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CAMPINAS
2015
MIRELA PILON PESSATTI
ASSINATURA DA ORIENTADORA
CAMPINAS
2015
Como cada um de nós era vários, já era muita gente. Utilizamos tudo
o que nos aproximava, o mais próximo e o mais distante.
Distribuímos hábeis pseudônimos para dissimular. Por que
preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito.
Para passarmos despercebidos. Para tornar imperceptível, não a nós
mesmos, mas o que nos faz agir, experimentar ou pensar. E,
finalmente, porque é agradável falar como todo mundo e dizer o sol
nasce, quando todo mundo sabe que essa é apenas uma maneira
de falar. Não chegar ao ponto em que não se diz mais EU, mas ao
ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer EU.
Não somos mais nós mesmos. Cada um reconhecerá os seus.
Fomos ajudados, aspirados, multiplicados.
Esta pesquisa contou com apoio de bolsa concedida pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela (CAPES), aos quais agradeço.
Agradeço a minha orientadora, Profª Drª Silvia Mikami Gonçalves Pina por me orientar
e aceitar o desafio de caminhar por essa intercessão arquitetura e urbanismo e saúde.
Aos Professores Dr. Gastão Wagner de Souza Campos e Dr. Evandro Ziggiatti
Monteiro pela participação na Banca de Qualificação e estimada contribuição na
orientação da pesquisa.
Aos demais membros desta Banca Examinadora: Profª. Drª. Suzana Pasternak, Prof.
Dr. Eduardo Henrique Passos Pereira, Profª. Drª. Milena Kanashiro por aceitarem
esse convite.
A Profª. Drª Ana Goés Monteiro pelo aprendizado, que junto com a Profª Drª Silvia
Mikami possibilitaram a realização de visitas ao campo com alunos do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da FEC/UNICAMP durante a disciplina de Projeto de
Arquitetura IV no ano de 2013.
A Ana Paula Costa, Cathana Oliveira, Maria Claudia de Souza Matias, Mariana
Oliveira, Stella Chebli, Carine Nied, Alexandra Cardoso, Rose Delgado, Adriana
Coser, Fabiani Gil, Rosangela Irano e Ricardo Pena pela amizade, apoio e incentivo
a continuar nesse processo nos momentos mais delicados.
Por fim, aos meus pais pelo apoio incondicional e ao meu esposo Márcio Zovico, pelo
apoio, carinho, amor e paciência durante esse processo.
E, à VIDA!
RESUMO
This research approaches the intersection of architecture and health and discusses an
intervention mode as potential in contributing to the increase in the degree of quality
of life in social housing areas. It is considered that the Housing and Health are two of
the most basic needs for survival of individuals and collectives and they are
inseparable for a life with more quality. Thus, the overall objective of the research is to
investigate and discuss the power of this intervention mode based on the intercession
of knowledge and areas. The study occurs from a practical field with a high vulnerability
and social risk neighborhood in the city of Campinas / SP, called Vila Esperança. It is
based on the hypothesis that the increase in the degree of quality of life of a stated
territory must be produced by advancing in strategies in this intercession, guided in a
way to articulate knowledge between architecture and health, and that includes
residents and users of space in the process of discussion and decision. This is a task
that goes beyond prescribing solutions for the built environment. For methodological
conduct of the research, it was adopted the social cartography as a method, which
favored the exploitation of the territory and the construction of investigative paths,
analysis and proposals presented to the problematic field. The results are clues that
can turn into strategies and guidelines for both the field of architecture and health, but
especially for joint action and intercessor in producing a common goal - the increase
in the degree of quality of life in social housing territories.
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 6
RESUMO ............................................................................................................................... 8
ABSTRACT ........................................................................................................................... 9
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................... 18
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 20
ANEXOS............................................................................................................................ 201
18
APRESENTAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
A Habitação e a Saúde são duas das necessidades mais básicas para a sobrevivência
e desenvolvimento de indivíduos e dos coletivos, e, embora com características
singulares, são indissociáveis na produção de vida. Nesse sentido, é necessário e
desejável que sejam tratadas de modo articulado e associadas para o incremento nos
graus de qualidade de vida em territórios habitacionais de interesse social.
Nesse sentido, toma-se como direção neste trabalho que o território habitacional se
arranja como algo que se assemelha a uma teia onde “todas as demandas urbanas
estão interconectadas – transporte, moradia, habitação, recursos hídricos,
disponibilidade de alimento” (SALDIVA et al., 2010 p. 188) e que a interferência em
um dos nós tenciona os demais. Assim, um dos grandes desafios contemporâneos é
a articulação de ações apresentadas em cada uma dessas pautas isoladamente, no
âmbito da formulação e implementação das políticas públicas, cujas pastas ainda se
configuram de modo fragmentado, especialmente no âmbito governamental.
1 Sobre territórios existenciais: GUATTARI, F. “Restauração da Cidade Subjetiva”. In: CAOSMOSE. Rio
de Janeiro, Ed. 34, 1992.
23
Promover uma discussão acerca da relação entre habitação e saúde, assim como dos
conceitos que são fundamentais para o posicionamento teórico da pesquisa, entre os
quais, qualidade de vida, território e vulnerabilidade.
O espaço que foi identificado como possível para disparar essa experiência no campo
foi o “grupo” que já acontece no Centro de Saúde São Marcos, com usuários
hipertensos e diabéticos e que são moradores da Vila Esperança.
Podem ser citadas diferentes situações como, por exemplo: as medidas tomadas na
Idade Média, de expulsão dos leprosos para fora dos muros da cidade na intenção de
“purificar” o espaço urbano; ou as estratégias de isolamento nas residências das
famílias contaminadas, para controlar a peste na Europa do século XVIII; ou, ainda,
de confinamento dos loucos. Nesse período, instituiu-se na Europa uma medicina
urbana que indicava as direções para a organização das cidades. Era evidente a
preocupação com o ambiente urbano, com a circulação de coisas ou elementos, como
a água, o ar; com a regulamentação de algumas construções, como das caves. No
entanto, para além da questão de organização e esquadrinhamento da cidade com
fins “higienistas”, atravessam também claras intenções políticas (FOUCAULT, 1979).
30
A constatação de que a insalubridade das cidades era uma das causas das epidemias
fez com que se iniciassem a elaboração de normas e as práticas de controle para
melhorar as condições sanitárias das cidades. Ou seja, foram tomadas medidas em
relação à ocupação do espaço urbano na intenção de sanear problemas de saúde, e,
em nome da higiene, alocavam-se as pessoas no espaço, dando origem ao conceito
de salubridade, que, de acordo com Foucault (1979, p. 93), não é a mesma coisa que
saúde, e “sim o estado das coisas, do meio e seus elementos constitutivos, que
permitem a melhor saúde possível”. Correlativamente a ela, aparece a noção de
“higiene pública”. Agregada a essa noção, aperfeiçoa-se o poder disciplinar como uma
“nova técnica de gestão de homens”, uma “arte de distribuição espacial dos
indivíduos” nas oficinas, nas escolas, no exército: “A disciplina é, antes de tudo, a
análise do espaço. É a individualização pelo espaço, a inserção dos corpos em um
espaço individualizado, classificatório, combinatório” (FOUCAULT, 1979, p. 106).
Foi um pensamento que perpassou séculos e que contribuiu, no século XIX, para as
cidades passarem a ser vistas também como espaços que, se adequados a partir das
melhores técnicas, poderiam ser meios apropriados para se formar homens e
trabalhadores saudáveis, compondo, assim, com os interesses políticos e econômicos
(COSTA, 1984).
E ainda, como um dos princípios, afirma a responsabilidade dos governos pela saúde
dos seus povos, que deve ser assumida a partir do estabelecimento de medidas
sanitárias e sociais adequadas, indicando como uma de suas funções a promoção de
melhorias na alimentação, na habitação, no saneamento, nas condições econômicas,
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Dessa forma, a OMS, desde sua criação, tem se ocupado das discussões sobre o
tema da habitação e saúde, como se pode constatar tanto nas suas conferências e
comitês quanto no apoio a diferentes estudos em nível mundial.
Uma pesquisa realizada entre os anos 2002 e 2003, com 8.519 residentes de 3.373
domicílios, em oito cidades europeias (Forlì, Itália; Vilnius, Lituânia; Ferreira do
Alentejo, Portugal; Bonn, Alemanha; Genebra, Suíça; Angers, França; Bratislava,
Eslováquia; e Budapeste, Hungria), relacionou alguns fatores da habitação que se
considerava impactar na saúde dos moradores, tendo como foco principal avaliar a
qualidade do parque habitacional de uma forma holística e como suas condições
afetavam a saúde dos moradores. Além disso, a pesquisa também se propunha a
identificar direções que permitissem estabelecer prioridades para o desenvolvimento
de políticas de saúde e habitação em nível local, desenvolver uma ferramenta que
possibilitasse às autoridades locais avaliar as condições das habitações e de saúde
nas suas regiões e elaborar diretrizes e recomendações para a formulação de políticas
públicas. O trabalho e seus resultados foram usados como base para a discussão
sobre Habitação e Saúde na Quarta Conferência Ministerial em Ambiente e Saúde,
que aconteceu em Budapeste, no ano de 2004 (BONNEFOY et al., 2007).
Para o Nacional Center for Healthy House (NCHH), no Reino Unido, nossa habitação
e nossa saúde são ao mesmo tempo inseparáveis e distintas, afirmando que juntas
refletem as nossas necessidades mais básicas, individuais e coletivas, incluindo a
privacidade, o progresso social e a própria sobrevivência.
Essas são realidades que diferem em alguns aspectos das cidades da América Latina
e Brasil, onde doenças como tuberculose, malária e dengue continuam prevalentes,
e, em grande parte, são causadas ainda por ausência ou deficiência nos serviços de
saneamento ambiental, insalubridade, deficiências na ventilação, iluminação,
umidade, mofo e superlotação das moradias, condições que tendem a piorar as
condições de vida, especialmente da população de baixa renda (MARICATO et al.,
2010; PASTERNAK; LEME, 2010).
Os estudos ingleses realizados ou compilados pelo NCHH (2009) relatam que áreas
habitacionais precárias são mais propensas a criminalidade, violência, vandalismo e
acúmulo de lixo, e que as pessoas que vivem em bairros precários demonstram cinco
vezes mais chances de perceber a desordem local e comportamento antissocial como
um problema. Esses problemas são muitas vezes agravados por Políticas de
Habitação Social com diretrizes que levam a uma maior concentração de pessoas de
baixa renda em uma única área, o que reforça a segregação socioespacial na cidade.
Entre os principais fatores de risco estudados nos últimos anos no âmbito da OMS,
estão selecionados como principais:
(WHO, 2011); “ Nos Estados Unidos, 2 milhões de pessoas por anos recebem
atendimento de emergência por asma” (KRIEGER et al., 2005);
A pesquisa apontou que o controle de projeto e construção das novas habitações deve
assegurar as precauções necessárias para proteger contra os riscos identificados e,
dessa forma, nos novos projetos desenvolvidos nos países europeus, deverão ser
incluídos:
Impermeabilização adequada;
Eficiência energética;
Controle de pragas;
As diretrizes para construção das novas edificações são de extrema relevância, porém
grande parte das inadequações se encontra no parque habitacional existente,
necessitando de ações de reabilitação para melhorias nas condições e mitigação de
impactos nocivos à saúde pública.
No relatório, conclui-se que existem várias ações que as autoridades locais podem
promover para uma habitação saudável e aliviar as condições que possam ameaçar
a saúde e a segurança da população. Indica, ainda, que as agências de gestão de
habitação pública estão em posição de apoiar e fornecer habitação adequada,
especialmente para as populações vulneráveis, de modo a contribuir para a saúde e
qualidade de vida de seus moradores. O inquérito evidenciou, também, que as
pessoas passam em média oito horas do seu dia em casa e que, em geral, os adultos
jovens passam mais tempo fora de suas casas. Em relação ao estilo de vida,
identificou que apenas um quarto da população pratica esportes regularmente e mais
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de quarenta por cento não fazem nenhum tipo de atividade física. Um terço dos
entrevistados maiores de dezesseis anos faz uso do tabaco, e mais de sessenta por
cento fazem uso ocasional do álcool, sendo que cerca de dez por cento fazem uso
diário.
imediato, bem como indicou que, além de satisfazer as necessidades dos estilos de
vida no momento, as mudanças sociais e o envelhecimento da população trazem
novos desafios.
A pesquisa relatada no documento da WHO (2011) foi limitada àquelas áreas com
dados suficientes para o propósito inicial com relação a uma determinada população,
e certamente pesquisas adicionais irão melhorar as bases de evidências,
especialmente as que forem além da infraestrutura, engenharia ou financiamento,
atingindo o âmbito do ambiente seguro e saudável para os moradores e ampliando,
no sentido da melhoria das condições também em bases territoriais no âmbito dos
bairros.
Ao mesmo tempo, o campo das políticas habitacionais pode-se utilizar dos indicadores
da saúde na formulação de propostas dos programas habitacionais, sobretudo para
as populações em situação de vulnerabilidade e risco, levando em conta não apenas
a unidade habitacional, mas minimamente o seu entorno imediato, com saneamento
adequado, acesso a serviços, espaços abertos que favoreçam caminhadas e o
planejamento urbano geral.
Vale resgatar e destacar que a ONU reconhece que todos os cidadãos do mundo têm
direito a um padrão de vida adequada e inclui entre as necessidades básicas para que
isso aconteça o direito à moradia, apontando que milhões de pessoas no mundo vivem
em condições precárias de habitação e saúde e afirmando que “a moradia adequada
deve fornecer mais do que quatro paredes e um telhado (WHO, 2010).”, incluindo
liberdades, em especial, do direito de escolha de onde viver e do movimento, estando
entre os critérios para uma moradia adequados a segurança da posse, a
disponibilidade de serviços, a acessibilidade, as condições de habitabilidade, a
localização e o respeito à identidade cultural.
Para o desenvolvimento do inquérito, o município deve ter clareza dos objetivos que
se pretende alcançar com o plano, que podem ser desde ações locais e campanhas
sobre aspectos relacionados à habitação (segurança doméstica, eficiência energética
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Passando por essa problematização, o trabalho propõe uma análise sobre a relação
Habitação-Saúde, chamando a atenção para a situação da precariedade das
habitações que afeta a saúde das populações ainda na América Latina,
exemplificando com alguns casos, como no adoecimento da população por malária
ou dengue, em que o modo como ocorre o desenvolvimento urbano e a qualidade da
habitação contribui para a proliferação dessas doenças, as quais também estão
associadas a hábitos considerados não saudáveis, à utilização de materiais de
construção precários nas habitações e às condições precárias do entorno. Outro
exemplo é o caso da tuberculose, em que habitações com condições de má ventilação
facilitam a transmissão da doença.
“casa adequada”3 varia de acordo com o local e o tempo, ou seja, existe uma
dimensão cultural importante. Ao focar na discussão das condições de moradia da
população pobre do município de São Paulo (maior metrópole brasileira),
especialmente a partir da década de 1970, destaca a situação da população carente
que vive nas favelas, mostrando em suas análises que a situação desse tipo de
moradia impacta na saúde pública.
A partir dos anos 1990, ganha destaque no país o movimento das Cidades Saudáveis
e da Habitação Saudável (COHEN et al, 2007), que vem se sustentando pautado nas
diretrizes da Promoção da Saúde e, em parte, na Estratégia de Saúde da Família4,
que é um dos eixos estruturantes da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde
(SUS). O movimento afirma que as intervenções no espaço físico que o transforme
em ambientes mais “saudáveis” irão contribuir para a promoção da saúde da
população. É uma estratégia que, embora proponha alguns avanços no sentido de
integração de políticas de diferentes setores, apresenta fragilidades, especialmente
ao se associar com a Promoção da Saúde, uma corrente da Saúde Coletiva que
também, sem dúvida, trouxe avanços em relação ao cuidado em saúde, mas que
apresenta fraquezas, especialmente ao se fundamentar na produção social da doença
e em modelos teóricos baseados no planejamento instrumental e na epidemiologia,
os quais transformam as práticas em saúde em ações programáticas, prescritivas e
burocratizadas, pois têm fortes ligações com as propostas da Vigilância em Saúde.
Essa última também foi uma corrente da Saúde Coletiva Brasileira da década de 1980
e priorizou a intervenção sobre o coletivo, mas “com pouca potência para abarcar a
complexidade do processo saúde-doença e muito menos as múltiplas dimensões do
sujeito que se fazem presentes no campo da saúde”, de acordo com Carvalho (2005,
p. 119).
Isso traz, por exemplo, reflexões acerca da compreensão do conceito de família, que
coloca em questão a forma como vem sendo abordada na Estratégia da Saúde da
Família, propondo um modo de olhar o “indivíduo em relação”, e não o “indivíduo
biológico” isolado, o que se torna mais interessante, pois há de se cuidar para que não
se torne em um fator de exclusão para as pessoas que não têm nesse núcleo
organizado familiar de forma tradicional o seu modo de viver (FRANCO;
MERHY,1999).
5 Para conhecer mais sobre a aplicação do termo modelo, ver em Carvalho (2005, p. 131), que o define
a partir da conceituação de outros autores da Saúde Coletiva Brasileira como “uma formulação mutante
e provisória que varia no tempo (história) e no espaço (diferenças econômicas, sociais e populacionais)
de acordo com a especificidade dos problemas de saúde existentes”.
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se vagos, sendo que aproximadamente 44% deles localizam-se nas regiões Sul e
Sudeste, que são vizinhas (PASTERNAK; LEME, 2010), onde também se encontra
grande parte dos assentamentos precários.
Antes de avançar no debate sobre outros dois elementos que compõem o marco
teórico da pesquisa, os conceitos de território e qualidade de vida, é pertinente abordar
de forma breve o panorama da habitação no município de Campinas, uma vez que o
campo de práticas investigativas se realizou em um território de alta vulnerabilidade e
risco social dessa cidade, cujos critérios para seleção são discutidos mais à frente,
assim como o conceito de vulnerabilidade que norteia a discussão. Pois o debate
sobre habitação não se sustenta isoladamente, se não estiver articulado com a
discussão da própria condição urbana, considerando que ela impacta na saúde e
qualidade de vida da população.
A opção por unidades térreas geminadas requer maior área para implantação no lote
e gera uma ocupação com baixa densidade, favorecendo a procura para instalação
em áreas periféricas, cujo valor da terra é menor. Os conjuntos do CDHU já são
empreendimentos verticais e atingem maiores densidades populacionais, porém com
baixa qualidade no desenho arquitetônico, tanto interior quanto exterior, e, em ambos
os casos, não se valoriza a relação com o entorno e as áreas comuns. E ainda, como
agravante, soma-se também a baixa qualidade da mão-de-obra e dos materiais
empregados na construção com objetivo de diminuir o custo da execução (PMC,
2011).
Além disso, deve ser considerado que não se pode tomar a unidade habitacional
isoladamente, sendo que essas políticas têm sua potência de interferência concreta
aumentada quando se favorece o sentimento de pertencimento e o cuidado das
pessoas com o território que habitam.
Guattari e Rolnik (2005) já destacam o que se produz nas relações que se constroem
nesse sistema, onde o território pode ser relativo tanto a um espaço vivido quanto a
um sistema percebido, e no seio do qual o sujeito se sente em casa, no qual se
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Para o autor, os meios de criação de novas formas de vida e novos valores sociais
em um território estão ao alcance das mãos, porém necessitam de vontade política
para assumir as transformações, sendo condição para que essa mudança aconteça a
tomada de consciência de que é possível e necessário mudar o estado das coisas,
afirmando que as transformações desses territórios só são possíveis se
experimentadas novas formas de habitat, através da experimentação de um novo
urbanismo e não somente por meio leis e normas pré-estabelecidas.
Para Jeudy e Jacques (2006), o errante urbano vai além da questão do andar, na
direção de quem busca chegar na experiência do percurso.
Um estudo realizado pela Comission Architecture and the Built Environment (CABE,
2009), ao falar de qualidade de vida, defende a inter-relação entre saúde, bem-estar
e sustentabilidade, considerando que um bom projeto, ao incluir essas variáveis, tem
maiores chances de contribuir para o desenvolvimento e qualificação territorial. O
estudo afirma que é fundamental os gestores de políticas públicas identificarem onde
estas podem fazer a diferença num território e como as intervenções podem ocorrer
em relação a aspectos dos edifícios, do bairro e da cidade, sugerindo como principais
diretrizes a elaboração de planos concebidos para longo prazo, que contemplem
infraestrutura de apoio verde e rede de transporte mais sustentável, assim como a
integração de políticas públicas e, em âmbito local, das ações e serviços de saúde
com a comunidade.
São situações que interferem no cotidiano da vida e no trabalho das pessoas para que
menos dias sejam perdidos devido aos problemas de saúde. Nesse sentido, ações no
ambiente construído que possibilitem atividades físicas em espaços públicos com
segurança são a base para impactos positivos dos projetos de arquitetura e urbanismo
nos graus de qualidade de vida das pessoas nas cidades.
O relatório desenvolvido a partir do referido estudo discute diretrizes para que projetos
de arquitetura e urbanismo sejam catalizadores de mudanças e contribuam para a
qualidade de vida nas cidades. A primeira diretriz apontada é a necessária atenção à
escala do projeto, assim como às estratégias de integração das diferentes escalas do
edifício, do bairro, da cidade.
Fadda e Jiron (2003) discutem que a qualidade de vida é uma construção social que
se relaciona com outros dois componentes, o meio ambiente e o gênero, sendo
resultante de fatores objetivos e subjetivos que afetam o bem-estar das pessoas, os
quais, para as autoras, estão relacionados também com as expectativas, a satisfação
e a felicidade de um povo. Nessa linha de entendimento, é de difícil definição e
medição, pois as pessoas percebem os problemas e suas possíveis soluções a partir
de diferentes pontos de vista, assim como os sentimentos de satisfação e felicidade
são percebidos de diferentes formas pelas diferentes pessoas, a partir de suas
experiências de vida, sexo, idade, cultura, etnia, religião, entre outros.
Nesse sentido, para uma boa qualidade de vida são necessários, entre outras coisas,
a disponibilidade e o acesso à infraestrutura social e pública para o bem comum, em
um ambiente sem grandes danos e contaminação. Qualidade de vida e qualidade
ambiental, embora coexistam, não são idênticas, pois há elementos de felicidade que
são subjetivos e singulares para cada pessoa, ou seja, há pessoas que são felizes
mesmo nas piores condições ambientais.
Nesse sentido, o modo como as ações emergem nos territórios é o diferencial para
potencializá-las ou não, pois estar com saúde não representa a mesma coisa para
todas as pessoas, dependendo do lugar, época, classe social e valores culturais
(SCLIAR, 2007).
A definição de Carvalho (2005) possibilita apontar que a participação das pessoas que
vivem em determinado território em uma relação de coprodução de análises e ações
é estratégica para avanços e transformações nesse território e requer um
agenciamento das forças que perpassam os campos da arquitetura, urbanismo e
saúde coletiva, pois estas interferem de diferentes modos e são produtoras de espaço,
saúde e subjetividades em um território, sendo todos vetores que potencializam ou
não o aumento nos graus qualidade de vida.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
6 Sobre a política: “toda ação humana tem um componente político, na medida em que repercute na
vida dos outros. E que até mesmo a omissão na atividade política é uma forma de dela participar, uma
vez que corresponde a uma aceitação acrítica de decisões que venham de cima ou das coisas tais
como são” (WHITAKER, 2005, p. 207).
64
Outra pista que é tomada como guia para essa pesquisa é a Cartografia que
acompanha processos, entendendo processo como processualidade e que o “território
carrega uma espessura processual que impede que este seja um simples meio
ambiente composto de formas a serem representadas ou de informações a serem
coletadas” (BARROS; KASTRUP, 2009, p. 58) e que, como cartógrafos
pesquisadores, lançamo-nos como estrangeiros em um território que vai sendo
explorado, escutado, onde os dados vão sendo produzidos no encontro com os que o
habitam. Isso não quer dizer que tudo vale, não significa um relaxamento, mas uma
disposição afetiva para esse encontro: “Essa atitude, que nem sempre é fácil no início,
só pode ser produzida através da prática continuada do método da cartografia e não
pode ser aprendida nos livros” (BARROS; KASTRUP, 2009, p. 57).
O contato prévio com o território na fase exploratória foi decisivo para selecioná-lo
como possível plano de práticas de pesquisa-intervenção, à medida que foram
acontecendo conversas e encontros com moradores e agentes comunitários. Ao
mesmo tempo, dados de saúde foram disponibilizados pela equipe do Centro de
Saúde São Marcos, e evidenciaram a ocorrência de doenças que, na literatura
estudada, remetem a relações com as condições de moradia e do território que se
habita, tais como: doenças mentais; uso abusivo de álcool e outras drogas; doenças
respiratórias, entre elas, as alergias e dermatites em crianças e adultos; doenças
cardiovasculares, como hipertensão e diabetes em adultos; e obesidade adulta e
infantil.
Também se observou que a equipe do Centro de Saúde São Marcos mantém fortes
relações com a população usuária, sendo este um espaço reconhecido e pertencente
7 AU 134/014 Projeto de Interesse Social, ministradas pelas docentes Silvia Mikami G. Pina e Ana Goés
Monteiro.
66
De acordo com o Plano Diretor Municipal de 2006, ainda em vigência (Figura 3), é
parte da Macrozona 9, implantada às margens do Córrego da Lagoa, que faz parte da
Bacia do Ribeirão Quilombo. Está próxima a duas importantes universidades, a
Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Universidade Estadual de Campinas,
e de um grande centro de abastecimento, o CEASA Campinas.
Figura 4 – Foto aérea com a localização da Vila Esperança (em amarelo), na região
norte de Campinas.
A maior parte das habitações foi entregue na tipologia dos embriões de 25m², mas
também foram construídas duas outras tipologias: a casa de dois dormitórios e uma
pequena parte de sobrados com dois dormitórios implantados. Os embriões, as casas
e os sobrados estão implantados de forma geminada no lote. A Figura 9 mostra uma
planta e um corte dos embriões disponibilizados pela Companhia de Habitação de
Campinas, e a Figura 10 mostra a planta das casas de dois dormitórios, cujo
levantamento foi realizado in loco por não ter sido encontrado esse material nas bases
oficiais.
A Vila Esperança está na área de abrangência do Centro de Saúde (CS) São Marcos,
que se organiza de acordo com a Estratégia da Saúde da Família (ESF) no âmbito da
Atenção Básica à Saúde, na qual, de acordo com as recomendações do Ministério da
Saúde, cada equipe deve ser referência para aproximadamente 4.000 pessoas. A
Equipe Amarela do Centro de Saúde São Marcos é a referência para a população da
Vila e deve ser composta minimamente por médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de
enfermagem e agentes comunitários de saúde, podendo ser acrescentados a essa
composição os profissionais de saúde bucal. A equipe realiza os atendimentos no
Fonte: http://maps.google.com.
Foi realizado um levantamento prévio dos Indicadores de Saúde, assim como das
condições de vulnerabilidade e risco social disponíveis nas bases oficiais do Município
de Campinas/SP, para integrar o mapeamento inicial das condições de vida e saúde
do território em estudo, iniciando-se com a delimitação da área de abrangência do
Centro de Saúde São Marcos, conforme indicada na Figura 13.
O principal fator que influenciou para a seleção da Vila Esperança como campo desta
pesquisa-intervenção, além da característica de ser um loteamento projetado para
Habitação de Interesse Social, foi a sua inserção no mapa de Vulnerabilidade Social
como de Muito Alta Vulnerabilidade, tendo no seu entorno imediato áreas de muito
baixa vulnerabilidade, como se observa na Figura 15. Ou seja, trata-se de um território
de muito alta vulnerabilidade deslocada das regiões sul, sudoeste e noroeste, onde
essa característica é mais homogênea, variando entre alta e muito alta
vulnerabilidade.
Fonte:http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/vigilancia/informes/InformeDengueOutu
bro2010.pdf
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Gráfico 1- Centros de Saúde com maior número de Casos de Dengue Notificados em 2013 no
Município de Campinas.
A Figura 22 mostra que a incidência de tuberculose nos anos de 2008 a 2012 foi alta
e muito alta. E que, a incidência de hanseníase (Figura 23) ainda é considerada alta
na região de estudo.
Na pesquisa de campo, foram usados dois dispositivos, os quais também podem ser
entendidos como tecnologia, prática ou modo de fazer que não só colocam em
funcionamento a investigação, mas possibilitam um acompanhar do processo e seus
efeitos. São eles: o percurso e a oficina de ambiência.
Figura 25 - Percurso Prévio, com indicação dos pontos de tomadas das imagens
fotográficas.
Figura 26 - Cenas 1 a 6.
Figura 27 - Cenas 7 a 9.
As fotografias podem ser simplesmente tinta sobre papel naquele momento capturado
ou podem ser algo mais, se supomos que existem linhas de fuga e intensidades para
além da imagem. E por se tratar de um método que a priori afirma a potência do fazer
com, ao indicar que os dados na pesquisa cartográfica são produzidos, e não
coletados (BARROS; KASTRUP, 2009), a construção da narrativa de cada cena
aconteceu no encontro e em conjunto com os moradores durante as oficinas no Centro
de Saúde, considerando que a pesquisadora é estrangeira ao território e que foi
necessário criar certa relação de confiança para possibilitar a sua entrada no campo.
Assim, partiu-se da produção dos indicadores de saúde para se ter um panorama dos
atendimentos e perfil das doenças prevalentes atendidas com o objetivo de discutir a
relação ou não com as condições do território habitacional, que, somados à produção
no percurso prévio (primeira vivência no território e registro da paisagem pelas
fotografias), indicaram uma direção para a condução dos passos que se seguiram na
realização da cartografia: o Percurso I e as Oficinas de Ambiência.
Além dos dados e indicadores de saúde extraídos das bases oficiais, foi realizada uma
pesquisa referente aos atendimentos mais recorrentes na Equipe Amarela. O objetivo
do levantamento foi construir um panorama de frequência das doenças,
especialmente para identificar a ocorrência de doenças do aparelho respiratório (asma
e bronquite), dermatites, hipertensão e diabetes, agravos à saúde, pois, de acordo
com a literatura estudada, estes sofrem impacto em relação às condições das
moradias e do ambiente. Os resultados encontrados foram usados como material de
discussão nas Oficinas I e II, com o objetivo de problematizar sua relação com as
condições de habitação.
Assim, foi feita uma busca no SIGA SAÚDE, que é o sistema de informação em saúde
do município de Campina/SP no qual o profissional médico registra cada atendimento
realizado e o código da doença de acordo com a classificação internacional de
doenças (CID10). Foi necessária essa coleta de dados em base bruta, pois ainda não
havia dados consolidados pelo Centro de Saúde, sendo que, para a realização do
levantamento, contou-se com a contribuição dos alunos de residência do curso de
medicina da UNICAMP, que acessaram os dados e forneceram à pesquisadora em
base bruta. Os dados foram tabulados e transformados em um gráfico contendo uma
coluna para pediatria e outro para adulto.
Figura 28 – Doenças mais frequentes no atendimento pediátrico pela equipe amarela no C.S.
São Marcos, no período de abril a novembro de 2013.
Figura 29 - Doenças mais frequentes no atendimento adulto pela equipe amarela no C.S. São
Marcos, no período de abril a novembro de 2013.
Assim, tendo certo pano de fundo para a pesquisa através percurso prévio e os
indicadores de saúde, o passo que se sucedeu foi o que se nomeou como Percurso I.
Decidiu-se, assim, por uma inflexão no Percurso I, que passou a ser mais um
momento de vivência para habitar aquele território, no sentido de acessar e produzir
mais dados, deixando-se atravessar por situações e acontecimentos mais do âmbito
subjetivo do que mapeamentos e registros. Essa modulação no percurso também se
norteou pela ideia do urbanista errante discutida por Jeudy e Jacques: “O urbanista
errante não vê a cidade somente de cima, em uma representação do tipo mapa, mas
a experimenta de dentro, sem necessariamente produzir uma representação qualquer
desta experiência” (JEUDY; JACQUES, 2006, p. 118).
102
O local de saída para o percurso foi o Centro de Saúde São Marcos. Ao nos
aproximarmos da margem do córrego, percorrendo as ruas Maria Luisa Pompeo de
Carmargo, Monsenhor Landell de Moura e Roque de Otaviano, próximo a uma área
ainda de ocupação irregular, ouvimos barulho de marretadas. Eram técnicos da
Prefeitura Municipal de Campinas demolindo construções irregulares de pessoas que
haviam sido removidas para um conjunto habitacional em outro bairro. Uma assistente
social tentava acessar uma família que se recusava desocupar o seu barraco (Figura
30), observou-se, pois não houve abertura para uma conversa, e seguiu-se a
caminhada em direção à única ponte oficial de travessia para a Vila Esperança. Logo
que atravessamos, uma senhora nos abordou e ininterruptamente, sem dar margem
a qualquer pergunta, passou a narrar suas histórias sobre as cobras que tem no mato,
o perigo da rua, a Praça do PAC II finalizada e que só aguardava inauguração e o
asfalto que estaria chegando. Era uma moradora da Vila, trabalhadora na Prefeitura
Municipal de Campinas na atividade de gari e que nos deixou uma pista de que é uma
interlocutora importante entre os moradores e a atual gestão municipal.
103
Continuamos a caminhada, passando pela praça que estava pronta, mas ainda com
tapumes, aguardando ser inaugurada e, ao dobrar à direita, no final da quadra da
Praça do PAC, reencontramos um paciente do Centro de Saúde São Marcos que
havia saído junto conosco e agora estava em frente à sua casa. Pedi ao senhor que
nos mostrasse a sua moradia e, após alguns segundos de certa resistência, permitiu
nossa entrada. Não foi possível fotografar o interior nem o exterior, pois havia vários
moradores conversando em frente à casa e ao bar ao lado, o que nos intimidou, mas
a pesquisadora fez um rápido croqui do que pode observar em relação a ocupação e
transformação daquela moradia (Figura 31). Ficou evidente o comprometimento da
ventilação e iluminação naturais da casa (embrião) principal, pois se cobriu e fechou
totalmente o recuo frontal da casa, o qual passou a abrir a sala com televisão, uma
mesa de refeições, e nos fundos, se edificou uma área para residência da família de
104
Essa foi a primeira vez que a pesquisadora teve oportunidade de entrar em uma
moradia. Apesar das tentativas anteriores no percurso prévio e nesse mesmo
percurso, outras iniciativas e pedidos para acessar as casas não foram acolhidos.
Houve dificuldade para conhecer o interior das residências em todos os percursos
realizados, pois várias incursões ao território foram realizadas pela pesquisadora
acompanhando a agente comunitária no decorrer do processo, das quais três foram
registradas e tomadas para análise (percurso prévio, percursos I, II e III ao final).
Houve certa abertura do senhor com quem a pesquisadora já havia trocado algumas
palavras e olhares desde o Centro de Saúde, o que forneceu a pista de que seria
possível uma aproximação dos moradores através do Centro de Saúde e de que seria
necessário um modo de se criar algum grau de confiança entre pesquisadora e
moradores. Assim, a estratégia foi apostar nas oficinas de ambiência que seriam
realizadas nos próximos passos da pesquisa como esse momento de aproximação.
9 A palavra “sobrinho” está entre aspas, pois que em diferentes momentos, os moradores relatavam
que as ampliações se destinavam a acolher algum familiar, no entanto, nas conversas com as pessoas
que ocupam esses novos cômodos se identificava que se tratava de um lugar alugado e que, por
diversas vezes se identificou que não havia relação de parentesco, ou seja, é uma forma própria de
identificação local.
105
Figura 31 - Croqui realizado pela autora durante breve parada em uma residência.
106
Inicialmente, no desenho da pesquisa de campo para produção dos dados, havia sido
proposta uma construção de narrativas individuais durante o percurso no bairro,
usando como materiais as imagens fotográficas da Vila Esperança que foram
realizadas pela pesquisadora. No entanto, no decorrer da pesquisa, na fase
exploratória, em discussões com a equipe do Centro de Saúde São Marcos,
identificou-se como mais estratégico que essa construção acontecesse no próprio
processo das oficinas. Dessa forma, as Oficinas de Ambiência passaram a ter a
seguinte configuração e dinâmica:
Como cada grupo teve uma dinâmica singular, a pesquisadora decidiu o melhor
momento para apresentar as imagens na conversa, utilizando a construção de
narrativas também como forma de disparar algumas questões e aquecer a discussão
acerca da qualidade de vida e o território que habitam.
108
2ª Etapa: O objetivo desse momento na oficina foi “entrar” na casa dos moradores a
partir da expressão em uma planta interativa da situação em que se encontra a
moradia, uma vez que, nas visitas realizadas in loco para construção dos percursos
no bairro, apenas um morador permitiu o acesso à sua residência. A pesquisadora
apresentou um painel metálico com a planta do embrião de fundo e disponibilizou imãs
que simulavam mobiliários, paredes construídas ou demolidas, indicação de aberturas
que foram feitas para ventilação ou para passagem, com objetivo de mostrar as
transformações que foram sendo realizadas a partir do embrião. Os mobiliários foram
sendo inseridos nas plantas para composição dos espaços, auxiliando nas discussões
sobre a motivação das transformações na casa (figuras 32, 33 e 34).
Um roteiro norteador foi elaborado previamente para guiar as oficinas (apêndice D),
cujo desenho se transformou e se modulou no decorrer do processo, a partir do
envolvimento e dinâmica dos participantes e da relação que foi se construindo entre
pesquisadora e grupo, ao habitar o território existencial que naquele momento se
construía.
A agente comunitária relata que estão “cansados de ouvir sempre a mesma coisa” e
que a possibilidade de apresentar outra discussão, como a do tema da pesquisa -
habitação e saúde, seria muito interessante e uma forma de mantê-los motivados a
participar do grupo, discutindo questões importantes sobre a qualidade de vida, o que
poderá contribuir para melhora na saúde dessas pessoas. Para a agente comunitária,
o maior objetivo na participação do grupo é o seu condicionamento ao momento de
“passar pela médica”, pois é ela quem libera a prescrição para retirada na farmácia do
medicamento, que é de uso contínuo pela maioria dos usuários.
4.4. As Oficinas realizadas nos dias 06 e 20/8/2014 com os grupos que participam
na primeira e na terceira quarta-feira do mês.
para a roda de conversa a temática do asfalto do bairro, ponto para eles era
emergente, fundamental e valoroso (Figura 35), e que, no campo do desejo e
necessidade, esse tema se conecta diretamente com as condições/qualidade de vida
e sentimento de cidadania. Assim, a ausência do asfalto foi a tônica de todas as
conversas com os moradores, nos espaços coletivos das oficinas e nas conversas
individuais que se aconteceram nos percursos realizados pela pesquisadora no bairro.
“Aqui tem muito pó de terra que faz mal (...) minha filha é alérgica, eu sou alérgica (...)
muitos anos esperando o asfalto e não chega (...) não deram essa oportunidade pra
gente ainda”.
“Os carros correm muito, não dá pra ficar na rua. As crianças não podem brincar na
rua”.
“Aqui não tem nem comparação com Minas, de onde eu vim. Lá é muito mais
saudável”.
“Porque lá a gente vivia na roça, não tinha muito trabalho. Lá não tem médico. Minha
mãe que está aqui mora em Minas, mas vem pra cá se tratar e fica na minha casa”.
Na casa...
“Quando minha filha veio morar comigo foi chegando gente e foi amontoando, daí tive
que construir mais cômodos (...) minha filha ficou na parte da frente e eu fui morar no
fundo e não deu pra pensar nas janelas (...) a gente precisava de cômodo. (...) é sou
muito alérgica e minha filha também. É o pó.”
“Eu fico perturbada quando abro. Entra ar frio. Passa caminhão e levanta poeira. O pó
entra e fica preso na casa. Daí eu não abro. Deixo tudo fechado.”
“Eu deixo a casa toda aberta, mas quase não tenho janela porque na ampliação
cheguei até o muro. Na frente, a casa é toda fechada. Tem espaço no fundo, no
quintal. Mas o ar entra e sai pelas portas mesmo. Gosto de tudo muito aberto.”
No bairro...
“Não tem como caminhar, não tem calçadas e as ruas são cheias de buracos.”
“Mesmo se tivesse pista não daria para caminhar porque é muito perigoso, os carros
passam correndo muito lá vila...”
A dispersão foi recorrente nas duas oficinas. Em cada uma delas, em momentos
específicos para retomada da conversa, foi preciso começar a mostrar as imagens
fotográficas para construção das narrativas. A estratégia usada para apresentação
das imagens foi através de fichas com as imagens impressas em uma folha tamanho
A4 e plastificada com a intencionalidade destas irem rodando de mão e mão, inclusive
da passando pela pesquisadora, que se colocou na roda, lado a lado, com os
moradores.
A primeira imagem trabalhada (Figura 36) foi denominada de “Parquinho” para ambos
os grupos. Ao olhar as fotos, alguns participantes da primeira oficina disseram que o
lugar não é muito usado, mas que é importante, porque tem criança no bairro, e que
o “parquinho de cima” é mais usado. Já na segunda oficina, uma das moradoras
relatou que seus netos sempre usaram muito esse parquinho e que depois, com a
construção da nova quadra, passaram brincar lá. Conta, ainda, que ter o parquinho
no bairro e agora a quadra traz tranquilidade, pois ela sabe onde os netos estão.
Porém, algumas falas foram evasivas e confusas em relação a esse lugar. Essas
narrativas definiram a seleção da próxima imagem trabalhada na primeira oficina, que
foi reproduzida na segunda – o parquinho de cima (Figura 37).
117
A imagem de um dos campos de futebol existentes no bairro (Figura 39) foi mostrada
aos grupos, cujo registro fotográfico havia sido feito pela pesquisadora no primeiro
semestre de 2013. O local hoje é uma das transformações pelas quais o bairro passou
a partir do segundo semestre de 2013 e nele, atualmente, está em fase de finalização
uma creche municipal que é chamada de Nave Mãe. As moradoras falam da
importância dos campos no bairro, pois tanto as crianças quanto os adultos os usam.
Nesse “campinho”, relata uma das moradoras participante da primeira oficina,
aconteciam os campeonatos com “os de fora”, referindo-se ao time de jogadores que
não moram na Vila Esperança, e agora passaram a usar o outro campinho, mais no
final do bairro, e a “quadra” (Figura 40).
120
Figura 39 - O Campinho.
Ao olhar a imagem a que se referiram como a área de descarte de lixo, nas duas
oficinas, os participantes da oficina disseram que esse descarte nos terrenos vazios
na margem do córrego e da “rua de cima” é uma prática de muitos moradores e que
consideram falta de respeito e desnecessária, pois o caminhão da coleta passa três
vezes na semana.
Uma rua do bairro foi fotografada aleatoriamente (Figura 42), com o objetivo de
contribuir na construção de narrativas sobre o uso das ruas, das calçadas e quanto à
acessibilidade. Essa imagem foi apresentada aos participantes da oficina, que
inicialmente diziam que não sabiam que rua era aquela. A pesquisadora esclarece
que o objetivo não era saber que rua era, mas a sensação que aquela paisagem
transmitia a eles. “Rua abandonada e estranha”, fala uma das moradoras, “é isso que
transmite”.
123
Outra moradora continua dizendo que não fica na rua e na calçada, porque tem medo
dos carros que passam em alta velocidade e mora na parte da rua da creche que é
asfaltada.
Para finalizar essa etapa, em ambas as oficinas, foi apresentada a imagem de uma
das pontes que foi autoconstruída no bairro (Figura 44), da “pinguela” como é
chamada pelos moradores.
125
“A pinguela”, diz uma das moradas ao observar a imagem. “O pessoal do bairro foi
construindo essas pontinhas onde precisava atravessar para o outro lado, com
madeira, com tronco”, concluiu. Outra moradora diz que usa bastante a “pinguela”,
porém, quando o mato fica alto, é perigoso, sendo necessário ir até a ponte principal
para atravessar para o São Marcos.
Com muito ruído na sala, a conversa se dispersa; algumas pessoas voltam a falar do
asfalto, outras começam a ficar inquietas, pois já era mais de três e meia da tarde na
primeira oficina e ainda havia muitas pessoas aguardando para “passar pela médica”.
126
Uma senhora fala alto do fundo da sala, em direção à técnica de enfermagem: “Ainda
tem muita gente na minha frente? Me chama logo, vai!”
Nesse momento, a pesquisadora leva para o chão, no centro da sala, o painel com os
imãs. Uma parte dos participantes retorna a atenção, com expressão de curiosidade.
A pesquisadora explica a proposta da atividade e pergunta quem tem interesse de
simular naquele painel a sua casa (Figura 45).
Houve a tentativa de elaboração de uma terceira planta na oficina (Casa 5), mas, em
função do horário e de dificuldades na comunicação entre moradora, pesquisadora e
colaboradora, que ocasionou um processo mais lento que os anteriores, não foi
possível a conclusão. Porém, com a parte da planta construída foi possível constatar
que se trata de mais uma casa cujas ampliações ocupam praticamente todo o lote
(Figura 51).
132
Ao entrar para conhecer os espaços físicos que o CRAS passará a ocupar na nova
praça, conversamos com as trabalhadoras que lá estavam e relataram a dificuldade
em ocupar aquele espaço, que não se adequa às necessidades e aos processos de
trabalho. Os espaços coletivos são insuficientes, de acordo com suas falas, e não há
espaço previsto para atendimento individual, que é necessário em determinadas
situações, especialmente porque atendem muitos casos de violência doméstica.
Embora a proposta do CRAS tenha um foco preventivo, ainda não funciona nesses
moldes. As trabalhadoras - uma psicóloga e uma assistente social - problematizaram
a proposta de uso de um projeto padrão nacional que não atende às necessidades
locais. Para minimizar as dificuldades e não se imobilizarem em função dessa
situação, relatam que, com criatividade, foram adaptando os espaços. Por exemplo,
ao fundo da sala multiuso, foi improvisado um espaço mais reservado para
atendimento individual do CRAS, que deverá sair desse local assim que as outras
secretarias passarem a usar o espaço.
Explorando um pouco mais a Praça, observamos que há outros espaços coletivos que
poderiam ser melhor usados, porém a lógica de funcionamento é fragmentada. Ou
seja, o uso do teatro e da biblioteca é de gestão da Secretaria da Cultura; o CRAS, da
Assistência Social; as quadras, da Secretaria de Esportes, e ainda não se organizaram
de modo a compartilhar e usar coletivamente também o que pertence a cada área.
136
Por exemplo, as aulas de violão e dança do ventre, que fazem parte de programa do
CRAS, atualmente acontecem na sala multiuso, que deve ser compartilhada com
todos, e, em alguns momentos, já está sendo usada para outra atividade. Essas aulas
poderiam acontecer também no teatro, que espacialmente é mais adequado de
acordo com a assistente social do CRAS, no entanto este permanece fechado quando
não há apresentações da cultura. O seu uso para essas atividades possibilitaria que
a sala multiuso fosse ocupada com outras atividades coletivas.
Fonte: http://www.campinas.sp.gov.br/noticias-integra.php?id=17950.
Fonte: da autora.
Figura 57 – Atualmente: ocupado pela Nave Mãe, que ainda não está ocupada por falta de
profissionais.
Fonte: da autora.
138
Durante o percurso, se passou pelas casas das moradoras cujas plantas foram
produzidas nas oficinas, mas apenas em uma delas havia pessoas em casa. Como
se estava com o material em mãos, perguntou-se a moradora se seria possível entrar
naquele momento para conhecer a casa in loco. Explicou-se que a proposta seria
checar a construção real em relação ao que foi produzido, especialmente para avaliar
se houve correta compreensão da narrativa sobre o que foi construído. Porém a
moradora disse que a casa estava muito bagunçada e pediu para voltar outro dia. Foi
combinado um retorno, cuja data a agente comunitária que contribuiu nessa
comunicação iria passar a pesquisadora.
Seguiu-se o percurso para conhecer a Nova Escola construída, porém mais uma vez
não foi possível entrar, pois a diretora argumentou que estava com muito trabalho e
não poderia nos acompanhar. Disponibilizou um número de telefone para agendarmos
uma visita.
Fonte: da autora.
A casa é o modelo ampliado com dois dormitórios e encontra-se da forma como foi
entregue pela COHAB, sem revestimento algum, no contrapiso, alvenaria aparente
(sem reboco), telhado com toda estrutura exposta, sem laje e forro. Logo na entrada,
se observou que ainda se encontra no terreno natural, com um desnível em terra
batida para acessar a porta de entrada e parte do baldrame aparente. Apenas a porta
da entrada estava aberta; todas as demais janelas estavam fechadas e as que
possuem apenas vidros estavam protegidas com pedaços de pano de diversas cores
e tamanhos, fazendo a função de cortinas. Havia vários ventiladores ligados. A sala
estava mobiliada com um pequeno sofá, encostado na parede lateral esquerda da
entrada, um rack com uma TV e, na parede dos fundos, havia porta-retratos
pendurados, com fotos da família. Na cozinha havia a pia, uma geladeira, um fogão e
uma pequena mesa com cadeiras.
Fonte: da autora.
Fonte: www.google.com.br/earth/.
141
Fonte: da autora.
Duas semanas após a realização do percurso II, retornamos ao bairro para entrar nas
duas casas cujas moradoras sinalizaram positivamente à solicitação da pesquisadora
de realizar uma conversa in loco na própria moradia.
142
O percurso III se realizou em fevereiro de 2015, e chegando na primeira casa, que foi
uma das produzidas nas oficinas no Centro de Saúde, a moradora foi logo
apresentando os ambientes e relatando o que havia mudado da configuração original
e seus desejos de novas alterações. A casa se localiza no início da Vila, próxima à
Praça do PAC II e em frente a uma das áreas livres do bairro
O embrião ganhou uma ampliação de aproximadamente uma vez e meia seu espaço
original para os fundos do lote (Figura 63) e um pavimento superior de área igual à
ampliada no térreo. Na parte frontal, o recuo encontra-se totalmente coberto e
fechado, apenas com abertura para o corredor lateral, remetendo a certo padrão de
ampliação que se reproduz na maioria das casas.
A moradora relata que está satisfeita com a área física, embora precise melhorar as
condições, e que gostaria de ter uma área de serviços coberta onde pudesse colocar
o tanque e máquina de lavar roupas protegidos da chuva e do sol. Sinaliza a sugestão
do filho para realizar essa cobertura aproveitando o muro dos fundos, a parede dos
quartos e do banheiro (Figura 64).
Assim, continuamos a visita subindo a escada externa, localizada no recuo lateral para
conhecermos o pavimento superior. Logo no início, verifica-se que a janela do quarto
143
da frente da casa foi prejudicada pela construção da escada e não pode mais ser
aberta, mas antes que fizesse qualquer observação, a moradora já relata que a
próxima reforma na casa seria a mudança dessa janela de lugar e pergunta sobre qual
seria a melhor posição.
Ainda antes de seguirmos o percurso pelo bairro até a segunda casa a ser visitada,
perguntamos para a moradora como seria a sua “casa dos sonhos” e em que lugar.
Ela nos diz que seria uma casa muito grande, com quatro quartos, banheiro grande,
cozinha bem grande, cheia de varandas com redes, muita grama e árvore em volta,
mas que poderia ser ali mesmo, naquele bairro, porque conhece as pessoas e gosta
do lugar. Nesse momento, já na despedida, perguntamos à moradora se ela se
importaria se realizasse uma fotografia apenas da frente da sua casa, e ela respondeu
que a fachada estava muito feia e achou melhor não a fazer. Dessa forma, para efeitos
de registro, buscaram-se imagens disponíveis na internet (Figura 68), nas quais se
pode constatar que a edificação continua a mesma observada in loco e apenas a cor
foi alterada.
A visita na moradia possibilitou, além de uma checagem entre a imagem da casa que
foi desenvolvida junto com a moradora na oficina no Centro de Saúde (Figura 61) e o
que concretamente está construído, criar mais uma via de aproximação entre a
pesquisadora e a moradora, o que, na experiência concreta de habitar aquele território
existencial de pesquisa naquele momento, possibilitou certo grau de intervenção,
discutindo propostas conjuntas para as mudanças futuras na casa, sendo menos
provável que isso acontecesse se a via de acesso não fosse pela saúde e qualidade
de vida, bem como se não fosse facilitada e apoiada pela agente comunitária em
saúde.
Essa discussão e construção conjunta de análise do local e propostas de mudanças,
pesquisando e intervindo, são oportunizadas pelo método cartográfico, a partir do
momento que se toma como diretriz que o pesquisador cartógrafo deve-se posicionar
sempre “ao lado da experiência” e não falar sobre, “construindo o conhecimento com
e não sobre o campo pesquisado” (ALVAREZ; PASSOS, 2009).
145
Fonte: da autora.
Fonte:https://www.google.com.br/maps/
A segunda casa visitada in loco situa-se em uma parte do loteamento que foi invadida
quando os embriões estavam com a alvenaria parcialmente executada, sendo
concluída através de autoconstrução e já com ampliações.
A moradora argumenta que essa área é essencial para abrigar a família e o pequeno
comércio na parte frontal da casa, afirmando que não demolirá nenhuma parte da
casa. A área que atualmente é usada como uma pequena mercearia no início era um
quarto e um banheiro para aluguel, ou seja, a ampliação frontal desde o começo se
destinou a abrigar uma fonte de renda da família. Assim, a situação permanece
irregular, e nenhuma outra fiscalização foi realizada até o momento. Afirma ainda, que
a família está satisfeita com a casa e que não pretende realizar nenhuma alteração,
sendo seu maior desejo o de se mudar da Vila Esperança para outro bairro melhor.
152
Nesse sentido, é relevante destacar que a maior parte das habitações da Vila
Esperança foi entregue na tipologia dos embriões de 25m² da COHAB e que os
moradores foram reformando, adequando e ampliando conforme com suas
necessidades, sem nenhum acompanhamento técnico. Assim, é perceptível o
comprometimento das condições de salubridade nas moradias quando ampliadas e
que, em muitas situações, ocupam quase a totalidade do lote com a construção dos
“puxadinhos”. Na imagem aérea de parte do loteamento (Figura 70), pode-se observar
154
Os espaços ampliados são usados tanto para aumentar a capacidade interna das
próprias habitações quanto para fonte de renda, como aluguel ou instalar algum tipo
de comércio no recuo frontal, deixando o interior da casa insalubre, com pouca ou
sem nenhuma iluminação e ventilação natural, propiciando a presença de umidade e
mofo, que são condições favoráveis para o aparecimento de doenças respiratórias,
alergias e até mesmo a depressão, como observado no estudo apresentado por
Hopton e Hunt (1996).
Figura 71 - Casas com ocupação total do lote, cobertura chegando até o muro de divisa.
O pressuposto para esse não encontro com a população nas ruas, que, quando
ocorria, era sempre com as mesmas pessoas, seria o fato de que os percursos
aconteceram sempre em dias e horários de trabalho, devido à necessidade de
adequação à disponibilidade da agente comunitária em acompanhar. No entanto,
quando conseguimos algum acesso às residências, constatamos que os moradores
estavam nos seus interiores. E por diversas vezes observamos, mesmo de fora, que
as pessoas lá estavam, muitas vezes homens, adultos e jovens dormindo, a maioria
constituída de trabalhadores informais.
Fonte: maps.google.com
161
A parte oeste, a mais antiga da Vila, aparentemente está mais consolidada, com casas
reformadas, e em melhores condições que a parte leste, mais recente. Para a agente
comunitária que acompanhou todos os percursos com a pesquisadora, a parte leste
também é a de maior vulnerabilidade e risco, com maior número de desempregados,
dado comprovado no Censo de 2010, do IBGE.
Fonte: maps.google.com
162
5. CONCLUSÕES
Ficou clara a resistência inicial dos moradores em relação à exposição das casas, dos
ambientes e suas formas de ocupação, das ampliações – “puxadinhos” - e das
condições físicas dos ambientes, como a iluminação e ventilação e as próprias
dimensões, na maioria das muito reduzidas. Essa resistência inicial também foi efeito
de experiências anteriores dos moradoras com arquitetos de órgãos municipais de
controle que em determinadas situações de vistorias as casas, ora exigiram
demolições de áreas irregulares, ora de regularização junto a prefeitura, as quais
implicariam em custos para os moradores.
Assim, o acesso pela via da saúde, sempre de modo intercessor (saber do arquiteto,
saber do agente comunitário, saber do morador), foi decisivo para viabilizar a
pesquisa, uma vez que a Equipe de Saúde da Família, pelo modo como atua, favorece
a produção de vínculos ao desenvolver ações diretas no território, extramuros das
unidades de saúde, que, para além das exigências técnicas, valorizam as
singularidades e necessidades da população (BRASIL, 2010). Parte-se de uma
concepção ampliada de saúde, na qual o processo-saúde doença não se reduz à
ausência de doença, mas é compreendido como “produto e produtor de uma complexa
rede, uma produção social composta de múltiplos fatores” (BRASIL, 2009, p. 6).
Porém algo se destaca na paisagem - trata-se das pontes (Figura 79), ou melhor, das
“pinguelas”, como são chamadas, autoconstruídas para ligar outros pontos, além do
10 A ideia de grupo familiar é usada para caracterizar o grupo de pessoas que habitam um mesmo
espaço, cujas relações nem sempre são de parentesco direto ou do que se entende como uma família
tradicional.
165
Os labirintos na Vila Esperança não estão nas ruas, na escala urbana, mas acontecem
no interior do lote, nas transformações autoconstruídas das casas, na escala do abrigo
e na rede de relações que atravessam aquele território.
É uma estratégia com potencial para promover avanços qualitativos nos Territórios
Habitacionais de Interesse Social, pois mesmo em um território com tantas
dificuldades de acesso, de muito alta vulnerabilidade social, onde se percebia
claramente certa aridez, baixa autoestima, isolamento, senso de pertencimentos e
relação de vizinhança muito fracos, algumas entradas foram se construindo e se
tornando possíveis a partir das oficinas de ambiência e da orientação metodológica
do “fazer com”. No entanto, são intervenções que têm seus planos de atuação
reduzidos por operarem no âmbito da micropolítica, sendo recomendável a articulação
dessas ações locais com as políticas públicas de habitação, saúde, infraestrutura,
ambiental e social, nas suas dimensões macro, tanto na formulação quanto na
implementação, para que efeitos concretos e mais abrangentes no que tange à
efetivação da qualidade de vida dessas pessoas, ou seja, é um desafio também para
gestão pública.
Incluir o outro, aquele que não sou eu, que de mim estranha, e que de
mim produz estranhamento, provocando tanto o contentamento e a
alegria, como o mal-estar (...) que produz certa perturbação nos papéis
pré-estabelecidos, força-motor da produção de mudanças, pois
tendem a desestabilizar certo estado de coisas. Incluir sujeitos não
como pares em oposição, como sujeitos em relação, em composição
que permitam operar mesmo que provisoriamente sobre realidades
concretas e complexas (PASCHE; PASSOS, 2010, p. 426).
A integração das políticas em nível territorial local deve oportunizar também condições
favoráveis para um desenvolvimento mais sustentável desses territórios, valorizando
a apropriação e o sentimento de pertencimento dessa população em relação ao lugar
onde vive. Essa ação torna-se possível quando a comunidade local participa do
processo de discussão e de decisão sobre a formulação e implementação das
políticas públicas indutoras do desenvolvimento e aprimoramento territorial,
aumentando seu grau de autonomia, poder de decisão e escolha sobre os modos de
viver a vida. Um exemplo que pode vir a ser referência nesse sentido, guardadas as
singularidades e diferenças de cada território, são os Planos Locais de Ação em
Habitação e Saúde (PLAHS) que se desenvolvem em Portugal.
Uma delas já pode ser observada ao passar pela Rodovia Dom Pedro I, ao verificar
que o acesso para pedestres e bicicletas, até então informal e difícil, construído pelos
moradores, e que ligava a Vila Esperança ao Ceasa, começa a ser pavimentado e
aquela sensação de isolamento parece começar a se transformar, apontando para
sinais de conexão. Essa conexão pode ser positiva, ao criar outra forma de acesso
que diminui o isolamento da vila, possibilitando, inclusive, maior permeabilidade para
a equipe de saúde na área do final da vila, um território controlado, de difícil acesso e
com alto índice de prostituição e de algumas doenças decorrentes dessa atividade.
Mas, ao facilitar a comunicação com a Rodovia Dom Pedro I, poderá também criar
condições mais favoráveis ao aumento da atividade, como já verificado em situações
semelhantes em outros bairros, ficando o indicativo para estudos futuros.
O que não significa a troca de um arquiteto por outro, mas do seu modo de atuação,
o qual não prescinde do núcleo de saber do arquiteto e urbanista, ao contrário, se
afirma a necessidade de maior participação da população para a construção coletiva
das cidades, como aponta Jacques (2001). Nessa direção se aposta na potência da
coprodução do espaço como vetor de transformação, onde arquitetos e moradores,
usuários - habitantes do espaço, com seus saberes singulares atuam em uma relação
de interferência para a produção de um comum: aumentos nos graus de qualidade de
vida em territórios habitacionais, especialmente nos de interesse social.
174
Ter uma vida significa criá-la e recriá-la sem parar. O homem não pode ter
vida senão a criou por si mesmo. Quando a luta pela existência for apenas
uma lembrança, ele poderá, pela primeira vez na história, dispor
livremente de toda a duração de sua vida. Conseguirá, com plena
liberdade, moldar na sua existência a forma dos seus desejos. Em vez de
ficar passivo diante de um mundo que não o satisfaz, ele vai criar um outro,
onde poderá ser livre. Para poder criar a sua vida, precisa criar esse
mundo. E essa criação, como a outra, são parte de uma mesma sucessão
ininterrupta de criações. Nova Babilônia só poderá ser obra dos seus
habitantes, produto de sua cultura.
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APÊNDICE
Apêndice B: Fichas usadas nas oficinas para construção das narrativas 11.
11 As fichas ficaram circulando entre os participantes e as discussões a partir de cada uma delas foram
anotadas nas fichas respostas pelas pesquisadora e colaboradora, as quais continham algumas
questões de orientação.
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Roteiro Geral
Propor para o grupo que conversem entre si (técnica do cochicho) sobre o que é
qualidade de vida para eles e como percebem esta qualidade de vida na Vila
Esperança em relação a sua situação anterior de moradia. E ainda em relação a outros
bairros mais estruturados que conhecem ou que já moraram ou em relação ao centro
da cidade.
b) A planta construída com cada participante será fotografada para registro e análise
dos resultados.
ANEXOS