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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DULCYENE MARIA RIBEIRO

A formação dos engenheiros militares: Azevedo Fortes, Matemática e


ensino da Engenharia Militar no século XVIII em Portugal e no Brasil.

São Paulo
2009
DULCYENE MARIA RIBEIRO

A formação dos engenheiros militares: Azevedo Fortes, Matemática e


ensino da Engenharia Militar no século XVIII em Portugal e no Brasil.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da


Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo para obtenção do título de Doutor em
Educação.

Área de Concentração: Ensino de Ciências e


Matemática
Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Brolezzi

São Paulo
2009
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

375.3 Ribeiro, Dulcyene Maria


R484f A formação dos engenheiros militares : Azevedo Fortes, Matemática e
ensino da Engenharia Militar no século XVIII em Portugal e no Brasil /
Dulcyene Maria Ribeiro ; orientação Antonio Carlos Brolezzi. São Paulo :
s.n., 2009.
213 p. : il.

Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação. Área de


Concentração : Ensino de Ciências e Matemática) - - Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo.

1. Fortes, Manuel de Azevedo, 1660-1749 2. Matemática – Estudo e


ensino – Brasil-Portugal 3. Militares – Formação – História – Século 18 4.
Engenheiros – Formação – História – Século 18 I. Brolezzi, Antonio Carlos,
orient.
Dulcyene Maria Ribeiro

A formação dos engenheiros militares: Azevedo Fortes,


Matemática e ensino da Engenharia Militar no século XVIII em
Portugal e no Brasil.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da


Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo para obtenção do título de Doutor em
Educação.

Área de Concentração: Ensino de Ciências e


Matemática

Aprovado em:

Comissão Examinadora

Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição______________________________ Assinatura:___________________________

Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição______________________________ Assinatura:___________________________

Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição______________________________ Assinatura:___________________________

Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição_______________________________Assinatura:___________________________

Prof. Dr.____________________________________________________________________
Instituição______________________________ Assinatura:___________________________
Aos meus pais (in memoriam), por terem me mostrado o
caminho e o gosto pelos estudos.
Aos meus irmãos, sobrinhos e familiares, por entenderem que a
distância pode nos unir ainda mais.
Ao meu marido Edeniro, pelo carinho, compreensão,
disponibilidade e amor.
E à maravilhosa criaturinha que trago no ventre.
AGRADECIMENTOS

A todos os meus amigos, de longe e de perto, que direta ou indiretamente


acompanharam-me neste período de doutoramento.

Ao Sr. Silvino Curado, companheiro e entusiasta dessa investigação em Portugal.

À Sônia Lemanski, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Unioeste, pela


disponibilidade e palavras sempre cordiais.

Aos colegas professores do Colegiado do Curso de Matemática da Unioeste, campus de


Cascavel, especialmente para os que acompanharam de perto todo o meu trabalho: Andréia,
Arleni, Fabiana, Simone, Tânia e Viviane.

Aos funcionários das diversas instituições que frequentei durante o período passado em
Lisboa: Torre do Tombo, Arquivo Histórico do Exército, Biblioteca Nacional de Portugal,
Biblioteca da Ajuda, Biblioteca e Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa,
Biblioteca da Academia das Ciências, Biblioteca Central da Marinha, Arquivo Histórico
Ultramarino, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca Pública de Évora,
Arquivo Distrital de Viana do Castelo, Biblioteca e Arquivo Histórico de Obras Públicas,
Arquivo Geral da Alfândega de Lisboa e Direção de Infraestrutura do Exército.

Aos funcionários dos arquivos e bibliotecas brasileiras: Real Gabinete Português de


Leitura, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Biblioteca Militar, Arquivo Histórico do
Exército, Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional e Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.

Aos professores que tiveram a missão de avaliar este trabalho.

Ao Prof. Dr. Antonio Carlos Brolezzi, orientador deste trabalho no Brasil.


Ao Prof. Dr. Luís Manuel Ribeiro Saraiva, pelo acompanhamento e orientação de
minhas atividades em Lisboa.

À Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, local onde este trabalho se


realiza.

À Diretoria do campus de Cascavel da Unioeste, pelo apoio financeiro cedido em forma


de passagens rodoviárias.

À Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pela liberação concedida para


a realização de parte das atividades do doutorado.

À Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, à qual as atividades de Estágio de


Doutorando (Sanduíche) estiveram vinculadas.

E a CAPES, pela contribuição financeira durante o período de estágio de doutorando –


PDEE, em Portugal.
[...] para todos os homens, que em qualquer

particular, quiserem fazer uso do seu

entendimento, e explicar as suas ideias por

termos claros, próprios e inteligíveis.

Manoel de Azevedo Fortes (1744, Lógica


Racional, Geométrica e Analítica).
RESUMO

RIBEIRO, D. M. A formação dos engenheiros militares: Azevedo Fortes, Matemática e


ensino da Engenharia Militar no século XVIII em Portugal e no Brasil. 2009, 213p. Tese
(Doutorado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

Este trabalho tem por fim construir uma história, fundamentalmente com base em
fontes primárias, da formação dos engenheiros militares na primeira metade do século XVIII
em Portugal e no Brasil, no que se refere principalmente aos conteúdos estudados, com
destaque para a álgebra. O tema escolhido deriva do trabalho de iniciação científica que
posteriormente teve continuidade na dissertação de mestrado intitulada: A Obra “Lógica
Racional, Geométrica e Analítica” (1744) de Manoel de Azevedo Fortes (1660-1749): um
estudo das possíveis contribuições para o desenvolvimento educacional luso-brasileiro,
orientada pelo professor Sérgio Roberto Nobre e defendida em 2003, no Instituto de
Geociências e Ciências Exatas, da UNESP, campus de Rio Claro. Para a presente
investigação, foi fundamental a busca em arquivos, indícios e pormenores das fontes. Por
isso, todo esse estudo tem como fundamento essa proximidade com as fontes, documentos
manuscritos da administração pública da coroa portuguesa e textos caracterizados como
“notas de aula” ou “teóricos”, ou seja, produção de alunos e professores, impressos ou
manuscritos. O contato com as fontes permitiu contribuir para perspectivar o campo
econômico, político e cultural do reino português, no tempo estabelecido, nomeadamente no
reinado de D. João V. Nesse contexto, estudou-se a atividade profissional de engenheiro
militar, as condições de acesso à profissão e o seu enquadramento institucional, as aspirações
de ascensão social e as relações com os superiores hierárquicos. Pode-se entender melhor as
circunstâncias da formação do engenheiro militar, estudando o quadro dos alunos que
frequentaram a Academia Militar de Lisboa e dos professores dessa instituição. Assim, foi
possível perspectivar como se teriam dado as “Aulas” de formação dos engenheiros militares
nas capitanias brasileiras, identificando-se os professores e alunos da época. Por fim,
apresentam-se alguns textos que serviram à formação dos engenheiros militares desse tempo,
especialmente à formação matemática, procurando entender como foram produzidos, as
circunstâncias dos seus usos e os conteúdos neles veiculados.

Palavras-chave: História da Engenharia Militar. Azevedo Fortes. Academia Militar de Lisboa


e “Aulas” no Brasil. Álgebra na formação do engenheiro militar. Século XVIII.
ABSTRACT

RIBEIRO, D. M. The military engineers backgraund: Azevedo Fortes, Mathematics and


education of Military Engineering in XVIIIth century in Portugal and in Brazil. 2009,
213p Thesis (Doctoring) – Education College, University of São Paulo, São Paulo, 2009.

This paper studies the historical construction, based on primary sources, of military
engineers background in the first half of XVIIIth century in Portugal and in Brazil, according
to the studied contents, focusing on algebra. The chosen subject is based on a scientific work
that became a dissertation named as: A Obra: “Lógica, Racional, Geométrica e Analítica”
(1744) of Manoel Fortes de Azevedo (1660-1749): a study of possible contributions for the
education development between Portugal and Brazil, advised by professor Sergio Roberto
Nobre and presented in 2003, at the Geoscience and Exact Sciences Institut, of UNESP, in
Rio Claro. The search in files and details of sources were essential for this research.
Therefore, this study looked for those sources, manuscripts of the public administration from
portuguese crown as well as ‘notes of lesson’ or ‘theoretical documents’, which mean, the
students and professors production, printed papers or manuscripts. The contact with the
sources allowed predicting the economic, political and cultural fields from the portuguese
kingdom, in that period, during D. João V reign. In this context, military engineer
professional activity, conditions of access to the profession and their institutional adequation,
social ascension aspiration and their relationship with hierarchic superiors were studied. It
was possible to better understand the military engineer backgraund, studying the students and
professors who made part of Lisbon Military Academy. So, it was possible to predict how
they would have taught the ‘Lessons’ for the military engineer background in the Brazilian
captainships, in order to identify the professors as well as the students who attended the
classes. Finally, some texts that were used to prepare the military engineers of that time are
presented, mainly the mathematical background, looking for understanding how the
circumstances of their uses and their contents were produced.

Key-words: Algebra for the military engineers background. Azevedo Fortes. History of
Military Engineering. Lisbon Academy and ‘Lessons’ in Brazil. XVIIIth Century.
SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1

2 – AZEVEDO FORTES, A SOCIEDADE E A CULTURA EM PORTUGAL NA


PRIMEIRA METADE DO OITOCENTOS ................................................................... 9
2.1 – O reinado de D. João V: as grandes obras arquitetônicas e a Academia Real da
História Portuguesa ......................................................................................................... 10
2.1.1 – As grandes obras arquitetônicas .......................................................................... 11
2.1.2 – A Academia Real da História Portuguesa ........................................................... 17
2.2 – Os homens das ciências e os homens da corte ....................................................... 20
2.2.1 – Manoel de Azevedo Fortes (1660-1749) ............................................................ 20
2.2.1.1 – Formação e atuações no campo da Filosofia e os primeiros passos na volta
ao reino ............................................................................................................................ 20
2.2.1.2 – Atividades que empreendeu no campo da Engenharia Militar e nas defesas
do território português ..................................................................................................... 23
2.2.1.3 – A relação entre Fortes e Manoel da Maia ........................................................ 28
2.2.1.4 – Atividades na Academia Real de História e a confecção dos mapas ............... 29
2.2.1.5 – Obras publicadas e os discursos manuscritos .................................................. 32
2.2.1.6 – Aspectos gerais sobre sua vida pessoal ............................................................ 39
2.2.2 – Os outros homens ................................................................................................ 44
2.3 – As ideias filosófico-científico-educacionais: preocupações científicas e
educacionais – a educação das elites .............................................................................. 48

3 – OS ENGENHEIROS MILITARES DO SÉCULO XVIII ....................................... 53


3.1 – Que significa ser engenheiro militar? .................................................................... 53
3.2 – O engenheiro militar português em Portugal e no Brasil ....................................... 54
3.3 – Os postos e os soldos dos engenheiros militares ................................................... 57
3.4 – O saber científico ................................................................................................... 61

4 – DA AULA DE FORTIFICAÇÃO À ACADEMIA MILITAR – A ESCOLA DA


CORTE E A FORMAÇÃO DE ENGENHEIROS MILITARES .................................. 63
4.1 – A organização do que seria a “Aula”...................................................................... 63
4.1.1 – Os partidistas ....................................................................................................... 64
4.1.2 – Exames ................................................................................................................ 65
4.1.3 – Os exames e o ensino de Arquitetura Militar na Academia Militar e no colégio
de Santo Antão ................................................................................................................ 65
4.1.4 – As componentes curriculares e a duração ........................................................... 68
4.1.5 – As cartas geográficas e topográficas e o trabalho prático das construções ......... 71
4.2 – Seus professores ..................................................................................................... 74
4.3 – Os alunos da Academia Militar depois de 1720 .................................................... 87
4.4 – Enfim: da Aula de Fortificação de Pimentel à Academia Militar de Fortes .......... 97

5 – AS AULAS DE ENGENHARIA MILITAR NO BRASIL ................................... 107


5.1– Bahia ...................................................................................................................... 108
5.2– Rio de Janeiro ........................................................................................................ 116
5.3– Pernambuco ............................................................................................................ 126
5.4– Pará e Maranhão .................................................................................................... 129

6 – OS TEXTOS DE CIÊNCIAS MATEMÁTICAS DE ENGENHARIA MILITAR


E A ÁLGEBRA NESSES TEXTOS .............................................................................. 133
6.1 – O texto do professor Manoel de Azevedo Fortes ................................................... 136
6.2 – Os textos do padre Bernardo Lamy e a Lógica de Fortes....................................... 144
6.3 – O texto de Elias Sebastião Pope e o Elemens des mathematiques do padre Lamy 146
6.4 – O conteúdo do manuscrito de Pope comparado com o conteúdo dos livros do
padre Lamy, de Fortes e de Alpoim ................................................................................ 150
6.5 – A Álgebra nesses livros ......................................................................................... 163
6.5.1 – Algumas considerações ....................................................................................... 167
6.6 – Os textos de ex-alunos da Academia Militar portuguesa que ensinaram no Brasil 169
6.6.1 – Diogo da Silveira Veloso .................................................................................... 169
6.6.2 – José Fernandes Pinto Alpoim .............................................................................. 179

7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 185


REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 193
APÊNDICES .................................................................................................................. 203
ANEXOS ........................................................................................................................ 211
1

1 – INTRODUÇÃO

Uma contextualização pessoal do lugar de partida da pesquisadora

Estranho pode parecer que alguém com uma formação inicial em Matemática possa se
interessar pela História, pela História da Engenharia Militar. Mas é nessa mesma formação
que está a resposta a esse estranhamento. Quando a autora deste trabalho estava iniciando seu
3º ano do curso de graduação em Matemática na UNESP, campus de Rio Claro, foi convidada
pelo Prof. Dr. Sergio Nobre para participar de um projeto de iniciação científica. O trabalho
buscou investigar o livro O engenheiro Português, 1728/9, de Manoel de Azevedo Fortes.
Nessa investigação foi estudado apenas o volume I, que apresentava a Matemática. Foi uma
análise bem restrita, mas que serviu para aguçar a curiosidade de saber mais sobre o autor.
Iniciada uma busca por outros textos ou elementos que pudessem dizer sobre a
atividade desse engenheiro militar, chegou-se à existência de dois que se tornaram capitais
para o prosseguimento da investigação: a obra Lógica Racional, Geométrica e Analítica, de
1744, também do Fortes e Elogio Fúnebre, sobre Azevedo Fortes, elaborado por José Gomes
da Cruz e publicado em 1754. O contato com esses dois materiais foi por meio de exemplares
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O estudo da Lógica culminou na dissertação de
mestrado da autora deste atual trabalho, defendida no Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática da UNESP, que tem como título: A Obra “Lógica Racional,
Geométrica e Analítica” (1744) de Manoel de Azevedo Fortes (1660-1749): um estudo das
possíveis contribuições para o desenvolvimento educacional luso-brasileiro.
Estudar Matemática do século XVIII em Portugal e no Brasil era de interesse do
Grupo de Pesquisa em História da Matemática, vinculado à UNESP, campus de Rio Claro, do
qual a autora participava. Com uma análise sobre a obra Lógica Racional, Geométrica e
Analítica e sobre seu autor, procurou-se detectar alguns pontos que evidenciassem possíveis
contribuições para o desenvolvimento educacional dos dois países, em especial, do ensino de
Matemática.
Esse foi um trabalho mais amplo, mas que deixou latentes outras curiosidades, fatos
não explicados ou mal explicados, questões por responder. Para ilustrar, tencionava-se
entender a ligação entre Manoel de Azevedo Fortes e José Fernandes Pinto Alpoim, famoso
engenheiro que atuou no Brasil e deixou seu nome em inúmeros projetos de construção no
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país, bem como em esferas administrativas. Tinham ou não estado juntos no reino português?
Alpoim teria sido aluno de Azevedo Fortes? Por que em textos de cada um deles aparecem os
mesmos exemplos? Onde Fortes tinha ido buscar os conhecimentos matemáticos, bem como
os outros tipos de conhecimentos presentes nos livros que elaborou?
Outro aspecto que incomodava era a consideração generalizada sobre o atraso
científico português, maciçamente divulgado, embora, nos últimos tempos, já com indicativos
de superação, especialmente quando das investigações sobre o ensino jesuíta. Mas quais as
relações entre o ensino de engenharia militar ocorrido na Aula da Esfera do Colégio Jesuíta de
Santo Antão e as aulas que aconteciam na Academia Militar? Havia diferenças? Por que em
dois diferentes ambientes se ensinava a Engenharia Militar?
O ensino de Matemática nas aulas de Engenharia Militar tem sido tratado com certa
indiferença, sendo atribuídos a essas aulas aspectos diminutivos, que ressaltam somente o
pouco aprofundamento dos assuntos matemáticos. Mas será que elas merecem ser assim
tratadas? O que nela se ensinou, especialmente no período abrangido por esta investigação,
não estava em concomitância com o que se ensinava nos colégios jesuítas portugueses? E
mais, não seria o que se ensinava nas aulas de Engenharia Militar dos outros países europeus
como a França? É bom lembrar que eram nessas aulas ou por algum engenheiro patrocinado
diretamente pelo poder real, que algumas das teorias mais importantes da Matemática foram
divulgadas ou mesmo produzidas, como foi o caso das frações decimais criadas pelo
engenheiro holandês Simon Stevin e difundidas e utilizadas pelos engenheiros dos diversos
países.
E foi para buscar entender o que tinha ficado sem explicação precisa no estudo
durante o mestrado que a autora deste trabalho enveredou-se mais uma vez pelos arquivos.
Ginzburg, em Os andarilhos do bem, ao estudar sobre os benandantis, diz que “a
característica mais importante dessa documentação é a sua imediaticidade. [...] a testemunhos
fragmentários e indiretos, filtrados por uma mentalidade diversa e inevitavelmente
deformante” (GINZBURG, 1990, p. 7). Isso está ligado à outra provocação sua, que
incomoda a maioria dos historiadores, a de que “tudo o que é sólido pode se desmanchar num
arquivo” (FREITAS, 1999, p. 20).
Daí a importância do acesso às fontes primárias, nas pesquisas em história. As fontes
secundárias também têm sua importância, mas o uso exclusivo delas pode mascarar os dados,
causar um falseamento das informações, levar o pesquisador a conclusões imprecisas e até
equivocadas. O Elogio Fúnebre apresenta muitos aspectos biográficos de Fortes e é o material
mais completo sobre sua vida, escrito por quem o conheceu, tornando-se a fonte mais citada
3

pelos pesquisadores contemporâneos, que tratam sobre Azevedo Fortes. Em se tratando de


documentos como esse necrológio, é preciso entender como foi elaborado, se tinha algum
propósito, qual era a condição do campo dos intelectuais que mereciam esse tipo de elogio e
dos que escreviam esses elogios. Baseado em necrológios publicados no Jornal dos
Professores, órgão oficial do CPP, Pereira descreve o papel dos necrológios da seguinte
forma:
Os necrológios, acionados pela inevitável carga emotiva que o acompanha,
emotividade esta, por sua vez, controlada pelas formas protocolares de elogios aos
mortos, expressam a representação que o professor faz de si mesmo e de sua
profissão. Ou seja, por meio de formas eufemizadas, complacências rituais e
avaliações morais inteiramente voltadas à consagração dos agentes, transfigurações
de vidas, em geral comuns, em vultos de uma densidade quase impalpável, os
necrológios explicitam e disseminam os critérios da excelência moral, social e
profissional dos membros do magistério oficial paulista. (PEREIRA, 2000,
p.178).

Embora em outro contexto, as afirmações acima se aplicam também ao objeto de


estudo deste trabalho. Então, para escapar à repetição de informações sem comprovação e
motivada pela curiosidade, buscaram-se nos documentos guardados nos arquivos portugueses
as respostas às perguntas e pontos desencontrados da vida e da obra de Azevedo Fortes e da
Academia Militar. Isso porque só uma profunda investigação nesses arquivos daria conta ou
ao menos indicaria caminhos para responder a essas questões, mesmo as mais generalistas. E
isso se concretizou neste trabalho que ora se apresenta.
Apresentou-se um projeto de investigação à CAPES, por meio da Pró-Reitoria de Pós-
Graduação da Universidade de São Paulo, solicitando financiamento para o desenvolvimento
do trabalho de pesquisa em instituições portuguesas. O apoio financeiro foi concedido por
meio de bolsa de Estágio de Doutorando – PDEE (Sanduíche). A instituição portuguesa a qual
o projeto esteve relacionado foi a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O período de um ano passado nas bibliotecas e arquivos portugueses foi pouco, diante
da infinidade de documentos neles guardados, relativos à temática investigada. Em alguns
arquivos, esperava-se mesmo encontrar documentos, como no Arquivo Nacional da Torre do
Tombo (popularmente, Torre do Tombo apenas), no Arquivo Histórico do Exército ou na
Biblioteca Nacional de Portugal. No entanto, outros locais que não constavam do projeto
inicial, como o Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, mostraram uma
grata surpresa.
A intenção de verificar algumas informações constantes no Elogio Fúnebre foi
necessariamente, a de encontrar documentos relativos aos bens do Fortes, cujas escrituras
existentes no Arquivo Histórico da Santa Casa só puderam confirmar. Dados sobre a atuação
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de Fortes no reino, como por exemplo, os períodos em que deu aulas na Academia Militar,
puderam ser investigados na imensa quantidade de documentos relativos ao Conselho de
Guerra, órgão da esfera administrativa do reino português da época, existentes na Torre do
Tombo.
Os locais visitados em Portugal foram os seguintes: Torre do Tombo (ANTT),
Arquivo Histórico do Exército (AHE), Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), Biblioteca da
Ajuda (BA), Biblioteca e Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (BAH
da SCML), Biblioteca da Academia das Ciências (BAC), Biblioteca Central da Marinha
(BCM), Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
(BGUC), Biblioteca Pública de Évora (BPE), Arquivo Distrital de Viana do Castelo (ADVC),
Biblioteca e Arquivo Histórico de Obras Públicas (BAHOP), Arquivo Geral da Alfândega de
Lisboa (AGAL) e Direção de Infraestrutura do Exército (DIE). Além dessas instituições,
foram feitas visitas mais rápidas a algumas das bibliotecas da Universidade de Lisboa, como a
do Museu de Ciências, à biblioteca da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de
Lisboa e à Biblioteca da Escola Militar de Paris.
Assim como na investigação para a elaboração da dissertação, nessa etapa do
doutoramento também foram frequentadas algumas instituições localizadas no Rio de Janeiro,
com o objetivo de encontrar outros materiais que pudessem ajudar na elaboração deste
trabalho. Foram feitas pesquisas no Real Gabinete Português de Leitura (RGPL), no Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), na Biblioteca Militar (BM), no Arquivo Histórico
do Exército (AHE), no Arquivo Nacional (AN), na Biblioteca e no Arquivo Histórico do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (B e A do IPHAN) e na Biblioteca
Nacional (BN do RJ). Em São Paulo, a busca por obras bibliográficas ficaram concentradas
na Biblioteca Mário de Andrade e no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP).
Diante de tanta documentação, foi necessário fazer escolhas. Uma delas foi, por
exemplo, limitar o tempo a ser abrangido na investigação. Optou-se por marcar como extremo
inferior e superior, respectivamente, os anos de 1695, ano em que Fortes retornou ao reino
português e de 1750, já que foi em março de 1749 que Azevedo Fortes faleceu. Isso não quer
dizer que, por vezes, esses limitantes não sejam ultrapassados, caso, por exemplo, em que
foram consultados documentos até de 1789, para traçar a trajetória do sucessor de Azevedo
Fortes na tarefa de professor da Academia Militar. Mas, como parte da documentação
analisada tem longos períodos de existência, necessário foi mesmo estabelecer, nesta
investigação, tais limites. Com isso deixa-se de fora da análise a época pombalina e as
alterações que o ensino na Academia Militar de Lisboa, sob os comandos do Marquês de
5

Pombal, sofreu. O período analisado coincide com o do reinado do monarca português D.


João V (1706-1750), incluindo ainda os anos finais do reinado de seu pai, D. Pedro II (1683-
1706).
Outra escolha importante foi em relação aos materiais considerados focos centrais do
trabalho: documentos manuscritos da administração pública e cartas topográficas, plantas e
desenhos, na maioria das vezes, também produzidos para a administração pública, mas com
características bem definidas e diferentes das dos outros documentos manuscritos e, por fim,
os textos didáticos ou não, manuscritos ou impressos, resultantes dos trabalhos e aprendizados
dos engenheiros militares, muitos deles ainda de quando eram alunos.
Foi a busca em arquivos, nos indícios e pormenores das fontes que trouxeram as
informações mais significativas para essa investigação. A trajetória que a investigação foi
tomando levou à reformulação do objetivo central, que de uma história intelectual sobre
Azevedo Fortes passou a ter como foco a formação dos engenheiros militares e a inserção da
Matemática nesse contexto.
Sintetizando, o objetivo desse trabalho é compreender como se dava a formação dos
engenheiros militares na primeira metade do século XVIII em Portugal e no Brasil, no
que se refere principalmente aos conteúdos estudados, destacando-se a álgebra.
A característica fundamental deste estudo – a proximidade com as fontes
primárias – livros de registros, decretos, cartas e textos utilizados e produzidos durante
as aulas – mostrou-se adequada para a realização do objetivo. As fontes históricas
primárias foram imprescindíveis para constituir a visão da formação dos engenheiros.
Entre as intenções mais específicas está compreender e mostrar como se deram as
trocas e as substituições dos professores na instituição responsável pela formação dos
engenheiros militares da corte, quem foram os protagonistas, os alunos que por ela passaram,
e os que, eventualmente, tornaram-se lentes ou assumiram outros papéis importantes no
âmbito do processo de formação, os alunos da Academia Militar da corte que vieram para o
Brasil e que aqui foram também lentes, a organização das escolas de formação de engenheiros
no Brasil, as alterações que os decretos acarretaram, no tocante, principalmente, à mudança de
denominação, de “Aula” à Academia Militar, o protagonismo de Manoel de Azevedo Fortes
em propor um sistema educativo que, além de destinado aos militares, procurava atingir
também a nobreza da época e, especialmente, o ensino de Matemática nessas escolas, os
textos difundidos ou elaborados nelas e a presença da Álgebra nesse ensino.
É preciso deixar claro, nesta introdução, que o termo “Academia Militar” ou
“Academia Militar de Lisboa”, ou ainda “Academia Militar da corte” será usado para designar
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a instituição localizada na corte que formava os engenheiros militares, mesmo quando for
referido a períodos em que ela ainda não era assim conhecida. A exceção se dará quando for
discutido sobre as alterações de nomenclatura, na quarta seção deste trabalho. Criada em
1647, era denominada Aula de Fortificação e Arquitetura Militar ou simplesmente “Aula”.
Engenharia Militar é a denominação que atualmente se dá ao ramo de conhecimento
que será objeto de análise neste trabalho. No entanto, na época a que este trabalho se referirá,
o termo usado era Arquitetura Militar.
Ao longo do texto, termos não muito conhecidos atualmente terão explicitados seus
significados, sempre que aparecerem pela primeira vez ou como no caso de ‘engenheiro-mor’,
será explicado na terceira seção, em que se trata de explicar a organização desse quadro de
funcionários reais.
Alguns títulos e algumas citações feitas dos documentos do período estudado estão
como nos originais, como uma forma de evidenciar como era a escrita da época, como a
existente na página 14, item 2.1.1 e outras que estarão indicadas ao longo do texto. As demais
citações foram transcritas com a grafia atual, mas mantendo-se letras maiúsculas ou
minúsculas no início das palavras conforme aparecem, além de pontuação original.

Descrição geral do texto e suas partes

Dividi-se este trabalho em seções. Além desta introdução e dos elementos finais de
considerações, referências, apêndices e anexos, há outras cinco seções assim designadas:
Seção 2 – Azevedo Fortes, a sociedade e a cultura em Portugal na primeira metade do
oitocentos – na qual se pretende relatar aspectos da organização política, administrativa,
cultural, filosófica e educacional do reino português, como forma de ilustrar em que “berços”
estava a engenharia militar envolvida.
Seção 3 – Os engenheiros militares do século XVIII – procura-se, nessa seção, relatar
sobre como estavam os engenheiros militares organizados na estrutura administrativa do reino
português: a vinculação ao Exército, os salários. Também busca-se explicitar alguns termos
que constantemente aparecerão no decorrer do texto.
Seção 4 – Da Aula de Fortificação à Academia Militar – a escola da corte e a
formação de engenheiros militares – na qual serão relatados pormenores dessa instituição,
como a indicação dos professores, os exames a que eram submetidos os alunos, como se
davam as suas nomeações, a ligação da Academia Militar com a Aula da Esfera do Colégio de
7

Santo Antão, os engenheiros que aprenderam na Academia e a discussão sobre a denominação


que essa escola da corte possuiu.
Seção 5 – As aulas de Engenharia Militar no Brasil – nessa seção descreve-se sobre
as instituições formadas para ensinar a Engenharia Militar no Brasil, os trabalhos dos
professores portugueses que nelas atuaram e dos alunos formados nessas aulas.
Seção 6 – Os textos de ciências matemáticas de Engenharia Militar e a Álgebra
nesses textos – busca-se, nessa parte, trazer à mostra textos portugueses, manuscritos ou
impressos de grande importância para os estudos históricos sobre a Engenharia Militar, bem
como mostrar que Azevedo Fortes, influenciado pelos textos de matemáticos europeus,
especialmente, pelos do padre francês Bernardo Lamy, teve papel decisivo para que a Álgebra
fosse ensinada na Academia Militar.
8
9

2 – AZEVEDO FORTES, A SOCIEDADE E A CULTURA EM PORTUGAL NA


PRIMEIRA METADE DO OITOCENTOS

A circulação do conhecimento científico na Europa aparece, em geral, como


legitimamente existente somente em alguns países, no período que se estende pelos séculos
XVII e XVIII, mas Portugal estava fora desse círculo. Desde que se passou o momento inicial
dos descobrimentos portugueses, a esse país estava resguardado um papel subalterno no
desenvolvimento das ciências. Chega-se até mesmo a acreditar que nem um papel de
transmissor de conhecimento possa a Portugal ser delegado. Mas, pesquisas recentes e os
frutos das suas descobertas têm vindo contrariar esse aspecto da historiografia portuguesa que
parece cristalizado.
Camenietzki, num artigo apresentado no II Congresso Luso-Brasileiro de História da
Matemática, ajuda a reforçar essa questão. Escreveu que as gerações que sucederam Pedro
Nunes não obtiveram resultados importantes, se comparados aos de Nunes. Muitas das
pesquisas que realizaram eram diferentes das dos contemporâneos do restante do continente,
retomando muitas vezes teses e temas mais antigos. “Contudo, isto não comprova qualquer
naufrágio ou decadência; pode, ao contrário, demonstrar a pujança de uma tradição científica”
(CAMENIETZKI, 1997, p.108).
O fato de Portugal não ter produzido um matemático do porte de Pedro Nunes no
período que o sucedeu não significa uma total paralisia dos estudos científicos. Os temas
tratados pelos matemáticos e cientistas, a metodologia empregada e as conclusões a que
chegaram se encontram em conformidade com o que se fazia nos centros mais conhecidos de
investigação científica da época.
Do ponto de vista da História da Ciência, investigações1 em arquivos e bibliotecas,
têm revelado materiais utilizados no ensino jesuíta, que são verdadeiros depositários do
conhecimento científico da época. Apenas, como exemplo, dois anos depois que Galileu havia
publicado suas idéias sobre os planetas, tais conhecimentos estavam sendo divulgados e
ensinados no Colégio Jesuíta de Santo Antão, em Lisboa. E, ainda, ensinava-se a fabricar o
telescópio, matéria que, aliás, outros transmissores da teoria de Galileu não ensinaram em
suas divulgações (LEITÃO, 2008, p. 27-44).

1
Haja vista a exposição feita na BNL no período de fevereiro a abril de 2008 sobre os manuscritos científicos da
Aula da Esfera do Colégio de Santo Antão existentes na Biblioteca Nacional de Portugal.
10

Portugal encontra-se hoje em um momento de divulgação de uma nova conjuntura da


sua historiografia. Há defensores por todos os lados a combater teses há muito sacramentadas,
como também os pesquisadores que têm tratado da Filosofia e que escrevem, especialmente,
sobre a circulação das idéias filosóficas em Portugal, então em voga no resto da Europa.
Defendem esse propósito pesquisadores como José Esteves Pereira, Noberto Ferreira
da Cunha, Valmir Chacon, entre outros, que buscam explicar como as idéias filosóficas
circularam em Portugal, quem foram os seus propagandistas, as incongruências dos
pensamentos que apresentaram, o debate entre o antigo e o moderno, marcado pela filosofia
escolástica e aristotélica de um lado e, por outro, as idéias racionalistas do cartesianismo,
empirismo e experiencialismo.

2.1 – O reinado de D. João V: as grandes obras arquitetônicas e a Academia Real da


História Portuguesa

Existe uma vertente muito defendida de que Portugal nos séculos XVII e XVIII,
encontrava-se em meio a uma grande crise cultural. Enquanto outras partes da Europa
estivessem em ascensão, colocando à prova nomes de vários homens que estavam ligados aos
conhecimentos filosóficos e científicos e que exerceram influência em praticamente todos os
países europeus, Portugal realmente se apresentava sem grandes brilhos ou, pelo menos, uma
história que poderia ter ressaltado tal acontecimento não foi contada. No entanto, há tentativas
em mostrar que existiram algumas pessoas que tentaram mudar essa história e que, apesar de
não constituírem nenhum marco tão importante, foi o acúmulo dos seus esforços que
culminou nas idéias tão restauradoras de outros.
O reinado de D. João V, que se deu de 1706 a 1750, parece ter aspectos mal avaliados
pela história, especialmente por quem tinha a intenção de apontar-se como superação de um
passado nefasto, afirma Chacon (1998 p.28). D. João V foi descrito como um fanático
ensandecido quando realizava a construção do Palácio de Mafra. Foi, sem dúvida, prisioneiro
de frades, burocratas, militares e latifundiários, executando planos que satisfaziam aos
interesses desses. Esses planos imputaram claramente gastos imensos, que, na verdade, não
cabiam nas posses do governo.
De fato, D. João V recebeu um reino enfraquecido e cheio de dívidas, que conseguiu
equilibrar graças ao ouro proveniente das minas brasileiras. Mas, com ele também foi dado
impulso às indústrias da metalurgia, da fabricação de sedas, de louça e de papel, entre outras.
11

Foram feitas obras de encanamento do rio Tejo, obras para regularizar o abastecimento de
água de Lisboa e um esforço para reflorestamento. Segundo Chacon, o endeusamento de
Pombal desmerece todo o esforço de D. João V. “A necessidade ideológica da louvação do
Marquês de Pombal, além da conta do que ele contudo merece, levou ao esquecimento, até à
difamação dos esforços industrializadores e modernizantes de Dom João V” (CHACON,
1998, p.30).
Alguns dos empreendimentos mais significativos do século XVIII mostram como o
monarca parece ter se interessado também pelo desenvolvimento das ciências. Ele instalou em
seu palácio um observatório astronômico, patrocinou a construção e os voos do aeróstato pelo
brasileiro Bartolomeu de Gusmão2, ampliou a Biblioteca da Universidade de Coimbra e o seu
acervo passou a contar com os mais atualizados livros, iniciou a capacitação da ordem dos
oratorianos, que, já sob os comandos de Pombal, substituíram os jesuítas e fundou a
Academia Real de História3.
A influência de D. João V foi direta em vários setores, por exemplo, na construção das
grandes obras arquitetônicas, como foi a construção do aqueduto das Águas Livres, do
Palácio/Convento de Mafra e da ampliação das instalações da biblioteca Joanina na
Universidade de Coimbra, ou no estabelecimento das impressionantes livrarias, construídas
mesmo para chocar pela grandiosidade, como são as livrarias/bibliotecas do Palácio/Convento
de Mafra e da Universidade de Coimbra, como já citado.

2.1.1 – As grandes obras arquitetônicas

Palácio Nacional de Mafra

Uma dessas construções é a impressionante edificação na Vila de Mafra – hoje


conhecida como Palácio Nacional de Mafra. Por ordem do rei D. João V ela foi iniciada, em
1717, com o lançamento da primeira pedra, como um projeto modesto de um convento para
abrigar alguns frades franciscanos, mas com o ouro do Brasil que entrava nos cofres públicos,

2
Bartolomeu de Gusmão (1685-1724) nasceu em Santos – SP. Após estudar no seminário da Bahia, concluiu
seus estudos na Universidade de Coimbra, onde foi também professor. Depois permaneceu na corte, onde tinha o
apoio declarado de D. João V para os seus experimentos. Entre eles: uma máquina elevatória de água para o
seminário da Bahia/moinhos e a construção do aeróstato - espécie de balão mais leve que o ar - testado em 1709.
Sobre ele, há mais informações no item 2.2.2.
3
Fundada em 08/12/1720 era composta por 50 sócios, que eram em sua maioria intelectuais e nobres e tinha
documentado no seu estatuto, a finalidade de estudar e escrever a história eclesiástica e a história do reino
português e suas conquistas. Sobre ela há informações mais detalhadas no item 2.1.2.
12

os planos tornaram-se mais ambiciosos. Além do convento/mosteiro, terminou por se


constituir em um paço real, em uma basílica, que foi sagrada no 41.º aniversário do rei, em 22
de outubro de 1730 e em uma biblioteca, considerada das mais belas bibliotecas da Europa.

Fig. 1 – Palácio Nacional de Mafra. Primeira imagem - Arquivo da autora; segunda imagem – site
wikipédia.

Os números da construção do Palácio/Convento de Mafra são impressionantes. Em


uma lista encontrada num códice (Manuscrito 120 BGUC, p. 176) na Sessão de Reservados
da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra estão informações detalhadas do número de
trabalhadores de cada setor e dos animais que os serviam no ano de 1730. Ao todo, o número
de homens era 62.109 e o de animais, incluindo cavalos e bois, 7.870. Só para se ter uma
idéia, e não colocar a lista completa, eram 7.000 os soldados de infantaria, 5.530 o número de
carpinteiros e 13.300 o número de cortadores de madeira. Entre os animais, só as juntas de
bois pertencentes ao rei somavam 3.330.
A biblioteca fica localizada no segundo piso do Palácio/Convento, tem
aproximadamente 90 metros de comprimento por 10 metros de largura. É revestida de
mármore – rosa, cinza e branco –, que também reveste a basílica e os livros são guardados em
estantes de madeira. São cerca de 40 mil livros, que apresentam encadernações em couro
gravadas a ouro, realizadas pelo trabalho dos monges em oficinas locais. Entre muitas
raridades bibliográficas como incunábulos, os livros dessa biblioteca testemunham a extensão
do conhecimento ocidental dos séculos XIV ao XIX.
13

Fig. 2 – Biblioteca do Palácio/Convento de Mafra, atual Palácio Nacional de Mafra, Mafra, Portugal.

Em entrevista ao jornal Ciência Hoje, José Medeiros, pesquisador português e


organizador de uma exposição sobre os livros proibidos da biblioteca, salientou o fato de a
Biblioteca de Mafra nunca ter sido deslocada, nem quando da extinção das ordens religiosas
em 1834. Isso permitiu a ela ser como era e manter intocáveis suas preciosidades
bibliográficas.
Sobre o espólio da biblioteca, Medeiros sublinhou que “É curioso que os livros que a
Inquisição proibia e colocava no Index [lista de livros proscritos] integravam as bibliotecas
dos seus conventos” (Ciência Hoje, 2007).
Além dos livros proibidos, nomeadamente os de Filosofia e Anatomia como o Auto da
Barca do Inferno de Gil Vicente, a biblioteca tem livros religiosos e livros profanos, como os
de Arquitetura, Direito, Medicina e Música. Destacam-se alguns manuscritos religiosos em
pergaminho e uma segunda edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões.

Aqueduto das Águas Livres

Outro importante emprendimento do período joanino foi a construção do Aqueduto


das Águas Livres. Trata-se de um complexo sistema de captação, adução e distribuição de
água à cidade de Lisboa. A captação tem origem na nascente das Águas Livres, em Belas,
região de Lisboa. Apesar de a sua origem ser romana, foi repensada durante o reinado
filipino, embora a construção não tenha sido sequer iniciada. Foi no reinado de D. João V
(1706-1750), no entanto, que a obra foi executada por um período de aproximadamente vinte
14

anos, iniciada nos anos trinta do século XVIII, tornando-se uma das obras mais emblemáticas
de Lisboa, destacada principalmente pela grandiosa arcaria que se ergue sobre o Vale de
Alcântara, que tem um total de 941 metros de comprimento e é constituído por 21 arcos de
volta perfeita e 14 arcos centrais em ogiva. Ao todo, o aqueduto possui 127 arcos. O
Aqueduto resistiu incólume ao terremoto de 1755 e passou por transformações e ampliações
ao longo do século XIX.

Fig. 3 – Aqueduto das Águas Livres. Arcaria sobre o Vale de Alcântara. Arquivo da autora.

A preocupação com a falta de água na cidade levou à nomeação, em 1729, de três


homens para a elaboração do plano de construção do aqueduto: Antônio Canevari, o arquiteto
real de origem italiana, o Coronel Engenheiro Manuel da Maia e João Frederico Ludovice,
arquiteto alemão, responsável também pelo Palácio/Convento de Mafra. Em 1731, deu-se o
início do projeto, que tinha como diretor Antônio Canevari, afastado da direção um ano
depois, sendo substituído por Manoel da Maia. Ao longo do período de construção, o
empreendimento teve outros diretores, entre eles Custódio Vieira e Carlos Mardel, que
fizeram alterações ao plano inicial desenvolvido por Manoel da Maia.
Entre Manoel da Maia e Antônio Canevari parece ter havido desentendimentos e,
provavelmente, o arquiteto Canevari nem tenha apresentado um plano de construção, o que
Manoel da Maia não deixou de fazer. Ainda antes de 1729, Maia e o engenheiro-mor do reino,
Manoel de Azevedo Fortes, tinham feito diversas medições. O nome deste último não aparece
como responsável pela obra, embora todas as obras públicas dependessem também do seu
parecer como engenheiro-mor. As medições e outros fatos são narrados por Manoel da Maia
em seu Considerações sobre o projecto da condução das águas, chamadas Livres, ao Bairro
15

Alto; e explanações sobre as mesmas considerações, offerecidas ao Snr. D. João 5º por


Manoel da Maia 1731. No fim, o documento4 é assinado em 6 de novembro de 1731.
Nesse documento, Maia expõe sobre o que considerava necessário para a construção
do aqueduto, bem como os tipos de materiais a serem usados, como os canos e, até mesmo,
sobre como a execução da obra deveria ser dividida e organizada entre os empreiteiros,
mestres e oficiais. Maia posiciona-se favorável à existência de uma centralização na
fiscalização e na produção e compra dos materiais a serem usados na obra, para garantir a
uniformidade da construção.
O que se conhecesse dessa obra é quase sempre referenciado a Manoel da Maia e ao
arquiteto italiano Canevari e às disputas que estabeleceram entre si, bem como aos que os
sucederam, Custódio Vieira e Carlos Mardel, citados anteriormente. Não se faz referências ao
envolvimento de Manoel de Azevedo Fortes, nem de seus alunos (vindos da Academia
Militar) em tal construção. Provavelmente, Fortes não quisera ter se metido nas disputas
travadas entre Manoel da Maia e o italiano. Garcia (2006, p.169) argumenta que foi devido à
intervenção de Fortes que o arquiteto italiano Canevari foi expulso em julho de 1732, e que
Fortes e José da Silva Paes5 foram os que elaboraram a planta desse empreendimento, porém
“Mudouce a administração dos engenheiros Manoel de Azevedo Fortes, e Joseph da Silva
Pais que tinhão feito a planta da Agoa Livre preferindo-se a de Manoel da Maya [...]”
(LISBOA, MIRANDA e OLIVAL, 2005, p.249).
No entanto, não foi possível averiguar os pormenores dessas preferências. O certo é
que foram os engenheiros militares ligados à corte e os alunos da Academia Militar que
desempenharam papel importantíssimo na organização desse empreendimento, bem como no
das obras de Mafra. O traçado dos caminhos e as plantas geográficas e topográficas realizadas
para esses dois empreendimentos foram tarefas desempenhadas por esses homens, como
revela o trecho seguinte:
Felippe Rodrigues de Oliveira [...] no referido tempo acompanhar o Engenheiro mor
por dous meses na occazião em que fora examinar se era possivel conduziremce
as agoas do sitio da Agoa Livres athe o bairro alto destas cidades assestindo na
planta Topografica e a todas as deligencias que se fizeraõ daquele citio the [oadro]
de São Roque, acompanhou segunda vez na medição dos seis caminhos que desta
Corte vão para a villa de Mafra [...]Lisboa Occidental, nove de Junho de mil
settecentos e trinta e quatro. (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, de
9 de junho de 1734, Maço 93).6

4
Localização: Biblioteca da Ajuda, Cod Ms. 49 – XI – 20.
5
Outro engenheiro-militar que terá seu nome retomado por diversas vezes neste trabalho.
6
Na grafia atual fica: Felipe Rodrigues de Oliveira [...] no referido tempo acompanhar o Engenheiro-mor por
dois meses na ocasião em que fora examinar se era possível conduzirem-se as águas do sítio das Águas Livres
até o Bairro Alto destas cidades assistindo na planta topográfica e a todas as diligências que se fizeram daquele
16

Na quarta parte deste trabalho, este assunto ganhará novo destaque.


Em 1748, o aqueduto ficou terminado, transportando diariamente cerca de 1300 m3 de
água, três vezes mais que a oferta original. Devido ao crescimento demográfico da cidade de
Lisboa, a capacidade do aqueduto foi constantemente aumentada. No fim, totalizava um
comprimento de 58.135 metros de galerias subterrâneas e também elevadas. A última das
construções referentes ao aqueduto é o reservatório localizado nas Amoreiras, em Lisboa, o
que se chamou de Mãe d’Água, iniciada ainda com Carlos Mardel em 1745, mas que só foi
terminada no século XIX.

Biblioteca da Universidade de Coimbra

Outra edificação relevante do reinado de D. João V foi a Biblioteca da Universidade


de Coimbra. Para além de satisfazer a solicitação do reitor da Universidade que se referia à
organização de uma sala adequada para a instalação da biblioteca já existente, o rei, em
resposta dada a 31 de outubro de 1716, mandou que se encontrasse um local para a construção
de um edifício apropriado.
Definido o local anexo às dependências já existentes da universidade, ao lado direito
da capela, a obra teve início em 1717, com o lançamento da primeira pedra em 17 de julho. A
obra de pedraria ficaria concluída em 1722, período em que já se haviam iniciado os trabalhos
interiores de construção das estantes e demais carpintarias. Nesse ano foram contratados
pintores para a decoração dos tetos e eram muitos os técnicos especializados em seus diversos
ofícios que prestavam seus serviços a esse empreendimento. O trabalho foi dado como
concluído em 1728.
Devido ao desnível do terreno, a obra foi concebida como um paralelepípedo com três
pisos. No piso inferior ficaram restos do antigo cárcere real e o intermediário foi destinado ao
uso dos professores. No terceiro piso, o andar nobre, é que se concentram as dependências da
biblioteca, que proporciona condições excepcionais para a conservação dos seus documentos
como a temperatura constante, entre 18 a 20 graus Celsius e humidade relativa do ar estável,
de cerca de 60%. Na fachada de acesso, voltada ao Pátio, fica o portal nobre, que, segundo
consta, surgia com a monumentalidade de um arco de triunfo, mas que lastimavelmente se
quebrou.

sítio até [oadro] de São Roque, acompanhou segunda vez na medição dos seis caminhos que desta Corte vão para
a vila de Mafra [...] Lisboa Ocidental, nove de Junho de mil setecentos e trinta e quatro.
17

Fig. 4 – Fachada da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Arquivo da autora.

Além de toda a magnificência arquitetônica e decorativa, a biblioteca se engrandece


pelo notável acervo bibliográfico que contém, cerca de duzentas mil obras de Livro Antigo
(entre os séc. XVI e XVIII). Atualmente, a Biblioteca Joanina (onde se guardam os acervos
bibliográficos anteriores a 1800) e o edifício novo (das Portas Férreas), que conserva o acervo
de cerca de um milhão de documentos, posterior a 1800, constituem a Biblioteca Geral da
Universidade de Coimbra (BGUC), que é, entre as bibliotecas portuguesas, uma das mais
antigas e a que possui, depois da Biblioteca Nacional, o acervo mais valioso.
A construção da Biblioteca da Universidade de Coimbra se deu paralelamente à
construção do Palácio/Convento em Mafra. São dois empreendimentos monumentais do
reinado de D. João V e testemunhas de que o reinado estava com os cofres cheios.
Além do impacto arquitetônico dessas construções, o reinado de D. João V também é
testemunha de realizações culturais e de incentivos para o progresso científico e
historiográfico, como se verá a seguir.

2.1.2 – A Academia Real da História Portuguesa

A Academia Real da História Portuguesa foi criada por decreto de 8 de dezembro de


1720 e tinha por objetivo a escrita da “Historia Ecclesiastica destes Reinos, e depois tudo o
que pertencer a toda a Historia deles, e de suas Conquistas” (Coleção dos Documentos e
Memórias da Academia Real de História Portuguesa. Ano de 1721, p. 11. Decreto de 8 de
18

Dezembro de 1720). Era composta por cinquenta sócios fundadores, que poderiam ser
substituídos quando morressem ou faltassem pelo menos dois meses seguidos às reuniões, que
eram quinzenais. Eram cinco os membros diretores, um diretor e quatro censores, que
revezavam a presidência das reuniões e eram eleitos anualmente. O secretário tinha o cargo
perpétuo. Também havia acadêmicos “supernumerarios, [...] e que tenham domicílio em cada
um dos Bispados, e Conquistas do Reino; e quando venham a Lisboa, terão igual lugar com os
mais Acadêmicos” (Estatuto da Academia).
Ficou estabelecido que as sessões da Academia seriam aos domingos, às quatro horas
da tarde, de 1 de maio até fim de setembro, e às duas horas da tarde, de 1 de outubro até fim
de abril. As conferências não eram abertas para outras pessoas. Somente duas “Academias”
públicas seriam realizadas por ano: uma no aniversário do rei (22 de outubro) e outra no da
rainha (7 de setembro). A Academia possuia em impressor e um porteiro, além de oficiais
para realizar trabalhos que o secretário ordenasse, que seriam pagos com o dinheiro que o rei
destinasse à Academia.
Está no estatuto que quando da morte de algum acadêmico, o diretor nomearia outro
acadêmico para escrever o “Elogio” com o “Epítome de sua vida”, que seria lido na
Academia, logo na primeira sessão após a morte e se lançaria no livro de registro para se
imprimir na “História da Academia”. Isso revela como se deu a elaboração do Elogio Fúnebre
de Fortes, por Gomes da Cruz. No entanto, era uma época (1749) em que já não mais se
publicavam as memórias da Academia, diferentemente do que aconteceu nos dezesseis
primeiros anos 1720-1736. Talvez por isso, o Elogio tenha sido impresso como uma
“separata”, só em 1754.
Em cada sessão, de três a cinco acadêmicos, por ordem alfabética, deveriam relatar o
que tinham realizado, em relação à tarefa que lhe tinha sido atribuída, logo quando
estabelecida a Academia. Azevedo Fortes, por exemplo, tinha por tarefa a elaboração das
cartas geográficas e topográficas de Portugal, trabalho que dividiria com o Padre Manoel de
Campos7.
Dessa forma, cada acadêmico tinha por obrigação prestar conta dos seus trabalhos de
três a quatro vezes por ano. Nos primeiros anos, eles tinham sempre o que mostrar, deixando
as atas das sessões bem fartas, mas, com o passar do tempo, sem que o trabalho avançasse

7
Nasceu em Lisboa em 1680, filho de João Lopes de Campos e de Maria Cardoso. Ingressou para a Companhia
de Jesus em 1698. Foi professor em Madrid e depois na aula da Esfera do colégio de Santo Antão, também
acadêmico da Academia Real de História. Escreveu: Elementos de geometria plana e sólida, em 1735 e
Trigonometria plana e esférica, em 1737, entre outras publicações não matemáticas.
19

muito, em poucas linhas ficava explícito o que se tinha avançado em relação à sessão anterior.
Alguns chegavam mesmo a faltar às sessões em que tinha que prestar contas.
Já as sessões públicas que aconteciam no Paço Real eram tomadas com maior cuidado.
Era o local apropriado para os acadêmicos mostrarem todo o seu trabalho, empenho, oralidade
e erudição, já que estavam em frente ao rei.
As publicações da Academia tinham que ter licenças somente dos seus próprios
censores, não precisavam passar pelas censuras comuns às outras publicações: do Paço, do
Santo Ofício e do Ordinário.
Em 1736 começou um período de decadência das atividades da Academia que acabou
extinta em 1760.
Ainda antes da Academia Real da História Portuguesa, outras academias existiram em
Portugal, vinculadas principalmente ao 4º Conde de Ericeira, D. Francisco Xavier de Meneses
(1673-1743). Uma delas é conhecida como Academia de Ericeira ou Conferências Discretas e
Eruditas, cujos membros começaram a se reunir a partir de 12 de fevereiro de 1696, na
própria casa do conde, que comandava as atividades dessa Academia. Ela era bem diferente
das até então existentes em Portugal, preocupando-se com os problemas filosóficos,
científicos e matemáticos, além dos temas de Fitologia.
Era objetivo da Academia tratar também da filosofia moderna. No Vocabulário
Português e Latino (1712-1728, p. 60) do padre Rafael Bluteau, pode-se ler o seguinte no
verbete Academia que se refere a esta Academia de Ericeira: “no ano de 1696, na Livraria do
Conde de Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes, se instituiu outra Academia portuguesa
com o título de Conferências Discretas, em que aos Domingos a noite, a mais ilustre, e erudita
Nobreza do Reino, se ajuntava a examinar, e resolver questões Físicas e Morais [...]”. Essas
reuniões duraram até 1705.
Mesmo sendo em uma casa particular, esse modelo difere do que acontecia na maioria
das cortes, como a francesa e mesmo a portuguesa, em que muitas vezes, a função dos
intelectuais nos salões da aristocracia se restringia a divertir com seus talentos e ditos
inteligentes (BADINTER, 2007, p.18).
As outras academias tiveram como nomes Academia dos Generosos (1714-1716) e
Academia Portuguesa (1717-1722). Em 1779 foi criada a Academia Real das Ciências de
Lisboa, instituição que existe até hoje, com denominação de Academia das Ciências de
Lisboa.
Além do Conde de Ericeira, D. João V cercou-se de homens eruditos. Uma forma de
mostrar a circulação das idéias nesse período é escrever sobre as relações entre os homens das
20

ciências e os homens da corte, bem como do acesso ao Paço Joanino de homens como
Azevedo Fortes e Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724).

2.2 – Os homens das ciências e os homens da corte

Ao considerar o reino português do princípio do século XVIII do ponto de vista


cultural e religioso, vê-se um país estruturado no catolicismo e que não podia dar abertura às
novas idéias divulgadas, especialmente, nos países não católicos. Marcado pelo abuso e
desperdícios das riquezas e por entrar em guerras desnecessárias, o reinado de D. João V tem
sido considerado, por muito tempo, um período de profundo atraso.
No entanto, não se deve ignorar o que D. João V fez pela cultura portuguesa. As
grandes obras arquitetônicas, tidas como um depositário das riquezas e marcos do esbanjar do
rei, também podem refletir muito do pensamento do monarca, que deixa de ser um esbanjador
sem princípios, para transformar-se em um impulsionador de uma cultura.
Essa visão se harmoniza mais com o impacto causado pela constatação de ter ele
incentivado a construção das mais importantes bibliotecas do reino, consideradas até hoje
possuidoras de acervos incomparáveis, como são as Bibliotecas de Mafra e a Joanina de
Coimbra. Chama a atenção a imponência dessas duas construções.
Se D. João V fosse tão conservador teria permitido que homens como Manoel de
Azevedo Fortes e Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724) tivessem tido acesso ao
Paço? Parece que não. E para ilustrar isso, bastam poucos conhecimentos sobre essas figuras,
embora incomparáveis, pois cada um era possuidor de espíritos totalmente diferentes.

2.2.1 – Manoel de Azevedo Fortes (1660-1749)

2.2.1.1 – Sua formação e atuações no campo da Filosofia e os primeiros passos na volta


ao reino

Fortes nasceu em Lisboa, em 1660, mas, aos doze anos de idade, deixou a corte
portuguesa para ser instruído nas letras humanas do Colégio Imperial de Madrid. Depois
estudou Filosofia na Universidade de Alcalá de Henares, que dista cerca de 35 km de Madrid.
Seguindo os desejos de seu pai, foi recolhido à corte da França no Colégio de Plessis, famoso
21

pela formação dos engenheiros literários. Dedicou-se à Filosofia moderna e experimental e à


Teologia, mostrando especial talento e aplicação à Matemática, de acordo com informações
de Cruz (1754, p.3).
Certamente, Fortes estudou na Espanha a Filosofia escolástica, pois sobre ela soube
bem usar o que lhe convinha, como fica registrado em Lógica Racional, Geométrica e
Analítica. Mas, sem dúvida, na França ele entrou em contato com a Filosofia moderna, pois
no período em que viveu nesse país, acontecia uma das mais profundas revoluções
intelectuais da história, estabelecendo-se as doutrinas de Bacon e Descartes. Segundo Mendes
(1955, p.36-37), as idéias de Gassendi, Malebranche e de tantos outros filósofos da escola
inglesa e Port-Royal são proclamadas por toda a Europa, desprezando as contribuições antigas
e, especialmente, escolástica, insistindo na independência entre Filosofia e Teologia. Vivendo
num ambiente em pleno desenvolvimento, Fortes não ficou alheio às novas ideias.
Fortes deixou a França para ocupar uma cadeira de Filosofia na Universidade de Siena
na Itália, que disputou em um concurso público com mais dois eruditos. Regeu a cadeira por
três anos e, pelo bom trabalho desempenhado, continuou por mais um triênio. Foi nesse
tempo que faleceu Monsieur Lemblancour, nobre francês, considerado o pai legítimo de
Fortes, que morava na França e, com sua morte, cessou a assistência por ele prestada a Fortes.
Foi então, na sua ciência e virtudes, que Fortes constituiu o seu fortalecimento, Cruz (1754, p.
3-4).
Regressou a Portugal e, devido a sua fama, D. Pedro II (1648-1706) o ouviu muitas
noites em conferências particulares. Mendes (1955, p.11) suspeita que nessas conferências
não deve ter sido falado de Filosofia, pois, para ela, Fortes no reino português não trabalhou
com essa disciplina. Será então que deviam tratar de Matemática, pois D. Pedro II acabou
empregando-o no exercício da Matemática na Academia Militar? É provável, mas também
devem ter conversado sim sobre Filosofia, sobre defesa e ataque de praças, entre outras
coisas. Embora em documento, transcrito em parte a seguir, confirme-se a informação de que
fazia conferências ao rei, não transparece que tipos de conferência eram essas. No entanto,
entrou para a Academia como aluno extraordinário e não como professor, mas recebia mais
que os outros alunos. Cruz afirma que o cargo de substituto foi o seu primeiro emprego ou
“rudimentos de serviço” na corte portuguesa, no período de 18 de abril de 1695 até 17018.
Porém, passou mais de um ano como aluno e não como professor substituto. A seguir, uma
enumeração de fatos que altera também a data final exposta acima.

8
Informações colhidas no Elogio de Gomes da Cruz, p.5.
22

Entrou para a Academia Militar como aluno extraordinário em 18 de abril de 1695 e


passou a ser professor substituto em 9 de agosto de 1696, com o soldo de 8 mil réis. Em 18 de
fevereiro de 1698 foi nomeado pela Junta dos Três Estados, por examinador dos discípulos da
Academia, sem ter o soldo aumentado e, em de setembro de 1698, foi nomeado capitão-
engenheiro9, mantendo as obrigações anteriores, mas agora com o soldo de 10 mil réis.
Recebeu esse soldo até 170310, quando conseguiu que ele fosse aumentado para 12 mil réis,
embora tenha pleiteado 20 mil. Nesse tempo, suas ocupações só tinham feito aumentar. Em
documento anexo a essa consulta fica claro que ele já tinha feito a solicitação de aumento de
soldo há tempos, mas que o documento tinha saído do Conselho de Guerra e não tinha voltado
das mãos reais. Uma contradição da parte do rei, já que ele, provavelmente, era o grande
responsável pelo aumento das funções delegadas ao Fortes, que “[...] e além do referido tem
assistido por ordem de Vossa Majestade às conferências e juntas a que foi chamado quase
todos os dias para o serviço de Vossa Majestade e por quanto nestas ocupações tendo o
suplicante tido excessivo trabalho e dispêndio de sua fazenda [...]” (ANTT, Consulta do
Conselho de Guerra, de 5 de fevereiro de 1703, Maço 62). Por tudo isso, parece não ser tão
rudimentares as suas atividades até 1701, como Cruz havia afirmado.
É de 10 de outubro de 1703 a ordem do Conselho de Guerra para que Fortes, ainda
capitão-engenheiro, partisse para o Alentejo a fim de ajudar nas campanhas da guerra, embora
o decreto seja só de 10 de dezembro desse ano.
Desse posto para o posto do qual se tem notícia de ocupar, parece ter havido um salto,
pois não foram encontrados documentos sobre sua nomeação de sargento-mor, que só vai
aparecer no texto do decreto que o nomeia tenente-de-mestre-de-campo-general da Província
do Alentejo. É provável que com a nomeação para partir para o Alentejo a ajudar nas
campanhas da guerra com a Espanha, sua ascensão ao posto de sargento-mor tenha sido
imediata, como era costume elevar o posto no caso de transferência do local onde o militar
exercia as funções. Pelo decreto de 1705, o mestre-de-campo-general ao qual Fortes foi ser
tenente era o Barão de Fagel, do exército aliado holandês, já que Fortes sabia falar várias
línguas. “Hei por bem nomear por Tenente-de-Mestre-de-Campo-General na Província do
Alentejo ao sargento-mor Manoel de Azevedo Fortes. O Conselho de Guerra o tenha
entendido. Lisboa 19 de Fevereiro de 1705. – Com a rubrica de sua majestade” (ANTT,
Decretos do Conselho de Guerra, de 19 de fevereiro de 1705, Maço 64).

9
Sobre postos e soldos dos engenheiros militares, será discutido na seção seguinte.
10
A consulta é de 5 de fevereiro, mas o decreto final de 8 de novembro de 1703.
23

Por esse documento do início de 1705, fica claro que Fortes passou de sargento-mor
para tenente-de-mestre-de-campo-general, o que quer dizer que durante o ano de 1704 passou
de capitão a sargento-mor. Em dois anos teve duas elevações de posto, o que não era comum,
a não ser em tempos de guerra, como esse.
Fortes também participou da Academia do Conde de Ericeira, sobre a qual já se referiu
neste trabalho (item 2.1.2). Segundo Mendes (1955, p.32), distribuídas as tarefas entre os
membros, coube a Fortes tratar da lógica moderna comparada com a dos antigos. Para ela,
tudo o que Fortes escreveu sobre o assunto perdeu-se, mas considera ter sido este o primeiro
esboço de Lógica Racional, Geométrica e Analítica. Suas especulações levam a achar que
talvez nesse trabalho Fortes explicasse os motivos que o levaram a aceitar a filosofia moderna
e a não rejeitar pontos especiais da lógica aristotélico-escolástica. Razões essas que não
explica em Lógica Racional, Geométrica e Analítica “deixando-nos desconcertados quando
entre visões puramente modernas, elogia Aristóteles e apresenta teorias como a das
proposições, silogismos, quatro regras, etc” (MENDES, 1955, p.33). Por outro lado, o
conteúdo dos manuscritos que serão comentados no item 2.2.1.5, põe por terra a afirmação de
que tudo que escreveu nesta época tenha se perdido. E como as palavras de Bluteau sobre a
Academia de Ericeira ressaltam a tendência para estudar temas físicos, é o que se vê nos
manuscritos.
Certamente, pelo que expôs na Academia de Ericeira, fruto da formação adquirida na
França principalmente, passou a ser considerado o mais profundo cartesiano em Portugal,
embora seja melhor dizer que era um eclético, já que trazia consigo também as concepções da
Port Royal.

2.2.1.2 – As atividades que empreendeu no campo da Engenharia Militar e nas defesas


do território português

Logo que regressou a Portugal, Fortes começou a lecionar na Academia Militar, como
já salientado. Em 1702, passou a ser capitão de Infantaria com aplicação de engenheiro, além
de ser substituto na Academia Militar. Acumulou o cargo de sargento-mor, do qual passou em
1704 ao posto de tenente-de-mestre-de-campo-general.
Girou o reino de Portugal, passando pela Vila de Setúbal e Coimbra, onde delineou
obras para o encanamento do rio Mondengo, pelas praças do Alentejo e por vários outros
lugares, servindo, muitas vezes de intérprete às autoridades estrangeiras presentes no reino
24

português. Sob sua direção e esforços ficaram os aproches do Sítio de Valência. Militou nas
campanhas da Beira e Alentejo, no Sítio de Badajós e Ciudad Rodrigo e na tomada de
Alcântara, onde foi o primeiro prisioneiro de guerra.
Cruz escreve que certa vez foi necessário examinar com certeza e perícia as forças
interiores da praça de Badajós no tempo da guerra. Entende-se “forças interiores” por “forças
inimigas” e,
[...] fiando-se do talento do Senhor Manoel de Azevedo, exame igualmente perigoso
e importante, o dispôs, e concluiu com juízo, e felicidade; porque disfarçado no traje
de Ortelão Castelhano se introduziu na Praça, e observando o que se lhe encarregara,
se restituiu ao Reino com esta prova já alta da sua capacidade, e do seu valor
(CRUZ, 1754, p.6).

Isso alude a uma passagem da obra O Engenheiro Português, em que Fortes explicava
o processo de medição de um terreno inimigo, descrevendo um aparelho que se levava
grudado nas pernas, por debaixo da calça e que media os passos. Podia se pensar, que não
seria Fortes quem se arriscava nos campos inimigos, mas por essas palavras de Cruz, acredita-
se que antes de ditar as regras, era ele mesmo quem as executava.
No ano de 1708, Fortes passou a ser coronel de Infantaria. Alguns de seus feitos
aconteceram paralelamente ao período em que foi governador do Castelo de Vide. Segundo
informação retirada de Elogio, de Gomes da Cruz (1754, p.7), foi governador de 1709 a 1725,
ano em que foi chamado à corte para empregar-se no mapa do Arcebispado de Lisboa. Já de
acordo com Mendes (1955, p.9), Fortes ficou à frente do governo de Castelo de Vide, de 21
de fevereiro de 1705 a 16 de março de 1715, informação que diz estar baseada numa carta11
de 9 de janeiro de 1716, endereçada a D. Maria Henriques de Azevedo, sua esposa.
De fato, tal carta existe, mas é uma carta que relata parcialmente as atividades de
Fortes no reino, já que é datada de 1716. Já a informação contida em Elogio não foi possível
confirmar. Pelos documentos do Conselho de Guerra, Fortes deixa de ser o governador de
Castelo de Vide em 1719, ano em que é nomeado engenheiro-mor. A carta patente12 de
nomeação do substituto ao cargo de governador é de 22 de março de 1720, embora a consulta
seja de 22 de fevereiro desse mesmo ano. No texto da carta fica explícito que o Brigadeiro
Joseph Carlos da Palma estava sendo nomeado em substituição a Fortes, que tinha tido outra
nomeação.

11
Essa carta está transcrita em Sepúlveda (1899, p.82 ), mas sua fonte original é: ANTT, Chancelaria de D. João
V, Livro 44, f. 77-78.
12
ANTT, Livro de Registro do Conselho de Guerra, Livro 69, f.261v.
25

A carta patente de nomeação13 de engenheiro-mor é de 18 de outubro de 1719. Junto


ao cargo, veio também a patente do posto de brigadeiro de Infantaria do Exército, com o soldo
correspondente. Isso pode indicar que, ao contrário das datas propostas anteriormente, Fortes
tenha se mantido no cargo até 1719. O início das atividades ao cargo não foi possível
especificar.
De coronel de Infantaria e governador, Fortes passou a ser engenheiro-mor e
brigadeiro dos exércitos do reino até 1735, quando passou a ocupar o posto de sargento-mor-
de-batalha, continuando com o cargo de engenheiro-mor, que exercia desde 1719.
Como engenheiro também realizou outras obras, como a reconstrução de Campo
Maior, que tinha sido arruinada por um raio, edificou paióis de pólvora e desenhou uma nova
praça da Vila de Zibreira. Na verdade, por essa altura, Fortes já contava com a companhia dos
ajudantes-engenheiros que o acompanhavam e que acabavam por ser os que realmente faziam
os desenhos, mas sempre sobre a sua direção. Como foram os casos dos desenhos para a Praça
de Zibreira e de Almeida, expostos na quarta seção deste trabalho, item 4.3.
Enquanto engenheiro-mor, suas atribuições eram imensas, ficando mesmo difícil de
enumerá-las, como disse Cruz em Elogio (1754, p. 7) “[...] e de que as fés dos seus serviços
dão notícia autêntica, nem referirei a diária fadiga de respostas, informações, conselhos, e
pareceres, em que se acreditou sempre a prudência natural, e erudita do seu entendimento
[...]”. Entre as incumbências, estava emitir pareceres sobre as construções militares e mesmo
civis do reino e possessões ultramarinas.
Fortes não esteve no Brasil. Mas, ao falar sobre as fortificações mais notáveis, feitas
no século XVIII, Telles (1984, p.33) incluiu entre elas a construção do forte de São Pedro, em
Macapá, apresentando as datas (1738-1764) e atribui o projeto do forte ao então engenheiro-
mor do reino português Manoel de Azevedo Fortes e a construção aos engenheiros Henrique
A. Galluzzi e Gaspar João Gronfelts.
Apesar da meta das autoridades portuguesas em construir uma fortificação imponente
na região de Macapá, desde 1738, foi somente em 2 de janeiro de 1764 que o projeto começou
a ser desenvolvido e a fortaleza só foi inaugurada dezoito anos mais tarde, em 19 de março de
1782. Segundo Araújo14, tal fortaleza foi erguida no mesmo ponto em que anteriormente se
construíram os redutos de 1738 e 1761. Se apenas um reduto foi construído nessa época, não
foi cumprida então a planta apresentada pelo engenheiro-mor.

13
ANTT, Livro de Registro do Conselho de Guerra, Livro 69, f.200-200v.
14
http://www4.ap.gov.br/Portal_Gea/historia/dadosestado-fortaleza.htm.
26

Em consulta15 do Conselho Ultramarino ao rei D. João V, tratou-se da exposição que o


governador e capitão-general do Estado do Maranhão e Pará, João de Abreu de Castelo
Branco fez em carta de 5 de outubro de 1738, a respeito das condições e da importância do
Forte de Macapá, na margem norte do rio Amazonas. Nela, ele escreveu que diziam que
naquele lugar havia em presídio, mas o tenente que devia ser dele informou que não havia
fortificação alguma, mas somente uma casa feita de paus e terra e coberta com palha e que
todo o presídio que ele lá deixara constituía em um soldado e sua mulher, sem que houvesse
índio algum agregado aquele lugar e que já tinha então nomeado um capitão que era o Alferes
João Rodrigues da Cruz, um dos melhores oficiais que tinha, “e lhe mandara dar oito
soldados, com um tenente e um sargento com mais 28 índios e mantimentos e instrumentos
necessários para passar àquela parte [...]” e que não havia desenho, somente alguns riscos.
Esperava que do reino viesse dinheiro e alguma planta para se fazer uma fortaleza
adequada, além das ações que já estavam sendo tomadas pelo capitão designado. A planta
então foi feita sob as ordens de Fortes e o Conselho Ultramarino, depois de expor o parecer do
engenheiro-mor, diz concordar com ele e assina em 3 de julho de 1739. Do parecer tem-se o
seguinte:
Ordename V. Mag.e que a vista da conta que dá o Governador do Parâ João de
Abreu Castelbranco sobre hum forte no Macapá na costa do Norte, do Rio das
Amazonas, pela parte que confina com El Rey de França, diga eu sobre o que aponta
o meu parecer, a vista juntamente de um risco mal formado de um forte que dizem
aly ouve e já não existe mais do que hua casa de palha: he sem duvida que sendo o
d.o citio em dominios de V. Mag.e e confinante com dominios de outro Principe,
sempre convem que se concerve aly signal por donde conte a posse de V. Mag.e,
quando os vizinhos se queirao alargar; porem não entendo que seja aly precisa hua
grande fortificação, mas só quanto baste p.a cobrir os moradores e hua pequena
guarnição que V. Mag.e queira mandar conservar nelle e que resolvendo V. Mag.e se
faça o forte, seja de faxina e terra, com hua boa paliçada, e que não fassa obra curta
como se tem feito muitas no Ultramar, incapazes de recolher moradores e guarnição,
pois sendo de faxinas e terras, o serem mais largas debaixo do alcance das armas,
não fas muito mayor despeza, e pela abundancia de Madr.as custará mui pouco a
paliçada sobre, o que em outras partes faria a mayor parte da despeza. P.a cujo efeito
mandei desenhar a planta junta com seu perfil, p.a se executar debaixo das mesmas
medidas com que vai deliniada. Este o meu parecer. V. Mag.e mandará o que for
servido. Lix.a occ.al 6 de Junho de 1739. M.el de Az.do Fortes. (AHU,
AHU_ACL_CU_013, Cx. 22, D. 2065)16.

Se a planta chegou ao território brasileiro, os recursos financeiros para que ela saísse
do papel por essa época certamente não. Abaixo o desenho que Fortes mandou fazer. E, em
seguida, uma imagem da Fortaleza de São José de Macapá, que existe atualmente.

15
AHU_ACL_CU_013, Cx. 22, D. 2065, consulta de 3 de julho de 1739.
16
Citação como o texto original para que o leitor possa tomar contato com o tipo de grafia utilizada pelo
engenheiro-mor, inclusive sua assinatura.
27

Fig. 517

Fig. 6 – Fortaleza São José – Macapá-Amapá. Foto: wikipédia


17
AHU, Cartografia, n.º 834.
28

2.2.1.3 – A relação entre Fortes e Manoel da Maia

Da relação de Fortes e Manoel da Maia sabe-se pouco. Provavelmente, este último


tenha sido aluno do primeiro, quando este foi substituto na Academia, pois em Consulta18 de
1718 que relata todos os seus serviços ao rei, estão as informações seguintes: “[...]
principiados em 16 de Maio de 698 em que foi provido em um dos partidos da Aula das
Fortificações”. É nessa época que Fortes exerce suas primeiras atividades no reino e uma
delas é ser substituto na Academia Militar, como será visto com mais propriedade quando se
tratar neste trabalho dos professores dessa instituição. Então, Manoel da Maia pode ter tido
também lições com Fortes.
No entanto, há informações que os colocam lado a lado no pleito por alguns feitos.
Como exemplo, a tradução do livro O governador de praças, de Antonio de Ville Tolozano,
cuja tradução é datada de 1708. No documento anteriormente referido há uma indicação de
que Maia teria sido o responsável pela tradução desse livro e do livro Fortificação Moderna
de Pfeffing, ambos franceses. O ano da tradução deste último é 1713, “[...] sendo lhe
encarregado de ordem minha pela junta dos Três Estados traduzir dois Livros: um intitulado
Governador de Praças e o outro Fortificação Moderna que andavam em Língua Francesa e de
mandar imprimir e correr [...]”. Em outra consulta, de período anterior, estão as informações
seguintes:
[...] Informando sobre a petição referida o cosmógrafo-mor Manoel Pimentel. Disse
que tudo quanto o capitão Manoel da Maia alega na sua petição além de constar
pelos documentos juntos lhe consta também parte pelo ver, e parte pela notícia que
do seu préstimo lhe dava Francisco Pimentel Lente que foi da Aula da Fortificação,
e ultimamente reviu por [commassaõ] do Desembargo do Paço o Livro da
Fortificação, que o suplicante traduziu da Língua Francesa, por ordem de Vossa
Majestade. [Gue] no que toca ao posto e soldo, que requer de sargento-mor com
exercício de engenheiro, lhe passe benemérito de Vossa Majestade [...]. (ANTT,
Consulta do Conselho de Guerra, de 3 de fevereiro de 1710. Maço
69).

Apesar de na citação anterior o nome de Manoel da Maia estar também atrelado à


tradução de O governador de praças, nesse parecer do então cosmógrafo-mor Manoel
Pimentel, aparece atrelado apenas ao livro Fortificação Moderna. A data dessa Consulta
indica que no início de 1710 o trabalho de tradução já tinha acabado, mas mesmo com o
patrocínio real, a publicação da tradução é só de 1713. Isso dá margens para outra hipótese, a
de que foi Fortes quem traduziu O governador de praças. Em uma carta patente de 1716, ao

18
ANTT, Livro de Registro do Conselho de Guerra, Livro 69, f. 54-54v. Consulta de 8 de novembro de 1718, em
que pede o posto de Coronel de Infantaria com exercício de engenheiro das fortificações desta corte. A patente é
de 11 de novembro de 1718.
29

descrever todas as funções que Fortes houvera desempenhado até esse tempo, há também o
relato seguinte: “[...] e por outra [ordem] da Junta dos três estados traduzir o livro intitulado
Governador de Praças composto por Antonio de Vile e o por corrente para se dar a imprensa
sem ter por este trabalho ajuda de custo” (ANTT, Chancelaria de D. João V, Livro 44, f. 77-
78).
Esse livro parece ter tido somente uma edição portuguesa e nela não aparece o nome
do tradutor. Costumou-se delegar a autoria a Manoel da Maia. Em um dos exemplares dos
quais a autora deste trabalho teve contato, o nome dele foi manuscrito na página de rosto.
Mas, da mesma forma como documentos informam que o Manoel da Maia fez a tradução,
também há documentos que afirmam ter sido Fortes. Se considerar que foi Fortes quem,
efetivamente, exerceu a função de governador e o livro tem data de 1708, época em que já
estava exercendo tal cargo em Castelo de Vide, pode-se muito bem fazer uma releitura a
respeito do que até agora tem sido divulgado e afirmar que, se não foi sozinho, ao menos
Fortes também contribuiu para a tradução desse livro.
Ambos foram engenheiros-mores, sendo Manoel da Maia o sucessor de Azevedo
Fortes. Mas a sucessão não foi imediatamente após a morte de Fortes, pois a nomeação só foi
efetivada em 1754. Também, antes da nomeação de Azevedo Fortes em 1719, transcorreram
trinta anos da morte do engenheiro-mor que o antecedeu, Luiz Serrão Pimentel (?-1679).
Nesses períodos em que não havia engenheiro-mor nomeado, era comum que o professor da
Academia Militar da corte respondesse e assinasse documentos sobre a maioria das decisões
tomadas em relação às fortificações e os engenheiros militares. Já o engenheiro-mor, apesar
de responsável pela Academia Militar, não, necessariamente, tinha como incumbência dar
aulas nela.

2.2.1.4 – Suas atividades na Academia Real de História e a confecção dos mapas

Fortes ocupou diversos postos militares como se viu, mas, mesmo assim, como diz
Cruz “conservou constante o amor, a aplicação às ciências” o que lhe rendeu um lugar entre
os cinquenta primeiros sócios da Academia Real de História, fundada em 1720, no reinado de
D. João V. (item 2.1.2). Como o objetivo dessa Academia era estudar e escrever a história
eclesiástica, a história do reino português e suas conquistas, coube a Fortes, logo na primeira
sessão da Academia, em 8 de dezembro de 1720, e devido à sua experiência, a elaboração das
30

cartas geográficas e topográficas de Portugal, trabalho a ser compartilhado com o Padre


Manoel de Campos.
Na prestação de contas que fez à Academia na sessão de 27 de maio de 1721, Fortes
mostrou-se entusiasmado e explicou que o Padre Manoel de Campos se encarregaria das
matérias referentes à geografia antiga, e que ele ficaria com a moderna, além de se encarregar
de fazer as cartas geográficas dos bispados, e uma carta geral do reino “tão exata, como pede
a verdade da História, que se há de compor”19. Completa, dizendo que esperava para isso
contar com os engenheiros mais capazes da província e que se dedicaria a compor um método
para se fazer os mapas com clareza. Deste seu esforço resultou a obra: Tratado do modo mais
fácil e mais exato de fazer as cartas geográficas, assim da terra como do mar, e tirar as
plantas das praças, cidades e edifícios com instrumentos e sem instrumentos, Lisboa, na
oficina de Pascoal da Silva, 1722.
Em outubro de 1721, Fortes ainda não havia terminado o seu tratado, assim mesmo,
redobrou a importância de tal, ao dizer que: “Portugal, o primeiro a ensinar a geografia e a
navegação, era à data o único país da Europa que não possuía cartas particulares” (MENDES,
1955, p.15).
Comunica a todos os membros da Academia na sessão de 29 de janeiro de 1722, que
já havia entregue o tratado para que fosse avaliado pelos censores da Academia, para que
depois de aprovado, pudesse ser publicado ou que ao menos fossem feitas as cópias para os
engenheiros que ajudariam na confecção das cartas20.
O tratado foi impresso e Fortes deu conta disso à sessão de 30 de julho de 1722. A
partir daí, começou um longo período de espera, para que pudesse colocar em prática o seu
tratado. Fortes, em 1728, ainda estava reclamando pela falta de interesse dos membros da
Academia na composição das cartas. Depois de ter repetido por várias sessões que não tinha
mais nada a fazer até que lhe dessem ordens e tomassem as outras providências necessárias, é
como forma de desabafo que diz:
O que hoje posso dizer a Vossas Excelências o mesmo, que tenho repetido a seis
para sete anos, todas as vezes que me tem tocado dar conta dos meus estudos nesta
Real Academia; a saber que estou pronto, e tenho feito todo o estudo necessário para
dar a execução a fábrica de Cartas Geográficas, de que fui encarregado, para a
História, que esta Real Academia esta compondo; e até o presente não tenho ordem
de Vossas Excelências para dar princípio a esta obra com os meios, que apontei para
se poder conseguir com exatidão, e facilidade, repartindo as Cartas pelos

19
Coleção de Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa. Ano de 1721, sessão de 27 de
maio.
20
Coleção de Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa. Ano de 1722, sessão de 29 de
janeiro.
31

Engenheiros das Províncias, cujo número tem acrescido consideravelmente entre os


praticantes da Academia Militar [...]21.

Na sessão de 5 de março de 1731, Fortes ainda encontrava um modo de ser sutil nas
lamentações que fazia contra os seus superiores na Academia de História. Disse que estava
pronto, como sempre esteve, para dar cabo dos seus preceitos, mas precisava que lhe
fornecessem os meios para cumprir a sua obrigação. Acrescentou, ironicamente, que talvez
achassem que ele não possuía conhecimento suficiente para cumprimento de uma obra de
tamanhas consequências, consolando-se do descrédito por seu trabalho, por ter feito por
ordem real cartas mais árduas e difíceis. Terminou seu discurso dizendo que o Padre
Domingos Capassi havia sido enviado ao Brasil “para tirar as Cartas Geográficas daquele
grande Estado”22 a pedido do rei e que Portugal ainda não possuía as suas próprias cartas.
Dizendo que a morte e os achaques que acompanham a velhice o desobrigariam da sua
empreitada, antes que os excelentíssimos censores providenciassem os recursos necessários
para a composição das cartas, Fortes terminou o relato que fez na sessão de 29 de maio de
173223.
Cada acadêmico tinha a obrigação de prestar contas à Academia de três a quatro vezes
por ano. Fortes, vendo a falta de interesse pelo seu trabalho, chegou a faltar em três dessas
reuniões de prestação de contas. Mendes (1955, p.17) acrescenta que a falta de interesse dos
acadêmicos pelas cartas de Fortes não era porque duvidassem de seus talentos, pois já tinha
até realizado obras mais importantes e comprometedoras, mas porque eles não compreendiam
a profissão do engenheiro e o governo não a protegia.
O rei a protegia sim, até mesmo patrocinou as cartas que foram feitas de Lisboa e
região. Apesar de Fortes expor com clareza, por várias vezes, ao secretário da Academia –
nessa época o Marquês de Abrantes – como colocaria seu método de fazer as cartas em
prática, já que as antigas continham erros “porque não havia ainda o uso da Prancheta
moderna guarnecida de óculos, com que se tomam os verdadeiros ângulos do terreno, de cuja
certeza resultam as posições ajustadas”24, para Garcia:
O problema para o empreendedor mas bastardo, estrangeirado e talvez pouco
católico Engenheiro-Mor é que o Marquês Secretário e a maioria dos académicos
não estavam de acordo com todas essas novidades e, sobretudo com este tipo de

21
Coleção de Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa. Ano de 1728, sessão de 21 de
janeiro.
22
Coleção de Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa. Ano de 1731, sessão de 27 de
março.
23
Coleção de Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa. Ano de 1732, sessão de 29 de
maio.
24
Coleção de Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa. Ano de 1722, sessão de 22 de
outubro.
32

discurso técnico, directo, mesmo agressivo, pouco laudatório e subserviente para


com os seus pares e o mecenato régio. Aquele continuará a clamar por suas idéias e
estes farão que nada ouviram, apesar de toda a protecção por parte do Real Protector
da Academia. (GARCIA, 2006, p.156).

Fortes foi pelo menos por três vezes escalado para prestar as contas dos seus trabalhos
em sessões que foram realizadas no Paço Real, no aniversário do rei. Foram elas as do dia 22
de outubro de 1722, 22 de outubro de 1725 e 22 de outubro de 1739. Provando sua oralidade,
o texto que recitou em cada uma delas é bem longo, passando de seis páginas, o que não era
comum para os outros acadêmicos quando essas sessões não aconteciam no Paço. Os textos
das duas primeiras só foram publicados nos volumes anuais das Memórias da Academia,
volume 2 e 5, respectivamente, por isso, quando se enumeram as publicações de Fortes eles
não aparecem. Mas eles nasceram da mesma forma que Oração Acadêmica pronunciada na
presença de suas majestades, indo a Academia ao Paço em 22 de outubro de 1939, que é o
resultado do discurso que fez no dia 22 de outubro de 1739, mas foi publicado como separata.
As publicações da Academia tinham que ter licenças somente dos seus próprios censores, não
precisavam passar pelas censuras comuns às outras publicações: do Paço, do Santo Ofício e
do Ordinário.
Nessas sessões no Paço, Azevedo Fortes sempre fazia críticas aos companheiros
acadêmicos que não provinham os meios para a realização das cartas, ressaltando sempre o
patrocínio real para a construção da carta topográfica de Lisboa e ainda a importância que
essas representavam na formação dos engenheiros militares:
Este desengano [de que ele não seria capaz de fazer os mapas], Senhor, deve-se a V.
Majestade, que deu ao Engenheiro desta Corte tão proveitoso exercício: com ele não
só os mesmos Engenheiros, mas também a maior parte dos Praticantes da Academia
Militar se acham capazes de fazer exatamente, e com toda a propriedade as Cartas de
qualquer Pais, ou sejam de grande, ou pequena extensão25.

A formação dos engenheiros militares sempre foi a meta principal de Azevedo Fortes,
assunto a ser tratado nas seções seguintes.

2.2.1.5 – As obras publicadas e os discursos manuscritos

Fortes publicou as seguintes obras:

25
Coleção de Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa. Ano de 1725, sessão de 22 de
outubro.
33

• Representação a Sua Majestade sobre a forma e direção que devem ter os


engenheiros para melhor servirem neste reino e suas conquistas, Lisboa, na oficina de Matias
Pereira da Silva e João Antunes Pedroso em 1720;
• Tratado do modo mais fácil e mais exato de fazer as cartas geográficas, assim
da terra como do mar, e tirar as plantas das praças, cidades e edifícios com instrumentos e
sem instrumentos, Lisboa, na oficina de Pascoal da Silva, 1722;
• O engenheiro português (1728-1729), impresso na oficina de Manoel
Fernandes da Costa, obra em dois volumes, considerada a apostila das suas lições na
Academia Militar. De fato, Fortes escreveu, no prólogo, que a obra não foi feita para se dar ao
público, mas para a sua própria instrução e que só mais tarde passou a ser uma apostila para
os praticantes da Academia Militar;
• Evidência apologética e crítica sobre o primeiro e segundo tomo das
Memórias Militares, pelos praticantes da Academia Militar desta corte (...)26, Lisboa, na
oficina de Miguel Rodrigues, 1733. Nesse trabalho, Fortes promoveu duras críticas ao autor
de Memórias militares, o capitão-de-mar-e-guerra e sargento-mor de batalha Antônio do
Couto de Castelo Branco. Fortes atribuiu a autoria do trabalho aos praticantes da Academia
Militar e na página de rosto incita a todos os oficiais que o leiam, para evitarem os erros que
se têm cometido;
• Oração Acadêmica pronunciada na presença de suas majestades, indo a
Academia ao Paço em 22 de outubro de 1939;
• O seu último trabalho foi Lógica Racional, Geométrica e Analítica, Lisboa, na
oficina de José António Plates, 1744.
Segundo Cruz (1754, p.12), Fortes ainda traduziu por ordem real, como já foi
mencionado no caso do primeiro, o Governador das Praças do Conde Pagan e o Methodo das
tres Guias27.
Mas, além dos textos que ficaram publicados, os quais eram já bastante divulgados, a
autora deste trabalho tinha a convicção de que poderia encontrar outras obras de e sobre
Azevedo Fortes nas pesquisas a serem realizadas em Portugal. Logo de início, verificaram-se
no fichário de manuscritos da Biblioteca da Ajuda, dois manuscritos atribuídos a Fortes. Eles
estão sob a localização 54-IX-42, folhas 99 e 100. Qual não foi a surpresa constatar que, na
verdade, o documento da folha 99 tem dez folhas e o da folha 100, nove folhas. A indicação
de folha 99 e 100 é referente à posição que esses documentos ocupam no códice ao qual
26
Há um exemplar dessa obra no Real Gabinete Português de Leitura, com sede no Rio de Janeiro.
27
Não é possível identificar o autor.
34

pertencem. No entanto, na página inicial de cada um desses documentos há a observação de


que pertenciam ao códice 51-VI-44, “depois da folha 136”.
No códice 51-VI-44, estão encadernados vários outros documentos. Alguns à primeira
vista, não têm mesmo nenhuma relação com os manuscritos de Fortes que foram retirados
para formar o códice 54-IX-42, mas, ao chegar à folha 136, percebe-se que havia alguns
sonetos e um texto intitulado Discurso philosophico sobre o fluxo e refluxo do mar (Fig. 7),
de três folhas, sem nome do autor, assinatura ou data. Os outros textos de Fortes que foram
retirados tinham como título: Discurso philosophico sobre a natureza dos ventos (Fig. 8) e
Discurso philosophico da lux e das cores (Fig. 9). As semelhanças começam pelos títulos.
Embora esses dois últimos textos também não tenham data, têm gravado o nome de Fortes, o
que o primeiro não traz. E é essa diferença que levou os arquivistas a separarem os textos,
mas isso pode levar o Discurso philosophico sobre o fluxo e refluxo do mar para sempre ao
esquecimento.

Fig. 7
35

Fig. 8

Fig. 9
36

E o que garante afirmar que esse texto é mesmo de Fortes? É aqui que entra o que
Ginzburg (1989) em seu Mitos, emblemas e sinais, classificou como “indícios”. No caso
descrito, uns dos “indícios” está no fato de os documentos terem estado encadernados juntos.
Poderia haver alguma razão para terem sido encadernados dessa forma. No trabalho de
comparação dos textos, percebe-se que as grafias do Discurso philosophico sobre o fluxo e
refluxo do mar e do Discurso philosophico da lux e das cores são idênticas. Uma letra
caprichada, padronizada, bem diferente da caligrafia do Discurso philosophico sobre a
natureza dos ventos, que parece o que se chama atualmente de rascunho.
Além da caligrafia, a natureza dos três textos é a mesma, a começar pela semelhança
dos títulos. E em uma leitura mais atenta, outras semelhanças são notadas, como o modo de
apresentar o assunto. Fortes aponta os pontos de vista de três ou mais autores, para depois
indicar o seu parecer. No Discurso philosophico da lux e das cores, ele expõe a opinião de
Descartes, cita ‘Monsieur de la Xambre’28, autor que compôs um livro sobre o arco celeste e
Kircher29 em seu Livro 1º - Luz e Sombra. Na parte que tratou das cores, citou Platão,
Aristóteles, descreveu algumas experiências usando a prata e o vidro, explicou uma divisão
das cores em primárias e compostas e o modo de formação dessas cores compostas. Mas o
mais significativo é a descrição da experiência de Newton sobre as cores.
No Discurso philosophico sobre o fluxo e refluxo do mar, depois de expor sobre o que
seja o fluxo e o refluxo do mar, apresenta três hipóteses sobre suas causas que eram as
opiniões mais seguidas entre os filósofos da época: a opinião de Galileu, (o movimento da
Terra é a causa do fluxo e refluxo do mar); a segunda hipótese é do ‘Pe. Hritter’ (o sol e a lua
interferem); a terceira opinião é de ‘M. Regis’ (de que a compressão das águas do mar entre
os trópicos é a causa das marés). Depois expõe a sua explicação física baseada em Descartes.
O Discurso philosophico sobre a natureza dos ventos tem como principais autores
citados Descartes, ‘kyrcher’, Soares Lusitano e Aristóteles. Fortes ainda admite o uso da
teoria de Copérnico, mas para não ter problemas:
sendo-me lícito servir-me p.a este intento da Hypotezi Copernicana, no que toca o
sisthema da terra móvel por que admitido na terra este movim.to diurno, não me
parece ficará duvida algua na natureza e propriedades dos taes ventos protestando
porem q’ o meu intento não he encontrar [ameaça] dos Pontifices: por quanto eu não

28
Repete-se os nomes de alguns autores citados por Fortes nos seus textos tais como aparecem, como Kircher e
Kyrcher citados a seguir. Os nomes que aparecem entre aspas simples indicam que não foi possível um estudo
mais detalhado sobre quem foram nem sobre seus trabalhos.
29
Atanásio Kircher, jesuíta. Nasceu no início do século XVII e foi professor de Filosofia e Matemática. Publicou
cerca de 44 livros, nos quais estudou Magnetismo, Ótica, Astronomia, Filosofia, Música, Acústica, Física,
Geologia, Química, Geografia, Aritmética, Geometria, Teologia e Medicina.
37

admito este movim.to da terra como verdadeiro, mas som.te hypotetico. (Discurso
30
philosophico sobre a natureza dos ventos, f.4) .

Esse trecho mostra bem como Fontes estava consciente da necessária prudência a ter
na abordagem desse assunto e das características do público a que se dirigia, ainda embebido
das ideias da escolástica. Nos três textos, Fortes toma a experiência como a forma de mostrar
a ciência moderna. Neste último discurso são expostas observações, com suas respectivas
explicações.
Fortes retornou para o reino português em 1695 e em 1696 foi criada a Academia de
Ericeira, como visto. Ele participou dessa Academia e ao que tudo indica esses três
manuscritos foram elaborados para serem proferidos e discutidos nas sessões da Academia.
Escreveu ao fim do Discurso philosophico da lux e das cores:
Isto é Senhores, o que guiado da Luz da Filosofia me animo a dizer nesta matéria. Se
com a Eloquência de Xenoxes, ou com a pinzel de Demostenes, não soube empregar
melhor hoje as cores, diminuir-me-á a aspereza do estilo, o pouco exercício /que
ainda que Português/ tenho tido na Língua materna e o atrevimento de ter ocupado
atenção tão cortesã e tão ilustre desculpara a insinuação do Senhor Conde de
Ericeira a quem me será sempre preciso obedecer. (Discurso philosophico da
lux e das cores, f. 9).

A referência ao Conde de Ericeira no fim do discurso deveu-se a um comentário que


tinha feito no início do discurso, que indica que na sessão anterior da Academia o assunto
tinha sido tratado pelo Conde de Ericeira: “[...] como por não faltar ao assunto da academia
passada, em que o Senhor Conde de Ericeira pediu um papel da luz para que se vissem as
cores; com esta tratarei de aclarar algumas nuvens que serviam de ocultar sua formosura e
bizarria” (Discurso philosophico da lux e das cores, f. 2).
Como registrou Bluteau, a Academia de Ericeira trataria das questões físicas e morais
e os três Discursos apresentam os assuntos que se esperava tratar nela.
Mas, se ainda há dúvidas sobre a relação dos três manuscritos, veja-se que no texto do
Discurso philosophico sobre a natureza dos ventos, que é um dos manuscritos que se
encontram assinados, Fortes deixa a indicação de que já havia discutido na Academia os
assuntos, “da lux e das cores” e “o fluxo e refluxo do mar”. Depois de explicar a natureza da
Filosofia, faz menção às críticas que pode sofrer por:
[...] e não deixara de ser injustamente rigorosa a censura dos Críticos, que
condenarem a breve curiosidade com que da dissertação da luz e das cores passo a
tratar da natureza dos ventos porque além de ser o assunto propício na academia,
a quem é preciso o dar que satisfação possível, no teatro desse mundo sub lunar, não
há coisa mais parecida com a luz que o mesmo vento, na sutileza da sua substância
na variedade de seu ser, e no mui compreensível capricho da sua natureza. Não é o

30
Texto como no original, com o objetivo de ilustrar como Azevedo Fortes escrevia.
38

vento objeto dos olhares do corpo mas com a mesma prerrogativa que a luz é o
vento objeto dos olhos do entendimento com esta excelência razão é seja hoje o
vento matéria do nosso discurso, em que nem a minha pena, nem as minhas
palavras poderão ter muito assento. (Discurso philosophico sobre a natureza
dos ventos, f. 1-2. Destaque da autora).

Ao se referir no texto às opiniões de vários autores sobre o que é e quais as razões da


existência do vento, escreveu que:
[...] pois dado caso que o vento seja exalação ou vapor, ou juntamente uma e outra
cousa posta em movimento ou que seja somente o ar movido com isto senão resolve
a questão, pois senão duvida que o vento seja o ar movido: mas o ponto é saber
quem o move, como quando queremos examinar o fluxo, e refluxo do mar, não
perguntamos se as águas, se movem, pois, a vemos, mas perguntamos qual é deste
movimento a causa (Discurso philosophico sobre a natureza dos ventos, f.
3. Destaque da autora).

As duas citações mostram a relação do manuscrito Discurso philosophico sobre a


natureza dos ventos, que entre os três parece ser o último que foi escrito, com o Discurso
philosophico da lux e das cores e com o Discurso philosophico sobre o fluxo, e refluxo do
Mar.
Além disso, da penúltima citação ainda se destaca um trecho que deixa latente que o
texto foi elaborado para ser proferido em reuniões. Esse tipo de referência ao discurso aparece
também nos outros dois textos, como quando Fortes pede desculpas pela brevidade do papel
não lhe permitir uma explicação mais larga “[...] espero ficar desculpado deste Nobilíssimo
Congresso, porém não me exime de satisfazer logo as dúvidas que alguns curiosos me
quiserem propor sobre o [sistema] que sigo” (Discurso philosophico sobre o fluxo e refluxo
do mar, f. 5).
De todos os documentos de e sobre Manoel Azevedo Fortes até então relatados, esses
manuscritos não figuravam entre eles. Pode-se dizer, então, que se tratam de documentos
muito significativos revelados por essa investigação.
Há também outro manuscrito de Fortes, embora já conhecido31, que versa sobre o
conceito de Método, intitulado Discurso filosófico sobre o método com que hão de aprender
as ciências, que pode ser localizado na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC,
Ms.3127, fol. 148-154). A respeito desse documento, é preciso que se registre que todos os
manuscritos desse códice mantêm certa relação um com o outro. São vários outros
manuscritos que apresentam aspectos filosóficos e são de autoria de contemporâneos de
Fortes, talvez sejam das discussões que estabeleciam nas Academias que frequentavam antes

31
Transcrito em: FORTES, M. de A. Lógica Racional. Transcrição: Pedro Calafate. Lisboa: INCM, 2002. p. 11-
30.
39

da Academia Real da História, mas para afirmar isso é necessário uma investigação mais
detalhada.
Mas isso revela a importância da consulta pessoal aos catálogos das bibliotecas e aos
seus acervos, pois mesmo com a facilidade gerada pela consulta aos catálogos on-line, que as
bibliotecas têm disponibilizado, o resultado da busca que se faz, seja por assunto, título, ou
mesmo autor, não reflete toda a história daquele documento. Para entender a relação que
existe entre o documento que o pesquisador encontrou e os outros que estão encadernados
juntos no mesmo códice, é preciso uma busca pessoal.
E para terminar este pequeno texto sobre as obras de Fortes, segue uma frase de
Gomes da Cruz, em Elogio Fúnebre “mas outro livro vivente, e mais racional escreveu em si
nos virtuosos passos da sua vida” (CRUZ, 1754, p.12).

2.2.1.6 – Aspectos gerais sobre sua vida pessoal

Manoel de Azevedo Fortes nasceu em 166032, em Lisboa e faleceu em 28 de março de


1749. Era filho ilegítimo e por isso teve uma família adotiva. Gomes da Cruz, em Elogio
Fúnebre que escreveu para ser lido na Academia Real da História, em memória ao
falecimento de Fortes, e publicado somente em 1754, deixa claro que somente ele próprio
sabia sua verdadeira paternidade. Afirma (1754, p.2-3) ainda que, em conversas particulares
com Fortes, tem motivos veementes para dizer que seu pai era Monsieur Lembrancour,
francês nobre e erudito, que era na corte portuguesa intendente ou pagador geral das tropas
francesas, salientando que a educação que Fortes recebeu fora diferente da recebida pelos
filhos de pais portugueses. A mãe “mulher portuguesa bem reputada” (CRUZ, 1754, p. 2),
certamente, solteira e de família de linhagem, não poderia assumir o filho, que foi exposto no
Hospital Real de Todos os Santos.
Fortes não deixou transparecer nos documentos oficiais a sua paternidade, como, por
exemplo, na documentação para a obtenção do Hábito de Cristo, que afirma ter sido “[...]
exposto na roda do Hospital desta cidade e como por este respeito não declarou os nomes e
pátrias de seus pais e avós [...]”33. Essa foi, em um primeiro momento, a causa para que lhe
fosse negado o Hábito, mas recorreu da decisão e pediu que fosse avaliado somente por seus

32
Não dá para precisar o dia e mês que nasceu.
33
ANTT, Índice das Habilitações da Ordem de Cristo, 5 de novembro de 1705. Let. M., Maço 39, nº 59. Os
documentos com o lançado da obtenção do Hábito e do ato de professar estão em: ANTT, Chancelaria da Ordem
de Cristo, Livro 97 p. 118-118v.
40

serviços, que eram já inúmeros, pelo tempo de mais de nove anos que fazia do seu retorno ao
reino português. Por ser detentor do Hábito da Ordem de Cristo, cada membro recebia 12 mil
réis anuais.
Azevedo Fortes foi criado por Estevão de Azevedo. Garcia (2006, p. 143-144) levanta
hipóteses sobre algumas pessoas homônimas que viveram por essa época e que poderiam ter
criado o menino Manoel. Acredita que se trate de Estevão da Gama de Azevedo e
Vasconcelos “[...] sobre quem temos notícias entre 1615 e 1675, cabeça de uma antiga e
conhecida família da cidade de Elvas, com ligações à corte e a importantes cargos militares na
Província do Alentejo, em particular, no quadro das guerras da Restauração” (GARCIA,
2006, p.144). Garcia também apresenta conjecturas sobre o envolvimento de Monsieur
Lembrancour com a fronteira alentejana com a Espanha, especialmente, a estratégica cidade
de Elvas. E também sobre o fato de Fortes ter se casado com uma portuguesa de sobrenome
Azevedo. Ele foi casado com D. Maria Henriques de Azevedo, mas não teve nenhum
descendente.
Falou com propriedade as línguas portuguesa, castelhana, italiana, latina e francesa
(CRUZ, 1754, p.11), fato que o fez acompanhar militares estrangeiros em várias diligências
do serviço real, especialmente, durante a Guerra de Sucessão no princípio do século XVIII.
Foi um homem de virtudes. Em vida destinou grande parte da sua renda para doações
particulares e públicas. Segundo Cruz, até mesmo seus companheiros de trabalho e erudição
ficavam espantados com esse espírito de Fortes, como demonstra as suas palavras:
Já com o fervor deste espírito em 14 de Março de 1735 doou doze mil cruzados à
Santa Casa da Misericórdia desta Corte, aplicando os 240 mil réis do rendimento
anual para se comprarem roupas, que servissem aos enfermos pobres do Hospital
Real, largando-lhe logo 120 mil réis para esta destinação, e o restante por seu
falecimento; é coisa pasmosa digna de um coração ardente de caridade! (CRUZ,
1754, p.10).

No Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (AH da SCML)


encontram-se documentos que ratificam ou mesmo retificam as informações contidas em
Elogio. Essa doação feita à Santa Casa34, por exemplo, foi a forma que Fortes encontrou para
receber certa quantia de dinheiro, 12 mil cruzados, que havia emprestado ao Marquês de
Abrantes, provavelmente, o 2º da linhagem D. Joaquim Francisco de Sá Almeida e Meneses
(1695-1756). O texto completo da página de rosto da escritura é o seguinte: “Cópia de huma
Escriptura de doação que fez em 14 de Março de 1735 Manoel de Azevedo Fortes, a Miz.a
(Misericórdia), de doze mil cruzados que lhe deve o Ex.mo Marques de Abrantes, para se

34
Nos documentos da época essa instituição é referida sempre como “Misericórdia de Lisboa”, apenas.
41

applicar o vencim.to do seu juro, em ropas de Linho para os enfermos do Hospital de S. José”
(AH da SCML, Escrituras, Maço 4º, Nº 68).
Trata-se do registro de escritura e contrato entre a mesa da Misericórdia e o brigadeiro
Manoel de Azevedo Fortes que doa em vida 12 mil cruzados para roupas dos irmãos pobres
do hospital e os juros anuais de 240 mil réis. O dinheiro tinha destino certo e deveria ser
empregado para comprar roupas de linho como calções, fronhas de travesseiros, toalhas,
guardanapos, camisas, tudo a ser repartido igualmente entre os enfermos homens e mulheres,
incluindo também o seu feitio e deveria ser entregue todo ano no mês de março, no dia da
Nossa Senhora da Encarnação, 24 de março. Então, no começo desse mês, deveriam ser
recolhidas as medidas de todos os doentes.
A quantia de 12 mil cruzados a razão de juro de 5% renderia os 240 mil réis anuais35.
Enquanto fosse vivo, o próprio Fortes ficava encarregado de receber os juros do devedor e
entregar à Misericórdia “a quantia de 120$ reis cada hum anno [...] e os outros 120$ reis os
dispenderão nas ropas assima declaradas [...]”. A própria Misericórdia passaria a ter que fazer
isso, quando ele morresse, então ficaria com o capital de 12 mil cruzados, mais os juros de
240 mil réis por ano, fruto da taxa de 5% a ser paga pelo Marquês. Os tais 120 mil réis que
Cruz diz que Fortes logo destinou foram para cobrir os gastos com a roupa do ano seguinte, o
que se repetiria anualmente.
Fortes ainda foi cuidadoso e enfatizou que se o dinheiro não fosse usado para a
compra das roupas pelos provedores do hospital, que a administração deveria passar para o
reitor do “Colégio de Jesus dos meninos órfãos destas cidades”, para que este passasse a deter
os 12 mil cruzados. Mas, neste caso, o destino do dinheiro dos juros sofreria mudanças: o
reitor deveria aplicar 200 mil réis, na compra de roupas, conforme declarado, e dos outros 40
mil, 20 seriam para o reitor pelo seu trabalho na administração e os outros 20 para ajudar no
sustento dos meninos órfãos.
Fortes também deixou em testamento todos os seus bens à Santa Casa de Misericórdia.
Entre os papéis do fundo Testamento do Arquivo da Santa Casa (Maço 4, Processo 41), estão
os autos de posse dos seus bens, embora eles limitem-se a descrever os bens imóveis e os
financeiros. Um deles refere-se à posse de duas casas na Rua das Parreiras, próximo ao
Convento de Jesus, realizado no dia 3 de abril de 1749, cinco dias após sua morte. Cada uma
das duas casas tinha ‘sua loja e sobrado por cima’, e estavam alugadas. Mas, com data do dia

35
Por volta de 1730, 1 cruzado era equivalente a 480 réis. Em período anterior, 1 cruzado equivalia a 400 réis. O
símbolo para representar mil era o que podemos hoje chamar de cifrão.
42

anterior, há outro auto de posse de uma propriedade com casas e seus rendimentos, situada na
Rua das Gavias, freguesia de Nossa Senhora da Encarnação.
Além da doação para a Santa Casa da Misericórdia e do empréstimo feito ao Marquês
de Abrantes, Fortes também fazia empréstimos para outros companheiros militares. Ainda
para ilustrar os bens dos quais era proprietário, tem-se uma lista de papéis em que fica
registrado quanto e para quem havia emprestado dinheiro. Entre eles constam os também
engenheiros36 Felipe Rodrigues de Oliveira, José da Silva Amado, João Alexandre de
Chermont, José da Silva Paes. Também há na lista um item que relaciona Azevedo Fortes a
José Fernandes Pinto Alpoim, em que este receberia no Rio de Janeiro uma letra de câmbio no
valor de 257 mil e 600 réis, isso já no ano de 1748. O nome de José da Silva Paes como
devedor do Fortes aparece também em outro testamento, que se encontra nos arquivos da
Torre do Tombo37.
É pena não terem ficado registrados os seus pertences pessoais, como os livros que se
julga que possuía, assim como podem ser encontradas listas dos livros de alguns engenheiros
militares, como de José da Silva Paes e de Eugênio dos Santos Carvalho. Nos documentos
relativos ao testamento de Fortes e nele próprio não aparece nenhuma indicação desse tipo,
embora haja certeza de que a Santa Casa também recolheu seus pertences pessoais, além de
alguns poucos que foram destinados a pessoas mais próximas, como os seus criados.
A “Setença contra a Miz.a, a favor de D. Josefa Arcangela de Figueiredo e Oliveira, e
seu pay Pedro Gomes de Figueiredo, acerca de entregar huns papéis que se achavão em poder
do Enginheiro Mor, do qual a Miz.a havia tomado posse dos seus bens”38, confirma que os
bens de Fortes foram doados à Santa Casa, que por sua vez, recolheu-os todos, então
provavelmente, também seus livros. Entre os papéis que recolheu estavam os do motivo desta
sentença, os papéis relativos à promoção de Pedro Gomes de Figueiredo, engenheiro militar
que morava no Brasil. Como cabia ao engenheiro-mor avaliar as promoções, esses papéis
estavam entre os pertences de Fortes e foram recolhidos com todos os outros pela Santa Casa.
Como motivo de curiosidade, segue o depoimento de Cruz a respeito dos aspectos
físicos e morais de Fortes: “Foi o Senhor Manoel de Azevedo Fortes de estatura
proporcionada, semblante alegre, e varonil composto no traje, e tratamento pessoal, e
exemplar nos costumes” (CRUZ, 1754, p.11).

36
Nomes que serão abordados no decorrer do texto.
37
ANTT, Registro Geral de Testamentos. Livro 244, fls.63 a 65.
38
AH da SCML, Sentenças, Maço 6º, Nº processo 6.
43

A (Fig. 10) é um retrato de Fortes que se encontra no primeiro volume da obra O


Engenheiro Português. Foi pintado por Quilard e gravado por Rochefort. Nesse retrato, Fortes
traja casaco vermelho com detalhes dourados, levando uma medalha ao pescoço que apresenta
o monograma da Companhia de Jesus. Tais detalhes podem ser comprovados nos originais de
O Engenheiro Português.

39

Fig. – 10
Para refletir a vida de Manoel de Azevedo Fortes, nada melhor do que transcrever o
último parágrafo do epitáfio, elaborado por Gomes da Cruz:
Nos estudos, progressos, e merecimentos que são as Pátrias metafóricas, e
Simbólicas dos Sábios, constituiu votivamente a sua origem, dizendo, como lhe

39
Viva é esta imagem de Azevedo, o escritor,
Sua é também a imagem de beligerante de Marte (Deus da Guerra).
Escrevendo com arte ensina a superar as artes de Pallas (Atenas-Minerva),
Escreva ou combata, ensina a vencer a caserma (escola filosófica).
44

ouvi, que era filho do seu procedimento, dos Colégios, Universidades, e Cortes em
que residiu: e até nisto mostrou a eleição sábia, e espirituosa do seu juízo, porque
estes lugares são as Pátrias segundas dos Varões insignes, que antepõe a filiação
adotiva das ciências, ao benefício da natureza (CRUZ, 1754, p.12).

Dessa passagem parece claro o envolvimento de Fortes com as ciências e com o


ensino delas, manifestadamente, com a Engenharia Militar.

2.2.2 – Os outros homens

Mesmo de maneira romântica é possível ter uma boa idéia do homem que foi
Bartolomeu Lourenço de Gusmão, com base na leitura de Memorial do convento do
romancista português José Saramago. Mas, diante da necessidade de informações mais
científicas sobre Bartolomeu de Gusmão, pode-se ver trechos da sua participação na
Academia Real da História Portuguesa. Buscas em todos os volumes da Coleção de
Documentos e Memórias da Academia mostraram que foi o único acadêmico substituído
durante a vigência do mandato. Os demais substituídos o foram somente por ocasião da
morte. Estava no estatuto da Academia que o acadêmico não podia deixar de ir às reuniões
por mais de dois meses, devendo informar ao diretor, mas Bartolomeu de Gusmão, possuidor
de um espírito aventureiro não se prendia às regras:
[...] Como o Doutor Bartholomeu Lourenço se tinha ausentado desta Corte, sem
permissão da Academia, tendo passado o tempo, que os Estatutos determinam,
pareceu aos Censores, que devia prover-se o lugar de Acadêmico do número, que ele
ocupava; e assim disse o Diretor, que na primeira Conferência, que se havia de fazer
em 4. de janeiro próximo futuro, se havia de eleger pessoa, que sucedesse neste
lugar. (Coleção dos Documentos e Memórias da Academia Real de
História Portuguesa. Ano de 1724, sessão de 22 de Dezembro, p.3).

Os acadêmicos, apesar de não saberem, quando aprovaram a substituição de Gusmão,


já a faziam depois da sua morte. Ele havia se refugiado na Espanha, para evitar as
perseguições da Inquisição, uma página muito nebulosa da sua história. Há afirmações de que
tinha se convertido ao judaísmo. Adoeceu em Toledo na Espanha e faleceu em 18 de
novembro de 1724.
O brasileiro Bartolomeu Lourenço de Gusmão nasceu em Santos e era irmão do
diplomata Alexandre de Gusmão (1695 -1753), que foi secretário do rei D. João V e tornou-se
conhecido como o negociador do Tratado de Madri (1750). Bartolomeu, desde cedo,
apresentou interesse pela Física e pela Mecânica, o que se comprova com o seu primeiro
45

invento, ainda no Brasil, datado de 1705. Ele projetou um sistema de elevação de águas de um
açude até o seminário de Belém, na Bahia, onde era aluno, edificação que ficava a cerca de
100 metros de altura. Esse engenho facilitaria o trabalho dos homens, pois a água não
precisaria mais ser transportada por eles, nem no lombo de animais.
Ao concluir seus estudos secundários e ordenado como sacerdote, Gusmão viajou para
Portugal com a finalidade de aprofundar os estudos canônicos, não mais retornando ao Brasil.
Sabe-se que em dezembro de 1708 se matriculou na Faculdade de Cânones da Universidade
de Coimbra, porém logo interrompeu seus estudos e passou a dedicar-se a diversos
experimentos.
Em agosto de 1709 apresentou outro de seus inventos na corte – um balão – a sua
“máquina de voar” (Fig. 11).
A apresentação foi provavelmente realizada no dia 3 de agosto de 1709, na Sala de
Audiências do Palácio, porém o balão de papel incendiou-se antes de voar,
queimando-se no chão. No dia 5 de agosto, ocorreu um novo ensaio e o balão
ergueu-se a 4,40 metros de altura. Assustados com a possibilidade de um incêndio
nas cortinas, os criados destruíram o balão. No dia 8 de agosto de 1709, uma nova
apresentação foi feita no Pátio da Casa da Índia, em Lisboa, e diante de D. João V,
da rainha D. Maria Ana de Habsburgo, do Núncio Apostólico Cardeal Conti (futuro
papa Inocêncio XIII), do Infante D. Francisco de Portugal, do Marquês de Fontes,
do corpo diplomático e demais membros da corte. A experiência teve grande êxito, e
o balão de papel pardo grosso com armação de arame subiu e voou a grande altura e
depois caiu, incendiando-se (PIVA, 2007, p. 60).

Fig. 11 – A demonstração pública de Bartolomeu de Gusmão - 8 de agosto de 1709, em Lisboa. Pintura de


Bernardino Souza Pereira, 1940. Museu Paulista da Universidade de São Paulo.

As experiências de Bartolomeu de Gusmão continuaram, sendo uma delas conhecida


como Passarola – fabricação a qual se credita como finalidade impedir que suas verdadeiras
informações fossem copiadas. Foi graças às suas experiências e interesse pela ciência que foi
46

um dos primeiros membros escolhidos para fazer parte da Real Academia de História
Portuguesa, quando da sua criação em 1720, embora incompreendido pelos companheiros de
Academia.
Então, o que fazia com que o rei permitisse que Bartolomeu de Gusmão exibisse seus
inventos no Paço em sessões diante de toda a família real e de outros nobres, e que, às vezes,
eram até desastrosos? Certamente era o espírito aberto e o anseio por novidade que o levava a
permitir que as idéias desses “quase loucos” fossem introduzidas e divulgadas em sua corte.
Era por acreditar nelas e na importância que podiam representar para que o reino tivesse
novos impulsos científicos, educacionais e quem sabe, até políticos e econômicos.
O mesmo aconteceu com Manoel de Azevedo Fortes. Esse, nas reuniões da
Academia de Ericeira ou Conferências Discretas e Eruditas, apresentava seus conhecimentos
sobre as ciências, expondo, por exemplo, sobre a natureza da luz e das cores e sobre a causa
dos ventos, como visto. Nas suas abordagens, usava os conhecimentos mais recentemente
divulgados nos outros países, como a teoria da luz e as experiências de Newton sobre o tema,
bem como discutia a formação e a natureza dos ventos, por meio de abordagens heliocêntricas
de Galileu e Copérnico. Se a corte fosse assim tão conservadora, teria Azevedo Fortes saído
imune, depois dessas suas exposições? Teria alcançado aprovação para as suas obras,
passando incólume pelas censuras do Santo Ofício? Certamente o apoio que tinha do rei o
ajudou nessa empreitada. Na senda de Azevedo Fortes houve outros.
Chacon lembra em seu livro O humanismo ibérico (1998, p.30) um ponto muito
importante: o pedagogismo do século XVIII, que foi ao auge com Ribeiro Sanches40 (1699-
1783) e Verney41 (1713-1792) no período pombalino, já havia tido seu início em 1722, com o
livro Nova escola para aprender a ler, escrever e contar, escrito por Manuel de Andrade de
Figueiredo42 (? - 1735). O que dizer então das obras de Azevedo Fortes, publicadas também
já a partir desse período? Assim como o conhecido pedagogismo de Verney e Ribeiro

40
Nasceu em Penamocor e faleceu em Paris. Foi médico e cirurgião notável. Depois de sofrer perseguições da
Inquisição portuguesa, abandonou o país para nunca mais voltar. Passou por Gênova, depois por Londres e pela
Rússia. Viveu grande período nesta última, mas quis deixar tal “corte enigmática” e como não podia retornar a
Portugal, estabeleceu-se na França, onde ficou até a sua morte. No entanto, nunca deixou de estabelecer contatos
com o reino português. Foi colaborador das reformas que o Marquês de Pombal empreendeu no ensino superior.
Com ele estabeleceu correspondência logo após o terremoto de 1755, que destruiu Lisboa.
41
Segundo D’Ambrosio (1997, p.57) Luis Antonio Verney viveu grande parte da sua vida longe de Portugal. Foi
em Roma que estudou e fez carreira eclesiástica. Foi aí também que tomou conhecimento do movimento
científico que se difundiu pela Europa. É clara nos seus escritos, a influência de Newton, Locke e Christian
Woff. Verney foi mais um dos que vivendo fora de Portugal, não deixou de manter com a pátria mãe estreitas
relações. Mesmo que não seja declarada, é nítida a influência de Verney nas reformas pombalinas do século
XVIII, afirma D’Ambrosio (idem).
42
Figueiredo nasceu na província do Espírito Santo – Brasil, entre os anos de 1665 e 1670 e morreu em Lisboa
em 1735. Era calígrafo insigne e notável desenhista a pena. Sua obra Nova Escola para aprender a ler, desenhar
e contar, publicada em 1722 e dedicada a D. João V, foi impressa na oficina de Bernardo da Costa Carvalho.
47

Sanches, a Medicina de Xavier Leitão e a Engenharia de Azevedo Fortes foram igualmente


protegidas por D. João V.
Xavier Leitão foi educado pelos jesuítas no Colégio de Santo Antão e estudou
Medicina na Universidade de Coimbra. Mesmo acumulando vários cargos, aventurou-se pela
Teologia e Filosofia, acomodando-se com as diretrizes do padre Malebranche e conseguindo
uma ligação entre a lógica conimbricense e a de Port-Royal, sinal de que era simpatizante do
cartesianismo e até da doutrina defendida especialmente por Antoine Arnauld e Pierre Nicole,
o jansenismo. Uma mostra a mais da tolerância de D. João V.
Fortes, além de seguir os autores da Port-Royal, também foi influenciado pelas
doutrinas cartesiana e empirista e, manifestadamente, opôs-se à filosofia escolástica-tomista
ensinada nas escolas portuguesas da época. São palavras de Chacon: “Diante destas e de
outras, não cabe dúvida, haver então poderosos protetores em torno de Fortes, com certeza a
começar pelo próprio Dom João V, do contrário, Azevedo Fortes não teria condições para ir
tão longe” (CHACON, 1998, p.36).
Nesta época, o próprio cartesianismo já se encontrava bem difundido em Portugal:
“reconheça-se o crescente enfraquecimento da Inquisição” (idem, p.37). Azevedo Fortes só
não alcançou o mesmo sucesso que Verney, porque não ousou ampliar o raio de abrangência
do seu trabalho, destinando-o “aos oficiais militares da sua profissaõ” (FORTES, 1744,
antelóquio).
Isso tudo permite a Calafate afirmar que:
[...] considerando o ano em que é publicada43, 1744, a juntar à publicação do
Verdadeiro Método de Estudar, de Vernei, em 1746 e dos Apontamentos, de
Martinho de Mendonça Pina e Proença (1734), mostra-nos que uma parte
considerável dos textos maiores do Iluminismo em Portugal foram elaborados
durante o reinado de D. João V (CALAFATE, Apresentação da Lógica
Racional, 2002, p.12)

Calafate (2002, p.12), ao discutir que uma parte considerável dos textos mais
significativos do Iluminismo português foram escritos durante o reinado de D. João V, afirma
que esse fato fica sucumbido devido à propaganda pombalina e à força irradiadora da sua
ação. E vai mais longe, ao dizer que esses textos ainda são um veículo privilegiado para o
conhecimento do ideário das luzes em Portugal, em vários planos e domínios de outras
ciências. A Lógica de Fortes, um exemplo desses textos, mostra a sua consonância com a
perspectiva do iluminismo católico português.

43
Lógica Racional, Geométrica e Analítica, de Fortes. É considerada a primeira obra escrita no idioma
português, que traz concepções da então Filosofia moderna e apresenta questões de Álgebra e uma das pioneiras
a tratar de Geometria.
48

Então parece consolidado que Fortes, além de ter sido um dos mais profundos
defensores do cartesianismo em Portugal, foi também um dos primeiros iluministas. Assim, o
reinado de D. João V foi marcado pelo ecletismo entre racionalismo cartesiano e empirismo.
Esses portugueses, citados ao longo destas páginas, são alguns dos que divulgaram em
Portugal, na primeira metade do século XVIII, as novas idéias científicas e filosóficas, que já
circulavam por alguns países europeus. Podem não ter sido os responsáveis por novas
doutrinas ou por grandes empreendimentos científicos, como já havia acontecido no passado
português, mas, sem dúvida, desempenharam um papel importante de transmissores de
conhecimento.
É nesse debate que estão inseridas as ideias de Manoel de Azevedo Fortes. E para
entender a organização dos seus textos, os planos de fortificação, bem como todas as suas
ações no campo da educação do engenheiro militar, no campo do discurso e debates de ideias
e até mesmo no campo de batalha das guerras enfrentadas por Portugal no princípio do século
XVIII, é preciso entender o pensamento científico-filosófico – e mesmo educacional –
dominante no reino de então.

2.3 – As ideias filosófico-científico-educacionais: preocupações científicas e educacionais


– a educação das elites

Portugal, embora em alguns casos, tardiamente, refletia preocupações que também


estavam em voga nas outras nações européias. O pensamento pedagógico moderno
caracterizava-se pelo realismo. Essa corrente que se opunha ao humanismo é profundamente
marcada pela paixão pela razão e pelo estudo da natureza, protagonizados por Descartes e
Bacon, respectivamente. O conhecimento só possuía valor quando preparava para a vida e
para a ação, como reforça Gadotti (1997, p. 78).
Se esse era o pensamento da ciência moderna, era assim que Fortes se posicionava. A
formação que desejava para os engenheiros militares, além da transmissão dos conhecimentos
práticos e teóricos da profissão, também levava em conta a boa educação e os valores, tendo
sempre em consideração as ações individuais.
Que nos Engenheiros seja preciso o terem honra, brio, e valor se mostra; porque
além de que com a sua ciência contribuem à segurança dos Exércitos, e dos
presídios, são os primeiros nos maiores perigos da guerra, e nas ocasiões de se
reconhecerem as Praças nos aproxes, e nos assaltos, são os mesmos Engenheiros os
que mandam e, dirigem a todos os Oficiais, que se acham naquelas operações [...]
(FORTES, 1720, p. 6).
49

Mesmo com os avanços alcançados pelas ideias de René Descartes (1596-1650), John
Locke (1632-1704) e João Amos Comênio (1592-1670) sobre conhecimento e sua aquisição
[...] a educação das classes populares e democratização do ensino ainda não se
colocavam como questão central. Aceitava-se facilmente a divisão entre trabalho
intelectual e o trabalho manual, resultado da própria divisão social. Para as classes
dominantes o ideal era a formação do galant homme, que almejava a conquista de
uma posição relevante nas cortes. Os grandes educadores da ocasião eram na
verdade clérigos ou preceptores de príncipes e nobres. (GADOTTI, 1997, p. 79,
itálico como no original).

As ideias de Descartes e outros se tinham uma profunda influência nas ciências e no


modo de produzi-la, também, por outro lado, refletiam preocupações educacionais. Era tema
constante de preocupação a educação do príncipe e das elites, ainda muito impregnada da
educação humanística, refletindo os ideários da escolástica.
A manutenção dos quadros da elite também passava pelo exército. Além dos cargos
políticos e administrativos do reino, eram os condes e marqueses quem detinham os mais
altos postos das forças armadas. Mas, as reclamações de Azevedo Fortes em relação à
formação dos engenheiros militares girava em torno do fato de, em Portugal, a profissão do
engenheiro não ser valorizada. Daí os nobres não se dedicarem a ela, por gastar muito tempo
na preparação para uma profissão que ficava longe do reconhecimento que tinham outras.
Nesta forma, parece preciso que aqueles, que se ouverem de aplicar às lições de uma
Academia Militar, sejam Militares, ou Soldados de Profissão, ou tenham ao menos
as partes, e disposições para o poderem ser, e ainda que entre os Soldados mais
ordinários, a que chamam de leva pode haver alguns com boa aptidão para
Engenheiros, não é destes que pretendo falar, mas dos Soldados particulares, a que
os Estrangeiros chamam Cadetes, e destes Soldados particulares tiram todas as
Nações da Europa os seus Engenheiros, e os mais Oficiais dos Exércitos, por se
aplicarem todos os moços nobres a esta ciência. (FORTES, 1720, p.2, grifo da
autora).

É preciso deixar claro que Fortes tinha concepções muito profundas sobre o ser
humano e sobre sua formação. Produto de uma cultura que privilegiava a separação entre
pobres e ricos, entre poder e submissão, ele, embora pregasse uma educação para a elite,
talvez a pregasse da boca para fora, para continuar mantendo as boas relações com o poder
real, o poder instituído e transportar os louros dessa relação também para os mais oprimidos.
O certo é que os homens que dele se aproximaram e que buscaram alterar a situação em que
viviam por meio da educação, do ensino e da aprendizagem da Engenharia Militar e das
matérias a ela anexas, à exceção do infante D. Antonio44, foram os mal nascidos, os de família

44
Nasceu em Lisboa, em 15 de março de 1694 e morreu na Quinta da Tapada a 20 de outubro de 1757. Filho de
D. Pedro II e da rainha D. Maria Sofia de Nenburgo, era irmão predileto de D. João V e pelo seu caráter
extravagante, viveu sempre retirado da corte. Suas discussões com Fortes, pelo que fica registrado na Lógica,
eram filosóficas.
50

humilde. Não raras são as manifestações da condição econômica pouco favorável de vários
engenheiros militares nas suas cartas patentes de nomeação ou aumento de soldo. Foram esses
os que exerceram verdadeiramente a profissão de engenheiro. O que ficou registrado na
Representação que fez ao rei no ano de 1720 não parece ser o que Fortes pensava e não era,
realmente, o que ele praticava.
Talvez as suas ações já refletissem indicativos de um pensamento iluminista, em que
os teóricos pregavam uma educação laica, gratuitamente oferecida pelo estado para todos. Foi
dito talvez, pois mesmo Fortes, tendo em vista e pregando as ideias modernas, registra na
Lógica Racional, Geométrica e Analítica, lado a lado em importância para uma formação
adequada, Descartes, Galileu e os autores da Port Royal, mas faz ressalvas aos filósofos
ingleses de modo geral, destacando a pouca segurança da filosofia newtoniana para a fé
portuguesa, mas ressaltando a importância das obras físico-matemáticas de Newton. No
entanto, nunca negou a importância da experiência prática na formação do engenheiro militar.
Para ele, era indispensável que depois de adquirida suficiente capacidade teórica, todo
aluno da Academia Militar frequentasse, realizasse um estágio aos modos de hoje, as obras de
construção ou de reforma das fortificações e, também, fosse aos campos das batalhas. E se
fosse tempo de paz, deveriam ser mandados, pelo menos os mais bem instruídos deles, para
outros países que estivessem em guerras, para neles aprenderem a parte prática da guerra.
O cartesianismo na formação dos engenheiros militares começou ainda antes de
Fortes, com Jean Gilot. Esse militar francês foi discípulo de Descartes e esteve no reino
português na sequência das campanhas da Guerra da Restauração e morreu em solo
português. Mas antes, “[...] houve lugar para uma formação de engenheiros militares que
reflectiam um espírito cartesiano” (PEREIRA, 2004, p. 31). É fruto dessa formação Luís
Serrão Pimentel (1613-1679), que foi o primeiro responsável pela Aula de Fortificação e
Arquitetura Militar, desde a sua criação em 1647. Os engenheiros militares, responsáveis que
foram pelas construções civis, religiosas e militares dessa época, imprimiram características
dessa formação teórica recebida na robustez e na funcionalidade dos edifícios.
Num momento em que ocorria a deslatinização, Fortes foi um dos primeiros a escrever
na língua vernácula. Ele pareceu ter sempre em mente o que se pode classificar de “projeto
cultural”: fornecer uma educação adequada à classe dos engenheiros militares, mas ao mesmo
tempo estender essa formação à elite social portuguesa, que, num mundo moderno precisava
ser cientificada, como vinha acontecendo em outras partes da Europa. Esses traços ficam
explícitos, quando, por exemplo, no prefácio da Lógica Racional, Geométrica e Analítica
51

(Antelóquio, 1744), relembra que, embora escrevendo aos oficiais militares, da sua profissão,
todos a deveriam ler, inclusive as mulheres.
Os aspectos presentes no pensamento de Azevedo Fortes, sejam do ponto de vista
cultural, social e até mesmo político, tornaram-se os aspectos que embasaram o ciclo
pombalino que veio a seguir à sua época: a tensão entre antigos e modernos.
A seguir, passa-se a tratar da situação organizacional e administrativa que envolve a
profissão e as atividades do engenheiro militar português.
52
53

3 – OS ENGENHEIROS MILITARES DO SÉCULO XVIII

3.1 – Que significa ser engenheiro militar

Inexiste no período estudado e na documentação consultada, em Portugal e no Brasil,


o termo “engenharia militar”. A profissão do engenheiro estava atrelada à Arquitetura. No
dicionário de Bluteau, publicado entre 1712 e 1728, a definição de Arquitetura englobava as
atividades desempenhadas pelos engenheiros militares:
‘Architectura’ arte ou ciência de todo o gênero de edifícios. Divide-se em
Arquitetura civil e militar. A Arquitetura civil ensina a fazer casa de particulares e
edifícios públicos, Palácios, Templos e outras obras Sagradas e profanas. A
Arquitetura militar ensina a fortificar toda a sorte de Praças45 regulares e irregulares
e a defendê-las contra a invasão dos inimigos (BLUTEAU, 1712, vol. 1,
p.476. Nota da autora).

Mas, no mesmo dicionário, há a definição de arquiteto e também a de engenheiro. O


primeiro “deriva do grego Archos, que é primeiro e Tecton, que é oficial, trabalhador, obreiro
e, assim, arquiteto não só é o que faz as plantas e desenhos dos edifícios, mas também o
mestre das obras, o que sabe, põe em execução a arte de edificar” (BLUTEAU, 1712, vol.1,
p.476)”. Já as atividades do engenheiro não se restringem aos edifícios. Ele pode ser
“Engenheiro de máquinas e obras para a guerra ofensiva e defensiva” ou “é aquele que faz
qualquer gênero de máquina ou engenho” (BLUTEAU, 1713, vol.3, p.117).
Segundo Vérin (1993, p. 31), na França, os dicionários e enciclopédias do século XVI
ao século XIX denominam como engenheiro o engenheiro militar. A definição de Furetiére,
no seu Dictionnaire, em 1727 é a seguinte:
engenheiro: oficial que serve à guerra para ataques, defesa e fortificação de praças. É
um matemático hábil, esperto e astuto, que conhece a arte da arquitetura militar, que
faz o reconhecimento das praças que se quer atacar e que mostra ao general o ponto
mais frágil, que desenha trincheiras, praças das armas, galerias, os alojamentos sobre
a contraescarpa e sobre a semi-lua e conduz as obras junto da muralha, marcando
aos trabalhadores que fazem rondas à noite. O engenheiro marca também a linha de
circunvalação, com os redutos de distância em distância. Este engenheiro inventou
uma nova sorte de bombas, uma nova maneira de acampar, de fazer as pontes, etc
(FURETIÉRE, apud VÉRIN, 1993, p. 32).

45
“Praças – Em termos militares é a palavra genérica que se significa qualquer lugar fortificado com muros,
reparos, baluartes flanqueados, etc. em que a gente se pode defender do inimigo” (BLUTEAU, 1720, vol. 6, p.
666).
54

Segundo Bueno, foi só “a partir da criação, na França, do Corps des Ponts et


Chaussées (1716) e da École des Ponts et Chaussées (1747) que consagrou a figura do
engenheiro civil, em contraste com o militar e os dissociou do âmbito da Arquitetura”
(BUENO, 2003, p. 175).

3.2 – O engenheiro militar português em Portugal e no Brasil

Em Portugal, a melhor descrição do perfil profissional do engenheiro militar está


mesmo nos textos do engenheiro-mor, Manoel de Azevedo Fortes. Já em 1720, no texto da
Representação ele formula algumas definições de engenheiro militar, que depois são repetidas
no livro O Engenheiro Português, publicado em 1728. Para Fortes,
Hum bom Engenheyro ha de ser um bom Soldado com disposiçaõ valerosa, creado
com a doutrina, & exercicio Militar; & além disso ha de ter sciencia para obrar em
todas as funçoens da guerra [...]: finalmente esta palavra Engenheyro, quer dizer hu
Soldado propto para todas as funçoens da guerra, ou seja ataque & defeça das Praças
obras de Fortificação, alojamentos ou entrincheyramento dos Exercitos; ou seja para
os aproches, ataques gerais ou particulares, &c. porque nelle se deve achar
disposição, estudo, sciencia, & pratica de todas estas cousas; & sem estas partes se
46
lhe não pòde dar o nome de bom Engenheyro (FORTES, 1720, p. 7-8) .

Além da formação do engenheiro militar, Azevedo Fortes estava atento às condições


do campo profissional dos engenheiros. Buscou organizar um corpo próprio para os
engenheiros inserido na estrutura do Exército e traçar as bases da profissão, de acordo com o
que acontecia nas demais nações da Europa.
Segundo Furetière (apud Vérin, 1993, p. 32), na França, os engenheiros formavam um
corpo considerável, subordinado ao ministério intendente das Fortificações. Eram divididos
em quatro classes. A primeira dos engenheiros diretores, existindo um em cada província. A
segunda era a dos engenheiros-chefes das praças e cada uma também tinha o seu. A terceira
era composta pelos segundos engenheiros das praças e a quarta classe era a dos engenheiros
subalternos. Azevedo Fortes, ao citar Guinard, também apresenta essa distribuição em classes
e acrescenta o soldo47 recebido por cada um.
A primeira é a dos diretores, dos quais há um em cada província, com três mil
cruzados por ano e cento e vinte mil réis para um desenhador; a segunda classe é dos
engenheiros-chefes, dos quais há um em cada praça, que tem de soldo por mês

46
Texto como no original.
47
“A paga do soldado. Por soldo se entende além do estipêndio cotidiano, as comendas, tenças e ajudas de
custo” (BLUTEAU, 1720, vol. 7, p. 703).
55

setenta e dois mil réis [...]; a terceira classe é composta dos segundos engenheiros
das praças e a quarta dos subalternos. Os engenheiros destas duas últimas classes
têm os soldos proporcionados ao seu merecimento e antiguidade, e o menor soldo
entre eles é de dez mil réis por mês. Além dos soldos, quase todos tem pensões e as
maiores chegam a três mil cruzados por mês. (GUINARD apud FORTES,
1729, p. 441-442).

“Pelo que este autor refere se pode ver a estimação e os avantajados soldos que logram
os engenheiros na França” (FORTES, 1729, p. 443). Não era bem essa divisão que regia os
engenheiros em Portugal, muito menos eram esses os soldos recebidos pelos engenheiros
portugueses, que nem sempre tiveram seu cargo vinculado aos postos do Exército, embora
pleiteassem essa vinculação.
Além do engenheiro-mor, chefe maior dos engenheiros, no reino português, pode-se
dizer que havia em cada província o cargo de engenheiro diretor da província e de engenheiro
chefe da praça, que eram, na maioria das vezes, ocupados por um mesmo engenheiro, o que
aconteceu principalmente nas capitanias do Ultramar. Em algumas praças, também havia
engenheiros subalternos, normalmente chamados de ajudantes-engenheiros, que eram os
engenheiros recém-formados. Baseado em Fortes (1729, p. 444-447), Bueno sintetizou o
papel dos engenheiros:
Ao REI, GOVERNADORES DAS ARMAS E AOS MINISTROS DOS
CONSELHOS (Guerra, Ultramarino e da Fazenda) estava subordinado o
ENGENHEIRO-MOR DO REINO, que, no entanto, jamais deveria curvar-se às
decisões superiores, tendo autonomia suficiente para opinar, sem ceder às fantasias e
caprichos do comitente.
Embora Rei, Governadores das Armas e Ministros dos Conselhos fossem os
comitentes oficiais, os Engenheiros-Chefes e 2 os Engenheiros mantinham
“escritórios” nas Praças em que residiam, atuando inclusive como funcionários das
Câmaras locais e atendendo (com menor freqüência) a solicitações de particulares,
(sobretudo das Ordens Religiosas e irmandades).
O ENGENHEIRO-CHEFE de cada Praça, além de prestar contas ao
GOVERNADOR DAS ARMAS DA PROVÍNCIA ou CAPITÃO GENERAL DAS
CAPITANIAS DO ULTRAMAR de tudo o que se passasse, executar suas ordens,
dar contas ao ENGENHEIRO-MOR, cabia ainda arbitrar sobre tudo o que dissesse
respeito às fortificações do seu distrito (isto é, obras novas, acréscimos, reparações
das Fortalezas) e sobre todas as demais obras públicas, edifícios, vilas e cidades
feitas por conta da Real Fazenda, bem como zelar para que nada sofresse qualquer
tipo de dano ou prejuízo [...]
Cabia ao Engenheiro-mor do Reino e, na sua ausência, ao Engenheiro Diretor da
Província, aprovar ou desaprovar todos os projetos provenientes das Praças, antes de
o Rei tomar a sua decisão, o que evidencia uma clara CENTRALIZAÇÃO de tudos
nas suas mãos, cuja opinião era mais forte do que a do próprio Rei. Mesmo
subordinados aos Governadores das Armas, os ENGENHEIROS-CHEFES de uma
Praça também gozavam de autonomia, não devendo ceder aos caprichos mas
mantendo-se fiéis às plantas e instruções recebidas do seu Diretor ou Engenheiro-
mor. (BUENO, 2003, p. 181-184. Destaques como no original).

A documentação consultada, especialmente referente ao Brasil, é uma pura mostra de


como isso realmente aconteceu. Entraves que demoravam anos para serem solucionados
56

ilustram as dipustas travadas entre engenheiros e administradores locais. Na quinta seção


deste trabalho há alguns relatos que registram esse tipo de acontecimento.
A seguir a lista48 dos militares que exerceram a função de engenheiro-mor depois da
Guerra da Restauração (1640-1468):
- Luiz Serrão Pimentel – 1676-1679;
- Manoel de Azevedo Fortes – 18 de outubro de 1719 – 28 de março de 1749;
- Manoel da Maia – 16 de junho de 1754 – 17 de setembro de 1768;
- Miguel Angelo Blasco49 – 21 de março de 1769;
- Gonçalo Lourenço Botelho de Castro – 16 de dezembro de 1780 – 31 de maio de
1791.
Quando da impossibilidade de Manoel da Maia exercer o cargo, foi Felipe Rodrigues
de Oliveira50 quem o substituiu, até a nomeação do Marechal de Blasco. Quando esse também
faltou, mais uma vez Felipe Rodrigues ocupou o cargo até que se nomeasse Gonçalo
Lourenço.
Gonçalo Lourenço foi o último que exerceu o cargo, que foi extinto em 13 de maio de
1791. Sepúlveda (VII, p. 191) dá a seguinte notícia: Gonçalo Lourenço elaborou um plano,
com data de 12 de novembro de 1790, de organização do corpo de engenharia. Esse corpo se
denominava Corpo de Engenheiros de Architectura Militar, composto por 72 indivíduos,
além dos alunos da Academia Militar estabelecida na corte. O pessoal era dividido pelas seis
províncias em brigadas. O comandante da brigada de Estremadura era ao mesmo tempo o
diretor da Academia.
Ao tornar-se o engenheiro-mor, Luis Serrão Pimentel passou a ter a incumbência de
lecionar na escola que formava os engenheiros em Lisboa, a Academia Militar da corte.
Tornou-se corrente divulgar que todos os engenheiros-mores eram os professores da
Academia. Mas, apesar de serem responsáveis pela instituição, nem todos eles deram aulas,
como é o caso de Manoel da Maia.
Nos períodos em que não havia engenheiro-mor nomeado, era comum que o professor
da Academia Militar da corte respondesse e assinasse documentos sobre a maioria das
decisões tomadas em relação às fortificações e aos engenheiros militares. Esse foi o caso de
Felipe Rodrigues de Oliveira, exposto acima, e de Francisco Pimentel, que substituiu seu pai

48
Em Bueno (2003, p.185) há uma lista de engenheiros-mores do reino português desde 1548 até o ano de 1769.
49
Não foi possível determinar até quando exerceu a função.
50
Suas atividades como aluno e como professor da Academia Militar da corte serão abordadas na seção seguinte.
57

na condução das aulas na Academia e, consequentemente, assinou documentos


administrativos.

3.3 – Os postos e os soldos dos engenheiros militares

Praticamente, durante todo o período investigado, o salário dos engenheiros pouco


variou, relativamente, é claro, a cada um dos postos. Por isso, é comum encontrar nos
documentos uma verdadeira luta para mudar de posto e, consequentemente, de salário. Assim
que era nomeado ajudante-engenheiro, o salário era de 6 mil réis. Ao tornar-se capitão-
engenheiro, o salário passava a 8 mil reis, que, às vezes, podia ser de 10 mil réis e, quando
passava ao posto de sargento-mor, o salário podia ser 10 ou 12 mil réis, podendo aumentar,
dependendo do tempo de serviço e das outras atividades exercidas, como por exemplo, ser
lente. Esse é o caso de Antonio de Sousa Lima “que serve a Vossa Majestade a dezoito anos
em os postos de Ajudante e Capitão-engenheiro”. E como resposta final do Conselho de
Guerra, teve: “Parece o deve Vossa Majestade acrescentar ao posto de Sargento-mor
Engenheiro, com o soldo de treze mil réis por mês, com a obrigação de ensinar o manejo e
prática da artilharia no dito reino; [...]. Lisboa, 30 de Abril de 1708” (ANTT, Consultas do
Conselho de Guerra, Maço 67 A).
Mas os engenheiros nunca tiveram soldo certo no reino, conforme atestam vários
documentos, porque “se lhe dava e acrescentava conforme seu merecimento e capacidade51”,
e que alcançou ainda mais confusão depois que foram aprovadas alterações para o regimento
militar, provavelmente depois de resoluções reais efetuadas em 171052.
Os oficiais engenheiros nunca tiveram soldo certo, mas se lhes acrescentava
conforme os anos de serviço, seu préstimo, e merecimento, e não entrara no
arregimentado: com que ficaram logrando os mesmos soldos que tinham antes das
novas ordenanças, por se declarar no último parágrafo delas que sobre o que nelas se
não expressava se o conservasse o regimento, e ordens antigas: E nesta forma não
toca ao suplicante com o posto de sargento-mor-engenheiro assistente à fortificação
de Moura os vinte mil réis de soldo que tem os sargentos mores dos regimentos, e
das Praças. Porém o suplicante tem servido a Vossa Majestade com muita satisfação
e é sujeito capaz de todo emprego, e merecedor de Vossa Majestade lhe mandar
acrescentar o soldo, e parece se lhe poderá mandar dar mais três mil réis por mês
para ao todo lograr 16 – Consultando este regimento a Vossa Majestade para mandar

51
ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, de 4 de setembro de 1708, Maço 67 B.
52
Regimentos militares a que se juntam as resoluções de Sua Magestade desde 1710 até o presente e se revogam
vários capítulos do mesmo regimento e se acrescentam os dos governadores das armas, os dos capitães-mores da
ordenança com seus alvarás, os dos Vedores Gerais chamado o das fronteiras com seus decretos e, privilégios
dos auxiliares, e mais privilégios, tudo por Sua Magestade. Tomo II, na Oficina de Miguel Rodrigues.
MDCCLIII.
58

(ANTT, Consultas do
o que for servido. Lisboa 28 de janeiro de 1712
Conselho de Guerra, Maço 71, grifo como no original).

Esse documento era referente ao pedido do sargento-mor-engenheiro Manoel Dias de


Freitas, que afirma que outros sargentos-mores, e até mesmo alguns que exerciam a função de
engenheiros estariam recebendo o soldo de 20 mil réis, mas para ele tal soldo não foi
aprovado. Isso mostra um pouco como a profissão de engenheiro era desmerecida em relação
aos outros postos do Exército. Mesmo quando o engenheiro tinha incorporado à sua patente o
posto da Infantaria ou Artilharia, não lhe davam o direito reservado aos que não eram
engenheiros.
Em 1718, Manoel Antonio de Matos – capitão de Artilharia com exercício de
engenheiro na corte, ao solicitar exercer o posto de sargento-mor-engenheiro no Algarve,
poderia receber 20 mil réis, visto que também teria o posto na Artilharia, no entanto, foram
aprovados apenas 13 mil réis, referentes ao posto de sargento-mor-engenheiro. No parecer de
um dos conselheiros, ficou registrado53 que se fosse pago a Manoel Antonio de Matos, outros
também fariam o mesmo pedido.
Isso não acontecia só com os sargentos-mores. Era comum em qualquer dos postos
ocupados. Mas com a chegada de Azevedo Fortes ao cargo de engenheiro-mor, a situação
melhorou um pouco, pois conseguiu que os engenheiros fossem pagos como os demais
integrantes do Exército que tinham o mesmo posto. É Fortes quem assinou o parecer seguinte:
Senhor. O suplicante Manoel Alves da Fonseca Capitão Engenheiro na Província da
Beira é um dos sujeitos que nesta profissão serve a Vossa Majestade com préstimo,
e boa capacidade, e como todos os mais de igual posto logram o soldo de dez mil
réis depois do novo regimentado, parece se deve praticar o mesmo com o suplicante.
Vossa Majestade mandara o que for servido. Lisboa Ocidental 21 de Agosto de
1720. Manoel de Azevedo Fortes (ANTT, Consulta do Conselho de Guerra,
de 28 de agosto de 1720, Maço 79B).

Se com a ajuda e compreensão do chefe maior dos engenheiros o soldo pôde ser
melhorado já por esses anos, foi ainda mais com o decreto de 1732 que estabeleceu que o
soldo dos engenheiros acompanhasse o de granadeiros. Por essa altura, o soldo do capitão-
engenheiro passou a ser de 16 mil réis. Mas, pouco depois, em 1742, houve ordem para que
os engenheiros se agregassem ao Regimento de Infantaria e teriam os soldos reduzidos pela
metade. Então a conquista tinha caído por terra e os capitães-engenheiros voltaram a receber 8
mil reis, já que pelo menos foi-lhes assegurada a metade referente ao soldo de granadeiros.
[...] Ao Mestre de Campo General Conde de Ericeira, parece que pelas razões que
alegam na petição relatada e pela necessidade que há da subsistência dos

53
ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, de 18 de março de 1718, Maço 77.
59

engenheiros, assim para poderem estudar e comprarem instrumentos para ficarem


agregados como Vossa Majestade manda um a cada regimento de infantaria, seja
Vossa Majestade servido declarar que o meio soldo com que há de ficar é o de oito
mil réis cada mês, por ser a metade dos dezesseis mil réis que hoje vencem como os
Capitães de Granadeiros. Lisboa, cinco de junho de mil setecentos quarenta e dois
anos. (ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, de 5 de julho de 1742,
Maço 101).

Do posto de sargento-mor para cima o salário não era fixo, sendo, na maioria das
vezes, estabelecido por meio de comparações entre os engenheiros e, se era concedido a
algum, logo em seguida, podem ser verificados documentos de outros engenheiros pleiteando
o mesmo benefício.
Qualquer mudança de posto devia ser aprovada pelo rei. A petição era enviada ao
Conselho de Guerra, que descrevia a situação ao poder real e se, não houvesse inconvenientes
a solicitação do engenheiro era atendida, se não, os documentos voltavam ao Conselho com
respostas negativas ou com pedido de acréscimo de informações. O Conselho, quando
enviava ao poder real as petições, já as havia submetido a rigorosas análises e apresentava
também uma sugestão para o despacho real, então dificilmente a sugestão do Conselho
deixava de ser atendida.
Algumas mudanças de postos foram concedidas, quase que por agrado real, a militares
que tinham participado da Guerra de Sucessão. Azevedo Fortes foi um dos beneficiados desse
período, passando em pouco tempo de capitão de Infantaria, em dezembro de 1703, a tenente-
de-mestre-de-campo-general, em fevereiro de 1705. Esse tipo de concessão causava sempre
muita confusão, pois nem sempre o salário acompanhava a elevação de posto e, se
acompanhava, havia sempre alguém com o mesmo tempo de serviço, mas não tendo
participado dos combates, que pleiteava os mesmos benefícios.
A maioria dos engenheiros tinha incorporado às suas patentes postos da Infantaria ou
da Artilharia, essa última com menos frequência. Assim, os textos das cartas patentes eram,
normalmente, como no exemplo: “ajudante (capitão, sargento-mor, entre outros) de Infantaria
com exercício de engenheiro”. Segundo, Smith54 apud Bueno (2003, p. 182), desde 1693,
quando se formou a Corporação de Oficiais Engenheiros, os diplomados pela Aula de
Fortificação e Arquitetura Militar eram assim designados.
Com o decreto55 de 1732, tentou-se organizar os engenheiros em corpo próprio, mas
incluídos na Infantaria:

54
Roberto Smith, “Os Engenheiros Militares Portugueses/ José Antonio Caldas”. In: Arquitetura Jesuítica no
Brasil, p. 39, nota 160.
55
Texto completo do decreto está no anexo B.
60

[...] que em cada regimento, ou terço pago de Infantaria haja daqui em diante uma
companhia, em que os oficiais dela sejam engenheiros de profissão [...] e quanto aos
oficiais de Sargento-mor inclusive para cima, que se acham nos postos da Infantaria
com exercício de engenheiros, poderão ser opositores a iguais postos que vagarem
na mesma Infantaria. (Decreto de 24 de dezembro de 1732).

O salário também foi alterado, como já foi dito, passando a acompanhar o salário dos
granadeiros, com a justificativa de que os engenheiros gastavam mais com a compra de
material para o trabalho, em consideração dos estudos que lhes eram necessários, livros e
instrumentos da sua profissão, por isso, o salário deveria ser maior do que o recebido pelos
que pertenciam aos quadros da Infantaria. Para Bueno, foi
[...] só em 178756, com a criação do REAL CORPO DE ENGENHEIROS, com um
quadro de 94 oficiais para as 6 Províncias de Portugal e 15 da América portuguesa,
os postos de 1º e 2º Tenentes substituíram o antigo cargo de Ajudante de Engenheiro
e o de Sargento-mor foi mudado para Major, provavelmente imitando o sistema
inglês. Também desapareceram os postos de Tenente-General e Mestre de Campo
(BUENO, 2003, p.182. Destaques e nota como no original).

Sepúlveda (VII, p. 191) estabeleceu que a organização do corpo de engenharia se deu


por meio de um plano de 12 de novembro de 1790. Denominado Corpo de Engenheiros de
Architectura Militar, era composto por 72 indivíduos, além dos alunos da Academia Militar
da corte. O pessoal era dividido pelas seis províncias do reino, mas Sepúlveda não mencionou
as províncias da posseção americana. O quadro Bueno (2003, p.182) a seguir mostra a
hierarquia dos postos a que estavam sujeitos os engenheiros:

HIERARQUIA DE 1693 a 1787 HIERARQUIA APÓS 1787


Aspirante (estudante) Aspirante (estudante)
Ajudante de engenheiro 2o Tenente
1o Tenente
Capitão Capitão
Sargento-mor Major
Tenente-coronel Tenente-coronel
Coronel Coronel
Brigadeiro Brigadeiro
Tenente General
Mestre de Campo

56
Rafael Moreira & Renata Araújo, “A Engenharia Militar do Século XVIII e a Ocupação da Amazónia”, In:
Amazônia Felsínea, p. 181. Robert Smith traz outra data, 1792, cf. Robert Smith, op. cit., p. 39.
61

Está claro “que os engenheiros militares eram valorosos oficiais do exército, versados
na sciencia e pratica da profissão, que serviam como o braço direito da Coroa em tempos de
paz e de guerra” (BUENO, 2003, p.178). Mas além do valor militar, o engenheiro devia ser
possuidor de espírito e conhecimento científico.

3.4 – O saber científico

A Arquitetura Militar era uma ciência, mas que não se sustentava só com
conhecimentos práticos do campo de trabalho do engenheiro militar. Vérin cita que Lanteri
em seu Due dialoghi..., já em 1557, por meio de uma comparação com a Medicina, distingue
a atividade do engenheiro da do simples prático. E assim, a Fortificação, como a Medicina,
não é somente uma prática, ela é também uma faculdade, uma arte e uma ciência. “Ela é uma
ciência na medida que recorre aos princípios matemáticos da busca das formas. Ela, nesse
caso, procede de demonstrações certas para descobrir e regular suas propriedades” (VÉRIN,
1993, p.145).
Azevedo Fortes baseado no que registrou Guinard no livro Escola de Marte, em
relação ao que o engenheiro devia saber do conhecimento científico, escreveu o seguinte:
Este autor se alargou na explicação das partes que devem concorrer em um bom
engenheiro, sem especificar as que lhe são mais precisas, porque é impossível que
em todas as que se refere possa ser igualmente consumado, ainda que para maior
perfeição, em todas deve ser mediocremente instruído: as que eu entendo deve saber
indispensavelmente são, a Aritmética, os Elementos de Euclides, a Geometria
prática, a trigonometria, a fortificação, ataque e defesa de praças, o uso dos
isntrumentos da matemática pertencentes à sua profissão, o método de tirar as
plantas e cartas topográficas com seus perfis, elevações e fachadas e o modo de
desenhar; e não deve ignorar a Artilharia, cujo conhecimento lhe é muito mais
necessário do que, por exemplo, o da Gnomonica, ou Arte de fazer relógios solares,
que o autor (Guinard) aponta e não fala na Artilharia, com a qual a arte de fortificar
tem muito maior afinidade (FORTES, 1729, p.428. Destaque da autora).

As ciências matemáticas tornaram-se as constituintes desse saber teórico. Não é à toa


que a definição57 de engenheiro proposta por Furetiére, em 1727, é a de que o engenheiro é
um matemático hábil, esperto e astuto, pois é só por meio da Matemática que o trabalho a ser
desempenhado por esse profissional teria condições de ser infalível. E para alcançar essa
infabilidade, só a Geometria e a Aritmética já não eram mais suficientes, entrando em cena,
ainda timidamente, a Álgebra. Esse aspecto será tratado na sexta seção deste trabalho,
revelado pelos estudos feitos nos tratados utilizados nas aulas de Engenharia Militar do início

57
Citação existente no item 3.1 deste trabalho.
62

do século XVIII, especialmente, com base nas notas de aula dos alunos que tiveram formação
na Academia Militar.
Baseado nos princípios essenciais à formação do engenheiro militar, praticados nos
outros reinos, especialmente no da França, Azevedo Fortes propôs alterações substantivas
para a formação dos engenheiros do reino português. A organização desse ensino é o que será
enfatizado na seção seguinte.
63

4 – DA AULA DE FORTIFICAÇÃO À ACADEMIA MILITAR – A ESCOLA DA


CORTE E A FORMAÇÃO DE ENGENHEIROS MILITARES

4.1 – A organização do que seria a “Aula”

A Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, ou simplesmente “Aula” e, depois


Academia Militar, foi formalmente instituída em 1647, sendo uma das medidas que
compunham a organização do sistema defensivo português, logo após a Aclamação de D.
João IV. Funcionava, primeiramente, na Ribeira das Naus. Depois teve lugar em uma das
salas do Paço da Ribeira. Podia frequentar as aulas quem se interessasse, mas pode-se dizer
que havia uma certa preferência por alunos que fossem já militares, embora isso não esteja
escrito em lugar algum, mas é uma desconfiança, que depois com Azevedo Fortes tem todo
sentido.
Luis Serrão Pimentel (1613-1678) foi, então, designado como o lente dessa aula. Ele
teve sua aprendizagem baseada no ensino jesuítico da Aula da Esfera do Colégio de Santo
Antão e no convívio com muitos engenheiros militares franceses e holandeses que depois da
Guerra da Restauração, foram contratados para a defesa das fronteiras portuguesas, tais como,
Jean Gilot, Cosmander e Lescole.
Serrão Pimentel produziu discípulos e o livro que pode ser considerado o texto oficial
da Aula de Fortificação desse período. Publicado postumamente, em 1680, o Método
Lusitânico de desenhar as fortificações das praças regulares e irregulares continha o método
de fortificar que levaria Portugal a formar seu próprio quadro de engenheiros, sem recorrer
tanto aos estrangeiros. Tiveram formação nesse período engenheiros, como Jerônimo Velho
de Azevedo58 e seu próprio filho, Francisco Pimentel, que mesmo antes da sua morte já o
substituía nas suas ausências.
Além do decreto de 1647 que instituiu a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar,
são também bastante conhecidos e citados os decretos59 que instituíram ou modificaram as
“Aulas” destinadas a formar engenheiros militares para o reino português no princípio do
século XVIII: o de 1701, que estabelece “Aulas” nas províncias do Reino, embora já por volta

58
Passou a maior parte da sua vida na Província da Beira.
59
Esses decretos estão transcritos nos anexos A e B.
64

de 1699, tenha-se buscado a instituição de “Aulas” nas colônias e o de 1732, que pode ser
considerado uma retomada do decreto de 1701.
No entanto, mesmo com esses decretos, sempre houve muita nebulosidade sobre essa
matéria, especialmente sobre os professores, alunos e conteúdos ensinados nessas aulas. Até a
própria denominação que se dava às aulas foi sendo modificada. As informações seguintes
vêm elucidar um pouco essas questões, baseadas, especialmente, em documentos do Conselho
de Guerra, órgão de muita importância para a organização política e administrativa do
Exército e, consequentemente, do reino português na época, bem como em outros documentos
das esferas organizacionais do reino, como do Conselho Ultramarino e do Ministério do
Reino.

4.1.1 – Os partidistas

Havia dois tipos de alunos: os que recebiam para estudar e os que não recebiam. Os
que recebiam eram os chamados partidistas. Os que fossem soldados, ou tivessem outros
postos nas forças armadas, traziam junto seu soldo e poderiam acumular o soldo também de
partidista. Para tornar-se partidista, devia prestar exames ao final de um período letivo e obter
bons resultados para conseguir uma das doze60 vagas de partidistas, embora esse número
tenha variado mesmo na corte. Nas outras academias criadas no reino e capitanias, esse
número era menor, em torno de quatro61. Mesmo sendo partidista durante um determinado
período, deveria prestar exames ao fim do período e obter bons resultados para manter o
partido. O valor recebido variava “[...] se forem soldados os que se ocupem [...] terão 10 mil
réis cada um ano de soldo e quando estudarem na Aula os que não forem soldados se lhe
darão 15 mil réis de partido” (Decreto de 1701).

60
“O Decreto de 27/05/1693 fixou o número da corporação de engenheiros e determinou que a “Aula de
Fortificação” de Lisboa tivesse 10 “partidista” permanentes” (BUENO, 2003, p.192. Destaques como no
original).
61
Pelo decreto de 1701, cada uma das Academias a serem formadas nas províncias do Minho, Beira e Alentejo
teriam quatro partidistas. Já as cartas enviadas para o Brasil e Índia, em 1699, estabeleciam que devia haver três
discípulos de partido.
65

4.1.2 – Exames

Os exames variaram ao longo do período estudado. Ao mesmo tempo que quase todos
os documentos dos engenheiros militares traziam a informação que tinham sido examinados,
essas informações são desencontradas e não mantêm nenhuma uniformidade. É preciso dizer
que nos documentos aparecem diferentes tipos de exames: exames anuais para ser partidista
e/ou ter aproveitamento; exames finais ao término do curso e que garantiria a possibilidade de
pleitear o posto de ajudante-engenheiro; exames para ser professor; exames para ascender aos
postos. Esses são os mais comuns, mesmo assim, as informações encontradas sobre eles não
permitem estabelecer uma uniformidade. Na documentação investigada não se encontrou
notas sobre exames para elevação de posto. Parece ser uma prática adotada depois do decreto
de 1732.
E os discípulos que nas ditas academias se aplicarem para seguir a profissão de
engenheiros, não subirão aos postos sem serem examinados e o serão para todos
os postos a que se opuserem até ao de tenente coronel inclusive, porque para os
mais postos de tenente coronel para cima se supõe não necessitar já de exame, o qual
se fará pelo engenheiro-mor do Reino e mais examinadores, na presença dos
Ministros do Conselho de Guerra e da Junta dos Três Estados, a quem se juntarão
outras pessoas militares na ocasião em que eu for servido nomeá-las e serão
perguntados sobre todas as partes que compõe aquela profissão, como
acampamentos, entrincheiramentos dos exércitos, ataques gerais e particulares,
medições, plantas e cartas geográficas, e mais particularmente no que respeita às
fortificações, ataques e defesas das praças [...] (Decreto de 1732. Destaque da
autora).

Mas, mesmo antes desse decreto, algumas descrições dos exames indicam que eles
eram feitos na presença de várias outras pessoas, além do mestre.

4.1.3 – Os exames e o ensino de Arquitetura Militar na Academia Militar e no Colégio de


Santo Antão.

A relação existente entre a Academia Militar e as aulas das ciências matemáticas do


Colégio Jesuíta de Santo Antão ainda não está bem entendida. Entre os pontos que essas duas
instituições apresentam em comum, estão os exames. Foram encontradas quatro dissertações
matemáticas ou exames feitos por alunos da Academia Militar nas dependências do Colégio
de Santo Antão. Dessas dissertações, uma é de 1701, outra de 1736 e duas são da década de
1710 e sobre uma delas há documentos do Conselho de Guerra que justificam tal exame ter
sido realizado no referido Colégio. Intitulada Marte Armado para a defensa e offensa das
66

praças, esse texto foi exposto por Luiz Xavier Bernardo, em 1 de março de 1712, no Real
Colégio de Santo Antão. A citação seguinte ilustra bem toda a contenda.
Luiz Xavier fez petição por este Conselho a Vossa Majestade em que refere que ele
se tem aplicado ao estudo das Fortificações na aula delas, mas com maior assistência
na das matemáticas do Colégio da Companhia a donde defendeu em todas as
matérias de fortificação conclusões públicas com satisfação como delas consta e da
certidão do Mestre, o Padre Ignacio Vieira e do P. Reitor do Colégio que apresenta e
poderá constar a V. Majestade. De mais a mais sendo servido mandar da suficiência
do suplicante não sendo com o substituto da Aula que estimulado do suplicante
fazer maior assistência e continuação na aula do Colégio da Companhia se lhe tem
mostrado mal afeto, como o faz aos que vão estudar na Companhia; e o fez a Diogo
Lopes Sepuldeva contra o qual informação de sorte que o obrigou a largar o reino e
ir servir a Flandes [...]. Lisboa, 7 de maio de 1712 (ANTT, Consultas do
Conselho de Guerra, Maço 71 A, destaques da autora).

A contenda envolvendo Domingos Vieira será discutida em pormenores quando for


tratado, nesta tese, dos professores que a Academia Militar teve no período investigado. O
certo é que Luis Xavier Bernardo pleiteava o posto de ajudante-engenheiro e era costume que
o professor da Academia fosse consultado sobre a nomeação. Mas, adiantando-se à
informação negativa que o mestre forneceria a seu respeito, pediu que o Conselho de Guerra
nomeasse outro engenheiro para dizer da sua capacidade. O Conselho nomeou João Massé,
renomado engenheiro militar, que esteve até mesmo em território brasileiro. Este deu boas
informações sobre Luis Xavier Bernardo, que conseguiu a nomeação pretendida.
A outra tese exposta na mesma década da anterior foi de José Sanches da Silva, em
1716, com o título de Perspectiva Matemática e tinha como questão principal: A ciência
matemática é entre todas as ciências a mais universal, necessária e útil. Sobre essa
dissertação não se encontrou nenhum documento que relatasse controvérsias.
A dissertação defendida em 1701 é de Antonio Dantas Barbosa, outro dos alunos da
Academia Militar. A principal questão tratada foi: Se em todas as vinte e quatro horas do dia
Astronomico he sempre o sol meridional em algum lugar sujeyto ao Imperio da Real Coroa
de Portugal? A dissertação62, defendida já no ano de 1736, foi “demonstrada na Aula Pública
do Real Colégio de Santo Antão” por Eugênio dos Santos Carvalho.
Cópias dessas quatro dissertações embora tenham sido encontradas nesta investigação
em diferentes arquivos, são citadas por Ugo Baldini63. As teses defendidas por cada um desses

62
Exercitações Mathematicas de Geometria Elementar, Trigonometria Plana, Geometria Practica, Arte de
Esquadronar, Arquitectura Militar, Expugnação, e Propugnação das Praças dedicadas ao Excellentissimo Senhor
Duque de Cadaval, e demonstradas na Aula Publica do Real Collegio de Santo Antão aos 19 de Junho de 1736
por Eugénio dos Santos, Partidista do Numero da Real Academia dos Engenheiros da Corte, Presidente o Muito
Reverendo Padre Mestre Manoel de Campos da Companhia de Jesus, professor ordinário de mathematica na
Real Aula do mesmo Collegio. Manuscrito 677 – BGUC, p. 103-108.
63
In: SARAIVA, L.; LEITÃO H. The practice of mathematics in Portugal. 2004
67

homens, tratam de assuntos como: Astronomia, Pirotecnia e Arquitetura Militar, para a que
foi defendida em 1701; Arquitetura Militar e Pirotecnia, no caso da que foi defendida em
1712; Geografia, Hidrografia, Arquitetura Civil, Óptica e Astronomia, para a de 1716; e para
a de 1736, Geometria Elementar, Trigonometria Plana, Geometria Prática, Arte de
Esquadronar e Arquitetura Militar.
O que as une é que foram realizadas no Colégio de Santo Antão e publicadas, por isso
chegaram aos nossos dias. Não se sabe se as defesas que os outros alunos da Academia
Militar fizeram deram-se nos mesmos moldes. Além do Luis Xavier Bernardo e do José
Sanches da Silva, em que há documentos que comprovam terem frequentado o Colégio de
Santo Antão e a Academia Militar, ficaram dúvidas se Antonio Dantas Barbosa e Eugênio dos
Santos Carvalho, alunos da Academia Militar, foram também alunos do Colégio de Santo
Antão.
A publicação da dissertação de Antonio Dantas Barbosa é de 1701, e somente em 18
de setembro de 1704, deu-se o decreto64 da sua nomeação para o posto de ajudante-
engenheiro para a Província da Beira, documento que o classifica como sendo um dos
discípulos da Academia Militar. Antes de frequentar as aulas na Academia Militar, teria
Barbosa frequentado o Colégio de Santo Antão? O certo é que, no Colégio, era comum
acontecerem defesas e, de acordo com alguns relatos, essas defesas se tornavam um
acontecimento público, com participações de membros até da família real.
Encadernado junto com a dissertação de Barbosa há outras duas: de Joaquim Freire de
Andrade, que apresenta a questão principal: Se he necessaria a Mathemática para se
alcançarem todas as mais sciencias, publicada em 1701 e de Jerônimo Nunes, cuja questão
principal é: Se das Sciências he a Mathemática, a mais necessaria, curioza e util, publicada
em 1703. Dessas, a primeira aborda Astronomia e Arquitetura Militar e a segunda, Geometria,
Astronomia e Arquitetura Militar. Sobre esses dois homens, não foi encontrado qualquer
documento que os relacionasse também à Academia Militar, nem relativo a atividades como
engenheiros militares.
Essas três dissertações estão encadernadas no manuscrito65 Tratado da Architectura:
Exame Militar, do jesuíta Luis Gonzaga, que ensinou matemática de 1700 a 1705 no Colégio
de Santo Antão e depois deu aulas para os filhos do rei D. Pedro II. Seu manuscrito sobre
Arquitetura Militar, truncado e ainda sem as novas teorias de fortificação, indica como eram
as aulas dessa matéria no referido colégio.

64
ANTT, Decretos remetidos ao Conselho de Guerra, de 18 de setembro de 1704, Maço 63, Nº 76.
65
Biblioteca da Ajuda, Manuscrito: 46 - VIII – 23.
68

O motivo que levou duas instituições da corte a trabalharem para a mesma formação
ficará sem resposta. A seguir, verificar-se-á como estava organizado o ensino na Academia
Militar na maior parte da primeira metade do século XVIII.

4.1.4 – As componentes curriculares e a duração

Antes de falar do assunto propriamente dito, é preciso fazer uma ressalva a um termo
que será usado daqui em diante: ditado. Os professores, com base em um manual, ditavam as
lições aos alunos, que copiavam em seus papéis. Não é possível descrever como se davam as
dinâmicas na sala de aula, se o termo ditado era já entendido como hoje, ou se a ele estavam
subjacentes as explicações dos professores, o que parece ser o mais coerente. O termo ditado
era de uso geral, por parte dos professores, dos alunos e mesmo dos escrivães dos documentos
oficiais.
De tudo que foi verificado não foi possível precisar a duração de um curso da
Academia Militar. Bueno registrou que:
[...] em 1675, a “Aula de Fortificação e Arquitetura Militar de Lisboa, criada por
D. João IV após a Restauração, compreendia lições ao longo de 3 anos a 12
“partidistas”. [...] Em 1725 a “Aula Militar da Baía” apresentava um curso de 6
anos. A Ordem Régia de 1738 que restabeleceu a “Aula do Terço de Artilharia” do
Rio de Janeiro, encabeçada por José Fernandes Pinto Alpoim, determinava que o
curso deveria ter duração de 5 anos. (BUENO, 2003, p.192. Destaques
como no original).

O que se pôde verificar nos documentos é que alguns engenheiros passaram pouco
mais de seis anos, como é o caso do Sebastião Pope. Outros passaram por volta de dez anos,
como é o caso de Felipe Rodrigues de Oliveira, ou até mais anos, como José Sanches da
Silva. Tudo dependia da nomeação para ajudante-engenheiro. Se fosse tempo de guerra, em
que se fazia urgente a necessidade de engenheiros, talvez passassem menos de quatro anos na
Academia Militar; já em tempo de paz, a espera para nomeação de ajudante poderia ser bem
mais longa. E ainda havia os casos em que a nomeação para um determinado lugar não
convinha, então esperava-se que aparecesse uma oportunidade melhor.
Como visto na seção anterior, Fortes (1729, p. 428) definiu os assuntos que
considerava indispensáveis para uma boa formação do engenheiro militar. Entre os conteúdos
de Matemática lista a Aritmética, a Geometria Euclidiana, o que chama de Geometria Prática
e a Trigonometria, além das atividades de desenho, do uso dos instrumentos matemáticos, das
atividades na prática das marcações e medições no terreno e da Artilharia. Excetuando-se as
69

lições sobre Artilharia, todas as outras estão organizadas nos dois volumes do O Engenheiro
Português.
Sabe-se também, que era estudado um Tratado da Álgebra, que demorava em torno de
dois anos para se ditado, conhecido por causa de um manuscrito de um discípulo que chegou
aos dias de hoje, no qual se explicita que foi ditado entre 1732 e 1734. Também em um
parecer a respeito de um discípulo que deveria voltar para o Algarve, emitido pelo
engenheiro-mor, o próprio Fortes, há o seguinte: “É lástima que deixe de completar o seu
estudo, sendo o que lhe falta o mais importante, como é o exercício do Campo a que se tem
dado princípio e vai continuando, a acabar o tratado da Álgebra, que se há de continuar de
outubro por diante [...] se poderá acabar até fim de Abril do ano próximo futuro” (ANTT,
Consultas do Conselho de Guerra, de 7 de julho de 1739, Maço 98).
Além da Álgebra e das lições ligadas à Matemática existentes no O Engenheiro
Português, os alunos tinham aulas de desenho, de artilharia e mesmo de pirotecnia e, ainda,
uma formação prática, obtida nas grandes obras arquitetônicas ou mesmo acompanhando o
engenheiro-mor em visitas às praças fortificadas do reino para fazer reparos, o trabalho de
campo. O envolvimento de Azevedo Fortes na confecção das cartas geográficas de Lisboa e
região na década de 1720 também garantiu um campo profícuo para a aprendizagem prática
dos alunos da Academia.
Como nem todos que frequentaram a Academia Militar destinavam a engenheiros, eles
ainda aprendiam a realizar evoluções militares, a formar esquadrões e outros assuntos
destinados à formação de um soldado qualquer, como mostra a primeira citação apresentada
quando se tratou dos exames.
Observa-se, no entanto, que esse tipo de organização das lições é o que foi realizado
na Academia, para ser otimista, a partir de 1720, mantendo-se até os anos cinquenta desse
século, já que Felipe Rodrigues, que foi aluno da Academia e do engenheiro-mor Azevedo
Fortes, continuou a ministrar as aulas na ausência do mestre, mas, praticamente, durante todo
esse tempo, manteve-se sob os olhares do engenheiro-mor.
Só para ilustrar o que se aprendia dessa matéria nos anos finais do século XVII, tem-se
o exemplo de Joseph Pinheiro da Silva que frequentava o Colégio Jesuíta de Santo Antão e,
embora não seja possível afirmar se aprendeu algo mais sobre Arquitetura Militar, na citação
seguinte fica explicitado o que se ensinava no colégio aos que depois se tornavam
engenheiros militares como ele:
Além do sobredito concorrem na pessoa do suplicante pelo que tem adquirido nos
estudos, e arte que tem professado: ser perito, e como tal examinado por diferentes
pessoas assim na geometria e trigonometria e seus fundamentos como na raiz
70

quadrada artmeticamente, e por ela formar os quatro esquadrões da regra quadrada


cobrilos por igual dado o número das fileiras e o que se a de cobrir, e sem ele, e
reduzidos de uns em outros: e outrosim fazer artimeticamente os de seis, e oito de
fundo manejar por filas e fileiras: tanto pelo centro como sobre [...] (ANTT,
Consultas do Conselho de Guerra, Maço 64. Consulta de 25 de junho
de 1705).

Depois, na segunda metade do século XVIII, com o Marquês de Pombal e a


reorganização do Exército, passou-se a estabelecer os manuais que deviam ser seguidos na
Academia Militar, nomeadamente alguns manuais franceses de Belidor e depois de Bezout.
Barbosa Machado, na Biblioteca Lusitana, quando escreve sobre Felipe Rodrigues de
Oliveira, professor substituto desde 1727, diz que dele ficaram alguns manuscritos, dos quais
não foi possível encontrar nenhum e, entre esses, cita Elementos de Mathemática, ou
princípios geraes de todas as sciencias, sendo o seu objeto a grandeza em geral.
Os manuscritos que Barbosa Machado atribui a Felipe Rodrigues de Oliveira podem,
todos juntos, bem representar os conteúdos que os alunos da Academia Militar estudavam na
década de vinte de século XVIII. São quatro diferentes textos que versam sobre: a Geometria
Euclidiana, a Pirotecnia, a Álgebra e a Trigonometria. Machado interpretou que Felipe
Rodrigues tenha sido o autor de todos eles. Nesta pesquisa, no entanto, afirma-se que ele
tenha copiado, pois eram os resultados dos ditados que tomava na Academia Militar. Ele
frequentou a Academia entre 1717 e 1728, quando foi nomeado ajudante e dessa época em
diante passou a trabalhar como substituto na Academia. Nessa época, Fortes ainda não tinha
publicado O Engenheiro Português, então ditava a Geometria e a Trigonometria, conteúdos
que fazem parte do seu livro. No entanto, ele já ditava também os Elementos de Matemática,
que trazia a Álgebra, mas esse assunto só vai figurar na Lógica Racional, Geométrica e
Analítica, em 1744, dezesseis anos depois da publicação do O Engenheiro Português.
Sobre as aulas de desenho, sabe-se pouco. Parece que logo que se torna o engenheiro-
mor e passa a estar na corte em tempo integral tenha sido o próprio Azevedo Fortes quem
ensina o desenho aos alunos da Academia Militar. Mas em 1722 já estava no reino Alexandre
de Chermont e nos documentos a ele relativos há sempre a informação de que, como era
exímio desenhista, passou a ensinar os alunos da Academia. O tempo e os dias em que tais
aulas se dariam ficaria por conta das decisões do engenheiro-mor, como ficou registrado no
documento a ser citado no item 4.3, a seguir, trecho em que se trata dos professores.
Na sessão de iconografia da BNP, podem ser encontradas várias coleções de desenhos,
que estão designados como vindos dos alunos da Academia Militar. Algumas dessas plantas
71

(Buarcos e Redondo, Monsaraz, Segura e Castelo Branco)66, por critérios como a data do
papel e seu filigrana, são considerados por Carvalho (1977, p. 125) produção da “Aula de
Fortificação”, dirigida por Azevedo Fortes. Carvalho data esses desenhos do segundo quartel
do século XVIII. É comum todas as referências sobre o ensino do desenho recaírem sobre
Fortes e o nome de Chermont não é tocado.
Um dos manuscritos atribuídos a Felipe Rodrigues de Oliveira, por Barbosa Machado,
é um Tratado de Pirotecnia, dividido em quatro livros: “No primeiro trata dos fundamentos
gerais desta matéria. No segundo dos principais fundamentos dela em gêneros, e espécies. No
terceiro o uso, e a prática dela. No quarto da doutrina dos bombardeiros, na qual seguiu o
sistema de Galileu. M. S. No apêndice trata dos fogos artificiais” (MACHADO, IV, 1935 p.
111). José Sanches da Silva, mesmo em alguns documentos aparecendo como discípulo da
Academia, era, nesses mesmos anos, quem ensinava os fogos artificiais e a Artilharia nas
aulas da Academia.

4.1.5 – As cartas geográficas e topográficas e o trabalho prático das construções.

Nas cartas de nomeação de ajudantes de muitos dos discípulos da Academia, na época


do engenheiro-mor Azevedo Fortes, há a indicação de que trabalharam na confecção das
cartas geográficas, ou na condução das águas até Lisboa, ou nas obras de Mafra, ou nos
caminhos que ligavam a Mafra ou a Torres Vedras.
Como se viu, Fortes foi membro da Academia Real da História Portuguesa e tinha
como função elaborar as cartas geográficas e topográficas do reino português. Chegou a
elaborar um livro o Tratado do modo mais fácil e mais exato de fazer as cartas geográficas,
que serviria para orientar o trabalho de quem com ele fosse fazer as medições no terreno,
trabalho a ser feito por várias mãos. Mas não era dessa forma que os diretores da Academia
Real da História esperavam que o trabalho fosse feito, e por isso não o apoiaram
financeiramente. No entanto, foi esse método, por meio de medições no terreno, que Fortes
ensinou aos praticantes da Academia Militar.
Seu trabalho não foi em vão. Mesmo não fazendo as cartas de todo o reino, foi
designado pelo próprio rei D. João V, para fazer as cartas da região de Lisboa. Com ele
empenharam-se outros engenheiros e os discípulos da Academia Militar. Mas como essas

66
Cotas respectivas: D.231P, D.232P, D233.P, D234P.
72

cartas contavam com o apoio real direto, Fortes não cansou de repetir e agradecer esse apoio
nas sessões em que prestava contas dos seus trabalhos à Academia Real da História
Portuguesa.
Ordenou-me V. Majestade, que com os Engenheiros desta Corte, e os Praticantes da
Academia Militar fizesse uma Carta Topográfica, que compreendesse todo o terreno,
e marinha, desde o sítio de Pedrouços até a Corte Real, em largura de três quartos de
légua com pouca diferença. Não acho palavras, que possam expressar o sumo gosto,
que recebi com esta Real ordem; porque nela achei o único meio de livrar a
Academia da indecorosa necessidade de revogar a sua primeira distribuição.
(Coleção de Documentos e Memórias da Academia Real de História
Portuguesa. Ano de 1725, sessão de 22 de outubro).

A região mapeada por Fortes e descrita na citação compreende hoje a região entre
Alges e o Corpo Santo. Mas como os trabalhos não terminaram por aí, essa planta pode ter
sido completada e caracterizar a grande planta manuscrita e colorida existente no Museu da
Cidade de Lisboa, que, além da parte já descrita na planta anterior, também segue para o lado
leste da cidade, ao longo do Tejo – Planta topographica da Marinha das Cidades de Lisboa
Occidental e Oriental, desde o Forte de S. Joseph de Riba-Mar te o Convento do Grilo feito
no ano de 1727. Esse mapa é anônimo, mas certamente coordenado por Fortes.
A seguir, trechos de documentos de alunos da Academia Militar que ilustram suas
participações na elaboração dessas cartas.
- O da nomeação de João Rodrigues da Silva, de capitão-engenheiro:
João Roiz da Silva Ajudante de Infantaria com exercício de Engenheiro das
Fortificações da Província do Alentejo, [...] no qual se exercita a perto de 15 anos
com que teve de discípulo da Academia Militar, dentro do qual tempo tirou a
configuração de grande parte desta cidade de Lisboa Ocidental e toda a de
Lisboa Oriental para a planta que Vossa Majestade mandou fazer como
também foi um dos nomeados para a que se tirou desde esta Corte até as reais
obras de Mafra, como tudo constava das certidões que juntava [...]. (ANTT,
Consultas do Conselho de Guerra, Maço 99 A. Consulta de 4 de julho
de 1740).

- O que consta da carta patente de nomeação de sargento-mor-engenheiro para o


Maranhão, de Carlos Varjão, de 26 de abril de 1727:
Dom João por graça de Deus Rei de Portugal & Faço saber aos que essa minha Carta
Patente virem que tendo respeito a Carlos Varjão me estar servindo de Ajudante de
Infantaria auxiliar no terço da Comarca de Santarém e professor de Engenheiro, e
doutrina militar de fortificações aprovado pelo Engenheiro-mor do Reino e depois
de seguir dele as matemáticas na Academia Militar desta Corte que exercitou por
espaço de quase três anos em tirar planta e configuração destas cidades para a
carta topográfica que delas se mandou fazer e [...]. (ANTT, Chancelaria de
D. João V, Livro 69, f. 309v).

Pelas datas, vê-se que nos anos iniciais da década de 1720 Varjão era um dos
discípulos da Academia que estavam empenhados na tarefa de fazer a carta de Lisboa e
73

região, o que deve ter sido incumbência de todos. Já nos documentos de Felipe Rodrigues de
Oliveira, outro aluno da Academia Militar, destaca-se seu papel em outros dois
empreendimentos: a determinação dos caminhos para a vila de Mafra e a construção do
aqueduto.
Felipe Rodrigues de Oliveira [...] no referido tempo acompanhar o Engenheiro-mor
por dois meses na ocasião em que fora examinar se era possível conduzirem-se as
águas do sítio da Água Livres até o Bairro Alto destas cidades assistindo na
planta Topográfica e a todas as diligências que se fizeram daquele sítio até [oadro]
de São Roque, acompanhou segunda vez na medição dos seis caminhos que desta
Corte vão para a vila de Mafra, assestindo a arrimá-los pela agulha e outras várias
operações para efeito de se escolher, o caminho mais praticável, mais plano, e
chegado à linha reta, fora por ordem do engenheiro-mor pelo que tivera de Vossa
Majestade ver a estrada que vai de Torres Vedras, para a dita Vila de Mafra,
examinar os passos maus dela para se poder andar ainda no inverno [...] Lisboa
Ocidental, nove de Junho de mil setecentos e trinta e quatro. (ANTT, Consultas
do Conselho de Guerra, de 9 de junho de 1734, Maço 93).

Na Gazeta do ano de 1729 há a informação, publicada na folha 6 do Diário de 23 de


agosto de 1729, de que “El Rei tem continuado as jornadas de Mafra, e foi a cavalo pelo
caminho novo, o Conde de Unhão João Xavier veio com a gente do Algarve, e assiste na obra
mandando fazer o trabalho a toque de caixa”. Azevedo Fortes e Manuel da Maia realizaram o
projeto da estrada de Mafra definindo a carta de caminhos que deviam ligar o Paço da Ribeira
ao novo Palácio de Mafra, parafraseando Lisboa, Miranda e Olival (2002, p. 45-46).
Dessa época devem ser os detalhados mapas topográficos de todo o território entre
Lisboa, Mafra e Torres Vedras. Segundo Garcia (2006, p. 169), trata-se da Carta Topografica
que comprehende todo o terreno desde as cidades de Lisboa Occidental e Oriental té a villa
de Mafra, com todos os lugares, q. contem na sua extenção tudo feito debaixo da direcção do
Engenheiro mor do Reyno, e do Coronel Manoel da Maya e a Planta de todo o destricto da
Villa de Mafra te a Villa de Torres Vedras. Terreno e Lugares comprehendidos na dist.a de
três Legoas. Feita por Paulo Farinha Lopes debaixo da direcção do Engenheiro mor do
Reyno. Nem é preciso dizer que tudo foi feito com base nos métodos que Fortes pregava, já
que Lopes foi aluno da Academia Militar, como se verá.
Garcia (2006, p.149) afirma conhecer uma cópia espanhola de um mapa da rede viária
entre Lisboa e Mafra, assinado por Fortes e por José da Silva Paes, datada de 1718, intitulado
Mapa Topografico Del terreno comprehendido entre Lisboa Occidental y Oriental, y la Villa
de Mafra com todos los caminos que se dirijen a La misma villa. E como salientou Garcia
(idem) “um mapa de todos os possíveis acessos, terrestres e fluviais, ao gigantesco estaleiro
revelava-se imprescindível para planear a gestão da obra”. Esse mapa, com data de 1718 foi
certamente um dos primeiros a ser realizado, logo após o início da construção do
74

Convento/Palácio de Mafra, que foi mais intensa entre 1717, ano do lançamento da primeira
pedra e, 1730, quando ocorreu a sagração da basílica.
Nesses empreendimentos não só alunos participaram, mas também engenheiros já
renomados, como Manuel da Maia a José da Silva Paes.
Outro aspecto a destacar é o papel fundamental que os engenheiros saídos da
Academia nessa época, e mesmo quando ainda alunos, tiveram na construção do aqueduto das
Águas Livres. Mesmo o engenheiro-mor não sendo o responsável direto pela obra, como visto
na segunda seção deste trabalho, sabia, e pregava com veemência, que a formação dos
engenheiros também se dava na prática. Então não deixaria passar a par dos engenheiros que
formava a construção de uma obra tão importante.
Pedro Ramalho, que foi aluno da Academia e depois engenheiro na corte, tem suas
atividades nessa construção relatadas da seguinte forma:
Pedro de Ramalho Ajudante enginheiro desta Corte e [...] em que se achava sendo-
lhe no decurso de ditos anos encarregado pelo dito engenheiro-mor muitas
diligências do real serviço, assim desta corte, como fora dela que todas executara
com prontidão como as mais que lhe foram ordenadas pelos mais oficiais seus
superiores, e há dois anos e meio por ordem de Vossa Majestade e aviso do
secretário de estado assistido atualmente as medições das obras das águas livres
com continuo trabalho, fazendo todos os orçamentos, medições e contas que
para boa arrecadação da dita obra são necessárias [...] vinte de outubro de mil
setecentos e trinta e quatro. (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra,
Maço 93 A).

Que as obras e os terrenos foram os campos de aplicação dos conhecimentos dos


engenheiros, não há dúvidas. Mas quem foram os professores que cuidaram da formação do
engenheiro militar, seja no campo ou na sala de aula?

4.2 – Seus professores

É bom também registrar aqui que, por essa época, muitos dos engenheiros que
trabalhavam no reino tinham uma formação, em termos, patriarcal, como é o caso de
Francisco Pimentel e Manuel Pimentel, que aprenderam com o pai Serrão Pimentel, de
Manuel do Couto que frequentou a “Aula”, mas também aprendeu com o pai Mateus do
Couto, de João Mexia da Silva que aprendeu com Manoel Mexia da Silva, seu pai, de Antônio
Velho de Azevedo que aprendeu com Jerônimo Velho de Azevedo. O trecho a seguir,
referente a Antônio Velho de Azevedo, mostra como os ensinamentos nessa época eram
passados de pai para filho:
75

[...] a Contadoria Geral de guerra, diz que o suplicante é Ajudante-Engenheiro na


Beira e com as lições de seu pai há notícias que adquiriu a ciência necessária para a
dita ocupação e é bem procedido, por cujas razões merece acrescentamento do posto
de capitão-Engenheiro e o soldo de oito mil réis por mês. Cujo acrescentamento de
soldo se tem concedido a muitos ajudantes engenheiros das Províncias. E ao
Conselho parece o mesmo que a Contadoria Geral de guerra, com o soldo de oito
mil réis por mês. Lisboa, 8 de Janeiro de 1696 (ANTT, Consultas do
Conselho de Guerra, Maço 55. Destaque da autora).

Mesmo com uma Academia até bem ativa na corte e com a da Província do Minho,
que tinha sido formada a partir do decreto de 1701, do qual não vingou a da Província do
Alentejo, nem a da Província da Beira, os engenheiros de profissão, distantes das Academias,
formavam seus próprios filhos, como os Sande de Vasconcelos: “Diz Rodrigo de Sande de
Vasconcelos filho de Joseph Sande Vasconcelos sargento maior Engenheiro da Província de
Alentejo que ele Suplicante tem com grande vontade aprendido com o dito seu pai nas
Fortificações da Praça de Estremoz e foi nesta campanha próxima passada servir a Vossa
Majestade [...] (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, de 18 de janeiro de 1709, Maço
68).
Francisco Pimentel, ditando o tratado delineado pelo pai, Serrão Pimentel, foi o lente
proprietário67 da cadeira da “Aula de Fortificação e Arquitetura Militar” por mais de duas
décadas.
Participaram das aulas de Francisco Pimentel alguns dos mais importantes engenheiros
militares que exerceram atividades já nas últimas décadas do século XVII, como Manuel
Pinto de Vilalobos e Pedro de Correa Rabelo68 e, na primeira década do século XVIII, outros
como Manuel da Maia, João Thomas Correa, Luís Estevão, Diogo da Silveira Veloso, só para
citar alguns.
É na última década do século XVII que Azevedo Fortes retorna ao reino português
para ficar. Alguns escrevem que voltou ainda em 1686, mas nessa investigação não foram
encontrados documentos da época que pudessem afirmar isso. Então tomou-se como ano
inicial das suas atividades na corte o de 1695, que é o que consta no Elogio Fúnebre, escrito
por José Gomes da Cruz e publicado em 1754 e em cartas patentes expedidas pelos órgãos do
poder real. A confusão em relação ao ano da chegada de Fortes à corte se deve ao fato de, na
transcrição de uma das cartas patentes que fez Cristovão Aires de Magalhães Sepúlveda69,

67
Lente proprietário era o professor responsável pelas aulas. Em alguns casos, havia também o lente substituto.
68
Soromenho (1991, p.17).
69
Sepúlveda, C. A. de M. História orgânica e política do exercíto português - provas. Volume VII. História da
Engenharia Militar Portuguesa – Subsídio III – Engenheiros portugueses. Coimbra: Imprensa da Universidade,
1913. p. 109.
76

constar o ano de 1689, onde deveria estar 1698, um erro simples que pode mesmo ser de
impressão, como outros desse tipo que podem ser encontrados nos volumes dessa sua obra.
No entanto, o erro capital está no fato de Sepúlveda, no mesmo documento,
transcrever “a servir no reino por dous anos” como “a servir no reino por doze anos”, o que
desmitifica essa problemática. A carta patente referida está no Livro de Registros do Conselho
de Guerra, referente aos anos de 1698 e 1699, então todos os documentos são referentes a
esses anos.
Ao considerar o ano de 1698, descontados os dois anos que na carta consta ter sido
lente substituto, chega-se a meados do ano de 1696 e, ao integrar o período de um ano que
havia entrado para a Academia como aluno extraordinário, tem-se como início das atividades
de Fortes a serviço do reino português o ano de 1695. O trecho a seguir é parte da Consulta de
Conselho de Guerra, de 5 de fevereiro de 1703, em que Azevedo Fortes pede acréscimo de
soldo, mas não de posto.
A este Conselho foi Vossa Majestade servido mandar remeter para que se visse e
consultasse uma petição de Manoel de Azevedo Fortes, em que refere entrara na
Aula das Fortificações por decreto de V. Majestade e provimento da Junta dos três
estados com o partido extraordinário de duzentos réis por dia enquanto V. Majestade
lhe não nomeava outra ocupação ou lhe dava posto e entrando com o dito partido de
em 18 de Abril de 695 assistiu até 9 de Agosto do seguinte de 696 em que V.
Majestade foi servido nomeá-lo Lente substituto da dita Aula com 8 mil réis de
soldo por mês para ler nos impedimentos de Francisco Pimentel. E em 18 de
Fevereiro de 1698 foi nomeado por resolução de V. Majestade em Consulta da Junta
dos Três estados para examinador dos discípulos da Aula no lugar que vagou por
Mateus do Couto, sem acrescentamento de soldo, e em 4 de Setembro do dito ano de
698 lhe fes V. Majestade mercê do posto de Capitão-Engenheiro com as ditas
ocupações e des mil réis de soldo por mês. E atualmente está o suplicante
exercitando a ocupação de lente e de examinador e de Capitão Engenheiro e no
descurso dos anos referidos foi [...] (ANTT, Consultas do Conselho de
Guerra, Maço 62. Destaques da autora).

Esse documento é importante, pois elucida as atividades exercidas por Fortes nos anos
iniciais da sua chegada ao reino. Ele, que já tinha exercido cargo de professor na Universidade
de Siena, aceita tornar-se aluno extraordinário da Academia Militar de Lisboa. Multiplicando
o valor do seu salário diário por trinta dias, recebia ao final do mês cerca de 6.600 réis, mas
isso se fossem contados dias corridos. Se, por acaso, os finais de semana fossem descontados,
seu salário mensal não passaria de 4.400 réis, embora maior do que o valor recebido pelos
outros discípulos da Academia de 15 mil réis anuais. Para se ter uma idéia, o salário de
ajudante-engenheiro era de 6 mil réis mensais, como já relatado. Somente depois de um ano é
que foi nomeado professor substituto da Academia, com um salário que equivalia ao de
capitão-engenheiro, posto que só viria a ocupar dois anos depois.
77

Mas, mesmo antes de ocupar o posto do exército, já exercia a função de examinador


dos discípulos da Academia Militar e o fato de ocupar o lugar vago pela morte de Mateus do
Couto indica que talvez esse cargo fosse vitalício, o que não dá para afirmar.
Nessa consulta também fica claro, que no ano de 1703, Azevedo Fortes acumulava as
funções de lente da “Aula”, embora fosse o substituto, informação também confirmada no
Elogio Fúnebre, de capitão-engenheiro e examinador, além de várias outras funções menores
citadas no documento e o salário continuava a ser de 10 mil réis. Então pede o aumento de
soldo de dez para 20 mil réis, mas passou a receber 12 mil réis, mantendo o posto de capitão.
No entanto, é em 1703 que ele passa a outros territórios do reino, a ajudar nas campanhas da
guerra que Portugal travava com a Espanha, como fica explicitado pelo decreto remetido ao
Conselho de Guerra, que lhe manda partir com toda a brevidade para a Província do Alentejo,
para poder “assistir às obras das ruínas das fortificações de algumas praças, a que é preciso
acudir-se logo”70. O documento ainda refere-se a Azevedo Fortes como capitão-engenheiro.
Mas, que atividades exercia Francisco Pimentel, o lente proprietário? Na
documentação do Conselho de Guerra, não se verificou nenhuma consulta assinada por
Francisco Pimentel, depois de 1700, com o cargo de lente.
Francisco Pimentel estava nas Campanhas da Guerra. Em 1704, ocupava o posto de
quartel-mestre general do exército da Beira, com o soldo de trinta mil réis por mês71. Isso
indica que nesse tempo Francisco Pimentel estava mesmo afastado das suas atividades na
Academia. Azevedo Fortes, embora indo e vindo da Corte entre os anos de 1703 e 1705,
parecia ainda conseguir exercer alguma função nela, tendo continuado suas tarefas de lente
substituto, até que suas ausências foram tornando-se inviáveis para o trabalho da Academia.
É então que aparece Domingos Vieira, o novo lente substituto. O que não foi possível
elucidar é se nesses anos em que Domingos Vieira assume como substituto, mas ainda antes
da morte de Francisco Pimentel, Azevedo Fortes fica fora da Academia de vez, ou se
Francisco Pimentel abdicou do cargo de lente e Azevedo Fortes passou a ser já nesse período
o lente proprietário.
No ano 1705 é que aparece, nos documentos consultados, o primeiro parecer assinado
por Domingos Vieira72. Ele foi encarregado pelo Conselho para emitir parecer sobre a

70
ANTT, Decretos remetidos ao Conselho de Guerra, Maço 62, Nº 69. A ordem do Conselho é de 10 de outubro
de 1703 e o decreto de 10 de dezembro de 1703.
71
ANTT, Decretos remetidos ao Conselho de Guerra, de 9 de maio de 1704, Maço 63, Nº 31.
72
Sobre Domingos Vieira sabe-se pouco, além de que exerceu atividades de lente na Academia por essa época.
Seu nome não aparece no Dicionário histórico e documental dos Arquitectos, engenheiros e construtores
portugueses do Sousa Viterbo. Na História Orgânica e política do exercito português – provas. vol. VIII,
78

Consulta73 de junho de 1705, em que Joseph Pinheiro da Silva, então capitão-engenheiro no


Alentejo, pedia o posto de sargento-mor de infantaria com exercício de engenheiro para a
mesma província. Domingos Vieira informou não ter dado aula ao suplicante, mas afirmou ter
sido seu colega no estudo: “Do suplicante tenho bastante notícia e conhecimento; porque
versei com ele na Aula do Colégio desta Cidade: e assim me parece que é capaz e merecedor
do posto que pede; [...]. Lisboa 29 de Agosto de 1705. Domingos Vieira”.
Joseph Pinheiro da Silva74 tinha sido nomeado ajudante engenheiro em fevereiro de
1703, o que leva a supor que Domingos Vieira tenha frequentado a Aula do Colégio nos anos
finais do século XVII e/ou início do XVIII, para ter sido nomeado professor substituto na
Academia, o que deve ter ocorrido entre 1704 e 1705. Isso é o pouco que se pode saber sobre
a formação do Domingos Vieira. Não há indicativos de que tenha também frequentado aulas
na Academia Militar, nem de ter ocupado algum posto militar. Mas algum mérito deveria ter
para ocupar cargo tão significativo. Nem mesmo foi possível ter notícias sobre outras
atividades que possa ter desempenhado, além de assinar pareceres e ditar aulas na Academia
Militar.
Nesse mesmo ano de 1705, seguem-se vários outros pareceres assinados por
Domingos Vieira. Em 1706, continua a emitir pareceres e é apontado nos documentos como
“Lente da Aula”, não aparecendo as palavras “serve de lente”, como aparecia nos documentos
anteriores. O trecho seguinte mostra isso. E fica também clara a posição ocupada por
Francisco Pimentel, que, nesse mesmo ano, faleceu na Espanha, local onde se encontrava
depois da tomada de Salvaterra e do cerco de Badajós, nas disputas de Portugal com a nação
vizinha.
[...] A petição relatada e os papéis oferecidos se remeteram para o Lente da Aula das
fortificações para informar seu parecer, respondeu que o suplicante continuara
algum tempo na Aula, exercitando ele a cadeira e assim colhera por experiência ter o
suplicante muita capacidade e suficiência para servir a V. Majestade no posto que
pedia.
Sobretudo o referido se mandou informar ao Tenente de mestre de Campo General
Francisco Pimentel dando seu parecer, por haver servido nas Províncias da Beira e
Alentejo; e respondeu que o suplicante Pedro Gomes Chaves fizera com ele a
campanha em que foram a Salvaterra a primavera do ano passado, por Ajudante
engenheiro e em todo o tempo que andara na dita campanha, reconhecera nele muito
préstimo e valor e, por esta causa [...]. Ao Conselho parece o mesmo que ao Tenente
de Mestre de Campo General Francisco Pimentel. Lisboa, 5 de março de 1706.
(ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, Maço 65. Solicitação de
Pedro Gomes Chaves do posto de capitão-engenheiro).

Sepúlveda faz um apontamento, mas que se limita a informar que foi lente e depois foi substituído por José
Sanches da Silva.
73
ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, Maço 64.
74
ANTT, Decretos remetidos ao Conselho de Guerra, Maço 62, Nº 11. A ordem do Conselho é de 13 de
fevereiro de 1703.
79

O fato de nesse documento a referência a Francisco Pimentel não suscitar a função de


lente, talvez possa indicar que Azevedo Fortes, quando passou o cargo de substituto a
Domingos Vieira, assumiu o de lente proprietário, o que pode ter se dado antes da morte do
Francisco Pimentel. Como sempre ocorreu, quem mais trabalhou na Academia foram os
substitutos.
Nesse período, Fortes servia no Alentejo, conforme uma Consulta75 em que pedia
licença para vir à corte, por se encontrar ferido. Entre 1707 e 1709, há alguns poucos
pareceres sobre nomeações elaborados por Domingos Vieira. Vários deles são indicações de
Manoel Pimentel, irmão de Francisco Pimentel, como o exemplo seguinte, que se refere a
uma petição de Manoel da Maia:
[...] Informando sobre a petição referida o cosmógrafo-mor Manoel Pimentel. Disse
que tudo quanto o capitão Manoel da Maia alega na sua petição além de constar
pelos documentos juntos lhe consta também parte pelo ver, e parte pela notícia que
do seu préstimo lhe dava Francsico Pimentel, Lente que foi da Aula da Fortificação,
e ultimamente [...] (ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, de 3 de
fevereiro de 1710. Maço 69).

A primeira vez que volta a aparecer nas Consultas algum documento que tenha
informação de lente é como fica explícito no trecho seguinte, sobre Manoel de Torres Frazão,
que havia sido nomeado ajudante engenheiro em 170476, solicitando o posto de sargento-mor.
Tem a informação de que é pobre e que só tem para sustentar a familia o soldo de 8 mil réis.
Na carta que resume seu currículo, tem a informação de que “[...] da f.13 do Lente da Aulla q
emtaõ hera M.el de Az.do Fortis constaõ sahir no Ex.to em 8 de out.ro de 707 e hir reconhecer a
praça de Moura q estava prezediada do Enemigo; [...]”77 (ANTT, Consulta do Conselho de
Guerra, de 23 de agosto de 1710. Maço 69 A. Grifos como no original). A informação dessa
consulta, apesar de sutil, deixa claro que, em algum dos anos compreendidos entre 1707 e
1710, ou neles próprios, Azevedo Fortes deu informações como lente da “Aula”.
Em 1709, há uma Consulta em que Fortes pede licença para vir à corte e estava no
cargo de governador de Castelo de Vide e, intrinsecamente ao cargo, estava a incumbência de
não se afastar do local. Isso indica que não era ele quem dava as aulas, apesar de possuir o
cargo de proprietário, conforme assinala a citação anterior.

75
ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, de 4 de Maio de 1706, Maço 64 A.
76
ANTT, Decretos remetidos ao Conselho de Guerra, Maço 63, Nº 76. A ordem do Conselho é de 18 de
setembro de 1704.
77
Na grafia atual:”[...] da f.13 do Lente da Aula que então era Manoel de Azevedo Fortes constam sair no
Exército em 8 de outubro de 1707 e ir reconhecer a praça de Moura que estava presidiada do inimigo; [...]”.
80

No ano de 1710, ainda há vários outros documentos assinados por Domingos Vieira,
como lente, apesar de em nenhum momento ele se autodenominar assim. São os conselheiros
do Conselho de Guerra que se referem a ele dessa forma:
Diz Francisco Duarte Carvalho Ajudante do Regimento do Conde de Vinhão e
discípulo numerário da Aula régia da fortificação com quase cinco anos de exercício
e quase três de partido assistindo na tal com todo o cuidado e aplicação. Que ele
suplicantee tem notícia que Vossa Majestade provê engenheiros para a província do
Alentejo e porque na dita Aula senão acha outro mais antigo e com a suficiência que
pode informar o Lente Domingos Vieira [...] (ANTT, Consulta do Conselho
de Guerra, março de 1710. Maço 69 B).

Quando Francisco Pimentel deixa de ser o lente proprietário da “Aula” e Fortes deixa
de ser substituto e se Domingos Vieira foi por algum momento lente proprietário não é
possível determinar com rigor. Mas torna-se mais evidente que a partir de 1709 era Azevedo
Fortes o lente proprietário e Domingos Vieira o substituto. Há uma consulta78 de 1711, em
que Joseph da Silva Amado solicita o posto de capitão de Infantaria com exercício de
engenheiro, na qual há pareceres de Fortes como lente proprietário e do Domingos Vieira
como substituto e, ainda, assinala Manoel Pimentel como cosmógrafo-mor.
De 1711 até 1713 não há mais dúvidas de que Fortes era mesmo o proprietário da
cadeira da Academia Militar. Há vários documentos que suscitam isso, principalmente, alguns
que relatam controvérsias entre Domingos Vieira e alguns alunos, especialmente os mais
antigos, como descreve a citação seguinte.
Diz Christovão Miz’ Figr.a discipulo da Aula de Fortificação há 7 anos e partidista
há 5, que sendo o mais antigo discipulo da Aula pois o foi do Lente Manoel de
Azevedo Fortes e pondosse capaz de servir a V. Mag.de como consta da certidão
inclusa, no discurso de tantos anos não tem entrado em postos algum do serviço de
V. Mag.de por causa do substituto da Aula Domingos Vieira lhe ter averção que se
pode afirmar como odio pela [rizão] que mostra aos discipulos do proprietario
Manoel de Azevedo Fortes e só pela dita causa se ausentaram dous condiscipulos
do suplicante deste reino para os estados de Flandes a servir para engenheiro e pelo
suplicante temer contrarias informações da sua suficiencia, que por sem duvida farão
o dito substituto, requerce a Junta dos tres estados o mandasse examinar e aprovar
para o serviço de V. Mag.de perante a mesma junta e onde foi aprovado pelos seus
examinadores o Coronel Engenheiro Manoel Pinto de Vila Lobos e o Padre Mestre
da Matemática Ignacio Vieira e se lhe mandou passar certidão inclusa que serve de
mostração da sua capacidade em ord.m a se ter por suspeitosa alguma má informação
do dito substituto da Aula e porque agora quer servir a V Mag.de no exercicio de
engenheiro na provincia do Alentejo essa é a causa pelo que.
Para a V Mag.de lhe faça mercê a vista de seu exame que fes a suspeição do
substituto da Aula admitido por engenheiro em a provincia declarada e com o posto
que V. Mag.de for servido. (ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, 26 de
abril de 1712. Maço 71 A. Destaques da autora. Grafia como no
original).

78
ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, de 7 de janeiro de 1711, Maço 70.
81

Encontram nas Consultas do Conselho de Guerra documentos de pelo menos cinco


discípulos da Academia Militar que sofreram com a implicância do Domingos Vieira, quando
das suas primeiras nomeações. Foram eles: Cristovão Martins Figueira, como citado, Diogo
Lopes Sepulveda, que foi servir em Flandes, provavelmente o primeiro que sofreu da dita
implicância, pois serviu de exemplo para que outros pedissem para não serem avaliados por
Domingos Vieira, Luis Xavier Bernardo, do qual já se tratou no item 4.1.3, Joseph da Silva
Amado e Pedro Gomes de Figueiredo, que era ajudante de Azevedo Fortes na Praça de
Castelo de Vide.
Talvez seja esse um dos motivos que façam Domingos Vieira ser esquecido no quadro
dos engenheiros militares que exerceram função de professor. Considre-se também que o
tempo que passou à frente da Academia Militar da corte, não foi pequeno. Em Consulta de 24
de março de 1713, ele é citado como “Domingos Vieira que serve de Lente na aula real das
fortificações desta corte, por Vossa Majestade que Deus guarde.” (ANTT, Consultas do
Conselho de Guerra, Maço 72). Ao considerar o ano de 1705 como do início das suas
atividades, ano em que se encontra a primeira menção das suas funções de lente, terão se
passado oito anos até o de 1713, último em que são encontrados referências às suas
atividades.
Desse ano em diante, os documentos das consultas a que se referissem a nomeações ou
soldos de engenheiros rarearam-se muito. No ano de 1716 não há nenhum documento que
disso trate. Mas mesmo os poucos que tinham como temática as atividades dos engenheiros
militares não eram sobre novas nomeações e não consta parecer de nenhum lente. A exceção
está no documento pelo qual Antonio Joseph de Brito solicita o posto de ajudante-engenheiro
para as fortificações do Reino do Algarve. Era discípulo da Academia Militar e nessa
Consulta79 há informação de que havia certidão de dois lentes de Matemática, atestando sua
“suficiência”. Isso é um indicativo de que a situação da formação dos engenheiros militares
não ia bem, visto a necessidade de que professores externos à Academia tivessem que
examinar um discípulo dela. Provavelmente, os examinadores foram padres jesuítas do
Colégio de Santo Antão.
Por tudo isso e, mesmo antes de tornar-se o engenheiro-mor do reino, Fortes foi sim o
lente proprietário, embora nem sempre fosse quem ensinava aos alunos. Não dá para provar,
mas suspeita-se que ao deixar de ser substituto, por volta de 1704, tenha já passado ao cargo
de lente. Também não fica claro como foram as atividades de formação de engenheiros

79
ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, 22 de Julho de 1717, Maço 76C.
82

militares entre os anos de 1713 e o de 1719, nem se Fortes era mesmo o lente proprietário da
cadeira, pois os documentos existentes hoje guardam silêncio a esse respeito.
A resolução que nomeou Fortes para engenheiro-mor deu-se em 23 de setembro de
1719 e a carta patente foi assinada em 18 de outubro de 171980. A nomeação de um substituto
ao cargo de governador de Castelo de Vide ocorreu em 22 de março de 1720, embora o
processo tenha se iniciado em fevereiro desse ano81. Mas se considerar que a ocupação do
cargo de governador era incompatível com as atividades de lente na Academia da corte é
provável que se as aulas tenham continuado e se Domingos Vieira não era o substituto, então
devia haver outro substituto.
E foram pelo menos dois os ex-alunos da Academia Militar examinados para exercer a
função de substituir Domingos Vieira. Um deles foi Nicolau de Abreu Carvalho. Esse
engenheiro passou boa parte da sua vida profissional no Brasil, na Capitania da Bahia, onde
também foi responsável por ensinar os alunos da Aula da Bahia. Entrou para a Academia da
corte em 1706, onde estudou cerca de onze anos. Depois, como não foi nomeado engenheiro
rapidamente, continuou ligado à Academia Militar em um dos partidos, para ter um salário
“[...] e nesse tempo foi examinado e aprovado na mesma junta pelo Engenheiro-mor do Reino
e Coronel Joseph da Silva Paes, para poder ler na mesma Academia nos impedimentos do
Domingos Vieira Lente dela, como consta [...]” (AHU_ACL_CU_005, Cx. 25, D. 2245)82.
Não há, porém, qualquer informação de que tenha exercido essa função de fato.
Outro ex-aluno examinado foi José Sanches da Silva. Era aluno da Academia desde
1706, com partido desde 1713, mas também foi aluno da Aula de Matemática do Colégio da
Companhia de Jesus, onde prestou exame em 1716, como já se mostrou no item 4.1.3. Ele foi
examinado83 para substituir na Academia Militar na falta de Domingos Vieira, segundo
informações da carta patente que o nomeou capitão de infantaria com exercício de engenheiro
em 1729, além do que deveria “ensinar em Aula pública os fogos artificiais, assim militares,
para mar e terra, como festivos, a Arte de deitar bombas, Artilharia e outras matérias anexas a
matemática [...]” (ANTT, Registro do Conselho de Guerra 1728-1731, Livro 74, f. 54).
Já no documento da Consulta de 23 de dezembro de 1732, em que José Sanches da
Silva pede o posto de sargento-mor, está registrado que “[...] serviu mais de um ano em
substituir a Academia nos impedimentos do Engenheiro-mor [...] com a mesma obrigação de

80
ANTT, Livro de Registro do Conselho de Guerra, Livro 69, f. 200-200v.
81
ANTT, Livro de Registro do Conselho de Guerra, Livro 69, f. 261v.
82
Requerimento de Nicolau de Abreu Carvalho, anterior a 1726, solicitando o posto de sargento-mor de
infantaria com exercício de engenheiro da cidade da Bahia.
83
“Na Junta dos Tres Estados p.os lentes da Mathematica, o Engenhr.o mor, Joseph da Sylva Paes e o P.e da
Comp.a” (ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, de 23 de dezembro de 1732, Maço 91B).
83

ensinar em aula pública os fogos artificiais, assim militares, como festivos que com o posto de
Capitão tem” (ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, de 23 de dezembro de 1732, Maço
91B ). Mas, como essas informações não vêm acompanhadas de datas que deixem claro
quando exerceu essa função de substituto, se ainda antes de 1720 ou só depois, pode-se
apenas levantar hipóteses. Se o exame para ser substituto da Academia se deu antes de 1720,
provavelmente foi para exercer o papel que tinha feito Domingos Vieira, num período que
Fortes ainda não se encontrava na corte. Então substituía o engenheiro-mor, que ainda não era
engenheiro-mor, mas era o lente proprietário, que não podia estar na corte. Mas, mesmo já
tendo sido aprovado nesses exames, José Sanches da Silva, certamente continuava
freqüentando a Academia Militar, pois seu nome aparece como discípulo da Academia em
1724.
O certo é que José Sanches da Silva, pelo menos a partir de 1728, exerceu atividades
de lente de uma parte específica da formação do engenheiro militar: a Artilharia.
Nos anos em que Fortes esteve governador em Castelo de Vide, alguns dos quais
como lente proprietário da Academia, ou talvez todos, quase não emitiu parecer sobre
nomeações ou acréscimo de soldo. Nos documentos do Conselho de Guerra, nomeadamente
nas Consultas, essa atividade só vai tornar-se constante depois do ano de 1723.
Diferentemente, Francisco Pimentel, no período em que era o lente proprietário, emitia muitos
pareceres, mesmo não sendo engenheiro-mor, e o mesmo acontecia com Domingos Vieira,
que de 1705 até 1713 emitiu muitos pareceres, como consta nas Consultas do Conselho de
Guerra.
Aos poucos vai ficando claro que nos anos vinte do oitocentos era Fortes quem se
encarregava das aulas aos alunos da Academia Militar. É nessa década que publica O
Engenheiro Português (1728/29) e, conforme registrado no prólogo, o texto servia como base
de um curso aos discípulos da Academia Militar. Se antes de publicado já era assim,
certamente continuou daí por diante sendo utilizado por seus discípulos e por quem depois foi
responsável pelas aulas da Academia.
Começa a ficar claro, também, que mesmo no período em que foi lente da Academia e
já engenheiro-mor, Fortes, mesmo sabendo muito de Matemática e consciente da formação
que estabelecia para os engenheiros, em todos os âmbitos, inclusive na campanha, não deveria
ter habilidades em todos os campos necessários à formação que previa. Um deles devia ser a
técnica do desenho, embora tenha elaborado o Tratado do modo mais fácil e mais exato de
fazer as cartas geográficas, em 1722, que além das medições no terreno ensinava também a
fazer as cartas no papel. Isso não quer dizer que ele não soubesse das técnicas, mas diante de
84

tantas incumbências, ter alguém com qualidade para dividir as funções parece ser mesmo
necessário.
Além das aulas ligadas à Artilharia, de José Sanches da Silva, na carta patente de
nomeação de João Alexandre Chermont de tenente-coronel de infantaria com exercício de
engenheiro, está a informação que ensinava aos alunos da Academia Militar a ciência do
desenho. Na Consulta que origina o decreto transcrito em partes, a seguir, há a informação de
que teve parecer do engenheiro-mor do reino. O oficial francês exerceu o posto de sargento-
mor-engenheiro desde 1722 e, interpoladamente, por ser bom desenhista, ensinava este ofício
aos alunos da Academia Militar.
[...] Ei por bem e me pras de o nomear por Tenente Coronel de Infantaria para com
este posto, e soldo que a ele compete continuar no exercício de engenheiro enquanto
eu houver por bem com declaração que há de continuar com Lições efetivas do
desenho aos Praticantes da Academia Militar nos dias e tempos que lhe forem
assinalados pelo engenheiro-mor do Reino, e que faltando a sua obrigação lhe serão
detidos os seus soldos; e gozará de todas as honras [...]. Dada na Cidade de Lisboa
Ocidental aos quatorze dias do mês de Julho do ano do Nascimento de Nosso Senhor
Jesus Cristo de mil setecentos vinte e oito [...] (ANTT, Registro do Conselho
de Guerra, Livro 73, f. 233).

Outro discípulo de Fortes que também teve um papel importante na formação dos
engenheiros militares foi Felipe Rodrigues de Oliveira. Ele é um dos discípulos que aparece
numa lista84 do ano de 1724. Na carta patente que o nomeou ajudante em 4 de março de 1728
está registrado que estava como discípulo há doze anos e com partido há dez anos, o que
possibilita afirmar que, desde 1716, era aluno da Academia Militar e partidista desde 1718 e
“que além de não ignorar nada de especulação necessária, tinha adquirido bastante prática de
tirar plantas e cartas topográficas havendo assistido a todas que no referido tempo se fizeram
por ordem minha [...]” (ANTT, Livro de Registro do Conselho de Guerra, Livro 73, f. 183v).
Mas a consulta de nomeação para o posto de capitão corrige essas informações e informa
exatamente que começou
[...] no exercício de discípulo da Academia Militar das Fortificações em doze de
Abril de mil setecentos e dezessete e fora provido em um partido da dita Academia
em dezessete de Maio de mil setecentos e dezoito em o qual continuara até três de
Março de mil setecentos e vinte oito em que fora provido no posto de Ajudante e
com tal cuidado se aplicara à doutrina militar que o nomeara o Engenheiro-mor do
Reino para substituir as Lições da mesma Academia em doze de outubro de mil
setecentos e vinte e sete com o qual exercício existia até o presente [...] (ANTT,
Consultas do Conselho de Guerra, de 9 de junho de 1734, Maço 93.
Grifo da autorao).

Embora “ditasse e explicasse” as lições na Academia Militar desde 1727, a


confirmação da nomeação só se deu em três de março de 1731. É ele então quem, nessa
84
A ser tratada no próximo item desta seção.
85

época, fica de substituto de Azevedo Fortes na Academia Militar. Para essa nomeação fora
examinado e:
Pelas Certidões dos Padres da Companhia e do Brigadeiro João Massé, constava ter
respondido as perguntas que lhe fizeram na Geometria especulativa, e prática,
Arquitetura militar, ofensa e defensa as praças na Sala da Junta dos Três Estados
perante os deputados dela com muita satisfação dos ditos examinadores; e pela sua
capacidade o nomeara o Engenheiro-mor com aprovação da mesma Junta para que
nos seus impedimentos continuasse as Lições da Academia Militar ditando, e
explicando as postilas, o que tinha feito há mais de quatro anos, com bom
aproveitamento dos discípulos, e gênio particular para aquele ministério. [...] Lisboa
Ocidental, nove de Junho de mil setecentos e trinta e quatro (ANTT, Consultas
do Conselho de Guerra, de 9 de junho de 1734, Maço 93).

As informações do documento seguinte vão mais longe e fornecem elementos mais


precisos sobre o funcionamento da Academia Militar e da relação entre Fortes e Felipe
Rodrigues de Oliveira.
Fez petição por este conselho a Vossa Majestade Felipe Rodrigues de Oliveira
Sargento-Mor da infantaria com exercício de Engenheiro da Praça de Peniche, e
Lente substituto da Academia Militar da Corte [...] por se achar o suplicante há mais
de trinta e um anos exercitando atualmente não só o lugar de substituto, mas o de
Lente há vinte e dois anos, em tanto que depois que exercitou este lugar de Lente,
nunca mais o Engenheiro-Mor o servio, como tudo é constante a Vossa Majestade
pela dita consulta, o que acresce o ser falecido o mesmo Engenheiro-Mor, ficando o
suplicante no exercício de Lente, como foi Vossa Majestade servido diferir a todos
os seus antecessores. Pretende neste termos o suplicante se lhe declare o ordenado
de Lente, como tiveram os seus antecessores pelo trabalho dela, pois se os mais
oficiais Engenheiros com pouco ou nenhum trabalho tem sido deferidos com
acrescentamentos de postos, como foi o Coronel Joaõ Alexandre de Chermon,
Federico de Wrinthot, Paulo Farinha Lopes, e Dionisio de Castro, vencendo este
último dez mil réis por mês, e o aluguel de casas cada ano por estar lendo artilharia
na Província do Alentejo, com muita mais razão requer o suplicante o dito ordenado,
porque não só logra a vantagem de maior posto, mas vive na Corte aonde se fazem
maiores despesas [...]. Lisboa três de Julho de mil setecentos quarenta e nove anos.
(ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, Maço 108A).

O parecer do Marquês de Marialva, ainda de agosto de 1748, época em que


tramitavam os papéis de solicitação de acréscimo de posto de Felipe Rodrigues, de capitão
para sargento-mor, cujo decreto saiu só em janeiro de 1749, embora sem a declaração do
soldo também de lente substituto, é muito preciso. Apesar de algumas das suas informações
estarem repetidas no documento citado anteriormente, ele informa que Felipe Rodrigues
estava há vinte e um anos ocupando não só o lugar de substituto, mas o do lente proprietário,
porque, devido ao seu cuidado e capacidade, o engenheiro-mor nunca mais tinha exercido tal
função. E que “não poupa trabalho afim do adiantamento dos Praticantes, em tanto que depois
de lhes ensinar toda a especulação necessária, os faz exercitar no campo, e por isso no
referido tempo pôs capazes muitos sujeitos [...]” (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra,
Maço 108A).
86

Responsável pela formação de várias gerações de engenheiros, Felipe Rodrigues só se


aposentou em 1779, tendo prestado serviços à coroa por mais de 61 anos, sendo destes, 9 anos
como discípulo e mais de 52 ditando as lições da Academia Militar, além de outras funções
mais passageiras. Apesar de não ter sido nomeado ao cargo de engenheiro-mor foi, por vezes,
quem fez o papel dele:
[...] satisfazendo também a obrigação do Engenheiro-Mor Manoel da Maia no
legítimo impedimento das suas moléstias, e por sua morte até o tempo em que foi
nomeado Engenheiro-Mor o Marechal de Belasco e, na falta deste serviu até se
prover o dito lugar de Engenheiro-Mor em Gonçalo Lourenço, que atualmente o
exercita (ANTT, Ministério do Reino – Decretamentos de Serviços,
Maço 101, nº37).

Francisco Xavier do Rego, que foi aluno da Academia Militar, ajudante-engenheiro


desde 1734 na Província de Trás-os Montes e depois na corte, também ocupou funções de
professor, como destaca o trecho seguinte:
Diz Francisco Xavier do Rego que ele serve a Vossa Majestade há dezesseis anos no
Posto de Ajudante-Engenheiro assim na Província de Trás os Montes [...] e nesta
corte onde há dez anos que continua a ensinar a navegação na Aula da Ribeira das
Naus sem por isso deixar de ir às diligências a que é mandado, e porque, como
também a de Sesimbra necessita de um engenheiro que possa assistir às suas
reparações. [...] lhe faça mercê de honrar com o posto de Capitão de Infantaria com
exercício de engenheiro, atendendo aos anos de serviço do Suplicante. (ANTT,
Consultas do Conselho de Guerra, Maço 107H, de 18 de novembro de
1748).

Anexo a essa consulta há o parecer de Fortes, datado de 24 de setembro de 1748. É o


último documento, nos maços das Consultas do Conselho de Guerra, assinado por Fortes
antes da sua morte. Pode não ser o último que emitiu, visto terem sido encontrados, em sua
casa, quando da sua morte, documentos do engenheiro Pedro Gomes de Figueiredo, que
estava na Colônia do Sacramento – Brasil, sobre os quais Fortes devia emitir parecer. A Santa
Casa de Misericórdia, instituição para a qual ficaram todos os bens de Fortes, assim que
tomou posse desses bens, recolheu-os todos, incluindo documentos85 de particulares.
Certamente foi Felipe Rodrigues quem trabalhou muito na Academia nos anos trinta,
visto vários documentos que atestam estar Azevedo Fortes empenhado nas obras das
fortificações das províncias do Alentejo e da Beira. Mesmo assim, como engenheiro-mor,
ainda elabora muitos pareceres sobre soldos, construções e orçamentos, para o reino, mas
também para as colônias. E ainda tinha a atividade de fazer plantas das obras de fortificações,
acompanhado de ajudantes-engenheiros, como foi o caso de Francisco de Barros na planta da
Praça de Zibreira e de José Fernandes Pinto Alpoim, já capitão-engenheiro, na de Almeida.

85
A filha de Pedro Gomes de Figueiredo montou um processo para que a Misericórdia devolvesse os documentos
de seu pai. Não se tem conhecimento, mas pode ter havido outros casos semelhantes.
87

Com tantas atribuições que tinha na corte e nas províncias, é de se imaginar que fosse
complicado que ele minitrasse aulas e, encontrando um substituto à altura, Felipe Rodrigues,
neste depositou sua confiança. Mas a matéria ditada, se não tinha sua supervisão direta, era a
repetição das suas lições.
A seguir, explicita-se um rol de alunos da Academia Militar no período em que
Azevedo Fortes foi engenheiro-mor.

4.3 – Os alunos da Academia Militar depois de 1720

Optou-se, por destacar os alunos que a Academia teve depois de 1720, por ser um ano
que marcou significativamente a Academia Militar. É em 1719 que Azevedo Fortes tornou-se
o engenheiro-mor do reino, cargo que havia ficado vago desde a morte de Serrão Pimentel. E
ocupando esse cargo, em 1720, Fortes publicou a Representação, texto em que indicou as
mudanças que pregava para a Academia Militar.
Além disso, uma quantidade significativa de nomes de alunos que frequentaram a
Academia nas duas primeiras décadas de 1700 foi, aos poucos, sendo introduzida nos itens
anteriores, e ainda serão, especialmente, quando se tratar dos engenheiros que vieram para o
Brasil. Ao indicar alguns nomes de engenheiros militares, tem-se como objetivo apenas
ilustrar a relação entre professores e alunos em seu devido tempo. Por nenhum momento há
intenção de enumerar todos os alunos que passaram pela Academia Militar.
Mas, se as aulas da Academia tomavam um rumo novo, angustiante devia ser para
Fortes, já engenheiro-mor, não poder nomear nenhum ajudante-engenheiro. Pois é isso que
mostram os documentos do Conselho de Guerra. Não há qualquer decreto nomeando
ajudantes até o ano de 1725, que é quando consta a nomeação de João Antônio de Tavora86.
Daí em diante, a nomeação de ajudantes engenheiros que aparece é já de dois discípulos que
constam em uma lista do ano de 1724, existente na Biblioteca da Ajuda87. Esta foi a única
relação de discípulos que foi possível encontrar, somada ao documento, citado a seguir, com
nomes de engenheiros e discípulos da Academia no ano de 1707, localizado no processo de
10 de abril de 1707, em que o lente Domingos Vieira deveria indicar discípulos da Academia
Militar e engenheiros que se encontrassem na corte, que estivessem aptos para serem
nomeados engenheiros para diversas províncias.

86
ANTT, Registro do Conselho de Guerra, Consulta de 11 de junho de 1725. Livro 72, f. 116v.
87
Manuscrito, Códice 54-XI-40, Nº. 209. 1724... LISTAS - “Discípulos da Academia Militares”, f. 14.
88

Lista dos Engenheiros e discípulos da Aula:


João de Macedo que veio de Mazagão onde foi Capitão.
Joseph Pinheiro – Sargento-mor. – tem de soldo 8$s (Significa 8 mil reis)
Capitão Manoel da Maia – tem de soldo 10$s
Manoel Gomes Rosa
são capazes de ser Ajudantes
João Gomes Rosa
Henrique de Gouvea. É de Lisboa e opositor ao posto de Ajudante no Porto.
Domingos Alves de Barros. Da Beira
Manoel Torres. Ajudante da ordenança do Terço de São Jorge (ANTT, Consulta
do Conselho de Guerra, de 10 de abril de 1707, Maço 66A.
Disposição como a do original).

Como o objetivo da lista é levantar os nomes de todos os que possam ser nomeados
para outras províncias, aparecem nomes de engenheiros que já tinham postos mais
expressivos, como é o caso de Manoel da Maia, que em 1705 já havia pleiteado o posto de
capitão-engenheiro da corte88, além de já ter exercido muitas atividades no campo da
Engenharia Militar.
Pela importância que representa neste trabalho, indica-se, em forma de tabela, pela
ordem original, os nomes dos estudantes que compõem a lista de 1724.
“Decipulos da Academia Militares.
Jose Sanches. Leonardo Jose.
Pedro Ramalho. Carlos Varjam.
Manoel Lourenço. Felis Martins.
Joao Lobo de Lacerda. Domingos de Aguiar.
Felipe Rodrigues. Patricio Jose de Oliv.ra.
Jose Frz’. Pinto. Manoel Alveres de Gouvea.
Antonio Manoel. Francisco Xavier.”

Como não há informações sobre o fim a que a lista se destinava, nem o documento
apresenta um título que poderia ser mais completo, além de “Decipulos da Academia
Militares”, já que o ano referido consta apenas no catálogo da Biblioteca da Ajuda, não sendo
possível determinar por que o autor de tal catálogo indicou o ano de 1724, resta ainda mais
um pormenor: há outros alunos que frequentavam a Academia nessa época que não constam
nessa lista. Então, é provável que o fato de estar escrito “Academia Militares”, não quer dizer
que seja um erro gramatical de quem elaborou a lista, mas a indicação dos alunos da
Academia que pertenciam ao quadro dos militares, já que a Academia poderia ser também
frequentada por quem não fosse militar.

88
ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, de 5 de Maio de 1705, Maço 64 A.
89

Este é o caso de Paulo Farinha Lopes, nomeado ajudante-engenheiro no mesmo ano


que Felipe Rodrigues de Oliveira e Leonardo José Botelho, estes por despacho do Conselho
de Guerra de 4 de março de 1728. Já Lopes foi nomeado em 10 de junho. Ele é considerado o
melhor desenhista entre eles89, apesar de seu nome não constar na lista. Lopes frequentava a
Academia desde 1720 e, em 1724, passou a ter um dos partidos dela.
Paulo Farinha Lopes foi o principal responsável por fazer as estampas que
compunham os exemplares do O engenheiro Português. Tanto na consulta que os
conselheiros do Conselho de Guerra analisaram ou mesmo no registro da sua patente de
capitão, fica explícita a função que o discípulo exerceu “[...] expondo-se a gravar quase todo o
número de estampas de que são guarnecidas os Tomos do Engenheiro Português que postilou
com grande frequência e aproveitamento na Academia Militar desta Corte [...]” (ANTT,
Registro do Conselho de Guerra, Livro 76, f. 219v).
Não há dúvidas de que foi um exímio desenhista e que, entre seus contemporâneos, foi
quem acompanhou sempre o engenheiro-mor em suas visitas às províncias do reino, “e teve
sempre o encargo de Desenhador das plantas militares; e na última certidão do mesmo
Engenheiro-Mor consta o préstimo para que atribui ao Suplicante e da primeira consta o
grande trabalho que teve na planta das águas livres: da 2ª o trabalho que teve na planta da
Marinha destas Cidades [...]” (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, de 5 de junho de
1740, Maço 99A).
Já em documento de 173590, há informação que comprova ter sido examinado pelo
engenheiro-mor e estar apto para exercer função de lente em qualquer uma das Academias
criadas pelo real decreto de 1732. No entanto, não há informação de que tenha efetivamente
exercido essa função. Há um desabafo, em forma de queixa, de que o fato de ter sido
aprovado para exercer função de lente atrapalhou suas graduações em postos do Exército,
visto o engenheiro-mor o ter feito esperar “ficando preterido no posto de capitão a outros
oficiais que não tiveram aquela especial distinção” (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra,
de 8 de novembro de 1748, Maço 107H).
Outro discípulo que aparece na lista de 1724 é Pedro Ramalho. Na carta que o
nomeia por ajudante, em 1729, informa-se que era praticante da Academia há catorze anos,
então já desde 1715, o que é confirmado na carta patente de capitão, de 20 de outubro de

89
Decretos lavrados no Livro 73 do Registro do Conselho de Guerra, respectivamente às folhas 183v, 184 e
220v.
90
ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, Maço 99A, de 5 de Junho de 1740.
90

1734. Nela, além das informações sobre seu bom procedimento e atividades na corte, como já
citado no item 4.1.5, também se explicita que:
[...] serve a Vossa Majestade há dezenove anos [...] principiados em praticante do
número da Academia donde postilara todas as ciências Matemáticas pertencentes a
Arte militar em que fora examinado e aprovado na presença dos ministros da junta
do Três estados, pelo engenheiro-mor e mais coronéis engenheiros, e mestres de
Matemática desta corte, defendendo conclusões públicas, impressas na dita
faculdade por cujas razões fora Vossa Majestade servido fazer-lhe mercê do posto
de Ajudante engenheiro [...]. (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra,
Maço 93A, de 20 de outubro de 1734).

Pedro Ramalho também exerceu o ofício de aprendiz de arquitetura, o que mostra


como o trabalho com a arquitetura civil estava muito relacionado com o aprendizado obtido
na Academia Militar. “Dom João [...] faço saber aos que esta minha Carta virem que tendo
respeito a estar vago a propriedade de ofício de aprendiz de Arquitetura do Paço da Ribeira
desta Cidade que vagou por falecimento de Pedro Ramalho. Ei por bem e me pras fazer mercê
da dita propriedade a Antônio Carlos Andreis [...]” (ANTT, Chancelaria de D. João V, Livro
130, f.353v).
José Sanches da Silva, nome que também aparece na lista de 1724, foi outro que
exerceu o dito ofício “de aprendix de architectura dos Paços”. A carta de mercê da nomeação
é de 18 de setembro de 1729, quando ele já era capitão-engenheiro91, mas ele também exerceu
funções mais representativas, como a função de professor da Artilharia, já relatada (item 4.2).
Fica duvidoso o motivo da participação dele nessa lista, já que há informações anteriores ao
ano de 1724 que o colocam como aluno da Academia desde 1706 e também como aluno da
Aula de Matemática do Colégio da Companhia de Jesus, em que prestou exame em 1716,
além de ter sido examinado para substituir na Academia Militar.
Além de José Sanches, Felipe Rodrigues de Oliveira, já também bastante citado
neste trabalho, por ter sido durante muito tempo professor na Academia Militar, é mais um
dos nomes dessa lista de 1724.
Junto com a nomeação de ajudante-engenheiro de Felipe Rodrigues está a de
Leonardo José Botelho, outro dos alunos da lista. A sua patente de capitão foi a primeira a
ser aprovada em relação aos seus colegas Felipe Rodrigues e Paulo Farinha, com data de 10
de novembro de 1732, embora a Consulta com o pleito seja já de 30 de julho de 1731. Mas
essa antecipação tinha motivos financeiros:
servindo com o posto de Ajudante engenheiro nesta Província de Extremadura há 4
anos tendo-se exercitado antecedentemente nas Lições da Academia Militar pelo
decurso de 8 anos com boa aplicação para todas as matérias que nela se ditavam
assistindo a quase todas as plantas topográficas que no decurso do dito tempo se tem

91
ANTT, Chancelaria de D. João V, Livro 75, f.334v.
91

feito e de presente se acha ocupado com as destas cidades tendo não só o exercício
de ajustar mas também tirando muitas partes das configurações no terreno em que
tem experimentado excessivo trabalho a respeito das grandes distâncias a que
continuamente vai, como pelo embaraço grande que tem a dita planta, e porque se
acha com filhos e pobre, e não pode com o soldo de Ajudante sustentar-se e a sua
família comodamente [...]. (ANTT, Registro do Conselho de Guerra, Livro
75, f. 263-264).

A dificuldade financeira demonstrada nessa patente, e que se repete por várias outras,
indica que muitos dos alunos que frequentavam a Academia não provinham de famílias
abastadas. Pelas datas, vê-se que Leonardo José Botelho e Paulo Farinha Lopes entraram para
a Academia no ano de 1720.
Outro que também entrou por essa época foi Antonio Manoel, que em 1728 já contara
com partido da aula por quase sete anos. Ele foi nomeado para a Praça de Mazagão e mesmo
saindo diretamente da Academia, não teve o posto de ajudante, mas o de capitão, com soldo
de 10 mil réis por mês. Como já dito, quando era nomeado algum engenheiro para as colônias,
o posto que tinha era aumentado para o subsequente, no caso dele, passou de aluno a capitão.
Essa era uma das vantagens para os que aceitavam ir para as colônias e ao fim do tempo
mínimo obrigatório, seis anos, poderia voltar e continuaria com o mesmo posto no reino.
Dom João por graça de Deus Rei de Portugal & Faço saber aos que esta minha Carta
Patente virem que tendo respeito ao que se me representou por parte de Antônio
Manoel praticante da Academia Millitar das fortificações desta Corte em razão de se
haver perto de sete anos que se acha provido num dos partidos da dita Academia
pelo exame de capacidade que fez perante os Ministros da Junta dos Tres Estados. E
porque se há de prover o posto de Capitão de Infantaria com exercício de
Engenheiro da Praça de Mazagão na forma dos Editais que para isso se puseram e o
dito Antônio Manoel por se achar com capacidade para o exercício do dito posto se
oferecer para ir servir na dita praça por tempo de seis anos e voltando para este
Reino ficar conservando o mesmo posto de Capitão e soldo que nele logram os
mesmos capitães da sua profisssão. [...]. Dada nesta cidade de Lisboa ocidental a três
de Agosto do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1728. (ANTT,
Chancelaria de D. João V, Livro 73, f. 314).

Entre os que foram nomeados para as colônias, embora antes tenha servido como
ajudante no reino, está Carlos Varjão Rolim92. Já foi citada uma parte da sua carta de
nomeação de sargento-mor-engenheiro para o Maranhão, quando se tratou dos trabalhos
práticos das contruções (item 4.1.5). Essa carta patente tem data de 26 de abril de 1727. Antes
disso, porém, estava servindo de “Ajudante de Infantaria auxiliar no terço da Comarca de
Santarém e professor de Engenheiro, e doutrina militar de fortificações aprovado pelo
Engenheiro-mor do Reino e depois de seguir dele as matemáticas na Academia Militar desta
Corte que exercitou por espaço de quase três anos” (ANTT, Chancelaria de D. João V. Livro
69, f. 309v).
92
Em alguns documentos seu sobrenome aparece como Varejão.
92

Estava cotado para ir à Ilha da Madeira servir como “Capp.am de Infantaria com
exercicio de Engenheiro das fortificaçõens”, mas acabou mesmo por ir ao Maranhão.
Passaram-se, e muito, os seis anos obrigatórios de permanência no Brasil. Há notícias de suas
atividades ainda em 1745 e provavelmente nem tenha voltado à corte. Depois de alguns anos,
pediu para que seu posto estivesse atrelado ao Pará e não mais ao Maranhão, onde ele se fazia
mais preciso. Mesmo já tendo dado aulas em Santarém, a sua carta de nomeação não lhe
coloca a incumbência de dar aulas no Brasil, como foi comum com muitos nomeados para
outras capitanias brasileiras. Mesmo nos outros documentos já do período em que estava no
Brasil, não há indicativos de que tenha dado aulas no Maranhão ou em Belém.
Francisco Xavier é um dos nomes que conta da lista de 1724. Daí veio um impasse,
pois aparecem nos documentos dois engenheiros com esse nome, mas que se diferem no
segundo sobrenome. Um deles é Francisco Xavier do Rego e o outro Francisco Xavier Paes.
Porém, confrontando datas, considera-se que tenha sido Francisco Xavier do Rego.
Ele foi nomeado para a Província de Trás-os-Montes em 18 de agosto de 173393. Em
1735 solicitou o posto e o soldo de capitão, pois tencionava melhorar seu salário, como se vê
pelo parecer do Felipe Rodrigues, mas mesmo estando na província mais distante da corte e
com o apoio favorável do parecerista, teve que se contentar com o posto que já possuía, pois
em 1748 continuava a pleitear o posto de capitão, mas por essa época já se encontrava na
corte.
Ao suplicante Francisco Xavier do Rego examinei na profissão de Engenheiro nas
matérias de fortificação, Geometria prática e especulativa e a todas as perguntas que
por mim lhe foram feitas /nas materias referidas/ deu cabal satisfação delas e por ser
um oficial pobre e bem procedido, e com o limitado soldo de seis mil réis por mês,
que vence no posto de Ajudante não poder subsistir, recorre a Vossa Majestade para
que o honre com o posto de Capitão de que me parece digno. Vossa Majestade
mandará o que for servido. Lisboa Ocidental 13 de Abril de 1735. Felipe Rodrigues
de Oliveira. (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, de 25 de abril de
1735. Maço 94).

Outro aluno da Academia que é importante para este trabalho e que não figura na lista
de 1724 é Elias Sebastião Pope. Sua entrada para a Academia aconteceu no ano de 1724,
como pode ser deduzido dos dados da Consulta para obtenção da nomeação de capitão.
Diz Elias Sebastião Poppe Ajudante Engenheiro das Fortificações da corte e
Província da Estremadura que me serve a Vossa Majestade a mais de 24 anos,
exercitando o lugar de praticante da Academia Militar sem vencer o partido dela
perto de 4 anos, com partido 6 anos 5 meses e 26 dias, assistindo com esse exercício
a algum tempo nas reais obras de Mafra à ordem do superintendente delas, para
onde foi por ordem do seu General, e no posto de Ajudante 14 anos, 4 meses e 3 dias
e aplicando-se sempre a profissão de Engenheiro com grande cuidado e zelo do real
serviço foi nomeado por Portaria de Sua Magestade, medidor e avaliador assim das

93
ANTT, Registros do Conselho de Guerra, Livro 76, f. 55.
93

reais obras, de todas as que se mandassem medir pelos Tribunais desta Corte, que
com efeito tem medido muitas delas e, especialmente a Real obra de Mafra,
diligência em que se ocupou mais de um ano, empregando-se também no discurso
do tempo que tem servido em tirar várias plantas [...]. (ANTT, Consultas do
Conselho de Guerra, de maio de 1749, Maço 108).

Pelo que se vê, desde a nomeação em 14 de dezembro de 173394, ele passou muitos
anos no posto de ajudante-engenheiro na corte e Província de Estremadura, mas nesse
trabalho, as inúmeras obras que executou e acompanhou são menos significativas do que o
manuscrito que traz o seu nome e será discutido na sexta parte deste trabalho. Viveu até 1761.
João Roiz da Silva também foi aluno da Academia, mas entrou nela por volta de
1726, embora os dados da Consulta95 em que pede o posto de capitão para a Província do
Alentejo não sejam muito precisos “[...] no qual se exercita a perto de 15 anos com que teve
de discípulo da Academia Militar”. Também foi nomeado para realizar os trabalhos das
elaborações de plantas, como já citado (item 4.1.5). Sua nomeação de ajudante-engenheiro
para a Província do Alentejo é de 10 de dezembro de 173396.
O soldo correspondente a essa nomeação sofreu alterações, informação que veio com
as nomeações de vários outros engenheiros militares, como se verá na citação seguinte, que
indica outros alunos que passaram pela Academia Militar, provavelmente, iniciando seus
percursos ainda nos anos de 1720.
As nomeações de vários ajudantes-engenheiros estão anexas à carta patente de
Francisco de Barros, assinada em 3 de julho de 1736. Este tinha sido examinado e estava
apto para ser nomeado ajudante-engenheiro, mas não ficou especificado em qual Província
estaria lotado. E o mesmo aconteceu com alguns dos outros nomeados.
outra se passou a Eugenio dos Santos como a antecedente em tudo.
outra a Francisco Manoel de Azevedo da mesma forma
outra a Joseph Cardoso Ramalho na mesma forma, e sendo feita por Antônio de
Morais Rego
outra a Sebastião Ferreira de Freitas na mesma forma feita por Antônio de Morais
Rego
outra a Daniel Luiz de Souza na mesma forma, e sendo feita por Antônio de Morais
Rego
outra a Francisco Coelho Monis na mesma forma, e sendo feita por Antônio de
Morais Rego
outra a Sebastião Joseph da Silva na mesma forma, e sendo feita por Antônio de
Morais Rego

outra a Manoel de Sousa para Ajudante engenheiro na Província de Trás os Montes


feita por Manoel Duarte [Carrial] em 8 de Agosto de 1736. para ser pago a dez mil
réis por mês desde dia dois de junho de 1736 conforme o decreto do mesmo dia.

94
ANTT, Registros do Conselho de Guerra, Livro 76, f. 115v.
95
ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, 4 de junho de 1740, Maço 99A.
96
ANTT, Registros do Conselho de Guerra, Livro 76, f. 109v.
94

outra para D. Carlos Taboada Ajudante engenheiro da Beira por Luis de Morais
Rego em 16 de Agosto de 1736. para ser pago a dez mil réis por mês desde o dia
dois de junho do dito ano conforme o decreto do mesmo dia.
outra para Luiz Manoel de Azevedo Ajudante engenheiro na Província de Alentejo
feita por Manoel Duarte [Carrial] a treze de Agosto de 1736. Idem.
Joaõ Roiz da Silva da mesma forma feita por Luiz de Morais Rego aos [22] dias do
mês de Agosto de 1736. (ANTT, Registros do Conselho de Guerra, Livro
79, f. 117)

Manoel de Sousa, D. Carlos Taboada, Luiz Manoel de Azevedo e João Roiz da Silva
já tinham sido nomeados ajudantes-engenheiros em anos anteriores, mas tiveram suas cartas
patentes alteradas. Embora variando em alguns detalhes, a nomeação desses engenheiros nos
postos de ajudantes significa que estavam sendo nomeados vários alunos da Academia
Militar, o que indica que a formação nela recebida estava dando resultados.
Francisco de Barros esteve acompanhando o engenheiro-mor em praças do reino, e
tem seu nome ligado ao “Projecto para hua nova Praça de Guerra no citio da Villa de Zebreira
para cobrir a Beira Baixa97”, assinada no ano de 1737, em parceria com o coronel Antônio
Velho de Azevedo e com o capitão José Fernandes Pinto Alpoim, dirigida por Manoel de
Azevedo Fortes. Francisco de Barros também foi autor de uma planta da Praça de Monção98.

Fig. 12
97
Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar/Direção de Infraestruturas do Exército. Cota:
3013_2A_26A_38. Figura 12.
98
Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar/Direção de Infraestruturas do Exército. Cota:
3101_2_21_30.
95

Da lista de 1724, no entanto, ainda faltam alguns engenheiros para serem comentados.
Um deles, dos mais significativos deste trabalho, é José Fernandes Pinto Alpoim. Cabe aqui
um comentário sobre o registro dos nomes dos discípulos na lista. À exceção de Antonio
Manoel e de Pedro Ramalho, todos os outros tiveram suprimido um sobrenome, o que poderia
causar confusão, como no caso do Francisco Xavier.
José Fernandes Pinto Alpoim tem seu nome relacionado diretamente ao Brasil. Aliás,
dos engenheiros militares que vieram para o Brasil, seu nome é, sem dúvidas, o mais
lembrado. Isso se deve às inúmeras obras que realizou no campo das construções civis e
religiosas. Mas seus feitos como administrador e como demarcador de regiões, por conta do
Tratado de Madrid, são menos conhecidos, como também o seu percurso na corte.
Ele foi nomeado ajudante de Infantaria com exercício de engenheiro em 26 de
setembro de 173599 e, como capitão de Infantaria com exercício de engenheiro na Província
do Alentejo por carta patente de 3 de julho de 1736100, teve uma ascensão rápida. Embora haja
documentos que mostrem seus trabalhos como engenheiro já em 1729, como o trecho
seguinte de uma consulta referente às pretenções de Dionisio de Castro: “[...] Por carta do
Secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real de 20 de Julho de 1729 da parte de
Vossa Majestade lhe foi ordenado passasse a cidade do Porto, para ajudar ao Engenheiro José
Fernandes Pinto, que tinha a recomendação de fazer exata Planta do Rio, e Barra da mesma
cidade [...]”(ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, Maço 107H, de 4 de novembro de
1748). Isso pode explicar a rápida ascensão do posto de ajudante para capitão-engenheiro.
Alpoim acompanhou o engenheiro-mor em algumas praças do reino, especialmente na
Província da Beira. O projeto para elaboração de uma nova praça para a vila de Zibreira teve a
sua participação como visto, mas também foi quem riscou uma planta da Praça de Almeida
“[...] Com as obras interiores e exteriores addicionadas, e deliniadas pelo engenheiro-mor do
Reino Manoel de Azevedo Fortes. E riscada pelo Capitão José Fernandes Pinto Alpoym.
Anno de 1736”101.

99
ANTT, Registros do Conselho de Guerra, Livro 78, f. 159.
100
ANTT, Registros do Conselho de Guerra, Livro 79, f. 118v.
101
Nota indicada na própria planta. Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar/Direção de
Infraestruturas do Exército. Cota: 543-1-2-2. Figura 13.
96

Fig. 13

É natural que Azevedo Fortes não as riscasse, pois, por esses anos, ele já tinha cerca
de setenta e seis anos e, em documento de novembro de 1734, D. João V fez-lhe mercê de
poder usar de chancela para as suas assinaturas, conforme seu pedido, devido às dificuldades
causadas por encontrar-se com as mãos trêmulas102.
O envolvimento de Alpoim com Fortes foi indicado pelo próprio Alpoim nos seus
livros, como mostra a passagem do Exame de Artilheiros (1744). No destaque, uma citação do
autor afirmando a validade de um dado procedimento:
[...] eu fiz esta operação na Beira, em presença do meu Mestre, o grande
Engenheiro-Mor do Reino, Manoel de Azevedo Fortes, e do Brigadeiro Antônio
Monteiro de Almeida e Jacinto Lopes Tavares, que então governava a Praça de
Almeida no ano de 738; e este de 742, o fiz nesta Cidade do Rio de Janeiro em
presença do meu General Gomes Freire de Andrada e do meu doutíssimo Mestre de
Campo Andre Ribeiro Coutinho e de todos os mais oficiais desta Praça (ALPOIM,
1744, p.155).

Fortes foi também um dos censores da obra Exame de Artilheiros (1744), de José
Fernandes Pinto Alpoim. Coube a ele a autorização do poder temporal que foi concedida em
26 de novembro de 1743. A relação entre esses dois homens fora investigada com afínco,
especialmente, por Alpoim ter se dirigido ao Brasil. E essa relação será mais bem explorada
na sexta seção deste trabalho.

102
ANTT, Chancelaria de D. João V - Ofícios e Mercês, Liv. 87, fl. 23v.
97

Os outros nomes que aparecem na lista de 1724: Manoel Lourenço, João Lobo de
Lacerda, Felix Martins, Domingos de Aguiar, Patrício José e Manoel Alvares de Gouveia, não
foram localizados em nenhum dos fundos documentais por onde figuram os nomes dos
engenheiros, nem em nenhum dos dois trabalhos que apresentam relações de engenheiros que
serviram no reino português, que são História orgânica e política do exército português, de
Aires de Carvalho Sepúlveda e Dicionário histórico dos arquitectos, engenheiros e
constructores portugueses de Sousa Viterbo.
A indicação dos nomes dos alunos desse período ajuda a delimitar as pessoas que
estavam diretamente envolvidas com Azevedo Fortes nas campanhas, nas obras, e
especialmente, na Academia Militar, além de fornecer elementos para se entender a atuação
do engenheiro-mor no campo do ensino.
Na sequência, tratar-se-á do envolvimento do engenheiro-mor, Azevedo Fortes, na
reformulação do ensino na Academia Militar da corte e no estabelecimento de outras
Academias nas províncias do reino.

4.4 – Enfim: da Aula de Fortificação de Pimentel à Academia Militar de Fortes

Serrão Pimentel foi o principal responsável pela criação da Aula de Fortificação e


Arquitetura Militar, em 1647 e Manoel de Azevedo Fortes foi o reformador dessa Aula e o
responsável por instituir a Academia Militar. Essa é uma aposta. O motivo? Tenta-se explicar
com o que segue.
É em 1701 que D. Pedro II promulga o decreto de instituição de novas Aulas de
Fortificação no reino, argumentando ser conveniente que houvesse muitos engenheiros. E
pelo fato de “ser mais fácil aos homens o aplicarem-se a aprender nas suas terras, havendo a
isso consideração e também a que nas Províncias de Alentejo, Beira e Minho se acham
Manoel Mexias, e Jerônimo Velho, seu filho, Manoel Pinto de Vilalobos, e todos muito
capazes de dar doutrina muito proveitosa, hei por bem, que em cada uma das ditas províncias
haja quatro partidos de Aula [...]. Lisboa a vinte de Julho de mil setecentos e um”. (Decreto de
1701. Anexo A).
Nessas províncias estava muito claro quem deveria dar as aulas, o que não aconteceu
no decreto de 1732, que instituiu Academias Militares em Almeida e Elvas. Pelo decreto de
1732 se especifica que os lentes e os substitutos seriam indicados posteriormente, depois que
alguns engenheiros fossem avaliados.
98

Para as colônias haviam sido instituídas Aulas nos anos de 1696 na Bahia, 1699 no
Rio de Janeiro, Maranhão, Índia e Angola, em 1701 no Recife e em Belém em 1758. Para
Bueno (2000, p.49), a instituição dessas Aulas era parte de uma ampla política de ampliação
do quadro de engenheiros nacionais, encabeçada sucessivamente por D. Pedro II, D. João V e
Pombal.
O texto das cartas enviadas aos governadores de cada província ou vice-rei é muito
parecido um com os outros. Abaixo a carta que foi enviada ao vice-rei da Índia.
V. Rei da India. Amigo. Eu El Rei vos envio muito saudar. Por ser conveniente a
meu serviço: Hei por bem que neste Estado, em que há engenheiro, haja aula em que
ele possa ensinar a Fortificação; havendo nela três Discípulo de partido os quais
serão pessoas que tenham capacidade necessária para poder aprender. E para se
aceitarem: terão ao menos dezoito anos de idade os quais sendo soldados: se lhe dará
além do seu soldo, meio tostão por dia; e não o sendo vencerão só o dito meio
tostão. E todos os anos serão examinados: para se ver se se adiantam nos estudos; e
se tem gênio para eles porque quando não aproveitem pela incapacidade; serão logo
excluídos, e quando seja pela pouca aplicação, se lhes assignara tempo, para se ver o
que melhoram. E quando se não aproveitem nele, serão também despedidos. E
quando haja pessoas que voluntariamente queiram aprender sem partidos, serão
admitidos e ensinados; para que assim possa nessa mesma conquista haver
engenheiro e se evitem as despesas que se fazem com os que vão deste Reino, e as
faltas que fazem ao meu seviço, enquanto chegam só que se mandam depois dos
outros serem mortos. De que me pareceu avisar-vos; para que tenhais entendido a
resolução que fui servido tomar neste particular. E esta ordem mandareis registrar
nas partes necessárias: e fareis com que se faça pública; para que venha à noticia de
todos. Escrita em Lisboa a 15 de janeiro de 1699. Rey. Conde de Alvor. (BA,
Manuscrito 51-VII-25, f. 135).

Por essa carta fica bem clara a falta de engenheiro nas conquistas e a ação do poder
real em mudar esse quadro. Também justifica bem um aspecto já tratado neste trabalho sobre
a elevação do posto que os engenheiros da corte recebiam para passar às colônias – era uma
forma de incentivar quem se aventurasse a ir para elas, já que o ambiente era mais hostil e as
mortes mais constantes. Além disso, a ida de um engenheiro da corte para umas das colônias
era muito dispendiosa para a coroa, que além de pagar o soldo desde o dia em que o
engenheiro embarcava, ainda era responsável pelas suas despesas de viagem. Em alguns
casos, com o objetivo de povoar a colônia, pagava-se as despesas até para a família do
engenheiro.
Das Aulas que foram instituídas nas províncias do reino, a única que realmente se
sustentou foi a de Viana, na Província do Minho. As outras, como diz Azevedo Fortes na
Representação e depois confirmada em o O Engenheiro Português, não puderam ser
instituídas, devido à Guerra de Sucessão com a Espanha que passou a consumir todas as
forças disponíveis.
99

Na Índia, as palavras do vice-rei e capitão-general Conde de Alvor são da


impossibilidade do estabelecimento, “por quanto de presente não há aqui mais que um
engenheiro [...]; e este mal poderá ensinar o que não sabe”. Termina sua carta argumentando
que quando da corte for outro engenheiro capaz de ser mestre, o que ele já tinha solicitado
logo que assumiu o cargo de vice-rei, devido à morte de outro engenheiro que lá havia,
cessariam todos os inconvenientes e poderia dar execução à carta vinda do reino. Essa carta é
datada de 28 de dezembro de 1699.
Tiveram mais sorte as que foram instituídas no Brasil, pois, embora já acontecessem
aulas na Bahia, passou a haver aulas no Rio de Janeiro e em Pernambuco, como se poderá ver
melhor na seção seguinte deste trabalho.
Azevedo Fortes, já na posição de engenheiro-mor elaborou um documento que foi
enviado à Junta dos Três Estados e ao Conselho de Guerra e que também foi publicado com o
título: Representação a Sua Majestade sobre a forma e direção que devem ter os engenheiros
para melhor servirem neste reino e suas conquistas, em 1720. Com esse documento,
esperava-se não só alterar a conjuntura vivida na Aula que então formava os engenheiros
militares na corte, como também envolver o rei, nesta, que para ele era uma questão
primordial.
No documento, Fortes explica não só a situação na qual se encontrava a formação
desses engenheiros, como também elabora as alternativas para uma nova gestão dessa
formação103. Ele propôs basicamente o que depois legislou o decreto de 1732, além de
apresentar a situação que realmente o preocupava: a definição dos parâmetros da carreira do
engenheiro militar.
Mas é neste documento, a Representação, que, pela primeira vez, aparece a
denominação de Academia Militar, que até então recebia o título de Aula de Fortificação e
Arquitetura Militar. Certamente de sua formação fora de Portugal é que surgem essas ideias
de reforma.
Nos documentos de nomeações dos engenheiros, especialmente, quando se tratava da
primeira delas, a de ajudante, havia quase sempre uma informação que se referia à formação
inicial dessa pessoa, que então galgava postos superiores. As nomeações que aconteceram até
por volta de 1720 tinham como texto que dizia sobre a formação inicial “frequentou a Aula
desta Corte”, “era discípulo da Aula da Corte”. E, de 1720 em diante, esse texto, de maneira
geral, foi alterado e passou a ter frases do tipo: “discípulo da Academia Militar”, “frequentou
a Academia Militar desta Corte”.
103
Seu conteúdo discutiremos a seguir.
100

Em 1695, por exemplo, ano de regresso de Azevedo Fortes ao reino português, no


texto da carta patente que declara o aumento de soldo do sargento-mor-engenheiro Francisco
Pimentel, que era o reponsável pela Aula de Fortificação, há a informação de que tem “a
ocupaçaõ de ler a cadeira da Aulla de fortificaçaõ” (Registro do Conselho de Guerra, Livro
49, f. 148v-149. Alvará de acréscimo de soldo de 29 de agosto de 1695). Nesse trecho pode-se
verificar a denominação que a instituição recebia.
Já na carta patente de Carlos Varjão de 1727, tem-se que ele teve com o engenheiro-
mor aulas de Matemática “[...] e depois de seguir dele as matemáticas na Academia Militar
desta Corte que exercitou por espaço de quase três anos [...]” (ANTT, Chancelaria de D. João
V. Livro 69, f. 309v). Em 1727, cinco anos antes da publicação do decreto de 1732, a
instituição é tratada nos documentos como Academia Militar.
No decreto de 1701, como é de se esperar, não aparece a palavra Academia. Ao
estabelecer as regras para os que frequentarem, o número de partidos e o soldo correspondente
o texto limita-se a conter a palavra “Aula”. Azevedo Fortes, no texto da Representação
(1720), usa a palavra Academia para se referir às Aulas existentes na corte e no Minho,
decorrentes do decreto de 1701.
[...] e estando também certo não terá deixado de chegar à Real notícia de Vossa
Majestade o pouco fruto que se tem tirado da Aula, ou Academia de Fortificação
desta Corte, me pareceu mui conforme à minha obrigação, e ao zelo que sempre tive,
e terei do Real serviço de Vossa Majestade apontar o remédio, e a melhor forma em
que os sujeitos, que daqui por diante se aplicarem às Lições das Academias
Militares, se instruam e capacitem naquela ciência. (FORTES, 1720, p. 1).

Apesar de não explícita, parece que Fortes teve influência nesse decreto, embora
estivesse há pouco tempo no reino, mas era o professor substituto e tinha livre acesso ao rei.
Margarida Tavares da Conceição (2006, p.40) fez essa afirmação, visto o que escreveu: “Este
decreto, de 1732, tal como o anterior de 1701, talvez já de algum modo influenciado pela
presença de Azevedo Fortes na Aula de Fortificação aparecem repetidamente mencionados
nos seus textos”. Para ela, ainda antes da publicação de O Engenheiro Português, Azevedo
Fortes já tinha “empreendido os esforços necessários à reforma do curso da aula ou academia
militar, como entretanto passou a ser indistintamente nomeada” (2006, p.40). Esses esforços
ficaram registrados, especialmente, no texto da Representação.
Embora formalmente o decreto que cria as Academias Militares nas outras províncias
seja apenas de 1732, com a influência da Representação, a denominação Academia Militar
começa a predominar também nos textos de documentos oficiais, expedidos pelos Conselhos
de Guerra e Ultramarino, por exemplo.
101

Na Representação, Fortes deixa transparecer que conhecia em detalhes o


funcionamento das Academias Militares nas outras nações européias e a estrutura que
regimentava os engenheiros nos corpos do Exército. Terá Azevedo Fortes sido um militar nas
tropas francesas no período em que lá esteve?
Por que alterar o nome da instituição? Qual o status de “Academia Militar” que
superava o de “Aula de Fortificação”? O que os termos simplesmente dizem, qual a diferença
substancial?
Difícil responder a tudo isso. Na França, já existiam três academias: a Academia
Francesa, fundada em 1634, a Academia de Inscrições e Belas Letras, que foi fundada em
1663 e a Academia Real de Ciências da França, em 1666. É esta última que assessorava o
poder real sobre problemas técnicos. “Fonte de descoberta e riquezas para o reino, ela
(Academia de Real de Ciências) é o símbolo do progresso das ciências e das artes, logo, de
tudo que contribui para a felicidade da humanidade. Incumbido de decifrar os mistérios da
natureza, o erudito filósofo pode considerar-se um demiurgo” (BADINTER, 2007, p. 13).
Não há indícios de que Fortes tenha participado de qualquer reunião dessa Academia,
nem de que seu nome tenha aparecido diretamente ligado a qualquer dos intelectuais que dela
faziam parte, mas, vivente que foi da capital francesa, bem poderia ter acompanhado seu
funcionamento e tentado fazer funcionar na corte portuguesa uma instituição no mesmo estilo.
De qualquer forma, há diferenças substanciais: na Academia Militar portuguesa havia
atividades de ensino, enquanto, na francesa, eram reuniões entre intelectuais que já tinham o
mérito reconhecido. Não foi possível fazer um estudo sobre o funcionamento da Escola
Militar francesa, embora, provavelmente, tenha sido ela que serviu de modelo para a
portuguesa.
Em 1687, quando Newton publicou seu Principia mathematica philosophiae naturalis,
expondo a teoria da gravitação universal, a física cartesiana mal acabara de se instalar
solidamente em França. O país ainda tinha os filhos de Descartes, admiradores incondicionais
de seu método, de sua Física, senão de sua Metafísica, diz Badinter (2007, p.26). É nesse
burburinho de informações e teorias que estava inserido Azevedo Fortes. Pelo que representou
na corte portuguesa, é claro que não ficou indiferente ao que acontecia na francesa.
Fortes pode ser considerado um intelectual na corte portuguesa para a época, da
mesma forma que os eruditos franceses que participavam dessas Academias. Badinter (2007,
p.12) informa que até meados do século XVIII não havia distinção entre o homem de ciência
e o homem de letras. Eram os ‘eruditos’, ‘sinônimo de filósofos’, que conservaram, até a
década de 1750, o significado de homem do conhecimento. Fortes bem mostrou ser um
102

homem do conhecimento, exercitando seu domínio nas letras, por meio dos vários livros que
escreveu e expondo seus conhecimentos científicos, seja nos próprios livros, seja no trabalho
de campo com a engenharia das construções e das medições.
Homem de conhecimento e, como engenheiro-mor, responsável pela Academia
Militar, Fortes buscou alterar a formação que os engenheiros militares até então recebiam.
Empreendeu, como salienta Bernardo, um verdadeiro projeto pedagógico e mesmo cultural.
Embebido das idéias cartesianas e modernas, mas ao mesmo tempo assumindo uma postura
moderada, Azevedo Fortes, segundo Bernardo (2005, p.96), visava à formação profissional
dos engenheiros, mas também sentia a necessidade de cientificar às elites culturais. O seu
programa, poderia ser considerado um modelo geral de educação básica, numa sociedade
moderna. Para Bernardo:
O programa de Fortes revela-se, por conseguinte, também neste aspecto (modelo
geral de educação básica), constitutivamente, iluminista, não só por esta ou aquela
opção de conteúdo, ou por valorizar a racionalidade técnica ou científica, mas,
sobretudo, por idealizar numa mesma unidade formativa, ciência e acção. O alcance
profundamente educativo do programa que gizou supõe que a cultura deva ser o
principal agente da transformação pessoal e social, de tal forma que o exercício,
teórico e prático, da racionalidade é o caminho determinante para a liberdade.
(BERNARDO, 2005, p.96, parênteses da autora).

Os engenheiros militares reuniam as condições para serem os agentes da


transformação, especialmente, por representarem um equilíbrio entre o conhecimento e a
ação. No entanto, o diagnóstico que Fortes traça na Representação, logo após ter assumido o
cargo de engenheiro-mor, a respeito da formação que os engenheiros recebiam não é
animador. Havia poucos engenheiros qualificados no reino, mesmo depois da tentativa de D.
Pedro II, em 1701, da instituição de novas academias militares nas províncias do reino, das
quais não malogrou, apenas a do Minho. Além de que, o mérito da profissão estava em baixa.
“Isto me mostra a experiência de trinta anos a esta parte, em que tenho observado, que por
esta menos reputação se retirou desta Aula, ou Academia da Corte, um grande número de
sujeitos depois de adquirida suficiente capacidade; e fugindo do desprezo buscaram outro
modo de serviço na Infantaria ou em outros empregos na República” (FORTES, 1720, p. 5).
Porém, a profissão não era só digna e útil, mas era indispensável.
Ao longo do texto, Fortes formula algumas definições de engenheiro militar, das quais
a mais ampla foi citada no item 3.2 deste trabalho. E para que o engenheiro reunisse
conhecimento, disposição e experiência, pontos que considerava necessário para um bom
profissional, formula o que deve ser alterado. A começar por uma reforma geral do quadro
dos engenheiros, de modo a excluir os incapazes, mantendo os bons no serviço e valorizando-
103

os, com a possibilidade de subida de postos. Aposta na criação de academias militares nas
principais praças das províncias, que seriam regidas pelo que se dava na Academia da corte e
nelas lecionariam os engenheiros mais capazes, escolhidos pelo engenheiro-mor. Elas seriam
frequentadas não só pelos soldados particulares e pelos que se destinavam a engenheiros, com
partidos, mas também pelos oficiais dos regimentos, já que Azevedo Fortes pleiteava formar
um grande corpo de engenheiros, ligado ao conjunto maior da estrutura militar – os corpos da
Infantaria do Exército. Essas sugestões registradas por Fortes em 1720 se repetem no segundo
volume do O Engenheiro Português, em 1729:
Sendo presente a Sua Magestade a proposta, que lhe fiz sobre a forma, e
predicamento, que deviam ter os Engenheiros neste Reino [...], foi o dito Senhor
servido mandar lavrar um Decreto, pelo qual, além da Academia Militar da Corte, e
a da Praça de Viana na Província do Minho, manda estabelecer outras duas
Academias Militares, uma na Praça de Elvas Província do Alentejo, e outra na Praça
de Almeida, Província da Beira, nas quais há de haver Lentes, e Substitutos para
ensinarem nelas a Arte Militar [...], e este Decreto se acha na assinatura, donde
baixara qualquer dia (FORTES, 1729, p. 433-434).

De quando Fortes propõe as mudanças na Representação até quando efetivamente o


decreto real foi aprovado, foram quase treze anos. Mesmo depois disso, demorou para que as
coisas saíssem do papel. Do funcionamento dessas novas academias sabe-se pouco.
Dentre as academias que o decreto preconizava que deveria ser formada está a da
Província do Alentejo em Elvas. Sobre seu funcionamento não foi encontrada nenhuma
referência. Mas há referência à existência de aulas na cidade de Estremoz. Se houve aulas em
Elvas não foi posssível averiguar, mas o fato de haver aulas em Estremoz levanta suspeitas de
ter havido aulas em outras praças, além das indicadas no decreto real. Constatou-se que houve
aulas também no Algarve, embora o decreto não as estabelecesse.
Dionísio de Castro foi um dos mestres nomeados e estava encarregado de ensinar em
Estremoz. “[...] porque assim na profissão de engenheiro, como na ciência da artilharia é tão
profundo que por esta razão foi eleito para Mestre de uma, e outra profissão, e atualmente está
sendo mestre na Aula de Estremoz mostrando-se pelo progresso dos discípulos a capacidade
do Mestre [...]” (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra, Maço 107H, de 4 de novembro de
1748). As aulas em Estremoz, a do Algarve e a de Almeida indicam que o decreto, dessa vez,
foi aplicado.
Como já relatado (item 4.3), Paulo Farinha Lopes foi um dos engenheiros examinados
e que estava apto para exercer funções de lente em qualquer das províncias. José Fernandes
Pinto Alpoim também deu aulas em Almeida.
104

A diferença de Dionísio de Castro para Lopes e Alpoim e talvez para outros que
posteriormente foram nomeados lentes, é que ele era fruto de uma formação anterior, da
época de Domingos Vieira.
Entrou para o serviço militar como discípulo da Aula de Fortificação da corte em
1708, a qual frequentou até 1716. Em 1712 fez exame e tornou-se partidista, tendo sido
examinado diante de pessoas ilustres do reino, incluindo o rei e os professores da Companhia
de Jesus. Depois de passar por Mazagão retornou ao reino, serviu no Porto e na corte até se
estabelecer no Alentejo, a partir de 1735. Em 1736 já era o lente da Academia Militar do
Alentejo, cujas atividades aconteciam em Estremoz. Apesar de longa, mas muito elucidativa,
está transcrita a seguir uma Consulta de 1748 a seu respeito.
Diz Dionizio de Castro [...] que em servido a Vossa Majestade há quarenta anos,
desde outubro de 1708 até o presente [...] ficou aprovado na Junta dos Três estados
não só para continuar, mas julgado capaz e apto para Engenheiro; em cujo tempo
teve a honra de Vossa Majestade lhe aceitar e assistir no Paço a umas conclusões de
Fortificação, Artilharia, ofensa e defensa de Praças, Geografia, Náutica, e
Astronomia; nas quais lhe argumentaram o Conde de S. Vicente, o Conde de
Monsanto, o Conde de Tauroca, o Sargento-mor Antonio de Britto, o Cosmógrafo-
mor Manoel Pimentel, o Marquês de Alegrete, o filho do Conde de Tauroca, Manoel
Teles da Silva, o Padre. Luis Gonzaga da Companhia, o Padre Ignacio Vieira Lente
de Matemáticas do Colégio, o Conde de Ericeira, e o Governador da Torre do
Tombo, sendo por todos julgado não só para poder servir de Engenheiro mas ainda
ocupação mais relevante. [...] (esteve por mais de 12 anos em Mazagão) Por ordem
do Secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real de 20 de Julho de 1729 da
parte de Vossa Majestade lhe foi ordenado passassee a cidade do Porto, para ajudar
ao Engenheiro José Fernandes Pinto, que tinha a recomendação de fazer exata Planta
do Rio, e Barra da mesma cidade [...] foi ocupado várias vezes pelo Engenheiro-mor
do Reino na redução da Planta Topográfica do distrito de Mafra, e das plantas de 6
templos de Lisboa [...] (por ordem de 14 de Março de 1735 passou ao Alentejo,
junto com o engenheiro-mor. No Alentejo tem [...]) assitindo na Academia Militar
como Lente dela, ditando em 12 anos todas as matérias instrutivas para criar
Engenheiros e oficiais de Artilharia, como bem se tem mostrado, tendo saído dela
Manoel Garcia Pereira, que foi promovido a Capitão de Infantaria com exercício de
Engenheiro, Antonio Cardoso Pizarra, Capitão de Infantaria que no presente ano
foram servir a Vossa Majestade [...] havendo na dita Academia outros Discípulos
capazes do exercício de Engenheiro, ensinando-os a desenhar plantas tanto militares
como civis, e Máquinas, para cujo emprego ocupou Vossa Majestade na Corte ao
Tenente-Coronel Mr. Chermont, para desenho das plantas militares, ao Sargentor-
mor Carlos Andreis para as civis, o Sargento-mor La Pomoré para as Máquinas , e o
Sargento-mor José Sanches da Silva Lente da Artilharia, suprindo a todos o
suplicante na sua Academia [...] (ANTT, Consultas do Conselho de Guerra,
Maço 107H, de 4 de novembro de 1748).

Essa consulta, além de ilustrar como aconteciam os exames para partidista ou para
engenheiro dos alunos da Academia Militar, também indica que, como professor da Academia
do Alentejo a partir de 1736, já tinha até formado alguns engenheiros que serviam em outras
províncias, uma clara amostra de que a aplicação do decreto de 1732 estava acontecendo.
105

Também pode ser constatado como se dava a divisão das lições na Academia Militar
da corte entre diversos professores. Essa já é a configuração de um modelo de escola que vai
predominar até os dias atuais – o da separação de disciplinas.
Só a indicação de cinco ex-alunos da Academia Militar, José Sanches da Silva, Paulo
Farinha Lopes, Francisco Xavier do Rego, José Fernandes Pinto Alpoim e Felipe Rodrigues
de Oliveira para exercer função de lente mostra que o trabalho desenvolvido e preconizado
por Azevedo Fortes estava dando frutos. Alguns críticos podem dizer que ainda era pouco,
mas os motivos do alcance do projeto de Fortes ser limitado, ele o sabia bem, havia exposto já
em 1720 e o fez por repetidas vezes, nos documentos que pôde emitir – a falta de incentivo
para a profissão. Mesmo depois do decreto de 1732, os engenheiros ainda sofreriam muito
para ter suas pretensões aos postos igualadas aos outros oficiais do Exército.
Dentre o que o Decreto de 1732 pregava estava também que todos os oficiais deveriam
frequentar as aulas das Academias Militares. Houve relutância, é claro, especialmente por
parte dos oficiais de maior escalão. Mas a ideia foi aos poucos sendo assimilada. Segundo
Sepúlveda (1910, v. 5, p.126-128) André Ribeiro Coutinho, militar do Rio de Janeiro, no livro
Capitão de Infantaria português, de 1751, explica por que um capitão de infantaria deve ter
conhecimentos de fortificação, afinal como defender ou atacar uma obra de fortificação se não
tiver conhecimento sobre suas partes?
A Academia Militar da corte enfrentou alguns impecílios, como o terremoto de 1755,
sendo reaberta em 1758. Conforme atesta Sepúlveda (1910, v.5, p. 68), foi definitivamente
extinta por alvará de 3 de agosto de 1779, com a criação da Academia Real de Marinha, por
carta de lei de 5 de agosto de 1779, instituição na qual a matéria referente à fortificação e ao
desenho deveria ser ensinada. Contudo, o ensino dessa matéria só passou a existir quando da
criação da Academia Real de Fortificação e Desenho, em 2 de janeiro de 1790 (Sepúlveda,
1910, v.5, p.145-149).
Na seção seguinte foca-se sobre o estabecimento das Academias Militares, ou “Aulas”
como é mais comum aparecer nos documentos, nas capitanias existentes no Brasil.
106
107

5 – AS AULAS DE ENGENHARIA MILITAR NO BRASIL

Na última década de 1740, perto da metade do século XVIII, o Brasil vivia um


momento de preparação para a execução do Tratado de Limites, que Portugal estabelecia com
a Espanha. Não obstante, no Sul do Brasil, José da Silva Pais solicitava104 que do reino
viessem pessoas para povoar a Ilha de Santa Catarina, afinal era a melhor forma de garantir a
posse tendo moradores no lugar, pois, além de ser um peso real, também ajudaria na produção
de alimentos e na formação de um corpo de homens que pudessem ajudar na defesa do
território, caso o inimigo, tão perto como estava, resolvesse atacar. Um exemplo disso está
relatado em papéis que documentaram a vinda da família de Pedro Gomes de Figueiredo,
engenheiro militar que veio da corte com a família para ocupar o posto na Colônia do
Sacramento. Datada de 29 de outubro de 1723, a consulta105 do Conselho Ultramarino é
favorável à petição do engenheiro relativa ao transporte de sua mulher e filhas para a colônia.
Era importante a vinda da família, principalmente porque o engenheiro tinha quatro filhas que
poderiam “casar-se com as principais pessoas da Nova Colônia”. Portanto, seriam povoadores
da maior distinção. Por conta disso foi mandado dar-lhes 100 mil réis de soldo.
O país, dividido em capitanias, buscava uma determinação política e, sobretudo,
geográfica. Isso se verificava também nas capitanias do Grão-Pará e Maranhão, Goiás, e São
Paulo. Azevedo Fortes concebia que os engenheiros militares deviam também ser cartógrafos,
mas não conseguiu que, no momento da execução do Tratado de Limites, Portugal tivesse um
corpo de engenheiros capaz de dar conta dessa matéria. Foi necessário ao rei recorrer, mais
uma vez, aos cartógrafos e geógrafos estrangeiros.
Para Bueno (2003, p. 172), os engenheiros que integraram as expedições científico-
demarcatórias, na segunda metade do século XVIII, envolveram-se não apenas nos
levantamentos geográficos do território, mas também em obras civis, militares e religiosas,
bem como no projeto de vilas. Neste trabalho acrescenta-se que isso aconteceu não só na
segunda metade do século XVIII, mas o envolvimento com as obras civis, militares e
religiosas foi uma incumbência constante para os engenheiros militares das colônias.
Dentre os que tiveram formação ou conviveram com Fortes na Academia de Lisboa,
figuram José da Silva Paes, José Custódio de Sá e Faria e José Fernandes Pinto Alpoim. Esses
104
AHU_ACL_CU_017, Cx. 32, D. 3399.
105
AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 19, D. 4134.
108

dois últimos trabalharam nas demarcações, tendo José da Silva Paes papel decisivo para a Ilha
de Santa Catarina e na Colônia do Sacramento. No Grão-Pará destacou-se Carlos Varjão
Rolim.
Nas colônias haviam sido instituídas “Aulas” nos anos de 1696 na Bahia, 1699 no Rio
de Janeiro, Maranhão, Índia e Angola, em 1701 no Recife e em Belém em 1758. A instituição
dessas aulas tinha como objetivo ampliar o quadro de engenheiros nacionais, descentralizando
a formação de engenheiros que até então acontecia somente na Academia da Corte “nessa
capitania em que há engenheiro haja aula em que ele possa ensinar a fortificar”
(PIRASSUNUNGA, 1958, p.9-10)106. A formação de engenheiros nas próprias colônias
diminuiria os gastos com transporte de engenheiros da corte, além de evitar que uma capitania
ficasse sem engenheiro por muito tempo, quando da substituição dos que faleciam ou dos que
recebiam autorização para retornar à corte. Mesmo assim, poucos foram os engenheiros
nacionais nomeados.

5.1 – Bahia

Desde 1696 havia ensino de Fortificação na Bahia, como fica estabelecido na carta
patente que nomeou por capitão-engenheiro, José Paes Esteves com a obrigação de continuar
a ensinar as matérias de Castrametação e Fortificação. Em 1682 foi nomeado José Paes
Esteves como ajudante-engenheiro no Alentejo. Em 1686 ele foi para Pernambuco com o
posto de capitão-engenheiro e dez anos depois estava na Bahia lendo e ensinando “a sua
profissão na Aula que se instituiu da fortificação naquela cidade” (VITERBO, vol. I p. 305-
306).
Pela Bahia também estiveram Gregório Gomes Henriques, que tinha ido do Rio de
Janeiro e Antônio Rodrigues Ribeiro. A carta patente de nomeação de sargento-mor-
engenheiro para a Bahia deste último é de 23 de janeiro de 1700, onde consta a declaração de
que “será obrigado a ensinar a sua profissão na aula”107. Mas o governador-geral do Brasil,
Luís César de Menezes, não apresentava boas considerações sobre Ribeiro. Em carta108 ao rei,
o governador mostrava a necessidade de que viesse um engenheiro, principalmente devido à

106
Parte do texto da carta régia de 15 de janeiro de 1699, dirigida ao governador e capitão-general do Rio de
Janeiro, Artur de Sá e Menezes. Cartas semelhantes foram passadas ao governador do Maranhão e aos vice-reis
de Índia e Angola, como já visto na seção anterior.
107
VITERBO, vol. II p. 406.
108
AHU_ACL_CU_005, Cx. 6, D. 470. Carta do governador-geral da Bahia de 29 de julho de 1708.
109

morte de Gregório Gomes Henriques. Ele informa que o que lá havia, Antônio Rodrigues
Ribeiro, não era confiável, e que nem podia empregá-lo nas obras que Manoel Pimentel tinha
então indicado para as fortificações, porque era capaz de não cumprir o que mandava. Houve,
segundo Mário Mendonça de Oliveira (2004, p.102-105), uma campanha difamatória em
relação a Antônio Rodrigues Ribeiro. Este parece que teve grandes desentendimentos com o
governador da época, Luís César de Menezes, principalmente por causa de medições. Oliveira
acreditava que ele não era ruim como pregavam, mas que devia denunciar os abusos do
governador, e por isso, tornara-se seu inimigo. O Conselho Ultramarino acatou, como era de
se esperar, o que o governador escreveu. Certo é que em 1709 o Conselho Ultramarino era
consultado sobre a nomeação de engenheiros para a Bahia.
Entre os nomes estava o de Miguel Pereira da Costa, que, segundo o Conselho tinha
pretenções de ir para o Rio de Janeiro, mas foi então mandado para a Bahia. Em 18 de junho
de 1710 enviou a Portugal uma carta109 dando conta do que tinha encontrado lá. Nessa carta,
embora indiretamente, fez referência a Antônio Rodrigues Ribeiro, que há pouco havia
falecido.
Achei nesta Praça um Sargento-mor-engenheiro, que a poucos dias morreu ao qual
tratavam indignamente, mil desatensões o faziam, e 3 vezes o meteram na enchovia,
mas o que mais me admirou foi ter ele resolução para sofrer tudo, e não se embarcar
em qualquer navio; é verdade que, segundo ouço, dava causa a muitas coisas, porque
ainda que era zeloso aplicava mal o seu zelo, e por falta de discurso andava sempre
embicado com os governadores. Todos me dizem que não sabia do seu ofício, como
se na matéria tivessem voto, que é bem galante coisa um homem ser julgado por
idiotas: este me há de fazer grande falta, porque me havia informar de mil trapaças
ocultas, que não posso adivinhar em obras de grande importância que estão por
medir, e me aproveitaria a notícia que ele em 10 anos tinha adquirido do País. (BA,
Manuscritos Avulsos: 54-XI-25, nº 6).

Ele continua na carta a informar como tratavam tal engenheiro e não o empregavam na
sua profissão, porque havia ali outro engenheiro, Francisco Pinheiro, capitão de artilharia que
tinha sido carpinteiro e que, por esse seu conhecimento, passou a sua curiosidade, “ajudada do
que leu em Luís Serrão, a intitulá-lo engenheiro”. Miguel Pereira da Costa diz que tinha tido
conversas com este Francisco Pinheiro e que ele interpretava mal o texto e tinha feito “mil
ridiculários” nas obras. Compara o acontecido quando os boticários querem passar a médicos.
Na carta ainda afirma que era difícil viver no país sem cair em tentação, referindo-se,
às propinas e ao interesse pelas riquezas e que considerava que o soldo que teria “seria para
larguezas, é para passar moderado”, pois tudo era mais caro que no reino, exceto farinha e
vaca, chegando a pedir que o padre, o destinatário da carta, o tirasse desta terra, porque a

109
Biblioteca da Ajuda, Manuscritos Avulsos: 54-XI-25, nº 6. Carta de Miguel Pereira da Costa ao Padre Mestre.
Não foi possível identificar tal padre.
110

salvação da sua alma estava comprometida. Repete por vezes a intenção de ir embora, mas
acabou por ficar, visto serem encontrados vários documentos posteriores, como um de 1733,
que informa que se encontrava doente, provavelmente sofrendo de loucura.
No documento que lhe indicou para a Praça da Bahia havia a imposição de que deveria
“ensinar na Aula pública aos que quiserem aprender”110 e, em documento de 1713, no qual
consta que devia haver “mais três partidos para que na Aula em que se dá postila se possam
aplicar mais alguns curiosos a aprender Arquitetura Militar, e por este meio haver muitos
engenheiros para serem mandados para as mais praças das suas Capitanias, escusando-se o
irem deste Reino na ocasião em que forem necessários”111, há também a informação de que
Miguel Pereira da Costa, já tenente-general, deveria ensinar na falta ou impedimento de outro
engenheiro, o que indica que ele não era o responsável direto pelas aulas. Por esse tempo, já
estava na Bahia Gaspar de Abreu. Em 1716, há informação de que Miguel Pereira da Costa, já
mestre-de-campo, estava no Rio de Janeiro112.
Gaspar de Abreu era capitão-engenheiro em Abrantes, Portugal, e em 1710 solicitou
o posto de sargento-mor-engenheiro para a capitania da Bahia113. Durante o período em que
viveu na Bahia, de 1711 a 1718 quando faleceu, foi o responsável por ensinar a Fortificação,
como indica a carta patente de 1716, que o nomeia sargento-mor, posto que tinha solicitado
pelo menos desde 1712: “será obrigado a continuar no exercício e ocupação da lição de
aula”114.
O descaso com a solicitação de aumento de posto para Gaspar de Abreu não condizia
com as suas ocupações e obrigações. Passaram pelas suas aulas dois dos primeiros ajudantes-
engenheiros que foram nomeados nas próprias colônias. São eles Gonçalo da Cunha Lima e
João Batista Barreto. A seguir apresenta-se trecho da portaria referente ao provimento de
Gonçalo de Cunha no posto de ajudante.
O Capitão-Engenheiro Mestre da Aula Gaspar de Abreu, veja esta provisão de El
Rei Nosso Senhor e a cópia da petição junta de Gonçalo da Cunha Lima e informe
logo ao pé desta Portaria sobre o que se ordena na mesma Provisão. Como também
da suficiência, capacidade e préstimo de João Baptista, ambos discípulos da Aula.
Bahia, Julho vinte e cinco de mil setecentos e quatorze {Rubricas}.
Informação
Senhor. Por esta Portaria me ordena V. Ex.a veja a Provisão de V. Majestade que
Deus guarde e petição de Gonçalo da Cunha Lima e para informar de tudo o
deduzido, me é preciso representar a V. Ex.a que, o Senhor Pedro de Vasconcelos
proveu ao Suplicante no posto de Ajudante, por ser dos discípulos da Aula, o mais

110
VITERBO, vol. II p. 252.
111
Consulta do Conselho Ultramarino de 6 de fevereiro de 1713, incluída no Códice 253, p. 70v., do A.H.U.
Apud: CURADO, 1997, p. 12 e p.37.
112
VITERBO, vol. II p. 253.
113
AHU_ACL_CU_005, Cx. 6, D. 532.
114
VITERBO, vol. I p. 2-3.
111

capaz, para o tal emprego, e naquele posto serviu com muito cuidado. E
encarregando-se-lhe a assistência da faxina e reparação do forte de S. Antonio do
Carmo e Barbalho, efetivamente acudia a ela com todo o zelo. Tem continuado na
lição da Aula e assim o suplicante, como João Baptista Barreto são os dos que
melhor se tem aplicado e já pelo seu aproveitamento e boa inteligência, que tem da
Arquitetura Militar foram providos por exame em os partidos da Aula. Qualquer
deles faz o seu risco muito ajustado, com asseio e vistoso, como V. Ex.a veria das
plantas que tem feito ao Brigadeiro João Massé. Isto o que posso informar a V. Ex.a
que ordenará o que for servido. Bahia, vinte e seis de Julho de mil setecentos e
quatorze. Gaspar de Abreu. (AHU_ACL_CU_005, Cx. 9, D. 749).

João Baptista Barreto, aluno da aula da Bahia e ajudante-engenheiro por vinte anos,
foi mandado por João Massé fazer plantas das fortalezas da Bahia, Pernambuco, Paraíba e Rio
de Janeiro. Foi com Nicolau de Abreu Carvalho para a capitania do Espírito Santo. A
patente que o nomeia capitão é de 24 de março de 1737 (ANTT, Chancelaria de D. João V,
Livro 129, f. 74v-75), embora o requerimento seja de março de 1735.
É próvavel que o ensino na Bahia de 1718, quando da morte de Gaspar de Abreu, até a
chegada de Nicolau de Abreu Carvalho tenha sido de responsabilidade do mestre-de-campo
Miguel Pereira da Costa, pois em documento de João Araujo Teixeira, aluno da Aula da
Bahia, há a informação de que foi partidista por seis anos e a sua nomeação ao posto de
capitão-engenheiro é de 1724, embora a confirmação da patente pelo poder real seja de 8 de
novembro de 1725, o que denota que, pelo menos desde 1718, frequentava a Aula da Bahia.
Teixeira acompanhou o mestre-de-campo em viagens pela capitania, fazendo mapas e
relações de prestação de contas ao rei, além de plantas e “[...] fazendo o tal risco com
perfeição, asseio e certeza pela boa informação que tem da Arquitetura Militar: assistir no
decurso de seis anos, que tantos tem de discípulo do partido da Aula, nesta praça em cujas
fortificações se trabalha em várias partes [...]”115.
Teixeira também foi responsável por ensinar na Academia da Bahia, conforme trecho
dos documentos de 1728 existentes sobre o pedido do posto de sargento-mor de Infantaria
com exercício de engenheiro, “achando-se a mais de um ano só naquela Praça, por estarem
ausentes dela os mais oficiais engenheiros, dando inteira satisfação de tudo e ao mesmo tempo
continuando a dois anos a Leitura da Arquitetura Militar” (AHU_ACL_CU_005, Cx. 33, D.
3039). Os outros engenheiros que lá havia eram Miguel Pereira da Costa, que estava de
licença na corte, e Nicolau de Abreu Carvalho, que fazia diligências no Espírito Santo, com
outro ajudante. João Araujo Teixeira faleceu em 20 de agosto de 1729116. O texto da citação

115
AHU_ACL_CU_005, Cx. 24, D. 2192.
116
AHU_ACL_CU_005, Cx. 43, D. 3823.
112

indica que João Araujo Teixeira foi um dos poucos alunos formados nas aulas da colônia que
exerceram tarefas de professor e talvez o primeiro.
Em 1723, na nomeação de Nicolau de Abreu Carvalho para a Bahia, há a informação
de que o engenheiro-mor tinha dado boas referências das suas capacidades
[...] e atendendo a boa informação que o engenheiro-mor Manoel de Azevedo
Fortes me deu da capacidade, préstimo, ciência e mais partes que concorrem sua
pessoa de Nicolau de Abreu de Carvalho porque além do emprego das fortificações
poderá por Academia em que ensine a arte militar por ser muito capaz para esse [...]
e por esperar dele que em tudo o que for encarregado do meu serviço se haverá com
satisfação. Hei por bem fazer-lhe mercê do posto de capitão de Infantaria com o
exercício de Engenheiro da Praça da Bahia. [...] Dada na cidade de Lisboa ocidental
aos vinte e oito dias do mês de Abril. Miguel de Macedo Ribeiro a fes. Ano do
nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos vinte e três. (ANTT,
Chancelaria de D. João V, Livro 63, f. 221v).

Ele vai, mesmo durante muito tempo, ser o professor da Aula. Na carta patente117 de
acréscimo ao posto de sargento-mor-engenheiro, de 15 de julho de 1732, ficou registrada a
incumbência de continuar com a lição da Aula. Ele pleiteou esse posto em requerimento de 10
de janeiro de 1726, relatando que, além de cumprir as suas obrigações como engenheiro,
também “[...] abriu uma Academia Militar em a qual está ensinando todos aqueles que se
quiserem aproveitar das suas lições para poderem bem servir a V. Majestade como consta da
certidão junta [...]”. Nicolau de Abreu Carvalho teve patente de tenente-de-mestre-de-campo-
general-engenheiro da Praça da Bahia em 15 de março de 1746118 e há documentos nos
arquivos do Arquivo Histórico Ultramarino sobre acréscimo de posto, datados de 1762.
A dificuldade no estabelecimento e manutenção das Aulas sempre existiu, mesmo na
capital da colônia. Se a desconfiança e a desvalorização dos engenheiros eram grandes na
corte, muito mais fortes foram em relação aos engenheiros formados na colônia. Em parecer
de 5 de março de 1726, do vice-rei e capitão-general do estado do Brasil, conde de Sabugosa,
Vasco Fernandes César de Meneses ao rei D. João V sobre os soldos dos ajudantes-
engenheiros da praça da Bahia, elaborado à margem da carta do rei que diz que o Ajudante
Antônio de Brito Gramacho tinha feito petição “do soldo que tem os Ajudantes do número de
Infantaria paga desta mesma praça e o pão de munição como eles tem”, está informado o
seguinte: “Senhor, estes ajudantes engenheiros pelo pouco que sabem e o mal que servem,
senão fazem dignos de favor; porém havendo outros nas conquistas a que V. Majestade tenha
acrescentado os soldos, de justiça se deve praticar o mesmo com eles”119. Isso indica o quão

117
ANTT, Chancelaria de D. João V, Livro 83, f. 184v.
118
ANTT, Chancelaria de D. João V, Livro 113, f. 164v.
119
AHU_ACL_CU_005, Cx. 26 D. 2326.
113

pouco valia a formação dos engenheiros nas colônias para os governantes, em contrapartida à
opinião que deles davam os engenheiros-chefes que com eles trabalhavam.
Se o Decreto de 1732 estabelecia certa igualdade entre os postos da Infantaria
ocupados pelos engenheiros e demais militares que não tinham essa função, era com
relutância que os governadores das capitanias e províncias aceitavam essas determinações. A
seguir apresenta-se um trecho do requerimento do engenheiro e capitão de Infantaria de uma
das companhias da guarnição da Praça da Bahia, João Batista Barreto ao rei, em que solicita
uma declaração de que as duas referidas funções não são incompatíveis. Ele tinha sido
promovido ao posto de capitão de Infantaria e reclamava que não estava tendo os mesmos
direitos que os outros capitães.
[...] lhe duvidam os seus oficiais maiores as regalias que [...] como capitão de
Infantaria, como [alegam] aos mais, com o errado pretexto que como engenheiro se
repute inferior aos outros capitães de infantaria como se fossem duas funções
incompatíveis e porque este procedimento é contra o Real decreto de V. Majestade
de 24 de Dezembro de 1732, em que se ordena que em cada regimento ou terço pago
de infantaria haja uma companhia em que os oficiais sejam juntamente engenheiros
de profissão, de que parece não tem os ditos oficiais notícia e senão acha registrada
na vedoria da fazenda, ou se oculta ao suplicante.
Para a V. Majestade lhe faça mercê mandar declarar que as duas funções da
Infantaria e de Engenheiros não são incompatíveis e a respeito das regalias da
Companhia as deve o suplicante lograr como os mais capitães do mesmo terço em
que serve. (AHU_ACL_CU_005, Cx. 70, D. 5879).

Anexo ao requerimento está cópia do decreto, na verdade, cópia das páginas 78-82 do
livro Evidência Apologética e crítica sobre o primeiro e segundo tomos das memórias
militares, elaborado por Azevedo Fortes, que contém a transcrição do decreto. Elas estão
coladas sobre folhas do processo e ao lado da última folha, há um parecer do engenheiro-mor,
Azevedo Fortes, que segue:
Conselho Ultramarino e Junta dos três Estados
Manoel de Azevedo Fortes, Sargento mor de Batalha e Engenheiro mor deste Reino,
etc
Certifico que o Decreto junto, impresso em cinco laudas de nº 78 até nº 82 é uma
cópia fiel que V. Majestade mandou passar em 24 de Dezembro de 1732, como se
pode verificar na Secretaria deste Conselho aonde se acha registado. E por passar na
verdade o afirmo pelo hábito de Cristo de que sou professo. Lisboa ocidental, 19 de
9.bro de 1740. M.el de Az.do Fortes (AHU_ACL_CU_005, Cx. 70, D. 5879).

Antônio de Brito Gramacho teve patente de nomeação de ajudante-engenheiro em


24 de janeiro de 1720, substituindo Gonçalo da Cunha que passou a capitão. Em 3 de agosto
de 1731 passou ao posto de capitão de Infantaria com exercício de engenheiro. No texto da
patente de capitão há indicativos do que se aprendia na Academia da Bahia, por esses tempos:
“tendo assitido alguns anos na aula de fortificação daquela praça, em que se ditou esta
matéria, defensão de praças, geometria especulativa e opugnação das praças, em cuja lição
114

assitiu com bom procedimento [...] e boa inteligência nestas matérias e estudo de matemática”
(VITERBO, vol. I, p.466).
Das circunstâncias internas da Academia Militar da Bahia até esse período pouco foi
possível determinar, mas da segunda metade do século em diante são encontradas mais
informações sobre o que se ensinava, embora não seja o período principal a ser abordado
neste trabalho.
É só em 23 de outubro de 1749 que foi nomeado Manuel Cardoso Saldanha, com o
posto de sargento-mor para servir na Bahia e além das obrigações de engenheiro, a ele foi
destinado o ensino da Academia Militar “Atendendo ao préstimo e inteligência de Manoel
Cardoso Saldanha. Hei por bem provê-lo no posto de Sargento-mor-engenheiro da Praça da
Bahia [...] e obrigação de ler na Aula Militar e que possa recolher-se ao reino depois de servir
oito anos”. (AHU_ACL_CU_005, Cx. 100, D. 7877).
Das aulas de Saldanha, saiu José Antônio Caldas, que pode ser considerado o mais
reconhecido engenheiro da Academia da Bahia. Ainda como discípulo dela foi nomeado para
ir à Ilha do Príncipe em 1755, deixando a Bahia em 11 de agosto de 1756. As referências
feitas a ele são sempre elogiosas e o acerto às tarefas na Ilha do Príncipe lhe rendeu em 1761 a
nomeação no posto de capitão-engenheiro com a incumbência “de ditar na Aula Militar desta
cidade, defensas de praças, expugnação delas e Geometria especulativa todas as vezes que não
houver oficial determinado por Vossa Majestade que haja de ter este exercício”
(AHU_ACL_CU_005, Cx. 133, D. 10361). Embora a patente tenha sido expedida apenas em
3 de abril de 1761, os documentos já tramitavam desde 1757.
No requerimento para obtenção do Hábito da Ordem de Cristo do ano de 1760, além
das informações sobre sua filiação, naturalidade e ocupações militares, registra-se quanto
tempo estudou na Bahia,
[...] e no referido tempo aplicando-se o suplicante ao estudo de todos os tratados de
que se compôs o curso matemático militar que na dita cidade ditou o sargento-mor-
engenheiro Manoel Cardoso Saldanha, por espaço de oito anos e meio, mostrar
sempre um tal aproveitamento na compreensão das matérias e capacidade em reduzir
à pratica os documentos da teórica e aptidão para o risco e desenho de plantas, profis
e prospectos, que logo no princípio foi digno de um dos partidos que se lhe conferiu
e de ser escolhido em 1756 [...] (AHU_ACL_CU_005, Cx. 148, D. 11324).

Manuel Cardoso Saldanha, em documento, informa que José Antônio Caldas, que o
sucedia na Academia da Bahia, tinha ouvido e escrito catorze tratados. Entre eles está o da
Álgebra:
José Antônio Caldas assistiu, ouviu e escreveu os tratados de Geometria
Especulativa, Trigonometria, Geometria Prática, Fortificação, Artilharia, Arte de
bombas, Fogos Artificiais e Festivos, Castrologia, Expugnação e Propugnação de
Praças, Tática, Arquitetura Civil, Mecânica das Abóbadas, Hidráulica e Álgebra,
115

tratados de que se compõe o meu Curso Matemático que ditei nesta praça da Bahia
120
[...] .

A dedicação de Caldas foi destacada, em um período em que poucos se interessavam


ao estudo da Academia Militar. Em ofício de 1767, o governador e capitão-general da Bahia
informa da morte de Manuel Cardoso Saldanha e da necessidade de engenheiro, pois:
se acha esta praça somente com o capitão-engenheiro José Antonio Caldas que é
juntamente Lente da Aula e um Ajudante que eu a pouco tempo nomeie, cujos
oficiais são mui pouco [...] ainda para o tempo de paz [...] e caresse de mais
engenheiros e bons (para não ser preciso fazer tantas empreitadas que causam
prejuizo). Eu tenho dado calor a esta Arte de forma que estando quase deserta a
Aula, quando cheguei, hoje tem muitos aulistas e com curiosidade. Parece-me seria
também útil para animá-los poderem-se nomear alguns Ajudantes mais ou que de
partidistas de n.º/de que há 6 pelas ordens antigas/ se possam logo nomear para
Alferes de Infantaria, e Artilharia, aonde naturalmente hão de ser úteis, da mesma
sorte a que se pratica com os cadetes. E como trato esta matéria não posso deixar de
dizer, que o Lente da Aula José Antônio Caldas, me tem parecido bastantemente
inteligente e aplicado, segundo o que pode dar defiapaz e além disso me tem servido
notavelmente para se poupar à fazenda real os excessivos roubos, que se estavam
fazendo nas obras que corriam por conta da Ribeira. Deus guarde a V. Ex.a. Bahia
26 de março de 1767. Conde de Azambuja (AHU_ACL_CU_005, Cx. 158,
D. 12057).

Esse é um dos poucos exemplos de reconhecimento da importância dos engenheiros


militares e da sua capacidade. E o número de discípulos nas aulas aumentou mesmo. Caldas
em “Relação dos discípulos da Aula Militar que tem saido dela para se empregarem no
serviço de V. Majestade nas Tropas, e nos Tribunais da Cidade da Bahia”, relaciona uma
centena de indivíduos que haviam tomado suas lições. Para as funções da engenharia haviam
sido nomeados apenas três, em contrapartida foram vinte e dois na Artilharia, trinta e um nos
regimentos, onze nos Terços auxiliares, cento e dezoito que constavam no seu livro de ponto,
mas que não se aplicaram, “dos quais não pôde conhecer as suas capacidades”, quatro com
empregos civis nos tribunais de conta e armazéns e ainda diz que “Existem presentemente seis
discípulos com partido que estão hábeis para se empregarem no serviço de V. Magestade com
bom aproveitamento e belíssima instrução. Para tudo na verdade em fé do que me assino na
Bahia a 16 de Agosto de 1770. José Ant.o Caldas” (AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 46, D.
8532).
Embora os governadores tentassem sensibilizar o rei para a promoção de alguns
engenheiros que estudavam na colônia, poucos foram os nomeados engenheiros. Segundo
Curado (1997, p. 9), na Bahia de 1700 a 1822, foram nomeados apenas doze engenheiros,

120
Atestado de 29 de abril de 1758, incluído num “instrumento em pública-forma” de vários documentos,
referenciado em ALMEIDA, E. de C. Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo
de Marinha e Ultramar de Lisboa. 1914b, p. 507, doc 10918. Apud: CURADO, 1997, p.3.
116

embora muitos que frequentavam as aulas da Academia Militar obtiveram empregos civis.
Caldas a isso se refere com orgulho, como no documento referenciado anteriormente.
Caldas pede a Martinho de Mello e Castro, em documento de 20 de maio de 1779 que
intercedesse junto ao poder real para que ele pudesse receber algum soldo pela atividade de
regência da Academia da Bahia. Refere-se aos serviços prestados e para mostrar o
aproveitamento dos seus discípulos, anexa uma coleção de desenhos feitos à pena, que se
encontram na “Colecção especial de plantas, mapas, desenhos”, do Arquivo Histórico
Ultramarino, executados por diversos alunos da Academia Militar, que demonstram a
capacidade e perícia desses alunos, “que a pouco mais de um ano se tem aplicado, porque
depois de saberem aritmética e uma boa parte da Geometria, logo os aplico ao desenho”. Com
mais detalhes está, a seguir, o trecho em que o próprio Caldas enumera as matérias que ditava:
As matérias que tenho ditado, ensinado e explicado na dita Academia são
Aritmética, Álgebra, Geometria Elementar, Trigonometria, Geometria Prática onde
além de tratar da Longemetria, Altimetria, planimetria, Stereometria, geodésia,
plantometria, se tratou também do nivelamento, [arpentagem] e medição das obras
de cantaria, alvenaria e carpintaria, e uma boa parte de geografia, modo de tirar as
Cartas Geográficas, Topográficas, Iconográficas e a desenhar toda a qualidade de
plantas Militares e Civis, com um ensaio da óptica para a extração dos prospectos:
Fortificação das praças, cálculo das suas despesas e toda qualidade de edifícios
militares e civis, que nela se empregam, ataque de praças, defesa de praças,
castrametração, em que não só se tratou do acampamento particular das tropas, mas
também o qual de um exército que se [encherio] uma Arte da guerra com vários
princípios da tática dos corpos de Infantaria, cavalaria e etc, e um apêndice de
fortificação passageira ou de Campanha. Artilharias, Arte de Bombas, teórica e
praticamente, Fogos artificiais da guerra e os festivos, Mecânica, Estática, o
mecanismo das abóbadas com o cálculo das muralhas e pés direitos, Hidráulica e
finalmente, Arquitetura Civil (AHU_ACL_CU_005-01, Cx. 53, D.10151).

Isso mostra uma expansão em relação aos catorze tratados que tinha ouvido e copiado
das lições do seu mestre, Manuel Cardoso Saldanha.
Salvador, capital da colônia, não teve um ensino de Engenharia Militar solidificado na
primeira metade do século XVIII, nem seus professores e alunos tiveram seus méritos
reconhecidos, embora o que praticavam estivesse a par do que acontecia na Academia da
corte.
Passa-se agora a tratar do ensino no Rio de Janeiro.

5.2 – Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro há referência de ensino de Artilharia desde 1698. Pouco se sabe


sobre como ele foi organizado até 1738, quando da carta régia que nomeou José Fernandes
117

Pinto Alpoim, como mestre no Terço de Artilharia que havia sido criado. Desde o começo do
século XVIII, o ensino militar que se praticou no Rio de Janeiro era voltado à Artilharia e não
à Engenharia. Além disso, os engenheiros nomeados para atender a Capitania do Rio de
Janeiro, além da Praça do Rio, tinham que exercer funções nas Praças de Parati, Ilha Grande e
Santos, até às fortalezas de Santa Catarina, sendo, por vezes, destinados a fazer trabalhos na
Colônia do Sacramento. Eram grandes as distâncias a serem cobertas pelo trabalho do
engenheiro, com poucos exercendo a função, o que dificultava o estabelecimento de aulas.
Gregório Gomes Henriques foi nomeado para o posto de capitão-engenheiro para o
Rio de Janeiro em 1694. Em 1695 assumiu também as funções do capitão de Artilharia, por
morte do que lá havia, não sendo necessário que o governador nomeasse outro capitão, “pois
o engenheiro fazia exercício aos artilheiros ‘com prática e especulação’, isto é, incluía já o
ensino teórico da artilharia” (CURADO, 1999, p.6). Mas por erros cometidos, fora preso em
1697 e, no ano seguinte, mesmo na cadeia, continuava o ensino da artilharia, sem deixar de
dirigir as obras de fortificação. Foi quando veio ordem do reino para que, onde houvesse
engenheiro, que se ensinasse a fortificação, pelo decreto de 15 de janeiro de 1699,
documento121 enviado a cada um dos vice-reis de Estado ou governadores de Capitanias,
como a cópia enviada ao governador da Índia, citada no item 4.5.
José Paes Esteves, que havia atuado durante anos na Bahia, também esteve no Rio de
Janeiro e Gregório Gomes Henriques, depois de condenado a degredo na Colônia do
Sacramento, para onde foi em 1701, passou à Bahia, como já relatado, quando se tratou da
Bahia, o que só deve ter acontecido depois de 1706, pois em 1706 ainda se encontrava no Rio
de Janeiro, conforme a data de uma petição que fez para voltar ao reino, que lhe foi negada.
Na consulta122 do Conselho Ultramarino de 14 de junho de 1706, referente a essa petição,
explicaram as razões do pedido ser negado: queriam mantê-lo no Rio de Janeiro devido ao seu
grande préstimo e ao fato de que o engenheiro Manoel de Melo e Castro não podía dar conta
de tudo, por causa do grande número de praças da capitania que dividiam, ficando um
engenheiro com as praças da Ilha Grande, Parati e Santos e o outro naquela Praça (do Rio de
Janeiro), já que o engenheiro José Paes Esteves estava doente e Diogo da Silveira Veloso123,
que tinha passado uns anos por ali, tinha sido mandado para Pernambuco.
Manoel de Melo e Castro frequentou a Academia Militar da corte e em 23 de julho
de 1703 foi nomeado ajudante-engenheiro na cidade do Porto, mas em 19 de setembro de

121
O documento enviado ao governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Menezes, está transcrito em
PIRASSUNUNGA, A. S. O ensino militar no Brasil, 1958, p. 7-8.
122
AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 14, D. 2903.
123
Sobre este engenheiro ver o item referente a Pernambuco.
118

1703 já estava nomeado para ir para o Rio de Janeiro, com o posto de capitão. Teve
importante papel, principalmente na defesa da cidade do Rio de Janeiro nas duas invasões
francesas. Ainda antes de 1710, solicitou nomeação124 para o posto de sargento-mor-
engenheiro, com exercício na Artilharia, que se encontrava vago pelo falecimento de José
Paes Esteves. Ofereceu-se para dar aulas aos artilheiros dessa praça e das suas fortalezas, sem
mais soldo além do de sargento-mor, posto que pleiteava. Se chegou mesmo a dar aulas e que
tipo de ensino fazia não foi possível determinar, embora o parecer do Conselho Ultramarino
tenha sido favorável à sua solicitação.
De período um pouco anterior é a carta125 patente de capitão de Artilharia na Capitania
do Rio de Janeiro passada a Antônio Antunes. Na carta está explícito que ele deveria
“ensinar o uso e manejo da artilharia”. Isso ilustra que o Rio de Janeiro sempre teve um
ensino mais voltado para a Artilharia e não para a Engenharia.
Segundo Pirassununga (1958, p. 13), no ano de 1705, por carta régia, o rei de Portugal
estabeleceu que em todas as colônias que houvesse capitão-engenheiro ou sargento-mor-
engenheiro, que estes fossem obrigados a ensinar as pessoas que quissessem aprender o ofício
de engenheiro. Talvez, por esse decreto um ou outro tivesse aprendido algo sobre a profissão,
embora nada tenha ficado documentado, pelo menos até a chegada de Alpoim.
Ainda antes da ordem régia de 19 de agosto de 1738, que estabeleceu aulas no terço de
Artilharia do Rio de Janeiro, Francisco Barbuda, que se encontrava na colônia, em carta de
13 de agosto de 1737, enviada pelo governador do Rio de Janeiro ao rei, pede o assentamento
no posto de ajudante-engenheiro. Este havia frequentado a Academia da corte alguns anos e,
estando no Brasil, passou a acompanhar o brigadeiro José da Silva Paes nos trabalhos
realizados, especialmente no Rio da Prata “O dito brigadeiro me tem representado várias
vezes que esse moço se acha com ciência e capacidade de ser ajudante-engenheiro, e que lhe
tem sido muito útil a sua assistência no Rio de São Pedro, além de riscar tão bem como se
verá em algumas plantas de fortificação que tenho remetido a Vossa Majestade”
(AHU_ACL_CU_017, Cx. 29, D. 3126).
Outros dois engenheiros foram nomeados para o posto de capitão. Haviam sido
colocados editais na corte para que os interessados se increvessem. Depois do período
estipulado, apenas dois haviam se inscrito, eram eles: Luiz Manuel de Azevedo e José
Cardoso Ramalho.

124
AHU_ACL_CU_017, Cx. 8, D. 899.
125
ANTT, Chancelaria de D. João V, Livro 28, p. 108v. Patente de 24 de março de 1707.
119

Luiz Manoel de Azevedo tinha trabalhado nas obras de Mafra e era ajudante-
engenheiro da Província do Alentejo, além de ter embarcado em fragatas e ter vindo ao Brasil.
Teve um dos partidos da Academia Militar e:
[…] fazendo exame público na praça das armas do Castelo de São Jorge desta
cidade das evoluções militares, mandando no exercício das armas com expedita voz,
emendando os erros com prontidão, destroçando e metendo em forma de batalha,
fazendo praças vazias, fogo sobre a marcha e sobre a retirada do centro para os lados
e dos lados para do centro, e sabendo formar esquadrões em qualquer proporção
pedida e reduzi-los de um a outros. [...] José Cardoso Ramalho consta haver servido
V. Majestade nesta Corte, Província do Alentejo e Vila de Mafra, por espaço de dez
anos e vinte e quatro dias continuados de vinte e nove de Abril de 1728 até dois de
Maio de 1738, de praticante do Número da Academia Militar e de Ajudante
Engenheiro das Fortificações do Reino, por patente de V. Majestade sendo
examinado e mostrando no exame a capacidade necessária por ter assistido às
Lições. (AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 42, D. 9813-9814, de 24 de maio
de 1738).

Em setembro de 1738 solicitaram ajuda de custo para a viagem e, em setembro de


1739 ainda não tinham embarcado, sendo de 6 de setembro deste ano o despacho126 real
aprovando a ajuda. Além dos gastos que a travessia oferece “tem o indispensável gasto que
devem fazer em Livros e instrumentos da sua profissão de que se há de prover para bem
exercitarem seus postos [...]”. Bem difícil era a vida do engenheiro na colônia. Esses dois
estavam, em 1740, solicitando que seus soldos fossem pagos. Tinham patente de capitães de
Infantaria com exercício de engenheiros daquela capitania e não queriam pagar-lhe como os
demais capitães de Infantaria.
Outro engenheiro nomeado127 para o Rio de Janeiro foi Francisco de Barros, já
referido no item 4.3, embora não haja mais nenhuma informação sobre sua atuação no Rio de
Janeiro, nem no reino, ficando duvidosa sua vinda ao Brasil. Francisco de Barros tinha
trabalhado com Alpoim em Almeida e até consta que o tinha substituído na tarefa de ensinar
os artilheiros quando Alpoim se ausentava.
A transcrição do decreto seguinte, embora já muito referenciado nas bibliografias
especializadas, dá-se pela importância dele neste trabalho, já que trata da formação do quadro
dos militares no Brasil, no século XVIII. Trata-se do decreto128 de 13 de agosto de 1738,
assinado em Lisboa por D. João V, ordenando o estabelecimento de aulas teóricas de
Artilharia e de uso de fogos artificiais no Terço de Artilheiros criado no Rio de Janeiro,
nomeando para mestre o sargento-mor José Fernandes Pinto Alpoim.
Por ser conveniente ao meu serviço que no Rio de Janeiro aonde mandei formar de
novo um terço de Artilharia, haja Aula aonde os soldados e oficiais do dito Terço e

126
AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 44, D. 10372-10374.
127
AHU_ACL_CU_017, Cx. 34, D. 3575.
128
AHU_ACL_CU_017, Cx. 30, D. 3215.
120

as mais pessoas que quiserem aplicar-se possam aprender a teórica da Artilharia e


uso dos fogos artificiais e criarem-se por esse modo oficiais que depois de serem
instruídos na dita Aula possam ser empregados nos postos da repartição da
Artilharia desta e da mais Capitanias. Hei por bem que se estabeleça a dita Aula e
para Mestre dela nomeio a José Fernandes Pinto Alpoim que proximamente fui
servido prover no posto de Sargento-mor do referido terço, o qual além dos serviços
a que é obrigado pelo mesmo posto, o será a ditar postila e ensinar a teórica da
Artilharia a todos que quiserem aplicar-se a ela, especialmente os oficiais do dito
terço, que nessa primeira criação forem providos, os quais serão igualmente
obrigados assistir as lições da Aula, ao menos por tempo de cinco anos e faltando
nelas serão castigados a arbítrio do Governador da dita Capitania e para o futuro não
poderá o mesmo Governador informar para os postos de patente do dito terço, nem
aprovar para os de nombramento oficial algum que não tenha frequentado a dita
Aula e seja examinado e aprovado nas materias que nela se ditarem. E atendendo ao
trabalho que com estas Lições acresce ao dito Sargento-mor e ao que também terá
com o exercício de engenheiro a que igualmente se oferece, lhe faço mercê além do
soldo que lhe compete pelo dito posto, de uma pensão de dezesseis mil reis cada mês
o qual se lhe pagará enquanto Ler na dita Aula, mostrando por certidão no ato do
pagamento haver satisfeito essa obrigação, e continuando-a por dez anos completos
poderá recolher-se ao Reino e lograr nele a mesma patente e soldo que vencem os
mais Sargento mores de Artilharia com antiguidade da data do dito decreto. O
Conselho Ultramarino o tenha assim entendido e passe as ordens necessárias para se
executar. Lisboa Ocidental a treze de Agosto de mil setencentos trinta e oito. Rei.
(tem também rubricas dos conselheiros).

O governador do Rio de Janeiro e Minas Gerais, Gomes Freire de Andrade, respondeu


em 9 de janeiro de 1739 que tomaria as providências necessárias para executar o que
estabelecia o decreto de 13 de agosto de 1738.
Além dos engenheiros que foram nomeados para os postos de capitão-engenheiro para
o Rio de Janeiro, logo após a assinatura do decreto de 13 de agosto, Miguel Nunes Vidigal
foi provido no posto de ajudante do número do Terço de Artilharia da Praça do Rio de
Janeiro. Na patente constava a obrigação de assistir às lições na aula, “para nela se aprender a
teoria da Artilharia e o uso dos fogos artificiais, ao menos por tempo de 5 anos e faltando a
elas será castigado a arbítrio do Governador” (AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 59, D. 13934, de
21 de agosto de 1738).
Mais uma vez fica claro que as aulas no Rio de Janeiro sempre foram ligadas à
Artilharia, o que se manifesta também nos livros elaborados por Alpoim, duas obras
importantes do ensino técnico no Brasil dessa época: Exame de Artilheiros (1744) e Exame de
Bombeiros (1748). Os livros, que terão seus conteúdos esmiuçados na seção seguinte, são
uma mostra da capacidade de Alpoim em relação à matéria da qual tinha a incumbência de
ditar. Sua atividade como professor de matérias ligadas à Artilharia começou ainda em
Almeida/Portugal, por volta dos anos de 1735 e 1736. E essas lições Alpoim aprendeu nas
aulas que frequentou na Academia Militar da corte. Mas, apesar dessa determinação explícita
sobre o ensino da Artilharia, parece provável que Alpoim também incluísse nos seus
121

ensinamentos alguma matéria sobre Fortificação e Engenharia Militar, já que suas principais
ações no Rio de Janeiro foram ligadas às construções militares e, principalmente, civis.
As obras públicas eram empreitadas e, na maioria das vezes, os medidores faziam
cálculos errados com ou sem intenção de onerar os cofres públicos. Os engenheiros,
principalmente, acabavam por ter a função de fiscalizar a execução das obras e refazer
cálculos e contas. No Decreto de 1732 ficou estabelecido que só os medidores nomeados pelo
engenheiro-mor poderiam realizar medições. Eles deveriam também frequentar as Academias
Militares criadas em cada capitania ou província. Alpoim em documento de 1743, requereu
que no Rio de Janeiro não fossem nomeados medidores que não tivessem sido por ele
aprovados, pois muitos dos que eram nomeados pela câmara não tinham o conhecimento
necessário, enfatizando que a dita câmara não fazia valer o que estabelecia o decreto.
Diz José Fernandes Pinto Alpoim Sargento mor do Regimento novo da Praça do Rio
de Janeiro, que atualmente está exercitando e juntamente ensinando a sua profissão
na Aula pública, que V. Majestade foi servido por seu real decreto ordenar as
câmaras deste Reino e Senhorios de não passarem cartas de medidores aos que não
forem examinados pelo Engenheiro-mor do Reino, [peloramente] informado dos
grandes erros que cometem nas medições por serem ignorantes da Geometria prática
ordenando fossem admitidos estudá-las nas Academias e no Estado do Rio de
Janeiro não há medidor algum que seja examinado para poder medir com
conhecimento e acerto, nem tem vindo nenhum aprender das Lições do Suplicante, e
porque se acha com ‘comição’ do Engenheiro-mor do Reino para poder examinar e
aprovar os ditos medidores para que sem sua certidão não possam as Câmaras
nomear os medidores na forma do dito decreto que se acha registrado na provedoria
da fazenda da mesma Praça, [...] com quanto não houver medidores aprovados se
oferece o suplicante por bem do Real serviço fazer as medições que se oferecerem
no [...] como também deve o suplicante dar aquelas medições das obras de que tiver
dado as plantas para se evitar o grande prejuízo que recebem as [...] medições pela
ignorância dos medidores que não sabem a parte da geometria prática que pertencem
as medições. [...] (AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 51, D. 11966).

Mesmo que as aulas de Alpoim no Rio de Janeiro fossem de Artilharia, os


conhecimentos básicos de Geometria podiam servir aos medidores.
Em consulta do Conselho Ultramarino de 12 de agosto de 1745 sobre o provimento do
posto de tenente-de-mestre-de-campo-general do governo do Rio de Janeiro, constavam os
papéis de Alpoim como um dos concorrentes. Esses papéis são importantes, pois retratam os
serviços prestados por Alpoim, por isso, abaixo está transcrito um trecho.
[...] Jose Fernandes Pinto Alpoim que mostra servir a V. Majestade [...] nos postos
de Ajudante e capitão de Infantaria com exercício de engenheiro neste Reino e de
Sargento-mor do Regimento de Artilharia da Praça do Rio de Janeiro, que se acha
exercitando atualmente e no decurso deste tempo ir no ano de 1729 ao Porto a tirar a
planta do Rio [chame] sondando-o apontar o que deveria obrar para segurança das
embarcações, no que gastou três meses, com grande trabalho e risco de vida. Foi
mais encarregado pelo engenheiro-mor de muitas diligências pela sua ciência e
capacidade, e por este respeito o propôs para lente substituto da Academia de Viana.
Na praça de Almeida ensinou os Artilheiros a carregar e apontar a Artilharia, e
morteiros de bombas de que muitos saíram capazes, e lhes ensinou tão bem a miudar
os tiros das peças pequenas, que por ser invento moderno o ignoravam, preparando
122

carreras por seu modelo, e os [deserou] esse manejo. [...] Passando ao Rio de Janeiro
a exercitar o dito posto de Sargento-mor o está servindo desde quatorze de fevereiro
de mil setecentos e trinta e nove, com muito zelo e préstimo atualmente
(AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 53, D. 12479).

Não foi encontrado nenhum documento referente às atividades de Alpoim como


professor substituto em Viana, sua terra natal. Diferentemente, são encontradas várias
referências ao trabalho que desempenhou em Almeida. Provavelmente, não tenha exercido
função de lente em Viana.
Foi seu conhecimento sobre a Artilharia que o levou a ocupar postos tão altos. Em
informação enviada pelo governador do Rio de Janeiro em 8 de março de 1749 sobre os
candidatos a ocupar o posto de mestre-de-campo, mais uma vez são traçados elogios a
Alpoim, que, dessa vez, passou a ter seu nome relacionado à Infantaria. Além de ser o
“Tenente de Mestre de Campo General” mais antigo era
[...] igualmente ciente /o que raras vezes se encontra/ na profissão da Artilharia, do
presente há dado ao prelo, dous tomos, um de Artilharia, outro de Bombeiros, obras
muito cientes e de grande utilidade: é o primeiro oficial destas Províncias nesta
importante profissão de Artilharia; e na de Engenheiro. AHU_ACL_CU_017-
01, Cx. 63, D. 14723.

Outra das funções de Alpoim foi a das demarcações e negociações do Tratado de


Limites. Em 1754, pediu soldo dobrado do posto de coronel do Regimento de Artilharia da
guarnição da Praça do Rio de Janeiro, durante o tempo em que estivesse servindo na
Comissão da Divisão da América Meridional. Alegou os gastos que tinha que fazer, inclusive
dando ‘mesa’ às suas custas aos oficiais.
[...] e embarcando no Rio de Janeiro para a Ilha de Santa Catarina, passou por terra
ao Rio Grande de São Pedro, adonde o mesmo General (do Rio de Janeiro) lhe
ordenou delineasse e assistisse à factura dos Carros, que erão precisos para a
condução dos Marcos da Divisão, e logo que os concluiu, lhe foi mandado marchar-
se com as Três Companhias de granadeiros, para a Guarda de Chuí, que dista mais
de cinqüenta léguas, jornada em que padeceu vários incômodos e prejuízos, pelas
contínuas chuvas e frios que experimentou, acrescendo a serem caminhos
despovoados, e dando mesa à sua custa aos oficiais que o acompanhavam, o qual
continua em dar-lhes, no que tem feito mui considerável despesa, sendo obrigado a
entrar em outras maiores para se refazer, dói que lhe é preciso, a fim de passar a
trabalhosa Divisão de Segunda partida em qualidade de Primeiro Comissário; [...]
(AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 77, D. 17823).

A ordem para pagamento veio de Lisboa ao governador do Rio de Janeiro, Minas


Gerais e São Paulo, por aviso de 16 de fevereiro de 1756. Alpoim foi nomeado coronel e
brigadeiro de Infantaria da guarnição da Nova Colônia, por decreto de 17 de outubro de 1758.
Terminada sua função na Nova Colônia, a patente de 21 de agosto de 1760 estabeleceu que
poderia exercitar esse posto no regimento onde antes servia, ou seja, no Rio de Janeiro.
123

Durante o tempo em que passou fora do Rio de Janeiro, os alunos da Aula Militar da
cidade não ficaram sem lições. Em certidão passada quando foi firmado o acordo entre o
governador Gomes Freire e o João Bartolomeu Havele, fica claro com que objetivo foi
determinado que João B. Havele ficasse na colônia. Havele tinha vindo para as demarcações
com outros oficiais de Infantaria, por decreto129 do Conselho de Guerra.
[...] foi servido ordenar-me deixar nesta capitania pessoa em quem reconhecesse a
capacidade e ciência para ensinar na Academia Militar a Geometria e a riscar as suas
figuras como todo desenho para formação das cartas topográficas àquelas pessoas
que na mesma frequentam nos dias destinados para se fazerem cientes naquela Arte;
e vendo eu que em V. Mercê concorrem todas as circunstâncias precisas para que lhe
incuba essa diligência lhe ordeno fique nesta capitania, praticando as suas Lições
aos Aplicados na Academia Militar e a ciência de desenhar. Espero que V. Mercê
execute tudo em forma, que quando eu voltar a essa capital tenha muito que lhe
agradecer e que por na presença de Sua Majestade o zelo e atividade com que se
emprega no seu real serviço. Deus guarde a V. M. Rio a treze de Janeiro de mil
setecentos e cinquenta e dois =Gomes Freire de Andrade= Senhor Capitão João
Bartolomeu Havale. [...] (AHU_ACL_CU_017, Cx. 64, D. 6050).

No entanto, em Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. José de 18 de novembro


de 1761, ainda se tratava do requerimento em que João Bartolomeu Havele, capitão de
Infantaria do Rio de Janeiro, solicitava que lhe fosse pago o soldo de 16 mil réis, desde o dia
em que passou a ter as funções de ensinar na Academia do Rio de Janeiro, que era o que
recebia Alpoim por esse emprego. No decorrer do processo, o Conselho Ultramarino tinha
pedido o parecer do governador, por provisão de 10 de janeiro de 1758. O governador, em
resposta de 20 de outubro de 1758, informou que “era certo que ele, Governador, por achar
capacidade ao suplicante, lhe mandara ditar-se aos oficiais e soldados que haviam ficado de
guarnição naquela cidade”, mas que muitos tinham ido com Alpoim, Coronel de Artilharia, às
campanhas, “sendo também certo que em os Quartéis de Inverno continuava a sua Lição, que
lhe parecia, sendo V. Majestade servido, se compensaria o trabalho deste capitão com se lhe
darem oito mil reis cada mês”. À margem da consulta enviada ao rei está: “Como parece.
Nossa Senhora da Ajuda, 28 de Junho de 1763”.
Destaca-se desse processo a demora para se obter a aprovação, mesmo descontando o
tempo que os documentos passavam nas embarcações para atravessar o oceano. Mas além
disso, é importante ressaltar que o ensino da Academia Militar ia além dos conhecimentos de
artilharia, contemplando também o ensino do desenho de plantas e das cartas topográficas,
além, é claro, da geometria.

129
ANTT, Decretos relativos ao Extinto Conselho de Guerra. Maço 110, de 30 de dezembro de 1750.
124

Em carta130 dos oficiais da Câmara do Rio de Janeiro ao rei D. José, de 22 de janeiro


de 1763, foi comunicado o falecimento do governador do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São
Paulo, conde de Bobadela, Gomes Freire de Andrade e a nomeação do Bispo daquela diocese,
D. frei Antônio do Desterro, do chanceler da Relação do Rio de Janeiro, João Alberto de
Castelo Branco e do brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, para assumirem interinamente o
governo do Rio de Janeiro. Mas já em 17 de outubro deste ano o vice-rei do Estado do Brasil,
conde da Cunha, D. Antônio Álvares da Cunha, enviou ofício131 ao secretário de estado da
Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, informando sobre a sua tomada
de posse como vice-rei e governador do Rio de Janeiro. Nesse ofício trata da ida do brigadeiro
José Fernandes Pinto de Alpoim a Buenos Aires para encetar negociações com o
representante espanhol, D. Pedro de Cevallos.
Em outro ofício132 de 21 de dezembro do ano de 1763, o vice-rei dá conta da ida de
Alpoim a Buenos Aires para receber a Nova Colônia do Sacramento, que tinha sido restituída.
Entre os escolhidos pelo vice-rei para auxiliá-lo no governo da capitania, não há dúvidas de
que estava José Fernandes Pinto Alpoim. Ele, porém, não pôde desempenhar por muito tempo
outros trabalhos, já que por ofício133 de 29 de janeiro de 1765, o vice-rei comunicou o
falecimento do brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim e de seu ajudante, Luís Afonso
Cabral, o que nos leva a afirmar que sua morte não foi por motivo de doença, mas durante
alguma atividade relacionada às suas funções, em 7 de janeiro.
De um modo geral, os que participaram das demarcações da América Meridional
tiveram nomeações expressivas como José Custódio de Sá e Faria. Nomeado antes de 1760,
solicitou ao rei confirmação da sua carta patente no posto de tenente-coronel do regimento de
Artilharia de guarnição do Rio de Janeiro, de que era coronel José Fernandes Pinto Alpoim,
em requerimento134 com data do dia 1 de fevereiro de 1756. Em 1765 tinha o cargo de
governador do Rio Grande de São Pedro.
Pelo que foi possível averiguar na documentação consultada, José Fernandes Pinto
Alpoim teve quatro filhos, dois meninos e duas meninas. Vasco Fernandes Pinto Alpoim e
José Fernandes Pinto Alpoim (homônimo do pai) também exerceram postos militares no Rio
de Janeiro. Vasco F. P. Alpoim foi soldado, depois passou a alferes, foi nomeado sargento-
mor do regimento de Artilharia da Praça do Rio de Janeiro por patente de 23 de setembro de

130
AHU_ACL_CU_017, Cx. 65, D. 6177.
131
AHU_ACL_CU_017, Cx. 69, D. 6409.
132
AHU_ACL_CU_017, Cx. 70, D. 6447.
133
AHU_ACL_CU_017, Cx. 73, D. 6690.
134
AHU_ACL_CU_017, Cx. 58, D. 5631.
125

1760, em 1763 já era tenente-coronel, embarcando-se em 1765 para Santa Catarina no


comando de operações135 e em 1767136 já nomeavam outra pessoa para o posto que vagou por
sua morte.
Já José Fernandes foi nomeado tenente de granadeiros. Partiu para Lisboa em março
de 1763, com licença de um ano para buscar sua irmã Antonia de Alpoim para casar-se no
Brasil com Joaquim José Ribeiro da Costa, “entretanto, ali permanecera 2 anos e 3 meses,
sem renovar sua licença, só regressando ao Rio de Janeiro na presente frota”
AHU_ACL_CU_017, Cx. 75, D. 6841. Pediam, em carta de 17 de setembro de 1765, depois
que o pai já tinha falecido, que fosse destituído da patente de ajudante de ordens.
A esposa de Alpoim, tinha ficado na corte e em documento137 de 5 de março de 1749
informou-se que deveriam cessar os descontos do soldo do engenheiro para assistência de sua
mulher, pois ela havia falecido. A outra filha de Alpoim era Maria Mayor de Alpoim, que se
casou em Portugal (PIVA, 2007, p. 84).
O genro Joaquim José Ribeiro da Costa, tenente-coronel de um dos Regimentos do
Rio de Janeiro, em requerimento138 à rainha D. Maria I, solicitou a remuneração dos serviços
prestados por seu sogro, o brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, bem como a faculdade de
renunciar a tença correspondente ao posto de brigadeiro em quem designar. O processo139
encontrado nos arquivos do AHU contém auto de justificação de serviços, escritos,
requerimentos, certidões, atestados, nomeação, cartas patentes de Alpoim, mas tem também
documentos do requerente.
Como já foi referido, o ensino militar no Rio de Janeiro, no período destacado, sempre
esteve ligado à Artilharia, embora as teorias de fortificação e do desenho também tenham sido
ensinadas. Destaca-se uma informação que não aparece nas referências que tratam do assunto,
o fato de que, além de Alpoim, também exerceu funções de professor da Aula Militar da
cidade João Bartolomeu Havele, apesar de não ser possível afirmar o tempo exato em que
exerceu tal atividade. A seguir, descreve-se sobre o processo de estabelecimento de “Aulas”
em Pernambuco.

135
AHU_ACL_CU_017, Cx. 66, D. 6228.
136
AHU_ACL_CU_017, Cx. 83, D. 7394.
137
AHU_ACL_CU_017, Cx. 41, D. 4284.
138
AHU_ACL_CU_017, Cx. 153, D. 11589. Anterior a 5 de dezembro de 1794.
139
Há cópias dos documentos no Arquivo do SPHAN, no Rio de Janeiro.
126

5.3 – Pernambuco

Nas duas últimas décadas do século XVII, em Pernambuco estiveram José Paes
Esteves, que tinha sido nomeado140 em fins de 1686 e passou à Bahia em 1692, e Pedro
Correia Rabelo, nomeado141 em 19 de novembro de 1693, embora em novembro de 1694
ainda se encontrasse na corte, solicitando ajuda de custo para a viagem. Além do cargo de
engenheiro, também foi nomeado com exercício na Artilharia. Rabelo estudou na corte ainda
com Luís Serrão Pimentel, foi examinado por ele e tornou-se um dos partidistas da Aula de
Fortificação da corte. Consta nos documentos ter sido nomeado em 27 de fevereiro de 1693
Antonio de Sousa e Lima, embora não haja informações sobre sua atuação na colônia.
A primeira informação sobre a existência de Aula nesse período é anterior a 19 de
abril de 1700142. Trata-se de uma certidão (extrato) do sargento-mor e engenheiro Luís
Francisco Pimentel, declarando os serviços do ajudante Francisco Ribeiro Garcia. Seu
conteúdo relata o que se ensinava na capitania e que Luís Francisco Pimentel era professor e
examinador dos alunos em Pernambuco.
Luis Francisco Pimentel Sargento-mor-engenheiro com Superintendência na
Artilharia, lente da Aula de Fortificação e examinador da Raiz quadra nas Capitanias
de Pernambuco por S. Majestade, certifico que em cumprimento do despacho acima
do Governador de Pernambuco e mais Capitanias anexas Francisco de Castro
Morais, examinei o Ajudante Francisco Ribeiro Garcia e o achei ciente no tirar a raiz
quadra a qualquer número proposto, formar os quatro esquadrões principais e regras
de cobrir por igual ou mandando-lhe o número da gente e perguntando-lhe o número
das fileiras ou dando-lhe o número das fileiras e perguntando o número da gente
necessária o que tudo faz com [ape com grande provi] (AHU_ACL_CU_015,
Cx. 18, D. 1812).

Esse documento mostra que ainda antes de 1700 já havia aulas ligadas ao ensino
militar no Recife, assim como na Bahia, e indica que o decreto de 1701 que estabelecia a Aula
era só mais uma formalidade. Luís Francisco Pimentel morreu143 em 25 de janeiro de 1705,
afogado no rio Doce.
No reino passa então a haver indicações de engenheiros para ocupar esse posto.
Chegaram à conclusão de que do Rio de Janeiro deveria ir Diogo da Silveira Veloso, que
tinha sido nomeado144 em 22 de fevereiro de 1702, a Montevidéu, então localizada na Colônia
do Sacramento, mas acabara por ficar no Rio de Janeiro, pois, em palavras de Manoel
Pimentel, “como hoje se desamparou a Colônia do Rio da Prata parecem escusados quatro

140
AHU_ACL_CU_015, Cx. 14, D. 1392.
141
AHU_ACL_CU_015, Cx. 16, D. 1621.
142
Devido ao mau estado do documento tornou-se impossível determinar a data exata.
143
AHU_ACL_CU_015, Cx. 22, D. 2012.
144
AHU_ACL_CU_017-01, Cx. 83, D. 19305.
127

engenheiros no Rio de Janeiro, que tantos são com o Diogo da Silveira Veloso. Lisboa 1 de
Novembro de 1705” (AHU_ACL_CU_015, Cx. 22, D. 2032). Mesmo com a ida de Veloso
para Pernambuco continuaram por selecionar mais um engenheiro para ser enviado a
Pernambuco, nomeação que só ocorreu em 28 de janeiro de 1707, sendo nomeado João de
Macedo Corte Real.
Este último chegou a Pernambuco ainda em dezembro de 1707, quando passou
efetivamente a exercer o posto de sargento-mor-engenheiro. De 18 de janeiro de 1718 é um
requerimento seu solicitando patente do posto de tenente-general da Artilharia da Capitania de
Pernambuco. No requerimento há um resumo das suas atividades, incluindo aquelas ligadas à
docência: “[...] servindo de examinador da formatura dos esquadrões e manejo da Artilharia
de primeiro de março de 1714 até o ano de 1716, estando lendo atualmente na Aula de
Fortificação com muito aproveitamento dos discípulos dela e nas obrigações do suposto obrou
com muita inteireza, verdade e limpeza de maõs” (AHU_ACL_CU_015, Cx. 28, D. 2524).
Diogo da Silveira Veloso, apesar de não ter ido a Montevidéu durante os três anos e
meio que esteve na Capitania do Rio de Janeiro, passou por São Paulo, Santos e Ilha Grande,
mas a maior parte do tempo serviu mesmo em Pernambuco, na cidade de Recife, “onde o
nosso engenheiro constituiu família, onde galgou os postos sucessivos à sua patente inicial de
capitão, escreveu seus livros [...]” (OLIVEIRA, 2005, p.14) e trabalhou em muitas das
construções da cidade.
Em 1720 foi-lhe concedido o posto de sargento-mor; em 1730 foi promovido a
tenente-general, com funções de engenheiro e, em 1735, conseguiu ocupar a vaga de tenente-
general de Artilharia, inserindo-se, assim, nos quadros dos artilheiros, sem deixar os trabalhos
como engenheiro. Em 1729, Veloso expôs e discutiu com os mais importantes engenheiros
militares da corte, o brigadeiro Manoel de Azevedo Fortes, engenheiro-mor do reino, o
brigadeiro João Massé e o coronel José da Silva Paes, as propostas para as fortificações da
cidade do Recife. A junta de engenheiros elaborou um parecer145 sobre o assunto
encaminhando à instância real.
Veloso foi também lente da Aula Militar de Pernambuco, embora pelos documentos
disponíveis não seja possível precisar o período. Em carta de 24 de novembro de 1739, o
governador da Capitania de Pernambuco, Henrique Luís Pereira Freire de Andrada expõe ao
rei D. João V sobre a necessidade de aulas de engenheiros e partidistas, como tinha havido no
tempo do tenente João de Macedo (já falecido), que depois foi sucedido por Diogo da Silveira
Veloso, e este, por Luís Xavier Bernardo. Os dois últimos encontravam-se incapazes ou sem
145
AHU_ACL_CU_015, Cx. 39, D. 3541, de 17 de novembro de 1729.
128

disponibilidade de tempo para aquele exercício. Solicitou então um engenheiro que assistisse
às fortificações e ministrasse aulas.
No documento há a informação de que Luís Xavier Bernardo estava quase cego e
ainda padecia de ataques e que, por isso, apesar de ser sua tarefa, não era possível que ele
consiguisse ensinar na Aula. Além disso, Diogo da Silveira Veloso tinha outro cargo e ainda
fazia muitas viagens:
[...] o que o imposssibilita não só de ensinar mas também acudir a tudo o que é
preciso, e ainda sendo posto que o Tenente General de Artilharia cuida a tudo que se
lhe ordena de exercício de engenheiro, como tem muito que fazer no seu mesmo
emprego de Luís Xavier se o que há não pode acudir a dez fortalezas e a Ilha de
Fernando de Noronha [...].
Eu já representação faço para que Vossa Majestade seja servido mandar para essa
Capitania um engenheiro capaz e que traga todos os instrumentos que forem
necessários, não só de assistir as fortificações, mas também de ensinar, pela
conveniência de que haja a menos custo de engenheiros e se façam também capazes
muitos dos oficiais da Infantaria.
A falta de engenheiros se tem feito mais sensível depois da morte do Capitão de
Artilharia Manoel de Almeida Fortuna que sem o caráter de engenheiro exercitava
este emprego e pela sua atividade e ciência se serviam dele os Governadores, mas do
que os presentemente há, o qual havia aprendido na Aula que aqui houve antes do
falecimento do Tenente General João de Macedo. Recife 24 de novembro de 1739
(AHU_ACL_CU_015, Cx. 55, D. 4761).

Com a constante perda de oficiais militares e a imensa carga de atividades legadas aos
engenheiros, parecia mesmo difícil manter as atividades de ensino, que eram indispensáveis
para a tentativa de manutenção do quadro de militares com algum conhecimento de ciências.
Um dos que passaram pela Aula de Fortificação no Recife é Antônio José de Lemos, que em
1739 requereu ao rei confirmação da carta patente de artilheiro e ajudante das fortificações do
Recife passada pelo governador de Pernambuco em 1736. Na carta146 há a informação que os
dois tenentes-generais (Diogo da Silveira Veloso e João de Macedo Corte Real) passaram
certidões e informações a seu respeito: que ele sabia ler, escrever e contar, e que havia outros
opositores, mas o julgaram com mais ciência.
Luís Xavier Bernardo foi nomeado para o Brasil em 1716, trabalhou primeiramente na
Paraíba e passou a Pernambuco em 1736, já como tenente-de-mestre-de-campo de Infantaria.
Não há qualquer outra informação sobre sua atuação como professor. Já a respeito da atuação
de Veloso como professor pode-se inferir um pouco mais, pois deixou três manuscritos que
certamente serviram à sua função de lente. São eles: Arquitetura Militar ou Fortificação
Moderna147, de 1743, Opúsculos geométricos, de 1732 e o manuscrito Geometria Prática,

146
AHU_ACL_CU_015, Cx. 53, D. 4634.
147
Obra transcrita e comentada por Mário Mendonça de Oliveira. Salvador: EFUFBA, 2005. 368 p.
129

com data de 1699. A história e o conteúdo desses três textos serão abordados com detalhes na
seção seguinte deste trabalho, no item 6.6.1.
Em 6 de dezembro de 1740 houve parecer148 do Conselho Ultramarino sobre a
nomeação de um engenheiro para estabelecer a Aula de Fortificação da Capitania de
Pernambuco, atendendo ao pedido feito pelo governador de Pernambuco no ano anterior,
embora não tenha ficado registrado o nome do engenheiro nomeado. Mas a necessidade de
engenheiros vindos do reino continuou a existir.
Com a maior escassez de documentos a respeito de Pernambuco, em relação à Bahia e
ao Rio de Janeiro, pouco foi possível dizer sobre as aulas para o ensino de fortificação e
matérias a ela ligadas. Mesmo com indicação de alguns engenheiros que foram professores,
não foi possível determinar se esse ensino foi intermitente, se o número de alunos era
considerável, entre outras informações julgadas relevantes. Passa-se então a tratar da
Capitania do Maranhão e Grão-Pará.

5.4 – Pará e Maranhão

Há relativamente poucas informações referentes ao ensino de Engenharia Militar nos


estados do Maranhão e Pará. Na maioria das vezes, o engenheiro nomeado para um desses
lugares acabava por fazer trabalho também no outro. Apesar de haver informações de que
deveria ser instituída Aula de Fortificação no Maranhão “[...] ao dito Governador, instituindo
naquele estado, onde há Engenheiro, Aula de Fortificação, havendo nela três discípulos de
partido, que tenham aos menos 18 anos de idade; os quais sendo soldados se lhes dará além
do soldo meio tostão por dia, e não o sendo vencerão só o dito meio tostão. E dá outros
regulamentos para a dita Aula. 13 de janeiro de 1699. Cod. CXV/2-13, folha 225v, 1º volume,
735 folhas”149, há poucos indicativos de que ela tenha realmente existido.
Consta ter sido nomeado para as fortificações do Maranhão Pedro de Azevedo
Carneiro como capitão-engenheiro em 26 de janeiro de 1685. Ele tinha frequentado a Aula
da corte, sendo um dos partidistas da época. Da certidão passada por Manoel Pimentel:
[...] Cosmógrafo-mor do Reino, e lente da Aula de Fortificação porque consta
continuar o dito Pedro de Azevedo em ouvir a Lição de Geometria e Fortificação na

148
AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4865.
149
Informações existentes em: RIVARA, Joaquim Heliodoro da Cunha. Catálogo dos Manuscriptos da
Bibliotheca Publica Eborense: que comprehende as noticias dos codices e pepeis relativos às cousas da América,
África e Ásia. Lisboa: Imprensa Nacional. 1850. Vol. I, p. 82). O Códice Cod. CXV/2-13, como descrito na
citação, não mais encontra-se na Biblioteca Pública de Évora, tendo sido transferido para qualquer outra
biblioteca ou arquivo português, segundo informações de bibliotecários atuais.
130

Aula régia, desde dez de Novembro de 681 até o presente com partido de 36 mil réis
cada ano e que em todo esse tempo se aplicara ao dito estudo com muito cuidado,
mostrando bom talento e suficiência e engenho e não só naquelas ciências, mas
também na Arte do manejo e formatura dos esquadrões se fazerá muito capaz para
tudo o que fosse ocupado do Serviço de V. Majestade. (AHU_ACL_CU_009,
Cx. 6 Doc.: 711).

Data de 29 de novembro de 1690 uma Consulta do Conselho Ultramarino em que


Pedro de Azevedo Carneiro pede para voltar ao reino. Em 1691 já era nomeado outro
engenheiro, Custódio Pereira, para o posto de capitão. O documento referente a essa
nomeação trata da extensão de território compreendido para o trabalho dos engenheiros dessa
capitania, sendo necessária a nomeação de um ajudante engenheiro para o trabalho nas
fortificações “no Pará e no Cabo Norte, ficando umas das outras em tanta distância que se
contavam do Maranhão ao Rio Negro oitocentas léguas, a que uma só pessoa não podia
acudir” (AHU_ACL_CU_009, Cx. 8 Doc.: 845).
Mas é só na carta patente assinada em 19 de outubro de 1705 que lhe concedeu o posto
de sargento-mor do estado do Maranhão que consta alguma referência à sua função de
professor, “ficando com a obrigação de engenheiro [...], com a declaração que será obrigado a
ensinar as pessoas que quiserem aprender a engenheiros sem por isso levar salário algum
por ser em utilidade daquele estado” (VITERBO, 1904, v. II, p.245). Essa indicação aparece
depois do Decreto de 1699, que ordenava o estabelecimento de Aulas para a formação de
engenheiros.
Poucos anos depois da vinda de Custódio Pereira, José Velho de Azevedo foi
nomeado para ocupar o posto de sargento-mor do estado do Pará. A carta patente150 foi
assinada em 13 de março de 1693 e incluía a função de engenheiro. Em carta151 de 8 de julho
de 1695 enviada ao secretário de estado, Mendo de Foios Pereira, José Velho de Azevedo
reclama que não estavam sendo pagos seus soldo referente ao trabalho de engenheiro e
informa sobre suas diligências no Cabo Norte.
Em Consulta do Conselho Ultramarino de 18 de novembro de 1697 se explicitou a
obrigatoriedade de que o engenheiro José Velho de Azevedo ensinasse aos artilheiros “e me
ordena V. Majestade e juntamente obrigasse ao engenheiro José Velho de Azevedo, para que
ensinasse aos Artilheiros, por ser esta uma das condições com que passara a este Estado;”
(AHU_ACL_CU_009, Cx. 9 Doc.: 950).
Se José Velho de Azevedo ensinou Artilharia no Maranhão não se sabe, mas há
referência de que deveria ensinar no Rio de Janeiro, explícita na carta patente de 27 de

150
VITERBO, 1922, V.III, p. 173-174.
151
AHU_ACL_CU_013, Cx. 4, D. 322.
131

dezembro de 1698, que lhe concedeu passagem ao Rio de Janeiro, embora haja dúvidas se
realmente chegou a seguir para o Rio, pois não se encontrou qualquer documento que
confirmasse a sua presença no Rio de Janeiro. Na época dessa solicitação, exercia os postos
de sargento-mor no Pará e capitão-engenheiro no Maranhão.
[...] de que se lhe passe Patente de Sargento-mor-engenheiro ad honorem do Rio de
Janeiro e que com ele vença os vinte e seis mil réis de soldo que são dez tostões
mais do que se deu a seus antecessores. Com declaração que será obrigado a ensinar
aos Artilheiros, porque essa foi a razão que moveu V. Majestade a conceder este
mesmo acrescentamento ao da Bahia e Pernambuco. Lisboa, 11 de dezembro de
1698 (Consulta do Conselho Ultramarino de 11 de dezembro de 1698.
AHU_ACL_CU_013, Cx. 4, D. 350).

Essa passagem indica que na Bahia e em Pernambuco também se ensinava aos


artilheiros, ainda antes de qualquer carta régia que estabelecesse oficialmente as “Aulas”.
Além de não serem encontrados documentos sobre a estada de José Velho de Azevedo
no Rio de Janeiro, há documentos posteriores em que solicita outros postos no estado do Pará,
como o requerimento152 de 1723 em que requer o posto de coronel-engenheiro da Capitania
do Pará. José Velho de Azevedo faleceu153 em 14 de novembro de 1724.
Mas nada também foi possível apurar sobre sua atuação no ensino nos estados do Pará
e do Maranhão. Certo é que, em carta de 1724, escrita em Belém do Pará, o governador e
capitão-general do Estado do Maranhão, João da Maia da Gama, continuava a reclamar da
falta de um engenheiro na capitania. E que “o Tenente-General Custódio Pereira que está no
Maranhão [...] não está capaz de cousa alguma, nem pra ver, nem para assitir, nem para
riscar” (AHU_ACL_CU_013, Cx. 8, D. 726).
Em 1727 foi nomeado para o Maranhão Carlos Varjão Rolim, com o posto de
sargento-mor-engenheiro. A carta patente tem data de 26 de abril de 1727 e informa que ele
estava servindo de “Ajudante de Infantaria auxiliar no terço da Comarca de Santarém e
professor de Engenheiro, e doutrina militar de fortificações aprovado pelo Engenheiro-mor do
Reino e depois de seguir dele as matemáticas na Academia Militar desta Corte que exercitou
por espaço de quase três anos” (ANTT, Chancelaria de D. João V. Livro 69, f. 309v).
Mesmo já tendo dado aulas em Santarém, a sua carta de nomeação não lhe coloca a
incumbência de dar aulas no Brasil, como foi comum com muitos nomeados para outras
capitanias brasileiras. Nem em outros documentos já do período em que estava no Brasil há
indicativos de que tenha dado aulas no Maranhão ou em Belém, o que é compreensível pelas
grandes jornadas a que se submetia, entre São Luís do Maranhão e Belém do Pará, “mas

152
AHU_ACL_CU_013, Cx. 7, D. 637. Anterior a 22 de fevereiro de 1723.
153
Na igreja de Santo Alexandre em Belém – PA há uma lápide tumular com informações sobre esse engenheiro.
132

também para assitir ao conserto que se há de fazer nas fortalezas do Gurupá, Paru, Tapajós e
Rio Negro, que todas essas estão a ruina [...]” (AHU_ACL_CU_013, Cx. 13, D. 1185). Como
seu trabalho estava concentrado mais no Pará, pediu para que seu posto estivesse atrelado à
Capitania do Pará e não mais à do Maranhão, onde ele se fazia mais preciso.
Em 1757, o governador e capitão-general do Maranhão, Gonçalo Pereira Lobato de
Sousa, continua solicitando o envio de um engenheiro para a Capitania do Maranhão, a fim de
ensinar aos soldados da guarnição.
Ponho na notícia de V. Exelência em como no Governo desta Capitania não acha
oficial algum engenheiro que possa ensinar em Aula aos Soldados desta
guarnição como no uso e serviço da Artilharia meios tão necessários e precisos
para qualquer incidente: um Capitão de Infantaria, que há e que teve alguns anos
de lição e serviço na Aula desta Corte se acha tão velho e surdo que nada pode obrar
nestas faculdades [...] (AHU_ACL_CU_009, Caixa: 38 Doc.: 3746).

Da mesma forma que, em relação a Pernambuco poucos foram os documentos sobre


alunos e professores encontrados no decorrer desta investigação, assim também aconteceu em
relação aos documentos da capitania que englobava os atuais estados do Maranhão, Pará e
Amapá.
Em linhas gerais, o trecho em destaque na citação anterior ilustra bem o que se
praticou na maioria das capitanias do Brasil em relação ao ensino militar. À exceção das aulas
ministradas em Salvador e Pernambuco que nitidamente eram “Aulas” para se ensinar a
Engenharia Militar, ou Arquitetura Militar, como era conhecida na época, nas outras
capitanias o ensino militar, quando houve, era mais voltado para a Artilharia.
Mas em todos os trechos que foram citados neste capítulo ficou claro que, mesmo para
o ensino da Artilharia eram nomeados engenheiros e não outros oficiais do Exército sem essa
função. Eram os engenheiros que, mais que todos os outros oficiais do Exército, possuíam os
conhecimentos sobre ataque e defesa das praças fortificadas, pois sabiam onde as peças de
artilharia deveriam ficar dispostas de forma a defender a praça, caso atacada e, previam onde
estariam os alvos a atacar, caso estivessem rendendo uma praça inimiga.
Fica também claro que a imensa maioria dos engenheiros nomeados para atuar nestas
províncias era proveniente da corte e tinham estudado na Academia Militar da corte, embora
alguns, mesmo com capacidades para serem professores nos locais para que foram nomeados,
não tiveram a incumbência de exercer a função de ensinar.
Na seção seguinte, retomando a dinâmica da Academia Militar da corte, busca-se
mostrar como a Álgebra passou a ser um dos ramos da Matemática a ser ensinada nessa
escola.
133

6 – OS TEXTOS DE CIÊNCIAS MATEMÁTICAS DE ENGENHARIA MILITAR E A


ÁLGEBRA NESSES TEXTOS

São alguns os engenheiros militares que escreveram livros que foram impressos ou
ficaram manuscritos. Ainda há os textos que não foram elaborados com destino a tornarem-se
livros ou manuais: a estes chamam “postilas” ou “apostilas”. “Postila é a lição que dão os
Lentes, fazendo as pausas, e intervalos, que se costumam quando se dita. As postilas, que dita
o Mestre” (BLUTEAU, 1712-1728, p. 648). Se os mestres ditavam ou davam postila, os
alunos tomavam postila. Fisicamente, as postilas são os textos ditados pelos professores em
suas aulas, encontrados em manuscritos autógrafos ou em cópias de alunos.
Bibliotecárias da Sessão de Reservados da Biblioteca Nacional de Portugal
diferenciaram na coleção de manuscritos científicos do Colégio de Santo Antão as seguintes
tipologias154: - Notas de aula – reproduziam as matérias ‘ditadas’ pelo professor e ‘escritas’
por alunos. Eram produzidas com a finalidade essencial de estudo e transmissão de matérias; -
Obras teóricas – da autoria de professores e produzidas com a intenção manifesta de fixar os
resultados de um trabalho de reflexão intelectual sobre questões específicas e; - Miscelâneas –
que reúnem obras de professores, com outros trabalhos e textos de índole científica em forma
de apontamentos.
Como muitos textos encontrados nos arquivos dessa biblioteca e de outras bibliotecas
portuguesas sobre a Engenharia Militar são provenientes do Colégio de Santo Antão, é
possível fazer uso da classificação que estabeleceram e pode-se estender essa classificação
para os textos provenientes da Academia Militar, já que se tratava da mesma época. A maior
parte dos manuscritos que tratava da Engenharia Militar, ou como era mais comum na época
‘Architectura Militar’ são textos de alunos.
Sobre as aulas no Brasil há quase um consenso de que suas lições se restringiam a
aritmética básica e aplicações de procedimentos geométricos. Valente, ao referir-se sobre o
curso ministrado aos artilheiros no Rio de Janeiro por Alpoim, escreve que “A matemática
que mais interessava ao curso para artilheiros residia sobretudo na geometria. No entanto, era
preciso ensinar aos alunos os requisitos básicos da aritmética fundamental, caso contrário o

154
SILVA, A. C.; MARTINS, L.; FERREIRA, T. D. Os manuscritos da “Aula da Esfera”: dúvidas e certezas. In:
Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação. Sphaera Mundi: a ciência na aula da esfera:
manuscritos científicos do Colégio de Santo Antão nas colecções da BNP. Lisboa: BNP, 2008. p. 92-93.
134

ensino dos rudimentos geométricos e suas aplicações tornar-se-iam impossíveis” (VALENTE,


2002, p. 54).
Teixeira (1934) toma o período de 1600-1772 como o da decadência das ciências
matemáticas em Portugal, até quando se dá o ressurgimento da cultura das matemáticas pela
reforma da Universidade de Coimbra. Nesse período perderam-se os dois principais
impulsionadores do estudo das matemáticas: a aplicação à Náutica e à Astrologia. Mas nasceu
outro, com a aplicação das matemáticas à arte da guerra. Foram criadas uma “Academia de
Artilharia e uma Academia de Fortificação e foram depois estabelecidas em alguns
regimentos escolas com o mesmo fim. Mas estas modestas Academias e Escolas de ensino
elementar nada concorreram para o progresso das ciências” (TEIXEIRA, 1934, p. 213, grifo
da autora). Nem a publicação de Manoel de Sousa, em 1764, do livro Novo curso de
Matemática para uso dos oficiais de Engenharia e Artilharia, uma tradução do livro
publicado na França por Belidor, é considerado um aspecto positivo. “Neste livro são
considerados a Álgebra, a Geometria de Euclides, a Geometria das cônicas e a Mecânica com
muitas aplicações à Artilharia. No ensino da Geometria das cônicas e da Mecânica aplicam-se
métodos analítico-geométricos elementares” (TEIXEIRA, 1934, p. 214).
Esse autor deixa transparecer que no período de “pobreza científica” a que se refere,
apareceram em Portugal alguns escritos sobre Aritmética, Geometria elementar e Astronomia,
“mas são apenas trabalhos didáticos mais ou menos bem compostos, sem originalidade
apreciável, e que não concorrem para introduzir as descobertas dos grandes matemáticos
europeus. Dormem nas estantes das bibliotecas; e não serei eu quem os irá acordar”
(TEIXEIRA, 1934, p. 215). Seriam esses escritos, que não mereceram sua atenção, algumas
das obras ligadas ao ensino militar desenvolvido por Serrão Pimentel e Azevedo Fortes?
Ao se referir aos “doutos portugueses que se instruíram fora de Portugal”, toma
também Azevedo Fortes. Sobre ele escreveu: “Partiu, estudou em França e Itália, neste país
ensinou e voltou depois a Portugal, Manuel de Azevedo Fortes, que escreveu um livro notável
sobre aplicações de Matemática à Engenharia” (TEIXEIRA, 1934, p. 219). Certamente se
referiu ao livro O Engenheiro Português. Mas não há qualquer referência ao texto Lógica
Racional, Geométrica e Analítica.
Stockler (1819, p.70), ao escrever sobre o ensino de Matemática no reino português, já
nos anos de 1770 e 1780, relata que as matemáticas estavam longe do ideal, mesmo com a
recém-fundada Faculdade de Matemática na Universidade de Coimbra e sobre as aulas de
Engenharia Militar:
135

Não era muito melhor o pé em que se achavam os estudos militares, principalmente


pelo que pertence à Escola dos Engenheiros. A simples geometria de Euclides, a
Trigonometria do Padre Campos e uma indigesta apostila de fortificação, ocupava os
discípulos por tantos anos como agradava ao capricho do mestre demorá-los na sua
imperfeitíssima escola; aonde os livros de Azevedo Fortes e Pimentel somente se
davam por premio aos discípulos mais adiantados, aos quais contudo se não pedia
conta do que neles estudavam (STOCKLER, 1819, p.70).

De que indigesta apostila de fortificação ele se refere não é possível saber. Poderia se
tratar do livro O Engenheiro, Português de Azevedo Fortes, sempre referenciado como o
tratado de fortificação seguido na Academia Militar? Provavelmente não, já que, no mesmo
trecho, Stockler elogia os livros de Fortes. São conhecidos os livros155 do padre Manoel de
Campos a que Stockler se refere. Se por essa época os conhecimentos adquiridos na
Academia Militar não passavam de geometria, trigonometria e dos preceitos da fortificação,
na primeira metade do século, nessa mesma escola se ensinou mais que isso, como se verá.
Já na primeira metade do século, 1744, havia sido publicada a Lógica Racional,
Geométrica e Analítica, livro que Stockler afirma ter sido distribuído apenas como prêmio aos
alunos mais adiantados da Academia. A Lógica pode ser considerada o primeiro livro
publicado em Portugal que trazia questões de álgebra. E o autor dela era o engenheiro-mor, o
responsável pela Academia Militar. Não teria ele feito com que os conhecimentos tratados no
livro tivessem sido disponibilizados aos alunos da Academia Militar da sua época? Ou que ele
mesmo tivesse ensinado esse conteúdo na Academia, já que também ministrou aulas?
É a respeito desses aspectos que se desenvolverá esta seção, mas antes será
apresentada a Lógica Racional, Geométrica e Analítica e encontrados os autores que tenham
sido as fontes inspiradoras desse trabalho de Azevedo Fortes, já que a maneira como
constituiu seu manual era também uma incógnita. Ao tratar da Lógica Analítica, uma das
partes do livro, teria ele realizado uma compilação de vários autores estrangeiros? Seguira
uma única fonte? Se sim, porque não registrou essa informação em seu texto, como fez em
relação à Lógica Geométrica?

155
Trigonometria plana e espherica tirada dos autores mais celebres [...] e Synopse trigonometrica dos casos
que comummente ocorrem em uma e outra trigonometria plana e espherica com as analogias respectivas e
practicas logarithmicas que lhe correspondem. Lisboa: Antonio Isidoro da Fonseca, 1737.
Elementos de geometria plana e sólida segundo a ordem de Euclides. Lisboa, Rita Cassiana, 1735.
136

6.1 – O texto do professor Manoel de Azevedo Fortes

Os três livros escritos por Azevedo Fortes que tratam diretamente de Matemática não
têm nela seu objetivo principal. O Engenheiro Português tinha como objetivo latente a
exposição das matérias necessárias à formação do engenheiro militar. O Tratado do modo
mais fácil e exato de fazer as cartas geográficas propunha sistematizar o modo como todos
fariam as cartas. Só a Lógica Racional Geométrica e Analítica, apesar de Fortes dizer que se
destinava aos engenheiros, então à sua formação, parece não ter como determinante conteúdo
algum em específico, além de Matemática. Uma das suas partes, a Lógica Racional, tinha
como objetivo mostrar que os caminhos da ciência, por meio da Matemática, eram os únicos
capazes de abrir o espírito para o entendimento. A Lógica Geométrica, como o próprio nome
já diz, trata da geometria, uma alusão ao livro Elementos, de Euclides. Já a Lógica Analítica
apresenta conteúdos de Álgebra. Na discussão a ser realizada nesta seção, deixa-se de fora os
dois primeiros livros.
A obra Lógica Racional Geometria e Analítica está dividida em três partes, como o
próprio título já elucida: a primeira é a Lógica Racional, com 151 páginas, a segunda, a
Lógica Geométrica, conta com 270 páginas e a terceira a Lógica Analítica, com 224 páginas.
Cada uma dessas partes está dividida em livros, capítulos e todas possuem os parágrafos
numerados. A numeração dos parágrafos e das páginas inicia-se pelo número um (1) em cada
uma das partes. No final da terceira parte há um índice bem detalhado por capítulos. Há ainda
as páginas da dedicatória, antelóquio e licenças. Na sequência, apresenta-se um resumo
informando o número de livros, seus títulos e o número de capítulos de cada um dos livros em
que a obra se encontra dividida.
Os livros da primeira parte - Lógica Racional – são quatro e mais um apêndice.
Livro I – Da primeira operação do entendimento, que é perceber (dezesseis capítulos);
Livro II – Das reflexões da segunda operação do entendimento, que é julgar (cinco
capítulos);
Livro III – Da terceira operação do nosso entendimento, que é discorrer (seis
capítulos);
Livro IV – Das reflexões da quarta operação do nosso entendimento, que é ordenar
(seis capítulos);
Apêndice – Da lógica contenciosa (com sete questões).

Na segunda parte – Lógica Geométrica – são cinco livros e um apêndice.


137

Livro I – não possui nome específico (seis capítulos);


Livro II – Da segunda espécie de extensão, que é a largura das superfícies planas.
(cinco capítulos);
Livro III – Das propriedades que convêm a qualquer grandeza aplicadas às linhas, aos
planos e aos sólidos, e demonstradas (três capítulos);
Livro IV – Das razões e proporções das linhas, dos triângulos, das figuras, assim dos
lados, como dos seus contornos e superfícies (cinco capítulos);
Livro V – Da terceira espécie de extensão, ou dos sólidos (quatro capítulos);
Apêndice – Das secções cônicas (quatro capítulos).

A terceira parte – Lógica Analítica – conta com seis livros e também com um
apêndice.
Livro I – Da grandeza em geral (seis capítulos);
Livro II – Das diferentes potências a que pode subir qualquer grandeza (sete
capítulos);
Livro III – Das razões em geral (cinco capítulos);
Livro IV – Das razões que as potências têm entre si e de todas as grandezas de muitas
dimensões (quatro capítulos);
Livro V – Dos quebrados e das operações da Aritmética sobre eles, considerados como
razões (oito capítulos);
Livro VI – Do modo de resolver uma questão ou problema (sete capítulos);
Apêndice – De algumas questões particulares (com seis questões).
Este último apêndice não é citado no índice.
A página de entrada conta com o título e uma explicação da importância da obra, tal
como segue: “Obra utilissima e absolutamente necessaria para se entrar em qualquer sciencia,
e ainda para todos os homens, que em qualquer particular, quizerem fazer uso do seu
entendimento, e explicar as suas idéas, por termos claros, proprios e intelligiveis”. Essa frase
fica registrada na primeira página de cada uma das três partes em que a obra se encontra
dividida, a menos das palavras ‘obra utilíssima’. Aparece ainda o nome do infante D.
Antônio, a quem está a obra dedicada e mais abaixo o nome do autor da obra, descrevendo
suas principais funções no reino de Portugal. Traz o nome da cidade onde a obra foi impressa,
o nome do dono da oficina que realizou a impressão e a data de publicação. Conta ainda com
uma frase que diz ter todas as licenças necessárias. Segue abaixo a página de rosto.
138

Fig. 14

Nas páginas destinadas à dedicatória, Fortes (1744, Dedicatória) escreveu que o seu
trabalho sobre Lógica Racional, cobriria a falta de ofertas de outros sobre o assunto e que isso
na verdade, era desejo de D. Antônio, que muito dava valor e que muitas vezes tinha com ele
tratado das questões filosóficas.
Como era comum para as publicações da época, várias páginas apresentam
ornamentos. Encabeça a página inicial da dedicatória vinheta gravada com estilo apurado,
representando o brasão real. Já a primeira página do antelóquio é encabeçada por uma vinheta
retangular xilografada com um motivo ornamental de folhagens e florões. Essa vinheta
decorativa se repete no início de cada livro e cada um deles possui, ao seu fim, uma ilustração
decorativa diferente.
139

Numa espécie de prefácio, denominada antelóquio, o autor relata sobre o que vai tratar
em parte de sua obra. Nesse antelóquio, ele destaca apenas o que discutirá na parte I – Lógica
Racional e pouco discute sobre a Lógica Geométrica e Analítica. É no antelóquio que Fortes
registra a intenção com que escreve, que público pretende atingir, o modo como escreve, em
que e em quem se baseia.
Fortes acompanhou a grande tendência de deslatinização da época. Ele mesmo declara
(1744, antelóquio) que outros autores já vinham fazendo isso em suas nações, como por
exemplo, na França, onde havia sido publicado o livro A lógica ou arte de pensar, no idioma
francês. A esse é possível acrescentar as obras matemáticas do Padre Lamy e de Dechales,
também escritas em francês. Diz que se fosse perguntado por que havia escrito na língua
materna e de forma tão simples, responderia que escrevia para os oficiais militares e que nem
todos sabiam a língua latina. Também lembrou das senhoras portuguesas, pois poderiam elas,
por serem menos ocupadas, curiosas e amigas do saber, fazerem maior progresso na Filosofia
do que os homens.
Andrade (1950, p.263) tece um comentário a respeito de não se saber se os elogios que
Fortes dispensou às mulheres portuguesas serviu para divulgar entre elas algumas das novas
ideias. Mas só o fato de ter se lembrado de uma parte dos “excluídos academicamente”, já o
faz importante como educador, ainda mais se for considerada a época em que vivia, uma
época em que a mulher não participava da academia, assumindo outros papéis que a fazia
submissa em relação à figura masculina, salvo raras exceções.
Quanto ao fato de escrever de forma simples, argumenta que os que usam nas suas
composições de grande ornato e elegância, “dão indício de pouca solidez nos seus escritos” e
que os que escrevem matéria cientifica não devem fazer o mesmo “porque nas ciências,
quanto mais os conceitos são finos e delicados, tanto mais necessitam de termos simples, e
usados, para fazer mais sensível e mais fácil de perceber a matéria, de que tratam” (FORTES,
1744, antelóquio).
A maior parte do antelóquio e a parte I – Lógica Racional são destinadas a tratar da
Filosofia. Fortes é considerado o introdutor da nova lógica em Portugal. Reconheceu antes de
Verney que a escolástica encontrava-se defasada e tal qual estava sendo ensinada nas escolas
portuguesas, a lógica não tinha proveito algum. Depois de expor o que seria uma verdadeira
lógica e de dizer que os professores da lógica que se ensinava ordinariamente nas escolas não
deveriam se contrapor a ela, pois a lógica que ensinavam estava cheia de questões inúteis da
metafísica. Ele ainda manifesta o quão seria do seu desejo que se introduzisse no reino
português um novo método de tratar a lógica. Então, consciente do descaso em que ela se
140

encontrava nas escolas e após refletir “mil vezes” sobre o que isso acarretaria por se declarar
contra tantas escolas filosóficas, torna público o seu opúsculo156, que traz os princípios da
nova lógica, que “deve remover todos os impedimentos, que o nosso entendimento tem para
bem perceber, julgar e discorrer” (FORTES, 1744, antelóquio).
Com a nova lógica não tem Fortes a intenção de refutar aqueles que seguem a velha e
aconselhou os leitores para que não entrassem em disputas, tentando impor a nova doutrina,
pois não encontrariam os opositores dispostos a se darem ao trabalho de analisar os
argumentos. E que, apesar de escrever para ser útil a toda a nação, escrevia especialmente
para os da sua profissão, os oficiais militares, pois são eles que “devem dar razão cabal dos
seus projetos, e explicar-se por termos próprios, claros e inteligíveis, para que os Generais se
capacitem das suas ideias; o que não poderão fazer, senão conhecerem distintamente as
faculdades da alma, e o uso que delas devem fazer, para adquirir a verdade” (FORTES, 1744,
antelóquio).
Num tempo em que a lógica prosseguia nos trilhos tradicionais, “a obra de Azevedo
Fortes surge como o primeiro ataque vigoroso à Lógica tradicional, secundando com a oferta
de uma Lógica inteiramente nova” (ANDRADE, 1950, p.263). Para ele (1950, p. 267), Fortes
foi o primeiro escritor que, em Portugal, opôs-se à filosofia aristotélica. Antes dele, Bluteau já
havia ridicularizado a lógica das escolas, considerando-a estéril e concedendo as suas
preferências ao entendimento prático, mas não desafiou, contudo, as escolas em que a
Filosofia estava dividida, como fez Fortes.
Ainda segundo Fortes (1744, antelóquio), os professores da lógica ordinária
afirmavam ensinar a filosofia de Aristóteles, porém não a ensinavam, pois não se aplicavam à
Geometria e que o próprio Aristóteles se serviu da Geometria de Euclides para compor o seu
método e as regras da “boa demonstração”.
Contudo a sua ousadia não provocou o barulho que há de ecoar com a intervenção
de Vernei. Compreende-se. Fortes não escreveu um manual para as Escolas. Embora
lhe não faltasse vontade para isso, não ousou afirmar que a sua Lógica devia
substituir a comum, no ensino oficial. E foi como um meteoro que passou.
(ANDRADE, 1950, p.268).

Dizendo que não tinha a intenção de refutar os que seguem outras lógicas, Fortes
afasta “os propósitos de polêmica e com a manifestada intenção de restringir o raio de acção
de seu livro aos oficiais militares da sua profissão, a celeuma não rebentou e a ordem e a
calma das escolas pode dizer-se que não foi perturbada” (ANDRADE, 1950, p. 268). Talvez

156
Um livro que não tem nada de pequeno, pois apenas a Lógica Racional possui 151 páginas.
141

por isso, Fortes não tenha alcançado em seu tempo e mesmo depois, o merecido
reconhecimento que conseguiu Verney.
Afastando-se da Filosofia baseada na Teologia, Fortes justifica, com exemplos e
nomes famosos, a necessidade que a Filosofia tem da Matemática. Um dos exemplos é o já
referenciado Aristóteles, que considerou a Geometria de Euclides para conseguir as regras da
boa demonstração. Sem a Geometria, é impossível tratar as coisas naturais, destaca. “O
movimento é o principal instrumento da natureza para a produção, e conservação; como
também para a variedade, e procriação das coisas criadas; e sem movimento se acabaria de
repente a ordem da natureza” (FORTES, 1744, antelóquio). Para ele, foi Galileu o primeiro a
considerar o movimento de aceleração na descida dos corpos.
Faz referência ainda aos trabalhos de Copérnico, Tycho Brahe, Regiomontanus e
Roberval, dizendo que “os Filósofos, que ignoram a Matemática se privam dos mais úteis, e
mais ‘conspicuos’ conhecimentos da vida; porque além do que os Antigos nos deixaram, é
para admirar o muito, que os Modernos têm descoberto na fábrica do mundo, por meio da
Matemática” (FORTES, 1744, antelóquio).
Fortes argumenta ainda no antelóquio que não segue autor nenhum, “antigo, nem
moderno” que de uns e de outros recolhe aquilo que encontra escrito na Lógica (está se
referindo apenas à Lógica Racional) e que com tão pouco escrúpulo utiliza as próprias
expressões desses autores. Para Andrade (1950, p.269), a confissão de Fortes de que não
segue a nenhum autor não passa de um desses axiomas históricos que fazem época e que
todos sentiam prazer em repetir.
Continua o autor dizendo que aqueles que considerassem sua obra uma tradução
estariam até elogiando-o, pois ao tradutor de matéria científica deve-se fazer presentes três
características fundamentais, que julga não possuir: saber com fundamento a matéria que
traduz, conhecer com propriedade a língua da qual se traduz e aquela para a qual se traduz,
para que a tradução seja exata, mesmo que a linguagem do autor seja metafórica ou figurada.
Discutir o caráter de originalidade da obra de Fortes não é tarefa simples, dizer que
toda a sua obra é compilação ou cópia do trabalho de outros é não estar sendo verdadeiro, até
porque, para compô-lo, foi necessário a ele muita reflexão, como diz D. Luiz Caetano de
Lima, um dos censores responsável pela aprovação da obra: “É fruto a presente Lógica da
profunda meditação de muitos anos, empregados por tão illustre Autor nesse importante
estudo”. Talvez o que diz Andrade em seu artigo seja o que mais se aproxima da verdade
sobre o trabalho de Fortes.
142

A obra de Azevedo Fortes encerra o valor de trabalho original, muito pensado, como
diz um censor e, portanto, pessoal. Não trará ideias peregrinas e concedemos até que
a originalidade que lhe notamos no conteúdo do conceito da Lógica, já tivesse sido
explorada com tanta acuidade antes dele. Conhecedor entusiasta da Filosofia
Moderna, meditou-a com cuidado. Como deixará de refletir influências?
(ANDRADE, 1950, p.269).

Às palavras de Andrade, acrescenta-se que, além de ser profundo conhecedor da


Filosofia Moderna, Fortes também se mostra conhecedor da Geometria e de outras partes da
Matemática, sabendo discutir com precisão a Geometria de Euclides e outros assuntos alheios
a ela. Argumenta que já existia em Portugal o trabalho do Padre Manoel de Campos, seu
companheiro de trabalho na Academia Real de História e professor em Santo Antão, que
expôs na língua pátria os Elementos de Euclides, mas Campos não utilizou o método
moderno, que consistia em separar as demonstrações e que possuía maior afinidade com o
método analítico. Esse novo método estava exposto no livro Elementos de Geometria do
padre Bernardo Lamy (1640-1715). Têm os novos “Elementos” “a considerável vantagem de
costumar o nosso entendimento a perceber intelectualmente, ainda as mesmas coisas sensíveis
com demonstrações mais perceptíveis, e claras” (FORTES, 1744, antelóquio).
A importância da obra está no fato de que sobre a primeira e a terceira parte do
trabalho de Fortes nada existia escrito no idioma português. A primeira é uma compilação dos
principais assuntos tratados pelos autores dos quais recebe influências. Já quanto à Lógica
Analítica, à primeira vista, parece que Fortes não recebeu influência de nenhum outro autor,
pelo menos ele não declara. Os livros que compõem a terceira parte são quase uma repetição
dos livros nomeados na segunda, no entanto, sem considerar as grandezas como linhas,
superfícies e sólidos, e sim, considerando-as num sentido geral. Mendes (1955, p.114),
fazendo consideração a outra frase de Fortes, conclui que com a pretensão de tornar as
matérias breves e acessíveis, não achou para a terceira parte quem melhor escrevesse do que
ele próprio, por isso a Lógica Analítica não é copia. Mas não foi isso o que se verificou nesta
investigação, como se verá adiante.
Fortes recebeu influências variadas. Mas como diz Andrade (1950, p.269), ele era
profundo conhecedor da então Filosofia Moderna, então “como deixará de refletir
influências?”. Ainda esse mesmo autor diz que para entender essa obra de Fortes, basta
pesquisar duas das suas influências: a de Arnauld e a de René Descartes. A esta última é que
Andrade se prende. Mais uma vez é bom deixar claro que Andrade se refere apenas à parte da
Lógica Racional. Já Mendes admite um rol de nomes, sendo eles: Bacon, Galileu, Gassendi,
143

Descartes, os filósofos ingleses (com os quais Fortes recomenda cuidado), os franceses,


Malebranche, Nicolau Arnauld157 e Pascal, ou mais precisamente os filósofos da Port Royal.
Todos que exerceram influência sobre o conhecimento de Fortes são citados por ele
próprio no final da Lógica Racional, tecendo elogios a todos e recomendando cuidado com as
obras filosóficas de Newton, mas liberando sem restrição as suas obras físicas e matemáticas
(FORTES, LR, 1744, p.149). É também nesta parte que traz indicações de autores para a
Lógica Geométrica e para a Lógica Analítica.
Os livros de Filosofia por ele indicados foram: entre os antigos, Aristóteles e Platão;
entre os padres, Santo Agostinho; entre os filósofos modernos, em primeiro lugar, ficou o
“Chanceler da Inglaterra”, Francis Bacon, em segundo Galileu Galilei, em terceiro Gassendi e
em quarto, René Descartes, ao qual tece alguns elevados elogios, mesmo dizendo que se deve
ler sua obra com cautela. Apesar da grande influência de Descartes, Gassendi e Arnauld na
sua Lógica Racional, Fortes classifica nos primeiros lugares Bacon e Galileu.
Na segunda parte da sua obra – Lógica Geométrica - Fortes inicia por dizer a que autor
está seguindo. Basicamente, todo o seu trabalho está baseado nas proposições, definições e
teoremas de Os Elementos de Euclides. Diz no início do livro I que seguirá o trabalho do
padre Bernardo Lamy, ressaltando a nova forma como este tratou Os Elementos de Euclides,
pois além de fornecer demonstrações novas, ainda separou as demonstrações das linhas,
superfícies e sólidos, o que Euclides não fez. Salienta que escreve com pouquíssima diferença
a respeito do que escreveu Lamy e continua a dizer que “é o que basta” para que se possa
instruir e entender mais tarde os trabalhos dos jesuítas Cristóvão Clavius, André Taquet e o
curso de Matemática de Francisco Dechales, que também trataram da Geometria. Além disso,
destaca a obra de Gregório de São Vicente sobre secção cônica. Indica outros nomes como
referências para trabalhos de Geometria, como: Proclo, Kepler, Papo, Maurolico, Nicolau
Tartaglia, Evangelista Torricelli, Frederico Comandino e Lucas Valério.
Quanto aos livros analíticos e algébricos, Fortes afirma que os que quiserem se
adiantar no estudo da Álgebra devem ler Viète, que foi o grande restaurador da Álgebra e a
‘sublime geometria’ de René Descartes, de Billi, de Sluzio e de Monsieur la Hyre (LR, 1744,
p.151). Acrescenta, que os curiosos devem se aplicar nas lições dos referidos livros e não em
questões desnecessárias da Filosofia.
Apesar de Azevedo Fortes deixar todas essas indicações de autores expostas nesse
livro para os que quissessem se aprofundar nos estudos, não era claro se ele mesmo os tivesse

157
Mendes segue o que Fortes escreveu “Nicoláo Arnaldo” (Lógica Racional, p. 150), no entanto, ele está se
referindo a Nicole e Arnauld, ou melhor, Pierre Nicole e Antoine Arnauld.
144

utilizado. Continuava necessária a busca pelas fontes em que ele tivesse se baseado para expor
os conhecimentos matemáticos, bem como os outros tipos de conhecimentos presentes em
seus livros, especialmente para aqueles conteúdos que ele não tinha deixado pistas, como é o
caso da parte da Lógica Analítica. Já no caso da parte da Lógica Geométrica, ele indica o
autor que segue, e mais do que isso, diz que praticamente tinha realizado uma cópia. Partindo
dessa indicação, foi possível chegar aos textos que foram inspiradores das três partes da
Lógica.
A Lógica Racional, Geométrica e Analítica é, em grande parte, releitura dos textos do
padre Lamy, comentados a seguir.

6.2 – Os textos do padre Bernardo Lamy e a Lógica de Fortes

A maior influência matemática do Azevedo Fortes na Lógica Racional, Geométrica e


Analítica é, sem dúvidas, os trabalhos do padre Bernard Lamy (1640-1715). O padre
oratoriano francês nasceu em Mans, estudou Filosofia e trabalhou em Roma e morreu já no
início do século XVIII. Se durante o período em que Fortes viveu na França esteve em contato
direto com o padre, não foi possível saber, mas é certo que usou dos seus ensinamentos.
A Lógica Racional, Geométrica e Analítica tem inspiração nas respectivas obras do
padre Lamy:
1- Entretiens sur les sciences: dans les quels on apprend la manière d'etudier les
sciences & de s'en servir pour se rendre l'esprit juste & de former un coeur droit;
2- Les élémens de géométrie ou la mesure de l'entendue: qui comprennent les Élémens
d'Euclides, les plus belles propositions d'Archimedes touchant le cercle, la sphere, le
cylindre & le cône, avec une idée de l’Analyse, & une introduction aux section
coniques;
3- Elemens des mathematiques ou traité de la grandeur en general: qui comprend
l'arithmetique, l'algebe, l'analyse, et les principes de toutes les sciences qui ont la
grandeur pour objet.

O primeiro é uma obra de caráter geral, mas dela Fortes tirou boa parte da Lógica
Racional. Esse livro é composto por partes classificadas de “entretien”. Parte dos assuntos que
Fortes trata na Lógica Analítica são tratados por Lamy na parte “Idee de la Logique” (p. 56-
88), pertencente ao “entretien” II e na parte da “Mathematique” (p. 221-257), pertencente ao
145

“entretien” VI. Os termos e páginas citadas são de um exemplar de 1768, mas nessa
investigação também tomou-se contato com outro exemplar de 1706, da terceira edição158.
O segundo teve pelo menos sete edições e foi possível verificar exemplares do ano de
1695 e do ano de 1758, a sétima edição. O exemplar de 1758 não tem índice e parece ser uma
edição menos requintada. Realmente, a Lógica Geométrica (LG) do Fortes é uma boa
compilação desse livro. Ele adota a mesma divisão em livros e subdivisões em capítulos, que
são chamados por Lamy de seções.
Lamy depois de tratar das medidas das linhas e superfícies, englobando toda a parte
poligonal nos dois primeiros livros, há o título seguinte: “Elemens de Geometrie ou de la
mensure de l’etendue. Livre Troisieme”. Expõe as propriedades das grandezas aplicadas as
linhas, planos e sólidos e as demonstrações, que também estão no terceiro livro da Lógica
Geométrica de Fortes. Sobre os sólidos, só vai tratar no Livro V, onde explica a formação
deles e os cálculos de área e volume. O Livro VI trata do modo analítico e sintético e das
principais aplicações da Álgebra à Geometria. Expõe problemas e demonstra algumas regras,
como da resolução da equação do 2º grau. Esse livro não existe na Lógica Geométrica de
Fortes. Depois vem a parte que trata das seções cônicas, porém, na edição de 1695, não há
esta parte.
Já o terceiro159 livro citado é, sem dúvida, a fonte inspiradora da Lógica Analítica de
Fortes. Estranho é ele não ter dito isso quando iniciou essa parte do seu livro, como fez na
Lógica Geométrica, onde afirmou ter seguido de muito perto o trabalho do Padre Lamy,
mesmo sem ser uma tradução. Na Lógica Analítica, ele diz que não havia nada escrito no
idioma português que tratasse do assunto, mas não deixou claro a fonte que seguiu.
Ao comparar os índices deste livro do Lamy com a Lógica Analítica de Fortes,
percebe-se que a divisão em livros, depois em seção e depois em capítulos presentes no livro
do padre Lamy, não se mantém no livro de Fortes, no qual não há a divisão em seções, mas a
semelhança está na distribuição dos livros que somente se altera depois do Livro V.
O capítulo 8º do Livro V da Lógica Analítica – traz o texto que trata da
comensurabilidade e incomensurabilidade das grandezas, conteúdo que Lamy expõe no sexto
Livro. Depois o assunto tratado no Livro VI da Lógica Analítica do Fortes está no Livro VII
de Lamy. O conteúdo tratado por Lamy no Livro VIII, chamado – Suplemento dos Elementos
de Matemática – progressões aritméticas e geométricas, proporção harmônica e combinações,
é exposto por Fortes no apêndice. A seguir um quadro comparativo:

158
Não ficou claro o ano da primeira edição.
159
Nesta investigação tomou-se contato com o exemplar de 1765, a oitava edição da obra.
146

– Lógica Analítica – Fortes – Elemens de Mathematiques – Lamy


Livro I – Da grandeza em geral; Livro I – sem um nome específico (1ª seção: A
Livro II – Das diferentes potências a que pode ciência da grandeza em geral deve ser considerada
subir qualquer grandeza; elementos de todas as matemáticas);
Livro III – Das razões em geral; Livro II – sem um nome específico (1ª seção: Das
Livro IV – Das razões que as potências tem entre diferentes potências a que se pode elevar uma
si e de todas as grandezas de muitas dimensões; grandeza);
Livro V – Dos quebrados e das operações da Livro III – Das razões que as grandezas têm entre si;
aritmética sobre eles, considerados razões; Livro IV – Das razões que as potências têm entre si e
Livro VI – Do modo de se resolver uma questão de todas as grandezas de muitas dimensões;
ou problema; Livro V – Das frações e operações aritméticas sobre
Apêndice – De algumas questões particulares. as frações e razões;
Questão I – Das combinações; Livro VI – Das grandezas incomensuráveis;
Questão II – Das mudanças de ordem;
Livro VII – Dos métodos de se resolver uma questão
Questão III – Se o ângulo da contigência é ou
não unidade; ou problemas;
Questão IV – Se a unidade é número;
Livro VIII – Suplemento dos elementos de
Questão V – Se a unidade é para um número,
como o ponto para a linha; Matemática.
Questão VI – Em que consiste a proporção
harmônica.

Em relação à Lógica Racional, Geométrica e Analítica, pode-se afirmar que o


elemento organizador central é mesmo de inspiração nas três obras citadas do Padre
oratoriano Bernard Lamy, até os apêndices presentes nas obras do padre foram tratatos
também por Fortes, o que não quer dizer que Fortes não conhecesse seus conteúdos, pois nem
sempre os autores que indicou para cada uma das partes, inclusive para os apêndices, eram
autores que figuravam nos textos tratados por Lamy.
Encontradas as fontes inspiradoras da Lógica Racional, Geométrica e Analítica,
especialmente da terceira parte, permanece ainda uma pergunta: teria Azevedo Fortes
ensinado o conteúdo da sua Lógica na Academia Militar? A resposta será revelada pelas
lições copiadas por alunos da Academia Militar e o texto de aluno mais significativo para isso
é de autoria de Elias Sebastião Pope, como se verá adiante.

6.3 – O texto de Elias Sebastião Pope e o Elemens des mathematiques do padre Lamy

Elias Sebastião Pope era um dos alunos da Academia Militar na década de 1720 e
início de 1730.
Deixou um manuscrito que é dos mais significativos documentos revelados por esta
investigação a respeito do funcionamento da Academia Militar e dos conteúdos nela
147

ensinados. O texto existente na página de rosto do manuscrito é o seguinte: Elementos das


mathematicas, ou principios geraes de todas as sciencias que tem por objecto a grand.a em
geral. Escrita na Academia Militar desta Corte por Elias Sebastião Poppe discipulo da
mesma Acad.a. Principiou a ditarse em 6 de Outubro de 1732, e se acabou em 23 de Março
de 1734160. A disposição deste texto segue as características abaixo, embora em letra cursiva.

ELEMENTOS
DAS

MATHEMATICAS,
OU

PRINCIPIOS GERAIS
de todas as Sciencias
que tem por objecto a

GRAND.a EM GERAL
Escrita na Academia Militar desta Corte
Por ELIAS SEBASTIAÕ POPPE
Discipulo da mesma Acad.a
Principiou a ditarse em 6 de outubro de 1732, e se a-
cabou em 23 de Março de 1734.

A nomeação de ajudante-engenheiro de Pope é de dezembro de 1733, quando deveria


ainda estar frequentando as aulas da Academia Militar, pela data em que terminou de copiar
esse manuscrito.
Tal documento apresenta índice dos títulos dos livros, seções e capítulos nos quais se
divide. Também tem um prólogo intitulado Elementos das Matemáticas ou princípios gerais
de todas as ciências, que tem por objeto a grandeza em geral. A seguir está apresentado o
índice, com algumas passagens como no original e com a indicação de alguns números das
páginas iniciantes, para dar uma noção da quantidade de páginas em cada divisão.
“Livro 1.o Secçam primeira: A sciencia da gr.a em geral deve ser conciderada como ellem.tos
de todas as mathematicas” (p. 7);
Seção segunda: Da ciência geral dos números;
Seção terceira: Da ciência geral das grandezas;

160
De agora em diante sempre que se fizer referência a esse texto, ele será tratado como o “manuscrito” de Pope.
148

“Livro 2.o Secçam primeira: Da natureza, e comparação das potencias” (p. 119);
Seção segunda: Da comparação das potências com as partes de que são compostas;
Seção terceira: Da extração das raízes das potências;
Seção quarta: Das combinações e mudanças de ordem.
“Livro 3.o Das razões das grandezas entre sy comparadas” (p. 205);
Seção primeira: Das razões em geral;
Seção segunda: Das propriedades da proporção e progressão aritméticas;
Seção terceira: Das razões, das proporções e progressões geométricas.
“Livro 4.o Das razões compostas que as potencias tem contra sy, e de todas as grandezas q’
tem m.tas dimençoens” (p. 277);
Seção primeira: Das primeiras comparações;
Seção segunda: Das razões que tem entre si as potências e as grandezas de muitas
dimensões.
“Livro 5.o Dos quebrados” (p. 315);
Seção primeira: Das preparações para as operações dos quebrados;
Seção segunda: Das operações da Aritmética sobre os quebrados ou razões;
Seção terceira: De outras espécies de números quebrados.
“Livro 6.o Das grandezas incomensuráveis” (p. 355);
Seção primeira: Da comensurabilidade das grandezas;
Seção segunda: Das operações da Aritmética nas grandezas incomensuráveis.
“Livro 7.o Do methodo de rezolver as questões ou problemas” (p. 397);
Seção primeira: Das regras para expressar as grandezas incógnitas;
No final do sétimo livro ainda se trata da: “Resolução das igualaçoens do 3º grau e
resolução das igualaçoens do 4º grau”.
Cada seção apresenta um capítulo (à exceção do primeiro livro, em que a primeira
seção tem dois capítulos), dividido em diversos parágrafos, subdivididos em proposições.
Se esses conteúdos foram ditados na Academia Militar, quem ditou? Qual a fonte
utilizada?
O conteúdo do manuscrito do Elias Sebastião Pope mantém a mesma sequência
apresentada no Livro Elemens des mathematiques ou traité de la grandeur en general: qui
comprend l'arithmetique, l'algebe, l'analyse do padre Bernardo Lamy. Ao comparar os
índices deste livro de Lamy e o manuscrito de Pope, percebe-se que a divisão em livros,
depois em seção e depois em capítulos presente no livro de Lamy se mantém no manuscrito
de Pope, com exceção de alguns capítulos. Na sequência está um quadro comparativo:
149

Elementos das mathematicas – Sebastião Pope Elemens de Mathematiques – Lamy


Livro I – (sem um nome específico);
Livro 1º (sem um nome específico); Seção 1ª: A ciência da grandeza em geral deve ser
Seção 1ª: A ciência da grandeza em geral deve ser considerada como elementos de todas as matemáticas;
considerada como elementos de todas as Seção 2ª: Das quatro operações da Aritmética somar,
matemáticas; subtrair, multiplicar e dividir as grandezas marcadas com
Seção 2ª: Da ciência geral dos números; os números;
Seção 3ª: Da ciência geral das grandezas; Seção 3ª: Das quatro operações da Aritmética, somar,
subtrair, multiplicar e dividir as grandezas marcadas com
Livro 2º (sem um nome específico); as letras do alfabeto.
Seção 1ª: Da natureza, e comparação das
potências; Livro II – (sem um nome específico);
Seção 2ª: Da comparação das potências com as Seção 1ª Das diferentes potências a que se pode elevar
partes de que são compostas; uma grandeza;
Seção 3ª: Da Extração das raízes das potências; Seção 2ª: Da natureza e comparação das potências;
Seção 4ª: Das combinações e mudanças de ordem. Seção 3ª: Da resolução das potências ou extração das
raízes das potências;
Livro 3º Das razões das grandezas entre si
comparadas; Livro III – Das razões ou relações que as grandezas tem
Seção 1ª: Das razões em geral; entre si;
Seção 2ª: Das propriedades da proporção e Seção 1ª: Das razões em geral;
progressão aritméticas; Seção 2ª: Da proporção e progressão aritméticas;
Seção 3ª: Das razões, das proporções e progressões Seção 3ª: Das razões, das proporções e progressões
geométricas. geométricas.

Livro 4º Das razões compostas que as potências Livro IV – Das razões compostas que as potências tem
têm contra si, e de todas as grandezas que tem entre si e de todas as grandezas de muitas dimensões;
muitas dimensões; Seção 1ª: Das razões compostas e das suas propriedades;
Seção 1ª: Das primeiras comparações; Seção 2ª: Das razões que tem entre si as potências e as
Seção 2ª: Das razões que tem entre si as potências grandezas de muitas dimensões.
e as grandezas de muitas dimensões.
Livro V – Das frações e operações aritméticas sobre as
Livro 5º Dos quebrados; frações e razões;
Seção 1ª: Das preparações para as operações dos Seção 1ª: Das preparações para as operações aritméticas
quebrados; sobre as frações e razões;
Seção 2ª: Das operações da Aritmética sobre os Seção 2ª: Das operações da Aritmética sobre as frações e
quebrados ou razões; as razões;
Seção 3ª: De outras espécies de números Seção 3ª: De outras espécies de números quebrados.
quebrados.
Livro VI – Das grandezas incomensuráveis;
Livro 6º Das grandezas incomensuráveis; Seção 1ª: que são grandezas comensuráveis e
Seção 1ª: Da comensurabilidade das grandezas; incomensuráveis;
Seção 2ª: Das operações da Aritmética nas Seção 2ª: Regras para conhecer se as grandezas são
grandezas incomensuráveis. comensuráveis ou incomensuráveis;
Seção 3ª: Das operações da Aritmética nas grandezas
Livro 7º Do método de resolver as questões ou incomensuráveis.
problemas;
Seção 1ª: Das regras para expressar as grandezas Livro VII – Dos métodos de resolver uma questão ou
incógnitas. problemas;

Livro VIII – Suplemento dos elementos de Matemática.


Tratado: da progressão dos n.os naturais, e dos n.os
ímpares e os fundamentos da aritmética do infinito;

Tratado: das progressões aritméticas e geométricas


juntas. Da composição e uso dos logaritmos;

Tratado: Da proporção harmônica.

Tratado: das combinações e das mudanças de ordem.


150

E as similitudes não ficam só por conta dos títulos e subtítulos, como se verá adiante.
Então, o livro Elemens de Mathematiques do padre Lamy parece ter sido a fonte utilizada para
ditar esses conteúdos aos alunos da Academia Militar. Mas, ainda estava por saber: quem
ditava essas lições e como era essa dinâmica?
Ficou estabelecido que o livro de Lamy foi a fonte utilizada por Azevedo Fortes para
compor a parte da Lógica Analítica. Então, por semelhanças e mesmo por igualdades, é
possível estabelecer ligações entre o manuscrito de Pope, o livro do padre Lamy e a Lógica
Analítica de Fortes. Pela época e pelo que representou cada um desses homens pode-se
afirmar que Fortes, como professor da Academia Militar, utilizou o texto do padre Lamy,
publicado na França, para ditar seu conteúdo aos alunos da Academia Militar?
Na sequência estão relacionados os conteúdos expostos no manuscrito de Sebastião
Pope, comparados com o que está na Lógica Analítica, de Fortes e nos Elemens de
Mathematique, do padre Lamy. De certa forma, com mais detalhes em relação ao livro VII
para Pope e Lamy e VI para Fortes que, trata do método de resolver as questões ou problemas
e ao livro V, que trata dos números quebrados, por vários motivos, entre eles por ser algo que
figura no livro Exame de Artilheiros do Alpoim e constitui, dessa forma, elementos de
comparação entre os quatro textos: Lógica Analítica de Fortes, Elemens de Mathematique do
padre Lamy, Exame de Artilheiros de Alpoim e o manuscrito do Pope. O fato de o manuscrito
ser escolhido como a fonte a que os outros são comparados é por se constituir efetivamente as
lições que os alunos recebiam na Academia Militar, desconsiderando até a publicação anterior
do Elemens de Mathematique, do padre Lamy.

6.4 – O conteúdo do manuscrito de Pope comparado com o conteúdo dos livros do padre
Lamy, de Fortes e de Alpoim

Sebastião Pope inicia o seu tratado fazendo uma introdução filosófica sobre o estudo
das matemáticas e sobre a abertura do entendimento, uma verdadeira apologia à Lógica
Racional (LR), escrita em apenas sete páginas.
Este tratado que pretende escrever tem por objeto a grandeza em geral, que é
também o objeto de toda a Matemática. Esta palavra grandeza significa tudo o que
pode ter aumento ou diminuição e compreende todas as coisas criadas, não só os
corpos considerados em comprimento, largura e profundidade, mas também os
espíritos criados, pois se podem criar com diferentes graus de perfeição [...] [essa é a
primeira definição de Fortes na LA].
É muito importante aos que principiam o estudo das Matemáticas ou de qualquer
outra ciência, o costumarem-se a fazer uso do entendimento puro, sem intervenção
151

dos sentidos ou da imaginação, porque são causas de muitos erros, e a nossa alma
pode perceber as coisas de três diferentes maneiras, a saber: pelo entendimento puro,
pela imaginação e pelos sentidos. Percebe-se pelo entendimento puro as coisas
espirituais, as universais, as noções comuns, os axiomas, as idéias de perfeição, a de
um ente infinitamente perfeito e geralmente, todos os pensamentos que conhece pela
reflexão que faz de si mesmo. Também percebe pelo entendimento puro as coisas
materiais, a saber: a extensão com as suas propriedades, porque só o entendimento
puro pode perceber um círculo, um quadrado, ou figuras de muitos lados perfeitas,
ao que chamam os filósofos puras intersecções ou puras percepções, porque não é
necessário que a alma firme imagens corpóreas para representar ao entendimento
estas causas. (POPE, 1732-1734, p.2-3. Destaque da autora).

Pope (p. 8-10) escreve sobre os métodos de se buscar a verdade das ciências, métodos
sintético e analítico, o que Fortes faz na LR. Parte do que Pope escreveu no parágrafo terceiro,
do capítulo I, do livro I, está no início da Lógica Analítica (LA), mas não é uma sequência
idêntica à da LA. Como também não são idênticas as definições de axioma, postulado,
definição, teorema, problema, corolário e lema. Para Pope, tantos os teoremas como os
problemas são proposições. Fortes na Lógica Geométrica (LG, p.4), também define teorema e
problema como proposições, embora como coisas diferentes. A definição de problema de
Pope é a seguinte: “Problema é uma proposição pela qual se ensina a fazer uma coisa, e
demonstrar estar feita, como por exemplo achar o centro de um círculo dado” (POPE, p. 23).
O seguinte capítulo para Pope (p.31) tem como título Dos sinais, notas e caracteres
[...], que é a sequência para Fortes (LG, p. 4), embora Fortes diga não entrar em muitos
detalhes sobre as operações da Aritmética, pois argumenta que isso não se ensina na
Academia. Já Pope descreve vários sistemas de numeração, como o grego e o romano, e
trabalha com a questão da posição: as unidades, centenas, dezena, milhar, dezena de milhar
(...) milhão de milhares de milhão (p.38). E não faz o que o Fortes escreve sobre os sinais de
maior, menor, igual etc. Depois Pope (p.40) traz os axiomas, como este: “o todo é maior que a
sua parte”, e apresenta a mesma sequência que o Fortes na LG (p.5-7).
A segunda seção do manuscrito do Pope que trata das operações da Aritmética, não
aparece em Lógica, mas foi tratado por Fortes, em O Engenheiro Português, embora neste
livro Fortes ensinasse a trabalhar as operações com os números que ele classificou de
“geométricos”161. As operações da Aritmética, tal como consta no manuscrito, foram tratadas
no livro de Lamy (p.19-23).

161
Com um sistema de medida não padronizado, a unidade fundamental, braça, pé, ou palmo (unidades de
medidas comumente usada em Portugal), era dividida em 10 partes iguais chamadas primos, o primo era
dividido em 10 segundos, o segundo em 10 terceiros, etc. Eram estes, os chamados números geométricos, pela
sua exclusiva aplicação na Geometria, que na representação numérica, não diferenciavam em nada dos números
aritméticos (número que não indica quantidade de medida; é aquele que normalmente se utiliza), quando tratava-
se das medidas inteiras (Fortes, 1993, p. 9-28).
152

Na terceira seção é que Pope passa a tratar das quatro operações da Aritmética para as
grandezas em geral, notadas com as letras do alfabeto, que é o que Fortes faz na LA, livro I.
Também usa o termo grandezas complexas ou compostas (p.102 e seguintes), como o Fortes
(LA, p.6). A seguir o que escreve sobre adição:
Da addição ou somma das grandezas compostas, que por esta razão se chamam
complexas; e da deminuição das mesmas grandezas. Nam tem m.or deficuld.e p.a se
somarem as Gr.as compostas do q as simples, he necessamte ajuntar assas Gr.as com o
signal mais, p.a ficarem juntas, ou sommadas: p.a sommar b+c com f+g; ajuntaremos
essas Gr.as compostas com o signal +, desta sorte b+c+f+g: p.a ajuntar a b+c, d-f,
escreveremos, b+c+d-f [...]
Exemplos do sommar das grandezas compostas
Ajuntam.to a+3b
2a+2b
162
Somma 3a+5b (POPE, p. 97-98) .

Além da adição, ele explica as regras da multiplicação e divisão de letras, como


quando se multiplicam ou dividem sinais iguais ou opostos.
O segundo livro do Pope trata - da natureza e comparação das potências. É também
com esse título que Fortes começa o segundo livro da LA. Além de expor sobre os graus, há
uma série de axiomas e proposições que tratam de potências, de raízes, etc. Não há nenhum
desenho para ilustrar, como há em Lógica, mas Pope também usa da área para explicar o que
é X.X, por exemplo, apesar da palavra área não aparecer (p. 132-133). É de destacar que no
texto do Lamy também não há desenhos ilustrativos.
A parte que expõe sobre as raízes não é totalmente idêntica nos textos de Fortes e
Pope, mas o mesmo exemplo aparece, o número quadrado 293764 e a mesma forma de
resolver, chamando partes do número das letras AB. A regra I, dada por Fortes, é o corolário
do parágrafo 60 de Pope: “segue-se que dividindo um número quadrado de dois em dois
caracteres, o número das divisões é igual ao número dos caracteres que há de ter a raiz que se
lhe a quer tirar” (POPE, p. 169). Mas, essa mesma idéia repete-se na regra I, que Pope
também propõe, e seguem-se todos os passos/regras propostos por Fortes. O segundo exemplo
também é o mesmo: achar a raiz quadrada do número 71824. No manuscrito é proposto um
terceiro exemplo, achar a raiz de 113. No texto do Lamy estão os mesmos dois primeiros
exemplos, e também um terceiro, mas esse difere do terceiro exemplo do manuscrito, já que
exemplifica como achar a raiz quadrada de 92428.
Depois nos manuais de Fortes e Pope passa-se à extração das raízes cúbicas. O
primeiro exemplo de ambos é feito para o número 160103007 e, com pequenas diferenças de
texto, vão arrolando as regras de 1 a 7. Depois Pope propõe outros dois exemplos. Fortes não.

162
Essa citação foi mantida tal como no original.
153

No entanto, Fortes propõe achar a raiz cúbica de grandezas literais quaisquer e, em seguida,
expõe o modo abreviado para achar a raiz para o mesmo exemplo anterior. Isso Pope já tinha
feito na sequência da regra 7ª. Nos Elemens do Lamy está o modo abreviado, como no texto
do Pope, logo depois da sétima regra. Mas, assim como no texto da Lógica Analítica, Lamy
também propõe achar a raiz cúbica de grandezas literais quaisquer.
A 4ª seção para Pope tem o título de – Combinações e mudanças de ordem. Fornece
como um dos exemplos a combinação das vogais três a três (p. 190-204). Isso é tratado por
Fortes somente no apêndice de Lógica Analítica. A ordem em que o assunto é desenvolvido é
a mesma, com pequenas diferenças nas palavras usadas. Há uma mesma tabela nos dois textos
que combina as vogais três a três, mas no manuscrito essa tabela foi feita com uma tinta
diferente, parece ter sido utilizado lápis, como se fosse uma atividade realizada
posteriormente. Foram feitas 64 combinações diferentes, pois ambos não tomaram a letra u
como uma vogal. Isso certamente deve-se ao fato de no texto francês de Lamy, somente as
letras a, e, i, o serem consideradas. Em um exemplo anterior nos dois textos, notam-se
diferenças também em relação às letras do alfabeto que utilizavam para o que se faz hoje. No
manuscrito são consideradas as letras: a, b, c, d, e, f, g, h, i, k, l, m, n, o, p, q, r, s, t, u, x, z, y.
Em Lógica são consideradas as letras: a, b, c, d, e, f, g, h, i, l, m, n, o, p, q, r, s, t, u, x, z,
apesar de Fortes falar em 22 só se contam 21 letras. No manuscrito ficam registrados alguns
parágrafos sobre silogismo. Fortes, a essa altura do desenvolvimento não trata de silogismo,
limita-se a dizer que havia tratado desta questão em Lógica Racional.
Ambos passam a tratar da mudança de ordem ou permutação e a forma como
apresentam é muito semelhante. “[...] segue-se que 4 coisas são capazes de 4 vezes 6, ou 24
mudanças diferentes e não é necessário mais para perceber que 5 coisas serão capazes de 5
vezes 24, ou 120 mudanças, e que multiplicando 120 por 6, o produto 720, será o número das
mudanças de 6 coisas [...]” (POPE, p.202). Fortes traz essa mesma idéia no apêndice da LA
(p.199-200). Assim, como está no livro de Fortes, Lamy também desenvolveu essa parte de
combinações no apêndice do seu Elemens (p. 485-504).
Depois, os livros seguintes tratam de progressões aritméticas e geométricas, sempre
usando das letras. Até a sequência da exposição do conteúdo por Pope é parecida com o que
acontece na LA, embora na introdução do conteúdo haja algumas diferenças. O exemplo dado
por Pope e Fortes para a regra de três tem os mesmos caracteres numéricos, apesar de algumas
mudanças de linguagem. “Um homem em 6 dias dispendeu 24 moedas, quantas gastará em
30, fazendo sempre o mesmo gasto. Nesta questão [...]” (FORTES, p. 69). E Pope:
Regra de três direta.
154

Questão
Certa pessoa dispendeu em 6 dias, 24 cruzados, e continuou com a mesma despesa
30 dias mais. Pergunta-se, quanto gastou neles? Nesta questão e suas semelhantes se
busca o quarto termo que tenha a mesma razão para o terceiro, que é 30, que 24 tem
para 6. Para achar o 4º termo se usará da regra seguinte: Multiplique-se o segundo
termo pelo terceiro e o produto se divida pelo primeiro, e o quociente da divisão será
o quarto termo buscado, e assim se achará que o 4º termo é 120, porque 6.24 ::
30.120 (POPE, p.57).

Esse mesmo exemplo está no texto do Lamy (p. 200), com as respectivas unidades
monetárias do sistema francês.
Depois os três textos tratam da regra de três inversa, de companhias e da falsa posição.
Segue Pope com o parágrafo 5º - das progressões geométricas. Fortes e Lamy também tratam
desta parte, na seção VI, deste livro III.
Os títulos do livro IV de ambos é praticamente igual, o que indica a igualdade dos
conteúdos como, por exemplo, ao tratarem da regra de três e de companhias compostas. O
exemplo para a regra de companhias é o mesmo, exceto pelo fato de Pope usar 240000 réis e
Fortes 240 cruzados. Nesse caso, o exemplo apresentado no texto de Lamy (p. 236-237)
também é o mesmo, alterando-se as unidades para o sistema francês, mas mantendo-se o
mesmo tipo de disposição.
Chega-se ao livro V e aqui cabe uma comparação também com a forma como o
conteúdo é exposto no livro Exame de Artilheiros, de Alpoim. Fortes define quebrado desta
forma:
As expressoens, em que as fracçoens, ou quebrados consistem, saõ muy naturaes, e
5
muy proprias para expressar o que quizerem. A esta expressaõ se chama
6
quebrado, e denota, que huma grandeza inteira foy partida, ou quebrada em 6 partes,
5
ou que tem 6 partes, das quaes lhe tomamos 5: esta expressaõ he logo
6
propriamente para notar huma razaõ; porque, como temos dito, razaõ, he huma
quantidade relativa, que exprime o modo, como huma grandeza contém, ou he
163
contheuda em outra; (FORTES, 1744, p.112) .

Pope (p. 315), depois de definir que os quebrados são razões, escreve:
O modo com que se expreção os quebrados he natural, quero dizer, que he proprio
5
p.a nottar o que p. elles se quer expressar, p. exemplo, esta expreção significa q
6
huã grandeza inteira como A, foi quebrada em 6 partes, e q delas tomamos 5, e
tomar 5 de 6, he a razão q tem 5 p.a 6. Por que razão não he outra couza mais do q
conther, ou ser contheudo, [...] (POPE, p.316).

163
Optou-se por deixar essa citação, a seguinte (POPE, p. 316) e a de (ALPOIM, 1744, p. 23) com a grafia
original, por considerar ser do interesse do leitor verificar as diferenças na escrita apresentada por cada um deles.
155

No segundo parágrafo, ao tratar - das definições e explicações dos termos, Pope


escreve que:
Quebrado é uma expressão que declara a razão da parte ou partes de um inteiro, que
se considera dividido em um certo número de partes. Esta expressão se faz desta
sorte: seja A uma grandeza inteira, por exemplo uma vara e se considera dividida em
5 partes a que chamam palmos, este número 5 me declara as partes da grandeza
inteira A, e se quero tomar por exemplo 4 destas partes, serão partes quintas e a sua
4
expressão será (POPE, p. 328).
5

É essa a definição dada por Alpoim em Exame de Artilheiros, incluindo a forma de


definir numerador e denominador. Além do exemplo numérico ser o mesmo, muitas palavras
usadas por um e outro também são as mesmas.
Que he quebrado?
Quebrado he huma expressão, que declara a razão da parte, ou partes de
hum inteiro, que se concidera dividido em hum certo numero de partes: como, por
exemplo, huma vara se considera dividida em 5 partes iguaes, a que chamam
palmos. Este numero 5 me declara as partes da vara, e se quero tomar, por exemplo,
4
4 partes, estas saõ partes quintas e se expressaõ . (ALPOIM, 1744, p. 23).
5

Depois de apresentar as definições de numerador, denominador e quebrado de


quebrado, Pope escreve que “Os quebrados são umas expressões das razões que há entre um
3
todo e as suas partes: por exemplo, de vara expressam o valor de um número, que tem a
4
3
mesma razão para uma vara inteira, que tem 3 para 4, e por isso se diz . 1 :: 3.4” (POPE,
4
p.320).
Fortes, na seção II, trata - das definições e explicações de alguns termos, como por
exemplo, dos termos, denominador e numerador. Já o capítulo III - dos axiomas ou
proposições sobre os quebrados, como o axioma III, escreve: “Os quebrados não são outra
coisa mais, do que uma expressão da razão, que um número inteiro tem para a sua parte, ou
3
partes; por exemplo, de uma moeda, é um quebrado, que declara o valor de um número,
4
que mostra a razão, que 3 tem para 4 (FORTES, 1744, p.116).
O quarto parágrafo do capítulo 1 da primeira seção do livro 5º do manuscrito - Das
preparações necessárias para fazermos as operações da Aritmética, tem como proposição 1ª
e problema - Reduzir um todo às suas partes.
Multiplicaremos um todo, ou grandeza inteira, pelo número das partes a que se quer
reduzir. Seja o todo, por exemplo, 10 moedas de ouro, que se querem reduzir a
tostões; e porque cada moeda tem 48 tostões, multiplicando 48 por 10, e pelo dito
será o número das partes, e assim valerá as 10 moedas 480 tostões. Se quisermos
156

reduzir essa mesma grandeza a reaes, porque cada tostão tem 100 Rs,
multiplicaremos o todo 480 por 100. E o produto 48000 Rs será o numero de reaes,
que tem 480 tostões, ou 10 moedas. Logo 10 moedas iguais a 480 tostões, e estes
iguais a 48000 reis. (POPE, p.321-322)164.

Fortes (LA, p. 117) apresenta esse mesmo exemplo, só que não transforma tostões em
réis. Alpoim escreve exatamente como está na citação do Pope e continua: “Querendo reduzir
arrobas a arratéis, como cada arroba tem 32 arratéis, multiplicaremos o número de arrobas por
32 arratéis, e temos reduzido; como quero reduzir 6 arrobas a arratéis, multiplicando 6 por 32,
produz 192 arratéis, e tantos tem 6 arrobas” (ALPOIM, 1744, p.25).
O exemplo do texto de Pope que envolve arrobas e arratéis não tem os mesmo dados
numéricos apresentados no texto do Alpoim, mas o corolário 3º do Pope (p.322- 323) é
exatamente o parágrafo165 69 do Alpoim:
Segue-se que se pode reduzir uma grandeza inteira a quebrado de um certo nome,
por exemplo, temos a grandeza inteira 4 que queremos reduzir a quebrado, que tenha
o nome 6, multiplicaremos 4 por 6 e o produto 24 será o numerador, e o
24
denominador 6, como se pedia desta sorte : essa grandeza assim reduzida a
6
24
quebrado fica sempre com o mesmo valor, pois que = 4, o que é evidente.
6
(POPE, p. 322-323).

Entre outras igualdades que são apresentadas em relação ao texto de Lamy, está
também esse mesmo exemplo (Lamy, p.262).
E os parágrafos 70 e 71 de Exame de Artilheiros sintetizam em ideias gerais o
corolário 4º do manuscrito. “Segue-se também que a unidade é denominador geral, e pondo a
grandeza por cima [...]. O mesmo é nas grandezas numéricas; querendo por exemplo por em
quebrado a grandeza 5, poremos 5 por cima e a unidade por baixo [...] é igual a 5” (POPE, p.
323-324).
A sequência de apresentação continua a mesma se forem comparados os textos de
Fortes e Pope, com a apresentação de quatro corolários (já comparados com Alpoim acima),
que apresentam pequenas diferenças:
Corolário I
Por meio deste problema se pode dar o mesmo nome a duas grandezas diferentes;
para conhecermos mais claramente a razão que tem as tais grandezas entre si; por
exemplo comparando arrobas com arratéis não vejo claramente a razão dessas
grandezas, como de dez arrobas para 48 arratéis, como cada arrouba tem 32 arratéis,
serão reduzidas 320 arratéis e com este número 320, com 48, já vejo claramente a
razão que tem entre si”. (POPE, p.322).

164
A miscelânea entre as palavras reis e reaes e os símbolos foi posta tal como aparece no texto.
165
O livro de Alpoim tem os parágrafos numerados em sequência.
157

O modo de reduzir uma grandeza inteira qualquer A em um número quebrado faz


parte do 3º corolário do capítulo IV desta parte da LA. Ou se “Da mesma sorte se quisermos
que a mesma grandeza A seja um quebrado que tenha nome A+B, multiplicaremos A por
AA + AB
A+B, e seu produto será numerador e o denominador A+B, desta sorte = A”
A+ B
(POPE, p. 323). E semelhanças também são verificadas no corolário 4, cuja advertência
aparece nos dois textos: “Deve-se advertir que para notar a parte de uma grandeza expressa
por letras, se lhe põem muitas vezes antes o quebrado por números e assim, em lugar de
AA 1
escrever , se escreve . AA , que vale o mesmo” (POPE, p.324). Estes dois últimos
4 4
resultados estão também nos Elemens de Lamy (p.262-263).
Depois passam a tratar da “Prop. 2ª. Probl.a – Reunir as partes ao seu todo”, como
escreve Pope ou “Proposiçam II, Problema – Ajuntar as partes de uma grandeza ao seu todo”,
como escreve Fortes. A ordem e os números dos corolários seguintes são os mesmos. Os
exemplos numéricos adotados nesse corolário I não é o mesmo. Pope trabalha com as medidas
600 palmos e 20 braças e Fortes com 60 braças e 50 palmos. Mas, é o mesmo exemplo
numérico do texto do Pope que se apresenta no parágrafo 73 do texto do Alpoim, e mesmo o
parágrafo anterior, 72, é igual ao que Pope escreve na sua proposição 2ª, sem tirar ou por
qualquer vírgula. Alpoim não apresenta nenhum parágrafo equivalente ao corolário 2º do
Pope, mas novamente o corolário 3º é apresentado no texto de Alpoim, com as mesmas
palavras.
A proposição III desta parte do manuscrito trata de:
Reduzir a um mesmo consequente ou denominador ou dar o mesmo nome a muitos
quebrados ou razões.
Isto é o mesmo que enunciamos no livro 4º § 2º, pois vale o mesmo reduzir as razões
a expressões que tenham um mesmo conseqüente.
2 3
Sejão os dois quebrados ou razões e que queremos que tenham um mesmo
5 4
nome, isto é um mesmo conseqüente ou o mesmo denominador. Multiplicaremos os
termos do primeiro quebrado pelo consequente do 2º, e os termos do 2º pelo
conseqüente do 1º, e feita a redução ficarão com o mesmo nome, como
demonstramos no § citado. Este é o fundamento da operação que ordinariamente se
praticam os que multiplicam os quebrados em cruz, e logo para denominador
comum o produto dos denominadores e com tudo vem a fazer o mesmo, e guardam
os quebrados depois de reduzidos a mesma razão que tinham antes, como aqui
2 3 8 15
parece e reduzidos e e conservaram o mesmo valor; porque 8 é a
5 4 20 20
mesma parte de 20, que 2 é de 5 e 15 de 20, o que é 3 de 4, tendo a mesma razão,
2 8 3 15
pois assim será 2.5 :: 8.20, assim 3.4 :: 15.20: Logo, = e = . Se for
5 20 4 20
necessário reduzir mais quebrados ao mesmo nome, reduzidos os dois primeiros se
158

5
reduzirá sucessivamente os mais: seja um 3º quebrado que queremos reduzir a um
6
nome comum com os dois precedentes já reduzidos. Multiplicaremos os
denominadores 6 e 20 [...], o que faz 100, e este será o numerador do 3º como aqui
48 90 100
parece , , (POPE, 326-327).
120 120 120

Alpoim e Fortes também tratam dessa redução e apresentam o mesmo exemplo


numérico, apesar de fazerem apresentações não idênticas. O modo como Alpoim e Pope
exprimem a primeira parte é diferente, embora seja muito semelhante e a última parte em que
tratam do acréscimo de mais um número é quase igual. Fortes não apresenta esta última parte,
mas ela é também apresentada no livro do padre Lamy (p.266-267).
Alpoim coloca como título Reduzir a um mesmo denominador, ou dar o mesmo nome
a muitos quebrados e desenvolve da seguinte forma:
2 3
Sejam os 2 quebrados e , que queremos, que tenham o mesmo nome, isto é, o
5 4
mesmo denominador, multiplicaremos em cruz o denominador do primeiro, pelo
numerador do segundo; e o denominador do segundo pelo numerador do primeiro; e
o denominador do primeiro, pelo denominador do segundo; e fica feita a redução.
2 3
Exemplo. Queremos o mesmo nome a e multiplico 5 por 3 , o que faz 15, e 4
5 4
8 15
por 2, e faz 8, e 5 por 4 faz 20, e ficam os novos quebrados e tendo o
20 20
mesmo nome, sendo iguais aos primeiros. 8 15
2 3
X
5 4
20
Se for necessário reduzir mais quebrados ao mesmo nome, reduzidos os dois
5
primeiros se reduzirão sucessivamente os mais: seja um 3º quebrado queremos
6
reduzir a um nome comum com os dois já reduzidos, multiplicaremos os
denominadores 6 e 20, o que faz 120, e será o denominador comum [...], o que faz
100, numerador do 3º, como aqui se mostra (ALPOIM, 1744, p.27-28).

Depois de uma parte muito parecida, como fica visto, Fortes faz a mesma redução para
um caso genérico, usando as letras, tal como no livro do padre Lamy (p.267). Pope e Alpoim
não fazem isso. Depois estão os corolários I e II, cujos exemplos numéricos nos textos de
Fortes e Pope são os mesmos e em seguida o lema I – “achar o maior comum divisor ou a
maior comum medida de dois números dados. Chama-se comum medida ou comum divisor
de 2 números, um 3º número que os divide a ambos exatamente. Nessa operação podem
ocorrer alguns casos, e assim seja [...]” (POPE, p.329). E seguem-se os casos 1 e 2, também
com os mesmos exemplos numéricos em Pope, Fortes e Lamy. Só Alpoim não apresenta essa
parte. E na sequência, o:
159

Lema 2º Problema
Achar o menor número que possa ser medido de dois números dados.
Se um dos dois números dados medir exatamente o outro, este será o buscado.
Sejam os números 3 e 6, e como o primeiro 3 mede exatamente ao segundo 6, esse
será o comum divisor entre 6 e 3.
Se um dos dois números dados não mede exatamente o outro, deve-se multiplicar
um pelo outro e o produto será o número que se busca. Sejam os dois números 3 e 4
e pelo que 3 não mede exatamente a 4, multiplicaremos 3 por 4, e o produto 12 será
o mais pequeno número que se pode medir por 3 e 4. Note-se que isso só é
verdadeiro, enquanto os dois números dados não excedem o maior caracter do
algarismo que é 9. Ao diante diremos quais são os números entre si primos e entre si
compostos: 6 e 4 não são números primos entre si e assim o seu produto 24 não é o
mais pequeno número que 6 e 4 medem exatamente, mas sim o número 12. (POPE,
p. 331).

Alpoim não apresenta essa parte. Depois a redução a menores termos passa a ser feita
para números não inteiros, o que eles classificam como, quebrados. “Proposição 4 – Reduzir
aos mínimos termos uma razão ou quebrado” (POPE, p. 332). O exemplo numérico também é
o mesmo existente na LA e no livro de Lamy e a igualdade se mantém até quando introduzem
a parte genérica.
Os quebrados ou razões, que se expressam pelas letras algébricas, se reduzem mais
facilmente a mais simples termos, porque segundo o que ensinamos na divisão
dessas grandezas, não é necessário mais do que apagar ou desvanecer as letras
semelhantes, que se acham no dividendo e no divisor; e assim para dividir XB por
X, o quociente é B; assim também para reduzir a mais simples termos a razão AAC
aac
para ACD, ou do quebrado acd , tiro de uma e outra grandeza letras semelhantes, a
a
saber, AC e ficará a razão de A para D, ou o quebrado d , que tem o mesmo valor, e
assim aac.acd :: a.d. (POPE, p. 333).

Depois segue a proposição V – reduzir quebrado de quebrado a um só quebrado. O


único exemplo proposto por Pope é a advertência colocada por Fortes (LA, p.130). Este
último apresenta um caso genérico antes, muito bem explicado, exatamente o que aparece no
texto do Lamy (p. 274-275).
Em relação à sexta proposição – Dar valor a um quebrado ou reduzi-lo a termos
conhecidos, os exemplos adotados por Fortes e Pope são diferentes. Pope propõe três
exemplos, o primeiro utilizando patacas e réis e depois utilizando horas e minutos:
2
Querendo saber quanto valem os de uma hora e porque a hora tem 60’
3
multiplicaremos 60 por 3 e 2, denominador e numerador do quebrado e fará o novo
120
quebrado ; e dividindo por 3 comum divisor deste quebrado, dará o quebrado
150
40 2
, que mostra que os de uma hora valem 40 minutos. A multiplicação que faço
60 3
do denominador é somente para a demonstração, por quando na prática, basta
160

multiplicar o numerador do quebrado dado pelas partes menores da grandeza inteira


e dividir o produto pelo denominador [...]. (POPE, p.335).

Alpoim também apresenta esse exemplo das horas, mas não multiplica pelo
denominador. A advertência do parágrafo 77 de Alpoim é exatamente a sequência em que se
apresenta o texto de Pope, também com as mesmas palavras. Até o exemplo que ambos
3
apresentam na sequência, que busca saber quanto vale de uma hora é o mesmo. A única
7
diferença está na forma de denominação dos decimais, pois Pope os representa com as
risquinhas correspondentes e Alpoim escreve as palavras primos, segundos, terceiros. A
advertência e o exemplo seguem o que está no livro do Lamy (276-277), embora ao invés de
3
calcular de uma hora, utiliza uma determinada moeda. Isso mostra que nem tudo que está
7
no texto de Lamy foi aproveitado por Fortes na Lógica Analítica, mas tinha sido ditado aos
alunos da Academia Militar.
A sétima proposição do manuscrito, discutida a seguir, é apresentada por Alpoim, mas
não nessa ordem.
Proposição 7 – Dividir um número pequeno por outro maior; a forma adotada por
Pope nessa resolução também é muito parecida com a de Alpoim. Chama muito a atenção a
seguinte frase do Pope (p.337) “Esta demonstração que não podiamos dar mais cedo se pode
aplicar as operações Aritméticas ou Algébricas do Livro 1º em que tratamos da divisão das
grandezas inteiras” que pode ser comparada com a do Fortes “Até agora não temos podido dar
a demonstração desta operação, que propuzemos no livro primeiro; o que agora cumprimos”
(FORTES, 1744, L.A., p.132). Fortes, porém, não trata da divisão de uma forma alargada,
apenas coloca exercícios para divisão de grandezas algébricas no 1º livro de Lógica Analítica.
Essa frase, classificada de advertência, registrada por Fortes e Pope, também está no livro do
padre Lamy (p. 278).
É somente por essa altura, antes de iniciar as operações com os quebrados, que Alpoim
introduz suas notas que tratam de redução de quebrados a mínimos termos, o que é maior
divisor comum e como dividir um número pequeno por outro maior.
Para o primeiro caso, o texto de Alpoim tem pequenas diferenças para o que está
escrito em Pope, e o exemplo numérico é o mesmo. Para a pergunta do Alpoim “que é maior
comum divisor?” não foi encontrado nenhum correspondente no manuscrito, já para a
pergunta “como se divide um número pequeno por outro maior”, há muitas semelhanças até
161

na descrição do exemplo, que está no que Pope chamou de demonstração. Mas a nota que
Pope, Fortes e Lamy colocam no fim não há em Alpoim.
A 2ª seção do manuscrito de Pope trata – das operações da Aritmética sobre os
quebrados ou razões. E seguem-se as semelhanças ou igualdades com o texto Lógica
Analítica de Fortes, mesmo para os exemplos numéricos e os exemplos/demonstrações feitos
usando letras. Além da adição, descrita abaixo, o mesmo acontece com a subtração, a
multiplicação e a divisão. Essa proposição também é a de número 8 na LA:
Prop. 8ª – Problema – Somar muitos quebrados ou razões dadas.
Para se somar muitos quebrados ou razões é necessário primeiro reduzi-los
3 5
a um mesmo nome (PP. 3ª), e assim dadas essas três razões ou quebrados , e
4 6
2 72 80 48
, reduzidas a um mesmo nome são , , . Somaremos os três
4 96 96 96
200 3 5 2
numeradores a saber, 72, 80, 48 o que faz = + + , e estão somados.
96 4 6 4
Se for necessário somar números inteiros com quebrados se devem reduzir
os inteiros ao mesmo nome dos quebrados, por exemplo se fosse necessário somar 4
3 5 2
inteiros com + + , fazendo tudo uma só soma, se reduzirão o número 4 dos
4 6 4
3
inteiros a espécie dos número quebrado , multiplicando 4 por 4 e ajuntando 3,
4
19
numerador do primeiro quebrado e faz tudo os quais se somaram como fica dito
4
com os mais quebrados. (POPE, p. 339).

Entre os textos de Alpoim e Pope também há muitas semelhanças, principalmente para


os exemplos numéricos, mas Alpoim faz mais reduções e não apresenta exemplos usando
somente as letras. Na multiplicação não faz a parte de reduzir tudo ao mesmo denominador, já
passa diretamente à regra de multiplicar numerador por numerador e também os
denominadores. Na divisão há identidades em alguns parágrafos, mas nem todos os que estão
no texto do Pope estão no de Alpoim. O parágrafo 89 de Alpoim está em Pope, mas neste há
uma parte que trata das grandezas literais, que Alpoim não traz. Já o parágrafo 90 de Alpoim é
exatamente o 29 do Pope. Depois Pope escreve que as outras operações da Aritmética se
fazem como são feitas com as grandezas absolutas. Alpoim passa a tratar da regra de três. De
maneira geral, toda essa matéria exposta em Alpoim é mais reduzida, mas prática. Já a forma
como é exposta essa matéria em Pope segue de perto o que está em Lamy e o que está em
Fortes, já que não há diferenças entre esses dois últimos, nem nos exemplos numéricos.
162

O que Fortes apresenta em outro capítulo, o de número 6 – as mais operações da


Aritmética sobre os quebrados, no manuscrito do Pope está na sequência, sem que tenha sido
adicionado um subtítulo.
O trecho seguinte, uma nota, também se encontra no texto do Fortes (LA, p.138-139) e
no texto do Lamy. Então, se as lições foram ditadas com base no texto do Lamy, até as notas
foram ditadas.
Como essa doutrina dos quebrados se aprende melhor com a prática, procurei
algumas questões para que se ponha em prática o que temos ensinado e é muito
importante que se note a resolução de uma questão, porque muitas vezes depende
somente do modo de expressar. Uma grandeza inteira se pode dividir ou quebrar em
quantas partes quiserem e para resolver uma questão é necessário escolher aquele
quebrado que melhor acomoda para o intento. (POPE, p. 345).

Como está prevista a proposição de questões, analisando-as vê-se que a primeira é


igual nos textos de Lógica Analítica e do manuscrito, mas se diferenciam na segunda. A
segunda questão no manuscrito é a seguinte: “Acha um pique que tem dentro da água a sua
metade e mais o terço do seu comprimento e fora da água tem somente 2 palmos. Pergunta-se
qual é o seu comprimento?” (POPE, p.346). Já na LA, Fortes propõe um problema
envolvendo Aquiles e a tartaruga. Esses dois problemas estão no livro do Lamy, seguidos de
mais outros dois problemas.
A seguir passam a tratar De outras diferentes espécies de números quebrados, mas a
ordem apresentada agora é diferente nos textos. Fortes primeiro mostra com exemplos de
medidas de comprimento e peso as subdivisões que cada unidade pode ter, e só depois coloca
um subtítulo – Dos quebrados da dízima, embora praticamente não o discuta, dizendo já ter
tratado disso em O Engenheiro Português.
No entanto, no manuscrito começa-se por definir “que coisa seja quebrado da dízima”.
“Chamam-se quebrados da dízima, aqueles em que a grandeza é dividida em 10 partes, e cada
parte destas em outras 10 partes [...]; essas décimas de décimas partes postas em ordem, farão
uma progressão geométrica os seus denominadores, a qual é submultiplice, em que reina a
razão décupla” (POPE, p. 347). Em seguida escreve as dízimas em forma de fração e faz
correspondências entre progressões aritméticas e geométricas. Escreve sobre a caracterização
dos “quebrados da dízima”, colocando risquinhas ou os caracteres romanos sobre os números,
tal como: 10’. 100’’. 1000’’’, etc. Também explica que recebem os nomes de primos, segundos
e terceiros e dá exemplos de contas/redução feitas com esses números.
“Por exemplo se quisermos reduzir 5 inteiros a primos, multiplicaremos 5 por 10, e o
produto 50, serão 50’: se quisermos reduzir a mesma grandeza a segundos, multiplicaremos
por 100 e o produto será 500’’” (POPE, p. 349). Dispõe os fatores para contas de adição e
163

subtração em forma de algoritmo, tal como Fortes propõe em O Engenheiro Português. Não
“arma continhas” para a multiplicação e divisão, embora descreva exemplos para essas
situações e, só depois é que apresenta exemplos envolvendo as medidas portuguesas da época,
embora também não sejam os mesmos exemplos numéricos de Lógica Analítica. Para essa
parte, contudo, o esquema apresentado por Pope é o mesmo que consta no livro do padre
Lamy.
Depois ambos, Fortes e Pope passam a tratar das grandezas incomensuráveis. Nessa
parte nota-se uma grande diferença na quantidade dos conteúdos expostos. Enquanto Fortes
pretende ser breve e ao expor esse assunto não gasta mais que cinco páginas, Pope se estende
por quarenta páginas a expor sobre a comensurabilidade ou incomensurabilidade, como ela se
relaciona com as operações da Aritmética, etc. No Livro do padre Lamy também são
destinadas 42 páginas para tratar dessa matéria. Fortes nem nomeia um livro para isso,
tratando desse conteúdo no capítulo 8º do quinto livro, enquanto Pope, a exemplo de Lamy,
descreve esse assunto no 6º Livro.
Até agora, nos trechos analisados de cada uma das obras, a Álgebra figurou com os
outros conteúdos de Aritmética, sendo tratada apenas como uma extensão, já que as
propriedades aplicadas aos números também poderiam ser aplicadas às letras. Na parte
seguinte, descreve-se como a Álgebra era tratada nesses mesmos textos.

6.5 – A Álgebra nesses livros

A Lógica Analítica, o manuscrito e o Elemens abordam a Álgebra em um novo livro


(7º para Fortes, 8º para Pope e Lamy) - dos métodos de resolver as questões ou problemas. A
ordem em que os conteúdos são introduzidos não é a mesma, mas o exemplo de aplicação do
método sintético, um que trata das idades dos homens, é o mesmo para os três.
Chama a atenção um trecho do manuscrito, pela curiosidade da narrativa.
Ainda que no livro 1º nº [não há nenhum número, talvez tivesse primeiro que
conferir para depois colocar e aconteceu o esquecimento] tratamos largamente
destes dois métodos, contudo tornaremos a repetir em suma o que naquele lugar
dissemos para termos presente a ordem que seguimos nas resoluções das questões.
De dois modos se pode resolver uma questão ou problema, e assim é dois métodos
celebrados, um chama sintético e o outro analítico. O sintético é um método de
composição, próprio para um mestre ensinar por ele o que já sabe e chama-se de
composição, porque do todo vai descendo para as partes, e do geral ao particular.
(POPE, p. 397-398. Destaques da autora).
164

O número a que Pope gostaria de ter se referido era seção I. Esse texto, embora de
forma um pouco diferenciada, também está em Lamy (p.354).
Voltando à sequência apresentada pelo manuscrito, verifica-se que a regra I é a mesma
existente em LA, que permanece em igualdade até a regra VI. Depois, Fortes introduziu outro
capítulo. A regra II desse novo capítulo é a 7ª do manuscrito, a terceira a 8ª, e nessa ordem,
sucessivamente até a regra 10ª do manuscrito ou 5ª do texto de Fortes. Os exemplos
numéricos continuam a ser os mesmos, como também o problema impossível existente nos
textos do manuscrito e no de Lógica, “dai-me um número que seja igual a 12 e a sua terça
parte igual a 5” (POPE, p. 410), quando se tratou da regra 10ª, bem como o modo genérico
traçado com as letras. Isso tudo está nos Elemens de Lamy (p. 356-366), mantendo a ordem
que foi descrita para o manuscrito.
Depois, no parágrafo 3º do texto do Pope - da redução das igualações a uma tal
expressão que a grandeza incógnita fique só de uma parte da igualação, explicam-se os
modos de resolver as equações usando adição, subtração, multiplicação ou divisão. Fortes
também faz isso em Lógica Analítica, no entanto, as diferenças estão no fato de Pope usar
coeficientes diferentes de um. Fortes apenas faz para casos genéricos, apresentando os
coeficientes sempre iguais a um. Por exemplo, “Da redução feita por diminuição. Esta
operação se funda no primeiro princípio que de iguais grandezas tira igual etc. e assim se de x
+ 5 = 10, tirarmos 5 de cada parte, fica x = 5. Se a = 6 + 3x, tirando 6 de cada parte ficará a –
6 = 3x. Se x + 50 = 80, tirando 50 de cada parte ficará 30” (POPE, p. 412). Esses mesmos
exemplos estão no livro de Lamy (p. 368).
Pope e Lamy mostram a realização de operações iguais nos dois lados da equação.
Fortes usa o termo “passar para o outro lado”.
Fortes trata, no quinto capítulo - do uso da extração das raízes para “desembaraçar
as grandezas incógnitas”. Expõe de forma extensa e também usa o recurso do completamento
de quadrado. Depois há um capítulo sobre substituição de grandezas por outras para abreviar a
resolução de uma equação. No manuscrito do Pope também é seguida essa ordem. No entanto,
traz apenas um exemplo de se tirar a raiz dos dois lados da equação e mostra um exemplo,
fazendo a operação inversa, que é elevando-se ao quadrado. Fortes não menciona elevar
ambos os membros da equação ao quadrado. Pope também trata da substituição e depois em
um novo subtítulo - redução que se fazem por transposição, introduz os conceitos de passar
para o outro lado ou fazer a operação inversa. É tal como descrito no caso do manuscrito que
se apresenta esse conteúdo em Lamy.
165

O parágrafo 5º do manuscrito - da aplicação que podemos fazer das regras da Análise


a vários problemas é o capítulo VII dea Lógica Analítica.
Começam então a propor problemas. O primeiro problema psoposto por Fortes é o
terceiro do manuscrito, e são exatamente iguais. No final das explicações desse primeiro
problema, Fortes diz que ele poderia ter sido exposto de outra forma, mostrando um exemplo
“menos abstrato”, mas que proporia os problemas de um modo geral, para que cada um
pudesse aplicá-los como parecesse.
Depois a ordem segue, o 4º problema do manuscrito é o 2º de LA, sucessivamente até
o problema 15º e 13º, respectivamente. O problema 16º do manuscrito, não está em LA. Daí
segue que o 17º é o 14º da LA. Do problema 18º em diante, Pope não os enumera mais e
pode-se perceber que os problemas propostos por ambos não são mais iguais, nem na ordem,
nem no conteúdo. Segue-se esse tipo de problemas até a página 445 do manuscrito. No livro
de Lamy, os problemas estão dispostos como em Lógica Analítica, sem qualquer diferença até
o 13º, depois os problemas se alteram, tendo Lamy proposto 34 problemas e Fortes 33.
O parágrafo 6º do manuscrito é - Da natureza das igualações de diferentes graus e das
preparações necessárias para as resolver. Fortes até propõe um capítulo que tem um título
parecido, mas limita-se a mostrar alguns exemplos para os quais aplicam-se regras para a
resolução de equações do segundo grau. Pope, no entanto, não resolve casos particulares, mas
explica as regras para resolução de equações até o 4º grau. Logo no princípio afirma que “As
igualações compostas tem diferentes nomes, segundo o grau da incógnita a que tem subido:
uma igualação se diz do 1º grau quando a grandeza é linear, como Z=B e se diz do 2º grau, do
3º, do 4º se a incógnita é um quadrado, cubo, ou uma 4ª potência” (POPE, p.447-448).
Depois de argumentar sobre as reduções mais simples que podem ser feitas nas
equações, como as quatro operações elementares da Aritmética, define raiz
“Chamam-se raízes de uma igualação os valores das incógnitas por cuja
multiplicação a igualação foi produzida e assim se suposermos x = 2 ou x – 2 = 0; x
= 3 ou x - 3=0, se multiplicarmos x - 2 por x - 3 teremos esta igualação xx - 2x - 3x
+ 6 = 0 e reduzida faz xx - 5x + 6 = 0 ou xx = 5x - 6; as raízes dessa igualação são x
- 2 e x - 3” (POPE, p.452).

Esse mesmo exemplo está em Elemens de Lamy (p. 418).


Pope estabelece a diferença entre raízes verdadeiras e falsas e diz que a potência indica
o número de raízes. E ainda “As raízes de uma igualação não só se dividem em verdadeiras e
falsas, mas também em reais e imaginárias, como explicaremos, mostrando a razão de haver
raízes imaginárias e o uso que podem ter” (POPE, p. 454). Em Lamy (p.420), isto também
166

está escrito. A seguir está a “regra geral para fazer desvanecer o segundo termo de uma
igualação” para o caso da equação do segundo grau.
Exemplos da segunda potência
Seja essa igualação do segundo grau de que se quer desvanecer o segundo termo xx
a a aa
– Ax + B = 0, segundo a regra x - = Z. Logo, x = 2+ , e xx = ZZ + AZ + ,e
2 2 4
aa aa
–AX = - AZ - , e assim teremos esta igualação, xx – Ax + B = ZZ + AZ + +
2 4
aa
B – AZ - = 0, e tirando os termos que se acham com sinal contrário de + e –,
2
aa
teremos finalmente, ZZ* - + B = 0, aonde o segundo termo se acha desvanecido.
2
a
Se a igualação proposta tivesse o sinal + no segundo termo teríamos x + = Z e
2
acharíamos a mesma igualação sem mais diferença que a dos sinais desta sorte xx +
a a aa
Ax = B. Logo, x + = Z, logo, x = Z - , e assim, xx = ZZ – AZ + . Mas x = Z
2 2 4
a AA AA
- , logo Ax = AZ - e substituindo AZ - em lugar de Ax teremos esta
2 2 2
aa aa
igualação xx + Ax = ZZ – AZ + + AZ - = B, tirando as grandezas que se
4 2
aa aa
acham com sinais contrários acharemos ZZ + − = B, e Z =
4 2
2 B+
aa aa
− , que dá a resolução do problema”
166
(POPE, p.457).
2 4

Depois Pope destaca um exemplo para a terceira potência e seguem alguns exemplos
de aplicação da regra geral referentes ao 2º, 3º e 4º graus. É nessa mesma ordem que esse
conteúdo é tratado por Lamy, com mais exemplos de equações e explicações.
Lamy, ao mostrar um método para a resolução das equações de terceiro grau, citou o
método de “Monsieur Varignon proposto nas Memórias da Academia de Ciências em 5 de
outubro de 1699, na página 191, edição holandesa” (LAMY, p. 437). Isso mostra que se a
primeira edição de Elemens de mathematique, de Lamy, é anterior a 1699, como parece, então
essa parte do capítulo deve ter sido acrescentada em edições posteriores. No entanto, o mais
significativo para esta atual investigação é que, por volta de trinta anos depois, esse conteúdo
era ensinado na Academia Militar portuguesa.
Pope termina o manuscrito com a frase seguinte: “Temos acabado o tratado e não
damos mais exemplos, por que estes poderão procurar os ouvintes com o que temos dito, que
não falta coisa que se possa desejar para as resoluções das questões” (POPE, p. 480). Se não
166
Apesar de o texto apresentar a grafia atual, optou-se por manter as letras maiúsculas e minúsculas misturadas,
tal como na exposição original do manuscrito.
167

estivesse tão claro já no título do manuscrito que tais lições tinham sido ditadas, esse
parágrafo indicaria que se tratam mesmo de notas de aulas ditadas por um professor.

6.5.1 – Algumas considerações

Apesar de em Lógica Analítica, de Fortes, existir um apêndice no qual são tratadas


algumas das questões do oitavo livro do Padre Lamy, como as combinações e a proporção
harmônica, esta última, se foi ditada na Academia, não ficou registrada no manuscrito de
Sebastião Pope, assim como algumas questões sobre logaritmos e progressões aritméticas e
geométricas.
A parte final do manuscrito, a qual trata das equações, faz toda a diferença. Sendo o
manuscrito notas de aula, infere-se que na Academia Militar se ensinava uma Matemática
superior, diferente do que se pensava até agora, de que além da Geometria só se ensinava
Aritmética. Parte do conteúdo que Alpoim aborda no seu livro Exame de Bombeiros, 1748,
também ajuda a reforçar esse fato.
Quando explica o modo de medir alturas sem o uso de instrumentos, faz uso da
Álgebra. Diz que, baseada na proposição 4 do livro 6 de Os Elementos de Euclides e nas
regras de resolução de equações, conhecidos a, b, c, d, a altura buscada será dada por z:
a.b :: a + c + d + x.z d.b :: d + x.z
Logo, a multiplicação dos extremos é igual à multiplicação dos meios.
Primeira, az = ab + bc + bd + bx. Segunda, dz = bd + bx, e na primeira igualação em
lugar de bd + bx, posso pôr dz, e fica az = ab + bc + dz, e tirando dz de cada parte
resta az - dz = ab + bc e dividindo por a - d fica z = ab+bc
a-d (ALPOIM, 1748, p.
72).

No apêndice I do nono tratado – do método mais fácil de contar as bombas e balas nas
pilhas, Alpoim expõe um método que inventou, que diz ser ainda mais fácil que o existente
em Exame de Artilheiros. No apêndice II deste tratado nono, ensina a achar o lado das pilhas,
dado o número das balas. Isso era importante, especialmente para racionalizar o uso dos
espaços nos armazéns, utilizados para o estoque dos materiais. Ele diz ser o primeiro a fazer
isso. Depois de vários exemplos numéricos apresenta a fórmula algébrica para os casos de
pilhas triangulares e quadrangulares. O trecho seguinte explicita isso:
Para que melhor se percebam as operações acima, ponho aqui a forma algébrica, em
que a letra x denota o lado incógnito que vou buscar, b o número das balas dado,
multiplicado por 3 nas quadrangulares e por 6 nas triangulares e destes cálculos se
vê, que não é necessário mais que a primeira operação para achar os lados, porque se
a primeira raiz é maior, logo será a imediata o lado da pilha.
168

Pilha triangular √3  32  2 = √6


3 3

62 2
Pilha quadrangular 3 
3
= √3 (ALPOIM,
3
4
1748, p. 306).

Alpoim, como visto, frequentou a Academia Militar da corte, sendo um dos alunos que
consta na lista do ano de 1724.
As igualdades ou semelhanças encontradas nas comparações estabelecidas do
manuscrito com algumas partes de Exame de Artilheiros, de Alpoim, servem para mostrar que
Alpoim também teve essas lições, se não todas, pelo menos parte delas. Como Alpoim já em
1729 encontrava-se empregado em diligências pelas províncias do reino, não teve essas lições
na mesma época que Pope. É provável que tenha tomado essas lições, exatamente pelo ditado
do engenheiro-mor, como deve também ter acontecido com Felipe Rodrigues de Oliveira, que
passou a substituir Fortes na Academia Militar desde 1727 e, Pope, pelas datas expostas no
manuscrito, deve ter tomado tais lições por meio do ditado de Felipe Rodrigues de Oliveira.
Em uma passagem do livro Exame de Bombeiros, Alpoim registra que seu mestre,
Azevedo Fortes, tinha um Tratado manuscrito da grandeza em geral, o que assegura afirmar
que Fortes, se não traduziu, tinha copiado e reorganizado o livro do Lamy. Além disso, por
toda essa investigação, infere-se que o tenha ditado nas aulas da Academia.
Como será enfadonho tirar as raízes quadradas às duas potências e armar com elas a
regra de três, principalmente quando tiverem quebrados, ensinarei aqui o modo de
fazer essa operação, sem tanto trabalho, tirado da doutrina das grandezas
incomensuráveis do l. 6 do Trat. manuscrito da grandeza em geral do meu grande
Mestre, e é: [...] (ALPOIM, 1748, p. 212. Destaque como no original).

Fica claro que as lições de Álgebra ditadas na Academia por Azevedo Fortes eram
baseadas na obra Elemens de Mathematique, do padre Bernardo Lamy. Mais tarde e com
retoques é o conteúdo ditado aos praticantes da Academia, que comporá a terceira parte de
Lógica de Fortes, a Lógica Analítica. Aliás, toda a Lógica Racional, Geométrica e Analítica é
baseada nas obras do padre Lamy, como já se disse.
Como visto na seção IV deste trabalho, desde 1727 era Felipe Rodrigues de Oliveira o
professor substituto da Academia Millitar, então era ele quem ditava os conteúdos de
Matemática aos alunos. Isso leva a afirmar que as lições tomadas por Elias Sebastião Pope
foram por meio dos ditados de Felipe Rodrigues. Pela época em que Felipe Rodrigues
frequentou as aulas da Academia, infere-se que tenha recebido essas lições diretamente dos
ditados do engenheiro-mor, Manoel de Azevedo Fortes, que tinha como base o livro do padre
francês.
Na tentativa de estabelecer graus de igualdade entre as obras, pode-se dizer que o
manuscrito de Pope é “mais igual” ao livro do padre Lamy do que a Lógica de Fortes. Isso
169

pode ter duas razões: primeiro porque o ditado das lições devia ser feito diretamente do
original, como se o professor, Azevedo Fortes, abrisse o livro do padre Lamy e ditasse frase a
frase, traduzindo-as do texto francês. E Felipe Rodrigues, quando ditou Tratado de Álgebra
utilizou o texto que tinha copiado dos ditados recebidos do engenheiro-mor. Embora não se
possa esquecer que Alpoim disse que Fortes tinha um Tratado manuscrito da grandeza em
geral, o que habilitaria a dizer que ele não ditava diretamente do texto francês, mas do texto
que tinha reorganizado, baseado no texto francês; segundo, porque ao decidir por compilar e
publicar seu texto, Azevedo Fortes, já com a experiência revelada pelo trabalho com o livro
do padre Lamy, deve ter optado por retirar algumas partes que julgou desnecessárias e
reorganizar de forma diferente outras.

6.6 – Os textos de ex-alunos da Academia Militar portuguesa que ensinaram no Brasil

6.6.1 – Diogo da Silveira Veloso

Diogo da Silveira Veloso, como já tratado na quinta seção, estudou na Academia


Militar da corte, mas na maior parte do tempo atuou no Brasil.
Os manuscritos do Veloso a serem comentados neste trabalho pertencem ao acervo da
Biblioteca da Ajuda e apresentam, em várias de suas páginas, o carimbo da Real Biblioteca.
Sabe-se que o acervo de manuscritos da biblioteca real portuguesa foi trazido com a família
real na fuga para o Brasil em 1808, mas depois de um acordo com a administração do país,
tais manuscritos retornaram para Portugal, fazendo hoje parte do acervo existente na
Biblioteca da Ajuda, em Lisboa.
É instigante o modo como os manuscritos de Veloso foram parar no acervo da Real
Biblioteca. Parece que esses manuscritos foram elaborados no Brasil, de acordo com as datas
que apresentam, mas, certamente para a elaboração, serviram de base os ditados que tinha
tomado das aulas que teve com Francisco Pimentel, filho de Serrão, na Academia da corte, já
que deixa transparecer isso em pelo menos dois dos manuscritos. Cópia desses ditados Veloso
deve ter trazido ao Brasil. Será que ele enviou esses manuscritos para a corte tentando uma
aprovação para publicá-los? Ou será que depois da sua morte alguém enviou esses
documentos para a corte?
Documentos167 do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa revelam que Veloso, no

167
AHU_ACL_CU_015, Cx. 22, D. 2030.
170

percurso que fazia do Rio de Janeiro a Pernambuco, sofrera um naufrágio, perdendo todos os
seus pertences. Há até documento assinado por Manoel Pimentel, o cosmógrafo-mor,
atestando a necessidade de mandar outros materiais para o engenheiro, além de dinheiro.
Anexo ao documento há uma lista dos possíveis materiais e livros a serem enviados para
Veloso para reposição do que era necessário para o exercício da profissão, que revela os
autores que eram considerados importantes na época e que eram seguidos em Portugal, bem
como os materiais que usavam.
É de se imaginar que se Veloso trazia consigo suas notas de aula, que elas tivessem se
perdido no naufrágio. Teria ele as recuperado? O que o motivou a reescrevê-las nos anos de
1730. Certamente, sua atividade como professor o levou a reorganizar as lições que havia
recebido como aluno, bem como a reelaborar lições baseadas nos livros que possuía.
A seguir uma citação que detalha o documento referido.
Um engenheiro principalmente se houver de ter Aula e ensinar a Fortificação, como
hoje fazem os que estão ocupados nas praças do Brasil e Angola, necessita de
muitos livros e instrumentos. Os principais são os seguintes.
Um livro de senos, tagentes e secantes. Não sei se se acharão hoje em Lisboa, em
Holanda costumam valer uma pataca, ou menos.
O Método Lusitânico que se imprimiu por ordem de Vossa Majestade. Estes livros
estavam em poder do Tesoureiro da Junta dos Três Estados, e por um simples
despacho da Junta se mandavam dar grátis. Pode-se lhe pedir uma dúzia destes
livros para mandar à Bahia, Pernambuco e Angola.
Um tomo de Zepeda em castelhano, também de Fortificação, impresso em Bruxelas.
Eu o comprei por 1$920.
As obras de Sebastião Fr’s de Medrano em Língua Castelhana, em cinco ou seis
tomos de oitavo, impressão de Flandes. Valiam aqui seis ou sete patacas.
A Escola de Palas é um livro excelente que não tem autor, porém é sabido que foi
feito por um grande de Espanha, que governava Milão, posto que muitas matérias
que ali ajuntou são do Padre Zaragossa, mestre de Carlos 2º Rei de Espanha. Este
livro que é um grande tomo de papel imperial, servia de grande utilidade se se
achasse. Porém eu mandei fazer diligência em Madrid e em Milao não o pude
alcançar.
Um tomo de artilharia de Júlio César Furrufino em língua castelhana. Costumava
valer uma moeda de ouro. Em falta deste livro outro de mesma matéria composto
por N. de Gamboa também na língua castelhana. Valerá duas patacas.
Dois tomos de fólio em castelhano que se intitula Arte y uso de Arquitectura por
Frei Lourenço de S. Nicolas. Valiam três mil réis. Esta obra, posto que não seja
propriamente da profissão do Engenheiro são muito útil para fabricar as portas das
praças e outras peças das Fortificações. Em lugar destes livros pode servir Sebastião
Serlio de Architectura, traduzido de Italiano em castelhano.
Um livro de Milícia em português, composto por Luis Mendes de Vasconcelos.
Em lingua Francesa
As obras de Ozanam, para quem souber a língua serão de grande utilidade.

Instrumentos
Um estojo, que conste das peças seguintes:
Um compasso, uma régua do tamanho de meio pé repartida em partes iguais, um
pantômetra ou compasso de proporção com várias linhas riscadas nele, um semi-
círculo repartido em 180 graus.
Estes estojos os faz em Paris um oficial que se chama Buterfiel insigne artífice, mas
no tempo presente se pode mandar vir de Inglaterra e Holanda.
171

Alguns compassos de meio palmo ou três quartis de palmo que se fazem com grande
perfeição em Inglaterra ou Holanda e valem baratos.
Pelo rol junto verá Vossa Majestade o que é necessário, assim ao Capitão Diogo da
Silveira Veloso, como aos discípulos da Aula da Bahia. Porém a Diogo da Silveira
me parecia que se lhe mandasse dar o dinheiro que ao Conselho parecesse, para a
compra destes livros e instrumentos, porque tem aqui procurador industrioso que
lhos poderá descobrir e ele em Pernambuco poderá comprar muitos que foram do
Sargento-mor Luis Francisco Pimentel, o qual tinha uma grande cópia de livros e
instrumentos que lá se venderam pela décima parte do que custaram.
Para se mandarem à Bahia e outras partes será necessário mandá-los vir de Holanda
que aqui será dificultoso acharem-se. Deus guarde a Vossa Majestade.
24 de Janeiro de 1707.
Manoel Pimentel (AHU_ACL_CU_015, Cx. 22, D. 2030)168.

Veloso indica que foi aluno de Francisco Pimentel no seu manuscrito Geometria
Prática169, com data de 1699, embora pelo que ficou registrado na capa, essa data deve referir-
se ao ano em que as lições foram “[...] dictados na Academia Real da fortificaçam. Por
Francisco Pimentel Engenheyro mor do Reyno. Anno de 1699”, o que é reforçado, pois a
titulação que lhe foi atribuída na capa – “Tenente de Mestre de Campo General. Com
exercício de Engenheyro na Praça de Pernambuco”-, é um posto que assumiu somente em
1730.
Uma investigação um pouco mais detalhada revela que o conteúdo do manuscrito de
Veloso, embora divulgado nos anos 30 do século XVIII, mas que deveria ser a matéria que
ditava aos alunos que tinha em Pernambuco, é uma fiel reprodução de partes do texto Método
Lusitânico de Serrão Pimentel. Lições que lhe foram ditadas pelo filho de Serrão, Francisco
Pimentel. Veloso não só aprendeu as lições de Serrão nas aulas do filho, como certamente
possuía um exemplar de Método Lusitânico, visto as citações que faz desse texto em seu outro
manuscrito, intitulado Fortificação Moderna.
Apenas sabe-se que Veloso foi para o Brasil em 1702, mas não se sabe até que ano
frequentou a Academia, pois muitos, nessa época depois de avaliados, podiam deixar de ser
discípulos mesmo sem terem sido nomeados para qualquer cargo; outros passavam muitos
anos frequentando as aulas e esperando uma oportunidade de ser nomeado. É muito provável
que, mesmo tendo recebido lições do Francisco Pimentel, Veloso também possa ter estado
com Azevedo Fortes, já que este exerceu atividades, como substituto na Academia da corte de
1696 a 1703.
A influência do trabalho de Fortes fica nítida no manuscrito que Veloso escreveu em
1743 e que foi editado por Mário Mendonça de Oliveira, em 2005. Em muitas partes da obra

168
Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V, sobre o requerimento do capitão engenheiro Diogo da
Silveira Veloso, pedindo ajuda de custo. De 27 de janeiro de 1707.
169
Exemplar existente na Biblioteca da Ajuda. Cota: 49-II-85.
172

de Veloso está uma referência ao trabalho de Fortes, bem como ao trabalho de outros autores
de textos sobre Engenharia Militar. O texto abaixo ilustra uma dessas passagens:
O nosso Engenheiro Português Cap.º 12 pag. 152 repara com bem judicioza razão
em um grande erro em que tem caido todos os autores, e diz que é erro bem patente,
porque em uma praça grande cujos flancos são bem grandes, e as tenalhas fortes e
robustas fazem as da cidadelas que olhão para a campanha pequenas, e com flancos
limitados, e que havendo esta praça ser atacada, mais facilmente o poderá ser pela
cidadela, por ter esta menos força, e que entrada ela fica logo perdida a praça, e que
assim para obviar este tão grande inconveniente é preciso fazer as tenalhas que olhão
para a campanha tanto ou ainda mais fortes que as mesmas da praça principal, [...]
(VELOSO, 2005, p.253-254).

A seguir, alguns comentários sobre os três manuscritos de Veloso.

Geometria Prática

O manuscrito Geometria prática apresenta três partes: Da construção e prática de


alguns problemas mais necessários, Da Trigonometria plana retilínea, Da construção e
fábrica das tábuas dos Logaritmos.
Veloso começa tratando de Geometria, com as definições e problemas que classificou
de práticos. Diz logo de início que, pelo fato de ter explicado Os Elementos, de Euclides,
poderia não tratar dessa primeira parte, mas como poderia haver algum aluno que a não
tivesse estudado, repetiria as lições. Trata das definições da Geometria Euclidiana e de
problemas, como traçar perpendiculares e achar meias proporcionais entre linhas dadas, como
o problema 11 da primeira parte, em que cita o método usado por Viète. Também propõe
problemas sobre a construção de polígonos, como o problema 22 que trata da construção do
heptágono. Veloso ainda propõe a construção de dois modos, mas de partida, já admite que
não é exata. E o modo de argumentar a impossibilidade da construção geométrica mostra bem
o seu conhecimento matemático:
Digo com insencível diferença do verdadeiro, porque o verdadeiro até agora se não
sabe fazer geometricamente, o que depende de se fazer um triângulo isósceles cujo
ângulo na base seja triplo do ângulo do vértice, o qual também até agora se não fez,
posto que alguns autores trazem suas praxes para isto, mas erradas. (VELOSO,
ca.1730, f.22).

A impossibilidade de trissecção do ângulo também é o argumento da construção


apenas aproximada do eneágono. Na sequência trata da inscrição e circunscrição de figuras no
círculo, da ampliação e diminuição de figuras baseadas em outras figuras dadas, da descrição
das curvas como a elipse, a hipérbole e a parábola, da descrição dos cinco corpos regulares,
173

bem como das relações entre prismas, etc. Há estampas com as figuras ao fim de cada parte
do manuscrito.
Na parte II passa a tratar da Trigonometria plana retilínea. Diz que ela se divide em
plana e esférica, mas que para a Arquitetura Civil, que é o intento das suas lições, basta a
Trigonometria plana. Mas, antes de começar a tratar dela, expõe sobre a Aritmética dizimal,
que diz facilitar os cálculos trigonométricos e também os outros cálculos da Arquitetura Civil
e Militar. “Arithmetica dizimal”
Vem a ser que se imagina qualquer inteiro repartido em 10 partes a que chamam
primos, e que quantos destes tomamos, tantos décimos serão como quebrados
ordinários, as partes que mostra o numerador são quais denomina o denominador.
Cada primo se imagina repartido em outras 10 partes, que dizem segundos, cada
segundo em outras 10 que se nomeam terceiros, e assim por diante, [...]
(VELOSO, ca. 1730, p. 74v).

Como notação Veloso usou um traço para separar a parte inteira da não inteira, ou
“quebrada”, como no exemplo: 9│345, que significa, 9 inteiros, 3 primos, 4 segundos e 5
terceiros. Ou ainda 90 31 42 53, que é muito próxima da notação de Stevin170, que num círculo
acima ou depois de cada dígito, escrevia a potência de dez, assumida como divisor. Mas,
como uma forma de explicar o que os expoentes indicam, veja-se o que Veloso escreveu para
o número 34,56827:

[...] ou só com o expoente 5 sobre a primeira letra, e quer dizer que são 34 inteiros, e
5 6 56 8
mais , e além disto 6 segundos ou , ou ambos juntos e mais
10 100 100 1000
568 2
ou 8 terceiros, e todos três , e ainda mais 2 quartos ou que junto
1000 100000
5682 7
com os mais faz soma de , que com mais 7 quintos ou é o
10000 100000
56827
quebrado todo (VELOSO, ca.1730, p. 75v).
100000

Com esse exemplo, ele ainda discutiu o conceito da regra de três. Na sequência, passou
a tratar “Do modo de obrar com os quebrados da dízima”, ensinando resumidamente as
operações de adição, subtração, multiplicação e divisão de números quebrados da dízima, com
mais ênfase, nas duas últimas operações. Termina dizendo que o que explicou é o que basta
para os principiantes e que todos os engenheiros deveriam usar uma régua dividida em 10

170
Embora Veloso seguisse as idéias de Simon Stevin (1548/9-1620), usando a notação por ele introduzida,
sabe-se que Napier, em 1616, já usava as frações decimais tais como hoje, separando, com um ponto, a parte
inteira da fracionária. O uso da vírgula decimal é atribuído em geral a G. A. Magini (1555-1617), um cartógrafo
amigo de Kepler. Mas, foi com Napier que o uso do ponto decimal se tornou popular.
174

palmos e cada parte em outras 10 partes, para evitar os embaraços que a não padronização das
medidas causava.
Na sequência, passa a tratar da divisão do círculo, escrevendo sobre o que seja grau,
minuto e segundo e tratando da divisão sexagesimal, por isso foi importante o tratamento
dado à Aritmética decimal. Veloso ainda expõe sobre a grande quantidade de divisores que
tem 360, por isso foi tomado como o número de graus da circunferência, bem como da
escolha do número 60 para a quantidade de minutos existentes em uma hora. Essa
consideração também é feita no livro Método Lusitânico de Serrão Pimentel. Explica que
seno, tangente e secante são linhas nas resoluções dos triângulos. São três as espécies de
senos: seno reto, seno verso e seno do complemento. Fortes e Serrão Pimentel também
dividem os senos dessa forma. Seno verso é o segmento (no diâmetro) que fica entre o
extremo do arco e o seno. Seno do complemento é o que hoje se chama de cosseno. Explica o
que é complemento de um ângulo e depois passa a tratar da tangente e da secante. Mostra até
a construção das tabelas trigonométricas, parecido com que Fortes faz em O Engenheiro
Português (tomo I, 1728), inscrevendo polígonos no círculo. Depois mostra vários exemplos e
ainda explica como cada ângulo deve ser buscado na tabela trigonométrica.
É só na folha 108 que passa a tratar dos triângulos retângulos. Depois dos problemas
sobre triângulos quaisquer, aplicando as propriedades dos triângulos, por cerca de 20 folhas,
terminando com as estampas de figuras relacionadas a essa parte.
A terceira parte trata dos logaritmos e da construção da tabelas dos logaritmos. Nesta,
Veloso não segue o que está no livro de Serrão Pimentel, mas o que expõe aproxima-se do
que está no livro O Engenheiro Português (tomo I, 1728), de Azevedo Fortes. Ambos
apresentam proposições como as que tratam da soma e da subtração de logaritmos. Depois
seguem vários problemas que ilustram o uso da tábua de logaritmos, como buscar por meio
dos logaritmos as áreas de polígonos regulares e irregulares. Serrão Pimentel resolve os
problemas sobre área e volume sem usar os logaritmos, enquanto Veloso usa-os para, por
exemplo, encontrar a área da elipse e a área e o volume da esfera. Sobre a esfera Pimentel não
toca. Veloso propõe vários problemas envolvendo os cinco corpos regulares e a esfera, por
meio dos logaritmos, além de achar o logaritmo das funções trigonométricas, terminando,
dessa forma, o manuscrito, com as três partes, como propôs no início.
175

Opúsculos geométricos

O manuscrito intitulado Opúsculos geométricos está dividido em quatro partes e é


datado de 1732. A primeira parte trata da divisão das superfícies, a segunda do modo de fazer
e usar o pantômetra, a terceira, de problemas curiosos sobre Geometria, Trigonometria e
Fortificação e o quarto sobre as regras e problemas da formação dos esquadrões e alguns
detalhes sobre a medida dos canos usados em Portugal.
O primeiro tratado – ou primeira parte – apresenta os modos de divisão de alguns
polígonos, como triângulos, paralelogramos e trapézios, por alguma razão estabelecida a
priori. Ocupa ao todo 33 folhas, mais 10 contendo as estampas com as figuras.
Na segunda parte começa por definir o que seja pantômetra (f.34), instrumento usado
para fazer medidas de comprimento, área e volume. Escreve sobre os outros nomes que ao
instrumento são atribuídos, como setor e regra de proporção ou compasso de proporção, que
considera mais adequado, pois, por meio das proporções, todas as coisas se comparam. Sobre
a invenção do instrumento, diz que alguns atribuem a Galileu Galilei (1564-1643) e outros a
Cristóvão Clavius (1537-1612), que no seu livro Geometria prática descreveu um
instrumento chamado ‘parte’ para medir linhas, e que a este instrumento outros foram
acrescentando outras linhas, até se chegar ao pantômetra.
Veloso explica como ele é formado, as suas divisões em duas réguas e as divisões
dessas duas réguas em três linhas cada uma, nas duas faces, totalizando doze linhas, que
medem e relacionam diferentes coisas, separadas nas dimensões de comprimento, área e
volume. Em uma das faces de uma régua estão as linhas que medem os graus das tangentes, a
área do círculo e a área da esfera. Fortes (1728, p.339) também explica como esse instrumento
é formado, mas não se estende, partindo aos exemplos. O primeiro problema apresentado
pelos dois autores nas suas obras é o mesmo. No manuscrito são ao todo quarenta e nove
problemas aplicando o uso do instrumento. Também é apresentada uma tabuada para se achar
os pesos de uma esfera metálica que não tem no livro de Fortes, nem no de Serrão Pimentel.
A terceira parte trata de problemas que o autor classifica de curiosos. São cinquenta
problemas e depois de vários teoremas, em que faz referências aos vários autores citados a
seguir, apresenta mais dois problemas com numeração iniciada novamente. À margem de
alguns dos primeiros cinquenta problemas há a informação de onde ele os copiou. Há
referências a Medrano171 (Livro Infine), aos livros Geometria prática e Álgebra do Pe.

171
Alpoim em Exame de Bombeiros também citou este autor e o relacionou ao livro Perfeito Bombeiro, mas
pode também ter outros escritos. A seguir há uma série de nomes que a autora deste trabalho tentou identificar,
176

Tosca172. Depois, quando passa aos teoremas, cita novamente a Álgebra, do Pe. Tosca, o livro
Subtilitate, de Cardano173 (1501-1576), o Almagesto, de Ptolomeu, escreve o nome do Frey
Marino Mersenno174 (1588-1648) (livro Harm.) e ainda cita o nome de Marino Geraldo175.
Estaria Veloso repetindo ou copiando trechos ditados pelo seu professor Francisco
Pimentel ou esse manuscrito é uma compilação exclusivamente sua? Até o fim da terceira
parte (f. 124) não aparece nenhuma referência a que essas lições tivessem sido tomadas na
Aula de Fortificação da corte, como ele registrou no manuscrito Geometria prática. Teria ele
compilado esse manuscrito baseado nos livros que tinha? Chegou a receber os livros que da
corte deveriam ir para repor o que tinha perdido no naufrágio? Na lista que Manoel Pimentel
sugeriu que fosse comprado para Veloso, depois do naufrágio, estão Medrano e Ozanam,
autores que cita nos seus textos. São todas perguntas que permanecem sem respostas.
Na folha 125 começam problemas sobre formação dos esquadrões, assunto da quarta
parte e, logo em seguida, há informações sobre a medida dos canos usados em Portugal
(apenas 2 folhas ou 3 páginas) e dez estampas com as figuras referentes à parte terceira.
Nesses problemas explica-se sobre os números quadrados e sobre algumas regras para se
formar as fileiras dos esquadrões. Mas, já na folha 133, há outro começo dessa quarta parte,
sobre a formação dos esquadrões. Nessa parte inicial são expostos 12 problemas. São citados
Diofanto, Viète (1540-1603), Jerônimo Cataneo176, Álgebra, de Pedro Nunes e Álgebra, de
Alberto Girard (1595-1632).
Do que escreve sobre canos há pouco a se descrever, somente que exibe uma linha que
diz ser meio palmo craveiro177 (medida de comprimento) e na página ao lado exibe várias
circunferências (que ele chama de círculo), com tamanhos que variam de acordo com a
medida do seu comprimento. Define manilha de água como o que ocupa um círculo de um
palmo craveiro em sua circunferência, que é o mesmo que dizer que o círculo ou manilha
contém dezesseis anéis de água (f.131).
Quando passa novamente a tratar dos esquadrões (f. 133), fica a impressão de que
copiou de algum tratado ou manuscrito de Serrão Pimentel. Como uma forma de página de
rosto, veja-se o que está lá registrado:

bem como o título das obras, mas nem sempre foi possível. Nesses casos foi mantida a grafia que foi possível
identificar.
172
Thomas Oriente Tosca, segundo o próprio Veloso se refere na folha 99 (verso) desse manuscrito.
173
Seu trabalho mais conhecido é Ars Magna.
174
Marin Mersenne, matemático que, entre outras coisas, trabalhou com teoria dos números.
175
Alpoim, em Exame de Bombeiros, considerou Marino Getaldo. Em nenhum caso chegou-se a informações
mais precisas.
176
Alpoim em Exame de Bombeiros também citou este autor e o relacionou ao livro Exame de bombas.
177
Aproximadamente 22 cm atuais. O pé (1 palmo e 1/2) seria aproximadamente 33 cm.
177

Regra para a inteligência dos três pés de ombro a ombro, e sete de peito a espalda na formatura dos esquadrões.
Regras demonstradas para cobrir por igual
Demonstração geométrica da regra ordinária com que se tira a raiz quadrada
Demonstração da regra geral ordinária para formar todos os esquadrões quadriláteros em qualquer proporção da
frente para o fundo.
Por Luis Serrão Pimentel, Engenheiro mor do Rei no Tenente General da Artilharia de qualquer das províncias
oferecido ao Príncipe Nosso S.or Dom Pedro II. ano de 1685.

Esse Opúsculo Geométrico, que até essa quarta parte parecia compilação original de
Veloso, dessa parte em diante já mostra a relação do manuscrito com os escritos de Serrão
Pimentel.
Formar os esquadrões é colocar os soldados em filas ordenadas, de acordo com o
número de soldados estipulado para cada linha e coluna, para a realização das evoluções
militares. Para formar essas filas há regras a serem respeitadas, como a distância entre um
soldado e outro, nas linhas e colunas. Para essa formação, muito contribuiu a extração de
raízes e a resolução das equações quadradas, bem como a fatoração. E é por meio de regras
para a formação dos quadrados ou retângulos de homens que o assunto é desenvolvido.
Segue-se cerca de 47 folhas explicando sobre o modo de formar os esquadrões,
inclusive esclarecendo que não era correto considerar ‘sete pés de peito a espalda’ (distância a
ser mantida entre os soldados nas colunas), mas que se devia considerar sete pés de peito a
peito. O problema era que ao se formar um esquadrão quadrado, não quer dizer que em cada
lado do hipotético quadrado haverá o mesmo número de soldados, pois de ombro a ombro há
três pés, enquanto de peito a peito há sete pés entre um soldado e outro. Um exemplo seria o
quadrado hipotético formado por 14 homens na frente e seis homens nas laterais. Como eram
muitas as regras para os diferentes tipos de esquadrões que poderiam ser formados, a matéria
não se tornava tão simples, exigindo bom tempo de estudo dos soldados.
Esses eram muitas vezes avaliados como comprovam os documentos relativos a
Pernambuco, pertencentes ao Arquivo Histórico Ultramarino. Um deles, um requerimento de
João de Macedo Corte Real, engenheiro em Pernambuco, no qual se transcrevem as atividades
por ele já realizadas, há a informação de que examinava os soldados e depois passou a ensinar
a eles “[...] servindo de examinador da formatura dos esquadrões e manejo da Artilharia de
primeiro de março de 1714 até o ano de 1716, estando lendo atualmente na Aula de
Fortificação com muito aproveitamento dos discípulos dela e nas obrigações do suposto obrou
com muita inteireza, verdade e limpeza de maõs [...]” (AHU_ACL_CU_015, Cx. 28, D. 2524.
Consulta de 10 de janeiro de 1718).
Com a exposição sobre a formação dos esquadrões termina esse manuscrito.
178

Arquitetura Militar ou Fortificação Moderna

Arquitetura Militar ou Fortificação Moderna, de 1743, é o título de outro dos


manuscritos de Veloso. Foi editado por Mário Mendonça de Oliveira178, em 2005. Este é dos
textos de Veloso que não apresenta capítulos específicos para a Matemática. Trata mesmo da
construção das fortificações, discorrendo sobre os lugares onde as fortalezas seriam
levantadas, o método moderno de fortificar, o desenho das fortificações, os materiais usados
para levantar as muralhas, etc.
Veloso cita muitos autores que escreveram sobre Arquitetura Militar e mesmo Civil,
como Antoine de Ville179 (1596-1657), Mathias Dogen180 (1605-1672), Simão Estevino181
(1548-1620), Nicolas Goldman182 (1611-1665), Allain Manesson Mallet183 (1630-1706),
Monsieur Ozanam184 (1640-1717), Marechal Sébastien le Preste de Vauban185 (1633-1707), os
portugueses Luis Serrão Pimentel e Manoel de Azevedo Fortes, entre outros.
Oliveira (2005, p. 31) escreveu em nota que no decorrer do texto de Veloso se observa
a grande erudição do autor, no tocante à história antiga e recente, especialmente sobre o tema
das artes bélicas. Ressalta-se que não só sobre Engenharia Militar, mas também sobre
Matemática, se considerado o elevado número de autores que citou nos outros dois
manuscritos que tratavam do assunto.
Deve-se ainda destacar que em Veloso há mostras de que o ensino de Álgebra, além de
necessário, também era praticado, mesmo que rudimentarmente. Nas investigações deste
trabalho, tem-se destacado esse fato também nos textos de outros engenheiros militares, como
de José Fernandes Pinto Alpoim. Nos seus livros, a Álgebra aparece nos ensinamentos sobre
Artilharia, diferentemente de Veloso, que apresenta o uso da Álgebra, principalmente, quando
trata da formação dos esquadrões.

178
Professor da UFBA e autor de vários trabalhos sobre história das fortificações e da Engenharia Militar.
179
Seu método de fortificar é o mais característico da Escola Francesa de fortificação do seu tempo.
180
Holandês de nascimento. Seu sistema seguiu o de outros conterrâneos, Marolois e Freytag.
181
Foi matemático e engenheiro do Príncipe de Orange. Famoso pelas frações decimais e por inventos de Física.
182
Foi arquiteto, engenheiro e professor de Arquitetura Militar e Civil na Holanda.
183
Seu tratado mais conhecido Les travaux de Mars ou l’art de la guerre foi publicado em Paris em 1685.
184
Matemático de renome e membro da Academia de Ciências da França.
185
É reconhecido como uma das figuras maiores da arte de fortificar. Deixou uma série de escritos, mas nunca
criou um texto específico.
179

6.6.2 - José Fernandes Pinto Alpoim

Foi o responsável durante muitos anos pela Aula de Artilharia e Fortificação do Rio de
Janeiro, criada em 1738, embora as aulas só tenham se iniciado efetivamente em 1739. Como
estava distante da corte e não contou durante muito tempo com nenhum professor substituto,
certamente viu a necessidade de estabelecer alguns princípios e organizar os conhecimentos a
serem passados aos alunos que tinha na colônia. Organizou dois livros que foram publicados:
Exame de Artilheiros (1744) e Exame de Bombeiros (1748).
O primeiro deles foi impresso em Lisboa, na oficina de José Antonio Plates, depois de
uma larga discussão em que alguns afirmavam ter sido o primeiro livro impresso no Brasil.
De qualquer forma é “considerado o primeiro livro de engenharia militar escrito no Brasil”
(CUNHA, 1987, p.11). Teve sua circulação embargada, conforme “Carta Régia de 15 de julho
de 1744 que determinou fosse recolhido o Exame de Artilheiros, sob a alegação de que seu
autor não respeitara a pragmática dos tratamentos devidos às personalidades citadas no texto
[...]” (CUNHA, 1987, p. 11).
É composto de três tratados: Aritmética, Geometria e Artilharia e quatro apêndices. Na
primeira parte o autor também ensinou as operações básicas e, na segunda, discutiu pontos
fundamentais da Geometria Euclidiana, sendo bem sucinto nessas duas partes e tratando com
mais fôlego as questões de Artilharia. Todo o livro apresenta-se no esquema de perguntas e
respostas. É uma obra cuja Matemática apresenta noções de Aritmética, Geometria e
Trigonometria, mas segundo Pardal “deve-se assinalar que ela só serviu como instrumento
para um ensino técnico, o de artilheiros, e certamente para o de Engenharia Militar, tão
estreitamente ligado” (PARDAL, 1987, p.43).
Já o segundo, Exame de Bombeiros, apesar de constar na página de rosto ter sido
impresso em Madrid, na oficina de Francisco Martinezapad, resta outros comentários a fazer,
devido às informações transcritas a seguir:
Dom João Rei de Portugal por graça de Deus faço saber que José Fr’s Pinto Alpoim
Thenente General da Praça do Rio de Jan.ro por seu procurador me representou que
elle compusera hú L.o intitulado exame de bombeyros e já tinha as licenças necessr.as
e ainda do d.o Tribunal p.a se conferir na d.a Praça como constava da petição que
offerecia porem como o queria imprimir na mesma Praça do Rio de Jan.ro por
varias conveniencias que tinha e em especial por ser elle o currector da dita obra
em que havia muytos termos e [dissões] desconhecidas a quem não fosse proffessor
da matéria de deytar bombas ainda que fosse militar e temia sucedesse o mesmo que
experimentara com o primr.o Livro que imprimira nesta corte intitulado - exame de
Artilheyros e havendo de tornar o d.o Livro depois de impresso para se conferir se
havião de gastar três annos p.a se fazer publico, cuja mora [demora] p.a nada era útil
e parecia se podia evitar cometendose a conferencia a qualquer pessoa que fosse
servido nomear naquella praça e dando o Supp.te fiança não só as proprias mas
também a não sair nem hum só a publico, sem estas estarem satisfeitas. Me pedia lhe
180

fizesse m.ce mandar que o d.o L.o exame de bombeyros, se conferisse na Praça do
Rio de Jan.ro aonde o supp.te estava de Guarnição e de que queria ser o proprio
corretor por ser matéria pouco tratada e ter vocábulos e termos desconhecidos. E
visto seu requerimento/ Hey por bem que o dito L.o exame de bombeyros que o
Supp.te quer imprimir se confira na Praça do Rio de Jan.ro dando fiança não só as
proprinas mas a não sair nenhum ao publico sem estas estarem satisfeitas.
Cumprindose esta provisão como nella se conthem de que pagou de novos direitos
[...] Lisboa 9 de Maio de 1747. (ANTT, Chancelaria de D. João V, Livro
115, f. 89. Destaques da autora)186.

Então parece que, além da conferência ter sido autorizada pelo rei para ser feita no
Brasil, a impressão também foi feita na colônia. O livro mantém a mesma forma de Exame de
Artilheiros, com índice ao fim. No entanto, as vinhetas decoradas que ilustram Exame de
Artilheiros, especialmente no início de cada novo capítulo não aparecem em Exame de
Bombeiros, com exceção da que aparece no início e no fim do livro. É, sem dúvidas, uma
edição mais simples, menos requintada, o que talvez seja mais um indicativo de que tenha
sido impresso na colônia, ainda sem muitos recursos. Além disso, havia a proibição por parte
da coroa da impressão na colônia.
Félix Pacheco, em Duas charadas bibliográficas187, abordou a questão da publicação e
impressão dos livros de Alpoim. Também outros trataram disso, como Aurélio Lopes, em
Repertório Mundial188. Apontam que no Rio de Janeiro havia uma segunda oficina de Antonio
Isidoro da Fonseca, impressor que atuou na corte, mas provavelmente foi expulso dela por ser
cristão novo e publicar textos de judeus condenados pela inquisição. E ao que indica foi nessa
impressão que se deu ao prelo Exame de Bombeiros de Alpoim. Aurélio Lopes fez mais uma
constatação importante que indica que Exame de Bombeiros foi impresso no Rio de Janeiro e
não em Madrid.
A prova [...] é a existência na obra de Alpoim de algumas estampas hoje reputadas
as de mais antiga feitura; os mais remotos incunábulos das gravuras no Brasil, tendo,
porém, uma – a estampa XVII – e esse é o ponto importante, a indicação – Rio –
1749, ou literalmente – José Franc. Chaves fecit. Rio, 1749 (FLEIUSS, 1936,
p.113).

Lopes afirma que em 1747, veio ordem de Portugal relativamente à tipografia de


Isidoro, mandando que ela fosse abolida e queimada para não propagar ideias que seriam
contrárias ao interesse do Estado. Mas, “nada obstava, supremo dirigente que era em sua
circunscrição, fechasse os olhos o governador, permitindo ao tipógrafo a necessária delonga
para a ultimação de trabalhos encetados, sendo assim esse (Exame de Bombeiros) realmente
impresso em 1748” (FLEIUSS, 1936, p.113-114. Destaque da autora). Isso explica até a

186
Texto como o original.
187
Uma publicação do Jornal do Comércio de 1931.
188
Revista mensal bibliográfica, ano 1, n.1, Rio de Janeiro, setembro de 1925.
181

existência de uma estampa datada de 1749. É bom lembrar que Alpoim tinha boas relações
com o governador da época, Gomes Freire de Andrade.
Aurélio Lopes induz a afirmar que as estampas existentes em Exame de Bombeiros
tenham sido as primeiras gravadas no Brasil. Distribuídas pelo livro constam dezoito gravuras
ou estampas e nelas está a rubrica Chaves fecit ou José Franc. Chaves fecit, mas nenhuma
delas tem data ou local, como a de número XVII. Além das gravuras, o livro todo não pode
ser considerado o primeiro impresso no Brasil, pois segundo Felix Pacheco, a primeira obra
impressa na Oficina de Antonio Isidoro da Fonseca foi Relação da entrada que fez o Exmo. e
Revmo. Sr. D. F. Antonio do Desterro Malheiro, Bispo do Rio de Janeiro, em o primeiro dia
deste presente ano de 1747 [...] Composta pelo doutor Luiz Antonio Rosado da Cunha [...].
Mas uma coisa ainda ficou por revelar: se era proibido ter impressão no Brasil, como
em documento oficial da coroa, citado anteriormente, há a permissão para que a obra fosse
impressa no Brasil?
Se Exame de Artilheiros foi mesmo impresso em Lisboa, então Exame de Bombeiros é
o primeiro livro com conteúdos de Matemática impresso no Brasil. É preciso tomar cuidado e
não fazer a generalização de que foi o primeiro livro de Matemática a ser impresso, pois não
era, já que tinha como fim ensinar a arte de lançar bombas.
Nesse livro se mantém o esquema de perguntas e respostas, como em Exame de
Artilheiros. Antes das censuras estão encadernadas cartas de homens que conviviam com
Alpoim no Rio de Janeiro, entre eles André Ribeiro Coutinho, mestre-de-campo do Terço de
Artilharia do Rio de Janeiro e José da Silva Paes, por essa época, também governador da Ilha
de Santa Catarina. Todos ressaltam as qualidades do autor e do texto elaborado.
Na carta189 de André Ribeiro Coutinho fica explícita a diferença entre bombeiros e
bombardeiros. Bombardeiro é o termo definido por Belidor em Bombardeiro francês ou novo
método de deitar bombas, publicado em 1731, ao qual Coutinho faz ressalvas e até críticas.
Diz que Belidor mistura deitar bombas com bombardeiro e se de espingarda tira-se, no idioma
português, espingardeiro “[...] e de espada, espadeiro, assim também de Bomba, se deve tirar
Bombeiro, e não Bombardeiro, que só pode derivar-se de Bombarda, que em Português (e em
Francês) sempre pertence ao gênero Peça de canhão; e não à Arte de deitar Bombas”.
O livro, como ficou registrado na longa citação, obteve as licenças necessárias para
poder ser impresso, que foram assinadas por D. Caetano de Gouvea, por Victorio Pacheco e
pelo Pe. Manoel de Campos, professor de Matemática do Colégio de Santo Antão, que mostra

189
Carta em que aparece um grande conhecimento sobre outros livros que tratam do assunto.
182

conhecimento sobre o trabalho de Alpoim quando ainda estava no reino. Esses foram os
responsáveis respectivos pelas licenças do Santo Ofício, do Ordinário e do Paço.
O livro está dividido em dez capítulos ou dez tratados, como classifica Alpoim e
quatro apêndices, dois vinculados ao nono capítulo e dois ao décimo. Relacionados à
Matemática, mais especificamente, são os quatro primeiros capítulos, que tratam
respectivamente de: Geometria, própria para os bombeiros, como o modo de fazer e graduar a
nova esquadra para endereçar a pontaria; Trigonometria, que classifica como nova e diz que
usará apenas um teorema e a proposição 47 do primeiro livro de Euclides, dos senos
logaritmos e números naturais; Longimetria, para prática e trigonometricamente saber medir a
distância do morteiro ao alvo; Altimetria, para medir quanto os alvos ou morteiros estão
levantados acima do plano horizontal, para saber buscar não só os ângulos das elevações, mas
as linhas potenciais.
Ao explicar o modo de medir essa altura sem o uso de instrumento, faz uso da
Álgebra, que diz estar baseada na prop. 4 do livro 6 de Euclides, como já citado no item 6.5
desta seção.
Ao longo do texto mostra conhecimento de vários livros e autores, como Ataque e
defesa das praças, de Vauban, Bombardeiro Francês, de Belidor, Arte de deitar bombas, de
Blondel, além de métodos usados por Torriceli e Galileu, entre outros. Deste último, usa uma
tábua que traz os senos duplos dos ângulos das elevações. Além desses cita passagem do O
Engenheiro Português, do seu grande mestre, como considera Azevedo Fortes, referindo-se
ao modo como Fortes informa sobre a altura dos morteiros.
No seu tratado V – sobre os morteiros, explica sobre como se achar a raiz quadrada de
alguns exemplos de potências. O seu intuito é saber a quantidade de pólvora para que o
morteiro possa atingir determinada distância.
Mas como será enfadonho tirar as raízes quadras às duas potenciais e armar com elas
a regra de três, principalmente quando tiverem quebrado, ensinarei aqui o modo de
fazer esta operação, sem tanto trabalho, tirado da doutrina das grandezas
incomensuráveis do L. 6 do trat. manuscrito da grandeza em geral do meu grande
Mestre, e é: Assim se há a primeira potencial, para a segunda, como o quadrado das
libras de pólvora dada, para o que sair. Feita a conta, ao quociente se lhe tira a raiz
quadrada, que será a pólvora, que se busca (ALPOIM, 1748, p. 212).

No apêndice I do nono tratado – do método mais fácil de contar as bombas e balas nas
pilhas, expõe um método que inventou, que diz ser ainda mais fácil que o existente em Exame
de Artilheiros. No apêndice II, ensina a achar o lado das pilhas, dado o número das balas. Ele
diz ser o primeiro a fazer isso. Esses métodos foram descritos anteriormente no item 6.5 desta
183

seção. O fato de inventar métodos poderia caracterizar o estilo mais livre dos seus textos,
ainda não formalizados.
Parece ser essa característica que destaca Valente, a respeito dos textos de Alpoim:
“Não estão, os conteúdos matemáticos, organizados ainda como uma teoria escolar. Não estão
postos os conteúdos como uma seqüência de princípios, exemplos, generalizações e
exercícios. Os textos contêm informações de como fazer, como proceder dentro das atividades
militares de artilheiros e bombeiros” (1997, p.60). Valente considera que esses dois livros são
as fontes mais remotas para investigação das origens da matemática escolar no Brasil.
Fortes em Lógica Analítica (LA, p.7), menciona que “os mestres devem inculcar nos
discípulos que façam reflexão de tudo o que forem estudando, aplicando-lhes os preceitos da
Lógica Racional explicados na primeira parte”. Parece que conseguiu cumprir esse intuito,
pelo menos quando se verifica a composição dos livros por Alpoim.
184
185

7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Optar por um estudo histórico é entrar em uma senda de descobertas. Estas trazem em
si o risco de levar a conclusões precipitadas e a todo tipo de anacronismo. O intuito foi
apresentar alguns momentos do processo de organização do ensino de Engenharia Militar em,
praticamente, toda a primeira metade do século XVIII, na corte portuguesa e na colônia – o
Brasil –, e, especialmente, da Matemática por esse processo veiculada e da utilização da
Álgebra, por entender ser necessário um conhecimento mais aprofundado sobre diferentes
modos de desenvolvimento de determinadas disciplinas.
Investigar a situação específica da Engenharia Militar, inserida numa organização
mais ampla, a do Exército, que, por sua vez, também está inserida na organização do Estado,
por si só, caracteriza-se por investigar um setor das organizações administrativas de Portugal
de então. Os pormenores dessa investigação trouxeram à tona aspectos negligenciados das
‘práticas’ organizativas, administrativas e cotidianas desse setor da sociedade portuguesa
setecentista.
Foi a busca em arquivos, indícios e pormenores das fontes que trouxeram as
informações mais importantes para esta investigação. Mais uma vez, tomando por empréstimo
as idéias de Ginzburg, citadas na introdução, a respeito dos testemunhos fragmentários e
indiretos poderem “esconder ações, registros e conhecimentos densos em conteúdo e
experiência humana” (GINZBURG, 1990, p. 7), vê-se que no caso da Engenharia Militar, não
foi diferente. As informações mais gerais sobre esse ramo não deram conta de explicar
aspectos importantes sobre a sua organização, como a existência de outros professores no
quadro dos que ensinaram na Academia, além dos engenheiros-mores e, outras vezes,
transmitiram dados errôneos, como a informação de que o engenheiro-mor Manoel da Maia
tivesse dado aulas na Academia. Essas duas informações mostram que o fato de os
engenheiros-mores serem responsáveis pela Academia não era garantia que tivessem sido
professores dela, como era comumente divulgado.
É de ressaltar quais foram os professores que a Academia Militar teve no período
investigado, além do engenheiro-mor Manoel de Azevedo Fortes. São eles: Domingos Vieira
e Felipe Rodrigues de Oliveira. Além de professores de matérias específicas ligadas à
186

Engenharia Militar, como José Sanches da Silva, professor de Artilharia e João Alexandre
Chermont, professor de Desenho.
Assim como o estudo sobre as atividades jesuíticas no campo da educação tem
mostrado novos elementos para entender a organização do conhecimento científico, acredita-
se – e pretendeu-se ilustrar com este trabalho – que as atividades no campo da Engenharia
Militar também são significativas nesse sentido e que o estudo de pormenores relacionados a
elas são constituintes de elementos capazes de mostrar que o ensino de Engenharia Militar
também contribuiu para a divulgação no reino português das ideias científicas de um modo
geral e, particularmente, das matemáticas.
É impossível dizer que o ensino de Engenharia Militar, estivesse destinado apenas à
Academia Militar da corte. É sabido que no Colégio Jesuíta de Santo Antão, em Lisboa, seu
ensino também se deu, mas não foi possível averiguar se em outros colégios jesuítas como de
Évora e Coimbra, tais aulas aconteciam.
A relação existente entre a Academia Militar e as aulas de Matemática do Colégio de
Santo Antão, nas quais aconteciam o ensino de Fortificação, precisa ser melhor explorada. Os
exames pelos quais os engenheiros passavam, por exemplo, foi um dos principais pontos que
as duas instituições apresentaram em comum, conforme os resultados desta investigação.
Como relatado, há “dissertações matemáticas” ou exames feitos por alunos da Academia
Militar nas dependências do Colégio de Santo Antão. Por que alunos da Academia Militar
eram examinados no Colégio de Santo Antão? Frequentaram esses alunos as duas
instituições? Essas e outras interrogações permaneceram.
Difícil não citar Azevedo Fortes ao tratar dos engenheiros militares portugueses,
especialmente desse período. Ele foi o mais profundo defensor dessa categoria. Como chefe
maior dos engenheiros durante aproximadamente trinta anos, elaborou as bases da profissão
em Portugal. Criou o que se pode chamar de estatuto do engenheiro militar, indicou o que eles
deviam saber, no que deviam atuar, como deviam trabalhar, etc.
A variedade da natureza dos documentos a respeito de Azevedo Fortes indica quão
variada foi a sua forma de atuar, tratando de assuntos díspares como a Filosofia e as práticas
da guerra. No entanto, é coerente com o “projecto cultural” que sempre pareceu ter em mente:
fornecer uma educação adequada à classe dos engenheiros militares, mas ao mesmo tempo
estender essa formação à elite social portuguesa, que, num mundo moderno precisava ser
cientificada, como vinha acontecendo em outras partes da Europa. A sua participação ativa na
Academia de Ericeira e o trio de Discursos philosophicos que foram referidos são disso prova
inequívoca.
187

São várias as referências ao fato do livro O Engenheiro Português, de Fortes, 1728/29,


ter servido de manual nas aulas das Academias Militares, especialmente na da corte. Embora
o próprio Fortes tivesse deixado no prólogo do livro essa informação, faltavam fontes que
mostrassem isso, apesar de ser um texto muito didático e conciso.
Em contrapartida, não havia referências ao uso de Lógica Racional, Geométrica e
Analítica como manual didático nas aulas das academias, nem mesmo na da corte, apesar de
Fortes também informar que escrevia para os oficiais militares da sua profissão.
Andrade relatou que Lógica de Fortes era um livro oferecido apenas como prêmio aos
alunos da Academia Militar: “mais com um livro acessível, escrito em português, que se
oferecia como prêmio, à mocidade estudiosa da Academia Militar” (ANDRADE, 1950,
p.154). Essa informação se repete em textos de vários outros autores. No entanto, nenhum
deles confirma se isso realmente aconteceu e não esclarecem de que época eram esses alunos
que receberam exemplares de Lógica, se logo depois que ela foi publicada ou bem mais tarde.
Antes, Stockler (1819, p.70) já tinha escrito que os livros de Fortes e Pimentel eram dados
como prêmio, não restringindo esse fato apenas a Lógica Racional, Geométrica e Analítica.
Entende-se que ele esteja se referindo a que isso acontecia na Academia nos anos de 1770 e
1780.
Mesmo assim, foi possível levantar outras informações sobre essa obra e sobre sua
circulação e o seu uso como manual didático foi confirmado por esta investigação. Lógica era
usada muito antes de ser publicada, até mesmo antes da publicação de O Engenheiro
Português, se considerar que Felipe Rodrigues e Alpoim também receberam os ditados dessa
lição. Esse manual era conhecido como Tratado de Álgebra.
Além do que já foi exposto na seção VI, especialmente no item 6.5.1, quando se
apontam algumas passagens em que Alpoim faz referência a um Tratado de Álgebra
elaborado por Azevedo Fortes, este último, em documento do Conselho de Guerra de 1739,
fez referência a um Tratado de Álgebra e como prova do seu conhecimento e, como seu
mentor, disse que era o único tratado capaz de dar abertura ao entendimento, abrindo o
caminho para que outros conteúdos de Matemática pudessem ser entendidos.
O suplicante [...] tem tido na Academia Militar uma aplicação em todo o sentido
grande, e igual aproveitamento, e é lástima que deixe de completar o seu estudo,
sendo que lhe falta o mais importante, como é o exercício do Campo a que se tem
dado princípio e vai continuando, a acabar o tratado da Álgebra, que se há de
continuar de outubro por diante, que é o único tratado que dá abertura ao
entendimento, e põem os discípulos em estado de poderem por si sós bem entender
todos os mais tratados de que a matemática se compõe; (ANTT, Consultas do
Conselho de Guerra, de 7 de julho de 1739, Maço 98, grifo da autora).
188

Barbosa Machado, em Biblioteca Lusitana, quando escreve sobre Felipe Rodrigues de


Oliveira, professor substituto desde 1727, diz que dele ficaram alguns manuscritos (dos quais
não foi possível encontrar nenhum), e entre esses cita Elementos de Mathemática, ou
princípios geraes de todas as sciencias, sendo o seu objeto a grandeza em geral. Se
considerar que Felipe Rodrigues foi aluno da Academia de 1717 a 1728, então é possível
afirmar que o manuscrito que tinha em mãos eram resultados das lições ditadas por Azevedo
Fortes.
O mesmo acontece com Alpoim. Mesmo não sendo uma cópia fiel, seu Exame de
Artilheiros, na parte em que trata das frações, traz exemplos idênticos aos que estão no
manuscrito de Pope, e em Lógica. Então, parece claro que Alpoim e Felipe Rodrigues tiveram
as mesmas lições ditadas por Azevedo Fortes, já que frequentaram a Academia na mesma
época. Depois o Tratado passou a ser ditado por Felipe Rodrigues, que continuou ensinando
essas mesmas lições, como professor substituto da Academia. Foi pelos ditados de Felipe
Rodrigues que Sebastião Pope tomou conhecimento do seu conteúdo.
Nesta investigação, o conteúdo de Tratado de Álgebra foi revelado pelo manuscrito de
Sebastião Pope, que tem como título Elementos das mathematicas, ou principios geraes de
todas as sciencias que tem por objecto a grand.a em geral, que aliás é o mesmo que Barbosa
Machado atribuiu ao manuscrito do Felipe Rodrigues. E como não é coincidência, conforme
já mostrado, é praticamente esse o título do livro do padre Bernardo Lamy: Elemens des
mathematiques ou traité de la grandeur en general: qui comprend l'arithmetique, l'algebe,
l'analyse, completado por e dos princípios de todas as ciências que tem a grandeza por
objeto.
A Matemática tratada e desenvolvida no Tratado de Álgebra (ensinado na Academia)
e depois publicada em Lógica de Fortes, pode ser considerada generalista e moderna aos
moldes da época. A Geometria exposta em O Engenheiro Português era, exclusivamente,
euclidiana e as demonstrações apresentadas não eram rigorosas, sendo consideradas muito
mais “mostrações”.
Já a Matemática tratada em Lógica trazia os elementos de Álgebra, numa parte
totalmente destinada a ela, incluindo as demonstrações para equações de terceiro e quarto
graus e propriedades das grandezas comensuráveis, incomensuráveis e noções de
probabilidade. Mesmo na segunda parte que tratou da Geometria Euclidiana, as
demonstrações eram sempre feitas por meio das letras e, em poucas partes, há exemplos
numéricos, além do que inclui o estudo das cônicas.
189

De um modo geral, o conteúdo dos dois livros: Lógica e O Engenheiro Português é


diferente. Mesmo a Geometria tratada nos dois textos é tomada sob pontos de vista diferentes.
Em Lógica, os assuntos são tratados de uma forma mais abstrata, sem aplicação, enquanto O
Engenheiro Português visava à aplicação no terreno. O segundo volume de O Engenheiro
Português não tem nem comparação, pois é específico sobre as construções das fortificações.
Desde o trabalho de mestrado, em que se realizou um estudo sobre Lógica, a autora
deste trabalho tencionava entender onde Fortes tinha ido buscar os conhecimentos
matemáticos, bem como os outros tipos de conhecimentos presentes nos livros que ele
elaborou. Seguindo os indicativos deixados por ele próprio, já que fez questão muitas vezes
de registrar os autores que seguia, informando até mesmo quando deles tinha feito cópia, foi
possível chegar aos textos que foram inspiradores dos seus livros. Entre eles, encontram-se,
especialmente, as obras do padre Bernard Lamy – as obras inspiradoras de Lógica Racional,
Geométrica e Analítica.
Se os livros do Padre Lamy serviram de manuais didáticos na Escola Militar Francesa,
não foi possível investigar, mas foram na Academia Militar Portuguesa e, do seu conteúdo,
não se pode dizer que fosse elementar.
Pelos exemplos de passagem que temos sobre quem dava aulas na Academia não fica
muito claro, se a partir de quando Felipe Rodrigues começou a substituir, Fortes nunca mais
tenha exercido essa atividade, mesmo que esporadicamente, como relatou o Marquês de
Marialva em documento de 1749. Pelas atribuições que Fortes tinha na corte e nas províncias,
é de se imaginar que seria complicado que ele fosse o responsável pelas aulas e, encontrando
um substituto à altura, depositou sua confiança. Mas a matéria ditada, se não tinha sua
supervisão direta, era a repetição das suas lições.
O parecer190 que Fortes emitiu em 1739 sobre o pedido que fazia um aluno da
Academia de poder continuar na Aula e não voltar para a Província do Algarve, de onde
provinha, indica bem que a Álgebra era ditada na Academia, e deixa bem clara a sua posição
– de um mestre que pretende que os discípulos sejam capazes de não só aprender as lições nas
aulas que estejam tomando, mas que saibam tomar decisões autonomamente, decisões tão
necessárias aos engenheiros militares, principalmente para os que eram enviados para longe,
já, que na maioria das vezes, estavam sozinhos e qualquer erro poderia ser muito prejudicial.
Problema conhecido de todos e combatido por Fortes, já em Representação.
Esse parecer deixa conhecer um pouco mais sobre o funcionamento da Academia
Militar. E, ainda, mesmo que fosse Felipe Rodrigues quem ditasse as matérias, Fortes, como o
190
Citado e transcrito em partes também no início dessas considerações.
190

responsável pela Academia, estava atento e sabia do andamento das atividades, como, por
exemplo, quando terminaria o ditado do Tratado da Álgebra. Mas o documento ao qual esse
parecer estava anexo diz um pouco mais sobre o funcionamento dessa Academia. Como por
exemplo, sobre as atividades que eram feitas durante o período de férias.
[...] e mandando, Vossa Majestade pela Junta dos Três Estados em 18 de março se
fizessem exercícios práticos no campo todos os 15 dias em que durarem as férias de
cujo exercício o suplicante necessita, motivo porque se lhe faz dificultoso recolher-
se à sua Província no termo de 15 dias em que durarem as férias por necessitar o
suplicante deste exercício, sendo lhe também preciso findar a matéria da Álgebra
que se está ditando por ser esta difícil havê-la por não haver Livro na língua
materna, e porque não tem mais tempo de estudos que dous anos incompletos sendo
tão limitado para se poder por capaz de servir a Vossa Majestade. (ANTT,
Consultas de 9 de julho de 1739, do Conselho de Guerra, Maço 98).

Era 1739 e não havia livros de álgebra na língua materna pelo qual pudesse um aluno
da Academia Militar estudar sozinho, para que pudesse voltar à sua província. Fatos como
esse podem ter levado Fortes a publicar a sua Lógica, mesmo que tardiamente, visto ensiná-la
muito antes.
O fato de Fortes já em 1734 pedir chancela para as assinaturas indica que ele pouco
devia escrever, então como teria composto Lógica que só foi publicada em 1744, era uma das
indagações iniciais deste trabalho. Pelo manuscrito de Sebastião Pope e pelas inferências
feitas por Alpoim, fica claro que toda Lógica já estava organizada antes de 1734, tendo
servido sim aos alunos da Academia Militar muito antes de ser publicada.
De tudo isso, podemos dizer que no período em que Fortes deu aulas na Academia
(1719-1727 pelo menos) e depois nos anos subsequentes, pelas mãos do Felipe Rodrigues,
além do texto clássico O Engenheiro Português, que é repetidas vezes tomado como o texto
das aulas da Academia Militar, outro texto que só foi publicado mais tarde, em 1744, Lógica
Racional, Geométrica e Analítica, constituíam a base matemática e filosófica ditada na
Academia.
Se não é possível estabelecer com exatidão, ao menos é possível estimar a época em
que a instituição que formava os engenheiros militares na corte passou a denominar-se
Academia Militar. Foi sem dúvida no período em que Fortes passou a exercer uma influência
mais precisa nessa instituição e, a partir de então, aos poucos até os documentos elaborados
pelos órgãos centrais da administração defensiva e política passaram a incorporar tal termo.
No final da vida de Fortes, todos os documentos do Conselho de Guerra, quando faziam
referência a essa instituição, denominavam-na de Academia Militar. Aliás, nos documentos
desse órgão, desde 1730, não se encontrou nenhum documento que a denominasse de maneira
diferente, nem como Aula de Fortificação, como antigamente era chamada.
191

Em relação às “Aulas” estabelecidas nas capitanias brasileiras, não foi possível


detectar uniformidades. Das quatro capitanias destacadas na seção V, Bahia e Pernambuco
tiveram “Aulas” ligadas ao ensino de Engenharia Militar, ou Arquitetura Militar, já nas
capitanias do Rio de Janeiro e Maranhão o ensino militar, quando houve, era mais voltado
para a Artilharia. Os responsáveis, porém, mesmo para o ensino de Artilharia, foram, na
maioria das vezes, os engenheiros militares. Convém destacar que poucos foram os
engenheiros formados na colônia nomeados para cargos ligados à sua profissão, sobressaindo-
se alguns casos na Bahia, como o de José Antônio Caldas.
Manoel de Azevedo Fortes em Oração Acadêmica, disse que Lisboa seria uma nova
Roma ou Atenas e causaria inveja. Renata Araujo (2006, p.32) terminou o seu artigo dizendo
que mesmo não sendo uma Roma ou Atenas tornou-se uma nova Lisboa. Neste trabalho,
acrescenta-se que isso pode ser ilustrado de uma forma muita clara, pela ação dos engenheiros
que foram os responsáveis pela reconstrução de Lisboa após o terremoto de 1755, que a
arrasou. Dos engenheiros que trabalham diretamente na reconstrução tem-se Sebastião Pope,
Eugênio dos Santos Carvalho, Pedro Ramalho, Felipe Rodrigues de Oliveira, entre outros,
todos ex-alunos da Academia Militar que tiveram sua formação entre os anos de 1720 e 1740.
E, por fim, convém relatar sobre os trajetos da investigação. Em um primeiro
momento, tinha-se apenas alguns indicativos dos locais a serem visitados, normalmente por
serem depositários de grandes e comentados espólios, como a Biblioteca Nacional de Portugal
e o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, ou por ter ligações mais imediatas com o tema,
como é o caso do Arquivo Histórico do Exército, nesta investigação. No emtanto, a maioria
dos pormenores só se vai descobrindo aos poucos, como, por exemplo, saber que nos
guardados no Arquivo Histórico do Exército existem documentos pessoais sobre os
integrantes do Exército, mas só a partir de 1750, período posterior ao considerado nesta
investigação. Depois, a inexistência de documentos referentes ao período anterior ao
terremoto, que arrasou Lisboa em 1755, é sempre atribuída ao caos ou aos incêndios
decorridos do evento.
Há fundos ou coleções que compreendem muitos anos e até séculos, como é o caso da
documentação relativa aos órgãos do Conselho de Guerra e do Conselho Ultramarino. Mas é
preciso aprender a trabalhar com toda essa documentação, pois ela se materializa em três
espécies diferentes de documentos: consultas, decretos e livros de registros. De todos eles,
pode-se pensar que os livros de registros sejam os mais confiáveis, pois neles estão
registrados os documentos emitidos pelo órgão. Entretanto, para uma investigação como esta,
as consultas são documentos muito mais completos, que trazem as informações detalhadas,
192

compostas de vários documentos, especialmente do início dos processos, constituindo-se num


verdadeiro dossiê. O que normalmente fica registrado no livro de registro é o despacho final,
que não raro, contém poucas informações sobre os procedimentos iniciais desenvolvidos. E
muitos processos iniciados, cuja documentação pode estar nos blocos de consultas, nem
sequer chegaram a ter decisões tomadas, que tenham resultado em algum despacho ou
decreto. Por tudo isso, esse tipo de documentação foi das mais significativas nesta
investigação, constituindo a base das seções 4 e 5 desta tese.
Não é tarefa fácil chegar a esse tipo de documentação, pois demora-se para que o
pesquisador encontre os fundos bibliográficos mais adequados à sua pesquisa. Até porque,
mesmo fazendo um levantamento prévio dos fundos existentes nos locais que pré definiu para
serem visitados, é só quando se está imerso na documentação e com a ajuda de certos
bibliotecários, que se compreende de forma mais geral as características das documentações e
o tipo de separação adotado pelas instituições.
Todas essas vivências fazem parte direta ou indiretamente deste trabalho.
Sobre perspectivas futuras para esse tema de investigação, merece atenção a formação
de Azevedo Fortes, ou ao menos um esboço sobre a sua trajetória antes do retorno ao reino
português.
Fica o desejo da pesquisadora de permanecer nesse universo de traças e dar
continuidade à pesquisa, mesmo reconhecendo a parcialidade dos resultados.
193

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202
203

APÊNDICE – Os textos de ex-alunos da Academia Militar

- João Tomás Correia de Brito (ca 1667- ?)

Foi engenheiro do Exército português em Setúbal durante parte significativa da sua


vida profissional. Já em 1701 foi nomeado capitão-engenheiro191, tendo prestado serviço nas
fortificações de algumas praças do Alentejo e nas campanhas da Beira em 1704. Em março de
1705 passou a ter o posto de sargento-mor-engenheiro, em 1707 o posto de tenente-general de
Artilharia da Praça de Setúbal e em 1715, o de coronel de Artilharia, patente confirmada em
1718. Desse engenheiro existem dois manuscritos nos arquivos da BNP. Pelas datas em que
passou a exercer funções no reino, acredita-se que tenha tomado lições com Francisco
Pimentel, embora não haja documentos que comprovem isso. Mas, textos atribuídos à sua
autoria não parecem ser “notas de aulas”, figurando mais como “Obras teóricas”.
Um deles é Rezumo do metodo da furteficassão, e castramentação; Alojam.to dos Ex.tos
e uarias couzas. M.to uteis p.a A campanha:192 Por Ten.te g.l João Thomas Correa. Não tem
data, mas pela patente que está registrada na folha de rosto, conclui-se que foi escrito depois
de 1707 e antes de 1715. O texto contém desenhos de figuras geométricas, baluartes e
diversas peças de Artilharia; alguns dos desenhos estão aquarelados a cores representando
movimentações e acampamentos militares em localidades portuguesas. Uma marca de que o
manuscrito lhe pertencia ainda depois de 1715 é a assinatura autógrafa na folha que antecede
a folha de rosto “Do Coronel da Art.a João Tomas Correa de Britto”.
Uma primeira parte trata de como o Exército deve se posicionar diante de uma guerra.
Tem dados de algumas batalhas em algumas praças do Alentejo e a distância entre cada uma
delas. Alguns documentos referem-se ao ano de 1707, o que indica ter mesmo sido escrito
depois dessa data. Depois há uma parte sobre a construção das fortificações tratando dos
métodos holandeses e franceses. Há estampas com figuras geométricas e plantas de
fortificações, bem como instrumentos, por volta da folha 14, mostrando que não se
concentram apenas no fim do manuscrito. Também há uma tabela de conversão de medidas
(portuguesas, francesas, italianas). É só depois de tudo isso que começa o capítulo I – Que
cousa seja ângulo e de como se mede seu valor.

191
Quando foi nomeado era aluno da Academia Militar, mas como já era militar foi nomeado como capitão e não
ajudante. (ANTT, Registro do Conselho de Guerra, Livro 51, f. 40-40v).
192
BNP, Microfilmes reservados F. 3225.
204

O capítulo II trata de como se conhece o valor de cada ângulo das figuras regulares.
Como exemplo, na sequência está transcrito o modo como se acha o ângulo do pentágono:
“seja o pentagono regular [...] figura de 5 ângulos, cujo valor de ângulos quero conhecer,
deito fora 2, e restam 3, estes multiplico por 180 graus, resultam 540 que partidos em 5
ângulos que tem o pentágono, e saem no quociente 108 graus, e de tantos digo ser cada ângulo
do pentágono regular.” (f. 2v). E assim, é feito para os outros “deitando” fora sempre dois e
dividindo pelo resto.
Mostra conhecer o texto do Conde Pagan193 e faz referência a uma tabela por ele
construída para conhecer os ângulos pela base de um triângulo isósceles, embora ele prefira
outra que deixa registrada. Ensina a operar com números da tabela e ainda faz afirmações
sobre a sua validade, que além de ser de fácil uso “[...] escusa o gasto dos semicírculos de
bronze, e outros instrumentos para que nem todos tem dinheiro, nem se acha tão facilmente:
não digo por mim pois tenho muitos e bons que valem muito dinheiro [...]” (f. 11). Nessa
parte ainda se refere à dificuldade que era para os que frequentavam as aulas (de Engenharia
Militar) estarem atualizados e comprarem os instrumentos.
São ao todo 29 capítulos e 23 folhas com desenhos, com as temáticas tratadas como
nos exemplos: “Resumo da castramentação pormenor Das trincheiras” (f. 66), “Dos fortes de
Campanha” (f. 67), “Dos Redutos e Estrelas” (f. 68 v.), “De várias sortes de fortins de meios
Baluartes e seus perfis” (f. 71), “Da medida determinada para o alojamento de uma
companhia de infantaria” (f. 75), “Como se faz a Pólvora” (f. 86), “Das peças do primeiro
gênero” (f. 88), “Das Baterias” (f. 94).
O outro manuscrito escrito por João Tomás Correia é Elementos Geométricos de
Euclides194. No catálogo online da BNP, há a informação de que o título completo existente
na folha de rosto é: “Elementos Geométricos de Euclides: Os Primeiros Seis Livros”. Esses
livros correspondem à parte dos Elementos em que se trata dos problemas de Geometria
Plana.

- Manuel Antônio de Matos


É outro engenheiro militar que deixou manuscritos, atualmente encontrados nos
arquivos da BNP. Frequentou durante cinco anos com aproveitamento a Academia Militar,

193
Autor francês, citado muita vezes por Serrão Pimentel no Método Lusitânico.
194
BNP, Manuscritos reservados COD 5201. Esse exemplar não foi consultado no período de investigação da
autora deste trabalho, por encontrar-se em mau estado e sua consulta não ser permitida pelos funcionários da
BNP.
205

tendo sido nomeado ajudante-engenheiro195 de fortificações da corte por decreto real de 17 de


agosto de 1709. Por decreto de 28 de setembro de 1711 foi nomeado capitão196 de Infantaria
com exercício de engenheiro, ainda na corte e, em 17 de maio de 1718 no posto de sargento-
mor197 com exercício de engenheiro no Algarve. Encontram nos arquivos da BNP dois
escritos seu: Compendio de tactica militar e Tratado mathematico da Arte de municiar as
Praças198, este último com data de 9 de fevereiro de 1709. Poderia questionar se essa data era
do início da escrita das lições que tomava ou do fim, mas é mais provável que seja a última
das hipóteses, já que em agosto desse mesmo ano era nomeado ajudante-engenheiro. Mas as
informações constantes na folha de rosto e no interior dos manuscritos indicam mais. Esses
manuscritos, diferentemente dos de João Tomas Correia, não são “Obras Teóricas”, mas
“Notas de aula”.
Logo no início do Tractado matemático da arte de municiar as Praças há a
informação:
“Em 9 de Fev.ro de 709.
A escrevia M.el An.nio de Mattos sendo lente Domingos Vieyra.”

A seguir estão listados os capítulos que constituem esse compêndio, visto sua
importância, pois se constitue um exemplar que traz lições do então lente Domingos Vieira -
um manual de formação de engenheiros militares com as noções essenciais da ciência e arte
de fortificar. Divide-se em três partes: iconográfica, sobre "o modo de deliniar a planta da
fortificação, e das obras exteriores" (p. 7-200); ortográfica, que trata "do perfil, o qual mostra
as alturas e grossuras, das obras da fortificação" (p. 201-427); e metódica, que explica "o
modo de desenhar a planta da praça, a das obras exteriores" (p. 428-514).
Parte 1ª
“Cap. 1º Dos princípios da fortificação” (p. 7);
“Cap. 3º Do desenho dos polígonos” (p. 67);
“Cap. 4º Do desenho do fosso, e algumas obras exteriores” (p. 119);
“Cap. 5º Do desenho das mais obras exteriores, e do modo desenhar na campanha, o que se
delineou no papel” (p. 160);
Parte 2ª
“Cap. 1º Das muralhas, e obras anexas” (p. 202);

195
ANTT, Registro do Conselho de Guerra, Livro 61 - fl. 146v.
196
ANTT, Registro do Conselho de Guerra, Livro 63 - fl. 165v-166.
197
ANTT, Consulta do Conselho de Guerra, Maço 77.
198
BNP, Manuscritos reservados COD 5176.
206

“Cap. 2º Dos reparos, e algumas obras anexas” (p. 257);


“Cap. 3º Das entradas principais da praça, dos meios com que se asseguram, e das pontes” (p.
309);
“Cap. 4º Da altura, e grossura das obras exteriores, e construção do perfil, e disposição do
interior da praça” (p. 357);
“Cap. 5º Do cálculo das partes da praça” (p. 390)
Parte 3ª
“Cap. 1º Dos métodos franceses” (p. 428);
“Cap. 2º Dos métodos holadeses” (p. 455);
“Cap. 3º Dos métodos de outros Autores” (p. 476);
“Cap. 4º Do desenho de algumas obras exteriores conforme os diversos autores” (p. 491);
“Cap. 5º Do desenho das mais obras exteriores conforme diversos autores.” (p. 500)
Faltam partes do primeiro e segundo capítulos. Há índice nas p. 514-522. De acordo
com o índice, os títulos tratados nas p. 23-46 em falta são: “Das mesmas usadas pelos
Castelhanos”; “Das dos Holandeses”; “Das que usão os Franceses”; “Das suposições”, do
primeiro capítulo da primeira parte; e “Do tiro forte do mosquete”; “Da linha da defesa
fachante”; “Dos dados dos polígonos”; “Das faces do baluarte”; “Do flanco primário”; “Das
questões acerca deste flanco”; “Das Demigolas”, pertencentes ao capítulo segundo da
primeira parte.
Manuel Antônio de Matos começou o texto com o título “Noticia prohemial
pertencente a Arte Munitoria”. Busca relacionar o princípio da vida do homem em
comunidade à fundação ou conquista de cidades. Falou das cercas, das muralhas, dos defeitos
destas, dos planos de Arquimedes, etc. Escreveu sobre a invenção da pólvora e sobre as
mudanças que a partir desse momento sofreram os métodos de fortificar “e logo as muralhas
se transmutaram em grossos reparos, e as torres em baluartes, proporcionando-se conforme a
ofensa do canhão no que os arquitetos militares, se tem aplicados inventando novos
desenhos.” Apresentou indicações de figuras, mas tais não são encontradas no texto. Então
passou a listar os autores que a partir de 1554 publicaram suas obras baseadas nesses ‘novos’
métodos. Essa lista indica os autores conhecidos e, provavelmente, usados em Portugal na
época.
Os tratados que foram dados à luz, sobre a matéria:
De 1554 até 1600: Pedro Caetano italiano, Jacob Santerio Brixiens, Gallano
Alchive, Hironiom Magi, Jacob Castrioto, João Errad de Barlladuc.
De 1604 até 1630: João Francisc Fiamelli Florentino, Hironimo Cataneo Povarienci,
Samuel Marolaez, Pedro Sandi Romano, Henrique Hond, Antonio de Ville, e Fabre.
207

De 1634 até 1660: Antonio Rivan Carpenturacensi; Adão Fritach, Vilhelme de Tich,
Joseph Barea, Conde Pagan, Francisco Florencio Millanez, NIcoláo Goldemar,
Mathias Dogen, Dambrugensi; o Pe. Pedro Bourdin, o Frade do Brevin, com um
nome Silvestre de Bitanvieu.
De 1663 até 1680: Pedro Ruggeiro, o Pe. Gaspar Scotto, Silverne de Britnvieur,
Vicente Mud, João Bryois, Andre Taquet, Lepeda, João de Santans, Vilhegas, Malet,
Pedro Antonio Ramon, Sir Jonas Moore, De Challes e Luiz Serrão.
De 1681 até o presente: Bombele, Blondel, Medrano, Ozanom, Pfefflinger, o Autor
da nova maneira de fortificar, o Anõnimo, com o Método de Vaubam, Abade de fay,
199
Mauleon. (MATOS, 1709, fol. 6 e 6v) .

Nos três primeiros capítulos da 3ª parte – Metódica – listou os autores dos textos por
nacionalidade: franceses, holandeses e outros. Além da exposição do ‘Método’ de cada autor,
há ‘Schollio’, no qual recomendou algumas alterações ou disse que tal método é impraticável,
como fez na f.472, ao reparar o método de Schot de desenhar a planta, desta forma: “Este
Método é impraticável em muitas figuras, porque nele se tomam grandes capitais, e
demigolas, e assim por esta causa as mais partes da fortificação sairam desproporcionadas”.
O outro texto de Manoel Antonio Matos é Compêndio de tática militar200, que também
ficou manuscrito. Mais uma vez, pelas datas que ficaram registradas no manuscrito, pode-se
classificar esse texto como “notas de aula”, certamente também tomadas de Domingos Vieira,
apesar de nesse manuscrito tal informação não ficar latente, como no anterior. O manuscrito
foi composto entre setembro de 1705 e 28 de maio de 1707, datas que figuram no seu interior,
bem como o nome do autor que aparece algumas vezes também no interior. Trata da prática
militar: tática, alojamento e fortificação.
No texto uma passagem na qual se explicam as alterações sofridas na proposta inicial,
deixa transparecer ter sido ditado pelo professor: “[...] Verdade é que mudamos a ordem
primeiro intentada, e que sucedeu principalmente na parte 8ª, a qual pusemos somente em
resumo; porém isto sucedeu por causa de dar luz aos engenheiros volantes, os quais sendo
fantásticos nos fizeram divergir a ordem que primeiro intentávamos” (MATOS, p. 503, apud
CATALOGO online BNP). Mas, como nesse compêndio a Matemática não está explícita, não
se destinou muito tempo de investigação a esse manuscrito, além de as páginas estarem
manchadas, dificultando ainda mais a leitura.
Estes textos ilustram um pouco como eram as lições ditadas por Domingos Vieira.
Está é a principal contribuição que se pode atribuir a eles.

199
A grafia dos nomes não foi alterada nesta sitação, apenas foram desfeitas as abreviações.
200
BNP, Manuscritos Reservados, PBA 105/26 ou F. 5675. Encadernado com outras obras militares e
apontamentos datados entre 1692-1710.
208

- Luis Estevão

Este é outro engenheiro militar dos quais se registram manuscritos. Nomeado em 23


de outubro de 1702 ajudante-engenheiro201 para assistir na Praça de Peniche, passou a ocupar
o posto de capitão, com as mesmas obrigações de assistência em março de 1706 e, conforme
Consulta de 6 de abril de 1724, com patente confirmada em 16 de junho de 1727, foi nomeado
sargento-mor202 de infantaria com exercício de engenheiro das fortificações da mesma praça
de Peniche. Os quatro manuscritos203 que deixou e que têm entradas separadas no catálogo da
BNP estão compilados em um único códice e a cada um deles, dá o nome de Tratado. Na
sequência, está o índice e uma nota muito explicativa:
Index
Dos tratados q contem este livro.
Tratado da Arquitectura Militar, ou Fortificação Moderna.
Tratado da offensa, e deffensa das Praças
Geometria Pratica
Tratado 1º da Trigonometia pratica rectilinea.
Tratado 2º da medição das linhas rectas.
Tratado 3º da medição das superfícies.
Tratado 4º da medição dos corpos sólidos.
Tratado dos nos quebrados, e de suas differenssas, e operações.
Ditados na Fortaleza desta Praça de Peniche pello Capp.am Engenheiro della Estevão
Luis a q. se deu principio. Anno de 1719 (LUIS, 1719, f.3).

O Tratado da Arquitetura Militar, ou Fortificação Moderna tem 44 capítulos (f.4-62


v); Tratado da ofensa e defensa das Praças é constituído por 23 capítulos (f. 63-90 v); O da
Geometria Prática está dividido em outros tratados, conforme já especificado, que vão da
folha 91 a 114; Já o Tratado dos números quebrados e de suas diferenças e operações, ocupa
as folhas 115 a 120v.
No tratado I, o autor começou por fazer uma retomada histórica das fortificações,
dizendo ser Caim o primeiro a fortificar uma cidade, até, resumidamente, dizer que os
métodos mudaram e que das altas muralhas mudou-se para grandes montes de terra. Além
disso, tratou de definições de elementos de Geometria, que o autor diz serem necessárias para
entrar no estudo das fortificações “Antes que tratemos da fortificação daremos notícias de
algumas definições geométricas, e da prática de alguns problemas, e teoremas para melhor
inteligência das operações militares” (f. 4). São definições de ponto, linha, superfície,
retângulo, triângulos, círculo, semicírculo, corpo ou sólido e problemas, como por exemplo, o

201
ANTT, Registro do Conselho de Guerra, Livro 52, f. 170.
202
ANTT, Registro do Conselho de Guerra, Livro 73, f. 93v.
203
BNP, Manuscritos reservados. COD. 5209.
209

de número 2 “de um ponto dado em uma linha levantar uma perpendicularr” (p. 7v)204. Mas,
antes de iniciar o capítulo II escreve que: “A Arquitetura Militar tem por seus certos
princípios, os mesmos que tem a geometria, dos quais tira conclusões infalíveis fica com ela
correndo o mesmo paralelo no nome de ciência” (p.12v). Ainda nessa mesma página
diferencia a (sciencia) de engenheiro da (arte) de pedreiro.
Se ao fazer o restropécto sobre a história da engenharia militar ou arquitetura militar,
obtêm-se indicativos de seguir Serrão Pimentel, ao trazer à tona a importância da geometria
para a formação dos engenheiros militares e chamar a atenção para a diferença entre a ciência
do engenheiro e a arte do pedreiro, explicita pensamentos de Azevedo Fortes. Alias, parece
que Estevão Luís recebeu mesmo essas duas formações, já que frequentou a Academia Militar
quando Francisco Pimentel era lente e Azevedo Fortes o professor substituto. Além disso,
quando ditava essas lições, já devia ter convivido bastante com o então engenheiro-mor,
nomeado no mesmo ano da data desse manuscrito.
Depois de tratar da importância das fortificações para os príncipes, expôs sobre a
construção das fortificações até o final do tratado. No Tratado de Ofensa e defensa das
praças, tratou do modo de marchar o Exército, dos alojamentos, entre outras coisas.
O Tratado da Geometria Prática tem somente 29 folhas e é dividido em outros
tratados, que poderíamos chamar de capítulos. O 1º vai da folha 91 a 98. O 2º inicia-se na
folha 98 e vai até a 102. O seguinte da 102 a 110 e o 4º da 110 a 114. Ao iniciar, disse ser
necessário, antes de passar a tratar da dimensão das linhas e dos corpos, tratar da
Trigonometria. No tratado da Trigonometria explicou que não diria o que são ângulos,
triângulos, graus, pois se supõe sabido a quem quer se aplicar ao uso da Trigonometria e
somente “diremos que coisa sejam senos, tangentes e secantes, e logaritmos”. E são várias
proposições, como a seguinte: “Conhecidos 2 ângulos de um triângulo conhecer o 3º ângulo”
(f. 93).
O 2º tratado ensina a resolver problemas para calcular distâncias inacessíveis, como a
largura de um rio ou a altura de uma torre. O 3º a calcular áreas de triângulos, quadriláteros
retângulos e não retângulos (rombos, rombóides e trapézios), de quaisquer figuras
multilaterais irregulares, do círculo, bem como de qualquer das suas partes, da superfície
convexa de uma esfera e de cada uma de suas partes e, ainda, da superfície do cone, do
cilindro, do esferóide e dos cinco corpos regulares. O 4º e último tratado trata da medição dos
corpos ou sólidos. Em poucas linhas, explicou sobre a forma de medir de cada um deles,
204
Esta é também a ordem apresentada no COD 2146, outro manuscrito da BNP.
210

juntando alguns que têm as suas particularidades, como o cilindro com os primas, as
pirâmides com os cones. Depois tratou das medidas dos cinco corpos regulares, da esfera, do
esferóide (elipse) e da conóide parabólica e ainda da medida dos corpos irregulares. Para
todos os casos, as regras são expostas somente na forma escrita, não tem nenhuma
simbologia.
No Tratado dos números quebrados e suas diferentes operações, começou dizendo
que as mesmas quatro regras (operações) usadas para operar com números inteiros, também
são usadas para os números quebrados, mas apresentou alguns axiomas, como: “todo número
menor é parte ou partes do número maior” ou “Um inteiro se pode dividir em quantas partes
se quiser e em quantas partes se dividir, tantas se lhe dará por denominação.” Tratou da
natureza dos quebrados e sua origem (dividir um número por outro e sobrar resto ou quando
se reparte um número menor por outro maior). Depois de como se lê e se representa o número
quebrado, da simplificação “redução de quebrados a menor denominação”, da redução de
inteiros a quebrados e quebrados a inteiros, de assentar inteiros com quebrados e reduzir um
quebrado a outro e da redução de quebrados a um comum denominador. Para este último
propôs sete exemplos.
Na sequência, passou a abordar as operações com os quebrados: adição, subtração,
multiplicação e divisão. Ao começar a explicar a adição, disse que esta operação não é mais
que reduzir a um mesmo denominador, passando por todas as outras operações e termina com
“saber o valor de um quebrado de quebrado”. Definitivamente, nem tocou nos termos
aritmética decimal ou dízima.
Nesse texto pode-se afirmar que não há semelhanças com a forma como esse conteúdo
é exposto em Lógica Analítica, por Fortes. Estevão Luís, além de ser muito sucinto, escreveu
de outra forma, usou outros exemplos. Se foi aluno de Francisco Pimentel, seu texto sobre os
números quebrados poderia ter semelhanças com o que existe no Método Lusitânico, de
Serrão Pimentel, já que o filho usava esse texto para dar as aulas. Mas, se o seguiu, os
exemplos registrados no manuscrito não carregaram a identidade dos exemplos do Método
Lusitânico.
211

ANEXO A – Decreto de 1701

“Sendo conveniente, que haja neste Reyno muytos Engenheyros, ser mais facil aos homens o
aplicaremse a aprender nas suas terras, havendo a isso consideração e também a que nas
Provincias de Alem-Tejo, Beyra e Minho se achão Manoel Mexias, e Jeronymo Velho, seu
filho, Manuel Pinto de Villa Lobos, e todos muyto capazes de poderem dar doutrina muyto
proveytosa, hey por bem, que em cada huma das ditas Provincias haja quatro partidos de
Aula, e se forem soldados os que os occuparem, que sempre precederão aos outros, com a
declaração, que os tiverem o partido, não hão de subir aos postos senão pelos Engenheyros,
empregando-se ou no Reyno, ou nas Conquistas, e terão dez mil reis cada hum anno de mais
do seu soldo, e quando estudarem na Aula os que não forem soldados, se lhes darão quinze
mil reis de partido, e huns e outros serão todos os annos examinados, e com juramento do
Lente, em que declare, que tem aproveytado respectivamente ao seu estudo, se lhes continuará
o partido o outro anno, e o que houver tido negligencia, se lhe dará bayxa, entrando em seu
lugar outro soldado, ou não soldado, conforme o genio, que tiver: e porque tambem he
conveniente, que os soldados que não houverem de ser Engenheyros saibam de mais dos
esquadroens, o que à fortificação e artelharia pertence, se lhes dará postilla em huma e outra
parte, e com certidão do Lente, em que declare que tem bastante sufficiencia em qualquer ou
ambas as ciencias, se haverá a isso respeyto muyto particular para lhe dar precedencia no
adiantamento dos postos aos outros, concorrendo nelles igual valor e actividade, que nos
mais, que com elle se oppozerem, pois he razão, que as antecedentes circunstancias
acompanhadas das subsequentes precedão a quem só huma tiver. A Junta dos tres Estados, o
tenha assim entendido, e para este effeyto mandará passar logo as ordens necessarias. Lisboa
vinte de Julho de mil, setecentos e hum. Com rublica de sua Magestade” (FORTES, 1733, p.
59-61).

ANEXO B – Decreto de 1732

“Por ser conveniente ao meu serviço, que se appliquem os meus vassallos à doutrina militar
tão importante para a defensa, e conservação do meus estados, e que haja Academias militares
em que possão aprender esta ciencia: Hey por bem que (além da Academia Militar
212

estabelecida nesta Corte, e a da Praça de Viana na Provincia do Minho), se estabeleção mais


duas Academias Militares, huma na Praça de Elvas, Provincia de Alem-Tejo, e outra na de
Almeyda, Provincia da Beyra, cujos Lentes, e substitutos nomearey, constandome da sua
capacidade, e nas ditas Academias se observará o mesmo, que se deve observar na desta
Corte, no que respeyta às liçoens, e frequencia dos discipulos, e tudo o mais que a este
respeyto esta estabelecido por decretos e resoluções minhas, e que pelo tempo adiante eu for
servido determinar, sendo a doutrina em todas as Academias uniformes nas postillas, que se
dictarem: e no livro de ponto, em que se notão as faltas dos discípulos, que tem partido, se
fará tambem assento a todos os mais em geral, e se notarão as suas faltas para se lhes attender
nos exames, que fizerem, nos quaes se houver igualdade de frequencia, e de doutrina, devem
preceder estes aos do partido, obrigando-se porém às mesmas condiçoens, às quaes aquelles
se obrigão e sou servido, que os officiais e soldados de minhas tropas que cursarem as ditas
Academias, e fizerem especial progresso nellas sejam attendidos para os seus
accrescentamentos no meu Concelho de Guerra, e os discipulos que nas ditas Academias se
applicarem para seguir a profissão de Engenheyros, não subirão aos postos sem serem
examinados e o serão para todos os postos a que se oppozerem até o de Tenente Coronel
inclusive, porque para os mais postos de Tenente Coronel para sima se suppoem não
necessitarem já de exame, o qual se fará pelo Engenheyro mór do Reyno, e mais
examinadores, na presença dos ministros do Concelho de Guerra e da Junta dos tres Estados, a
quem se ajuntarão outras pessoas militares nas occasioens que eu for servido nomeallas e
serão perguntados sobre todas as partes de que se compoem aquella profissão, como
acampamentos, entrincheyramentos dos exércitos, ataques geraes e particulares, mediçoens,
plantas, e cartas geográficas, e mais particularmente no que respeyta às fortificaçoens, ataques
e defensas de praças, advertido que não só se devem applicar à fórma, e methodo das ditas
fortificaçoens, mas com igual cuidado aprenderão o modo com que se deve fabricar com
segurança para que não haja engano na escolha dos materiais, e de tudo o mais que depende
da pratica; e para que os offficiaes militares com a comunicação e frequencia dos engenheiros
se possam melhor instruir na doutrina militar: Sou outro sim servido, que em cada regimento,
ou terço pago da Infantaria haja daqui em diante huma companhia, em que os oficiaes della
sejam Engenheyros de profissão, e será em cada regimento aquella companhia, em que
primeyro vagar o posto de Capitão, depois de accomodados os officiaes entretidos dos
exércitos, e quanto aos officiaes de Sargento mór inclusive para sima, que se acham nos
postos da Infantaria, com exercicio de Engenheyros, poderão ser oppositores a iguaes postos
que vagarem na mesma Infantaria; e porque se tem introduzido que os Mestres dos officios de
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Pedreyro e, Carpinteyro são os medidores das obras de seus próprios officios ignorantes da
Geometria: Sou tambem servido ordenar que os que houverem de ser medidores das obras
civis, aprendam nas Academias a parte da Geometria pratica que pertence às mediçoens, e
para exercitarem daqui em diante, serão examinados pelo Engenheyro mór do Reyno (ou por
outras pessoas, que eu for servido nomear) que lhes passará certidão para poderem ter o dito
exercicio, e as camaras deste Reyno, e Senhorios, não passarão cartas de medidores, senão às
pessoas que forem assim approvadas. O Concelho de Guerra o tenha assim entendido, e pela
parte que lhe toca, o faça executar. Lisboa Occidental vinte e quatro de Dezembro de mil
setecentos e trinta e dous. Com rublica de sua Magestade” (FORTES, 1733, p. 78-82).

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