfico 3.1).
executados no ano corrente ao menos 30% dos recursos para a aquisição de terrenos, esse
montante permanecerá reservado para esse fim por um período de 2 anos. Considerando-se
os percentuais apresentados pelo presente relatório, à exceção do ano de 2016, os outros
quatro anos não cumpriram esse limite, restando, portanto, o montante referente aos anos de
2017 e 2018 reservado ainda para essa finalidade, encerrando-se, respectivamente, em 2020
e 2021 (Tabela 3.2).
Gráfico: 3.1 - Unidades Licenciadas por parte do agente promotor em ZEIS.
30.000
25.000
20.000
15.000 Iniciativa
Privada
10.000
5.000 Poder Público
Fonte: “Plano Diretor: 5 anos da Lei nº 16.050/2014” (SÃO PAULO, 2019). Adaptado pelo autor.
Esses dados revelam uma atuação efetiva, para além da elaboração de planos e
programas políticos protagonizados pela área da Habitação Social, evidenciando o
protagonismo no conjunto de diretrizes do PDE de “assegurar o direito à moradia digna para
quem precisa”, por meio da implementação de uma política habitacional para a cidade (São
Paulo, 2014). Foram aplicados recursos do FUNDURB, e houve uma participação bastante
expressiva de investimentos privados na produção de unidades habitacionais.
Há que se considerar que a atração desses investidores traz reflexos de uma atuação
de outras esferas de governo, como o estadual e principalmente o governo federal, promovida
185
por políticas de financiamento. Considere-se também que não se trata apenas de ações
estimuladas por políticas municipais aplicadas ao setor da construção, mas, principalmente,
às condições gerais do desempenho econômico no período, associado às modalidades de
composição de fundos de investimentos que permitiram a financeirização do segmento, que
contribuíram para esse desempenho.
Essas análises tiveram como objetivo apresentar um quadro do desempenho dos
planos e das ações das políticas públicas que exercem algum tipo de impacto ou influência
nas áreas de fundo de vale e pretenderam identificar se houveram abordagens integradas e
articuladas, conforme necessárias para o enfrentamento dos problemas socioambientais
existentes nessas regiões da cidade.
O PDE de 2002 previu e selecionou áreas de várzea dos principais rios para a
implantação das Operações Urbanas Consorciadas (OUCs). Ao elegê-las para as
intervenções dentre os objetivos propostos, se pretendia promover o adensamento em áreas
dotadas de infraestrutura contendo a expansão urbana; enfrentar a questão dos
assentamentos precários existentes nessas áreas e promover a recuperação ambiental e
paisagística dos rios e das várzeas; para citar algumas diretrizes de natureza socioambiental
que trariam benefícios para as áreas de fundo de vale. A gestão da Prefeitura de São Paulo
em 2004, promoveu um concurso nacional de projetos chamado Bairro Novo para a região
definida pela OUC Água Branca que tinha dentre seus objetivos a recuperação da “função
paisagística do rio Tietê e de parte de suas várzeas, além de propor a reorganização espacial
da orla das ferrovias e a articulação entre os bairros vizinhos, através da readequação de
seus traçados e estímulos a novos padrões de uso e ocupação do solo” (VITRUVIUS, 2004).
Cancelado na gestão seguinte, o que se observou na prática foi que, mais uma vez,
prevaleceram a visão e, exclusivamente os interesses imobiliários promovidos por projetos
urbanísticos destinados a populações de renda média alta, a exemplo do empreendimento
Jardim das Perdizes implantado na região das várzeas do rio Tietê e chamado de
“empreendimento sustentável” por ter obtido certificação Aqua38 mas, considerando suas
características urbanísticas, pode-se inferir que se assemelha mais ao que o mercado
imobiliário denomina de greenwashing39.
a ideia de que eles são ecoeficientes, ambientalmente corretos, provêm de processos sustentáveis,
entre outros. Assim, termos e expressões como “eco”, “ecológico”, “menos poluente” e “sustentável”
começam a aparecer nas embalagens e rótulos de diversos produtos, na tentativa de indicar que as
empresas são ambientalmente responsáveis. (Cheng & Chang, 2013)
186
Por sua vez, o PDE de 2014, no que se refere a diretrizes com interferências nas
áreas de fundo de vale, apresentou como objetivos gerais conciliar interesses de
desenvolvimento urbano com adensamento e ocupação adequada do solo em relação as
infraestruturas e meio ambiente; proteção das paisagens, dos recursos naturais e dos
mananciais hídricos; distribuição das populações para evitar efeitos negativos sobre o meio
ambiente; incentivo à Habitação Social e atuação cooperativa entre agentes públicos e
privados e população em geral (COSTA, 2014).
O plano previu novas modalidades de intervenção no setor Orlas Fluviais e
Ferroviárias da Macroárea de Estruturação Metropolitana com transformações estruturais
promovendo o aumento das densidades; a recuperação dos sistemas ambientais,
especialmente de rios, córregos e áreas vegetadas com minimização de áreas de risco
geológico, inundações e riscos de contaminação compatibilizando usos e tipologias de
parcelamento do solo nessas regiões ; manutenção das populações moradoras e produção
de HIS; e propondo redefinição de parâmetros de uso e ocupação do solo para qualificação
dos espaços públicos e paisagens urbanas.
A partir dessas diretrizes o PDE 2014 determinou perímetros de atuação chamados
de Arcos como planos de articulação territorial de longo prazo associado aos vales dos três
grandes rios: Tietê, Pinheiros e Tamanduateí que se ampliam numa articulação de escala
metropolitana no chamado Arco do Futuro, adotando os conceitos de compactação da cidade
e uso adequado do solo apoiados, principalmente, nos eixos de mobilidade e transporte. Para
sua viabilização adotam como instrumentos os PIU, as OUCs. Mas como visto em relação ao
PDE 2002, há uma distância entre as propostas dos planos e sua execução. Nesse sentido
Costa (2014), quando analisa as propostas apresentadas no Chamamento Público nº
1/2013/SMDU para o Arco Tietê, identifica primeiramente que esse projeto não foi induzido
pela prefeitura, mas foi apresentado pela iniciativa privada, para o qual a prefeitura apresentou
respostas. O autor analisa o conteúdo das 17 propostas consideradas adequadas pela equipe
técnica encarregadas das análises, especialmente a partir dos critérios de análise das
informações organizadas pela Comissão como Modelo Urbanístico que se dividiu em 4
subgrupos (uso do solo, mobilidade e acessibilidade, paisagem e meio ambiente) e, dentro
desse grupo o autor analisou os elementos que se referiam à dimensão ambiental assim
elencados; no campo Paisagem: ocupação da várzea; desenho da paisagem; espaços
públicos; e no campo Ambiente: drenagem e áreas verdes. Esses cinco elementos foram
considerados como os componentes da dimensão ambiental e foram organizados por ordem
de importância da seguinte forma: drenagem, ocupação da várzea, áreas verdes, espaços
públicos e desenho da paisagem. Dos elementos selecionados apenas uma das empresas
incorporou todos os itens, sendo “drenagem” o item que foi contemplado em todas as
187
propostas. O autor conclui que apesar do Arco Tietê se configurar como uma oportunidade
para se reintegrar com seu principal rio, seu futuro restou incerto, pois o processo não foi
finalizado e, referente à incorporação da dimensão ambiental, fundamental para se promover
a requalificação da relação entre a urbanização e o rio Tietê, o plano-projeto não tem como
foco principal o rio e não integra todas as dimensões de forma harmônica.
A cidade de São Paulo, por ter sido implantada em uma região extremamente drenada
e chuvosa, teve que aprender a conviver com esses episódios desde a sua fundação. Mas,
especialmente a partir de meados do século XIX, quando se expande, impulsionada pela força
da economia agrícola exportadora de café, a cidade começa a se configurar como centro e
polo logístico e de transportes no caminho ao Porto de Santos, impelida pelas ferrovias que
se apropriam das condições topográficas favoráveis e são implantadas nos fundos de vale.
Conforme o já mencionado, uma das primeiras medidas adotadas pelas cidades para
o gerenciamento de riscos é o mapeamento de suas áreas de conflito, para então reordenar
a ocupação dessas áreas, estabelecer novas regras de ocupação e determinar limites das
responsabilidades do poder público e de sua população. De acordo com o exposto, a
abordagem atual estabelece uma combinação de ações estruturais e não estruturais, que
incluem a adaptação das leis e normas de planejamento e construção e planos específicos
de alerta e apoio pós-eventos.
Chama atenção nesse sentido, que embora muitas das experiencias americanas
tenham sido referência e algumas até adotadas no Brasil desde meados do século XX, para
nortear as políticas de gestão das águas nas cidades, que, por outro lado, essas ações de
responsabilização e envolvimento direto dos agentes públicos no ressarcimento dos prejuízos
não tenham avançado.
Graciosa (2010) desenvolveu importante estudo sobre o uso dos seguros contra
inundações para construção de ferramentas para avaliação dos riscos e dos prejuízos onde
avalia a criação de um fundo de seguros definido por bacias hidrográficas para cobertura dos
danos tangíveis (que não envolvem perda de vidas) para essa finalidade. Isso representa uma
grande contribuição para o gerenciamento de riscos para as inundações para as cidades
brasileiras que enfrentam carência de recursos tanto para o atendimento das vítimas, como
para a implementação de ações e obras preventivas ou de reparos pós-eventos.
Em agosto de 2006, o Sistema Municipal de Defesa Civil foi reorganizado por meio do
Decreto Municipal nº 47.534/06, para se adequar às normas do Sistema Nacional de Defesa
Civil previstas no Decreto Federal nº 5.376/05. A COMDEC passa a ter como objetivo a
redução de desastres, naturais ou antrópicos, compreendendo não apenas o socorro, as
ações assistenciais e o restabelecimento à normalidade social, mas também as ações
preventivas destinadas a evitar ou minimizar os desastres, valendo-se de mapeamentos de
áreas de risco geológico. Nessa ocasião, foi criada a função de Coordenador das Ações
Preventivas e Recuperativas da COMDEC.
A cidade de São Paulo possui como ação permanente, desde 2001, o Plano de Gestão
de Riscos e o Plano Preventivo de Chuvas de Verão (PPCV), que procuram dar suporte às
ações preventivas de riscos geológicos e hidrológicos. O tema dos riscos tecnológicos,
representado pelos riscos de acidentes em infraestruturas urbanas (água, eletricidade, gás e
esgoto) e nos sistemas de transporte de fluídos, como também pelo transporte de produtos
químicos pelas estradas e ferrovias que atravessam a cidade, apenas recentemente passou
a incorporar os planos de gestão de riscos (Malheiros e Almeida, 2020).
Por último, foi analisado o relatório referente às ações da Gestão das Áreas de Risco,
por se tratar de política pública diretamente associada aos processos de urbanização das
áreas ambientalmente frágeis, tais como as regiões de fundo de vale e de encostas, que
interessam a este trabalho.
O relatório revela que o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), cuja função
é identificar os processos de risco, delimitando os setores e respectivos graus de risco, com
recomendação para intervenções estruturais, não foi realizado. Informa também que o
levantamento das áreas de risco segue em andamento pela Secretaria Municipal de
Segurança Urbana (SMSU), sob o encargo da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa
Civil (COMDEC). Registra que o último PMRR elaborado para o Município de São Paulo foi
feito em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), correspondendo ao período
2009/2010.
Com relação à disponibilização de dados para consulta em formato aberto, elenca a
existência da Carta Geotécnica do Município de São Paulo, acessível para visualização e
193
agentes públicos e capital imobiliário, das quais foram excluídas, as dinâmicas naturais e os
ciclos hidrológicos e as populações pobres.
A investigação histórica do processo de urbanização que se apoiou na análise de
alguns dos instrumentos de ordenação do solo, considerou como critérios a análise de
programas e planos específicos que atuam sobre os ambientes dos vales fluviais da cidade,
tais como infraestrutura e mobilidade, habitação social, meio ambiente e gestão de resíduos
sólidos.
As questões ambientais, tais como as reconhecemos hoje em dia, não eram pautas
até a primeira metade do século XX; mesmo assim, a pesquisa procurou revelar como as
ações de transformação dos vales fluviais executadas nesse período determinaram padrões
e modelos persistentes, que acarretaram muitos dos conflitos socioambientais vivenciados
atualmente. Os padrões de ocupação intensiva do solo nessas regiões, promovido pela
implantação das avenidas de fundo de vale, suprimiram do território urbanizado as áreas
inundáveis, as vegetações e as paisagens ribeirinhas, enquanto ao mesmo tempo,
impermeabilizaram grandes extensões das bacias de drenagem e ao canalizarem os
córregos, aceleram os fluxos, transferindo rapidamente grandes volumes de escoamento e
criando enchentes à jusante. A esse quadro somam-se o problema da poluição das águas; da
quebra do ciclo hidrológico e de realimentação dos aquíferos; da eliminação de cadeias de
espécies da flori fauna; da redução da biodiversidade dentre outros problemas de ordem
ambiental provocados pela urbanização nessas regiões.
A atuação da gestão pública no que se refere a ordenação da ocupação dos vales
fluviais foi marcada pela setorialização e por uma desarticulação que não conseguiu ser
suplantada, mesmo na história recente, da urbanização de São Paulo. Os planos diretores
que deveriam ser abrangentes, acolhendo e coordenando todas as ações de gestão no
território urbano, não conseguiram superar as ações setoriais que atendem, prontamente, aos
interesses hegemônicos que determinam, na prática, os rumos e as ações das políticas
urbanas. Mesmo quando a partir dos anos 2000 a pauta ambiental é incorporada como
integrante dos planos diretores, a força dos agentes privados determinou as pautas que se
materializaram, privilegiando os mesmos seguimentos que, historicamente, determinam
como, para quem e para onde a cidade de São Paulo cresce e se organiza.
No entanto, são inquestionáveis os avanços dos planos urbanos mais recentes (PD
2002 e 2014) na incorporação de mecanismo de atuação e de participação nas políticas
públicas que podem e devem ser utilizados e aperfeiçoados. As cidades são um campo onde
distintas forças sociais se enfrentam. Assim estimular e promover a ampliação das
participações das comunidades nas decisões que envolvem a gestão urbana, devem ser
estimuladas e, nesse sentido, mecanismos de ação local como os Planos de Bairro e os PIU
195
precisam ser resgatados do domínio dos mesmos grupos sociais que sempre promoveram
seus interesses sobre o da maioria da população. E resgatar também a atuação das instancias
de gestão locais (subprefeituras, conselhos locais) ainda são um caminho para a construção
de uma gestão mais representativa dos interesses da maioria.
Especificamente na questão das relações entre a urbanização e os rios em São Paulo,
ainda há muito avançar. Suprimidos como foram das paisagens, reconhecidos apenas como
elementos da infraestrutura e associados aos efeitos mais danosos dessa relação como
condutos de lixo e esgoto; os rios e os córregos urbanos precisam ser ressignificados.
Um caminho possível é promover o reconhecimento e a conscientização que
São Paulo cresceu em uma região extremamente drenada e chuvosa e que, portanto, deve
aprender a conviver com as inundações. Difundir o paradigma sistêmico que nada na natureza
acontece dissociado de nada; que nossas ações impactam nas dinâmicas naturais e que a
adaptação das dinâmicas naturais às ações antrópicas tem limites. E que como afirma Krenak
(2020) a “Gaia é um organismo vivo e pode nos deixar para trás”, não se subordinando a
lógica antropocêntrica de que o engenho humano tudo pode.
No próximo capítulo será aprofundado como estudo de caso a bacia hidrográfica do
Córrego Jaguaré, última etapa desta pesquisa, com o objetivo de avaliar e propor diretrizes
de reordenação das ocupações em áreas de fundo de vale que contemplem o espaço das
águas e reaproximem as pessoas dos córregos e dos rios.
196
Este capítulo tem como propósito realizar uma análise crítica sobre o problema entre
urbanização e os cursos d`água, por meio da bacia hidrográfica do Córrego Jaguaré, bem
como apresentar a etapa experimental e propositiva da pesquisa. Pretende-se demonstrar a
tese que para se atingir a sustentabilidade de bacias hidrográficas inseridas em áreas
intensamente urbanizadas, devem ser adotados parâmetros compatíveis e adaptados às
características ambientais das regiões de fundo de vale, oferecendo segurança às populações
que vivem nessas áreas, garantindo resiliência e sustentabilidade às estruturas urbanas e às
edificações existentes e promovendo a recuperação das dinâmicas hidrológicas, da qualidade
das águas e a recomposição das paisagens fluviais suprimidas.
Dessa forma, o protagonismo das águas como áreas de uso público para o convívio
de todos os seus moradores pode ser resgatado, assim como a consolidação de uma nova
visão nas relações entre as cidades e suas águas, na qual as ações corretivas para os
conflitos gerados pela urbanização sejam também promotoras de benefícios socioambientais.
Conforme exposto ao longo desta pesquisa, o estudo das questões ambientais requer
uma abordagem sistêmica; portanto, essa abordagem deve ser aplicada ao estudo dos
processos de urbanização, cabendo ao pesquisador empreender análises das distintas
dimensões que envolvem a sustentabilidade ambiental e urbana da bacia hidrográfica.
Tendo como ponto de partida as referências elencadas na Parte 1 deste trabalho
(Capítulos 1 e 2) que indicaram que a sustentabilidade40 de uma bacia hidrográfica possui
múltiplas dimensões e devem ser entendidas e planejadas de forma integrada, bem como a
compreensão dos principais conflitos identificados no processo de urbanização e
planejamento de São Paulo, nesta etapa da pesquisa propõe-se uma metodologia de análise
da bacia do Córrego do Jaguaré com o propósito de compreender sua dinâmica urbana e
ambiental e delinear as diretrizes de uma ocupação sustentável.
Tal metodologia considerou três dimensões fundamentais para a compreensão desta
bacia hidrográfica41: a) dimensão urbanística - sendo aqui considerados os estudos do
40 “Diversos autores (ACSELRAD, 2004; FARR, 2013; MAGNAGHI, 1999; 2005) apontam que o
conceito de desenvolvimento sustentável surge em resposta a uma crise da visão tradicional de
crescimento e desenvolvimento, visão esta que, pautada no discurso do crescimento econômico, trata
o meio ambiente como uma fonte de recursos inesgotáveis, a ser explorada” (ALVIM et al, 2019, p.10).
41 Considerar um processo de urbanização sustentável, implica em reconhecer e conciliar uma grande
configurar como elemento ordenador do parcelamento do solo, conforme defendido por Solá-Morales
e apresentado no subitem 4.2.1 (p. 218) desta pesquisa. Mas, considerando a importância e os
impactos de antropização que essas estruturas exerceram nos rios, nos córregos e nas paisagens
fluviais da cidade de São Paulo, adotou-se a infraestrutura como um elemento isolado de análise.
198
que, assim, também contribua para a recuperação e a preservação das qualidades ambientais
dessas regiões.
A escolha da bacia hidrográfica do Córrego do Jaguaré como área de estudo se
justifica pelos seguintes motivos: i) trata-se de uma bacia situada integralmente dentro dos
limites do município de São Paulo; ii) a diversidade de ocupação em diversos trechos permite
possibilidades de investigações, replicáveis em diferentes cenários de urbanização da cidade
de São Paulo; iii) a bacia foi objeto de algumas intervenções de proteção e recuperação de
qualidade ambiental, com a implantação de alguns trechos de Parques Lineares e pelo
programa Córrego Limpo (Sabesp/Estado/Prefeitura). No que tange a diversidade de
ocupação, em sua extensão existem distintos quadros de urbanização e antropização - desde
áreas de conservação, em suas cabeceiras com leitos naturais dos principais cursos d’água,
protegidos por vegetação; bairros de baixa e média densidade compostos de habitações
unifamiliares e multifamiliares em sua porção média, que convivem, em alguns trechos, com
o leito natural do córrego ainda preservado e trechos ocupados por assentamentos precários;
até a ocupação industrial, em processo de transformação com a construção de condomínios
residenciais verticais e a presença de instituições como a USP e o IPT, na região de sua foz,
às margens do Rio Pinheiros.
Como parte da metodologia, serão apresentados dados sobre a caracterização física
da bacia do Jaguaré; o uso do solo e zoneamento urbano; estudos hidrológicos; informações
sobre infraestrutura urbana (abastecimento de água, esgotos sanitários, resíduos sólidos,
drenagem e manejo de águas pluviais) e dados sobre qualidade e poluição das águas. Os
dados secundários foram coletados a partir de várias fontes das quais destaca-se o Projeto
Jaguaré, projeto desenvolvido pela Associação Águas Claras do Rio Pinheiros (ONG) em
parceria com a Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica da USP (FCTH/USP) e o
Labverde, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
O Projeto Jaguaré foi publicado em 2017 e teve como objetivo estabelecer conceitos,
diretrizes para a concepção de projetos que contribuíssem para a recuperação da qualidade
das águas do rio Pinheiros, por meio da recuperação ambiental de seus afluentes, e levantou
um conjunto de informações de ordem socioeconômica, política e ambiental. Adotou como
metodologia o uso de informações espacializadas, sob a forma de mapas temáticos
georreferenciados da urbanização da bacia – método também escolhido pelo autor deste
trabalho – para a proposição de cenários para a revitalização dessa bacia, alinhados com o
conceito de qualidade urbana determinada pela paisagem, definida como eixo estruturador
das políticas de infraestrutura. Eleger a paisagem como elemento estruturador também veio
ao encontro de um dos conceitos aplicados neste trabalho.
199
Figura: 4.1 - Localização da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré no município de São Paulo.
Figura: 4.3 Região das nascentes do córrego Jaguaré (em verde, vegetação preservada e, pontos
azuis, as nascentes).
A bacia do Jaguaré é composta em sub-bacias hidrográficas. Essa divisão foi adotada pelo
Projeto Piloto da “Associação Águas Claras do Rio Pinheiros” para a análise e a avaliação dos
fenômenos que ocorrem em bacias urbanas a partir de diferentes padrões hidrológicos, hidráulicos
e urbanísticos. A divisão em sub-bacias, realizada na Bacia do Jaguaré, pode ser visualizada na
Figura 4.9.
204
Figura: 4.8 Trechos a céu aberto e subterrâneos do córrego Jaguaré e seus afluentes.
A nomenclatura definida para cada sub-bacia pelo Projeto Piloto considerou a letra “J”,
relacionando as subdivisões ao córrego Jaguaré, e as letras “D” e “E”, localizando-a como
contribuinte da margem direita ou esquerda.
Esse breve quadro da base geofísica da bacia permite uma leitura do território de
estudo como história da paisagem natural e de suas dinâmicas originais. Partindo do conceito
de que a “paisagem é história congelada, mas participa da história viva” (SANTOS, 2002, p.
107), e considerando que sua função será sempre dada por sua confrontação com a
sociedade, procurou-se contextualizar o processo de transformação dessa paisagem natural,
promovido pela urbanização, em um estudo da evolução da urbanização da bacia, por meio
de cartografias construídas a partir da determinação de parâmetros urbanísticos e ambientais.
Nesta etapa da pesquisa a análise da Bacia hidrográfica do Jaguaré tem como objetivo
identificar parâmetros para o planejamento de áreas de fundo de vale que envolvam as
relações ambientais e urbanas, entendidas aqui como dimensões que devem ser pensadas
de forma articulada. Para tal, foram selecionados e adotados elementos de ordem urbanística
e ambiental com base em pesquisa que vem sendo desenvolvida na FAU Mackenzie, da qual
o autor participa.64 Para tal, este item está dividido em duas partes: uma primeira parte onde
são identificados e organizados os elementos que compõem o território da bacia, utilizando-
65 Munford (1998) faz uma associação à natureza pacífica dos povos egípcios e às características
morfológicas de suas cidades abertas e sem muros ao regime hidrológico e às características
fisiográficas do Rio Nilo, com amplas várzeas e inundações sazonais previsíveis, em contraponto com
a natureza dos povos mesopotâmicos e suas cidades amuralhadas, onde “as violências da natureza”
existentes nos regimes dos Rios Eufrates e Tigre se refletiam “nas violências dos homens” (op. cit, p.
71).
209
66 “[...] um trabalho pioneiro que fez de São Paulo uma das primeiras cidades do mundo a ter um
cadastro de plantas articuladas de grande precisão, em escala detalhada (1:1.000 e 1:5.000). Foram
entregues à prefeitura 132 cartas (impressas pelo Instituto Geográfico de Agostini, em Novara, na
Itália), 20 fotocartas e a coleção de fotografias aéreas (verticais e oblíquas), que constituíram a fonte
do levantamento.” DUTENKEFER, E., 2015, p.156.
67 Deve-se registrar que há aero fotos da urbanização dessa região da cidade nos arquivos do Instituto
de Geografia da USP do ano de 1962 ainda não vetorizadas, mas o Disponível em a esse material não
foi possível devido ao fato de a universidade permanecer fechada em função da pandemia do Covid
19. Procurou-se, nesta pesquisa, o apoio de fontes indiretas e dos estudos das leis, planos e normas
urbanísticas para se fundamentar as análises comparativas, especialmente entre os anos de 1933 a
1981.
68 O Instituto Butantã surgiu em 1898 (final do século XIX) projetado para combater um surto de peste
bubônica que se propagava no porto de Santos em 1899, levou o governo a adquirir a Fazenda Butantã
para instalar um laboratório de produção de soro antipestoso, vinculado ao Instituto Bacteriológico
(atual Instituto Adolfo Lutz). Esse laboratório foi reconhecido como instituição autônoma em fevereiro
de 1901, sob a denominação de Instituto Serumtherápico, tendo como primeiro diretor, o médico
sanitarista Vital Brazil (fonte: http://www.butantan.gov.br/institucional/historico).
212
Mapa 4.1 - Mapa de uso do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 1933.
69
Com o apoio dos discentes do curso de graduação Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP: Ana Carolina Nascimento
Carvalho, Breno Schmidtke e Wesley Matos Cruz.
214
Nesse período, vigorava o Código de Obras Arthur Saboya (Lei nº 3.427, de 19 de novembro
de 1929) no âmbito do município. Esse código, de grande abrangência, constituiu-se peça
fundamental do ordenamento urbanístico e de edificações da cidade. Definia um primeiro
zoneamento especificando usos e determinava padrões e dimensões para o loteamento de terras,
ruas, passeios e outros elementos morfológicos urbanos. Estabelecia um regramento, desde a
aprovação de abertura de novas ruas, atribuindo responsabilidade aos interessados, de arcarem
com as despesas necessárias às desapropriações, às normas de ocupação dos lotes, até a detalhes
dos ambientes internos das construções. Estabeleceu uma nova ordem que desencarregava a
Prefeitura das atribuições de execução das expansões da urbanização, transferidas para os agentes
privados, restando apenas a aprovação dos planos e a fiscalização das obras.
O Código de Obras Arthur Saboya exigia que novos “planos de arruamento” fossem
apresentados e aprovados pela “Repartição de Águas e Esgotos”, com um plano geral de
escoamento de águas pluviais e servidas, e estabelecia restrições para o arruamento para “os
terrenos baixos, alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para lhes
assegurar o escoamento das águas” (Art. 726). Determinava também, especificamente, que os
novos arruamentos situados ao longo do Córrego Tatuapé deveriam contemplar “uma avenida
principal com a largura mínima de quarenta metros, cujo eixo deverá ser, tanto quanto possível, o
thalweg do rio Tatuapé” (Art. 729).
O que se pode inferir, ao analisar as prerrogativas desses artigos, é que, ao ser apresentado
como solução o binômio aterramento de várzeas e construção de avenida de fundo de vale para a
região do vale do córrego Tatuapé, estava sendo definido um modelo de ocupação de áreas úmidas
e alagáveis, ou em bordas fluviais, com a configuração de avenida de fundo de vale, que já vinha
se estabelecendo na paisagem da cidade desde o final do século XIX, com as obras sanitaristas
empreendidas na região central, e que se consagrou com o Plano de Avenidas em toda a cidade
(TRAVASSOS, 2005; KAHTOUNI, 2004).
O Mapa 4.2 apresenta um quadro de urbanização intensiva da bacia, com ocupação superior
à metade da sua área, distribuída em um mosaico de usos e morfologias distintas, com predomínio
do uso residencial, mas formando núcleos de atividades industriais na confluência da avenida
Jaguaré, implantada no eixo do leito do córrego Jaguaré canalizado e da rodovia Raposo Tavares,
na porção média da bacia. Outros núcleos menores de atividade industrial e de mineração situam-
se a noroeste, na porção baixa próxima às avenidas marginais do Rio Pinheiros e, a oeste e leste,
ao longo da rodovia.
215
Mapa: 4.2 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 1981.
Essa metodologia foi designada para que se fizesse uma leitura comparativa dos
mapas das figuras 4.1 e 4.2 e para elaborar possíveis interpretações do processo de
urbanização da bacia do Jaguaré entre o período de 1933 a 1981. Partindo do pressuposto
que os sistemas viários são indutores da urbanização e, ao considerar as características
físicas da bacia, insinuou-se uma hipótese que a construção de uma avenida de talvegue a
ser implantada no fundo de vale da bacia entre esses períodos, tal como determinava a lei
Arthur Saboya, teria impulsionado a urbanização. Porém, conforme exposto, a pesquisa
enfrentou a dificuldade de acesso a dados para construção de uma cartografia em um período
intermediário que pudesse sustentar a hipótese. Recorreu-se, portanto, a uma análise mais
acurada da cartografia de 1933 e registros de fontes indiretas que trataram do tema da
urbanização de fundo de vale em São Paulo.
Rufino (2013) e Rocha (2015), por sua vez, demonstram que nessa porção da bacia
até os anos 1950 predominou o uso rural com pequenas propriedades e chácaras de lazer
como exposto na cartografia de 1933 apresentada pelo autor. A partir dessa década,
intensificou-se a proliferação de loteamentos, consolidando o bairro do Butantã com
características de residências unifamiliares térreas, provocando uma ocupação intensiva solo
217
por loteamentos que se articulavam internamente por sistemas viários compostos de avenidas
construídas nos fundos de vale dos pequenos córregos afluentes do córrego Jaguaré.
Rufino (2013, p. 154) relaciona o surgimento de bairros na região entre 1940 e 1974
nos quais “grandes glebas se tornavam rapidamente bairros, quase inteiramente ocupados”.
É de se supor que essa urbanização veloz gerou impactos na drenagem da bacia como
consequência de uma impermeabilização rápida e exagerada do solo, conforme relatos
colhido pelo autor que registram, por meio de entrevistas, as dificuldades e problemas
enfrentados por moradores nas “lamacentas ruas e desprovidas ruas do Butantã nos 1950”
(p. 159) e dos problemas de falta de saneamento básico, transporte e equipamentos públicos,
característicos das urbanizações periféricas onde a implantação dos loteamentos antecedem
a execução de sistemas de infraestruturas urbanas e de serviços.
Travassos (2010, p. 51) registra a existência de planos e leis que vigoravam no período
dos anos 1960 e 1970, a constar: o PROCAV I (Programa de Canalização de Córregos e
Implantação de Vias de Fundo de Vale)70 e a Lei Geral de Zoneamento de 1972 (Lei nº 7805
de 1 de novembro de 1972), e aponta que, especialmente a partir da década de 1970, se
configura como predominante “a construção de sistema viário e o tratamento do sistema de
drenagem, aproveitando sistematicamente a implantação dessas estruturas para a construção
de vias”, como também se intensifica o impacto da urbanização na drenagem decorrente da
expansão da mancha urbana, do adensamento e da ocupação de diversas bacias
hidrográficas.
O quadro da urbanização da bacia do Jaguaré nos anos 1980 revela que com uma
ocupação intensiva e o esgotamento dos estoques de terra, se inicia um processo de
valorização do solo como estratégia de abertura de novas frentes imobiliárias com a
verticalização. Essa valorização se apoia na implantação de melhoramentos urbanos para a
região, que enfrentem os problemas de infraestrutura de saneamento e drenagem e de
mobilidade. Nesse contexto se iniciam a construção da grandes avenidas de fundo de vale
como a avenida Escola Politécnica e a avenida Eliseu de Almeida para solucionar os
problemas de enchentes periódicas nos córregos Pirajuçara e Jaguaré (RUFINO, 2013).
Raposo Tavares e a marginal do rio Pinheiros, com a configuração das avenidas de fundo de
vale que conjugam drenagem, saneamento e sistema viário. Descartando assim a hipótese
que essa avenida teria sido a indutora da urbanização da porção média da bacia.
Ao serem comparadas as imagens dos mapas dos anos 1988 e 2007 (Mapas 4.2 e
4.3), o que primeiramente se revela é o crescimento das áreas de vegetação (verde escuro)
e de áreas de ocupação irregular (lilás escuro). Observa-se também o crescimento de áreas
de urbanização consolidadas (lilás) adentrando as manchas das áreas industriais (azul).
Esses registros refletem, no uso do solo, principalmente aspectos dos planos e das políticas
públicas e econômicas que se sucederam entre esses dois períodos.
Para garantir a proteção das áreas verdes na cidade de São Paulo, o governo estadual
elaborou um estudo sobre a vegetação significativa da cidade, que serviu de base para a
publicação do Decreto estadual no. 30.443/89 determinando que essas áreas fossem
declaradas patrimônio ambiental. Alguns fragmentos de mata e mesmo algumas áreas de
vegetação dispersa na bacia do córrego Jaguaré foram contempladas por esse decreto, em
especial na sua cabeceira, onde se situam as nascentes dos Córregos Jaguaré e Itaim.
Mapa: 4.3 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 2007.
Por fim, a comparação dos Mapas 4.3 e 4.4 (2007 e 2011) não revela grandes
transformações quanto ao processo de ocupação do solo na bacia do córrego Jaguaré. As
áreas de preservação e as manchas de usos específicos seguem as mesmas configurações
e dimensões, o que permite supor que se trata da consolidação dos padrões de ocupação,
incluindo tanto as ocupações formais como as informais.
Por outro lado, as análises mais atuais do Projeto Jaguaré do FCTH, conforme
representadas no Mapa de Uso e Ocupação do Solo de 2011 (Mapa 4.4), revelam uma
ampliação das áreas verdes, especialmente nas porções alta e inferior da bacia,
respectivamente nas Áreas de Preservação e no Campus Universitário da USP. Esse fator
pode se traduzir em avanços na gestão e no controle da preservação das coberturas vegetais,
como também apenas a adoção de outros critérios de análise das imagens, e mesmo de
escala, pois até mesmo as áreas privativas verdes foram consideradas no projeto.
221
Mapa: 4.4 - Mapa do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica do córrego Jaguaré em 2011.
higienista ainda prevalece quando as águas procuram retomar, da cidade, os espaços que
lhes foram furtados.
Este subcapítulo trouxe à luz o quanto os planos e leis atuais ainda não reconhecem
a dimensão das dinâmicas hidrológicas como determinantes para o estabelecimento de regras
e normativas específicas de urbanização nessas regiões. Trata-se de uma mudança
necessária e profunda, que se estenda desde a percepção do morador comum e leigo à dos
técnicos, dos burocratas, dos legisladores e dos gestores públicos da cidade.
4.3 Leitura do quadro atual da urbanização na bacia do Córrego Jaguaré, a partir dos
componentes urbanísticos, políticos-institucionais e das infraestruturas.
O uso do solo é, sem dúvida, o principal agente das transformações nas áreas das
bacias hidrográficas urbanas de modo geral, exercendo grande influência sobre as questões
hidráulico-hidrológicas e ambientais dessas bacias, podendo causar impactos na qualidade
da água, na estabilidade e na composição do solo, nos ecossistemas e nas condições
socioeconômicas da população.
Os dados oficiais da Prefeitura de São Paulo, disponíveis na base pública do Mapa
Digital da Cidade (MDC/Geosampa), como também as imagens de satélite, disponíveis pelos
aplicativos Google Maps e Google Earth do ano de 2020, serviram de base para este trabalho,
trazendo informações da caracterização do uso do solo na bacia do Jaguaré. Os possíveis
levantamentos de campo estiveram prejudicados pelas restrições do período da pandemia.
Consequentemente, para a caracterização das tipologias das edificações foram
utilizadas as informações do Projeto Piloto, elaborado pelo FCTH/USP, que compatibilizou as
informações existentes e disponibilizadas pela PMSP por meio do MDC, com imagens de
224
melhoria ambiental da bacia. Muitos desses espaços são grandes extensões de áreas verdes,
com distribuição aleatória no território, sem critérios urbanísticos ou de proteção dos recursos
hídricos. Trata-se de características de áreas residuais “verdes”, que ainda não foram
ocupadas, localizadas nas franjas da expansão da metrópole, e sujeitas à ocupação por novos
empreendimentos urbanos, assim como por novas ocupações irregulares (Figura 4.10).
A partir da base gerada pelo Mapa de Caracterização do Uso do Solo, foram
selecionados os Espaços Abertos da Bacia. Tais espaços, por seu caráter “não ocupado por
edificação”, foram classificados como “Abertos”, podendo, potencialmente, ser utilizados para
as instalações de diferentes medidas combinadas de sistemas de controle de drenagem,
como os dispositivos e soluções LID, que caracterizam o urbanismo sustentável.
Os Espaços Abertos somam 49% da área total da bacia, o que chama a atenção,
considerando-se que se trata de uma região completamente urbana do município de São
Paulo. Dentre as áreas mais expressivas, estão as Áreas Verdes Livres, com 26%, seguidas
do sistema composto pelas Vias, com 12%, e de grandes Áreas Pavimentadas ou Verdes
associadas a Comércio e Serviços, com aproximadamente 4% cada uma, o que se deve
principalmente à existência de indústrias e de grandes glebas de Comércio e Serviços na
Bacia. No que toca às Áreas Verdes associadas a Comércio e Serviços, deve-se
principalmente à presença do campus da Universidade de São Paulo, que possui extensas
áreas permeáveis ocupadas por vegetação. A proporção de cada tipologia de Espaço Aberto,
em relação à área total da Bacia, é apresentada no Gráfico 4.1.
Espaço não
aberto
Parques
Comércio e
Serviços
Verde
Viário
Verde
Industrial
Ainda que na região exista uma alta porcentagem de Espaços Abertos, mais da
metade deles não é elegível para a aplicação de dispositivos LID, pois muitas das Áreas
Verdes Livres da bacia são áreas de proteção ambiental ou estão cobertas por vegetação
densa. Em uma situação como essa, não se justifica a instalação de tecnologias LID, pois as
referidas áreas já contam com ecossistemas que devem ser protegidos por exercerem
funções ambientais.
Mesmo assim, a identificação dessas áreas é de extrema relevância, para que se
possa propor estratégias capazes de criar conexões territoriais a fim de configurar corredores
verdes de múltiplos usos e funções, articulando seus serviços ambientais com outras áreas,
como também oferecer oportunidades de usos como os de lazer, de circulação de pedestres
e de bicicletas e relacionados à macrodrenagem ao longo das vias, como os Parques Lineares
associados à macrodrenagem. Tais parques, além de desempenharem a função de
amortecimento do escoamento superficial pela preservação, possuem grande potencial para
a distribuição de intervenções de controle de drenagem. Trata-se, portanto, de uma
abordagem sistêmica, com o objetivo de estabelecer maior equilíbrio hidrológico urbano,
promover a qualidade da água e maior integração urbanística do elemento água na cidade.
Foram também elaborados mapas com as características de uso do solo organizados
por grupos de atividades -residencial, comercial e industrial - considerando os usos
predominantes existentes como mostra a Figura 4.11, e não, necessariamente, as
determinações do zoneamento vigente. Essa cartografia revela a predominância do uso
residencial que caracteriza os bairros que surgiram no entorno das áreas centrais
especialmente a partir dos anos 1970 e 1980, como vimos nos estudos da evolução da
urbanização da bacia do Jaguaré. O mapa mostra ainda as áreas verdes de forma genérica
para espacialização das informações que apresentaram os gráficos expostos acima.
Com relação às tipologias construtivas o mapa da Figura 4.12 revela maior diversidade
associando-as também a padrões construtivos. No grupo de uso residencial há uma variação
em relação as tipologias residenciais em consequência das características das edificações,
organizadas como horizontais ou verticais e de acordo com os padrões organizados como
padrão baixo ou médio-alto. Ainda dentro do grupo de uso residencial estão grafadas também
as favelas e assentamentos precários. Com relação às atividades de Comércio e Serviço o
mapa revela esse uso associando sua tipologia às características de impermeabilização do
solo de suas áreas distinguindo áreas pavimentadas (e, portanto, geradoras de volumes
maiores de escoamento pluvial); aplicando-se o mesmo critério para registro das áreas
verdes, aqui nessa cartografia apresentadas com maior detalhamento. Essas especificações
foram importantes para fundamentar os estudos hidrológicos elaborados pela equipe de
pesquisadores do Projeto Jaguaré.
228
Figura: 4.12 - Uso e ocupação do solo por tipologias e padrão na bacia do Jaguaré.
A 3ª Etapa do projeto Tietê não foi concluída conforme a previsão, em grande parte
em função da crise hídrica enfrentada pela RMSP no período de 2014-2016, quando as obras
de implantação do sistema de coleta foram paralisadas e todas as ações da concessionária
se voltaram para suprir as falhas e insuficiências identificadas no sistema de abastecimento
público da região.
Na bacia do córrego do Jaguaré, como em outras, também houve atraso, em função
da paralização, pela prefeitura municipal, das obras de urbanização de áreas de favelas, que
estavam previstas nos planos presentes nos Anexos do Contrato de Concessão, assim como
foram frustradas as expectativas de obtenção de recursos federais do PAC para sub-bacias
importantes, como a do córrego da Água Podre.
Na bacia do córrego do Jaguaré, extensos coletores destinados a levar os esgotos das
áreas de expansão urbana de montante para tratamento, ainda estão pendentes, à espera da
4ª Etapa do projeto Tietê, não contando, ainda, com projetos, orçamentos e previsão de aporte
de recursos (Tabela 4.2).
A bacia conta com 35 sub-bacias de esgotamento (Figura 4.15), o que, de modo geral
oferece uma boa cobertura para a coleta de esgotos, restando apenas algumas áreas
grafadas no mapa da Figura 4.16 sem coleta, em sua grande maioria onde se localizam as
favelas.
235
OBS. * Os quantitativos do ano de 2018 disponíveis no site do PGIRS são parciais e mostram até o
mês de Junho desse ano
Fonte: Prefeitura Municipal de São Paulo.
50 Os solos podem ser classificados de acordo com suas propriedades hidrológicas se considerado
independentemente da cobertura e da declividade da bacia (Ogrosky e Mockus, 1964 apud Sartori
2004) e são divididos por grupos: Grupo A: solos com baixo potencial de escoamento, contendo alta
taxa de infiltração uniforme consistindo principalmente de areias ou cascalhos, ambos profundos e
excessivamente drenados. Estes solos têm uma alta taxa de transmissão de água (*taxa mínima de
infiltração: > 7,62 mm/h). Grupo_B: solos contendo moderada taxa de infiltração quando consistindo
principalmente de solos moderadamente profundos, a bem drenados, com textura moderadamente fina
a moderadamente grossa. Estes solos possuem uma moderada taxa de transmissão de água (*taxa
mínima de infiltração: 3,81-7,62 mm/h). Grupo_C: solos contendo baixa taxa de infiltração quando,
principalmente com camadas que dificultam o movimento da água através das camadas superiores
para as inferiores, ou com textura moderadamente fina e baixa taxa de infiltração. Estes solos têm uma
baixa taxa de transmissão de água (*taxa mínima de infiltração: 1,27-3,81 mm/h). Grupo_D: solos que
possuem alto potencial de escoamento, principalmente solos argilosos com alto potencial de expansão.
Pertencem a este grupo, solos com uma grande permanência do lençol freático, solos com argila dura
ou camadas de argila próxima da superfície e expansivos agindo como materiais impermeabilizantes
próximos da superfície. Estes solos têm uma taxa muito baixa de transmissão de água (*taxa mínima
de infiltração: 0-1,27 mm/h).
244
Figura: 4.22 - Mapa das tipologias hidrológicas do solo na bacia do Alto Tietê (BAT).
.
Tabela: 4.5 – Valores de CN / Classificação hidrológica dos solos
Residencial 90
Área Verde 74
Viário e Áreas pavimentadas 98
Comércio e Serviço 94
Industrial 91
Favela 90
Massa d'água 98
Alagamentos pontuais são observados também em outros locais da bacia, onde foram
constatados problemas na manutenção do sistema de micro drenagem. Os problemas
estavam relacionados à insuficiência do sistema ou mesmo pela falta de manutenção, como
limpeza de bocas-de-lobo ou de leão e desobstrução das galerias de pequenas dimensões.
O mapa contendo os registros das inundações na bacia é apresentado na Figura 4.25.
Tais registros referem-se às medições feitas pelo FCTH no período descrito anteriormente.
Nesta pesquisa, foram analisadas as possíveis causas desses episódios, e não de eventos
mais atuais, devido à ausência de registros acessíveis da Defesa Civil do Município, conforme
o relatado no Capítulo 2.
Observa-se que as inundações ocorrem principalmente ao longo dos córregos Jaguaré e
Itaim. No Jaguaré, os registros de 2015 revelam que os trechos do Córrego Jaguaré em que
ocorreram inundações correspondem ao encontro de alguns de seus contribuintes – e suas
respectivas sub-bacias – como a confluência com o Córrego Jardim Centenário (JD-09); o trecho
entre as confluências dos Córregos Água Podre (JD-08) e Sapé (JD-07 PA) e a foz do Córrego
Jacarezinho (JD-03). Todos são afluentes da margem direita do Jaguaré, onde o relevo apresenta
características de vales fluviais com menores declividades, portanto, mais suscetíveis às enchentes.
Na região da cabeceira da bacia houve também registros de inundação nos principais cursos
d’água: no Córrego Jaguaré (JD-01) e no Itaim (JE-01), sendo que, nesses trechos, por se tratar de
áreas protegidas, há baixa densidade, com expressiva presença de vegetação preservada.
251
Figura: 4.24 - CN (Curve Number) por tipologia de uso do solo na bacia do Jaguaré.
Do ponto de vista do uso do solo e suas respectivas CN, predomina, nessas sub-
bacias, o uso residencial com densidade baixa, com tipologias unifamiliares dispostas em
lotes individuais, com pouca presença de áreas verdes arborizadas, sendo que ao longo do
Córrego Jacarezinho há um assentamento precário (favela). Os valores predominantes
apurados por sub-bacias correspondem às recomendações adotadas pela pesquisa do FCTH,
que teve como fonte o documento TR-55 Urban Hydrology for Small Watersheds (1986),
adotado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
A tabela 4.6 traz um levantamento comparativo entre os parâmetros recomendados e
os valores de CN apurados pelo FCTH (2016) nas sub-bacias em que ocorreram as
inundações em 2015. O que se observa é que pelas características hidrológicas e pelo uso
de solo predominante, os índices do escoamento superficial estavam adequados na maior
parte das sub-bacias analisadas. As sub-bacias JD-09 e JD-07 PA registraram um índice
ligeiramente acima do recomendado, o que pode indicar que o solo esteja com um grau de
impermeabilização acima do aceitável. Por outro lado, o CN da sub-bacia JE-01 mostra
vantagens por estar abaixo das médias recomendáveis.
Valores de CN apurados por sub-bacias do Córrego Jaguaré nas áreas com eventos de inundação
CN
(recomendado
Sub-bacias Uso predominante do solo por grupo CN (médio)
hidrológico do
solo - Tipo C)
Córrego Jd Centenário (JD-09) Residencial baixa densidade 90 91
Córrego Água Podre (JD-08) Residencial baixa densidade 90 89
Córrego Sapé (JD-07 PA) Residencial baixa densidade 90 91
Córrego Jacarezinho (JD-03) Favela 90 88
Córrego Jaguaré (JD-01) Residencial baixa densidade/área verde 90 88
Córrego Itaim (JE-01) Residencial baixa densidade/área verde 90 82
Figura: 4.26 - CN - (Curve Number) por tipologia de uso do solo na bacia do Jaguaré.
Faixas inundáveis Tr
que revela a extensão das manchas de inundação para esse evento. A figura 4.28 apresenta
as imagens dessa cartografia. Vê-se que as manchas de inundação seguem pelo talvegue do
Córrego Jaguaré, nas porções baixa e média da bacia, e se estendem para os vales dos
córregos Itaim e Jaguaré, nas cabeceiras. Alguns dos afluentes da margem direita, onde se
observaram inundações no período de 2015, também seriam afetados e apenas um dos
afluentes da margem direita na porção média da bacia. O uso da TR 100 será abordado no
subcapítulo 4.2 em estudos que serão apresentados para recomendações de um zoneamento
da bacia do Jaguaré com vistas à sua resiliência em episódios de inundações.
As análises expostas evidenciam os conflitos presentes na bacia do Jaguaré, entre a
urbanização e as dinâmicas ambientais que se configuraram, desde a formação das primeiras
ocupações, conforme o conteúdo do próximo subcapítulo, que trará a evolução da
urbanização da bacia do Jaguaré.
É fato que a execução de avenidas de fundo de vale (av. Escola Politécnica)
condicionou a expansão da urbanização e provocou alterações em suas dinâmicas
hidrológicas, ao canalizar o Córrego Jaguaré. A urbanização e a consequente
impermeabilização do solo, somada à remoção das áreas de vegetação, aumentaram os
volumes de escoamento superficial e acentuaram os problemas de inundações, como
revelaram os estudos feitos pelo FCTH de acordo com os parâmetros CN.
Por outro lado, conforme o demonstrado, mesmo as legislações mais recentes, que
procuravam controlar a impermeabilização da bacia, não lograram êxito, induzindo a uma
ampliação do processo de impermeabilização.
Os conflitos existentes entre os assentamentos precários e as áreas ribeirinhas ou
áreas de vegetação e proteção também seguiram uma rota de conflitos, que a demarcação
das ZEIS não pode atender, nem do ponto de vista de proteção, segurança e garantia de
qualidade urbana para essas populações, nem para a preservação dos recursos naturais.
Quanto aos sistemas de saneamento ambiental, persistem falhas importantes no
sistema de afastamento dos esgotos, nas interferências entre drenagem e rede coletora de
esgotos e, principalmente, na gestão dos resíduos sólidos, que enfrentam a geração
excessiva, a coleta insuficiente e a disposição final inadequada dos resíduos sólidos gerados.
Somados, esses problemas impactam na ocorrência de inundações e alagamentos,
causados pelo excesso de escoamento superficial decorrente da impermeabilização da bacia,
pela retificação e canalização e redução das vazões dos córregos, pela ocupação irregular
das margens inundáveis e pela obstrução do sistema de drenagem por conta do acúmulo de
resíduos e sedimentos. Assim, novamente vem à tona o questionamento a respeito do modelo
de urbanização de ocupações de fundo de vale adotado, sobre o qual este trabalho tem
evidenciado criticamente no correr de seu desenvolvimento.
259
A partir das zonas de uso são estabelecidos valores limites para a taxa de
permeabilidade mínima (Lei 16.402/2016), possibilitando a formulação de um cenário futuro
de impermeabilização, ou seja, a situação máxima permitida por lei. O resultado dessa análise
é apresentado no Mapa de Impermeabilização Permitida, tratando-se de um dado
fundamental para a construção de cenários voltados para intervenções na bacia (Figura 4.30).
262
52 Elaborado pelas equipes da SMDU, com apoio da UNESCO, os Planos Regionais da PMSP têm
seus aspectos territoriais determinados por uma Rede de Estruturação Local, composta por Perímetros
de Ação, que são porções do território destinadas ao desenvolvimento urbano local, mediante
integração de políticas e investimentos públicos, caracterizados a partir da articulação dos elementos
locais nos sistemas urbanos e ambientais, nos termos do Plano Diretor Estratégico (São Paulo, 2020).
53 São esses os objetivos relacionados no documento preliminar apresentado, referentes ao perímetro
do Rio Pequeno, que corresponde aos trechos baixo e médio da bacia do Jaguaré: atender à demanda
por equipamentos e serviços públicos sociais, de cultura e de lazer e esportes; a população em
situação de vulnerabilidade social, especialmente a população em situação de rua e em áreas de risco;
266
de ação (Figura 4.31), as propostas localizam as intervenções por quadras, destacando sua
natureza de acordo com os setores correspondentes (esportes, educação, infraestrutura etc.)
articulados pelo sistema viário que, nessa escala, se configura o elemento de integração
dessas intervenções. Aproximam-se, de certa maneira, de um zoneamento específico, no
qual os elementos urbanísticos e ambientais aparecem conectados, de acordo com a Figura
4.32, que reproduz o mapa de intervenções do perímetro Rio Pequeno, localizado no
perímetro da bacia do Jaguaré.
Essas propostas foram submetidas a consultas em audiências públicas e incorporaram
recomendações técnicas de departamentos da prefeitura. As prioridades determinadas
constam de documento datado de Setembro de 2020 e relacionam as seguintes ações: a
resolução das questões habitacionais, em especial da população em áreas de risco geológico,
e a implantação de HIS nas áreas demarcadas como ZEIS-1; a solução dos problemas do
saneamento ambiental articulado com o Plano Municipal de Saneamento Básico e o Plano de
Investimentos da SABESP; a implementação de medidas estruturais e não estruturais para o
controle de enchentes e alagamentos, com a implantação dos Parques Lineares Sarah e Água
Podre (Esmeralda); a oferta de assistência social para a população vulnerável e o
equacionamento dos problemas de conectividade intra e interbairros, além de acessibilidade.
Essa versão final do Plano de Ação da Subprefeitura Butantã visa a nortear a aplicação
do investimento público municipal para a implementação de ações e de atividades prioritárias,
de modo articulado no espaço urbano, com a participação, o conhecimento e o controle dos
conselhos participativos e da sociedade civil organizada.
Dessa forma, esse Plano é articulado ao processo orçamentário da cidade de São Paulo
e ao Programa de Metas 2019-2020 e associado aos fundos municipais, Fundo de
Desenvolvimento Urbano – FUNDURB e Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e
Infraestrutura – FMSAI.
Trata-se de um desafio que persiste na gestão pública, pois ações de alcance tão
amplos e distintos como as propostas desse plano de ação, exigem uma abordagem sistêmica
e uma coordenação forte frente à fragmentação do modelo de gestão setorial que predomina
em nossas cidades.
promover ações indutoras do desenvolvimento econômico local, com estímulo ao comércio e serviços
locais; qualificar os espaços livres públicos e áreas de lazer; atender à demanda por espaços livres
públicos de lazer e esporte e qualificar os parques existentes; promover a conservação das paisagens
e do patrimônio; estimular a atividade agrícola de baixo impacto ambiental e promover a recuperação
e a conservação ambiental das áreas verdes; solucionar os problemas de saneamento ambiental, em
especial o abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais (drenagem) e
controle de vetores (mosquitos etc.); promover a coleta e a destinação de resíduos sólidos, de acordo
com o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da Cidade de São Paulo – PGIRS; melhorar a
acessibilidade e mobilidade local; promover o atendimento habitacional e a regularização fundiária e
melhorar a segurança pública local (São Paulo, SMDU, 2016).
267
Figura: 4.32 - Perímetros de Ação Rio Pequeno (ID 212) Prefeitura Regional do Butantã.
A região do Butantã foi também contemplada com programas específicos. Dois desses
programas merecem destaque neste trabalho por enfrentarem, conjuntamente a degradação
ambiental e o déficit habitacional, com a provisão de moradias em áreas ambientalmente
frágeis: o Programa Córrego Limpo e o Programa de Urbanização de Favelas.
O Programa Córrego Limpo foi criado em 2007 como resultado de uma parceria entre
o Governo do Estado e a Prefeitura de São Paulo e adota paradigmas substancialmente
diferentes dos tradicionais, visando justamente a mudar a atual situação de degradação dos
córregos da Capital. O Programa tem como objetivo a despoluição dos córregos do Município
de São Paulo e vem sendo desenvolvido por meio de um conjunto de ações de aprimoramento
dos sistemas de esgotamento sanitário do entorno dos corpos hídricos.
Por meio de intervenções urbanísticas e da implantação de redes de coleta de esgotos,
o Programa alcançou a revitalização de mais de uma centena de córregos, cujo foco está na
pequena escala, por meio da implantação completa das redes em cada sub-bacia, no manejo
e na manutenção da rede, das áreas necessárias para sua implantação, dos córregos e em
pequenas obras localizadas. Assim, o Córrego Limpo se diferencia do Projeto Tietê, cujo foco
é estrutural, com grandes obras de redes, sistemas de bombeamento e Estações de
Tratamento de Esgotos (ETEs).
O Programa é de suma importância para as questões de manejo das águas pluviais urbanas,
pois trata da remoção da carga poluente do sistema de drenagem, dado que, supostamente,
drenagem e esgotamento sejam sistemas totalmente separados.
A qualidade da água dos córregos interfere muito nas condições de saúde e
saneamento da região, principalmente na ocorrência de inundações, quando as águas da
chuva se misturam a esgotos não tratados, agravando os riscos e danos aos moradores das
áreas atingidas. Os córregos que correm abertos no território da cidade ou que despejam suas
águas em lagos dos parques urbanos foram priorizados para serem objeto de intervenção.
A Sabesp faz mapeamentos, inspeções e manutenções dos coletores de esgoto,
conexões dos domicílios, monitoramento da qualidade das águas e conscientização da
população sobre a importância de se preservar os córregos.
A Prefeitura, por sua vez, se responsabiliza pela remoção de moradores irregulares no
entorno de córregos, alojando essa população em locais adequados, permitindo a instalação
das redes de coleta, a limpeza do leito e das margens dos córregos (corte de mato e retirada
de entulho), a manutenção de galerias pluviais e bocas de lobo e a fiscalização de imóveis
que não estejam conectados às redes coletoras.
O Programa tem também um compromisso com a conscientização e a educação
ambiental da população diretamente beneficiada, um fator fundamental para a consolidação
dos resultados até então obtidos. Conforme se pôde observar nos Estudos de Caso, a
mobilização e a participação da sociedade são fundamentais para o sucesso dessas ações.
270
Figura: 4.33 - Corte Geral Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014.
A condição para a aproximação das pessoas com as águas do córrego do Sapé era
sua limpeza e recuperação. Para tanto, o córrego foi incluído no programa de despoluição do
Córrego Limpo da Sabes, tendo sido executada, em 2009, a regularização de fontes de
poluição por lançamentos clandestinos de esgotos nas galerias de águas pluviais ou
diretamente nos cursos d’água, conforme consta em relatório datado de junho de 2019,
disponível no sítio da empresa.
54 Base 3 Arquitetos: Marina Grinover, Catherine Otondo e Jorge Pessoa (Vitruvius, 2015).
272
Figura: 4.34 - Vista do Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014.
Figura: 4.35 - Vista do Projeto Favela do Sapé, Rio Pequeno, Base 3, 2014.
instrumentos de controle do solo urbano, como as que foram promovidas pelos marcos legais
da CF de 1988 e pelo Estatuto da Cidade.
Alvim et al (2019) destacam, como prioritárias, duas das quatro estratégias propostas
pelo documento “Cidades Sustentáveis”56, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente, as
quais remetem diretamente ao Plano Diretor: a. aperfeiçoar a regulação do uso e da ocupação
do solo urbano e promover o ordenamento do território, contribuindo para a melhoria das
condições de vida da população, considerando a promoção da equidade, eficiência e
qualidade ambiental; b. promover o desenvolvimento institucional e o fortalecimento da
capacidade de planejamento e gestão democrática da cidade, incorporando ao processo a
dimensão ambiental-urbana e assegurando a efetiva participação da sociedade.
Porém, não se pode relevar que a gestão ambiental deve considerar as bacias
hidrográficas como unidade, para as quais existe uma forte dependência de decisões que
cabem ao Estado ou a União. Ainda apresentam, como empecilho para gestão integrada, o
fato de, na maioria das vezes, seus limites extrapolarem os limites de um único município
(MARTINS, 2006).
No caso do Estado de São Paulo, a Política Estadual de Recursos Hídricos – Lei nº
7.663/1991 – e a Lei Estadual de Proteção e Recuperação dos Mananciais – Lei nº
9.866/1997–, legislações que incidem sobre os recursos hídricos e sobre as áreas que
protegem os mananciais estaduais de abastecimento de água, incorporam as bacias
hidrográficas como unidade de planejamento, gestão e intervenção. No entanto, os territórios
em que atuam são também orientados por outras legislações e políticas setoriais, definidas
nos distintos níveis de governo em que o Brasil se organiza (ALVIM, 2003; 2007).
Além dos desafios da gestão integrada das políticas públicas, entre os diferentes
setores das gestões municipais e da falta de integração no âmbito dos agentes públicos
estaduais ou federais, a fiscalização e o monitoramento dos processos de produção do
espaço urbano também ocorrem de forma precária em grandes áreas metropolitanas.
Não se pode ignorar que a produção desses espaços na metrópole se faz sob a égide
de imensas desigualdades sociais que, na ausência de subsídios adequados, em
consequência da incapacidade dos poderes públicos de estabelecerem integralmente a
infraestrutura em territórios passíveis de ocupação, a produção informal, e por vezes também
a formal, de habitações de baixa renda, se faz em espaços residuais ou de conservação
56O documento Cidades sustentáveis, elaborado pelo Consórcio Parceria 21, teve por objetivo geral
subsidiar a formulação da Agenda 21 brasileira, com propostas que introduziram a dimensão ambiental
nas políticas urbanas vigentes ou que venham a ser adotadas, respeitando-se as competências
constitucionais em todas as esferas de governo. Incorporou também os principais objetivos da Agenda
21 e da Agenda Habitat pertinentes ao tema tratado, particularmente os que se referem à promoção do
desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos (BEZERRA, M. do C. de L.; FERNANDES,
M. A. (Coord.), 2000).
276
Quanto aos movimentos sociais, estes devem estar mobilizados e articulados com os
agentes da gestão pública mencionados, para que suas demandas sejam levadas ao seu
destino e para que, ao mesmo tempo, acompanhem e fiscalizem a consolidação dos planos
e das políticas públicas nos territórios em que vivem. Para sintetizar esse quadro, foi
elaborado um gráfico com as atribuições e as relações existentes entre esses componentes
(Gráfico 4.2).
Os casos estudados revelaram a importância de se estabelecer regramentos
específicos para a urbanização em fundos de vale, para garantir qualidade de vida dos
moradores dessas regiões, de modo a reduzir ou eliminar vários problemas socioambientais.
Estes problemas estão relacionados à degradação da qualidade da água dos córregos,
decorrente da insuficiência do sistema de coleta e tratamento de esgoto e das cargas
poluidoras dispersas sobre a superfície da Bacia. Envolvem também problemas como
inundações e da gestão inadequada de resíduos sólidos e refletem quadros da distribuição
irregular das infraestruturas, como também do uso inadequado do solo.
Com relação a questão das inundações, essa pesquisa pretende propor diretrizes para
a elaboração de um zoneamento específico para áreas de fundo de vale sujeitas a
inundações, que permita orientar a expansão da ocupação e adequar a urbanização existente
às dinâmicas hidrológicas e às mudanças climáticas. Deverá considerar não apenas os
aspectos técnicos e ambientais, mas a questão social que representada pelos assentamentos
precários existentes nas faixas de proteção ambiental, garantindo sua permanência e evitando
remoções.
Adota como unidade de planejamento a bacia hidrográfica, considerando os diferentes
quadros do processo de urbanização, como os diferentes estágios de antropização de sua
279
fisiografia; e adota uma divisão territorial em três trechos da bacia, para as análises dessas
características. São eles: um trecho superior, um trecho intermediário e um trecho inferior,
considerados das nascentes próximo à divisa dos municípios de São Paulo e Osasco à
jusante na foz do Jaguaré no Rio Pinheiros.
Tendo as áreas de fundo de vale sujeitas a inundações como foco, inicialmente, serão
descritas as características fisiográficas em cada um dos três trechos. Posteriormente serão
analisados, os quadros da urbanização existente e as diretrizes do zoneamento vigente, com
vistas a definição de diretrizes especificas de cada uma dessas regiões, considerando como
objetivo principal a prevenção e o controle dos riscos e dos efeitos das inundações.
Foram adotados como recursos de análise a construção de cartografias temáticas com
base em dados de arquivos shape de estudos hidrológicos elaborados pela FCTH/USP,
gentilmente disponibilizados e, dados urbanísticos do acervo público disponível do mapa
digital da cidade (Geosampa), e construídas cartografias-base, sendo uma com as
características fisiográficas, constando as camadas do relevo, da hidrografia principal e do
perímetro da bacia de drenagem e, mostrando ainda a foz do Córrego Jaguaré no Rio
Pinheiros (Fig. 4.37). Os dados foram processados no software QGis nas bases SAD 69-96 e
SIRGAS. Essa cartografia revela, conforme já apresentado no subcapítulo anterior, como o
relevo da bacia é bastante variado, configurando-se de um solo escarpado na região da
cabeceira da bacia aos extensos vales fluviais de planície com pouca declividade situados a
jusante. Esse relevo determinou a configuração de um sistema hídrico de formato dendrítico
composto de pequenos vales que drenam toda a bacia em direção ao vale central no leito do
Córrego Jaguaré. Como veremos adiante, esse relevo determinou o tipo de urbanização que
se implantou nessa bacia.
quanto mais próximo da sua foz já no vale do Rio Pinheiros. Isso se explica pelo fato do Pinheiros
ser um rio de planície aluvionar e de primeira ordem com grandes extensões de várzeas e baixa
declividade tendo, portanto, grandes extensões de manchas nas faixas de inundação, que se
estendem e geram um impacto maior nas áreas a jusante da bacia do Jaguaré.
Para se compreender com mais precisão o alcance e os impactos dessas manchas de
inundação na urbanização, foi adotada uma divisão da extensão da bacia em três trechos, de modo
que permitisse a ampliação da escala para os estudos. Foram adotados como critérios para
determinação dos limites dessas três áreas as cotas topográficas, conforme a base da carta
topográfica obtida pelo Mapa Digital da Cidade e considerando ainda a unidade urbanística da
quadra como a menor unidade de referência. O objetivo foi determinar em cada um dos trechos
mostras dos diferentes padrões de urbanização conforme exposto na justificativa pela escolha
dessa bacia: áreas de preservação com baixa densidade com maiores rugosidades de relevo, áreas
de urbanização consolidada e média densidade e, áreas de baixa densidade e ocupadas por
instituições ou indústrias não trecho baixo da bacia próximo à foz no Rio Pinheiros.
Para a porção baixa, na cartografia, foram adotadas como limites as linhas das curvas
intermediárias, linhas 12 (Butantã) e 41 (Jaguaré), que se estendem até a foz do Jaguaré nas cotas
do vale do Rio Pinheiros. Para a porção média, a curva intermediária, linha 67 (Rio Pequeno). Para
a porção alta, foram adotadas a base SIRGAS e a curva intermediária, linha 65 (Raposo Tavares),
de acordo com os dados do MDC. Nessa carta foi inserida também a mancha da inundação de
projeto extrema de 100 anos (TR 100).
A partir da construção dessas bases foi elaborada uma carta analítica com os logradouros e
as áreas de risco geológico registradas no MDC (Fig. 4.39), para avaliar os graus de risco de
inundação na TR 100. Foram considerados como alto, médio e baixo risco e extensão em função
dos perímetros das manchas e das condições da urbanização em cada uma das três regiões
estudadas. Para permitir uma maior visualização das características fisiográficas e urbanísticas foi
adotada a escala 1/25.000 na região das nascentes (porção alta da bacia (Fig. 4.40).
A camada base com os logradouros foram acrescidas, as edificações para se compreender
melhor os impactos da inundação, as áreas verdes existentes na bacia e as áreas de risco geológico
(em vermelho na figura). A partir dessa base cartográfica, foram analisados, em cada um dos três
trechos, quadros dos impactos causados pela inundação sobre a urbanização e, selecionados de
cada trecho, um perímetro onde poderá ocorrer eventos extremos para servir como um recorte de
análise. O objetivo foi elaborar um estudo mais profundo e detalhado das relações entre os eventos
de inundação e as características desses quadros, adotando-se como parâmetros os elementos
relacionados nos três grupos das dimensões da sustentabilidade ambiental urbana propostos:
282
Figura: 4.38 - Os três trechos da bacia alta, média e baixa manchas de inundação e logradouros.
LEGENDA
PORÇÃO ALTA – VERDE AZULADO
PORÇÃO MÉDIA – VERDE CLARO
PORÇÃO BAIXA – VERDE ESCURO
Figura: 4.39 - Três trechos com logradouros, edificações, áreas verdes TR 100 anos, (em vermelho, áreas de risco geológico).
Figura: 4.40 - Bacia alta, logradouros, edificações, áreas verdes TR 100 anos, (em vermelho, áreas de risco geológico). Esc. 1/25.000.
LEGENDA
EDIFICAÇÕES – CINZA
FAVELAS – AMARELO
RISCO GEOLÓGICO – VERMELHO
INUNDAÇÃO TR 100 - AZUL
Por conter áreas protegidas, essa região de acordo com as normativas legais e as diretrizes
do PDE tem restrições de ocupação em cotas baixas e nas várzeas e áreas de barrancos; tem
controle da impermeabilização e do uso do solo. Essas proteções têm como objetivo garantir a
manutenção e recuperação de áreas vegetadas e de mata ciliar e as áreas de mananciais da bacia
do Jaguaré.
Foi elaborada uma cartografia ampliada (escala 1/10.000) para análise considerando os
componentes do Grupo Urbanístico a constar:
• o traçado viário (ruas e calçadas e tipos de pavimentação);
• as edificações considerando as características de sua implantação e a natureza das
atividades nelas desenvolvidas (uso e ocupação do solo);
• a existência ou ausência de arborização e outros conjuntos de vegetação; as áreas
livres como as praças e os jardins (públicos e privados),
• os parques lineares e as Áreas de Proteção Permanente e
• as áreas de vulnerabilidade geológica (encostas e barrancos
Disso resultou o mapa da Figura 4.41 que mostra os trechos ao longo do Córrego Itaim (ao
norte na imagem) um quadro de urbanização e ocupação de seus vales. Essa urbanização segue
o padrão de ocupação de baixa densidade construtiva e demográfica com predominância de uso
residencial em tipologias de casas unifamiliares térreas ou sobrados. O arruamento tem
pavimentação asfáltica com infraestrutura subterrânea, com calçadas pavimentadas. Pelo fato do
trecho nessa região do Córrego Jaguaré (ao sul na imagem) estar em áreas de proteção com
vegetação os impactos da inundação serão menores.
A confluência desses dois córregos acontece a aproximadamente 30 metros do ponto de
intersecção do Córrego Jaguaré com a rodovia Raposo Tavares (SP 270). Nesse trecho os leitos
foram canalizados para a travessia de suas águas sob esse trecho da rodovia, o que gera nesse
ponto um acúmulo de água, provocando uma grande mancha de inundação. Mas exatamente nesse
ponto, nem os vales do Jaguaré e nem o do Itaim apresentam ocupações notáveis, o que reduz os
impactos da inundação.
Porém o mesmo não acontece com o Córrego Jacarezinho, afluente da margem esquerda,
em praticamente toda sua extensão, como também na margem esquerda do Córrego Jaguaré, após
o cruzamento com a rodovia. Nesses trechos a urbanização consolidada exatamente estará sujeita
a graves impactos. Importante lembrar que essa área do Córrego Jacarezinho foi apontada como
um dos pontos de inundação pelos relatórios do FCTH e da Defesa Civil de São Paulo.
288
Outro ponto de inundação com alto impacto acontece no leito do Jaguaré no trecho a céu
aberto da Avenida Escola Politécnica correspondente aos pontos de descargas de quatro de seus
afluentes que tiveram suas sub bacias identificadas pelos estudos do FCTH como JD 04 e JD 05
pela margem direita, e mais dois afluentes pela margem esquerda identificados como J 04 (córrego
do Espanhol) e JE 05 (Figura 4.42). A topografia mostra revelo plano na margem direita e uma
encosta acentuada na margem esquerda, configurando um fundo de vale. Trata-se de área de
urbanização consolidada, situada nas bacias hidrográficas desses córregos, composta de
residências unifamiliares de padrão médio, térreas ou sobrados implantadas em loteamentos
dotados de infraestruturas urbanas que surgiram nos anos a partir dos anos 1970 como vimos no
subcapítulo anterior, com uma densidade populacional baixa.
Na margem direita, leito do córrego da bacia JD 04 tem boa parte canalizado e enterrado
sob as áreas urbanizadas da foz no córrego Jaguaré até o cruzamento com a avenida João José
Gomes, de onde segue a céu aberto por uma extensão de aproximadamente 500 metros com
maciços de cobertura arbórea em suas margens, sendo novamente canalizado e enterrado nas
proximidades de suas nascentes no eixo da rua Carlos Honório. Já o leito do córrego da bacia JD
05 está canalizado e enterrado num pequeno trecho de aproximadamente 65 metros a sua foz no
córrego Jaguaré, reaparecendo a céu aberto com canalização em margens.
Já na margem esquerda há um talude bastante acentuado e um desnível grande entre as
cotas altas e urbanizadas e o fundo do vale. Nas bordas da avenida Escola Politécnica nesse trecho
de talude há extensões de áreas verdes públicas arborizadas sem edificações, que face aos
acentuados declives não permitem muitas opções de uso e geram bastante energia ao escoamento
superficial do arruamento. Pela margem esquerda o córrego JE 04 tem canal aberto e protegido por
vegetação ciliar, sendo canalizado apenas nas proximidades da avenida Escola Politécnica quando
passa a ser enterrado até o ponto de descarga no canal do córrego Jaguaré. Já o córrego JE 05
encontra-se totalmente enterrado entre duas pistas da avenida Darcy Reis, desde a Praça Gerta de
Dannenberg, uma área densamente arborizada, onde provavelmente localizam-se as nascentes;
até a avenida Escola Politécnica.
A imagem da simulação da TR 100 mostra nesse trecho uma inundação com proporção
considerável que face às características geomorfológicas e da urbanização se acumulam e
avançam pela margem direita, favorecida com um relevo mais suave e ao mesmo tempo, onde
ocupação com residências e pequenos comércios, às margens da avenida Escola Politécnica,
gerando, portanto, uma situação de risco e prejuízos.
289
Figura: 4.41 - Detalhe TR 100 anos na confluência dos córregos Itaim e Jaguaré, com SP 270 e nas Avenidas Escola Politécnica e Benedito de Lima,
no trecho em que o córrego Jaguaré recebe o escoamento de quatro córregos nas duas margens (JE 04 e 05 e JD 04 e 05) identificados pelas setas
grandes. As setas pequenas mostram as áreas de encostas na margem esquerda. Esc. 1/10.000.
Figura: 4.42 - Localização da área de inundação do córrego Jaguaré nas Av. Politécnica e Av. Benedito de Lima, (foz dos córregos JD 05 e JD 06).
Esc. 1/10.000.
é de até 3,14 pessoas, o que, perfaz uma estimativa de aproximadamente 514 pessoas
atingidas.
As tipologias predominantes na avenida Benedito de Lima são unidades unifamiliares
de padrão médio com dois pavimentos (sobrados). Mesclam-se pequenos barracões
comerciais com um pavimento (Figura 4. 43). Já na avenida Escola Politécnica observa-se
uma morfologia viária composta das faixas da avenida situadas às margens do córrego
Jaguaré e separados por uma pequena faixa de calçada com arborização uma via de trânsito
local onde também predominam tipologias de residências unifamiliares com dois pavimentos
com alguns barracões comerciais de porte maior (Figura 4. 44).
Figura: 4.43 - Av. Benedito de Lima.
57A Loga- Logística Ambiental de São Paulo S.A. é uma empresa concessionária contratada
pela Prefeitura de São Paulo para oferecer serviços especializados de coleta, transporte,
294
do Projeto Jaguaré (FHTC, 2017) mas não existe cobertura total de coleta seletiva,
restrito a faixa fronteiriça a avenida Escola Politécnica onde também existe um Ecoponto
em funcionamento. Não há registro de contêineres instalados nessas, usualmente
localizados em áreas próximas a favelas; porém foram registrados pontos viciados de
descarte próximos as cabeceiras dos córregos principais das duas sub bacias, sendo
seis na sub bacia JD 05 e dois na sub bacia JD 06 (idem, 2017).
Tabela 4.1 – Curve Number médio por sub bacia do Córrego Jaguaré
Tabela: 4.8 - Curve Number médio
Tabela 8.8 - por sub-bacia
CN médio por do córrego Jaguaré.
sub-bacia
tratamento e destinação final dos resíduos domiciliares e dos serviços de saúde gerados na
região noroeste do Município de São Paulo.
295
Tabela: 4.9 - Áreas impermeáveis permitida por lei e existente acordo com sub-bacias do
córrego
TabelaJaguaré.
8.9 - Área impermeável (%)
Máxima Máxima
Sub-bacia Atual Sub-bacia Atual
Permitida Permitida
JD01 69,3 77,3 JE01 53,6 72,6
JD02 50,7 71,1 JE02 62,1 72,8
JD03 67,9 73,9 JE03 65,6 76,3
JD04 71,0 80,9 JE04 75,2 75,7
JD04-PA 74,7 82,5 JE04-PA 66,9 75,8
JD05 73,5 82,5 JE05 78,5 73,6
JD05-PA 66,3 82,5 JE05-PA 79,6 76,3
JD06 78,5 82,5 JE06 68,0 74,9
JD06-PA 61,4 82,5 JE06-PA 67,1 77,1
JD07 74,4 77,4 JE07 66,7 79,4
JD07-PA 75,9 82,5 JE07-PA 59,1 82,5
JD08 72,3 80,5 JE08 78,0 82,1
JD08-PA 81,3 82,5 JE08-PA 80,3 82,5
JD09 76,3 82,1 JE09 67,6 82,5
JD09-PA 78,2 82,5 JE09-PA 80,3 82,5
JD10 77,3 82,2 JE10 58,5 79,2
JD10-PA 87,6 82,5 JE10-PA 75,8 82,5
JD11 69,4 80,5 JE11 67,6 73,4
JD11-PA 68,8 81,3 JE11-PA 77,5 77,9
JD12 65,2 80,0 JE12 72,8 79,8
JD12-PA 62,0 80,0 JE12-PA 67,0 81,4
JD13 48,2 80,0 JE13 76,8 81,8
JD13-PA 64,7 80,0 JE13-PA 78,5 80,1
Quadro: 4.2 - Diretrizes para adequação de área sujeita a inundação nas sub-bacias JD 05 e
JD 06 do Jaguaré no bairro Rio Pequeno.
conflito gerador das inundações, que como previsto nos estudos hidrológicos
apresentados na Figura 4.41, que causa maiores impactos, naturalmente nas áreas de
cotas mais baixas e planas na margem direita.
soluções para a drenagem da bacia nesses pontos, mas também criar opções de
espaço público e promover uma reaproximação das pessoas com as águas e a
valorização da paisagem do córrego Jaguaré nesse trecho. Ressalve-se, porém, que
estudos dessa natureza, prescindem de uma análise e uma abordagem sistêmica e de
estudos específicos dos campos da geologia, hidrologia dentre outros.
É importante ainda ressaltar que uma das características das inundações
ocorridas em áreas de fundo de vale urbanizadas são as cheias rápidas (flash floods) e
que a execução de obras de alargamento das calhas para atender esse pico de vazão
“são extremamente dispendiosas em relação ao benefício, pois devido a sua curta
duração, a calha fica ociosa na maior parte do tempo”, podendo-se considerar,
eventualmente até a redução das larguras das calhas, desde que se adote a execução
de medidas de reservação (reservatórios de “pé de morro”) situados a montante e outras
medidas compensatórias na escala da bacia (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO,
2015, p.28).
As simulações de desenho urbano propostas pretendem investigar
possibilidades de adequação das infra estruturas de drenagem e viária no trecho
analisado, considerando : o redesenho do canal do córrego Jaguaré e da avenida Escola
Politécnica apresentado como dois mapas esquemáticos: um com a situação atual do
fluxo dos carros desde a rodovia Raposo Tavares pela alça de Disponível em à avenida
Escola Politécnica e outro com proposta de uma novo desenho para essa alça e para
avenida (Figura 4.46).
O trecho considerado se estende da alça de Disponível em da rodovia Raposo
Tavares até a praça Jom Eduardo C. Borgonovi numa extensão de aproximadamente
1.082 metros. O objetivo é reconfigurar o canal e as margens do córrego situado entre
os contribuintes JD 05, JD 06, JE 04 e JE 05 para conter a inundação decorrente do
escoamento desses córregos, com a ampliação de uma área inundável sobre uma das
faixas de rolamento da avenida Escola Politécnica que passaria a incorporar uma faixa
da via local (a rua Guavira próximo a alça de Disponível em da rodovia Raposo Tavares
e a extensão da faixa de trânsito local da própria avenida) para manter sua capacidade
de escoamento do tráfego.
Essa adaptação permitirá ampliar as áreas de margem do córrego Jaguaré até
o encontro da avenida Escola Politécnica com a Praça Jom Eduardo C. Borgonovi.
Serão também incorporadas como áreas permeáveis as duas pequenas praças
existentes ao lado da alça de acesso em da rodovia Raposo Tavares e uma praça
situado ao final do trecho que podem receber equipamentos que promovam o uso
público para fruição, esportes e lazer.
300
Figura: 4.46 –Mapas esquemáticos que mostram a situação atual e a adequação e novo
desenho urbano para a Av. Escola Politécnica com a criação de uma faixa de inundação e área
verde de uso público.
transformada em via arterial. Essa mudança permitirá incorporar uma margem mais
ampla para o córrego onde são propostas a transferência da ciclovia e uma calcada ao
lado de uma faixa inundável escalonada e com vegetação para absorver os volumes de
escoamento provocados pelas descargas do escoamento dos quatro afluentes somados
ao escoamento superficial gerado pela urbanização. Dessa forma se ampliam e se criam
301
Figura: 4.47 – Cortes esquemáticos mostrando a situação atual e a situação proposta para a
avenida Escola Politécnica
Uma segunda imagem (Figura 4.48) mostra uma simulação que considera além
da ociosidade da via local para o tráfego de veículos, a ociosidade do próprio canal
construído na calha do córrego Jaguaré. Essa ociosidade é recorrente nas obras de
canalização que adotam soluções estruturais, pois consideram como condição de
projeto as inundações de 50 anos, ou seja, inundações com grande volume de vazão e
de velocidades. O que ocorre, porém, é que essas inundações não ocorrem com
302
Figura: 4.48 – Cortes esquemáticos mostrando a situação atual e a situação proposta para a
avenida Escola Politécnica
O estudo das questões ambientais requer uma abordagem sistêmica que deve
ser aplicada ao estudo dos processos de urbanização, por meio de análises das distintas
dimensões que envolvem a sustentabilidade ambiental urbana e adotando o conceito
de desenvolvimento sustentável.
Para a construção dessas análises, adotou-se como metodologia a organização
dos dados a partir da seleção de três dimensões de sustentabilidade ambiental urbana:
o uso do solo, as infraestruturas urbanas e os planos, programas e projetos urbanísticos
que, dessa forma, organizam os dados levantados na área de estudo.
O objetivo foi o de demonstrar que os planos e parâmetros urbanísticos que
“desenharam” os conflitos e os problemas de drenagem, nas regiões de fundo de vale,
podem ser pensados de outra forma, desde que se adotem parâmetros urbanísticos
compatíveis com as características hidrológicas, a preservação de áreas úmidas,
recuperando a qualidade hídrica dos cursos d’água, prevendo usos públicos de suas
margens e garantindo segurança às estruturas e às edificações existentes em áreas
inundáveis já consolidadas.
Assim, a área de estudo selecionada foi apresentada, com suas características
fisiográficas e hidrológicas; de ocupação e uso do solo e das infraestruturas de
saneamento e drenagem e dos serviços de coleta de resíduos sólidos, destacando os
problemas de permeabilidade e os episódios de inundações. Foram também discutidas
as especificidades das ações do planejamento, no âmbito da bacia do Jaguaré,
explicitando que a sucessão de planos e programas propostos para a região foram
prejudicados pela descontinuidade das ações impostas pela alternância de gestões com
distintas prioridades.
304
adaptado para uma área de inundação identificada na porção alta da bacia do córrego
Jaguaré, enfatizando porém que o tratamento das questões de drenagem em áreas de
urbanização consolidada, não devem restringir-se apenas as áreas das calhas e dos
fundos de vale, mas na escala de todo o território da bacia com ações integradas que
reduzam os volumes de escoamento para os fundos de vale.
306
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na cidade de São Paulo, desde meados do século XX, as relações entre a urbanização
e os cursos d’água, rios e córregos, têm sido pautadas por uma abordagem setorial e
funcionalista, transformando-os em meros elementos da infraestrutura urbana e vetores de
energia. As medidas estruturais implementadas de certa forma, buscam a dominação e a
submissão dos cursos d’água resultando, muitas vezes, em impactos ambientais extremos.
Interessava aos senhores das terras a expansão da urbanização, por meio das
avenidas, que transformava terras agrícolas em terras loteáveis incorporando mais valia; e
esses caminhos no território da cidade de São Paulo seguiram pelos fundos de vale dos tantos
rios e córregos que sempre drenaram essa região de clima chuvoso e úmido. Esse capítulo
da história da urbanização da cidade reflete a história da sociedade brasileira, na qual os
interesses privados predominam e prevalecem aos interesses públicos.
Visto por esse ângulo, o processo histórico da urbanização da cidade revela que a
adoção desse modelo de urbanização de fundos de vale não respeitou as dinâmicas
hidrológicas, como também não previu lugar para as populações vulneráveis. Tratou-se de
uma construção social que foi, ao mesmo tempo, excludente com as populações pobres e
negligente e com os sistemas naturais, o que resultou em um quadro de riscos
socioambientais, produto das soluções técnicas e das políticas públicas, desde os primórdios
da industrialização na cidade de São Paulo.
centralizador em nível federal, com a autonomia dos governos estaduais, que influenciaram o
modelo brasileiro.
A experiência americana analisada permitiu compreender que a adoção das bacias
hidrográficas como unidade de planejamento e de gestão configura-se em uma concepção
mais avançada para o enfrentamento dos conflitos entre cursos d’água e meio urbano.
A partir dos anos 1980, os conceitos alusivos às relações entre as cidades e os rios,
evoluem para abordagens ambientais construindo um arcabouço de fundamentos que levou
à revisão dos modelos de urbanização e das concepções de sistemas de infraestrutura
urbana, resultando em planos, projetos e obras de recuperação e de requalificação das
paisagens fluviais, reconhecendo a importância fundamental das águas como suprimento e
bem público.
A análise das experiências das cidades de Nova York (EUA) e Blumenau (SC, Brasil)
permitiu compreender como o planejamento urbano em articulação do planejamento
ambiental podem constituir-se como ferramentas importantes para a prevenção de riscos de
desastres hidrológicos e restabelecer uma convivência harmoniosa entre os ciclos naturais
das cheias e das enchentes e a urbanização, mesmo que consolidada, por meio da adoção
de um outro modelo de ordenamento territorial e urbanístico nos fundos de vale. Porém
quando se analisa a aplicação desses planos, constata-se que modelo de gestão setorizado
e não integrado que predomina nas cidades brasileiras representa um imenso obstáculo para
a implementação de planos urbanísticos com enfoque ambiental.
Outro aspecto diz respeito aos conceitos adotados pelas políticas de prevenção de
riscos, especialmente para as questões hidrológicas, a começar da adoção da bacia
hidrográfica como unidade territorial adequada. Ainda que essas unidades apareçam nos
textos dos planos diretores; na prática, prevalece a gestão setorizada e localizada. É notória
também a persistência dos paradigmas da engenharia hidráulica tradicional, assentados no
modelo higienista de controle das águas, para as soluções propostas ao controle de
enchentes em áreas urbanas. Esse modelo se fundamenta na execução de obras estruturais
de grandes dimensões e de ação localizada, a exemplo da construção dos reservatórios de
detenção – piscinões - ou mesmo no tamponamento de cursos d’água. Ao serem adotados
309
Quando se fala da persistência dos paradigmas higienistas para a questão das águas
nas cidades, há que se considerar que esses conceitos estão impregnados e consolidados na
população em geral. As soluções do tamponamento dos córregos e da construção de
piscinões são vistas como as únicas possíveis pelas comunidades que demandam por ações
do poder público em áreas afetadas por enchentes. Portanto, a difusão de outros conceitos,
fundamentados em soluções adequadas às dinâmicas naturais, é tarefa ampla que deve ser
empreendida não apenas na escala da gestão pública, mas como programas de educação
ambiental ampliado. Há que difundir a ideia de que temos que nos ajustar e propor soluções
junto com a natureza, ao invés de tentar dominá-la.
do Espigão Central, por meio de tuneis para integrar as áreas dos vales dos rios Tietê e
Pinheiros, como uma solução para a mobilidade na cidade que se expandia rapidamente.
Essas avenidas apresentavam também uma solução para o saneamento das várzeas e a
transposição das áreas inundáveis, porém, ao canalizarem os cursos d’água e dessecarem
as várzeas, alteraram as dinâmicas hidrológicas originais. A partir da segunda metade do
século, passaram a ser adotadas como solução genérica e hegemônica. E, no mesmo
período, as inundações aumentaram, conforme o pressuposto dessa pesquisa que o processo
de ocupação urbana de São Paulo é fruto de uma lógica setorial que desconsiderou a bacia
hidrográfica e suas dinâmicas (SEABRA, 1968; TRAVASSOS, 2010; ALENCAR ,2016).
Os anos 2000 trouxeram mudanças nas prioridades e nos conceitos das políticas
públicas com a incorporação às agendas do planejamento urbano, as populações vulneráveis
e as questões ambientais. Os planos e programas produzidos a partir desse período passaram
a incorporar propostas que conciliam as duas agendas, porém, a prevalência do modelo de
gestão setorial e desarticulado das instituições públicas reduziu e restringiu essas ações.
O PDE 2014, por sua vez, aperfeiçoou mecanismos e instrumentos de controle sobre
o uso do solo, buscando socializar os ganhos dos agentes produtivos por meio dos
mecanismos de captura de ganhos para financiamento das políticas públicas, especialmente
as da “agenda marrom”. Porém no que se refere a agenda ambiental, além da criação de
alguns parques locais e da organização administrativa de conselhos, pouco se fez para a
expansão da solução urbanística dos parques lineares, que conciliam soluções integradas de
recuperação de cursos d’água, infraestrutura, habitação e transporte. O mesmo pressuposto
que políticas ambientais se faz conservando áreas verdes e ampliando parques prevaleceu
também nesse plano diretor.
hidrográficas da região do Alto Tietê; se verificou que a lógica setorial de obras e investimentos
públicos, adotada como modelo hegemônico na ocupação das áreas de fundo de vale,
transformou os cursos d’ água em componentes da infraestrutura urbana e os eliminou da
paisagem urbana. Dessa forma, o planejamento urbano de São Paulo, ao se concentrar em
promover a ocupação e a expansão urbanas, construiu um quadro de graves conflitos
socioambientais nessas regiões.
E no que se refere à prevenção desses eventos os órgãos de Defesa Civil não contam
sequer com um sistema de registro de eventos e chamadas informatizado e tão pouco com
mapas de inundação que mostrem as áreas de inundação recorrentes para fundamentar
estudos de prevenção a esses eventos. A experiencia do Zoneamento de Resiliência à
Inundações que vêm sendo construído em New York mostrou a importância desses estudos
e dessas ferramentas para a elaboração dos trabalhos de prevenção que envolvam agentes
públicos e a população em geral.
A partir dessa base cartográfica, foram analisados, nos três trechos, os impactos
causados pela inundação sobre a urbanização e, selecionados de cada trecho, um perímetro
onde poderá ocorrer eventos extremos para servir como um recorte de análise, para um
estudo mais profundo e detalhado adotando-se como parâmetros os elementos relacionados
nos três grupos das dimensões da sustentabilidade ambiental urbana propostos: urbanístico,
infraestrutura e política, com escalas ampliadas de 1/10.000 a 1/5.000.
No primeiro trecho da bacia alta foram identificados, pelo mapa com a mancha de
inundação de 100 anos, dois pontos de conflito com a urbanização. Esses pontos foram
ampliados e descritos de forma detalhada por meio dos parâmetros selecionados, sendo que
para o trecho de maior impacto está situado na avenida Escola Politécnica.
O que se observa é que a adoção dos parâmetros adequados para as análises dos
impactos ambientais nas áreas de fundo de vale, passam necessariamente pela construção
de levantamentos hidrológicos na escala da bacia dessas regiões e pela construção do
mapeamento das manchas de inundação.
315
Não se pode determinar nenhum parâmetro de uso do solo que não considere as
características fisiográficas e hidrográficas do território, pois assim resultam em esquemas de
ocupação do território que não refletem a realidade física, não respondem às dinâmicas
naturais configurando-se como ferramentas imprecisas quando se trata de ordenar a
ocupação do solo, como visto nessa pesquisa sobre as ocupações de fundo de vale. Não se
planeja uma cidade apenas com duas dimensões.
Há que se considerar que se trata de uma escala difícil de ser trabalhada, por
demandar processos de investigação mais abrangentes e processos de decisão
participativos, mas é a escala que contempla a dimensão socioambiental, uma das mais
importantes dimensões que foram adotadas nas análises feitas nessa tese: trata-se do lugar
onde vivem as pessoas e que é composto por características geomorfológicas e hidrológicas
singulares, que escapam à macro escala do planejamento.
propostas, levam em conta os contextos existentes, com vistas a uma conciliação entre a
urbanização e as dinâmicas ambientais dessas regiões (Quadro 5.1).
Propõe uma abordagem sistêmica para o planejamento e a gestão urbanas, adotando
o paradigma ambientalista no uso de soluções estruturais e não estruturais de drenagem e
gestão das águas e resíduos; promovendo o envolvimento e a participação de todos os
agentes envolvidos nos processos de uso e ocupação do solo: o poder público, os
concessionários dos serviços públicos e de infraestrutura, os membros das comunidades
moradoras da área e a população em geral.
Adotando esses princípios buscou estabelecer um conjunto de recomendações
considerando as dimensões analisadas em seus distintos campos de atuação e com seus
agentes; com vistas: a recuperação das paisagens fluviais e da qualidade das águas; a criação
e a valorização do uso dos espaços ribeirinhos para promover uma aproximação das pessoas
e das águas; a prevenção dos riscos de inundações com danos e prejuízos socioambientais;
promover e garantir drenagem dinâmicas hidrológicas (Quadro 5.2 Parte 1 e 2).
Quadro 5.2.1 - Recomendações para requalificação e adequação em áreas de fundo de vale urbanizadas (parte 1)
Proteger recursos e funções do rio natural
Criar ou manter áreas naturais de amortecimento de inundaçoes e outros impactos antrópicos
Restaurar habitats ribeirinhos e fluviais dos rios
Use alternativas não estruturais para gerenciar os recursos hídricos (Estratágias LID)
Reduzir as áreas impermeáveis
RECOMENDAÇÕES PÚBLICO
Gerenciar a água da chuva no local e usar abordagens não estruturais (Estratégias LID)
DIMENSÃO GERAIS DE PROJETO E
Equilibrar atividades recreativas e de acesso público com a proteção do rio
AMBIENTAL DESENHO PARA ÁREAS
Incorporar informações sobre os recursos naturais e os serviços ambientais de um rio, a importancia cultural e a
DE FUNDO DE VALE
história dos projetos de características ribeirinhas, arte pública e outras expressões que formem uma opinião sobre a
importância dos rios
Manutenção de limites de ocupação do solo para garantir permeabilidade e incorporar áreas vegetadas (melhoria
PRIVADO climática, abrigo fauna e insetos, biodiversidade)
Aumentar permeabilidade e retenção pluvial (redução de escoamento e realimentação freática
Demonstrar a importância da manutenção das características dos rios e córregos em a cidade com o rio
Planejar, invariavelmente, na escala da bacia hidrográfica e redesenhar a orla ribeirinha
Fornecer ao público oportunidades de acesso, conexões e atividades recreativas nas áreas ribeirinhas
Divulgar a história ambiental e cultural do rio através de programas de educação pública, sinalização e eventos.
Criação de um Mapa de Inundações
Responsabilizaçao do Poder Público por perdas de vida, danos e prejuizos decoerrentes de inundações
Articulação permanente e preventiva entre setores da Administração Municipal (Grupo de Trabalho Prevenção de
Inundações)
PÚBLICO Plano Preventivo de Gestão de Riscos com atualizaçao permanente e Fundo de Apoio a ações preventivas
RESPONSABILIDADES E Articulação permanente e preventiva entre setores da Administração Municipal (Grupo de Trabalho Prevenção de
DIMENSÃO POLITICO Inundações)
COMPROMISSOS DA
ADMINISTRATIVA Criação e manutençao permanente de Programas e Atividades de Educação Ambiental
GESTÃO PÚBLICA
Criação de um Conselho para ações e gestão de situações de risco com composição paritária entre agentes publicos
(multisetorial), concessionarias e populações
Criação de uma unidade administrativa autônoma centralizada para planejar e gerenciar as ações associadas ás
situações de risco
Cotas de Participação financeira de concessionárias no Fundo de Apoio (Transporte + Lixo + Saneamento )
Participação nos processos de consulta pública
Adesão e participação em programas de Educação Ambiental
PRIVADO Articulação com representantes na gestão pública (vereadores, sub prefeitos, etc.)
Organização de associações de moradores, de bairro, etc.
Quadro 5.2 - Recomendações para requalificação e adequação em áreas de fundo de vale urbanizadas (parte 2)
Mapeamento inundações com atualização permanente
Elaboração de um Plano de Gestão Integrada de Riscos para o município de São Paulo apoiado em ações de :
preparação, mitigação, prevenção e recuperação
RECOMENDAÇOES
Criaçao de Zoneamento de Risco de acordo com Mapas de Inundação (uso/gabaritos/tipologias/ocupação/tx de
PARA A GESTÃO DE PÚBLICO
permeabilidade)
RISCOS
Sistema de Alarme e Planos de evacuação em Áreas de risco
Plano de remoções controle nas áreas de risco
Treinamento da população para situações de risco
Apoio técnico e financeiro às adaptações das edificações (2º piso, adaptações de uso, etc) sejam elas integrais ou
parciais
Criação de Seguro contra Inundações com subsídios governamentais, excluidas as populações vulneráveis residentes
em assentamentos precários que constituem grande parte da população atingida nessas regiões
DIMENSÃO
URBANISTICA
PÚBLICO Financiamento adaptações em edificios situados nas Zonas de Inundação
RECOMENDAÇÕES Concessão de benefícios e isenções fiscais a imóveis situados nas áreas de Zoneamento de Risco
PARA ADEQUAÇÕES Reservatórios de retenção (Estratégias LID)
NAS ÁREAS DE Margens escalonadas (áreas inundáveis)
INUNDAÇÕES (LID) Ampliação leitos fluviais
Criação de faixas de amortecimento
Aumento permeabilidade da bacia
Criação 2º piso protegido (cota de inundação) com Atividades Prioritárias Proteção de vidas/ equipamentos/ bens e
manutenção de atividades não essenciais no térreo
PRIVADO Aumento permeabilidade das unidades privadas
Adequações integrais ou parciais das edificações ao eventos de inundações
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