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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo

MIRELA PILON PESSATTI

INTERCESSÃO ARQUITETURA E SAÚDE

MÚLTIPLAS VOZES NA COMPOSIÇÃO DE TERRITÓRIOS


HABITACIONAIS

CAMPINAS
2015
MIRELA PILON PESSATTI

INTERCESSÃO ARQUITETURA E SAÚDE

MÚLTIPLAS VOZES NA COMPOSIÇÃO DE TERRITÓRIOS


HABITACIONAIS

Tese de Doutorado apresentada a Faculdade de


Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da
Unicamp, para obtenção do título de Doutora em
Arquitetura, Tecnologia e Cidade, na área de
Arquitetura, Tecnologia e Cidade.

Orientadora: Profa. Dra. Silvia Aparecida Mikami Gonçalves Pina

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE


DEFENDIDA PELA ALUNA MIRELA PILON PESSATTI E
ORIENTADA PELA PROFA. DRA. SILVIA APARECIDA MIKAMI
GONÇALVES PINA

ASSINATURA DA ORIENTADORA

CAMPINAS
2015
Como cada um de nós era vários, já era muita gente. Utilizamos tudo
o que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante.
Distribuímos hábeis pseudônimos para dissimular. Por que
preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito.
Para passarmos despercebidos. Para tornar imperceptível, não a nós
mesmos, mas o que nos faz agir, experimentar ou pensar. E,
finalmente, porque é agradável falar como todo mundo e dizer o sol
nasce, quando todo mundo sabe que essa é apenas uma maneira
de falar. Não chegar ao ponto em que não se diz mais EU, mas ao
ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer EU.
Não somos mais nós mesmos. Cada um reconhecerá os seus.
Fomos ajudados, aspirados, multiplicados.

Gilles Deleuze e Félix Guatarri


AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa contou com apoio de bolsa concedida pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela (CAPES), aos quais agradeço.

Agradeço a minha orientadora, Profª Drª Silvia Mikami Gonçalves Pina por me orientar
e aceitar o desafio de caminhar por essa intercessão arquitetura e urbanismo e saúde.

Aos funcionários da pós-graduação da FEC/UNICAMP, agradeço especialmente em


nome do Eduardo e do Diego, sempre atentos e disponíveis para contribuir e nos
orientar.

Aos Professores Dr. Gastão Wagner de Souza Campos e Dr. Evandro Ziggiatti
Monteiro pela participação na Banca de Qualificação e estimada contribuição na
orientação da pesquisa.

Aos demais membros desta Banca Examinadora: Profª. Drª. Suzana Pasternak, Prof.
Dr. Eduardo Henrique Passos Pereira, Profª. Drª. Milena Kanashiro por aceitarem
esse convite.

As colegas da pós-graduação Dina de Paoli, Christiane Lisboa, Vera Lúcia Barradas,


Karla Conde e especialmente à Taiana Car Vidoto pela companhia nas incursões na
Vila Esperança e a Débora Gomes pela contribuição na elaboração gráfica.

A Profª. Drª Ana Goés Monteiro pelo aprendizado, que junto com a Profª Drª Silvia
Mikami possibilitaram a realização de visitas ao campo com alunos do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da FEC/UNICAMP durante a disciplina de Projeto de
Arquitetura IV no ano de 2013.

Aos colegas do grupo de pesquisa HABITARES da FEC/UNICAMP.

Aos trabalhadores do Centro de Saúde São Marcos, Campinas/SP, especialmente às


agentes comunitárias em saúde, a quem agradeço especialmente em nome da agente
Eni Inácio M. Cardoso pelo apoio e disponibilidade em acompanharem o campo de
práticas, ao residente Eduardo, sem os quais essa pesquisa não seria possível.

Ao Prof. Dr. Gustavo Tenório Cunha, do DMPS/FCM/UNICAMP pelas discussões e


apoio na definição do campo de práticas.

Aos moradores da Vila Esperança, a quem dedico essa tese.

À todas as companheiras e companheiros da Política Nacional de Humanização e


Gestão no SUS por serem intercessores importantes na construção desse processo
aos quais agradeço em nome de Clara Sette Withaker, Adail de Almeira Rollo, Teresa
Martins e Maria do Carmo Cabral Carpintero.

A Ana Paula Costa, Cathana Oliveira, Maria Claudia de Souza Matias, Mariana
Oliveira, Stella Chebli, Carine Nied, Alexandra Cardoso, Rose Delgado, Adriana
Coser, Fabiani Gil, Rosangela Irano e Ricardo Pena pela amizade, apoio e incentivo
a continuar nesse processo nos momentos mais delicados.

Aos autores intercessores e também companheiros de vivência no SUS: Sérgio


Resende Carvalho, Ricardo Rodrigues Teixeira, Dario Frederico Pasche, Gustavo
Nunes de Oliveira, Liane Beatriz Righi, Simone Paulon, Liliana da Escóssia, Eduardo
Passos, Regina Benevides, Maria Elizabeth Barros de Barros, Tadeu de Paula Souza,
Ricardo Sparapan Pena, Bruno Mariani e Sabrina Ferigato.

Aos colegas do grupo de pesquisa em cartografia no DMSP/FCM/UNICAMP,


especialmente à Profª Drª Silvia Santiago, Felipe Augusto Reque e Raquel Pastana.

Por fim, aos meus pais pelo apoio incondicional e ao meu esposo Márcio Zovico, pelo
apoio, carinho, amor e paciência durante esse processo.

E, à VIDA!
RESUMO

Esta pesquisa aborda a intercessão arquitetura e saúde e discute um modo de


intervenção enquanto potencialidade na contribuição para o aumento nos graus de
qualidade de vida em territórios habitacionais de interesse social. Considera-se que a
Habitação e a Saúde são duas das necessidades mais básicas para a sobrevivência
de indivíduos e coletivos e indissociáveis para uma vida com mais qualidade. Dessa
forma, o objetivo geral da pesquisa é investigar e discutir a potência desse modo de
intervenção baseado na intercessão de saberes e áreas. O estudo ocorre a partir de
um campo de práticas em um bairro de alta vulnerabilidade e risco social, do município
de Campinas/SP, a Vila Esperança. Fundamenta-se na hipótese de que o aumento
nos graus de qualidade de vida num determinado território avança pelas estratégias
produzidas nessa intercessão, pautadas num modo de fazer articulado entre os
saberes da arquitetura e saúde e que inclua os moradores e usuários do espaço no
processo de discussão e decisão. Ou seja, é tarefa que vai além da prescrição de
soluções para o ambiente construído. Para a condução metodológica da pesquisa,
adotou-se a Cartografia social como um método de pesquisa-intervenção, o qual
favoreceu a exploração do território e a construção dos percursos investigativos,
análise e proposições para o campo problemático apresentado. Os resultados são
pistas que podem se transformar em estratégias e diretrizes tanto para o campo da
arquitetura quanto da saúde, mas, especialmente, para a atuação conjunta e
intercessora na produção de um objetivo comum - o aumento nos graus de qualidade
de vida em territórios habitacionais de interesse social.

Palavras-chave: Habitação. Saúde. Arquitetura. Cartografia. Campinas.


ABSTRACT

This research approaches the intersection of architecture and health and discusses an
intervention mode as potential in contributing to the increase in the degree of quality
of life in social housing areas. It is considered that the Housing and Health are two of
the most basic needs for survival of individuals and collectives and they are
inseparable for a life with more quality. Thus, the overall objective of the research is to
investigate and discuss the power of this intervention mode based on the intercession
of knowledge and areas. The study occurs from a practical field with a high vulnerability
and social risk neighborhood in the city of Campinas / SP, called Vila Esperança. It is
based on the hypothesis that the increase in the degree of quality of life of a stated
territory must be produced by advancing in strategies in this intercession, guided in a
way to articulate knowledge between architecture and health, and that includes
residents and users of space in the process of discussion and decision. This is a task
that goes beyond prescribing solutions for the built environment. For methodological
conduct of the research, it was adopted the social cartography as a method, which
favored the exploitation of the territory and the construction of investigative paths,
analysis and proposals presented to the problematic field. The results are clues that
can turn into strategies and guidelines for both the field of architecture and health, but
especially for joint action and intercessor in producing a common goal - the increase
in the degree of quality of life in social housing territories.

Key Words: Housing. Health. Architecture. Cartography. Campinas.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 As condições de moradia e estado de saúde 40


autorrelatados: amostra geral - LARES.
Figura 2 Localização da Vila Esperança no Município de 67
Campinas e distâncias de principais pontos de
referência.
Figura 3 Macrozona 9: Principais vias, hidrografia e 68
localização da Vila Esperança.
Figura 4 Foto aérea com a localização da Vila Esperança na 69
região norte do município de Campinas.
Figura 5 Loteamento Vila Esperança: Uso e ocupação do solo 70
Figura 6 Planta original do Loteamento Vila Esperança 71
Figura 7 Trajeto do ônibus e ruas asfaltadas 72
Figura 8 Esquema de implantação dos embriões 74
Figura 9 Planta e corte dos embriões 75
Figura 10 Planta de casa com dois dormitórios 76
Figura 11 Imagem dos aquecedores solares instalados nas casas 77
Figura 12 Distância da Vila Esperança ao Centro de Saúde São 78
Marcos
Figura 13 Distritos de Saúde do Município de Campinas 79
Figura 14 Localização do C.S. São Marcos 80
Figura 15 Mapa de Vulnerabilidade Social 81
Figura 16 Índice Paulista de Vulnerabilidade Social 82
Figura 17 Mapa de homicídios por residência (2003 – 2004) 83
Figura 18 Mapa de homicídios por residência (2006 – 2007) 84
Figura 19 Imagem de área na margem do rio – lixo e entulho 85
Figura 20 Tabela com Casos de Dengue (1998 a 2015) 86
Figura 21 Mapa da Dengue no Município de Campinas (2010) 87
Figura 22 Mapa da Tuberculose (2008 a 2012) 89
Figura 23 Mapa da Hanseníase (2000 a 2004) 90
Figura 24 Diagrama de Momentos da pesquisa 93
Figura 25 Mapa do Percurso Prévio 94
Figura 26 Cenas 1 a 6 95
Figura 27 Cenas 7 a 9 96
Figura 28 Pediatria: doenças prevalentes no C.S. São Marcos 100
Figura 29 Adulto: doenças prevalentes no C.S. São Marcos 100
Figura 30 Fotografia de barracos em processo de demolição 103
Figura 31 Croqui de residência 105
Figura 32 Material usado na oficina de ambiência no C.S. São 108
Marcos: Imãs indicando mobiliários usados para
locação do layout na planta.
Figura 33 Imãs usados para identificar as paredes existentes, 109
as ampliadas e as aberturas para ventilação,
iluminação e passagem.
Figura 34 Painel metálico usado nas oficinas 109
Figura 35 Fotografia: Faixa reinvindicação do asfalto 113
Figura 36 Cena: O Parquinho 117
Figura 37 Cena: O Parquinho de cima 117
Figura 38 Cena: A Horta 118
Figura 39 Cena: O Campinho 120
Figura 40 Cena: A Quadra 121
Figura 41 Cena: O descarte de lixo 122
Figura 42 Cena: “ Rua Abandonada, Rua Estranha” 123
Figura 43 Cena: Aquecedores 124
Figura 44 Cena: “ Pinguelas” 125
Figura 45 Fotografia de Oficina no Grupo HiperDia 126
Figura 46 Elaboração de planta casa 1 128
Figura 47 Planta casa 1 finalizada 128
Figura 48 Planta casa 2 finalizada 129
Figura 49 Planta casa 3 finalizada 130
Figura 50 Planta casa 4 finalizada 131
Figura 51 Planta de casa inacabada 132
Figura 52 Imagem da entrada da Praça do PAC II 133
Figura 53 Fotografia da quadra coberta 134
Figura 54 Rampa para prática de skate 134
Figura 55 Maquete eletrônica do projeto da praça do PAC II 136
Figura 56 Antes: Local ocupado pelo campinho 137
Figura 57 Atualmente: Local ocupado pela Nave Mãe 137
Figura 58 Imagem externa da nova escola do bairro 138
Figura 59 Imagem externa de casa visitada, fotografia in loco 140
Figura 60 Imagem externa de casa visitada retirada da internet 140
Figura 61 Imagem do canteiro de obras para execução do asfalto 141
Figura 62 Planta construída em oficina da casa visitada in loco 145
Figura 63 Desenho elaborado em observação – casa 1 146
Figura 64 Desenho elaborado pela autora sobre a discussão 147
das mudanças desejadas pela moradora e sugestão
da pesquisadora.
Figura 65 Desenho com sugestões da pesquisadora para 148
cobertura nos fundos (aceita) e melhoria da
ventilação e iluminação frontal (aceita).
Figura 66 Fotografia de mangueira plantada pela morada 149
Figura 67 Fotografia de mangueira plantada pela morada 149
Figura 68 Imagem da fachada da casa 1 visitada 150
Figura 69 Croqui da casa 2 realizado in loco. 152
Figura 70 Imagem aérea para destacar o padrão de ocupação 154
Figura 71 Fotografia de e casas para mostrar o padrão de 155
ocupação
Figura 72 Infográficos de observação das ampliações, dos 155
“puxadinhos” – transformações, a partir do embrião.
Figura 73 Fotografia de acúmulo de lixo em terreno 156
Figura 74 Fotografia de lixo próximo da horta 157
Figura 75 Fotografia de acúmulo de lixo em na margem do 157
córrego
Figura 76 Fotografia de lixo no córrego 158
Figura 77 Fotografia de rua com grande declividade. 160
Figura 78 Fotografia de rua com grande declividade, calçadas 160
Figura 79 “ Outra pinguela” construída pelos moradores 166
Figura 80 Conexões físicas da Vila Esperança ao Jardim São 170
Marcos.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Centros de Saúde com maior número de Casos de Dengue 88


Notificados em 2013 no Município de Campinas.
LISTA DE ABREVIATURAS

CABE Comission Architecture and the Built Environment


COHAB Companhia de Habitação de Campinas
CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
COVISA Coordenação de Vigilância em Saúde
CS Centro de Saúde
DGS Direção Geral de Saúde
DMPS Departamento de Medicina Preventiva e Social
DEVISA Departamento de Vigilância em Saúde
ESF Estratégia de Saúde da Família
FCM Faculdade de Ciências Médicas
LARES Large analysus and review of European housing and health
NCHH National Center for Healthy Housing
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
OPAS Organização Pan Americana da Saúde
PLAHS Planos Locais de Ação em Habitação e Saúde
PMC Prefeitura Municipal de Campinas
PSH Programa de Subsídios à Habitação de Interesse Social
SIGA Saúde Sistema Integrado de Informação para Gestão na Saúde
SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
WHO World Health Organization
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 6

RESUMO ............................................................................................................................... 8

ABSTRACT ........................................................................................................................... 9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ..................................................................................................... 9

LISTA DE GRÁFICOS ......................................................................................................... 14

LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................ 15

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................... 18

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 20

2. MARCO TEÓRICO E CONTEXTO .................................................................................. 29

2.1. Breve passagem pela arquitetura e urbanismo e a medicina social .............................. 29

2.2. A Habitação e Saúde .................................................................................................... 31

2.3. Na América Latina e Brasil ............................................................................................ 44

2.4. Habitação e Vulnerabilidade Social em Campinas ........................................................ 50

2.5. Território Habitacional ................................................................................................... 54

2.6. Qualidade de Vida ........................................................................................................ 59

3. MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................... 63

3.2. O campo de práticas: A Vila Esperança ........................................................................ 66


3.3. O Território: vulnerabilidade e risco............................................................................... 81

3.4. Indicadores gerais de saúde ......................................................................................... 85

3.5. Desenho da pesquisa de campo ................................................................................... 91

4. PRODUÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS .................................................... 98

4.1. Indicadores de Saúde da População residente na Vila Esperança ............................... 99

4.2. Experiência do Percurso I ........................................................................................... 101

4.3. As Oficinas de Ambiência no Centro de Saúde São Marcos ....................................... 106

4.4. Experiência do Percurso II .......................................................................................... 132

4.5. Experiência do Percurso III: entrando nas casas. ....................................................... 142

5. CONCLUSÕES .............................................................................................................. 162

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 175

APÊNDICE ........................................................................................................................ 185

ANEXOS............................................................................................................................ 201
18

APRESENTAÇÃO

Trajetória, implicação, motivação

No decorrer dos últimos vinte anos de trabalho/formação em arquitetura e urbanismo,


sendo que, a maior parte desse tempo, o trabalho se desenvolveu na relação com a
saúde, ouço perguntas sobre o que faz uma arquiteta na área da saúde. Plantas de
hospitais, já que são edificações complexas, de alta incorporação tecnológica,
normatizadas? Ou ainda, interiores para deixar esses espaços mais agradáveis,
acolhedores?

Inicialmente essas questões me incomodavam, afinal, como as pessoas (na maioria


das vezes, os próprios arquitetos) não compreendiam, nem afirmavam a importância
da arquitetura na saúde? Nesses momentos, sempre me senti acolhida pelos
trabalhadores da saúde, que não só valorizavam, como cada vez mais solicitavam
alguém com saber em arquitetura para pensar com eles os seus espaços de trabalho.
Fui descobrindo que a complexidade tão falada para as edificações na saúde não
estava apenas no edifício em si, na tipologia específica de um edifício de saúde, com
suas normas e regras sempre passíveis de equívoco, e, sim, em fazer uma arquitetura
para e com as pessoas que usavam aqueles espaços.

O percurso, com todas as suas intensidades e afetos, até um determinado momento,


culminou na produção de uma dissertação de mestrado, apresentada ao
Departamento de Saúde Coletiva, na Faculdade de Ciência Médicas da UNICAMP,
intitulada “A intercessão arquitetura e saúde: quando o problema é a falta de espaço,
qual é o espaço que falta? ”. E foi no encontro com autores importantes da Saúde
Coletiva, militantes do Sistema Único de Saúde (SUS), em especial, na Política
Nacional de Humanização, no Ministério da Saúde, em que a Ambiência é uma das
diretrizes de interferência na gestão e atenção no SUS, que mais inflexões no meu
modo de estar e atuar como arquiteta e urbanista na saúde foram acontecendo.
Sustentando a partir daí a aposta de que, a discutir, intervir e projetar para instituições
de saúde, se produz um espaço que não se separa da produção de saúde e de
subjetividades em um determinado território e de que é um compromisso ético,
estético e político do arquiteto também se ocupar desse plano problemático gerado
nas intercessões arquitetura e saúde, entrando no campo de um modo que se permita
ser permeável às interferências no encontro com outros saberes. Essa dimensão
ética-estética-política se baseia no paradigma produzido por Gilles Deleuze e Félix
Guattari na Esquizoanálise, e que aqui se compreende, o ético no sentido a defesa da
vida, estético no sentido da valorização da dimensão criativa, de reinvenção do viver
e político no que se refere aquilo que atravessa as relações, forças e desejos no plano
social.

Na defesa do mestrado, sou provocada pela banca a voltar para o campo da


arquitetura e extrapolar esse debate para além dos serviços de saúde, ampliando-o
para a cidade. Como algumas ideias já me convocam a essa reflexão acerca das
questões da habitação, em especial, para população de baixa renda e sua relação
com a atenção básica em saúde, com o território e com o tema delicado da qualidade
de vida, que atravessa tanto a arquitetura quanto a saúde, lanço-me a experimentar
essa produção. Assim, me apresento: pesquisadora implicada, como diria René
Lourau (ALTOÉ, 2004), pois “não há neutralidade do conhecimento, uma vez que toda
pesquisa intervém na realidade mais do que representa ou constata em discurso cioso
de evidências” (PASSOS; BARROS, 2009, p. 20). Como uma observadora, mas que
está sempre implicada no campo da observação e de uma intervenção com potencial
de modificar o objeto, numa via de mão dupla.

E assim, vão se apresentando os vários intercessores com os quais se dialoga nessa


tese.
20

1. INTRODUÇÃO

A Habitação e a Saúde são duas das necessidades mais básicas para a sobrevivência
e desenvolvimento de indivíduos e dos coletivos, e, embora com características
singulares, são indissociáveis na produção de vida. Nesse sentido, é necessário e
desejável que sejam tratadas de modo articulado e associadas para o incremento nos
graus de qualidade de vida em territórios habitacionais de interesse social.

A Organização Mundial da Saúde valoriza a relevância do tema desde a sua fundação,


e na Conferência Internacional de Saúde, realizada em Nova Iorque, ainda no ano de
1946, enfatizou que melhorias nas condições das habitações e do ambiente são
necessárias para se alcançar o maior grau possível de saúde para todos os povos
(WHO, 1961).

Atualmente, diferentes estudos confirmam que as condições inadequadas de moradia


interferem na saúde da população. Por exemplo, quando a umidade e o mofo no
interior da habitação favorecem o aparecimento de asma e bronquite em crianças,
sendo que a causa da umidade e mofo associados pode estar relacionada ao projeto
arquitetônico, à construção, à manutenção e à utilização do edifício. Problemas
construtivos, de projeto e acessibilidade facilitam a ocorrencia de acidentes
domésticos (WHO, 2007). Associações entre condições extremas de temperatura,
tanto de frio quanto calor, em decorrência de precariedade nas condições de moradia,
provocam desconforto térmico, com possível influência na mortalidade por doenças
cardiovasculares (COELHO et al., 2010; ROGOT; PADGETT, 1976). O ruído muitas
vezes é associado a dores de cabeça e aos distúrbios cardiovasculares e hormonais,
que podem propiciar aumento na pressão arterial, disfunções digestivas, alterações
no sistema imunológico, irritabilidade, ansiedade, depressão (DGS, 2008). Os padrões
de mobilidade urbana, que, por sua vez, se relaciona a formas de ocupação territorial
e insuficiência de sistemas de transportes coletivos mais sustentáveis, produzem
impactos significativos no meio ambiente e saúde, especialmente no que se refere à
poluição e aos acidentes de trânsito (SWARC et al., 2010). E ainda, doenças como
tuberculose, malária e dengue, que são prevalentes em países da América Latina, em
21

grande parte são oportunizadas pela inadequação das habitações e precariedade no


ambiente (OPAS, 2011-2006), por exemplo, no que se refere às doenças
hidrotransmissíveis, que são causadas por ausência ou insuficiência de saneamento
ambiental e doenças respiratórias, que também são influenciadas pela precariedade
e insalubridade da moradia, como o adensamento, a superlotação e deficiências de
ventilação (TACHNER,1982; SALDIVA et al., 2010, MARICATO et al., 2010).

Entretanto, as condições inadequadas de moradia coexistem com outras formas de


privação, riscos e vulnerabilidades, tais como exclusão social, baixa escolaridade,
desemprego, falta de saneamento, adensamento urbano, violência, baixa renda,
ocupação de áreas de risco, lixo e poluição urbanos, ruído, entre outras, tornando-se
insuficiente tomar as condições da unidade de habitação isoladamente quando se tem
como perspectiva a produção da saúde e aumento nos graus de qualidade de vida de
uma população, sendo necessária e desejável a inclusão das diferentes dimensões
que compõem um território habitacional nas discussões e intervenções.

Nesse sentido, toma-se como direção neste trabalho que o território habitacional se
arranja como algo que se assemelha a uma teia onde “todas as demandas urbanas
estão interconectadas – transporte, moradia, habitação, recursos hídricos,
disponibilidade de alimento” (SALDIVA et al., 2010 p. 188) e que a interferência em
um dos nós tenciona os demais. Assim, um dos grandes desafios contemporâneos é
a articulação de ações apresentadas em cada uma dessas pautas isoladamente, no
âmbito da formulação e implementação das políticas públicas, cujas pastas ainda se
configuram de modo fragmentado, especialmente no âmbito governamental.

A produção de saúde é entendida aqui como um processo no qual indivíduos e


coletivos tenham o máximo de capacidade para viver a vida de maneira autônoma,
reflexiva e socialmente solidária, e que se sintoniza com a compreensão de uma
pessoa saudável como aquela “que possui sentimento de segurança para viver a vida,
para criar valores e instaurar normas vitais a partir de seus desejos, interesses e das
necessidades individuais e do entorno social” (CARVALHO, 2005, p. 124).

A composição de um território habitacional abrange desde o interior doméstico das


moradias e sua vizinhança até os diversos espaços da cidade, ou seja, habita-se,
22

vivencia-se, experimenta-se um território que também é existencial1, onde se


atravessam as dimensões de ordem mais concreta e orgânica, por exemplo, o
provimento de abrigo para as necessidades básicas de sobrevivência, como comer,
dormir, higienizar-se, até as dimensões sociais, políticas, culturais e estéticas
produtoras de subjetividades individuais e coletivas. Ou seja, um território que se
produza na inseparabilidade do material e imaterial, em uma experiência arquitetônica
comprometida com a fluidez, que aspire não só a uma ordem espacial, mas ao
movimento, à duração, às redes, às interconexões, aos fluxos energéticos e às
cartografias subjetivas, como aponta Morales (2003).

No entanto, as Políticas Habitacionais no Brasil têm tratado de forma insipiente os


diferentes modos de produção de vida que têm como efeito as variadas formas de
habitar o território, o que é um paradoxo, uma vez que a produção de um espaço não
se separa da produção de subjetividades e de saúde, tanto individual quanto coletiva.

A fragmentação histórica, tanto entre as pastas em nível governamental quanto entre


os campos da arquitetura e saúde, diminui a potência de contribuição das ações no
sentido de incremento em territórios habitacionais de interesse social, sendo
necessária a criação de estratégias para que essas ações aconteçam de modo mais
integrado e inclusivo, em que as pessoas que vivenciam os espaços possam participar
dos processos de discussão e decisão. Dessa forma, aposta-se na convergência dos
campos da arquitetura, urbanismo e saúde através de ações articuladas que gerem
interferências positivas e contribuam para a ampliação dos graus de qualidade de vida
de uma população.

Qualidade de vida é definida e usada de diferentes formas e interesses, e cujo


conceito que se afirma aqui é o de se criarem condições favoráveis para o incremento
dos graus de qualidade de vida em um determinado território, o que significa ter como
base um conceito ampliado de saúde, que não foca apenas na cura de doenças, mas
em um engajamento na criação de possibilidades de condições de vida mais dignas,

1 Sobre territórios existenciais: GUATTARI, F. “Restauração da Cidade Subjetiva”. In: CAOSMOSE. Rio
de Janeiro, Ed. 34, 1992.
23

com pleno exercício da cidadania, em que se ampliam também os graus de autonomia


de indivíduos e coletivos na construção de maior capacidade de análise e
corresponsabilização pelo cuidado consigo, com os outros, com o ambiente e com a
vida (CAMPOS, 2004).

Assim, se delineia o objetivo geral da pesquisa, que é investigar e discutir a potência


de um modo de intervenção, baseado na intercessão da arquitetura e saúde e que
contribua no aumento dos graus de qualidade de vida da população que vive em
situação de alta vulnerabilidade e risco social em Territórios Habitacionais de
Interesse Social, sendo usado como campo de práticas a Vila Esperança, um bairro
situado na região norte do município de Campinas/SP.

A partir do campo de discussão apontado, são desenvolvidos os seguintes objetivos


específicos:

Promover uma discussão acerca da relação entre habitação e saúde, assim como dos
conceitos que são fundamentais para o posicionamento teórico da pesquisa, entre os
quais, qualidade de vida, território e vulnerabilidade.

Discutir um modo possível de intervenção para os territórios habitacionais de interesse


social, fundamentado na intercessão de saberes da arquitetura e urbanismo e saúde.

Identificar a potencialidade e limitações do processo de pesquisa-intervenção em um


território habitacional de alta vulnerabilidade e risco social.

Discutir e analisar os percursos e as oficinas de ambiência desenvolvidas com


moradores da Vila Esperança, usuários do Centro de Saúde São Marcos.

Discutir e verificar a hipótese.

Desenvolver pistas a partir da intercessão arquitetura e urbanismo e saúde que


contribuam para o aumento nos graus de qualidade de vida dos moradores de
Territórios Habitacionais de Interesse Social em situação de vulnerabilidade.

A hipótese da pesquisa se fundamenta no enunciado de que as intervenções em


Territórios Habitacionais de Interesse Social, quando são incrementadas a partir da
24

intercessão arquitetura e saúde, têm maior potência para contribuição na produção de


saúde e no aumento nos graus de qualidade de vida e saúde da população. Ou seja,
é uma tarefa que vai além da prescrição de soluções para o ambiente construído.
O termo intercessão aqui referido é baseado na definição dada por Deleuze (1992),
como a relação que se estabelece entre os termos que se intercedem, de interferência,
de intervenção através do atravessamento desestabilizador de um domínio qualquer
(disciplinar, conceitual, artístico, sociopolítico etc.) sobre outro, “como linhas
melódicas estrangeiras umas às outras e que não cessam de interferir entre si”
(DELEUZE, 1992, p.156). Para o autor, cuja produção se dá no campo da filosofia, a
relação de intercessão é uma relação de perturbação, e não de troca de conteúdo, em
que um provoca o que o outro não sabe e vice-versa, e exemplifica que, no seu caso,
como filósofo, seus intercessores são os mobilizadores do pensamento e da criação.

Ou seja, é um modo de fazer, no contexto desta tese, que afirma a especificidade de


cada saber – do morador, do arquiteto e urbanista, do agente comunitário em saúde -
, mas que, ao se colocar nessa relação intercessora, valoriza a diferença e a usa como
a força motriz para invenção e reinvenção dos territórios. Trata-se, portanto, de
enfrentar o duplo desafio de sintonia entre mudanças (intervenção) que são
necessárias e desejáveis de serem realizadas no território habitacional e de refletir
sobre o modo (método) como elas se desenvolverão.

Desse modo, aposta-se em estratégias articuladas e inclusivas, pautadas por um


modo de “fazer com”, e não de “fazer sobre” ou “ fazer para”, uma vez que se trata de
uma tarefa que vai além de prescrever soluções para o ambiente construído, primando
por um modo de fazer que inclua os usuários do espaço no seu processo de
construção, que não prescinde do saber do arquiteto e urbanista atuando em uma
relação de interferência tanto com trabalhadores da saúde, em especial, os agentes
comunitários, quanto com os moradores, de modo que desperte na comunidade o
desejo de cuidado com seu o território. O que se conecta, também, com a ideia
coprodução2 que é apresentada por Campos (2000), pois as intervenções produzidas

2 Sobre coprodução: CAMPOS, G.W. “A co-produção de sujeitos e de coletivos:função Paidéia”. In: Um


Método para a Análise e Co-gestão de Coletivos. São Paulo. HUCITEC, 2000.
25

nos territórios a partir da intercessão de saberes, culturas, mundos, modos de vida


geram espaços que são coproduzidos.

O autor, ao desenvolver o conceito de coprodução para a cogestão das instituições,


defende um método para o fortalecimento dos sujeitos, indivíduos, coletivos para a
democratização das instituições no sentido da superação da racionalidade gerencial
hegemônica, em que considera que poder é essencialmente a capacidade de
coproduzir necessidades sociais e de influir sobre os modos de atendê-las, isto é,
sobre a produção de valores de uso. É um conceito que, transportado para os modos
de produção do espaço físico, em especial, nas instituições de saúde, tem
apresentado efeitos que ultrapassam os limites físicos, possibilitando intervenções
nos territórios vivenciais.

Dessa maneira, para criar sentido e direção a pesquisa, selecionou-se a Vila


Esperança com um campo de práticas e experimentações, especialmente por se tratar
de um Território Habitacional de Interesse Social e estar indicada no mapa de risco e
vulnerabilidade do Plano Municipal de Saúde de Campinas para os anos de 2010 a
2013 como uma área de Muito Alto Risco e Vulnerabilidade, atendendo, assim, a
proposta inicial da tese, de se trabalhar em um território com essas características,
bem como pela singularidade de inserir-se numa área do município com menor
vulnerabilidade e risco social.

Durante a fase exploratória da pesquisa, que aconteceu através de algumas incursões


prévias no campo pela pesquisadora, sempre acompanhada da agente comunitária
do Centro de Saúde São Marcos, com objetivo inicial de levantar os indicadores de
saúde, conhecer as condições de moradia e do bairro, observou-se que diversos
fatores relacionados àquele ambiente construído poderiam estar relacionados a
alguns agravos à saúde da comunidade, tais como as alergias e doenças
respiratórias. Porém, de imediato, a situação social e as relações que aparentemente
se produziam naquele território já convocavam certa atenção e indicavam pistas de
que outras forças, ainda desconhecidas, também poderiam estar interferindo nas
condições de vida da comunidade, as quais causaram algum estranhamento na
pesquisadora. Dessa forma, identificou-se que, mais do que um mapeamento, seria
26

fundamental para a pesquisa entrar, atravessar, percorrer aquele território de modo


permeável a essas intensidades e àqueles movimentos.

Assim, vislumbrou-se a Cartografia como um método de pesquisa-intervenção


coerente com a proposta da tese, e que poderia criar condições favoráveis à
exploração do território através de um caminhar conjunto da pesquisadora e os
moradores do bairro, agentes comunitários e trabalhadores de saúde, na construção,
análise e proposições para o campo problemático apresentado, uma vez que, neste
trabalho, se propõe pesquisar e intervir, fazer “com”, e não apenas fazer, conhecer,
escrever “sobre”. Para Eduardo Passos e Regina Benevides Barros (2009):

a cartografia como método de pesquisa-intervenção não se faz de


modo prescritivo, por regras já prontas nem com objetivos
previamente estabelecidos, ao mesmo tempo em que não se trata
de uma ação sem direção, pois não abre mão de pistas que
orientam o percurso da pesquisa, considerando sempre os efeitos
do processo do pesquisar sobre o objeto da pesquisa, o
pesquisador e seus resultados (PASSOS; BARROS , 2009, p. 17).

Nessa direção, um desafio imediato da pesquisa foi descobrir espaços permeáveis


onde fosse possível acompanhar processos de produção de saúde e de
transformação no território; realizar discussões e construções coletivas acerca dos
modos de produção de vida, das condições de moradia e saúde naquele território,
bem como promover conversas sobre a qualidade de vida, um conceito que é amplo,
paradoxal e subjetivo e está fortemente relacionado ao campo do desejo e da
experiência de cada indivíduo e coletivo.

Para essa construção coletiva, baseou-se no conceito da experiência do comum, que,


de acordo com Negri (2004), não requer nem comando, nem exploração e coloca
como base e pressuposto a expressão humana produtiva. Dessa forma, o comum que
se pretende experimentar porta o duplo sentido da partilha e pertencimento (PASSOS;
KASTRUP, 2013), ou seja, a criação de forças motrizes para um processo de
transformação que se define por sua característica experiencial concreta. Assim,
construir o comum se constitui em um permanente desafio por se tratar de um
processo, e não de algo definitivamente conquistado, ao mesmo tempo em que se
aposta no sentimento de pertencimento a um território como fundamental para a luta,
no sentido de reivindicações e mobilizações para as melhorias e qualificação do
27

território em que vive uma determinada comunidade. E é no plano coletivo, da


comunidade, do comungar com – do partilhar de um comum, que ações se fortalecem.

O espaço que foi identificado como possível para disparar essa experiência no campo
foi o “grupo” que já acontece no Centro de Saúde São Marcos, com usuários
hipertensos e diabéticos e que são moradores da Vila Esperança.

Criar um coletivo para a discussão e construção de um plano comum reafirma o


sentido de uma pesquisa-intervenção, pois, de algum modo, gera interferências e tem
potencial de transformar a realidade das pessoas participantes desse processo, ao
garantir seus protagonismos nas discussões, avaliações e decisões, especialmente
em um território já habitado, sendo uma aposta que vai além de se fazer uma
avaliação pós-ocupação nos espaços já construídos. Não se tem um pesquisador que
apenas mapeia, entrevista, observa e discute um objeto, mas, sim, uma construção
conjunta de um olhar analítico com os moradores. Pesquisador, moradores,
trabalhadores da saúde lado a lado, numa relação de interferência, desestabilizando
fronteiras do saber e poder para a produção de um comum.

Revisitando a Cartografia com Suely Rolnik, ao apresentar certa definição provisória


para esse modo, nota-se o seguinte:

Para os geógrafos, a cartografia - diferentemente do mapa:


representação de um todo estático - é um desenho que acompanha
e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da
paisagem. Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A
cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que
o desmanchamento de certos mundos - sua perda de sentido - e a
formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos
contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes
tornaram-se obsoletos.
Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem
passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas
intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que
encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a
composição das cartografias que se fazem necessárias. O
cartógrafo é, antes de tudo, um antropófago (ROLNIK, 2014, p. 23).

Esta foi uma pesquisa desenvolvida no campo da arquitetura e urbanismo, a partir do


saber do arquiteto e urbanista, mas foi no encontro com outros saberes formais e
informais que se produziram os dados, as discussões, análises e foram apontadas as
28

pistas para se atuar na intercessão arquitetura e saúde, de modo a contribuir para o


aumento nos graus de qualidade de vida em territórios habitacionais de interesse
social, tendo a Cartografia como seu método condutor.

Inicia-se a imersão no tema a partir dos marcos contextuais e teóricos que se


apresentam no capítulo a seguir, destacando a relação arquitetura e urbanismo e
saúde coletiva, habitação e saúde e os conceitos de vulnerabilidade, qualidade de
vida e território habitacional.

Assim, no capítulo 1, introduz-se o debate para no capítulo 2, se desenvolver o marco


teórico com qual se dialogou na tese, que passou pelos temas da arquitetura e
urbanismo e saúde, habitação e saúde, qualidade de vida e território. O Capítulo 3
trata do posicionamento metodológico, a Cartografia, como método de pesquisa-
intervenção e se apresenta o campo de práticas. No capítulo 4, os dados produzidos
em campo são discutidos e analisados, e, no capítulo 5, conclui-se a tese, com
indicação de pistas para intervenção em territórios habitacionais de interesse social,
a partir da intercessão arquitetura e saúde.
29

2. MARCO TEÓRICO E CONTEXTO

A interlocução com diferentes autores, estudos nacionais e internacionais foi ampla e


necessária para o desenvolvimento deste trabalho, inicialmente referente às
discussões sobre habitação e saúde, moradia, pobreza, periferia, segregação e
políticas públicas e, em especial, às relações entre habitação e saúde no Brasil, sendo
que, a partir do momento que se atravessa o percurso investigativo no campo
empírico, outros encontros aconteceram e demandaram novos agenciamentos,
trazendo para o debate o próprio conceito de saúde, de território e qualidade vida.

Dessa forma, na construção da revisão da literatura, ressalta-se o que é


imprescindível tanto para o pano de fundo da discussão quanto para nortear o diálogo
com o campo e posicionamento metodológico da tese, optando-se em dar destaque
às produções mais recentes sobre a relação habitação e saúde.

2.1. Breve passagem pela arquitetura e urbanismo e a medicina social

Antes de entrar na discussão mais específica acerca da habitação e saúde, que é o


objetivo deste trabalho, é importante marcar que, em diferentes períodos da história,
a arquitetura e urbanismo e a saúde pública estiveram muito próximas e conectadas
na constituição e dinâmica das cidades.

Podem ser citadas diferentes situações como, por exemplo: as medidas tomadas na
Idade Média, de expulsão dos leprosos para fora dos muros da cidade na intenção de
“purificar” o espaço urbano; ou as estratégias de isolamento nas residências das
famílias contaminadas, para controlar a peste na Europa do século XVIII; ou, ainda,
de confinamento dos loucos. Nesse período, instituiu-se na Europa uma medicina
urbana que indicava as direções para a organização das cidades. Era evidente a
preocupação com o ambiente urbano, com a circulação de coisas ou elementos, como
a água, o ar; com a regulamentação de algumas construções, como das caves. No
entanto, para além da questão de organização e esquadrinhamento da cidade com
fins “higienistas”, atravessam também claras intenções políticas (FOUCAULT, 1979).
30

A constatação de que a insalubridade das cidades era uma das causas das epidemias
fez com que se iniciassem a elaboração de normas e as práticas de controle para
melhorar as condições sanitárias das cidades. Ou seja, foram tomadas medidas em
relação à ocupação do espaço urbano na intenção de sanear problemas de saúde, e,
em nome da higiene, alocavam-se as pessoas no espaço, dando origem ao conceito
de salubridade, que, de acordo com Foucault (1979, p. 93), não é a mesma coisa que
saúde, e “sim o estado das coisas, do meio e seus elementos constitutivos, que
permitem a melhor saúde possível”. Correlativamente a ela, aparece a noção de
“higiene pública”. Agregada a essa noção, aperfeiçoa-se o poder disciplinar como uma
“nova técnica de gestão de homens”, uma “arte de distribuição espacial dos
indivíduos” nas oficinas, nas escolas, no exército: “A disciplina é, antes de tudo, a
análise do espaço. É a individualização pelo espaço, a inserção dos corpos em um
espaço individualizado, classificatório, combinatório” (FOUCAULT, 1979, p. 106).

Foi um pensamento que perpassou séculos e que contribuiu, no século XIX, para as
cidades passarem a ser vistas também como espaços que, se adequados a partir das
melhores técnicas, poderiam ser meios apropriados para se formar homens e
trabalhadores saudáveis, compondo, assim, com os interesses políticos e econômicos
(COSTA, 1984).

Na Inglaterra, em meados do século XIX, realizou-se uma importante investigação a


partir de uma epidemia em Whitechapel, posteriormente abrangendo todo o país,
quando, pela primeira vez, produziu-se um “quadro completo das condições sanitárias
da classe trabalhadora (TASCHNER, 1982, p. 8), no qual se aponta a relação entre
pobreza e doença, concluindo-se que seria “mais econômico” tomar medidas
preventivas do que tratar a doença, ao se reconhecer o custo tanto social quanto
econômico dessas doenças que poderiam ser prevenidas. A investigação, que gerou
um relatório no ano de 1842, foi baseada em uma teoria epidemiológica aceitável, a
qual influenciou os princípios das reformas sanitárias na Europa e Estados Unidos e,
posteriormente, os países em desenvolvimento (TASCHNER, 1982).
31

No decorrer do século XIX, médicos, advogados, engenheiros,


filantropos que tinham nas cidades o seu lugar de prática
profissional compartilham uma mesma teoria sobre o meio
ambiente, segundo a qual por meio da técnica é possível alterar o
meio (PASTERNAK; LEME, 2010, p. 25).

Assim, a discussão que abrange as relações entre as condições do território que se


habita e sua influência na saúde da população não é recente, como demonstrou
Taschner (1982) na ampla investigação que realizou sobre o tema da habitação e
saúde, na qual indica que a questão habitacional está intimamente ligada aos
problemas de saúde pública. É um debate que está cada vez mais em pauta nas
pesquisas em ambiente e saúde, buscando-se evidências e propostas de
intervenções com o objetivo de impactos positivos na vida das pessoas (DUNN, 2002;
KRIEGER et al., 2005; NCHH, 2009; GODWIN et al., 2011; WHO, 2011), ressaltando
que outras dimensões se somam para além do espaço físico, entre elas, as sociais e
políticas.

2.2. A Habitação e Saúde

A Organização Mundial da Saúde – OMS, desde a década de 1940, reconhece que


os problemas relacionados à habitação impactam na saúde da população, incluindo
nas discussões, para além da unidade habitacional, questões relacionadas ao
ambiente, especialmente referentes ao saneamento, à infraestrutura e planejamento
das cidades. No texto de constituição da Organização, realizado em 22 de julho de
1946, define a saúde como:

um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não


consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Gozar
do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos
direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça,
de religião, de credo político, de condição econômica ou social
(OMS, 1946).

E ainda, como um dos princípios, afirma a responsabilidade dos governos pela saúde
dos seus povos, que deve ser assumida a partir do estabelecimento de medidas
sanitárias e sociais adequadas, indicando como uma de suas funções a promoção de
melhorias na alimentação, na habitação, no saneamento, nas condições econômicas,
32

de trabalho, de lazer e nos fatores relacionados à higiene do meio ambiente, em


cooperação com outros organismos, quando necessário.

O Conselho Executivo da OMS, em sua segunda reunião, em novembro de 1948,


autorizou a criação de um grupo de especialistas em higiene das habitações para
assessorar sua participação no programa de habitação, urbanismo e planejamento
rural das Nações Unidades. Recomendou, ainda, a interlocução desse grupo com os
comitês nacionais de habitação, que deveriam ser criados a pedido da Comissão de
Assuntos Sociais das Nações Unidas, e com o Comitê de Higiene da Habitação da
Associação de Saúde Pública Americana.

Assim, na Carta da Assembleia Mundial da Organização Mundial de Saúde, de 1951,


o enfrentamento de questões referentes à habitação é reconhecido como
fundamental, tanto na prevenção de doenças transmissíveis e acidentes domésticos
quanto para as situações relacionadas a saúde mental e bem-estar social, em sintonia
com a definição de saúde adotada mundialmente pela Organização (WHO, 1961).

Dessa forma, a OMS, desde sua criação, tem se ocupado das discussões sobre o
tema da habitação e saúde, como se pode constatar tanto nas suas conferências e
comitês quanto no apoio a diferentes estudos em nível mundial.

Os estudos realizados nas últimas décadas, em especial no continente europeu e no


norte-americano, têm apresentado interesse nas relações entre ambiente e saúde,
com foco principal nos aspectos físicos da habitação e sua influência na saúde dos
moradores, por exemplo, em relação à poluição ambiental e aumento de incidências
de doenças cardiovasculares e respiratórias (BROOK et al, 2010). Mais recentemente,
amplia-se o foco em investigações que consideram, para além da dimensão física,
elementos referentes aos significados da habitação para os seus habitantes, por
exemplo, da habitação como expressão um lugar de refúgio (DUNN, 2002). Para
Godwin et al. (2011), o estágio atual de investigação nos permite afirmar que há um
consenso nos diferentes estudos realizados, de que as condições da habitação não
só interferem, mas são um recurso fundamental para a promoção da saúde dos seus
moradores.
33

Uma pesquisa realizada entre os anos 2002 e 2003, com 8.519 residentes de 3.373
domicílios, em oito cidades europeias (Forlì, Itália; Vilnius, Lituânia; Ferreira do
Alentejo, Portugal; Bonn, Alemanha; Genebra, Suíça; Angers, França; Bratislava,
Eslováquia; e Budapeste, Hungria), relacionou alguns fatores da habitação que se
considerava impactar na saúde dos moradores, tendo como foco principal avaliar a
qualidade do parque habitacional de uma forma holística e como suas condições
afetavam a saúde dos moradores. Além disso, a pesquisa também se propunha a
identificar direções que permitissem estabelecer prioridades para o desenvolvimento
de políticas de saúde e habitação em nível local, desenvolver uma ferramenta que
possibilitasse às autoridades locais avaliar as condições das habitações e de saúde
nas suas regiões e elaborar diretrizes e recomendações para a formulação de políticas
públicas. O trabalho e seus resultados foram usados como base para a discussão
sobre Habitação e Saúde na Quarta Conferência Ministerial em Ambiente e Saúde,
que aconteceu em Budapeste, no ano de 2004 (BONNEFOY et al., 2007).

Os relatórios atuais da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011) confirmam que


as condições de moradia influenciam a saúde das pessoas tanto positiva quanto
negativamente, sendo que, de acordo com dados da Organização, pode-se observar
que, em alguns países europeus, os acidentes domésticos matam mais pessoas do
que os acidentes rodoviários, atribuindo-se às más concepções ou construções de
moradias a principal causa dos acidentes. Outra discussão em pauta pela OMS é
sobre a poluição interna e o mofo nas casas como potenciais causas de alergias e
asma.

Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011) aborda questões


prioritárias a serem discutidas mundialmente, com o objetivo de avaliar e quantificar o
impacto das condições das habitações na saúde, e propõe como ferramenta para
trabalhar essas questões nos países europeus a execução de planos de ação local
para a reabilitação da habitação, definindo as prioridades a serem seguidas em
diversos aspectos técnicos relativos a essas habitações.

Entre as prioridades definidas, estão: o conforto térmico e de energia; a habitação e


saúde mental; o desafio do envelhecimento da população; a segurança em casa e a
34

prevenção de acidentes; a qualidade do ar interior; os ambientes residenciais e


atividade física.

Para o Nacional Center for Healthy House (NCHH), no Reino Unido, nossa habitação
e nossa saúde são ao mesmo tempo inseparáveis e distintas, afirmando que juntas
refletem as nossas necessidades mais básicas, individuais e coletivas, incluindo a
privacidade, o progresso social e a própria sobrevivência.

Investigações realizadas na Inglaterra (NCHH, 2009) relatam que há mais de um


século se compreende que a melhoria na situação das habitações significa também
melhorias para saúde. Por exemplo, a melhoria no saneamento nas cidades, como a
água encanada, o sistema de esgoto, a separação das habitações de emissões
industriais através do zoneamento, e os avanços em termos de durabilidade da
habitação, entre outros fatores, proporcionaram ganhos em saúde demonstráveis,
eliminando ou controlando cólera, febre tifoide, tuberculose, acidentes e outras
doenças. Tais ganhos de saúde levaram aos primeiros esforços para regular a
qualidade da habitação nas cidades europeias, com impactos positivos na saúde da
população.

Essas são realidades que diferem em alguns aspectos das cidades da América Latina
e Brasil, onde doenças como tuberculose, malária e dengue continuam prevalentes,
e, em grande parte, são causadas ainda por ausência ou deficiência nos serviços de
saneamento ambiental, insalubridade, deficiências na ventilação, iluminação,
umidade, mofo e superlotação das moradias, condições que tendem a piorar as
condições de vida, especialmente da população de baixa renda (MARICATO et al.,
2010; PASTERNAK; LEME, 2010).

Outra pesquisa realizada também no continente europeu, em uma região


empobrecida nos arredores de Glasgow, na Escócia (HOPTON; HUNT,1996),
também concluiu que as condições das habitações interferem na saúde mental de
seus moradores. Os investigadores enfatizam a importância de serem considerados
fatores sociais e econômicos nas análises, os quais são inseparáveis quando se
discutem as condições de vida e bem-estar de uma população, ressaltando que os
elementos abordados nessa investigação, especificamente, estiveram restritos à
unidade habitacional.
35

O resultado demonstrou que a presença de umidade nas habitações influencia a


saúde mental dos seus moradores, em especial a das mulheres, o que independe da
situação econômica, referindo-se ao aumento dos estados de depressão, de falta de
energia e de sono quando há a presença de umidade nas suas moradias. A mesma
investigação também relaciona manifestações de estresse à presença de ruídos
externos e à superlotação das unidades habitacionais.

Os estudos ingleses realizados ou compilados pelo NCHH (2009) relatam que áreas
habitacionais precárias são mais propensas a criminalidade, violência, vandalismo e
acúmulo de lixo, e que as pessoas que vivem em bairros precários demonstram cinco
vezes mais chances de perceber a desordem local e comportamento antissocial como
um problema. Esses problemas são muitas vezes agravados por Políticas de
Habitação Social com diretrizes que levam a uma maior concentração de pessoas de
baixa renda em uma única área, o que reforça a segregação socioespacial na cidade.

O compromisso do governo do Reino Unido em promover e combater as


desigualdades na saúde tem acontecido através de políticas relacionadas também
com a habitação, especialmente para a população de baixa renda, pautadas na
reabilitação de áreas precárias, com incentivo ao desenvolvimento sustentável,
políticas estas que já vêm sendo apresentadas desde 2003, em um Programa de
Ações para o combate Desigualdades na Saúde. O programa estabelece as bases
para a realização de um acordo de serviço público, cuja meta é reduzir as
desigualdades na saúde, fundamentando que há uma ampla gama de ações que
podem ter mais impactos em longo prazo, ao incluírem, também, melhoria nas
condições de habitação social, como, por exemplo, com intervenções físicas que
reduzam o frio e umidade interior das moradias, assim como outras ações para
melhorar a vida em comunidade, em que interfiram o uso abusivo do tabaco, álcool,
drogas entre as populações vulneráveis (TASKE et al., 2005).

A OMS publicou, no ano de 2011, um relatório com o resultado de um amplo inquérito


realizado para estudar os impactos na saúde relacionado às condições das habitações
em países europeus, o LARES – Large analysus and review of European housing and
health, cujas pesquisas que o antecederam se iniciaram ainda na década de 1990
(WHO, 2011).
36

O relatório destaca que, embora a influência das condições da habitação na saúde já


seja conhecida, poucos estudos existem até o momento que estimem a magnitude
desses impactos, e, nesse sentido, propõe a realização de uma pesquisa para
mensurar essa influência, considerando que há um conjunto crescente de evidências
que relacionam a influência da inadequação das condições das habitações com a
saúde da população.

Ainda de acordo com o relatório da OMS (2011), a habitação compreende quatro


dimensões inter-relacionadas, sendo elas: (i) a da estrutura física da casa; (ii) a do lar,
entendido como as relações psicossociais, econômicas e culturais criadas pelo
agregado familiar; e (iii) a do bairro, definido nesse estudo como as condições físicas
do ambiente na relação com a comunidade, a do ambiente social e de serviços.
Apresenta que cada uma dessas dimensões pode conferir impactos importantes na
saúde física, mental e social dos seus moradores, sendo que, quando combinadas,
podem ter um impacto ainda maior.

Em 2005, a Organização Mundial da Saúde, por meio do seu Escritório Regional na


Europa, já havia realizado uma série de workshops, nos quais reuniu especialistas
tanto em habitação quanto em saúde, com objetivo de desenvolver uma abordagem
específica para quantificar os impactos na saúde relacionados com a habitação,
utilizando-se uma metodologia denominada de método da carga ambiental da doença
(Environmental Burden of Disease – EBD).

A investigação relacionou os fatores de risco na habitação e seus impactos nas saúde,


sendo comum que, em uma única habitação precária, estivesse presente mais de um
fator de risco, considerando que sanar um fator poderia agravar outro ou contribuir
para mitigar o seu impacto.

Entre os principais fatores de risco estudados nos últimos anos no âmbito da OMS,
estão selecionados como principais:

 Umidade e mofo no interior da habitação, consequencia especialmente de


inadequações de iluminação e ventilação, estão relacionados ao aparecimento
de asma em crianças: “A causa da umidade e mofo associados pode estar
relacionados ao design, a construção, a manutenção e a utilização do edifício”
37

(WHO, 2011); “ Nos Estados Unidos, 2 milhões de pessoas por anos recebem
atendimento de emergência por asma” (KRIEGER et al., 2005);

 As condições da habitação e ocorrência de acidentes domésticos: “A cada ano


nos Estados Unidos, 13,5 milhões de ferimentos não fatais ocorrem dentro ou
ao redor da casa” (KRIEGER et al., 2005);

 Aglomeração domiciliar e tuberculose: “A Tuberculose é uma doença de


transmissão respiratória e por gotículas, desta forma a aglomeração domiciliar
e moradia com deficiência de ventilação são ambientes de alto potencial de
transmissão” (BRASIL, 2011);

 Frio interior e mortalidade: “Mortes por doenças cardiovasculares são


diretamente ligados à exposição a excessivamente baixas temperaturas
interiores por longos períodos” (OMS, 2011);

 Ruído do tráfego rodoviário e doenças cardíacas isquêmicas;

 Exposição a níveis de radônio e câncer de pulmão: algumas características


relacionadas à localização, tipo de solo, material usado na construção,
utilização de água, existência ou não de porões estão relacionadas à
concentração de radônio no interior das residências, o qual pode ter uma
relação direta com a incidência de câncer de pulmão nos moradores
(KREUZER et al., 2003; OLIVEIRA, 2013);

 Fumaça do tabaco no interior das habitações relacionada a infecções


respiratórias e asma em crianças e a câncer de pulmão e doenças
cardiovasculares em adultos;

 Efeitos da presença de chumbo, especialmente nos materiais de construção e


os agravos a saúde;

 Envenenamento por monóxido de carbono no interior da habitação;

 Exposição a formaldeídos e doenças respiratórias em crianças, geralmente


utilizados nas madeiras prensadas ou outros materiais do edifício;
38

O relatório da OMS de 2011 apontou para cada item relacionado possibilidades de


melhorias nas habitações e ou bairros, de modo a contribuir na saúde e ressaltando
que tratar a habitação isoladamente não é suficiente, uma vez que existem outros
fatores associados - entre eles, a pobreza - que estão ligados às condições de saúde.

A garantia da moradia segura e saudável, de acordo com o relatório, proporciona


grandes benefícios à saúde pública e à sociedade em geral. E a construção desse
objetivo comum – saúde pública – é algo que envolve ampla gama de indivíduos,
organismos e agências ligadas a projetos e construção das habitações, arquitetura,
planejamento urbano, financiamento e manutenção.

A pesquisa apontou que o controle de projeto e construção das novas habitações deve
assegurar as precauções necessárias para proteger contra os riscos identificados e,
dessa forma, nos novos projetos desenvolvidos nos países europeus, deverão ser
incluídos:

 Impermeabilização adequada;

 Medidas de proteção contra o radônio, quando necessárias;

 Proibição de uso de produtos nocivos à saúde, como formaldeídos, chumbo,


amianto na construção;

 Manutenção constante no controle de ventilação;

 Proteção eficaz contra a penetração de ruídos externos;

 Eficiência energética;

 Instalação obrigatória de alarmes e detectores de fumaça;

 Proteção e cercas nas piscinas e lagoas;

 Grades e elementos de segurança antiquedas nas janelas;

 Guardas de proteção e corrimãos nas varandas e escadas;

 Projeto e layout seguros nas cozinhas e banheiros.


39

 Abastecimento adequado de água e saneamento;

 Controle de pragas;

 Assentamentos em áreas seguras, evitando deslizamentos e enchentes;

 Tratamento adequado de resíduos e efluentes;

 Tamanho adequado da habitação para o número de morados, pois isso pode


limitar as aglomerações e os riscos associados à saúde.

As diretrizes para construção das novas edificações são de extrema relevância, porém
grande parte das inadequações se encontra no parque habitacional existente,
necessitando de ações de reabilitação para melhorias nas condições e mitigação de
impactos nocivos à saúde pública.

Um problema recorrente de acordo com o relatório da OMS (2011) é o financiamento


para os reparos e melhorias nas habitações em condições inadequadas, quando seus
proprietários ou locatários não dispõem de recursos financeiros. Dessa forma, deve-
se prever programas de subisídios estatais para garantia das intervenções
necessárias.

As diretrizes para políticas e regulamentos que tratem da construção, provimento e


gestão da habitação estão presentes no âmbito de diferentes níveis e status legal, por
exemplo, no artigo 25 (1) da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948),
na Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos (ONU, 1996), entre
outros.

No relatório, conclui-se que existem várias ações que as autoridades locais podem
promover para uma habitação saudável e aliviar as condições que possam ameaçar
a saúde e a segurança da população. Indica, ainda, que as agências de gestão de
habitação pública estão em posição de apoiar e fornecer habitação adequada,
especialmente para as populações vulneráveis, de modo a contribuir para a saúde e
qualidade de vida de seus moradores. O inquérito evidenciou, também, que as
pessoas passam em média oito horas do seu dia em casa e que, em geral, os adultos
jovens passam mais tempo fora de suas casas. Em relação ao estilo de vida,
identificou que apenas um quarto da população pratica esportes regularmente e mais
40

de quarenta por cento não fazem nenhum tipo de atividade física. Um terço dos
entrevistados maiores de dezesseis anos faz uso do tabaco, e mais de sessenta por
cento fazem uso ocasional do álcool, sendo que cerca de dez por cento fazem uso
diário.

Assim, o inquérito forneceu mais evidências de que as habitações inadequadas


influenciam na saúde das populações e indicou que melhorar as condições das
moradias elimina ou ao menos minimiza os impactos negativos para a saúde,
contribuindo para a promoção de ambientes mais saudáveis e benéficos para os seus
moradores e para a sociedade.

A Figura 1 traz um resumo do inquérito no que se refere a associações entre as


condições gerais da habitação e a autoavaliação de saúde dos moradores
pesquisados, podendo-se observar claramente que a diminuição na qualidade da
habitação está associada à diminuição de saúde e que, quanto melhor avaliada a
moradia, maior o indíce autorrelatado de boa saúde.

Figura 1 - As condições de moradia e estado de saúde autorrelatados: amostra geral - LARES.

Fonte: WHO, 2007, p. 40.

A conclusão do relatório do LARES apontou que mesmo os resultados mais precisos


devem ser aprofundados para além de elementos exclusivamente relacionados ao
conforto térmico, qualidade do ar interior, ruídos, segurança da casa e ambiental,
transcendendo para a qualidade física e social minimamente garantida do entorno
41

imediato, bem como indicou que, além de satisfazer as necessidades dos estilos de
vida no momento, as mudanças sociais e o envelhecimento da população trazem
novos desafios.

A pesquisa relatada no documento da WHO (2011) foi limitada àquelas áreas com
dados suficientes para o propósito inicial com relação a uma determinada população,
e certamente pesquisas adicionais irão melhorar as bases de evidências,
especialmente as que forem além da infraestrutura, engenharia ou financiamento,
atingindo o âmbito do ambiente seguro e saudável para os moradores e ampliando,
no sentido da melhoria das condições também em bases territoriais no âmbito dos
bairros.

Já a pesquisa realizada pela OMS possibilita afirmar que o entendimento do campo


da saúde como fortemente influenciado pelas questões da habitação pode contribuir
mais intensivamente na implementação de políticas e programas voltados a lidar com
a inadequação da habitação, especialmente no que se refere aos grupos mais
vulneráveis, como crianças, idosos e aqueles que estão doentes.

Ao mesmo tempo, o campo das políticas habitacionais pode-se utilizar dos indicadores
da saúde na formulação de propostas dos programas habitacionais, sobretudo para
as populações em situação de vulnerabilidade e risco, levando em conta não apenas
a unidade habitacional, mas minimamente o seu entorno imediato, com saneamento
adequado, acesso a serviços, espaços abertos que favoreçam caminhadas e o
planejamento urbano geral.

Em Portugal, a Direção Geral da Saúde (DGS) lança os Planos Locais de Ação em


Habitação e Saúde (PLAHS), que têm como objetivo estudar a relação entre as
características habitacionais e os problemas de saúde que uma determinada
população sofre e, dessa forma, propor diretrizes para políticas de modo a enfrentar
esses problemas.

Os PLAHS surgem a partir dos estudos da OMS para enfrentar a problemática


abordada na relação habitação e saúde e, em especial, a partir do estudo LARES
(Larga Análise e Revisão Saúde), que foi apresentado na 4ª Conferência Ministerial
em Budapeste, em junho de 2004 sobre “o futuro das crianças”, quando foram
42

assumidos compromissos no sentido de diminuir as ameaças à saúde causadas por


impactos do ambiente. Entre os compromissos assumidos, houve o da criação de
Planos de Ação na direção de diminuição e mitigação dos problemas e impactos que
a inadequação das habitações pode causar a saúde.

Vale resgatar e destacar que a ONU reconhece que todos os cidadãos do mundo têm
direito a um padrão de vida adequada e inclui entre as necessidades básicas para que
isso aconteça o direito à moradia, apontando que milhões de pessoas no mundo vivem
em condições precárias de habitação e saúde e afirmando que “a moradia adequada
deve fornecer mais do que quatro paredes e um telhado (WHO, 2010).”, incluindo
liberdades, em especial, do direito de escolha de onde viver e do movimento, estando
entre os critérios para uma moradia adequados a segurança da posse, a
disponibilidade de serviços, a acessibilidade, as condições de habitabilidade, a
localização e o respeito à identidade cultural.

Na sua fundamentação, o PLAHS sustenta que as condições de saúde adversas estão


relacionadas a condições inadequadas da habitação e ambiente, havendo uma
ligação entre a qualidade da habitação e a percepção de saúde. De acordo com os
estudos para elaboração das propostas do PLAHS, quanto melhor for a habitação,
melhor é o estado de saúde dos seus ocupantes (DGS, 2008). Assim, se afirma que
um dos principais motivos para a implementação dos Planos Locais de Ação em
Habitação de acordo com o Manual do PLAHS (DGS, 2008) são: identificar aspectos
locais da habitação que possam influenciar na saúde dos seus moradores; priorizar e
direcionar ações locais para proteger e promover a saúde através de melhorias na
habitação; prover informações que enriqueçam os processos de planejamento local
nos planos de desenvolvimento urbano e habitacionais; contribuir, apoiar e
desenvolver planos de ação e políticas de habitação e saúde locais e nacionais.

A metodologia para desenvolver os PLAHS é simples, pois propõe uma coleta de


dados por telefone, a qual se norteia por um roteiro de questões específicas sobre as
condições da habitação e saúde dos moradores que participam da pesquisa.

Para o desenvolvimento do inquérito, o município deve ter clareza dos objetivos que
se pretende alcançar com o plano, que podem ser desde ações locais e campanhas
sobre aspectos relacionados à habitação (segurança doméstica, eficiência energética
43

etc.) até a elaboração de diretrizes para políticas de desenvolvimento urbano em nível


local, habitacional ou de saúde.

Em seguida, é selecionado o bairro ou área que participará do inquérito, sendo


recomendada uma amostra de 500 residentes que possuam telefones fixos ou móveis,
pois os dados são recolhidos por meio de telefonema. É recomendada, também, uma
campanha de comunicação social na área onde acontecerá o inquérito e o
treinamento dos grupos de trabalho, destacando que os dados recolhidos são
confidenciais.

Todos os dados são planilhados em Excel e enviados à Diretoria Geral de Saúde.


Também é previsto um estudo de campo, através do qual a equipe poderá investigar
qualquer descoberta que, por telefone, não tenha sido suficiente. Os relatórios com os
dados e as evidências das condições das habitações não são o produto final do
PLAHS, e sim o cruzamento desses dados com os impactos na saúde e as ações que
serão desenvolvidas e implementadas a partir desses resultados com objetivo de
melhorar as condições habitacionais, a saúde e a qualidade de vida da comunidade
selecionada, que é o grande foco.

As diretrizes para elaboração desses planos locais consideram desde os fatores de


infraestrutura, como saneamento e abastecimento de água, controle de pragas,
conforto térmico, efeitos do frio e do calor, densidade populacional no interior das
habitações, exposição ao tabaco, umidade e acessibilidade, até fatores subjetivos
relacionados a território, percepção ambiental, sentimento de segurança e laços
sociais na vizinhança.

As ações implementadas nos PLAHS têm como objetivo o enfrentamento de situações


que impactam negativamente na saúde, com melhorias nas condições das
habitacionais através da elaboração de planos integrados de habitação e saúde para
um determinado território, podendo ser inspiradora para a formulação e
implementação das políticas públicas em outros territórios vulneráveis.
44

2.3. Na América Latina e Brasil


No mesmo debate, a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS) já aponta dois
conceitos fundamentais para a discussão da habitação e saúde no âmbito do território.
O primeiro é a utilização do conceito de “Ambientes Saudáveis”, que incorpora, na sua
definição, saneamento básico, espaços físicos limpos e estruturalmente adequados e
redes de apoio para obter recintos psicossociais sãos e seguros, isentos de violência
(abuso físico, verbal e emocional). Os estudos realizados por pesquisadores da
Organização concluem que a carência e as deficiências nas habitações e a falta de
saneamento constituem-se em fator determinante no aumento de mortalidade e em
característica sistematicamente vinculada aos níveis de pobreza, às condições
socioeconômicas e à iniquidade territorial na América Latina e no Caribe (OPAS,
2011).

O segundo conceito é o de “Habitação Saudável”, que aborda a habitação como um


agente de saúde dos seus moradores, trazendo um enfoque sociológico e técnico para
o enfrentamento dos riscos, tanto na concepção da unidade habitacional quanto na
sua inserção num território. O conceito de Habitação Saudável é introduzido desde o
ato do projeto da habitação, sua microlocalização e construção, estendendo-se ao seu
uso e manutenção.

É um conceito que estabelece seu sentido relacionado com o território geográfico e


social onde está localizada a habitação, pois, ao mesmo tempo em que discute a
importância dos materiais usados para a sua construção, a segurança e qualidade, o
processo construtivo, a composição do seu espaço e a qualidade do seu acabamento,
faz alusão ao contexto periférico global (comunicações, energia, vizinhança) e à
educação sanitária dos seus moradores, sobre os estilos e condições de vida
saudável (OPAS, 2011).

O documento da OPAS (2011) teve contribuição de uma equipe técnica proveniente


de diferentes universidades latino-americanas e foi elaborado em forma de guia para
as autoridades nacionais e locais, tendo como objetivo contribuir nas tomadas de
decisões políticas na área da saúde no contexto da habitação e do desenvolvimento
urbano para a construção de uma maior capacidade de promoção da saúde, qualidade
de vida das populações e o desenvolvimento local integrado das comunidades, por
45

meio da disseminação de estratégias que sejam eficazes e que fortaleçam


continuamente a Rede Interamericana para a Habitação Saudável e suas Redes
Nacionais.

Em sua introdução, o mesmo documento destaca a definição de saúde que é dada


pela OMS como "um completo estado de bem estar físico, mental e social e não
somente a ausência de doença". E, nesse sentido, compreendendo a saúde na ótica
da qualidade de vida, reconhece-se que a habitação é um dos principais
determinantes sociais para a saúde da população, trazendo a preocupação de que as
condições das habitações e dos assentamentos precários, em especial na América
Latina, podem estar afetando a saúde dessas populações.

Desse modo, é indicada a Estratégia da Habitação Saudável como uma maneira


eficaz para promover e proteger a saúde das pessoas dos perigos a que estão
expostas numa habitação. Destaca que a implementação dessa estratégia requer um
forte compromisso político, uma sólida experiência técnica, a colaboração intersetorial
permanente, o enfoque multidisciplinar e um grande nível de participação e ação por
parte da comunidade.

Os oito grandes objetivos trazidos no documento para o desenvolvimento do milênio


e da habitação saudável são:

1. Erradicar a extrema pobreza e ao fome;

2. Atingir o ensino primário para todos;

3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia da mulher;

4. Reduzir a mortalidade infantil;

5. Melhorar a saúde materna;

6. Combater as DSTs/AIDS, a malária e outras enfermidades;

7. Garantir a sustentabilidade do meio ambiente; e

8. Fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento.


46

E para cada um desses objetivos, foram traçadas metas para o desenvolvimento do


milênio.

No enfoque da Habitação como determinante da Saúde na América Latina e no


Caribe, o documento traz uma problematização sobre a precariedade dessas
habitações, destacando as causas em decorrência da pobreza, do desemprego, da
acelerada urbanização, das taxas de migração rural-urbana e a importância da
crescente imigração entre as cidades.

Passando por essa problematização, o trabalho propõe uma análise sobre a relação
Habitação-Saúde, chamando a atenção para a situação da precariedade das
habitações que afeta a saúde das populações ainda na América Latina,
exemplificando com alguns casos, como no adoecimento da população por malária
ou dengue, em que o modo como ocorre o desenvolvimento urbano e a qualidade da
habitação contribui para a proliferação dessas doenças, as quais também estão
associadas a hábitos considerados não saudáveis, à utilização de materiais de
construção precários nas habitações e às condições precárias do entorno. Outro
exemplo é o caso da tuberculose, em que habitações com condições de má ventilação
facilitam a transmissão da doença.

O documento retoma a discussão da OMS sobre o que é uma Habitação Saudável e


destaca que uma Estratégia de Habitação Saudável consiste em fortalecer as
atividades que promovem a saúde das populações mais vulneráveis, minimizando os
perigos e riscos a que estão expostas. Afirma que políticas públicas eficazes para
Habitação e Saúde devem ir além das práticas sanitárias higienistas e assistenciais,
incluindo tanto as condições na habitação quanto o desenvolvimento urbano como
condicionantes para a saúde da população.

No Brasil, as investigações realizadas na década de 1980 evidenciaram a importância


do debate sobre a relação habitação e saúde, como em Taschner (1982). A autora
desenvolve uma ampla pesquisa e análise da evolução histórica de normas e leis
nacionais e internacionais referentes ao tema, indicando as relações entre as
condições da moradia e doenças entéricas, habitação e doenças infecciosas, casa e
acidentes domésticos. Entre outras situações, analisa que a compreensão de uma
47

“casa adequada”3 varia de acordo com o local e o tempo, ou seja, existe uma
dimensão cultural importante. Ao focar na discussão das condições de moradia da
população pobre do município de São Paulo (maior metrópole brasileira),
especialmente a partir da década de 1970, destaca a situação da população carente
que vive nas favelas, mostrando em suas análises que a situação desse tipo de
moradia impacta na saúde pública.

A partir dos anos 1990, ganha destaque no país o movimento das Cidades Saudáveis
e da Habitação Saudável (COHEN et al, 2007), que vem se sustentando pautado nas
diretrizes da Promoção da Saúde e, em parte, na Estratégia de Saúde da Família4,
que é um dos eixos estruturantes da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde
(SUS). O movimento afirma que as intervenções no espaço físico que o transforme
em ambientes mais “saudáveis” irão contribuir para a promoção da saúde da
população. É uma estratégia que, embora proponha alguns avanços no sentido de
integração de políticas de diferentes setores, apresenta fragilidades, especialmente
ao se associar com a Promoção da Saúde, uma corrente da Saúde Coletiva que
também, sem dúvida, trouxe avanços em relação ao cuidado em saúde, mas que
apresenta fraquezas, especialmente ao se fundamentar na produção social da doença
e em modelos teóricos baseados no planejamento instrumental e na epidemiologia,
os quais transformam as práticas em saúde em ações programáticas, prescritivas e
burocratizadas, pois têm fortes ligações com as propostas da Vigilância em Saúde.
Essa última também foi uma corrente da Saúde Coletiva Brasileira da década de 1980
e priorizou a intervenção sobre o coletivo, mas “com pouca potência para abarcar a
complexidade do processo saúde-doença e muito menos as múltiplas dimensões do
sujeito que se fazem presentes no campo da saúde”, de acordo com Carvalho (2005,
p. 119).

3 A expressão foi colocada entre aspas pela autora (TASCHNER,1982).


4 Sobre a Atenção Básica à Saúde e Estratégia da Saúde da Família, ver em: 1 - Ministério da Saúde.
Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. POLÍTICA NACIONAL DE
ATENÇÃO BÁSICA. In: Séries Pacto pela Saúde. Volume 4. Editora do Ministério da Saúde, 2006. 2 –
Política Nacional de Atenção Básica. Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/portaldab/pnab.php>.
48

Esse é um debate presente no campo da Saúde Coletiva, no qual reflexões acerca


dos Modelos5 de Atenção e Gestão em Saúde estão cada vez mais em pauta,
agregando novas dimensões e reposicionamentos referentes à Promoção da Saúde
e à própria Estratégia de Saúde da Família (CUNHA, 2005; CAMPOS; CASTRO,
2004; FRANCO, 1999; MERHY; ONOCKO, 1997), os quais devem ser incluídos na
discussão e análise da relação habitação e saúde.

Isso traz, por exemplo, reflexões acerca da compreensão do conceito de família, que
coloca em questão a forma como vem sendo abordada na Estratégia da Saúde da
Família, propondo um modo de olhar o “indivíduo em relação”, e não o “indivíduo
biológico” isolado, o que se torna mais interessante, pois há de se cuidar para que não
se torne em um fator de exclusão para as pessoas que não têm nesse núcleo
organizado familiar de forma tradicional o seu modo de viver (FRANCO;
MERHY,1999).

Embora desde a década de 1980 já se discutam e se relacionem as condições das


habitações à saúde das pessoas, abordando desde questões referentes ao projeto,
construção, adensamento de pessoas em uma mesma unidade, salubridade até as
condições ambientais, como a infraestrutura urbana, o saneamento, a poluição
ambiental, entre outros (TASCHNER, 1982; REIS, 1989; COHEN 2007; SALDIVA et
al., 2010), também se analisa que tanto as pesquisas quanto as ações em habitação
e saúde têm se desenvolvido ainda de forma fragmentada, situação que, de acordo
com o National Center for Healthy Housing - NCHH, tem dificultado a identificação de
caminhos para melhorias nesse campo problemático (NCHH, 2009).

Quando se trata de populações com maiores graus de vulnerabilidade e risco social,


o provimento das necessidades mais básicas de sobrevivência, como uma moradia
digna, está vinculado à existência, à efetividade e à integração de diversas estratégias
e políticas públicas que possibilitem um desenvolvimento territorial local,
especialmente porque as condições precárias de moradia, na maioria das vezes,

5 Para conhecer mais sobre a aplicação do termo modelo, ver em Carvalho (2005, p. 131), que o define
a partir da conceituação de outros autores da Saúde Coletiva Brasileira como “uma formulação mutante
e provisória que varia no tempo (história) e no espaço (diferenças econômicas, sociais e populacionais)
de acordo com a especificidade dos problemas de saúde existentes”.
49

coexistem com outras formas de privação, como a baixa escolaridade, o desemprego,


doenças por diversas causas, exclusão social, entre outras, tornando-se difícil tomar
as condições da unidade habitacional isoladamente quando se propõe uma análise
do seu impacto na saúde e na qualidade de vida dos moradores.

Dessa forma, são necessárias ações mais articuladas e intersetoriais, através de um


processo de construção compartilhada, em que os diversos setores envolvidos sejam
tocados por saberes, linguagens e modos de fazer que não lhes são usuais, pois
pertencem ou se localizam no núcleo da atividade de cada parceiro. Considera-se que
formulação e implementação de políticas são momentos diferentes, mas inseparáveis
ao se tratar de um processo, no qual a complexa fase de implementação também
alimenta a formulação, afirmando a participação social como um ator fundamental
nesse processo (HEIDMANN, 2010).

É oportuno resgatar que no panorama da habitação no Brasil, especialmente quando


referente aos pobres, também se nota a evidente vinculação entre as condições de
moradia e saúde da população, produto do rápido processo de urbanização que
ocorreu no século XX, principalmente nas regiões onde hoje se encontram as grandes
metrópoles brasileiras. Isso se dando seja com adensamento precário nos cortiços do
início do século e a presença de doenças transmissíveis por vetores como a peste, a
febre amarela ou doenças respiratórias transmitidas pela superlotação, baixa
iluminação e ventilação natural dos ambientes, seja pela segregação socioespacial,
produzida pela expansão periférica a partir da década de 1970, quando a própria
política habitacional induzia a abertura de loteamentos e conjuntos habitacionais
periféricos, nas divisas dos municípios vizinhos (PASTERNAK; LEME, 2010), os quais
serviam de catalizadores para o estabelecimentos de inúmeros assentamentos
irregulares e precários que originaram as favelas e suas condições de moradia
precárias, muitas vezes localizadas nas margens de córregos, em áreas de risco com
insuficiência ou ausência dos serviços mais básicos de infraestrutura urbana, como
abastecimento de água, coleta de lixo, rede de esgoto sanitário.

Ainda de acordo com as autoras, a falta de moradia coexiste com a ociosidade e


subaproveitamento do espaço urbano, ao se constatar pela Pesquisa Nacional de
Amostra por Domicílios (PNAD-IBGE, 2007) que 7,4 milhões de imóveis encontram-
50

se vagos, sendo que aproximadamente 44% deles localizam-se nas regiões Sul e
Sudeste, que são vizinhas (PASTERNAK; LEME, 2010), onde também se encontra
grande parte dos assentamentos precários.

2.4. Habitação e Vulnerabilidade Social em Campinas

Antes de avançar no debate sobre outros dois elementos que compõem o marco
teórico da pesquisa, os conceitos de território e qualidade de vida, é pertinente abordar
de forma breve o panorama da habitação no município de Campinas, uma vez que o
campo de práticas investigativas se realizou em um território de alta vulnerabilidade e
risco social dessa cidade, cujos critérios para seleção são discutidos mais à frente,
assim como o conceito de vulnerabilidade que norteia a discussão. Pois o debate
sobre habitação não se sustenta isoladamente, se não estiver articulado com a
discussão da própria condição urbana, considerando que ela impacta na saúde e
qualidade de vida da população.

O município de Campinas é o principal na região metropolitana entre outros 19


(Americana, Artur Nogueira, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia,
Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Morungaba, Nova Odessa, Paulínia,
Pedreira, Santa Bárbara D'Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e
Vinhedo). Com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) acima de 0,80, é
classificado pela fundação SEADE entre os municípios paulistas com elevado nível
de riqueza e com bons indicadores sociais.

Do mesmo modo, como na maioria das metrópoles brasileiras, apresenta também


elevada concentração de pobreza, desemprego, violência, desigualdade no
desenvolvimento econômico e forte tendência na direção da segregação
socioespacial (CUNHA; JIMENEZ, 2006). Ou seja, coexistem no mesmo espaço
urbano uma parte da população com média, alta e muito alta renda, mas concentrada,
e o maior número absoluto de população pobre e grandes áreas ocupadas por essa
população de baixa renda, em situação precária de vida (PMC, 2011).
51

O Plano Municipal de Habitação de Campinas, aprovado no ano de 2011, ao


apresentar o diagnóstico da situação habitacional de interesse social, indica para o
município um importante caminho ainda a percorrer na direção da universalização do
acesso da moradia digna, da redução do déficit habitacional, do enfrentamento do
processo de segregação socioespacial, da regularização fundiária e erradicação das
moradias impróprias. Aponta, também, que a cidade se caracteriza por uma
urbanização de forma dispersa e de baixa densidade, ao mesclar áreas urbanizadas
e áreas com características rurais, sendo que essas áreas de urbanização dispersas
se localizam de forma prevalente ao longo das rodovias e seus entroncamentos. Além
disso, nessa dispersão há uma variedade de ocupação que está em sintonia com a
dinâmica urbana brasileira, pois

à periferia precária formada no período industrial, soma-se a nova


periferia formada por territórios cada vez mais fechados, destinados
ao comércio regional (shoppings Centers), condomínios de indústrias
e escritórios e os loteamentos e condomínio fechados (PMC, 2011).

Assim, de acordo com o referido plano, a malha urbana de Campinas se compõe de


forma fragmentada e descontínua, apresentando terrenos vazios e ociosos nos bairros
mais afastados, onde o valor da terra é menor e se concentram os conjuntos
habitacionais de interesse social. O que não destoa de certo padrão nacional, que, ao
localizar esses empreendimentos nas áreas mais periféricas e fronteiriças, as quais,
na maioria das vezes, têm no seu entorno grandes glebas rurais, favorece o
isolamento e a baixa acessibilidade dos bairros que ali se constituem, dificultando o
acesso dos moradores aos serviços urbanos básicos e as políticas públicas.

É um cenário que favorece tanto o processo de degradação dos bairros quanto a


privação de uma vida urbana viva, que poderia acontecer na diversidade e animação
das ruas, com usos diversos ou em áreas destinadas ao comércio, como aponta
Freitas (2004), situação desejável no sentido da busca de uma vida com mais
qualidade (FADDA; JIRON, 2003).

A ocupação urbana na RMC vem se caracterizando, desde a


década de 70, como um processo evidente de ocupação periférica.
Se, até 1970, mais da metade da população metropolitana se
concentrava na sede, Campinas, em 2000, o entorno já comportava
60% da população regional. A periferia metropolitana assumiu o
papel de abrigar os grandes investimentos econômicos e também
52

a população migrante, notadamente no eixo da Via Anhanguera. A


ocupação periférica desse período é predominantemente
constituída por conjuntos habitacionais e assentamentos precários,
como favelas e loteamentos clandestinos (PMC, 2011, p. 14).

O padrão para a Habitação de Interesse Social em Campinas se assemelha, assim,


ao cenário nacional em termos de tipologia e localização, com conjuntos isolados em
si e sem ou com baixa conexão com o entorno, sendo que nesse município as
implantações mais recorrentes foram: as casas, os sobrados ou embriões geminados
da COHAB (Companhia de Habitação Popular de Campinas) e os prédios em forma
de “H” do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).

A opção por unidades térreas geminadas requer maior área para implantação no lote
e gera uma ocupação com baixa densidade, favorecendo a procura para instalação
em áreas periféricas, cujo valor da terra é menor. Os conjuntos do CDHU já são
empreendimentos verticais e atingem maiores densidades populacionais, porém com
baixa qualidade no desenho arquitetônico, tanto interior quanto exterior, e, em ambos
os casos, não se valoriza a relação com o entorno e as áreas comuns. E ainda, como
agravante, soma-se também a baixa qualidade da mão-de-obra e dos materiais
empregados na construção com objetivo de diminuir o custo da execução (PMC,
2011).

No diagnóstico desenvolvido para o Plano Municipal de Habitação do Município de


Campinas de 2011, avalia-se que: o investimento público não tem priorizado o
atendimento das situações de maior vulnerabilidade social; as políticas habitacionais
privilegiam a construção de moradias, e não as ações em urbanização e na
regularização fundiária de loteamentos e assentamentos irregulares, sendo este um
dos maiores problemas para a habitação no município.

O indicador de vulnerabilidade social é adotado no referido Plano por ser considerado


mais completo que o indicador de pobreza, e toma como referência uma “escala de
renda e escolaridade dos chefes de família associada a demográficas do chefe familiar
e expressa o risco de uma família cair na situação de pobreza absoluta ou relativa, ou
se manter indefinidamente nela” (PMC, 2001).
53

O conceito de vulnerabilidade social é amplo, mas tem se apresentado como uma


forma para a análise da heterogeneidade espacial apresentada pelas famílias e
domicílios brasileiros, ao procurar ir além dos condicionantes da pobreza, incluindo na
discussão capacidade ou incapacidade à contingência ou ao risco (CUNHA et al.,
2006). Apesar dos estudos recentes a respeito dos movimentos de periferização
alertarem para a dificuldade na distinção entre centro e periferia, pois se encontra no
mesmo espaço urbano, muitas vezes, a coexistência de ricos e pobres, incluídos e
excluídos, os autores consideram um elemento ainda importante quanto às situações
de segmentação socioespacial que é presente na maioria das aglomerações urbanas,
onde os mais pobres ainda se instalam na periferia, desprovida de serviços e até de
“espaços de sociabilidade” (CUNHA et al., 2006, p. 146).

Um dos consensos sobre o conceito de vulnerabilidade social é que


este apresenta um caráter multifacetado, abrangendo várias
dimensões, a partir das quais é possível identificar situações de
vulnerabilidade dos indivíduos, famílias ou comunidades. Tais
dimensões dizem respeito a elementos ligados tanto às
características próprias dos indivíduos ou famílias, como seus bens
e características sociodemográficas, quanto àquelas relativas ao
meio social em que estes estão inseridos. O que se percebe é que,
para os estudiosos que lidam com o tema, existe um caráter
essencial da vulnerabilidade, ou seja, referir-se a um atributo
relativo à capacidade de resposta diante de situações de risco ou
constrangimentos (CUNHA et al., 2006, p. 147).

Ainda na conceituação da vulnerabilidade social, Castel (1997) discute a zona de


vulnerabilidade como de passagem entre uma zona de integração (com trabalho
estável e forte inserção relacional) e a zona de marginalidade ou desfiliação (situação
de ausência de trabalho e isolamento relacional), e que, de acordo com o autor, vai
além das abordagens economicistas, que colocam a pobreza no ápice da
marginalidade, e da técnico-clínica, que recorta as populações-alvo e lhes atribui meios
para proteção social.

A zona de vulnerabilidade, em particular, ocupa uma posição


estratégica. É um espaço social de instabilidade, de turbulências,
povoado de indivíduos em situação precária na sua relação com o
trabalho e frágeis em sua inserção relacional. Daí o risco de caírem
na última zona, que aparece, assim, como o fim de um percurso. É
a vulnerabilidade que alimenta a grande marginalidade ou a
desfiliação (CASTEL, 1997, p. 26).
54

Associada à vulnerabilidade social, Ayres et al (2003) discutem a dimensão


programática da vulnerabilidade, e aborda como as instituições, em especial, as de
educação, saúde, bem-estar social e cultura, atuam como elementos que podem
reproduzir ou até fortalecer as condições socialmente dadas. Os autores questionam
o quanto os serviços de saúde, de educação, entre outros, possibilitam que os
contextos desfavoráveis sejam percebidos e até mesmo superados por indivíduos e
grupos sociais (AYRES et al., 2003)

O debate apresentado acima corrobora a afirmação de que são necessárias políticas


públicas articuladas de modo intersetorial para se produzir aumento nos graus de
qualidade de vida de uma comunidade, o que “implica na existência de algum grau de
abertura em cada setor envolvido para dialogar, estabelecendo vínculos de co-
responsabilidade e co-gestão pela melhoria da qualidade de vida da população”
(CAMPOS et al., 2004).

Além disso, deve ser considerado que não se pode tomar a unidade habitacional
isoladamente, sendo que essas políticas têm sua potência de interferência concreta
aumentada quando se favorece o sentimento de pertencimento e o cuidado das
pessoas com o território que habitam.

Assim, pressupondo a diversidade de conceitos de território e qualidade de vida,


apresenta-se a seguir o viés que interessa e é defendido nesta investigação.

2.5. Território Habitacional

Desde as primeiras discussões sobre habitação e saúde promovidas pela OMS,


observa-se a complexidade do tema e que este não se restringe à unidade
habitacional como abrigo, incluindo, mesmo que, às vezes, de forma reduzida, o
entorno imediato, o saneamento básico até as situações mais abrangentes sociais,
econômicas e políticas.

Assim, é imprescindível tomar como orientação para a discussão o território


habitacional, que, em um sentido ampliado, transcende o espaço restrito à unidade de
moradia, onde se vivenciam desde as situações mais privadas do interior doméstico,
55

avançando no sentido das experimentações coletivas, que acontecem no âmbito dos


grupos, nas relações de vizinhança, na rua, nas esquinas, nas passagens, nos bares,
cafés, restaurantes, espaços que podem tornar-se verdadeiros prolongamentos das
casas. Nesse entendimento, também transformando o viver na vizinhança e no bairro
em uma experiência mais coletiva e mutável, constituindo redes nos encontros e
circulação de afetos que favorecem ou não sentimentos de pertencimento e
apropriação neste território.

Milton Santos (2006) fala do território como um conjunto indissociável, solidário e


também contraditório, de sistemas de objetos e de ações que não devem ser
considerados isoladamente, mas como quadro único no qual a história se dá, numa
relação de forma-conteúdo e tempo.

A cada evento, a forma se recria. Assim, a forma-conteúdo não


pode ser considerada, apenas, como forma, nem, apenas, como
conteúdo. Ela significa que o evento, para se realizar, encaixa-se
na forma disponível mais adequada a que se realizem as funções
de que é portador. Por outro lado, desde o momento em que o
evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha outra
significação, provinda desse encontro. Em termos de significação e
de realidade, um não pode ser entendido sem o outro, e, de fato,
um não existe sem o outro (SANTOS, 2006, p. 66).

E ainda, ao afirmar que o espaço é o lugar do acontecer solidário formado por um


sistema de fixos e fluxos, onde se tem as coisas fixas, os fluxos que se originam
nessas coisas fixas e fluxos que chegam a essas coisas, onde fixos e fluxos interagem
e alteram-se mutuamente, aponta que o espaço ganhou uma quinta dimensão – o
cotidiano. Assim, faz uma abordagem do território para além das geometrias,
destacando o valor das relações sociais, do processo para constituição do espaço,
onde os processos ganham significação quando corporificados. Valorizando a
dimensão do cotidiano que inclui o movimento e as ações, o autor sustenta que “vida
é um produto da Política, a ação que dá sentido à materialidade” (SANTOS, 1994, p.
17).

Guattari e Rolnik (2005) já destacam o que se produz nas relações que se constroem
nesse sistema, onde o território pode ser relativo tanto a um espaço vivido quanto a
um sistema percebido, e no seio do qual o sujeito se sente em casa, no qual se
56

expressam comportamentos, investimentos vividos nos tempos e nos espaços sociais,


culturais, estéticos e cognitivos.

Nessa direção, os autores também afirmam que o território pode desterritorializar-se,


ou seja, abrir-se, engajar-se em linhas de fuga e até sair de seu curso e destruir-se, e
que a reterritorização consistirá em uma tentativa de recomposição desse território
engajado num processo desterritorializante (GUATTARI; ROLNIK, 2005, p. 88).

Haesbaert (2005), ao dialogar com o conceito de desterritorialização e


reterritorizalização de Gilles Deleuze e Félix Guattari, apresentado em Mil Platôs
(DELEUZE; GUATTARI, 1995), defende que habitamos mais de um território, pois é
raro que apenas um seja suficiente para assumir todas as dimensões de uma vida
individual ou de um grupo, ou seja, que o indivíduo vive ao mesmo tempo em seu
“nível”, em nível de sua família, e também de um grupo, de uma nação. Existe,
portanto, um multipertencimento territorial de acordo com o autor.

Modos de perceber e experimentar a cidade e o mundo para além da imagem visual,


possibilitando ser atravessado por outras intensidades que compõem o território, tais
como as redes de relações que se conectam nos encontros, nas esquinas, nas
calçadas, no bar, no jogo de futebol. E é esse viés que interessa agregar ao pesquisar,
intervir e propor que sejam construídas coletivamente estratégias que contribuam no
aumento dos graus de qualidade de vida de uma comunidade. Destacando, nessa
situação, a importância da participação das pessoas que vivenciam esses espaços no
processo de criação, discussão e decisão sobre as ações que neles acontecem e
interferem nos modos de vida da comunidade, entendo que assim se produz saúde,
subjetividade, redes, conexões, mundos.

Em Caosmose (1992), Félix Guattari destaca o risco da padronização nas cidades


contemporâneas e da serialização, citando Sartre, como ameaças potenciais para
paralisia da dimensão criativa, e afirma que a vida de cada um é única e que se faz
necessário o resgate da “Cidade Subjetiva”, que engaja tanto os níveis mais
singulares de cada pessoa quanto os coletivos. E assim, os urbanistas não poderão
mais definir as cidades somente em termos espaciais, mas também no cruzamento
com as questões econômicas, sociais, políticas e culturais.
57

As cidades são imensas máquinas [...] produtoras de subjetividade


individual e coletiva. O que conta com as cidades de hoje, é menos
os seus aspectos de infraestrutura, de comunicação, de serviço do
que o fato de engendrarem, por meio de equipamentos materiais e
imateriais, a existência humana sob todos os aspectos em que se
queira considerá-las. Daí a imensa importância de uma
colaboração, de uma transdisciplinaridade entre os urbanistas, os
arquitetos e todas as outras disciplinas das ciências sociais, das
ciências humanas, ecológicas etc. (GUATTARI, 1992, p. 172).

Para o autor, os meios de criação de novas formas de vida e novos valores sociais
em um território estão ao alcance das mãos, porém necessitam de vontade política
para assumir as transformações, sendo condição para que essa mudança aconteça a
tomada de consciência de que é possível e necessário mudar o estado das coisas,
afirmando que as transformações desses territórios só são possíveis se
experimentadas novas formas de habitat, através da experimentação de um novo
urbanismo e não somente por meio leis e normas pré-estabelecidas.

Essa transformação, necessária muitas vezes para que se aumentem os coeficientes


de qualidade de vida em um determinado território, passa por processos de
desterritorização e reterritorialização constantes, que, de certo modo, de acordo com
Guattari (1992), demandam uma “apreensão transversalista da subjetividade” ao se
articular pontos de singularidade - como a configuração particular de um determinado
terreno às dimensões existenciais específicas; como um espaço determinado visto por
uma criança ou um deficiente, e às transformações que denomina de funcionais
virtuais, dando como exemplo as inovações pedagógicas. Tudo isso ocorre ao mesmo
tempo, coexistindo com a assinatura de um criador – o arquiteto e urbanista. Ou seja,
são construções de objetividades e subjetividades na composição de um território que
não deveriam ficar ao sabor do mercado imobiliário.

Daí a complexidade da posição do arquiteto e urbanista, para o autor, poder ser


apaixonante, desde que leve em conta suas responsabilidades éticas, estéticas e
políticas ao lidar com o paradoxo contemporâneo onde tudo circula – a música, os
slogans, os turistas, os chips de informática -, ao mesmo tempo em que tudo é
ameaçado pela paralisia nos espaços padronizados, quando os “turistas fazem
viagens quase imóveis, sendo depositados no mesmo tipo de cabine de avião, de
quartos de hotel e vendo desfilar diante de seus olhos paisagens que já encontraram
58

cem vezes em suas telas de televisão, ou em prospectos turísticos” (GUATTARI,


1992, p. 169).

A arquitetura como a arte de produzir espaços habitáveis e territórios vivenciais está


intimamente ligada à vida cotidiana, sendo produzida por e para pessoas e, assim,
deve estar o tempo todo aberta a novas composições, à criação e à invenção de novas
possibilidades de vida num território que se cria e habita. Deleuze (1994, p. 52) afirma
que na “base da arte, há uma idéia ou um sentimento muito vivo [...] e que o artista é
quem libera uma vida potente, uma vida mais do que pessoal”.

O arquiteto e urbanista, nessa situação, não pode ser meramente um pesquisador-


observador; deseja-se que seja um errante urbano aberto às interferências do
território, que se deixa afetar pelas formas de apropriação e reinvenção do espaço de
quem o habita, experimentando e vivenciando conjuntamente o território.

Para Jeudy e Jacques (2006), o errante urbano vai além da questão do andar, na
direção de quem busca chegar na experiência do percurso.

O estado de espírito errante pode ser cego, já que imagens e


representações visuais não são mais prioritárias para a experiência.
Para o errante, são sobretudo as vivências e ações que contam, as
apropriações com seus desvios e atalhos, e estas não precisam
necessariamente ser vistas, mas sim experimentadas, com todos
os outros sentidos corporais. A cidade é lida pelo corpo e o corpo
escreve o que poderíamos chamar de uma corpografia. A
corpografia seria a memória urbana no corpo, o registro de sua
experiência da cidade (JEUDY; JACQUES, 2006, p. 119).

Os urbanistas, assim, indicam os espaços e seus possíveis usos, mas é na vida


cotidiana, na experimentação, na vivência que esses espaços urbanos são
atualizados e se configuram em territórios vivenciais. Para Jacques (2012), são as
apropriações e as improvisações dos espaços que legitimam ou não aquilo que foi
projetado, sendo tais vivências e apropriações feitas no uso, com seus desvios,
atalhos e pontes, que não necessariamente precisam ser vistas como um cenário,
mas sim experimentadas com outros sentidos corporais.

Essa definição de um território que se habita, vivencia, experimenta é a que mais se


aproxima do viés que a pesquisa pretende, ao discutir, problematizar e construir novas
possibilidades para aumentos nos graus de qualidade de vida em Territórios
59

Habitacionais de Interesse Social. Assim, se afirma certo coeficiente de qualidade de


vida, pois, ao incluir dimensões que são objetivas e subjetivas, individuais e coletivas,
esses graus são variáveis e relativos, dependendo das situações que irão se
construindo.

2.6. Qualidade de Vida


O conceito de qualidade de vida se apresenta sob as mais diferentes compreensões,
seja pelo olhar das ciências, do senso comum, do ponto de vista objetivo e subjetivo,
no sentido do indivíduo e do coletivo. E, num sentido mais ampliado, deve ir além de
uma qualidade de vida em saúde focada no viver sem doenças e na superação de
condições de morbidade (MINAYO, 2002).

Um estudo realizado pela Comission Architecture and the Built Environment (CABE,
2009), ao falar de qualidade de vida, defende a inter-relação entre saúde, bem-estar
e sustentabilidade, considerando que um bom projeto, ao incluir essas variáveis, tem
maiores chances de contribuir para o desenvolvimento e qualificação territorial. O
estudo afirma que é fundamental os gestores de políticas públicas identificarem onde
estas podem fazer a diferença num território e como as intervenções podem ocorrer
em relação a aspectos dos edifícios, do bairro e da cidade, sugerindo como principais
diretrizes a elaboração de planos concebidos para longo prazo, que contemplem
infraestrutura de apoio verde e rede de transporte mais sustentável, assim como a
integração de políticas públicas e, em âmbito local, das ações e serviços de saúde
com a comunidade.

Com as mudanças em torno do conceito de saúde, relacionando-a a certa


compreensão de que não se trata apenas da cura de doenças, sem negligenciar a
importância dessas ações curativas também, de acordo com a CABE (2009), a boa
saúde é efeito de uma série de fatores, muitos deles ligados à qualidade, à
acessibilidade e à sustentabilidade do nosso ambiente físico.

Por exemplo, em relação à criação de espaços públicos que oportunizam a realização


de atividades físicas e que, de acordo com as pesquisas que fundamentam os estudos
dessa comissão e outras evidências já discutidas (WHO, 2011; NCHH 2009), a
60

atividade física regular e moderada contribui para a diminuição das chances de


doenças do aparelho circulatório, prevenindo os agravos cardiovasculares, assim
como podem ser bem-sucedidas no tratamento da depressão, ao oportunizar o bem-
estar mental, o alívio do estresse, superando situações de isolamento, aumentando a
coesão social e aliviando diferentes problemas físicos.

São situações que interferem no cotidiano da vida e no trabalho das pessoas para que
menos dias sejam perdidos devido aos problemas de saúde. Nesse sentido, ações no
ambiente construído que possibilitem atividades físicas em espaços públicos com
segurança são a base para impactos positivos dos projetos de arquitetura e urbanismo
nos graus de qualidade de vida das pessoas nas cidades.

Outra situação preocupante que é discutida no estudo da CABE (2009) refere-se à


emissão no meio ambiente de poluentes que contribuem para o agravo ou
aparecimento de doenças, em especial, as respiratórias e alérgicas, que também
podem ser minimizadas com estratégias de intervenção no espaço físico nas cidades,
como planos de mobilidade e ocupação urbana que incentivem e possibilitem a
diminuição do uso do automóvel individual, o aumento dos deslocamentos através de
transportes coletivos, bicicletas e caminhadas.

O relatório desenvolvido a partir do referido estudo discute diretrizes para que projetos
de arquitetura e urbanismo sejam catalizadores de mudanças e contribuam para a
qualidade de vida nas cidades. A primeira diretriz apontada é a necessária atenção à
escala do projeto, assim como às estratégias de integração das diferentes escalas do
edifício, do bairro, da cidade.

Todas as diretrizes da CABE (2009) apontam pistas importantes para que


intervenções da arquitetura e urbanismo na sua intercessão com a saúde contribuam
para o aumento nos graus de qualidade de vida de uma comunidade. No entanto,
essas ações terão sua potência aumentada se tiverem valor de uso para as pessoas
e elas se sentirem pertencentes aos seus territórios. Assim, retoma-se a hipótese da
necessária conexão entre o que fazer, como fazer e com quem fazer, pois há
também a dimensão subjetiva que interfere na composição do território vivencial,
considerando que mesmo o o que fazer não é dado a priori, devendo também ser
produto de uma construção coletiva e singular em cada território.
61

Fadda e Jiron (2003) discutem que a qualidade de vida é uma construção social que
se relaciona com outros dois componentes, o meio ambiente e o gênero, sendo
resultante de fatores objetivos e subjetivos que afetam o bem-estar das pessoas, os
quais, para as autoras, estão relacionados também com as expectativas, a satisfação
e a felicidade de um povo. Nessa linha de entendimento, é de difícil definição e
medição, pois as pessoas percebem os problemas e suas possíveis soluções a partir
de diferentes pontos de vista, assim como os sentimentos de satisfação e felicidade
são percebidos de diferentes formas pelas diferentes pessoas, a partir de suas
experiências de vida, sexo, idade, cultura, etnia, religião, entre outros.

Nesse sentido, para uma boa qualidade de vida são necessários, entre outras coisas,
a disponibilidade e o acesso à infraestrutura social e pública para o bem comum, em
um ambiente sem grandes danos e contaminação. Qualidade de vida e qualidade
ambiental, embora coexistam, não são idênticas, pois há elementos de felicidade que
são subjetivos e singulares para cada pessoa, ou seja, há pessoas que são felizes
mesmo nas piores condições ambientais.

Fadda e Jiron (2003), ao debater a relação entre a Qualidade de Vida e a


Sustentabilidade Urbana, supõem a existência de condições ecológicas necessárias
para sustentar a vida humana em um certo nível de bem-estar agora e para gerações
futuras, em que se garanta a capacidade de manter benefícios para as pessoas no
tempo, o que é impossível se o meio ambiente é degradado. As autoras defendem
que a qualidade de vida é algo mais do que padrões de vidas, pois abarca todas as
necessidades e desejos para uma vida cotidiana.

Nobre (1995, p.299), ao definir o conceito de qualidade de vida, faz a seguinte


elaboração:

É o tempo de trânsito e as condições de tráfego, entre o local de


trabalho e de moradia. É a qualidade dos serviços médico-
hospitalares. É a presença de áreas verdes nas grandes cidades.
É a segurança que nos protege dos criminosos. É a ausência de
efeitos colaterais de medicamentos de uso crônico. É a realização
profissional. É a realização financeira. É usufruir do lazer. É ter
cultura e educação. É ter conforto. É morar bem. É ter saúde. É
amar. É, enfim, o que cada um de nós pode considerar como
importante para viver bem. A qualidade de vida é um dos principais
objetivos que se tem perseguido nos ensaios clínicos atuais.
62

Em se tratando da vida cotidiana nos Territórios Habitacionais de Interesse Social, o


conceito que é adotado se aproxima de certa compreensão de produção saúde como
“um processo e ou estado em que indivíduos e coletivos tenham o máximo de
capacidade para viver a vida de maneira autônoma, reflexiva e socialmente solidária”
(CARVALHO, 2005). Onde, produzir saúde significa, em muitos momentos, produzir
sujeitos individuais e coletivos, tendo, como pano de fundo, a construção da cidadania.

Nesse sentido, o modo como as ações emergem nos territórios é o diferencial para
potencializá-las ou não, pois estar com saúde não representa a mesma coisa para
todas as pessoas, dependendo do lugar, época, classe social e valores culturais
(SCLIAR, 2007).

Os conceitos de saúde e de doença são analisados em sua evolução histórica e em


seu relacionamento com o contexto cultural, social, político e econômico,
evidenciando a evolução das ideias nessa área da experiência humana.

A definição de Carvalho (2005) possibilita apontar que a participação das pessoas que
vivem em determinado território em uma relação de coprodução de análises e ações
é estratégica para avanços e transformações nesse território e requer um
agenciamento das forças que perpassam os campos da arquitetura, urbanismo e
saúde coletiva, pois estas interferem de diferentes modos e são produtoras de espaço,
saúde e subjetividades em um território, sendo todos vetores que potencializam ou
não o aumento nos graus qualidade de vida.

Dessa forma, em uma pesquisa-intervenção que se desenvolve orientada pela


intercessão arquitetura e saúde a partir da afirmação de um método de coprodução
como potente na criação de estratégias para o aumento nos graus de qualidade de
vida em um Território Habitacional de Interesse Social, é fundamental que a definição
da sua metodologia esteja em sintonia com as apostas e afirmações nela defendidas.
Nesse sentido, o método adotado para guiar a pesquisa é a Cartografia.
63

3. MATERIAIS E MÉTODOS

O encontro com diferentes autores e as aproximações com o campo problemático


provocaram a decisão pelo método da Cartografia para esta pesquisa-intervenção,
uma vez que se partiu do pressuposto de um percurso criativo em um território que já
é habitado, no qual os instrumentos e as formas de atualização do método irão se
construindo no decorrer do percurso, a partir das pistas que o compõe, no encontro
da pesquisadora com as múltiplas vozes que emergem no território - a dos moradores,
dos trabalhadores da saúde, a das agentes comunitárias, entre outras.

Esse posicionamento metodológico foi se afirmando nas incursões prévias realizada


no campo de experimentação adotado para dialogar com o marco teórico da pesquisa,
a Vila Esperança, em especial, por se mostrar um modo de pesquisa-intervenção
permeável aos diferentes movimentos sensíveis e vozes que compõem os territórios,
as redes que os constituem, as relações de poder e, fundamentalmente, as relações
políticas6, que são indissociáveis da vida.

A Cartografia é um método inicialmente formulado por Gilles Deleuze e Félix Guattari


(DELEUZE, 1995), que, por não se apresentar como um método pronto, e sim indicar
a direção com pistas ao ser praticado (PASSOS; BARROS, 2009), possibilita a criação
de um percurso no próprio decorrer da pesquisa, de uma coprodução, de “fazer com”,
e não o “fazer sobre”. A realidade pesquisada tem um lugar, um território de onde se
emerge, e que pode ser transformada no decorrer do caminhar, à medida que o
percurso vai ganhando corpo e se configurando em uma pesquisa-intervenção.

A construção desse processo de Pesquisa-Intervenção pressupõe a inclusão do


“como fazer” em conexão com o “que fazer” e “com quem fazer” no próprio processo
de pesquisa. No entanto não basta “dar voz” para que os participantes exerçam seus
protagonismos; é preciso a criação e experiência de um plano comum (PASSOS;
KASTRUP, 2013), e faz toda a diferença o modo como o processo é conduzido. Desse

6 Sobre a política: “toda ação humana tem um componente político, na medida em que repercute na
vida dos outros. E que até mesmo a omissão na atividade política é uma forma de dela participar, uma
vez que corresponde a uma aceitação acrítica de decisões que venham de cima ou das coisas tais
como são” (WHITAKER, 2005, p. 207).
64

modo, a condução metodológica da pesquisa se guia por pistas, tal como


apresentadas em Passos et al. (2009): (i) A Cartografia como método de pesquisa-
intervenção; (ii) O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo; (iii)
Cartografar é acompanhar processo; (iv) Movimentos-funções do dispositivo na
prática da cartografia; (v) O coletivo de forças como plano da experiência cartográfica;
(vi) Cartografia como dissolução do ponto de vista do observador; (vii) Cartografar é
habitar um território existencial; (viii) Por uma política da narratividade.

A Cartografia como método de pesquisa-intervenção supõe um modo de trabalho do


pesquisador que não é prescritivo, ditado por regras e normas rígidas e pré-
estabelecidas, sendo no encontro e no decorrer do percurso que as diretrizes vão se
criando e transformando. Isso não significa que se “trata de uma ação sem direção”,
pois a cartografia tem uma orientação, porém se propõe uma inversão na forma
tradicional de pesquisar ao afirmar um “hódos (caminho, direção) – metá (reflexão,
verdade)” (PASSOS; BARROS, 2009, p. 17). Ou seja, consiste em uma aposta na
experimentação, em um método para ser experimentado, e não aplicado.

Outra pista que é tomada como guia para essa pesquisa é a Cartografia que
acompanha processos, entendendo processo como processualidade e que o “território
carrega uma espessura processual que impede que este seja um simples meio
ambiente composto de formas a serem representadas ou de informações a serem
coletadas” (BARROS; KASTRUP, 2009, p. 58) e que, como cartógrafos
pesquisadores, lançamo-nos como estrangeiros em um território que vai sendo
explorado, escutado, onde os dados vão sendo produzidos no encontro com os que o
habitam. Isso não quer dizer que tudo vale, não significa um relaxamento, mas uma
disposição afetiva para esse encontro: “Essa atitude, que nem sempre é fácil no início,
só pode ser produzida através da prática continuada do método da cartografia e não
pode ser aprendida nos livros” (BARROS; KASTRUP, 2009, p. 57).

O ato de pesquisar não se separa do intervir quando se entende a pesquisa como


processo onde os dados são coproduzidos a partir do encontro, sendo essa uma
direção que fortalece a aposta na intercessão dos saberes da arquitetura e da saúde
como potencializadoras de mudanças, em que se afirmam as especificidades de cada
saber, atuando em uma relação de interferência para a produção de um plano comum.
65

Ou seja, considerou-se a importância do saber do arquiteto, do médico, do enfermeiro,


dos agentes comunitários e dos demais trabalhadores da saúde e moradores, entre
outros, no processo de discussão e decisão sobre as condições de moradia e
propostas de ações e intervenções, no sentido da qualidade de vida para as pessoas
que habitam a Vila Esperança.

A defesa de que toda pesquisa é intervenção exige do cartógrafo


um mergulho no plano da experiência, lá onde conhecer e fazer se
tornam inseparáveis, impedindo qualquer pretensão a neutralidade
ou mesmo a suposição de um sujeito e de um objeto cognoscentes
prévios a relação que os liga (PASSOS; BARROS, 2009, p. 30).

Na fase exploratória, foram realizadas visitas ao bairro acompanhadas de agentes


comunitárias de saúde, de lideranças de bairro e, em determinado momento, de
alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da UNICAMP, os quais realizaram, no decorrer da disciplina de teoria e projeto7,
propostas de intervenções para o local, momento em que foram observadas inúmeras
precariedades no território, tanto no âmbito das unidades habitacionais quanto do
bairro, que interferem na saúde e qualidade de vida da população.

O contato prévio com o território na fase exploratória foi decisivo para selecioná-lo
como possível plano de práticas de pesquisa-intervenção, à medida que foram
acontecendo conversas e encontros com moradores e agentes comunitários. Ao
mesmo tempo, dados de saúde foram disponibilizados pela equipe do Centro de
Saúde São Marcos, e evidenciaram a ocorrência de doenças que, na literatura
estudada, remetem a relações com as condições de moradia e do território que se
habita, tais como: doenças mentais; uso abusivo de álcool e outras drogas; doenças
respiratórias, entre elas, as alergias e dermatites em crianças e adultos; doenças
cardiovasculares, como hipertensão e diabetes em adultos; e obesidade adulta e
infantil.

Também se observou que a equipe do Centro de Saúde São Marcos mantém fortes
relações com a população usuária, sendo este um espaço reconhecido e pertencente

7 AU 134/014 Projeto de Interesse Social, ministradas pelas docentes Silvia Mikami G. Pina e Ana Goés
Monteiro.
66

à comunidade com grande potencial de interferência no território. Dessa forma, na


condução desta pesquisa-intervenção se propôs a realização do campo através de
percursos e oficinas de ambiência para cartografia do território. As oficinas se
desenvolveram em um espaço coletivo já consolidado na comunidade - o grupo de
hipertensos e diabéticos, que acontece semanalmente no Centro de Saúde.

3.2. O campo de práticas: A Vila Esperança

A Vila Esperança é uma área de habitação de interesse social considerada no Plano


Municipal de Saúde de Campinas (2010-2013) como de muito alto risco e
vulnerabilidade social. Localiza-se nas proximidades de dois grandes eixos
rodoviários, a Rodovia Dom Pedro I, com a qual praticamente faz divisa, e a Rodovia
Anhanguera, estando ao norte do Jardim São Marcos (figuras 2 e 4), em uma área
urbanizada na fronteira com a zona rural do município de Campinas.

De acordo com o Plano Diretor Municipal de 2006, ainda em vigência (Figura 3), é
parte da Macrozona 9, implantada às margens do Córrego da Lagoa, que faz parte da
Bacia do Ribeirão Quilombo. Está próxima a duas importantes universidades, a
Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Universidade Estadual de Campinas,
e de um grande centro de abastecimento, o CEASA Campinas.

A distância da Vila Esperança ao centro de Campinas é de aproximadamente 10,2 Km


e o tempo de deslocamento de carro de 20 minutos, já de ônibus ultrapassa 60
minutos. Está a 8 Km da UNICAMP, no entanto, o deslocamento que de carro não é
mais que 15 minutos, de ônibus chega a 1 horas e 30 minutos, devido a malha e
trajetos dos ônibus.
67

Figura 2 - Localização da Vila Esperança no Município de Campinas e distâncias de


principais pontos de referência construídos pela autora a partir do mapa base.

Fonte: A partir de SEPLAMA – Campinas/SP. Plano Diretor. Mapa 4, p 309.


68

Figura 3 - Macrozona 9. Principais vias, hidrografia e Localização da Vila Esperança.

Fonte: SEPLAMA – Campinas/SP. Plano Diretor 2006. Disponível em:


http://www.campinas.sp.gov.br/arquivos/seplama/macrozonas/MZ9.
69

Figura 4 – Foto aérea com a localização da Vila Esperança (em amarelo), na região
norte de Campinas.

Fonte: A partir da Emplasa

O loteamento da Vila Esperança foi planejado no Programa de Combate a Enchentes


(PROCEN), com recursos provenientes do Banco Mundial a partir de 1996, e teve o
objetivo de reassentar populações que viviam em áreas de risco de enchentes. Nesse
contexto, a maioria dos moradores da Vila Esperança foi reassentada da ocupação
que se localizava à margem do córrego da Lagoa e de outras áreas de risco e
ocupações das regiões norte e leste de Campinas.

No ano de 1998, foram entregues os primeiros 562 lotes urbanizados, e,


posteriormente, de 2004 a 2007, foram construídas 374 unidades habitacionais pela
Companhia de Habitação de Campinas (COHAB), totalizando 1.169 habitações em
2010, as quais contaram também com recursos do Programa de Subsídios à
Habitação de Interesse Social (PSH) para seu financiamento. Atualmente, incluindo
70

uma pequena parte de apartamentos recém construídos, o número habitações chega


a 1324, segundo os dados do senso de 2010 do IBGE. A implantação do loteamento
faz limites com a Fazenda Santa Genebra, Rodovia D. Pedro I e Córrego da Lagoa,
conforme mapa na Figura 5.

Figura 5 – Loteamento Vila Esperança: Uso e Ocupação do Solo.

Fonte: Levantamento in loco.


71

Figura 6 – Planta do Loteamento Vila Esperança.

Fonte: COHAB – Campinas.


72

Inicialmente não havia saneamento básico na Vila e o abastecimento de água se fazia


por poço artesiano. Atualmente, o local possui água, luz, saneamento e não estava
prevista a pavimentação no projeto e decreto do loteamento. O pavimento asfáltico
ainda é periférico (Figura 7), ocorrendo apenas no trajeto do ônibus nas ruas Bergson
Gurjão Farias (2), em parte da rua Uriassi de Assis Batista (3), em uma quadra da rua
André Grabois (1), no acesso à creche, nas ruas Antonio Carlos M. Teixeira (6) e Cilon
da Cunha Brum (7). O ônibus circula até o final da rua Uriassi de Assis Batista, seno
que uma parte dela (4) encontra-se em obras de pavimentação, que se iniciaram em
fevereiro de 2015.

Figura 7 – Identificação do trajeto do ônibus e ruas asfaltadas

Fonte: Produção gráfica da autora


73

O projeto das unidades habitacionais entregues pela Companhia de Habitação de


Campinas seguiu o padrão dos chamados embriões do Programa de Combate às
Enchentes - PROCEN e apresentava área física de 25m². Esses embriões eram
compostos por um ambiente destinado à cozinha, um banheiro e outro ambiente de
quarto e sala conjugados.

A maior parte das habitações foi entregue na tipologia dos embriões de 25m², mas
também foram construídas duas outras tipologias: a casa de dois dormitórios e uma
pequena parte de sobrados com dois dormitórios implantados. Os embriões, as casas
e os sobrados estão implantados de forma geminada no lote. A Figura 9 mostra uma
planta e um corte dos embriões disponibilizados pela Companhia de Habitação de
Campinas, e a Figura 10 mostra a planta das casas de dois dormitórios, cujo
levantamento foi realizado in loco por não ter sido encontrado esse material nas bases
oficiais.

A proposta da construção dos embriões já é como o próprio nome diz, a de um espaço


a partir do qual desenvolver-se-ão ampliações para que se transforme em uma casa,
tanto na concepção física dos ambientes necessários para abrigar as pessoas quanto
de ordem social e subjetiva, da vida.

Um problema é identificado já na proposta original dos embriões, que propõe a


integração sala e quarto, ou seja, haver, no mesmo ambiente, as funções dormir e
estar, o que poderia comprometer a privacidade dos moradores. A planta expressa
certa intencionalidade de que esse quarto e sala conjugados se transformasse em
sala, construindo-se os quartos na sequência dos ambientes, de acordo com a lógica
de organização espacial das casas de dois quartos, apresentada também como um
parâmetro para ampliação. Porém, observa-se que, em diferentes situações, a
cozinha original é transformada mais em quarto do que continua funcionando como
cozinha, principalmente nos casos de ampliação.
74

Figura 8 - Esquema de implantação dos embriões e das casas de 2 dormitórios.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.


75

Figura 9 - Planta e corte dos embriões na configuração geminada que foram


implantados.

Fonte: A partir de planta da COHAB – Campinas/SP.


76

Figura 10: Planta de casa com 2 dormitórios geminada.

Fonte: Levantamento da pesquisadora, a partir da planta do embrião.


77

O empreendimento contou com o apoio do Projeto de Eficiência Energética da


Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), que dou 1.104 aquecedores solares para
as casas da Vila Esperança (Figura 118).

Figura 11 - Aquecedores solares instalados nas casas.

Fonte: fotografia da autora.

Pelos dados do Censo de 2010 do IBGE, na Vila Esperança residem


aproximadamente 4.300 pessoas nas 1324 unidades residenciais, com uma renda
média per capita de R$ 448,55/mês.

A Vila Esperança está na área de abrangência do Centro de Saúde (CS) São Marcos,
que se organiza de acordo com a Estratégia da Saúde da Família (ESF) no âmbito da
Atenção Básica à Saúde, na qual, de acordo com as recomendações do Ministério da
Saúde, cada equipe deve ser referência para aproximadamente 4.000 pessoas. A
Equipe Amarela do Centro de Saúde São Marcos é a referência para a população da
Vila e deve ser composta minimamente por médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de
enfermagem e agentes comunitários de saúde, podendo ser acrescentados a essa
composição os profissionais de saúde bucal. A equipe realiza os atendimentos no

8 A localização de todas as fotografias realizadas pela autora se encontram mapeadas no Anexo 3.


78

Centro de Saúde São Marcos e, como preconizam as diretrizes da ESF, organiza as


visitas domiciliares e ao território.

A distância do início da Vila Esperança ao Centro de Saúde é de aproximadamente


1,0 km, conforme indicação na Figura 12, no percurso indicado do ponto A (Centro de
Saúde São Marcos) ao ponto B (Vila Esperança), sendo a máxima (C) de
aproximadamente 2,5 km.

Figura 12 - Distâncias da Vila Esperança ao Centro de Saúde São Marcos.

Fonte: http://maps.google.com.

Foi realizado um levantamento prévio dos Indicadores de Saúde, assim como das
condições de vulnerabilidade e risco social disponíveis nas bases oficiais do Município
de Campinas/SP, para integrar o mapeamento inicial das condições de vida e saúde
do território em estudo, iniciando-se com a delimitação da área de abrangência do
Centro de Saúde São Marcos, conforme indicada na Figura 13.

Em seguida, são mostrados nas figuras de 15 a 18 diferentes dados e indicadores que


evidenciam o grau de vulnerabilidade de risco do território, os quais foram usados
como base para a conversa em relação as condições de habitação, saúde e qualidade
de vida no território durante a realização das Oficinas I e II e, de modo geral, nas
discussões e análises dos resultados e efeitos produzidos na pesquisa.
79

Figura 13 - Distritos de Saúde do Município de Campinas, com indicação da área de


abrangência do Centro de Saúde São Marcos.

Fonte: Plano Municipal de Saúde 2010/2013, produção gráfica da autora.


80

A imagem a seguir indica a localização do Centro de Saúde São Marcos (vermelho)


em relação ao Loteamento Vila Esperança (amarelo).

Figura 14 - Localização do CS São Marcos, na sua área de abrangência e da


Vila Esperança.

Fonte: Base em Autocad do Município de Campinas. Produção gráfica da autora.


81

3.3. O Território: vulnerabilidade e risco

O principal fator que influenciou para a seleção da Vila Esperança como campo desta
pesquisa-intervenção, além da característica de ser um loteamento projetado para
Habitação de Interesse Social, foi a sua inserção no mapa de Vulnerabilidade Social
como de Muito Alta Vulnerabilidade, tendo no seu entorno imediato áreas de muito
baixa vulnerabilidade, como se observa na Figura 15. Ou seja, trata-se de um território
de muito alta vulnerabilidade deslocada das regiões sul, sudoeste e noroeste, onde
essa característica é mais homogênea, variando entre alta e muito alta
vulnerabilidade.

Figura 15 – Mapa de Vulnerabilidade Social.

Fonte: Plano Municipal de Saúde. Campinas, 2010/2013. Produção gráfica da


autora.
82

No mapa apresentado no Plano Municipal de Habitação de Campinas, a partir das


bases da Fundação Seade para compor o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social –
IPVS, também se indica a Vila Esperança como de Muito Alta Vulnerabilidade (Figura
16).

Figura 16 – Índice Paulista de Vulnerabilidade Social.

Fonte: Plano Municipal de Habitação. Campinas, 2006. Produção Gráfica da autora.


83

Os mapas representados nas Figuras 17 e 18 evidenciam que o território em estudo


possui áreas que vão de média a alta violência, considerando o número de homicídios
por residência, ressaltando que está entre as duas únicas regiões que apresentaram
maior índice de homicídios nos anos de 2003 – 2004 e que esse índice sofreu uma
queda em 2006-2007.

Figura 17 - Homicídios por Residência.

Fonte: PMC-SMS –UNICAMP/FCM/DMPS/Centro Colaborador para Análise de


Situação de Saúde. 2003-2004
84

Figura 18 - Homicídios por Residência.

Fonte: PMC-SMS –UNICAMP/FCM/DMPS/Centro Colaborador para Análise de


Situação de Saúde. 2006-2007
85

3.4. Indicadores gerais de saúde

A Dengue é uma doença cuja disseminação é diretamente relacionada às condições


do ambiente, uma vez que é transmitida pelo mosquito Aedes Aegypt, cujo habitat
natural para proliferação é a água acumulada, especialmente no lixo jogado na via
pública ou acumulado de forma inadequada, nas caixas de água destampadas e nos
entulhos, situação recorrente e visível no território em estudo (Figura 19).

Figura 19 - Imagem de área na margem do córrego com lixo e entulho acumulados.

Fonte: Fotografia in loco da autora.


86

O município de Campinas tem apresentado, nos últimos anos aumento, significativo


na epidemia da dengue, de acordo com o balanço disponibilizado pelo Departamento
de Vigilância em Saúde. No ano de 2015, nos meses de janeiro a abril, foram
notificados 30.324 casos, sendo que os bairros na área de abrangência do Centro de
Saúde São Marcos estão entre os mais atingidos.

Figura 20 - Tabela com Casos de Dengue confirmados em Campinas no período de


1998 a 2015.

Fonte: SINAN ON LINE – DEVISA/Campinas.


87

Figura 21 - Mapa da Dengue no Município de Campinas 2010. Área de abrangência


do CS São Marcos com alta incidência.

Fonte:http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/vigilancia/informes/InformeDengueOutu
bro2010.pdf
88

O gráfico abaixo, produzido a partir dos dados disponibilizados pela Secretaria


Municipal de Saúde de Campinas, mostra que a área onde a pesquisa se inseriu
possuiu coeficiente de incidência de dengue de 10-50 casos cada 100.000 habitantes
e que no ano de 2013 foram notificados 386 casos da doença, estando o Centro de
Saúde São Marcos entre os que produziram os maiores números de notificações. No
entanto, o mapa apresentado no ano de 2014 demonstra que essa área não está mais
entre as que apresentam maior epidemia.

Gráfico 1- Centros de Saúde com maior número de Casos de Dengue Notificados em 2013 no
Município de Campinas.

Fonte: Coordenadoria de Informação e Informática. DEVISA - Secretaria Municipal de Saúde de


Campinas. Atualizado em 10/04/2014. Produção gráfica da autora. Disponível em:
http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/.
89

A Figura 22 mostra que a incidência de tuberculose nos anos de 2008 a 2012 foi alta
e muito alta. E que, a incidência de hanseníase (Figura 23) ainda é considerada alta
na região de estudo.

Figura 22 - Mapa da Tuberculose, 2008 a 2012.

Fonte: PMC-COVISA ,Vigilância em Saúde, Mapa Tuberculose: 2008 a 2012.


Disponível em: http://2009.campinas.sp.gov.br/saude.
90

Figura 23 - Mapa: Detecção anual média de Hanseníase 2000-2004.


Casos/10.000/ano por área de cobertura de CS.

Fonte: PMC-COVISA,Vigilância em Saúde, Hanseníase 2000-2004

Os dados gerais apresentados referentes as principais doenças de notificação


compulsória (tuberculose, dengue e hanseníase) e ao mapa da violência, evidenciam
a condição da Vila Esperança como um território de muito alta vulnerabilidade e risco
social.
91

3.5. Desenho da pesquisa de campo

Na pesquisa de campo, foram usados dois dispositivos, os quais também podem ser
entendidos como tecnologia, prática ou modo de fazer que não só colocam em
funcionamento a investigação, mas possibilitam um acompanhar do processo e seus
efeitos. São eles: o percurso e a oficina de ambiência.

O percurso se sintoniza com a ideia da “experiência de percorrer” (JACQUES, 2012),


pois não se limita a descrever o bairro, mas produz discursos do que emerge no
território, dos movimentos para além de uma forma tradicional de fazer diagnóstico e
análise de contexto.

As oficinas de ambiência foram momentos de encontros coletivos para discussão e


problematização de assuntos relacionados ao tema da pesquisa, tais como, a relação
habitação, saúde e qualidade de vida, os modos como se ocupam esses espaços e
as relações que neles acontecem, sendo uma forma de se discutir e produzir
coletivamente estratégias e intervenções que qualifiquem os espaços.

O modo de condução das oficinas se inspirou na proposta do Ministério da Saúde que


atualmente é preconizada na Política Nacional de Humanização no Ministério da
Saúde (BRASIL, 2006), para se produzir coletivamente os espaços físicos na saúde
que tem por princípio a inclusão dos diferentes sujeitos, envolvidos num processo de
construção e criação coletiva. Os materiais usados na condução das oficinas
dependem da temática a ser tratada em cada situação.

No âmbito dessa política, o modo/método é proposto para se trabalhar as intervenções


nos espaço físicos partindo do pressuposto de que, ao serem criados espaços
coletivos com a inclusão dos diferentes sujeitos (trabalhadores, gestores, usuários,
arquitetos e engenheiros, apoiadores institucionais) para a discussão e construção
das propostas de intervenção, se oportunize também a problematização sobre os
modos de estar, de trabalhar, de conviver e de se relacionar em um determinado
território, apostando na composição dos diferentes saberes como dispositivo
potencializador das transformações que contribuem para as mudanças nas práticas
instituídas, nos processos de trabalho nesses espaços e nos modos de se produzir
saúde.
92

No contexto desta pesquisa, as oficinas se constituíram menos como dispositivos


operativos de intervenção em casos concretos, como se experiencia nas oficinas de
ambiência para intervenção nos espaços da saúde, e mais como momentos
oportunos para construção de certo grau de confiança entre pesquisadora e
moradores, o que abriu brechas para se acessar algumas das moradias, seja através
da construção de planta da casa na oficina, ou até mesmo in loco, a partir de convite
de uma moradora feito à pesquisadora, na própria oficina.

Assim, o caminho da pesquisa cartográfica é constituído de “passos que se sucedem,


onde um momento interfere na produção do outro, diferentemente de uma pesquisa
tradicional que se constitui de etapas separadas que quando uma tarefa termina
passe-se outra - coleta, análise, discussão, resultados” (BARROS; KASTRUP, 2010,
p. 59). Nesse sentido, também não se coletam, mas se produzem os dados. A
proposta metodológica nessa pesquisa-intervenção é a de que tanto os percursos
quanto as oficinas sejam momentos de produção de dados.

Dentre os passos da pesquisa, examinaremos neste texto a


produção de dados e a escrita do texto. No primeiro caso,
falaremos de produção de dados e não de coleta de dados.
Não se trata de uma mera mudança de palavras, de apenas
evitar o vocabulário tradicional, mas de propor uma mudança
conceitual, visando nomear, de modo mais claro e literal,
práticas de pesquisa que se distinguem daquelas da ciência
moderna cognitivista (BARROS; KASTRUP, 2010, p. 59).

Assim, construiu-se um Diagrama para direcionar a pesquisa de campo no decorrer


do processo de cartografia do território.
93

Figura 24 - Diagrama de Momentos da pesquisa.

Fonte: Elaborado pela autora.


94

3.6. A produção de dados no Percurso Prévio

O percurso prévio foi realizado para exploração inicial do território e identificação da


possibilidade ou não de realização da pesquisa. Aconteceu em três vivências distintas
no bairro, acompanhadas por agentes comunitários em saúde da equipe de referência
para o atendimento dos moradores da Vila Esperança no Centro de Saúde São
Marcos.

E, embora tenha acontecido nesses três momentos diferentes, em todos eles a


trajetória foi a mesma e conduzida pela agente comunitária, sem interferência da
pesquisadora. Partindo-se da Rua André Grabois, seguiu-se pelas Ruas Bergson
Gurjão Farias, Uriassu de Assis Batistas até a Rua Cilon da Cunha Brum, retornando-
se à Rua André Grabois.

Objetivos do Percurso: vivência e reconhecimento do bairro para produção inicial


dos dados, com registro da situação existente através de fotografias (Figura 25).

Figura 25 - Percurso Prévio, com indicação dos pontos de tomadas das imagens
fotográficas.

Fonte: Produção gráfica da autora, a partir de imagem aérea.


95

As cenas seguintes, capturadas através das imagens fotográficas durante o percurso


prévio, despertaram a atenção da pesquisadora e foram selecionadas para a
construção das narrativas durante as oficinas realizadas no Centro de Saúde São
Marcos.

Figura 26 - Cenas 1 a 6.

Fonte: Fotografias da autora.


96

Figura 27 - Cenas 7 a 9.

Fonte: Fotografias da autora.


97

As fotografias podem ser simplesmente tinta sobre papel naquele momento capturado
ou podem ser algo mais, se supomos que existem linhas de fuga e intensidades para
além da imagem. E por se tratar de um método que a priori afirma a potência do fazer
com, ao indicar que os dados na pesquisa cartográfica são produzidos, e não
coletados (BARROS; KASTRUP, 2009), a construção da narrativa de cada cena
aconteceu no encontro e em conjunto com os moradores durante as oficinas no Centro
de Saúde, considerando que a pesquisadora é estrangeira ao território e que foi
necessário criar certa relação de confiança para possibilitar a sua entrada no campo.

A construção das narrativas segue uma política de narratividade, ao se ter como


direção o método cartográfico e por se tratar de um campo de práticas em que se
aposta na inseparabilidade entre a produção do espaço, de saúde e de subjetividades,
discutindo estratégias para o aumento nos graus de qualidade de vida em um território
a partir da intercessão arquitetura e saúde. Uma política da narratividade que, de
acordo com Passos e Barros (2009), trata da preocupação metodológica ao dar
visibilidade no que se expressa, no encontro entre sujeitos, em que há uma dimensão
política que não se faz exclusivamente a partir do centro do poder do Estado, mas a
partir dos arranjos locais, das microrrelações, como afirma Foucault (1979), na
micropolítica das relações. É a partir dessa direção que se propôs construir a narrativa
para cada uma das cenas, de forma coletiva, no encontro com moradores.
98

4. PRODUÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Os dados da pesquisa foram produzidos em vários momentos e de diferentes modos,


orientados pelo diagrama de campo apresentado na Figura 24, na direção de uma
pesquisa cartográfica como “passos que se sucedem sem se separar e não em uma
série sucessiva de momentos separados de coleta, análise e discussão, ou seja, em
uma processualidade presente em todos os momentos da pesquisa” (BARROS;
KASTRUP, 2009, p. 59), isso porque o próprio território é portador também de uma
“espessura processual”.

A espessura processual é tudo aquilo que impede que o território


seja um ambiente composto de formas a serem representadas ou
de informações a serem coletadas. Em outras palavras, o território
espesso contrasta com o meio informacional raso (BARROS;
KASTRUP, 2009, p. 58).

Esse posicionamento metodológico foi fundamental para dar expressividade àquilo


que não era visível e tampouco dizível, ou seja, para além das informações
encontradas nos levantamentos das bases documentais, nas fotografias e falas
“ensaiadas”, no decorrer das oficinas e dos percursos, moradores e agentes
comunitários diziam do território e modos de vida por meio de frases e histórias que
foram sendo contadas.

Assim, partiu-se da produção dos indicadores de saúde para se ter um panorama dos
atendimentos e perfil das doenças prevalentes atendidas com o objetivo de discutir a
relação ou não com as condições do território habitacional, que, somados à produção
no percurso prévio (primeira vivência no território e registro da paisagem pelas
fotografias), indicaram uma direção para a condução dos passos que se seguiram na
realização da cartografia: o Percurso I e as Oficinas de Ambiência.

Ressalta-se que, no decorrer das oficinas, a partir da experimentação, algumas


modulações foram necessárias da oficina I para a oficina II, como se poderá verificar
na discussão e análise que seguem.
99

4.1. Indicadores de Saúde da População residente na Vila Esperança

Além dos dados e indicadores de saúde extraídos das bases oficiais, foi realizada uma
pesquisa referente aos atendimentos mais recorrentes na Equipe Amarela. O objetivo
do levantamento foi construir um panorama de frequência das doenças,
especialmente para identificar a ocorrência de doenças do aparelho respiratório (asma
e bronquite), dermatites, hipertensão e diabetes, agravos à saúde, pois, de acordo
com a literatura estudada, estes sofrem impacto em relação às condições das
moradias e do ambiente. Os resultados encontrados foram usados como material de
discussão nas Oficinas I e II, com o objetivo de problematizar sua relação com as
condições de habitação.

Reitera-se não se tratar, portanto, de um estudo epidemiológico, embora com os


dados coletados e aprofundamento nas análises e nos cálculos seria possível extrair
medidas de prevalência e incidência das doenças. Para o presente estudo, entende-
se que é suficiente um panorama geral das doenças que mais ocorreram em um
determinado período (abril a novembro de 2013), para o qual foi possível realizar a
busca devido a indisponibilidade de informações.

Assim, foi feita uma busca no SIGA SAÚDE, que é o sistema de informação em saúde
do município de Campina/SP no qual o profissional médico registra cada atendimento
realizado e o código da doença de acordo com a classificação internacional de
doenças (CID10). Foi necessária essa coleta de dados em base bruta, pois ainda não
havia dados consolidados pelo Centro de Saúde, sendo que, para a realização do
levantamento, contou-se com a contribuição dos alunos de residência do curso de
medicina da UNICAMP, que acessaram os dados e forneceram à pesquisadora em
base bruta. Os dados foram tabulados e transformados em um gráfico contendo uma
coluna para pediatria e outro para adulto.

Nas figuras 28 e 29, são apresentados os dados tabulados, referentes ao número de


atendimento médico para pediatria e para adultos, respectivamente no período de abril
a novembro de 2013, realizados pela Equipe Amarela do Centro de Saúde São
Marcos.
100

Figura 28 – Doenças mais frequentes no atendimento pediátrico pela equipe amarela no C.S.
São Marcos, no período de abril a novembro de 2013.

Fonte: Sistema de Informações da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas. Produção


gráfica da autora

Figura 29 - Doenças mais frequentes no atendimento adulto pela equipe amarela no C.S. São
Marcos, no período de abril a novembro de 2013.

Fonte: Sistema de Informações da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas. Produção


gráfica da autora
101

Assim, tendo certo pano de fundo para a pesquisa através percurso prévio e os
indicadores de saúde, o passo que se sucedeu foi o que se nomeou como Percurso I.

4.2. Experiência do Percurso I

Na realização desse Percurso, incialmente estava prevista a construção de narrativas


in loco, com moradores que estivessem de passagem na rua, em deslocamento, ou
no final de tarde, conversando com vizinhos, convivendo na rua e nos espaços
coletivos, os quais seriam abordados pela pesquisadora e solicitados a contar alguma
história referente ao lugar que lhes seria indicado nas fotografias impressas em uma
ficha, as quais foram tomadas e selecionadas no percurso prévio. Porém, os
moradores ocupam muito pouco os espaços coletivos e tampouco mantêm o costume
de convivência no espaço público.

Dessa forma, algumas situações interferiram para a modulação desse passo e na


tomada de decisão da construção para que as narrativas passassem a acontecer no
Centro de Saúde: (i) a constatação durante o percurso I de que as pessoas não
permanecem na rua, sendo que alguns que estavam de passagem, em deslocamento
para o ponto de ônibus ou no sentido do Jardim São Marcos, não se dispuseram a
participar, justificando-se pela falta de tempo; (ii) identificou-se que as pessoas que
permanecem na rua são sempre as mesmas, conhecidas como “cuidadores” ou
“olheiros” do bairro; (iii) a equipe de saúde sugeriu que essa construção acontecesse
durante as oficinas no Centro de Saúde, com moradores que acessavam o serviço.

Decidiu-se, assim, por uma inflexão no Percurso I, que passou a ser mais um
momento de vivência para habitar aquele território, no sentido de acessar e produzir
mais dados, deixando-se atravessar por situações e acontecimentos mais do âmbito
subjetivo do que mapeamentos e registros. Essa modulação no percurso também se
norteou pela ideia do urbanista errante discutida por Jeudy e Jacques: “O urbanista
errante não vê a cidade somente de cima, em uma representação do tipo mapa, mas
a experimenta de dentro, sem necessariamente produzir uma representação qualquer
desta experiência” (JEUDY; JACQUES, 2006, p. 118).
102

Como o objetivo desse percurso foi o da produção de mais dados, a pesquisadora


novamente deixou-se guiar por uma das agentes comunitárias em saúde, mas,
curiosamente, foram percorridas praticamente as mesmas ruas do trajeto anterior, o
que nos remete a constatação de que se trata de um caminho permitido para os
“estrangeiros” ao território, cujas impressões são transcritas a seguir, a partir do diário
de campo da pesquisadora.

O percurso I foi realizado em 10/04/2014, e a narrativa que se segue corresponde ao


conteúdo dos registros do diário de campo da pesquisa, inclusive a partir de gravações
da fala da própria pesquisadora. Com a intenção de melhor apresentar o resultado do
procedimento metodológico adotado e dar fluidez à narrativa, optou-se por manter o
conteúdo o mais próximo possível do registro bruto, em determinados momentos na
primeira pessoa do plural, adaptando a transcrição quando necessário.

O local de saída para o percurso foi o Centro de Saúde São Marcos. Ao nos
aproximarmos da margem do córrego, percorrendo as ruas Maria Luisa Pompeo de
Carmargo, Monsenhor Landell de Moura e Roque de Otaviano, próximo a uma área
ainda de ocupação irregular, ouvimos barulho de marretadas. Eram técnicos da
Prefeitura Municipal de Campinas demolindo construções irregulares de pessoas que
haviam sido removidas para um conjunto habitacional em outro bairro. Uma assistente
social tentava acessar uma família que se recusava desocupar o seu barraco (Figura
30), observou-se, pois não houve abertura para uma conversa, e seguiu-se a
caminhada em direção à única ponte oficial de travessia para a Vila Esperança. Logo
que atravessamos, uma senhora nos abordou e ininterruptamente, sem dar margem
a qualquer pergunta, passou a narrar suas histórias sobre as cobras que tem no mato,
o perigo da rua, a Praça do PAC II finalizada e que só aguardava inauguração e o
asfalto que estaria chegando. Era uma moradora da Vila, trabalhadora na Prefeitura
Municipal de Campinas na atividade de gari e que nos deixou uma pista de que é uma
interlocutora importante entre os moradores e a atual gestão municipal.
103

Figura 30 - Barracos em processo de remoção

Fonte: Fotografia da autora.

Continuamos a caminhada, passando pela praça que estava pronta, mas ainda com
tapumes, aguardando ser inaugurada e, ao dobrar à direita, no final da quadra da
Praça do PAC, reencontramos um paciente do Centro de Saúde São Marcos que
havia saído junto conosco e agora estava em frente à sua casa. Pedi ao senhor que
nos mostrasse a sua moradia e, após alguns segundos de certa resistência, permitiu
nossa entrada. Não foi possível fotografar o interior nem o exterior, pois havia vários
moradores conversando em frente à casa e ao bar ao lado, o que nos intimidou, mas
a pesquisadora fez um rápido croqui do que pode observar em relação a ocupação e
transformação daquela moradia (Figura 31). Ficou evidente o comprometimento da
ventilação e iluminação naturais da casa (embrião) principal, pois se cobriu e fechou
totalmente o recuo frontal da casa, o qual passou a abrir a sala com televisão, uma
mesa de refeições, e nos fundos, se edificou uma área para residência da família de
104

um “sobrinho9” do casal, a partir da parede do próprio embrião, fechando a única


janela da parte posterior. E assim, parte dos ambientes (quarto e sala) da casa da
frente, na qual reside um casal ficou totalmente sem iluminação e ventilação naturais
direta. Também, o acesso para a parte edificada no fundo, onde reside a outra família,
obrigatoriamente se faz atravessando parte da casa da frente (sala, área de refeições).

Essa foi a primeira vez que a pesquisadora teve oportunidade de entrar em uma
moradia. Apesar das tentativas anteriores no percurso prévio e nesse mesmo
percurso, outras iniciativas e pedidos para acessar as casas não foram acolhidos.
Houve dificuldade para conhecer o interior das residências em todos os percursos
realizados, pois várias incursões ao território foram realizadas pela pesquisadora
acompanhando a agente comunitária no decorrer do processo, das quais três foram
registradas e tomadas para análise (percurso prévio, percursos I, II e III ao final).
Houve certa abertura do senhor com quem a pesquisadora já havia trocado algumas
palavras e olhares desde o Centro de Saúde, o que forneceu a pista de que seria
possível uma aproximação dos moradores através do Centro de Saúde e de que seria
necessário um modo de se criar algum grau de confiança entre pesquisadora e
moradores. Assim, a estratégia foi apostar nas oficinas de ambiência que seriam
realizadas nos próximos passos da pesquisa como esse momento de aproximação.

9 A palavra “sobrinho” está entre aspas, pois que em diferentes momentos, os moradores relatavam
que as ampliações se destinavam a acolher algum familiar, no entanto, nas conversas com as pessoas
que ocupam esses novos cômodos se identificava que se tratava de um lugar alugado e que, por
diversas vezes se identificou que não havia relação de parentesco, ou seja, é uma forma própria de
identificação local.
105

Figura 31 - Croqui realizado pela autora durante breve parada em uma residência.
106

O tempo de permanência no interior da moradia foi curto, e poucas palavras foram


trocadas com o morador. A fala foi mais da agente comunitária, num processo de
convencimento de vinculação do senhor, que é hipertenso e diabético, para frequentar
o grupo HiperDia e não ir ao Centro de Saúde somente para retirar medicação, motivo
da sua ida nesse dia em que o encontramos. Agradecemos, nos despedimos e
seguimos na caminhada chegando na Rua Uriassu de Assis Batista, onde clima
estava estranho e tenso devido à morte de um jovem da comunidade. Fomos
percebendo de tempos em tempos alguns grupos de pessoas conversando, pessoas
chorando e, na maioria das vezes, alguns veículos passavam em alta velocidade e
muito próximos dos nossos corpos, nos dando certo sinal de intimidação, ou melhor,
de que havia uma “estrangeira” na área junto com a agente comunitária. Paramos no
comércio localizado em uma das esquinas na Rua Uriassu, localizado mais no final
do bairro, mas o proprietário não foi muito receptivo a um gesto da pesquisadora de
entrar no estabelecimento. Assim, começamos o percurso de volta, descendo pela
Rua Cilon da Cunha Brum até chegar na Rua André Gabois, e atravessamos
novamente para o Jardim São Marcos pela ponte autoconstruída entre as Ruas
Antônio Pádua e Antônio Teodoro Castro.

4.3. As Oficinas de Ambiência no Centro de Saúde São Marcos

As Oficinas de Ambiências foram estratégicas para acessar os moradores de modo


coletivo, entrando em suas casas, no bairro, nas vivências cotidianas através de suas
narrativas e discussões a partir das questões e dinâmicas disparadoras conduzidas
pela pesquisadora, por meio das quais se criaram condições inclusive para algumas
visitas no interior das casas, com o fim de discussão in loco das condições da moradia
e seu impacto na saúde, ação que, até então, durante a realização dos percursos no
território, não havia sido possível. Essas oficinas criaram uma brecha de interlocução,
abertura e estabelecimento de algum grau de confiança entre a pesquisadora e os
moradores.

As oficinas com os moradores da Vila Esperança aconteceram em um espaço coletivo


já existente no Centro de Saúde São Marcos, aproveitando os encontros periódicos
107

semanais com os usuários cadastrados no Programa de Hipertensão e Diabetes


(HiperDia). A realização dos grupos é uma das atividades coletivas integrantes desse
programa (BRASIL, 2002), que tem como objetivo a ampliação das ações no âmbito
da Atenção Básica em Saúde na prevenção e diagnóstico da hipertensão arterial e da
diabetes mielittus.

Os grupos consistem em espaços coletivos compostos por usuários do Centro de


Saúde que são hipertensos e diabéticos, e cuja proposta terapêutica é a realização
de atividades multiprofissionais e coletivas. Os grupos HiperDia da equipe amarela,
referência para os usuários do território estudado, acontecem todas as quartas-feiras,
no período da tarde, e os pacientes dessa equipe estão divididos em quatro
subgrupos, de acordo com a sua microárea. Assim, a cada quarta-feira do mês, um
subgrupo se encontra.

Inicialmente, no desenho da pesquisa de campo para produção dos dados, havia sido
proposta uma construção de narrativas individuais durante o percurso no bairro,
usando como materiais as imagens fotográficas da Vila Esperança que foram
realizadas pela pesquisadora. No entanto, no decorrer da pesquisa, na fase
exploratória, em discussões com a equipe do Centro de Saúde São Marcos,
identificou-se como mais estratégico que essa construção acontecesse no próprio
processo das oficinas. Dessa forma, as Oficinas de Ambiência passaram a ter a
seguinte configuração e dinâmica:

1ª Etapa: Discussão e problematização com os grupos sobre os modos de vida, as


condições do território habitacional e a compreensão da relação desses temas com a
saúde, assim como a criação de um entendimento do que é qualidade de vida para
eles. E, aproveitando o momento da roda de conversa, foram-se construindo as
narrativas a partir das imagens fotográficas apresentadas.

Como cada grupo teve uma dinâmica singular, a pesquisadora decidiu o melhor
momento para apresentar as imagens na conversa, utilizando a construção de
narrativas também como forma de disparar algumas questões e aquecer a discussão
acerca da qualidade de vida e o território que habitam.
108

2ª Etapa: O objetivo desse momento na oficina foi “entrar” na casa dos moradores a
partir da expressão em uma planta interativa da situação em que se encontra a
moradia, uma vez que, nas visitas realizadas in loco para construção dos percursos
no bairro, apenas um morador permitiu o acesso à sua residência. A pesquisadora
apresentou um painel metálico com a planta do embrião de fundo e disponibilizou imãs
que simulavam mobiliários, paredes construídas ou demolidas, indicação de aberturas
que foram feitas para ventilação ou para passagem, com objetivo de mostrar as
transformações que foram sendo realizadas a partir do embrião. Os mobiliários foram
sendo inseridos nas plantas para composição dos espaços, auxiliando nas discussões
sobre a motivação das transformações na casa (figuras 32, 33 e 34).

Figura 32 – Material usado na oficina de ambiência no C.S. São Marcos: Imãs


indicando mobiliários usados para locação do layout na planta.
109

Figura 33 - Imãs usados para identificar as paredes existentes, as ampliadas e as


aberturas para ventilação, iluminação e passagem.

Figura 34 - Painel metálico com planta impressa fixada.


110

Um roteiro norteador foi elaborado previamente para guiar as oficinas (apêndice D),
cujo desenho se transformou e se modulou no decorrer do processo, a partir do
envolvimento e dinâmica dos participantes e da relação que foi se construindo entre
pesquisadora e grupo, ao habitar o território existencial que naquele momento se
construía.

o trabalho da pesquisa se faz pelo engajamento daquele que


conhece no mundo a ser conhecido. É preciso, então, considerar
que o trabalho da cartografia não pode se fazer como sobrevôo
conceitual sobre a realidade investigada. Diferentemente, é sempre
pelo compartilhamento de um território existencial que sujeito e
objeto da pesquisa se relacionam e se codeterminam (ALVAREZ;
PASSOS, 2009, p. 131).

A primeira oficina aconteceu no dia 06/08/2014 e a segunda no dia 20/08/2014, no


período das 13:30h às 18:00h, cada uma com um subgrupo – micro área de
abrangência da equipe amarela. Por ambas as oficinas, passaram aproximadamente
20 pessoas e participaram do processo entre 10 e 12 pessoas. Ambos os grupos
estavam compostos na maioria por mulheres acima de 40 anos e idosos. Alguns
idosos comparecem acompanhados de um parente, na maioria das vezes, de uma
filha. Na primeira oficina, participou uma jovem com menos de 20 anos que é
diabética, e um homem na faixa etária de 35 anos. Os dois falaram muito pouco, mas
observaram atentamente todo o processo. Na segunda oficina, uma acompanhante,
filha de uma usuária idosa, foi a mais participante, ocupando grande parte do tempo
da conversa contando sua história de vida na Vila Esperança. Os participantes da
primeira oficina são residentes nas casas mais do final da vila, nas proximidades da
Rua 10, e os da segunda oficina residem mais no início, nas proximidades da Rua 30.

O número de pessoas foi considerado aproximado em ambas as oficinas, pois nem


todas as pessoas permaneceram no grupo ao mesmo tempo. À medida que foram
sendo atendidos pela médica, alguns usuários foram embora e outros, para os quais
aquele momento da oficina acessou algum grau de sentido e relevância nas suas
vidas, retornaram para roda. A sazonalidade de participação e modo de
funcionamento das oficinas foram inerentes ao processo, em função da proposta da
pesquisadora em não realizar oficinas exclusivamente para fins de pesquisa, mas para
aproveitar um espaço coletivo já existente e inserir-se na sua dinâmica.
111

Os usuários começam a chegar a partir das 13:30h e se acomodam nas cadeiras


organizadas na sala em forma de roda. A técnica de enfermagem afere pressão
arterial, peso e realiza o teste de glicemia em cada um, antes do atendimento médico.
A médica de referência da equipe chega por volta das 14:30h, começa a chamar cada
paciente individualmente, em uma mesa localizada na frente da sala, e realiza o
atendimento, que é individual, mas em um espaço coletivo. Os usuários são chamados
por ordem de chegada. De acordo com informações de uma agente comunitária,
eventualmente elas trabalham temas coletivamente, referentes à prevenção e ao
controle da hipertensão e diabetes, mas, na maioria das vezes, os pacientes ficam
ociosos, aguardando “passar pela médica”.

A agente comunitária relata que estão “cansados de ouvir sempre a mesma coisa” e
que a possibilidade de apresentar outra discussão, como a do tema da pesquisa -
habitação e saúde, seria muito interessante e uma forma de mantê-los motivados a
participar do grupo, discutindo questões importantes sobre a qualidade de vida, o que
poderá contribuir para melhora na saúde dessas pessoas. Para a agente comunitária,
o maior objetivo na participação do grupo é o seu condicionamento ao momento de
“passar pela médica”, pois é ela quem libera a prescrição para retirada na farmácia do
medicamento, que é de uso contínuo pela maioria dos usuários.

Nas duas oficinas realizadas, a pesquisadora aguardou a chegada de no mínimo dez


pessoas para o início da atividade. Na primeira oficina, a agente comunitária atuante
em uma micro área da equipe amarela apresentou a pesquisadora e sua
colaboradora, que atuou como observadora no grupo, contando de forma sucinta a
proposta da pesquisa. Na segunda oficina, a técnica de enfermagem fez essa função.
Na sequência, em ambas as oficinas, a pesquisadora detalhou o tema e seus
objetivos, apresentou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e combinou o
que seria realizado naquele momento.

O aquecimento feito pela equipe de saúde foi fundamental na criação de condições


favoráveis para se estabelecer uma relação entre a pesquisadora e participantes do
grupo. A agente comunitária sugeriu a gravação das oficinas e os participantes
concordaram, mas, logo no início da primeira oficina, percebeu-se que o uso apenas
de gravação não seria uma boa estratégia para registro dos dados, pois os
112

participantes falavam todos ao mesmo tempo e de forma confusa. Assim,


pesquisadora e sua colaboradora se lançaram a registrar em tópicos o máximo de
informações possível.

É importante destacar que a pesquisadora possui experiência na condução de oficinas


de ambiência, em especial relacionadas aos espaços físicos de unidades de saúde, o
que facilitou a condução desse processo de pesquisa. Assim, mesmo as oficinas tendo
sido atravessadas por momentos de dispersão e confusão, os quais se incluíram na
análise, ainda foi possível a retomada do foco no tema para produção dos dados.

4.4. As Oficinas realizadas nos dias 06 e 20/8/2014 com os grupos que participam
na primeira e na terceira quarta-feira do mês.

Após o momento inicial de apresentação da pesquisa e pactuação da sua realização


com os grupos, assim como do relato do interesse em relação ao tema e de realizá-la
na Vila Esperança, conforme exposto anteriormente, passou-se à atividade seguinte,
na roda de conversa, que consistiu na problematização sobre os modos de produção
de vida e as condições do território habitacional, discutindo e construindo uma
compreensão sobre a qualidade de vida que fizesse sentido para aquelas pessoas,
uma vez que o conceito de qualidade de vida é amplo e subjetivo e está fortemente
relacionado ao campo do desejo e da experiência de cada indivíduo e suas relações.

A pesquisadora propôs aos participantes que conversassem entre si sobre o que


entendem por qualidade de vida e como a percebem na Vila Esperança, em relação
à sua situação anterior de moradia e em relação a outros bairros mais estruturados
que conhecem ou em que já moraram.

Os participantes começaram a conversar entre si, bem como com a pesquisadora e


sua colaboradora, que foram registrando as falas. A colaboradora estava presente no
grupo com a função de observadora, anotando especialmente aquilo que escapava
das falas, por exemplo, uma expressão ao expor determinada opinião.

Em ambas as oficinas, os grupos aparentemente dispersavam e fugiam do tema


proposto para conversa inicial acerca da qualidade de vida, e por diversas vezes
houve intervenção da pesquisadora para a retomada do foco. Foi-se percebendo no
decorrer das oficinas que, ao desviar do assunto, na realidade os participantes traziam
113

para a roda de conversa a temática do asfalto do bairro, ponto para eles era
emergente, fundamental e valoroso (Figura 35), e que, no campo do desejo e
necessidade, esse tema se conecta diretamente com as condições/qualidade de vida
e sentimento de cidadania. Assim, a ausência do asfalto foi a tônica de todas as
conversas com os moradores, nos espaços coletivos das oficinas e nas conversas
individuais que se aconteceram nos percursos realizados pela pesquisadora no bairro.

Figura 35 - Faixa chamando reunião de moradores para discussão do asfalto.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

O grupo questiona de quem é a obrigação do asfalto; se a COHAB o deveria ter


executado na entrega do loteamento ou se é responsabilidade da Prefeitura. É
esclarecido o Decreto Nº 12.842, de 09/06/98, que aprova os planos de arruamento e
loteamento da Vila Esperança, no qual configura a Prefeitura Municipal de Campinas
como proprietária do loteamento e responsável pelas melhorias no bairro, e que, entre
elas, não consta a pavimentação das ruas, apenas guias, sarjetas, drenagem de
terrenos pantanosos, terraplanagem, o que não significa que essa situação não possa
114

mudar. As falas no grupo evidenciam que esse é um tema emergente entre os


moradores:

“Aqui tem muito pó de terra que faz mal (...) minha filha é alérgica, eu sou alérgica (...)
muitos anos esperando o asfalto e não chega (...) não deram essa oportunidade pra
gente ainda”.

“Qualidade de Vida pra mim é morar em outro lugar”.

“Se eu tivesse uma faculdade, não morava ali”.

“Aqui minha pressão é sempre alta e tenho muito medo”.

“Os carros correm muito, não dá pra ficar na rua. As crianças não podem brincar na
rua”.

“Qualidade de vida é boa moradia, família unida, não passar nervoso”.

“A qualidade de vida lá é péssima, por causa do pó e do cisco de queimada (...) eles


põem fogo na fazendo e outros põe fogo no lixo (...) entra tudo em casa se deixar
aberta”.

“Aqui não tem nem comparação com Minas, de onde eu vim. Lá é muito mais
saudável”.

“Por que vocês vieram para Campinas?”.

“Porque lá a gente vivia na roça, não tinha muito trabalho. Lá não tem médico. Minha
mãe que está aqui mora em Minas, mas vem pra cá se tratar e fica na minha casa”.

A pesquisadora explica para o grupo os resultados encontrados no estudo dos


indicadores de saúde disponibilizados pela equipe do Centro de Saúde São Marcos,
referentes às doenças mais prevalentes em crianças, que são: gripe, resfriado, asma,
diarreia e, em adultos, as doenças respiratórias e hipertensão. Esclarece que existe
um impacto das condições de moradia nesses resultados, por exemplo, em relação à
deficiência de ventilação das casas, o que propicia o crescimento de mofo e impacta
nas alergias e doenças respiratórias. Expõe também sobre a situação do bairro, que
não oferece condições favoráveis para caminhadas, as quais contribuem para
115

prevenção e controle da hipertensão. A partir dessa fala, os participantes trazem


algumas experiências nesse sentido:

Na casa...

“Quando minha filha veio morar comigo foi chegando gente e foi amontoando, daí tive
que construir mais cômodos (...) minha filha ficou na parte da frente e eu fui morar no
fundo e não deu pra pensar nas janelas (...) a gente precisava de cômodo. (...) é sou
muito alérgica e minha filha também. É o pó.”

“Eu fico perturbada quando abro. Entra ar frio. Passa caminhão e levanta poeira. O pó
entra e fica preso na casa. Daí eu não abro. Deixo tudo fechado.”

“Eu deixo a casa toda aberta, mas quase não tenho janela porque na ampliação
cheguei até o muro. Na frente, a casa é toda fechada. Tem espaço no fundo, no
quintal. Mas o ar entra e sai pelas portas mesmo. Gosto de tudo muito aberto.”

No bairro...

“Não tem como caminhar, não tem calçadas e as ruas são cheias de buracos.”

“Mesmo se tivesse pista não daria para caminhar porque é muito perigoso, os carros
passam correndo muito lá vila...”

As falas aqui transcritas fornecem algumas pistas de sentimentos que os moradores


expressam em relação à sua condição de moradia e do bairro, assim como de certo
entendimento sobre qualidade de vida e saúde. Três elementos que aparecem na
maioria das falas são destacados para análise: a ausência do asfalto e a presença de
pó, ao que se relacionaram principalmente as alergias; a situação de medo, que,
embora tenha aparecido em diversas falas, não explicita de quê; e a necessidade de
ampliação das casas para acomodar a família.

A maioria dos participantes de ambas as oficinas vieram do estado de Minas Gerais


em busca de melhores condições de vida e trabalho na cidade. No decorrer das
conversas, sempre se remetiam a Minas como local de moradia anterior. No entanto,
a maioria dessas pessoas foram removidas da ocupação irregular das margens do
córrego, onde habitaram quando chegaram em Campinas. Foi difícil falarem algo
116

sobre esse período, mesmo quando provocados pela pesquisadora, evidenciando


uma lacuna, uma interrupção nas suas trajetórias, possivelmente como forma de
autoproteção de uma fase muito difícil da vida. Apenas uma participante do grupo
disse que era horrível quando estava no córrego, que tinha lixo e esgoto na porta, que
entrava bicho no barraco e que preferia não se lembrar dessa época.

A dispersão foi recorrente nas duas oficinas. Em cada uma delas, em momentos
específicos para retomada da conversa, foi preciso começar a mostrar as imagens
fotográficas para construção das narrativas. A estratégia usada para apresentação
das imagens foi através de fichas com as imagens impressas em uma folha tamanho
A4 e plastificada com a intencionalidade destas irem rodando de mão e mão, inclusive
da passando pela pesquisadora, que se colocou na roda, lado a lado, com os
moradores.

A primeira imagem trabalhada (Figura 36) foi denominada de “Parquinho” para ambos
os grupos. Ao olhar as fotos, alguns participantes da primeira oficina disseram que o
lugar não é muito usado, mas que é importante, porque tem criança no bairro, e que
o “parquinho de cima” é mais usado. Já na segunda oficina, uma das moradoras
relatou que seus netos sempre usaram muito esse parquinho e que depois, com a
construção da nova quadra, passaram brincar lá. Conta, ainda, que ter o parquinho
no bairro e agora a quadra traz tranquilidade, pois ela sabe onde os netos estão.
Porém, algumas falas foram evasivas e confusas em relação a esse lugar. Essas
narrativas definiram a seleção da próxima imagem trabalhada na primeira oficina, que
foi reproduzida na segunda – o parquinho de cima (Figura 37).
117

Figura 36: O Parquinho.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

Figura 37: O Parquinho de cima.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.


118

O “parquinho de cima” é o mais usado, de acordo com as moradoras da primeira


oficina, mas, como está situado na margem da “rua de cima”, os carros passam com
muita velocidade, fazendo com que seja também mais perigoso. Elas acreditam que
a instalação de uma grade de proteção iria torná-lo mais seguro. Consideram que é
importante ter os parquinhos, porque há muitas crianças no bairro, mas que, do jeito
que estão, não são adequados para levar seus filhos e netos.

No decorrer de três visitas realizadas no bairro, a pesquisadora observou, ao passar


pelos dois parquinhos, a ausência de crianças brincando. No primeiro parquinho,
havia trânsito de pessoas, usando-o como forma de reduzir o caminho para o outro
lado da quadra e ou para acessar uma banca de frutas localizada em uma das laterais
da praça onde ele está instalado, mas não havia crianças brincando. E no segundo, o
parquinho de cima, havia a presença de alguns jovens sentados embaixo das árvores
ou em bicicletas.

A imagem seguinte, apresentada nas duas oficinas, foi denominada de “A Horta”.


Trata-se de uma horta situada à margem da Avenida Uriassi de Assis Batista e que,
no início, deveria ser uma horta comunitária, havendo movimento de um dos
moradores para que isso acontecesse. Ele convidou vários moradores para um
encontro, mas ninguém compareceu, o que fez com que ficasse abandonada por certo
período. Atualmente, o morador que tenha interesse pode utilizar um pedaço de terra
e plantar para consumo próprio ou para vender na Vila a um preço menor que em
outros lugares, porém nada é coletivo. “A horta é de algumas pessoas que pegaram
o lugar e usaram para plantar. É particular”, afirma uma das participantes da segunda
oficina. “Está bonita a hortinha”, expressa outra moradora que participou na primeira
oficina, ao olhar a imagem fotográfica.
119

Figura 38: A Horta.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

A imagem de um dos campos de futebol existentes no bairro (Figura 39) foi mostrada
aos grupos, cujo registro fotográfico havia sido feito pela pesquisadora no primeiro
semestre de 2013. O local hoje é uma das transformações pelas quais o bairro passou
a partir do segundo semestre de 2013 e nele, atualmente, está em fase de finalização
uma creche municipal que é chamada de Nave Mãe. As moradoras falam da
importância dos campos no bairro, pois tanto as crianças quanto os adultos os usam.
Nesse “campinho”, relata uma das moradoras participante da primeira oficina,
aconteciam os campeonatos com “os de fora”, referindo-se ao time de jogadores que
não moram na Vila Esperança, e agora passaram a usar o outro campinho, mais no
final do bairro, e a “quadra” (Figura 40).
120

Figura 39 - O Campinho.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

A conversa sobre os campinhos direcionou a seleção da imagem seguinte na primeira


oficina, cuja sequência foi reproduzida na segunda. Em ambas as oficinas, o nome
dado à paisagem foi “A Quadra” (Figura 40). É o local onde se implantou a Praça do
PAC II e no qual anteriormente havia uma quadra. A quadra existente era bastante
usada pelos moradores, inclusive para realização encontros de políticos, cultos e
festas, como quermesses e festas juninas. Uma das moradoras se diz tranquila ao
saber que seu filho está brincando lá, que hoje só estão funcionando as quadras, mas
que, no futuro, haverá cinema e atividades culturais nas salas multiuso. Outra
moradora nunca entrou na praça e não sabe o que tem lá; relata que faz caminhada
da sua casa no final da Vila até a quadra, caminha de volta, mas não entra no espaço.
121

Figura 40: A Quadra.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

Ressalta-se que a conversa sobre o campinho, o parquinho e a quadra possibilitou


avanços na discussão das ofertas existentes de espaços públicos no bairro e seus
usos. Por exemplo, da destinação das áreas verdes e institucionais no projeto do
loteamento e a forma de usos e apropriação pelos moradores. O discurso recorrente
é o da falta de infraestrutura urbana, embora esteja presente no loteamento a reserva
dessas áreas, remetendo novamente a acreditar que a infraestrutura a que eles se
referem é a pavimentação das vias. Assim, introduziu-se o tema do cuidado com
bairro, mostrando uma imagem fotográfica de um terreno com lixo acumulado que
evidencia o descaso com os espaços públicos (Figura 41).
122

Figura 41 - O descarte de lixo.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

Ao olhar a imagem a que se referiram como a área de descarte de lixo, nas duas
oficinas, os participantes da oficina disseram que esse descarte nos terrenos vazios
na margem do córrego e da “rua de cima” é uma prática de muitos moradores e que
consideram falta de respeito e desnecessária, pois o caminhão da coleta passa três
vezes na semana.

Uma rua do bairro foi fotografada aleatoriamente (Figura 42), com o objetivo de
contribuir na construção de narrativas sobre o uso das ruas, das calçadas e quanto à
acessibilidade. Essa imagem foi apresentada aos participantes da oficina, que
inicialmente diziam que não sabiam que rua era aquela. A pesquisadora esclarece
que o objetivo não era saber que rua era, mas a sensação que aquela paisagem
transmitia a eles. “Rua abandonada e estranha”, fala uma das moradoras, “é isso que
transmite”.
123

Outra moradora continua dizendo que não fica na rua e na calçada, porque tem medo
dos carros que passam em alta velocidade e mora na parte da rua da creche que é
asfaltada.

A pesquisadora identifica certo desconforto com a imagem e decide passar para a


imagem seguinte, que destaca os aquecedores solares (Figura 43). Em função desse
mesmo desconforto, a imagem foi suprimida na segunda oficina.

Figura 42 - Imagem da rua qualificada como “Rua Abandonada; Rua Estranha.”

Fonte: Fotografia realizada pela autora.


124

Figura 43: Imagem para destacar os aquecedores solares.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

A disponibilização dos aquecedores é muito bem avaliada pelos moradores, que


afirmam ser o seu funcionamento adequado e ter efeito real na economia de energia
elétrica. Uma participante ratifica sua importância, mas explica que, no seu caso, como
a filha ficou com a “casa da frente” e a parte dela ficou sem aquecedor, pois se mudou
para a área ampliada no fundo do lote.

Para finalizar essa etapa, em ambas as oficinas, foi apresentada a imagem de uma
das pontes que foi autoconstruída no bairro (Figura 44), da “pinguela” como é
chamada pelos moradores.
125

Figura 44 - Foto de ponte autoconstruída para interligação da Vila Esperança ao


Jardim São Marcos – “Pinguela”.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

“A pinguela”, diz uma das moradas ao observar a imagem. “O pessoal do bairro foi
construindo essas pontinhas onde precisava atravessar para o outro lado, com
madeira, com tronco”, concluiu. Outra moradora diz que usa bastante a “pinguela”,
porém, quando o mato fica alto, é perigoso, sendo necessário ir até a ponte principal
para atravessar para o São Marcos.

No bairro, há apenas três interligações autoconstruídas para passagem de pedestres


e bicicletas, e foram sendo implantadas pelos próprios moradores de acordo com a
necessidade de conexão com o bairro vizinho.

Com muito ruído na sala, a conversa se dispersa; algumas pessoas voltam a falar do
asfalto, outras começam a ficar inquietas, pois já era mais de três e meia da tarde na
primeira oficina e ainda havia muitas pessoas aguardando para “passar pela médica”.
126

Uma senhora fala alto do fundo da sala, em direção à técnica de enfermagem: “Ainda
tem muita gente na minha frente? Me chama logo, vai!”

Nesse momento, a pesquisadora leva para o chão, no centro da sala, o painel com os
imãs. Uma parte dos participantes retorna a atenção, com expressão de curiosidade.
A pesquisadora explica a proposta da atividade e pergunta quem tem interesse de
simular naquele painel a sua casa (Figura 45).

Figura 45 - Oficina no Grupo HiperDia – organização do grupo em roda.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

Na primeira oficina, foram construídas duas plantas diferentes. A primeira moradora


que se interessou pela atividade participa do grupo HiperDia, pois é hipertensa. Tem
47 anos, é casada e mãe de quatro filhos. A segunda foi uma jovem de 20 anos, que
é diabética, solteira, e naquele momento não estava estudando, nem trabalhando.
127

Na construção da planta da casa 1 (figuras 46 e 47), foi possível constatar a


transformação do embrião para adequar as necessidades dos moradores, com
ocupação quase que total do lote. Na parte frontal, construiu-se nos limites de todas
as divisas, com a rua e as laterais. O recuo frontal do lote foi totalmente ocupado, uma
parte com garagem e churrasqueira e a outra com um pequeno comércio da família
(um bar), que tem comunicação para o interior da casa e uma janela para rua de
atendimento aos clientes. A moradora relata que as ampliações foram necessárias
tanto para possibilitar o comércio, que é a fonte de renda da família, quanto os
cômodos nos fundos, para abrigar os quatro filhos do casal. Um dos filhos, ainda
pequeno, por enquanto dorme no berço junto com os pais; já os maiores dividem os
outros dois quartos.

Observa-se que a parte da casa que se constituía no embrião original e que


atualmente se transformou em sala e quarto do casal ficou totalmente enclausurada,
sem janelas para o exterior, comprometendo as condições de iluminação e ventilação
naturais. Essa é uma situação recorrente nas transformações de grande parte dos
embriões, segundo relato dos participantes da oficina, e que se comprovou in loco nos
percursos e posteriormente nas visitas as casas, o que impacta nas condições de
salubridade da habitação e, consequentemente, na saúde dos seus moradores.

No decorrer da elaboração da planta, foi colocada essa questão em debate pela


pesquisadora, e a moradora explicita que sabe da situação, mas que necessita das
ampliações. Na área ampliada, foi criado um ambiente para refeições que contém uma
mesa com seis cadeiras e as geladeiras da casa e do bar, e que também não possui
nenhuma comunicação e abertura com o exterior. Já os novos quartos e um banheiro,
construídos posteriormente, possuem pequenas aberturas.
128

Figura 46 - Elaboração da Planta da Casa 1.

Fonte: Fotografia da autora.

Figura 47 - Planta da Casa 1 finalizada.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.


129

A planta da Casa 2, construída também na primeira oficina, ocupa totalmente o lote


no pavimento térreo, e a moradora relata, ainda, que está sendo edificado um segundo
pavimento em toda extensão de laje, com configuração semelhante ao térreo, o qual
será usado para locação, como forma de renda. Nessa habitação, as condições de
salubridade são ainda mais críticas, não havendo nenhuma abertura para o exterior
que possibilite ventilação e iluminação naturais. E, com a construção do pavimento
superior, ficam restritas inclusive soluções no nível do teto, como se pode observar na
Figura 48.

Figura 48 - Planta da Casa 2 finalizada.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.


As duas plantas de casa (Casa 3 e Casa 4), desenvolvidas na segunda oficina,
também evidenciam as ampliações realizadas para criação de cômodos, com objetivo
de atender as necessidades da família e número de pessoas que vivem na mesma
130

moradia. Ambas as casas ocuparam totalmente o recuo frontal, e os cômodos que


pertenciam ao embrião original foram transformados em sala e quarto, cujos
ambientes ficaram totalmente enclausurados e insalubres. Na Casa 3 (Figura 49), foi
construído um quarto com dimensões mínimas, que também não possui aberturas
para o exterior. Já na Casa 4 (Figura 50), os novos quartos e banheiros construídos
na área de ampliação possuem ventilação e iluminação naturais, porém não ficou
muito claro o relato da moradora, sendo necessário checar in loco. Nessa casa, ainda
se construiu um pavimento superior para abrigar um dos filhos do casal.

Figura 49 - Planta da Casa 3 finalizada.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.


131

Figura 50 - Planta da Casa 4 finalizada.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

Durante a elaboração da planta da Casa 4, chama a atenção o modo como a moradora


vai descrevendo a sequência de ambientes: “[...] a gente entra, aí passa na área,
depois na sala, na cozinha e chega no quarto [...] da cozinha tem uma porta para área
de serviço que é coberta até o muro [...] no fundo com corredor tem umas árvores”.

Houve a tentativa de elaboração de uma terceira planta na oficina (Casa 5), mas, em
função do horário e de dificuldades na comunicação entre moradora, pesquisadora e
colaboradora, que ocasionou um processo mais lento que os anteriores, não foi
possível a conclusão. Porém, com a parte da planta construída foi possível constatar
que se trata de mais uma casa cujas ampliações ocupam praticamente todo o lote
(Figura 51).
132

Figura 51 - Planta da Casa 5 – Inacabada.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

4.4. Experiência do Percurso II

Retorno ao bairro: cartografando as transformações

O percurso II foi realizado em fevereiro de 2015, e a narrativa que se segue, assim


como nos percursos anteriores, corresponde ao conteúdo dos registros do diário de
campo da pesquisa, inclusive a partir de gravações da fala da própria pesquisadora.

Iniciou-se o percurso pela nova praça construída na chegada da Vila da Esperança, a


Praça do PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento – Fase 2), que já está
concluída e em uso pelos moradores, mas que ainda não foi inaugurada oficialmente.
Essa é a primeira transformação observada no bairro no transcorrer do Percurso II.
Na praça (figuras 52, 53, 54 e 55), havia alguns adolescentes jogando na quadra,
133

crianças brincando de bicicleta na pista de skate e algumas meninas conversando


junto aos brinquedos de madeira e que saíram ao perceberam que poderiam ser
fotografadas.

Figura 52 - Imagem da entrada da Praça.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

À direita, estão implantadas as quadras de esportes; à esquerda, a pista de skate e


alguns brinquedos de madeira e, ao fundo, o teatro, em cuja parede foi realizado um
mosaico com motivos musicais pelos moradores do bairro.
134

Figura 53 - Quadra coberta com jovens jogando.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.

Figura 54 - Rampa para prática de skate.

Fonte: Fotografia realizada pela autora.


135

A pesquisadora e agente comunitária foram recebidas por uma técnica do CRAS


(Centro de Referência de Assistência Social) que já está em funcionamento e atende
a população dos bairros São Marcos, Santa Mônica, Vila Esperança e Recanto da
Fortuna – CDHU no. Uma assistente social acompanhou a visita na Praça e mostrou
as instalações do CRAS relatou que, antes de se mudar para esse novo espaço, o
serviço atendia em um imóvel alugado, situado no Bairro Santa Mônica, e que, com a
transferência, a procura e o número de atendimentos diminuíram. Ela relaciona essa
diminuição tanto ao fato de o deslocamento ter ficado prejudicado, em função da
insuficiência de transporte coletivo para a Vila Esperança, quanto a alguma “disputa”
entre os bairros, o que intimida o acesso “dos que são de fora”, como se refere aos
usuários de outros bairros. Diz, ainda, que, quando era no bairro Santa Mônica, a
população já estava mais acostumada, os usuários conheciam o lugar e o acesso era
mais fácil.

Ao entrar para conhecer os espaços físicos que o CRAS passará a ocupar na nova
praça, conversamos com as trabalhadoras que lá estavam e relataram a dificuldade
em ocupar aquele espaço, que não se adequa às necessidades e aos processos de
trabalho. Os espaços coletivos são insuficientes, de acordo com suas falas, e não há
espaço previsto para atendimento individual, que é necessário em determinadas
situações, especialmente porque atendem muitos casos de violência doméstica.
Embora a proposta do CRAS tenha um foco preventivo, ainda não funciona nesses
moldes. As trabalhadoras - uma psicóloga e uma assistente social - problematizaram
a proposta de uso de um projeto padrão nacional que não atende às necessidades
locais. Para minimizar as dificuldades e não se imobilizarem em função dessa
situação, relatam que, com criatividade, foram adaptando os espaços. Por exemplo,
ao fundo da sala multiuso, foi improvisado um espaço mais reservado para
atendimento individual do CRAS, que deverá sair desse local assim que as outras
secretarias passarem a usar o espaço.

Explorando um pouco mais a Praça, observamos que há outros espaços coletivos que
poderiam ser melhor usados, porém a lógica de funcionamento é fragmentada. Ou
seja, o uso do teatro e da biblioteca é de gestão da Secretaria da Cultura; o CRAS, da
Assistência Social; as quadras, da Secretaria de Esportes, e ainda não se organizaram
de modo a compartilhar e usar coletivamente também o que pertence a cada área.
136

Por exemplo, as aulas de violão e dança do ventre, que fazem parte de programa do
CRAS, atualmente acontecem na sala multiuso, que deve ser compartilhada com
todos, e, em alguns momentos, já está sendo usada para outra atividade. Essas aulas
poderiam acontecer também no teatro, que espacialmente é mais adequado de
acordo com a assistente social do CRAS, no entanto este permanece fechado quando
não há apresentações da cultura. O seu uso para essas atividades possibilitaria que
a sala multiuso fosse ocupada com outras atividades coletivas.

Figura 55 - Maquete eletrônica disponível no site da Prefeitura Municipal de Campinas


que se refere ao projeto padrão da Praça do PACII que na verificação in loco observa-
se alterações das disposições das quadras desta apresentada.

Fonte: http://www.campinas.sp.gov.br/noticias-integra.php?id=17950.

Assim, se deixou a Praça, partindo-se para revisitar os locais percorridos no Percurso


I, realizando novas fotografias para verificar as transformações que ocorram no bairro
no período de um ano, checando com as imagens que foram a base para a construção
das cenas e das narrativas dos moradores durante as oficinas.

As Cenas referentes ao Parquinho de Baixo, à Horta, ao Parquinho de Cima e à Ponte


continuam da mesma forma. Assim, decidiu-se por não realizar novas imagens
137

fotográficas desses locais, focando-se no Campinho, que se transformou na Nave


Mãe e na nova escola EMEI que foi construída.

Figura 56 – Antes: Este local era ocupado pelo Campinho.

Fonte: da autora.

Figura 57 – Atualmente: ocupado pela Nave Mãe, que ainda não está ocupada por falta de
profissionais.

Fonte: da autora.
138

Durante o percurso, se passou pelas casas das moradoras cujas plantas foram
produzidas nas oficinas, mas apenas em uma delas havia pessoas em casa. Como
se estava com o material em mãos, perguntou-se a moradora se seria possível entrar
naquele momento para conhecer a casa in loco. Explicou-se que a proposta seria
checar a construção real em relação ao que foi produzido, especialmente para avaliar
se houve correta compreensão da narrativa sobre o que foi construído. Porém a
moradora disse que a casa estava muito bagunçada e pediu para voltar outro dia. Foi
combinado um retorno, cuja data a agente comunitária que contribuiu nessa
comunicação iria passar a pesquisadora.

Seguiu-se o percurso para conhecer a Nova Escola construída, porém mais uma vez
não foi possível entrar, pois a diretora argumentou que estava com muito trabalho e
não poderia nos acompanhar. Disponibilizou um número de telefone para agendarmos
uma visita.

Figura 58 - Imagem externa da nova escola do bairro.

Fonte: da autora.

No caminho de volta, já no retorno ao CS, havia algumas pessoas em frente a uma


casa, e a agente comunitária pediu à moradora se poderíamos entrar e conhecer. Ela
139

autorizou nossa entrada, e pudemos observar a precariedade do espaço. Não se


realizou imagem fotográfica por questões de privacidade dos moradores, que ficaram
constrangidos ao serem perguntados se poderíamos realizar os registros.

A casa é o modelo ampliado com dois dormitórios e encontra-se da forma como foi
entregue pela COHAB, sem revestimento algum, no contrapiso, alvenaria aparente
(sem reboco), telhado com toda estrutura exposta, sem laje e forro. Logo na entrada,
se observou que ainda se encontra no terreno natural, com um desnível em terra
batida para acessar a porta de entrada e parte do baldrame aparente. Apenas a porta
da entrada estava aberta; todas as demais janelas estavam fechadas e as que
possuem apenas vidros estavam protegidas com pedaços de pano de diversas cores
e tamanhos, fazendo a função de cortinas. Havia vários ventiladores ligados. A sala
estava mobiliada com um pequeno sofá, encostado na parede lateral esquerda da
entrada, um rack com uma TV e, na parede dos fundos, havia porta-retratos
pendurados, com fotos da família. Na cozinha havia a pia, uma geladeira, um fogão e
uma pequena mesa com cadeiras.

Em um dos quartos, havia um homem dormindo, aparentemente um adulto jovem,


duas adolescentes, uma criança na sala assistindo à televisão e a senhora que nos
recebeu, dona da casa, que estava na frente da casa no momento em que
passávamos. A agente comunitária aproveitou a visita para atualizar o cadastro dos
moradores, pois constava que a senhora morava sozinha e naquele momento a casa
estava cheia, com quatro adultos e uma criança, que, ao que parecia, estariam
residindo ali e naquele momento não estavam trabalhando.
140

Figura 59 - Imagem externa da casa visitada realizada através do lote da EMEI.

Fonte: da autora.

Figura 60 - Imagem externa da casa visitada realizada retirada


do google mapas, na qual observa-se que não houveram
transformações significativas na parte externa da moradia.

Fonte: www.google.com.br/earth/.
141

Seguimos o retorno e, ainda no caminho de volta, paramos conversar com um dos


moradores que estava sentado em frente aos containers do canteiro de obras em
instalação no local, o qual será usado pela empresa que executará a pavimentação
do bairro. O senhor nos conta que é morador do bairro, sendo conhecido da agente
comunitária, e foi contratado como assessor de um vereador exclusivamente para
acompanhar a obra dia-a-dia. Assim, o tão esperado asfalto será realizado. Ele fala
da alegria da chegada do asfalto, tão almejado na Vila Esperança, e da necessidade
de se cuidar mais da limpeza e do lixo que ainda se acumula em diferentes locais no
bairro, principalmente no matagal as margens do córrego. A pesquisadora sugere ao
senhor conhecer o projeto “ Varre Vila” que acontece na Comunidade Nossa Senhora
Aparecida, na zona leste de São Paulo, que por iniciativa de liderança de bairro e de
agentes comunitários em saúde criam estratégias para enfrentar a questão do
descarte inadequado de lixo e sujeira da rua, no entanto, o morador demonstrou pouco
interesse nessa troca de experiência.

Figura 61 - Imagem do canteiro de obras para execução do asfalto.

Fonte: da autora.

Duas semanas após a realização do percurso II, retornamos ao bairro para entrar nas
duas casas cujas moradoras sinalizaram positivamente à solicitação da pesquisadora
de realizar uma conversa in loco na própria moradia.
142

4.5. Experiência do Percurso III: entrando nas casas.

O percurso III se realizou em fevereiro de 2015, e chegando na primeira casa, que foi
uma das produzidas nas oficinas no Centro de Saúde, a moradora foi logo
apresentando os ambientes e relatando o que havia mudado da configuração original
e seus desejos de novas alterações. A casa se localiza no início da Vila, próxima à
Praça do PAC II e em frente a uma das áreas livres do bairro

O embrião ganhou uma ampliação de aproximadamente uma vez e meia seu espaço
original para os fundos do lote (Figura 63) e um pavimento superior de área igual à
ampliada no térreo. Na parte frontal, o recuo encontra-se totalmente coberto e
fechado, apenas com abertura para o corredor lateral, remetendo a certo padrão de
ampliação que se reproduz na maioria das casas.
A moradora relata que está satisfeita com a área física, embora precise melhorar as
condições, e que gostaria de ter uma área de serviços coberta onde pudesse colocar
o tanque e máquina de lavar roupas protegidos da chuva e do sol. Sinaliza a sugestão
do filho para realizar essa cobertura aproveitando o muro dos fundos, a parede dos
quartos e do banheiro (Figura 64).

A pesquisadora aproveita a abertura da moradora para perguntar a sua opinião sobre


a ideia da cobertura; explica que essa solução prejudica a iluminação e ventilação
naturais de todos esses ambientes que têm janelas para essa área livre (dois quartos
e um banheiro) e que prescindir dessa área de ventilação e iluminação naturais
comprometeria ainda mais as condições de conforto e salubridade da habitação,
ocasionando uma ocupação quase que total do lote. Percebe a disposição da
moradora em acolher a contribuição de uma arquiteta e sugere que a cobertura para
ela ter uma área de serviços coberto seja executada em outro local, deixando livres
as janelas do banheiro e de um dos quartos e a abertura de uma nova janela no
segundo quarto para o corredor lateral. A sugestão é bem recebida pela moradora
(Figura 65).

Assim, continuamos a visita subindo a escada externa, localizada no recuo lateral para
conhecermos o pavimento superior. Logo no início, verifica-se que a janela do quarto
143

da frente da casa foi prejudicada pela construção da escada e não pode mais ser
aberta, mas antes que fizesse qualquer observação, a moradora já relata que a
próxima reforma na casa seria a mudança dessa janela de lugar e pergunta sobre qual
seria a melhor posição.

No pavimento superior, atualmente reside uma família, pagando aluguel. Ou seja, a


ampliação se transformou em fonte de renda para a família proprietária da casa.

Já se aproximava da hora do almoço; a mulher estava cozinhando e o marido


dormindo em um dos quartos. Na breve conversa com a moradora, que foi receptiva
em mostrar os ambientes, ao mesmo tempo em que questionava o motivo da visita,
constatou-se que, embora em condições precárias de acabamento e estrutura, os
espaços superiores são bem iluminados e ventilados. Desenvolvemos uma rápida
conversa sobre ambiente, saúde e qualidade de vida, especialmente referente à
ocorrência de alergias. A mulher relata que, diferente de outras crianças que conhece
no bairro, seu filho não tem nenhum problema respiratório, bronquite ou asma,
somente “problema de pele”. Na “casa de cima”, reside a mulher, marido e um filho.

Em seguida, descemos para nos despedir da moradora e permanecemos um tempo


conversando a respeito da cobertura frontal que ocupa totalmente o recuo e prejudica
a iluminação e ventilação, principalmente da sala. A moradora é firme em defender a
necessidade daquela cobertura para garagem. No entanto, observamos que, além do
carro, tinha móveis e alguns entulhos acumulados também no local. Arriscamo-nos a
sugerir a retirada de parte da cobertura (Figura 65), o que não teve a mínima
ressonância. Assim, sugerimos apenas a colocação de elementos vazados entre a
parte superior do muro e portão e o telhado, para melhorar minimamente a ventilação
do local, sugestão esta que foi bem recebida pela moradora (Figura 66).

No portão, do lado de fora da casa, já nos despedindo, a moradora começa a contar


a história da árvore que ela mesma plantou quando ainda pequena, há anos, na
esquina da pracinha em frente (Figura 66), e que hoje, por ter se tornado um lugar
agradável, passa um tempo sentada à sombra. “Era uma mudinha em um vaso”, nos
conta, demonstrando a sua satisfação por ter sido a responsável pelo plantio.
144

Ainda antes de seguirmos o percurso pelo bairro até a segunda casa a ser visitada,
perguntamos para a moradora como seria a sua “casa dos sonhos” e em que lugar.
Ela nos diz que seria uma casa muito grande, com quatro quartos, banheiro grande,
cozinha bem grande, cheia de varandas com redes, muita grama e árvore em volta,
mas que poderia ser ali mesmo, naquele bairro, porque conhece as pessoas e gosta
do lugar. Nesse momento, já na despedida, perguntamos à moradora se ela se
importaria se realizasse uma fotografia apenas da frente da sua casa, e ela respondeu
que a fachada estava muito feia e achou melhor não a fazer. Dessa forma, para efeitos
de registro, buscaram-se imagens disponíveis na internet (Figura 68), nas quais se
pode constatar que a edificação continua a mesma observada in loco e apenas a cor
foi alterada.

A visita na moradia possibilitou, além de uma checagem entre a imagem da casa que
foi desenvolvida junto com a moradora na oficina no Centro de Saúde (Figura 61) e o
que concretamente está construído, criar mais uma via de aproximação entre a
pesquisadora e a moradora, o que, na experiência concreta de habitar aquele território
existencial de pesquisa naquele momento, possibilitou certo grau de intervenção,
discutindo propostas conjuntas para as mudanças futuras na casa, sendo menos
provável que isso acontecesse se a via de acesso não fosse pela saúde e qualidade
de vida, bem como se não fosse facilitada e apoiada pela agente comunitária em
saúde.
Essa discussão e construção conjunta de análise do local e propostas de mudanças,
pesquisando e intervindo, são oportunizadas pelo método cartográfico, a partir do
momento que se toma como diretriz que o pesquisador cartógrafo deve-se posicionar
sempre “ao lado da experiência” e não falar sobre, “construindo o conhecimento com
e não sobre o campo pesquisado” (ALVAREZ; PASSOS, 2009).
145

Figura 62 - Planta construída na Oficina da casa visitada in loco

Fonte: da autora.

Foi possível constatar que a imagem construída na Oficina no Centro de Saúde,


através da narrativa da moradora e suas intervenções no posicionamento das peças
imantadas sobre o painel, se assemelhou bastante à situação concreta, dando pistas
de que essa estratégia de aproximação por meio de oficinas coletivas e de certa forma
lúdica tem potência na construção de uma relação para acesso ao campo de pesquisa.
146

Figura 63 - Desenho elaborado em observação in loco na visita a Casa 1.


147

Figura 64 - Desenho elaborado pela autora sobre a discussão das mudanças


desejadas pela moradora e sugestão da pesquisadora.
148

Figura 65 – Desenho com sugestões da pesquisadora para cobertura nos fundos


(aceita) e melhoria da ventilação e iluminação frontal (aceita).
149

Figuras 66 e 67- Mangueira plantada pela moradora na pracinha em frente à sua


casa.

Fonte: Fotografia feita pela autora de frente da casa.


150

Figura 68 - Imagem da fachada da casa 1 visitada in loco.

Fonte:https://www.google.com.br/maps/

A segunda casa visitada in loco situa-se em uma parte do loteamento que foi invadida
quando os embriões estavam com a alvenaria parcialmente executada, sendo
concluída através de autoconstrução e já com ampliações.

Trata-se de uma moradia com condições de salubridade precárias, especialmente


relacionadas a iluminação e ventilação naturais praticamente inexistentes, assim
como quanto à privacidade. A organização espacial interna é confusa; os quartos
possuem dimensões reduzidas, com espaço de circulação insuficiente e pouca
privacidade, sendo que, para acessar o quarto dos “meninos”, que fica aos fundos, é
obrigatório passar em frente ao quarto da “menina”, cuja parte frontal é vedada apenas
por uma cortina. O quarto da menina é mobiliado com uma cama de casal e um
armário, restando um espaço de circulação inferior a 70cm entre eles, não havendo
distanciamento entre a cama e as paredes de fundo e lateral e a cortina.
151

Durante a oficina de ambiência no Centro de Saúde, a moradora, enquanto nos


contava a respeito da configuração da casa, foi relatando também que moravam na
área de ocupação na margem do córrego e, como estava demorando para COHAB
entregar os embriões, os moradores resolveram invadir e terminar por conta própria
as unidades habitacionais. Disse, ainda, que um tempo depois, quando já estavam
morando na casa, arquitetas da Prefeitura Municipal de Campinas foram até o local
para a regularização da situação e solicitaram que fossem demolidas as ampliações
executadas nos recuos dos fundos e frontal, que excedem a ocupação máxima
permitida.

A moradora argumenta que essa área é essencial para abrigar a família e o pequeno
comércio na parte frontal da casa, afirmando que não demolirá nenhuma parte da
casa. A área que atualmente é usada como uma pequena mercearia no início era um
quarto e um banheiro para aluguel, ou seja, a ampliação frontal desde o começo se
destinou a abrigar uma fonte de renda da família. Assim, a situação permanece
irregular, e nenhuma outra fiscalização foi realizada até o momento. Afirma ainda, que
a família está satisfeita com a casa e que não pretende realizar nenhuma alteração,
sendo seu maior desejo o de se mudar da Vila Esperança para outro bairro melhor.
152

Figura 69 - Croqui da Casa 2 realizado in loco pela autora


153

O retorno aos dados gerais levantados, referentes aos atendimentos clínicos e


pediátricos de abril a novembro de 2013 dos usuários do Centro de Saúde São
Marcos, adscritos à Equipe Amarela (moradores da Vila Esperança), que forneceram
um panorama das doenças mais frequentes nessa população, possibilitou a
constatação de que são mais presentes nos adultos: nasofaringite aguda (resfriado
comum), febre com calafrio, hipertensão e dispepsia (dificuldade de digestão). Nas
crianças, são frequentes a Influenza (gripe, pneumonia devido a vírus não
identificado), a nasofaringite aguda, a asma predominantemente alérgica e a
meningite por varicela, sendo que a obesidade infantil também aparece em um grau
preocupante. Em relação aos casos de notificação, pode-se observar nos dados
oficiais do município de Campinas que é alta a incidência e prevalência de dengue,
tuberculose e ainda há alguns casos de hanseníase no território. Esses últimos, de
acordo com informações de uma das agentes comunitárias da Equipe Amarela,
devem-se ao fato de uma família portadora da doença ter vindo de outra região e
fixado residência na vila.

Na literatura estudada, verificou-se que parte das doenças acima descritas e


frequentes na população da Vila Esperança, tais como nasofaringites, resfriados,
gripes, asma, hipertensão e a própria obesidade, mantém fortes relações com as
condições de moradia e do ambiente, que podem ou não favorecer o aparecimento, a
disseminação, assim como dificultar seu controle. Por exemplo, quando a
precariedade de ventilação, a umidade e o mofo contribuem para o surgimento de
doenças respiratórias como asma e bronquite em crianças, ou, ainda, oportunizam o
contágio da tuberculose, que também é impactado pelo adensamento de pessoas na
habitação.

Nesse sentido, é relevante destacar que a maior parte das habitações da Vila
Esperança foi entregue na tipologia dos embriões de 25m² da COHAB e que os
moradores foram reformando, adequando e ampliando conforme com suas
necessidades, sem nenhum acompanhamento técnico. Assim, é perceptível o
comprometimento das condições de salubridade nas moradias quando ampliadas e
que, em muitas situações, ocupam quase a totalidade do lote com a construção dos
“puxadinhos”. Na imagem aérea de parte do loteamento (Figura 70), pode-se observar
154

de forma clara o padrão de ocupação do lote, especialmente na área destacada em


branco, que foi ocupada enquanto os embriões (tipologia 1) ainda estavam na fase de
fundação, e os próprios moradores, através de autoconstrução, sem nenhuma
assessoria técnica, não só concluíram os embriões, como já realizaram ampliações.

Os espaços ampliados são usados tanto para aumentar a capacidade interna das
próprias habitações quanto para fonte de renda, como aluguel ou instalar algum tipo
de comércio no recuo frontal, deixando o interior da casa insalubre, com pouca ou
sem nenhuma iluminação e ventilação natural, propiciando a presença de umidade e
mofo, que são condições favoráveis para o aparecimento de doenças respiratórias,
alergias e até mesmo a depressão, como observado no estudo apresentado por
Hopton e Hunt (1996).

Figura 70 - Imagem aérea para destacar o padrão de ocupação nos lotes.

Fonte: EMPLASA. E informações gráficas inseridas pela autora.


155

Figura 71 - Casas com ocupação total do lote, cobertura chegando até o muro de divisa.

Fonte: Fotografia da autora.

Figuras 72 – Infográficos de observação das ampliações, dos “puxadinhos” –


transformações, a partir do embrião.

Fonte: Desenvolvido pela autora.


156

A poluição ambiental é visível e percebida tanto na dispensação de lixo, mobiliários,


entulhos de construção, entre outros detritos, na margem do córrego e em diversas
áreas do bairro (Figuras 73, 74, 75 e 76), quanto pela liberação de poluentes, como
gás carbônico, que vem pela proximidade com Rodovia Dom Pedro I, agravando as
condições do ambiente e contribuindo para o aumento das doenças respiratórias,
infecções diversas, alergias, entre outras. E ainda, o acúmulo de água parada, que foi
constatado em diversos lugares no caminhar pelo bairro, apesar do trabalho intensivo
das agentes comunitárias junto aos moradores, é propício para o aparecimento de
dengue e outras doenças.

As agentes comunitárias são reconhecidas e respeitadas pela comunidade e


expressam o desejo de contribuir para que a Vila Esperança se transforme em um
bairro melhor, conforme fala de uma agente comunitária, enquanto caminhava com a
pesquisadora na realização de um dos percursos: “Eu sonho ver esse lugar sem lixo,
com muita vegetação, bancos para descanso e lugar de caminhada na margem do
córrego. Eu faço o que posso para que isso um dia seja realidade”.

Figura 73 - Acúmulo de lixo em terreno vazio.

Fonte: Fotografia da autora.


157

Figura 74 - Acúmulo de lixo próxima da horta.

Fonte: Fotografia da autora.

Figura 75 - Lixo na margem do Córrego da Lagoa.

Fonte: Fotografia da autora.


158

Figura 76 - Lixo no córrego.

Fonte: Fotografia da autora.

As percepções que foram emergindo durante as vivências no decorrer dos percursos


chamaram a atenção também para possíveis não ditos em relação ao acúmulo de
lixo, ao descaso com a pavimentação e acessibilidade, enfim, sobre o descuido com
o território. Fica evidente que a implantação do loteamento isolado da cidade, com
uma única interligação planejada com o Bairro São Marcos, que é seu vizinho, é
propícia ao controle daquela comunidade por forças que agem e dominam o lugar, ou
seja, uma forma de poder paralelo. Nesse sentido, manter o ambiente degradado, com
difícil acessibilidade, e uma comunidade com baixa autoestima é interessante para
fortalecer essas relações de poder, dominação e controle presentes no bairro. Assim
como manter o matagal alto, que se transforma em esconderijo de pessoas e de
objetos de furto.
159

Alguns indícios de mobilização, ainda tímidos, apareceram durante a realização do


percurso prévio, na presença de cartazes reivindicando o asfalto na vila, cujas obras
começaram em janeiro de 2015, com início das obras de pavimentação. Porém, no
decorrer de todo o processo, ficou evidente a baixa organização comunitária e
mobilização social e a não apropriação e uso da rua e dos espaços públicos em geral,
em especial, das praças que foram projetadas na implantação do loteamento.

O pressuposto para esse não encontro com a população nas ruas, que, quando
ocorria, era sempre com as mesmas pessoas, seria o fato de que os percursos
aconteceram sempre em dias e horários de trabalho, devido à necessidade de
adequação à disponibilidade da agente comunitária em acompanhar. No entanto,
quando conseguimos algum acesso às residências, constatamos que os moradores
estavam nos seus interiores. E por diversas vezes observamos, mesmo de fora, que
as pessoas lá estavam, muitas vezes homens, adultos e jovens dormindo, a maioria
constituída de trabalhadores informais.

Também ficou evidente que a precariedade da infraestrutura urbana, como ausência


de pavimentação e insuficiência no transporte coletivo, são fatores que prejudicam a
saúde nesse território. As ruas que não possuem pavimentação acumulam poeira em
épocas secas e lama no período das chuvas, sendo uma das causas das alergias,
especialmente nas crianças. A maioria das ruas é íngreme (Figura 77), dificultando
também a acessibilidade. E ainda, as áreas externas abertas, áreas verdes e espaços
coletivos que poderiam ser usados para caminhadas e convivência cotidianas da
comunidade, ficam prejudicadas pela carência de infraestrutura básica e também são
locais de insegurança, pois foi recorrente na fala de alguns moradores, especialmente
durante a roda de conversa nas oficinas, o não uso dessas áreas em função do medo.
160

Figura 77 - Rua com grande declividade. Calçadas sem acessibilidade e desníveis


difíceis de serem transpostos, fazendo com que as pessoas circulem pela rua.

Fonte: Fotografia da autora.

Figura 78 - Rua com grande declividade, em calçadas.

Fonte: maps.google.com
161

A parte oeste, a mais antiga da Vila, aparentemente está mais consolidada, com casas
reformadas, e em melhores condições que a parte leste, mais recente. Para a agente
comunitária que acompanhou todos os percursos com a pesquisadora, a parte leste
também é a de maior vulnerabilidade e risco, com maior número de desempregados,
dado comprovado no Censo de 2010, do IBGE.

A Praça do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC II), construída logo na


entrada da Vila para atividades esportivas, culturais e de lazer, ainda se encontra em
processo de apropriação pelos moradores. É curioso falar em “entrada da Vila”, porém
é assim que se configura atualmente - um único acesso que é feito por uma ponte
pavimentada para passagem de veículos, interligando a Vila Esperança ao Jardim São
Marcos.

Há ainda as diversas “pontes - pinguelas” autoconstruídas que foram se criando, em


um movimento ainda tênue, mas que pode anunciar tentativas de apropriação do
território pelos moradores, traçando caminhos que atendam suas necessidades de
mobilidade e conexão com a cidade, que também serão tratadas a seguir, na
conclusão da pesquisa.

Figura 79 – “ Outra pinguela” construída pelos moradores.

Fonte: maps.google.com
162

5. CONCLUSÕES

A cartografia produzida nesta pesquisa-intervenção fornece pistas para se apostar na


potência de um modo de fazer intercessor entre arquitetura e urbanismo e saúde, para
as intervenções em territórios habitacionais de interesse social que contribua na
produção de saúde em defesa da vida. Ao partir do pressuposto de que não se trata
de ações prescritivas, nem reduzidas a unidade habitacional, uma vez que produzir
saúde vai além de eliminar ou minimizar doenças, mas também, de produzir sujeitos
individuais e coletivos com capacidade de viver a vida de modo protagonista e
autônomo.

As intervenções emergentes a partir dessa intercessão devem se expandir e se


entrelaçar na direção de um território que é habitado com as múltiplas vozes e
dimensões que o compõem, tomando-se, assim, o conceito de Território Habitacional
a premissa para o percurso investigativo, de um território que, para além das
dimensões físicas e geográficas, também é existencial, onde a vida acontece e se
concretizam políticas de subjetivação.

Assim, um pressuposto para a construção do conceito de Território Habitacional é de


que há uma inseparabilidade entre os processos de produção do território, de
subjetividade e de saúde, e que essa inseparabilidade traça um plano, através do qual
se possibilita acompanhar processos de construção de si, de construção de mundo e
de construção de vida.

As experimentações oportunizadas pelos percursos e oficinas desvelaram a potência


do modo de coprodução do espaço através de um “fazer com”. Especialmente porque
a entrada nas casas dos moradores só foi possível a partir da construção de uma
relação de confiança entre a pesquisadora, “estrangeira”, e moradoras no decorrer
das oficinas de ambiência no Centro de Saúde São Marcos, sendo fundamental a
participação de trabalhadores e agentes comunitários em saúde na abertura de
brechas para a discussão, a qual, no primeiro momento, deu-se mais pela via da
discussão sobre a saúde e qualidade de vida do que da própria arquitetura, da casa
ou das condições do bairro.
163

Ficou clara a resistência inicial dos moradores em relação à exposição das casas, dos
ambientes e suas formas de ocupação, das ampliações – “puxadinhos” - e das
condições físicas dos ambientes, como a iluminação e ventilação e as próprias
dimensões, na maioria das muito reduzidas. Essa resistência inicial também foi efeito
de experiências anteriores dos moradoras com arquitetos de órgãos municipais de
controle que em determinadas situações de vistorias as casas, ora exigiram
demolições de áreas irregulares, ora de regularização junto a prefeitura, as quais
implicariam em custos para os moradores.

Assim, o acesso pela via da saúde, sempre de modo intercessor (saber do arquiteto,
saber do agente comunitário, saber do morador), foi decisivo para viabilizar a
pesquisa, uma vez que a Equipe de Saúde da Família, pelo modo como atua, favorece
a produção de vínculos ao desenvolver ações diretas no território, extramuros das
unidades de saúde, que, para além das exigências técnicas, valorizam as
singularidades e necessidades da população (BRASIL, 2010). Parte-se de uma
concepção ampliada de saúde, na qual o processo-saúde doença não se reduz à
ausência de doença, mas é compreendido como “produto e produtor de uma complexa
rede, uma produção social composta de múltiplos fatores” (BRASIL, 2009, p. 6).

As questões que a pesquisadora levantava a partir do olhar da arquitetura, referentes


à ocupação do lote, dos “puxadinhos”, em diversos momentos não foram bem
acolhidas, especialmente por estes serem expressão de uma necessidade básica
para sobrevivência, pois, na maior parte das situações, as ampliações foram
construídas ora para abrigar mais familiares, ora para geração de renda, com a
construção de novos cômodos para aluguel ou para comércio, e foram realizadas a
partir de empenho e esforço importantes de uma família, produzindo, assim, valor de
uso e de conquista inestimáveis para essas pessoas. Acrescenta-se que,
posteriormente, nas visitas às casas, também foi fundamental estar lado a lado com
agentes comunitários na condução das conversas.

O processo desenvolvido a partir do método cartográfico de pesquisa-intervenção


mostrou a potência de um modo de coprodução do espaço que sintonize o que se
propõe ou pretende fazer com o como fazer para as intervenções no território,
especialmente ao apostar na participação do arquiteto e urbanista de modo
164

intercessor, para contribuir na qualidade do espaço da habitação e condições vida,


valorizando as transformações produzidas através da autoconstrução pelos próprios
moradores, a quais muitas vezes equivoca a própria ideia da construção resistente
”feita para durar”, ao mostrar certa constância de transformação, de acordo com a
necessidade do momento dos moradores de cada casa, tem-se a impressão de um
contínuo canteiro de obras.

Como discute Paola Berenstein Jacques em Estética da Ginga (2001), ao trazer o


conceito de fragmento nas favelas, “o arquiteto tem o hábito de espacializar o tempo,
ao passo que os favelados agem mais temporalizando o espaço” (p. 55). Esse
temporalizar do espaço ficou evidente tanto nos percursos quanto na entrada nas
casas, à medida que se verificou as transformações autoconstruídas que foram
acontecendo a partir do embrião original que se configuraram como certa bricolagem,
porém nos limites do lote. Os espaços vão se arranjando de modo a atender as
necessidades do habitar de um determinado grupo familiar10.

As transformações protagonizadas pelos moradores ocorrem com mais intensidade


nas casas, nos seus interiores, no “esticar e puxar” de cada espaço, restritas aos
lugares onde há condições de interferência, e muito pouco para além dos muros,
expondo a fragilidade da vida em comunidade. As relações e redes nesse território se
estabelecem com baixa apropriação dos espaços coletivos, onde as ruas e as
calçadas são mais lugar de passagem do que permanência.

Já as transformações no bairro acontecem com menor intensidade através da


participação popular, concretizando-se por ações fragmentadas da gestão pública nos
equipamentos urbanos, como a construção da nova Praça do PAC II, da Nave Mãe,
da Escola Municipal de Educação Infantil e, mais recentemente, o início das obras de
pavimentação. Essa última, sim, tem sido uma luta constante dos moradores.

Porém algo se destaca na paisagem - trata-se das pontes (Figura 79), ou melhor, das
“pinguelas”, como são chamadas, autoconstruídas para ligar outros pontos, além do

10 A ideia de grupo familiar é usada para caracterizar o grupo de pessoas que habitam um mesmo
espaço, cujas relações nem sempre são de parentesco direto ou do que se entende como uma família
tradicional.
165

formal, do loteamento da Vila Esperança ao Jardim São Marcos. Ainda de forma


tímida, indícios de um extravasar pelas fronteiras do bairro e criar conexões com a
cidade; uma intervenção produzida pelos próprios moradores do território na tentativa
de solucionar um problema do desenho urbano e do projeto original do loteamento,
que foi concebido com uma única via de interligação, criando, assim, um bairro isolado
da cidade e do próprio entorno imediato. Desenho este que segue o padrão produzido
para as moradias dos pobres na maior parte das cidades brasileiras, que favorece a
segregação e exclusão e que também expressa os efeitos das ações fragmentadas e
programáticas, e não de uma política para os Territórios Habitacionais de Interesse
Social, com diretrizes e métodos que incluam os moradores no processo de
formulação, discussão e implementação.

O desenho original da Vila Esperança evidencia os efeitos dessa fragmentação e da


forma como foi planejado e implantado, favorecendo não só o isolamento da cidade,
mas o controle e domínio por grupos com maior poder no território, por exemplo, os
vinculados ao tráfico de drogas. A Vila Esperança é um território existencial marcado
pelas “pinguelas”

Assim, mesmo sendo um espaço urbano de fácil compreensão, deslocamento e


localização, os percursos realizados no decorrer da pesquisa sempre foram
praticamente os mesmos e necessariamente acompanhados pela agente comunitária,
esta que foi um “fio condutor” para a pesquisa, como descreve Jacques (2012).
Apenas no ultimo percurso, avançou-se um pouco mais para a parte ainda não
asfaltada da Rua Uriassu de Assis Batista, onde, naquele momento, já se encontrava
instalado o canteiro de obras para a pavimentação, com um vai-e-vem de máquinas e
funcionários interferindo na dinâmica daquele lugar pouco acessível.
166

Figura 80 - Conexões físicas da Vila Esperança ao Jardim São Marcos.

Fonte: Foto aérea extraída do mapas.google, com informações gráficas da autora.

Os labirintos na Vila Esperança não estão nas ruas, na escala urbana, mas acontecem
no interior do lote, nas transformações autoconstruídas das casas, na escala do abrigo
e na rede de relações que atravessam aquele território.

A análise da vivência em campo corrobora a hipótese de que a construção de


estratégias para aumentar os graus de qualidade de vida em um determinado território
é uma tarefa que vai além de prescrever soluções para o ambiente construído,
tratando da criação de possibilidades produzidas na intercessão entre os campos da
arquitetura e urbanismo e saúde coletiva, de modo que essa coprodução favoreça a
167

participação dos moradores de mais autônoma e protagonista e que desperte neles o


desejo de cuidado com seu território – casa/bairro -, entendendo que, assim, também
se está cuidando da produção de saúde e de vida.

Trata-se de um modo de fazer que inclui os usuários do espaço como agentes


protagonistas e construtores do processo de transformação, mas que não prescinde
de outros saberes, atuando em uma relação de interferência, em que um provoca o
que o outro não sabe e vice-versa - o arquiteto com seu saber no plano da arquitetura
e urbanismo, os profissionais de saúde e seu trabalho com a comunidade e os
moradores com seus saberes e experiência vivencial do território.

É uma estratégia com potencial para promover avanços qualitativos nos Territórios
Habitacionais de Interesse Social, pois mesmo em um território com tantas
dificuldades de acesso, de muito alta vulnerabilidade social, onde se percebia
claramente certa aridez, baixa autoestima, isolamento, senso de pertencimentos e
relação de vizinhança muito fracos, algumas entradas foram se construindo e se
tornando possíveis a partir das oficinas de ambiência e da orientação metodológica
do “fazer com”. No entanto, são intervenções que têm seus planos de atuação
reduzidos por operarem no âmbito da micropolítica, sendo recomendável a articulação
dessas ações locais com as políticas públicas de habitação, saúde, infraestrutura,
ambiental e social, nas suas dimensões macro, tanto na formulação quanto na
implementação, para que efeitos concretos e mais abrangentes no que tange à
efetivação da qualidade de vida dessas pessoas, ou seja, é um desafio também para
gestão pública.

No território estudado, observou-se a ausência de políticas públicas, e, quando há


algo nesse sentido, são ações fragmentadas de alguns programas, por exemplo, o
PAC, algum programa educacional ou alguns referentes às políticas saúde, em
especial, as relacionadas à Atenção Básica à Saúde, que estão mais acessíveis a
essa população.

Desse modo, os dados produzidos na pesquisa contribuem para a análise de que as


intervenções realizadas a partir da intercessão arquitetura e urbanismo e saúde são
potentes para a qualificação do território e o aumento nos graus de qualidade de vida
168

no sentido da produção de saúde de uma determinada população, se essas ações


favorecerem a participação, protagonismo e consequente ampliação do grau de
pertencimento e apropriação em relação ao lugar que vivem. São inúmeras as ações
possíveis, que vão desde o sentido da sustentabilidade, cuidado com meio ambiente,
manejo dos resíduos associados a geração de renda, ao interior da habitação,
considerando que todas elas interferem na saúde da comunidade.

No entanto, também se constatou durante o campo de práticas na Vila Esperança que


tais ações podem ser contrárias a determinados interesses de controle e dominação
que operam nos territórios precários, com alto grau de vulnerabilidade e risco social,
e, nesse sentido, é fundamental que essas estratégias se articulem também às
intervenções no âmbito de outras políticas públicas para além de saúde e habitação,
tais como, as de segurança, assistência social, cultura, educação, entre outras.

Essa compreensão refere-se ao conceito de um território que se constitui de objetos,


de fixos e de fluxos (SANTOS, 1992), e que trazem igualmente uma importante carga
política e subjetiva. Assim, a produção do espaço urbano não deve ficar refém do
mercado imobiliário e da sociedade de consumo, cabendo aos arquitetos e urbanistas
estar sensíveis e comprometidos, no sentido ético, estético e político, com os
movimentos territoriais, que são menos um problema de infraestrutura, e mais uma
questão de cruzamento das situações econômicas, sociais e culturais (GUATTARI,
1992), sendo preocupantes ainda, como afirma o autor, tanto as questões ambientais,
como é desafiador o enfrentamento das devastações no campo social e mental que
se tem produzido na sociedade contemporânea.

Assim, a partir desta pesquisa-intervenção, indica-se a primeira pista, e também uma


oferta, que é garantir a presença de um apoiador em ambiência, com núcleo de
saber em arquitetura e urbanismo, atuando junto às equipes de saúde da família para
construção de estratégias que contribuam para melhorias nos Territórios
Habitacionais de Interesse Social que se encontram em situação precária, de
vulnerabilidade e risco social.

O conceito de apoiador é amplamente discutido e usado e tem seu valor reconhecido


no âmbito da Gestão em Saúde. A proposta aqui não é discutí-lo nesse campo, mas,
169

sim, inspirar-se na estratégia produzida para as ações da Saúde Coletiva no âmbito


do Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo um sujeito – o apoiador em ambiência
no território – que disponibilize as contribuições do seu núcleo de saber em arquitetura
e urbanismo, atuando em uma relação de interferência com os profissionais da
atenção básica em saúde, neste caso em especial, os agentes comunitários em saúde
e os moradores do território, usuários do Centro de Saúde, para formulação e
implementação de estratégias que qualifiquem esses Territórios Habitacionais de
Interesse Social.

A compreensão de apoiador em ambiência que se defende aqui é sintonizada com a


trazida por Pasche e Passos (2010), ao analisar a função do apoio institucional no
contexto de uma política pública de saúde, a Política Nacional de Humanização da
Atenção e Gestão no SUS. Para os autores, essa função de apoio se relaciona ao
método, entendido como modo de fazer que não se restringe às instituições de saúde.
Trata-se de um método sustentado pela inclusão dos diferentes sujeitos no processo
e que apresenta uma reversão de metodologia, ao propor que se priorize o caminho,
e não a meta, e que afirma a força da experiência concreta dos coletivos. Um modo
de fazer que inclui o apoio as diferentes instâncias da saúde em uma direção
democrática e que prioriza a inclusão da diferença.

Incluir o outro, aquele que não sou eu, que de mim estranha, e que de
mim produz estranhamento, provocando tanto o contentamento e a
alegria, como o mal-estar (...) que produz certa perturbação nos papéis
pré-estabelecidos, força-motor da produção de mudanças, pois
tendem a desestabilizar certo estado de coisas. Incluir sujeitos não
como pares em oposição, como sujeitos em relação, em composição
que permitam operar mesmo que provisoriamente sobre realidades
concretas e complexas (PASCHE; PASSOS, 2010, p. 426).

A defesa aqui proposta é que o trabalho do apoiador em ambiência se desenvolva a


partir de um modo de fazer pautado na intercessão com outros saberes e com abertura
para incluir as modulações necessárias a partir das situações que emergem no
território, tendo como pressuposto que para ser esse apoiador é preciso habitar o
território existencial. Essa aposta no apoio em ambiência para o território junto às
equipes de saúde é sustentado a partir do que se produziu no desenvolvimento da
170

pesquisa, na experiência concreta da pesquisadora durante a cartografia do território,


ficando evidente a legitimidade da agente comunitária em saúde na área e o
reconhecimento do Centro de Saúde não apenas como um lugar onde se tratam as
doenças, mas uma referência social e política para a vida dessa comunidade, sendo
a saúde uma importante via de acesso ao território.

E mesmo com as dificuldades de acesso ao bairro, às casas, aos moradores, no


exercício do método foi possível entrar em algumas casas que tiveram suas plantas
produzidas nas oficinas, discutindo-se e coproduzindo-se possíveis intervenções,
especialmente em uma delas, a partir dos desejos e necessidades expostos pela
moradora que melhorarão de imediato as condições de salubridade com consequente
interferência na saúde dos moradores.

Assim, se propõe uma modulação de eventuais assessorias de técnicas de arquitetura


nos territórios de habitação de interesse social para um modo de apoio matricial junto
aos Centros de Saúde de Referência, sempre articulado com o trabalho dos agentes
comunitários em saúde, no qual:

1. O profissional de arquitetura apoia e conduz oficinas de ambiência nos


Centros de Saúde de referência em parceria com a equipe de saúde;
2. O apoiador em ambiência realiza visitas in loco, sempre acompanhado dos
agentes comunitários de saúde, para promover a discussão do espaço,
condições da habitação e do bairro, qualidade de vida e produção de saúde;
3. Seja favorecida a coprodução. O arquiteto, via apoio matricial em ambiência
junto com o agente comunitário em saúde, com ele discute e propõe
intervenções que melhorem as condições na habitação, bem como seus
impactos na saúde, sendo fundamental a coprodução dessas ações através
de métodos participativos, de modo que os moradores sejam os
protagonistas do processo.

A segunda pista vai no sentido da indissociabilidade entre as ações no âmbito


micropolítico, como as experimentadas nesta pesquisa, e as diferentes políticas
públicas, em especial, as de saúde e habitação, na direção da qualificação dos
171

territórios habitacionais de interesse social. Considerando que o setor saúde é


influenciado pelas questões da habitação no que tange à saúde pública, este pode
contribuir mais intensivamente na formulação e implementação de políticas e
programa dirigidos à habitação, ao mesmo tempo em que estes devem se utilizar dos
indicadores produzidos na saúde para a discussão das suas pautas.

A integração das políticas em nível territorial local deve oportunizar também condições
favoráveis para um desenvolvimento mais sustentável desses territórios, valorizando
a apropriação e o sentimento de pertencimento dessa população em relação ao lugar
onde vive. Essa ação torna-se possível quando a comunidade local participa do
processo de discussão e de decisão sobre a formulação e implementação das
políticas públicas indutoras do desenvolvimento e aprimoramento territorial,
aumentando seu grau de autonomia, poder de decisão e escolha sobre os modos de
viver a vida. Um exemplo que pode vir a ser referência nesse sentido, guardadas as
singularidades e diferenças de cada território, são os Planos Locais de Ação em
Habitação e Saúde (PLAHS) que se desenvolvem em Portugal.

Na terceira pista se afirma o conceito de Território Habitacional, que se compõe na


inseparabilidade dos processos de produção do território, de subjetividade e de saúde,
o qual também não se separa da produção de vida, e suas múltiplas vozes, sendo que
parte dessa composição está no plano do desejo individual e coletivo. Nesse sentido
está implícito outro pressuposto que também é político, de que a Qualidade de Vida
em Territórios Habitacionais de Interesse Social está diretamente ligada aos graus de
protagonismo e participação dos cidadãos nos processos de habitar e de produzir
saúde. Assim, ao se sustentar o conceito de Território Habitacional nessa pista
também se afirma que quanto mais participativos e protagonistas são esses
processos, maiores os graus de qualidade de vida alcançadas.

Desta forma, o campo problemático apresentado, solicitou, para além da produção de


ofertas e estratégias de intervenções, uma aposta metodológica, a qual se configurou
em estratégias democráticas de produção de conhecimento, que no decorrer da
investigação se desenvolveu a partir da pesquisa-intervenção participativa.
172

Assim, para efeito da presente tese, cessa-se essa cartografia, indicando-se a


possibilidades para investigações futuras, uma vez que a arquitetura e o urbanismo
devem ser coproduzidos com as pessoas, e sendo a vida uma obra aberta, as
mudanças e novos acontecimentos são cotidianos e assim também são as
transformações no território. Os acontecimentos recentes na Vila Esperança são
exemplos dessa dinâmica, pois, com a chegada do asfalto, outras transformações se
anunciam no bairro.

Uma delas já pode ser observada ao passar pela Rodovia Dom Pedro I, ao verificar
que o acesso para pedestres e bicicletas, até então informal e difícil, construído pelos
moradores, e que ligava a Vila Esperança ao Ceasa, começa a ser pavimentado e
aquela sensação de isolamento parece começar a se transformar, apontando para
sinais de conexão. Essa conexão pode ser positiva, ao criar outra forma de acesso
que diminui o isolamento da vila, possibilitando, inclusive, maior permeabilidade para
a equipe de saúde na área do final da vila, um território controlado, de difícil acesso e
com alto índice de prostituição e de algumas doenças decorrentes dessa atividade.
Mas, ao facilitar a comunicação com a Rodovia Dom Pedro I, poderá também criar
condições mais favoráveis ao aumento da atividade, como já verificado em situações
semelhantes em outros bairros, ficando o indicativo para estudos futuros.

Embora na contemporaneidade outras formas de conexões coexistam para além da


infraestrutura física, tais como as virtuais e midiáticas, que se mostraram presentes
naquele território, ainda se deseja e se aponta como necessário um platô mínimo de
conexão física com a cidade, sendo imprescindível que o arquiteto e urbanista
contemporâneo atente a essa multiterritorialidade no seu cotidiano de trabalho.

Nesse sentido, a Cartografia como método condutor possibilitou dar passagem


também as dimensões que se constituíram nos planos políticos e subjetivos, e que se
expressaram na dinâmica do território. Sendo apresentadas tanto as potencialidades
quanto as fragilidades durante o caminhar da pesquisa-intervenção junto aos
moradores. Partindo-se de um problema, o aumento nos graus de qualidade de vida
em bairros de habitação de interesse social de alta vulnerabilidade e risco social, foi
sendo tecido um território existencial, como apontam Alvarez e Passos (2009, p. 131),
173

no entrelaçamento da discussão conceitual com a experiência concreta vivida nos


territórios existenciais, no encontro com as pessoas em seus Territórios Habitacionais.

Assim, também se conclui na pesquisa que os métodos de intervenção e produção


nos espaços das cidades são mais transformadores e potentes para o aumento nos
graus de qualidade de vida, à medida que possibilitam também maiores graus de
participação, protagonismo e coprodução por quem os habita, ou seja, quando são
participativos. E que, é imprescindível uma mudança no modo de fazer do arquiteto
para que na intercessão com os moradores, esses processos participativos de
coprodução dos espaços se concretizem.

O que não significa a troca de um arquiteto por outro, mas do seu modo de atuação,
o qual não prescinde do núcleo de saber do arquiteto e urbanista, ao contrário, se
afirma a necessidade de maior participação da população para a construção coletiva
das cidades, como aponta Jacques (2001). Nessa direção se aposta na potência da
coprodução do espaço como vetor de transformação, onde arquitetos e moradores,
usuários - habitantes do espaço, com seus saberes singulares atuam em uma relação
de interferência para a produção de um comum: aumentos nos graus de qualidade de
vida em territórios habitacionais, especialmente nos de interesse social.
174

Ter uma vida significa criá-la e recriá-la sem parar. O homem não pode ter
vida senão a criou por si mesmo. Quando a luta pela existência for apenas
uma lembrança, ele poderá, pela primeira vez na história, dispor
livremente de toda a duração de sua vida. Conseguirá, com plena
liberdade, moldar na sua existência a forma dos seus desejos. Em vez de
ficar passivo diante de um mundo que não o satisfaz, ele vai criar um outro,
onde poderá ser livre. Para poder criar a sua vida, precisa criar esse
mundo. E essa criação, como a outra, são parte de uma mesma sucessão
ininterrupta de criações. Nova Babilônia só poderá ser obra dos seus
habitantes, produto de sua cultura.

Constant em Nova Babilônia por Paola B. Jacques


175

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184
185

APÊNDICE

Apêndice A: Resumo dos Atendimentos Clínicos Adulto e pediátricos realizados pela


Equipe Amarela no Centro de Saúde São Marcos no Período de Abril à novembro de
2013.
186
187

Apêndice B: Fichas usadas nas oficinas para construção das narrativas 11.

11 As fichas ficaram circulando entre os participantes e as discussões a partir de cada uma delas foram
anotadas nas fichas respostas pelas pesquisadora e colaboradora, as quais continham algumas
questões de orientação.
188
189

Apêndice C: Fichas respostas usadas para as anotações da pesquisadora e


colaboradora.
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197
198

Apêndice D: Roteiro norteador para as oficinas de ambiência no Centro de Saúde


São Marcos.

Roteiro Geral

Oficinas no Centro de Saúde São Marcos as quartas-feiras no mês de agosto de 2014,


com início às 13:30 horas com grupo HIPERDIA (Hipertensos e diabéticos) da Equipe
Amarela.

1. A primeira parte será a construção das narrativas, à medida que morador da


Vila Esperança chega no CS e vai sendo realizada a aferição da pressão
arterial até todos estarem finalizados e iniciar o grupo a pesquisadora e a
observadora conversarão com os moradores para a construção das narrativas
a partir das imagens mostradas e de algumas questões norteadoras.

O objetivo dessas narrativas é conhecer mais os moradores, suas casas, o bairro a


partir do que contam.

2. A segunda parte é a Oficina de Ambiência conforme descrição no Roteiro


específico.
3. A pesquisadora e sua colaborado realizam os registros das falas e
acontecimentos durante a oficina para compor o diário de campo.

Observação: Antes do início da conversa entregar o TCLE (Termo de Consentimento


Livre e Esclarecido) para os participantes assinarem.
199

Roteiro detalhado para condução da Oficina de Ambiência I


(Tempo estimado da Oficina 2h e 30min a 3h)

AÇÃO 1: Apresentação e aquecimento - 15 minutos

1. Apresentação da Pesquisa e pactuação da sua realização com o grupo.


2. Pesquisadora conduz a apresentação (5 minutos): falar da pesquisa, do
interesse em relação ao tema e de realizá-la na Vila Esperança
3. Problematização sobre os modos de produção de vida e as condições do
território habitacional com o objetivo de discutir e construir um conceito de
qualidade de vida que faça sentido para as pessoas que habitam esse território,
uma vez que este conceito é amplo e subjetivo e está fortemente relacionado
ao campo do desejo e da experiência de cada indivíduo e suas redes de
relações.

AÇÃO 2: Construção de Narrativas - 45 minutos

Propor para o grupo que conversem entre si (técnica do cochicho) sobre o que é
qualidade de vida para eles e como percebem esta qualidade de vida na Vila
Esperança em relação a sua situação anterior de moradia. E ainda em relação a outros
bairros mais estruturados que conhecem ou que já moraram ou em relação ao centro
da cidade.

Dinâmica: 15 minutos de cochicho entre participantes e 15 minutos para contarem o


cochicho.

- Pesquisadora registra as falas e Observadora registra os


gestos/movimentos/sensações/sons em cada fala.

- Ambas registram sobre a dinâmica do grupo (espontaneidade, timidez, atuações)

Debate: 30 minutos: discutir sobre as compreensões apresentadas pelo grupo acerca


da qualidade de vida e agregar as possíveis relações entre os indicadores de saúde
200

disponíveis da população da Vila Esperança e as condições das habitações e


território.

AÇÃO 3: Construção da Planta Interativa - 2 horas

- Pesquisadora explica a atividade.

- Seleção de dois casos, a partir da demonstração espontânea em participar da


dinâmica.

a) Construção das situações/cenas: Pesquisadora mostra o painel com a planta do


embrião de fundo e disponibiliza os imãs com mobiliários, paredes que podem ser
construídas ou demolidas. Indicação de aberturas que foram feitas para ventilação ou
para passagem com o objetivo de que se mostrem as alterações que foram feitas a
partir do embrião.

b) A planta construída com cada participante será fotografada para registro e análise
dos resultados.

c) A pesquisadora deverá sugerir ao morador que conte o que motivou as alterações


(necessidades, desejos).

d) Discussão com o grupo se há desejo ou não da realização da oficina II cujo objetivo


será construção coletiva das possibilidades de intervenção e mudanças nas moradias
e no bairro com os participantes que desejarem, podendo ser uma oficina fora do
momento do grupo no CS, em outro espaço e com mais convidados (filhos, netos,
outros amigos do bairro).

e) Avaliação dos moradores sobre a participação na oficina.


201

ANEXOS

Anexo 1: Carta do Secretário Municipal de Saúde autorizando a realização de parte do campo

em Centro de Saúde do Município de Campinas/SP.


202

Anexo 2: Aprovação do Comitê de Ética da FCM/UNICAMP para realização da


pesquisa de campo.
203
204
205

Anexo 3: Localização das fotografias realizadas pela autora.

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